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Avaliacao Minha Casa Minha Vidamcmv_nacional2015

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  • Minha Casa... E a Cidade?

  • Caio Santo AmoreLcia Zanin Shimbo

    Maria Beatriz Cruz Rufino(Organizadores)

    Minha Casa... E a Cidade?Avaliao do Programa

    Minha Casa Minha Vida em seis estados Brasileiros

  • Copyright Caio Santo Amore, Lcia Zanin Shimbo e Maria Beatriz Cruz Rufino (Organizadores), 2015

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem a autorizao prvia por escrito dos organizadores, poder ser

    reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.

    Editor: Joo Baptista Pinto Capa: Thais Nassif

    projEto GrfiCo: Rian Narcizo Mariano

    rEviso: Alcia Toffani (cap. 1, 2 e 3), Pedro Bastos (cap. 4 e 7), Marcia Regina Choueri (cap. 5), Maria do Cu Vieira (cap. 6), Eva Celia Barbosa (cap. 10), Mariana Pires (cap. 14). Demais captulos foram revisados pelos autores.

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    obsErvatrio das MEtrpolEs - ippUr/UfrjCoordenao Geral: Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro

    Av. Pedro Calmon, 550, sala 537, 5 andar Ilha do FundoCep 21.941-901 Rio de Janeiro, RJ

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    lEtra Capital EditoraTelefax: (21) 2224-7071 / 2215-3781

    [email protected]

    M62

    Minha casa... e a cidade? avaliao do programa minha casa minha vida em seis estados brasileiros / organizao Caio Santo Amore , Lcia Zanin Shimbo , Maria Beatriz Cruz Rufino. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2015. 428 p. : il. ; 23 cm.

    ISBN 9788577853779

    1. Poltica urbana - Brasil. 2. Planejamento urbano - Brasil. 3. Comunidade urbana - Desenvolvimento. I. Amore, Caio Santo. II. Shimbo, Lcia Zanin . III. Rufino, Maria Beatriz Cruz

    15-22630 CDD: 307.760981 CDU: 316.334.56(81)

  • Sumrio

    Parte 1: Questes comuns, mtodos e eixos de anlise da rede cidade e moradia

    Captulo 1 - Minha Casa Minha Vida para iniciantes ....................11Caio Santo Amore

    Captulo 2 - Mtodos e escalas de anlise ........................................29Lcia Zanin Shimbo

    Captulo 3 - Um olhar sobre a produo do PMCMV a partir de eixos analticos .................................................................51Maria Beatriz Cruz Rufino

    Parte 2: Avaliao do Programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros

    Captulo 4 - A implementao do Programa Minha Casa Minha Vida na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro: agentes, processos e contradies ......................................................73Adauto Lucio Cardoso; Irene de Queiroz e Mello; Samuel Thomas Jaenisch

    Captulo 5 - A produo do Programa PMCMV na Baixada Santista: habitao de interesse social ou negcio imobilirio? .....................103Maria Beatriz Cruz Rufino, Danielle Cavancanti Klintowitz, Natasha Mincof Menegon, Margareth Matiko Uemura, Ana Cristina Ferreira, Carolina Frignani e Filipe Barreto

    Captulo 6 - Insero urbana e segregao espacial: anlise do Programa Minha Casa Minha Vida em Fortaleza ...........131Renato Pequeno; Sara Vieira Rosa

  • Captulo 7 - possvel transformar em cidade a anticidade? Crtica ao urbanismo de empreendimentos do PMCMV ................165Luciana da Silva Andrade

    Captulo 8 - Programa Minha Casa Minha Vida: desafios e avanos na Regio Metropolitana de Belo Horizonte ....................................195Denise Morado Nascimento, Heloisa Soares de Moura Costa, Jupira Gomes de Mendona, Marcela Silviano Brando Lopes, Rosamnica da Fonseca Lamounier, Thais Mariano Nassif Salomo e Andr Costa Braga Soares

    Captulo 9 - Projeto e produo da habitao na regio central do estado de So Paulo: condies e contradies do PMCMV .....229Joo Marcos de Almeida Lopes e Lcia Zanin Shimbo

    Captulo 10 - Trabalho social no Programa Minha Casa Minha Vida: a experincia da cidade de Osasco/So Paulo .................................255Rosangela Dias Oliveira da Paz, Carola Carbajal Arregui,Maria de Lourdes da Paz Rodrigues e Marisa A. Almeida Blanco

    Captulo 11 - Viver na cidade, fazer cidade, esperar cidade. Inseres urbanas e o PMCMV-Entidades: incurses etnogrficas ..................289Cibele Saliba Rizek, Caio Santo Amore, Camila Moreno de Camargo, Andrea Quintanilha de Castro, Rafael Borges Pereira;Daniela Perre Rodrigues e Marina Barrio Pereira

    Captulo 12 - Minha Casa, Minha Vida na Regio Metropolitana de Natal: insero urbana, qualidade do projeto e seus efeitos na segregao socioespacial ...............................................................323Maria Dulce P. Bentes Sobrinha, Alexsandro Ferreira C. da Silva, Marcelo Bezerra de M. Tinoco, Glenda Dantas Ferreira,Eliana Costa Guerra e Francis L. Barbosa da Silva

    Captulo 13 - Estratgias de produo habitacional de interesse social atravs do PMCMC na Regio Metropolitana de Belm e no sudeste do Par ...........................................................................353Jos Jlio Lima, Ana Claudia Cardoso, Roberta Menezes Rodrigues, Juliano Ximenes Ponte, Raul Ventura da Silva Neto e Ana Carolina Campos de Melo

  • Captulo 14 - Insero urbana no PMCMV e a efetivao do direito moradia adequada: uma avaliao de sete empreendimentos no estado de So Paulo ............................................................................391Raquel Rolnik, lvaro Luis dos Santos Pereira, Ana Paula de Oliveira Lopes, Fernanda Accioly Moreira, Jlia Ferreira de S Borrelli, Luanda Villas Boas Vannuchi, Luciana Royer, Luis Guilherme Alves Rossi, Rodrigo Faria Gonalves Iacovini e Vitor Coelho Nisida

    Captulo 15 - guisa de concluso: nota pblica da Rede Cidade e Moradia .................................................................417

    Anexo - Fichas tcnicas das pesquisas ...............................................421

  • Parte 1: Questes comuns, mtodos e eixos de anlise da rede cidade e moradia

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    CaptUlo 1Minha Casa Minha Vida para iniciantes

    Caio Santo Amore1

    Suponhamos um brasileiro que tenha vivenciado os anos de luta contra a ditadura militar, assistido rpida e concentrada urbani-zao e emergncia dos movimentos sociais urbanos; acompanhado a poltica rodoviarista que incentivou o crescimento urbano horizontal e espraiado; a poltica habitacional autoritria do Banco Nacional da Habitao (BNH) que beneficiou amplamente as classes mdias e que construiu conjuntos habitacionais populares de baixa qualidade em reas perifricas ; e a poltica habitacional real que relegou as populaes de menor renda a favelas e loteamentos precrios. Supo-nhamos que este brasileiro tenha entrado em estado de coma em 1986 isolando-se de qualquer notcia sobre o Brasil e o mundo, portanto e voltado vida apenas em meados de 2014.

    De cara, ele receberia uma avalanche de notcias: saberia do processo constituinte e da Constituio Cidad; do primeiro presi-dente eleito diretamente depois de mais de duas dcadas que se viu obrigado, no meio de seu mandato, a renunciar ao cargo depois de uma forte presso popular; dos seus sucessores, todos com duplo mandato: o professor-socilogo, o operrio que liderava as greves nos anos 1980, a militante da luta armada nos anos da ditadura. Seria informado das mudanas da moeda, dos anos de recesso, dos nveis de desemprego a que chegamos, do descontrole/controle da inflao, da retomada do crescimento. Provavelmente se assustaria com os 83% da nossa populao vivendo nas cidades, e lhe contariam como os problemas urbanos se agravaram trnsito, violncia, poluio, ocupao de reas de proteo ambiental, precariedade e falta de moradia. Seria informado de que, na sua ausncia, o BNH foi extinto, que a poltica

    1 O texto contou com a colaborao de Lcia Shimbo, Adauto Cardoso e Raquel Rolnik.

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    Captulo 1 - Minha Casa Minha Vida para iniciantes

    urbana e habitacional se pulverizou pelos estados e municpios e que s depois de dezessete anos foi criado um ministrio para lidar com as cidades.

    Contariam a ele que um programa habitacional lanado em 2009 contratou em apenas cinco anos quase 80% das unidades que o BNH financiou nos seus 22 anos de existncia, sendo que cerca da metade dessas unidades j foi entregue2; que esse programa atende primor-dialmente a famlias de menor renda, pois tem nveis de subsdios que podem chegar a 96% dos valores financiados, que a produo habi-tacional ganhou escala industrial. Esse brasileiro saberia ainda que o programa permite que entidades populares sejam responsveis diretas pelos contratos, que organizem as famlias beneficirias, discutam os projetos e acompanhem a execuo das obras e provavelmente ficaria impressionado com a obrigao de que a produo seja acompanhada de trabalho social, organizativo e comunitrio, com recursos desti-nados exclusivamente para isso.

    Possivelmente, depois do espanto, depois de imaginar que uma revoluo urbana tenha se dado em nosso pas ou que, finalmente, um pacto socioterritorial de incluso dos trabalhadores finalmente se realizou entre ns, se nosso brasileiro tivesse a possibilidade de percorrer as nossas cidades e, particularmente, as periferias, ele talvez se perguntasse at que ponto todas essas novidades efetivamente se diferenciavam da realidade que ele presenciara na dcada de 1970. Buscando respostas para esse espanto e essas dvidas, ele tomaria em suas mos este livro. Ao longo de suas pginas, reconheceria os avanos alardeados, mas, olhando mais profundamente os contextos regionais e locais e os resultados de toda essa produo, poderia tambm se situar criticamente.

    com esse esprito que foram produzidos os captulos que se seguem: olhar criticamente para a produo, analisando dados quanti-tativos e qualitativos, abordando escalas diversas, modalidades e fases do programa, a qualidade construtiva e arquitetnica, os impactos urbansticos e sociais dos empreendimentos, os efeitos sobre a vida das famlias e dos indivduos que tm se beneficiado das moradias.

    Trata-se de uma produo coletiva de equipes autnomas, que

    2 Estudos sobre o BNH apontam que durante sua existncia foram financiadas apro-ximadamente 4,5 milhes de moradias, de toda a produo, incluindo a produo informal. Os dados gerais do Programa Minha Casa Minha Vida em meados de 2014 davam conta de 3,5 milhes de unidades contratadas, 1,7 milhes entregues.

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    Caio Santo Amore

    analisaram diferentes aspectos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) a partir de projetos de pesquisa aprovados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) e pelo Ministrio das Cidades, em edital lanado em 2012. So equipes articuladas em uma rede, denominada Rede Cidade e Moradia, que partiram de uma perspectiva de anlise comum a questo da insero urbana dos conjuntos habitacionais que deu unidade s abordagens. As equipes, entre 2013 e 2014, reuniram-se sistematica-mente, compartilharam metodologias, dados, hipteses e achados de pesquisa. So onze equipes que falam sobre a produo em seis estados da federao, das regies Norte, Nordeste e Sudeste (Par, Cear, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Rio de Janeiro e So Paulo), vinculadas a seis universidades pblicas, uma universidade privada e ainda a duas ONGs.

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    Captulo 1 - Minha Casa Minha Vida para iniciantes

    Quadro 1: Instituies e temticas dos projetos de pesquisa da Rede Cidade e Moradia

    Estado Instituio Coordenao Temtica/Territrio dos projetos

    SP

    FAU-USP (LabCidade) Raquel Rolnik

    Ferramentas de avaliao da insero urbana a partir da produo nas Regies Metropolitanas de So Paulo e de Campinas.

    PlisMargareth Matiko Uemura e Danielle Klintowitz

    Impactos urbanos, ambientais e sociais junto s famlias beneficirias da produo na Regio Metropolitana da Baixada Santista.

    IAU-USP (Habis)Lcia Shimbo, Joo Marcos Lopes e Kelen Dornelles

    Dimenses econmico-produtivas, tecnolgica, urbanstica, arquitetnica e de desempenho ambiental na regio central do estado de So Paulo.

    IAU-USP (Leauc) + Peabiru

    Cibele Rizek e Caio Santo Amore

    Pesquisa exploratria em todo o universo da produo da modalidade PMCMV-Entidades no estado de So Paulo e incurses etnogrficas em casos selecionados.

    CEDEPE-PUC-SP (Nemos) Rosangela Paz

    Trabalho Social e impactos econmicos e sociais na vida das famlias beneficirias de empreendimento em Osasco.

    RJ

    IPPUR-UFRJ (Observatrio das Metrpoles)

    Adauto CardosoImpactos urbanos e sociais da produo na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro.

    PROURB-UFRJ (CiHabE) Luciana Andrade

    Pesquisa-interveno, avaliao dos projetos em contraponto s necessidades e potencialidades dos moradores em empreendimento selecionado no Rio de Janeiro.

    MG EA-UFMG (Prxis) Denise Morado

    Insero urbana e pressupostos de projeto e da organizao espacial das unidades na produo na Regio Metropolitana de Belo Horizonte.

    RN DARQ-UFRN (LabHabitat) Dulce BentesQualidade dos projetos e impactos urbanos e ambientais na produo na Regio Metropolitana de Natal.

    CE DAU-UFC (LEHAB) Renato PequenoArranjos institucionais e papel dos agentes envolvidos na produo na Regio Metropolitana de Fortaleza.

    PA FAU-UFPA (Labcam) Jos Jlio Ferreira Lima

    Impactos urbanos e econmicos decorrentes da produo na Regio Metropolitana de Belm e no Sudeste do Par.

    Fonte: Elaborao prpria (2015).

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    Caio Santo Amore

    Pr-requisitos: para entender o Programa Minha Casa Minha Vida

    O Brasil no para principiantes, dizia o maestro Tom Jobim. Da mesma forma, a anlise e compreenso de um programa habita-cional das dimenses do Minha Casa Minha Vida requer uma obser-vao ampla e cuidadosa do desenho poltico e financeiro e dos seus impactos indelveis sobre as cidades, que ultrapasse a anlise mais imediata das quantidades ou das aparncias urbansticas e arquitet-nicas dos empreendimentos. O Minha Casa Minha Vida , antes de tudo, uma marca, sob a qual se organiza uma srie de subprogramas, modalidades, fundos, linhas de financiamento, tipologias habitacio-nais, agentes operadores, formas de acesso ao produto casa prpria esta sim uma caracterstica que unifica as diferentes experincias. Esta introduo procura apresentar brevemente o contexto que levou ao lanamento do programa e um conjunto mnimo de conceitos que o organizam e que sero mobilizados nos artigos decorrentes de todas as pesquisas aqui reunidas.

    O Minha Casa Minha Vida , na origem, um programa econ-mico. Foi concebido pelos ministrios de primeira linha Casa Civil e Fazenda em dilogo com o setor imobilirio e da construo civil, e lanado como Medida Provisria (MP 459) em maro de 2009, como uma forma declarada de enfrentamento da chamada crise dos subprimes americanos que recentemente tinha provocado a quebra de bancos e impactado a economia financeirizada mundial.

    O Ministrio das Cidades teve, nesse momento, um papel bastante lateral. Estava, desde 2003, em um processo muito mais cuidadoso de construo poltica de um sistema de cidades e de habitao de interesse social. Mesmo com as mudanas na conduo poltica da pasta, ocorridas em 2005, a Secretaria Nacional de Habitao procu-rava manter essa construo: tentava implementar o Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social (SNHIS) e o Fundo Nacional de Habitao de Interesse Social (FNHIS) nascido do primeiro projeto de lei de iniciativa popular, apresentado ao Congresso Nacional em 1991 e aprovado em 20053 e conduzia um processo participativo de elaborao de um Plano Nacional de Habitao (PlanHab), contando com o conjunto de segmentos que compem o Conselho das Cidades,

    3 Lei Federal n. 11.124/2005. Disponvel em , acesso em outubro de 2014.

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    Captulo 1 - Minha Casa Minha Vida para iniciantes

    desde sua criao em 20034. Com o SNHIS/FNHIS previam-se fundos articulados nos diferentes nveis federativos, todos controlados social-mente por conselhos com participao popular e com aes plane-jadas em Planos Locais de Habitao de Interesse Social (PLHIS), obrigatrios aos entes federados que quisessem se habilitar no sistema e receberem recursos federais. Os Planos seriam os responsveis por definir claramente as necessidades habitacionais de cada muni-cpio, bem como apresentar uma estratgia para enfrent-las. Ainda de acordo com o modelo proposto, os PLHIS deveriam suceder os Planos Diretores Participativos, tambm obrigatrios para o conjunto de municpios brasileiros com mais de 20.000 habitantes, e deveriam, entre outras medidas de carter fsico e territorial, apresentar uma estratgia fundiria para o tema da moradia. Uma articulao inusi-tada entre movimentos de luta pela moradia e setores empresariais representados no Conselho Nacional das Cidades estava em curso desde 2008, com o lanamento da Campanha Nacional pela Moradia Digna uma prioridade social5, cuja meta era a aprovao de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que vinculasse 2% dos recursos oramentrios da Unio e 1% dos estados, Distrito Federal e municpios aos seus respectivos Fundos de Habitao de Interesse Social, lastreando permanentemente a poltica nacional de produo habitacional. Mas o momento parecia exigir respostas mais rpidas.

    O contexto da crise econmica, junto com o enfraquecimento do Ministrio das Cidades no seu papel de formulador e condutor da poltica urbana, levou o governo acolher a proposta do setor da construo civil, apostando no potencial econmico da produo de habitao em massa. Prometia-se construir 1 milho de casas, num primeiro momento sem prazo definido, investindo 34 bilhes de reais oriundos do oramento da Unio e do Fundo de Garantia por Tempo de Servio (FGTS), alm de recursos para financiamento da infraestrutura e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES), para financiamento da cadeia produtiva. Com essa iniciativa de carter anticclico, previa-se gerar empregos num setor

    4 O Conselho das Cidades foi institudo no ano de criao do Ministrio das Cidades e conta com a participao de uma grande multiplicidade de atores com atuao sobre questes urbanas: movimentos populares, ONGs, universidades, empresrios, alm de setores do Estado, poderes executivo e legislativo, nos seus diversos nveis federativos.5 Ver pgina da campanha na internet, disponvel em , acesso em julho de 2014.

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    Caio Santo Amore

    da economia capaz de mobilizar diversos outros setores associados: desde a indstria extrativista e produtora dos materiais bsicos da construo civil at a indstria moveleira e de eletrodomsticos, que ativada no momento da entrega das chaves.

    As apresentaes oficiais que acompanharam o lanamento do programa se apoiavam nos dados quantitativos do dficit habitacional quela altura calculado em 7,2 milhes de moradias, 90% delas concentradas nas faixas de renda inferiores a trs salrios mnimos, 70% nas regies Sudeste e Nordeste, quase 30% nas regies Metro-politanas para afirmar que o Programa o reduziria em 14%. Uma importante novidade em relao s prticas do BNH, que se carac-terizou por desvios sistemticos no atendimento das chamadas demandas sociais, era a preocupao com a produo para as rendas inferiores: 400 mil unidades (40% da meta) deveriam ser destinadas a famlias com renda de at 3 salrios mnimos, o que se viabilizaria com o aporte de 16 bilhes de reais em recursos da Unio (70% de todo o investimento). Tratava-se de um nvel de subsdio que nem mesmo o PlanHab previra em seus cenrios mais otimistas. Havia ainda a inteno de distribuio regional, concentrando a produo nos estados do Sudeste e do Nordeste, com prioridade para munic-pios com mais de 100 mil habitantes e excluindo aqueles com menos de 50 mil, acompanhando a distribuio do dficit. O Programa fazia uma leitura bastante simplificada do problema habitacional, que, por exemplo, o PlanHab pretendia atacar por meio de uma grande diversidade de programas e produtos habitacionais, adequados para as onze tipologias de municpios que o Plano havia organizado em funo das caractersticas demogrficas e das dinmicas econmicas.

    Alguns textos que se adiantaram na reflexo sobre os possveis impactos do programa chamavam a ateno para o descolamento entre dficit e metas de produo: afinal, se 90% do dficit estava nas faixas de renda de at trs salrios mnimos, por que apenas 40% das unidades era direcionada a essa faixa6? Apontavam tambm a prevalncia dos interesses dos setores imobilirio e da construo civil no processo de formulao do Programa, pois os 60% restantes das moradias para rendas superiores j tinham se consolidado como mercado para esses setores pelo menos nos cinco anos que antece-deram o lanamento do Minha Casa Minha Vida. O aspecto de cons-

    6 Por exemplo, Arantes e Fix (2009), Maricato (2009), Rolnik e Nakano (2009).

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    Captulo 1 - Minha Casa Minha Vida para iniciantes

    truo poltica representado pela estruturao do SNHIS foi tambm apontado pelos primeiros analistas, que mostravam como o PlanHab apresentado ao Ministrio depois de ampla discusso com setores da sociedade era absolutamente negligenciado no programa. O perigo de se repetirem os erros reconhecidos do BNH, de produo perif-rica em locais mal servidos por infraestrutura urbana, j era mencio-nado, tendo em vista a desarticulao da produo habitacional em relao s matrias urbansticas, em relao s aes municipais de regulao do uso e ocupao do solo, que estariam apoiadas na efeti-vao da funo social da propriedade, na implementao dos instru-mentos do Estatuto da Cidade, na elaborao dos Planos Diretores em bases diferentes daquelas que os tinham caracterizado durante os anos 1970 e 1980. A questo da terra, o n da poltica urbana brasi-leira, e da segregao socioespacial eram enfim apontadas como o principal gargalo que o Minha Casa Minha Vida no enfrentava, com consequncias ainda difceis de serem previstas.

    A despeito das crticas, o Programa veio a cabo. Contratou, produziu, gerou empregos e muitas das previses se confirmaram, como se ver ao longo desta publicao. O sucesso quantitativo e a boa repercusso na opinio pblica fizeram o Programa se consolidar na poltica urbana em nvel nacional, com impactos que esto se fazendo sentir no cotidiano das cidades grandes, mdias e pequenas. Ajustes sistemticos dos nveis de financiamento para cada fundo utilizado vm sendo realizados, autorizou-se a produo em municpios com menos de 50 mil habitantes o que no era previsto inicialmente , incorporaram-se especificaes mnimas para os projetos e para as construes, estabeleceram-se parmetros para o trabalho social, e definiram-se metas e responsabilidades federativas para a implan-tao dos equipamentos pblicos que deveriam acompanhar os empreendimentos. Organizaram-se critrios pblicos para habilitao de entidades populares que tivessem interesse (experincia e condi-es tcnicas) em produzir habitao, autorizaram-nas a comprar a terra antes que todo o empreendimento estivesse viabilizado e devida-mente licenciado. um programa em permanente construo e que, no momento de disputa eleitoral do fim do ano de 2014, teve sua conti-nuidade garantida nos discursos e plataformas de todos os candidatos Presidncia da Repblica, sendo que a presidenta reeleita j tinha se adiantado no compromisso com uma nova fase a partir de 2015.

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    Caio Santo Amore

    Fases 1 e 2

    Esse compromisso, a garantia de continuidade assumida de maneira geral pelos candidatos Presidncia, aponta para novas metas quantitativas, com a promessa de contratao de mais 3 milhes de moradias. Foi o que ocorreu em 2011. Depois de dois anos de funcio-namento (de 2009 a 2011), cumprida a meta quantitativa de 1 milho de unidades contratadas, a Fase 2 do programa foi lanada com o objetivo de contratao de mais 2 milhes de unidades, incluindo uma reviso dos limites de cada faixa de renda, com aumento dos custos mximos das unidades e com a incorporao de especifica-es mnimas que incluram a exigncia de acessibilidade universal, aumentando as dimenses dos ambientes, e de padres mnimos de acabamento.

    Quadro 2: Fases do PMCMV

    Fase do programa Incio Fim

    Fase 1 PMCMV 1 Abril de 2009 Junho de 2011

    Fase 2 PMCMV 2 Junho de 2011 Dezembro de 2014

    Fonte: Elaborao prpria (2015).

    Faixas de renda

    A Fase 2 tambm indicou a priorizao das faixas inferiores de renda que passaram a responder pela meta de 60% das contrataes, em resposta aos dados do dficit que historicamente se concentra entre as famlias com renda de at trs salrios mnimos. Ocorre que o PMCMV no indexado pelo salrio mnimo, o que poderia ter provocado distores e a excluso dos mais pobres diante da poltica de aumento sistemtico dos seus valores que tem sido praticada desde 2003. Por isso, as faixas de renda foram definidas em reais, sem correo desde o lanamento da Fase 2, cada qual associada a diferentes fundos, nveis de subsdio, tetos de financiamento e custos de produo.

    O PMCMV ainda inclui investimentos com recursos orament-rios e do FGTS para a produo e reformas de habitaes rurais no chamado Programa Nacional de Habitao Rural (PNHR), contra-tados com entidades governamentais e sociais sindicatos, associa-es, cooperativas. Nesse caso, no valem os critrios de corte por renda familiar mensal, mas pela renda anual, determinada em grande medida pela sazonalidade das safras ou produo agropecuria. Trata-

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    Captulo 1 - Minha Casa Minha Vida para iniciantes

    se, entretanto, de uma produo que no foi estudada pelas pesquisas aqui reunidas, todas concentradas em reas urbanas.

    Quadro 3: Faixas de renda no PNHR (Fase 2)

    Grupo Renda bruta familiar anual Subsdios

    Grupo 1 At 15.000,00 reais Integral

    Grupo 2 De 15.000,01 a 30.000,00 reaisDescontos de 7.610,00 reais do FGTS, subsdio para assistncia tcnica e equilbrio econmico financeiro

    Grupo 3 De 30.000,01 a 60.000,00 reais Subsdio para assistncia tcnica e equilbrio econmico financeiro

    Fonte: Elaborao prpria (2015).

    Quadro 4: Faixas de renda do PMCMV por fases

    Fase Faixa Renda familiar mensal

    Fase 1

    Faixa 1 At 1.395,00 reais

    Faixa 2 De 1.395,01 a 2.790,00 reais

    Faixa 3 De 2.790,01 a 4.650,00 reais

    Fase 2

    Faixa 1 At 1.600,00 reais

    Faixa 2 De 1.600,01 a 3.100,00 reais

    Faixa 3 De 3.100,01 a 5.000,00 reais

    Fonte: Elaborao prpria (2015), com base em informaes retiradas nas pginas da inter-net do Ministrio das Cidades, Caixa Econmica Federal e do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC).

    Fundos e formas de acesso ao produto casa prpria

    Para a Faixa 1 de renda, so mobilizados os dinheiros baratos, que no exigem retorno, sobre os quais no se aplicam juros, admi-tindo subsdio quase integral para as famlias com renda mais baixa. As operaes financeiras so garantidas pelo Fundo Garantidor, que lastreado por recursos da Unio e permite a eliminao dos seguros no custo do financiamento. O Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) utilizado em operaes realizadas diretamente pelas prefei-turas, pelas construtoras ou em parceria entre estes agentes. A cons-trutora pode apresentar ao rgo financiador a operao completa, com terreno, projetos e licenciamentos, oramentos e cronogramas. A prefeitura pode disponibilizar terra e promover chamamentos para que construtoras apresentem o pacote completo da produo: projetos, licenciamentos e obras.

    Esses empreendimentos, quando concludos, so ocupados pelas

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    Caio Santo Amore

    famlias que atendam aos requisitos de corte do programa (renda mxima, no ser proprietria de outro imvel, no ter sido atendida em outro programa habitacional, no ter restries cadastrais); e tambm que pontuem segundo critrios nacionais (mulher chefe de famlia, presena de deficientes fsicos na famlia, estar em rea de risco) e adicionais, definidos por cada municpio, seguindo parmetros prprios de vulnerabilidade e territorialidade. o municpio, portanto, que hierarquiza a demanda do empreendimento uma vez concludo.

    H ainda os empreendimentos que tm demanda fechada, ou seja, que esto vinculados a reassentamento de famlias decorrentes de obras de urbanizao de assentamentos precrios, projetos de infraes-trutura que geram remoes assim como estratgias de eliminao de riscos. O Minha Casa Minha Vida, na Fase 2, acabou tornando-se o meio para a produo de habitaes novas nos contextos das urbaniza-es de favelas executadas com recursos do Programa de Acelerao do Crescimento (PAC), justificada em funo de sua maior agilidade na elaborao de projetos e realizao das licitaes de obras.

    A Faixa 1 tambm atendida por intermdio do Fundo de Desen-volvimento Social (FDS) em operaes contratadas com Entidades, associaes e cooperativas de natureza diversa que tenham se habi-litado junto ao Ministrio das Cidades e que se disponham a fazer a gesto (direta ou indireta) dos empreendimentos. Trata-se de uma modalidade que incorpora discursos e prticas da produo habita-cional autogestionria promovida por governos locais ao longo dos anos 1990 e incio dos 2000.

    Nas Faixas 2 e 3, o financiamento se d com recursos do FGTS, que se constitui como um dinheiro mais caro, que exige retorno e cobra juros. Os nveis de subsdio nos financiamentos operados por esse, que o principal fundo da poltica habitacional desde sua criao em 1966, vinham sendo aumentados desde 2004, com a aprovao da resoluo 460 do Conselho Curador do FGTS, mediante aportes ora-mentrios aplicados Faixa 2 de forma inversamente proporcional renda familiar: quanto menor a renda, maior o subsdio, at o limite da Faixa 2, considerando ainda os subsdios indiretos que decorrem de uma variao nas taxas de juros.

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    Captulo 1 - Minha Casa Minha Vida para iniciantes

    Quadro 5: Metas quantitativas (unidades e investimento) por fases, faixas de renda e modalidades

    Fase Faixa Modalidade Unidades Hab. % Investimento

    Fase 1

    Faixa 1

    FAR no especificada

    FDS (Entidades) 30.000 3%

    Rural (PNHR) s/ esp.

    Faixa 1 total 400.000 40%

    Faixa 2 FGTS 400.000 40%

    Faixa 3 FGTS 200.000 20%

    Fase 1 totais 1.000.000 100% 28 bilhes de reais

    Fase 2

    Faixa 1

    FAR 860.000 43%

    FDS (Entidades) 60.000 3%

    Rural (PNHR) 60.000 3%

    Oferta pblica 220.000 11%

    Faixa 1 total 1.200.000 60%

    Faixa 2 FGTS 600.000 30%

    Faixa 3 FGTS 200.000 10%

    Fase 2 totais 2.000.000 100% 125 bilhes de reais

    Fonte: Elaborao prpria (2015) com base em informaes da pgina da internet do Ministrio das Cidades e em Cunha (2014).

    Quadro 6: Tetos mximos dos valores financiados por unidade habitacional (em reais)

    Tipo de municpio*

    Faixa 1 Faixas 2 e 3

    Fase 1 Fase 2 Fase 1 Fase 2

    Valores de 2009

    Valores de 2012

    Valores de 2009

    Valores de 2012

    Capitais e municpios das Regies Me-tropolitanas de SP, RJ e DF 52.000,00 76.000,00 130.000,00 190.000,00

    Mais de 1 milho de habitantes, demais capitais 46.000,00 76.000,00 130.000,00 170.000,00

    Entre 250 mil e 1 milho de habitantes, Regio Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE/DF), demais municpios de Regies Metro-politanas

    46.000,00 76.000,00 100.000,00 145.000,00

    Entre 50 e 250 mil habitantes 46.000,00 76.000,00 80.000,00 115.000,00

    At 50 mil habitantes No se aplica 70.000,00No se aplica 90.000,00

    *Esto aqui especificados os tetos mximos vlidos para o estado de So Paulo e Distrito Federal. Para os demais estados, os valores so menores e variados.

    Fonte: Elaborao prpria (2015), com base em informaes da pgina da internet do Ministrio das Cidades e em Cunha (2014).

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    Caio Santo Amore

    Organizao dos captulos

    As pesquisas aqui reunidas abordam o Programa em diferentes contextos territoriais regionais, intraurbanos e do diferentes enfoques na produo da casa (e da cidade)7 nessas localidades. Como j se mencionou, foram pesquisas autnomas, realizadas sem uma coordenao geral, apesar do frequente compartilhamento de dados, reflexes e achados. Como se poder ver em detalhes nos dois cap-tulos que sucedem este e perfazem a Parte 1 da publicao, a meto-dologia comum permitiu s equipes uniformizar algumas linguagens, estratgias e escalas de anlise da produo em cada localidade. Os eixos de anlise foram definidos coletivamente, quase um ano depois de as pesquisas terem sido iniciadas, quando os primeiros dados j estavam coletados e algumas hipteses levantadas funcionaram como uma espcie de pauta para as reflexes. So quatro eixos que buscam aspectos mais especficos da produo e um quinto com carter evidentemente transversal: (1) Arquitetura do Programa: agentes e operaes; (2) Demanda habitacional e oferta do Programa; (3) Desenho, projeto e produo; (4) Insero urbana e segregao socioespacial; e (5) Poltica habitacional e a produo das cidades.

    Os artigos produzidos para este livro, espelhando a prpria relao horizontal que se estabeleceu entre as equipes e o processo de troca que se deu durante as pesquisas, foram desenvolvidos livre-mente: alguns fizeram um esforo de consolidar uma sntese, outros privilegiaram aspectos mais especficos do seu campo emprico, outros ainda fizeram recortes temticos ou espaciais. A organizao dos captulos que compem a Parte 2 baseou-se nas nfases que os organizadores detectaram em cada um deles a posteriori. O leitor notar, contudo, que h em todos eles transversalidades e uma multi-plicidade de anlises.

    O captulo de autoria da equipe do Observatrio das Metr-poles do Instituto de Pesquisas em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR-UFRJ) explora o funcionamento do Programa tendo em vista os agentes que esto na ponta, operando diariamente com demandas, alianas, conflitos, interesses. Soma-se ao trabalho do Instituto Plis e ao do Laboratrio

    7 Como dizia o ttulo de um importante livro organizado por Ermnia Maricato e lanado no fim dos anos de 1970: A produo capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial.

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    Captulo 1 - Minha Casa Minha Vida para iniciantes

    de Estudos de Habitao (LEHAB) do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Cear (DAU-UFC) como pesquisas que enfatizam a Arquitetura do Programa sendo que o primeiro revelar as evidentes estratgias de negcios imobilirios que incorporaram reas at ento desprezadas pela produo residencial de veraneio na Baixada Santista, e o segundo analisa os arranjos insti-tucionais no contexto da Regio Metropolitana de Fortaleza, demons-trando o grande poderio dos financiadores e construtores diante da fragilidade dos poderes locais.

    Os aspectos relativos ao Desenho, projeto e produo foram destacados em trs captulos. O grupo Cidade, Habitao e Educao (CiHabE) do Programa de Ps-graduao em Urbanismo da Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro (PROURB-UFRJ) desenvolveu um estudo projetivo como metodologia de avaliao sobre a padroni-zao das tipologias habitacionais e sobre a insero urbana, reve-lando inadequaes diversidade de composies familiares e os problemas de mobilidade presentes na produo na forma condo-mnio. O Prxis da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (EA-UFMG), entre outras abordagens, avalia os pres-supostos de projeto e seus resultados, os impactos urbano-ambientais e socioespaciais da produo em municpios da Regio Metropolitana de Belo Horizonte. A equipe do grupo Habitao e Sustentabilidade (Habis) do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo (IAU-USP), que pesquisou a produo em um contexto no metropolitano no estado de So Paulo, analisou a estrutura de proviso habitacional e de produo projetos, canteiro, cadeia produtiva e demonstra como a racionalidade industrial, articulada ao processo de financeirizao, acabou por estruturar um campo intensivo e exten-sivo de promoo habitacional que agravou disparidades socioespa-ciais decorrentes da localizao dos empreendimentos.

    Os dois captulos que seguem tocam mais especificamente a relao entre Demanda e oferta. O Ncleo de Estudos sobre Movimentos Sociais (Nemos) da Coordenadoria de Estudos e Projetos Especiais da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (Cedepe/PUC-SP) tratou de empreendimentos no municpio de Osasco e analisou o trabalho social, as motivaes em relao aos processos participativos e os impactos na vida das famlias: mudanas nas relaes sociais, nas condies reais de vida, vinculaes a organizaes sociais que indicaram as demandas que ocuparam as unidades. A equipe

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    Caio Santo Amore

    formada da parceria entre o Laboratrio de Estudos do Ambiente Urbano Contemporneo LEAUC do Instituto de Arquitetura e Urba-nismo da Universidade de So Paulo (IAU-USP) e a assessoria tcnica Peabiru trabalhos comunitrios e ambientais abordou a modali-dade Entidades, herdeira de uma produo habitacional autogestio-nria, e realizou incurses etnogrficas para compreender a adeso das camadas populares ao Programa por meio de trajetrias de vida (moradia, trabalho e vida familiar/comunitria) de representantes de famlias selecionadas para compor a demanda de um empreendi-mento em So Paulo.

    Insero urbana e segregao socioespacial compuseram um eixo comum da Rede, desde os projetos de pesquisa aprovados junto ao Ministrio das Cidades, de modo que esto presentes em todos os trabalhos aqui reunidos. Trs dos artigos enfatizaram esse aspecto, de modos diversos. O Laboratrio de Habitao (LabHabitat) do Depar-tamento de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (DARQ-UFRN) discute como o Programa continua e acirra tendncias preexistentes de ocupao do solo urbano (extensiva e intensivamente), em especial nas reas contguas ao polo da Regio Metropolitana de Natal e como, em curto tempo ou melhor, na escala e na velocidade da produo industrial , reproduz os efeitos histricos da segregao e da desigualdade socioespacial. O Labora-trio Cidades na Amaznia (LabCam) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Par (FAU-UFPA) tratou de empreendimentos na Regio Metropolitana de Belm e nos muni-cpios de Marab e Parauapebas, no Sudeste do Par, e seu artigo aborda a produo de vetores de valorizao imobiliria sobretudo pela incorporao de antigas reas rurais ou periurbanas aos perme-tros urbanos, para que fossem implantados os empreendimentos do PMCMV. O LabCidade (FAU-USP) buscou no captulo de sua autoria avaliar em que medida os empreendimentos estudados nas Regies Metropolitanas de So Paulo e de Campinas estavam satisfazendo os elementos bsicos do direito moradia, consignados em normas e tratados internacionais, demonstrando que, apesar de avanos em relao s melhorias nas condies de habitabilidade, a adequao cultural, a localizao e o correspondente acesso a equipamentos e servios e mesmo o custo acessvel paradoxalmente tendo os alts-simos nveis de subsdios do programa so dimenses do direito moradia que ainda no so plenamente atendidas.

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    Captulo 1 - Minha Casa Minha Vida para iniciantes

    Para fechar esta publicao, optou-se por apresentar a Nota Pblica divulgada em blogs e redes sociais no ms de novembro de 2014. Lanado como um documento poltico, to logo se conheceu o resultado das eleies presidenciais, a Nota intitulada Programa Minha Casa Minha Vida precisa ser avaliado foi construda coleti-vamente e reflete, mais que resultados, as preocupaes dos pesqui-sadores. De alguma forma, d conta da relao entre Poltica habita-cional e produo de cidades, que foi tomada como a pauta transversal a todas as pesquisas.

    O programa Minha Casa Minha Vida certamente abriu um campo de investigao urbana para os prximos trinta anos, do mesmo modo como o BNH continua a produzir. As reflexes anlises, opinies, propostas alternativas, recomendaes desta rede, de outros pesqui-sadores, de setores da sociedade, da imprensa e do prprio governo esto sendo permanentemente produzidas, amadurecidas, contextua-lizadas, divulgadas, debatidas Os trabalhos que este livro rene so ingredientes adicionais para serem lanados no caldeiro do pensa-mento sobre o urbano no Brasil contemporneo.

    Referncias bibliogrficas

    ARANTES, P. F.; FIX, M. Como o governo Lula pretende resolver o problema da habitao. Brasil de fato, So Paulo, 31 jul. 2009. Disponvel em: , Acesso em agosto 2009.

    CARDOSO, A. L. O programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013.

    CARDOSO, A. L.; ARAGO, T. A. Do fim do BNH ao Programa Minha Casa Minha Vida: 25 anos de poltica habitacional no Brasil. In: CARDOSO, A. L. O programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013. p. 17-66.

    CUNHA, G. R. O Programa Minha Casa Minha Vida em So Jos do Rio Preto/SP: estado, mercado, planejamento urbano e habitao. So Carlos: IAU-USP (tese de doutorado), 2014.

    KRAUSE, C.; BALBIM, R.; LIMA NETO, V. C. Minha Casa Minha Vida, nosso crescimento: onde fica a poltica habitacional? Rio de Janeiro: IPEA, 2013.

    LOUREIRO, M. R.; MACRIO, V.; GUERRA, P. Democracia, arenas decisrias e polticas pblicas. Rio de Janeiro: IPEA, 2013.

    MARICATO, E. O Minha Casa um avano, mas segregao urbana fica

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    Caio Santo Amore

    intocada. Carta Maior, So Paulo, 27 maio 2009. Disponvel em: . Acesso em: junho 2009.

    MARICATO, E. (org.) A produo capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. 2a ed., So Paulo: Alfa-mega, 1982.

    ROLNIK, R.; NAKANO, A. K. As armadilhas do pacote habitacional. Le monde diplomatique, mar. 2009. p. 1-5.

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    CaptUlo 2 Mtodos e escalas de anlise

    Lcia Zanin Shimbo1

    Introduo: os mtodos e as escalas adotados

    Nas primeiras reunies da Rede de Pesquisa Cidade e Moradia, diante das incurses iniciais de campo das equipes aos empreen-dimentos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), j pudemos observar que os espaos metropolitanos e no metropolitanos se complexificaram. Ou seja, antigas periferias se consolidaram foram dotadas de infraestrutura, equipamentos, comrcio e servios e fronteiras de expanso se inauguraram. Dessa forma, no seria possvel analisar a insero urbana dos empreendimentos, enfoque principal da rede, sem olhar em profundidade aquilo que poderia ser denominado de antemo como espaos perifricos. A distncia em relao ao centro, num modelo concntrico de expanso urbana, no mais suficiente para analisar as diferenas e as semelhanas entre os prprios territrios da periferia. A periferia se alterou nos ltimos anos no Brasil, e se tornou difcil, analiticamente, circunscrev-la em apenas uma palavra ou denominao.

    Alm disso, os modos pelos quais as famlias moradoras de tal periferia acessam o mercado de trabalho, os servios pblicos, a infraestrutura urbana e as redes sociais tambm se alteraram. Assim, tambm no seria possvel generalizar uma nica demanda de acessi-bilidade quilo que a cidade oferece.

    Diante dessas alteraes recentes quanto localizao na cidade e apropriao da cidade, a tarefa que se colocava, ento, para os pesquisadores era descrever, compreender e analisar, por um lado, o tecido urbano onde se inseriam os empreendimentos e sua relao

    1 Este captulo teve a importante contribuio de Luciana Andrade, Dulce Bentes, Rosangela Paz, Adauto Cardoso e Caio Santo Amore.

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    Captulo 2 - Mtodos e escalas de anlise

    com a cidade e, por outro, a populao que ali habitava e sua relao com os equipamentos e servios urbanos. A sada encontrada para nortear as pesquisas de diferentes equipes em localidades diversas entre si (de Sertozinho, no interior do estado de So Paulo, a Belm, polo metropolitano e capital do Par) foi estabelecer quatro escalas de anlise, cada uma com procedimentos metodolgicos especficos, que sero explicadas em detalhes neste captulo.

    A ideia principal era compreender as implicaes da produo do PMCMV nessas diferentes escalas territoriais, partindo daquilo que poderia ser a unidade administrativa mais ampla, ou seja, a regio metropolitana ou a regio administrativa, passando pelo municpio at se alcanar a escala do empreendimento, chegando, em alguns casos, at mesmo unidade habitacional. Desse modo, o que poderia ser pensado, inicialmente, como escalas territoriais acabaram por se configurar tambm em escalas de anlise propriamente ditas.

    A primeira a escala regional ou metropolitana em que se procurava analisar a localizao dos empreendimentos do PMCMV e sua relao com diversos indicadores sociais e urbanos do conjunto da regio ou da metrpole. Com auxlio da base de dados disponi-bilizada pelo Ministrio das Cidades (MCidades) e de documentos fornecidos pela Caixa Econmica Federal (Caixa), foi possvel iden-tificar a localizao e as caractersticas principais dos empreendi-mentos2 do Programa contratados at dezembro de 2012 e realizar o cruzamento com indicadores fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), pela Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados (SEADE), no caso de So Paulo, pelo Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA) e por outras instituies nacio-nais ou regionais de pesquisa. Foram, ento, adotados procedimentos metodolgicos e ferramentas de anlise espacial para elaborar mapea-mentos georreferenciados.

    A segunda a escala municipal, por meio da qual se buscava detalhar a insero urbana dos empreendimentos em cada uma das cidades escolhidas pelas equipes, dentro da regio metropolitana ou administrativa estudada. Cada equipe selecionou pelo menos dois municpios que apresentassem um perfil caracterstico da produo

    2 Cabe ressaltar que a base encaminhada pelo Ministrio das Cidades tinha vrios problemas de consistncia e que, por conta desses problemas, algumas equipes ti-veram dificuldades em localizar todos os empreendimentos ou de utilizar todas as variveis constantes da base.

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    Lcia Zanin Shimbo

    na regio ou que exibissem caractersticas contrastantes que permi-tissem complementar a anlise. Os dados buscaram analisar os seguintes fatores principais: perfil socioeconmico da populao, acesso infraestrutura urbana e aos equipamentos pblicos, dficit habitacional, mobilidade urbana e legislao urbanstica. Alm das fontes nacionais j citadas, foram tambm utilizados dados e docu-mentos fornecidos pelas prefeituras municipais (Planos Diretores, Planos Locais de Habitao de Interesse Social, legislao de uso e ocupao do solo e parcelamento etc.). Como procedimentos meto-dolgicos, tambm foram produzidos mapas georreferenciados e realizou-se uma anlise documental das legislaes e normativos vigentes. Foram realizadas ainda entrevistas semiestruturadas com informantes qualificados da administrao municipal ou estadual, da Caixa, de empresas construtoras e sndicos, a fim de se entender a operacionalizao e a gesto do Programa no municpio.

    A terceira a escala do empreendimento, na qual se objetivava compreender a insero urbana de cada um dos empreendimentos e de seus entornos mais imediatos , selecionados pelas equipes para observaes e anlises mais aprofundadas, em relao aos seguintes aspectos: padres de uso e ocupao do solo; oferta de servios, comrcio, equipamentos pblicos e reas de lazer; acesso ao trans-porte; barreiras fsicas (topogrficas ou construtivas); equipamentos e reas comuns nos condomnios ou loteamentos. Os empreendimentos foram selecionados visando caracterizar situaes de insero urbana diferenciadas. A pesquisa se deu, basicamente, em empreendimentos pertencentes Faixa 1 do Programa, sendo que anlises de empreendi-mentos de outras faixas foram eventualmente utilizadas como casos de controle. Alm da anlise documental e do mapeamento georreferen-ciado, recorreu-se ao levantamento de campo nos empreendimentos estudados, procurando observar alguns desses aspectos, por meio de um roteiro de coleta de dados elaborado pelas equipes. Muitas vezes, tais anlises foram complementadas por informaes coletadas em entrevistas com beneficirios. Nessa escala tambm foram analisados, em muitas das pesquisas, os projetos urbansticos e arquitetnicos dos empreendimentos.

    A quarta escala, que no foi adotada por todas as equipes, se restringiu anlise arquitetnica e urbanstica dos empreendimentos e diz respeito escala da unidade habitacional. Foram propostos alguns indicadores a fim de se identificar a existncia ou no de uso

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    Captulo 2 - Mtodos e escalas de anlise

    misto, ainda que no permitido, no interior das unidades; as confi-guraes familiares, a densidade, a acessibilidade, a complexidade espacial, a adaptabilidade do programa arquitetnico e as questes construtivas e tecnolgicas. Nesse caso, cada equipe recorreu a proce-dimentos metodolgicos especficos, que sero descritos nos seus captulos correspondentes ou esto mais detalhados nos relatrios completos disponibilizados na internet3.

    Outra abordagem metodolgica comum s equipes da rede foi a pesquisa com os moradores dos conjuntos pesquisados, atravs da aplicao de um mesmo questionrio em amostras estatistica-mente representativas dos empreendimentos da Faixa 1 estudados, por meio dos quais foram realizadas anlises quantitativas. As dimenses abordadas se referiam a: condies socioeconmicas e insero no mundo do trabalho; direito cidade e insero urbana; trabalho social, participao e sociabilidade; satisfao e necessi-dades do morador.

    Os itens seguintes procuram detalhar cada uma das escalas trabalhadas, em relao s categorias de anlise adotadas, s fontes de dados e aos produtos resultantes bem como descrever os proce-dimentos adotados na aplicao dos questionrios aos moradores e sndicos.

    Escalas, categorias de anlise e produtos

    Escala regional

    Na escala regional, em primeiro lugar, a produo do PMCMV foi sistematizada com base nos dados fornecidos pelo Ministrio das Cidades relativos s fases e faixas do Programa, porte do empreendi-mento e construtoras responsveis. O total de unidades produzidas na regio foi cruzado com o nmero total de domiclios (Censo de 2010) e com o dficit habitacional (IPEA e Fundao Joo Pinheiro) da regio e dos municpios.

    Em segundo, a localizao dos empreendimentos do PMCMV foi considerada a partir de algumas categorias muitas vezes, cruzando com as caractersticas analisadas anteriormente quais sejam: (1) mancha urbanizada e limite de rea urbana; (2) oferta de emprego;

    3 Os links de acesso aos relatrios completos esto indicados nas Fichas Tcnicas dos projetos, no final deste livro.

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    Lcia Zanin Shimbo

    (3) integrao metropolitana e centralidades; e (4) reas com restri-es ambientais estabelecidas pela legislao.

    Alm disso, foram identificados os empreendimentos contguos e os agrupamentos de empreendimentos. Trata-se aqui de caracterizar a dimenso territorial dos empreendimentos e o seu real impacto urbano. Isso porque, nos dados do Ministrio das Cidades e da Caixa, cada contrato aparece como um empreendimento, mas, na prtica, em muitos casos, um conjunto de contratos se refere a uma grande mancha de empreendimentos contguos ou agrupados. Por isso, foi necessrio estabelecer critrios para a sistematizao, definindo ento as seguintes categorias:

    (1) Empreendimentos contguos: aqueles que apresentam contratos com a mesma construtora, com nomes de empreendimentos semelhantes e localizados em terrenos adjacentes (lado a lado ou face a face). Embora formalmente divididos em diversas operaes, na prtica, integram um mesmo empreendimento de maior porte.

    (2) Agrupamentos: conjuntos de empreendimentos de mesma construtora ou de construtoras distintas espacialmente prximos. Para delimitar um agrupamento, foram traados raios de 250 metros a um quilmetro (dependendo do tamanho do municpio) a partir do endereo do empreendimento, agregando-se aqueles empreen-dimentos cujos raios se interceptavam. O intuito dessa categoria evidenciar casos de grande concentrao de empreendimentos em determinadas reas.

    O quadro a seguir foi elaborado pelos pesquisadores a fim de orientar todas as equipes na sistematizao dos respectivos dados de sua regio, indicando as categorias de anlise, os produtos e as fontes dos dados utilizados nesta escala.

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    Captulo 2 - Mtodos e escalas de anlise

    Quadro 1: Categorias de anlise, produtos e fontes dos dados utilizados na escala regional

    Categorias de anlise Produtos Fontes

    Caracterizao e localizao dos empreendimentos do PMCMV nos municpios das regies (metropolitanas ou no), segundo: faixas de atendimento (1, 2 e 3), modalidade (Entidades, Programa Nacional de Habitao Urbana (PNHU), FGTS ou FAR, ou PNHR), porte do empreendimento (nmero de unidades) e construtora

    Tabela e mapas MCidadesCaixa

    Evoluo da quantidade de empreendimentos por faixa de renda atendida, modalidade, porte do empreendimento e construtora, entre as duas fases do Programa (PMCMV 1 e PMCMV 2)

    Tabela e grficos MCidadesCaixa

    Localizao dos empreendimentos versus mancha urbanizada (incluindo rede estruturante: viria, ferroviria e hidrogrfica principal)

    Mapa MCidadesCaixa

    Relao entre o nmero de unidades habitacionais dos empreendimentos do PMCMV e (1) o total de domiclios particulares permanentes de cada municpio da regio e (2) a variao entre 2000-2010 do total de domiclios particulares permanentes

    TabelaMCidadesCaixa IBGE

    Relao entre o nmero de unidades habitacionais dos empreendimentos do PMCMV e o dficit habitacional da regio

    Tabela e grficos

    MCidadesCaixa IPEAJoo Pinheiro

    Localizao dos empreendimentos do PMCMV versus zonas com restries ambientais estabelecidas pela legislao municipal e/ou estadual (quando for o caso)

    MapaMCidadesCaixa Legislao

    Localizao dos empreendimentos do PMCMV versus oferta de emprego e centralidades Mapa

    MCidadesCaixaIBGERAIS/CAGED*

    * Relao Anual de Informaes Sociais (RAIS) e Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED).

    Fonte: Rede Cidade e Moradia (2013).

    Como resultados da anlise regional, foram produzidos quadros, grficos e mapas, que podem ser vistos a seguir.

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    Lcia Zanin Shimbo

    Figura 1: Localizao dos empreendimentos do PMCMV por faixa na Regio Metropolitana de Fortaleza (CE)

    Fonte: Fornecida pelo LEHAB, DAU-UFC (2014).

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    Captulo 2 - Mtodos e escalas de anlise

    Figura 2: Dficit habitacional versus empreendimentos do PMCMV na Regio Metropolitana da Baixada Santista (SP)

    Fonte: Fornecida pelo Plis (2014).

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    Lcia Zanin Shimbo

    Figura 3: Distribuio de emprego versus empreendimentos do PMCMV na Regio Metropolitana de So Paulo (SP)

    Fonte: Fornecida pelo LabCidade, FAU-USP (2014).

    Escala municipal

    As equipes de pesquisa ora escolheram alguns municpios ora abrangeram a totalidade dos municpios pertencentes regio estudada, a fim de aprofundar a anlise sobre a insero urbana dos empreendimentos. Na escala municipal, portanto, a localizao dos empreendimentos foi analisada de acordo com: (1) faixas de atendi-mento do programa; (2) perfil socioeconmico da populao; (3) uso e ocupao do solo (centralidades e zoneamento de uso e ocupao do solo); (4) acesso infraestrutura urbana (gua, esgoto, iluminao pblica, pavimentao e coleta de lixo); (5) oferta de equipamentos pblicos; (6) legislao municipal (zoneamento de interesse social e ambiental); e (7) mobilidade urbana.

    Tambm foi elaborado um quadro para a sistematizao dos dados relacionados produo do PMCMV nos municpios, indi-cando as categorias, os indicadores, os produtos e as fontes de dados utilizados nessa escala.

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    Captulo 2 - Mtodos e escalas de anlise

    Quadro 2: Categorias de anlise, indicadores, produtos e fontes dos dados utilizados na escala municipal

    Categorias de Anlise Indicadores avaliados Produtos Fontes

    Infraestrutura Sistemas % de esgotamento sanitrio (rede ou fossa) Mapa IBGE

    % de abastecimento de gua (rede ou poo) Mapa

    % de iluminao pblica Mapa

    Pavimentao Mapa

    % de coleta de lixo Mapa

    Transporte Linhas de transporte coletivo (nibus, trem, metr) Mapa WikimapGoogle MapsEmpresas

    Linhas de transporte alternativo (ciclovia, telefrico, vans)

    Mapa

    Terminais de transporte Mapa

    Equipamentos pblicos Educao: creches, ensinos infantil, fundamental, mdio e superior

    Mapa Observatrio das Metrpoles Bases MunicipaisWikimap

    Sade: Unidades Bsicas de Sade (UBS), Policlnicas, hospitais

    Mapa

    Lazer: parques, praias e espaos pblicos livres de grande porte

    Mapa

    Assistncia social: Centros de Referncia de Assistncia Social (CRAS)

    Mapa

    Segurana: postos ou equipamentos policiais Mapa

    Socioeconmico Renda: manchas de renda homognea, por setor censitrio e faixas do PMCMV

    Mapa IBGE

    Densidades populacionais Mapa

    Emprego formal e informal Mapa Pesquisa Origem e Destino (OD) RAIS/CAGED

    Criminalidade Mapa Institutos e Secretaria de Segurana

    Assentamentos informais e precrios (relao com o dficit habitacional)

    Aglomerados subnormais Mapa IBGE

    Favelas Mapa Prefeitura

    Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) ocupadas

    Mapa Prefeitura

    Demanda habitacional Tabela PLHIS

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    Lcia Zanin Shimbo

    Relaes espaciais, urbanas e habitacionais

    Mancha urbanizada Mapa Google

    Limites municipais (permetro legal) Bases e Planos Municipais

    Zoneamentos de uso e ocupao

    Zoneamento ambiental

    reas de concentrao de conjuntos habitacionais de promoo pblica anteriores ao PMCMV

    Prefeitura

    Centralidades PrefeituraGooglePesquisa OD

    Empreendimentos do PMCMV Localizao e caractersticas (categoria, fase do programa e faixa de atendimento)

    Mapa MCidadesCaixa

    Legislao municipal

    Planos Habitao de Interesse Social (HIS) no Plano Diretor (PD)

    Tabelas e textos, conforme roteiro

    LeisDecretosPortariasOutros instrumentos normativos municipais

    PLHIS

    Alteraes recentes no PD relacionadas ao PMCMV ou HIS

    Parcela-mento do solo

    Tamanho mnimo de lote para HIS

    Possibilidade de criao de condomnios horizontais

    Normas edilcias

    Existncia de parmetros especficos para HIS

    Poltica fundiria

    Parcelamento, uso e edificao compulsrios

    Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) progressivo

    Uso do direito de preempo vinculado poltica habitacional

    Uso de recursos de outorga onerosa para financiar a poltica habitacional

    Organizao de cadastros imobilirios

    Incentivos fiscais

    IPTU

    Imposto sobre Servios (ISS)

    Imposto sobre Transmisso de Bens Imveis (ITBI)

    Fonte: Rede Cidade e Moradia (2013).

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    Captulo 2 - Mtodos e escalas de anlise

    Os exemplos a seguir ilustram alguns dos mapas produzidos pelas equipes.

    Figura 4: Nmero de domiclios versus dficit habitacional versus unidades contratadas do PMCMV nos municpios analisados da Regio Metropolitana de Belo Horizonte (MG)

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    Lcia Zanin Shimbo

    Fonte: Fornecida pelo Prxis, EA-UFMG (2014).Figura 5: Produo pblica e privada antes do PMCMV versus produo do PMCMV em Ribeiro Preto (SP).

    Fonte: Fornecida pelo Habis, IAU-USP (2014).

    Escala do empreendimento

    Em cada um dos municpios analisados, foram escolhidos empreendi-mentos para serem estudados em maior profundidade, procurando quali-ficar alguns dos dados levantados na anlise municipal, aproximando-se da escala do bairro e do entorno do empreendimento. Em geral, foram adotadas as seguintes categorias: (1) cobertura dos sistemas de infraes-trutura urbana; (2) acesso ao transporte; (3) oferta de comrcio, servios, reas de lazer e equipamentos pblicos; (4) padres de uso e ocupao do solo; (5) densidade populacional; e (6) relaes espaciais e caractersticas do projeto urbanstico e arquitetnico do empreendimento.

    Nessa escala, os procedimentos metodolgicos adotados pelas equipes foram diversificados, na medida em que se voltaram para as especificidades do escopo de cada uma das pesquisas. De qualquer modo, a escala do empreendimento requisitou tcnicas de levanta-mento de campo (e aqui os roteiros de coleta de dados foram diversos) e de leitura de projetos tcnicos.

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    Captulo 2 - Mtodos e escalas de anlise

    O quadro a seguir procura sintetizar as categorias, os indicadores, os dados, os produtos e as fontes utilizadas na escala do empreen-dimento. Vale ressaltar que, diferente das demais escalas j citadas, este quadro no serviu como roteiro nico para todas as pesquisas, mas apresenta os parmetros fundamentais da anlise do empreen-dimento, cujos indicadores ora foram aprofundados e/ou ampliados por algumas equipes ora reduzidos por outras.

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    Lcia Zanin Shimbo

    Quadro 3: Categorias de anlise, indicadores, produtos e fontes dos dados utilizados na escala do empreendimento

    Categorias de Anlise Indicadores avaliados Produtos Fontes

    Infraestrutura Sistemas % de cobertura no empreendimento de esgotamento sanitrio (rede ou fossa)

    Tabela e mapas

    Levantamento de campoProjetos tcnicos% de cobertura no empreendimento de

    abastecimento de gua (rede ou poo)

    % de cobertura no empreendimento de iluminao pblica

    % de cobertura no empreendimento de pavimentao

    % de cobertura no empreendimento de coleta de lixo

    Transporte Posio das paradas e frequncia de atendimento das linhas de transporte coletivo (nibus, trem, metr)

    Tabela e mapas

    Levantamento de campoBase de dados municipais ou de empresas de transporte

    Posio das paradas e frequncia de atendimento das linhas de transporte alternativo (ciclovia, telefrico, vans)

    Distncia ao terminal de transporte mais prximo

    Equipamento pblico Educao: localizao de creches, ensinos infantil, fundamental, mdio e superior no bairro (delimitao a ser definida por cada equipe) do empreendimento

    Mapas Observatrio das MetrpolesBases municipaisWikimap

    Sade: localizao de UBS, Policlnica no bairro do empreendimento

    WikimapBases municipais

    Lazer: parques, praias, espaos pblicos livres de grande porte e de pequeno porte no bairro do empreendimento

    Assistncia Social: Localizao dos CRAS no bairro do empreendimento

    Segurana: Localizao de postos ou equipamentos policiais no bairro do empreendimento

    Socioeconmico Renda familiar mensal e renda per capita dos moradores

    Tabelas Questionrio da rede

    Densidades populacionais, taxa de ocupao e coeficiente de aproveitamento

    Projetos

    Emprego formal e informal Questionrio da redeCriminalidade

    Relaes espaciais e caractersticas do projeto

    Legislao municipal aplicada ao empreendimento Texto Bases e planos municipais

    Agentes: construtora, incorporadora e subcontratadas

    Texto CaixaLevantamento de campo

    Evoluo da ocupao urbana do bairro onde est o empreendimento

    Mapa Bases municipais

    Relao entre empreendimento e padro de ocupao do entorno: usos e gabarito

    Texto e fotos

    Levantamento de campo

    Caracterizao das tipologias das Unidades Habitacionais: rea til das unidades, quantidade de dormitrios, nmero de unidades correspondentes a cada tipologia, nmero de pavimentos

    Tabelas e projetos

    Projetos da Caixa, prefeitura ou construtorasLevantamento de campoCaracterizao do sistema construtivo: fundao,

    estrutura, vedao, cobertura, esquadriasTabela

    Fonte: Rede Cidade e Moradia (2013).

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    Captulo 2 - Mtodos e escalas de anlise

    A seguir, um exemplo de produto gerado nessa escala.

    Figura 6: Transporte e barreiras fsicas de empreendimento em Campinas (SP)

    Fonte: Fornecida pelo LabCidade, FAU-USP (2014).

    Pesquisa com moradores e sndicos: aplicao de questionrios

    Na maioria dos empreendimentos estudados, dependendo da escolha das equipes, foram realizadas entrevistas com os sndicos e uma pesquisa quantitativa com moradores, por meio da aplicao de um questionrio comum4. Tambm houve esforo para homogeneizar a sistematizao e o cruzamento dos dados coletados.

    Em sntese, as dimenses, os indicadores e cada uma das vari-veis contempladas no questionrio eram os seguintes:

    4 Apenas a equipe que tratou da produo da modalidade Entidades adotou meto-dologia de incurses etnogrficas junto s associaes e representantes das famlias beneficirias e no realizou a pesquisa quantitativa.

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    Lcia Zanin Shimbo

    Quadro 4: Dimenses, indicadores e variveis do questionrio

    Dimenses Indicadores Variveis

    I. Condies socioeconmicas e insero no mundo do trabalho

    1. Perfil socioeconmico da famlia

    1.1. Origem 1.2. Composio das famlias 1.3. Composio de renda 1.4. Faixa etria 1.5. Gnero 1.6. Escolaridade 1.7. % de pessoas com deficincia fsica 1.8. % de famlias com renda proveniente de programas de transferncia de renda 1.9. % de mulheres responsveis (chefes) pela famlia 1.10. % de famlias com idosos com 65 anos ou mais e renda familiar per capita inferior a do salrio mnimo (pblico potencial do Benefcio de Prestao Continuada) 1.11. Despesas com o imvel 1.12. % de famlias que no constam do cadastro elaborado no incio da interveno

    2. Situao de trabalho

    2.1. Ocupao/atividade principal preponderante 2.2. % de desemprego de responsveis pela famlia 2.3. % de responsveis e adultos da famlia sem vnculos (empregado sem registro, autnomo no contribuinte e trabalho eventual)

    II. Direito Cidade e Insero Urbana

    3. Condies de moradia

    Unidade habitacional:3.1.Tamanho da moradia/tamanho da famlia 3.2. % de domiclios com sinais de umidade e/ou rachaduras/outros 3.3. Documento de titulao das famlias 3.4. Nmero de pessoas por dormitrio

    Conjunto habitacional:3.5. Tempo de moradia 3.7. Localizao 3.8. Existncia de reas de uso comum 3.9. Existncia de problemas construtivos

    4. Mobilidade urbana

    4.1. Frequncia e proximidade do transporte pblico 4.2. Tempo gasto para o deslocamento para os equipamentos educacionais 4.3. Tempo gasto para o deslocamento para o trabalho 4.4. Equipamentos comunitrios adaptados a pessoas com mobilidade reduzida 4.5. Rebaixamento de caladas em pontos de travessia

    5. Acesso cidade e a servios

    5.1. Qual /era o centro para a vida do morador 5.2. Existncia e uso de comrcios e servios 5.3. Existncia e uso de equipamento sociais (sade, educao, assistncia, cultura, lazer, segurana) 5.4. Coleta pblica de lixo: existncia, frequncia e suficincia de pontos de coleta 5.5. Existncia de telefone, correio, canais comunitrios de informao, internet 5.6. Existncia de Cdigo de Endereamento Postal (CEP) para uso da populao 5.7. Presena de policiamento

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    Captulo 2 - Mtodos e escalas de anlise

    III. Trabalho social, participao e sociabilidade

    6. Sociabilidade

    6.1. Problemas com vizinhana 6.2. Proximidade de famlia, amigos, organizao comunitria (contar com/contar para) 6.3. Presena de violncia urbana

    7. Participao

    7.1. Existncia de organizao do condomnio e/ou comunitria 7.2. Participao em movimentos, organizaes e redes 7.3. Dilogo com o poder pblico 7.4. Estabelecimento de regras e pactos de convivncia

    8. Avaliao sobre o trabalho social

    8.1. Existncia do trabalho social 90 dias antes e 180 ps-ocupao 8.2. Atividades realizadas 8.3. Vnculo e referncias com equipe tcnica para encaminhamento/soluo de demanda

    IV. Satisfao e Necessidades do Morador

    9. Avaliao do morador sobre necessidades, condies de moradia e relaes sociais

    9.1. Satisfao em relao a moradias, servios urbanos e relaes sociais 9.2. Avaliao do morador sobre o dilogo com o poder pblico 9.3. Alterao no acesso ao emprego 9.4. % de crianas com e sem acesso a creches 9.5. % de crianas e adolescentes fora do ensino fundamental 9.6. Desejo de mudar do imvel (motivos) 9.7. Necessidades no atendidas (O que gostaria que tivesse?)

    Fonte: Fornecido pela PUC-SP (2014).

    Definido o universo e o nvel de confiana e o erro mximo permi-tido, especfico para cada regio, as unidades entrevistadas foram selecionadas, buscando-se abranger todos os edifcios pelo menos uma unidade habitacional por andar. No total, foram aplicados 2697 questionrios em 42 empreendimentos localizados em 23 municpios, como pode ser visto no quadro abaixo.

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    Lcia Zanin Shimbo

    Quadro 5: Localizao e nmero de empreendimentos em que os questionrios foram aplicados

    Instituio Regio Municpio Empreendimentos Questionrios

    IPPUR-UFRJ

    Regio Metropolitana do Rio de Janeiro

    Rio de Janeiro

    2 (Faixa 1) 251

    1 (Faixa 2) 100

    1 (Entidades) 70

    Queimados 1 (Faixa 1) 124

    Belford Roxo 1 (Faixa 1) 112

    Total 6 657

    Instituto PlisBaixada Santista

    Itanham 1 (Faixa 1) 100

    So Vicente 1 (Faixa 1) 94

    Total 2 194

    UFPABelm Ananindeua 1 (Faixa 1) 122

    Total 1 122

    UFMG

    Regio Metropolitana de Belo Horizonte BH

    Betim 1 (Faixa 1) 100

    Ribeiro das Neves 1 (Faixa 1) 100

    Total 2 200

    UFC

    Regio Metropolitana de Fortaleza

    Fortaleza 1 (Faixa 1) 85

    Maracana 1 (Faixa 1) 58

    Caucaia 4 (Faixa 1) contguos 113

    Total 6 256

    FAU-USP

    Regio Metropolitana de So Paulo

    So Paulo 4 (Faixa 1) 251

    Osasco 1 (Faixa 1) 97

    Regio Metropolitana de Campinas

    Campinas 1 (Faixa 1) 205

    Hortolndia 1 (Faixa 1) 95

    Total 7 648

    IAU-USP Central do Estado de So Paulo Sertozinho 1 (Faixa 1) 88

    PUC-SP

    Regio Metropolitana de So Paulo

    So Paulo 1 (Faixa 1) 104*

    Osasco 1 (Faixa 1) 97*

    Total 2 201

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    Captulo 2 - Mtodos e escalas de anlise

    UFRN

    Regio Metropolitana de Natal

    Cear-Mirim 4 (Faixa 1) 79

    Extremoz 4 (Faixa 1) 88

    Macaba 2 (Faixa 1) 74

    Parnamirim 2 (Faixa 1) 145

    So Gonalo do Amarante 1 (Faixa 1) 67

    Natal 4 (Faixa 1) 78

    Total 17 531

    TOTAL 23 municpios 42 empreendimentos 2697 questionrios

    * Nmero de questionrios realizados conjuntamente entre as equipes FAU-USP e PUC-SP.

    Fonte: Rede de Pesquisa Cidade e Moradia (2013).

    Os principais desafios para a anlise da pesquisa com moradores enfrentados pelas equipes foram:

    (1) Quais e como so as configuraes familiares e qual a sua relao com a construo da demanda5 e com a resposta habita-cional dada pelo Programa?

    (2) Qual o perfil socioeconmico das famlias e sua insero no mundo do trabalho? A resposta habitacional s necessidades sociais, em particular o modelo condominial, atende a esse perfil?

    (3) A padronizao dos projetos habitacionais responde diversi-dade das configuraes familiares que demandam habitao de inte-resse social?

    (4) A composio da demanda, por intermdio do Cadastro nico, tem viabilizado a transparncia dos critrios e a igualdade no acesso?

    (5) Quais e como so as formas de configurao dos espaos urbanos? Em que medida contribuem ou no para a constituio de espaos pblicos e de cidade (condomnios, muros, reas comuns)?

    (6) O acesso cidade e aos servios foi planejado e atende s necessidades sociais?

    (7) Como a populao avalia sua moradia, o conjunto habita-cional e suas condies de vida?

    (8) Quais e como so as relaes entre a vida em condomnio e as estratgias de organizao social dos moradores?

    5 A ideia de construo da demanda, debatida na rede, diz respeito identificao das famlias que se enquadram como demanda do PMCMV pelos seus agentes pro-motores. Vale ressaltar, contudo, que nem sempre h correlao entre grau elevado de necessidades habitacionais das famlias e atendimento do Programa.

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    Lcia Zanin Shimbo

    (9) Qual o impacto econmico dos custos da moradia no ora-mento familiar? Como os moradores da Faixa 1 do PMCMV tm absorvido os novos custos do morar (prestaes, condomnios, taxas de gua e luz etc.)? H endividamento das famlias por causa dos custos condominiais, dos servios e tambm do carto Minha Casa Minha Vida Melhor?

    (10) As tarifas sociais (energia eltrica etc.) tm sido implantadas nos conjuntos da Faixa 1?

    (11) A sociabilidade e a convivncia entre os moradores tm sido afetadas pela presena de trfico e milcia nos conjuntos habitacionais por exemplo, a restrio da mobilidade e de prticas religiosas e culturais e controle de servios e do comrcio local?

    O fato de as equipes terem se proposto a incluir em seus projetos a pesquisa social com moradores possibilitou uma escuta importante sobre condies de vida, aspectos positivos e negativos da mudana para os empreendimentos, satisfao ou insatisfao com a moradia, assim como um olhar sobre as particularidades regionais e culturais dos contextos analisados.

    Articulao das anlises em eixos transversais

    Os dados coletados em cada uma das escalas de anlise (regional, municipal, empreendimento e unidade habitacional) e na pesquisa com moradores foram analisados isoladamente por cada uma das equipes. Entretanto, o esforo da rede se concentrou em encontros presenciais e compartilhamento sistemtico de informaes para o estabelecimento do intercmbio entre as equipes durante todo o processo da pesquisa. Essa troca resultou na elaborao de questes transversais que possibilitaram estabelecer uma articulao comum entre todas as pesquisas e revelar semelhanas e diferenas entre os contextos regionais e urbanos estudados afinal, como se viu no captulo 1, a rede tem uma abrangncia territorial significativa. Dessa forma, foram definidos eixos analticos, que orientaram a elaborao das anlises finais e pautaram os debates das equipes nas reunies. No captulo 3, sero apresentados esses eixos e uma sistematizao dos debates entre as equipes.

    Com base nas estratgias metodolgicas elaboradas coletiva-mente na rede de pesquisa, foi possvel, se no padronizar, pelo menos, orientar um conjunto de produtos que procuraram dar conta da

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    Captulo 2 - Mtodos e escalas de anlise

    complexidade presente na anlise da insero urbana e da qualidade arquitetnica e urbanstica dos empreendimentos do PMCMV, locali-zados em distintos territrios brasileiros, assim como na compreenso do possvel impacto sobre as famlias e os indivduos residentes.

    Embora o conjunto da rede tenha adotado procedimentos meto-dolgicos de pesquisa semelhantes, as equipes puderam utilizar essas informaes para tratar de seus objetos especficos, como veremos nos demais captulos desta coletnea. Espera-se que, com a descrio do passo a passo metodolgico adotado pela Rede Cidade e Moradia, outras pesquisas se inspirem e se frutifiquem para que o conhecimento sobre o habitar na cidade brasileira seja ampliado e aprofundado.

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    CaptUlo 3Um olhar sobre a produo do PMCMV

    a partir de eixos analticos

    Maria Beatriz Cruz Rufino1

    As questes aqui apresentadas no possuem nenhuma pretenso de se configurar como um diagnstico conclusivo das pesquisas da Rede Cidade e Moradia. Como a organizao do grupo esteve baseada em uma estrutura horizontal, sem o objetivo de centralizar a sistematizao dos dados, mas com a preocupao de compartilhar algumas estratgias e instrumentos de pesquisas, o que se apresenta aqui um conjunto de reflexes gerais sobre a implementao do programa e suas implicaes urbanas e socioeconmicas, na tentativa de amadurecer uma proposio crtica.

    A abrangncia territorial alcanada pelo somatrio das pesquisas articulada contribuio de mltiplos olhares e nfases de anlise fizeram emergir uma diversidade de temas e de inquietaes j nos primeiros encontros da rede, que nos levaram a organizar as discus-ses em torno de eixos. Os eixos analticos que comentaremos neste captulo surgem no processo de articulao da rede como uma estra-tgia para ampliar uma reflexo conjunta dos pesquisadores, a partir das constataes evidenciadas nas diferentes pesquisas, que se debru-aram sobre realidades urbanas bastante diversas.

    Ao longo das pesquisas e dos intercmbios realizados na rede, os debates foram organizados em cinco eixos, aprofundados e enca-deados de maneira a compreender o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) sua lgica de implementao, resultados e impactos.

    1 Este texto resultado de um esforo de sistematizao do conjunto de debates realizados no mbito dos encontros da Rede Cidade e Moradia, entre o incio de 2013 e meados de 2014. Seu contedo reflete, portanto, a produo de um coletivo de equipes. Na construo do texto, Adauto Cardoso, Raquel Rolnik e Caio Santo Amore colaboraram de forma decisiva.

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    Captulo 3 - Um olhar sobre a produo do PMCMV a partir de eixos analticos

    Embora abordem questes que guardam entre si importantes inter--relaes, sendo portanto interdependentes, os eixos permitiram amadurecer reflexes mais gerais sobre diferentes anlises de cada uma das equipes da rede, correspondentes em muitos casos a dife-rentes enfoques, recortes e interesses.

    Procurou-se abarcar questionamentos relacionados ao desenho do programa e forma de atuao dos seus principais agentes; a efeti-vidade do PMCMV enquanto resposta s reais demandas existentes; a qualidade arquitetnica e urbanstica dos empreendimentos e suas inseres urbanas; e os impactos na vida dos beneficirios, para refletir sobre as (im)possibilidades de uma poltica habitacional sustentada exclusivamente pela produo massiva de habitaes sob o regime da propriedade privada individual.

    No primeiro eixo, Arquitetura do Programa: agentes e opera-es do PMCMV, foram organizados os debates sobre os papis dos diferentes agentes envolvidos na produo dos empreendimentos do PMCMV, as articulaes entre eles, bem como as especificidades de arranjos regionais e locais. Dessa forma, procurou-se identificar e compreender o papel assumido pela Caixa Econmica Federal (Caixa), prefeituras, empresas e entidades, entre outros agentes, avanando na compreenso sobre o desenho do programa e as possveis implicaes em relao aos seus resultados.

    No segundo eixo, Demanda habitacional e oferta do Programa, enfatizou-se a articulao da demanda habitacional existente com a oferta produzida pelo Programa, buscando compreender tambm o perfil dos moradores, suas origens e sua relao com a moradia anterior, o processo de cadastramento e acesso nova moradia, as caractersticas do trabalho social realizado e os conflitos que j puderam ser identificados nos empreendimentos analisados, como processos de estigmatizao de determinados grupos e controle dos condomnios por parte do narcotrfico e milcias.

    No Eixo 3, discutiu-se questes relacionadas ao Desenho, projeto e produo. Abordaram-se as caractersticas dos espaos internos dos edifcios e as reas externas dos empreendimentos e seus processos construtivos, analisando tipologias habitacionais, implantao, estra-tgias de padronizao da produo e adequao das propostas diante das demandas e dos perfis das famlias beneficiadas pelo Programa.

    O Eixo 4, Insero urbana e segregao socioespacial, aborda a temtica central da rede, que moveu a articulao inicial das equipes,

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    Maria Beatriz Cruz Rufino

    motivadas pelas constataes empricas de ampliao dos processos de segregao com bases na implementao de grandes empreendi-mentos habitacionais em reas mais afastadas das cidades. Com o amadurecimento dos debates, evidenciou-se que essa temtica no poderia ser compreendida isoladamente, sem uma reflexo sobre as questes que se apresentam nos eixos precedentes. Neste eixo, anali-saram-se as condies de acesso cidade pelos novos moradores, em termos de infraestrutura, servios, equipamentos, e discutiram-se processos de periferizao, guetificao, reforo da monofuncionali-dade e privatizao da urbanizao em curso.

    Por fim, cabe lembrar que muitas das percepes e questes que aparecem neste captulo de maneira um tanto esquemtica ganharo fora e profundidade nos diferentes captulos desta publicao. As questes desenvolvidas em torno dos diferentes eixos orientaram ainda a construo de uma sntese transversal das discusses, que tomou a forma de uma nota pblica, divulgada pela Rede Moradia e Cidade em novembro de 2014, e apresentada guisa de concluso no fim deste livro. Nesse documento, procurou-se externar para a sociedade uma pauta de enfrentamento dos desafios impostos pelo Programa, considerando a potencialidade oriunda de sua dimenso.

    Eixo 1: Arquitetura do Programa: Agentes e operaes do PMCMV

    Neste eixo buscou-se discutir os papis e as relaes entre os diferentes agentes envolvidos na formulao e na implementao do Programa, considerando as especificidades dos diferentes muni-cpios, a ao da Caixa Econmica Federal, das empresas e dos movimentos sociais.

    Procurou-se compreender os esforos dos poderes locais por meio do mapeamento das mudanas de legislaes urbansticas e tributrias de apoio ao Programa, a efetividade da padronizao dos processos a partir de uma normativa nacional comum, os proce-dimentos adotados pelas prefeituras para a operacionalizao do Programa e o envolvimento de outros agentes, tais como companhias de habitao, concessionrias de servios urbanos e bancos privados. Procurou-se tambm mapear os apoios oferecidos e as estratgias na construo dos cadastros, da fiscalizao e do trabalho social, discu-tindo a articulao com as polticas pblicas municipais previamente

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    Captulo 3 - Um olhar sobre a produo do PMCMV a partir de eixos analticos

    existentes, particularmente relacionadas habitao e ao desenvolvi-mento urbano.

    Em relao Caixa Econmica Federal, procurou-se observar os modos de operacionalizao adotados pelas diferentes Gerncias Executivas de Habitao (GIHAB) e Gerncias de Governo (GIGOV), assim como a interferncia ou no das instncias centrais da insti-tuio nos processos observados.

    Em relao ao Ministrio das Cidades, evidenciou-se que sua atuao est centrada na regulao do Programa e em casos pontuais quando da contratao de grandes empreendimentos, em especial aqueles que atendem a famlias removidas por obras de mobilidade urbana e de situaes de risco. Nesse sentido, em grande parte das pesquisas, o papel desse agente menos expressivo e aparecer com mais nfase em casos especficos.

    Em relao s entidades (com vnculos diversos com os movi-mentos populares de luta pela moradia) envolvidas na modalidade Minha Casa Minha Vida-Entidades, particularmente as associaes ou cooperativas, considerou-se relevante debater sobre origem, histrico, mobilizao e a articulao com os beneficirios e estratgias de viabi-lizao e construo dos empreendimentos.

    Por intermdio das diferentes anlises, constata-se que, embora o Programa seja construdo a partir de uma normativa comum, as caractersticas dos agentes e as relaes estabelecidas entre eles nos diferentes casos estudados influenciam de maneira significativa a obteno de resultados muito distintos. Por exemplo, no caso da modalidade Entidades, a produo da Regio Metropolitana de So Paulo foi muito mais significativa do que a do Rio de Janeiro, onde se verificou uma enorme dificuldade em viabilizar empreendimentos nessa modalidade. Alm disso, quando se observa a distribuio entre unidades da federao ou entre os municpios das regies estudadas, verifica-se uma desigualdade na performance dos diferentes territ-rios, refletindo, em parte, diferentes nveis de engajamento dos atores locais junto ao Programa.

    Essa especificidade pode ser resultado de uma maior agilidade alcanada em certos territrios ou, inversamente, de maiores obst-culos, o que significa que, para uma maior homogeneizao do PMCMV em nvel nacional, seja importante criar mecanismos dife-renciados de apoio aos agentes, particularmente nas regies que apre-sentam maiores dificuldades de implementao do Programa.

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    Maria Beatriz Cruz Rufino

    De forma geral, so identificadas importantes mudanas no papel dos agentes em relao estrutura vigente no perodo do Banco Nacional da Habitao (BNH), quando tambm foram mobilizados importantes esforos no sentido de produo habitacional e se anun-ciaram pela primeira vez no Brasil estruturas financeiras federais especficas para construo de habitaes. Uma das mudanas mais importantes a ressaltar em relao ao PMCMV a ausncia de um agente promotor pblico, papel antes desempenhado por Companhias Metropolitanas de Habitao (COHAB), associaes e cooperativas, responsveis pela incorporao imobiliria e gesto dos empreendi-mentos. Essas instituies mantinham vnculos diretos com os poderes pblicos municipais e por vezes federais, o que abria maiores possibi-lidades para articulao com as polticas urbanas, embora isso nem sempre acontecesse. O desenho institucional adotado pelo programa PMCMV, no entanto, inviabiliza a possibilidade de o poder pblico atuar como promotor e gestor do empreendimento. A instituio financeira (Caixa Econmica Federal), por um lado, e as empresas, por outro lado, ganham centralidade em detrimento dos rgos e instituies responsveis pelas polticas urbanas e habitacionais.

    Apesar das especificidades das relaes entre os agentes nas diferentes regies, o protagonismo da Caixa Econmica Federal e a prevalncia de uma lgica financeira na implementao do Programa destacam-se como traos comuns das experincias investigadas. A Caixa Econmica Federal, operadora do programa, passa a se rela-cionar de maneira mais direta com os agentes imobilirios, oferecendo crdito imobilirio Faixas 2 e 3: Fundo de Garantia por Tempo de Servio (FGTS) ou comprando os empreendimentos Faixa 1: Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). No caso da Faixa 1, os empreendimentos so ofertados a uma demanda cativa, determinada pelos cadastros definidos pelas prefeituras.

    O reforo de uma lgica financeira est pautado em grande medida pelo papel das empresas de construo no Programa, que passam a atuar como proponentes de empreendimentos junto Caixa, seguindo as normas e condies mnimas estabelecidas. Dentro dessa racionalidade, conduzida pelas empresas, a escolha dos terrenos e as caractersticas dos projetos so condies essenciais para viabilizar os empreendimentos. A seleo de terrenos mais baratos, a ampliao da escala e padronizao dos projetos tornam-se assim estratgias financeiras essenciais no desenvolvimento do PMCMV. Essas estrat-

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    Captulo 3 - Um olhar sobre a produo do PMCMV a partir de eixos analticos

    gias so ainda mais evidentes nas grandes empresas. Cumpre ressaltar que, em algumas experincias pontuais, houve alguns ganhos de quali-dade, seja em casos em que ocorreu a doao de terrenos pblicos, seja pelo esforo de algumas associaes na modalidade Entidades. No entanto, verificou-se tambm que, mesmo em situaes de doao de terrenos, muitas vezes as administraes locais no dispem de recursos tcnicos e administrativos para investir em melhores projetos, ficando estes ainda sob a responsabilidade das empresas, que seguem ento a mesma padronizao aqui observada.

    Chama a ateno a grande concentrao da produo por grandes empresas, embora tenham acontecido importantes mudanas entre as fases 1 e 2 do Programa, a partir de 2011. Na primeira fase, a atuao de grandes incorporadoras e empreiteiras para a Faixa 1 foi bastante significativa na regio Sudeste, sendo pouco representativa no Norte e Nordeste. Nessas regies, foi destacada a participao de empresas locais e regionais que, em muitos casos, adquiriram experincia na produo de habitao de interesse social pela prvia atuao no Programa de Arrendamento Residencial (PAR).

    Na segunda fase do Programa, verifica-se a reduo da atuao das grandes empresas no Sudeste e sua ampliao no Norte e Nordeste. A atuao das grandes empresas no Norte e Nordeste a partir de 2011 corresponder tambm a uma tendncia de ampliao do porte dos empreendimentos.

    J a forma de participao dos municpios no Programa bastante heterognea. De maneira geral, os poderes locais municipais desem-penharam um papel importante na agilizao dos processos de apro-vao e na iseno de taxas e tributos. Em alguns casos, como nas cidades das regies metropolitanas de So Paulo e do Rio de Janeiro, os municpios atuaram de mais diretamente na viabilizao do Programa, disponibilizando terrenos pblicos e realizando processos de chamamento de construtoras para produo em empreitada global (projeto e obra).

    Tambm foram identificadas aes dos poderes locais no sentido de alterao de permetros urbanos e de leis e normas urbansticas de modo a autorizar a produo em reas rurais ou com parmetros urbansticos especficos e excepcionais em relao s normas edilcias e de parcelamento do solo precedentes.

    Ficou evidente, em muitos casos, a articulao da implemen-tao do Programa com a delimitao de novas Zonas Especiais de

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    Maria Beatriz Cruz Rufino

    Interesse Social (ZEIS). As ZEIS passaram a ser regulamentadas e delimitadas como uma estratgia de flexibilizao de parmetros, de maneira a permitir a implementao de empreendimentos habi-tacionais em reas que muitas vezes possuam restries urbans-ticas. Verificou-se, em alguns casos, que a delimitao das ZEIS no obedeceu a quaisquer critrios de planejamento ou de poltica habita-cional. Por exemplo, no caso do municpio de Queimados, na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro, onde