Upload
others
View
16
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
EDUARDO RODRIGUES ALVES JUNIOR
Avaliação de diferentes métodos de quantificação
microscópica da parasitemia de pacientes portadores
de malária aguda da Amazônia brasileira
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE MEDICINA
Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Ciências da Saúde
CUIABÁ
2013
ii
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
FACULDADE DE MEDICINA
Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Ciências da Saúde
Avaliação de diferentes métodos de quantificação
microscópica da parasitemia de pacientes portadores
de malária aguda da Amazônia brasileira
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Saúde, da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso,
para obtenção do título de mestre em Ciências da
Saúde, área de concentração Doenças Infecciosas e
Tropicais.
Mestrando: EDUARDO RODRIGUES ALVES JUNIOR
Orientador: COR JESUS FERNANDES FONTES
CUIABÁ
2013
iii
É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Catalogação da Publicação
Serviço de Documentação
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso
Cuiabá/MT
FICHA CATALOGRÁFICA
iv
Dedicatória
Para Deus, meus pais Eduardo Rodrigues e Enia Gomes e a pesquisa científica.
v
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus, o único digno de toda honra e toda glória, sem
Ele nada seria possível.
Agradeço a minha família, meus pais Eduardo Rodrigues e Enia Gomes, e
irmãos Elizabela Gomes e Endryus Gomes pela presença essencial.
Imensamente ao Professor Cor Jesus Fernandes Fontes pela amizade e
competência.
A Banca de avaliação composta por nomeados doutores que gentilmente
aceitaram contribuir com esta pesquisa Prof. Dr. Francisco José Dutra Souto, Prof. Dr.
Mariano Martínez Espinosa e Prof. Dr. Dr. Fabrício Rios Santos.
A toda nossa equipe de pesquisa, Fábio Alexandre, Márcia Cattini, Luciano
Teixeira, Luciano Simões, Daniele Ribatski, Thamires Martins, Alexandre Damasceno,
Clebson Rodrigues, Andreia Nery, Elaine Cristina, pelo profissionalismo e amizade.
A Walquirya Simi sempre presente em todos os momentos.
A todos os meus colegas do ambulatório III e da pós-graduação que de alguma
forma participaram do meu desenvolvimento e também nos quais eu ajudei.
Aos amigos Alysson Patricio, Rafael Viana, Marcus Avelino, Isaias Roberto e
Diego Lima, pelo companheirismo.
Ao professor Flávio Aparecido pela consideração e oportunidade de estágio
docência.
vi
“A curiosidade é mais importante do que o conhecimento.”
Albert Einstein
vii
RESUMO
viii
A estimativa da parasitemia é prática rotineira no diagnóstico da malária, uma
vez que auxilia na definição da gravidade e na avaliação da resposta terapêutica in vivo.
Uma vez que erros podem ser introduzidos nas técnicas de sua estimação, delineou-se o
presente estudo para avaliar diferentes métodos de quantificação da parasitemia e em
diferentes valores de leucometria que podem ser assumidos como base de cálculo ou
estimação, tendo-se como referência o método que utiliza a contagem automatizada dos
leucócitos em laboratório. Durante o período compreendido entre 2001 a 2013 foram
incluídos no estudo 403 pacientes do Hospital Universitário Julio Muller com
diagnóstico confirmado de malária e dos quais foi realizada a avaliação hematológica
pelo hemograma oriundos da Amazônia Brasileira. A faixa etária média (DP) é de 34,3
(15,2) anos. A estimação da parasitemia de referência foi feita pela relação entre o
número médio de parasitos contados em 500 leucócitos, tendo-se como base de cálculo
o valor leucometria global automatizada. Além disto, estimativas também foram feitas
com base no valor fixo assumido de 8000 leucócitos/μL para a leucometria do paciente
e pelo volume de sangue em determinada área microscópica examinada, métodos esses
preconizados pela OMS para áreas onde não é disponível a leucometria laboratorial.
Valores fixos de leucometria de 7.000, 6.000, 5.500, 5.250, 5.000 e 4.000, foram
também analisados, a fim identificar o número assumido de leucócitos que melhor
estima a parasitemia obtida com o método de considerado como referência. Os
resultados mostraram que a parasitemia estimada pelo valor fixo de 8.000 leucócitos/µL
superestima a parasitemia do paciente. A alta proporção de adultos na amostra analisada
e a não consideração da faixa etária do paciente foram, provavelmente, as razões para
essa superestimação, uma vez que crianças possuem número de leucócitos superior a
dos adultos. Por outro lado, a parasitemia foi subestimada quando avaliada pelo método
que assume volume fixo de sangue em área microscópica examinada. Os valores
assumidos de leucometria que mostraram melhores indicadores de concordância coma
parasitemia estimada pelo método de referência foram de 5.250 e 5.500 leucócitos/µL,
condizentes com o perfil de leucometria revelado pela amostra estudada e de referência
normal para pessoas brasileiras e sul-americanas, que é próxima a esses valores. Assim,
é plausível supor que valores fixos entre 5.000 e 6000 leucócitos/µL estimem melhor a
parasitemia de pacientes com malária na Amazônia brasileira, em áreas onde a
mensuração laboratorial não é possível.
Palavras-chave: Malária, Diagnóstico, Parasitemia, Leucometria.
ix
ABSTRACT
x
The estimation of malaria parasite density is important to define disease severity
and to evaluate the in vivo therapeutic response. Since errors could be introduced in the
estimation techniques, we outlined the present study to analyse different methods of
quantification and different values of leukocytes counting that can be assumed as the
basis of calculation for the estimation. The reference parasitemia was estimated using
automated leukocyte counting. The study included patients with confirmed diagnosis of
malaria and of which was evaluated by hematological blood count. The estimation of
parasitemia reference was made by the ratio between the average number of parasites
counted in 500 leukocytes, taking the automated countin as basis for calculating. In
addition, estimates were also made based on the assumed fixed value of 8000
leukocytes/uL and on the volume of blood in a given microscopic area. These methods
are recommended by WHO for areas where the laboratorial leukocyte it is not available
counting. Other fixed values of leukocytes were also analyzed to identify the number of
assumed leukocytes that best estimates the parasitemia. The results showed that the
fixed value of 8000 leukocytes/uL overestimates parasitemia. The high proportion of
adults in the sample and not considering the age of the patient were probably the
reasons for this overestimation. Moreover, the parasitemia was underestimated when
measured by the method that assumes a fixed volume of blood in the examined
microscopic smear area, probably related to errors in preparation of the blood smear.
The assumed values of leukocytes which showed better agreement whit the actual
patient parasitemia were 5,250 and 5,500 leukocytes/uL, consistent with the profile of
leukocytes revealed by the sample and with the standard reference for people in Brazil
and South America, which is close to these values. Thus, it is plausible to assume that
fixed values between 5,000 and 6,000 leukocytes/uL better estimate the parasitemia of
patients with malaria in the Brazilian Amazon, in areas where laboratory measurement
is not available.
Keywords: Malaria, Diagnosis, parasitaemia, leukocyte count.
xi
Lista de Figuras
Página
Figura 1- Representação esquemática do ciclo biológico do Plasmodium ..... 4
Figura 2 - Gabarito utilizado para padronização da área de preparação do
distendido espesso na lâmina de vidro ............................................................. 15
Figura 3 - Diagrama representativo das etapas do processamento das
amostras de sangue essenciais à determinação da parasitemia por
Plasmodium...................................................................................................... 19
Figura 4 - Distribuição das parasitemias segundo os métodos de estimação:
leucometria automatizada, leucometria assumida e volume por campo
analisado........................................................................................................... 26
Figura 5 - Teste de equivalência de Bonferroni e intervalo de confiança
(95%) do desvio padrão......................................................................
30
Figura 6 - Distribuição do logaritmo da parasitemia segundo método de
estimação: leucometria automatizada, leucometria assumida e volume por
campo analisado.................................................................................
31
Figura 7 - Boxplot da diferença do logaritmo entre os valores de parasitemia
obtidos a partir da leucometria assumida ou por volume de sangue por
campo examinado, com valores obtidos pela leucometria
automatizada......................................................................................
33
Figura 8 - Relação entre a diferença e a média logarítmica das parasitemias
entre cada método de quantificação, baseados em valores assumidos de
leucometria e volume de sangue assumido por campo microscópico
examinado........................................................................................................
34
xii
Lista de Tabelas
Página
Tabela 1 - Média geométrica e Intervalo de Confiança 95% (IC 95%) para
leucócitos em quatro etnias distintas descrito por
Wintrobe...........................................................................................
9
Tabela 2 – Características demográficas, clínicas e laboratoriais dos
pacientes
estudados......................................................................................................
17
Tabela 3 - Descrição das parasitemias por Plasmodium sp estimadas por
diferentes métodos de quantificação, em 403 pacientes portadores de malária
aguda.................................................................................................
27
Tabela 4 – Análise das parasitemias médias de 403 pacientes portadores de
malária, obtidas por métodos de quantificação baseados em leucometria
assumida, em comparação à quantificação feita pela leucometria
automatizada........................................................................................
28
Tabela 5 – Análise da discrepância entre as determinações das parasitemias
de 403 pacientes portadores de malária, obtidas por métodos de
quantificação baseados em leucometria assumida e área examinada, em
comparação à quantificação feita pela leucometria
automatizada..............................................................................................
29
Tabela 6 – Resultado do teste de hipótese de que a diferença do logaritmo
das parasitemias obtidas pelos métodos que assumem um valor fixo de
leucometria ou que assumem um volume por campo microscópico
examinado seja igual a zero..................................................................
32
xiii
Lista de Abreviaturas
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
EDTA Ethylenediamine tetraacetic acid
HUJM Hospital universitário Julio Muller
IC 95% Intervalo de Confiança 95%
OMS Organização Mundial de Saúde
PNCM Programa Nacional de controle da Malária
SUS Sistema Único de Saúde
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
xiv
Sumário
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 1
1.1 Ciclo biológico do parasito da malária.................................................................. 2
1.2 Definição de caso de malaria................................................................................. 4
1.3 diagnóstico da malária........................................................................................... 4
1.4 Diagnóstico de malária........................................................................................... 5
1.5 Determinação da parasitemia por Plasmodium...................................................... 7
1.6 Os leucócitos e sua variação quantitativa.............................................................. 8
2. OBJETIVOS........................................................................................................... 11
2.1 Geral....................................................................................................................... 12
2.2 Específicos............................................................................................................. 12
3. MATERIAIS E MÉTODO.................................................................................... 13
3.1 Local do estudo e pacientes estudados................................................................... 14
3.2 Coleta do sangue.................................................................................................... 14
3.3 Pesquisa de Plasmodium pela microscopia de distendido espesso de sangue..... 15
3.4 Hemograma completo............................................................................................ 15
3.5 Caracterização dos pacientes do estudo................................................................. 16
3.6 Contagem dos parasitos no distendido espesso...................................................... 18
3.7 Estimação da parasitemia a partir da leucometria automatizada .......................... 19
3.8 Estimação da parasitemia a partir de um valor fixo para a leucometria do
paciente........................................................................................................................
20
3.9 Estimação parasitemia assumindo-se um volume de sangue em uma área
examinada do distendido espesso no microscópio ..............................................
20
3.10 Procedimentos de análise dos resultados ............................................................ 21
3.11 Considerações éticas ........................................................................................... 23
4. RESULTADO........................................................................................................ 24
4.1 Distribuição dos valores de parasitemia mensurados por diferentes métodos de
quantificação ...............................................................................................................
25
4.2 Análises das parasitemias obtidas pelas leucometrias assumidas em comparação
à quantificação feita pela leucometria automatizada...................................................
28
5. DISCUSSÃO ......................................................................................................... 35
5.1. Superestimação da parasitemia estimada pelo valor assumido de 8.000
xv
leucócitos/µL................................................................................................. 36
5.2. Subestimação da parasitemia estimada pelo volume assumido em área
microscópica examinada ................................................................................
38
5.3. Análise de diferentes valores assumidos de leucometria para a estimação da
parasitemia por Plasmodium............................................................................
39
6. CONCLUSÕES ........................................................................................ 41
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 43
8. ANEXOS ................................................................................................. 49
1. INTRODUÇÃO
2
A malária é uma das principais doenças infecciosas do mundo e é causada por
protozoários do gênero Plasmodium e transmitida pela picada do mosquito fêmea do
gênero Anopheles [1–4]. O gênero Plasmodium está dividido em cinco espécies que podem
parasitar o homem, o Plasmodium vivax, P. falciparum, P. malariae, P. ovale e P.
knowlesi. Essa última espécie, originalmente de primatas não humanos, tem infectado cada
vez mais humanos no continente Asiático, causando doença grave e letal [5–8].
Aproximadamente 40% da população mundial esta sob o risco de contrair malária
e, apenas em 2010, foram registrados 216 milhões casos em todo o mundo com 660.000
mil óbitos [7]. No Brasil, apesar da evidente redução de óbitos por malária, ao longo dos
últimos 12 anos foram registrados uma média de 422.858 casos da doença [8]. O P. vivax é
responsável por mais de 85% dos casos notificados e a região Amazônica concentra 99,7%
dos casos ocorridos no país [7,9].
1.1 Ciclo biológico do parasito da malária no homem.
O ciclo esquizogônico, assexuado, começa logo após a picada do mosquito
anopheles que inocula esporozoítos infectantes na corrente sanguínea do hospedeiro
(homem). Os esporozoítos circulam por alguns minutos e penetram nos hepatócitos no qual
eles possuem tropismo. Neste momento inicia-se o ciclo pré eritrocítico, também chamado
de esquizogonia tecidual e dura seis dias para o P. falciparum, e oito dias para o P. vivax.
Para a espécie P. vivax alguns dos esporozoítos ainda no fígado se transformam em formas
latentes denominadas hipnozoítos, que são responsáveis pelas recaídas da doença após
meses da infecção inicial [9,10].
Ao final do ciclo esquizogônico os esquizontes rompem os hepatócitos liberando
milhares de merossomos sendo aproximadamente 40.000 quando infecção pelo P.
falciparum e 10.000 quando infecção pelo P. vivax. Estes merozoítos invadem as hemácias
3
e dão início a segunda faze de reprodução assexuada o ciclo sanguíneo ou eritrocítico. O P.
vixax invade apenas hemácias jovens e o P. falciparum invade hemácias em qualquer idade
[9,11].
Para o P. falciparum esta fase se repete em ciclos de 48 horas e o P. vivax em
ciclos de 72 horas. Estes merozoítos que invadiram as hemácias se transformam em
esquizontes e provocam a ruptura da mesma liberando novos merozoítos. É neste momento
que se inicia a tradução da doença nos sintomas clínicos pela liberação de toxinas no
rompimento das hemácias. Estes merozoítos liberados invadem novas hemácias e dão
continuidade ao ciclo sanguíneo [9,12].
Durante este ultimo processo o parasita passa por uma série de transformações
entre as fases merozoítos até esquizontes. No exame microscópico podemos observas as
seguintes fases caracterizadas pela morfologia do parasito: trofozoítos jovens, trofozoítos
maduros, esquizontes jovens e esquizontes maduros [9,13].
Como mecanismo de reprodução e perpetuação da espécie estes parasitos após
algumas fases de replicação assexuada pelos merozoítos se diferenciam em gametócitos
machos e fêmeas, estes amadurecem sem divisão celular e são responsáveis pela infecção
do mosquito após repasto sanguíneo no indivíduo infectado e o início da reprodução
sexuada (esporogônica) do parasito no mosquito anofelino. Essa reprodução ocorre no
intestino médio do mosquito, após a diferenciação dos gametócitos em gametas e a
formação do zigoto. Esse ultimo migra para a parede do intestino do mosquito, formando o
oocisto e do qual desenvolverão os esporozoítos, que são liberados na hemolinfa do inseto
e, posteriormente, migram até as glândulas salivares, de onde infectam o homem em
próximo repasto sanguíneo [9].
4
1.2 Definição de caso de malária
Um caso suspeito de malária é considerado para toda pessoa com quadro febril, que
seja residente ou que tenha se deslocado para área onde haja transmissão de malária, no
período de 8 a 30 dias antes dos primeiros sintomas. Em área não-endêmica é considerado
para toda pessoa que apresente quadro de paroxismo febril com os seguintes sintomas:
calafrios, tremores, cansaço, mialgia e que seja procedente de área de transmissão
malárica, 8 a 30 dias antes dos primeiros sintomas [14]. A confirmação da doença se dá
principalmente pelo exame microscópico da gota espessa [15].
1.3 Importância histórica do diagnóstico microscópico da malária
A história do diagnóstico da malária é antiga e iniciou-se com o médico francês
Alphonse Laveran na primeira identificação do agente causador da malária em 1880.
Porem Laveran utilizava a microscopia direta para detecção do Plasmodium. Somente mais
Figura 1. Representação esquemática do ciclo biológico do Plasmodium.
5
tarde o azul de metileno foi introduzido. Em 1891, Dimitri Romanowsky percebeu
diferença na coloração da cromatina do Plasmodium, utilizando uma mistura de eosina e
azul de metileno, sendo denominado método de coloração de Romanowsky [16].
Em 1904 Gustav Giemsa, farmacêutico, foi solicitado em uma colônia Alemã para
melhorar a coloração do esfregaço. Ele percebeu que acrescentando glicerol e metanol, a
coloração de Romanowsky se tornava estável e reprodutível, inaugurando assim o método
de coloração de Giemsa, utilizado até os dias de hoje [16].
O Programa Nacional de Controle da Malária destaca a prioridade ao acesso ao
diagnóstico oportuno e tratamento adequado como principais medidas para o controle da
malária. Além de curar o indivíduo e diminuir sua incapacidade e risco de complicações,
essas medidas buscam reduzir rapidamente a produção de gametócitos, para interromper a
cadeia de transmissão [17,18].
1.4 Diagnóstico da malária
O diagnóstico da malária leva em consideração aspectos clínicos, epidemiológicos
e laboratoriais do paciente. A suspeita epidemiológica se dá pelas informações de
procedência e tempo de permanência em área endêmica da doença [19]. O diagnóstico
clinico é inespecífico, porém é importante para a suspeita da infecção, principalmente
naqueles que procedem de áreas endêmicas. Porém, sem a comprovação da existência do
parasito circulante, em exame laboratorial, não é possível diagnosticar a doença para o seu
correto tratamento. Para o diagnóstico laboratorial, são disponíveis testes microscópicos,
imunotestes e testes moleculares. Dentre esses, a microscopia pelo método de Walker é a
técnica mais utilizada para o diagnóstico da malária[19].
6
Na Região Amazônica, onde mais de 70% dos episódios febris não são por
malária, é imprescindível garantir um diagnóstico correto, antes de iniciar o tratamento. A
prioridade para o controle da transmissão deve ser, portanto, garantir o acesso universal,
gratuito e oportuno a um diagnóstico parasitológico que oriente o início imediato e
adequado do tratamento. Apesar da existência de métodos de diagnóstico rápido, mediante
fitas reagentes (imunotestes), a microscopia do sangue em distendido espesso é método
ainda de escolha para o alcance desse objetivo [15,17].
O exame microscópico da malária é feito em distendido espesso ou delgado de
sangue, confeccionado em lâmina de vidro e corado por Giemsa. A microscopia do
distendido espesso é mais sensível e possui alta especificidade para o diagnóstico da
infecção [13]. Além do diagnóstico individual da malária, esse método é ainda aplicado
para pesquisas de campo, ensaios clínicos para drogas antimaláricas e estudos com vacinas
contra a doença [20]. É um método simples, de fácil realização e de baixo custo. No
entanto, são necessários profissionais treinados e reagentes de boa qualidade, para não
comprometer os seus resultados [21,22].
Sua técnica baseia-se na visualização do parasito por meio da microscopia óptica,
após coloração com corante vital (azul de metileno e Giemsa), permitindo a diferenciação
específica dos parasitos a partir da análise da sua morfologia e da presença dos diferentes
estágios de desenvolvimento do parasito encontrados no sangue periférico. Por concentrar
maior quantidade de sangue desemoglobinizado em uma área relativamente pequena, o
distendido espesso aumenta a probabilidade de se encontrar parasitos na microscopia, e o
processo de coloração é simples e rápido [9,23,24].
7
1.5 Determinação da parasitemia por Plasmodium
Diferentes técnicas são utilizadas para a estimação da parasitemia na malária. As
principais são: i) Estimação em distendido delgado, por meio da contagem microscópica de
eritrócitos parasitados e sua relação com a hematimetria automatizada; ii) Estimação em
distendido espesso, usando a leucometria automatizada como referencial de volume de
sangue examinado; iii) Estimação em distendido espesso, assumindo-se um valor fixo
padronizado para a leucometria do paciente; iv) Estimação em distendido espesso,
assumindo-se um volume fixo de sangue em uma área microscópica examinada [9].
A microscopia de distendidos espessos sanguíneos corados por Giemsa, embora
não seja o método mais preciso para estimar a parasitemia por Plasmodium, é o mais
utilizado, em virtude de seu baixo custo e simplicidade de execução. Nesse último caso, o
volume sanguíneo é inferido pela determinação da leucometria ou pela área microscópica
examinada [25]. Em locais onde a realização do hemograma não é factível, utiliza-se um
valor assumido fixo de leucometria para estimar a parasitemia por Plasmodium.
Tradicionalmente esse valor assumido é de 8.000/µL [12,13,20,21,26], embora alguns
autores já tenham chamado a atenção para a variação desse valor, de acordo com a faixa
etária do paciente [25], devendo assumir valores maiores para as crianças menores de 10
anos [27].
A avaliação da parasitemia por Plasmodium no presente estudo foi feita de acordo
com os dois métodos preconizados pela OMS, isto é, pela contagem de parasitos em
relação a certa quantidade de leucócitos examinados na microscopia ou pela contagem de
parasitos em uma determinada área microscópica examinada. Para ambos os métodos, a
quantificação final da parasitemia é feita a partir de parâmetros estimados, que informam
sobre o volume de sangue do parasito.
8
Para o método que utiliza a quantidade examinada de leucócitos, o parâmetro
utilizado é a contagem de leucócitos por µL de sangue, obtida no hemograma por
contagem automática dessas células ou por contagem manual na Câmara de Neubauer. Na
ausência desses recursos, assume-se um valor fixo de 8.000 leucócitos/µL, conforme
orienta a OMS [21,28]. Resumidamente, é feita a contagem microscópica de parasitos e
leucócitos simultaneamente, até alcançar 500 leucócitos, tendo em mãos a leucometria
(quantidade de leucócitos/µL de sangue) do paciente. A partir desses dados é possível
obter a parasitemia em µL de sangue. Alternativamente, quando não se tem o número de
leucócitos do paciente, assume-se o valor fixo de 8000 leucócitos/µL de sangue [27] e,
assim, o resultado pode ser obtido utilizando o mesmo cálculo anterior [13,21,29].
Em um distendido espesso de tamanho padronizado assume-se que 200 campos
microscópicos, com aumento de 1000 vezes, contenha aproximadamente 0,45 µL de
sangue. Portanto, multiplicando a quantidade de parasito contados nessa área por 2,2,
obtêm-se a parasitemia/µL de sangue [9,24,27,30].
1.6 Os leucócitos e sua variação quantitativa
Os leucócitos, ou glóbulos brancos, são células nucleadas produzidas na medula
óssea e encontradas no sangue, com formato esférico, tamanho e volume superior às
hemácias [31]. Sua função é proteger o organismo, contra agentes patogênicos e suas
toxinas [32,33]. A leucopenia, uma diminuição na quantidade de leucócitos circulantes,
torna uma pessoa mais suscetível a infecções. A leucocitose, um aumento na quantidade de
leucócitos circulantes, pode ser uma resposta a infecções ou substâncias estranhas, ou ser
resultante do estresse ou de determinadas drogas [32,34].
9
Em uma pessoa sadia, o número de leucócitos circulantes em adultos oscila entre
4 e 11 mil células/µL de sangue. Em situação de resposta a processos infecciosos, essa
quantidade pode triplicar, para atuar, com eficácia, contra os microrganismos invasores
[32,33]. Variação na quantidade normal de leucócitos circulantes é amplamente observada
entre diferentes grupos étnicos [31,35] e regiões geográficas [27,35–42] (Tabela 1).
Tabela 1 - Intervalo de confiança (IC 95%) para a contagem de leucócitos em quatro etnias
distintas.
Origem étnica
(adultos)
Contagem de leucócitos
x 103/µl de sangue
Europeus 3,7-9,8
Caucasianos 4,5-10,1
Americanos negros 3,6-10,2
Africanos negros 2,5-9,0
Wintrobe, 1998 [31]
Atualmente, utilizam-se os contadores automáticos eletrônicos para contagem
direta e mais eficiente dessas células [43,44].
A determinação da densidade parasitária é prática rotineira no diagnóstico da
malária, uma vez que auxilia na avaliação da gravidade e na avaliação da resposta
terapêutica in vivo Por outro lado, ela ainda representa ferramenta de muita valia no
monitoramento e na prospecção da eficácia de velhas e novas drogas antimaláricas, seja em
ensaios in vivo, ex vivo e in vitro [9,13,23,24]. A precisão dessa estimativa varia com o
método empregado, sendo maior para aqueles que quantificam o DNA circulante de
Plasmodium em conhecido volume de sangue por PCR em tempo real [45–47] e menor
10
para aqueles que utilizam a quantificação dos parasitos pela microscopia de distendidos
sanguíneos [13,19,48]. Nesse último caso, o volume sanguíneo é inferido pela
determinação da leucometria ou pela área microscópica examinada [25].
Diante de grande possibilidade de erros que podem ser introduzidos nas técnicas
de estimação da parasitemia, é importante a avaliação da precisão e da confiabilidade
desses métodos, tão utilizados na clínica como em pesquisas relacionadas à malária.
11
2. OBJETIVOS
12
2.1 Geral
Comparar diferentes métodos de quantificação da parasitemia de pacientes
portadores de malária aguda na Amazônia brasileira.
2.2 Específicos
Fazer análise comparativa de diferentes valores de leucometria que podem ser
assumidos como base de cálculo para a estimação da parasitemia de pacientes com malária
aguda, tendo-se como referência o método que utiliza a contagem automatizada dos
leucócitos;
Fazer análise comparativa dos resultados das parasitemias estimadas pelos
métodos da contagem por volume de sangue assumido no esfregaço e da contagem
automatizada dos leucócitos;
13
3. MATERIAIS E MÉTODO
14
3.1 Local do estudo e pacientes estudados
O estudo foi realizado no Laboratório de Malária do Hospital Universitário Júlio
Muller, da Universidade Federal de Mato Grosso, onde funciona, desde março de 2001, é o
ambulatório de referência para diagnóstico e tratamento da malária da região metropolitana
de Cuiabá.
Este é um estudo descritivo de corte transversal de características principalmente
laboratoriais de pacientes com malária, no qual foi feita análise exploratória de dados
relativos à contagem de leucócitos e à densidade parasitária por Plasmodium. Foram
incluídos todos os pacientes que tiveram o diagnóstico de malária confirmado por exame
parasitológico do distendido espesso e dos quais foi realizada a avaliação hematológica
pelo hemograma. Os pacientes incluídos para o estudo foram selecionados a partir do
arquivo de lâminas e de prontuários de pacientes existentes no Laboratório de Malária
atendidos no perído de novembro de 2001 a janeiro de 2013, totalizando 403 pacientes.
A análise realizada restringiu-se aos resultados obtidos dos exames
parasitológicos positivos para malária concomitante da presença das contagens de
leucócitos dos hemogramas, realizados em parte dos pacientes atendidos no referido
ambulatório.
3.2 Coleta de sangue
De todos os pacientes incluídos no estudo foram colhidas amostras de sangue em
tubos a vácuo contendo o anticoagulante ácido etilenodiamino tetra-acético (EDTA), para a
pesquisa de hematozoários em distendido espesso e para a realização do hemograma
completo, conforme descrição a seguir.
15
3.3 Pesquisa de Plasmodium pela microscopia de distendido espesso de
sangue
Dois distendidos espessos de sangue foram confeccionados em lâmina, após sua
limpeza com álcool 70%. Cada distendido foi preparado com duas gotas de
aproximadamente 10 µL de sangue, as quais foram uniformemente distribuídas numa área
de 1,5 cm2, com auxílio de um gabarito demonstrado na Figura 2.
As lâminas foram
secadas com um secador e, em seguida, coradas com Giemsa de acordo com a técnica
descrita por Walker [13,24].
A pesquisa dos hematozoários foi feita pelo exame microscópico da lâmina, com
objetiva de 100X, em óleo de imersão, a preparação da lâmina acontece imediatamente
após a coleta do sangue. Foram excluídos do estudo todos os pacientes com resultados
negativos, isto é, se após observação de 500 campos microscópicos nenhum parasito foi
encontrado.
3.4 Hemograma completo
Figura 2- Gabarito utilizado para padronização da área de
preparação do distendido espesso na lâmina de vidro.
16
Todos os hemogramas foram realizados pelo laboratório de análises clínicas do
HUJM em até duas horas após coleta e fazem parte da rotina do ambulatório no
atendimento dos pacientes com malária. Os exames foram feitos em contador automático
de células (Sysmex XE-2100D, Kobe/Japan), seguindo as normas de controle interno e
externo, de acordo com as necessidades estipuladas no protocolo do fabricante do
equipamento.
3.5 Caracterização dos pacientes do estudo
Durante o período de novembro de 2001 a janeiro de 2013, 1923 pacientes foram
diagnosticados com malária no Laboratório de Malária do Hospital Universitário Júlio
Muller. Desses, apenas 403 (21%) preencheram os critérios de inclusão, isto é, com
esfregaço sanguíneo arquivado e resultado do hemograma completo, sendo a maioria
(80,1%) homens. Os pacientes se consideravam da cor branca (38,3%), preta (20,2%) e
parda (39,5%) e com média (DP) de idade de 34,3 (15,2) anos. Um total de 322 (79,9%)
pacientes estavam com monoinfecção por P. vivax, 76 (18,9%) com monoinfecção por P.
falciparum e cinco (1,2%) com infecção mista por P. vivax e P. falciparum. O número
médio de episódios pregressos de malária referido pelos pacientes foi de cinco episódios.
Entre esses pacientes, o tempo médio de sintomas foi de oito dias. O número médio (DP)
de leucócitos na amostra estudada foi de 5.605 (1.984)/µL de sangue, com mediana de
5.400 leucócitos/µL (Tabela 2).
17
Tabela 2 – Características demográficas,e laboratoriais dos 403 pacientes
estudados.
Características n %
Sexo Masculino
Feminino
306
76
80,1
19,9
Idade
(anos)
0 – 4
5 – 9
10 – 19
20 – 49
≥ 50
15
15
34
272
67
3,7
3,7
8,4
67,5
16,7
Espécie P. vivax
P. falciparum
Mista
322
76
5
79,9
18,9
1,2
Leucometria/µL
Media
Desvio padrão
Erro padrão
Valor mínimo
Valor máximo
Percentil 25%
Mediana
Percentil 75%
LI (IC 95%) média
LS (IC 95%) média
Média geométrica
5.605
1.984
99
1.400
16.300
4.210
5.400
6.700
5.411
5.800
5.287
18
3.6 Contagem dos parasitos no distendido espesso
A contagem dos parasitos no distendido espesso foi feita de acordo com os dois
métodos preconizados pela OMS, isto é, pela enumeração de todos os estágios sanguíneos
do parasito em relação a certa quantidade de leucócitos examinados na microscopia ou em
relação a uma determinada área microscópica examinada. Para garantir maior qualidade na
avaliação microscópica, ambas as contagens foram realizadas por dois microscopistas
devidamente qualificados para essa função, sendo um deles o autor desta dissertação.
Cada lâmina foi contada uma vez por cada microscopista. Para a análise final, utilizaram-
se os valores médios da contagem de parasitos/leucócitos e de parasitos/área examinada no
distendido espesso, fornecidos pelos dois microscopistas. Em caso de valores discordantes
de parasitemia quantificada pelos microscopistas, a discrepância percentual entre as duas
contagens foi calculada pela seguinte fórmula [49]:
Discrepância percentual das contagens = 𝑋′ − 𝑋′′
𝑋′ + 𝑋′′2
x 100
Em que X’: parasitemia quantificada pelo primeiro microscopista
X”: parasitemia quantificada pelo segundo microscopista
Nos casos em que a discrepância percentual foi maior que 40% [49] entre as duas
contagens, um terceiro examinador foi necessário. Neste caso, a contagem de parasitos
considerada para análise foi obtida da media dos valores fornecidos pelos três
microscopistas. Todos os examinadores utilizaram um modelo idêntico de microscópio
com lentes e objetivas do mesmo tipo e a leitura foi em modo cego com planilhas
independentes, ou seja, nenhum dos dois obteve acesso ao resultado do outro
microscopista, até o termino das contagens. A Figura 3 ilustra o fluxo de cada amostra de
19
sangue dos pacientes do estudo, desde a coleta até a determinação da parasitemia pelos
diferentes métodos.
3.7 Estimação da parasitemia a partir da leucometria automatizada
A estimação da parasitemia por esse método foi feita pela relação entre o número
médio de parasitos contados em 500 leucócitos e a leucometria automatizada, por meio da
seguinte formula [28]:
𝐿𝑒𝑢𝑐𝑜𝑚𝑒𝑡𝑟𝑖𝑎 𝑎𝑢𝑡𝑜𝑚𝑎𝑡𝑖𝑧𝑎𝑑𝑎 𝑑𝑜 𝑝𝑎𝑐𝑖𝑡𝑒𝑛𝑡𝑒 x número de parasitos contados por 500 leucócitos
500 𝑙𝑒𝑢𝑐ó𝑐𝑖𝑡𝑜𝑠
Figura 3: Fluxograma representativo das etapas do processamento das
amostras de sangue essenciais à determinação da parasitemia por
Plasmodium.
20
A parasitemia estimada por este método foi considerada como de referência para a
análise das demais estimativas de parasitemia analisadas neste estudo.
3.8 Estimação da parasitemia a partir de um valor fixo para a leucometria
do paciente
A estimação da parasitemia por μL de sangue por esse método foi feita pela
relação entre o número médio de parasitos contados em 500 leucócitos e o valor fixo
assumido para a leucometria do paciente. Além do valor fixo preconizado pela OMS, isto
é, de 8.000 leucócitos/μL de sangue [13,21,28,29], outros valores fixos de leucometria
foram também analisados, quais sejam 7000, 6000, 5500, 5000 e 4000 leucócitos/μL de
sangue, a fim identificar o número assumido de leucócitos que melhor estimou a
parasitemia obtida com o método considerado como referência. A seguinte fórmula foi
utilizada para o cálculo da parasitemia/μL de sangue:
𝑉𝑎𝑙𝑜𝑟 𝑑𝑎 𝑙𝑒𝑢𝑐𝑜𝑚𝑒𝑡𝑟𝑖𝑎 𝑎𝑠𝑠𝑢𝑚𝑖𝑑𝑎 x 𝑁ú𝑚𝑒𝑟𝑜 𝑑𝑒 𝑝𝑎𝑟𝑎𝑠𝑖𝑡𝑜𝑠 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑎𝑑𝑜𝑠 𝑝𝑜𝑟 500 𝑙𝑒𝑢𝑐ó𝑐𝑖𝑡𝑜𝑠
500 𝑙𝑒𝑢𝑐ó𝑐𝑖𝑡𝑜𝑠
3.9 Estimação da parasitemia assumindo-se um volume de sangue em
uma área examinada do distendido espesso no microscópio
A estimação da parasitemia por μL de sangue por esse método foi feita pela
multiplicação do número de parasitos contados em 200 campos do distendido espesso por
2,22 [9,24,25,27,30].
21
3.10 Procedimentos de análise dos resultados
Com o intuito de identificar semelhanças ou diferenças entre os valores de
parasitemia obtidos pelos diferentes métodos de quantificação avaliados neste estudo,
optou-se pela utilização de diferentes recursos estatísticos de comparação de dados
contínuos, baseados apresentação gráfica das distribuições dos valores e em testes
estatísticos clássicos, tanto paramétricos quanto não paramétricos.
Os valores de parasitemia obtidos pelos diferentes métodos de quantificação
foram inicialmente descritos em todos os seus parâmetros estatísticos e apresentados em
gráficos demonstrativos de sua distribuição, com vistas a identificar semelhança entre
aqueles obtidos a partir de valores assumidos de leucometria (ou de volume de sangue
examinado) com aqueles obtidos pela leucometria automatizada (método de referência).
A comparação das parasitemias médias obtidas pelos métodos que utilizam
valores assumidos de leucometria com aquela obtida pelo método de referência foi feita
pelo teste t de Student para comparação de dois grupos relacionados (pareados), com
hipótese nula considerando como zero a diferença entre suas médias. Para garantir a
utilização da estatística paramétrica na comparação dos dados, foi feita a transformação
logarítmica dos valores de parasitemia, cujas médias e IC95% foram graficamente
apresentados e sendo cada método comparado com o método de referência por meio do
teste t de Student.
Para avaliar a proporção de pacientes com resultados subestimados ou
superestimados pelos métodos que assumem valores fixos de leucometria (ou de volume de
sangue examinado) com o método que se utiliza da leucometria automatizada (método de
referência), foi aplicado o teste de postos sinalizados de Wilcoxon para dados pareados,
com a hipótese de nulidade na diferença entre essas estimações.
22
A discrepância percentual das estimativas de parasitemia foi obtida pela razão da
diferença pela média, dos valores resultantes do método em análise e do método de
referência, para cada paciente, conforme a seguinte fórmula:
Discrepância percentual das estimativas = 𝑋′ − 𝑋′′
𝑋′ + 𝑋′′2
x 100
Em que X’: parasitemia quantificada pelo método em análise
X”: parasitemia quantificada pelo método de referência
Para testar a hipótese de igualdade da variância dos dados obtidos com os
diferentes métodos de quantificação da parasitemia, valeu-se da apresentação gráfica dos
valores dos intervalos de confiança 95% de Bonferroni para os desvios padrão e dos testes
de Bartlett e Levene para a análise da igualdade das variâncias nos diferentes grupos de
parasitemias.
Finalmente, e objetivando uma melhor medida da concordância entre dois
conjuntos de dados contínuos, conforme proposto por Bland & Altman (1986) [50], foi
analisada a relação entre a média logarítmica e a diferença logarítmica das parasitemias,
com a hipótese de quanto maior concordância entre os dados originais, menor a variância
dos valores obtidos nessa relação.
Para todas as análises estatísticas foi considerado o erro alfa de 0,05. Os dados do
estudo foram primeiramente digitados em uma planilha Excel e, posteriormente,
exportados para os aplicativos Stata versão 12 (Stata Corporation, Texas, EUA) e Epidata
versão 2.1, nos quais foram processadas as análises estatísticas.
23
3.11 Considerações éticas
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do HUJM da
UFMT sob parecer número CEP/HUJM/130.938.
Um termo de consentimento elaborado foi assinado por todos os pacientes que
aceitaram participar da pesquisa. Para tanto foi explicado para cada paciente os benefícios,
riscos e os objetivos do estudo. Para os participantes menores de idade foi necessário
consentimento do responsável. Todos os dados coletados dos pacientes foram mantidos em
sigilo e apresentados apenas de forma consolidada.
O estudo não ofereceu riscos ao paciente, apenas o desconforto na coleta de
sangue venoso por punção em seringa, o que já é de rotina para realização dos exames
laboratoriais.
Todos os pacientes foram diagnosticados e tratados gratuitamente no Ambulatório
de Infectologia do HUJM. Para todos os procedimentos de diagnóstico e tratamento da
malária, seguiram-se as orientações do Programa Nacional de Controle da Malária do
Ministério da Saúde [51].
24
4. RESULTADOS
25
4.1 Distribuição dos valores de parasitemia mensurados por diferentes
métodos de quantificação.
A distribuição das parasitemias obtidas por cada método de quantificação mostrou
grande variabilidade, com distribuição assimétrica à direita e valores discrepantes em todos
eles, principalmente em alta densidade parasitária (Figura 4). A parasitemia média
(IC95%) foi de 7.518 (6.585; 8.451) parasitos/µL para o método que utilizou a leucometria
automatizada, considerada de referência para a análise dos demais métodos de
quantificação avaliados neste estudo, cujas parasitemias médias (IC95%) foram de 11.142
(9.784; 12.500), 9.749 (8.561; 10.938), 8.356 (7.338; 9.375), 7.660 (6.726; 8.594),
7.312(6.421;8.204), 6.964 (6.115; 7.812), 5.571 (4.892; 6.250) parasitos/µL, para os
valores assumidos de 8.000, 7.000, 6.000, 5.500, 5.250, 5.000 e 4.000 leucócitos/µL de
sangue, respectivamente. Para o método que utilizou o volume assumido de sangue em
uma área microscópica analisada, a parasitemia média (IC95%) obtida foi de 4.905 (4.162;
5.648) parasitos/µL (Tabela 3).
26
T
ab
ela 3
- Descrição
das p
arasitemias p
or P
lasm
od
ium
sp estim
adas p
or d
iferentes m
étod
os d
e qu
antificação
, em 4
03
pacien
tes portad
ores d
e malária
agu
da.
Parâm
etros
PA
RA
SIT
EM
IA (p
arasitos/µ
l de san
gu
e)
Pela
leuco
metria
au
tom
atiza
da
P
ela leuco
metria assu
mid
a (/µl)
Vo
lum
e po
r
área
exam
inad
a
80
00
70
00
60
00
55
00
52
50
50
00
40
00
Valo
r mín
imo
3
1
40
35
30
27
26
25
20
5,5
Valo
r máxim
o
64
930
1
15
94
7
10
145
3
86
960
79
713
76
090
72
467
5
79
73
63
976
Percen
til 25
%
14
42
25
68
22
47
19
26
17
65
16
85
16
05
12
84
92
5
Med
iana
45
03
60
16
52
64
45
12
41
36
39
48
37
60
30
08
26
86
Percen
til 75
%
94
46
14
568
12
747
10
926
10
015
95
60
91
05
72
84
58
12
Méd
ia 7
51
9
11
143
97
50
83
57
76
61
73
12
69
64
55
71
49
06
Desv
io p
adrão
9
52
7
13
869
12
135
10
402
95
35
91
01
86
68
69
34
75
87
Erro
pad
rão
47
5
69
1
60
4
51
8
47
5
45
3
43
2
34
5
37
8
LI (IC
95
%) m
édia
6
58
6
97
85
85
61
73
38
67
27
64
21
61
15
48
92
41
63
LS
(IC 9
5%
) méd
ia 8
45
2
12
501
10
938
93
75
85
94
82
04
78
13
62
50
56
49
Med
ia geo
métrica
3
40
4
51
51
45
07
38
63
35
42
33
80
32
20
25
76
20
37
LI: lim
ite inferio
r; LS
: limite su
perio
r
4.2 Análise das parasitemias estimadas por diferentes valores de
leucometria assumida, em comparação à quantificação feita pela
leucometria automatizada.
A análise comparativa da densidade parasitária obtida nos diversos métodos
mostrou que a utilização da leucometria assumida superestimou a parasitemia quando as
referências foram 6.000, 7.000 e 8.000 leucócitos/µL e subestimou quando as referencias
foram 5.000 e 4.000 leucócitos/µL, cujas médias observadas foram significativamente
diferentes da média obtida na contagem automatizada, isto é, de referência. Este mesmo
comportamento foi observado quando a parasitemia foi obtida pelo método que utiliza um
volume assumido por campo microscópico analisado. Porém, para as leucometrias
assumidas de 5.500 e 5.250 leucócitos/µL as médias observadas foram semelhantes
(p=0,538, p= 0,360, respectivamente) à média obtida no método automatizado (Tabela 4).
Tabela 4 – Análise das parasitemias médias de 403 pacientes portadores de malária, obtidas por
métodos de quantificação baseados em leucometria assumida, em comparação à quantificação feita
pela leucometria automatizada.
Parâmetros
PARASITEMIA (parasitos/µL de sangue)
Pela
leucometria
automatizada
Pela leucometria assumida (/µL) Volume por
área
examinada 8000 7000 6000 5500 5250 5000 4000
Média 7519 11143 9750 8357 7661 7312 6964 5571 4906
DP 9527 13867 12135 10402 9535 9101 8668 6934 7587
Valor de p - <0,0001 <0,0001 0,0007 0,538 0,360 0,013 <0,0001 <0,0001
Teste t de Student
29
Quando a comparação foi feita pela análise da discrepância entre os resultados
observados nos diferentes métodos, tendo-se como referência a contagem automatizada,
novamente se confirmou a superestimação da parasitemia, para os valores fixos de
leucometria assumida de 6.000, 7.000 e 8.000 leucócitos/µL e a subestimação para os
valores fixos de 5.000 e 4.000 leucócitos/µL e para o método que utiliza volume de sangue
assumido, mostrando valores de posição estatisticamente diferentes daqueles observados
na leucometria automatizada. Por outro lado a discrepância mínima, não estatisticamente
significante (p=0,33 e p=0,13, respectivamente), foi observada para as leucometrias
assumidas de 5.500 e 5.250 leucócitos/µL (Tabela 5).
Tabela 5 – Análise da discrepância entre as determinações das parasitemias de 403 pacientes portadores
de malária, obtidas por métodos de quantificação baseados em leucometria assumida e área examinada,
em comparação à quantificação feita pela leucometria automatizada.
Métodos de
quantificação da
parasitemia
PARÂMETROS
Proporção média da
discrepância (%)
Proporção com
parasitemia
superestimada (%)
Proporção com
parasitemia
subestimada (%)
Valor de p*
Leu
cóci
tos/
µL
de
san
gu
e
8000 43,2 88,8 10,2 < 0,001
7000 34,4 78,9 19,6 < 0,001
6000 28,0 65,0 33,7 < 0,001
5500 26,3 46,4 52,1 0,33
5250 26,4 47,9 52,1 0,13
5000 26,8 41,2 57,3 < 0,001
4000 35,0 18,6 80,1 < 0,001
Área examinada 54,5 17,6 82,3 < 0,001
* Teste de Wilcoxon
30
A análise comparativa de suas variâncias mostrou grande e heterogênea
variabilidade dos valores das parasitemias quantificadas pelos diferentes métodos
(p<0,001). Exceção foi feita quando se compararam as parasitemias obtidas pelo método
de referência com aquela obtida pelo valor assumido de 5.500 leucócitos /µL, que mostrou
significativa homogeneidade entre suas variâncias (p=0,360; teste de Bartlett) (Figura 5).
31
Em decorrência dessa grande variabilidade dos valores obtidos de parasitemia nos
diferentes métodos de quantificação, optou-se pela transformação logarítmica dos dados,
com o intuito de reduzir a assimetria da distribuição e, assim, permitir a análise
paramétrica dos resultados. Semelhante à análise anterior, os resultados do logaritmo dos
valores de parasitemia obtidos nos diferentes métodos de estimação também mostraram
que o valor fixo de leucometria assumida de 5.250 leucócitos/µL foi aquele cuja
variabilidade foi próxima a obtida pelo método automatizado (Figura 6). Testando a
hipótese de que a diferença do logaritmo das parasitemias obtidas pelos métodos que
assumem um valor fixo de leucometria ou que assumem um volume por campo
microscópico examinado seja nula, novamente se confirmou o valor fixo de 5.250
leucócitos /µL como a leucometria assumida que estima uma parasitemia mais próxima
(p= 0,681) daquela obtida pelo método de referência (Tabela 6 e Figura 7).
Ta
bela
6 –
Resu
ltado
do teste d
e hip
ótese d
e que a d
iferença d
o lo
garitm
o d
as parasitem
ias obtid
as pelo
s méto
do
s qu
e assum
em u
m v
alor fix
o
de leu
com
etria ou
qu
e assum
em
um
vo
lum
e por cam
po m
icroscó
pico
exam
inad
o seja ig
ual a zero
.
Pa
râm
etros
PA
RA
SIT
EM
IA (p
arasitos/µ
L d
e sang
ue)
Pela leu
com
etria assum
ida (/µ
l) V
olu
me p
or área
exam
inad
a
80
00
70
00
60
00
55
00
52
50
50
00
40
00
Méd
ia -0
,41
4
-0,2
81
-0,1
26
-0,0
39
0
,00
7
0,0
56
0,2
79
0,5
14
IC 9
5%
-0
,44
8; -0
,38
0
-0,3
14
; -0,2
47
-0,1
60
; -0,9
29
-0,0
73
; -0,0
06
-0
,027
; 0,0
41
0
,02
2; 0
,08
9
0,2
45
; 0,3
13
0
,45
9; 0
,56
9
Valo
r de p
<
0,0
001
<0
,00
01
<0
,00
01
0,0
2
0,6
81
0,0
01
<0
,00
01
<0
,00
01
Teste t d
e Stu
den
t
A análise da hipótese de ser nula a razão entre a diferença e a média dos valores
observados de parasitemia obtidas pelo método de referência e os demais que utilizam
valores assumidos, caso haja perfeita concordância entre os seus resultados, confirmou as
constatações anteriores. Houve predomínio de diferenças negativas quando o método
utilizou valor assumido igual ou superior a 6.000 leucócitos/µL e de diferenças positivas
quando os valores assumidos foram de 4.000 leucócitos/µL ou de volume por campo
microscópico. Além disso, a análise ratificou a observação de que a melhor estimativa da
parasitemia é feita a partir de valores assumidos entre 5.000 e 5.500 leucócitos/µL (Figura
8).
34
Figura 8 – Relação entre a diferença e a média logarítmicas das parasitemias obtidas em
cada método de quantificação, baseados em valores assumidos de leucometria ou de
volume de sangue assumido por campo microscópico examinado em 403 pacientes da
Amazônia Brasileira. (A) 8.000/µL, (B) 5.250/µL, (C) volume assumido por campo
microscópico analisado.
35
5. DISCUSSÃO
36
No presente estudo, a parasitemia por Plasmodium foi estimada por três diferentes
métodos clássicos de estimação, a partir da quantificação microscópica de parasitos em
distendido espesso de sangue: pela leucometria automatizada, pela leucometria assumida
de 8.000/µL e pelo volume de sangue em área microscópica examinada [25]. Em
decorrência de menor probabilidade de erro associado à mensuração, a estimação pela
leucometria automatizada foi considerada referência, isto é, como sendo o real parâmetro
da parasitemia na população de pacientes com malária [37,52,53]. Destaca-se que a
enumeração dos parasitos nos distendidos sanguíneos foi feita por dois ou três
microscopistas experientes, o que minimizou a possibilidade de erro sistemático na
contagem.
5.1 Superestimação da parasitemia quantificada pelo valor assumido de
8.000 leucócitos/µL
A análise da parasitemia estimada pelo valor fixo de 8.000 leucócitos/µL
evidenciou importante discrepância positiva em relação ao real valor da parasitemia,
estimada pela leucometria automatizada. Por outro lado, foi subestimada a parasitemia
quantificada pelo volume de sangue em área microscópica examinada. Explicações
plausíveis para justificar esse comportamento são discutidas abaixo.
O valor fixo de 8.000 leucócitos/µL como referencial para a estimação da
parasitemia na malária foi arbitrariamente escolhido na década de 1950, como número
médio de leucócitos em uma população da Nigéria [30]. Contudo, é amplamente conhecido
que a malária pode cursar com leucopenia durante a fase aguda da doença [54–56].
McKenzie et al. (2005) [55] observaram menor número de leucócitos em pacientes
infectados por Plasmodium, quando comparados a controles normais. Além disto, valores
37
de referência para a contagem de leucócitos variam entre as diversas etnias e regiões
geográficas do mundo [35]. Desta forma, a parasitemia obtida pelo valor assumido de
8.000/µL pode ser viesada e inconsistente, em virtude de erro sistemático na sua
estimação.
A alta proporção de adultos (90%) masculinos (80%) na amostra analisada e a
utilização de valor único de leucometria para todas as faixas etárias são, provavelmente, as
razões para a superestimação da parasitemia, quando o método utilização foi o de valor
assumido de 8.000 leucócitos/µL, recomendado pela OMS. De fato, em países da América
do Sul e no Brasil, os poucos estudos disponíveis relatam leucometria de referência em
torno de 6.000/µL para pessoas adultas [57]. Soma-se a isto a alta variabilidade da
leucometria observada por diversos autores, mesmo em pacientes com malária. Amplitudes
de 3.000 a 20.000 e de 3.000 a 11.500 leucócitos/µL foram registradas entre pacientes com
malária no Gâmbia e Serra Leoa, respectivamente [44,58]. Também neste estudo, a
amplitude de mais 10 vezes (1.400 a 16.300 leucócitos/µL), observada nos valores de
leucócitos dos pacientes, muito provavelmente está contribuindo para o erro na estimativa
da parasitemia por esse método.
Estudo recente apontam para o risco de superestimação da parasitemia, quando se
utiliza o valor assumido de 8.000 leucócitos/µL [37]. Mesmo na Nigéria, de onde se
originou o valor assumido de 8.000 leucócitos/µL como referência populacional e em
alguns países da Ásia, há estudos mostrando leucometrias médias próximas a 5.000/µL em
indivíduos com malária sintomática [37,56,59]. Da mesma forma, um importante estudo
realizado em 3.044 crianças africanas com malária aguda, também mostrou discrepância
entre os valores de parasitemia estimados por leucometria automatizada e por valor
assumido de 8.000 leucócitos/µL, principalmente nos grupos com idades extremas. Porém,
mostrou aceitável concordância dos resultados para o conjunto das crianças, independente
38
da idade, sugerindo que o valor assumido de 8.000/µL pode ser adequado para faixas
etárias mais altas [60].
Resultado inverso foi, todavia, mostrado por Adu-Gyasi et al.(2012) [61] em
Gana (África), que observaram relevante subestimação da parasitemia com o método da
leucometria assumida de 8.000/µL em 5.902 pacientes com malária por P. falciparum. O
estudo compara as parasitemias quantificadas por diferentes valores de leucometria
assumida e conclui que o valor fixo de 10.000/µL resulta em estimativa mais adequada da
densidade parasitária naquelas crianças. Os autores justificam o resultado pela maior
leucometria já observada entre crianças normais daquele continente [35,38,40,62].
5.2 Subestimação da parasitemia quantifica pelo volume assumido em
área microscópica examinada
Quantificação da parasitemia na malária com base na enumeração dos parasitos
presentes em uma determinada área microscópica examinada é método simples e
representa uma razoável e mais sensível aproximação do verdadeiro número de parasitos
circulantes, principalmente em populações com alta variabilidade da leucometria [58].
Porém, no presente estudo, verificou-se subestimação da parasitemia pelo método de
quantificação pelo volume de sangue em área microscópica examinada. Isto já foi
observado em outros estudos e tem sido explicado por problemas técnicos relacionados ao
exame, tais como a perda sistemática de parasitos durante o procedimento de preparo e
coloração do distendido sanguíneo [30,63]. É plausível supor que menor quantidade de
parasitos tenha sido contada na varredura dos 200 campos, em decorrência de baixa
parasitemia, conforme já demonstraram outros autores [24,30,44]. Além disto, é esperada
alguma variabilidade entre as espessuras de cada distendido sanguíneo, o que implica em
39
diferentes volumes de sangue parasitado a ser examinado numa mesma área microscópica
[64].
Uma importante fonte de erro no método que utiliza a quantificação da
parasitemia pela área microscópica examinada é a espessura do distendido espesso de
sangue, obviamente relacionada à quantidade de parasitos presentes. Já foi observado que o
volume entre 5 e 10/µL de sangue resulta em distendido espesso adequado para a
determinação da parasitemia [58]. A variação na espessura dos distendidos examinados
neste estudo principalmente se predominou aqueles com menor volume de sangue, pode
também ser uma explicação para a discrepância registrada com esse método.
5.3 Análise de diferentes valores assumidos de leucometria para a
estimação da parasitemia por Plasmodium
Em virtude da superestimação da parasitemia quando se utilizou o método
recomendado pela OMS, isto é, de assumir valor fixo de 8.000 leucócitos/µL para todos os
pacientes, procedeu-se a análise de diferentes outros valores assumidos de leucometria,
com o objetivo de identificar aquele que resulte em medida mais adequada para a
estimação desse parâmetro. Os resultados das diversas análises comparativas, tendo como
referencial a parasitemia estimada pela leucometria automatizada, revelaram que, para a
amostra de pacientes aqui analisada, valores assumidos iguais ou superiores a 6.000
leucócitos/µL superestimam a parasitemia para a maioria dos pacientes. Da mesma forma,
valores assumidos iguais ou inferiores a 5.000 leucócitos/µL, em geral, subestimam a
parasitemia.
40
Em todas as análises, os valores assumidos que mostraram melhores
indicadores de concordância coma parasitemia estimada pelo método de referência foram
de 5.250 e 5.500 leucócitos/µL. Esses valores são condizentes com o perfil de leucometria
revelado pela amostra estudada, cuja média (DP) de leucócitos foi de 5.605 (1.984)/µL e
com percentil 75% de 6.700 leucócitos/µL. Considerando a leucometria de referência
normal para pessoas brasileiras e sul-americanas [35,42,57] e a leucopenia própria da
doença [65,66], é plausível supor que esses valores estimem melhor a parasitemia de
pacientes com malária na Amazônia brasileira.
Devido à grande importância da determinação acurada da parasitemia na
malária e à baixa acurácia aqui observada para os métodos tradicionalmente utilizados para
a sua estimação, os resultados deste estudo confirmam a baixa acurácia dos dois métodos
recomendados pela OMS, isto é, de utilizar o valor fixo de 8.000 leucócitos/µL ou de
volume assumido de sangue por área microscópica examinada. Contudo, deve-se destacar
que esses métodos são convenientes para locais onde não é disponível a contagem
laboratorial de leucócitos. Assim sendo, pode-se concluir, pelos resultados do presente
estudo, que a utilização de valores assumidos de leucometria mais próximos àqueles de
referência para a população local, mais provavelmente resultará em estimação menos
enviesada e mais consistente da parasitemia em pacientes com malária no Brasil. Valores
assumidos de leucometria entre 5.000 e 6.000 (mais precisamente 5.250) leucócitos/µL
foram os que apresentaram melhores resultados neste estudo e são sugeridos para esse fim.
41
6. CONCLUSÕES
42
O método que utiliza valor assumido de leucometria de 8.000 leucócitos/µL,
recomendado pela OMS para áreas onde não é disponível a contagem laboratorial dessas
células, superestima a parasitemia por Plasmodium em pacientes procedentes da Amazônia
brasileira;
O método que utiliza valor assumido de volume de sangue em área
microscópica examinada, recomendado pela OMS para áreas onde não é disponível a
contagem laboratorial dessas células, subestima a parasitemia por Plasmodium em
pacientes procedentes da Amazônia brasileira;
Valores assumidos entre 5.000 e 6.000 leucócitos/µL (especificamente
5.250 leucócitos/µL) são os que melhor estimam a parasitemia por Plasmodium em
pacientes procedentes da Amazônia brasileira. Sugere-se a utilização desses valores como
referencial para a estimação da parasitemia em áreas onde não é disponível a contagem
laboratorial de leucócitos.
43
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
44
[1] Ministério da Saúde. Epidemiologia da malária. In: Secretaria de Vigilancia em
Saude, editor. Ações de Controle da Malária, Brasília/DF: 2006, p. 21–5.
[2] Forattini OP, Gomes A de C, Natal D, Santos JLF. Observações sobre atividade de
mosquitos Culicidae em matas primitivas da planície e perfis epidemiológicos de
vários ambientes no Vale do Ribeira, São Paulo, Brasil. Revista De Saúde Pública
1986;20.
[3] Katsuragawa TH, Gil LHS, Tada MS, De Almeida e Silva A, Costa JDN, Araújo
MDS, et al. The dynamics of transmission and spatial distribution of malaria in
riverside areas of Porto Velho, Rondônia, in the Amazon region of Brazil. PloS One
2010;5:e9245.
[4] Warrell D, Gilles H. Bruce-Chwatts, Essential Malariology. 3a Edition. 1997.
[5] Cox-Singh J, Davis TME, Lee K-S, Shamsul SSG, Matusop A, Ratnam S, et al.
Plasmodium knowlesi malaria in humans is widely distributed and potentially life
threatening. Clinical Infectious Diseases : an Official Publication of the Infectious
Diseases Society of America 2008;46:165–71.
[6] White NJ. Plasmodium knowlesi: the fifth human malaria parasite. Clinical
Infectious Diseases : an Official Publication of the Infectious Diseases Society of
America 2008;46:172–3.
[7] Ministério da Saúde. Boletim epidemiologico do SUS - Malária. Brasília/DF:
Secretaria de Vigilância em Saúde; 2013.
[8] Global malaria programe. World Malaria Report. 1st ed. World Health
Organization; 2012.
[9] Ministerio da Saúde. Manual de diagnóstico laboratorial da malária. 2a ed.
Brasília/DF: Ministério da Saúde; 2009.
[10] Katsuragawa TH, Gil LHS, Tada MS, Silva LHP da. Endemias e epidemias na
Amazônia: malária e doenças emergentes em áreas ribeirinhas do Rio Madeira. Um
caso de escola. Estudos Avançados 2008;22:111–41.
[11] U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES. Understanding
Malaria, Fighting an Ancient Scourge. 1a Edition. Bethesda/U.S.: 2007.
[12] World Health Organization. Basic Malária Microscopy, Learner’s guide. 2a Edition.
2010.
[13] Fontes CJF. Plasmodium spp. Parasitologia Clinica, ATHENEU; 2008, p. 355.
[14] Ministério da Saúde. Vigilância Epidemiológica. In: Secretaria de Vigilância em
Saúde, editor. Ações de Controle da Malária, Brasília/DF: 2006, p. 41–2.
45
[15] Braga ÉM, Fontes CJF. Plamodium - Malária. In: Melo AL de, Linardi PM, Vitor
RWA, editors. Parasitologia Humana, São Paulo, Brasil: Atheneu; 2005, p. 143 –
161.
[16] Fleischer B. Editorial: 100 years ago: Giemsa’s solution for staining of plasmodia.
Tropical Medicine & International Health : TM & IH 2004;9:755–6.
[17] Ministério da Saúde. Guia para gestão local do controle da malária. 1st ed.
Brasília/DF: 2008.
[18] The World Health Organization. Introduction. In: WHO, editor. Malaria light
microscopy - Creating a culture of quality, Malaysia: 2005, p. 8.
[19] Ministério da Saúde. Aspéctos Clínicos. In: Secretaria de Vigilância em Saúde,
editor. Ações de Controle da Malária, Brasília/DF: 2006, p. 27–31.
[20] The World Health Organization. Why quality assurance is important. In: WHO,
editor. Malaria light microscopy - Creating a culture of quality, Malaysia: 2005, p.
10–2.
[21] World Health Organization. Routine examination of blood films for malaria
parasites. In: World Health Organization, editor. Basic Malária Microscopy,
Learner’s guide, Geneva/CH: WHO; 2010, p. 69–75.
[22] Payne D. Use and limitations of light microscopy for diagnosing malaria at the
primary health care level. Bulletin of the World Health Organization 1988;66:621–
6.
[23] Ross R, Thomson D. Some Enumerative Studies on Malarial Fever. Proceedings of
the Royal Society B: Biological Sciences 1910;83:159–73.
[24] Gilles HM. Diagnostic methods in malaria. In: Gilles HM, Warrell DA, editors.
Bruce-Chwatt’s Essential malariology, Edward Arnold; 1993, p. 78–95.
[25] F López-Antuñano, Schimunis G. Diagnóstico de malária. Organización
Panamericana De La Salud 1988;512:84.
[26] Castelli F, Carosi G, Civili PS. Diagnosis of malaria infection n.d.:1–27.
[27] Trape JF. Rapid evaluation of malaria parasite density and standardization of thick
smear examination for epidemiological investigations. Transactions of the Royal
Society of Tropical Medicine and Hygiene 1985;79:181–4.
[28] World Health Organization. Malária Microscopy, Quality Assurance Manual. 1a ed.
Geneva/CH: 2009.
[29] Castelli F, Carosi G. Diagnosis of malaria infection. University of Brescia - Institute
of Infectious and Tropical Diseases n.d.:1–27.
46
[30] Dowling M a, Shute GT. A comparative study of thick and thin blood films in the
diagnosis of scanty malaria parasitaemia. Bulletin of the World Health Organization
1966;34:249–67.
[31] Athens JW. Leucócitos. Wintrobe - Hematologia Clinica, Manole; 1998, p. 240.
[32] Lorenzi TF. Leucócitos. Manual de hematologia propedêutica e clínica, Rio De
Janeiro: Guanabara Koogan; 2006, p. 84–142.
[33] Falcão RP, Calado RT. Heterogeneidade das células do sangue. hematologia -
Fundamentos e prática, São Paulo, Brasil: Atheneu; 2001, p. 5.
[34] Athens JW. Transtorno não neoplásicos dos leucócitos. Hematologia Clínica,
Manole; 1998, p. 1717.
[35] Bain BJ. Ethnic and sex differences in the total and differential white cell count and
platelet count. Journal of Clinical Pathology 1996;49:664–6.
[36] Hidemi E, Karazawa I, Jamra M. Parâmetros hematológicos normais. Revista De
Saúde Pública 1989;23:58–66.
[37] Jeremiah ZA, Uko EK. Comparative analysis of malaria parasite density using
actual and assumed white blood cell counts. Annals of Tropical Paediatrics:
International Child Health 2007;27:75–9.
[38] Dosoo DK, Kayan K, Adu-Gyasi D, Kwara E, Ocran J, Osei-Kwakye K, et al.
Haematological and biochemical reference values for healthy adults in the middle
belt of Ghana. PloS One 2012;7:e36308.
[39] Ladhani S, Lowe B, Cole AO, Kowuondo K, Newton CRJC. Changes in white
blood cells and platelets in children with falciparum malaria: relationship to disease
outcome. British Journal of Haematology 2002;119:839–47.
[40] Tsegaye a, Messele T, Tilahun T, Hailu E, Sahlu T, Doorly R, et al.
Immunohematological reference ranges for adult Ethiopians. Clinical and
Diagnostic Laboratory Immunology 1999;6:410–4.
[41] Malvezzi M, Pasquini R. Valores de leucócitos em população adulta de Curitiba.
Sociedade Brasileira De Hematologia e Hemoterapia 1987;9:89–89.
[42] Tamigaki M, Maspes V, Jamra M. Parametros hematológicos normais: adultos e
adolescentes. Rev Brasileira De Pesquisa Médica e Biologia 1969;2:384–402.
[43] Briggs C, Harrison P, Machin SJ. Continuing developments with the automated
platelet count. International Journal of Laboratory Hematology 2007;29:77–91.
[44] Petersen E, Marbiah NT, New L, Gottschau a. Comparison of two methods for
enumerating malaria parasites in thick blood films. The American Journal of
Tropical Medicine and Hygiene 1996;55:485–9.
47
[45] Souza CRT, Carvalho TAA, Amaral RCG, Cunha LS, Cunha MG, Guerreiro JF.
Prevalence of Plasmodium falciparum and P. vivax in an area of transmission
located in Pará State, Brazil, determined by amplification of mtDNA using a real-
time PCR assay. Genetics and Molecular Research : GMR 2012;11:3409–13.
[46] Batista-dos-Santos S, Raiol M, Santos S, Cunha MG, Ribeiro-dos-Santos Â. Real-
time PCR diagnosis of Plasmodium vivax among blood donors. Malaria Journal
2012;11:345.
[47] Hwang S-Y, Kim S-H, Lee G-Y, Hang VTT, Moon C-S, Shin JH, et al. A novel
real-time PCR assay for the detection of Plasmodium falciparum and Plasmodium
vivax malaria in low parasitized individuals. Acta Tropica 2011;120:40–5.
[48] Alger J. Diagnóstico Microscópico de la Malaria Gota Gruesa y Extendido Fino.
Rev Med Hond 1999;67:216–8.
[49] Prudhomme O’Meara W, Remich S, Ogutu B, Lucas M, Mtalib R, Obare P, et al.
Systematic comparison of two methods to measure parasite density from malaria
blood smears. Parasitology Research 2006;99:500–4.
[50] Bland JM, Altman DG. Statistical methods for assessing agreement between two
methods of clinical measurement. Lancet 1986;1:307–10.
[51] Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilancia em Saúde, Departamento de
Vigilancia Epidemiologica. Guia prático de tratamento da malária no Brasil
2010:11–2.
[52] O’Meara WP, McKenzie FE, Magill AJ, Forney JR, Permpanich B, Lucas C, et al.
Sources of variability in determining malaria parasite density by microscopy. The
American Journal of Tropical Medicine and Hygiene 2005;73:593–8.
[53] Olliaro P, Djimdé A, Karema C, Mårtensson A, Ndiaye J-L, Sirima SB, et al.
Standardised versus actual white cell counts in estimating thick film parasitaemia in
African children under five. Tropical Medicine & International Health : TM & IH
2011;16:551–4.
[54] Carmona-Fonseca J. Evolución temporal del hemograma en niños con malaria.
Grupo Salud y Comunidad 2008;21:237–52.
[55] McKenzie FE, Prudhomme W a, Magill AJ, Forney JR, Permpanich B, Lucas C, et
al. White blood cell counts and malaria. The Journal of Infectious Diseases
2005;192:323–30.
[56] Erhart LM, Yingyuen K, Chuanak N, Buathong N, Laoboonchai A, Miller RS, et al.
Hematologic and clinical indices of malaria in a semi-immune population of western
Thailand. The American Journal of Tropical Medicine and Hygiene 2004;70:8–14.
[57] Karazawa EHI, Jamra M. Parâmetros hematológicos normais. Revista De Saúde
Pública 1989;23.
48
[58] Greenwood BM, Armstrong JRM. Comparison of two simple methods for
determining malaria parasite density. Transactions of the Royal Society of Tropical
Medicine and Hygiene 1991;85:186–8.
[59] Goldstein E. A clinical study of falciparum and vivax malaria in Vietnam
servicemen. Military Medicine 1968;133:991–6.
[60] Olliaro P, Djimdé A, Karema C, Mårtensson A, Ndiaye J-L, Sirima SB, et al.
Standardised versus actual white cell counts in estimating thick film parasitaemia in
African children under five. Tropical Medicine & International Health : TM & IH
2011;16:551–4.
[61] Adu-Gyasi D, Adams M, Amoako S, Mahama E, Nsoh M, Amenga-Etego S, et al.
Estimating malaria parasite density: assumed white blood cell count of 10,000/μl of
blood is appropriate measure in Central Ghana. Malaria Journal 2012;11:238.
[62] Lugada ES, Mermin J, Kaharuza F, Ulvestad E, Were W, Langeland N, et al.
Population based hematologic and immunologic reference values for a healthy
Ugandan Population. Clinical and Vaccine Immunology 2004;11:29–34.
[63] Bejon P, Andrews L, Hunt-Cooke A, Sanderson F, Gilbert SC, Hill AVS. Thick
blood film examination for Plasmodium falciparum malaria has reduced sensitivity
and underestimates parasite density. Malaria Journal 2006;5:104.
[64] Alexander N, Schellenberg D, Ngasala B, Petzold M, Drakeley C, Sutherland C.
Assessing agreement between malaria slide density readings. Malaria Journal
2010;9:4.
[65] Limaye CS, Londhey VA, Nabar ST. The study of complications of vivax malaria in
comparison with falciparum malaria in Mumbai. The Journal of the Association of
Physicians of India 2012;60:15–8.
[66] González B, Rodulfo H, De Donato M, Berrizbeitia M, Gómez C, González L.
[Hematologic variations in patient with malaria caused by Plasmodium vivax
before, during and after treatment]. Investigación Clínica 2009;50:187–201.
49
8. ANEXOS
50
51