59
AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES DIREITO PROCESSUAL CIVIL Turma: 730 MONOGRAFIA DA PROVA ILÍCITA: QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, INTERCEPTAÇÃO E ESCUTA TELEFÔNICA FLAVIO LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE Matrícula: 52372 RIO DE JANEIRO, 25 DE JANEIRO DE 2006.

AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

AVM – A VEZ DO MESTRE

FACULDADE CÂNDIDO MENDES

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Turma: 730

MONOGRAFIA

DA PROVA ILÍCITA:

QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, INTERCEPTAÇÃO E

ESCUTA TELEFÔNICA

FLAVIO LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUEMatrícula: 52372

RIO DE JANEIRO, 25 DE JANEIRO DE 2006.

Page 2: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

2

“... em uma sociedade onde existem leis, a

liberdade não pode consistir senão em poder fazer o

que se deve querer, e em não ser constrangido a

fazer o que não se deve desejar”.

(Montesquieu – Do Espírito das Leis)

Page 3: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

3

ÍNDICE

INTRODUÇÃO......................................................................................................4

CAPÍTULO I – DA PROVA...................................................................................7

1. CONCEITO DE PROVA....................................................................................71.1. CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS....................................................................81.2. O OBJETO DA PROVA .............................................................................101.3. MEIOS DE PROVA....................................................................................111.4. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA DA PROVA....................................121.5. SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DA PROVA .......................................................15

CAPÍTULO II - PROVA ILÍCITA ........................................................................19

2. CONCEPÇÃO DE PROVA ILÍCITA......................................................................192.1. CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS ........................................................202.2. A PROVA ILÍCITA SOB A ÓTICA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.........................212.3. A POSIÇÃO DA DOUTRINA, DA JURISPRUDÊNCIA E DO DIREITO COMPARADO ..222.4. A ADOÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE .....................................26

CAPÍTULO III – PROVA ILÍCITA E QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO ............30

3. CONCEITO E FINALIDADE DO SIGILO BANCÁRIO.............................................3003.1. NATUREZA JURÍDICA DO SIGILO BANCÁRIO..................................................333.2. O SIGILO BANCÁRIO E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.......................................343.4. CONSEQUÊNCIAS DA QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO ....................................363.5. A VISÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL ................................................373.6. REQUISITOS A SEREM OBSERVADOS PARA O AFASTAMENTO DO SIGILO ..........39

CAPÍTULO V – PROVA ILÍCITA E INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA .............43

5. A CONCEPÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E GRAVAÇÃO CLANDESTINA...435.1. A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA....................4445.2. A EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL .........................................505.3. A GRAVAÇÃO CLANDESTINA NO PROCESSO CIVIL......................................522

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................54

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................577

Page 4: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

4

INTRODUÇÃO

Em todos os ramos do Direito, sempre se verifica que para a obtenção do

reconhecimento do pedido ingressado em juízo deve-se demonstrar a existência

do direito por meio de algum elemento que o comprove. A existência de um

elemento demonstrativo, que assegura a existência de uma relação jurídica é de

suma importância, eis que através desse elemento as partes apresentam suas

pretensões durante a lide.

Ada Pellegrini Grinover destaca que “toda pretensão prende-se a algum

fato, ou fatos, em que se fundamenta. Deduzindo sua pretensão em juízo, ao

autor da demanda incumbe afirmar a ocorrência do fato que lhe serve de base,

qualificando-o juridicamente e dessa afirmação extraindo as conseqüências

jurídicas que resultam no seu pedido de tutela jurisdicional”.

Cha;m Perelman, retomando a definição clássica da prova de Collin e

Capitant, menciona:

“Provar é fazer que se conheça em justiça a verdade de uma alegação

pela qual se afirma um fato do qual decorrem conseqüências jurídicas”.

Nesse sentido, o filósofo busca afirmar que as técnicas de prova variam

não só conforme os sistemas jurídicos, mas também em cada ramo do direito,

bem como variam no tempo, segundo o seu valor.

Page 5: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

5

No nosso direito moderno, a administração da prova encontra obstáculos

nos valores julgados mais importantes, tais como o respeito à integridade ou à

intimidade da pessoa, sem falar na proteção ao sigilo profissional, o segredo de

Estado, o domicílio, o sigilo das cartas, etc. Ela proíbe normalmente as escutas

telefônicas e, às vezes, como ensina Perelman, “a administração do soro de

verdade”. Porém, pode haver algumas exceções concedidas pelo juiz.

Na presente obra, inicialmente pretende conceituar o termo “prova” no

âmbito do direito processual. Tal definição é o elemento basilar para os estudos

que serão desenvolvidos ao longo da nossa trajetória no campo das provas

ilícitas. A seguir, apresentaremos a classificação, o seu objeto, valoração, meios

de prova e, ao final do capítulo inicial, os princípios que norteiam a teoria da

prova no direito processual. Com estas explanações, cremos que proporcionará

ao leitor a base de todos os demais elementos do trabalho.

No segundo capítulo, seguimos adiante, mas tratando da prova ilícita.

Sua definição, classificação, e os temas que, conforme nosso entendimento

serão determinantes para o aprofundamento do estudo acerca das provas

ilícitas: a prova sob a tutela da legislação brasileira e do direito comparado –

sendo que estes vieram a contribuir para uma interpretação ampla das normas e

sua relação com preceitos fundamentais – e a adoção do princípio da

proporcionalidade, oriundo das tradições jurídico-germânicas e que atua

significativamente no sistema jurídico pátrio.

Em nosso terceiro capítulo, trataremos da quebra do sigilo bancário, a

qual é uma exceção à regra, pois o sigilo de dados, recepcionado pelo direito à

intimidade, como veremos está eivado da proteção constitucional que, todavia,

poderá ser ponderado em detrimento de outro preceito.

No quinto capítulo, será tratado outro assunto, o qual é o segundo ponto

do objetivo de nosso trabalho: a interceptação e a escuta telefônica.

Page 6: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

6

Inicialmente, comentaremos a respeito basicamente da terminologia, da

concepção. Adiante, seguiremos tratando da interceptação telefônica sob a luz

da legislação brasileira, bem como uma breve explanação a respeito da

evolução doutrinária. Ao final, será objeto de nosso comentário a gravação

clandestina (ou escuta telefônica) no processo civil. Cremos que após o estudo

dos conceitos, será proveitoso ao leitor esta exposição.

Ao final de nosso trabalho, apresentaremos nossas considerações finais,

ou seja, as conclusões constatadas ao longo de toda a obra. Não devemos

olvidar de que nossa proposta não se trata de guiar o leitor em uma concepção,

mas apresentar-lhe as posições que, a nosso ver, podem ser aceitáveis.

Page 7: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

7

CAPÍTULO I

DA PROVA

1. Conceito de Prova – 1.1. Classificações das Provas – 1.2. O Objeto da Prova

– 1.3. Meios de Prova – 1.4. Princípios da Teoria da Prova – 1.5. Sistemas de

Avaliação da Prova.

1. Conceito de Prova

Na acepção de Ada Grinover, “a prova é o farol que deve guiar o juiz nas

suas decisões sobre as questões de fato”.

Anelise Coelho conceitua a prova como uma atividade de demonstração

acerca de algo ou de algum fato, possivelmente jurídico, com o intuito de firmar

a convicção do julgador. Seria a atividade processual destinada a formar a

convicção do órgão judicial através dos meios juridicamente admissíveis a

respeito dos fatos afirmados pelas partes.

Já Ovídio Batista afirma que a palavra “prova”, no ramo do Processo Civil,

pode significar tanto a atividade que os sujeitos do processo realizam para

demonstrar a existência dos fatos formadores de seus direitos, que haverão de

basear a convicção do julgador, quanto o instrumento por meio do qual essa

verificação se faz. No primeiro sentido, afirma-se que a parte produziu a prova,

para significar que ela, através da exibição de algum elemento indicador da

existência do fato que se pretende provar, fez chegar ao juiz certa circunstância

capaz de convencê-lo da veracidade da sua afirmação. No segundo sentido, a

Page 8: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

8

palavra “prova” é empregada para significar não mais a ação de provar, mas o

próprio instrumento utilizado, ou o meio com que a prova se faz.

Em nosso entendimento, a prova é o meio pelo qual se busca demonstrar a

ocorrência ou inocorrência dos pontos duvidosos de fato relevantes para a

decisão judicial. Trata-se de uma conformação das afirmações de fato

elaboradas no processo com a verdade objetiva.

1.1. Classificação das Provas

No que tange à classificação das provas, podemos constatar que estas se

relacionam com o meio utilizado para sua produção. Empregando o segundo

sentido do vocábulo, conforme citado anteriormente, podemos empregá-los em

muitos critérios. Vejamos algumas das classificações mais utilizadas pela

Doutrina:

a) O jurista italiano Malatesta, citado por Ovídio Batista, classifica-

as, quanto ao seu objeto, em diretas e indiretas; quanto ao sujeito de que

provém, em pessoais e reais; e, finalmente, quanto à sua forma, em prova

testemunhal, documental e material.

Exemplificando a primeira classificação, no que concerne ao

seu objeto, temos a seguinte situação: se uma testemunha vem a juízo e depõe

que viu o carro de Tício dobrar a esquina na contramão e chocar-se com a

carroça de Mévio, ou se a corrida daquele automóvel estava sendo filmada e o

aparelho o registrou o veículo dobrando a esquina na contramão, verificam-se

provas tipicamente diretas. Porém, se uma testemunha vem a juízo e narra

apenas a posição e o estado em que ficaram o automóvel e a carroça após o

acidente, por ela visto, ou se é exibida uma fotografia referente à posição e ao

estado desses veículos depois do choque, tais provas são indiretas, eis que não

se referem diretamente ao fato probando, isto é, como seu deu o acidente. O

Page 9: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

9

exemplo clássico de prova indireta são os indícios, que muitos juristas não

consideram um meio de prova, capaz de ser comparado, por exemplo, aos

documentos.

Quanto à segunda classificação, denominam-se pessoais as provas que

consistem na revelação consciente de um fato por uma pessoa, tal como a prova

testemunhal, e reais as provas que são produzidas pelas coisas ou pelas

pessoas inconsciente ou involuntariamente, como as modificações corpóreas e

psíquicas causadas na testemunha por ocasião de prestar o depoimento, e que

servirão de subsídios para demonstrar a probabilidade da existência de algum

fato ou indicar determinado estado de espírito.

Por fim, quanto à forma, as provas, segundo Malatesta, podem ser

testemunhais, documentais e materiais. Classificam-se como prova testemunhal,

além da prova realizada por testemunhas, a confissão e o juramento, sendo este

aceitável nos sistemas que os admitem; documental é a prova consistente numa

declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível

oralmente; as provas materiais seriam para o jurista as mesmas provas reais,

quando consideradas do ponto de vista da forma.

b) Carnelutti, analisando a relação entre sujeito e o objeto da prova

mostra que essa relação pode ser imediata ou mediata, caso o próprio fato a ser

provado incida diretamente sobre os sentidos do observador ou somente o atinja

indiretamente através de um fato intermediário. Segundo este critério, as provas

são ditas diretas e indiretas.

Para ele, as provas também podem ser pessoais e reais, segundo

provenham de um homem ou de coisas.

c) Bentham, em sua classificação, afirma que as provas podem ser

pessoais ou reais. Também as classifica em diretas e indiretas, e, por fim, em

Page 10: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

10

causais e precosntituídas, segundo o meio de prova a ser utilizado

ocasionalmente, sem ter havido intenção de utilizá-lo como prova em sua

formação, ou, ao contrário, se tenha formado a prova com o intuito de empregá-

la num processo futuro.

1.2. O Objeto da Prova

Ada Pellegrini afirma que a prova diz respeito aos fatos. E constituem

objeto da prova as alegações de fato, ou seja, as afirmações feitas por um das

partes. O argumento que se utiliza para afirmar que não são objeto da prova os

fatos, mas as afirmações é a circunstância de se considerar a inspeção judicial

como um verdadeiro e autônomo meio de prova. Segundo Ovídio Batista,

através da inspeção judicial nenhum fato novo é trazido ao processo. Apenas se

cuida de verificar uma afirmação da parte.

O Código de Processo Civil, em seu Art. 332, estabelece que “todos os

meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados

neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a

ação ou a defesa”. No entanto, esta regra admite exceções: de acordo com o

Art. 337 do CPC, sempre que a parte alegar direito municipal, estadual,

estrangeiro ou consuetudinário, cabe-lhe o ônus de provar tais regras de direito,

a não ser que o juiz, por conhecê-las, a dispense da prova. Note-se que de

acordo com o caso, o juiz poderá apreciar a demanda com base nos seus

conhecimentos, e não exigir prova concreta para solucionar a lide.

Nesse sentido, a Doutrina afirma que a regra do Art. 332 do CPC será

aplicada apenas em relação a fatos relevantes para a decisão. Os fatos

relevantes são todos aqueles que mantêm relação ou conexão com a causa.

Dessa forma, irrelevantes são os fatos impertinentes ou inconseqüentes e não

constituem objeto de prova.

Page 11: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

11

O Art. 334 do CPC destaca que não dependem de prova os fatos

notórios, ou seja, aqueles que integram a bagagem cultural de uma sociedade,

não sendo preciso ser conhecido, mas apenas conhecível, dispensando prova;

os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; os fatos

admitidos como incontroversos; e os fatos em cujo valor milita a presunção legal

de existência ou de veracidade.

1.3. Meios de Prova

O conceito de meios de prova pode ser entendido de dois modos. Pode

significar a atividade desenvolvida para produzir a prova, ou os instrumentos de

que as partes e o juiz se valem para obter o conhecimento dos fatos a provar.

No primeiro aspecto, poderia se dizer que a declaração prestada pela

testemunha, ou o laudo fornecido pelo perito, ou a percepção do juiz que realiza

a inspeção judicial são meios de prova, no que tange às formas pelas quais se

extraem os motivos de convencimento. Quanto ao segundo aspecto, pode se

considerar meios de prova não a atividade, mas os instrumentos de que as

partes e o juiz se valem para obter o conhecimento dos fatos a provar.

No nosso entendimento, consideramos que os meios de prova são os

instrumentos utilizados pelas partes e pelo juiz para o estabelecimento dos fatos

a serem provados.

O Código de Processo Civil, em seu Art. 131, dispõe:

“O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e

circunstâncias constantes nos autos, ainda que não alegados pelas

partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que formaram seu

convencimento”.

Page 12: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

12

Sobre este critério de avaliação, seria plausível a apreciação por parte do

magistrado de valer-se de todos os meios de prova que pudessem formar seu

convencimento, na medida das limitações do sistema de prova legal, conforme o

caso concreto. Em princípio, as provas devem ir ao encontro da legislação. No

entanto, como veremos posteriormente, há algumas limitações impostas à

investigação judicial dos fatos. Nesse sentido, destaca-se o Art. 332 do CPC.

Através dos preceitos desse dispositivo, a doutrina divide as provas em legais e

atípicas ou inespecíficas. No entanto, o impasse está inserido no verdadeiro

alcance do Art. 332, quando se refere às provas “moralmente legítimas”.

1.4. Princípios Fundamentais da Teoria da Prova

Há diversos princípios que norteiam a Teoria da Prova. Alguns autores

apresentam três princípios fundamentais, como Ovídio A. B. da Silva, outros

observam seis, como Anelise Coelho Nunes.

Para realçar nosso estudo, vejamos os preceitos adotados pela doutrina

majoritária.

a) Ônus da Prova

Como o direito se sustenta nos fatos, aquele que alega possuir um

direito deve demonstrar a existência dos fatos em que esse direito se resguarda.

Em um sentido geral, podemos caracterizar este princípio segundo o qual a

parte que alega a existência de determinado fato para advir o direito possui o

ônus de demonstrar essa existência, cabendo-lhe produzir a prova dos fatos

alegados como existentes.

O Código de Processo Civil, em seu Art. 333, dispõe que o ônus da

prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

Page 13: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

13

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou

extintivo do direito do autor.

Em relação ao autor, este somente poderá dar consistência a sua

pretensão em juízo fazendo afirmações sobre a existência ou inexistência de

fatos e a pertinência deles como elementos constitutivos do direito, cujo

reconhecimento o mesmo pretenda. Também o réu, se ao defender-se tiver

necessidade de fazer afirmações em sentido contrário.

b) Princípio da Necessidade da Prova

Este princípio é um reflexo das regras sobre o ônus da prova.

Parte do pressuposto de que os fatos afirmados pelas partes devem ser

suficientemente provados no processo, não sendo legítimo que o juiz se valha

de seu controle próprio para dispensar a produção de prova de algum fato de

cuja existência ou veracidade esteja ele ciente por alguma razão particular.

c) Princípio da Contradição da Prova

Chamado também de princípio do contraditório, ou da

contrariedade em matéria de prova, deriva do princípio a bilateralidade da

audiência, segundo o qual ninguém poderá ser condenado sem ser ouvido e

sem que se lhe assegure a possibilidade de defesa adequada. Este preceito

está disposto no Art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

Segundo este princípio, carece de legitimidade a prova secreta

produzida sem o prévio conhecimento da outra parte e sem o indispensável

contraditório processual.

d) Princípio Dispositivo

Segundo este princípio, o juiz deve julgar de acordo com o alegado

e provado pelas partes. Em suma, o juiz não pode levar em conta fatos que não

Page 14: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

14

foram alegados pelas partes, tampouco formar sua convicção com meios que

não se produziram com observância das regras gerais.

Quanto a esse princípio, há duas críticas: a primeira versa sobre a

questão das provas produzidas de ofício, pelo juiz, que não foram apresentadas

pelos litigantes. Em regra, não deveriam ser consideradas. A segunda aborda a

questão de estabelecer que, quando se trata de direito, inexiste saber privado.

Este preceito está abrigado nos Arts. 2º, 128, 130 e 132, parágrafo único, do

CPC.

e) Princípio da Prova Livre

O princípio da liberdade probatória encontra disposição legal no

Art. 332 do CPC. Este dispositivo é complementado pelo Art. 5º, LVI da Carta

Maior, o qual prescreve que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas

por meios ilícitos”. Além desses, tem-se os incisos X a XII da CF, os quais

versam sobre a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da

imagem das pessoas (inciso X), inviolabilidade da residência do indivíduo (inciso

XI) e da inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações

telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (inciso XII).

A partir desses aspectos, existindo legalidade e moralidade, o meio

é tido como hábil para obter a verdade real e processual, não permitindo a

utilização da ilicitude, pelo uso de meios moralmente legítimos, pois essas

situações seriam incompatíveis com a seriedade e segurança da justiça. No

entanto, como veremos em momento oportuno, existe certa relatividade no que

concerne às provas obtidas ilicitamente, uma vez que há admissibilidade da

escuta telefônica e quebra de sigilo bancário em alguns casos.

f) Princípio da Oralidade

O Art. 336 estabelece que “salvo disposição em contrário, as

provas devem ser produzidas em audiência”. O objetivo que se pretende é

Page 15: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

15

exercer a apreciação probatória em audiência de instrução e julgamento a fim de

oportunizar maior celeridade. Porém, se a causa apresentar questões

complexas de fato ou de direito, o debate oral poderá ser substituído por

memoriais (Art. 454, § 3º, CPC).

g) Princípio da Imediatidade e Concentração

O primeiro preceito parte do pressuposto que se deve resumir a

instrução em uma única sessão de audiência, ou em poucas, a fim de efetivar

uma justiça mais ágil.

O segundo exige o contato direito do juiz com as provas obtidas

através das partes, testemunhas, peritos, etc. Encontra fundamento na

identificação do juiz que participou da instrução probatória com a decisão a ser

proferida.

h) Princípio da Iniciativa Oficial

Em regra, como mencionamos, as provas devem ser apresentadas

pelas partes. Contudo, o princípio dispositivo tem restrições diante da iniciativa

oficial do juiz, ao determinar a produção das provas necessárias para a instrução

do processo e mandar repetir, caso entenda necessário, as já produzidas,

conforme disposto no Art. 130, do Código de Processo Civil. Destarte, o juiz não

possui a titularidade de provar, mas a faculdade de buscar mais provas para

proferir sua decisão.

1.5. Sistemas de Avaliação da Prova

Os escritores dividem o procedimento probatório em três correntes

fundamentais: o momento em que a prova é proposta, ou seja, postulada pela

parte, ou pelo terceiro interveniente que igualmente possa requerê-la; o

Page 16: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

16

momento de sua admissão pelo juiz, em que a defere; e finalmente o de sua

produção.

Ovídio Batista afirma que, se considerarmos o conceito de prova como

procedimento ou a atividade da parte tendente a produzi-la na causa,

apresentando ao juiz os elementos formadores de sua convicção, podemos

considerar encerrado o ciclo probatório a partir do momento em que a mesma foi

produzida, incorporada ao processo, seja pela prova documental, seja pela

inclusão da prova pericial, ou mesmo pela tomada do depoimento de

testemunha. Sem embargo, considerando o conceito de prova no outro sentido,

a partir do qual se considera a prova não como atividade, mas sob a ótica do

resultado, ma medida em que sua realização haja produzido no julgador a

convicção da veracidade do fato probando, então ter-se-ia de admitir que o ciclo

probatório carece ainda de um momento subseqüente ao de sua produção, que

é justamente o momento de avaliação da prova pelo juiz.

No sistema de avaliação, existem três formas: o sistema da prova legal, o

sistema da livre apreciação da prova e o denominado sistema da persuasão

racional da prova.

a) Sistema da Prova Legal

Segundo esse sistema, cada prova tem um valor inalterável e

constante, previamente estabelecido pela lei, não sendo lícito ao juiz

valorar cada prova segundo critérios pessoais e subjetivos de

convencimento, de modo diverso daquele que lhe tenha sido determinado

pela lei.

Pelo sistema da prova legal, o juiz tem como única função

constatar a ocorrência da prova e reconhecê-la como produzida, sem que

lhe seja possível avaliá-la segundo critérios racionais capazes de

formarem seu próprio convencimento. O juiz, a partir desse sistema,

Page 17: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

17

deverá decidir rigorosamente com base no que foi alegado e provado

pelas partes, embora sua convicção sobre o que foi provado nos autos

possa lhe indicar que a prova produzida não retrata a verdade.

b) Sistema do Livre Convencimento

Também chamado princípio do livre convencimento, é justamente

o oposto ao sistema anterior. Para aquele, o juiz é soberano e livre para

formar sua decisão a respeito dos fatos da causa. O juiz poderá formar o

seu convencimento não apenas baseado naquilo que a testemunha

afirmou, mas igualmente basear-se em suas ideologia pessoais, colhidas

no comportamento da testemunha como no das partes. Neste princípio,

não há limitação quanto aos meios de prova de que o juiz se possa valer,

nem restrições especiais quanto à origem ou qualidade das provas. O que

define, contudo, é sua oposição ao sistema da prova legal, na medida em

que libera o juiz de qualquer obediência às regras legais atinentes ao

valor dos meios de prova.

c) Sistema de Persuasão Racional

Os sistemas modernos de apreciação probatória não seguem

nenhum dos sistemas anteriormente apresentados. É adotado o sistema

misto, que reúne elementos de ambos os sistemas, legal e do livre

convencimento. Embora aceite a tese do livre convencimento, existem

certas restrições à legitimidade da formação do convencimento judicial. É

imperioso ao juiz observar as regras lógicas e das máximas de

experiência comum, considerando ilegítima, por exemplo, uma convicção

formada pelo juízo de valor pessoal, incapaz de ser justificada segundo

as regras lógicas e de senso comum.

A diferença principal deste sistema para o livre convencimento é

que naquele o juiz deve fundamentar sua decisão, indicando os motivos e

as circunstâncias que o levaram a admitir a veracidade dos fatos em que

Page 18: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

18

baseara a decisão. Deve indicar na sentença os elementos de prova que

formaram sua convicção.

Ainda segundo o sistema de persuasão racional, o juiz deve julgar

segundo as provas apresentadas, porém pode apreciá-la livremente

segundo seu íntimo convencimento.

Um aspecto desse sistema é a faculdade de iniciativa probatória

que se reconhece ao julgador nos sistemas modernos. O Código de

Processo Civil traz dispositivos facultando ao juiz a determinação ex

officio de meios de prova. O Art. 342 prevê a possibilidade de determinar

ele o comparecimento pessoal das partes, para interrogá-los acerca dos

fatos da causa; o Art. 343 estabelece que o juiz de ofício pode ordenar a

prestação de depoimento pessoal; pelo Art. 355, pode o juiz igualmente

determinar de ofício a exibição de documento ou coisa que se ache em

poder da parte; pelo Art. 418, o juiz pode ordenar, também de ofício, o

depoimento de testemunhas referidas, ou acareação entre duas ou mais

testemunhas, ou de alguma delas com a parte.

Cabe ressaltarmos que existem outros dispositivos que tratam da

matéria, mais precisamente o Art. 131 do CPC e o Art. 93, IX, da

Constituição Federal, de modo que ambos tratam da matéria em relação

à apreciação e fundamentação das decisões.

Estes, portanto, são os sistemas que se destacam na apreciação

da prova.

Page 19: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

19

CAPÍTULO II

PROVA ILÍCITA

2. Concepção de Prova Ilícita – 2.1. Classificação – 2.2. A Posição da Doutrina,

do Direito Comparado – 2.3. A Prova Ilícita sob a Ótica da Legislação Brasileira

– 2.4. A Adoção do Princípio da Proporcionalidade.

2. Concepção de Prova Ilícita

Primeiramente, deve-se trazer à tona que a concepção de prova ilícita

diverge em algumas posições doutrinárias quanto à sua terminologia.

Ovídio Batista parte da denominação “prova ilegítima”. Nelson Nery

analisa essa questão na tentativa de adotar uma terminologia precisa. Nas

palavras do insigne doutrinador, “há alguma confusão reinando na literatura a

respeito do tema, quando se verifica o tratamento impreciso que se dá aos

termos prova ilegítima, prova ilícita, prova ilegitimamente admitida, prova obtida

ilegalmente. Utilizando-se, entretanto, a terminologia de prova vedada, sugerida

por Nuvolone, tem-se que a prova vedada em sentido absoluto (quando o

sistema jurídico proíbe sua produção em qualquer hipótese) e em sentido

relativo (há autorização do ordenamento, que prescreve, entretanto, alguns

requisitos para a validade da prova). Resumindo a classificação de Nuvolone,

verifica-se que a prova será ilegal sempre que houver violação do ordenamento

como um todo (leis e princípios gerais), quer sejam de natureza material ou

meramente processual. Ao contrário, será ilícita a prova quando sua proibição

for de natureza material, vele dizer, quando for obtida ilicitamente.”

Para estabelecer um parâmetro diferencial entre a prova ilegítima e a

prova ilícita, podemos dizer que se a prova violar norma de direito processual

será considerada processualmente ilegítima; violando norma ou princípio de

Page 20: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

20

direito material, principalmente os contidos na Constituição Federal, a prova será

considerada ilícita.

No que concerne às provas ilegítimas, sendo estas normas de direito

processual, estas já contemplam dispositivos para excluir do processo as provas

que afrontem as regras criadas para regulamentar a sua obtenção e produção. A

sanção para o seu descumprimento já está descrita na própria norma

processual, podendo ser, a decretação ou declaração de nulidade da prova.

Dessa forma, transgressão da norma proibitiva ocorrerá no momento da

produção probatória no processo.

Já no que se trata das provas ilícitas (as quais infringem normas ou

princípios de direito material, sobretudo de direito constitucional), estas ensejam

infrações de direito penal, civil ou administrativo. Consubstanciam em afronta às

liberdades públicas protegidas pela Constituição, como por exemplo, a obtenção

de uma prova através da violação de intimidade (Art. 5º, X, da CF).

Para tornar nossa explanação uniforme, adotemos a expressão “prova

ilícita”.

2.1. Classificação das Provas Ilícitas

Estabelecendo uma classificação quanto à prova ilícita, pode-se dizer que

a prova pode ser ilícita em sentido material e em sentido formal. Ocorre a

ilicitude material quando a prova deriva de um ato contrário ao direito e pelo qual

se consegue um dado probatório. Como exemplo, podemos mencionar a

invasão de domicílio, quebra de segredo profissional, escuta clandestina, etc.

No entanto, há ilicitude formal quando a prova decorre de forma ilegítima

pela qual ela se produz, muito embora seja lícita a sua origem. Nesse sentido, a

Page 21: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

21

ilicitude material diz respeito ao momento da produção da prova, ao passo que

na ilicitude formal, diz respeito ao momento introdutório da mesma.

2.2. A Prova Ilícita sob a Ótica da Legislação Brasileira

O Art. 5º, LVI, dispõe que “são inadmissíveis, no processo, as provas

obtidas por meios ilícitos”. Na visão de Vicente Greco Filho, a regra é o resultado

de opção do constituinte pela corrente defensora da concepção da prova ilícita

como fator inadmissível, eis que a obtenção ilícita sempre contaminaria a prova,

impedindo sua apresentação à validade judicial.

A doutrina majoritária adota a posição de que, apesar da Carta de 88

vedar expressamente a admissão de prova obtida ilicitamente, com o advento

desse artigo, não teria havido uma significativa modificação na questão das

provas ilícitas. Embora não havendo antes da Constituição norma proibitiva

expressa, estaria implícita a proibição do emprego de prova que ferisse direitos

garantidos, como a intimidade, integridade corporal, etc. A Carta Magna teria

sido apenas uma confirmação de algo que já era aceito pela jurisprudência e

doutrina (entendia-se que a prova não era legal ou moralmente legítima).

Outro dispositivo importante na apreciação probatória no processo civil é

o Art. 332, do Código de Processo Civil, o qual dispõe:

“Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda

que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade

dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.”

Destarte, o legislador brasileiro não teria enfrentado diretamente o

problema da utilização, no processo civil, das provas obtidas por meios

ilegítimos, limitando-se a indicar, no texto do referido artigo, que apenas as

provas “moralmente legítimas” seriam admissíveis no direito brasileiro.

Page 22: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

22

Através de uma interpretação literal, a doutrina considera como

“moralmente legítimos” todos os meios de prova que a lei expressamente prevê

e regula, de modo que o artigo menciona que “todos os meios legais” são hábeis

para provar os fatos da causa, assim, como os “moralmente legítimos”. Teria se

tentado estabelecer uma distinção entre direito e moral, como se os dois campos

não se tocassem.

Através de uma distinção entre meio legal e moral, afirma César Dario

Mariano da Silva:

“Meio legal é aquele previsto e tipificado em uma lei, que observa

métodos processuais probatórios para sua obtenção e produção.

Portanto, inobservados ou descumpridos os princípios gerais probatórios,

o meio será ilegal e a prova processualmente ilegítima.”

Já em relação à concepção de meio moralmente legítimo, ressalta o

autor:

“Meio moralmente legítimo é aquele que não viola a moralidade média de

uma sociedade e pode ser aceito por esta como algo socialmente adequado.

Ferindo a moralidade média, a prova será moralmente ilegítima.”

Entendemos que o último conceito permite uma interpretação ampla, de

modo que o juiz não se torna um mero aplicador da lei. O magistrado, através de

sua razão e conhecimento, deve buscar a verdade dos fatos e aplicar a lei com

ideal de justiça a dentro dos princípios da moralidade, sendo examinado caso a

caso.

2.3. A Posição da Doutrina, da Jurisprudência e do Direito Comparado

Page 23: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

23

A doutrina tem estudado com precisão o problema da provas ilícitas. O

assunto tem apresentado complexidades no que tange às questões diretamente

ligadas à teoria geral do processo e alguns princípios fundamentais norteadores

de toda a ciência processual.

Devis Echandia, mencionado por Ovídio Batista, afirma que “o processo

civil não é um campo de batalha no qual fosse permitido a cada contentor o

emprego de todos os meios úteis e capazes de conduzir ao triunfo sobre o

“inimigo”; ao contrário, o processo civil é instrumento destinado a tornar efetiva a

observância e aplicação da lei e, em certos casos, é organizado para a solução

de conflitos legais, de tal modo que seu emprego deve ser feito segundo

padrões juridicamente válidos e legítimos, não sendo admissível que o

magistrado se valha de expedientes e métodos ilegais, ou moralmente

reprováveis, para assegurar o império da lei e do direito, movido pelo falso e

universalmente recusado de que “o fim justifica todos os meios”.

No entanto, essa proposição que defende a predominância dos princípios

gerais de direito probatório, os quais não poderiam ser comparados com os

procedimentos referentes à investigação científica, tem sido questionada pela

doutrina contemporânea, buscando estabelecer certos limites de modo a permitir

a utilização de provas obtidas por meios ilegítimos ou ilícitos.

Pode-se constatar que a doutrina se manifesta de forma bastante

controvertida a respeito. Na nossa visão, é necessário cautela em relação a

cada caso concreto, eis que será de suma importância em alguns casos a

adoção do princípio da proporcionalidade (quando houver justificativa para a

ofensa a outro direito por aquele que colhe a prova ilícita), a qual será

examinada em momento oportuno.

O direito comparado também contribuiu significativamente. Na acepção

de Ovídio Batista, tanto na Alemanha quanto no direito norte-americano, a

Page 24: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

24

rejeição das provas obtidas por meios ilícitos fundamenta-se diretamente em

princípios constitucionais, particularmente nos que visam à tutela da intimidade,

ou da livre manifestação e desenvolvimento da personalidade humana. A partir

desse pressuposto, como exemplo, o doutrinador menciona a questão da prova

obtida por meio de fitas magnéticas introduzidas clandestinamente no domicílio

da pessoa contra a qual se pretende obter elementos de prova, ou a utilização

de diário íntimo, contra a vontade ou sem autorização de seu autor.

A moderna doutrina alemã do direito processual civil tem entendido que

não mais vige, em toda a sua plenitude, o princípio da busca da verdade real, de

modo que devem ser impostas algumas restrições à obtenção da prova, com o

fito de que sejam respeitados os direitos personalíssimos e os direitos

fundamentais. Com efeito, a invalidade material do meio de prova acarreta, via

de regra, a inadmissibilidade de sua utilização no processo.

Como exemplo, podemos citar a invalidade de prova obtida mediante

ofensa a um direito fundamental, garantido pela Constituição alemã. Outros

exemplos de prova obtida ilicitamente são ressaltados pela doutrina e

jurisprudência deste país: a) a gravação de conversa telefônica sem o

consentimento dos partícipes; b) a exibição de fotografia com ofensa a direitos

gerais da personalidade; c) leitura indevida de diário pessoal; d) depoimento de

alguém que observou, ilegalmente, o cônjuge réu em sua própria casa; e) o

depoimento de uma testemunha sobre fatos que soube espreitando conversa

privada em segredo.

Em relação à posição da jurisprudência, existem posições significativas

acerca da matéria. Como exemplo, tem-se decisão proferia pelo Superior

Tribunal de Justiça, através do Resp 268694 / SP, do Exmo. Ministro Humberto

Gomes de Barros, da Terceira Turma do STJ. Vejamos a ementa:

Page 25: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

25

“DANO MORAL - QUEBRA INDEVIDA DE SIGILO BANCÁRIO -CONFIGURAÇÃO.

- Os bancos têm o dever de conservar o segredo bancário (Lei

4.595/64; Art. 38, hoje revogado, mas, com essência mantida na LC

105/2001).

- A quebra indevida do sigilo bancário gera dano moral.

- A violação do sigilo bancário sem autorização judicial extrapola a

moderação exigida pela Lei e não configura legítima defesa do patrimônio

alheio. Tal conduta rompe o limite do comedimento e descamba para a

ilicitude.

- Em nome da proporcionalidade, a indenização por quebra de

sigilo bancário deve ser drasticamente reduzida, quando o indenizado

contribuiu com sua torpeza para a efetivação do prejuízo.

- No caso, a torpeza e a vilania do recorrente fazem do dano moral

um vazio equivalente a zero.

- Se o empregado foi demitido por apropriação indébita, esta foi a

causa de sua desmoralização e de seu sofrimento moral. A quebra ilícita

de sigilo bancário nada acrescentou à desmoralização. No caso, a

ilegalidade cometida pelo banco não acarreta qualquer indenização”.

(Resp. nº 268.694/SP, STJ, 3ª T., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j.

em 22/02/2005, DJU de 04/04/2005, p. 298)

Nesse sentido, constata-se a observância do relator à questão da prova

obtida ilicitamente, de maneira que a quebra de sigilo bancário sem autorização

judicial configura dano moral, sendo classificada como prova ilícita, pois viola

preceito fundamental, elencado na Constituição (Art. 5º, XII, da CF).

Em relação à nossa matéria em estudo, também podemos acrescentar a

decisão referente ao Resp. 9012/RJ, do Ministro Cláudio Santos, tratando da

gravação de conversa telefônica:

Page 26: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

26

“PROCESSO CIVIL. PROVA. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFONICA FEITA PELA AUTORA DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE COM TESTEMUNHA DO PROCESSO. REQUERIMENTO DE JUNTADA DA FITA, APÓS A AUDIENCIA DA TESTEMUNHA, QUE FOI DEFERIDO PELO JUIZ. TAL NÃO REPRESENTA PROCEDIMENTO EM OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 332 DO CPC, POIS AQUI O MEIO DE PRODUÇÃO DA PROVA NÃO E ILEGAL, NEM MORALMENTE ILEGITIMO. ILEGAL E A INTERCEPTAÇÃO, OU A ESCUTA DE CONVERSA TELEFONICAALHEIA. OBJETIVO DO PROCESSO, EM TERMOS DE APURAÇÃO DA VERDADE MATERIAL ("A VERDADE DOS FATOS EM QUE SE FUNDA A AÇÃO OU A DEFESA"). RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. VOTOS VENCIDOS.” (Resp. nº 9.012/RJ, STJ, 3ª T., Rel. Min. Nilson Naves, j. em 24/02/1997, DJU de 14/04/97, p. 12.735)

Nesse sentido, verificam-se a relatividade desse preceito previsto na

Constituição, no Art. 5º, XII, da CF, culminando a tendência a uma interpretação

flexível por parte da jurisprudência.

2.4. A Adoção do Princípio da Proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade foi desenvolvido na Alemanha e

defende a tese de que, havendo interesses conflitantes, deverão ser apreciados

e analisados a fim de ser verificado qual preponderará em determinado caso

concreto. Para este preceito, também chamado “lei da ponderação”, o

desatendimento de um princípio não pode ser mais forte e nem ir além do que

indica a finalidade da medida a ser tomada contra o preceito a ser sacrificado.

Nesse sentido, Alexandre de Moraes, a partir da menção de Luiz

Francisco Torquato Avolio, retrata da seguinte forma:

“é, pois, dotada de um sentido técnico no direito público a teoria do

direito germânico, correspondente a uma limitação do poder estatal em benefício

Page 27: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

27

da garantia de integridade física e moral dos que lhe estão sub-rogados (...).

Para que o Estado, em sua atividade, atenda aos interesses da maioria,

respeitando os direitos individuais fundamentais, se faz necessário não só a

existência de normas para pautar essa atividade e que, em certos casos, nem

mesmo a vontade de uma maioria pode derrogar (Estado de Direito), como

também há de se reconhecer e lançar mão de um princípio regulativo para se

ponderar até que ponto se vai dar preferência ao todo ou às partes (Princípio da

Proporcionalidade), o que também não pode ir além de um certo limite, para não

retirar o mínimo necessário a uma existência humana digna de ser assim”.

Com efeito, não há como reconhecer direitos absolutos e intocáveis.

Todo direito encontra limites em outros direitos de igual e superior valia. De

acordo com esse princípio, sempre será possível o sacrifício de um direito em

prol de outro igual ou de valor maior, face à relatividade dos direitos e garantias

constitucionais.

Juristas renomados, como o Min. Eros Grau destacam que a idéia de

proporcionalidade seria um novo nome dado à equidade, de modo que essa

verificação poder-se-ia ser constatada através de dois aspectos: a

proporcionalidade não como princípio, mas um critério de interpretação; e a

questão da proporcionalidade atuante na norma de decisão. Na primeira, o autor

defende que o princípio da proporcionalidade trata de um postulado normativo

aplicativo e, como tal, poderia impor uma condição formal ou estrutural de

conhecimento concreto de outras normas. Atribui a idéia de que a doutrina,

pretendendo aplicá-lo a qualquer caso, desse modo estaria sendo conferida uma

faculdade de “correção” ao legislador. Na segunda postulação, o insigne jurista

atribui a idéia de que a norma de decisão (decisão judicial, sentença) sempre é

definida a partir da norma jurídica (a qual visa a ser aplicada ao caso concreto).

A aplicação da norma jurídica sempre se dá a partir da norma de decisão. Nesse

sentido, o autor enfatiza a questão de a proporcionalidade ser atuada no

Page 28: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

28

momento da norma de decisão (interpretação in concreto), e não na norma

jurídica (interpretação in abstracto). Desta feita, deve-se distinguir a

interpretação in concreto da interpretação in abstracto. A primeira respeita o

texto, a premissa maior no silogismo; a segunda, à conduta, aos fatos. A

última seria tida como aplicação; a primeira como interpretação.

Pedindo vênia ao ilustre Ministro, devemos tecer algumas observações:

no que se refere ao fato de a proporcionalidade ser apenas uma nova

denominação dada à equidade, temos a concepção de que a equidade é o

princípio do direito natural. Ela funda-se na idéia de isonomia, representando o

sentido de justiça. No nosso entendimento, o critério de interpretação, além da

aplicação da norma, deve visar à equidade (justiça), sendo esta o fim precípuo

do direito. Na nossa concepção, se a proporcionalidade é um critério de

interpretação, ela não deve ser sinônimo de equidade. A proporcionalidade é o

meio e o preceito pelo qual se almeja atingir a solução do caso concreto quando

a lei torna-se insuficiente para a solução do litígio, ao passo que a equidade é o

objetivo almejado pela proporcionalidade. No entanto, após realizarmos estas

breves considerações, voltemos à questão do princípio da proporcionalidade de

per si.

As principais decisões do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha

acerca da construção do princípio da proporcionalidade, em comparação com as

decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a ponderação de direitos

igualmente protegidos pela Carta Maior, indica grande similitude entre a teoria e

as decisões de ambos os tribunais, uma vez que se tem o objetivo de fazer com

que seja válida, em nosso país, a doutrina alemã.

O princípio da proporcionalidade, no âmbito das restrições a direitos

fundamentais, quer dizer que qualquer limitação feita por lei ou com base na lei,

Page 29: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

29

deve ser adequada, necessária e proporcional. Pela adequação, remete-se para

a necessidade de a medida restritiva ser apropriada para a prossecução dos fins

invocados pela lei (conformidade com os fins). A exigência da necessidade

pretende evitar a adoção de medidas restritivas de direitos que não sejam

necessárias para se obterem os fins de proteção visados pela Constituição. O

princípio da proporcionalidade, strictu sensu, significa que uma lei restritiva,

mesmo adequada e necessária pode ser inconstitucional, quando adote cargas

coativas de direitos desmedidas, desajustadas, desproporcionadas em relação

aos resultados obtidos.

Este princípio, adotado expressamente pelo STF, no MS 21.729-4/DF, o

Min. Celso de Mello explicitou que “vários podem ser, dentro desse contexto

excepcional de conflituosidade, os critérios hermenêuticos destinados à solução

das colisões de direitos, que vão desde o estabelecimento de uma ordem

hierárquica pertinente aos valores constitucionais tutelados, passando pelo

reconhecimento do maior ou menor grau de fundamentalidade dos bens

jurídicos em posição de antagonismo, até a consagração de um processo que,

privilegiando a unidade e a supremacia da Constituição, viabilize – a partir da

adoção ‘de critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito’

(José Carlos Vieira de Andrade, op. e loc. cit.) – a harmoniosa composição dos

direitos em situação de colidência”.

Nas palavras de Domingos Franciulli Neto, forte no entendimento de

Frederico Valdez, “o princípio da proporcionalidade acima referido tem plena

aplicação entre nós. O STF já teve oportunidade de assinalar que não basta a

existência de lei para que se considere legítima determinada restrição a direito.

Tal restrição deve ‘atender ao critério da razoabilidade’, cabendo ao Poder

Judiciário, em última instância, apreciar se as restrições são adequadas e

justificadas pelo interesse público, para julgá-las legítimas ou não’ (Cf.

Representação 930, rel. Min. Rodrigues Alckim, transcrita in RTJ 110, p. 967;

Page 30: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

30

Representação 1.054, rel. Min. Moreira Alves, RTJ 110, p. 967; Representação,

1.077, rel. Min. Moreira Alves, RTJ 112, p. 34)”.

Dessa forma, é imperioso tratarmos que este preceito-critério na

formação da norma de decisão deve estar eivado de um minucioso exame do

caso concreto, pois a partir da ponderação e das circunstâncias peculiares ao

fato é que será invocado tal preceito, o que, a priori, não deve se tornar a regra,

sob pena de inviabilizar a segurança jurídica da norma.

CAPÍTULO III

PROVA ILÍCITA E QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO

3. Conceito de Finalidade do Sigilo Bancário – 3.1. Natureza Jurídica do Sigilo

Bancário – 3.2. A Visão Doutrinária – 3.3. Conseqüências da Quebra do Sigilo

Bancário – 3.4. Requisitos para o Afastamento do Sigilo Bancário.

3. Conceito e Finalidade do Sigilo Bancário

Para iniciarmos nosso estudo acerca do sigilo bancário, devemos tecer

alguns comentários iniciais: o sigilo compreende o dever do detentor de mantê-lo

e o direito do beneficiário de vê-lo respeitado.

Segundo a doutrina, o sigilo bancário é mais antigo do que muitos

imaginam. Alguns estudiosos afirmam que já era instituído como um costume

originário da Grécia Antiga, onde os templos religiosos eram usados para cultos,

guarda de dinheiro e prática de atividades bancárias. Atividades estas que, tal

como a cerimônia religiosa, eram consideradas sagradas. Também afirmam os

estudiosos que o sigilo já podia ser visto no Código de Hamurábi, sendo

posteriormente adotado pelos romanos, e que segundo estes “o livro dos

banqueiros somente poderia ser exigido em juízo, nos litígios envolvendo o

próprio cliente”.

Page 31: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

31

Mais adiante na nossa história, os doutrinadores mencionam que o sigilo

bancário seria mais antigo que nosso próprio Código Comercial, eis que remonta

ao Alvará de 16 de dezembro de 1756, do Reino Português.

Geraldo Vidigal destaca que “o dever de sigilo bancário repousa em

costume velhíssimo, que universalmente se integra na prática contratual dos

bancos: informa-se em condições profissionais necessárias à boa estrutura das

instituições financeiras e no caráter fiduciário da relação entre banco e cliente;

ilumina-se por considerações do indispensável respeito às liberdades

individuais, implícito na organização democrática e no exercício da democracia;

lastreia-se no alto interesse social em que possa desenvolver-se a atividade

econômica; obedece a limites que outros interesses sociais significativos

condicionam”.

Buscando conceituar o sigilo bancário, remetemo-nos primeiramente à

Malagarriga, citado por Maria José de Oliveira Lima Roque, que define o sigilo

bancário como “obrigação de não revelar a terceiros, sem causa justificada, os

dados referentes a seus clientes que cheguem a seu conhecimento como

conseqüência das relações jurídicas que os vinculam”.

Outros autores, como Sérgio Carlos Covello, citado por Frederico Valdez,

afirma que o sigilo bancário é a obrigação que os bancos possuem de não

revelar, salvo justa causa, as informações que obtenham em virtude de sua

atividade profissional.

No entanto, apesar destas duas últimas conceituações não estarem

equivocadas, estas perecem estar mais próximas do dispositivo da Lei 4.595/64,

em seu art. 38, e da Lei Complementar 105/01, art 1º, sendo estas normas

reguladoras do sistema financeiro.

Page 32: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

32

De acordo com nosso entendimento, deve-se tratar do sigilo como

preceito fundamental, de modo que a Carta de 88, no capítulo dos direitos

fundamentais de 1ª geração (direitos liberdades), estão definidos como

princípios-garantia, o que incluiria o direito fundamental à intimidade, e a sua

projeção caracterizada no sigilo bancário. Assim, não devemos apenas

conceitua-lo a partir da norma ordinária.

Nesse sentido, o Art. 5º, inciso X da CF estabelece que são invioláveis a

intimidade, a vida privada e a imagem das pessoas, e em seguida trata da

mesma matéria no inciso XII estabelecendo que é inviolável o sigilo de dados.

O sigilo bancário, sedimentado em longa tradição jurídica, tem motivação

que transcende o aspecto da previsão em legislação ordinária, pois se

fundamenta diretamente na garantia constitucional da preservação da

intimidade, que é uma das manifestações dos direitos da personalidade,

inclusive sendo tratado como cláusula pétrea em nossa Constituição, em seu

Art. 60, § 4º, inciso IV, sendo inadmissível ser modificada por emenda.

A partir desse contexto, é plausível conceituarmos o sigilo bancário a

partir da idéia de que ele se insere em uma das manifestações do princípio

constitucional da preservação da intimidade (art. 5º, X), ou seja, o sigilo é uma

garantia constitucional da inviolabilidade dos dados e informações inerentes ao

cidadão, advindas do sistema bancário ou, latu sensu, originadas das relações

do cliente (particular) com o Sistema Financeiro Nacional.

Destarte, podemos dizer que a finalidade precípua do sigilo bancário é

preservar a intimidade do cliente, de modo que este direito, como foi tratado, é

inerente à personalidade das pessoas, além de atender uma ordem pública, pois

visa proteger o sistema de crédito.

Page 33: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

33

3.1. Natureza Jurídica do Sigilo Bancário

Não é pacífico o entendimento sobre a natureza do sigilo bancário, de

modo que alguns autores afirmam que se trata de obrigação jurídica dos bancos

e seus funcionários, outros destacam que ela objetiva o direito de proteção à

privacidade.

Os elementos que compõem o sigilo bancário como relação obrigacional

são: sujeito ativo, sujeito passivo e objeto.

O sujeito ativo é o cliente que mantém relações habituais e regulares com

a instituição financeira.

O sujeito passivo é o que está obrigado a observar sigilo, é o Banco ou

quem exerça suas atividades de mediação ou interposição de crédito.

Já o objeto é o dever de abstenção, de não revelar dados ou fatos de que

teve ciência em função de sua atividade financeira.

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Domingos Franciulli Neto,

destaca que o fundamento jurídico do sigilo bancário sustenta-se em três pilares:

a) Proteção à Intimidade, princípio fundamental à pessoa,

determinado por garantia constitucional (art. 5º, X, CF);

b) Segredo Profissional, inerente à própria natureza jurídica da

relação banco/cliente;

c) Segurança da Atividade Bancária.

Podemos chegar ao entendimento de que existe um sigilo bancário strictu

sensu, decorrente da Lei complementar 105/01, em seu Art. 1º, e precedente

das tradições, dos costumes, da relação de confiança entre a instituição

Page 34: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

34

financeira e seu cliente, do caráter profissional da atividade bancária, alma do

seu negócio. Todavia, podemos chegar à conclusão de que também existe um

sigilo bancário latu sensu, ou seja, aquele inerente aos direitos e garantias

fundamentais elencados na Constituição Federal, especialmente nos incisos X e

XII do art. 5º, de modo que a própria Carta institui essa projeção ampla, para

tratar de um direito de caráter social, de todos os cidadãos.

3.2. O Sigilo Bancário e a Legislação Brasileira

Mencionamos anteriormente (tópico nº 3, retro) que o conceito inicial de

sigilo bancário foi adotado pela Lei Federal 4.595/64, recepcionado

posteriormente pela LC 105/01.

Antes da vigência da LC 105/01, o fundamento legal para o sigilo

bancário estava relacionado no art. 38 da Lei 4.595/64:

“Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas

operações ativas e passivas e serviços prestados.

§ 1º. As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder

Judiciário, prestados pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições

financeiras, e a exibição de livros e documentos em juízo, se revestirão

sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as

partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins

estranhos à mesma”.

Nesse sentido, antes mesmo da Carta de 88, a legislação já estabelecia o

dever de proteção das informações do cliente.

No entanto, posteriormente foi promulgada da CF/88 e, em seu art. 192,

determinado pela emenda 40/03, estabeleceu a regulamentação do sistema

financeiro nacional por meio de lei complementar:

Page 35: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

35

“Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a

promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses

da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as

cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que

disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas

instituições que o integram”.

Como até o ano de 2000 não havia Lei Complementar que dispunha de

tal matéria. A jurisprudência, através da Lei 4.595/64, adotou a posição de que a

referida norma foi recepcionada pela CF/88, passando a ter força de lei

complementar.

Posteriormente, em 2001, com a vigência de Lei Complementar 105/01,

traçaram-se novas regras sobre o sistema financeiro, cuidando da verificação de

registros, livros e documentos, bem como das operações bancárias do usuário

da instituição financeira.

A doutrina majoritária questiona a constitucionalidade dos arts. 5º e 6º

desta Lei, adotando a posição de que o sigilo bancário deve ser rompido apenas

por determinação judicial.

Na acepção de Edson de Carvalho, a nova norma trata da delegação ao

Poder Executivo para “disciplinar os critérios, segundo os quais as instituições

financeiras informarão aos administradores tributários da União as operações

financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços”. Essa norma estaria

violando o Art. 68, § 1º, da CF, pois esta proíbe e delegação de atribuições em

matéria reservada à lei complementar.

Page 36: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

36

Já no que tange ao art. 6º da referida LC, esta seria dispensável, uma vez

que esta situação de verificação de livros, documentos e registros pela

autoridade fiscal já existe na sistemática atual.

Destarte, para a doutrina majoritária, os arts. 5º e 6º da LC 105/01 não

teriam revogado totalmente o art. 38 da Lei 4.595/64, pois não regulamentou

inteiramente, de modo diverso, a matéria de que tratava a Lei anterior, tendo

sido preservada a essência do artigo 38.

Por fim, tal norma teria afrontado principalmente os incisos do art. 5º da

CF, pois não estaria respeitando a existência de ordem judicial para a quebra do

sigilo.

Por fim, é mister ressaltar que, não existindo autorização judicial para a

quebra do sigilo bancário, a prova obtida será considerada ilícita (art. 5º, LVI,

CF), bem como trata-se de violação à intimidade, sendo passível de indenização

pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X, CF), como

veremos em seguida.

3.4. Consequências da Quebra do Sigilo Bancário

Aquele, cujo sigilo bancário for quebrado, sem autorização judicial, pode

demandar o responsável por meio de ação indenizatória por danos materiais

(diminuição patrimonial sofrida a título de perdas e danos, mais lucros

cessantes) e por danos morais, desde que presentes os respectivos

pressupostos legais. À responsabilidade civil poderá adir a responsabilidade

contratual, dependendo de cada caso e tipo de contrato.

Porém, esta tutela não se atém ao direito civil. Também pode espraiar-se

ao direito penal.

Page 37: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

37

3.5. A Visão Doutrinária e Jurisprudencial

Tanto a posição da doutrina, como da jurisprudência tendem a relativizar

o sigilo bancário, ou seja, adotar a posição a partir da qual não se trata de direito

absoluto, devendo ceder ao interesse público quando oportuno.

A partir desta explanação, será possível compreender melhor o

entendimento cristalizado na jurisprudência (o que também, é feito de forma

quase unânime na doutrina) de que o direito ao sigilo bancário não é absoluto:

“Esta corte, em inúmeros julgados, vem dizendo reiteradamente e

com sabedoria que o direito ao sigilo bancário é um direito limitado, não

absoluto, e que pode ceder a interesses públicos em determinadas e

restritas situações, sempre orientadas para a busca da verdade no

interesse da justiça”. (STF, MS 21.729-4, 05.10.1995, DJ 19.10.2001.

Voto Min. Maurício Corrêa).

Nesse sentido, também acrescenta o Ministro Celso de Mello:

“O direito ao sigilo bancário – que também não tem caráter

absoluto – constitui expressão da garantia da intimidade. – O sigilo

bancário reflete expressiva projeção da garantia fundamental da

intimidade das pessoas, não se expondo, em conseqüência, enquanto o

valor constitucional que é, a intervenções de terceiros ou a intrusões do

Poder Público desvestidas de causa provável ou destituídas de base

jurídica idônea. O sigilo bancário não tem caráter absoluto, deixando de

prevalecer, por isso mesmo, em casos excepcionais, diante da exigência

imposta pelo interesse público”. (STF, MS 23.669-DF, 12.04.2000, DJ

17.04.2000. Min.- relator Celso de Mello).

Page 38: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

38

Dessa forma, esta possibilidade de restrição dos direitos fundamentais

surge da distinção qualitativa existente entre normas-regras e normas-princípios.

Ocorre que os princípios são normas jurídicas impositivas de uma otimização,

compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionamentos

fáticos e jurídicos, permitindo a convivência conflitual deles, diferente das regras,

que prescrevem uma exigência, que impedem a validade simultânea de regras

contraditórias.

O sigilo bancário, como direito fundamental que se irradia do princípio da

intimidade, se insere nessa convivência de conflito com os demais princípios

insertos no sistema constitucional. Isso acarretará, em casos concretos, o

fenômeno da tensão com outros interesses tutelados, o que exigirá um juízo de

ponderação para a harmonização dos valores em jogo. Será nesse ponto que o

direito fundamental sofrerá sua restrição, não sendo, portanto, absoluto.

Firmada a posição de que a proteção ao sigilo bancário pode ser

relativizada em casos concretos, quando presente a supremacia do interesse

público, e para permitir a sua convivência harmônica com os demais direitos e

liberdades fundamentais, passa-se a apresentar os critérios que devem orientar

a interpretação e aplicação do direito nos casos de quebra de sigilo bancário:

a) O princípio da concordância prática ou da harmonização, que

visa a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a

evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros. Konrad Hesse, citado por

Frederico Valdez Pereira, sustenta que bens jurídicos constitucionalmente

protegidos devem ser, na solução de litígios, justapostos de tal maneira que

cada um deles se torne realidade. Onde surgirem colisões, não é permitido

realizar um bem em apressada ponderação valorativa às custas de outro. O

princípio da unidade da Constituição põe muito mais a tarefa de otimização: para

ambos os bens devem ser estabelecidos limitações, para que ambos possam

adquirir eficácia plena. Por isso, as limitações devem ser proporcionais, elas não

Page 39: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

39

podem ir além do que seja necessário, para estabelecer uma concordância de

ambos os bens jurídicos.

b) O princípio da proporcionalidade que, como abordamos, visa

medir no caso concreto os bens jurídicos tutelados, sendo que em detrimento de

um, o outro será sacrificado.

3.6. Requisitos a serem observados para o afastamento do sigilo

Existem quatro casos em que o sigilo bancário poderá ser afastado:

a) Intervenção Judicial

Por tratar-se de direito fundamental assegurado na CF, menciona a

grande doutrina que o sigilo deve decorrer unicamente de decisão judicial.

Nesse sentido, faz-se mister a menção de alguns Ministros, em decisão

proferida no MS 21. 729-4 acerca da questão:

Min. Relator Marco Aurélio: “A preservação de dados ocorre

considerada a órbita daquele eu a detém, somente sendo afastável,

repita-se, via ato emanado, em processo próprio, de órgão investido do

ofício judicante. Em última análise, tenho que o sigilo bancário está sob a

proteção do disposto nos incisos X e XII do art. 5º da CF. Entendo que

somente é possível afastá-lo por ordem judicial”.

Min. Ilmar Galvão: “Também tenho certo de que toda pretensão à

quebra de sigilo bancário – salvo a exceção prevista no art. 58, § 3º da

Constituição, relativa às Comissões Parlamentares de Inquérito, que têm

poderes de investigação próprios das autoridades judiciais -, haverá de

passar pelo crivo do Poder Judiciário”.

Page 40: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

40

Min. Maurício Corrêa: “Tratando-se de direito individual

constitucionalmente assegurado, a quebra do sigilo bancário ou fiscal

exige absoluta independência de quem deve assim decidir, além de ser

necessário ter sempre presente que, em se tratando de situação

excepcional, devem ser restritas as possibilidades da sua ocorrência. E

Esta é uma das tarefas típicas do Poder Judiciário ou de órgãos que

exercem jurisdição extraordinária, como é o caso das Comissões

Parlamentares de Inquérito, às quais a Constituição concedeu

expressamente tais poderes”.

Assim, verifica-se a posição da maioria dos juristas de que a autorização

judicial para a quebra do sigilo bancário é imprescindível, sob pena de ilicitude

da prova.

b) Ministério Público

Definida a posição majoritária do STF no sentido de que a quebra do

sigilo bancário depende de autorização de órgão investido de jurisdição, tem-se,

por conseqüência, que o Ministério Público não pode, sem intervenção judicial,

requisitar informações bancárias diretamente às instituições financeiras. Nesse

sentido:

“Ora, no citado inc. VIII do art. 129 da CF, não está escrito que

poderia o órgão do Ministério Público requerer, sem a intervenção da

autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de alguém. E se

considerarmos que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade

que a Constituição consagra, art. 5º. X, somente autorização expressa da

Constituição legitimaria a ação do Ministério Público para requerer,

diretamente, sem a intervenção da autoridade judiciária, a quebra do

sigilo bancário para qualquer pessoa. (...)

Todavia, deixei expresso no voto que proferi no MS 21.729-DF, por

se tratar d um direito que tem status constitucional, a quebra não pode ser

Page 41: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

41

feita por quem não tem o dever de imparcialidade. Somente a autoridade

judiciária, que tem o dever de ser imparcial, por isso mesmo procederá

com cautela, com prudência e com moderação, é que, provocada pelo

Ministério Público, poderá autorizar a quebra do sigilo. O Ministério

Público, por mais importantes que sejam as suas funções, não tem a

obrigação de ser imparcial. Sendo parte – advogado da sociedade –, a

parcialidade lhe é inerente. Então, como poderia a parte, que tem

interesse na ação, efetivar, ele próprio, a quebra de um direito à

privacidade, que é garantido pela Constiuição? Lembro-me que, no antigo

TFR, um dos seus mais eminentes membros costumava afirmar que ‘o

erro do juiz o tribunal pode corrigir, mas quem corrigirá o erro do

Ministério Público?’ (...) Em suma, o art. 129, VIII, não autoriza ao

Ministério Público quebrar, diretamente, o sigilo bancário da pessoas” (RE

215.301-CE, rel. Min. Carlos Velloso, 13.04.1999).

No entanto, tem-se uma hipótese em que o Supremo admite a quebra do

sigilo diretamente pelo MP, sem necessidade de autorização judicial: ocorre

quando se tratar de inquérito instaurado para a apuração do destino de verbas

públicas.

As operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta

da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios são públicas, não

estando abrangidas pela proteção do sigilo bancário. Ou seja, nem se trata da

quebra de um sigilo. As operações efetuadas com dinheiro público estão

sujeitas, em face do art. 37 da Constituição da República, ao princípio da

publicidade.

A respeito dessa matéria, o Min. Néri da Silveira, considerou que “se se

trata de operação em que há dinheiro público, a publicidade deve ser nota

característica dessa operação...O sigilo bancário não pode englobar esse tipo de

informação, em se cuidando da aplicação de recursos públicos”.

Page 42: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

42

c) Comissão Parlamentar de Inquérito

Com base na regra prevista no art. 58, § 3º, da CF, que confere às CPIs

poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, a Suprema Corte

estendeu a estes órgãos das casas legislativas a possibilidade de requisitar

informações acerca de dados que estão tutelados pelo sigilo bancário, sem a

atuação do Poder Judiciário.

No entanto, a Suprema Corte impõe algumas condições para que as CPIs

exercitem esta prerrogativa, tais como a necessidade de fundamentação e a

observância do princípio da colegialidade.

A necessidade de fundamentação pressupõe a indicação, com apoio em

base empírica idônea, a necessidade objetiva da adoção dessa medida

extraordinária.

Sendo este o fator que condiciona a eficácia das deliberações de

qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, especialmente em tema de quebra

de sigilo bancário. O rompimento do sigilo, no caso das CPIs, dependem de

aprovação da maioria absoluta dos membros que compõem o órgão de

investigação legislativa.

d) Órgãos Fiscalizadores Fazendários

Pelo que já foi exposto, com base no posicionamento do STF no sentido

da necessidade de autorização judicial para a quebra do sigilo bancário do

cidadão, infere-se que a fiscalização das receitas federal, estadual e municipal

estão limitadas na sua atuação. Não podem adentrar livremente na esfera de

liberdade pública do indivíduo sem a prévia legitimação do Poder Judiciário.

Partindo-se novamente da CF, o § 1º do art. 145 confere à administração

tributária a faculdade de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades

Page 43: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

43

econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais e, entre eles, o

sigilo bancário.

CAPÍTULO V

PROVA ILÍCITA E INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

5. A Concepção de Interceptação Telefônica e Gravação Clandestina – 5.1 A

Interceptação Telefônica e a Legislação Brasileira – 5.2 A Evolução Doutrinária –

5.3 A Gravação Clandestina no Processo Civil.

5. A Concepção de Interceptação Telefônica e Gravação Clandestina

Voltando nosso estudo agora para a questão da interceptação telefônica,

bem como a gravação clandestina – também chamada escuta telefônica –

buscamos conceituar ambas, de modo que estas expressões são antagônicas e

devem ser acrescentadas para uma compreensão inicial do nosso estudo.

Na acepção de César Mariano,

“Com efeito, a gravação clandestina ocorre quando um dos

interlocutores, sem o consentimento do outro, grava o seu próprio diálogo.

Se essa gravação for de conversação telefônica, haverá a gravação (ou

de gravação clandestina propriamente dita); se a gravação for de

conversa pessoal (entre presentes), dar-se-á a gravação ambiental.

Por outro lado, haverá a interceptação quando terceira pessoa

interfere na conversação, sem o consentimento dos interlocutores ou com

o conhecimento de só um deles. Para sua caracterização não se faz

Page 44: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

44

necessário que a conversação seja gravada, bastando que ela seja

percebida pelos sentidos do terceiro.”

Faz-se mister ressaltar que se a interceptação for realizada em

conversação sem o conhecimento dos interlocutores, haverá a interceptação

telefônica ou strictu sensu; se a interceptação for realizada em uma conversa

pessoal (entre presentes) sem o conhecimento dos interlocutores, ter-se-á a

interceptação ambiental.

Também pode ocorrer a escuta clandestina quando um terceiro, mediante

autorização ou conhecimento de um dos interlocutores, interfere na

conversação, podendo gravá-la ou não. Se essa conversação for por telefone,

haverá a escuta telefônica; se a conversa for pessoal (entre presentes), temos a

escuta ambiental.

César Mariano destaca que embora a escuta clandestina verse sobre

modalidade de interceptação latu sensu, tendo em vista a interferência de

terceira pessoa na conversação, ela muito se assemelha da gravação

clandestina. Assim, como há autorização ou conhecimento de um dos

interlocutores para que a conversa seja percebida e/ou gravada pelo terceiro,

independe de ordem judicial, podendo seu conteúdo ser empregado como prova

em juízo quando presente a justa causa, do mesmo modo que ocorre com a

gravação clandestina.

5.1. A Interceptação Telefônica e a Legislação Brasileira

Nossa Constituição Federal deixa expresso, em seu art. 5o, XII da CF, o qual dispõe:

“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações

telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último

Page 45: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

45

caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer

para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” .

De acordo com o jurista Eduardo Cambi, a inviolabilidade das

comunicações telefônicas se insere na tutela dos direitos da personalidade,

notadamente no direito à privacidade. Contudo, o direito à privacidade não seria

absoluto, de maneira que teria sido relativizado a partir da vigência da lei

9.296/96. A referida lei expressa claramente o caso de autorização judicial para

interceptação telefônica.

A LF 9.296/96, estabelecendo as hipóteses nas quais será admitida a

interceptação telefônica, bem como sua forma de requerimento e decisão,

buscou regulamentar a hipótese de obtenção de um tipo de prova que por

alguns era considerada como prova ilícita, por outros como um meio de solução

dos casos em matéria criminal.

A partir de sua vigência, a lei em estudo passou definitivamente a

regulamentar a obtenção de prova nos casos de comunicação telefônica, bem

como em casos de fluxo de comunicações em sistemas de informática e

telemática (conjunto das técnicas e dos serviços de comunicação à distância

que associam meios informáticos aos sistemas de telecomunicações). No

entanto, alguns doutrinadores, como o professor Vicente Greco Filho, defendem

que não se deve quebrar o sigilo das comunicações telemática e telefônica, uma

vez que seria inconstitucional o artigo 1o da Lei 9.296/96, em seu parágrafo

único, ao acrescentar estes dois tipos de comunicação.

Agora, trataremos dos critérios para o estabelecimento das hipóteses em

que o juiz pode autorizar a interceptação, para fins de investigação criminal ou

instrução processual penal.

Page 46: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

46

O prof. Nelson Nery Júnior afirma que são dois os critérios: a) a

necessidade da interceptação como único meio para a realização da prova; b) a

gravidade da infração penal que se pretende perseguir.

Destarte, o art. 2o, inciso II da lei 9.296/96 é taxativo no que concerne à

circunstância na qual poderá ser requerida a interceptação, ao afirmar que não

será admitida a interceptação “se a prova puder ser feita por outros meios

disponíveis”. Portanto, somente em caso de excepcionalidade da interceptação

como único meio de instrução processual é que poderá ser autorizada pelo juiz.

Se puder ser colhida a prova por outro meio, deve-se optar por este, desde que

não ofenda as garantias constitucionais previstas no art. 5o, incisos X e XII da

CF.

O segundo critério que o prof. Nelson aborda é o da natureza da infração

penal. Ao contrário do dispositivo do art. 2o, inciso III, há a admissibilidade de

interceptação sempre que se tratar de crime que tenha como pena a de

reclusão. O professor destaca ainda que o legislador utilizou a opção sinalizada

pelo STF, haja vista que deveriam ser priorizadas as hipóteses em que a Carta

Política estabeleceu serem de extrema gravidade, como os crimes inafiançáveis

contra o meio-ambiente, contra a humanidade, entre outros.

Neste prisma, o eminente jurista destaca que “foi além o legislador

elegendo os crimes apenados com reclusão como autoridades da escuta

telefônica por ordem judicial”.

Contudo, o legislador equivocadamente vedou a possibilidade de

interceptação nos casos de infrações penais punidas apenas com detenção –

consta no art. 2o, inciso III da lei 9.296/96 – como o homicídio culposo, desacato,

Page 47: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

47

favorecimento pessoal, ameaça e até mesmo contravenções como o jogo do

bicho, por exemplo.

Tratando dos requisitos legais para a obtenção da autorização judicial,

apresentemos os seguintes:

a) Deve haver indícios razoáveis da autoria ou participação em

infração penal (art. 2o, inciso I da lei 9.296/96);

A doutrina majoritária trata do art. 2o, I, como o fumus boni juris

(aparência do bom direito), o qual é exigido para que se possa conceder

cautelares no processo civil.

b) O juiz deve ser competente em razão a matéria ou da

hierarquia (art. 1o da lei 9.296/96).

Se o investigado possuir prerrogativa de tribunal, foro ou juízo

(competência hierárquica), somente o juiz natural é competente para autorizar a

interceptação. Um exemplo abordado pelo prof. Nelson Nery é o caso dos

governadores de Estado, que respondem processo criminal perante o STJ (art.

105, I, da CF), sendo este o órgão competente para autorizar interceptação

telefônica.

c) Se feito por escrito, o pedido deve ser deduzido mediante

petição fundamentada, sendo que deverá constar, com clareza, a descrição da

situação objeto da investigação criminal, qualificação dos investigados, salvo

impossibilidade manifesta, devidamente justificada (art. 2o, parágrafo único da lei

9.296/96), bem como os meios serem empregados na escuta (art. 4o, caput). O

Page 48: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

48

juiz pode admitir, em situações excepcionais, que o pedido seja deduzido

verbalmente (art. 4o, § 1o).

Trata-se de procedimento criminal (inquérito policial ou processo penal),

que é processado em autos apartados (conforme artigo 8o) e em segredo de

justiça (art. 1o, caput), que têm função acautelatória (preventiva). A lei permite

que o juiz possa conceder a medida de ofício ou por requerimento da autoridade

policial (no inquérito policial) ou do Ministério Público (no inquérito policial e no

processo penal), nos termos do art. 3o, incisos I e II da lei 9.296/96.

Entretanto, o art. 3o, ao mencionar a autoridade policial e o MP como

requerentes da medida, não faz com que apenas estes dois órgãos possam

requerer a interceptação. Isto porque o artigo, de acordo com a doutrina, tem

caráter exemplificativo, pois o juiz pode, ex officio, determinar intervenção na

comunicação telefônica. Uma vez o juiz agindo de ofício, isto quer dizer que

qualquer interessado pode requerer a medida. O prof. Nelson Nery destaca que

“tratando-se de providência que o juiz deve tomar ex officio, é porque no caso o

legislador vislumbrou a existência de interesse público. A norma, portanto, é de

ordem pública e prescinde da iniciativa da parte para que o juiz deva autorizar a

interceptação telefônica”.

Outro aspecto importante é o que versa a respeito da decisão do juiz, que

deve ser fundamentada (art. 93, IX da CF), em vinte e quatro horas (art. 4o, §

2o.), tendo de ser indicada a forma de execução da diligência, que não poderá

exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo, comprovada a

indispensabilidade do meio de prova (art. 5º, caput). Vale ressaltar que alguns

autores interpretam de duas maneiras distintas este dispositivo: alguns

professores, como o prof. Paulo Rangel, Damázio de Jesus e Vicente Greco

Filho crêem na idéia de que o prazo de quinze dias pode ser renovado tantas

Page 49: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

49

vezes quantas forem necessárias para o sucesso na investigação, sendo que a

lei não limitou o número de vezes necessárias. Outros juristas defendem que o

prazo não é renovável, como o Ministro Marco Aurélio, em decisão sobre o

Hábeas Corpus 80.228/RJ, publicada no DJ de 01.08.2000. Nesta, o Ministro

descreveu da seguinte maneira: “... a escuta telefônica consubstancia exceção,

e, assim, os preceitos que, a partir do artigo 5o, inciso XII, da Constituição

Federal, regem-na hão de ser interpretados de forma estrita, e não elástica. O

balizamento temporal do Art. 5o da lei 9.296/96 não pode ser ultrapassado,

pouco importando a repercussão do crime perpetrado. O prazo de quinze dias,

renovável apenas por igual período, deve ser observado...”.

Com a devida vênia, entendemos que seria plausível a primeira

interpretação, tendo em vista que não se trata de estender de forma ampla, mas

sim de entendermos que o próprio dispositivo não estipula tal limite, de maneira

que para uma atuação consistente da autoridade policial nas investigações, e na

solução dos processos penais por parte do MP, não seria adequado impor

limites sem que tal dispositivo tenha estabelecido, cabendo salientar que a

medida prevista na Lei 9.296/96 está em vigor para solucionar as questões

penais, e não fazer com que uma prova substancial que tenha aparecido após

os trinta dias seja considerada simplesmente inaceitável devido ao prazo que,

nesse sentido, não deve ser renovado apenas uma vez.

A mesma lei permite que o MP possa acompanhar a diligência da

interceptação (art. 6o, caput), bem como prevê a possibilidade de requisitar

serviços técnicos especializados das concessionárias de serviço público a quem

incumbir o cumprimento da ordem judicial (art. 7o, LF 9.296/96).

Sendo positiva a interceptação, a autoridade encaminhará o resultado ao

juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das

Page 50: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

50

operações realizadas (art. 6o, §2o), valendo ressaltar que a interceptação

ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos de inquérito policial ou do

processo criminal, sendo preservado o sigilo das diligências, gravações e

transcrições respectivas.

A gravação que não interessar a prova será inutilizada por decisão

judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de

requerimento do MP ou da parte interessada.

Por fim, a lei tipifica como crime “... realizar interceptação de

comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar Segredo de

Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei” (Art.

10 da lei 9.296/96).

A pena é de reclusão de dois a quatro anos e multa.

É pertinente ressaltarmos que o legislador, no momento em que criou

este dispositivo, buscou limitar uma possível arbitrariedade em relação às

interceptações, com a pretensão de garantir os princípios assegurados na nossa

Constituição, como a privacidade, a intimidade, a honra e a imagem,

assegurados no art. 5o, X e XII da CF.

5.2. A Evolução Doutrinária e Jurisprudencial

Mesmo antes da vigência da referida lei, já havia controvérsias a respeito

da interceptação telefônica, desde que com autorização judicial.

Page 51: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

51

Para alguns o Código de Telecomunicações (lei 4.117/62) havia sido

recepcionado pela CF, de modo que o juiz poderia proceder com base no art.

57, II, alínea “e”, daquela lei, concedendo autorização para a interceptação,

desde que houvesse indícios suficientes de ocorrência do crime. Adeptos desse

entendimento estavam entre eles o prof. Damázio de Jesus, nobre estudioso do

Direito Penal brasileiro.

Em contrapartida, outros entendiam que, como não havia norma

regulamentadora que disciplinasse a exceção prevista no art. 5o, XII da CF, as

interceptações não poderiam ser concedidas pelo juiz.

As provas obtidas mediante a interceptação passaram a ser consideradas

como derivadas de ilicitude, adotando-se a teoria do fruits of the poisonus tree

(teoria dos frutos da árvore envenenada), oriunda da orientação da Suprema

Corte americana.

Todavia, falava-se muito na teoria da Proporcionalidade. Os seus adeptos

defendiam a idéia de que poderia se sacrificar à privacidade (privacy) de um

suspeito em prol da defesa de um bem jurídico mais relevante, o que foi

apresentado em nossas explanações anteriores.

Quanto à solução da lei 9.296/96, como citamos anteriormente a respeito

do princípio da proporcionalidade, o ilustre prof. Nelson Nery Júnior destaca que

“a solução da lei, quanto à necessidade da interceptação telefônica, nada mais é

do que, na prática, a adoção do princípio da proporcionalidade, já que a ofensa

ao direito constitucional de inviolabilidade da comunicação telefônica não se

justifica, ou seja, é maior do que o benefício que eventualmente se pretenda

obter com tal ofensa”.

Page 52: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

52

Assim, demonstra-se clara a importância da norma em discussão, pois

busca violar a privacidade em detrimento de um bem maior, muitas vezes a

segurança da sociedade.

Ainda se tratando do tema abordado nesse tópico, Agapito Machado, em

artigo publicado em agosto de 97, mencionou acerca da questão. Afirmava que

o STF – ao contrário das teses que eram defendidas de que a Lei 9.296/96 seria

apenas relativa às comunicações telefônicas – vinha admitindo quebra de dados

bancários e de dados de contas telefônicas, posicionando-se de maneira

totalmente contrária às posições de relativização restritiva às comunicações

telefônicas.

De maneira que possamos concluir tal impasse, verificamos que são

plausíveis as justificações apresentadas pelo magistrado, no que concerne à

amplitude e grau de alcance da lei em conformidade com o art. 5o, XII da CF.

5.3. A Gravação Clandestina no Processo Civil

A gravação clandestina consiste no registro da conversa própria por um

dos interlocutores; se for feita através de aparelho telefônico, será denominada

“gravação telefônica”; se for realizada em um ambiente de conversação, tem o

nome de gravação ambiental. Destarte, a conversa é gravada por uma das

pessoas envolvidas na comunicação, não havendo a intervenção de terceira

pessoa.

Esse meio de prova não possui vedação legal, não sendo proibido. Para

César Mariano, poder-se-ia falar em violação à intimidade de um dos

interlocutores, ao revelar-lhe um segredo. Todavia, se o emissor ou receptor

houver por bem divulgar sua conversa, poder-se-ia fazê-lo sem que isso

implique violação à intimidade. Entretanto, tomamos por plausível a idéia de que

Page 53: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

53

existe o sigilo por parte do interlocutor que não tenha concordado com a

gravação. Nesse prisma, o segredo deve ser revelado somente quando houver

justa causa, como no caso de apuração de crime ou de sua autoria, testemunho

judicial, etc.

O eminente doutrinador destaca que nas ações que envolvem direito de

família é corriqueira a discussão acerca das gravações telefônicas. O STJ, o

qual é acompanhado por parte da doutrina, tem entendido que a prova obtida

por esse meio é legal.

Quanto à interceptação telefônica, no processo civil, o juiz não poderá

determinar a realização de interceptação telefônica, uma vez que somente é

permitida no processo penal, conforme o art. 1º, da LF 9.296/96.

Contudo, Avolio, na acepção de César Mariano, adota o seguinte

posicionamento:

“Consequentemente, inexistindo na conversa objeto da gravação

clandestina o direito à reserva (obrigação de guardar segredo), a outra

parte pode utilizá-la validamente em juízo como prova de seu interesse.

Ainda que haja ilicitude, esta pode ceder em face de outro interesse

jurídico proporcionalmente mais relevante que a intimidade, como, por

exemplo, a vida ou a saúde, ou o direito à ampla defesa”.

Concluindo nossa exposição, entendemos que também no âmbito da

gravação telefônica a ponderação será necessária para a apreciação do caso

concreto, contudo dentro dos limites razoáveis, em que pese a prevalência de

um bem jurídico maior a ser apreciado na norma de decisão.

Page 54: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

54

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todos os assuntos apresentados, temos a certeza de que nosso

estudo não acaba aqui. O sistema jurídico é amplo, tendendo às mais variadas

divergências.

Elaborando uma breve conclusão a respeito de tudo que fora exposto,

tomamos por norte o fato de que tanto na quebra do sigilo bancário, utilizada

principalmente nas Comissões Parlamentares de Inquérito, quanto nos casos de

escuta telefônica, a violação ao bem jurídico “intimidade”, consagrado em nossa

Constituição, não possui caráter absoluto.

Porém, na própria matéria processual, as regras de observância são

semelhantes, mas também possuem suas distinções: como exemplo, podemos

inserir primeiramente a questão da requisição judicial. Em regra, tanto no sigilo

bancário quanto na interceptação telefônica deve haver o prévio exame pela

justiça competente. No entanto, como vimos, na quebra de sigilo bancário poder-

se-á efetuar em uma única hipótese: no caso de verbas públicas, onde o

princípio de predominância é o da publicidade, não havendo possibilidade de

invocar a intimidade, que é assegurada aos indivíduos. Nessa questão, já

constatamos que existe possibilidade de quebra se requisição judicial.

No que concerne à interceptação telefônica, sabemos que ele também

depende de prévio exame em juízo. No entanto, a situação neste caso é mais

delicada. Esta produção de prova poderá ser feita, mas não quer dizer que

poderá ser aceita em todos os casos, vez que ora se poderá exigir o prévio

consentimento do outro interlocutor, ora não deverá ser requerido, como na

decisão comentada anteriormente.

Page 55: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

55

Mas não podemos apenas nos reportarmos a isso. Verificando todos

estes aspectos, constatamos que a tendência de nossos Tribunais é obter uma

autonomia maior em relação ao exame do caso concreto, possuindo o

magistrado um maior desvencilhamento em relação à lei.

Reconhecemos que este é um tema de muitas controvérsias, eis que se

poderia admitir que a segurança jurídica estaria sendo ameaçada.

Contudo, nosso posicionamento se reporta ao exame objetivo e detalhado

da cada caso, pois como vimos, os direitos fundamentais, inseridos na CF, não

têm caráter absoluto.

Perelman, em seus escritos a respeito da ética e do direito, já

mencionava:

“ Concluindo, podemos endossar a definição clássica, citada no

início desta exposição, que provar é fazer conhecer, em justiça, a verdade

de uma alegação pela qual se afirma um fato do qual decorrem

conseqüências jurídicas? Sim, mas com a condição de acrescentar que

as técnicas da prova e a verdade que elas devem fazer se admita que

sejam conciliáveis com outros valores considerados, às vezes, mais

importantes, de forma que, no final das contas, as conseqüências

jurídicas que daí resultam sejam consideradas justas. A prova e a

verdade não passam de meios para realizar a justiça, tal com é concebida

dada sociedade.”

Certamente vemos que ele se refere ao conceito introduzido no início da

nossa obra e, diante disso se refere aos indícios de um critério interpretativo que

não se mantenha estancado na letra da lei, mas na busca da justiça, em que

pese a peculiaridade da cada situação e a possibilidade de obtenção da prova

em cada caso.

Page 56: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

56

Finalizando toda a nossa exposição, devemos sempre ter em mente de

que o processo não é uma guerra em que os fins justificam os meios, mas um

mecanismo civilizado de distribuição de justiça.

Page 57: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

57

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 5ª ed. São Paulo: Revista dos TribunaisT, 1999.

FILHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

PERELMAN, Cha;m. Ética e Direito. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª Ed. São Paulo: Atlas, 2005.

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. 7ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2005.

______. Teoria Geral do Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

MATTA, José Eduardo Nobre. A prova Ilícita e o Princípio da Verdade Real no Processo Penal: Hermenêutica do art. 5o da LF 9.296/96. Rio de Janeiro: Revista da EMERJ, 2001.

RIBAS, Rogério. LF 9296/96. Interceptação de comunicações telefônicas. Processos Julgados no Tribunal de Justiça do Paraná. Curitiba: Editora Juruá, 1998.

MACHADO, Agapito. Lei Federal 9.296/96 e as Interceptações Telefônicas e de Dados no Sistema de Informática e Telemática. Revista In Verbis. Rio de Janeiro: 1997.

RABONEZE, Ricardo. As Provas Obtidas Por Meios Ilícitos. Porto Alegre: Editora Síntese, 1998.

RANGEL, Paulo. Breves considerações sobre a LF 9.296, de 1996. Interceptação Telefônica. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: 1999.

CAMBI, Eduardo. Interceptação Telefônica. Breves considerações sobre a LF 9296/96. Revista de processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

Page 58: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

58

______. Eduardo. Revista Nacional de Direito e Jurisprudência. vol 18. Ribeirão Preto: Editora Nacional de Direito, ano II, 2001.

CERNICCHIARO, Luiz Vicente. LF 9.296, de 1996. Boletim IBCCRIM. São Paulo: 1996.

VIDIGAL, Geraldo Facó. Hipóteses de Quebra de Sigilo Bancário. Revista de Faculdade de Direito Milton Campos. Belo Horizonte: Ed. Inédita, 1995.

ROQUE, Maria José de Oliveira Lima. Sigilo Bancário e Direito à Intimidade. Curitiba: Ed. Juruá, 2001.

CARVALHO, Edson de. Quebra do Sigilo Bancário. Revista Literária de Direito. São Paulo: ano VII, nº 40, 2001.

PEREIRA, Franciso Valdez. Uma Leitura Constitucional da Proteção ao Sigilo Bancário. São Paulo: Ed. RT, 2002.

SILVA, César Dario Mariano da. Provas Ilícitas. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

NUNES, Anelise Coelho. Iniciação Probatória no Processo Civil. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2001.

CARVALHO, Salo de. Revista Jurídica. Editora Notadez. Fev/04. São Paulo, 2004.

BROSSARD, Paulo. Revista dos Tribunais. Agosto de 1995. vol. 718. São Paulo: ed. RT, 1995.

FOLMANN, Melissa. Sigilo Bancário e Fiscal. Curitiba: ed. Juruá, 2001.

MACHADO, Hugo de Brito. O Sigilo Bancário. São Paulo: Repertório IOB de Jurisprudência, 2001.

TOURINHO, Rita. Natureza da Quebra do Sigilo Bancário Pleiteada em Sede de Inquérito Civil à Luz da Lei nº 8.429/92. Fórum Administrativo. São Paulo: ed. Fórum, ano 3, 2003.

JORGE, David D’ Angeres. A Quebra do Sigilo Bancário e a Lei Complementar 105/2001. Revista do Ministério Público do Estado do Amazonas. Manaus: vol. 5, 2004.

MARQUES, Carlos Alexandre. A Natureza do Pedido de Quebra de Sigilo Bancário e Fiscal e Alguns Comentários Práticos da Atuação do Ministério Público. Revista dos Tribunais. Vol. 736. São Paulo: ed. RT, 1997.

Page 59: AVM – A VEZ DO MESTRE FACULDADE CÂNDIDO MENDES … LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUE.pdf · declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível oralmente;

59

GRAU, Eros Roberto. Equidade, Razoabilidade, Proporcionalidade e Princípio da Moralidade. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. Vol. 1, nº 3. Porto Alegre: Instituto de hermenêutica Jurídica, 2005.

CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. O Princípio da Proporcionalidade sob uma Perspectiva Hermenêutica e Argumentativa. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. Vol. 1, nº 3. Porto Alegre: Instituto de hermenêutica Jurídica, 2005.