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AVM – A VEZ DO MESTRE
FACULDADE CÂNDIDO MENDES
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Turma: 730
MONOGRAFIA
DA PROVA ILÍCITA:
QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, INTERCEPTAÇÃO E
ESCUTA TELEFÔNICA
FLAVIO LUIS BALDAN DE ALBUQUERQUEMatrícula: 52372
RIO DE JANEIRO, 25 DE JANEIRO DE 2006.
2
“... em uma sociedade onde existem leis, a
liberdade não pode consistir senão em poder fazer o
que se deve querer, e em não ser constrangido a
fazer o que não se deve desejar”.
(Montesquieu – Do Espírito das Leis)
3
ÍNDICE
INTRODUÇÃO......................................................................................................4
CAPÍTULO I – DA PROVA...................................................................................7
1. CONCEITO DE PROVA....................................................................................71.1. CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS....................................................................81.2. O OBJETO DA PROVA .............................................................................101.3. MEIOS DE PROVA....................................................................................111.4. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA DA PROVA....................................121.5. SISTEMAS DE AVALIAÇÃO DA PROVA .......................................................15
CAPÍTULO II - PROVA ILÍCITA ........................................................................19
2. CONCEPÇÃO DE PROVA ILÍCITA......................................................................192.1. CLASSIFICAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS ........................................................202.2. A PROVA ILÍCITA SOB A ÓTICA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.........................212.3. A POSIÇÃO DA DOUTRINA, DA JURISPRUDÊNCIA E DO DIREITO COMPARADO ..222.4. A ADOÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE .....................................26
CAPÍTULO III – PROVA ILÍCITA E QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO ............30
3. CONCEITO E FINALIDADE DO SIGILO BANCÁRIO.............................................3003.1. NATUREZA JURÍDICA DO SIGILO BANCÁRIO..................................................333.2. O SIGILO BANCÁRIO E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA.......................................343.4. CONSEQUÊNCIAS DA QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO ....................................363.5. A VISÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL ................................................373.6. REQUISITOS A SEREM OBSERVADOS PARA O AFASTAMENTO DO SIGILO ..........39
CAPÍTULO V – PROVA ILÍCITA E INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA .............43
5. A CONCEPÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E GRAVAÇÃO CLANDESTINA...435.1. A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA....................4445.2. A EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL .........................................505.3. A GRAVAÇÃO CLANDESTINA NO PROCESSO CIVIL......................................522
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................54
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................577
4
INTRODUÇÃO
Em todos os ramos do Direito, sempre se verifica que para a obtenção do
reconhecimento do pedido ingressado em juízo deve-se demonstrar a existência
do direito por meio de algum elemento que o comprove. A existência de um
elemento demonstrativo, que assegura a existência de uma relação jurídica é de
suma importância, eis que através desse elemento as partes apresentam suas
pretensões durante a lide.
Ada Pellegrini Grinover destaca que “toda pretensão prende-se a algum
fato, ou fatos, em que se fundamenta. Deduzindo sua pretensão em juízo, ao
autor da demanda incumbe afirmar a ocorrência do fato que lhe serve de base,
qualificando-o juridicamente e dessa afirmação extraindo as conseqüências
jurídicas que resultam no seu pedido de tutela jurisdicional”.
Cha;m Perelman, retomando a definição clássica da prova de Collin e
Capitant, menciona:
“Provar é fazer que se conheça em justiça a verdade de uma alegação
pela qual se afirma um fato do qual decorrem conseqüências jurídicas”.
Nesse sentido, o filósofo busca afirmar que as técnicas de prova variam
não só conforme os sistemas jurídicos, mas também em cada ramo do direito,
bem como variam no tempo, segundo o seu valor.
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No nosso direito moderno, a administração da prova encontra obstáculos
nos valores julgados mais importantes, tais como o respeito à integridade ou à
intimidade da pessoa, sem falar na proteção ao sigilo profissional, o segredo de
Estado, o domicílio, o sigilo das cartas, etc. Ela proíbe normalmente as escutas
telefônicas e, às vezes, como ensina Perelman, “a administração do soro de
verdade”. Porém, pode haver algumas exceções concedidas pelo juiz.
Na presente obra, inicialmente pretende conceituar o termo “prova” no
âmbito do direito processual. Tal definição é o elemento basilar para os estudos
que serão desenvolvidos ao longo da nossa trajetória no campo das provas
ilícitas. A seguir, apresentaremos a classificação, o seu objeto, valoração, meios
de prova e, ao final do capítulo inicial, os princípios que norteiam a teoria da
prova no direito processual. Com estas explanações, cremos que proporcionará
ao leitor a base de todos os demais elementos do trabalho.
No segundo capítulo, seguimos adiante, mas tratando da prova ilícita.
Sua definição, classificação, e os temas que, conforme nosso entendimento
serão determinantes para o aprofundamento do estudo acerca das provas
ilícitas: a prova sob a tutela da legislação brasileira e do direito comparado –
sendo que estes vieram a contribuir para uma interpretação ampla das normas e
sua relação com preceitos fundamentais – e a adoção do princípio da
proporcionalidade, oriundo das tradições jurídico-germânicas e que atua
significativamente no sistema jurídico pátrio.
Em nosso terceiro capítulo, trataremos da quebra do sigilo bancário, a
qual é uma exceção à regra, pois o sigilo de dados, recepcionado pelo direito à
intimidade, como veremos está eivado da proteção constitucional que, todavia,
poderá ser ponderado em detrimento de outro preceito.
No quinto capítulo, será tratado outro assunto, o qual é o segundo ponto
do objetivo de nosso trabalho: a interceptação e a escuta telefônica.
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Inicialmente, comentaremos a respeito basicamente da terminologia, da
concepção. Adiante, seguiremos tratando da interceptação telefônica sob a luz
da legislação brasileira, bem como uma breve explanação a respeito da
evolução doutrinária. Ao final, será objeto de nosso comentário a gravação
clandestina (ou escuta telefônica) no processo civil. Cremos que após o estudo
dos conceitos, será proveitoso ao leitor esta exposição.
Ao final de nosso trabalho, apresentaremos nossas considerações finais,
ou seja, as conclusões constatadas ao longo de toda a obra. Não devemos
olvidar de que nossa proposta não se trata de guiar o leitor em uma concepção,
mas apresentar-lhe as posições que, a nosso ver, podem ser aceitáveis.
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CAPÍTULO I
DA PROVA
1. Conceito de Prova – 1.1. Classificações das Provas – 1.2. O Objeto da Prova
– 1.3. Meios de Prova – 1.4. Princípios da Teoria da Prova – 1.5. Sistemas de
Avaliação da Prova.
1. Conceito de Prova
Na acepção de Ada Grinover, “a prova é o farol que deve guiar o juiz nas
suas decisões sobre as questões de fato”.
Anelise Coelho conceitua a prova como uma atividade de demonstração
acerca de algo ou de algum fato, possivelmente jurídico, com o intuito de firmar
a convicção do julgador. Seria a atividade processual destinada a formar a
convicção do órgão judicial através dos meios juridicamente admissíveis a
respeito dos fatos afirmados pelas partes.
Já Ovídio Batista afirma que a palavra “prova”, no ramo do Processo Civil,
pode significar tanto a atividade que os sujeitos do processo realizam para
demonstrar a existência dos fatos formadores de seus direitos, que haverão de
basear a convicção do julgador, quanto o instrumento por meio do qual essa
verificação se faz. No primeiro sentido, afirma-se que a parte produziu a prova,
para significar que ela, através da exibição de algum elemento indicador da
existência do fato que se pretende provar, fez chegar ao juiz certa circunstância
capaz de convencê-lo da veracidade da sua afirmação. No segundo sentido, a
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palavra “prova” é empregada para significar não mais a ação de provar, mas o
próprio instrumento utilizado, ou o meio com que a prova se faz.
Em nosso entendimento, a prova é o meio pelo qual se busca demonstrar a
ocorrência ou inocorrência dos pontos duvidosos de fato relevantes para a
decisão judicial. Trata-se de uma conformação das afirmações de fato
elaboradas no processo com a verdade objetiva.
1.1. Classificação das Provas
No que tange à classificação das provas, podemos constatar que estas se
relacionam com o meio utilizado para sua produção. Empregando o segundo
sentido do vocábulo, conforme citado anteriormente, podemos empregá-los em
muitos critérios. Vejamos algumas das classificações mais utilizadas pela
Doutrina:
a) O jurista italiano Malatesta, citado por Ovídio Batista, classifica-
as, quanto ao seu objeto, em diretas e indiretas; quanto ao sujeito de que
provém, em pessoais e reais; e, finalmente, quanto à sua forma, em prova
testemunhal, documental e material.
Exemplificando a primeira classificação, no que concerne ao
seu objeto, temos a seguinte situação: se uma testemunha vem a juízo e depõe
que viu o carro de Tício dobrar a esquina na contramão e chocar-se com a
carroça de Mévio, ou se a corrida daquele automóvel estava sendo filmada e o
aparelho o registrou o veículo dobrando a esquina na contramão, verificam-se
provas tipicamente diretas. Porém, se uma testemunha vem a juízo e narra
apenas a posição e o estado em que ficaram o automóvel e a carroça após o
acidente, por ela visto, ou se é exibida uma fotografia referente à posição e ao
estado desses veículos depois do choque, tais provas são indiretas, eis que não
se referem diretamente ao fato probando, isto é, como seu deu o acidente. O
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exemplo clássico de prova indireta são os indícios, que muitos juristas não
consideram um meio de prova, capaz de ser comparado, por exemplo, aos
documentos.
Quanto à segunda classificação, denominam-se pessoais as provas que
consistem na revelação consciente de um fato por uma pessoa, tal como a prova
testemunhal, e reais as provas que são produzidas pelas coisas ou pelas
pessoas inconsciente ou involuntariamente, como as modificações corpóreas e
psíquicas causadas na testemunha por ocasião de prestar o depoimento, e que
servirão de subsídios para demonstrar a probabilidade da existência de algum
fato ou indicar determinado estado de espírito.
Por fim, quanto à forma, as provas, segundo Malatesta, podem ser
testemunhais, documentais e materiais. Classificam-se como prova testemunhal,
além da prova realizada por testemunhas, a confissão e o juramento, sendo este
aceitável nos sistemas que os admitem; documental é a prova consistente numa
declaração consciente feita por uma pessoa sob forma escrita e irreproduzível
oralmente; as provas materiais seriam para o jurista as mesmas provas reais,
quando consideradas do ponto de vista da forma.
b) Carnelutti, analisando a relação entre sujeito e o objeto da prova
mostra que essa relação pode ser imediata ou mediata, caso o próprio fato a ser
provado incida diretamente sobre os sentidos do observador ou somente o atinja
indiretamente através de um fato intermediário. Segundo este critério, as provas
são ditas diretas e indiretas.
Para ele, as provas também podem ser pessoais e reais, segundo
provenham de um homem ou de coisas.
c) Bentham, em sua classificação, afirma que as provas podem ser
pessoais ou reais. Também as classifica em diretas e indiretas, e, por fim, em
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causais e precosntituídas, segundo o meio de prova a ser utilizado
ocasionalmente, sem ter havido intenção de utilizá-lo como prova em sua
formação, ou, ao contrário, se tenha formado a prova com o intuito de empregá-
la num processo futuro.
1.2. O Objeto da Prova
Ada Pellegrini afirma que a prova diz respeito aos fatos. E constituem
objeto da prova as alegações de fato, ou seja, as afirmações feitas por um das
partes. O argumento que se utiliza para afirmar que não são objeto da prova os
fatos, mas as afirmações é a circunstância de se considerar a inspeção judicial
como um verdadeiro e autônomo meio de prova. Segundo Ovídio Batista,
através da inspeção judicial nenhum fato novo é trazido ao processo. Apenas se
cuida de verificar uma afirmação da parte.
O Código de Processo Civil, em seu Art. 332, estabelece que “todos os
meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados
neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a
ação ou a defesa”. No entanto, esta regra admite exceções: de acordo com o
Art. 337 do CPC, sempre que a parte alegar direito municipal, estadual,
estrangeiro ou consuetudinário, cabe-lhe o ônus de provar tais regras de direito,
a não ser que o juiz, por conhecê-las, a dispense da prova. Note-se que de
acordo com o caso, o juiz poderá apreciar a demanda com base nos seus
conhecimentos, e não exigir prova concreta para solucionar a lide.
Nesse sentido, a Doutrina afirma que a regra do Art. 332 do CPC será
aplicada apenas em relação a fatos relevantes para a decisão. Os fatos
relevantes são todos aqueles que mantêm relação ou conexão com a causa.
Dessa forma, irrelevantes são os fatos impertinentes ou inconseqüentes e não
constituem objeto de prova.
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O Art. 334 do CPC destaca que não dependem de prova os fatos
notórios, ou seja, aqueles que integram a bagagem cultural de uma sociedade,
não sendo preciso ser conhecido, mas apenas conhecível, dispensando prova;
os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; os fatos
admitidos como incontroversos; e os fatos em cujo valor milita a presunção legal
de existência ou de veracidade.
1.3. Meios de Prova
O conceito de meios de prova pode ser entendido de dois modos. Pode
significar a atividade desenvolvida para produzir a prova, ou os instrumentos de
que as partes e o juiz se valem para obter o conhecimento dos fatos a provar.
No primeiro aspecto, poderia se dizer que a declaração prestada pela
testemunha, ou o laudo fornecido pelo perito, ou a percepção do juiz que realiza
a inspeção judicial são meios de prova, no que tange às formas pelas quais se
extraem os motivos de convencimento. Quanto ao segundo aspecto, pode se
considerar meios de prova não a atividade, mas os instrumentos de que as
partes e o juiz se valem para obter o conhecimento dos fatos a provar.
No nosso entendimento, consideramos que os meios de prova são os
instrumentos utilizados pelas partes e pelo juiz para o estabelecimento dos fatos
a serem provados.
O Código de Processo Civil, em seu Art. 131, dispõe:
“O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e
circunstâncias constantes nos autos, ainda que não alegados pelas
partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que formaram seu
convencimento”.
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Sobre este critério de avaliação, seria plausível a apreciação por parte do
magistrado de valer-se de todos os meios de prova que pudessem formar seu
convencimento, na medida das limitações do sistema de prova legal, conforme o
caso concreto. Em princípio, as provas devem ir ao encontro da legislação. No
entanto, como veremos posteriormente, há algumas limitações impostas à
investigação judicial dos fatos. Nesse sentido, destaca-se o Art. 332 do CPC.
Através dos preceitos desse dispositivo, a doutrina divide as provas em legais e
atípicas ou inespecíficas. No entanto, o impasse está inserido no verdadeiro
alcance do Art. 332, quando se refere às provas “moralmente legítimas”.
1.4. Princípios Fundamentais da Teoria da Prova
Há diversos princípios que norteiam a Teoria da Prova. Alguns autores
apresentam três princípios fundamentais, como Ovídio A. B. da Silva, outros
observam seis, como Anelise Coelho Nunes.
Para realçar nosso estudo, vejamos os preceitos adotados pela doutrina
majoritária.
a) Ônus da Prova
Como o direito se sustenta nos fatos, aquele que alega possuir um
direito deve demonstrar a existência dos fatos em que esse direito se resguarda.
Em um sentido geral, podemos caracterizar este princípio segundo o qual a
parte que alega a existência de determinado fato para advir o direito possui o
ônus de demonstrar essa existência, cabendo-lhe produzir a prova dos fatos
alegados como existentes.
O Código de Processo Civil, em seu Art. 333, dispõe que o ônus da
prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
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II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor.
Em relação ao autor, este somente poderá dar consistência a sua
pretensão em juízo fazendo afirmações sobre a existência ou inexistência de
fatos e a pertinência deles como elementos constitutivos do direito, cujo
reconhecimento o mesmo pretenda. Também o réu, se ao defender-se tiver
necessidade de fazer afirmações em sentido contrário.
b) Princípio da Necessidade da Prova
Este princípio é um reflexo das regras sobre o ônus da prova.
Parte do pressuposto de que os fatos afirmados pelas partes devem ser
suficientemente provados no processo, não sendo legítimo que o juiz se valha
de seu controle próprio para dispensar a produção de prova de algum fato de
cuja existência ou veracidade esteja ele ciente por alguma razão particular.
c) Princípio da Contradição da Prova
Chamado também de princípio do contraditório, ou da
contrariedade em matéria de prova, deriva do princípio a bilateralidade da
audiência, segundo o qual ninguém poderá ser condenado sem ser ouvido e
sem que se lhe assegure a possibilidade de defesa adequada. Este preceito
está disposto no Art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.
Segundo este princípio, carece de legitimidade a prova secreta
produzida sem o prévio conhecimento da outra parte e sem o indispensável
contraditório processual.
d) Princípio Dispositivo
Segundo este princípio, o juiz deve julgar de acordo com o alegado
e provado pelas partes. Em suma, o juiz não pode levar em conta fatos que não
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foram alegados pelas partes, tampouco formar sua convicção com meios que
não se produziram com observância das regras gerais.
Quanto a esse princípio, há duas críticas: a primeira versa sobre a
questão das provas produzidas de ofício, pelo juiz, que não foram apresentadas
pelos litigantes. Em regra, não deveriam ser consideradas. A segunda aborda a
questão de estabelecer que, quando se trata de direito, inexiste saber privado.
Este preceito está abrigado nos Arts. 2º, 128, 130 e 132, parágrafo único, do
CPC.
e) Princípio da Prova Livre
O princípio da liberdade probatória encontra disposição legal no
Art. 332 do CPC. Este dispositivo é complementado pelo Art. 5º, LVI da Carta
Maior, o qual prescreve que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas
por meios ilícitos”. Além desses, tem-se os incisos X a XII da CF, os quais
versam sobre a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da
imagem das pessoas (inciso X), inviolabilidade da residência do indivíduo (inciso
XI) e da inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (inciso XII).
A partir desses aspectos, existindo legalidade e moralidade, o meio
é tido como hábil para obter a verdade real e processual, não permitindo a
utilização da ilicitude, pelo uso de meios moralmente legítimos, pois essas
situações seriam incompatíveis com a seriedade e segurança da justiça. No
entanto, como veremos em momento oportuno, existe certa relatividade no que
concerne às provas obtidas ilicitamente, uma vez que há admissibilidade da
escuta telefônica e quebra de sigilo bancário em alguns casos.
f) Princípio da Oralidade
O Art. 336 estabelece que “salvo disposição em contrário, as
provas devem ser produzidas em audiência”. O objetivo que se pretende é
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exercer a apreciação probatória em audiência de instrução e julgamento a fim de
oportunizar maior celeridade. Porém, se a causa apresentar questões
complexas de fato ou de direito, o debate oral poderá ser substituído por
memoriais (Art. 454, § 3º, CPC).
g) Princípio da Imediatidade e Concentração
O primeiro preceito parte do pressuposto que se deve resumir a
instrução em uma única sessão de audiência, ou em poucas, a fim de efetivar
uma justiça mais ágil.
O segundo exige o contato direito do juiz com as provas obtidas
através das partes, testemunhas, peritos, etc. Encontra fundamento na
identificação do juiz que participou da instrução probatória com a decisão a ser
proferida.
h) Princípio da Iniciativa Oficial
Em regra, como mencionamos, as provas devem ser apresentadas
pelas partes. Contudo, o princípio dispositivo tem restrições diante da iniciativa
oficial do juiz, ao determinar a produção das provas necessárias para a instrução
do processo e mandar repetir, caso entenda necessário, as já produzidas,
conforme disposto no Art. 130, do Código de Processo Civil. Destarte, o juiz não
possui a titularidade de provar, mas a faculdade de buscar mais provas para
proferir sua decisão.
1.5. Sistemas de Avaliação da Prova
Os escritores dividem o procedimento probatório em três correntes
fundamentais: o momento em que a prova é proposta, ou seja, postulada pela
parte, ou pelo terceiro interveniente que igualmente possa requerê-la; o
16
momento de sua admissão pelo juiz, em que a defere; e finalmente o de sua
produção.
Ovídio Batista afirma que, se considerarmos o conceito de prova como
procedimento ou a atividade da parte tendente a produzi-la na causa,
apresentando ao juiz os elementos formadores de sua convicção, podemos
considerar encerrado o ciclo probatório a partir do momento em que a mesma foi
produzida, incorporada ao processo, seja pela prova documental, seja pela
inclusão da prova pericial, ou mesmo pela tomada do depoimento de
testemunha. Sem embargo, considerando o conceito de prova no outro sentido,
a partir do qual se considera a prova não como atividade, mas sob a ótica do
resultado, ma medida em que sua realização haja produzido no julgador a
convicção da veracidade do fato probando, então ter-se-ia de admitir que o ciclo
probatório carece ainda de um momento subseqüente ao de sua produção, que
é justamente o momento de avaliação da prova pelo juiz.
No sistema de avaliação, existem três formas: o sistema da prova legal, o
sistema da livre apreciação da prova e o denominado sistema da persuasão
racional da prova.
a) Sistema da Prova Legal
Segundo esse sistema, cada prova tem um valor inalterável e
constante, previamente estabelecido pela lei, não sendo lícito ao juiz
valorar cada prova segundo critérios pessoais e subjetivos de
convencimento, de modo diverso daquele que lhe tenha sido determinado
pela lei.
Pelo sistema da prova legal, o juiz tem como única função
constatar a ocorrência da prova e reconhecê-la como produzida, sem que
lhe seja possível avaliá-la segundo critérios racionais capazes de
formarem seu próprio convencimento. O juiz, a partir desse sistema,
17
deverá decidir rigorosamente com base no que foi alegado e provado
pelas partes, embora sua convicção sobre o que foi provado nos autos
possa lhe indicar que a prova produzida não retrata a verdade.
b) Sistema do Livre Convencimento
Também chamado princípio do livre convencimento, é justamente
o oposto ao sistema anterior. Para aquele, o juiz é soberano e livre para
formar sua decisão a respeito dos fatos da causa. O juiz poderá formar o
seu convencimento não apenas baseado naquilo que a testemunha
afirmou, mas igualmente basear-se em suas ideologia pessoais, colhidas
no comportamento da testemunha como no das partes. Neste princípio,
não há limitação quanto aos meios de prova de que o juiz se possa valer,
nem restrições especiais quanto à origem ou qualidade das provas. O que
define, contudo, é sua oposição ao sistema da prova legal, na medida em
que libera o juiz de qualquer obediência às regras legais atinentes ao
valor dos meios de prova.
c) Sistema de Persuasão Racional
Os sistemas modernos de apreciação probatória não seguem
nenhum dos sistemas anteriormente apresentados. É adotado o sistema
misto, que reúne elementos de ambos os sistemas, legal e do livre
convencimento. Embora aceite a tese do livre convencimento, existem
certas restrições à legitimidade da formação do convencimento judicial. É
imperioso ao juiz observar as regras lógicas e das máximas de
experiência comum, considerando ilegítima, por exemplo, uma convicção
formada pelo juízo de valor pessoal, incapaz de ser justificada segundo
as regras lógicas e de senso comum.
A diferença principal deste sistema para o livre convencimento é
que naquele o juiz deve fundamentar sua decisão, indicando os motivos e
as circunstâncias que o levaram a admitir a veracidade dos fatos em que
18
baseara a decisão. Deve indicar na sentença os elementos de prova que
formaram sua convicção.
Ainda segundo o sistema de persuasão racional, o juiz deve julgar
segundo as provas apresentadas, porém pode apreciá-la livremente
segundo seu íntimo convencimento.
Um aspecto desse sistema é a faculdade de iniciativa probatória
que se reconhece ao julgador nos sistemas modernos. O Código de
Processo Civil traz dispositivos facultando ao juiz a determinação ex
officio de meios de prova. O Art. 342 prevê a possibilidade de determinar
ele o comparecimento pessoal das partes, para interrogá-los acerca dos
fatos da causa; o Art. 343 estabelece que o juiz de ofício pode ordenar a
prestação de depoimento pessoal; pelo Art. 355, pode o juiz igualmente
determinar de ofício a exibição de documento ou coisa que se ache em
poder da parte; pelo Art. 418, o juiz pode ordenar, também de ofício, o
depoimento de testemunhas referidas, ou acareação entre duas ou mais
testemunhas, ou de alguma delas com a parte.
Cabe ressaltarmos que existem outros dispositivos que tratam da
matéria, mais precisamente o Art. 131 do CPC e o Art. 93, IX, da
Constituição Federal, de modo que ambos tratam da matéria em relação
à apreciação e fundamentação das decisões.
Estes, portanto, são os sistemas que se destacam na apreciação
da prova.
19
CAPÍTULO II
PROVA ILÍCITA
2. Concepção de Prova Ilícita – 2.1. Classificação – 2.2. A Posição da Doutrina,
do Direito Comparado – 2.3. A Prova Ilícita sob a Ótica da Legislação Brasileira
– 2.4. A Adoção do Princípio da Proporcionalidade.
2. Concepção de Prova Ilícita
Primeiramente, deve-se trazer à tona que a concepção de prova ilícita
diverge em algumas posições doutrinárias quanto à sua terminologia.
Ovídio Batista parte da denominação “prova ilegítima”. Nelson Nery
analisa essa questão na tentativa de adotar uma terminologia precisa. Nas
palavras do insigne doutrinador, “há alguma confusão reinando na literatura a
respeito do tema, quando se verifica o tratamento impreciso que se dá aos
termos prova ilegítima, prova ilícita, prova ilegitimamente admitida, prova obtida
ilegalmente. Utilizando-se, entretanto, a terminologia de prova vedada, sugerida
por Nuvolone, tem-se que a prova vedada em sentido absoluto (quando o
sistema jurídico proíbe sua produção em qualquer hipótese) e em sentido
relativo (há autorização do ordenamento, que prescreve, entretanto, alguns
requisitos para a validade da prova). Resumindo a classificação de Nuvolone,
verifica-se que a prova será ilegal sempre que houver violação do ordenamento
como um todo (leis e princípios gerais), quer sejam de natureza material ou
meramente processual. Ao contrário, será ilícita a prova quando sua proibição
for de natureza material, vele dizer, quando for obtida ilicitamente.”
Para estabelecer um parâmetro diferencial entre a prova ilegítima e a
prova ilícita, podemos dizer que se a prova violar norma de direito processual
será considerada processualmente ilegítima; violando norma ou princípio de
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direito material, principalmente os contidos na Constituição Federal, a prova será
considerada ilícita.
No que concerne às provas ilegítimas, sendo estas normas de direito
processual, estas já contemplam dispositivos para excluir do processo as provas
que afrontem as regras criadas para regulamentar a sua obtenção e produção. A
sanção para o seu descumprimento já está descrita na própria norma
processual, podendo ser, a decretação ou declaração de nulidade da prova.
Dessa forma, transgressão da norma proibitiva ocorrerá no momento da
produção probatória no processo.
Já no que se trata das provas ilícitas (as quais infringem normas ou
princípios de direito material, sobretudo de direito constitucional), estas ensejam
infrações de direito penal, civil ou administrativo. Consubstanciam em afronta às
liberdades públicas protegidas pela Constituição, como por exemplo, a obtenção
de uma prova através da violação de intimidade (Art. 5º, X, da CF).
Para tornar nossa explanação uniforme, adotemos a expressão “prova
ilícita”.
2.1. Classificação das Provas Ilícitas
Estabelecendo uma classificação quanto à prova ilícita, pode-se dizer que
a prova pode ser ilícita em sentido material e em sentido formal. Ocorre a
ilicitude material quando a prova deriva de um ato contrário ao direito e pelo qual
se consegue um dado probatório. Como exemplo, podemos mencionar a
invasão de domicílio, quebra de segredo profissional, escuta clandestina, etc.
No entanto, há ilicitude formal quando a prova decorre de forma ilegítima
pela qual ela se produz, muito embora seja lícita a sua origem. Nesse sentido, a
21
ilicitude material diz respeito ao momento da produção da prova, ao passo que
na ilicitude formal, diz respeito ao momento introdutório da mesma.
2.2. A Prova Ilícita sob a Ótica da Legislação Brasileira
O Art. 5º, LVI, dispõe que “são inadmissíveis, no processo, as provas
obtidas por meios ilícitos”. Na visão de Vicente Greco Filho, a regra é o resultado
de opção do constituinte pela corrente defensora da concepção da prova ilícita
como fator inadmissível, eis que a obtenção ilícita sempre contaminaria a prova,
impedindo sua apresentação à validade judicial.
A doutrina majoritária adota a posição de que, apesar da Carta de 88
vedar expressamente a admissão de prova obtida ilicitamente, com o advento
desse artigo, não teria havido uma significativa modificação na questão das
provas ilícitas. Embora não havendo antes da Constituição norma proibitiva
expressa, estaria implícita a proibição do emprego de prova que ferisse direitos
garantidos, como a intimidade, integridade corporal, etc. A Carta Magna teria
sido apenas uma confirmação de algo que já era aceito pela jurisprudência e
doutrina (entendia-se que a prova não era legal ou moralmente legítima).
Outro dispositivo importante na apreciação probatória no processo civil é
o Art. 332, do Código de Processo Civil, o qual dispõe:
“Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda
que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade
dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.”
Destarte, o legislador brasileiro não teria enfrentado diretamente o
problema da utilização, no processo civil, das provas obtidas por meios
ilegítimos, limitando-se a indicar, no texto do referido artigo, que apenas as
provas “moralmente legítimas” seriam admissíveis no direito brasileiro.
22
Através de uma interpretação literal, a doutrina considera como
“moralmente legítimos” todos os meios de prova que a lei expressamente prevê
e regula, de modo que o artigo menciona que “todos os meios legais” são hábeis
para provar os fatos da causa, assim, como os “moralmente legítimos”. Teria se
tentado estabelecer uma distinção entre direito e moral, como se os dois campos
não se tocassem.
Através de uma distinção entre meio legal e moral, afirma César Dario
Mariano da Silva:
“Meio legal é aquele previsto e tipificado em uma lei, que observa
métodos processuais probatórios para sua obtenção e produção.
Portanto, inobservados ou descumpridos os princípios gerais probatórios,
o meio será ilegal e a prova processualmente ilegítima.”
Já em relação à concepção de meio moralmente legítimo, ressalta o
autor:
“Meio moralmente legítimo é aquele que não viola a moralidade média de
uma sociedade e pode ser aceito por esta como algo socialmente adequado.
Ferindo a moralidade média, a prova será moralmente ilegítima.”
Entendemos que o último conceito permite uma interpretação ampla, de
modo que o juiz não se torna um mero aplicador da lei. O magistrado, através de
sua razão e conhecimento, deve buscar a verdade dos fatos e aplicar a lei com
ideal de justiça a dentro dos princípios da moralidade, sendo examinado caso a
caso.
2.3. A Posição da Doutrina, da Jurisprudência e do Direito Comparado
23
A doutrina tem estudado com precisão o problema da provas ilícitas. O
assunto tem apresentado complexidades no que tange às questões diretamente
ligadas à teoria geral do processo e alguns princípios fundamentais norteadores
de toda a ciência processual.
Devis Echandia, mencionado por Ovídio Batista, afirma que “o processo
civil não é um campo de batalha no qual fosse permitido a cada contentor o
emprego de todos os meios úteis e capazes de conduzir ao triunfo sobre o
“inimigo”; ao contrário, o processo civil é instrumento destinado a tornar efetiva a
observância e aplicação da lei e, em certos casos, é organizado para a solução
de conflitos legais, de tal modo que seu emprego deve ser feito segundo
padrões juridicamente válidos e legítimos, não sendo admissível que o
magistrado se valha de expedientes e métodos ilegais, ou moralmente
reprováveis, para assegurar o império da lei e do direito, movido pelo falso e
universalmente recusado de que “o fim justifica todos os meios”.
No entanto, essa proposição que defende a predominância dos princípios
gerais de direito probatório, os quais não poderiam ser comparados com os
procedimentos referentes à investigação científica, tem sido questionada pela
doutrina contemporânea, buscando estabelecer certos limites de modo a permitir
a utilização de provas obtidas por meios ilegítimos ou ilícitos.
Pode-se constatar que a doutrina se manifesta de forma bastante
controvertida a respeito. Na nossa visão, é necessário cautela em relação a
cada caso concreto, eis que será de suma importância em alguns casos a
adoção do princípio da proporcionalidade (quando houver justificativa para a
ofensa a outro direito por aquele que colhe a prova ilícita), a qual será
examinada em momento oportuno.
O direito comparado também contribuiu significativamente. Na acepção
de Ovídio Batista, tanto na Alemanha quanto no direito norte-americano, a
24
rejeição das provas obtidas por meios ilícitos fundamenta-se diretamente em
princípios constitucionais, particularmente nos que visam à tutela da intimidade,
ou da livre manifestação e desenvolvimento da personalidade humana. A partir
desse pressuposto, como exemplo, o doutrinador menciona a questão da prova
obtida por meio de fitas magnéticas introduzidas clandestinamente no domicílio
da pessoa contra a qual se pretende obter elementos de prova, ou a utilização
de diário íntimo, contra a vontade ou sem autorização de seu autor.
A moderna doutrina alemã do direito processual civil tem entendido que
não mais vige, em toda a sua plenitude, o princípio da busca da verdade real, de
modo que devem ser impostas algumas restrições à obtenção da prova, com o
fito de que sejam respeitados os direitos personalíssimos e os direitos
fundamentais. Com efeito, a invalidade material do meio de prova acarreta, via
de regra, a inadmissibilidade de sua utilização no processo.
Como exemplo, podemos citar a invalidade de prova obtida mediante
ofensa a um direito fundamental, garantido pela Constituição alemã. Outros
exemplos de prova obtida ilicitamente são ressaltados pela doutrina e
jurisprudência deste país: a) a gravação de conversa telefônica sem o
consentimento dos partícipes; b) a exibição de fotografia com ofensa a direitos
gerais da personalidade; c) leitura indevida de diário pessoal; d) depoimento de
alguém que observou, ilegalmente, o cônjuge réu em sua própria casa; e) o
depoimento de uma testemunha sobre fatos que soube espreitando conversa
privada em segredo.
Em relação à posição da jurisprudência, existem posições significativas
acerca da matéria. Como exemplo, tem-se decisão proferia pelo Superior
Tribunal de Justiça, através do Resp 268694 / SP, do Exmo. Ministro Humberto
Gomes de Barros, da Terceira Turma do STJ. Vejamos a ementa:
25
“DANO MORAL - QUEBRA INDEVIDA DE SIGILO BANCÁRIO -CONFIGURAÇÃO.
- Os bancos têm o dever de conservar o segredo bancário (Lei
4.595/64; Art. 38, hoje revogado, mas, com essência mantida na LC
105/2001).
- A quebra indevida do sigilo bancário gera dano moral.
- A violação do sigilo bancário sem autorização judicial extrapola a
moderação exigida pela Lei e não configura legítima defesa do patrimônio
alheio. Tal conduta rompe o limite do comedimento e descamba para a
ilicitude.
- Em nome da proporcionalidade, a indenização por quebra de
sigilo bancário deve ser drasticamente reduzida, quando o indenizado
contribuiu com sua torpeza para a efetivação do prejuízo.
- No caso, a torpeza e a vilania do recorrente fazem do dano moral
um vazio equivalente a zero.
- Se o empregado foi demitido por apropriação indébita, esta foi a
causa de sua desmoralização e de seu sofrimento moral. A quebra ilícita
de sigilo bancário nada acrescentou à desmoralização. No caso, a
ilegalidade cometida pelo banco não acarreta qualquer indenização”.
(Resp. nº 268.694/SP, STJ, 3ª T., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j.
em 22/02/2005, DJU de 04/04/2005, p. 298)
Nesse sentido, constata-se a observância do relator à questão da prova
obtida ilicitamente, de maneira que a quebra de sigilo bancário sem autorização
judicial configura dano moral, sendo classificada como prova ilícita, pois viola
preceito fundamental, elencado na Constituição (Art. 5º, XII, da CF).
Em relação à nossa matéria em estudo, também podemos acrescentar a
decisão referente ao Resp. 9012/RJ, do Ministro Cláudio Santos, tratando da
gravação de conversa telefônica:
26
“PROCESSO CIVIL. PROVA. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFONICA FEITA PELA AUTORA DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE COM TESTEMUNHA DO PROCESSO. REQUERIMENTO DE JUNTADA DA FITA, APÓS A AUDIENCIA DA TESTEMUNHA, QUE FOI DEFERIDO PELO JUIZ. TAL NÃO REPRESENTA PROCEDIMENTO EM OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 332 DO CPC, POIS AQUI O MEIO DE PRODUÇÃO DA PROVA NÃO E ILEGAL, NEM MORALMENTE ILEGITIMO. ILEGAL E A INTERCEPTAÇÃO, OU A ESCUTA DE CONVERSA TELEFONICAALHEIA. OBJETIVO DO PROCESSO, EM TERMOS DE APURAÇÃO DA VERDADE MATERIAL ("A VERDADE DOS FATOS EM QUE SE FUNDA A AÇÃO OU A DEFESA"). RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. VOTOS VENCIDOS.” (Resp. nº 9.012/RJ, STJ, 3ª T., Rel. Min. Nilson Naves, j. em 24/02/1997, DJU de 14/04/97, p. 12.735)
Nesse sentido, verificam-se a relatividade desse preceito previsto na
Constituição, no Art. 5º, XII, da CF, culminando a tendência a uma interpretação
flexível por parte da jurisprudência.
2.4. A Adoção do Princípio da Proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade foi desenvolvido na Alemanha e
defende a tese de que, havendo interesses conflitantes, deverão ser apreciados
e analisados a fim de ser verificado qual preponderará em determinado caso
concreto. Para este preceito, também chamado “lei da ponderação”, o
desatendimento de um princípio não pode ser mais forte e nem ir além do que
indica a finalidade da medida a ser tomada contra o preceito a ser sacrificado.
Nesse sentido, Alexandre de Moraes, a partir da menção de Luiz
Francisco Torquato Avolio, retrata da seguinte forma:
“é, pois, dotada de um sentido técnico no direito público a teoria do
direito germânico, correspondente a uma limitação do poder estatal em benefício
27
da garantia de integridade física e moral dos que lhe estão sub-rogados (...).
Para que o Estado, em sua atividade, atenda aos interesses da maioria,
respeitando os direitos individuais fundamentais, se faz necessário não só a
existência de normas para pautar essa atividade e que, em certos casos, nem
mesmo a vontade de uma maioria pode derrogar (Estado de Direito), como
também há de se reconhecer e lançar mão de um princípio regulativo para se
ponderar até que ponto se vai dar preferência ao todo ou às partes (Princípio da
Proporcionalidade), o que também não pode ir além de um certo limite, para não
retirar o mínimo necessário a uma existência humana digna de ser assim”.
Com efeito, não há como reconhecer direitos absolutos e intocáveis.
Todo direito encontra limites em outros direitos de igual e superior valia. De
acordo com esse princípio, sempre será possível o sacrifício de um direito em
prol de outro igual ou de valor maior, face à relatividade dos direitos e garantias
constitucionais.
Juristas renomados, como o Min. Eros Grau destacam que a idéia de
proporcionalidade seria um novo nome dado à equidade, de modo que essa
verificação poder-se-ia ser constatada através de dois aspectos: a
proporcionalidade não como princípio, mas um critério de interpretação; e a
questão da proporcionalidade atuante na norma de decisão. Na primeira, o autor
defende que o princípio da proporcionalidade trata de um postulado normativo
aplicativo e, como tal, poderia impor uma condição formal ou estrutural de
conhecimento concreto de outras normas. Atribui a idéia de que a doutrina,
pretendendo aplicá-lo a qualquer caso, desse modo estaria sendo conferida uma
faculdade de “correção” ao legislador. Na segunda postulação, o insigne jurista
atribui a idéia de que a norma de decisão (decisão judicial, sentença) sempre é
definida a partir da norma jurídica (a qual visa a ser aplicada ao caso concreto).
A aplicação da norma jurídica sempre se dá a partir da norma de decisão. Nesse
sentido, o autor enfatiza a questão de a proporcionalidade ser atuada no
28
momento da norma de decisão (interpretação in concreto), e não na norma
jurídica (interpretação in abstracto). Desta feita, deve-se distinguir a
interpretação in concreto da interpretação in abstracto. A primeira respeita o
texto, a premissa maior no silogismo; a segunda, à conduta, aos fatos. A
última seria tida como aplicação; a primeira como interpretação.
Pedindo vênia ao ilustre Ministro, devemos tecer algumas observações:
no que se refere ao fato de a proporcionalidade ser apenas uma nova
denominação dada à equidade, temos a concepção de que a equidade é o
princípio do direito natural. Ela funda-se na idéia de isonomia, representando o
sentido de justiça. No nosso entendimento, o critério de interpretação, além da
aplicação da norma, deve visar à equidade (justiça), sendo esta o fim precípuo
do direito. Na nossa concepção, se a proporcionalidade é um critério de
interpretação, ela não deve ser sinônimo de equidade. A proporcionalidade é o
meio e o preceito pelo qual se almeja atingir a solução do caso concreto quando
a lei torna-se insuficiente para a solução do litígio, ao passo que a equidade é o
objetivo almejado pela proporcionalidade. No entanto, após realizarmos estas
breves considerações, voltemos à questão do princípio da proporcionalidade de
per si.
As principais decisões do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha
acerca da construção do princípio da proporcionalidade, em comparação com as
decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a ponderação de direitos
igualmente protegidos pela Carta Maior, indica grande similitude entre a teoria e
as decisões de ambos os tribunais, uma vez que se tem o objetivo de fazer com
que seja válida, em nosso país, a doutrina alemã.
O princípio da proporcionalidade, no âmbito das restrições a direitos
fundamentais, quer dizer que qualquer limitação feita por lei ou com base na lei,
29
deve ser adequada, necessária e proporcional. Pela adequação, remete-se para
a necessidade de a medida restritiva ser apropriada para a prossecução dos fins
invocados pela lei (conformidade com os fins). A exigência da necessidade
pretende evitar a adoção de medidas restritivas de direitos que não sejam
necessárias para se obterem os fins de proteção visados pela Constituição. O
princípio da proporcionalidade, strictu sensu, significa que uma lei restritiva,
mesmo adequada e necessária pode ser inconstitucional, quando adote cargas
coativas de direitos desmedidas, desajustadas, desproporcionadas em relação
aos resultados obtidos.
Este princípio, adotado expressamente pelo STF, no MS 21.729-4/DF, o
Min. Celso de Mello explicitou que “vários podem ser, dentro desse contexto
excepcional de conflituosidade, os critérios hermenêuticos destinados à solução
das colisões de direitos, que vão desde o estabelecimento de uma ordem
hierárquica pertinente aos valores constitucionais tutelados, passando pelo
reconhecimento do maior ou menor grau de fundamentalidade dos bens
jurídicos em posição de antagonismo, até a consagração de um processo que,
privilegiando a unidade e a supremacia da Constituição, viabilize – a partir da
adoção ‘de critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito’
(José Carlos Vieira de Andrade, op. e loc. cit.) – a harmoniosa composição dos
direitos em situação de colidência”.
Nas palavras de Domingos Franciulli Neto, forte no entendimento de
Frederico Valdez, “o princípio da proporcionalidade acima referido tem plena
aplicação entre nós. O STF já teve oportunidade de assinalar que não basta a
existência de lei para que se considere legítima determinada restrição a direito.
Tal restrição deve ‘atender ao critério da razoabilidade’, cabendo ao Poder
Judiciário, em última instância, apreciar se as restrições são adequadas e
justificadas pelo interesse público, para julgá-las legítimas ou não’ (Cf.
Representação 930, rel. Min. Rodrigues Alckim, transcrita in RTJ 110, p. 967;
30
Representação 1.054, rel. Min. Moreira Alves, RTJ 110, p. 967; Representação,
1.077, rel. Min. Moreira Alves, RTJ 112, p. 34)”.
Dessa forma, é imperioso tratarmos que este preceito-critério na
formação da norma de decisão deve estar eivado de um minucioso exame do
caso concreto, pois a partir da ponderação e das circunstâncias peculiares ao
fato é que será invocado tal preceito, o que, a priori, não deve se tornar a regra,
sob pena de inviabilizar a segurança jurídica da norma.
CAPÍTULO III
PROVA ILÍCITA E QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO
3. Conceito de Finalidade do Sigilo Bancário – 3.1. Natureza Jurídica do Sigilo
Bancário – 3.2. A Visão Doutrinária – 3.3. Conseqüências da Quebra do Sigilo
Bancário – 3.4. Requisitos para o Afastamento do Sigilo Bancário.
3. Conceito e Finalidade do Sigilo Bancário
Para iniciarmos nosso estudo acerca do sigilo bancário, devemos tecer
alguns comentários iniciais: o sigilo compreende o dever do detentor de mantê-lo
e o direito do beneficiário de vê-lo respeitado.
Segundo a doutrina, o sigilo bancário é mais antigo do que muitos
imaginam. Alguns estudiosos afirmam que já era instituído como um costume
originário da Grécia Antiga, onde os templos religiosos eram usados para cultos,
guarda de dinheiro e prática de atividades bancárias. Atividades estas que, tal
como a cerimônia religiosa, eram consideradas sagradas. Também afirmam os
estudiosos que o sigilo já podia ser visto no Código de Hamurábi, sendo
posteriormente adotado pelos romanos, e que segundo estes “o livro dos
banqueiros somente poderia ser exigido em juízo, nos litígios envolvendo o
próprio cliente”.
31
Mais adiante na nossa história, os doutrinadores mencionam que o sigilo
bancário seria mais antigo que nosso próprio Código Comercial, eis que remonta
ao Alvará de 16 de dezembro de 1756, do Reino Português.
Geraldo Vidigal destaca que “o dever de sigilo bancário repousa em
costume velhíssimo, que universalmente se integra na prática contratual dos
bancos: informa-se em condições profissionais necessárias à boa estrutura das
instituições financeiras e no caráter fiduciário da relação entre banco e cliente;
ilumina-se por considerações do indispensável respeito às liberdades
individuais, implícito na organização democrática e no exercício da democracia;
lastreia-se no alto interesse social em que possa desenvolver-se a atividade
econômica; obedece a limites que outros interesses sociais significativos
condicionam”.
Buscando conceituar o sigilo bancário, remetemo-nos primeiramente à
Malagarriga, citado por Maria José de Oliveira Lima Roque, que define o sigilo
bancário como “obrigação de não revelar a terceiros, sem causa justificada, os
dados referentes a seus clientes que cheguem a seu conhecimento como
conseqüência das relações jurídicas que os vinculam”.
Outros autores, como Sérgio Carlos Covello, citado por Frederico Valdez,
afirma que o sigilo bancário é a obrigação que os bancos possuem de não
revelar, salvo justa causa, as informações que obtenham em virtude de sua
atividade profissional.
No entanto, apesar destas duas últimas conceituações não estarem
equivocadas, estas perecem estar mais próximas do dispositivo da Lei 4.595/64,
em seu art. 38, e da Lei Complementar 105/01, art 1º, sendo estas normas
reguladoras do sistema financeiro.
32
De acordo com nosso entendimento, deve-se tratar do sigilo como
preceito fundamental, de modo que a Carta de 88, no capítulo dos direitos
fundamentais de 1ª geração (direitos liberdades), estão definidos como
princípios-garantia, o que incluiria o direito fundamental à intimidade, e a sua
projeção caracterizada no sigilo bancário. Assim, não devemos apenas
conceitua-lo a partir da norma ordinária.
Nesse sentido, o Art. 5º, inciso X da CF estabelece que são invioláveis a
intimidade, a vida privada e a imagem das pessoas, e em seguida trata da
mesma matéria no inciso XII estabelecendo que é inviolável o sigilo de dados.
O sigilo bancário, sedimentado em longa tradição jurídica, tem motivação
que transcende o aspecto da previsão em legislação ordinária, pois se
fundamenta diretamente na garantia constitucional da preservação da
intimidade, que é uma das manifestações dos direitos da personalidade,
inclusive sendo tratado como cláusula pétrea em nossa Constituição, em seu
Art. 60, § 4º, inciso IV, sendo inadmissível ser modificada por emenda.
A partir desse contexto, é plausível conceituarmos o sigilo bancário a
partir da idéia de que ele se insere em uma das manifestações do princípio
constitucional da preservação da intimidade (art. 5º, X), ou seja, o sigilo é uma
garantia constitucional da inviolabilidade dos dados e informações inerentes ao
cidadão, advindas do sistema bancário ou, latu sensu, originadas das relações
do cliente (particular) com o Sistema Financeiro Nacional.
Destarte, podemos dizer que a finalidade precípua do sigilo bancário é
preservar a intimidade do cliente, de modo que este direito, como foi tratado, é
inerente à personalidade das pessoas, além de atender uma ordem pública, pois
visa proteger o sistema de crédito.
33
3.1. Natureza Jurídica do Sigilo Bancário
Não é pacífico o entendimento sobre a natureza do sigilo bancário, de
modo que alguns autores afirmam que se trata de obrigação jurídica dos bancos
e seus funcionários, outros destacam que ela objetiva o direito de proteção à
privacidade.
Os elementos que compõem o sigilo bancário como relação obrigacional
são: sujeito ativo, sujeito passivo e objeto.
O sujeito ativo é o cliente que mantém relações habituais e regulares com
a instituição financeira.
O sujeito passivo é o que está obrigado a observar sigilo, é o Banco ou
quem exerça suas atividades de mediação ou interposição de crédito.
Já o objeto é o dever de abstenção, de não revelar dados ou fatos de que
teve ciência em função de sua atividade financeira.
O Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Domingos Franciulli Neto,
destaca que o fundamento jurídico do sigilo bancário sustenta-se em três pilares:
a) Proteção à Intimidade, princípio fundamental à pessoa,
determinado por garantia constitucional (art. 5º, X, CF);
b) Segredo Profissional, inerente à própria natureza jurídica da
relação banco/cliente;
c) Segurança da Atividade Bancária.
Podemos chegar ao entendimento de que existe um sigilo bancário strictu
sensu, decorrente da Lei complementar 105/01, em seu Art. 1º, e precedente
das tradições, dos costumes, da relação de confiança entre a instituição
34
financeira e seu cliente, do caráter profissional da atividade bancária, alma do
seu negócio. Todavia, podemos chegar à conclusão de que também existe um
sigilo bancário latu sensu, ou seja, aquele inerente aos direitos e garantias
fundamentais elencados na Constituição Federal, especialmente nos incisos X e
XII do art. 5º, de modo que a própria Carta institui essa projeção ampla, para
tratar de um direito de caráter social, de todos os cidadãos.
3.2. O Sigilo Bancário e a Legislação Brasileira
Mencionamos anteriormente (tópico nº 3, retro) que o conceito inicial de
sigilo bancário foi adotado pela Lei Federal 4.595/64, recepcionado
posteriormente pela LC 105/01.
Antes da vigência da LC 105/01, o fundamento legal para o sigilo
bancário estava relacionado no art. 38 da Lei 4.595/64:
“Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas
operações ativas e passivas e serviços prestados.
§ 1º. As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder
Judiciário, prestados pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições
financeiras, e a exibição de livros e documentos em juízo, se revestirão
sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as
partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins
estranhos à mesma”.
Nesse sentido, antes mesmo da Carta de 88, a legislação já estabelecia o
dever de proteção das informações do cliente.
No entanto, posteriormente foi promulgada da CF/88 e, em seu art. 192,
determinado pela emenda 40/03, estabeleceu a regulamentação do sistema
financeiro nacional por meio de lei complementar:
35
“Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a
promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses
da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as
cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que
disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas
instituições que o integram”.
Como até o ano de 2000 não havia Lei Complementar que dispunha de
tal matéria. A jurisprudência, através da Lei 4.595/64, adotou a posição de que a
referida norma foi recepcionada pela CF/88, passando a ter força de lei
complementar.
Posteriormente, em 2001, com a vigência de Lei Complementar 105/01,
traçaram-se novas regras sobre o sistema financeiro, cuidando da verificação de
registros, livros e documentos, bem como das operações bancárias do usuário
da instituição financeira.
A doutrina majoritária questiona a constitucionalidade dos arts. 5º e 6º
desta Lei, adotando a posição de que o sigilo bancário deve ser rompido apenas
por determinação judicial.
Na acepção de Edson de Carvalho, a nova norma trata da delegação ao
Poder Executivo para “disciplinar os critérios, segundo os quais as instituições
financeiras informarão aos administradores tributários da União as operações
financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços”. Essa norma estaria
violando o Art. 68, § 1º, da CF, pois esta proíbe e delegação de atribuições em
matéria reservada à lei complementar.
36
Já no que tange ao art. 6º da referida LC, esta seria dispensável, uma vez
que esta situação de verificação de livros, documentos e registros pela
autoridade fiscal já existe na sistemática atual.
Destarte, para a doutrina majoritária, os arts. 5º e 6º da LC 105/01 não
teriam revogado totalmente o art. 38 da Lei 4.595/64, pois não regulamentou
inteiramente, de modo diverso, a matéria de que tratava a Lei anterior, tendo
sido preservada a essência do artigo 38.
Por fim, tal norma teria afrontado principalmente os incisos do art. 5º da
CF, pois não estaria respeitando a existência de ordem judicial para a quebra do
sigilo.
Por fim, é mister ressaltar que, não existindo autorização judicial para a
quebra do sigilo bancário, a prova obtida será considerada ilícita (art. 5º, LVI,
CF), bem como trata-se de violação à intimidade, sendo passível de indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X, CF), como
veremos em seguida.
3.4. Consequências da Quebra do Sigilo Bancário
Aquele, cujo sigilo bancário for quebrado, sem autorização judicial, pode
demandar o responsável por meio de ação indenizatória por danos materiais
(diminuição patrimonial sofrida a título de perdas e danos, mais lucros
cessantes) e por danos morais, desde que presentes os respectivos
pressupostos legais. À responsabilidade civil poderá adir a responsabilidade
contratual, dependendo de cada caso e tipo de contrato.
Porém, esta tutela não se atém ao direito civil. Também pode espraiar-se
ao direito penal.
37
3.5. A Visão Doutrinária e Jurisprudencial
Tanto a posição da doutrina, como da jurisprudência tendem a relativizar
o sigilo bancário, ou seja, adotar a posição a partir da qual não se trata de direito
absoluto, devendo ceder ao interesse público quando oportuno.
A partir desta explanação, será possível compreender melhor o
entendimento cristalizado na jurisprudência (o que também, é feito de forma
quase unânime na doutrina) de que o direito ao sigilo bancário não é absoluto:
“Esta corte, em inúmeros julgados, vem dizendo reiteradamente e
com sabedoria que o direito ao sigilo bancário é um direito limitado, não
absoluto, e que pode ceder a interesses públicos em determinadas e
restritas situações, sempre orientadas para a busca da verdade no
interesse da justiça”. (STF, MS 21.729-4, 05.10.1995, DJ 19.10.2001.
Voto Min. Maurício Corrêa).
Nesse sentido, também acrescenta o Ministro Celso de Mello:
“O direito ao sigilo bancário – que também não tem caráter
absoluto – constitui expressão da garantia da intimidade. – O sigilo
bancário reflete expressiva projeção da garantia fundamental da
intimidade das pessoas, não se expondo, em conseqüência, enquanto o
valor constitucional que é, a intervenções de terceiros ou a intrusões do
Poder Público desvestidas de causa provável ou destituídas de base
jurídica idônea. O sigilo bancário não tem caráter absoluto, deixando de
prevalecer, por isso mesmo, em casos excepcionais, diante da exigência
imposta pelo interesse público”. (STF, MS 23.669-DF, 12.04.2000, DJ
17.04.2000. Min.- relator Celso de Mello).
38
Dessa forma, esta possibilidade de restrição dos direitos fundamentais
surge da distinção qualitativa existente entre normas-regras e normas-princípios.
Ocorre que os princípios são normas jurídicas impositivas de uma otimização,
compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionamentos
fáticos e jurídicos, permitindo a convivência conflitual deles, diferente das regras,
que prescrevem uma exigência, que impedem a validade simultânea de regras
contraditórias.
O sigilo bancário, como direito fundamental que se irradia do princípio da
intimidade, se insere nessa convivência de conflito com os demais princípios
insertos no sistema constitucional. Isso acarretará, em casos concretos, o
fenômeno da tensão com outros interesses tutelados, o que exigirá um juízo de
ponderação para a harmonização dos valores em jogo. Será nesse ponto que o
direito fundamental sofrerá sua restrição, não sendo, portanto, absoluto.
Firmada a posição de que a proteção ao sigilo bancário pode ser
relativizada em casos concretos, quando presente a supremacia do interesse
público, e para permitir a sua convivência harmônica com os demais direitos e
liberdades fundamentais, passa-se a apresentar os critérios que devem orientar
a interpretação e aplicação do direito nos casos de quebra de sigilo bancário:
a) O princípio da concordância prática ou da harmonização, que
visa a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a
evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros. Konrad Hesse, citado por
Frederico Valdez Pereira, sustenta que bens jurídicos constitucionalmente
protegidos devem ser, na solução de litígios, justapostos de tal maneira que
cada um deles se torne realidade. Onde surgirem colisões, não é permitido
realizar um bem em apressada ponderação valorativa às custas de outro. O
princípio da unidade da Constituição põe muito mais a tarefa de otimização: para
ambos os bens devem ser estabelecidos limitações, para que ambos possam
adquirir eficácia plena. Por isso, as limitações devem ser proporcionais, elas não
39
podem ir além do que seja necessário, para estabelecer uma concordância de
ambos os bens jurídicos.
b) O princípio da proporcionalidade que, como abordamos, visa
medir no caso concreto os bens jurídicos tutelados, sendo que em detrimento de
um, o outro será sacrificado.
3.6. Requisitos a serem observados para o afastamento do sigilo
Existem quatro casos em que o sigilo bancário poderá ser afastado:
a) Intervenção Judicial
Por tratar-se de direito fundamental assegurado na CF, menciona a
grande doutrina que o sigilo deve decorrer unicamente de decisão judicial.
Nesse sentido, faz-se mister a menção de alguns Ministros, em decisão
proferida no MS 21. 729-4 acerca da questão:
Min. Relator Marco Aurélio: “A preservação de dados ocorre
considerada a órbita daquele eu a detém, somente sendo afastável,
repita-se, via ato emanado, em processo próprio, de órgão investido do
ofício judicante. Em última análise, tenho que o sigilo bancário está sob a
proteção do disposto nos incisos X e XII do art. 5º da CF. Entendo que
somente é possível afastá-lo por ordem judicial”.
Min. Ilmar Galvão: “Também tenho certo de que toda pretensão à
quebra de sigilo bancário – salvo a exceção prevista no art. 58, § 3º da
Constituição, relativa às Comissões Parlamentares de Inquérito, que têm
poderes de investigação próprios das autoridades judiciais -, haverá de
passar pelo crivo do Poder Judiciário”.
40
Min. Maurício Corrêa: “Tratando-se de direito individual
constitucionalmente assegurado, a quebra do sigilo bancário ou fiscal
exige absoluta independência de quem deve assim decidir, além de ser
necessário ter sempre presente que, em se tratando de situação
excepcional, devem ser restritas as possibilidades da sua ocorrência. E
Esta é uma das tarefas típicas do Poder Judiciário ou de órgãos que
exercem jurisdição extraordinária, como é o caso das Comissões
Parlamentares de Inquérito, às quais a Constituição concedeu
expressamente tais poderes”.
Assim, verifica-se a posição da maioria dos juristas de que a autorização
judicial para a quebra do sigilo bancário é imprescindível, sob pena de ilicitude
da prova.
b) Ministério Público
Definida a posição majoritária do STF no sentido de que a quebra do
sigilo bancário depende de autorização de órgão investido de jurisdição, tem-se,
por conseqüência, que o Ministério Público não pode, sem intervenção judicial,
requisitar informações bancárias diretamente às instituições financeiras. Nesse
sentido:
“Ora, no citado inc. VIII do art. 129 da CF, não está escrito que
poderia o órgão do Ministério Público requerer, sem a intervenção da
autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de alguém. E se
considerarmos que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade
que a Constituição consagra, art. 5º. X, somente autorização expressa da
Constituição legitimaria a ação do Ministério Público para requerer,
diretamente, sem a intervenção da autoridade judiciária, a quebra do
sigilo bancário para qualquer pessoa. (...)
Todavia, deixei expresso no voto que proferi no MS 21.729-DF, por
se tratar d um direito que tem status constitucional, a quebra não pode ser
41
feita por quem não tem o dever de imparcialidade. Somente a autoridade
judiciária, que tem o dever de ser imparcial, por isso mesmo procederá
com cautela, com prudência e com moderação, é que, provocada pelo
Ministério Público, poderá autorizar a quebra do sigilo. O Ministério
Público, por mais importantes que sejam as suas funções, não tem a
obrigação de ser imparcial. Sendo parte – advogado da sociedade –, a
parcialidade lhe é inerente. Então, como poderia a parte, que tem
interesse na ação, efetivar, ele próprio, a quebra de um direito à
privacidade, que é garantido pela Constiuição? Lembro-me que, no antigo
TFR, um dos seus mais eminentes membros costumava afirmar que ‘o
erro do juiz o tribunal pode corrigir, mas quem corrigirá o erro do
Ministério Público?’ (...) Em suma, o art. 129, VIII, não autoriza ao
Ministério Público quebrar, diretamente, o sigilo bancário da pessoas” (RE
215.301-CE, rel. Min. Carlos Velloso, 13.04.1999).
No entanto, tem-se uma hipótese em que o Supremo admite a quebra do
sigilo diretamente pelo MP, sem necessidade de autorização judicial: ocorre
quando se tratar de inquérito instaurado para a apuração do destino de verbas
públicas.
As operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios são públicas, não
estando abrangidas pela proteção do sigilo bancário. Ou seja, nem se trata da
quebra de um sigilo. As operações efetuadas com dinheiro público estão
sujeitas, em face do art. 37 da Constituição da República, ao princípio da
publicidade.
A respeito dessa matéria, o Min. Néri da Silveira, considerou que “se se
trata de operação em que há dinheiro público, a publicidade deve ser nota
característica dessa operação...O sigilo bancário não pode englobar esse tipo de
informação, em se cuidando da aplicação de recursos públicos”.
42
c) Comissão Parlamentar de Inquérito
Com base na regra prevista no art. 58, § 3º, da CF, que confere às CPIs
poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, a Suprema Corte
estendeu a estes órgãos das casas legislativas a possibilidade de requisitar
informações acerca de dados que estão tutelados pelo sigilo bancário, sem a
atuação do Poder Judiciário.
No entanto, a Suprema Corte impõe algumas condições para que as CPIs
exercitem esta prerrogativa, tais como a necessidade de fundamentação e a
observância do princípio da colegialidade.
A necessidade de fundamentação pressupõe a indicação, com apoio em
base empírica idônea, a necessidade objetiva da adoção dessa medida
extraordinária.
Sendo este o fator que condiciona a eficácia das deliberações de
qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, especialmente em tema de quebra
de sigilo bancário. O rompimento do sigilo, no caso das CPIs, dependem de
aprovação da maioria absoluta dos membros que compõem o órgão de
investigação legislativa.
d) Órgãos Fiscalizadores Fazendários
Pelo que já foi exposto, com base no posicionamento do STF no sentido
da necessidade de autorização judicial para a quebra do sigilo bancário do
cidadão, infere-se que a fiscalização das receitas federal, estadual e municipal
estão limitadas na sua atuação. Não podem adentrar livremente na esfera de
liberdade pública do indivíduo sem a prévia legitimação do Poder Judiciário.
Partindo-se novamente da CF, o § 1º do art. 145 confere à administração
tributária a faculdade de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades
43
econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais e, entre eles, o
sigilo bancário.
CAPÍTULO V
PROVA ILÍCITA E INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
5. A Concepção de Interceptação Telefônica e Gravação Clandestina – 5.1 A
Interceptação Telefônica e a Legislação Brasileira – 5.2 A Evolução Doutrinária –
5.3 A Gravação Clandestina no Processo Civil.
5. A Concepção de Interceptação Telefônica e Gravação Clandestina
Voltando nosso estudo agora para a questão da interceptação telefônica,
bem como a gravação clandestina – também chamada escuta telefônica –
buscamos conceituar ambas, de modo que estas expressões são antagônicas e
devem ser acrescentadas para uma compreensão inicial do nosso estudo.
Na acepção de César Mariano,
“Com efeito, a gravação clandestina ocorre quando um dos
interlocutores, sem o consentimento do outro, grava o seu próprio diálogo.
Se essa gravação for de conversação telefônica, haverá a gravação (ou
de gravação clandestina propriamente dita); se a gravação for de
conversa pessoal (entre presentes), dar-se-á a gravação ambiental.
Por outro lado, haverá a interceptação quando terceira pessoa
interfere na conversação, sem o consentimento dos interlocutores ou com
o conhecimento de só um deles. Para sua caracterização não se faz
44
necessário que a conversação seja gravada, bastando que ela seja
percebida pelos sentidos do terceiro.”
Faz-se mister ressaltar que se a interceptação for realizada em
conversação sem o conhecimento dos interlocutores, haverá a interceptação
telefônica ou strictu sensu; se a interceptação for realizada em uma conversa
pessoal (entre presentes) sem o conhecimento dos interlocutores, ter-se-á a
interceptação ambiental.
Também pode ocorrer a escuta clandestina quando um terceiro, mediante
autorização ou conhecimento de um dos interlocutores, interfere na
conversação, podendo gravá-la ou não. Se essa conversação for por telefone,
haverá a escuta telefônica; se a conversa for pessoal (entre presentes), temos a
escuta ambiental.
César Mariano destaca que embora a escuta clandestina verse sobre
modalidade de interceptação latu sensu, tendo em vista a interferência de
terceira pessoa na conversação, ela muito se assemelha da gravação
clandestina. Assim, como há autorização ou conhecimento de um dos
interlocutores para que a conversa seja percebida e/ou gravada pelo terceiro,
independe de ordem judicial, podendo seu conteúdo ser empregado como prova
em juízo quando presente a justa causa, do mesmo modo que ocorre com a
gravação clandestina.
5.1. A Interceptação Telefônica e a Legislação Brasileira
Nossa Constituição Federal deixa expresso, em seu art. 5o, XII da CF, o qual dispõe:
“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
45
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” .
De acordo com o jurista Eduardo Cambi, a inviolabilidade das
comunicações telefônicas se insere na tutela dos direitos da personalidade,
notadamente no direito à privacidade. Contudo, o direito à privacidade não seria
absoluto, de maneira que teria sido relativizado a partir da vigência da lei
9.296/96. A referida lei expressa claramente o caso de autorização judicial para
interceptação telefônica.
A LF 9.296/96, estabelecendo as hipóteses nas quais será admitida a
interceptação telefônica, bem como sua forma de requerimento e decisão,
buscou regulamentar a hipótese de obtenção de um tipo de prova que por
alguns era considerada como prova ilícita, por outros como um meio de solução
dos casos em matéria criminal.
A partir de sua vigência, a lei em estudo passou definitivamente a
regulamentar a obtenção de prova nos casos de comunicação telefônica, bem
como em casos de fluxo de comunicações em sistemas de informática e
telemática (conjunto das técnicas e dos serviços de comunicação à distância
que associam meios informáticos aos sistemas de telecomunicações). No
entanto, alguns doutrinadores, como o professor Vicente Greco Filho, defendem
que não se deve quebrar o sigilo das comunicações telemática e telefônica, uma
vez que seria inconstitucional o artigo 1o da Lei 9.296/96, em seu parágrafo
único, ao acrescentar estes dois tipos de comunicação.
Agora, trataremos dos critérios para o estabelecimento das hipóteses em
que o juiz pode autorizar a interceptação, para fins de investigação criminal ou
instrução processual penal.
46
O prof. Nelson Nery Júnior afirma que são dois os critérios: a) a
necessidade da interceptação como único meio para a realização da prova; b) a
gravidade da infração penal que se pretende perseguir.
Destarte, o art. 2o, inciso II da lei 9.296/96 é taxativo no que concerne à
circunstância na qual poderá ser requerida a interceptação, ao afirmar que não
será admitida a interceptação “se a prova puder ser feita por outros meios
disponíveis”. Portanto, somente em caso de excepcionalidade da interceptação
como único meio de instrução processual é que poderá ser autorizada pelo juiz.
Se puder ser colhida a prova por outro meio, deve-se optar por este, desde que
não ofenda as garantias constitucionais previstas no art. 5o, incisos X e XII da
CF.
O segundo critério que o prof. Nelson aborda é o da natureza da infração
penal. Ao contrário do dispositivo do art. 2o, inciso III, há a admissibilidade de
interceptação sempre que se tratar de crime que tenha como pena a de
reclusão. O professor destaca ainda que o legislador utilizou a opção sinalizada
pelo STF, haja vista que deveriam ser priorizadas as hipóteses em que a Carta
Política estabeleceu serem de extrema gravidade, como os crimes inafiançáveis
contra o meio-ambiente, contra a humanidade, entre outros.
Neste prisma, o eminente jurista destaca que “foi além o legislador
elegendo os crimes apenados com reclusão como autoridades da escuta
telefônica por ordem judicial”.
Contudo, o legislador equivocadamente vedou a possibilidade de
interceptação nos casos de infrações penais punidas apenas com detenção –
consta no art. 2o, inciso III da lei 9.296/96 – como o homicídio culposo, desacato,
47
favorecimento pessoal, ameaça e até mesmo contravenções como o jogo do
bicho, por exemplo.
Tratando dos requisitos legais para a obtenção da autorização judicial,
apresentemos os seguintes:
a) Deve haver indícios razoáveis da autoria ou participação em
infração penal (art. 2o, inciso I da lei 9.296/96);
A doutrina majoritária trata do art. 2o, I, como o fumus boni juris
(aparência do bom direito), o qual é exigido para que se possa conceder
cautelares no processo civil.
b) O juiz deve ser competente em razão a matéria ou da
hierarquia (art. 1o da lei 9.296/96).
Se o investigado possuir prerrogativa de tribunal, foro ou juízo
(competência hierárquica), somente o juiz natural é competente para autorizar a
interceptação. Um exemplo abordado pelo prof. Nelson Nery é o caso dos
governadores de Estado, que respondem processo criminal perante o STJ (art.
105, I, da CF), sendo este o órgão competente para autorizar interceptação
telefônica.
c) Se feito por escrito, o pedido deve ser deduzido mediante
petição fundamentada, sendo que deverá constar, com clareza, a descrição da
situação objeto da investigação criminal, qualificação dos investigados, salvo
impossibilidade manifesta, devidamente justificada (art. 2o, parágrafo único da lei
9.296/96), bem como os meios serem empregados na escuta (art. 4o, caput). O
48
juiz pode admitir, em situações excepcionais, que o pedido seja deduzido
verbalmente (art. 4o, § 1o).
Trata-se de procedimento criminal (inquérito policial ou processo penal),
que é processado em autos apartados (conforme artigo 8o) e em segredo de
justiça (art. 1o, caput), que têm função acautelatória (preventiva). A lei permite
que o juiz possa conceder a medida de ofício ou por requerimento da autoridade
policial (no inquérito policial) ou do Ministério Público (no inquérito policial e no
processo penal), nos termos do art. 3o, incisos I e II da lei 9.296/96.
Entretanto, o art. 3o, ao mencionar a autoridade policial e o MP como
requerentes da medida, não faz com que apenas estes dois órgãos possam
requerer a interceptação. Isto porque o artigo, de acordo com a doutrina, tem
caráter exemplificativo, pois o juiz pode, ex officio, determinar intervenção na
comunicação telefônica. Uma vez o juiz agindo de ofício, isto quer dizer que
qualquer interessado pode requerer a medida. O prof. Nelson Nery destaca que
“tratando-se de providência que o juiz deve tomar ex officio, é porque no caso o
legislador vislumbrou a existência de interesse público. A norma, portanto, é de
ordem pública e prescinde da iniciativa da parte para que o juiz deva autorizar a
interceptação telefônica”.
Outro aspecto importante é o que versa a respeito da decisão do juiz, que
deve ser fundamentada (art. 93, IX da CF), em vinte e quatro horas (art. 4o, §
2o.), tendo de ser indicada a forma de execução da diligência, que não poderá
exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo, comprovada a
indispensabilidade do meio de prova (art. 5º, caput). Vale ressaltar que alguns
autores interpretam de duas maneiras distintas este dispositivo: alguns
professores, como o prof. Paulo Rangel, Damázio de Jesus e Vicente Greco
Filho crêem na idéia de que o prazo de quinze dias pode ser renovado tantas
49
vezes quantas forem necessárias para o sucesso na investigação, sendo que a
lei não limitou o número de vezes necessárias. Outros juristas defendem que o
prazo não é renovável, como o Ministro Marco Aurélio, em decisão sobre o
Hábeas Corpus 80.228/RJ, publicada no DJ de 01.08.2000. Nesta, o Ministro
descreveu da seguinte maneira: “... a escuta telefônica consubstancia exceção,
e, assim, os preceitos que, a partir do artigo 5o, inciso XII, da Constituição
Federal, regem-na hão de ser interpretados de forma estrita, e não elástica. O
balizamento temporal do Art. 5o da lei 9.296/96 não pode ser ultrapassado,
pouco importando a repercussão do crime perpetrado. O prazo de quinze dias,
renovável apenas por igual período, deve ser observado...”.
Com a devida vênia, entendemos que seria plausível a primeira
interpretação, tendo em vista que não se trata de estender de forma ampla, mas
sim de entendermos que o próprio dispositivo não estipula tal limite, de maneira
que para uma atuação consistente da autoridade policial nas investigações, e na
solução dos processos penais por parte do MP, não seria adequado impor
limites sem que tal dispositivo tenha estabelecido, cabendo salientar que a
medida prevista na Lei 9.296/96 está em vigor para solucionar as questões
penais, e não fazer com que uma prova substancial que tenha aparecido após
os trinta dias seja considerada simplesmente inaceitável devido ao prazo que,
nesse sentido, não deve ser renovado apenas uma vez.
A mesma lei permite que o MP possa acompanhar a diligência da
interceptação (art. 6o, caput), bem como prevê a possibilidade de requisitar
serviços técnicos especializados das concessionárias de serviço público a quem
incumbir o cumprimento da ordem judicial (art. 7o, LF 9.296/96).
Sendo positiva a interceptação, a autoridade encaminhará o resultado ao
juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das
50
operações realizadas (art. 6o, §2o), valendo ressaltar que a interceptação
ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos de inquérito policial ou do
processo criminal, sendo preservado o sigilo das diligências, gravações e
transcrições respectivas.
A gravação que não interessar a prova será inutilizada por decisão
judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de
requerimento do MP ou da parte interessada.
Por fim, a lei tipifica como crime “... realizar interceptação de
comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar Segredo de
Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei” (Art.
10 da lei 9.296/96).
A pena é de reclusão de dois a quatro anos e multa.
É pertinente ressaltarmos que o legislador, no momento em que criou
este dispositivo, buscou limitar uma possível arbitrariedade em relação às
interceptações, com a pretensão de garantir os princípios assegurados na nossa
Constituição, como a privacidade, a intimidade, a honra e a imagem,
assegurados no art. 5o, X e XII da CF.
5.2. A Evolução Doutrinária e Jurisprudencial
Mesmo antes da vigência da referida lei, já havia controvérsias a respeito
da interceptação telefônica, desde que com autorização judicial.
51
Para alguns o Código de Telecomunicações (lei 4.117/62) havia sido
recepcionado pela CF, de modo que o juiz poderia proceder com base no art.
57, II, alínea “e”, daquela lei, concedendo autorização para a interceptação,
desde que houvesse indícios suficientes de ocorrência do crime. Adeptos desse
entendimento estavam entre eles o prof. Damázio de Jesus, nobre estudioso do
Direito Penal brasileiro.
Em contrapartida, outros entendiam que, como não havia norma
regulamentadora que disciplinasse a exceção prevista no art. 5o, XII da CF, as
interceptações não poderiam ser concedidas pelo juiz.
As provas obtidas mediante a interceptação passaram a ser consideradas
como derivadas de ilicitude, adotando-se a teoria do fruits of the poisonus tree
(teoria dos frutos da árvore envenenada), oriunda da orientação da Suprema
Corte americana.
Todavia, falava-se muito na teoria da Proporcionalidade. Os seus adeptos
defendiam a idéia de que poderia se sacrificar à privacidade (privacy) de um
suspeito em prol da defesa de um bem jurídico mais relevante, o que foi
apresentado em nossas explanações anteriores.
Quanto à solução da lei 9.296/96, como citamos anteriormente a respeito
do princípio da proporcionalidade, o ilustre prof. Nelson Nery Júnior destaca que
“a solução da lei, quanto à necessidade da interceptação telefônica, nada mais é
do que, na prática, a adoção do princípio da proporcionalidade, já que a ofensa
ao direito constitucional de inviolabilidade da comunicação telefônica não se
justifica, ou seja, é maior do que o benefício que eventualmente se pretenda
obter com tal ofensa”.
52
Assim, demonstra-se clara a importância da norma em discussão, pois
busca violar a privacidade em detrimento de um bem maior, muitas vezes a
segurança da sociedade.
Ainda se tratando do tema abordado nesse tópico, Agapito Machado, em
artigo publicado em agosto de 97, mencionou acerca da questão. Afirmava que
o STF – ao contrário das teses que eram defendidas de que a Lei 9.296/96 seria
apenas relativa às comunicações telefônicas – vinha admitindo quebra de dados
bancários e de dados de contas telefônicas, posicionando-se de maneira
totalmente contrária às posições de relativização restritiva às comunicações
telefônicas.
De maneira que possamos concluir tal impasse, verificamos que são
plausíveis as justificações apresentadas pelo magistrado, no que concerne à
amplitude e grau de alcance da lei em conformidade com o art. 5o, XII da CF.
5.3. A Gravação Clandestina no Processo Civil
A gravação clandestina consiste no registro da conversa própria por um
dos interlocutores; se for feita através de aparelho telefônico, será denominada
“gravação telefônica”; se for realizada em um ambiente de conversação, tem o
nome de gravação ambiental. Destarte, a conversa é gravada por uma das
pessoas envolvidas na comunicação, não havendo a intervenção de terceira
pessoa.
Esse meio de prova não possui vedação legal, não sendo proibido. Para
César Mariano, poder-se-ia falar em violação à intimidade de um dos
interlocutores, ao revelar-lhe um segredo. Todavia, se o emissor ou receptor
houver por bem divulgar sua conversa, poder-se-ia fazê-lo sem que isso
implique violação à intimidade. Entretanto, tomamos por plausível a idéia de que
53
existe o sigilo por parte do interlocutor que não tenha concordado com a
gravação. Nesse prisma, o segredo deve ser revelado somente quando houver
justa causa, como no caso de apuração de crime ou de sua autoria, testemunho
judicial, etc.
O eminente doutrinador destaca que nas ações que envolvem direito de
família é corriqueira a discussão acerca das gravações telefônicas. O STJ, o
qual é acompanhado por parte da doutrina, tem entendido que a prova obtida
por esse meio é legal.
Quanto à interceptação telefônica, no processo civil, o juiz não poderá
determinar a realização de interceptação telefônica, uma vez que somente é
permitida no processo penal, conforme o art. 1º, da LF 9.296/96.
Contudo, Avolio, na acepção de César Mariano, adota o seguinte
posicionamento:
“Consequentemente, inexistindo na conversa objeto da gravação
clandestina o direito à reserva (obrigação de guardar segredo), a outra
parte pode utilizá-la validamente em juízo como prova de seu interesse.
Ainda que haja ilicitude, esta pode ceder em face de outro interesse
jurídico proporcionalmente mais relevante que a intimidade, como, por
exemplo, a vida ou a saúde, ou o direito à ampla defesa”.
Concluindo nossa exposição, entendemos que também no âmbito da
gravação telefônica a ponderação será necessária para a apreciação do caso
concreto, contudo dentro dos limites razoáveis, em que pese a prevalência de
um bem jurídico maior a ser apreciado na norma de decisão.
54
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todos os assuntos apresentados, temos a certeza de que nosso
estudo não acaba aqui. O sistema jurídico é amplo, tendendo às mais variadas
divergências.
Elaborando uma breve conclusão a respeito de tudo que fora exposto,
tomamos por norte o fato de que tanto na quebra do sigilo bancário, utilizada
principalmente nas Comissões Parlamentares de Inquérito, quanto nos casos de
escuta telefônica, a violação ao bem jurídico “intimidade”, consagrado em nossa
Constituição, não possui caráter absoluto.
Porém, na própria matéria processual, as regras de observância são
semelhantes, mas também possuem suas distinções: como exemplo, podemos
inserir primeiramente a questão da requisição judicial. Em regra, tanto no sigilo
bancário quanto na interceptação telefônica deve haver o prévio exame pela
justiça competente. No entanto, como vimos, na quebra de sigilo bancário poder-
se-á efetuar em uma única hipótese: no caso de verbas públicas, onde o
princípio de predominância é o da publicidade, não havendo possibilidade de
invocar a intimidade, que é assegurada aos indivíduos. Nessa questão, já
constatamos que existe possibilidade de quebra se requisição judicial.
No que concerne à interceptação telefônica, sabemos que ele também
depende de prévio exame em juízo. No entanto, a situação neste caso é mais
delicada. Esta produção de prova poderá ser feita, mas não quer dizer que
poderá ser aceita em todos os casos, vez que ora se poderá exigir o prévio
consentimento do outro interlocutor, ora não deverá ser requerido, como na
decisão comentada anteriormente.
55
Mas não podemos apenas nos reportarmos a isso. Verificando todos
estes aspectos, constatamos que a tendência de nossos Tribunais é obter uma
autonomia maior em relação ao exame do caso concreto, possuindo o
magistrado um maior desvencilhamento em relação à lei.
Reconhecemos que este é um tema de muitas controvérsias, eis que se
poderia admitir que a segurança jurídica estaria sendo ameaçada.
Contudo, nosso posicionamento se reporta ao exame objetivo e detalhado
da cada caso, pois como vimos, os direitos fundamentais, inseridos na CF, não
têm caráter absoluto.
Perelman, em seus escritos a respeito da ética e do direito, já
mencionava:
“ Concluindo, podemos endossar a definição clássica, citada no
início desta exposição, que provar é fazer conhecer, em justiça, a verdade
de uma alegação pela qual se afirma um fato do qual decorrem
conseqüências jurídicas? Sim, mas com a condição de acrescentar que
as técnicas da prova e a verdade que elas devem fazer se admita que
sejam conciliáveis com outros valores considerados, às vezes, mais
importantes, de forma que, no final das contas, as conseqüências
jurídicas que daí resultam sejam consideradas justas. A prova e a
verdade não passam de meios para realizar a justiça, tal com é concebida
dada sociedade.”
Certamente vemos que ele se refere ao conceito introduzido no início da
nossa obra e, diante disso se refere aos indícios de um critério interpretativo que
não se mantenha estancado na letra da lei, mas na busca da justiça, em que
pese a peculiaridade da cada situação e a possibilidade de obtenção da prova
em cada caso.
56
Finalizando toda a nossa exposição, devemos sempre ter em mente de
que o processo não é uma guerra em que os fins justificam os meios, mas um
mecanismo civilizado de distribuição de justiça.
57
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