B - ABIB,J.(2008) - Skinner, Darwin e Dawkins, Econtros

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    Skinner, Darwin e Dawkins: Encontros

    Jos Antnio Damsio Abib

    Universidade Federal de So Carlos

    No Gnesis bblico, Deus teria criado a diversidade dos seres vivos em sua

    forma atual. O criacionismo, esse mito da criao do mundo, da vida e da diversidade

    dos seres vivos, transfigura-se, tal qual camaleo, com terminologia cientfica, como

    cincia da criao, modelo da complexidade inicial e teoria do desgnio inteligente, com

    a finalidade de se legitimar e contestar a teoria da evoluo de Charles Darwin,

    apresentada em seu clssico A origem das espcies, publicado no ano memorvel de

    1859. Darwin demonstra em A origem que os seres vivos se transformam, que no

    surgiram em sua forma atual, e fundamenta sua tese em dois processos, a variao

    casual, denominada de mutao aleatria no neodarwinismo, a combinao das leis da

    gentica mendeliana com o darwinismo, e a seleo natural. As variaes casuais entre

    os indivduos de uma espcie, como no exemplo de Darwin das doze variedades de

    carvalho, que na poca eram consideradas espcies diferentes, embora somente uma ou

    duas o fossem, fornecem o material para a seleo. As variaes que propiciam a

    sobrevivncia dos indivduos no ambiente em que vivem so selecionadas e

    preservadas, as prejudiciais so eliminadas. A seleo cumulativa e lenta e, com o

    tempo, um longo tempo, d origem a novas espcies, sendo, portanto, criadora.

    Em sentido amplo, pode-se dizer que Skinner plasma o modelo de seleo por

    conseqncias no processo de seleo de Darwin e na lei do efeito de Thorndike, lei

    que, em grande parte, foi devida ao darwinismo. Na expresso seleo por

    conseqncias, seleo deve-se ao processo de seleo, e conseqncia, lei do

    efeito. Em seu elogio ao artigo de Skinner, Seleo por conseqncias, Richard

    Dawkins, o eminente neodarwinista, um dos intelectuais mais aclamados da atualidade,disse, em Replicadores, conseqncias e atividades de deslocamento, que o acha

    admirvel. E disse mais: disse que a expresso seleo por conseqncias uma boa

    frase para caracterizar os processos darwinistas. Sendo assim, as variaes selecionadas

    so as que produzem conseqncias com valor de sobrevivncia para os indivduos,

    como quer Darwin, ou, para os genes, como quer Dawkins. J as prejudiciais produzem

    conseqncias sem valor de sobrevivncia para os indivduos ou genes.

    Skinner explica a origem dos comportamentos com base no modelo de seleopor conseqncias e, conseqentemente, polemiza com o modelo da Mente criativa, a

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    verso semi-sagrada da Mente, humana, mas ainda de origem Divina, que, desde tempos

    remotos, ocupa o lugar dessa explicao. O modelo de seleo por conseqncias

    carrega consigo o conflito com o criacionismo e com a verso semi-sagrada da Mente.

    Se at hoje o darwinismo, um sculo e meio depois de seu aparecimento, atacado por

    telogos, religiosos e filsofos, por quantos sculos o modelo de seleo por

    conseqncias ser submetido a ataques da mesma natureza? Com certeza no

    estaremos mais aqui para presenciar.

    Mas, em que sentido Skinner critica o modelo da Mente criativa na explicao

    do comportamento? Darwin mostrara emA origem que o advento de novas espcies no

    obedece a nenhuma Causa Final, a nenhum Plano, Finalidade ou Propsito de um

    Criador. No existe uma Mente Sagrada, a Mente do Criador, que teria criado as

    espcies de acordo com seu Propsito ou Finalidade. Dawkins disse em seu livro A

    escalada do monte improvvel que a variao aleatria, mas que a seleo no-

    aleatria, e que, por essa razo, o darwinismo no pode ser compreendido somente

    como uma teoria de puro acaso. Isso quer dizer que o processo de seleo que explica

    o curso da evoluo, seu propsito ou finalidade. No h, portanto, necessidade de se

    postular um Criador. Skinner apia uma tese similar quando defende o processo de

    seleo contra a Mente criativa: no h nenhuma Causa Final, nenhum Plano,

    Finalidade ou Propsito de uma Mente criativa na explicao do comportamento. No

    entanto, nem por isso se deve pensar que ele tenha apoiado a explicao do

    comportamento baseada na causalidade mecnica (push-pull) da fsica do sculo XIX,

    que na psicologia bem ilustrada, por exemplo, pelos conceitos de reflexo e fisiologia

    do reflexo e pela psicologia estmulo-resposta. O modelo de seleo por conseqncias

    refuta o modelo da Mente criativa por se opor, entre outras razes, s Causas Finais,

    sem que, por assim fazer, se comprometa com causas mecnicas. Nem o Teleologismo

    nem o mecanicismo encontram abrigo no modelo de seleo por conseqncias (emuma verso totalmente profana da mente, uma que inscreva sua origem completamente

    na natureza, deve-se escrever mente e teleologismo, com iniciais minsculas).

    O modelo de seleo por conseqncias d origem a novos comportamentos de

    modo similar quele que o processo de seleo natural d origem a novas espcies. Uma

    variao comportamental pode produzir uma conseqncia de valor para o organismo.

    Quando isso acontece, a variao selecionada, podendo-se dizer que h um novo tipo

    de comportamento no mundo. Mas a variao oferece vrias possibilidades de seleo.Por exemplo, pode-se ensinar uma criana a falar portugus, tupi-guarani, rabe, ou

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    qualquer outra lngua, selecionando-se variaes de um amplo espectro de sons que ela

    capaz de produzir desde os seus anos mais tenros. O modelo de seleo por

    conseqncias gera novas espcies de comportamentos. Por analogia, pode-se dizer

    que, se Darwin escreveu A origem das espcies, Skinner escreveu A origem dos

    comportamentos.

    O conceito de origem do comportamento tem um segundo significado. Uma

    coisa explicar a origem de novos comportamentos com base na seleo de variaes,

    outra explicar a origem das variaes que so o material da seleo. Aqui se destacam

    os conceitos de arranjos acidental e deliberado de condies. Skinner relembra-nos, por

    um lado, que o arranjo acidental de molculas mais simples deu origem a molculas

    mais complexas (as variaes caractersticas da vida). Baseando-se no neodarwinismo,

    relembra-nos que o arranjo acidental de genes deu origem s variaes fenotpicas dos

    organismos. Argumenta, ento, que novos comportamentos podem ser gerados pelo

    arranjo acidental de contingncias ambientais. O psiclogo americano diz, por outro

    lado, que os cientistas inventam novas molculas, bem como alteram material gentico,

    com o arranjo deliberado de condies que provavelmente no aconteceriam

    acidentalmente. E diz, enfim, que o arranjo deliberado de contingncias ambientais pode

    gerar comportamentos novos que provavelmente tambm no ocorreriam por acidente.

    Mas, note-se bem, nos trs casos, seja com arranjos acidentais ou deliberados, os

    resultados so imprevisveis. Com efeito, pois se fossem previsveis, seriam triviais, no

    seriam originais. Referindo-se ao comportamento, eis o que ele diz em Tecnologia do

    ensino: no podemos ensinar comportamento original, desde que no seria original se

    fosse ensinado, mas podemos ensinar o estudante a arranjar ambientes que maximizem

    a probabilidade de que ocorram comportamentos originais (1968, p. 180). A Mente do

    Criador sofre mais um golpe, agora, na explicao da vida, e a Mente criativa, atacada

    em seu ltimo reduto, agoniza em seu dilaceramento mais profundo.Em textos como Criando o artista criativo e Uma leitura sobre tendo (having)

    um poema, o pensador americano afirma que descobertas cientficas e invenes

    artsticas e literrias podem ser explicadas em termos do arranjo acidental de

    contingncias e vincula sua discusso sobre criatividade ao livro A origem das espcies

    que essencialmente um estudo sobre originalidade (Criando, 1970/1999, p. 385).

    Em Tecnologia do ensino, descreve um arranjo deliberado de contingncias ambientais

    que enfatiza a construo de metforas, a leitura de um autor do ponto de vista do leitor,o afrouxamento da leitura precisa de textos, o afastamento de comportamentos

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    reprodutivos e o envolvimento com ambientes e atividades plenos das finalidades

    imaginadas, por exemplo, se quiser ser msico, viva em ambientes musicais, oua

    msica, leia sobre msica, fale sobre msica, sonhe com msica, transforme sua vida

    em msica. Espera-se, evidentemente, que o arranjo deliberado dessas contingncias

    propicie o advento de comportamentos originais. Porm, no possvel predizer quais

    sero esses comportamentos, pois pode ser, por exemplo, que a pessoa que respira

    msica, ao final no aprenda sequer a assobiar! No entanto, caso apresente uma

    variao comportamental musical, sai-se bem no piano, na composio musical, ou na

    histria de msica, o processo de seleo pode entrar em cena. E, embora as variaes

    estejam sempre espreita, tornando impossvel descartar completamente conseqncias

    imprevistas, efeitos perversos e possibilidades improvveis, pode-se, com alguma

    previso e controle, modelar um comportamento original, cuja originalidade , de incio,

    fenmeno da variao, e depois, da seleo, e trazer ao mundo um compositor ou um

    historiador ou um pianista como nunca se viu!

    possvel intervir no processo de seleo. Com efeito, nos casos dramticos das

    prticas culturais atuais que levam exausto dos recursos naturais, ao aquecimento

    global, poluio ambiental e superpopulao, bem como ameaa sempre presente do

    holocausto nuclear, pode-se esperar que, por meio do arranjo deliberado de novos

    ambientes educacionais, surjam prticas culturais inditas, sem previso e controle de

    quais efetivamente sejam, que tenham condies de interferir no processo de seleo

    das prticas deletrias atuais. Mas, ento, novamente o processo de seleo pode vir

    cena para, em princpio, com previso e controle, modelar e dar forma final s prticas

    que forem mais adequadas quela finalidade. Evidentemente, pode-se tambm planejar

    prticas culturais e sugeri-las s comunidades interessadas como variaes a serem

    submetidas ao processo de seleo com a finalidade de verificar se tm ou no valor no

    combate s atuais prticas nocivas s culturas.A origem das espcies um estudo sobre originalidade, foi o que Skinner disse.

    A obra de Skinner, A origem dos comportamentos, tambm um estudo sobre

    originalidade. Um explica a criao de novas espcies, o outro explica a criao de

    novos comportamentos. Darwin e Skinner elaboraram teorias da criao, mas os agentes

    da criao so o acaso e a seleo. Como Dawkins ressaltou, o acaso mutao

    aleatria, mas a seleo no-aleatria. H no modelo de seleo por conseqncias um

    elemento de desordem: o acaso criador. Mas h tambm um elemento de ordem: aseleo criadora do que tem valor, do que ajuda a sobreviver, do que bom, e at do

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    que intil, o belo, que depende de ns. Se do acaso surgir Afrodite, por que no model-

    la? Os destinos do acaso dependem de mos in totum mergulhadas em variaes. Existe

    uma imprevisibilidade imanente no modelo de seleo por conseqncias.

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