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Da Aventura ao Trabalho “Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

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DaAventuraao

Trabalho

“Actividades de Risco Controlado”:- Recurso Técnico Pedagógico

Introdução .......................................................................................................................... 4

1. As Desvantagens de socialização na base das dificuldades do exercício da cidadania e na origem da adopção de Comportamentos Sociais de Risco. Explicitação dos principais conceitos utilizados e sua articulação com problemáticas associadas aos mesmos. ............................................................................. 7

2. Da inacessibilidade do exercício da cidadania aos Comportamentos de Risco e à Intervenção Educativo-Terapêutica com recurso às Actividades de Risco Controlado (ARC) e à Escaladaterapia ............................................................................. 22

3. Uma Metodologia Inovadora ............................................................................................ 28 3.1 As Actividades de Risco Controlado (A.R.C.), a Escalada ............................................ 28 3.2 A Escaladaterapia ...................................................................................................... 31

4. Fases da Intervenção com as A.R.C. e lugar da Escaladaterapia nas mesmas ................................................................................................................... 33

5. Critérios básicos para a utilização da Escaladaterapia como Metodologia de Intervenção Educativo-Terapêutica ............................................................................. 44

6. Princípios Básicos da Intervenção na Escaladaterapia ..................................................... 46

7. Potencialidades da Escalada ........................................................................................... 48 7.1 Potencialidades da Escalada na consciência de SI .................................................... 48 7.2 Potencialidades da Escalada no Desenvolvimento de Comportamentos Sociais Adequados ................................................................................................... 48

8. Desenvolvimento / aprofundamento de Comportamentos Sociais .................................... 49

9. Perspectiva Aprofundada do Desenvolvimento Psico-social através da Escaladaterapia ............................................................................................. 52

10. Capacidade de INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA na Escalada ................................................ 65

11. Transponibilidade do “jogo” para a realidade / Da Escalada para a VIDA ......................... 68

12. Contexto de Experimentação: Projecto “Da Aventura ao Trabalho” ....................................71 Conclusões ..................................................................................................................... 76 ANEXOS .......................................................................................................................... 78 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 93

Índice

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Introdução

O trabalho ora apresentado, pretende assumir-se como a primeira parte de um contributo mais alargado e significativo da reflexão que urge fazer sobre as potencialidades da inter-venção educativa e terapêutica com recurso às Actividades de Risco Controlado (A.R.C.), em particular no âmbito da aquisição de competências sociais e pessoais, por parte de pessoas que, por em tempo adequado se terem visto impedidas do acesso a um processo regular de socialização, se vêem, mais tarde, inevitavelmente remetidas para situações e vivências de risco e de exclusão social.

Para que se compreenda melhor a importância das ARC no contexto da intervenção com pessoas com problemas de integração social, o Capítulo 1 tentará mostrar como as Des-vantagens de Socialização estão na base das dificuldades sentidas por alguns indivíduos no exercício da cidadania e na origem da adopção de Comportamentos Sociais de Risco por parte dos mesmos, pondo em causa quer a sua integridade física, quer a sua saúde psíquica, promovendo atitudes de auto-exclusão social.

Por isso, este mesmo capítulo tentará explicitar alguns conceitos fulcrais, como o de Desvantagem de Socialização, Comportamento Social, Risco e Comportamento de Risco, tentando ainda tornar mais evidente como os actuais processos de crescimento económico acelerado, a globalização e os fenómenos sociais decorrentes, “empurram” para a ex-clusão social os indivíduos e os estratos populacionais mais desfavorecidos, os que não puderam beneficiar de um processo adequado e atempado de socialização e de aquisição de competências hoje muito valorizadas, em particular as de permanente valorização pro-fissional e adaptabilidade permanente à mudança.

É neste contexto que considero que as ARC assumem a sua importância como recurso de intervenção educativo – terapêutica, perspectiva inovadora, assente numa metodologia de intervenção concreta e num sistema de avaliação complementar e interdependente, com vista à aquisição, fora de um tempo adequado, de competências sociais e pessoais por parte dos indivíduos mais predispostos ou expostos à exclusão social.

Este documento, apesar de usar o conceito de A.R.C., como definido no Cap. 2, debruçar-se-á quase exclusivamente sobre a Escalada, não como actividade desportiva ou de lazer, mas no sentido expresso anteriormente, de processo de intervenção sócio-terapêutico, de onde resulta o termo de “Escaladaterapia”.

5“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

Esta metodologia de intervenção terá uma atenção privilegiada, ao ponto de se assumir como conteúdo fundamental deste documento, por razões que tentarei explicar neste capí-tulo, representando, como também já referido, a primeira parte de um documento mais vasto e profundo a elaborar brevemente.

No sentido global da intervenção que fazemos com populações com comportamentos so-ciais desadequados, a prioridade da escolha da Escaladaterapia não resulta nem de uma apreciação pessoal e mais ou menos subjectiva da sua importância, nem do manifesto re-conhecimento da sua superioridade relativamente a outras actividades no âmbito das ARC. Deve-se antes, ao facto da Escaladaterapia ser considerada fundamental num contexto articulado de actividades, em que representa um “simples, mas primeiro degrau”, num conjunto de uma “escadaria” complexa, a que corresponde o processo de intervenção no seu todo.

Isto é, a Escaladaterapia, pelas suas características específicas e potencialidades, é de uma enorme relevância para o prosseguimento e resultados da intervenção no seu todo, como tentarei demonstrar quer no Capítulo 2, quer nos Capítulos 5 e 6.Por outro lado, em meu entender, a Escaladaterapia, enquanto metodologia de intervenção, como outras actividades integrantes das A.R.C., poderão ser aplicadas a grupos diferen-ciados de indivíduos, seja do ponto de vista etário, seja das suas problemáticas sociais, necessitando-se apenas de ter em conta a especificidade de cada grupo em particular e de cada problemática em presença.

Para tal, é fundamental que se proceda a uma adaptação de estratégias de abordagem e de motivação das populações específicas a que é destinada a intervenção, bem como a uma adaptação de metodologias a utilizar e a integrar no processo, o que pressupõe um desenho adequado da própria sequência das actividades a promover.

Deverá ficar bem claro que embora as A.R.C. sejam recursos de enorme potencial, estas também não podem ser entendidas como “solução milagrosa”, nem como “princípio e fim” de toda a intervenção educativa e terapêutica com populações com problemas emocionais e do comportamento social.

Antes, as ARC deverão ser entendidas como recursos privilegiados, extremamente facilita-dores do trabalho do técnico, aproximando o utente deste, quer se trate de uma intervenção com indivíduos com problemas de adaptação social, quer com carências evidentes e bási-cas no processo de socialização.

O processo de intervenção educativo – terapêutico proposto, é holístico, integrando coer-

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ente e articuladamente quer as ARC, quer cada um dos indivíduos no seu grupo “natural” de convivência, sempre submetido a uma estratégia objectiva, interdependente e articulada com um sistema de avaliação específico.

Esta avaliação, incidindo sobre o próprio processo, sobre os objectivos, estratégias, gestão de recursos, bem como sobre o processo de desenvolvimento e de aquisição de capacid-ades dos indivíduos que nele participam, dá particular atenção à observação, ao registo de ocorrências, quer na participação nas actividades, quer nas sessões de preparação e de reflexão, onde a metodologia da “Investigação-Acção” se afigura como a mais adequada.Quando me refiro ao carácter holístico do processo, isto também significa que este recon-hece o indivíduo como um todo, corpo e alma (emoções e sentimentos), envolvido (natural e socialmente) num contexto específico, agindo quer de acordo com as situações vividas, quer das decorrentes do enquadramento técnico.

Em conclusão, podemos dizer que se trata de um processo integral e holístico, porque in-tervenção e avaliação se articulam ao serviço de um contexto de recuperação ou formação global do indivíduo, com vista à sua inclusão social.

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1. As Desvantagensde Socialização na basedas dificuldadesdo exercício da cidadania e naorigem dos ComportamentosSociais de Risco

- Explicitação dos principais conceitos utilizados e sua articulaçãocom problemáticas associadas aos mesmos

Antes de aprofundarmos a origem e a consequência dos Comportamentos Sociais de Risco, convém explicitar alguns dos conceitos que iremos utilizar, nomeadamente os de Risco, de Comportamento Social e de Desvantagem de Socialização ou Educativa.

Conceito de Risco

Começando por este conceito, poderemos dizer que uma das características do ser hu-mano é não só a de não evitar os riscos, como de os procurar. Exemplo, é a do número de apostadores nos jogos de sorte e azar, nas lotarias, nas apostas mútuas desportivas, tendo alguns serviços de saúde mental em alguns países identificado entre os seus pacientes o “jogador patológico”.

Segundo alguns especialistas, algumas destas situações de jogo, de busca do risco, são devidas a um mecanismo psicobiológico, de certos indivíduos na procura de activação cerebral.

Segundo BLASZCZYNSKI, et al. 1990, citado por ASSAILLY (1990), esses indivíduos apre-sentam fortes tendências para procurarem sensações que não conseguem satisfazer pelo seu envolvimento ou estilo de vida.

Para CONDILLAC, segundo J-P. ASSAILLY (1990), “o Risco é a possibilidade de enfrentar um mal com a esperança, de que se escaparmos, obteremos um bem...”Segundo este autor, o termo risco, parece provir do termo latino “riscum” ou “risicum”, que designa a sorte ou o acaso. Este termo já era proveniente de um outro, bizantino, “rizikan”, que designava o prémio ganho por sorte, por um soldado afortunado.Para além dos significados estritos dos termos referidos, parece portanto, adivinhar-se a existência de um sentido probabilístico no conceito.

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Conceito de Comportamento

Quanto ao conceito generalista de Comportamento, este pressupõe uma dada relação entre causa(s) e efeito(s), entre uma dada atitude do indivíduo, ser ou organismo, e algo que esteve na sua origem.

No sentido psico-fisiológico, como refere WALLON, citado por AJURIAGUERRA (1980), as reacções tónico-emocionais são os primeiros índices do desenvolvimento psíquico, sendo a emoção o intermediário genético entre o nível fisiológico, onde apenas existem respostas reflexas, e o nível psicológico, que permite ao indivíduo adaptar-se progressivamente ao mundo exterior que descobre.

Para estes autores, a adaptação ocorre em vários domínios, quer ao nível biológico, quer mental, onde a reversibilidade resultante dos reforços ou readequações constantes, de-sempenham papel capital, quer no desenvolvimento cognitivo, quer nos aspectos afectivos e sociais de evolução da criança.

Assim, o conceito psicológico prevê a íntima relação dos afectos com as emoções, inte-grantes dos comportamentos individuais.

Por outro lado, o conceito sociológico de comportamento remete-nos para a noção de con-dutas, maneiras de agir dos indivíduos num determinado meio, numa dada sociedade.Desta articulação de conceitos se poderá inferir que o Comportamento está intimamente ligado à Emoção e que esta é resposta, em grande parte, ao envolvimento social, tendo que reconhecer-se que os “comportamentos desviantes”, são-no relativamente àquilo a que uma sociedade convencionou designar como “comportamento padrão ou regular”, poden-do existir uma certa subjectividade, relativamente à sua importância e reconhecimentos universais.

Os comportamentos são por isso sempre respostas e formas de adaptação, respostas so-cialmente adequadas ou não, a um determinado problema e a uma realidade concreta envolvimental sentida pelo indivíduo.

Conceito de Desvantagem de Socialização e Problemáticas Associadas

Por fim, e ao aprofundar o conceito de Desvantagem de Socialização, poderemos aceitar que todas as experiências negativas vividas pelas crianças se transformam em potenciais factores de desinserção social ou de obstáculo à sua inclusão social, presente ou futura.

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Segundo a generalidade de autores reconhecidos, as experiências negativas vividas pelas crianças excluídas, do ponto de vista físico e afectivo, levam-na a adaptar e a estruturar o seu pensamento, tentando criar mecanismos de protecção que, por serem criados à mar-gem das regras da sociedade e na ausência de normas reguladoras e de um envolvimento social solidário, acabam por reflectir uma agressividade quer para com os outros, quer para consigo mesmos, numa tentativa genuína de “defesa cega”.

Parece portanto poder-se inferir que todas as situações envolventes do jovem / adolescente que não sejam portadoras de uma orientação estruturadora, aos níveis familiar, escolar e do meio mais alargado, compreendendo estes os grupos de pares e as vizinhanças, podem concorrer indubitavelmente para a sua instabilidade emocional.

Esta instabilidade poderá propiciar comportamentos menos adequados socialmente, levan-do os indivíduos em causa a situações de marginalidade e de exclusão social.

Problemas familiares e sociais, atitudes permissivas perante as drogas, consumos preco-ces de tabaco e de álcool, desrespeito pela autoridade e pelas instituições sociais, desinte-resse face a projectos de vida pessoais, indiciam geralmente problemas de adaptação que, podendo ser pontuais e passageiros, também se poderão perpetuar e avolumar, caso não sejam alvo de um acompanhamento adequado, passando a padrões habituais de compor-tamento e a situações efectivas de exclusão social e mesmo de delinquência.

É comum responsabilizar-se a sociedade, em termos globais, e a família em particular, pelo comportamento dos jovens, embora objectivamente seja difícil encontrar interpretações causais que expliquem cabalmente como um determinado envolvimento social e familiar pode fazer despoletar num jovem um determinado comportamento e não outro, ou como um determinado ambiente pode ampliar uma situação de mal-estar ao ponto de abalar o próprio sistema fisiológico do indivíduo, o seu sentimento de segurança pessoal, ou mesmo de sobrevivência.

Numa perspectiva sociológica, vulgarmente os comportamentos são considerados de risco quando desviantes do comportamento “regular”, do comportamento socialmente aceite e estabelecido. No período da adolescência, estes comportamentos menos adequados po-dem passar por simples afrontamentos com os mais velhos e com os outros, ou chegar a práticas auto-punitivas, auto-agressivas ou mesmo por comportamentos anti-sociais e agressivos, indiscriminados, para com outros elementos da sociedade. É geralmente acei-te que estes comportamentos, quando repetidos e permanentemente ampliados, podem ocorrer quando na infância não foram identificados problemas de mau-estar nem tomadas medidas preventivas ou remediadoras, relativamente a certos problemas sentidos como

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fundamentais pelo indivíduo, resultantes de problemas relacionais ou de problemáticas sociais que os afectaram ou ao seu meio familiar.

Estudando o percurso de vida dos indivíduos em situação de risco de exclusão social, é com facilidade que identificamos na origem, situações de disfuncionalidade familiar e social, violência ou negligência, tendo os mesmos chegado à idade adulta sem uma intervenção educativa e terapêutica adequadas, acumulando experiências de insucesso e marginaliza-ção, de desinteresse pela vida, quer pessoal, quer social.

A situação assume-se tanto mais grave, quando nos damos conta que vivemos num mundo em permanente e vertiginosa mutação, e em que os indivíduos que não foram devida e atempadamente “treinados” para viver em sociedade e não desenvolveram capacidades pessoais de constante adaptação à mudança, se vêem confrontados com situações para as quais não estão emocionalmente preparados, sendo “empurrados” para o fracasso pessoal e para a exclusão social.

Por escassa formação escolar e resultante impossibilidade de acesso ao sistema de forma-ção profissional, resta a estes indivíduos pouco mais do que o imobilismo dependente ou a violência activa contra a sociedade.

No primeiro caso, este imobilismo, potencia a que estes procurem viver de expedientes, os quais podem ir da mendicidade aos pequenos negócios ilegais, percorrendo todo o espec-tro da pequena marginalidade.

No segundo caso, o da violência activa contra a sociedade, os indivíduos, quando con-frontados com os seus actos anti-sociais e com as consequências dos mesmos, tentam assumir a violência como defesa pessoal, como guerra aberta conta a sociedade, contra o “sistema”, posicionando-se sempre como vítimas de tudo e de todos, tentando desres-ponsabilizarem-se pelos actos cometidos, mesmo que estes envolvam elevado nível de agressividade, quase sempre indiscriminada, contra outros cidadãos.

Quando apanhados em flagrante, estes indivíduos acabam por sobrecarregar as prisões, repetindo posteriormente actos que os irão fazer regressar às mesmas, derivados de ac-ções contra o património e/ou contra os cidadãos.

Por outro lado, as crianças das famílias disfuncionais e desfavorecidas socialmente, quan-do sinalizadas precocemente por serviços sociais, desde que entrem em instituições mais ou menos fechadas, isoladas da comunidade, acabam numa parte significativa das vezes, por criar hábitos de dependência institucional.

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Portanto, quando o processo de socialização não resulta, o que é natural porque as con-dições envolvimentais também não são as naturais, surge o conflito e o fracasso, sendo a escola o primeiro ambiente onde o mesmo toma lugar.

Fugas, insucesso e abandono escolares são as etapas normais de um processo que, com o tempo e a acumulação de frustrações, abrem caminho ao isolamento, à exclusão social e mesmo à marginalidade.

Já enquanto adultos, a maior parte dos que não conseguem estudar e ter acesso à formação profissional, tão pouco conseguem assumir responsavelmente o desempenho profissional, saltando de ocupação “temporária” em ocupação “eventual”, tornando-se permeáveis, à medida que os anos passam, à mendicidade ou às actividades ilícitas, sendo o tráfico de produtos roubados e de droga os caminhos mais acessíveis.

Mas será que os jovens com comportamentos sociais desadequados, sendo vítimas de um processo de socialização, de uma educação não adequada ou com graves lacunas, de “Desvantagens de Socialização”, não poderiam, com um pouco mais de “esforço” e de “boa vontade”, cumprir as disposições e as regras sociais existentes? Não poderiam com boa vontade aceitar os valores que uma dada sociedade elege como adequados?

Realmente a sociedade tem alguma dificuldade em compreender alguns comportamentos dissociais, quando os seus autores, aparentemente “normais” e com competências intelec-tuais, parecem poder ter um desempenho social aceitável, dando a ideia de não o fazer por um propósito manifesto de estabelecimento de desorganização e de caos.

Compreendendo com facilidade os disfuncionamentos dos indivíduos deficientes mentais, porque nos custa aceitar os comportamentos socialmente desadequados?

As razões parecem ser facilmente compreendidas quando atendemos ao que refere A. DAMÁSIO quando explicita que “As doenças do cérebro são vistas como tragédias que assolam as pessoas, as quais não podem ser culpadas pelo seu estado, enquanto que as doenças da mente, especialmente aquelas que afectam a conduta e as emoções, são vis-tas como inconveniências sociais nas quais os doentes têm muitas responsabilidades. Os indivíduos são culpados por imperfeições do seu carácter, por modulação emocional defi-ciente e por problemas quejandos; a falta de força de vontade é, supostamente, o problema primário”. (sublinhado nosso)

A perspectiva simplista de culpar os indivíduos pelo não cumprimento das regras sociais contrasta com a complexidade de explicação do “Ser Humano”, pelo que não é possível

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ter uma imagem, uma compreensão, mesmo que aproximada dos comportamentos, se não recorrermos à articulação de saberes e explicações de várias áreas científicas, que vão da sociologia à fisiologia, passando pela filosofia, pela psicologia e mesmo pela psiquiatria e pelas neurociências, no sentido mais alargado do termo.

Na verdade, para compreendermos alguns dos fenómenos dissociais com que nos confron-tamos no quotidiano, teremos que compreender o funcionamento do cérebro, bem como a diferença e complementaridade entre emoções e sentimentos.

Para compreender o funcionamento do cérebro, e a sua capacidade de resposta a ameaças externas, a desconfortos provocados pelo meio exterior, teremos que tomar em atenção ESPINOSA, que referiu que: “…os organismos vivos são dotados de uma capacidade de reagir emocionalmente a diferentes objectos e acontecimentos. A reacção, a emoção no sentido literal do termo, é seguida por um sentimento. A sensação de prazer ou dor é uma componente necessária desse sentimento”.

Nesta perspectiva, existem padrões neurais inatos que balizam qualquer desvio, em termos de equilíbrio de condições internas ou externas, relativamente ao organismo.

Isto é, a fim de evitar condições ambientais adversas, provocadas por ameaças ambientais, maus-tratos, isolamento, negligência ou outra qualquer situação de desconsolo, existem no cérebro circuitos neurais que são responsáveis por comportamentos de defesa e pro-tecção, as emoções, os instintos e impulsos, que induzem, por exemplo, comportamentos de luta ou de fuga (anteriormente os perigos para o ser humano centrava-se nas ameaças provocadas pelos predadores).

A optimização da resposta aos perigos com que o indivíduo se depara, é conseguida pelo cérebro através da dedicação de várias regiões a um trabalho em concreto, retratando e registando diversos aspectos das actividades do corpo sob a forma de mapas neurais.

DAMÁSIO afirma que “…os processos mentais se alicerçam nos mapeamentos do corpo que o cérebro constrói. As colecções de padrões neurais que retratam, as respostas aos estímulos causam emoções e sentimentos”.

A emoção e o sentimento são assim irmãos gémeos mas tudo indica que a emoção tenha nascido primeiro, como reacção imediata a uma resposta adaptativa do organismo a um perigo exterior, seguida pelo sentimento, que se assume como a consciência dessa mesma emoção e da resposta consequente.

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Contudo, e ainda segundo DAMÁSIO, “Os mecanismos pré-organizados não são importan-tes apenas para efeitos de regulação biológica básica. Eles ajudam também o organismo a classificar as coisas ou os fenómenos como “bons” ou “maus” em virtude do seu pos-sível impacte sobre a sobrevivência. Por outras palavras, o organismo possui um conjunto básico de preferências, - ou critérios, ou tendências, ou valores. Sob a influência destas preferências e do trabalho da experiência, o repertório de coisas categorizadas como boas ou más cresce rapidamente e a capacidade de detectar novas coisas boas ou más cresce exponencialmente”.

Isto acontece porque o cérebro estende a novas coisas ou fenómenos a categorização de “bom” ou mau”, quando estes são ou parecem idênticos, ou estão próximos ou parecem próximos a outros, que foram significativos para si, que foram antes categorizados como bons ou maus, independentemente da “verdade / realidade” e das características dos no-vos factos ou situações.

Esta é a razão porque as crianças que tiveram vivências problemáticas, cujo equilíbrio emocional esteve constantemente em causa, que sentiram a sua vida em risco, derivado de maus-tratos, abusos ou mesmo negligência repetidas por parte dos seus progenitores, acabam por desenvolver padrões de resposta baseados na luta, na fuga e na protecção / isolamento, permanente e excessivo contra o exterior, associando então o Bem ou o Mal a situações que viveram, extrapolando, na maior parte das vezes inconscientemente e de forma menos correcta, esses valores a novas situações e a novos agentes socializadores.A gravidade da situação é tanto maior, quanto sabemos que as experiências de vida nega-tivas ou inseguras, traumatizantes, não correspondem às situações desejáveis de apren-dizagem protegida e de desenvolvimento que deverão caracterizar os períodos da infância e da adolescência.

A permanência da desconfiança e da insegurança estende-se a todos os novos factos, aos novos afectos, aos novos relacionamentos interpessoais, ficando estes condicionados pelas vivências significativas anteriores e condicionando as novas experiências que deveriam ter lugar, nomeadamente ao nível da participação social do indivíduo, ajudando-o a crescer e a assumir-se como interveniente, autónomo e responsável.

Fica assim limitado o espaço e o modo como as aprendizagens se desenvolvem para as crianças que se sentem permanentemente ameaçadas ou em risco, quer quando este se reflecte sob a forma de abuso e violência, quer de desinvestimento afectivo, negligente.

Por isso, também a delinquência juvenil pode surgir como uma resposta à agressividade vivida, como refere Roger MUCCHIELLI (1979), em “Como eles se tornam delinquentes”, ao

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afirmar que “A agressividade essencial do delinquente ou do pré-delinquente está ligada a uma indiferença afectiva para com o outro enquanto ser humano”, indiferença apreendida do seu próprio relacionamento com os adultos para si significativos.

A questão que se levanta é a seguinte:- Será possível remediar os efeitos de maus-tratos e violências perpetradas contra uma

criança nos seus primeiros anos de vida?- Será possível “reabilitar” as crianças que foram vítimas de negligência?

A resposta parece ser difícil de obter, considerando que os impactos negativos parecem repercutir-se de forma diferenciada em cada indivíduo e porque numa parte dos casos, os comportamentos não parecem resultantes do desconhecimento de regras, nem de um simples processo de falta de informação sobre as mesmas e decorrentes consequências.

O que parece poder ter acontecido é que a ausência de regras, de apoio, de segurança, criaram no indivíduo, enquanto criança, mecanismos de auto-protecção que, pela sua exa-gerada e continuada acção podem ter desregulado todo o seu sistema endócrino e que este poderá ter afectado, ou mesmo lesionado, determinadas áreas do cérebro, impossibilitan-do-o ou condicionando-o posteriormente, ao nível do seu comportamento social.

Isto porque é conhecido que a deficiência do cérebro na produção de determinadas subs-tâncias, como a Serotonina, que é um dos principais neurotransmissores (substâncias cujas acções contribuem para a cognição e o comportamento), implica níveis superiores de agressividade, dificultando a adopção de comportamentos socialmente adequados.

O facto de algumas vivências traumáticas terem ocorrido em idades precoces parece con-dicionar a capacidade adaptativa do indivíduo em fases posteriores da sua vida.

Considerando que “…os processos da emoção e dos sentimentos fazem parte integrante da maquinaria neural para a regulação biológica, cujo cerne é constituído por controlos homeostáticos, impulsos e instintos.” (DAMÁSIO), é evidente que muitas das respostas do indivíduo ao nível social se assumem como vitais e de sobrevivência, não tendo este cons-ciência das mesmas, bem como por vezes da sua própria desadequação, relativamente aos padrões sociais adoptados.

Tal situação pode também ocorrer, conforme tem vindo a ser estudado pelos neurocientis-tas actuais, pela impossibilidade das respostas socialmente adequadas estarem disponí-veis aos indivíduos, caso o cérebro tenha sido parcialmente lesionado, eventualmente por produção desadequada de substâncias químicas naturais nele próprio produzidas, nomea-

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damente nas regiões pré-frontal ventromediana e nos córtices cerebrais dos lobos frontais, conforme indicam estudos efectuados.

Segundo tais estudos, lesões nas áreas atrás referidas, comprometem a capacidade dos indivíduos planearem o futuro, impedem-nos de saberem conduzir-se de acordo com as regras sociais e mesmo de terem capacidade para decidir sobre o curso de acções mais vantajosas para a sua própria sobrevivência.

Simultaneamente, tais lesões podem provocar a incapacidade do indivíduo de sentir Ver-gonha ou Compaixão, sem que nada se altere quanto à sua capacidade de sentir Tristeza, Felicidade ou Medo.

Nesta perspectiva, poderemos pensar que determinados comportamentos anti-sociais po-derão ser provocados involuntariamente pelos seus autores, não os reconhecendo estes como seus ou desconhecendo formas de se auto-controlarem.

Numa perspectiva clássica, mais atenta à exteriorização dos comportamentos que às suas origens, autores como KIRK e GALLAGHER (1987) englobam no Comportamento Problemá-tico quatro categorias principais:• Distúrbios de conduta;• Ansiedade-retraimento;• Imaturidade;• Agressão socializada

No caso da primeira categoria, a dos Distúrbios de Conduta, o indivíduo, na perspectiva destes autores, poderá apresentar uma ou mais das seguintes características:- Mau-humor na maior parte do tempo, sorrindo, quanto muito, raramente;- Frequentes explosões de temperamento, podendo atacar com fúria outras pessoas, prin-

cipalmente em situações de frustração;- Crueldade para com animais, podendo torturar ou até mesmo matar;- Com poucos sentimentos de culpa;- Linguagem irreverente e desafiadora, mesmo para os mais velhos e para qualquer forma

de autoridade;- Podendo ter grandes habilidades físicas e reduzidas habilidades interpessoais;- Contactos sociais limitados a alguns jovens com as mesmas propensões;- Desempenho escolar abaixo da média, com indisposição e hostilidade em aceitar correc-

ção ou ajuda.

Esta categoria, segundo os autores atrás referidos, poderá incluir crianças que são descri-

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tas como hiperactivas e inquietas.

A actividade motora elevada dos hiperactivos interfere necessariamente na recolha correc-ta de informações, principalmente vindas através dos canais visuais, perturbando e dificul-tando a aprendizagem e a concentração.

O processo de reacção cerebral, não discriminativo, leva o indivíduo a responder ao primei-ro estímulo razoável, sem conseguir avaliar a qualidade da escolha ou considerar outras possibilidades.

Isto é, devido à incapacidade dos jovens hiperactivos seguirem as instruções dadas pe-los adultos e em particular pelo professor, pela constante distracção de que são alvo, o que os impede de persistirem nas tarefas, leva a que a sua irritabilidade seja constante, transferindo para estes as causas do seu mal-estar e acusando este último do seu insu-cesso, respondendo com a perturbação frequente das aulas, não conseguindo em suma, uma situação de aprendizagem nem uma satisfação pela conclusão correcta das tarefas incumbidas.

Esta revolta pela ausência de viver o sucesso, leva DOUGLAS (1972) a defender que a hipe-ractividade está frequentemente associada aos distúrbios de conduta e pode ser percursora de comportamentos marginais.

Existem contudo, outros tipos de Comportamentos Problemáticos.

Um deles refere-se ao tipo de crianças com Agressão Socializada.

Este tipo de comportamento tem algumas das características ou problemas de comporta-mento das crianças com distúrbio de conduta, diferindo deste no aspecto em que mantém relações sociais com um grupo de colegas, geralmente um bando, com comportamento desadequado e marginal.

É natural poder-se observar conjuntamente um comportamento orientado para o roubo, a ociosidade e comportamento de bando, representando este tipo de comportamento um perigo evidente para a sociedade.

Contudo, teremos que compreender que muitas vezes, na ausência de um modelo parental de referência, na ausência de limites e de normas, na ausência de condições estruturantes de apoio ao “treino” de competências pessoais, de independência pessoal, o jovem procura na rua, no bando, esses mesmos valores, que lhe permitam desenvolver o seu sentimento

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de “pertença a algo”, de assunção de capacidades enquanto ser maior e já não dominado por outros ou por condicionalismos envolvimentais.

Este é um aspecto tão importante que valerá a pena ser tratado com a maior atenção, com-preendendo-se as razões dos comportamentos agressivos de grupo e a forma como estes ainda representam uma resistência ao isolamento pessoal e a uma vivência sem sentido e sem futuro.

Como refiro muitas das vezes, o jovem ao crescer, tem necessidade de se afirmar, de se mostrar como válido, como existente. Se a sua afirmação não pode ser garantida pela po-sitiva, só lhe resta manifestar-se pela negativa.

O problema é que muitas vezes os adultos, a família, os professores, a sociedade em geral, não está desperta para estas situações e só quando se vê confrontada como a violência e com o desrespeito das regras sociais se dá conta de que não se agiu atempada e correc-tamente.

Voltando aos tipos de comportamento problemático a que me tenho vindo a referir, é evi-dente que estes poderão não aparecer no seu estado típico, antes conjugados com outros, como por exemplo o da Dimensão Imaturidade.

A situação geral tende ainda a agravar-se pela reprodução e ampliação destes comporta-mentos nas novas gerações, fruto de situações de paternidade / maternidade precoces e de impreparação para a assunção de responsabilidades parentais.

Neste sentido é evidente a pertinência e urgência de uma acção concertada de preven-ção.

De acordo com KIRK e GALLAGHER (1987), “os problemas do comportamento a-social e anti-social, podem levar a comportamento anti-social na vida adulta, que por sua vez pode criar uma atmosfera familiar que resulte numa nova geração de crianças anti-sociais, e desse modo o ciclo continua”.

A importância de uma intervenção eficaz com este tipo de indivíduos, resulta não apenas do facto de se prevenirem situações de mau-estar, desconforto e sofrimento por parte destes, mas ainda de se tentarem reduzir situações “epidémicas” que poderão ocorrer na pré-ado-lescência, bem como evitar ou tentar reduzir os factores que tendem a que estes jovens, em idade adulta, contraíam geralmente ligações familiares com outras pessoas com as mesmas características, pelo que as crianças nascidas dessas uniões terão necessaria-

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mente maiores problemas que as nascidas noutros grupos, ampliando-se e reforçando-se o círculo de dependência social e de exclusão.

Nesta perspectiva, tende-se a perpetuar e a acentuar o ciclo geracional de marginalização e/ou de exclusão social, ampliado exponencialmente pelos efeitos da Globalização.

Isto é, até há bem pouco tempo, as causas dos actuais problemas económicos locais eram geralmente atribuídas, pelas respectivas populações, aos seus governos locais, regionais ou nacionais, como sendo resultantes de uma menor dedicação pessoal, de uma visão polí-tica menos adequada, de uma maior ou menor capacidade de gestão de recursos humanos, técnicos ou financeiros.

Só muito recentemente é que a generalidade das populações dos países industrializados se aperceberam que todos estes problemas não têm origem no espaço circundante das suas casas e nem sequer no espaço regional ou nacional.

Porém, se a “crise” é geral, as consequências serão particularmente graves para países mais dependentes economicamente de trocas com o exterior e para populações desfavo-recidas, com um reduzido grau de escolaridade ou com elevado grau de iliteracia, sem formação profissional, sem especialização no mundo laboral, com modelos de vida e ges-tão pessoal e familiar disfuncionais, com défices acentuados de intervenção cívica e de consciência e prática comunitária.

Numa perspectiva de sobrevivência e bem-estar humanos, assume-se como inevitável a resistência contra os aspectos mais nefastos da globalização, o que passa pela implicação das populações, numa perspectiva de intervenção baseada nos princípios da “ecorrespon-sabilidade” e do “empowerment”.

Isto é, a compreensão da interdependência existente entre os processos ecológicos (am-bientais naturais), económicos, sociais e políticos, bem como da forma como qualquer intervenção que afecte um grupo de cidadãos afectará indiscutivelmente todos os outros, terá que levar à necessidade dos indivíduos se assumirem como cidadãos, como conscien-tes dos problemas que os afectam, pronunciando-se e intervindo sobre os mesmos.

É evidente que as famílias deslocadas do seu ambiente cultural de origem (emigrantes e migrantes), as famílias que perderam as suas referências familiares (famílias nucleares), que perderam as suas referências culturais (2ª e 3ª gerações de deslocados), estão mais expostas à agressividade dos efeitos da globalização, menos defendidas de pressões ex-teriores, de modelos consumistas que propiciam a sua própria aculturação e mesmo em

19“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

alguns casos, marginalidade.

Entre os aspectos que mais influenciam a vida das pessoas, está o da mudança da “con-cepção do tempo”. Mudou a relação entre o tempo vital e o tempo social, como mudou a forma de controlo e gestão dos mesmos. Foram diluídos os períodos de vida dos indivíduos – juventude, maturidade e velhice – onde eram reconhecidos papéis específicos de género em cada etapa da vida, tendo sido destruída a “solidariedade intergeracional” específica do anterior Estado de Bem-Estar.

Estes aspectos assumem-se hoje de importância vital para os grupos socialmente mais fragilizados, menos crentes da capacidade solidária da comunidade, ficando naturalmente mais perdidos num espaço quotidianamente alterado, no tempo presente, num tempo sem perspectivas de futuro, numa reduzida escala de relação com os outros, com a comunida-de, assumindo atitudes progressivamente mais agressivas para com todos os outros, quase sempre de forma indiscriminada.

Numa outra perspectiva de análise, poderemos dizer que com a precariedade de trabalho, com a rotação laboral e com a competitividade dos mercados de trabalho, também deixou de existir um tempo que não seja o de aprendizagem contínua, o que levou à invasão do tempo e do espaço familiar.

Também neste aspecto os indivíduos menos socializados são os que serão mais afectados pelos efeitos da globalização, visto que as suas competências de adaptabilidade serão mais reduzidas, a elevada competitividade desenvolverá nestes, graus mais elevados de stress e de ansiedade o que se reflectirá numa maior “confusão” da sua vida familiar, com consequentes índices acrescidos de disfuncionalidade.

Mas mudaram também os “valores”. Mudaram na educação, na escola e fora desta, na família e na comunidade, limitando as formas, as funções e os valores familiares.

Com a Globalização, no período formal de educação, os valores tradicionais de uma escola passiva, de um saber pouco prático, de uma “amestração” social, de uma dependência de saberes centrados no professor, funcionam nos alunos como uma maior receptividade passiva ao consumismo.

Também ao nível da família os valores mudaram. As funções da família, cada vez mais nuclear, pela desarticulação da família tradicional, tornaram-se progressivamente mais di-fíceis de assumir, nomeadamente no âmbito da socialização, pela competição das novas lógicas de consumo, pela força e impacto dos novos meios de comunicação e pelos valores

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alternativos que estes transmitem.

A independência económica por parte da mulher e a cultura do consumo propiciaram o “companheirismo”, nova fórmula de relacionamento “familiar” que assim vai adiando, em classes médias, o comprometimento formal e muitas vezes a constituição da família e a ideia de ter filhos.

No caso de indivíduos de meios desfavorecido, esta situação é diferente, originando um grande número a gravidezes e paternidades precoces ou originando famílias monoparen-tais, sem qualquer história comum de vida ou de afectos, resultantes de ligações ocasionais e de uma deficiente ou não interiorizada informação sobre os efeitos de comportamentos sexuais pouco adequados.

Como ideia geral, fica a de que a situação perante o trabalho mudou mas acentuou as situações de discriminação derivadas da idade, do género e da situação sócio-económica e cultural, tendo criado novas e dissimuladas formas de sujeição da mulher e das populações socialmente mais fragilizadas, embora num novo contexto.

Nos nossos dias, com a globalização, o trabalho envolve outras dimensões como o su-bemprego, o desemprego permanente, os estágios sucessivos, as baixas por doença, o trabalho ocasional, as economias paralelas (trabalho submerso), a especulação financeira, tendo vindo a afectar aqueles que trabalham e vivem em situações mais precárias; os que aceitam participar em sistemas económicos e produtivos paralelos, que muitas vezes se encontram à margem dos valores, das normas sociais aceites e do sistema legal em vigor, contribuindo para uma progressiva marginalização destes e para a reprodução de modelos de exclusão geracional (procedimentos, hábitos e vivências transmitidas de geração em geração).

Desta situação desregrada no mundo dos adultos, resulta também um progressivo desin-teresse dos jovens, em particular do género masculino, pela escola, pelas possibilidades futuras que potencialmente se abrirão no mundo do trabalho, dando origem ao descrédito pela instituição e pelos seus profissionais.

É portanto neste contexto que faz todo o sentido adoptar medidas preventivas da exclu-são, intervindo prioritariamente junto das gerações mais novas, evitando a reprodução dos modelos vivenciados pelos seus progenitores, mas também promovendo acções junto das populações adultas, na perspectiva de atenuar situações de exclusão muitas vezes asso-ciadas a problemáticas de consumo de drogas e álcool ou de disfuncionalidade crónica, de abandono efectivo dos mais jovens.

21“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

Em qualquer dos âmbitos da intervenção, na era da globalização, onde as adaptações têm que ser constantes, torna-se fundamental a adopção de metodologias que desenvolvam o “empowerment”, única forma de combater a exclusão social e a sua reprodução.

É na perspectiva de que a “Globalização” poderá empurrar cada vez um maior número de indivíduos desprotegidos para a exclusão, nomeadamente os que por desinvestimento so-cial não têm, ou não desenvolveram, mecanismos que lhes permitam poder adoptar com-portamentos sociais adequados, devido a “incapacidade mental e social” adquirida, que apresentamos as “Actividades de Risco Controlado” em geral, e a Escalada em particular, na sua vertente de Escaladaterapia.

Esta é portanto entendida como recurso e metodologia de intervenção educativa e terapêu-tica adequada a jovens que em tempo oportuno não tiveram a cesso a um processo regular e adaptado de socialização, sendo hoje caracterizados como com problemas de comporta-mento social, nestes incluindo as Desvantagens Sócio-educativas / Défices de Socialização significativos e os Problemas Emocionais e do Comportamento.

Em minha opinião, perante qualquer destas problemáticas, a situação tende a agravar-se, caso a resposta a tais comportamentos desadequados passe pela privação de liberdade dos seus autores, passe pela privação da convivência social.

Neste sentido, pensar que a privação do contacto social destes indivíduos com outros, com os respeitadores das regras e valores sociais, para que, isolados, ou apenas convivendo com pessoas com os mesmos problemas, adquiram essas capacidades, parece-me um real contra-senso.

Será quase o mesmo que ensinar natação numa piscina sem água, prometendo ao nadador que quando saiba os movimentos (em seco), saberá nadar… tendo só nessa altura possi-

bilidade de ter água para nadar.

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2. Da inacessibilidadedo exercício da cidadania aosComportamentos de Risco e àIntervenção Educativo-Terapêutica com recurso às Actividades de Risco Controlado (ARC) e à Escaladaterapia

Utilizando técnicas de Neuroimagem (Tomografia Computorizada), onde podem ser apre-ciadas a criação de imagens da anatomia e actividade do cérebro humano e consequente “Mapeamento da geografia do cérebro que sente”, o Prof. António DAMÁSIO construiu as seguintes hipóteses:1º) Certas espécies de sentimentos podem ser bloqueados pela lesão de um sector cere-

bral discreto; a perda de um sector cerebral específico implica a perda de uma classe específica de fenómeno mental.

2º) Sistemas cerebrais diferentes controlam diferentes espécies de sentimentos; a lesão de uma certa região anatómica cerebral não causa a perda de todas as formas possíveis de sentimento.

3º) Quando os doentes perdem a capacidade de exprimir uma determinada emoção tam-bém perdem a capacidade de sentir o correspondente sentimento. Contudo, alguns doentes incapazes de sentir certos sentimentos podem ser capazes de exprimir as emoções que lhes correspondem – ou seja, é possível exibir uma expressão de medo mas não sentir medo.

Concretamente, quer isso dizer que os indivíduos vítimas de lesões em determinados sec-tores do cérebro, lesões físicas infligidas do exterior ou, digo eu, eventualmente originadas internamente por vivências violentas com consequente desencadeamento de sobrecargas hormonais, poderão vir a não ser capazes de controlar os seus impulsos e de aplicar as regras de comportamento social que conhecem.

Por outro lado, vivências traumáticas que possam ter inibido o desenvolvimento de cer-tas emoções e consequentemente impediram o desenvolvimento da capacidade de sentir o mesmo sentimento, podem ser responsáveis pela impossibilidade de manifestação do mesmo em idades adultas.

Assim, os indivíduos afectados emocional e negativamente durante a sua infância, têm difi-culdades em adequar os seus comportamentos sociais às regras existentes, que conhecem mas que não estão disponíveis para utilização quando o indivíduo está perante situações concretas de vida.

23“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

Eventualmente, esta situação poderá ainda ocorrer por as regras e valores sociais estarem “armazenadas” num sector do cérebro diferente do responsável pela sua aplicação, não tendo sido treinada, atempada e adequadamente, a ligação entre ambos.

Os mecanismos de reconhecimento das regras e o da sua aplicação concreta encontram-se em depósitos estanques, parecendo não haver qualquer ligação entre os mesmos.

Idêntico, pode acontecer a doentes com anomalias profundas, em termos de comporta-mento social, e que podem continuar a ter um excelente desempenho em muitos, ou mes-mo na maioria, dos testes de inteligência.

Estas teorias, de cariz essencialmente biológico, não põem em causa o papel da socieda-de nem as explicações sociológicas sobre o comportamento humano. Antes, reforçam e explicam como as relações sociais intervêm nos mecanismos biológicos, que acabam por condicionar em grande parte as nossas respostas adaptativas e de relacionamento social.Por isso, como refere DAMÁSIO, “…a solução para o problema da violência social não virá apenas de se considerarem os factores sociais e se ignorarem os factores neuroquímicos correlacionados, nem virá da atribuição das culpas a um único agente neuroquímico. É necessária a consideração de ambos os tipos de factores, sociais e neuroquímicos, em proporção adequada.”

Restará ainda sublinhar que existe uma relação entre o bem-estar, a protecção e a adequa-ção do comportamento social.

Nesta aspecto, Espinosa estabeleceu um nexo entre as noções de bem e mal, de liberdade e salvação, por um lado, e os afectos e a regulação da vida.

Como refere DAMÁSIO, “…os sentimentos são a expressão do florescimento humano ou do sofrimento humano, na mente e no corpo…Os sentimentos podem ser, e geralmente são, revelações do estado da vida dentro do organismo”.

É das condições de bem-estar, conforto e segurança que decorrerão melhores condições de receptividade aos outros, às regras e ao funcionamento social.

Isto porque “no curso da evolução biológica, o equipamento inato e automático do governo da vida – a máquina homeostática – tornou-se muito sofisticado. Na base da organização da homeostasia encontramos respostas simples, tais como a de aproximação ou de retrai-mento de um organismo inteiro em relação a um determinado objecto; ou a de excitação ou quiescência. Nos níveis mais altos da organização encontramos respostas competitivas ou de cooperatividade.”

Não podemos portanto esperar cooperação e boa vontade de indivíduos que nas suas pri-

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meiras vivências não só não foram treinados para tal, como desenvolveram mecanismos de fuga e evitamento no contacto com os outros.

Esses mecanismos de rejeição foram interiorizados na criança como protectores e por isso mesmo as reacções mais anti-sociais dos jovens podem ser entendidas por estes como essenciais para a regulação da sua vida e promoção da sobrevida, funções básicas de todo o ser vivo.

Como referia ESPINOSA, utilizando o termo “Conatus” para identificar o esforço implacável da auto-preservação presente em qualquer ser, este “(conatus) diz respeito não só ao ímpeto de auto-preservação, mas também ao conjunto de actos de auto-preservação que mantêm a integridade de um corpo. Apesar de todas as transformações por que um corpo vivo passa, à medida que se desenvolve, substitui as suas partes constitutivas e envelhece, o conatus encarrega-se de respeitar o mesmo plano estrutural em todas essas operações e, deste modo, de manter o mesmo indivíduo.”

Por esta razão, é que é tão difícil alterar o comportamento do indivíduo e sobretudo em idades mais avançadas.

Reconhecendo-se que os factores neuroquímicos têm a sua acção decisiva e que negati-vamente ocorrem por vivências traumatizantes, urge então adoptar uma atitude preventiva que evite o sofrimento e a instabilidade das crianças, que impeça o desencadear de pro-cessos de defesa desajustados e desequilibradores.

Sabendo que “os primeiros anos de vida são os mais decisivos para a construção emocio-nal de cada um...” torna-se premente que o apoio às famílias seja próximo e efectivo e que estas sejam responsabilizadas claramente pelos seus actos de maus-tratos, violações ou mesmo de negligência.

Como refere DAMÁSIO, “…as emoções cujo desenrolar é aparentemente misterioso não se confinam às emoções sociais inatas. Existe uma outra classe de reacções cuja origem não é consciente mas formada pela aprendizagem durante o desenvolvimento individual. Estou-me a referir àquilo que aprendemos a gostar ou a detestar, discretamente, ao longo de uma longa experiência de percepção e emoção em relação a pessoas, grupos, objectos, actividades e lugares…

Foi com a consciência de que a redução dos comportamentos delinquentes se pode obter através de um plano preventivo que ajude a estruturar os sentimentos do adolescente, que elaborámos o projecto “Da Aventura ao Trabalho”, que vai ser abordado na última parte deste trabalho, nele fazendo incidir, como recurso estruturante, as Actividades de Risco Controlado.

25“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

Estas actividades, nomeadamente a Escalada, inscrevem-se na perspectiva de “modela-gem dos sentimentos”, nomeadamente os que interferem directamente com as atitudes e comportamentos sociais.

Não podendo nós intervir precocemente e na família, pretendemos contribuir para o estudo da modificabilidade comportamental e no quebrar do círculo “vicioso” da passividade, des-responsabilidade e marginalidade.

Assim, ao propormo-nos intervir junto de um conjunto de jovens com problemas de com-portamento social, teríamos inevitavelmente que intervir ao nível dos seus sentimentos, parecendo-nos, pelo referido nos anteriores capítulos, não ser possível fazê-lo sem uma intervenção ao nível da própria emoção.

E para uma intervenção eficaz, teria necessariamente de “mexer” com os indivíduos, com aquilo de que mais profundo possuíam: medo, angústia, desconhecimento de si e dos outros.

Por outro lado, baseando-nos na ideia de que só “Os sentimentos de dor ou prazer são os alicerces da mente”, como refere Damásio e como referem outros autores, reforçando que praticamente só as experiências sensoriais que causam prazer ou dor, são lembradas, constituindo-se à sua volta modelos de memória adequados e referenciados, ligados es-treitamente ao controlo e avaliação do tipo de informações que recebemos. (in: Hipotálamo: Centros de Recompensa e Centros de Dor), pareceu-me que a intervenção teria que envol-ver necessariamente o corpo.

A ideia de intervir ao nível da emoção e dos sentimentos, da mente, sem envolver o corpo, pareceu-me ineficaz e acabou por ser reforçada com a opinião fundamentada de especia-listas.

Efectivamente, a ideia da íntima relação entre cérebro / alma e corpo é explicitada em inúmeros autores, trespassando as suas formações académicas e as suas especializações, desde Espinosa a Damásio, passando por E. Morin, M. Ponty, M. Sérgio, David le Breton.

Se DAMÁSIO afirma que “…a mente existe dentro de um organismo integrado e para ele; as nossas mentes não seriam o que são se não existisse uma interacção entre o corpo e o cérebro durante o processo evolutivo, o desenvolvimento individual e o momento actual”, já M. PONTY invoca que “O Corpo é o meio e o lugar onde me experimento, onde me reconhe-ço como existente” e Edgar MORIN conclui: “O Corpo é bem mais do que o físico”.

Parece portanto ser comum a ideia, como refere DAMÁSIO, de que “…o cérebro humano e o resto do corpo constituem um organismo indissociável, formando um conjunto integra-do por meio de circuitos reguladores bioquímicos e neurológicos mutuamente interactivos

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(incluindo componentes endócrinas, imunológicas e neurais autónomas ” e de que “…o organismo interage com o ambiente como um conjunto: a interacção não é nem exclusiva-mente do corpo nem do cérebro…”.

Ficou claro que qualquer intervenção educativa e terapêutica com vista à modificabilidade do comportamento social, envolvendo emoções e sentimentos, terá necessariamente que recorrer ao envolvimento tanto da mente como do corpo.

Para DAMÁSIO, “…o amor, o ódio e a angústia, as qualidades de bondade e crueldade, a solução planificada de um problema científico ou a criação de um novo artefacto, todos eles têm por base os acontecimentos neurais que ocorrem dentro de um cérebro, desde que esse cérebro tenha estado e esteja nesse momento a interagir com o seu corpo. A alma respira através do corpo, e o sofrimento, quer comece no corpo ou numa imagem mental, acontece na carne.”

Também a opinião de ESPINOSA é de que os organismos, os seres vivos, são dotados de capacidade para agir emocionalmente a diferentes objectos e acontecimentos e de que essa reacção é seguida de um sentimento onde a sensação de prazer ou dor são compo-nentes desse sentimento. (Espinosa *). The Ethics, Parte IV, Proposição 7, ibid.)

Estes princípios, intersectados pela ideia de que o poder dos afectos é tal que a única possibilidade de triunfar sobre um afecto negativo – uma paixão irracional – requer um afecto positivo ainda mais forte, desencadeado pela razão e de que “Um afecto não pode ser controlado ou neutralizado excepto por um afecto contrário mais forte do que o afecto que necessita de ser controlado”, fizeram-nos decisivamente aceitar e adoptar a prática de actividades de Risco Controlado, realizadas em meio natural, destas destacando a Escalada em Rocha, como um recurso educativo e terapêutico na intervenção com grupos-alvo com problemas emocionais e do comportamento.

Isto é, se os grupo-alvo identificados com problemas de comportamento tinham sido alvo de vivências negativas, traumatizantes, violentas, era necessário adoptar uma metodologia que os confrontasse com uma prática que os envolvesse corporal e emocionalmente, igual-mente marcante, igualmente violenta mas de sinal positivo.

Já numa perspectiva de ordem mais de reconhecimento social, as actividades de risco e a escalada em particular afiguram-se e potencialmente receptivas pelos destinatários porque, como referia David Le BRETON (1994), actualmente e junto dos jovens adultos, “O CORPO passou a ser por excelência o lugar do investimento e valorização individuais”.

Por outro lado, este tipo de intervenção está identificado com o lazer e com a modernida-

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de ao contrário das tradicionais intervenções vistas como “moralizantes”, e por isso logo desvalorizadas.

O risco físico está contudo intimamente ligado à procura de referenciais, como refere David Le BRETON, “na ausência de referenciais sociais e culturais sólidos, o indivíduo é levado a procurar em si, e por si, os seus próprios valores”.

E BRETON reforça: “Os Comportamentos de Risco assumem-se, para o adolescente, um caso pessoal de “cultura” do conhecimento de si próprio”, o que é tanto mais pertinente quanto este se sente perdido na sociedade.

Para este autor, os novos modelos de aventura, onde a exposição ao risco é quase absolu-ta, consagram a emergência de uma situação em que não se trata tanto da exploração do mundo, que sempre atraiu os jovens socialmente inseridos, mas de uma “exploração” de si mesmo através do mundo, do seu corpo vivenciando o risco, o que torna os lugares por onde passa, de certa forma, indiferentes, meros “décors” para um percurso pessoal.

Dentro da mesma linha de pensamento, referindo-se explicitamente aos jovens que se expõem ao risco através de condução perigosa de velocípedes, M.P. MATOS (1991) afirma: “…perante a angústia da morte, o sujeito procura, paradoxalmente, dar conscientemente a morte a si mesmo enquanto uma parte do próprio sujeito imagina que não vai morrer, que é imortal.”

A procura do risco surge assim da necessidade do adolescente “sentir a vida”, de “saber e poder” adoptar mecanismos de ultrapassagem dos riscos e do desejável “reconhecimento” social, pelo grupo de pares, das suas capacidades.

O risco está também ligado “ao mágico”, à metafísica, à protecção de forças superiores, situação que é tanto valorizada quanto os jovens não compreendem as situações proble-máticas em que vivem e se relacionam.

Contudo, para os técnicos, a utilização do RISCO como actividade, controlada, tem ainda um papel fundamental no desenvolvimento emocional e intelectual, psicológico, do desti-natário, ajudando-o a adaptar-se, a desenvolver capacidades de resistência às frustrações que terá de enfrentar no quotidiano.

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3. Uma MetodologiaInovadora

3.1. As Actividades de Risco Controlado (A.R.C.) e a Escalada

Decorrente do referido anteriormente, uma questão se poderá pôr: mas porquê as Activida-des de Risco Controlado e a Escalada? Não poderiam ser outras actividades? Não poderia ser a intervenção realizada com outro método?

A questão é que se trata de intervir numa área sensível e num tempo que já não é o ade-quado…

Isto é, a aquisição de regras sociais faz-se em tempo útil, nos primeiros anos de vida da crian-ça, gradualmente, e de forma natural, sem grande oposição, de forma passiva, o que ocorren-do em idades mais avançadas, acarreta esforços demasiados e resultados duvidosos.

Porque os mecanismos de dor e prazer são os mesmos das emoções e dos afectos, como veremos mais adiante, crianças privadas de afectos e de um desenvolvimento adequado na idade própria, vêem-se privadas de mecanismos que permitam mais tarde uma resposta comportamental adequada às exigências do convívio social.

Para revivificar o indivíduo, para trabalhar as suas estruturas mentais mais profundas que foram afectadas por carências várias e acidentes de percurso, como já referimos, teremos que ir até aos mecanismos e zonas da emoção, vivenciado situações tão intensas como po-sitivas, no sentido de tentar recuperar anos de traumas e criar mecanismos protectores.

É neste sentido que surgem as ARC como recurso de intervenção educativo - terapêutico.

O conceito de ARC abrange um conjunto de actividades que, envolvendo um elevado risco de segurança dos envolvidos (participantes) e uma consequente preparação específica dos técnicos de enquadramento, permite dizer que, caso as regras de segurança sejam escru-pulosamente respeitadas, a taxa de acidentes será bastante reduzida, para não dizer nula.

A vantagem da utilização da terminologia “Risco Controlado”, relativamente ao conceito simples de Risco, é a de que aquele acentua o papel da consciência do indivíduo quando em actividade, o do respeito pelo cumprimento de regras de segurança e do respeito pela vida pessoal e pela dos elementos do grupo.

29“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

Assim, o conceito de Risco Controlado opõe-se frontalmente ao de Exposição ao Risco.

É fundamental, para os grupos socialmente vulneráveis, visualizarem situações em que o risco está presente mas onde o sistema de segurança é credível e eficaz, o acompanha-mento técnico assegura uma aprendizagem sobre o controlo da parte emocional, enfim, o Risco é Controlado.

Simultaneamente, os indivíduos em prática apercebem-se de que situações do género nada têm a ver com a Exposição ao Risco, podendo estes ser resultantes quer de consumos de substâncias psicoactivas, onde não só a qualidade da sua composição não é garantida, como o não é o controlo do corpo pelo indivíduo, tal como os comportamentos rodoviários de risco, onde são desconhecidas as atitudes dos outros condutores perante manobras incorrectas.

Como referido anteriormente, no conceito abrangente de A.R.C. integrámos como activida-de de referência, a Escalada.

Mas o que é afinal a Escalada?

Poderemos dizer que a Escalada é uma disciplina actualmente integrante do Montanhismo e define-se como a progressão numa superfície, (geralmente natural - rocha), com elevada componente de verticalidade.

A Escalada ao desenrolar-se sobre um terreno de jogo: os blocos e as falésias, tornou-se natural, pois o escalador não utiliza, para a sua progressão senão, as asperosidades da rocha, o que faz com a ajuda dos pés e das mãos.

Isto é, o praticante ao estar seguro por cordas, de preferência com características espe-ciais, não deverá utilizá-las para progredir em escalada natural, tendo as mesmas unica-mente a finalidade de garantir a sua integridade física em caso de queda.

Apesar das diferenças de conceitos técnicos que possam existir, nomeadamente entre a Europa e a América, convencionou-se que na “Escalada” poderão existir diferentes graus de dificuldade na progressão, partindo do mais simples, grau 3, quando para tal o indivíduo tenha de utilizar os 4 apoios (mãos e pés) até aos passos altamente técnicos, podendo ir hoje chegar ao nível 9 superior, impensável até há bem pouco.

A Escalada poderá ter lugar em plena natureza, em espaços abertos, ou em espaços “ur-banizados”, em Paredes Artificiais, que poderão estar em espaços fechados, tipo ginásios, equipados especificamente para esta prática, tendo por isso recebido a designação de “Rocó-dromos”, ou em espaços abertos, em parques, em jardins ou noutros preparados para tal.

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Estes espaços são equipados com estruturas montadas artificialmente, podendo em casos mais especiais ser bastante semelhantes a rochedos, contendo superfícies geralmente ela-boradas à base de resinas, com uma altura nunca superior a 15 metros.

Contudo, antes de ser um desporto, a escalada foi antes de mais, a história de uma con-frontação: a do homem com o rochedo, tal como a verticalidade o é para o ser humano.Todos sabemos, pela observação mesmo despreocupada da evolução das crianças no cír-culo familiar, por limitado que este seja, que desde muito cedo, estas procuram elevar-se, porem-se direitas, atingir a verticalização.

Tentam agarrar-se numa primeira fase às grades da cama e depois, já no chão, tentam subir para cadeiras, camas, móveis. Ao fim de alguns anos, mesmo depois de muitas cam-balhotas e alguns sustos, o desafio é subir portões, muros, árvores, o que quer que seja, muitas vezes constituindo esta uma das principais preocupações dos pais, com receio que as crianças se magoem.

Se as razões mais profundas deste comportamento são discutíveis, o mesmo não se poderá dizer do comportamento observado, visto que ele é comum à espécie humana.

Por imitação ou por mensagem genética, a verdade é que todas as crianças, mesmo quan-do contrariadas, sentem o desejo de se levantar, de atingir a verticalização, de subir…

A procura da verticalização como hipotética mensagem genética, transmitida de geração em geração, teve como fim abranger um maior horizonte visual, com um inevitável desafio da gravidade e da altitude, da instabilidade, do risco.

O Homem aprendeu assim ao longo dos tempos a encontrar no instável e na tensão, a cha-ve para a sua segurança e equilíbrio. E é nesta procura constante de equilíbrio, feita mesmo com o recurso à instabilidade, na sequência instabilidade, procura de equilíbrio e repetição de novo ciclo, que se tem forjado e baseado o desenvolvimento humano.

Actividade durante muito tempo vista como elitista e complexa, a escalada é com efeito de uma simplicidade espantosa: trata-se, segundo a dificuldade proposta, do indivíduo se ele-var sabendo como melhor utilizar o seu corpo e os seus próprios recursos. Compreende-se assim, as imensas qualidades educativas que ela propõe em meio educativo.

Todos estes aspectos dão a esta prática um aspecto lúdico de possibilidades quase infinitas (porque o reportório gestual é imenso), abrindo-o a um maior número de praticantes. Daqui a sua democratização e a sua popularidade crescentes.

É possível que, quer a referida hipotética mensagem genética, quer a aprendizagem por

31“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

imitação, e respectivo incentivo social, sejam os suportes para o prazer ou necessidade de se correrem riscos, de se procurar o equilíbrio no instável, de se explorarem montanhas, de se subirem rochedos, de se buscar mais além explicações para o que nos é vedado ao conhecimento num dado momento histórico, pessoal ou colectivo.

Desta necessidade de conhecimento, de procura de respostas, de descoberta de Si na natureza, nasceu o Montanhismo, e por arrastamento, a Escalada.

Quanto à Escalada em Rocha, esta apareceu como disciplina do Montanhismo, mais ou menos autónoma e generalizada, há relativamente pouco tempo, talvez nos finais dos anos 60, um pouco por toda a Europa, e só no início dos anos 80 em Portugal.

3.2. A Escaladaterapia

O termo “Escaladaterapia” foi adoptado em França, tendo em conta a forma como é utiliza-do, ao nível dos objectivos e das metodologias empregues. Isto é, como recurso terapêutico em saúde mental e na intervenção em toxicodependência, como recurso de reeducação com deficientes e na socialização e inserção social em animação de rua.

Neste contexto, a Escalada, nomeadamente em rocha, não é vista como prática desportiva, estando os seus objectivos centrados na actuação do técnico especializado para tal e no acompanhamento pedagógico ou terapêutico ao praticante / utente / cliente, sendo utiliza-das em complemento, metodologias interventivas de interacção grupal ou individual, quer no âmbito da psicologia e psiquiatria, quer da intervenção educativa socializante.

Considerando que nas actuais correntes da Sociologia do Comportamento, as Sociopatias têm papel de relevo, enquanto “doenças” provocadas por deficiente socialização e integra-ção social, é na intervenção com recurso à Escalada que se pretende atingir a modificabi-lidade comportamental dos indivíduos em causa.

Também no nosso país, tal como em contextos semelhantes noutros, a adopção do termo “Escaladaterapia” parece-me pertinente.

A Escalada, enquanto disciplina do montanhismo, é vista neste contexto, como recurso de intervenção técnica, de aproximação ao utente e de potenciação de resultados de interven-ção ao nível psíquico e social.

Com a Escaladaterapia, pretendo que o praticante / utente / cliente aprenda a observar o seu próprio comportamento quando em situação de crise, de ansiedade, de descontrolo emocional, reconheça a necessidade de apoio técnico para melhor se saber auto-controlar,

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aprendendo a evitar com maior eficácia a manifestação de comportamentos sociais proble-máticos, de impulsos anti-sociais.

Este tipo de intervenção poderá incidir também nas características de retracção e depres-são dos jovens, tornando-os capazes de expressar os seus temores mais escondidos e me-lhorando o seu baixo autoconceito, através do desenvolvimento de competências pessoais e sociais progressivamente reconhecidas e desenvolvidas.

A intervenção na Escaladaterapia enfatiza o ambiente ecológico do indivíduo, levando à interacção deste com o ambiente natural, com os grandes espaços de aventura, ganhando progressivamente o prazer pela liberdade de movimentos.

Considero que para se poder pensar no sucesso do processo de socialização e integração dos utentes, deve ser fulcral a auto-descoberta do prazer, mesmo, e sobretudo, quando este é ganho e conquistado com esforço e tensão.

Por outro lado, a integração e a aprendizagem de regras sociais não pode nem deve ser feita contra ou à margem da família de origem, e do grupo de convívio e de referência dos jovens, pelo que não defendo o afastamento forçado e artificial dos mesmos dos locais e das companhias anteriores, podendo preferencialmente trabalhar com o conjunto do grupo, aproveitando as suas sinergias ou ajudando-o a criar sinergias positivas.

Por estas razões, defendo que a intervenção deverá ser feita em grupo, integrando equili-bradamente os elementos de confiança do utente, desde que fique garantida com margem de segurança, que estes não porão em risco o sucesso da intervenção.

Por outro lado, defendo que neste tipo de intervenção, deverão ser sempre transpostas para a realidade quotidiana as vivências da prática das actividades, as emoções vividas, os sentimentos despertados e as respostas adequadas encontradas.É num contexto securizador conquistado, que se poderão abordar questões como o am-biente de origem e aspectos da vivência e familiares do utente, entre outros.

A actuação concreta do técnico deverá basear-se quer na criação de condições para que o utente descubra e dê primazia aos “bens naturais”, relativamente aos “bens materiais”, essencialmente os de consumo supérfluo e imediato, quer na orientação daquele (utente) para a análise dos seus problemas pessoais, da sua relação consigo próprio e com os ou-tros, nestes incluindo a sua família, os seus amigos ou colegas, tentando quando possível e necessário, que estes dois aspectos contribuam para a alteração do ambiente social e físico, de modo a que este se torne mais receptivo, acolhedor e estruturado.

33“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

4. Fases da Intervençãocom as Actividades de RiscoControlado (ARC) e o lugarda Escaladaterapianas mesmas

Este é um dos pontos que mais me tem proporcionado momentos de interessante discus-são com especialistas de diferentes áreas das ARC.

Cada um, conhecendo a fundo as capacidades educativas e socializadoras das actividades que pratica e ou lecciona ou enquadra, manifesta acalorada e abertamente a sua eleição pela mesma, o que é natural e me tem permitido uma maior reflexão sobre o cerne das mesmas e sobre as metodologias empregues, bem como o possível encadeamento de todas elas numa perspectiva de intervenção global com populações com comportamentos sociais de risco.

A defesa da metodologia que passarei a expor, não é por isso ponto encerrado, antes expressará o meu ponto de vista, resultado quer das muitas discussões com diferentes especialistas, quer da minha própria prática desportiva ou enquadramento dessas mesmas actividades junto de públicos diversificados.

Por outro lado, e por motivo de tempo, não me foi ainda possível integrar no modelo global de intervenção Educativo-Terapêutico o papel das actividades de combate, nestas incluindo quer as artes marciais, quer os desportos de combate, na perspectiva de integrar a pres-suposta violência destas actividades na luta contra a violência latente junto de públicos com comportamentos mais problemáticos, muito ao jeito da actual Pedagogia Institucional francesa defendida por Jacques Pain e outros seus colaboradores.

Assim, reflectindo apenas sobre as ARC, e decorrente do referido em capítulos anteriores, passarei à explicitação da metodologia que tenho vindo a aplicar na intervenção com gru-pos de jovens e adultos com problemas de toxicodependência e/ou com comportamentos vários de risco ou desadequados socialmente.

Neste sentido, poderei dizer que a Metodologia empregue com recurso às ARC compreende três fases:- 1ª Fase: Terapia de Choque- 2ª Fase: Controlo do Medo

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- 3ª Fase: Descoberta de Outros Prazeres

Na abordagem a cada uma das fases, a atenção sobrecairá sobre os seguintes aspectos:1. Objectivo Principal2. Locais onde decorre a intervenção3. Principais actividades desenvolvidas4. Fundamentos para a existência desta fase na metodologia5. Intervenção técnica

1ª Fase: “Terapia de Choque”

Objectivo Principal:

Que cada indivíduo descubra dentro de si próprio a “força vital”, o sentido da vida, a vontade inequívoca de estar vivo e de querer manter-se vivo…

Locais:

Zonas naturais com condições que permitam aos praticantes sentir a aspereza das rochas, o calor do sol, o ruído da natureza (e só este), o cheiro de plantas, o efeito do vento… (tudo em condições equilibradas).Deverá decorrer em locais que aparentemente inflijam temor, aparentemente inacessíveis e perigosos, aparentemente inacessíveis, mas que ofereçam ao técnico condições de saída de socorro aceitáveis (caso seja necessário).De preferência, utilizo fendas ou em último caso locais de espeleologia.

Actividades:

Rappel e Escalada

Regra geral, utilizo zonas onde o Rappel parece ser o meio único para chegar a um determinado local. Depois, parece não haver saída possível que não seja através da subi-da… utilizando a Escalada.

Sempre que possível, utilizo zonas com fendas, com es-paço aberto por cima. Quando impossível, socorro-me de

35“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

zonas de espeleologia, onde o a escalada sucede ao rappel inicial.

Contudo, parece-me que os am-bientes fechados, próprios das grutas só deverão ser utilizados numa fase mais avançada.

Por outro lado, também é im-portante que os indivíduos sobre quem se exerce a intervenção, não utilizem nesta fase técnicas de ascensão próprias da espeleo-logia, com materiais com alguma tecnologia incorporada e metodologias mais específicas, mas antes utilizem os próprios meios físicos, pessoais e inatos.

Este tipo de intervenção pretende empregar o imediatismo patente em muitos indivíduos sobre quem se quer intervir, levando-os a descerem sem praticamente se darem conta que não olharam a perigos e riscos decorrentes. Depois, resta-lhes a saída, através da escala-da, não sabendo eles como resolver o problema de outra forma…

A situação por vezes é algo conflituosa, vis-to que de repente os indivíduos em causa dão-se conta que não dominam a situação, estão dependentes do saber e das indicações do técnico e percebem-se que afinal não es-tariam muito predispostos para este tipo de actividades…

Nesta situação é preciso que o técnico com-preenda perfeitamente os objectivos do seu

trabalho, o tipo de competências que deverá trabalhar com os indivíduos em causa e agir numa perspectiva de dinâmica de grupo.

Contudo, creio que o mais difícil será sempre levar até ao local os indivíduos sobre quem se quer intervir, bem como levá-los a descer em Rappel sem praticamente conhecerem o local, o que os espera, os próprios materiais que usam, as regras básicas de segurança (embora deva sempre descer em primeiro lugar alguém que garanta a integridade física dos que descem…)

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Fundamentos para a existência desta fase na metodologia:

Em capítulos seguintes, tentarei demonstrar como a questão da “Descoberta da Força Vi-tal” e da “Vontade de Viver são fundamentais no processo de despertamento do indivíduo para a canalização de todas as suas energias para o esforço de mudança.

As descobertas de que estamos vivos e de que estamos mais agarrados à vida do que su-púnhamos, independentemente de todos os problemas que nos atormentam, é a base para querer mudar e aproveitar para Viver sim, mas com qualidade.

Neste sentido, há também a questão de descobrirmos que não nem somos neutros nem nos é indiferente a Vida. Somos activos sempre que se põe em causa a nossa sobrevivência e verificamos com algum espanto, de que a Vida se impõe à Morte, de que é vontade nossa viver, necessidade premente, opção nossa, activa, de continuar a Viver, o que desperta forças desconhecidas de resistência e de vivência positiva.

As imensas dores, físicas e mentais de-correntes desta descoberta, que pode passar pelo ódio intenso a quem colocou o indivíduo naquela situação, concorre, com a mesma intensidade para o des-pertamento para a vida, para a desco-berta interior e para o prazer de estar e sentir-se vivo, por opção.

É evidente que esta situação, derivada do indivíduo sentir que está em risco de sobrevivência, é aparente, visto que toda a segurança é garantida.

Aqui, a diferença está entre não ser capaz, na situação de bloqueio em que o indivíduo se encontra, de fazer a destrinça entre o que é um perigo real e um perigo imaginário…

Esta situação pode mais tarde ser aproveitada para reflectir com o indivíduo sobre o que sentiu naquele momento, proporcionando que o mesmo compreenda que os perigos decor-rentes da prática de escalada são essencialmente aparentes, ao passo que os decorren-tes de consumos de substâncias psicoactivas ou determinados comportamentos de risco, como condução desregrada, constituem evidentes perigos reais.

37“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

A intensidade do medo é também ampliada nesta fase de “choque”, porque o indivíduo desconhece o seu próprio corpo e desco-bre que o não sabe (naquele momento) controlar, sentindo estranhas e mesmo desconfortáveis manifestações do mesmo perante ameaças de perigo.

Por outro lado, ao sentir que não controla as situações de segurança e os riscos ine-rentes a esta prática, dá-se conta das suas próprias fragilidades e contraditoriamente do seu intenso “amor à vida”.

Como antes referi, só perante a imagem da Morte, o indivíduo é capaz de valorizar a própria Vida.

Reforço ainda a ideia de que o indivíduo não deve ser conhecedor das regras de segurança, nem das propriedades de re-sistência dos materiais, de forma a chegar

o mais próximo possível das condições de medo e pânico, para depois estas serem devi-damente trabalhadas.A intervenção técnica: deverá ser fundamental mas apenas quando as situações de stress, medo ou mesmo pânico, ocorrerem.

Numa primeira fase, o técnico deverá parecer o mais longínquo possível, embora nunca descorando as condições de segurança, que deverão ser máximas, nomeadamente porque os praticantes não as conhecem (porque nós, propositadamente assim o entendemos).

Já numa situação de “crise”, o técnico deverá preparar o grupo que acompanha o indivíduo em questão, a participar, nomeadamente através de incentivos verbais, positivos, de forma a encorajar o indivíduo a ultrapassar o obstáculo.

No caso de se continuar a verificar o impasse na ascensão, deverá o técnico subir até onde está o indivíduo e aí tentar acalmá-lo, introduzindo as primeiras noções de auto-controlo, o que poderá passar pelo treino da respiração e da descontracção muscular.

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As indicações técnicas para ultrapassar o obstáculo só deverão ser dadas posteriormente às noções de auto-controlo emocional.

A confiança nos outros (que dão segurança ao indivíduo sob o olhar atento de um monitor auxiliar), o posicionamento do corpo e o afastamento da parede para uma melhor ade-rência e descoberta de apoios, deverão ser transpostos mesmo ali, sempre que possível, para situações da vida real (ver Cap. 11).

Nesta fase, devem promover-se as con-dições necessárias para que o indivíduo reconheça que necessita das informa-ções do técnico e as aceite seguir para progredir na ascensão.É fundamental nesta fase que o indivíduo estabeleça as primeiras relações de confiança com o técnico e inicie com este o processo de partilha dos seus medos.

2ª Fase: “Controlo do(s) Medo(s)”

Objectivo Principal:

Nesta segunda fase, toda a interven-ção se deverá centrar no “Controlo do Medo”, o que passa pela Descoberta do Corpo e de alguns dos seus sinais vi-tais, dos seus mecanismos de resposta a ameaças interiores ou exteriores, bem como pela aprendizagem do auto-con-trolo emocional.

Locais:

De início, em zonas de Falésia, com al-guma verticalidade (em princípio com um grau de dificuldade entre 4 e 5 (-), para indivíduos jovens, com uma pre-

39“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

paração física média. Deverá sempre ser escolhida um via que sendo difícil, não seja intransponível para o indivíduo em causa. Quanto à via, não deverá exigir mais que uma cordada simples embora seja de todo o interesse que esta decorra a uma deter-minada altitude, de forma a que dê a im-pressão de uma elevação superior.

Posteriormente, poderá já organizar-se algumas actividades em Parques de Aven-turas, trabalhando os medos mas introdu-zindo já dinâmicas de prazer. A parte final desta fase poderá ocorrer em rocódromo, mesmo que fechado, fazendo a transição para a fase final da intervenção.

Actividades:

Escalada em rocha (1º Momento); Pista de Obstáculos (2º Momento); Rocódromo (3º Momento).

Fundamentos para a existência desta fase na metodologia:

Se é o Controlo do(s) Medo(s) o que se pretende trabalhar nesta fase, teremos que promover actividades que permitam o desencadear do medo, com sensações corporais decorrentes, permitindo, quando necessária a proximidade do técnico.

Nesta fase, já o indivíduo alvo da intervenção compreendeu que não está exposto a riscos, que existem materiais com elevada tecnologia ao seu dispor, que a equipa técnica é fiável e competente, que o grupo age enquanto tal e não submetido a uma solidariedade primária (compreende que o que acontece de bom ou de mau a um dos seus elementos afecta o funcionamento de todo o grupo), que risco real e risco imaginário são coisas diferentes… mas na beira de um precipício continua a sentir um irresistível arrepio que lhe percorre todo o corpo.

Esta fase é a do trabalho de reflexão mais consciente, fruto das opções que o indivíduo co-meça a fazer sobre as vias que pretende fazer, tendo em conta o crescente conhecimento

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das suas capacidades e o grau de dificuldade daquelas.

Quer na Rocha como na Pista de Obstáculos como ainda na Parede Artificial de Escalada no rocódromo, é fundamental que estes aspectos sejam trabalhados e comece a ser feita a transição para os aspectos mais técnicos da prática, com inerente prazer pelo controlo dos medos.

A intervenção técnica: deverá exercer-se junto do grupo que está na base, dando seguran-ça, instruindo-o sobre como incentivar e ajudar os que estão a subir e fazendo-lhes sentir a importância do seu trabalho (atenção, grau de responsabilidade, capacidade de intervenção com indicação propositadas e atempadas, com atitudes securizadoras).

Deverão também ser aqui metodologicamente introduzidos conhecimentos sobre como respirar, como evitar a fadiga demasiada dos membros superiores, como descontrair os músculos, como controlar-se…

É também nesta fase que o técnico deverá ajudar o indivíduo em dificuldade a racionalizar os seus medos, quer referentes aos da própria actividade, quer transpondo-os para situa-ções reais potencialmente vividas ou conhecidas.

3ª Fase: “Descoberta de Outros Prazeres”

1. Objectivo Principal

Na terceira e última fase da in-tervenção com recurso às ARC, o objectivo é a “Descoberta de Outros Prazeres”, por oposição à ideia da acessibilidade fácil à felicidade, resultante de consu-mos de substâncias ou de bens materiais imediatos. Isto é, as ac-tividades integrantes desta fase, pretendem que o indivíduo seja capaz de descobrir e valorizar o prazer do esforço, do desafio saudável e em equipa, da importância de cada um e dos outros como equipa e como elementos fundamentais para a nossa segurança e para o desenvolvimento social do

41“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

grupo, bem como da descoberta do prazer pelo “tecnicismo e perfeccionismo” naquilo que fazemos.

2. Locais onde decorre a intervenção

Parque de Aventuras (1º Momento)Rocódromo (2º Momento)Outras ARC – na água, no ar, no subsolo, em velocidade, no espaço desconhecido, … (3º Momento)

3. Principais actividades desenvolvidas

- “Arborismo” (escalada e outras actividade de progressão sobre árvores)- Escalada Artificial- Dinâmicas de Grupo- Ski naútico e bóias- Canoagem (longa duração e rápidos) / Rafting- Espeleologia- Parapente / Asa Delta- Percursos de Orientação e Descoberta / Percursos Pedestres

4. Fundamentos para a existência desta fase na metodologia:

Esta fase pretende ser uma fase de transição e de articulação com um espaço mais alargado, diversificado e rico.

Portanto, as preocupações da interven-ção já não são centradas numa activi-dade mas continuam presentes, sendo comuns a todas elas.

Por isso, a passagem num primeiro mo-mento do Parque de Aventuras para as actividades de escalada no Rocódromo (2º momento) e deste para um conjunto rico de outras ARC.

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Sem pretender ser exaustivo, aqui ficam algumas ideias sobre a utilização de al-gumas das ARC.

Quanto às dinâmicas de grupo, estas são fundamentais para o reforço das ideias base da aquisição de competên-cias sociais e pessoais, nomeadamente da verbalização decorrente das refle-xões colectivas realizadas no final de cada actividade.

O ski náutico e as bóias aliarão o prazer do contacto com a água e ao relacionamento no grupo às dificuldades, à força e destreza necessárias à actividade, ou à persistência para manter a um nível adequado de aprendizagem.

Caso idêntico se verificará, embo-ra num meios diferente, com os Percursos de Orientação e desco-berta / Percursos pedestres, onde o esforço, o espírito de sacrifício e o sentido do colectivo são pres-supostos de base nas aquisições dos participantes.

Situação idêntica se poderá verifi-car com o Parapente / Asa Delta, bem como ainda o poder de de-cisão pessoal, a escolha individual numa situação de risco e a consciência de que a tecnologia e a aprendizagem são fundamentais para o êxito de determinadas tarefas.

Também a Canoagem e o Rafting, permi-tirão entre outras aquisições, o desenvol-vimento da permanência do esforço e a coragem necessária para enfrentar perigos desconhecidos, ao mesmo tempo que se reforça o espírito e a interdependência do grupo.

43“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

Por fim, a Espeleologia introduz o receio pelo desconhecido mas também pelo escuro, pelo silêncio, pelo vazio, o que em muitas situações de indivíduos que sofreram maus-tratos assinaláveis, representa muito mais do que poderíamos inicialmente imaginar.

5. Intervenção técnica

Como nota final, resta reforçar a ideia de que é imprescindível nesta metodologia de intervenção, que em todas as fases desta, o mais imediatamente possível à prática das actividades, se promova a consequente reflexão sobre as situações vividas e sentidas pelo grupo e por cada um dos seus elementos, com vista à sua transposição para a realidade, ficando desta forma gravada com mais segurança as ideias – base que per-mitirão a interiorização de princípios e valores que servem de suporte a uma mudança de comportamentos.

Para uma maior eficácia da intervenção técnica, considero que poderá concorrer a par-ticipação dos indivíduos alvo da intervenção, o que poderá ocorrer caso estes adiram à proposta de se responsabilizarem pela realização de entrevistas aos restantes elemen-tos do grupo e à elaboração de sínteses do que foi dito individualmente e reflectido e partilhado em grupo.

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5. Critérios básicos paraa utilização da Escaladaterapia como Metodologia de Intervenção Educativo-Terapêutica

É neste contexto de intervenção das ARC que surge a Escalada numa primeira fase, como referido no capítulo anterior, com capacidades de intervenção únicas, mesmo num contex-to de intervenção global.

Assim, este capítulo e seguintes, abordará mais em pormenor a Escaladaterapia, conside-rando que esta poderá ser o motor para a mudança comportamental do indivíduo.

Portanto, relativamente à Escalada, nomeadamente quando praticada em meio natural, esta para além de apelar a todos os sentidos do indivíduo (principalmente tacto, cheiro, cor), assume-se como um acto pessoal de cultura, isto é, do conhecimento de si próprio.Efectivamente, a Escalada, sendo uma prática que não necessita de aprendizagem inicial obrigatória, constrangedora, permite a análise do que há de mais natural e inato no indi-víduo.

Em meio natural, e reforço esta ideia que mais adiante explicitarei nos seus fundamentos, “A Escalada permite a análise quer da explicitação da incerteza informacional, própria do praticante e a forma como esta está ligada ao suporte sobre a qual a prática tem lugar, quer do tipo de gestos não modelados que estão ao serviço da motricidade global do indivíduo”, conforme defende François CHOBÉAUX (1990).

É neste tipo de envolvência que a frase de António DAMÁSIO assume toda a sua força e pertinência: “SINTO, EXISTO, LOGO PENSO”.

Por isso, acredito que caso sejam formulados diagnósticos individuais e de grupo adequa-dos; caso os processos de desenho de estratégias e os processos de monitorização da intervenção, bem como os sistemas de avaliação, sejam estabelecidos cientificamente e de forma sistematizada, serão evidentes os efeitos positivos da intervenção, ocorrerão ma-nifestações significativas de alterações comportamentais, fruto da interiorização de princí-pios e regras sociais por parte dos praticantes / utentes / clientes, jovens ou não, mas com comportamentos considerados socialmente desadequados.

45“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

Poderemos dizer que a escolha da Escalada em Rocha e das actividades de Risco Con-trolado como recursos na intervenção técnico pedagógica, com grupos com problemas emocionais e do comportamento, dever-se à seguinte ordem de factores:1. Características psico-sociais e comportamentais dos destinatários;2. Reconhecimento das potencialidades pedagógicas e terapêuticas das actividades, com

realce para a escalada em Rocha;3. Condicionantes de envolvimento ambiental (no nosso caso, Parque Natural da Arrábida,

com zonas de falésia junto ao mar);4. Preparação e perfil dos técnicos de acompanhamento nas actividades exteriores, bem

como no trabalho de reflexão e aquisição de competências pessoais e sociais.

Quanto à análise do primeiro dos quatro factores que levaram à escolha deste tipo de acti-vidades, deveremos identificar as Causas de Comportamentos Problemáticos dos utentes, que na nossa intervenção, foram:- Auto estima reduzida;- Incapacidade de Relacionamento com os outros;- Incapacidade de encontrar prazer na ocupação do tempo;- Incapacidade de viver o futuro

Estes quatro aspectos podem resumir-se aos seguintes factos: - Os destinatários desde sempre se sentiram desvalorizados, situação que naturalmente foi

agravada pela frequência escolar negativa, com metodologias desadequadas e professo-res pouco motivados ou preparados para as dificuldades sociais quotidianas;

- As dificuldades de relacionamento com os outros baseiam-se na não aprendizagem de regras sociais, na desconfiança permanente nos outros, o que os leva a não procurarem pessoas diferentes e a fugirem de situações que não dominem;

- O imediatismo é natural nestas populações, quando o passado é negativo, trás à memó-ria violências ou negligências de que foram alvo, quando as dúvidas ou interpretações negativas sobre a sua vida é superior à capacidade de apreciar a mesma, bem como as promessas do futuro; quando este é percepcionado como sobejamente duvidoso e sombrio.

- A impaciência e a falta de estímulos para um esforço continuado acabam por criar cons-tantes decepções, não sendo o esforço inicial dispendido premiado pelo acesso ao fruto conquistado, nem valorizado o processo para tal.

- Devido aos exemplos próximos de desinvestimento no futuro, devido à falta de memórias passadas significativas e estruturantes, resta um presente vivido e pouco reflectido, não existindo futuro que resista. O grave é sabermos que esta situação condiciona os pro-cessos de desenvolvimento emocional, afectivo e social, porque “Sem passado, não há futuro”.

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6. Princípios Básicosda Intervenção naEscaladaterapia

Na Escaladaterapia, e com a finalidade de apoiar o desenvolvimento da estruturação indivi-dual do praticante, dispomos de um conjunto de linhas de força fundamentais, que podem ser resumidos aos seguintes princípios:

1. Princípio da FORÇA VITAL – O Valor da Vida está acima de tudo; dentro de nós temos forças que desconhecemos e por isso, apesar de tudo e de qualquer problema, é bom viver; estamos presos à vida e queremos continuar a estar…

2. Princípio da PEDAGOGIA DO SUCESSO – “Cada um é como cada qual”. Isto é, cada indivíduo tem os seus problemas, tem os seus condicionalismos e as suas potencialida-des. O importante é que cada um defina os seus objectivos e os consiga superar. Não interessa o que os outros são capazes de fazer. O importante é que cada um descubra dentro de si as forças necessárias para ultrapassar as dificuldades individuais. O funda-mental é que cada um acredite em si mesmo e seja capaz de enfrentar as suas próprias dificuldades, reconhecendo as suas limitações e aprendendo a viver com as mesmas, acreditando que sempre as poderá superar. O importante é que cada um cumpra o seu plano e o faça com êxito, conquistando a alegria pela superação individual;

3. Princípio do respeito pelos LIMITES INDIVIDUAIS – Se cada pessoa tem os seus próprios desafios, os mesmos devem ser superados pelo próprio, com os seus meios, mobilizando todas as suas capacidades e energias. Os outros, a equipa, estão lá para incentivar, para dar apoio moral, para garantir a segurança mas não para substituir o esforço do indivíduo;

4. Princípio da HONESTIDADE PESSOAL – Na escalada (versão Escaladaterapia) não há árbitros. Não há a quem enganar para atingir os objectivos. Os limites são definidos pelo próprio participante. Este sente, conhece-se, ou aprende a conhecer-se, e por isso não se pode enganar a si próprio…; Os desafios traçados inicialmente são para ser ultrapas-sados e até lá é preciso dar tudo, fazer tudo, para que tal aconteça. Não é na parede, aos primeiros medos, às primeiras dificuldades que se alteram os percursos e se facilita a ascensão…; só a dificuldade e o esforço consequente será libertador;

47“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

5. Princípio do RESPEITO PELO RITMO DE PROGRESSÃO Pessoal – Independente-mente das expectativas dos outros e das da própria equipa, o fundamental é reconhecer que cada um é um ser específico, irrepetível, com limitações e capacidades e únicas, pelo que a progressão terá inevitavelmente que ser pessoal e específica, respeitando o ritmo de cada um. A equipa, “para ser equipa”, terá de aprender a aceitar cada um dos seus elementos. A melhoria das prestações individuais ocorrerá pela motivação de todos e pelo incentivo aos que mais têm dificuldades e nunca pela pressão que valoriza os mais aptos e inibe os que mais necessitavam de incentivo;

6. Princípio da RESPONSABILIDADE PESSOAL - O que nos acontece de bom ou de mau, deve-se mais a nós próprios que aos outros. O que afecta qualquer dos elementos da equipa (em termos de segurança, de bem-estar) reflecte-se no grupo e em cada um dos seus elementos. Cada indivíduo deverá compreender a importância da sua acção pessoal no desenvolvimento das relações interpessoais no seio do grupo e na progressão e segurança de cada um dos seus elementos;

7. Princípio da TRANSPONIBILIDADE DAS EXPERIÊNCIAS – na visão da Escalada-terapia, apesar da importância do prazer pessoal, decorrente da actividade física, as vivências na parede e decorrentes aprendizagens devem ser transpostas para os pro-blemas da vida quotidiana, devendo estes ser encarados com a mesma energia, alegria, criatividade, confiança e perseverança.

Importa focar que estes princípios poderão ser grandemente enriquecidos com os contri-butos da Psicologia (com as metodologias inerentes às teorias do confronto cognitivo) e da Sociologia (socialização, dinâmica e sociologia de grupos), sem nunca esquecer os contri-butos da Pedagogia Institucional (perspectiva educativa francesa actual de Jacques Pain) e da Pedagogia Terapêutica (perspectiva do pedagogo português João dos Santos).

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7. Potencialidadesda Escalada

7.1. Potencialidades da Escalada na consciência de SI

Em conclusão, a ESCALADA (em rocha – pelo contacto com a natureza, pelo envolvimento de todos os sentidos), quando devidamente enquadrada, favorece:- O conhecimento das reacções mais violentas e interiores;- A consciencialização dos medos e formas de agir pessoais;- A valorização da auto - imagem (após fases vencidas de medo, com reforço de auto - do-

mínio e confiança pessoal);- A promoção do trabalho de equipa;- O respeito pelo ritmo próprio de cada um;- O reconhecimento de regras e comportamentos sociais (alguns não negociáveis, como as

regras de segurança, os nós...).

7.2. Potencialidades da Escalada no Desenvolvimento de ComportamentosSociais Adequados

Nesta perspectiva, a Escalada promove:- A identificação e respeito de REGRAS (de segurança, de convívio, de respeito…)- O desenvolvimento da SOLIDARIEDADE (sem os outros, não há segurança…)- O desenvolvimento da CONFIANÇA nos OUTROS (agora dou eu segurança, acreditam em

mim, depois subo eu e tenho que acreditar nos outros…)- O desenvolvimento da RESPONSABILIDADE (quando dou segurança, sou responsável pela

vida de outro…)

49“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

8. Desenvolvimento/aprofundamentode ComportamentosSociais

Existência e respeito de REGRAS

O facto de existirem regras objectivas e de cumprimento absoluto, relativamente a nós, a encordoamentos, colocação de arnês e restante material, leva os praticantes de escalada, os jovens em geral e os com problemas de dissocialidade em particular, a reconhecerem a inevitabilidade das mesmas, a sua importância fundamental na garantia da sua integridade física, da sua sobrevivência.

É a partir deste ponto de desbloqueamento e negação sobre a ideia geral e difusa de “regras” e da consequente aceitação particular das mesmas, relativamente à segurança pessoal que, numa perspectiva de socialização, se alarga o seu âmbito, generalizando-o ao reconhecimento, à valorização e à aceitação das regras sociais.

Desenvolvimento da SOLIDARIEDADE e de CONFIANÇA nos OUTROS

Processo SOCIALIZADOR

O facto de cada cordada (conjunto de todos os elementos que estão presos à mesma corda, regra geral 2 ou 3, em paredes com mais 40 metros de altura) ligar os elementos da mesma, permite desenvolver o sentido de confiança de uns nos outros, reforçando a inter-relação pessoal.

Quando a via ultrapassa os 40 ou 50 metros, e que por isso o contacto com o solo se deixa de fazer em absoluto, a partilha de espaço no rochedo, regra geral reduzida e na vertical, obriga a uma gestão do mesmo, a uma coordenação de movimentos e acções, ao estreita-mento de posições, como é difícil de obter numa outra situação, requerendo por isso uma aproximação corporal sem par.

Em caso de se imaginar um eventual acidente, o problema é sentido como comum, pois todos estão presos à mesma corda. Por isso é interiorizada a ideia de que na Escalada, a corda que os une, separa-os da morte.

Já no caso de dificuldades de progressão na rocha por um dos participantes, os restantes apren-dem e compreendem que não podem ultrapassá-lo e terão que aprender a esperar a sua vez...

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O sucesso ou o fracasso de um elemento torna-se assim factor do sucesso ou insucesso do grupo e a segurança de um passa a ser objecto da atenção de todos.

Assim, a vitória pessoal obtém-se sobre a ultrapassagem da dificuldade, perante as difi-culdades do relevo, sobre o medo pessoal e não sobre o(s) outro(s) mas com a sua cola-boração.

O sucesso obtém-se com a ajuda e colaboração do(s) companheiro(s) e não com o(s) seu(s) desaire(s) e as suas dificuldades.

É a “presença” constante dos outros que “constrói” a força de vencer e progredir, não apenas por “nós”, mas também porque fazemos parte do sucesso dos outros, “tornámo-nos uma equipa”.

A Escalada, pelos processos específicos que emprega na sua prática, pela interacção que promove entre os elementos da mesma cordada, pela descoberta da solidariedade activa num contexto de esforço e dignificação pessoal, contribui decisivamente para o aprofunda-mento da socialização individual e para o reconhecimento da necessidade do respeito pelos outros, quer pelos seus medos como pelas suas capacidades.

Desenvolvimento do sentimento de RESPONSABILIDADE

Encordoado, o indivíduo aprende a gerir as suas angústias num clima de prazer em que ele próprio sente ter também um importante papel na segurança do outro e na superação das suas limitações.

Porém, se quando um elemento pretende fazer a ascensão tem de ter confiança no elemen-to que lhe faz a segurança, obrigando-o a ter atenção e a incentiva-lo, porque só quando um atinge o êxito, dá lugar ao companheiro, por outro lado, quando trocam de funções, o elemento que subiu terá de compensar o outro, dedicando-lhe a atenção necessária para que ele atinja também o sucesso da ascensão.

Nisto consiste o valor da responsabilidade. Não se trata apenas do desempenho de uma vulgar acção integrada numa prática desportiva ou de lazer. Trata-se essencialmente de garantir a sua segurança e progressão, de assumir ter a vida do outro na sua mão.

Trabalhar para os outros, responsabilizar-se pelos outros, pela sua vida, pela sua apren-dizagem, pelo seu bem-estar, é decisivo para uma descentração dos problemas pessoais e para a formação de uma personalidade solidária, responsável e optimista no futuro e na sociedade global.

51“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

Efeito MULTIPLICADOR

Os aspectos atrás referidos podem ser potenciados se assegurarmos a continuidade das actividades com o recurso aos jovens que nela anteriormente participaram e aprenderam regras de comportamento e segurança.

Isto é, se os jovens já iniciados assumirem um papel de “auxiliares” na integração dos novos participantes, transmitindo, reproduzindo, os ensinamentos antes obtidos e por eles vividos, poder-se-ão gerar ambientes de descompressão e aceitação junto do grupo de pares, por esta solução não exigir meios económicos fora dos recursos dos jovens e simul-taneamente os valorizar pessoalmente.

Por outro lado, a abertura e partilha deste tipo de experiências/actividades aos “amigos”, pressupõe a responsabilização dos jovens envolvidos, a sua motivação, a consciência de pertencerem a uma equipa trabalho organizada e sob a orientação de um técnico.

Simultaneamente, a intervenção dos jovens mais experientes como “auxiliares” leva à in-teriorização das regras de organização/planeamento das actividades e das regras de se-gurança das mesmas, bem como vincam formas de actuação, de condutas adequadas perante situações de risco, perante o medo e as dificuldades na ultrapassagem dos obstá-culos na parede.

Estes aspectos facilitam o amadurecimento dos jovens envolvidos, nomeadamente dos mais problemáticos, do ponto de vista social e psicológico.

Compreendendo a importância vital da sua aprendizagem como multiplicadores deste tipo de intervenção, os jovens “auxiliares” sentem-se responsáveis pelos riscos que os amigos poderão correr, não apenas no campo da escalada, mas nomeadamente ao nível de outros comportamentos de risco que poderão influenciar o seu desempenho nas actividades e até na sua segurança.

Pelas experiências anteriores vividas em vários projectos, reconheço que o entusiasmo por parte os jovens é demonstrativo de uma vivência intensa, arrebatadora, completa, que os impele a contar as suas aventuras e os seus desafios aos outros, ao gang, ao grupo da rua, não só como forma de auto-promoção da sua imagem, mas porque esta prática lhes fez também acreditar nas suas reais e positivas capacidades.

Assim, a mensagem, as ideias, as regras, as atitudes, que os jovens passam uns aos ou-tros, além de se assumirem como mais significativas, incisivas e duradouras para estes, acabam por reforçar o trabalho de interiorização de modelos positivos, garantindo com mais eficácia a modificabilidade comportamental dos primeiros.

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9. Perspectiva do DesenvolvimentoPsico-social atravésda Escaladaterapia

Sumariamente, poderei dizer que o desenvolvimento Psico-Social do indivíduo através da Escaladaterapia poderá ser devido a um processo que envolve os seguintes factores:

- A Descoberta do Homem, enquanto PROJECTO (do Homem que se supera a si mes-mo…)

- A aprendizagem da conquista do PRAZER (pelo esforço dispendido e pelo êxito dele de-corrente…)

- A descoberta do SENTIDO da VIDA (afinal, e apesar dos problemas que temos, sempre queremos viver…)

- A descoberta do RESPEITO por SI PRÓPRIO (cada um é um ser único…)- A descoberta da CRIATIVIDADE (afinal existem outros caminhas, outras formas de supe-

ração…)- A procura de REFERÊNCIAIS (da amizade, da solidariedade, do respeito por si e pelos

outros…)

Num sentido mais lato, toda a transformação do indivíduo abrange áreas diversificadas, baseadas em factores como:

a) A Descoberta do SENTIDO da VIDA

A convivência com a morte está integrada no nosso quotidiano, pelas notícias de ca-tástrofes e guerras que temos de todo o mundo, pelas fomes que exterminam uma população, pelas doenças incuráveis e fulminantes que conhecemos, pela mortalidade devida a acidentes rodoviários e aéreos, o que nos faz sentir impotentes para resistir…

No caso concreto da adolescência, com todos os problemas que esta “estação da vida” comporta para o indivíduo, a escalada pode ser a uma escola para a aprendizagem do sentido e do valor da vida.

Os problemas de existencialismo, de valorização da morte pela perplexidade da ausên-cia do sentido da vida, como é referido nas obras de especialidade sobre o conceito e âmbito de Adolescência, podem ter resposta mais concreta pela prática da escalada,

53“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

pela vivência de situações delicadas, onde a morte é tangível, e onde a vida adquire uma razão de ser, que ultrapassa o valor do discurso frio entre o jovem e o especialista, seja qual for a sua área, para passar a situar-se ao nível do sentido.

Pode-se “flirtear” com a morte de inúmeras maneiras. Quer através do consumo de substâncias psicotrópicas, quer da prática de actividades suicidas, mas os resultados são quase sempre dramáticos. Na escalada, embora os riscos sejam controlados, a 15 ou a 200 metros do solo, o risco está lá, e o sabor pela vida é sentido e apreciado.

É pendurado numa rocha a alguns metros do solo, sentindo o desafio da gravidade, que o indivíduo sente que quer viver. É a partir da reflexão sobre o que sente, que se aper-cebe que afinal quer viver, que a vida vale a pena ser vivida.

É ao recusar a Morte, ao superar-se e ao aprender que essa superação é difícil, provoca revezes, mas é possível, que se aceitam com mais facilidade as frustrações e contrarie-dades de uma vida onde a rotina se pode instalar e o futuro parece dramático.

Os desportos e actividades de risco, assumem o valor de uma espécie de redenção, pois cada vez que exorcizamos a morte, sabemos que vencemos mais uma vez, a batalha da vida.

É por isso que defendemos que a imagem da Morte, valoriza o sentido da Vida.

É na superação de dificuldades, em que todo o organismo participa, que se desenca-deiam as fontes de saúde. Saúde física, sem dúvida, mas ainda mais importante, saúde mental e social.

Este aspecto está intimamente ligado ao da Procura de Referenciais, a que voltarei mais adiante.

b) A Valorização e o RESPEITO por SI PRÓPRIO: O Homem enquanto PROJECTO

A necessidade de se sentir forte, capaz, leva o indivíduo a aceitar, esta prova de risco e de medo, onde cada um escolhe encontrar a adversidade e a frustração, à sua medida, para depois de vencidas as dificuldades se sentirem com direito a uma vida mais plena, a uma vida com significado, onde se afirmem pela positiva na sociedade, e em particular na escola, a mesma que muito contribuiu para a redução da sua auto-estima).

Contudo, a Escalada, como processo pedagógico, permite o “Conhece-te a ti próprio...”,

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com tudo o que isso comporta de doloroso, mas também de belo e de entusiástico em detrimento do consumo, da massificação, da rotulagem.

Actualmente, para a maioria dos jovens das sociedades industriais e muito particu-larmente para os excluídos, o futuro esvai-se na vivência do momento presente e é o arrastar desse presente, sem perspectiva, que propicia o acto imediato, a hipertensão e a hiperactividade em que vivem, sem por isso conseguirem programar a acção e obter frutos da mesma.

Envoltos na voragem do tempo presente, poucos têm possibilidade de ter consciência do esforço que é necessário despender para atingir um objectivo durável, e para resolver adequadamente um problema.

Por isso, grande parte dos jovens conformam-se com o que têm de imediato e a baixo custo, facilmente desistindo de esforços prolongados, tendo pouca capacidade de re-sistência à frustração resultante de uma espera, ou da não satisfação imediata de uma qualquer necessidade.

A ausência de prazer pela conquista “suada”, deixa-os à mercê de uma agressividade que exteriorizam pela falta de resposta ao imediato, por não saber como esperar.

Com a escalada, e com uma aprendizagem gradual de luta contra dificuldades acresci-das, devidamente programada e acompanhada, é possível alcançar e gerir os êxitos de-correntes, reforçando-se a auto-estima, a capacidade de luta, a confiança em si próprio, nas suas capacidades e nas dos outros.

Este processo de auto-conhecimento, se bem preparado e planificado pedagogicamen-te, assume-se sempre como processo positivo, na medida em que o conhecimento faz valorizar as potencialidades pessoais e o auto-conhecimento passa a ser um estado su-perior permitindo ao indivíduo lidar apropriadamente com as suas maiores dificuldades, tentando reduzi-las ou reconhecendo-as como humanas.

Este esforço, por exemplo, em adolescentes depressivos, com uma visão depreciativa de si próprios e dos outros, ou em adolescentes precocemente abandonados e excluí-dos, constitui-se como uma dinâmica de mudança e de valorização pessoal, que dificil-mente é obtida com outras formas de intervenção, visto que neste caso a confiança se estabelece como assunto sério, onde a vida e a morte estão sempre presentes e onde a interacção pessoal é decisiva, por ser vivida e consciencializada pelo próprio e por todos os que constituem o grupo de prática.

55“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

O indivíduo em causa, ao descobrir desta forma que o Homem existe enquanto Projecto, e é neste aspecto que a escalada é fundamental, passa a assumir o risco e o esforço numa perspectiva de valorização pessoal.

Como afirma Manuel SÉRGIO, “É na medida em que me supero que passo a ser sujeito e não objecto”.

É através da superação dos problemas que o indivíduo em geral e o jovem em particular, se propõe a crescer, a ser Homem, a assumir-se.

c) A Valorização do ESFORÇO PESSOAL / Pedagogia do Sucesso

O “escalador”, ao observar o rochedo, ao analisar as dificuldades que este lhe oferece, ao aceitar o desafio da vertigem e do imponderável uns metros mais acima, onde já não consegue identificar as dificuldades, escolhe e aceita aquilo que de tudo o que pensa poder realizar, lhe oferece maior dificuldade pessoal, lhe exige maior empenho, maior esforço físico, mental, emocional.

Não é nem a facilidade que o seduz nem o insucesso que procura. O que aprende a valorizar é “o fazer o mais difícil…possível!”

O desenvolvimento da capacidade de leitura do relevo, das suas dificuldades, pelo uten-te, levam-no à escolha de uma “via” que considera mais adequada às suas condições pessoais, o que pressupõe uma certa consciencialização das suas capacidades pesso-ais.

A escolha das vias que considera mais apropriadas possibilita ao utente o reconheci-mento das suas capacidades de avaliação do que lhe é exterior e dos condicionalismos pessoais que possui para ultrapassar os obstáculos.

Da sua avaliação, uma de duas condições podem decorrer:- A escolha recai sobre um “via” demasiado fácil para as suas capacidades;- Ou é escolhida uma “via” intransponível relativamente às capacidades disponíveis.

Daqui resulta que, ou a facilidade se pode transformar em desinteresse, em desmotiva-ção, ou a dificuldade se poderá assumir como frustração.

O reconhecimento desadequado da escolha é sempre doloroso.

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Resistir à frustração pressupõe uma confiança básica do indivíduo sobre as suas poten-cialidades pessoais, o que lhe permite afrontar com coragem revezes momentâneos, com a confiança de que finalmente irá vencer as dificuldades.

Esta resistência poderá ser trabalhada, reforçada, gradualmente, através da Pedagogia do Sucesso. Esta baseia-se no respeito pelos ritmos de progressão próprios de cada indivíduo, no respeito pelos seus medos, pelas suas dificuldades, sempre na perspec-tiva do desenvolvimento das potencialidades pessoais, com vista a uma progressiva ultrapassagem das dificuldades encontradas, o que pressupõe o domínio das condições existentes e consequente estabilidade emocional do indivíduo.

Com o tempo, com a confiança no técnico, no grupo, em si próprio, o indivíduo passa a adoptar novo objectivo: escolher um percurso, uma via, que pela sua dificuldade o faça interrogar sobre as suas capacidades, sobre os seus medos e a forma de se auto-controlar, mas que apesar da dificuldade apresentada possa, através de um esforço suplementar, permitir o êxito da acção.

O gosto pela superação pessoal, baseado na confiança em si próprio, permite-lhe que pouco a pouco, que os êxitos obtidos na “parede” e a confiança nascente, sejam trans-feridas para a vida real, para o quotidiano, induzindo-o na busca do sentido da sua vida e das suas relações sociais, reflectindo sobre a forma como controla as suas emoções e qual o grau de consciência dos seus sentimentos.

d) A Procura de REFERENCIAIS

Como referido inicialmente, no Capítulo 1, as sociedades industriais, mais abertas à influência da Globalização, têm sofrido uma enorme profusão de valores alterando o anterior quadro dos mesmos, tendo-se em muitas situações perdido a noção de limite.Nas sociedades tradicionais, os ritos de passagem marcavam o reconhecimento da “morte” do jovem e do “nascimento” do homem, como reprodutor, força anímica e social, contribuindo activamente para a sobrevivência da tribo ou do grupo.

Na Idade Média, como nas sociedades tribais actuais, as cerimónias de Ordália “ ou julgamento de Deus”, são vulgares. Nestas, as pessoas sujeitam se a um sacrifício. Se resistirem, generaliza-se a ideia de que estão inocentes e que por isso Deus (indepen-dentemente da ideia que do mesmo se tenha) as terá protegido.

Existe assim o reconhecimento de uma força sobrenatural, metafísica que, controla, julga, premeia ou castiga os simples seres humanos, indivíduos de uma comunidade.

57“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

Pelo contrário, nas sociedades industrializadas, os limites estão esbatidos e o quadro de valores está em permanente mutação, substituindo com rapidez o anterior.

A complexidade da vida social e o individualismo, a abolição das barreiras espaciais e temporais, ao nível da comunicação, e da mobilidade humana, mas também o esque-cimento e por vezes o desrespeito pelas culturas próprias de cada lugar, de cada povo, têm contribuído decisivamente para o esbatimento de referenciais culturais e sociais, para a banalização de valores colectivos, com particular interesse os que se referem aos valores universais de respeito pela vida e liberdade individuais.

Hoje os indivíduos, e na generalidade os jovens, não compreendem muitas vezes a razão dos seus problemas, dos suas provações, até do seu abandono pelos mais velhos.

Este vazio tem tido um significado crescente para os jovens em geral e para os mais desfavorecidos socialmente ou com desvantagens educacionais, em particular.

Culpabilizam-se inconscientemente desse facto e assim, a prática da Ordália ganha um outro significado, sendo substituída pelo risco vivido através de uma prova, confir-mando-se assim, com o mesmo significado de anteriormente, a razão e a justeza de se existir.

Para um número crescente de jovens, só ao interrogar a Morte descobrem o significado da vida, como referi anteriormente, pelo que aquela se assume como o limite de todas as coisas. Cruzar-se com ela, é encontrar um ponto de referência e assim justificar a razão de existir e consequentemente encontrar a paz interior.

A busca iniciática, apelando por vezes a comportamentos de risco ou desviantes, tais como a fuga, a resistência à dor, o desafio à morte e diversos ritos de bandos/grupos, tendem a transformar a juventude num conjunto de bandos, procurando a sua identidade e referências comuns, sentindo-se abandonados, discriminados, excluídos da sociedade dos adultos ou porque deles se esquecem ou porque os protegem em demasia, não os deixando assumir responsabilidades para que foram despertos.

Para Barbara GLOWCZEWSKY (1993), “é a ausência de um comportamento iniciático por ritos colectivos, nas sociedades industriais actuais que explicaria a indeterminação dos seus jovens”.

Por isso, para além dos bandos, o que reaproxima mais a identidade da iniciação tradi-cional é o discurso sobre a sexualidade ou sobre a música e a importância dada às mar-

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cas do vestuário pelos adolescentes, pretendendo estes assim encontrar uma filiação, uma solidariedade, com um grupo de referência mais lato.

Em muitas das acções dos jovens a procura de limites extremos, desde a condução em contra-mão, à vertigem das velocidades ou das alturas, ao esgotamento e à exaustão, aos consumos perigosos (álcool ou psicotrópicos) assumem-se como recurso dos in-divíduos na busca de referências últimas que lhe permitam construir a sua identidade pessoal.

David Le BRETON, afirma que nos nossos dias, a procura de risco nas sociedades indus-triais, está intimamente ligada ao individualismo das mesmas.

Segundo este autor, na ausência de referenciais sociais e culturais sólidos, o corpo passou a ser por excelência o lugar do investimento e valorização individuais.

Assim, desde as inúmeras actividades físicas de “saúde”, que vão desde a aeróbica ao jogging, até às cirurgias estéticas, transplantes, ao uso de cosméticos, de tudo se faz “a revalorização e reconstrução de um corpo julgado imperfeito ou insuficiente...”

Neste contexto de valorização do corpo a qualquer preço e de uma procura para o sen-tido da vida, decorre a actual atracção das sociedades pelo risco. Le BRETON afirma por isso que “o que está em jogo nesta exposição do corpo ao perigo, senão mesmo à morte, é ainda, e mais uma vez, a procura de um sentido para a existência, que as sociedades ocidentais parecem já incapazes de oferecer”.

Isto é, não havendo ou não sendo sentido pelos indivíduos mecanismos sociais que os valorizem, sentindo estes existir um vazio, nem que seja apenas aparente, tendo-se perdido a força das tradições, das ideologias, e porque se sente e se interioriza um mo-delo altamente competitivo, onde a “concorrência é desenfreada”, e a “competitividade deverá ser agressiva”, onde reina o individualismo, o indivíduo é levado a provar, por si mesmo, o valor da sua existência.

“Sendo a sociedade incapaz de fornecer um quadro de referência estruturado, o indiví-duo é levado a procurar em si, e por si, os seus próprios valores”, segundo Le BRETON (1994).

Cada um é assim levado a uma busca de sentido sobre o significado e o valor da sua própria existência, propondo-se para isso a testar os seus limites físicos, a testar o seu corpo, mesmo que isso envolva um risco ou essencialmente se envolve risco.

59“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

Esta procura de risco, também é, para o autor acima referido, fruto da obsessão da segurança.

Isto é, numa sociedade que vive essencialmente preocupada com a segurança, pessoal e/ou colectiva, (os acidentes rodoviários, as doenças súbitas ou terminais, a violência urbana, o terrorismo) “o desejo de eliminar tudo o que é aleatório, a tentativa de «cobrir» com seguros todos as eventualidades, de se obter garantias contra todas as possibili-dades ou surpresas - não faz senão conferir um valor acrescido ao risco quando este é plenamente assumido enquanto tal. Só o risco escolhido se torna fonte de valor”.

Isto é, não são propriamente as actividades que naturalmente são arriscadas (ser pes-cador, ser polícia, ser artista de circo) que são valorizadas mas as situações específicas em que o indivíduo assume o risco pelo risco, sem qualquer outro objectivo que não seja esse (diríamos como já alguém designou os escaladores, de “os conquistadores do inútil”).

Por isso, Le BRETON, sobre a figura do novo tipo de herói, acrescenta: “Este novo mo-delo de aventura consagra a emergência de uma situação em que não se trata tanto da exploração do mundo mas de uma “exploração” de si mesmo através do mundo, o que torna os lugares por onde passa, de certa forma, indiferentes, meros “décors” para um percurso pessoal”.

Todos estes aspectos devem ser enquadrados num quadro conceptual mais amplo, que é o da compreensão da “adolescência”, considerando-a como fase problemática e com-plexa de estruturação da personalidade.

Um jovem que se sente ameaçado, não reconhecido pelos adultos, com uma natural incapacidade económica para recorrer ao mercado do risco e, assim, participar organi-zadamente em actividades, tenderá a procurar individualmente, numa altura específica da sua vida, a prática de acções ou comportamentos de risco.

Por isso, o uso da droga, não pode ser encarado como a busca deliberada da destruição e da morte, mas um jogo com esta, onde o jovem pensa poder controlar a situação e assim ver-se forte e valorizado.

O “flirt” com a Morte é, por isso, necessário em certas populações juvenis, e terá uma ampliação ainda mais significativa quando se trata de populações com desvantagens educacionais e em certas fases da vida, (insegurança sobre as suas próprias potencia-lidades, insegurança relativamente aos outros e aos adultos em particular, insegurança

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quanto ao futuro e ao seu papel no mesmo) como tentativa de provar que as “coisas” são sérias, que a vida é possível.

Como actividade de risco (calculado) que é, a Escalada permite viver sensações fortes, sem contudo expor o jovem a uma perigosidade gratuita, quando cumpridas escrupulo-samente todas as regras de segurança.

Também por isso, o jovem, ao encontrar regras absolutas de segurança, ao aceitá-las, valoriza-as, sentindo-se seguro ao acreditar e aceitar algo que não é questionável nem alterável por capricho, mas que tem subjacentes razões fortes de sobrevivência, o que confere à escalada um carácter educativo importante.

e) A Capacidade de obtenção e de PARTILHA do PRAZER / Aprender a conquistaro PRAZER

Sem prazer praticamente imediato, não há motivação para os jovens, mais em particular para os que vivem em situação de risco e de instabilidade social, incapazes esperar pela recompensa, nunca treinados a resistir às frustrações.

É a busca inicial do risco e do prazer dele decorrente que decorre o interesse, embora relativo, dos jovens mais problemáticos na prática da escalada.

Só posteriormente, após fases vencidas de medo envergonhado, de descoberta de ca-pacidades pessoais e de reacções emocionais e fisiológicas até então desconhecidas, de reforço da auto-estima, é que nasce o gosto pela prática, com a decorrente desco-berta do sentido da vida e da solidariedade.

Só uma actividade que se imponha como “moda”, por ser entendida como “radical” e se identifique aparentemente com alguns estereótipos da juventude actual é que é bem recebida e aceite pelos jovens.

A utilização de materiais com elevado índice de tecnologia incorporado, utilizando ligas metálicas de alta resistência; materiais coloridos, “apetecíveis” à vista e à curiosidade; materiais pensados inacessíveis à maioria dos jovens, é que tornam esta actividade atractiva para estes.

Porém, é sem que o jovem se aperceba de tal, que a prática da Escalada, tal como eventualmente outras actividades de risco, permite a descoberta do prazer, da aventura, do risco, com tudo o que de positivo encerra, mas também de estruturante para o de-

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senvolvimento físico, psíquico e social do adolescente.

Estes aspectos são devidos ao facto de que esta prática permite vencer os medos, com controlo mas também com estética, com beleza, o que não tendo sido critério motivador de partida, não deixa a curto prazo de ser observado e valorizado pelos praticantes.

A aprendizagem do prazer neste tipo de actividades, passa pelo domínio do medo atra-vés do auto-controle emocional e pela superação dos problemas concretos que o pra-ticante depara na “via”. Esta superação representa um esforço considerável, total, de todo o organismo, e só desta forma é possível a ultrapassagem dos limites definidos inicialmente.

Descobre-se assim, o êxito e a alegria de vencer um problema inicialmente reconhecido como de grande dificuldade, onde à medida da progressão se foram identificando situ-ações que o poderiam tornar sem irreversíveis mas, em simultâneo, foram-se desco-brindo e juntando forças, sinergias, que permitiram o sucesso da empresa e o sucesso pessoal.

Este esforço total, absoluto, de todo o organismo, corpo e mente não sendo imediato nem gratuito, não deixa de ser profundamente tocante para o jovem, que se sente ab-solutamente valorizado.

O prazer resulta assim do controle dos medos pelo indivíduo, através de uma redução de tensões internas e da ultrapassagem de uma situação difícil, de um obstáculo, da luta contra a vertigem, da descoberta de novas estratégias e soluções para os problemas surgidos na ascensão, da sensação de harmonia do corpo com a mente e destes com a rocha, com o mundo e com tudo e com todos que o envolvem.

Convém contudo, sublinhar que sendo as actividades de Risco, quando devidamen-te enquadradas, potencialmente estruturantes da personalidade do indivíduo e facili-tadoras da sua socialização, poderão numa vertente menos acompanhada e atenta, simplesmente lúdica, assumir-se como mais um consumo, como uma dependência de adrenalina, perigosa pelo imediatismo e pela exposição, gradualmente crescente, que exige aos praticantes.

f) A descoberta da CRIATIVIDADE

Como já foi referido anteriormente, a Escalada no sentido em que a utilizamos como terapia, como intervenção educativa, não necessita de conhecimentos profundos para

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a sua prática, nomeadamente se de iniciação se trata (o que não significa que não exija elevada preparação técnica ao nível da segurança e pedagógica ao nível do enquadra-mento), nem de uma prática anterior cuidada e esforçada.

Na perspectiva da Escaladaterapia, para subir um rochedo, não existem receitas. Cada um sobe ao seu próprio ritmo e aprende a conhecê-lo; cada um apoia-se em pontos que só a si estão ajustados e aprende a conhecê-los, a identificá-los e a aceitar-se tal como é, independentemente do prazer pessoal pela prática e dos resultados obtidos.

Por isso, cada acção é diferente, cada movimento tem as suas especificidades, é a adaptação constante que faz evoluir. É a reflexão sobre o inesperado, sobre o Novo, que permite caminhar e ascender.

Cada um inventa algo de novo e sente-o como seu. A liberdade de escolha está sempre presente e este é mais um prazer que se descobre para além de se cumprir um outro princípio, o da liberdade individual num contexto de respeito e solidariedade para com o grupo.

g) A Valorização do papel do GRUPO

O grupo é fundamental. Funciona como mola motivadora, como incentivo para se tentar uma vez… e mais uma… e as vezes que forem necessárias… para se levarem de vencida os obstáculos, ou os estados de espírito que impedem a ultrapassagem da dificuldade.

Os colegas de grupo, segurando na corda, que detém o poder da “segurança” e da “vida”, estão lá, atentos, receosos e optimistas nos resultados do que sobe, “torcendo” para que a dificuldade seja ultrapassada.

Tal como na vida, o esforço tem que ser pessoal, tem que partir da capacidade de cada um, da sua vontade e empenhamento mas aqui, o grupo, espera e demonstra uma es-perança, uma fé, uma certeza, nos melhores resultados, ao mesmo tempo que garante que em caso de queda nada de trágico irá acontecer, por poder e saber reagir de forma adequada, segurando a corda, impedindo-a de correr descontrolada e permitindo, quan-to muito, um susto sem consequências ao colega que sobe.

O jovem que sobe, acredita no colega de equipa em quem depositou confiança, que “se-gura a corda que o separa da morte”. Na sua atenção, no seu saber, na sua capacidade de espera e até de motivação reside grande parte do sucesso da cordada.

63“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

Depois, é a vez de trocar. É a vez de “pagar”, com atenção, com dedicação e motivação, o que anteriormente lhe foi possibilitado, uma ascensão sem riscos.

É a vez de alterar e de saber contar com os outros, esperando também não os desa-pontar.

Esta interacção profunda, este sentir, sem medir palavras e gestos, confere um ambien-te sério e motivador, desencadeador de forças positivas interiores que levam à criação de um ambiente de calma, de responsabilidade, de esperança, de confiança quase ili-mitada...

h) A Valorização do AMBIENTE

O contacto com a rocha, elemento natural, estático, inerte, neutro, nas dificuldades que cria ao praticante quando em progressão, visto que foi este que o escolheu e decidiu sobre a dificuldade da via a empreender, permite que o jovem aprenda a conhecer-se a si próprio, reflicta sobre a sua identidade e a forma como reage às dificuldades, encare os problemas e decida sobre as soluções decorrentes que só dependem de si.

Longe das multidões e dos recordes, a luta centra-se no campo estritamente pessoal, não contra elementos do grupo, não contra a natureza, mas pelo contrário, contra si próprio, contra os seus medos e incapacidades, estando os outros factores referidos, natureza e grupo, envolvidos numa tentativa de facilitação de ultrapassagem dos pro-blemas existentes.

Identificar, graduar, especificar os rochedos e as vias, pela descoberta progressiva das saliências, dos pontos de apoio e seguranças, é em muito semelhante ao processo de identificação dos problemas com que o indivíduo se depara no quotidiano e com a gama de respostas que frequentemente encontra para os mesmos.

Para além do apoio técnico e da solidariedade do grupo, o facto do jovem se encontrar em ambiente natural, longe do bulício urbano, longe da multidão, propicia uma melhor reflexão sobre si próprio e a um melhor auto-conhecimento.

Este tipo de humanização propaga-se à própria matéria inorgânica, ao rochedo, confi-dente próximo das dificuldades na ascensão, conhecedor dos medos e das raivas pes-soais do escalador, mas elemento forte e seguro, a que este se poderá agarrar se quiser sair e vencer. A rocha, pela proximidade, pelo complemento do corpo, ajuda o jovem a reconhecer que tudo o que existe na natureza tem um valor intrínseco insubstituível.

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O jovem aprende a “ligar-se” à natureza, a saber admirá-la e a respeitá-la como um “ente querido”, visto que ela lhe propicia o contacto consigo próprio.

Este tipo de relacionamento, talvez só possível de perceber pelos próprios praticantes, reforça todo o ambiente de luta interior, mas também de calma (pelas características do ritmo de progressão) e solidariedade, que só a escalada é capaz de promover e que o contacto com a natureza permite.

65“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

10. Capacidade de INTERVENÇÃOPEDAGÓGICA da Escalada

É neste aspecto que considero que a Escalada assume, numa perspectiva Pedagógica e Te-rapêutica, um estatuto privilegiado relativamente as outras metodologias de intervenção.

A Escalada apresenta-se aos jovens, antes de mais, como uma prática desportiva radical, onde a aventura, o risco, o perigo e o prazer estão presentes, não sendo reconhecidos por aqueles nem os mínimos traços de uma terapia convencional nem muito menos os objectivos de uma intervenção educativa com vista à alteração dos seus comportamentos sociais.

Pelas suas características, pela intensa e presente visualização de risco de morte, pelo conhecimento que exige, nomeadamente no que respeita às regras de segurança, facilita a aceitação, por parte dos praticantes, de um enquadramento técnico-pedagógico, de uma organização estruturada.

O ritmo de progressão na rocha, demasiado intenso para quem é iniciado, e suficientemen-te adequado para quem tem já alguma experiência, quem enquadra, o técnico, permitem um acompanhamento personalizado, vivido e partilhado por ambos, utente e técnico, bem como pelo elemento que compõe a “cordada” (elemento que está preso à mesma corda) e de quem depende a vida do que ascende na rocha.

Só quando as dificuldades são sentidas como “extremas” na superação de um obstáculo; só quando o indivíduo sente a dificuldade na progressão… que pensa que não poderá ir mais longe… que poderá mesmo morrer… que sente as forças a faltarem e todo o seu ser a desfalecer…; que compreende que a transposição do obstáculo não é nunca imediata… que deve pensar mais, quando menos parece ter capacidade para tal… que vive drama-ticamente a frustração e o insucesso, é que o indivíduo admite sinceramente a ajuda do técnico e presta-se a ouvi-lo e a seguir as suas indicações.

Por isso, as potencialidades deste tipo de intervenção técnica decorrem da situação intensa vivida pelo utente, efectuada num momento crítico e em plena “parede/via”, com o enqua-dramento adequado e com o acompanhamento de um elemento da sua confiança, um outro jovem, um amigo, um elemento do grupo de pares.

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Este aspecto de abertura, de confiança, assume-se como decisivo para que o utente possa recordar aspectos da sua vida pessoal, do que o atormenta, se confronte com as dificulda-des agora sentidas, assumindo que a sua vida está perante riscos e problemas mas aceite aprender a relativizá-los.

Com recurso à memória destas vivências intensas, o utente aprende a transpor as situa-ções vividas na “via” (percurso por onde sobe o escalador), para aspectos quotidianos da sua vida.

Recorda assim as estratégias utilizadas na ultrapassagem dos problemas na via (rocha) e aprende a transpô-las para as situações concretas, reais, com o objectivo de também transpor estes problemas.

As situações críticas na parede / via favorecem a intervenção do técnico, podendo esta passar pelo ensino do controlo respiratório, pela aplicação de técnicas de auto-controle emocional, pela aplicação de teorias psicológicas do âmbito comportamental.

Concretamente, - O utente ao confrontar-se com um problema aparentemente inultrapassável na

“parede/via” de escalada poderá relacionar este com um problema aparentemente insolúvel na vida;

- A dificuldade de se controlar perante um perigo e uma queda eminente, em tudo se pode relacionar com a insegurança sentida perante um problema quotidiano;

- A tentativa desesperada de se agarrar a tudo o que pensa seguro, poderá ser seme-lhante a determinadas atitudes, buscando companhias e seguindo as suas regras em desespero de causa…;

- Depois, o afastar-se da parede, numa tentativa de adquirir melhores pontos de aderência, de equilíbrio, de identificação de pontos de apoio, no sentido de uma melhor planificação dos movimentos a executar, em tudo se pode assemelhar à necessidade de se afastar dos problemas pessoais para melhor os poder observar e decidir de forma mais adequada.

Isto é, o fechamento na “parede / via” pressupõe a perca de condições para a ultrapas-sagem dos problemas, pela redução das condições de equilíbrio, pela redução dos pontos de apoio, pela ausência de visão sobre pontos de apoio disponíveis, tal como o isolamento individual sobre os problemas pessoais levam à depressão, à angústia e à incapacidade de identificar soluções mais racionais.

Se estas situações são positivas para a generalidade da população, mais o serão para os

67“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

indivíduos que, devido à destruturação da sua vida, à sua falta de competências sociais, à sua reduzida capacidade de auto-controlo emocional, à sua falta de hábitos de planificação dos problemas da vida, os levam à procura de soluções imediatistas.

A acção do técnico na parede, no momento em que sente a ausência de planificação e de competências no utente, pode permitir a consciencialização dessa falta de hábitos, tornan-do-o mais receptivo, preparando-o para ouvir, para aprender, para pedir auxílio e para se predispor a, pelos seus meios, planificar e “pensar” com calma as tarefa necessárias para a ultrapassagem do problema.

Nesta actividade, o ritmo a que decorre a ascensão permite, como já referido, o acompa-nhamento técnico, podendo-se este prolongar junto do utente até que este seja capaz de se controlar, de ouvir as indicações.

Desta forma, leva-se o utente a aprender a não desistir da tarefa sem esgotar todos os seus recursos, o que consequentemente irá aumentar as suas capacidades de resistência à frustração, descobrindo o prazer pelo esforço dispendido e a consequente satisfação pelo êxito obtido.

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11. Transponibilidadedo “jogo” para a vida /Da Escalada para a VIDA

A importância da Escalada como recurso pedagógico, pela possibilidade de transposição de situações críticas vividas na parede e de regras do seu funcionamento para os problemas e situações do dia-a-dia, levam-me a explicitar, no quadro seguinte, as que considero mais pertinentes e adaptáveis a uma acção interventiva com vista à modificabilidade compor-tamental de jovens em situação de exclusão social ou em risco, observando-se também desta forma o papel fundamental do técnico, do educador, bem como do grupo em que cada jovem está integrado e com quem interage permanentemente.

Princípios gerais da ESCALADA Da Escalada para o QUOTIDIANO

- Partilhar o prazer da prática da activi-dade, apesar das dificuldades encontra-das.

- Descobrir o prazer da vida, apesar das di-ficuldades...

- Não ter medo do risco, quando calcu-lado e desafiar vias progressivamente mais difíceis.

- Não ter receio de pensar e viver o futuro. Ter a consciência de “saber correr riscos”.

- É preciso saber escolher a via adequada às nossa possibilidades de êxito.

- É preciso não exigir demasiado à vida, quando não temos condições para tal.

- Necessidade de colaborar com os outros e de partilhar a responsabilidade pela segurança de todos.

- Estarmos com os outros e não ter medo de não podemos deixar de depender dos outros (e eles de nós)...

- A falta de planificação do percurso, pode comprometer o êxito da ascensão.

- A falta de planificação das tarefas diárias, pode comprometer o seu êxito.

- Com auto-controle, podemos ultrapas-sar os problemas com que deparamos na parede.

- Com auto-controle, podemos ultrapassar os problemas com que deparamos na vida.

- Contar apenas com as mãos e os pés...- Reconhecer a eficácia dos seus próprios

meios.

69“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

Princípios gerais da ESCALADA Da Escalada para o QUOTIDIANO

- Aceitar a observância de regras de se-gurança (não discutíveis, ex: nós, encor-doamentos, três apoios).

- Aceitar a importância das regras de com-portamento social.

- Adoptar gestos adequados, movimentos económicos e controlados.

- Reconhecer e aceitar a importância dos comportamentos pessoal e social adequa-dos.

- Afastar-se da parede para melhor en-contrar pontos de apoio.

- Afastar dos problemas para melhor desco-brir soluções.

- Agarrarmo-nos desesperadamente aos pontos de apoio, é perder forças, equilí-brio e capacidade de aderência.

- Fecharmo-nos desesperadamente sobre os nossos problemas, é ficar isolado, não vislumbrar situações mais racionais e não utilizarmos as nossas potencialidades, não vermos as coisas boas que se nos depa-ram.

- Aceitar indicações do técnico e dos ou-tros, pode ser importante para a ultra-passagem dos problemas.

- Aceitar indicações dos mais velhos e dos amigos, pode ser importante para melhor resolvermos os problemas.

- O respeito pelos outros e pelo ritmo de progressão individual, é fundamental para o sucesso da cordada.

- O respeito pelos outros e pelas suas limi-tações, é fundamental para uma boa con-vivência social.

- Saber escolher os momentos para re-flectir e planear, para subir, para re-pousar. Saber esperar. Saber tentar de novo.

- Reconhecer a importância de “timings” e momentos adequados para determinados comportamentos. Saber esperar. Não de-sistir definitivamente.

- Conhecer diferentes tipos de progres-são: em oposição, em suspensão, em entalamento...

- Compreender que nem tudo é simples, regular e linear, de que é preciso tentar várias estratégias, de que o equilíbrio se obtém da instabilidade...

- Se somos capazes de ultrapassar os problemas da parede, por muito difíceis que sejam...

...também somos capazes de ultrapassar os problemas da vida, por muito difíceis que nos pareçam!

- Não desistir sem se tentar concluir a via. Se não desistimos numa via...

...não desistimos na vida!

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Princípios gerais da ESCALADA Da Escalada para o QUOTIDIANO

- Se somos capazes de esperar numa pa-rede...

...também somos capazes de esperar na vida!

- Se nos ultrapassarmos, podemos ven-cer a dificuldade...

...também isso poderá acontecer na vida.

- Na escalada, cada um escolhe a sua via e sobe pelos seus próprios meios.

- Na vida, cada um escolhe o seu percurso e tem que assumir as suas responsabili-dades.

- Na cordada, os companheiros estão para nos darem segurança, incentiva-rem e não nos deixarem cair.

- Na vida, os amigos servem para nos apoiar, incentivar e ajudar nas horas em que deles necessitamos.

- Na via, cada um tem que vencer apenas pelo seu esforço

- Na vida, apesar dos amigos, cada um terá que vencer pelos seus méritos.

- Na via, chega sempre a oportunidade de fazer a segurança ao colega que nos segurou.

- Na vida, chega sempre o momento de nos lembrarmos dos outros e dos apoios que deles recebemos.

- Na via, temos que olhar e ver todos os pontos de apoio disponíveis e apreciar a paisagem que nos rodeia.

- Na vida, temos que olhar e ver tudo o que nos rodeia, apreciando todas as riquezas naturais e humanas.

71“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

12. Contexto de Experimentação: Projecto “Da Aventuraao Trabalho” – ProgramaComunitário EQUAL

12.1 CONTEXTO SOCIAL E MOTIVAÇÃO PARA O PROJECTO

12.1.1 Situação económico-social do Concelho e do Distrito de Setúbal

O concelho de Setúbal, com cerca de 120 mil habitantes, é uma área essencial-mente urbana onde os conflitos sociais fazem parte do seu quotidiano e se assu-mem cada vez mais como uma faceta da sua “cultura”.

Vítima da instabilidade económica que caracterizou Portugal nos anos 70 e 80, viu criarem-se e desaparecerem indústrias promissoras, recebeu contingentes de migrantes e emigrantes dos vários pontos do globo, não tendo tido tempo, enge-nho nem recursos para fazer algo mais que não fosse “amontoa-los em guetos”, criando todas as condições para que as segundas gerações fizessem emergir os conflitos naturais de situações de vida deploráveis e degradantes, de angústias provocadas pela distância que dista da região ao local de referência cultural e da intolerância inevitável de quem vive um presente instável e mal amado, envergo-nhado do passado e desinvestido do futuro.

O resultado espelha-se nas estatísticas com uma força impiedosa. Segundo os estudos do CAT (Centro de Atendimento a Toxicodependentes) de Setúbal e do Mi-nistério da Saúde, este é um dos concelhos com maior taxa de toxicodependência do país.

Idêntica situação ocorre no âmbito das doenças decorrentes dos consumos de es-tupefacientes, como é o caso do HIV / Sida, assumindo-se, em termos relativos (nº de casos / população) como o de maior incidência no país, o que assume contornos preocupantes quando é reconhecido que Portugal está na cauda da Europa.

Também no que se refere à delinquência juvenil, Setúbal é vista pelos estudos do Ministério da Justiça, como um dos três concelhos mais problemáticos do país.

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Considerando a gravidade das problemáticas vividas em particular na península de Setúbal, consideramos pertinente a existência de projectos específicos, com vista à sua redução, bem como dos problemas decorrentes, com efeitos visíveis aos níveis social e económico.

12.1.2 Motivação / Experiência e Infra-estruturas existentes

Desde 1998, com o Programa de iniciativa comunitária “Integra”, posteriormente com o programa de “Formação Profissional Especial” do IEFP (Instituto de Emprego e Formação Especial) em 2000 / 2001 e finalmente com o Programa Quadro “Rein-serir” do IPDT (Instituto Português das Drogas e da Toxicodependência) em 2001, tem a “Questão de Equilíbrio” vindo a trabalhar e a aperfeiçoar algumas metodo-logias inovadoras de intervenção e reinserção sócio-profissional com populações problemáticas, com enormes dificuldades de inserção no mundo laboral.

O facto dos nossos projectos incidirem sobre o trabalho de competências pessoais, sociais e profissionais, e sobre a formação pré-profissional, nomeadamente em áreas da construção civil, permitiu-nos reconstruir algumas instalações de que dispomos e nas quais os projectos têm vindo a evoluir.

Assim, quer a nossa experiência com grupos em risco ou em exclusão social, quer o desenvolvimento das metodologias de investigação e as infra-estruturas de que dispomos, tudo propiciou o nosso envolvimento no actual projecto EQUAL, “Da Aventura ao Trabalho”.

12.2. OBJECTIVOS E GRUPOS DE REFERÊNCIA

Os indivíduos inseridos no projecto encontram-se em contexto de exclusão social, decor-rente de diferentes problemáticas sócio-económicas, relacionadas, sobretudo, com toxico-dependência, reclusão judicial e com o desemprego prolongado.

Normalmente, os utentes entram no projecto porque querem alterar o seu percurso de vida mas não sabem como o fazer ou a quem recorrer. Encontram-se, igualmente, descrentes das suas capacidades, quer físicas quer psicológicas. Devido às suas vivências anteriores, associadas ou não à toxicodependência ou ao desemprego crónico, manifestam atitudes que tanto podem passar pela agressividade como pela submissão.

Por isso, apresentam as seguintes características:- Desmotivação acentuada;

73“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

- Problemas financeiros graves (salvo algumas excepções);- Uma procura incessante de respostas imediatas;- Desorganização na gestão dos seus recursos;- Desorganização / confusão em planear a sua vida;- Desorganização / inflexibilidade no que respeita a regras básicas de comportamen-

to e atitudes;- Dificuldade em aceitar normas e regras básicas para um bom ou correcto relacio-

namento com os outros em sociedade;- Provêem, normalmente, de núcleos familiares destruturados por vezes decorrentes

da toxicodependência;- Culpabilização pelo que fizeram, principalmente, quando envolveram mais directa-

mente a família (pais, filhos, mulher);- Como adultos, apresentam comportamentos infantilizados ou reacções adolescen-

tes, quando confrontados com determinadas situações;- Apresentam, frequentemente, noções desenquadradas daquilo que consideram ser

os seus direitos e obrigações;- Apresentam lacunas ou desconhecimento daquilo que são os seus deveres;- Alternam facilmente momentos de auto-desvalorização com outros de sobranceria,

excesso de protagonismo ou sobrevalorização dos seus feitos ou capacidades.

Embora as problemáticas dos utentes e as suas características sejam diversas, as suas motivações de partida são genericamente comuns:

- Procura de emprego /ocupação;- Procura de uma remuneração que lhes permita, como a qualquer cidadão, ter algu-

ma independência financeira (a que têm acesso através da Bolsa);- Procura de mudança de vida, nomeadamente de relacionamento familiar e social;- Procura de apoio / ajuda personalizada para a resolução de problemas, alguns

decorrentes do seu passado, relacionados com a justiça ou outros;- Procura de uma resposta diferente da dos centros de recuperação, por onde já

passaram repetidas vezes sem resultados aparentes (isto no caso de toxicodepen-dentes em tratamento);

- Procura de valorização pessoal / auto estima;- Procura de uma nova oportunidade (último recurso).

Assim, os objectivos deste projecto são:- Desenvolver metodologias inovadoras de intervenção na capacitação de competên-

cias sociais e pessoais em populações de risco social;- Desenvolver metodologias de intervenção e acompanhamento na reinserção sócio-

profissional, quer no relacionamento com as empresas, quer na tutoria dos utentes;

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- Colaborar na dinamização empresarial da região, pelo envolvimento que temos com as empresas e com o tecido empresarial, de forma a propiciar melhores condições de inserção social e de desenvolvimento regional;

- Colaborar na dinamização regional da sociedade, com vista à articulação de re-cursos e à criação de parcerias entre entidades oficiais e instituições particulares através da criação de uma estrutura tipo “Pacto Territorial”.

12.3 PARCEIROS NACIONAIS

O projecto privilegia o trabalho em parceria.

Pretendemos que as instituições que agora colaboram com o projecto possam no final do mesmo formar uma rede consolidada que, através da articulação e da aprendizagem conjunta, capitalize todos os esforços e recursos existentes em benefício dos mais desfa-vorecidos e vulneráveis.

Com o Centro de Saúde de Alhos Vedros e com os CAT’s (Centros de Atendimento a To-xicodependentes) de Setúbal e Barreiro avaliam-se conjuntamente cada um dos utentes integrados no projecto de modo a apoiá-los, principalmente no que respeita aos seus com-portamentos e atitudes (alterações positivas ou regressões no seu processo de mudança) na periodicidade das consultas, analises, etc.

O trabalho com os Centros de Emprego tem uma importância significativa, pois ao estarem sensibilizados e envolvidos no projecto e ao terem o conhecimento do trabalho que é efec-tuado pelos técnicos junto dos utentes, têm melhor a noção do perfil das empresas melhor colocadas para receber utentes devidamente preparados.Idêntico processo é desenvolvido com a AERSET.

Com resultados apenas ao nível do planeamento de actividades e desenvolvimento de Pac-tos Territoriais, ou algo idêntico, têm-se reforçado as relações com a Câmara Municipal de Setúbal / Gabinete de Apoio ao Empresário e o Governo Civil de Setúbal e indirectamente com o Instituto de Solidariedade e Segurança Social, Administração Regional de Saúde, Ins-tituto de Emprego e Formação Profissional e outras estruturas que terão necessariamente de integrar a estrutura a criar em parceria.

12.4 PARCEIROS TRANSNACIONAIS

Sobre este ponto, que se revelou de enorme importância para o desenvolvimento dos pro-jectos nacionais, não iremos agora referir-nos, considerando que as mais-valias decorren-

75“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

tes merecem um destaque considerável pelo que não se podem esbater neste primeiro documento e porque também não foram suficientemente trabalhadas no âmbito de inter-venção com recurso às ARC.

Assim, e muito resumidamente, queremos apenas referir que os Parceiros Transnacionais foram:- OESSE –“Officina Sociale” Associação de Roma e Viterbo- Ayuntament del Prat del Llobregate (Catalunha / Barcelona)

Ambas as estruturas contribuíram para o estudo das metodologias de implementação e funcionamento de Pactos Territoriais e de Cidade, o que permitiu em Setúbal, com a co-laboração do Governo Civil e da Câmara Municipal organizar um debate aberto às forças vivas, às associações e estruturas oficiais da região, o que pode ter contribuído para um melhor funcionamento da Rede Social que estava um pouco paralisada.

O reconhecimento das potencialidades das ARC foi comprovado pelos próprios responsá-veis das instituições da Parceria Transnacional, tendo eles próprios participado em algumas actividades no Barreiro, no Parque de Aventuras.

Decorrente desta participação e compreensão das potencialidades educativas, foi reorga-nizado o projecto de intervenção educativa no Bairro de S. Cosme no Ayuntament del Prat del Llobregat / Barcelona / Catalunha, tendo decorrido no próprio âmbito do EQUAL uma acção com um grupo étnico de ciganos com problemas judiciais, o qual se iniciou com actividades motivadoras que tiveram lugar nos Pirinéus em Outubro de 2004, com a prática de Escalada (num contexto de “Terapia de Choque” e Rafting.

Também decorrente do reconhecimento das potencialidades educativas das ARC, foi de-senvolvido um novo projecto de intervenção com jovens com problemas judiciais, que de-verá decorrer nos próximos anos em Roma.

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CONCLUSÕES

Como referido ao longo deste trabalho, a apresentação das Actividades de Risco Controlado (ARC) e da Escaladaterapia neste documento, constituem a fase inicial de um trabalho que se pretende mais alargado e aprofundado como metodologias de intervenção educativo-terapêuticas que, pelas suas potencialidades, não podem ser negligenciadas nem prete-ridas.

Por outro lado, é fundamental que estas metodologias sejam devidamente acompanhadas por um processo coerente e sistemático de monitorização da intervenção e de avaliação contínua da mesma, de forma a atempadamente se procederem às correcções e acertos que permitam a sua adaptação a públicos com problemáticas sociais específicas.

Parece-me ainda importante voltar a reforçar a ideia de que as ARC não podem nem de-vem ser entendidas como práticas desportivas, mas antes como recursos de intervenção educativa e terapêutica com públicos devidamente diagnosticados como com problemas do comportamento emocional e social.

Neste sentido, esta metodologia não se assume como “remédio” ou solução para todos os males, antes deve ser entendida como recurso altamente facilitador de uma intervenção técnica próxima, específica e especializada, poupando tempo na intervenção e potenciando os seus efeitos.

Parece-me também importante que, complementarmente, sejam integradas Actividades de Relevância Social, incluindo nestas, trabalhos ou funções não remuneradas, de Utilidade Social (apoio a grupos desfavorecidos, apoio de solidariedade social) as quais deverão ser desenvolvidas pelos indivíduos alvo do processo de intervenção.

Considero que assume uma importância fundamental para o êxito do processo de interven-ção para a inserção / inclusão de pessoas com problemas de adaptação social, a articulação com as Actividades de Auto-Avaliação e Compensação, que vão desde o reconhecimento do progresso individual a uma correspondente explicitação junto de colegas ou de outros indivíduos de referência.

Por fim, e não menos importante, é a organização atempada e articulada de todo o apoio à resolução de problemas concretos de saúde (boca), de habitação, de paternidade, de

77“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

justiça, de acompanhamento na Inserção / Inclusão, que poderá passar pelo apoio próximo ou controlado à distância, na perspectiva quer do “apoio moral” quer principalmente na orientação para questões como a procura de emprego ou apoio para a reconstrução do núcleo familiar.

78

ANEXO 1

Ciclo de Tensão: - Que Fazer?

PARA TRANSFORMAR O CICLO DE TENSÃO NUM CICLO EM QUE SE POSSA LIDAR COM A CRIANÇA / JOVEM COM PROBLEMAS DE COMPORTAMENTO SOCIAL, O ADULTO /EDUCA-DOR, PRECISA DE SER CAPAZ DE:

- Estar em contacto com os sentimentos da criança;- Reconhecer que esses sentimentos partiram originalmente da criança;- Verbalizar os seus próprios sentimentos;- Descodificar os sentimentos da criança;- Apoiar os sentimentos da criança, mas não o seu comportamento inadequado;- Mostrar que enfrentar uma situação difícil desenvolve competências, promove o sucesso

e o orgulho;- Demonstrar um sentimento de esperança e não de desamparo em relação à vida;- Reduzir a tensão reduzindo algumas exigências;- Reduzir a tensão redireccionando os sentimentos da criança para um comportamento

aceitável;- Reduzir a tensão ajudando a criança a aceitar o desapontamento e o fracasso;- Reduzir a tensão ajudando a criança a fazer uma tarefa de cada vez;- Reduzir a tensão fazendo a criança ajudar os menos felizes;- Reduzir a tensão separando a criança da situação;- Reduzir a tensão fazendo com que o aluno procure ajuda profissional.

In: - N. Long e B. Duffner, The Impact of Home and School Stress on Pupils

Classroom Behavior.- N. Long, W. Morse e R. Newman (Eds) Conflict in the Classroom (4ª ed.)

Belmonte, Calif; Wadsworth, 1980, pp 227 – 228.

79“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

ANEXO 2

PLANO DE INTERVENÇÃO

S.COSME / PRAT DE LLOBREGAT

EQUAL / OUT.2003

RICARDO MARTÍNEZ

IDEIAS – BASE NO PROCESSO DE INTERVENÇÃO

- Quando iniciamos uma intervenção… não ficamos a meio! VAMOS ATÉ AO FIM! (não abandonamos nem o projecto…nem os jovens que tentámos motivar).

- Não avançar antes de conhecer “muito bem” o grupo e aspectos essenciais da “CULTU-RA” da população com a qual se vai trabalhar (saber o que se pode, onde, com quem e como se pode dizer…)

- Não avançar para a intervenção sem prever a ARTICULAÇÃO entre potenciais PARCEI-ROS.

- Prever sempre a criação de um instrumento de AVALIAÇÃO do processo (desde o início do processo de concepção do projecto e desde a primeira hora de intervenção…)

- As actividades devem ser planeadas “COM ELES” e não “PARA ELES”…

- Utilizar o “EFEITO SURPRESA” nomeadamente nas actividades de risco controlado…

- Os CONFLITOS, quando surgem, são uma óptima oportunidade de “TREINO” de com-petências pessoais e sociais, de gestão de conflitos…de desenvolvimento de ideia de “PROCESSO”.

- Em crise, “NÃO BAIXAR ATÉ ELES” através da mesma linguagem, das mesmas ideias, dos mesmos valores… mas sim da Atenção, da Afectividade, do Trabalho em Comum (compreender não é aceitar...).

- Manter sempre uma atitude de “DISCIPLINA AFECTIVA /AMOR FIRME” assumida com calma. Assumir uma atitude de assertividade com controlo da situação.

80

- Manter sempre a “CALMA”. Ter cuidado para não demonstrar raiva nem medo, antes capacidade de diálogo (não utilizar os seus “palavrões” nem os seus termos. Ponderar com calma as decisões a tomar, mesmo que sejam drásticas.

- Fazer sentir que a tomada de decisões, a alteração dos programas, a suspensão das actividades, pelo seu COMPORTAMENTO DESADEQUADO OS PREJUDICA a eles muito mais que aos monitores!

- Encontrar, quando possível, APOIO ENTRE OS RESTANTES JOVENS sem que isso de-monstre subserviência, apadrinhamento, desculpabilização de uns ou outros…

- Quando não sabemos como responder… passamos a tentativa de solução, “A BATATA QUENTE” para os jovens, em primeiro lugar os que causaram a perturbação (inversão de papeis / responsabilização).

- Utilização de discurso não moralista..., verdadeiro! A HONESTIDADE é sempre a melhor arma.

- Adopção de um sistema “CONSTRUTIVISTA” de regras

- O processo de confiança deverá ser “GRADUAL”

- Utilização da “PEDAGOGIA DO SUCESSO”. Viabilizar, objectivar, potenciar, sempre o sucesso, por muito pequeno que seja, é ser capaz de encontrar num simples aspecto, algo de POSITIVO.

- “TRANSFERIBILIDADE” das metodologias e vivências (da Escalada…) para a VIDA REAL”

- Trabalhar o SENTIDO CRÍTICO.

- Os TÉCNICOS são (podem… devem ser) “modelos”… “referências”…

- O aparecimento de CONFLITOS pode contribuir para melhor conhecermos e diagnosti-carmos a situação da população com que trabalhamos. Podemos ganhar muito tempo …!(ver avaliação).

- A APRENDIZAGEM não deve ser uma obrigação / prazer exclusivo dos jovens mas uma capacidade fundamental dos animadores…

81“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

NOTA FINAL:

- Partir sempre do princípio de que todos os indivíduos podem ser recuperáveis. Todas as crianças e jovens devem ter uma “verdadeira” possibilidade de mudar...

“Há meninos maus ou eu é que não sou capaz de encontrar uma metodologia adequada???”

Alguns indivíduos não são “recuperáveis” ou “trabalháveis” num momento preciso e nas condições precisas da intervenção…Mas podem ser mais tarde, noutras condi-ções, noutros contextos.

Entre todos (técnicos, primeiro e depois com os jovens) avaliar a situação e suspender, quando necessário, os indivíduos que ponham em causa o processo.

Posteriormente, se houver possibilidade de integrar à experiência o indivíduo conflituoso, é fazê-lo, mesmo que tenha que voltar a ser suspenso!

Deixar sempre uma porta aberta.

Mostrar que quando exista mudança, a porta estará aberta (até lá, perdem-se oportuni-dades…).

Levá-los a perceber a perca (o jovem deve sentir que perdeu algo quando saiu).

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ANEXO 3

Programa de Intervenção

S.COSME / PRAT de LLOBREGAT

EQUAL / 12 Out. 2003

Ricardo Martínez

Contributos para a definição de umaMETODOLOGIA PARA ACTIVIDADES

A DESENVOLVER

1. Reunião de Planeamento

1.1. Escolha das actividades / pormenores importantes s/ prática: 1.1.1. Materiais;1.1.2. Horários a cumprir;1.1.3. Locais de encontro,1.1.4. Comportamentos a tomar;1.1.5. (a introduzir outros itens)

1.2. Distribuição de tarefas:1.2.1. Despertar os outros;1.2.2. Tratar da alimentação;1.2.3. Comprar bilhetes 8se necessário);1.2.4. (a introduzir outros itens)

1.3. Registar aspectos do comportamento dos jovens:1.3 1. Como reagem;1.3.2. Como se voluntarizam;1.3.3. Como se organizam1.3.4. (a introduzir outros itens)

2. Deslocações

2.1. Viagem de Ida2.1.1. Como se comportaram uns com os outros…

83“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

2.1.2. Como falavam uns com os outros …2.1.3. Como se ouviam uns aos outros …2.1.4. Como se relacionaram com os monitores2.1.5. Falavam com respeito, com ordem…2.1.6. Ouviam as suas observações…2.1.7. Como se relacionaram com outras pessoas (na rua)2.1.8. Como se comportaram nos transportes2.1.9. Como se comportaram com os lixos2.1.10. Respeito pelos equipamentos2.1.11. (a introduzir outros itens)

2.2. Regresso (itens idênticos à ida)

3. Desenvolvimento das Actividades

3.1. ESCOLHA DA ACTIVIDADE: Escolher sempre uma actividade adequada, de acordo com os objectivos e o trabalho desenvolvido com os jovens.

3.2. ESCOLHA DOS PERCURSOS: Escolher sempre actividades e níveis de dificuldade que permitam o “sucesso” mesmo que até lá os jovens tenham que se confrontar com o medo ou com o esforço. Isto é, actividades que aparente ou realmente difíceis nos ofereçam alternativas para saída de socorro ou de apoio. Tentar o mais difícil…pos-sível!!!

3.3. FACTOR SURPRESA: Aproveitar sempre que possível o factor surpresa. Surpreender os jovens pode ser meio caminho para a sua motivação.

3.4. CONDIÇÕES DE SEGURANÇA: Assegurar que as condições de segurança sejam todas cumpridas (não 100 mas 200 ou 300 %)…

3.5. INTRODUÇÃO DE REGRAS / SEGURANÇA: explicar minimamente as regras básicas de segurança (não nos afastamos dos jovens).

3.6. DINÂMICA DO GRUPO: Observar a dinâmica do grupo, nomeadamente do(s) líderes. Ver como reagem e como se oferecem ou fogem a ser os primeiros a experimentar a actividade.

3.7. O PRIMEIRO PASSO: Convite, proposta, provocação – para que o jovem se disponha a participar. O importante é que inicie a actividade…

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3.8. GRUPO: Dividir o grupo (depende da sua problemática… mas nunca mais de um número que fuja à proximidade de um auxiliar)

3.9. ATENÇÃO PRIVILEGIADA: À medida que o jovem vá ultrapassando as dificuldades, estar com atenção à forma como o faz e como o exterioriza.

3.10. ELEMENTO FACILITADOR: De acordo com as problemáticas dos jovens e o conheci-mento que tenhamos dos mesmos, encontrar um elemento “facilitador” do elemento que mais necessidade terá de apoio. Assegurar que os restantes elementos do grupo não dificultem o sente maiores dificuldades. Assegurar a organização e a transmis-são das indicações.

3.11. QUANDO COMEÇAMOS?: O nosso trabalho como educadores, só começa quando o jovem sente dificuldades na ultrapassagem dos problemas e pretende desistir ou assumir comportamentos violentos, desadequados.

3.12. PAPEL DIRECTO DO MONITOR / EDUCADORCaso as dificuldades sejam sentidas como insuperáveis, mesmo com as indicações iniciais e básicas, deve o monitor / educador aproximar-se do elemento em dificulda-de e mostrar activamente que o deseja ajudar.

3.13. ASPECTOS A TRABALHAR COM O INDIVÍDUO EM DIFICULDADEa. Aprender a Respirarb. Aprender a Auto-Controlar-sec. Utilizar Terapias de Confronto Cognitivod. Incentivo activo para que se superee. Reflexão sobre pequenos progressos na sua conduta anteriorf. Transposição das dificuldades “da actividade” para a vida (métodos a empregar em

situações semelhantes e futuras)g. Reflectir sobre Problemas Reais Individuais

3.14. ASPECTOS A TRABALHAR COM O GRUPOa. Incentivo para Motivação Activa do elemento em dificuldadesb. Reforço das ideias-base junto dos elementos de referênciac. Verificar como actuam os elementos de “referência”

3.15. INTRODUZIR ASPECTOS TÉCNICOS PARA SUPERAÇÃO DAS DIFICULDADESNota: adaptar a cada Actividade escolhidaExemplo: Actividades de Escalada em Rocha

85“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

• Equilíbrio• Regras de descanso e descontracção corporal• Regras de uso de materiais para descanso• Regras de auto-controlo emocional• Posicionamento corporal e adesão à “parede”• Regras de entalamento de mãos e pés• Força e auto-controlo• Regras de Progressão em “parede”

4. Análise da Situação / Ambiente pós-actividade

a. Observar como regem emocionalmente os jovensb. Como falam entre si das vivências / motivaçãoc. Como se dirigem aos monitoresd. Observar como se comportam do ponto de vista motore. Observar como tratam os materiais e equipamentosf. Como se referem às regrasg. Como se organizam para regressar

5. Reflexão Final sobre a Actividade e Registo

5.1. Perguntar aos participantes:5.1.1. O que Sentiram? (aspecto Emocional…)5.1.2. O que pensam que Aprenderam?5.1.2. O que acham que poderá mudar as suas vidas ou a sua visão sobre a vida?

5.2. Focar ideias-base:5.2.1. Organização / planeamento da actividade5.2.2. Confiança no material e nos colegas5.2.3. Capacidade para ouvir o outro…5.2.4. O Espírito de Equipa como factor de segurança e sucesso do grupo5.2.5. O MEDO e o seu controlo / respeito pelo perigo (aprendizagem de regras de

auto-controlo)5.2.6. Capacidade de reflectir sobre o seu processo pessoal5.2.7. Conhecimento de SI e dos OUTROS5.2.8. “Pedagogia do Sucesso” – metodologia para a ultrapassagem dos problemas e

aumento de confiança e auto-estima5.2.9. Aspectos significativos da transposição dos sentimentos e dificuldades sentidos

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na parede para o quotidiano, para a vida5.2.10. Capacidade de reflectir sobre o seu processo pessoal5.2.11. Capacidade para tentar encontrar soluções para os seus próprios problemas

“Empowerment” / auto-determinação.

Nota: ver sempre com antecedência as condições de utilização das estruturas de Escalada, quer na rocha quer as Artificiais.

- Manter sempre uma atitude de “DISCIPLINA AFECTIVA /AMOR FIRME” assumida com calma. Assumir uma atitude de assertividade com controlo da situação.

87“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

ANEXO 4

Metodologia das Actividades de Escalada

A. Desenvolvimento das Actividades

1. ESCOLHA DA ACTIVIDADE: Escolher sempre uma parede natural para o início das actividades de escalada como terapia educativa.

2. ESCOLHA DAS VIAS: Escolher sempre vias com determinado grau de dificuldade (se possível, nunca inferiores a 4º inferior). Isto é, aparentemente vias difíceis mas ofere-cendo-nos alternativas para saída de socorro. Tentar vias o mais difíceis…possíveis!!!

3. FACTOR SURPRESA: Aproveitar o factor surpresa. Não dar indicações aos participantes sobre o grau de dificuldades das vias nem das possíveis saídas, nem das características dos materiais e muito menos das técnicas de subida.

4. CONDIÇÕES DE SEGURANÇA: Assegurar que as condições de segurança sejam todas cumpridas (não 100 mas 200 0u 300 %), o que pressupõe o equipamento das vias, sempre TOP.

5. INTRODUÇÃO DE REGRAS / SEGURANÇA: NÃO explicar. Quanto muito explicar mini-mamente as regras básicas de segurança (por isso não nos afastamos do jovem que irá dar segurança).

6. DINÂMICA DO GRUPO: Observar a dinâmica do grupo, nomeadamente do(s) líderes. Ver como reagem e como se oferecem ou fogem a ser os primeiros a experimentar a subida.

7. O PRIMEIRO PASSO: Convite, proposta, provocação – para que o jovem se disponha a participar. O importante é que inicie a actividade…

8. CORDADAS: Dividir o grupo (depende da sua problemática… mas nunca mais de 6) pelas cordadas (de preferência 2, levando sempre um auxiliar)

9. ATENÇÃO PRIVILEGIADA: À medida que o jovem vá subindo, estar com atenção às dificuldades que sente.

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10. ELEMENTO FACILITADOR: Dar indicações ao elemento da segurança na cordada, na base, para que este seja o elemento “facilitador” do elemento que sobe. Assegurar que os restantes elementos do grupo não dificultem o que sobe. Assegurar a organização e a transmissão das indicações.

11. QUANDO COMEÇAMOS?: O nosso trabalho como educadores, só começa quando o jovem sente dificuldades na subida e pretende desistir.

12. PAPEL DIRECTO DO MONITOR / EDUCADORCaso as dificuldades sejam sentidas como insuperáveis, mesmo com as indicações da base, deve o monitor / educador subir até ao nível do elemento que está a escalar.

13. ASPECTOS A TRABALHAR COM O INDIVÍDUO EM DIFICULDADE1. Aprender a Respirar2. Aprender a Auto-Controlar-se3. Utilizar Terapias de Confronto Cognitivo4. Incentivo activo para que se supere5. Reflexão sobre pequenos progressos na progressão6. Transposição das dificuldades “da parede” para a vida (métodos a empregar em

situações semelhantes e futuras)7. Reflectir sobre Problemas Reais Individuais

14. ASPECTOS A TRABALHAR COM O GRUPO1. Incentivo para Motivação Activa do elemento em dificuldades2. Reforço das ideias-base junto dos elementos da segurança3. Verificar como actuam os elementos da “segurança”

15. INTRODUZIR ASPECTOS TÉCNICOS PARA SUPERAÇÃO DAS DIFICULDADESA. Análise da Situação durante a actividade

1. Equilíbrio2. Regras de descanso e descontracção corporal3. Regras de uso de materiais para descanso4. Regras de auto-controlo emocional5. Posicionamento corporal e adesão à “parede”6. Regras de entalamento de mãos e pés7. Força e auto-controlo8. Regras de Progressão em “parede”

89“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

B. Análise da Situação / Ambiente pós-actividade

1. Observar como regem emocionalmente os jovensa. Como falam entre si das vivências / motivaçãob. Como se dirigem aos monitores

2. Observar como se comportam do ponto de vista motor

3. Observar como tratam os materiais e equipamentos

4. Como se referem às regras

5. Como se organizam para regressar

C. Reflexão Final sobre a Actividade e Registo

1. Perguntar aos participantes:a. O que Sentiram? (aspecto Emocional…)b. O que Aprenderam?c. O que acham que poderá mudar as suas vidas ou a sua visão sobre a vida?

2. Focar ideias-base:a. Organização / planeamento da actividadeb. Confiança no material e nos colegasc. Capacidade para ouvir o outro…d. O Espírito de Equipa como factor de segurança e sucesso do grupoe. O MEDO e o seu controlo / respeito pelo perigo (aprendizagem de regras de auto-

controlo)f. Capacidade de reflectir sobre o seu processo pessoalg. Conhecimento de SI e dos OUTROSh. “Pedagogia do Sucesso” – metodologia para a ultrapassagem dos problemas e au-

mento de confiança e auto-estimai. Aspectos significativos da transposição dos sentimentos e dificuldades sentidos na

parede para o quotidiano, para a vidaj Capacidade de reflectir sobre o seu processo pessoalk. Capacidade para tentar encontrar soluções para os seus próprios problemas “Empo-

werment” / auto-determinação.

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ANEXO 5

Programa de Intervenção

S.COSME

PRAT de LLOBREGAT

12 Out. 2003

Ricardo Martínez

Contributos para a definição doPERFIL DO TÉCNICO DE ACOMPANHAMENTO

(Algumas ideias)

Pela nossa experiência de contacto e de trabalho com populações com comportamentos sociais problemáticos, pensamos que o técnico, para um bom desempenho das suas fun-ções e para um efectivo trabalho de inclusão dos utentes que acompanha, deverá ter as seguintes características e competências:

- MOBILIDADE• Capacidade de ir para o Terreno.

Os “papéis” são fundamentais para o registo das situações a trabalhar, fundamentais para a justificação dos processos a adoptar, para a “memorização” dos acontecimen-tos, das situações.O gabinete, é o local onde se poderá reflectir com mais calma e tomar, nos momentos adequados, as soluções mais difíceis. Contudo, é no terreno, no contacto com as pes-soas, que as soluções acontecem…

- EMPATIA• Capacidade de relacionamento com os outros. Simpatia que permita a abordagem dos

problemas e a procura de possíveis soluções…

- SABER OUVIR• Capacidade para aceitar tudo o que vê, tudo o que dizem os utentes…

O técnico está, num primeiro momento, para ouvir e não está para criticar… (até ter a confiança dos utentes…)

- ESPÍRITO PRÁTICO• Saber descobrir o essencial dos problemas e gradualmente passar para as etapas a

91“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

percorrer, propondo objectivos práticos, levando à clarificação do processo e à cons-ciencialização das pessoas para a possibilidade de saberem resolver os seus proble-mas…

- CAPACIDADE DE OBSERVAÇÃO E LEITURA DA REALIDADE• Capacidade para observar como as pessoas se organizam, quais a forças em presença,

quais os mecanismos mais adequados para provocar a motivação para a procura de soluções dos problemas…

- POSITIVIDADE• Capacidade para descobrir, em todas as situações, em todos os indivíduos, os pontos

positivos e as capacidades de cada um.• Descobrir em todas as circunstâncias aspectos positivos que possam criar pontes para

a abordagem e solução dos problemas.

- SABER QUESTIONAR• Saber utilizar o “Método Socrático” na resolução de problemas devolvendo aos utentes

a oportunidade de procurar a solução do problema…

- INICIATIVA• Propor, no momento adequado, estratégias que permitam o arranque dos utentes para

a resolução ou redução dos problemas. Ser capaz de acreditar e avançar para soluções equilibradas que permitam a autonomia e responsabilização dos utentes.

- CAPACIDADE DE NEGOCIAÇÃO• Com a população - alvo• Com outros intervenientes ou parceiros• Capacidade para discutir com as pessoas os seus Pontos Fracos• Capacidade para incentivar as pessoas a cumprir o definido…

- CAPACIDADE DE AFASTAMENTO• Saber distanciar-se gradualmente da procura de solução dos problemas à medida que

as pessoas ganham autonomia para assumir a solução dos mesmos.

- SABER GERIR O TEMPO• Ter sensibilidade para, no tempo indicado, propor medidas que permitam passar para

fases mais avançadas de compreensão dos problemas e de procura de soluções dos mesmos.

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- SABER PARTIR DO COMPLEXO PARA O SIMPLES• Ter consciência que, na maior parte dos casos, o mais difícil é tornar simples a apre-

ciação dos problemas e a adopção de medidas realistas, exequíveis, que permitam a solução ou redução dos problemas. A imagem da complexidade dos problemas dificulta a procura da solução para os mesmos e, ao mesmo tempo, desmotiva os directamente interessados na solução dos problemas e os técnicos envolvidos.

- CAPACIDADE DE DÁDIVA• Capacidade de dar de SI mesmo. Interesse activo pelos problemas dos outros…

Fazer coisas COM as pessoas… não é o mesmo que fazer PARA elas…

- CAPACIDADE CRÍTICA• Desenvolver o espírito crítico e auto – crítico, o que inclui os utentes com que trabalha

mas também o processo e a sua participação no mesmo.

- SABER IR DO IMEDIATO PARA O PROJECTO DE VIDA• Compreender os aspectos vitais de motivação dos utentes para, a partir daí, motivá-

los na procura de respostas a médio e longo prazo, e na elaboração de um projecto de vida estável, auto-sustentado, que permita o desenvolvimento pessoal e o respeito pelo colectivo.

- “AMOR FIRME” / DISCIPLINA AFECTIVA• Capacidade para tentar compreender porque não foram cumpridos os objectivos traça-

dos… Compreender não significa aceitar!

- MOTIVAÇÃO, OPTIMISMO, PERSEVERANÇA• Nunca desistir. Acreditar sempre na mudança…

- ESPÍRITO INVESTIGADOR E DE APRENDIZAGEM PERMANENTESaber criar os instrumentos adequados, aferidos, para a observação das mudanças, por muito pequenas que sejam.Compreender que para além dos resultados, esperados e casuais, existe a oportunidade de conhecermos o que correu bem e mal, promovendo o desenvolvimento das com-petências dos intervenientes, utentes e técnicos, permitindo a criação de alternativas atempadas ou futuras de adequação.

93“Actividades de Risco Controlado”: - Recurso Técnico Pedagógico

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Ficha Técnica

Constituição:

Concepção e Supervisão Técnico Pedagógica:Ricardo Martínez

Concepção Gráfica:

Data de ultima Revisão:15 de Dezembro de 2004

Validação:Por Conceptores a: Por parceiros da Rede Temática a:Por peritos Externos a:

Produção:Da Aventura ao Trabalho / / Programa Comunitário EQUAL

Entidade Interlocutora:

Parceria de Desenvolvimento:

Ideologia

Institutode Reinserção Social