Fausto.tragédia subjectiva

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Fausto Tragdia Subjectiva (Fragmentos)FAUSTO I /acto

Ah, tudo smbolo e analogia O vento que passa, a noite que esfria So outra cousa que a noite e o ventoSombras de vida Tudo que vemos outra cousa. A mar vasta, a mar ansiosa, o eco de outra mar que est Onde real o mundo que h. Tudo que temos esquecimento. A noite fria, o passar do vento So sombras de mo cujos gestos so. Tudo transcende tudo E mais real e menos do que . Ondas de aspirao que vs morreis Sem mesmo o corao e alma atingir Do vosso sentimento;ondas de pranto No vos posso chorar, e em mim subis, Mar imensa rumorosa e surda, Para morrer na praia do limite Que a vida impe ao ser;ondas saudosas Dalgum mar alto Aonde a praia seja Um sonho intil, ou dalguma terra Desconhecida mais que a eterna aura Do eterno sofrimento, e onde formas Dos /olhos/ dalma no imaginadas Vagam, essncias lcidas e (...) Esquecidas daquilo que chamamos Suspiro, lgrimas, desolao; Ondas/nas quais/ no posso visionar, Nem dentro de mim, em sonho barco ou ilha, Nem esperana transitria, nem Iluso nada da desiluso; Oh ondas sem brancuras, asperezas, Mas redondas, como leos e silentes No vosso intrmino e total rumor... Oh ondas dalma, deca em lago Pg.5

Ou levantai-vos speras e brancas Com o sussurro cido da espuma /Erguei/ em tempestades nos meu ser. Vs sois um mar sem cu, sem luz, sem ar Sentido, visto no, rumorejante Sobre o fundo profundo da minha alma! Lgrimas, sinto em mim o vosso amargor! No vos quero chorar. Se vos chorasse Como chegar tantas! Ao vosso fim? Chegado ao vosso fim que encontraria? Talvez uma aridez desesperada Uma nsia v de no poder trazer-vos Outra vez para mim para chorar-vos Em v consolao inda outra vez! No haver alma, inda ideia v! Hav-la e imortal, sonho pequeno De trmino(?), embora coerente sua pequenez. Que mais? Hav-la, Hav-la e ser mortal, morrer num Todo Celeste? Vago, vo. No haver Alm da morte e da imortalidade Qualquer cousa maior? Ah, deve haver Alm da vida e morte, ser, no ser, Um Inominvel supertranscendente Eterno Incgnito e incognoscvel! Deus? Nojo. Cu, inferno? Nojo,nojo. Pra qu pensar, se h de parar aqui O curto voo do entendimento? Mais alm!Pensamento, mais alm! * O mistrio dos olhos e do olhar Do sujeito e do objecto, transparente Ao horror que alm dele est; o mudo Sentimento de se desconhecer, E a confrangida ecomoo que nasce De sentir a loucura do vazio; O horror duma existncia incompreendida Quando alma se chega desse horror Faz toda a dor humana uma iluso. Essa a suprema dor, a vera cruz. Querem desde nhar o teu sentir orgulho Oh, Cristo!

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Ento eu vejo horror a ntima alma, O perene mistrio que atravessa Como um suspiro cus e coraes. Sado apenas duma/infncia/ Incertamente triste e / diferente/ Uma vez contemplando dum outeiro A linha de colinas majestosa Que azulada e em perfis desaparecia No horizonte, contemplando os campos, Vi de repente como que tudo Desaparecer, tomando (...) E um abismo invisvel, uma cousa Nem parecida com a existncia Ocupar no o espao, mas o modo Com que eu pensava o visvel. E ento o horros supremo que jamais Deixei depois, mas que aumentando e sendo O mesmo sempre, Ocupou-me... Oh primeira viso interior Do mistrio infinito, em que ruiu A minha vida juvenil numa/hora/! Li vaga inerte e sonhadoramente li Compreendendo Mais do que havia Em frase(...)

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Fechei tremendo, os livros, e sentindo Comopreendo, os livros, e sentindo Como que detrs da conscincia, Negrume transcendendo o que de horror (...) Desde ento o / constante/ persistir Do mistrio em minha alma no me deixa

Quieto o esprito, por meditar Que seja, meditando sempre No leio j; queria abrir um livro E ver, de chofre, ali, a cincia toda... Queria ao menos poder crer que, lendo, E em prolongadas horas lendo e lendo, No fim alguma cousa me ficava Do essencial do mundo, que eu sabia At ao menos cada vez mais perto Do mistrio...Que ele, inda que inatingido, Ao menos dele que eu (me) aproximava... No fosse tudo um (...) Como uma criana que a fingir sobe Uns degraus que pintou o cho... No leio. Horas intrminas, perdido De tudo, salvo de uma dolorosa Conscincia vazia de mim prprio, Como um frio numa noite intensa Mais fundo o abismo entre o meu ser e mim Se abre, e nesse (...) abismo no h nada... Ditoso o tempo em que eu sonhava, e s vezes Eu parava de ler para seguir Os cortejos em mim... Amor, orgulho, -Crena inda!- pintavam os meus sonhos... E com muita insistncia (?), eu era (...) O amante de belezas(...) E o rei de povos vagos e submissos; E quer em braos que eu sonhava, ou entre As filas (...) prostradas, eu vivia Sublimes nadas, alegrias sem cor

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Mas Hoje nenhuma imagem, nemnhum vulto Evoco em mim... S um deserto aonde No a cor dum areal, nem um ar morto Posso sonhar... Mas tendo s a ideia, Tendo da cor o pensamento apenas, Vazio, oco, sem calor nem frio, Sem posio, nem direcao, nem (...) S o vazio lugar do pensamento...

O Suspiro do Mundo: Vida, morte, Riso, pranto o manto Que me cobre. Natureza, Amor, beleza, Tudo quanto A alma descobre. O Mistrio Deste mundo Teu profundo Olhar leu; Dalem dele Cerra a alma De pavor! Venho eu. Nada, nada J acalma Tua Dor. Tu sabes bem Ser minha voz Mais atroz De mudo horror No que no diz, E s tu sente E compreendes. Cerra, infeliz Cerra a (tua) alma Ao meu pavor!

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(Fausto, com os olhos fechados, encolhido na cadeira, treme como que dum grande frio.) * O mistrio supremo do Universo O nico mistrio, tudo e em tudo

haver um mistrio do universo, haver um universo,qualquer cousa, haver haver. for,ma abstracta e vaga Que to corrente haver em mim demora Que pensar isto -me no corpo um frio Que sopra dalem terra e dalm-tmulo E vai da alma a Deus * O mistrio de tudo Aproxima-se tanto do meu ser, Chega aos olhos meus dalma to perto Que me dissolvo em trevas e imerso Em trevas ma apavoro escuramente. * Quem passa e me olha ou me conhece mal sabe Vendo-me apenas um cansao e triste O que em mim h distante disto tudo! Como que a negra e lcida verdade Pode chegar s almas Que na luz concebem ? Tudo o que vive Ao sol deste existir e quer o sol Brilhe sen nuvens, anuviado seja Ou(...) vive luz E no suspeita o que a escurido Das cavernas da alma, esquecida De luz e vida, e onde a existncia ntima Tem outra fooorma, outro ser e outro (...) Ah no poder tirar de mim os olhos, Os olhos da minhalma da minhalma (Disso a que alma eu chamo)! S sei de duas cousas, nelas absorto Profundamente: eu e o universo, O universo e o mistrio e eu sentindo O universo e o mistrio, apagados Humanidade, vida, amor, riqueza. Oh vulgar, oh feliz! Quem sonha mais Eu ou tu? Tu que vives inconsciente, Ignorando este horror que existir, Ser perante o pensamento Que o no resolve em compreenses, tu

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Ou eu, que, analisando e discorrendo E penetrando (...) nas essncias, Cada vez sinto mais desordenado Meu pensamento louco e sucumbido, Cada vez sinto mais como se eu, Sonhando menos, conscincia alerta, Fosse apenas sonhando mais profundo... E esta ideia nascida do cansao E confuso do meu pensar, consigo Traz horrores inmeros, porque traz Matria nova para o mistrio eterno, Matria metafsica em que eu Me perco a analisar Pensar fundo sentir o desdobrar Do mistrio, ver cada pensamento Resolver em milhes de incompreenses Elementos(...) Oh tortura,tortura,/longa tortura!/ * O pensar, e o pensar sempre D-me uma forma ntima e (...) De sentir, que me torna desumano. J irmanar no posso o sentimento Com o sentimento doutros, misantropo Inevitavelmente e em minha essncia. Toda a alegria me gela, me faz dio, Toda a tristeza alheia me aborrece, Absorto eu na minha, maior muito Que outras. E a alegria faz-me odiar

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Porque eu alegre j no posso ser, E, conquanto o no queira assim sentir, Sinto em mim que a minha alma no tolera Que seja algum do que ela mais feliz. O rir insulta-me por existir, Que eu sinto que no quero que algum ria Enquanto eu no puder! Se acaso tento Sentir, querer, s quero incoerncias De indefinida aspirao imensa, Que mesmo no meu sonho desmedida.

E s vezes com pensar sinto crescer Em mim loucuras de (...) E impuslsos que me transem de terror Mas apenas (...) e passam. Mais de sempre em mim (quando no penso E estou no pensamento obscurecido) Uma vaga e (...) aspirao Quiescente, febril e dolorosa Nascida do (...) pensamento E acompanhando-o comovidamente Nas inrcias obscuras do meu ser. Fausto perante o povo alegre Alegres camponeses, raparigas Alegres e ditosas, Como me amarga nalma essa alegria! Vendo-a, que bem sinto que nunca a tive! Nem em criana, ser predestinado, Alegre era eu assim; no meu brincar Nas minhas iluses de infncia eu punha O mal da minha predestinao Ao ver vosso danar, ouvindo Vossas cantigas Sobem em mim um amargor que me estonteia E me faz odiar e desejar. Odiar o qu e desejar o qu? No sei: sei que odeio e que desejo. Folgai sinto a ironia dessa vida Danas e cantos e a morte avana... Mas que importa? Tendes razo se tendes!Vem a morte e nos leva, e a Vossa vida Envolvida em inconcincia fundas

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Foi contudo feliz, enquanto a minha ... Que dizer dela? Oh horror!horror! No nasce em mim nem sombra de alegria Longnquo e exilado. Acabemos com esta vida assim! Acabemos! O modo pouco importa! Sofrer mais j no posso. Pois verei Eu Fausto, aqueles que no sentem bem

Toda a extenso da dfelicidade Goz-la? Eu que adaptando tenho A sensaes profunda todo o ser No as sentir? Ferve a revolta em mim Contra a causa da vida que me fez Qual sou, Eu morrerei e deixarei

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Neste mundo isto apenas:uma vida Sem prazer e sem gozo, sem amor, S imersa em estril pensamento E desprezo (...) da humanidade. Mas, como entrarei naquela vida? Eu no nasci para ela. * Perdido No labirinto de mim mesmo, j No sei qual o caminho que me leva Dele realidade humana e clara Cheia de luz, onde sentir-me irmos. Por isso no concebo alegremente, Mas com profunda pesadez em mim, Esta alegria, esta felicidade, Que odeio e que me fere. Ouvir um riso Amarga-me a alma mas por qu no sei. Sinto como um insulto esta alegria... Toda a alegria. Quase que sinto Que rir rir...no de mim mas, talvez Do meu ser. Um insulto ao mistrio estar a rir E tendo o horror, do poder durar eterno Do incompreendido! Estranho!

Felicidade,(...) composto De sensualidade e infantilismo... Como te posso eu ter, felicidade? * Sua inconscincia alegre uma ofensa Para mim. O seu rir esbofeteia-me!

Sua alegria cospe-me na cara! Oh, com que dio carnal e espiritual Me escarro sobre o que na alma humana Cria festas e danas e cantigas E veste ao horror e ntima dor de ser Esta capa de risos naturais Com que alegria minha cairia /Um raio entre eles! Com que pronto Criaria torturas para eles S por rirem a vida em minha cara E atirarem minha face plida O seu gozo em viver, a poeira que arde Em meus olhos, dos seus momentos /ocos/ De infncia adulta e toda na alegria! Eu sou o Aparte, o excludo, o Negro! dio, alegra-me tu sequer! Fazem-me ver a Morte roendo a todos, Pe-me na vista os vermes trabalhando Aqueles corpos! Tenham filhos, sejam Seus filhos afogados ante os olhos, As filhas violadas a a seu ver. Quantos empeonha a vida dos triviais, Essa dores da carne e do costume Que humilham e esporeiam, lhes ocupem O que da vida fica aps danarem! Mas nem o dio me embriaga! Eu fico Torturado na cruz do dio meu Inultilmente, como um Cristo (...) Em terra de gentios.

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febre em que estremece, frio, O meu ser. * Sua alegria cospe-me na cara Pois desde que nasci me exclui da vida Pg.16

Ao ouvi-los rir Parece-me ouvir chasquear de mim Um demnio horroroso e transcendente, E simblico de algo do mistrio Ou do universo. E vendo-os todos como Que intrpretes inconscientes desse Torturador obscuro, tomo dio A esta ridente humanidade toda, Folgo de lhes pensar torturas nalma, Com que perdessem esse riso e at As lgrimas na dor e no pavor. Acordo ao conceber quanto eu odeio Mais do que isto, mais que a humanidade Mas o universo todo, o transcendente Contedo horrendo do meu pensamento, Com um dio adaptado a essa grandeza, E uma impotncia de mostrar esse dio Que essa grandeza, aumentando-o, tolhe. * Estou acima do que agrada aos grandes Ou aos/cultos/apraz, a ss comigo E com o mistrio.

Tornei a minha alma exterior a mim.

* abismadamente curioso E transcendentemente negro e fundo Ver os seres, os entes e fundo Ver os seres, os entes a mover-se A rir a (...), a falar, a (...)

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Na luz e no calor; e neles todos Um mistrio que torna tudo negro E faz a vida horror incompreendido. Uma noite de Tudo que um Nada Um abismo de Nada que um Tudo. * O pensamento que a dor (...) E a aspirao que a sua essncia ignora. Se olho em torno de mim que longe eu vejo A humanidade do meu pensamento, Incompreendido eu sempre. A envolver a humanidade inteira Na inabjeco do meu desprezo frio. Conheo bem qual sou e vivo algeio Aos homens, no (...) Para que no odeie a humanidade. * Basta ser breve e transitria a vida Para ser sonho. A mim, como a quem sonha, E obscuramente pesa a certa mgoa De ter que despertar a mim morte

Mais como o horror de me tirar o sonho E dar-me a realidade me apavora, Que como morte. Quantas vezes, (...), Em sonhos vrios conscientemente Imersos, nos no pesa ter que ver A realidade e o dia !

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Sim, este mundo com seu cu e terra, Com seus mares e rios e montanhas, Com seus arbustos, aves, bichos, homens, Com o que o homem, com translata arte De qualquer outra, divina, faz Casas, cidades, cousas, modos Este mundo que sonho reconheo, Por sonho amo, e por ser sonho o no Quisera deixar nunca, e por ser certo Que terei que deix-lo e ver verdade, Me toma a gorja com horror de negro O pensamento da hora inevitvel, E a verdade da morte me confrange. Pudesse eu, sim pudesse, eternamente Alheio ao verdadeiro ser do mundo, Viver sempre este sonho que a vida! Expulso embora da divina essncia, Fico fingindo, v mentira eterna, Alma-sonho, que eu nunca despertasse! Suave me o sonho, e a vida porque o sonho. Temo a verdade e a verdadeira vida. Quantas vezes, pesada a vida, busco No seio maternal da noite e do erro, O alvio de sonhar, dormindo; e o sonho Uma erfeita vida me parece... Perfeita porque falsa,e porventura Porque depressa passa. E assim a vida. *

No o horror morte porque raie Nela o mistrio em mim, nem venha nela Ou acabar-me, ou o continuar-me, Que em qualquer cousa horrenda de diversa, Para um pvido outro-eu me transmigrando, Me anule para um Mais que me apavora. No. No na minha alma que /os sineiros.

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Rebatem medo/ pelo que hei-de ser. a minha carne que em minha alma grita Horror morte, carnalmente o grita, Grita-o sem conscincia e sem prpsito, Grita-o sem outro modo do que o medo, Um pavor corporado, um pavor frio Como uma nvoa, um pavor de todo o eu Subindo tona intelectual de mim. No temo a morte como qualquer cousa. Que eu veja ou oua, mas como quem teme Quando no sabe o que que teme, e teme. * Condenados sem fim ao erro eterno. Porque no ser isto a realidade? Porque no h-de ser, fantasma eterno, O abstarcto e inmero velado mundo, Sempre velado e abstracto, e sua prpria Unidade uma impreciso, Um todo indefinido, e mais que um todo Onde a verdade e o erro, pontos fixos, Nada sejam seno um maior erro? *

* O que haver haver? Porque que o que isto que ? Como que o mundo mundo? Ah, o horror de pensar, como que sbito Desconhecer onde estou.

* Num atordoamento e confuso Arde-me a alma, sinto nos meus olhos Um fogo estranho, de compreenso E incompreenso urdiddo, enorme. Agonia e anseio de existncia Horror e dor, agonia sem fim! * /O pensamento enterrado vivo No mundo e ali sufoca./ Sufoco em pensamento ao existir. Oh horror! Oh inferno verdadeiro Passado no frio mago desta alma Que se /encolhe/ e arrepia de pavor Como querendo desaparecer E consciente sempre de ter vulto Para pavor tomar. Oh sumo horror Que universo(...) Sufoco em alma! Suma-se-me a vida E a conscincia e eu deixe de pensar De fitar o mistrio e sem querer

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Compreendo-lhe o horror! Abra-me o sonho Ou a loucura a tenebrosa porta Que treva menos /negra/ que esta luz. O terror desvaria-me, o terror De me sentir vivo e ter o mundo Fechado a laos de compreenso Na minha alma gelada de pavor. * Sonho feito do horror do pensamento Informe e hrrido, para sempre

Longe de mim vossa lembrana/horrvel/! * E assim estou, pensando mais que todos, Braos cruzados (...) alm da f, E raciocnio, e assim sem alegria Nem dvida, alm delas, da tristeza De quem aqui chegou, tornado apenas No tenho, no tenho, j dvida ou alegria Mas nem regresso mais a essa dvida Nem a essa alegriaregressara, Se possvel me fosse; tenho o orgulho De ter chegado aqui onde ningum Nem nas asas do doido pensamento Nem nas asas da louca fantasia Chegou. E aqui me quedo consolado Nesta perene desolao

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Fausto ao Espelho Deus existe mas no Deus eis a chave transcendente de todo o ocultismo. este smbolo representado por morte de Deus-Homem Pode Deus existir mas no ser Deus; Transcendente mentira realmente Existindo e cercando-nos, O nico Horror de um mistrio maior.. Se deus houvera dado verdade outro ser Que no o ser pensado O como o conceber,

No nos dera a verdade Mas qualquer iluso Na cmoda eternidade Da vasta escurido. Fora Deus Deus, Deus fosse menos que este Pensamento que abre na minha alma Um poo sem paredes, se eu pudesse Ao pensamento exceder o sumo Inexcedvel, figura mais vasto Deus que deus ...Como seria assim ?

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Por ser o ser que absoluto ser! No haver para alm do sempre alm Ou novas direces do infinito, Nmero infinito de infinitos. (...)

Ah, parar de pensar ! Pr um limite Ao mistrio possvel. Ter o mundo Este infinito (?) mundo por o mundo, Por Deus o Deus que dele e o fez e ama! Este meu pensamento transciente De transcendncia, por magia ignota Evoque do Incgnito um torpor Com que se o mesmo casasse! Ah, um sono, um sono Um sono de pensar me roube a mim! Treva! Morte! Trevas e morte do Eu! Matar-me dentro da alma! Que eu no pense Por absoluta ausncia e em mim descanse Esta concentrao multiplicada De mais mundos que os mundos infinitos, De mais seres que o ser que mais que os seres! E eu mesmo em morte inteira seja Abismo! Vale-me morte.

* Talvez que Deus no seja real e exista, Talvez no seja Deus e exista, e seja Como ns o pensamos Deus pra ns. Lucifer: Como quando o mortal, que a terra habita, Aprende que esse cu todo estrelado cheio de outros mundos, na infinita Pluralidade do criado, E um abismo se lhe abre na conscincia E uma realidade invisivel gela, Seu sentimento da existncia, E um novo ser-de-tudo se revela, Assim, pensando e, a meu modo, vendo Na interna imensido do espao abstracto, Fui como deuses vrios conhecendo Todos eternos e infinitos sendo, Os astros. Pg.23

E vi que Deus, se tudo para o mundo, Se a substncia e o ser do nosso ser No o nico Deus mais que profundo. H infinitos de infinitos Por isso, Deus eterno e infinito, e tudo, Sim mesmo o tudo que , deus o transcende. Porm muita cincia a mais ascende Que a esse nico Deus que a tudo excede. Alm do transcender se que Deus . E ergui ento a voz amargurada, Porque o conhecimento transcendente Deixa a alma exnime e gelada. E clamei contra Deus o alm-Deus, Disse aos meus pares o segredo ominoso. Eterno condenado, errarei sempre Sempre maldito Porque este mundo (...)

S sendo mais que deus eu poderia Transcender o infinito do infinito E nascer para o inumervel dia... Como, banido, o arqueiro Filocetes *)... Sou s na alma porque vi o abismo. Excluso eterno(...) A vida pvida que cismo. Sou morte, porque sei que o ininito, limitado, e assim Deus morre em mim. Deus sabe que uno, um e infinito, Mas eu sei que deus, sendo-o, no o . Mais longe que Deus vai meu ser proscrito. Mas Deus no ter Deus? No haver Como dos brutos at o homem, uma Ladeira ou escadaria entre os supremos? * Roou-me O(...) pelo rosto o mando seu E o seu manto de Mal e Escurido. Coroou-me rei e a coroa que me deu um sinal de servido. * No poder Tarde Adivinhar (...) o teu segredo E o teu mistrio ilcido ignorar E o que tens que (...) esta emoo Encontrar (...) e o sentido, Vaga desesperana quase amarga, Da sensao que ds. Das-me um aumento Da muda comoo indefinida Que sonha dentro de mim, uma nsia como

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Que um esquecer de mal lembradas cousas, Ou de esquecidas vago relembrar, Intensas, rumorosas, torturadas, Mgoas de quem (a) existir se sente,

Inconsolvel desesperao, Vazia plenitude do sofrer.

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Aos homens tu produzes palidezes Da sensao no tristes sempre a alguns /Um mais acentuado sentimento/ De trsiteza; mas em mim, ah tarde! Trazes, Em mim macordas e mintensificas Meu desolado e vago natural Quimporta? Tudo o mesmo. A mim, quer seja Manh inda dorvalho arrepiada, Dia,/ligeiro em sol, pesado em nuvens/ Ou tarde (...) Ou noite/misteriosa/ e (...) Tudo, se nele penso, s me amarga E me angustia. Tenho no sangue o enigma do universo E o seu pavor que outros no conhecem E alguns talvez, mas no profundamente. S a mim me foi dado sentir sempre. E se s vezes pareo indiferente E em mim mesmo calmo, apenas O excesso da dor e do horror Cuja constante(...) me di. * A vida m e o pensamento mau, Mas eu temo com mudo e ntimo horror A morte, pois concebo-lhe como essncia, Olhando-a do movimento e (...) da vida, Uma monotonia no sei qual, Cujo pressentimento desvaria O meu incoerente pensamento. Essa monotonia que me nasce Da incompreenso, de nela suspeitar Diferena suprema do viver,

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Pavoroso contrrio do bulcio E movimentao da vida v Que inda assim entretm meus olhos tristes; Essa ideia de (...) monotonia

Imovidamente concebi-a (?) Faz-me o horror elevar-se at loucura Conscientemente, pavorosamente. E eu sinto um arrepio de pavor, Em torno meu o mundo oscila, o ser Oscila, e a conscincia de sentir. Desfaz-se em sensaes de pensamento E distrbios obscuro de ideao, Embebido num sonho de sentir E sonhado sentimento de sonhar. Horror supremo! E no poder gritar A Deus que Deus no h pedindo alvio! A alma em mim se ironiza, s pensando Na de pedir ridcula vaidade, Interrupo da determinao E/frrea/ lei do mundo. Grgias, antigo Grgias, que dizias Que se algum algum dia compreendesse, Atingisse a verdade, no podia Comunic-la aos outros j entendo O teu profundo e certo pensamento Que ora no comprendia. Tenho em mim A Verdade sentida e compreendida, Mas fechada em si mesma, que no posso Nem pens-la. Senti-la ningum pode. Cada homem tem em si eu chego a crer E tu Plato sonhaste-o a verdade, Sem concincia de a possuir. Pois o inanalisado sentimento E inanalisvel, de viver, De existir, da existncia, e do / existente/ No tem em si verdade ? Pois o Ser Mesmo na inconscincia no Ser... Mas inconscincia como? Nada sei. Eu quero desdobrar em conhecidos A unidade da verdade que eu Possuo dentro em mim e certa sinto, E ela no pode assim ser desdobrada. Negro horror dalma! Ah como estou s! No isolamento negro de quem pensa E alm naquele de quem sabe E nada dizer pode! Como eu desejaria bem cerrar Os olhos sem morrer, sem descansar, Nem sei como ao mistrio e verdade,

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E a mim mesmo e no deixar de ser. Morrer talvez, morrer, mas sem na morte Encontrar o mistrio face a face. S, to s ! olho em torno e vejo o riso, As lgrimas (...) e no percebo Qual a essncia e (...) disso tudo. Sinto-me alheio pelo pensamento, Pela compreenso e incompreenso. Ando como num sonho. Compungido Pelo terror da morte inevitvel E pelo mal da vida que me faz Sentir, por existir, aquele horror Atormentado sempre.

Objectos mudos Que pareceis sorrir-me horridamente S com vossa existncia e estar-ali, Odeio-vos de horror. Eu quereria (Ah pudesse eu diz-lo no sei) Nem viver nem morrer no sei o qu, Nem sentir nem ficar sem sentimento... Nada sei... Sero frases o que digo Ou verdades? No sei...eu nada sei... No posso mais, no posso, suportar Esta tortura intensa o interrogar Das existncias que me cercam...Vamos, Abramos a janela...Tarde, tarde... tarde...Eu outrora amava a tarde Com o seu silncio suave e incompleto Sentido alm Da base consciente do meu ser... Hoje...no mais, no mais me voltaro As inocncias e ignorncias suaves Que me tornavam a alma trasparente... Nunca mais, nunca mais eu te verei Como te vi, oh sol da tarde, nunca, Nem tu, monte solene de verdura, Nem as cores do poente desmaiando Num respirar silente. E eu no poder Chorar a vossa perda (que eu perdi-vos), Mas nem as lgrimas poder achar Por amargas que fossem com que outrora Eu me lembrava que vos deixaria. Nem em vs o mistrio me abandona,

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Nem a vossa beleza em mim ignora Que vs, da beleza a prpria essncia, Inominveis so ! mais sublime Apenas o mistrio em vs; e no Como nas cousas simples horroroso... Nas cousas (?) que em meu quarto contemplando Me horrorizo...Estremeo, como sinto Atrs de mim o mistrio! J no ouso Voltar-me a ver... E ver ! Delrio insano... Ver? A que locura, a que delrio A sensao aguda do mistrio Me leva...Nunca mais eu terei paz...

Cus, montes pedir-vos no poder Que entornei na minha alma esse segredo Que vos faz existir e eu sentir-vos! No poder orao de arte negra (Puerilidade a verdade a que se mostre... Se mostre como? Oh, minha alma amarga, Cheia de fel, e eu no poder chorar! Quem sente chora, mas quem pensa no.

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Eu, cujo amargor e desventura Vem de pensar, onde buscaria lgrimas Se elas para o pensar no foram dadas? J nem sequer poder dizer-vos: Vinde, Lgrimas, vinde! Nem sequer pensar Que a chorar-vos ainda chegarei! (Cai de joelhos ante a janela, a cabea sobre os braos, olhando distraidamente para longe) Uma vos: Silente, medonho, Embebido em sonho Sombrio e profundo o mistrio do mundo. Segunda Voz: Tecido de horrores, Mordido de dores

Agudas de medo, do mundo o segredo. Terceira voz: Submerso o ser do universo. Uma voz dolorida Mesmo que alm do mundo(...)no seja Ainda assim h-de sonho e dor, Boca que ri, o lbio que beija Seu dio ter, ter o seu horror. Nem s alm do mundo h tristeza, Silente horror o mistrio tem, Nem que humilde e com singeleza Seja aqui DOR como HORROR alm. H muita voz ouvi com espanto A quem d o mundo(...) de chorar No s pensar to triste o canto, Basta viver,/para soluar/. (aps as canes da tarde) Com o sbito frio do /crepsculo/ Entra em minhalma um frio mais subtil Corporeamente entra o mistrio em mim E eu comungo a presena(...) se volve eucaristia De sombra. Sua carne e o seu sangue De universo e alm me tornam seu. Terras cus A /irrealidade/ do mundo A realidade de Deus, Tudo sorvo em meu mistrio Tudo Sorvo em meu mistrio Tudo irreal ante mim, infinitos! Transcendendo o que no tem fim. Sonhos dentro de sonhos, Involues do sonhar, Os pensamentos so medonhos Quando se querem aprofundar;

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E os coraes ficam tristonhos, Quando se sentem sentir pensar Iluses dentro diluses Atormentando os descrer; Descrenas e crenas so ambas vises So ambas sonhar, so ambas crer.

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O atesmo (facto estranho) um acompanhamento Das moribundas civilizaes. Mas por qu? A loucura por que Mais s que a falta dela? Deve ser Aqui porque a um austero e forte povo crena parte dessa austeridade. Os ligeiros descrem por ligeiros... Mais nada. No confundo eu a descrena Dos grandes pensadores agnica, Coa a descrena adiposa do corrupto Vulgar, vazia mais que tudo. Sim, Mas por qu qual a ntima razo Que a crena e o sonho sejam necessrios E tudo o mais funesto? Outro mistrio, O mistrio moral de lei moral Que me tolhe o caminho. Aonde via Claro, reconhecendo-me por cego J hesito, duvido e me embarao. Horror! eterno horror! horror, horror! (senta-se) O ser o ser: claro. Mas Ser...Ser... Vazio termo prenhe dabsolutos Mas ele mesmo...o ser o ser... Transcendendo absoluto e relativo. O Ser o Ser; a unica verdade Epigramtica no seu vazio. Logo que o pensamento daqui saia Por impossveis raciocnios, ou Por intuies ocas e vs, delira. Ironia suprema do saber: S conhecer isso que no entende, S entender o que entender no pode! Isto so termos: seu horror vago. Pg.32

Mas que liga espao, tempo, que liga seres, Que liga um mundo,(...)cores, sons, Movimentos mudanas(...) Que liga qualquer cousa, sim que a liga? Isto, considerado intimamente, Afoga-me de horror. E eu cambaleio Pelas vias escuras da loucura, Olhos vagos de susto pelo facto De haver realidade, e de haver ser. Estrelas distantes, flores campos, - tudo Desde o maior ao mnimo, do grande Ao vulgar, quando eu, aqui sentado, Fixamente o contemplo at que chegue conscincia sobrenatural Daquilo como SER, desse existir Como existncia, tremo e de repente, Uma sombra da noite pavorosa Invade-me o gelado pensamento, E eu, parece-me que um desmaio envolve O que em mim mais meu, que vou caindo Num precipcio cujo o horror no sei, Nem a mim mesmo logro figurar, Que s calculo quando nele estou. Formas da natureza variadas, Vossa beleza cedo vos senti. Infante eu era ainda e vinha olhar Do monte/ que deitava para o mar/ O sol morrer at que o frio cinzento Da noite a face(...) compungia. No sei, no bem me lembro, ainda que tenha Vagas ideias daquela existncia, Do que senti ento. Era talvez O comeo da onda do soluo Que depois dentro em mim memuraria. E hoje, No chegados ainda os cinco lustros Cansado j e velho. O pensamento Gasto como a uma folha do punhal Que seja esmero do possuidor Ter sempre mui aguda e que, amolando, Gasta, assim mesmo gasta o pensamento O sentir. Velho estou. E se no fosse O meu desesperado horror morte, J buscado a teria. Em tudo vejo Sombras e medos. Fico mudo, pois, Mas no horror de saber que me no poupam Imvel esteja eu, os (...) todos

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Dos inevitveis. Lgrimas, vinde Ah Deus que quase choro Por no poder chorar-vos. Acusa a luz, acusa a escurido (Disse em dia terrvel ao meu crebro) Que at o forte sol fez esquecer. Acendamos a luz. Ah solido! Cristo A sonhar eu venci mundos, Minha vida um sonho foi. Cerra teus olhos profundos Para a verdade que di. A iluso me da vida: Fui doido e tido por Deus. S a loucura incompreendida Vai avante para os cus. Cheio de dor e de susto Toda a vida delirei, E assim fui ao cu sem custo, Nem por que l fui eu sei. Meu egosmo e v preguia Um choroso amor gerou; De ser Deus tive a cobia, V se sou Deus ou no sou! Como tu eu no fui nada, E vales mais do que eu; Nada eu, De alucinada Minha alma a si se envolveu Na inconscincia profunda Que nunca deixa infeliz Ser de todo a assim se funda Uma f - v quem o diz. Assim sou e em meu nome Inda muitos o sero; Um Deus supremo renome, E doido! suma abjeco. Coro de vozes Atravs de ferro e fogo Por ti iremos Ver a pugna. Por teu Nome logo Iremos. Pg.34

No combate, na fogueira, Cessaremos Mortos,mortos. Buda: O meu sonho foi incompleto Por iso eu compreendi Que sofrer o nome do trajecto Que o mundo faz de si a si.

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Goethe: Do fundo da insconcincia Da alma sbriamente louca Tirei poesia cincia E no pouca Maravilha do inconsciente! Em sonhos sonhos criei E o mundo atnito sente Como bbelo o que lhe dei. Shakespear: E loucura a inspirao! Vozes: S a loucura que grande! E s ela que feliz! Tudo mistrio para mim que o ... A luz do sol: o mistrio feito brilho, Canto dave: o mistrio feito voz Entristecem-me pois. S uma cousa Uma vez descoberta no se evita Nem evitar se pode: o mistrio E o seu ntimo e (...) horror. O horror nitidamente negro e abismado. * E o sentimento de que a vida passa E o senti-lo a passar

Toma em mim tal intensidade De desolado e confrangido horror Que a esse prprio horror, horror eu tenho, Por ele e por senti-lo, e por senti-lo Como tal. Feliz a humanidade que, a no ser Em momentos febris e desolados, No sente o esvair da existncia (E h quem a sinta com tristeza imensa) Mas eu...eu no a sinto fugir-me, Penso-a a fugir-me e em lugar de tristeza S esse horror , meu silente e fundo. * Ningum compreende o meu sofrer Nem compreende porque n4ao compreende. * Quando s vezes eu penso em meu futuro, Abre-se de repente (...) abismo Perante o qual me cambaleia o ser. E ponho sobre os olhos as mos da alma Para esconder aquilo que no vejo. - Oh lgubres gracejos de expresso! /Estorce-se-me a alma sacudida e louca At paracer rindo/. * Triste horror dalma, no evoco j Com grata saudade trsitemente Estas recordaes da juventude! J no sinto saudades como h pouco Inda as sentia. Vai-se-me desmaiando, Coa fora de pensar, contnuo e rido, Toda a verdura e flor do pensamento. Ao recordar agora apenas sinto Como um cansao s de ter vivido, Desconsolado e mudo sentimento De ter deixado atrs parte de mim, E saudade de no ter saudade, Saudade de tempo em que a tinha. Se a minha infncia agora evoco, vejo Estranho! como uma outra criatura Que me era amiga, numa vaga Objectividade subjectividade.

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Ora a infncia me lembra como um sonho, Ora a uma distncia sem medida No tempo, desfazendo-me em espanto; E a sensao que sinto ao perceber Que vou passando, j tem mais de horror Que tristeza, apavora-me e confrange E nada evoca nada a no ser o mistrio Que o Tempo tem fechado em sua mo. Mas a dor maior! * Fantasma sem lugar, que a minha mente Figura no visvel, sombras minhas Do dilogo comigo * Cantos, sois sombras da minha alma. Todos Soia iluses; minha alma canta em vs Pedindo esse descanso que no tem. Fugir de mim no posso. Voz lmpida Venho dalm das estrelas Sou mais bela do que elas, Cantar-te, Fausto Canes mais triste que o mundo, Cheias dum vagar profundo, T sorrir teu corao Exausto. Esta minha melodia Far abrir, como dia No raiar, Teu corao entornado O seu fel antigo e brando Como uma flor(?) e a iluso Voltar. Outra: Eu chorarei sobre ti Lgrimas de redeno. Os meus cabelos compridos Em que tantos envolvi Tua face envolvero. Pg.38

Nunca mais tu sentirs Dentro em ti a sensao De desolada desgraa; /s meu e comigo virs Para a terra da iluso/. No meu seio de luar Ganhars como um perdo Por tanta mgoa. Teus olhos Dormiro, e ao acordar /Outra vez se cerraro, Ao sono te voltaro/. (Fausto continua dormindo. A luz da lmpada esvai-se lentamente e apagase. Noite e silncio.) Pg.39 ENTREACTO I Uma voz: Dorme grande inconsolvel Da vida,)* na escurido. No chores que/ nada estvel/... No sentes a minha mo, Calma sobre a tua fronte? Dorme, e que a noite te conte Iluses ao corao! Dorme, dorme, eu vou cantar-te Melodias dalm-cu E a solido h-de amar-te Que por enquanto s s meu... Dorme e apaga o pensamento... /Se pensar um tormento, Ningum como tu sofreu./ Hei-de envolver-te no mandto Que a Dor teceu para ti; A vida causa-te espanto E a Morte no te sorri. Deixa, deixa que assim seja: Minha boca, quando beija, Chama o corao a si A Inocncia Perdida Tinha um campo alegre, Mas no ardor da febre Devastei-o, e ento

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Semei-lhe amores E nasceram flores De desiluso. Tinha um barco lindo que pela gua ia, Como nuvem branda pelo brando cu Carreguei-o doiro que o labor trazia E soobrou logo que vogar queria E eu fiquei nas ondas sem o barco meu. /A jarra precisosa est partida E nada valem os fragmentos seus; A imagem do templo est cada; Partiu-se. Era de barro.Os seus crentes, Perdeu-os. Junta os fragmentos da jarra divina E a jarra no fazem; Volta ao altar a imagem J no o que foi/. (Ento vindas dAlm de Deus, como um arrepio, mesmo do Ser,, sem falar, insinuam-se no vcuo estas palavras:) O Inominvel No meu abismo medonho Se despenha mudamente A catarata de sonho Do mundo eterno e presente. Formas e ideias eu bebo E o mistrio e horror do mundo Silentemente recebo No meu abismo profundo. O Ser-em-si nem o nome Do meu/ser/inominvel; No meu mundo Maelstrom, O/grande/ mundo inestvel, Como um suspiro se apaga, E um silncio mais que infindo Acolhe o morrer da vaga Que em mim se vai esvaiando. Sou mais que o SER que transcende Criatura e Criador. Se esse SER ningum entende, /Ele/ a mim e ao meu horror Menos. Vida, pensamento,

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Tudo o que nem, se adivinha... tudo como um momento Numa eternidade minha. Mais que mundo e eternidade Num silente cataclismo, Mais que ideia, ser, verdade, Acaba no meu abismo. E essas guas que esvair Se vm ao meu profundo Ningum as ouve a cair, Nem eu me concebo um fundo.

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ACTO II Tudo trancende tudo; Intimamente longe de si mesmo E infinitamente, o universo A si mesmo, existindo, se ilude. No medo que faa estremecer Nem olhar atrs de si, nem recear Inda que vagamente incoerentemente... No to humano horror: este o horror Do mistrio, do incompreendido. Ah mas o estremecer do pensamento horroroso alm de todo o horror J esto em mim exaustas, Deixando-me transido de horror, Todas as formas de pensar(...) O enigma do universo. J cheguei A conceber como requinte extremo Da exausta inteligncia que esse Deus, Que ensinam as igrejas com aqueles Seus atributos (...) (...) -- existir realmente Realmente existir e que houvesse Mas fosse sonho, e no sonho nosso... Sim cheguei a aceitar como verdade O que nos do por ela, e a admitir Uma realidade no real Mas sim sonhada como esse Deus cristo. Mas isto, cuja ideia formidvel Cheia de horrveis possibilidades Negra e profunda me (...) Pg.49

A mente, abandonei, no sem tremer, No caos do meu ser, onde jazem Juntamente com ela espectros negros De solues passageiras, apavoradas, Momentnea, momentneos Sistemas horrorosos, pavorosos, Repletos de infinitos. Formidveis No s por isto mas tambm por serem Falhados pensamentos e sistemas Que por falharem smais negro fazem O poder horroroso que os transcende A todos, infinitamente a todos. Oh horror! Oh mistrio! Oh existncia! Para que lado no me virarei Onde abrirei os olhos olhos dalma Que o mistrio no me atormente, e eu No avance tremendo para ele? E...Para que falar? O que dizer? Tudo horror e o horror tudo! * Concordar no posso Em que algum mais do que eu tenha sentido O mistrio completo do universo Completo e profundo. * s vezes passam Em mim relmpagos do pensamento Intuitivo e aprofundador Que angustiadamente me revelam Momentos dum mistrio que apavora; Duvidoso, deslembrados, confrangem-me De terror que entontece o pensamento E/vagamente/ passa, e o meu ser volve escurido e ao menor horror. No sangue frio que nas veias minhas Gira, no ar que sorvo, luz que vejo, Circula, entra, nada-me uma dor; E eu talvez ternura outrora afeito (Se o pensamento me no dominasse), Sinto como no sei a alma mirrada / E plida no ser/. No apenas,(...), o pensamento Que assim me traz; o pensamento fundo, A conscincia funda e absoluta

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De todos os problemas minuciosos Do mundo, transsentidos no meu ser. * Caminhamos sobre abismos Ai de quem o sente. A noite, uma noite funda Cerca-nos, ai de quem conhece Como ela funda, como inescrutvel. Pulsam-me as veias Alucinadamente e um terror novo Obtm-me, o terror de mim mesmo. * Quanto mais claro Vejo em mim, mais escuro o que vejo. Quanto mais escuro o que vejo. Quanto mais compreendo mais, Menos me sinto compreendido. horror Da vida paradoxal deste pensar... * Tudo mistrio e o mistrio tudo. Tudo mais que iluso; o prprio sonho Do universo transcende-se a si mesmo E a compreenso, ao penetrar Escuramente a essncia da iluso, Fica sempre aqum mesmo do ver bem O quanto tudo iluso o sonho, E quanto o prprio pensamento fundo Se ilude na desiluso falaz E no desiludir-se dele mesmo. * Horror, ali que liga coisas que estejam Ali ali ali e eu vendo e ouvindo Tudo isto, horror, tresanda o pensamento. * Quisera ter Issso que escuramente em mim aspiro: O pensamento abrangedor de tudo

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Numa compreenso nica e funda. Todo o contido em artes, letras, todas As leis no fundo do universo nadas Que regem (...) at a histria Em modalizaes (...) Era isto que eu, num pensamento nico, Abrangedor, quisera compreender. * No o vago Epicurismo de siguir a vida Deslizar e passar que me apavora; a ntima alma deste deslizar A qual fitando negramente me entrega A pavor (...) * A conscincia de existir, a /raiz/ Do ilimitado, omnmodo mistrio Que tem tronco de Ser, folhas de vida Flores de sentimento e sofrimento E frutos do pensar, podres depressa. A Conscincia de existir, tormento Primeiro e ltimo do raciocnio Que, porm, filho dela, a no atinge. A Conscincia de existir me esmaga Com todo o seu mistrio e a sua fora De compreendida incompreenso profunda, Irreparavelmente circunscrita. * No em mim o menor horror A conscincia da minha inconscincia Do automatismo sobrenatural Que eu sou, crculo, de (...) sensaes Rodando sempre, sempre equidistante Do centro inatingvel do meu ser. * Cidades, com seus comrcios (...) Tudo mesmamente estranho, mesmamente Descomunal ao pensamento fundo Pg.52

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Estranhamente incompreendido. Tudo mistrio, tudo transcendente Na sua complexidade enorme, Um raciocnio visionado e exterior; Uma ordeira misteriosidade, Silncio interior cheio de som. * Do horror do mistrio so talvez Smbolos grosseiros esses horrendos Gorgona e Demogrgon fabulosos, Fatais um pelo aspecto outro no nome. Neles se v a vida ansiedade De dar em concepo que torturasse De terror, isso que de vago e estranho, Atravessando como um arrepio Do pensamento a solido, integra Em luz parcial (...) a negra lucidez Do mistrio supremo. conhecer, O erguer desses dolos de horror, A existncia daquilo que, pensado A fundo, redemonha o pensamento Por loucos vos, declives de loucura Despenhadeiros de aflio, confusos Torturamentos, e o que mais d'angstia E pavor no se exprime sem que falhe Na prpria concepo o conceber. o horror dos horrores esse horror De haver d'alma um estado, aquele estado Em que o mistrio lhe penetra o abismo, Em no haver palavras ou ideias

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Que atinjam esse estado ou comuniquem D'ideias a ideias o que passa De vago e horroroso. Do mistrio O pavor duplo o horror em si O horror que sentimos ao senti-lo. Este que torna alegre e descuidosa A loucura, ao seu lado, que ligeiro Faz parecer tudo que de pavor Confrange, ou (...), enlouquece, Esta vacuidade angustiosa Do pensamento prenhe quando tento Lembrar-me que a uma Cousa, Ser real Corresponde s essa ideia possvel Me gela a conscincia de existir E me entupe de pavor o fundo

Sentimento do mundo e de mim mesmo. * O inexplicvel horror De saber que esta vida verdadeira, Que uma cousa real, que (...) ser Em todo o seu mistrio e (...) Realmente real, (...) * Dois horrores Me esmagam, cada um dos quais parece O maior dos horrores que h maiores: Um, o horror da morte, outro, o horror De no poder evitar encontrar Esse horror ter que morrer. Dois... Dois s horrores? No. roda destes Giram milhares, interpenetrantes, Complexos, uns dos outros produzidos E nessa treva hedionda, nesse inferno Que me tem lugar n'alma o pensamento E o sentimento, horrorosamente Conscientes e agudos cambaleiam, Mergulham, desvariam, gritam, sangram, Mas sempre claros, sempre conscientes, Sempre em cada parcela desse horror, Medindo todo o horror e descobrindo Os outros e os outros e os outros E assim sempre, assim sempre, sem parar, Arrasto, em agonia inconcebida De qualquer agonia imaginante Doutros homens, a vida torturada, Esta vida que a dor me faz eterna E o horror da morte fugidia e mnima Em toda a parte, todo o mundo, o horror. * Mais que a existncia um mistrio o existir, o ser, o haver Um ser, uma existncia, um existir Um qualquer, que no este, por ser este Este o problema que perturba mais. O que existir no ns ou o mundo Mas existir em si?

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* Todo o mundo de seres e relaes Aos meus olhos (...) se dissolve Em irrealidades e vazias Admiraes de ser. Espanta-me De ver que h existncia e existncias.

E reflectindo perco-me em profundos Pensamentos, bases uns doutros ainda Mais profundos, at nada entender. Tenho quase um sorriso ao ver-te, mundo, Existir sis, estrelas, firmamentos, Extenses que sufocam de terror, Cidades, palcios (...) Poetas (...) ah, que diversidades E tudo sendo. O mistrio do mundo, O ntimo, horroroso, desolado, Verdadeiro mistrio da existncia Consiste em haver esse ou um mistrio! esta a frmula que encerra tudo... Todo o vcuo e horror do pensamento E que profundamente ponderar No podemos sem dores de terror E esvaimentos d'alma de pensar. * O casamento A separao (...) em si Nada valem. Perante o pensamento So frmulas vazias. Mas o homem, Na sua vida humana e colectiva, No vive em metafsica. O real Puerilidade tem, contradies Necessrias a ele. O pensamento No, a lei da vida. Tu no vs Que o mais real que h, base de tudo, O movimento, uma contradio Suprema e [...]. Tu no leste De que formas de elixir (...)

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O prprio ser, a prpria vida so Qual frmulas perante o pensamento? Pertence aos ignorantes e aos doidos Desfazer convenes... [ANTNIO?] Sim, mas os gnios? FAUSTO: Esses, porque so doidos. Ignorando As leves e ligeiras convenes Que excessos do til e do usual As frmulas so s necessidades Da vida do homem. S a decadncia Generaliza e se despreza. Mas eu, se frio estou e confrangido At ao seio d'alma, no perdi O sentimento de dever perante Os homens pra que busque vos e inteis Impossveis progressos, semi-doido Semi-inconsciente da loucura. E o raciocnio em mim no dorme nunca E esse obriga-me a desdenhar as fracas, Vazias teorias que pretendem Por sentimentos a verdade obter E por razes vs de sentimento nadas. Nojo, sim tudo, filho! nojo, nojo! O homem vive em inconscincia, nasce E vive e morre inconscientemente Sem sequer do mistrio aperceber-se, Mais perto que palavras, do que o cerca. Pensar, sentir, amar ah, se tu visses Como eu o fundo da inconscincia v Em que tudo se move. Se pudesses Compreender... Bem sei, Antnio, Mal transpuseste o limiar da porta J meus (...) argumentos desdenhaste. Ou por doido me tens, ou por muito Escravo do passado. Eu! Mas assim : Consciente s... (ia a dizer eu) sim, Conscientes poucos. Havendo isto, h a vida; no a havendo Mais vida j no h. E assim de todas As vidas existimos da do mundo da sociedade humana, Antnio. Impulsos jovens Que roubam a capa ao pensamento E parecem ao longe raciocnios, Mas a quem o pensamento no conhece.

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Eu que levei a vida a conhec-lo Em to dbeis palavras no me engano. [...] a ilustrao, Antnio, mas certa. A humanidade E as suas mgoas, dores est acima De nossa frgil preocupao De novidade e (...) progresso. Eu amo a humanidade antes amei-a (Que eu j no amo nada) se inda sinto Como que amor por ela por lembrana Ou instinto daquilo que senti. * * No, no vos disse... A essncia inatingvel Da profuso das cousas, a substncia Lgica e (...) do caos dos seres, Furta-se at a si mesma. Se entendeste Neste ou naquele modo o que vos disse, No o entendestes que lhe falta o modo Per que se entenda. * Gela-me a ideia de que a morte seja O encontrar o mistrio face a face E conhec-lo. For mais mal que seja A vida e o mistrio de a viver E a ignorncia em que alma vive a vida, Pior me relampeja pela alma A ideia de que enfim tudo ser Sabido e claro e este mistrio imenso, Que no entendo j, do que de grande Para no ser sabido e adivinhado, Me pesa n'alma, venha a ser sabido E a realidade em todo o seu horror Desabe sobre a minha conscincia Condenada ao horror de ser consciente. Pudesse eu ter por certo que na morte Me acabaria, me faria nada E eu avanara para a morte, pvido, Mas firme do seu nada. Mas para este mistrio do universo Que soluo de realidade outra Que uma realidade enfim real E terrvel de real, e pavorosa De ter de ser com conscincia suportada?

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* S uma cousa me apavora A esta hora, a toda a hora: que verei a morte frente a frente, Inevitavelmente. Ah, este horror, como poder dizer? No lhe poder fugir! No pod-lo esquecer! E nessa hora em que eu e a Morte Nos encontrarmos O que verei? o que saberei? O que no verei? o que no saberei? Horror! A vida m e m a morte, Mas quisera viver eternamente Sem saber nunca, (...) e inconsciente Isso que a morte traz e (...) No me tenta o mistrio Nem desejo saber O que que vai do bero ao cemitrio No ardor chamado viver. A verdade apavora-me e confrange, Perturba-me como a ningum. Que o tempo cesse! Que pare e fique sempre este momento! Que eu nunca me aproxime desse Horror que mata o pensamento! Envolvei-me, fechai-me dentro em vs E que eu no morra nunca. Odeio a vida, amarga-me e horroriza. Mas a morte oh a morte, velada O prprio horror dentro em mim paralisa Deixando a dor funda e estagnada. Horror! Horror! O tempo, oh vidas com vida! Mistrios menores onde esquecer Se pode a mor dor indefinida, Menos horrorosos porque no sabeis dizer Esse segredo que dito deveis trazer. No me deixeis morrer... * [VICENTE]: Todos, oh mestre, tm horror morte... FAUSTO: Ah no me ofendas com palavras vs

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O horror do pensamento. Ningum Como eu teve esse horror, nem poder Nas veias e na alma e no sangue T-lo to ntimo, to internado To feito um comigo. Ah, So as primeiras, nicas palavras Em que a outro mostrei parte do ser. Tu no as compreendeste, nem podias, Nem nunca poders. Tenta esquecer... Nunca mais me ouvirs falar assim... Estava ainda s comigo n'alma E falava comigo respondendo-te. Mas dize-me a que vinhas. [VICENTE]: Vinha... eu... Eu vinha... ah... eu vinha procurar-vos Para falar... nada... J me retiro. Estais febril, mestre, sim, sim, vejo bem E os vossos olhos brilham no sei como, Que... FAUSTO: Dize. [VICENTE]: Que... FAUSTO: O qu? [VICENTE]: Que me apavora. FAUSTO: Escuta, aproxima-te, a primeira Vez que direi o que te digo. Tu No compreenders talvez ainda, Nem nunca... a essncia do que digo Nunca, ai nunca. Escuta-me Vicente, So as ltimas palavras que direi. No compreendes isto, No tomes susto. Escuta. O mundo Encerra um sonho como realidade E em cada seu fragmento no me entendes ( Vive todo. Interpenetrao de (...)

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E complexos mistrios desconhecidos. As figuras de sonho no conhecem O sonho (...) de quem so figuras, Porque o mundo no s (...) sonhado Mas dentro dum sonho um outro sonho Em que sonhados so os sonhadores Tambm. Tu compreendes? [VICENTE]: Vagamente. FAUSTO: Possas tu sempre assim compreender Como todos na terra que existiram Menos um. [VICENTE]: Cristo? FAUSTO: Cristo? Quem Cristo? Ah ri-te, ri-te desta distraco, Desta pergunta minha, de alheado Que ando do meu prprio ver e ouvir Feito. Deixemos isto, pois Lembra-me Uma cousa a que podes responder. Diz-me que pensas Do orgulho? De imperadores, reis E prncipes da terra e seu orgulho? Que pensas? [VICENTE]: Eu? Do orgulho? Julgo-o vo. FAUSTO: Todo o orgulho vo? [VICENTE]: Todo o orgulho. Assim mo ensinaram, assim creio E assim razovel me parece. FAUSTO: Mas o orgulho do gnio, desse que sente Retratar-se no esprito soturno A iluso de existir definida Em mistrios e abismos e vises? E o desse? [VICENTE]:

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O talento dom de Deus. No sei que orgulho haver em t-lo Como se fora cousa produzida Pelo prprio. Por que quereis saber? FAUSTO: Eu? Nada. O talento dom de Deus. E o orgulho no dom de Deus? [VICENTE]: Por, parecendo humano que nascido Da v contemplao, como direi? Da maravilha de si mesmo. Eu, Se fosse talentoso no o sou ( A Deus diariamente o agradecia. Dar-me-ia prazer, mas no orgulho.FAUSTO:

Bem agradeo-te. Deixa-me agora. Preciso de pensar Lembrou-me sbito Uma cousa... Logo te verei. Continuaremos. [VICENTE]: Mestre, at ento. FAUSTO: (s) Em todo os raciocnios em que vivo Aquele (...) nunca fizera. Como aquelas palavras me feriram! Sim, por que ter orgulho para qu? Mas ah, quantos problemas e mistrios Essas palavras dum inconsciente Me abrem no pensamento. Que intenso Atropelar de (...) e teorias De raciocnios, concluses d'esprito Mal geradas dentro em mim, No poder apagar este tormento; No poder despegar-me deste ser; No poder esquecer-me desta vida... * Quem sabe se morrendo eu passarei Apenas para outro grau de ignorncia Outra forma do mesmo atroz mistrio, Outro e novo mistrio e enfim o mesmo?

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Se noutra espcie de outra terra eu for Continuar a ignorncia e o medo Do Essencial? Assim deve ser Porque a verdade deve ser o mais Profundo que se pensa e no o menos, O mais inexplicvel, no o menos E, fora do absurdo, o mais absurdo... Ah, no morrer e no morrer nunca, ainda Que me quebrassem dores todo o corpo Que gro a gro de carne endurecida Apodrecesse em mim... Tudo, tudo, tudo Mas ficar-me a vida! Nunca ir Ao encontro do abismo do Possvel Aonde apesar de tudo talvez haja A Verdade... Pode a Verdade Suma ser velada Sempre para ns... E a morte revelar-nos Outra qualquer Verdade falsa e eterna Que seja um pavor toda e nada seja, Mas seja tudo quanto eternamente Possamos ver e ter... Oh horror, oh abismo Ah ter que ir, que seguir, e ver ao fundo Um fim de estrada, e um precipcio e o som No sei de qu ao fundo!.. Desejava querer fugir de mim. Ali. ali. ali e...e...e... Palavra,/no sois nada!/ O que Deus? Uma palavra, Pouco mais que um som. E um som? Nada * O nosso mundo real e o Deus que tem - O Deus das fs, das crenas, com seu cu absolutamente verdadeiro, a realidade, o criador, a Vida e a Fonte da Eterna Vida... Mas nada disso a Verdade real... E o prprio Deus no sabe qual ela... Ele prprio tem o seu mistrio, e pesa Sobre o que nele seja o Pensamento

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O mesmo Grgona que sobre ns pesa... Ele sim, infinito e verdadeiro, Ele sim o eterno criador Que est alm do tempo, e o espao, e o (...) Mas no mais que um sol porque girando Em torno ao Ser absoluto... e este apenas O sol centro dum sistema dos Inmeros sistemas De que a Verdade Essencial feita! Sim, iremos, seres imortais Sim, iremos a Deus e eternamente A estaremos... E tudo isso certo... E tudo isso falso, tudo falso. Outra e fechada sempre a Verdade... Outro Deus do que Deus... e antes so reais Outros seres do que o ser (...) * ...Deus FAUSTO: No descreio de Deus, passei p'ra alm... Um dia, meditando Uma ideia espontnea e horrorosa Como um vulto supremo sem ter vulto, Surgiu no fundo do meu pensamento... Como a noite corporizada, e o medo Vestindo-a, e (...) Apareceu-me Deus em esqueleto... Tudo despira do seu corpo ideal No de infinito s, de inatingvel, Mas mesmo de mais do que inatingvel. At ao fundo do seu ser abstracto O meu ser despi, e eu vi o (...) Esqueleto (...) do Mistrio... O informe tomou forma dentro em mim... Ah inda hoje, se relembro, sinto Como um medo no longe, um pavor negro No em mim, mas em todo o Universo, Um arrepio pelas estrelas fora E um grande horror arrepanhando os cus Como humana pele que tem medo... (treme) Isso um pensamento... FAUSTO: Se eu pensei Isto, se isto me foi possvel

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crvel que a verdade seja Mais profunda que o meu pensamento. Como pensei eu cousas mais profundas Do que a verdade em si? Apareceu-me o Universo ntimo Do misterioso avesso... E eu vi, (...) O outro lado das cousas, no das cousas Aparentes apenas, mas o outro Lado at do Essencial, do Inaparente, Do alm-divino e do Divino em Deus... Tinha a forma, sensvel aos meus olhos Do esprito, dum imenso cu estrelado. Mas eu, com ntida viso de dentro, Via que era infinito, como se visse Em corpo e forma (...) [...] E sob o meu olhar apavorado Vi o nosso sistema do universo Mais perto... A ideia abstracta e nua, A vida extrema e ltima de ns. O Ser, o ser abstracto e (...) Era um sol sol de (...) e seguia Como da circunferncia para o centro (No como ns que vemos sempre e em sonho o mesmo (do centro sempre p'ra o espao, Real ou suposto nessa circunferncia) Eu vi, e cada sol e seu sistema Ia em outros sis e outros sistemas Na rbita de sis mais interiores (O centro de cuja circunferncia Eu via em infinito para dentro, No para fora como infinito mesmo) E o nosso mundo como um deus nele Era um mero satlite De um sol do s primeiro sistema Raiando a ideia sobre o seu mundo. Infinito interior ao interior! Pavorosa agonia do Profundo! Vacuidade e realidade negra De tudo! * mpetos de dizer-lhe (....) acorda! Acorda, olha o mistrio ao p de ti! E assim pensando rio amargamente Dentro em mim rio como se chorasse. * Quanto mais fundamente penso, mais

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Profundamente me descompreendo. O saber a inconscincia de ignorar, Mesmo quem sabe muito nada sabe. Quanto mais fundamente penso, sim, Mais fundamente me sinto ignorar, Mais fundamente sinto alguma coisa Alm do que profundamente penso. E isto que dizer me faz: eu penso Profundamente. * No o vcio Nem a experincia que desflora a alma: s o pensamento. H inocncia Em Nero mesmo e em Tibrio louco Porque h inconscincia. S pensar Desflora at ao ntimo do ser. Este perptuo analisar de tudo, Este buscar duma nudez suprema Raciocinada coerentemente, que tira a inocncia verdadeira Pela suprema conscincia funda De si, do mundo, de todos. Guarde, guarde Fora do vcio e do vil mundo alm Em gruta ou solido o eremita; Se o pensamento vir tudo (...) Pensar, pensar e no poder viver! Pensar, sempre pensar, perenemente, Sem poder ter mo nele! Ah eu sorrio Quando s vezes eu noto o inconsciente Riso vazio do bandido, Rindo-se da inocncia! Se ele soubesse O que perder a inocncia toda... No a inocncia v do corpo ao olhar, Ou vulgar e banal conhecimento, Mas a inocncia bela do viver; De sentir seja mesmo como ele Esse (...) escravo do deboche-seja! Sentir um sentir que abertamente Se no ache vazio. O Tdio! O Tdio quem me dera T-lo! Se os (...) Soubessem o que eu sinto. Eles no pensam E eu... e eu... * Essa simplicidade d'alma

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Possuda no s dos inocentes Mas at dos viciosos, criminosos De ter uma (...) Sem constantemente analisar O que vai no seu ser, essa pureza Que faz a vida leve mesmo ao mais Srio, que nunca nos de todo afasta Da criana em ns, essa simplicidade Perdi-a e s me resta um vcuo imenso Que o pensamento friamente ocupa. Medo da morte no; horror da morte. Horror por ela ser, pelo que E pelo inevitvel (...) *

* ...Como condenado Que ligado (...) v avanar Qualquer tormento atroz, qualquer horror, Eu, ligado vida, vejo avanar A morte para mim; mas ao condenado, Inda no seu horror, lhe luz ao menos Uma sombra desesperada d'esperana, Inda o horror que espera no aquele Horror da morte no tem o intenso Carcter de inevitabilidade Que a morte tem. A mim nem esperana Nem suspeita de sombra de esperana Ocorre, mas o horror completo e negro. Isso que lhe aparece por resgate o que eu temo! * Em Mim Paro beira de mim e me debruo... Abismo... E nesse abismo o Universo Com seu Tempo e seu Espao um astro e nesse Abismo h outros universos, outras Formas de Ser com outros Tempos, Espaos E outras vidas diversas desta vida... O esprito antes estrela... O Deus pensado um sol... E h mais Deuses, mais espritos Doutras maneiras de Realidade... E eu precipito-me no abismo, e fico

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Em mim... E nunca deso... E fecho os olhos E sonho e acordo para a Natureza... Assim eu volto a Mim e Vida... Inclino o meu ouvido para mim E escuto... Um Deus Real e Verdadeiro Criou nosso universo em sua dupla Unidade divina de corpo e alma... E esse Deus, com seu Universo real e eterno, um tomo num mundo de universos. Inextricavelmente H outras realidades. saber isto que me faz alheio vida e plido entre a humanidade... Deus a si prprio no se compreende. Sua origem mais divina que ele, E ele no tem origem que as palavras Possam fazer pensar... Fecha as portas da Alma! Faze rudo! Agita, grito, o teu externo Ser, Encobre-me a Presena do Mistrio! Pode ser que mundo possuamos Um paraso eterno, e vida divina Seja ( relmpago do pensamento!) A realidade! A iluso talvez Dure pra sempre... Quem criou um tomo Ainda por criar Pode criar uma iluso eterna... Altitude! Altitude! No respiro! Passei alm da Realidade, ergui-me Acima da Verdade... Deus... O Ser O abstracto ser em sua abstracta ideia Esse prprio, o mesmo sonho divino (?( Apagou-se e eu fiquei na noite eterna Eu e o Mistrio face a face... O mistrio ruiu sobre a minha alma E soterrou-a... Morro Consciente! Quem sou? No sei. Cego vou P'la noite sem mesmo a ver... Sou eu e habito o que sou Alheio ao meu prprio ser. Vivo outra vida que a minha, Nem sei o que o viv-la. * Lidas, Pg.71

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Guerras...e guerras Porque tudo to falso e irreal To intimamente (um) sonho? * Para mim ser admirar-me de estar sendo. Horror da Morte A iluso da vida, horrorosa; Mas o horror de pensar Que a morte quebra Essa iluso numa realidade Reveladora da verdade certa! Oh,esse horror!

* Para qu te falar? Ningum me irmana Os pensamentos na compreenso. Sou s por ser supremo, e tudo meu maior. * (after useless discussion) Ah qualquer cousa, Ou sono ou sonho, sem doer isole O meu j isolado corao! Se as palavras que eu diga nunca podem Levar aos outros mais do que o sentido Que essas palavras neles tm, e eu Fico fora do que digo, oculto nele, Como o esqueleto nesta carne minha, Invisvel apoio do visvel, Diferente e essencial... Cai sobre mim, apagamento meu! Querer querer, inutil pedra ao mar! Saco pra colher vento,cesto de gua, Caador s do uivar dos lobos longe...

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ENTREACTO II Ser:

Sou assim a ntima essncia Do suspiro, do lamento Do profundo pensamento Que h por nome Existncia. Mais vago e maior eu sou, E quem melhor pensa bem; Eu assim tremendo encontro O ponto final do Alm. Nada digo e digo tudo Com meu nome mudo frio; Causa alma um arrepio Meu simbolizar de tudo; E o pensamento estremece Dum ntimo horror ingente Por que alm de mim conhece Que nada h e nada sente. EXISTNCIA: Vaga noo abstracta, Inda sou mais que tu! Em mim visto nu (E compreende-o ningum) O Mistrio (...) cru Que mundo e vida tm. Sou nome vago e simples Mas menor verdade sou Ningum j me abraou (Compreendeu-me ningum) Meu nome quem achou No pde ir mais alm. Suspiro do Mundo: Tremo de medo: Eis o segredo aberto. Alm de ti Nada h, decerto Nem pode haver: Alm de ti Que no tens essncia Nem tens existncia E te chamas s SER. Oh Nada pode haver! Nos vastos cus estrelados

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Que alm de espaos esto, Sob a regncia de fados Que ningum sabe o que so, H sistemas infinitos, Sis centros de mundos seus, E cada sol um Deus. Eternamente excludos Uns dos outros, cada um universo. Mundo dentro de mundos Infinidades variadas, Abismos muitos, sem fundo (...)

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ACTO III No sei de que maneira a sucesso Dos dias tem achado este meu ser Que a si mesmo se tem ignorado. No sei que tempo vago atravessei Nos breves dias de febril ausncia De parte do meu ser. Agora No sei o que h em mim que sobrenada A ignorada cousa que perdi. Cansado j doutra maneira vaga, Sinto-me diferentemente o mesmo; No sei detidamente o que mudou Em mim, nem sei o que de mim me resta A no ser esta vaga e horrorosa Sufocao da existncia inerte Num pavor. Mas a mesma j no . Sinto pavor, mas j no o mesmo Pavor, nem a mesma solido D'outrora, a solido em que me sinto. Queimei livros, papis, Destru tudo por ficar bem s, Por qu no sei, no sab-lo desejo. Resta-me apenas um desejo ermo De amar e de sentir, mas no me sinto Educado no ser ou natural

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Ao sentimento, emoo, vida, Mas alheado (...) e negramente E orgulhoso mais por ser distante Do que distante por ser orgulhoso. Pesado fardo da grandeza! Horror! No a reis ou a prncipes lhes pesa E o responsvel nimo e(...) Como a mim o existir. Pesa-me mais Do que dantes, mas como o sei? Menos misteriosamente, menos Intimamente. Estou mais apagado E a minha antiga dor imorredoura Mais escondida dentro em mim de mim E eu menos, no sei como, isolado S de mim mesmo, perdido (...) O ltimo abrigo, horroroso e (...) Mas com tecto. Como que nu me sinto e exilado Entre coisas estranhas, (...) S que o horror profundo doutro tempo J me deixou. Pensava tudo estranho, Hoje, mais vaga menos (...) -mente Eu sinto tudo estranho, sinto-o, sinto-o Fora do pensamento no sei como E mais perto do mundo vagamente. Neste atordoamento nasce em mim Qualquer coisa de negro e estranho e novo Que pressinto com medo, e que, outrora, Arredado de mim dentro em minha alma, Eu pressentia sem o pressentir, Sem conscincia consciente dela. Como a linha de negro num poente Se ergue em negra nuvem e enegrece E cresce, levantando-se e obumbrando O firmamento, sinto despontar Prenncios de tormento e confuso Num silncio que insiste dentro em mim. * Sinto horror significao que olhos humanos Contm; prescrutao que dum ser fazem Revelado de gestos e palavras As almas. No quero entregar-lhes, pois, Em desmando ou abertura do meu ser O que em mim me faz meu. Sinto preciso

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Ocultar o meu ntimo aos olhares E aos prescrutamentos que olhares mostram; No quero que ningum saiba o que sinto, Alm de que o no posso a algum dizer, Mais h que aquilo que dizer no se pode. No se pode dizer porque no se * Diferentemente o mesmo Ligado a um meu passado estranho e vago Por um negrume e continuar de dor. * Memrias de pensar vivem em mim Desordenadamente desconexas Num atordoamento do meu ser. A lucidez horrorosa d'outrora (E outrora era ontem) j no tenho; Mas sinto-a, no sei como, nesta surda Nocturna confuso aglomerada De (...) e pores de pensamento. Como se um horror (...) que no dia Enchesse de turvo a terra em sol No acabasse, mas confusamente Rumorejasse silenciosamente Na perturbada paz da noite. * nsia infinda De reaver o direito sensao, Que humano em mim e que esquecido tinha; nsia de v paixo que muito parte Do (...) desesperado sofrimento; nsia de sentir e (...) E antes de ser amado que de amar. Mas ah, no sei se j estranho ser ( Volver eu posso vida, pois me sinto Estranho ao mundo, vida e aos olhares, Um Incapaz de ser irmo. Dum salto Queria reaver meu natural Como homem. E depois? Depois no sei. Ah, nem no sonho, forte pensamento, Me deixas, seco e argumentador. necessrio pois no pensar mais. Mas no; no pode ser, a abdicao. Mas o qu abdicar do pensamento Em proveito da mera sensao?

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* Quando penso Em glria, fama, (...) (...) tudo acabando em morte Eu sinto um frio n'alma, um confranger, Obscurecer de todo o pensamento, Dissolver da clareza da conscincia Nos seus (...) elementos escuros. Tudo formas Do glido sentimento de existir Que o frio habitual do meu sentir; Sentir a vida como um arrepio, Como um horror, como uma morte consciente. O frio do mistrio enche tudo Porque o mistrio tudo e tudo a vida. * H entre mim e o real um vu prpria concepo impenetrvel. No me concebo amando, combatendo, Vivendo como os outros. H em mim, Uma impossibilidade de existir De que [abdiquei], vivendo. * ...e desse referver me veio Mudo aniquilamento da vontade Paralisada pelo (...) excesso Do poder do desejo, mesmo sobre A imaginada fora do poder. * Tudo transcende tudo E mais real e menor do que . Sinto-me perturbado E a conscincia da perturbao Mais me perturba. No sei que desejar Nem que desejvel ser em mim. Todo o modo de ser alm da morte Me apavora e confrange. *

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Montanhas, solides, objectos todos, Ainda que assim eu tenha de morrer, Revelai-me a vossa alma, isso que faz Que se me gele a mente ao perceber Que realmente existis e em verdade, Que sois facto, existncia, cousas, ser. Quantos o sentem, quantos, ao ouvir-me Estou aqui compreendero ntima e inteiramente, ouvindo n'alma A alma da minha voz? A expresso Fez-se para o vulgar, para o banal. A poesia torce-a e dilacera-a; Mas isto que eu em vo impor-lhe quero Transcende-lhe o poder e a sugesto. Metfora nem smbolo o exprime; Desespero ao ouvir-me assim dizer Isso que n'alma tenho. Sinto-o, sinto-o E s falando no me compreendo. No mais simples dos factos que existe O horror maior: nisto: que h existncia. Sentir isto, eis o horror que no tem nome! Mas senti-lo a sentir, intimamente, No com anseios ou suspiros d'alma, Mas com pavor supremo, com gelado Inerte horror de desesperao. * De vez em quando surge-me nos lbios Uma cano de amor e, instintivo, Nela choro unia amada morta. Sim. a noiva eterna morta de um eu Que no soube amar. Ah que feliz Seria se eu pudesse aniquilar O pensamento, a comoo o que eu Mais odeio e mais prezo e m'envolver Numa vida vazia e trabalhosa, Com amores, ternura! Beberia A alegria do regalo de existir Sem perguntar onde era a sua origem Nem onde tinha fim. Felicidade Fez-se para quem a no pode sentir. Completo e apreensvel horror Do mistrio que eis volta ao pensamento! Hoje se morre algum que estimo se eu Estou ainda algo em mim absorto No que mais do que eu se morre algum Que amo admitamo-lo j no choro,

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No sinto dor: gela-me apenas, muda, A presena da morte que triplica O sentimento do mistrio em mim. * Tivesse eu mil parentes ou cercado Fosse de amigos, camaradas mil, Eu estaria to s como hoje estou. * Horror! No sei ser inconsciente E tenho para tudo, do que bom inconscincia, o pensamento aberto, Tornando-o impossvel.

O amor causa-me horror abandono, Intimidade, mostrar (...) do ser E eu tenho do alto orgulho a timidez E sinto horror a abrir o ser a algum, A confiar n'algum. Horror eu sinto A que prescrute algum, ou levemente Ou no, quaisquer recantos do meu ser. Abandonar-me em braos nus e belos (Inda que deles o amor viesse) No conceber de tudo me horroriza; Seria violar meu ser profundo, Aproximar-me muito doutros homens; Uma nudez qualquer esprito ou corpo ( Confrange-me: acostumei-me cedo Aos despimentos do meu ser, A fixar olhos pdicos, conscientes Demais. Pensar em dizer amo-te E amo-te s s isto me angustia... Pensar que ao rir (e mesmo que o no seja) Exponho uma ntima parte de mim, Para poder amar eu precisava Esquecer que sou Fausto o pensador. Eu queria era dormir, dormi, dormir, Longo dormir, meio sentindo em sono, E dormir sempre, sem conscincia ter Do tempo, s do sono sonolento E da vacuidade do meu ser; Dormir sem vir a morte, nem sonhar Mas dormir s dormir, sempre dormir. Que hoje j de dormir desaprendi.

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Cansado de pensar, a pensar fico, E as noites longas, longas, longas, longas, E o plido raiar de inda doutro dia... Inda outro dia que trar ainda Uma outra noite e essa mais dias, mais... Insone sentir isto, e o deslizar Suave e horroroso do tempo. Cai ento sobre mim todo o horror claro E ntido e visvel do mistrio, E eu tal fico em abalo e em comoo Que durmo sim que durmo de pesar-me Tudo de mais p'ra mais poder sentir. Ento durmo... e antes eu no dormisse Porque desordenadas incoerncias Mas no vises, s abstraces terrveis (...) * H entre mim e a humanidade um golfo, Esse golfo est dentro do meu ser. Quer solitrio, quer com outros, eu Estou sempre s, nem a mim mesmo fao A companhia de sentir. Navego, Desabitada nau no mar da vida, Mais s que a solido. Sou um estranho Ao que em mim pensa. Sou de qualquer modo Dois, para que, quando passageira Alegria do esforo de pensar -A nica alegria que me resta -Me (...), eu tenha a conscincia dela Como vazia, como o prazer * O horror de me sentir viver, De me sentir um sonho ante outros sonhos... Horroroso sonhar, o horror de ver-me Mais que ignorante do que isto tudo. * Tudo isto Desde os cus e as estrelas At s pequenezes ntimas Me horroriza por ser E (...) compreendo At ao negro da compreenso

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Aborreo-me da possibilidade de vida eterna; o tdio de viver sempre deve ser imenso. Talvez o infinito seja isso. S o tdio de o pensar horroroso. Pg.91 * O nico mistrio no universo haver um mistrio do universo. Sim, este sol que sem querer ilumina A terra e as rvores, e as estaes todas; As pedras em que eu piso, as casas brancas, Os homens, o convvio humano, a histria, O que se passa tradio ou fala Entre alma e alma as vozes, as cidades Tudo nem traz consigo a explicao De existir, nem tem boca com que fale. Por que razo no raia o sol dizendo O que ? Por que motivo sossegado Existem pedras sob os meus passos, e ar Que eu respiro, e eu preciso respirar? Tudo uma mquina monstruosa e absurda. Com todo o corpo e o ver [?], terra da alma, Ignoramos. Por que h? Por que h um universo? Por que um universo que este? Por que assim composto o universo? Por que h? Por que h o que h? Por que h mundo, e porque que h mundo assim? For que h aqui, dores, conscincia e diferena? * Temo a verdade. Ignorar amar. Toda esta terra, Estes montes (...) no os amara tanto Se soubera o que so, e enfim os vira Como os no vejo. Pudesse eu sem termo Gozar, sofrendo embora a iluso Sem que a quebrasse. Como so tristes Os sonhos meus, inda que lhes pese, S porque sonhos so, que no a vida, Assim serem(?) * S a inocncia e a ignorncia so Felizes, mas no o sabem. So-no ou no?

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Que ser sem no saber? Ser, como pedra, Um lugar, nada mais. * Em cada Conscincia o Grande Horror Mostra atravs da mscara os seus olbos. E o carnal, Em toda a sua extenso De nudez da carne e da alma, mirra Minha alma do pavor de colocar A mo, na escurido, sobre a fronte Do Mistrio. A cpula dos entes, o contacto Carnal das almas, pvido encontrar-se Do horror de uma alma com o de outra alma, Do mistrio de um ser com o de outro ser, Quintessenciar-se local, tangvel Do Mistrio, (...) Escrever Em palavras de carne, sentindo O horror e o mistrio do Universo. Com que gesto de alma Dou o passo de mim at posse Do corpo de outro, horrorosamente Vivo, consciente, atento a mim, to ele Como eu sou eu. * No me concebo amando, nem dizendo A algum eu te amo, sem que me conceba Sob uma outra alma que no a minha Toda a expanso e transfuso de vida Me horroriza como a avaro a ideia De gastar e gastar inutilmente, Inda que no gastar se esboce gozo, Um terror como de crime, Uma frieza como ante o impossvel Tolhe a prpria viso dum meu amor Dentro em meu ser. Sentir amor, talvez, Pois quem sabe o que est fadado (...) ;mas amar, amar, Nunca... no s o horror de (...) Mas o pudor de dizer o que sinto E ser amante aos olhos e ouvidos Duma alma consciente, o entregar-me Eu, o mistrio de uma conscincia,

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Ao mistrio duma outra conscincia. O poder estar inerte e (...) Que s concebo como meu. A vida o esquecer-se continuamente Mas eu, nesta minha intensa vida, Vivi em mim to solitariamente, Que no sei esquecer-me, nem tirar De mim meus olhos d'alma; e em cada gesto De amor que eu fazia, analis-lo At lhe descobrir o horror e (...) Da essncia do mistrio; e ao ver to perto Como entre minhas mos o revelado Horror de tudo, logo deixarei A possibilidade de amar Cair delas tremendo. Do universo A alma misteriosa eu sempre atento Em toda a parte vejo; se j estas Inanimadas cousas que me cercam Me do, nas muitas horas em que as fito, No com os sentidos mas com a alma logo, Directamente como com a vista, Me torturam, no auge do terror Pelo mistrio que no so e so; Quanto mais oh horror de o conceber! Ao ouvir vozes ntimas de alma De um ser amante minhas ou para mim Ao ouvir assim perto, ao ver assim Prximo da minha alma sempre atenta Uma voz do mistrio feito vida Quanto mais, como se a soluo Do mistrio mesmo me turbasse At morte de terror e espanto, No se me esfriaria em medo a alma Ao ver em um olhar brilhar o horror De haver conscincia e existncias. No o acanhamento virginal Que da prpria luxria se perturba, Nem o ideal pudor, por delicada A alma, do que em amar grosseria Inevitavelmente; no o medo De ser inapreciado ou ser troado; Nem terror de impotncia a Ser (...) Me ocupa. mais negro sentimento Mais ntimo, mais frio e mais ligado Ao que, de continuado pensamento, Me o que eu chamo a alma que minha. E isto Decerto lograria a incompreenso

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Que primordial no no meu temer E a troa da alma no olhar espreitando E (...) de quem Diferente de todos e de tudo, Como um universo parte, grande nisto Mas sem poder d'algum ser entendido Seno por louco, ou desvairado ou triste, Injrias de insuficincia e acanhamento De compreenso. * O horror metafsico de Outrem! O pavor de uma conscincia alheia, Como um deus a espreitar-me! Quem me dera Ser a nica conscincia animal Para no ter olhares sobre mim! Dos olhos de cada um me fita, vivo, O mistrio de ver; e o horror de verem-me Abisma-me. No posso conceber-me outro, ou pensar Que a conscincia que de mim gmea Possa ter outra forma, e um contedo Diferentemente diferente. S vejo Homens, bichos, as feras e as aves, Horrivelmente vivas e fitando. Sou como um Deus supremo que se houvesse Reconhecido em mim o nico, E a cujo olhar inmero se abeira O horror de mais inmeros olhares. Ah, se em mim se reflecte o transcendente Brilho alm de Deus! * Quando se amam, vvidos, Dois seres juvenis e naturais, Parece que harmonias se derramam Como perfumes pela terra em flor. Mas eu, ao conceber-me amando, sinto Como que um gargalhar hrrido e fundo Da existncia em mim, como ridculo E desusado no que natural. Nunca, seno pensando no amor, Me sinto to longnquo e deslocado, To cheio de dios contra o meu destino De raivas contra a essncia do viver. E nasce ento em mim de tal sentir, Um negrume de tdio e dio imenso

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Que torna os grandes crimes e os mais torpes Inadequadas cousas ao que sinto Em sua humilde e popular vileza. * Vendo passar amantes Nem propriamente inveja ou dio sinto, Mas um rancor e uma averso imensa Ao universo inteiro por cont-los. * O mistrio ideal dum corpo humano, O qual se as potestades e os seus seres Intimamente vissem e soubessem Nenhum homem em guerra ou dessidncia Cairia, tal o terror que inspira E o respeito que nasce do terror! O corpo humano o mistrio inventa. * Seria doce amar, cingir a mim Um corpo de mulher, mas fixo e grave E feito em tudo transcendentalmente. O pensamento impede-me e confrange-me Do terror de ter perto e comungar Em sensao ou ser com outro corpo. Gelada mo misteriosa cai Sobre a imaginao que nem em si Me pode amante conceber. corpo! Amante, entrega-te! Talvez Te salves entregando-te e amando! Mas no! A conscincia do mistrio Mantm-me isolado e em horror Perante tudo. Ah no poder Arrancar de mim a conscincia! *

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* (A desiluso de Fausto de trs espcies: 1) verifica, no facto de que Maria o ama em parte sem saber porqu e em parte por qualidades que lhe supe e ele no tem, que o amor coisa que no se pode querer compreender e entre o qual e ele h um abismo profundssimo; 2) verifica, na sua incapacidade no s de compreender o amor; como at de o sentir ou, talvez melhor, de se sentir sentindo-o, que esse abismo que existe entre ele e o amor comea por ser um abismo que existe entre ele e ele prprio; 3) verifica (...)) MARIA: Amo como o amor ama. No sei razo pra amar-te mais que amar-te. Que queres que te diga mais que te amo, Se o que quero dizer-te que te amo? No procures no meu corao... Quando te falo, di-me que respondas Ao que te digo e no ao meu amor. Quando h amor a gente no conversa: Ama-se, e fala-se para se sentir. Posso ouvir-te dizer-me que tu me amas, Sem que mo digas, se eu sentir que me amas. Mas tu dizes palavras com sentido, E esqueces-te de mim; mesmo que fales S de mim, no te lembras que eu te amo. Ah, no perguntes nada, antes me fala De tal maneira, que, se eu fora surda, Te ouvisse toda com o corao. Se te vejo no sei quem sou; eu amo. Se me faltas, (...) Mas tu fazes, amor, por me faltares

Mesmo estando comigo, pois perguntas Quando deves amar-me. Se no amas, Mostra-te indiferente, ou no me queiras, Mas tu s como nunca ningum foi, Pois procuras o amor pra no amar, E, se me buscas, como se eu s fosse O Algum pra te falar de quem tu amas. Diz-me porque que o amor te faz ser triste? Canso-te? Posso eu cansar-te se amas? Ningum no mundo amou como tu amas. Sinto que me amas, mas que a nada amas, E no sei compreender isto que sinto. Dize-me qualquer palavra mais sentida Que essas palavras que, como se as perderas, buscas E encontras cinzas. Quando te vi, amei-te j muito antes. Tornei a achar-te quando te encontrei. Nasci pra ti antes de haver o mundo. No h coisa feliz ou hora alegre Que eu tenha tido pela vida fora, Que no o fosse porque te previa, Porque dormias nela tu futuro, E com essas alegrias e esse prazer Eu viria depois a amar-te. Quando, Criana, eu, se brincava a ter marido, Me faltava crescer e o no sentia, O que me satisfazia eras j tu, E eu soube-o s depois, quando te vi, E tive para mim melhor sentido, E o meu passado foi como uma estrada Iluminada pela frente, quando O carro com lanternas vira a curva Do caminho e j a noite toda humana. Tens um segredo? Dize-mo, que eu sei tudo De ti, quando m'o digas com a alma. Em palavras estranhas que m'o fales, Eu compreenderei s porque te amo. Se o teu segredo triste, eu saberei Chorar contigo at que o esqueas todo. Se o no podes dizer, dize que me amas, E eu sentirei sem qu'rer o teu segredo. Quando eu era pequena, sinto que eu Amava-te j hoje, mas de longe, Como as coisas se podem ver de longe, E ser-se feliz s por se pensar Em chegar onde ainda se no chega.

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Amor, diz qualquer coisa que eu te sinta! FAUSTO: Compreendo-te tanto que no sinto. Oh corao exterior ao meu! Fatalidade filha do destino E das leis que h no fundo deste mundo! Que s tu a mim que eu compreenda ao ponto De o sentir...? MARIA: Para que queres compreender Se dizes qu'rer sentir? * Reza por mim. Reza por mim! A mais no me enterneo. S por mim mesmo sei enternecer-me Sob a iluso de amar e de sentir Em que foradamente me detive. Reza por mim, por mim! Eis a que chega A minha tentativa a querer amar * FAUSTO: Reza por mim Maria MARIA: (Rezo por ti? Sim rezarei. Mas o que tens?) FAUSTO: Reza por mim e diz a Deus (...) Reza por mim, Maria, e eu sentirei Uma calma d'amor sobre o meu ser, Como o luar sobre um lago estagnado, A faz-lo um milagre de beleza. Reza por mim e diz: Oh Deus, meu Deus, Fazei-o inda feliz esse a quem amo (Se que me amas...). MARIA: Inda duvidas, meu amor? FAUSTO: Dize: Fazei feliz esse a quem amo E que, qual condenado pela vida, Arrasta a grilheta da dor, Cujos olhos no choram por no ter Na alma j lgrimas p'ra chorar,

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Que, tendo erguido o seu pensar ao cume Do humano pensar... No, no importa, No digas nada, reza e que a tua alma, Compadecendo-se de mim encontre Os termos, as palavras que na prece Murmurar... Choras? Fiz-te chorar? MARIA: Sim... No... Eu choro apenas de te ver Triste e (...) sem que eu compreenda Tua tristeza, meu amor. Vem ela De alguma dor oh dize-me, partilha Comigo a tua dor que eu te darei O meu carinho, porque te amo tanto... FAUSTO: Tu amas-me, tu amas-me, Maria? MARIA: Ah, tu duvidas? Meu amor, duvidas? Temes talvez que o meu acanhamento, Que vem d'amor, eu no sei como, seja Indiferena... No... ah no o creias! Eu no tenho a viveza, nem a ardncia Que algumas tm, tremo de mim mesma Do meu amor, mas eu no sei por qu... Mas amo-te... Se te amo, porque hs-de Tu duvidar de mim? Ah, se palavras Podem levar a alma nelas, Fausto, Se o amor, este amor como eu sinto, Pode dizer-se sem o duvidar Se o que eu sinto em minha alma quando te vejo Quando sinto o teu passo, quando penso Em ti, amor, em ti, se olhares, beijos Podem mostrar o amor, todo o amor Cr que as minhas palavras, os meus beijos, O meu olhar tm esse amor. Se eu no posso Gritar:amor, amor, ardentemente E desmedidamente, e a voz em fogo, que em mim mesmo, nasce-me um pudor De o dizer muito alto (mas no creias Que por amar-te pouco, que s De amar-te muito e amar-te como te amo) Se isto no fao, no duvides, no... Eu no sei dizer mais; no aprendi Como o amor fala no, no aprendi,

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Porque o amor no fala, no pode Dizer-se todo, seno no seria Amor, ao menos este amor que eu sinto. No sei, no sei dizer-te... No duvides! Eu pareo talvez fria aos teus olhos; No duvides que eu sofra muito, muito Por duvidares E eu amo-te... Meu Deus, como eu te amo! FAUSTO (aparte): Como eu sinto de ouvi-la e de sentir (Sentir pelo meu pensamento) quanto aquele amor e como ele amor, Minha alma fria, meu corao frio! Aquilo amor... Eu, pois, nunca amarei... Que ela fala e eu compreendo (se compreendo! Quanto ela ama, como ela fala amor). Nada sinto em mim que nasa, surja E v de encontro ao seu amor. No posso Fazer erguer em mim um sentimento Que d as mos quele. E, de o no poder, Eu mais frio me sinto, mais pesado N'alma, na minha desconsolao. Como me sinto falso, falso a mim mesmo, Falso existncia, falso vida, ao amor! (alto) Perdoa, amor (parte) Amor! Como me amarga De vazia em meu ser esta palavra! Como de isso assim ser me encolerizo! (alto) Perdoa, meu amor! Cedo aprendi a duvidar de tudo Por duvidar de mim, sem o querer, Sem razo de o querer ou de o pensar Durante em honras, amor, felicidade... Em tudo... Mas eu creio em ti, Maria, Eu creio em ti... Como s bela! No, no chores, Quero falar ternura e no o sei; Tenho a alma fria oh raiva! impossvel. * Como estranho No o achas?... o mar, o cu, a terra, ali! ali! ali! Pg.103

Com realidade e exterioridade E eu aqui, duvidando por os ver, Estremunhado n'alma. Oh, horror, volte... No volte, no, no volte, a intuio Do ser... No volte que eu no gritaria. Antegrito o senso do mistrio. Nem perante outro ser abria a voz Para o mistrio. * Um corpo humano! s vezes, eu olhando o prprio corpo Estremecia de terror ao v-lo Assim na realidade, to carnal. Encarnao do mistrio, to prximo Misteriosidade e transcendente Apontar-se-(me) em mim do negro e fundo Mistrio do universo. * Sinto esse frio corao eu mesmo Admirado de ser um corao, To frio est! J o sonho Porque quis fingir para mim mesmo Esquec-lo * Dilogo na Noite vestidas razes! Dor que vergonha E por vergonha de si prpria cala A si mesma o seu nexo! vil e baixa Porca animalidade do animal, Que se diz metafsica por medo A saber-se s baixa e a si d nomes De (...) horror metafsico de ti! Sentido pelo instinto, no na mente, Vil metafsica do horror da carne, Medo do amor... Entre o teu corpo e o meu desejo dele St o abismo de seres consciente; Pudesse-te eu amar sem que existisses E possuir-te sem que ali estivesses!

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Ah, que hbito recluso de pensar To desterra o animal, que ousar no ouso O que a mais vil besta do mundo vil Obra por maquinismo. Tanto fechei chave aos olhos de outros Quanto em mim instinto, que no sei Com que gestos ou modos revelar Um s instinto meu a olhos que olhem, Ser testemunhado no meu corpo E no meu natural! olhos de outrem Se fosseis cegos e tambm o tacto! Nem nudez de alma ou corpo sei haver Para outro! Ser sozinho eternamente... Ah! que to caro eu paguei o pensamento Que nada compensou! Que com tristes (...) Deus pessoal, deus gente deixa que creiam, Existe para que eu te possa odiar! Quero algum a quem possa a maldio Lanar da minha vida que morri, E no o vcuo s da noite muda Que me no ouve, e o espao sem mais nada Que, se eu cuspir para ele, deixar O que cuspi cair em mim. * ... Mas eu no ouso. horror e tortura! O transcendente horror de um ser humano! Beijar na boca uma conscincia, um ser humano! Beijar na boca uma conscincia, um ser, O mistrio encarnado em nu e slido. A nudez(...) H entre alma e alma um abismo. Saber Que me est vendo uma alma em (...), nudez E acto de amor! No a nudez da esttua, Mas a nudez viva, cheia de olhar-me At que me apavoro de pens-lo. Nem tenho gestos para saber amar, Nem alma para tirar ao mero-oco Pensar aqueles gestos, o horror Que vem de eles saberem a mistrio. * Horror! Conhecer intimamente O transcendente horror dum corpo humano!

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Sentir o mistrio doutra vida To intimamente perto... quase nosso E como que carnalizar em hrrida Intranscendncia o mistrio em si. * (after running away. (He never loves)) No sei viver! Nem fui para viver Destinado;porqu ento a vaga Aspirao que tenho?

(Antes do monlogo na treva) (...) e alucinadas pr-sensaes Impelem-me, desvairam-me, ocupam Tumultuariamente e ardentemente O doloroso vcuo do meu ser. Incapaz de pensar, apenas sinto Um atropelamento do sentir E confuses confusas, exploso De tendncias, desejos, nsias, sonhos Desatenuadamente dolorosos. * (Depois do amor na treva) Eis-me enfim s, oh desejado horror Eis-me enfim ante ti, oh Universo! Eis-me aqui, lama e (...) mistrio, Excludo de ti, o eterno expulso Que no pedia a vida. Eis-me aqui. Pudesse eu pr no seu desmedimento O dio (...) e afrontar-vos Com a expresso desse dio, oh silncios, Oh noites ao pensar! eu morreria De haver interpretado em tanto horror Um mor horror que interpretar no pode O que h-de ser palavra ou pensamento. Eis-me aqui, oh abismo explicado! Eis-me aqui o maior dos seres todos, Quebrando aos ps do pensamento forte A cruz de Cristo e as frmulas mortais [...] Eis-me aqui! O que h para mim seno vacuidade

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No mundo (...), o que me destinastes? O vazio? O silncio? A escurido? Desses-me o instinto deles, no a plena Torturao da luz. * FAUSTO: (vindo de casa [...]) isto amor? S isto! Sinto como O crebro oscilante, um gozo Mas o corao pesado, frio, e mudo. Sinto nsias, desejos Mas no com meu ser todo. Alguma cousa No ntimo meu, alguma coisa ali, Fria, pesada, muda permanece. Para isto deixei eu a vida antiga Que j bem no concebo, parecendo Vaga j. J no sinto a agonia muda e funda Mas uma menos funda e dolorosa Mas mais terrvel raiva e (...) De movimentos ntimos, desejos Que so como rancores. Um cansao violento e desmedido De existir e sentir-me aqui e um dio Nascido disto vago e horroroso A tudo e todos por no saber A causa exacta de tudo. * Seja: J que este audaz e imenso pensamento Me desliga de tudo e me faz negro Estranho e alheio existncia humana, O riso, o pranto, o amor, Visto que tudo me estranho e outro E eu isolado estou, j que no sei Onde a causa ou a essncia disto tudo, J que conheo que essa ntima essncia Foge do nosso sentimento e que eu No a posso odiar, amar, sentir-me Para com ela, Odeie o que odiar eu possa, odeie Este universo todo, de que sou Isolado, arrancado, desligado, Com que doridamente coexisto Sem o compreender nem conceber Nem amar. Suba a ele o meu dio.

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Sis, estrelas, natureza inteira Sou vosso inimigo dalma todo (...) o meu dio todo contra vs. S de o dizer sinto-me mais frio e negro Na conscincia de mim. Se ainda nutro Resto ou lembrana de alegria ou dor Renego-a e tomo sobre mim o luto Do [...] dio infin