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1. INTRODUÇÃO O conceito de qualidade de vida é relativa- mente recente e teve a sua origem nos anos 60, altura em que, a vários níveis, e não só no âmbi- to da saúde, se desenvolve o interesse por abor- dar os problemas num contexto global. No domí- nio da saúde, especialmente nas situações de do- enças crónicas, desenvolve-se uma perspectiva de avaliação holística que vai além do conceito de handicap e inclui a dimensão subjectiva da avaliação dos problemas (Bech, 1997). Contudo, o conceito de qualidade de vida é usado em contextos muito variados, nem sempre implicando a dimensão subjectiva dos problemas e nem sempre apresentando uma definição da- quilo que se pretende avaliar. Para alguns autores pode constituir uma dimensão objectiva, avalia- da por especialistas, para outros uma dimensão subjectiva, baseada na opinião do próprio (Ribei- ro, 1994). É, assim, um conceito de difícil defini- ção, podendo implicar múltiplas variáveis. Apesar de existirem vários instrumentos des- tinados à avaliação da experiência subjectiva e qualidade de vida, alguns deles já utilizados em pessoas com lesão cerebral, esses instrumentos foram criados para outro tipo de doentes, espe- cialmente no domínio da psicopatologia e não são adequados para populações com outros tipos de patologia, podendo conduzir a resultados não válidos. Por exemplo, a conhecida SCL-90 (Sym- ptom Checklist; Derogatis, 1983), escala que 219 Análise Psicológica (2001), 2 (XIX): 219-236 Avaliação da experiência subjectiva em pessoas com lesão cerebral: Adaptação para a população portuguesa do European Brain Injury Questionnaire (EBIQ) (*) MARIA EMÍLIA SANTOS (**) LILIANA DE SOUSA (***) ALEXANDRE CASTRO-CALDAS (****) (*) Este trabalho foi apoiado pelo programa PRAXIS XXI, Sub-programa Ciência e Tecnologia do 2.º Qua- dro Comunitário de Apoio, BD/9200/96. (**) Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Colabo- radora do Laboratório de Estudos de Linguagem, Centro de Estudos Egas Moniz. (***) Instituto de Ciências Biomédicas Abel Sala- zar, Universidade do Porto. (****) Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa.

Avaliação da experiência subjectiva em pessoas com ... · cialmente no domínio da psicopatologia e não ... dor caso tenha dificuldades de leitura. ... Somático 8 Dores de cabeça

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1. INTRODUÇÃO

O conceito de qualidade de vida é relativa-mente recente e teve a sua origem nos anos 60,altura em que, a vários níveis, e não só no âmbi-to da saúde, se desenvolve o interesse por abor-dar os problemas num contexto global. No domí-nio da saúde, especialmente nas situações de do-enças crónicas, desenvolve-se uma perspectivade avaliação holística que vai além do conceito

de handicap e inclui a dimensão subjectiva daavaliação dos problemas (Bech, 1997).

Contudo, o conceito de qualidade de vida éusado em contextos muito variados, nem sempreimplicando a dimensão subjectiva dos problemase nem sempre apresentando uma definição da-quilo que se pretende avaliar. Para alguns autorespode constituir uma dimensão objectiva, avalia-da por especialistas, para outros uma dimensãosubjectiva, baseada na opinião do próprio (Ribei-ro, 1994). É, assim, um conceito de difícil defini-ção, podendo implicar múltiplas variáveis.

Apesar de existirem vários instrumentos des-tinados à avaliação da experiência subjectiva equalidade de vida, alguns deles já utilizados empessoas com lesão cerebral, esses instrumentosforam criados para outro tipo de doentes, espe-cialmente no domínio da psicopatologia e nãosão adequados para populações com outros tiposde patologia, podendo conduzir a resultados nãoválidos. Por exemplo, a conhecida SCL-90 (Sym-ptom Checklist; Derogatis, 1983), escala que

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Análise Psicológica (2001), 2 (XIX): 219-236

Avaliação da experiência subjectiva empessoas com lesão cerebral: Adaptaçãopara a população portuguesa do EuropeanBrain Injury Questionnaire (EBIQ) (*)

MARIA EMÍLIA SANTOS (**)LILIANA DE SOUSA (***)

ALEXANDRE CASTRO-CALDAS (****)

(*) Este trabalho foi apoiado pelo programa PRAXISXXI, Sub-programa Ciência e Tecnologia do 2.º Qua-dro Comunitário de Apoio, BD/9200/96.

(**) Escola Superior de Saúde do Alcoitão. Colabo-radora do Laboratório de Estudos de Linguagem,Centro de Estudos Egas Moniz.

(***) Instituto de Ciências Biomédicas Abel Sala-zar, Universidade do Porto.

(****) Faculdade de Medicina, Universidade deLisboa.

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avalia a intensidade de várias queixas psicoló-gicas, utilizada em doentes com lesão cerebralconduziu a um aparente aumento da dimensãoobsessiva-compulsiva devido ao peso das ques-tões relacionadas com os problemas de atenção ede memória destes doentes (Teasdale & Caetano,1995).

Se nalguns casos têm sido utilizados instru-mentos com duvidosa validade de aplicação noâmbito da patologia cerebral, noutros, para ultra-passar esta dificuldade, são usados instrumentoscriados para o efeito pelos próprios autores, oque não deixa também de levantar questões devalidade, muitas vezes agravadas pela inexistên-cia de grupos de controlo e impossibilidade de osresultados poderem ser comparados com outrosestudos.

É neste contexto que se inscreve o EuropeanBrain Injury Questionnaire (EBIQ – Teasdale etal., 1997) cuja criação visou, no âmbito do pro-jecto ESCAPE (European Standardized Compu-tarized Assessment Procedure for the Evaluationand Rehabilitation of Brain-Damaged Patients),do programa BIOMED1 EU, a elaboração de uminstrumento que permitisse, de uma forma sim-ples, avaliar em pessoas com lesão cerebral, dediferentes etiologias, as várias dimensões quepodem afectar o seu dia-a-dia, através de auto-avaliação e também de avaliação feita pelos fa-miliares. Este questionário resultou, em parte, daadaptação de algumas questões da SLC-90 (De-rogatis, 1983) e da KAS (Katz Adjustment Sca-les; Hogarty & Katz, 1971) e também do contri-buto e experiência pessoal dos vários elementosdo grupo de trabalho criado para o efeito (Delo-che et al., 1999).

1.1. O European Brain Injury Questionnaire(EBIQ)

O questionário EBIQ, na sua versão original,é constituído por 63 questões, em duas versõesparalelas, que abrangem vários domínios doquotidiano e é preenchido pelo sujeito com lesãocerebral que faz a sua auto-avaliação e por umfamiliar próximo que faz a avaliação do doente.No final do questionário existem ainda três ques-tões suplementares que dizem respeito aos fa-miliares, relacionadas com as consequências doproblema a nível da sua vida. O doente assinala asua opinião sobre essas mudanças e o familiar

responde relativamente a si próprio. O doente(ou o familiar) poderá ser ajudado pelo observa-dor caso tenha dificuldades de leitura. Para todasas questões, as respostas deverão ser assinaladasem três categorias – «Nada», «Pouco» ou «Mui-to» –, correspondendo a 1, 2 ou 3, na respectivacotação.

O estudo original (Teasdale et al., 1997) in-cluiu 905 sujeitos com lesão cerebral de etiolo-gia variada (acidentes vasculares cerebrais etraumatismos crânio-encefálicos, na sua maiorparte), de sete países da UE e também do Brasil,e os respectivos familiares. Os doentes foram re-crutados em hospitais e centros de reabilitação.A idade destes variava entre 16-93 anos e o tem-po de evolução entre 1-278 meses, com uma me-diana de 18 meses. A amostra de controlo foiconstituída por 203 pessoas sem lesão cerebral(150 franceses e 53 brasileiros), entre 19-74anos, e pelos respectivos familiares. Contudo, acriação dos vários domínios/escalas do EBIQ foifeita anteriormente, com utilização apenas dedoentes com lesão cerebral, num total de 395 ca-sos.

A análise dos resultados dos 395 sujeitos comlesão cerebral permitiu identificar a existência deoito domínios ou escalas específicas de funcio-namento – somático, físico, cognitivo, motiva-ção, impulsividade, depressão, isolamento e co-municação – e ainda uma escala nuclear («Core»scale) que, segundo os autores pode ser usadacomo medida única para avaliar a gravidadeglobal das restrições na qualidade de vida dossujeitos (Quadro 1).

A análise feita com os 905 doentes (e familia-res) e com os 203 controlos (e familiares) mos-trou nos nove domínios um padrão consistentede referência a maiores problemas na populaçãocom lesão cerebral, sobretudo por parte dos fa-miliares, e padrões diferentes de resposta napopulação de pessoas que sofreram acidentevascular cerebral ou traumatismo crânio-encefá-lico.

Na grande maioria das respostas a cada umdos 63 itens, os autores constataram valoressignificativamente mais elevados na populaçãocom lesão cerebral do que na população de con-trolo. Os itens mais discriminativos diziam res-peito a perturbações do foro cognitivo e emocio-nal.

Os padrões de resposta dentro de cada conjun-

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to, doentes/familiares e controlos/familiares, fo-ram diferentes. Dentro do conjunto de controloregistaram-se pequenas diferenças entre a auto--avaliação e a avaliação feita pelos familiares,enquanto que no conjunto doentes/familiares asdiferenças eram marcadas, com os familiares areferirem mais problemas do que os próprios do-entes.

Nas três questões suplementares que diziamrespeito aos familiares, tanto estes como os do-entes referiram, frequentemente, mudanças navida dos familiares desde que ocorreu a lesão, aexistência de problemas e alterações do humor.No entanto, a auto-avaliação dos familiares foimais negativa do que a avaliação feita pelos do-entes.

Os autores constataram com a utilização doCronbach’s Alpha níveis que consideraram comosatisfatórios relativamente à fiabilidade, com

valores à volta ou acima de 0.5, para todos osdomínios/escalas derivados do questionário.

Nos domínios/escalas cognitivo, motivação,físico e nuclear havia um padrão idêntico maiselevado nos sujeitos com lesão cerebral, compa-rativamente com os controlos, que atingia aindaníveis mais elevados nas respostas dos familiaresdos doentes. Assim, foi sugerido que os doentespoderiam subestimar os seus problemas, apesarde terem algum insight sobre eles. Pelo contrá-rio, nos domínios somático, depressão, isolamen-to e comunicação as diferenças entre os doentese os familiares eram inferiores e em sentidooposto ao verificado no conjunto dos controlos.No grupo de controlo, os sujeitos que fizeramauto-avaliação obtiveram valores mais elevadosdo que os registados nos seus familiares, prova-velmente, como resultado do tipo de itens incluí-dos nestes domínios que reflectem aspectos in-

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QUADRO 1Domínios/escalas do EBIQ e itens representativos – versão original

Domínios/escalas Número de itens Itens representativos

Somático 8 Dores de cabeçaFalta de energia

Cognitivo 13 Dificuldade de concentraçãoDificuldade em planear actividades

Motivação 5 Falta de interesse pelos afazeres diáriosSentir-se incapaz de fazer coisas

Impulsividade 13 Sentir-se aborrecido ou irritadoReagir precipitadamente

Depressão 9 Sentir-se tristeSem esperança em relação ao futuro

Isolamento 4 Pensar só em si próprioDesconfiar das outras pessoas

Físico 6 Precisar de ajuda na higiene diáriaDificuldade nas tarefas domésticas

Comunicação 4 Dificuldade em participar nas conversasDificuldades em fazer-se entender

Nuclear 34 Sentir que tem problemas

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ternos (somático), emocionais (depressão, isola-mento) e de comunicação, podendo esta ser en-tendida no sentido lato e não como problema delinguagem. Uma possível explicação dada pelosautores para o facto de estes domínios seremmais elevados nos controlos é, de novo, a ques-tão dos doentes subestimarem os seus proble-mas.

No subgrupo de sujeitos que tinham sofridotraumatismo crânio-encefálico havia mais refe-rência a problemas cognitivos, principalmenteligados a perturbações da atenção e da memória.Nas respostas dos familiares a impulsividadeobteve também pontuações mais elevadas doque nos outros subgrupos de patologia cerebral.

Foi constatado, nos casos com mais tempo deevolução, um aumento genérico dos problemas,com excepção dos domínios físico e somático.Contudo, os autores valorizam estes resultadoscom precaução, uma vez que a população de do-entes ainda se encontrava integrada em meiohospitalar e os resultados poderão não ser repre-sentativos dos casos que já não necessitam decuidados.

A comparação dos resultados dos dois sub-grupos de controlo (franceses/brasileiros) mos-trou a existência de diferenças importantes entreeles. Os controlos brasileiros referiam, de formaconsistente, níveis mais elevados de problemas,mantendo-se as diferenças, mesmo após seremfeitos ajustamentos para a idade e a escolaridade.

Apesar dos autores concluírem que o EBIQtem fiabilidade e validade aceitáveis, podendoser usado como meio de complementar a ava-liação neuropsicológica objectiva e como forma

de recolha de dados psicossociais, referem quenão deverá ser usado noutros países sem a obten-ção de dados de controlo específicos. O presentetrabalho tem como objectivo fazer a adaptaçãodo EBIQ para a população portuguesa, tendo emconta as limitações constatadas, decorrentes devariações culturais.

2. METODOLOGIA DE RECOLHA DE DADOS

A versão em português do EBIQ, exactamenteigual à versão original, respeitou as regras de tra-dução/retroversão/tradução e as normas indica-das pelo grupo internacional de trabalho, nomea-damente quanto à clareza de construção das fra-ses e à não utilização de duplas negativas.

No estudo de adaptação realizado para o pre-sente trabalho foi utilizada uma população decontrolo constituída por 307 sujeitos, cujas ca-racterísticas relativas a sexo, idade e escolarida-de estão descritas no Quadro 2. Um questionárioidêntico, relativo a cada sujeito, foi tambémpreenchido por um familiar que com ele coabi-tasse, sendo assim constituídos 307 pares.

A população foi recrutada em diversos pontosdo país, com a ajuda, sobretudo, de estudantesdo ensino superior. Apenas foram seleccionados,como controlos, sujeitos que não tivessem so-frido qualquer tipo de lesão cerebral e sem pato-logia conducente a handicap.

Os dados dos 307 sujeitos de controlo serãotratados, em primeiro lugar, através de uma aná-lise exploratória de Componentes Principais(Principal Components; solução varimax) e, se-

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QUADRO 2Características da população (n = 307)

Sexo Homens (147) Mulheres (160)M ± DP

Idade 39.36 ± 13.74(entre 17 e 80 anos)

M ± DPEscolaridade 11.48 ± 4.21

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guidamente, através da Análise Factorial porEixos Principais (Principal Axis; solução vari-max), com utilização do programa Statistica 5.0.Seguidamente, e em função dos resultados obti-dos nesses controlos, serão analisadas as respos-tas dos 307 familiares através da análise da va-riância (ANOVA).

3. RESULTADOS

Na análise exploratória (Componentes Princi-pais), seguindo simultaneamente os critérios deavaliação de Valores Próprios (Eigenvalues) e deScree-Plot para identificação do número maisadequado de Factores, verifica-se que, no máxi-mo, deverão existir quatro Factores. Por teremuma saturação (loading) inferior a .40 foram reti-rados 12 dos 63 itens do questionário. Para os 51itens restantes foi efectuada Análise Factorialpor Eixos Principais. Nesta fase foram retiradosmais 9 itens por terem saturação inferior a .40.

Dos 21 itens retirados apenas três mostravam aexistência de diferenças significativas entre aamostra de controlo, no estudo original, e os su-jeitos com lesão cerebral (Qualquer coisa repre-senta um esforço; Esquecer-se do dia da sema-na; Esconder os sentimentos das outras pesso-as).

Assim, foram seleccionados 42 itens dos 63que constituem a versão original. Contudo, foinecessário retirar ainda outro item (Sentir-seaborrecido ou irritado), uma vez que esta ques-tão contém duas ideias que podem ser interpre-tadas de forma diferente. A utilização de mais doque uma afirmação numa mesma questão nãopode ser admitida e é considerada como erro gra-ve de construção (e.g. Meltzoff, 1998).

Após as várias fases de análise restam 41 itenscom saturação superior a .40, agrupados pelosquatro Factores identificados, correspondentes aquatro domínios/escalas (Quadro 3). A fiabilida-de de cada Factor avaliada através do Coefici-ente Cronbach Alpha mostra grande consistência

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QUADRO 3Análise Factorial dos itens do EBIQ (41 itens)

ITENS FACTOR 1 FACTOR 2 FACTOR 3 FACTOR 4Depressão Impulsividade Cognitivo/ Somático

Motivação

Sentir-se sem esperança em relação ao futuro .54Sentir-se confuso .43

Sentir-se sozinho mesmo quando está com outras pessoas .59Sentir-se triste .60

Perda de interesse por certas actividades em casa .41Sentir-se só .73

Sentir-se inferior em relação aos outros .55Sentir falta de interesse por aquilo que o rodeia .61Sentir-se inútil .65

Falta de interesse pelas distracções fora de casa .44Sentir desinteresse pela vida .65

Preferir estar só .45

Falta de interesse pelos afazeres diários .45Sentir que tem problemas .45

Reagir precipitadamente .47(continua na página seguinte)

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no Factor 1 (α = .90), no Factor 2 (α = .82) e noFactor 3 (α = .86) e uma consistência aceitávelno Factor 4 (α = .53).

A consistência interna global relativa aos 41itens é elevada (α = .93). Para cada um dos do-mínios/escalas foram encontrados os valoresmédios dos 307 sujeitos e os valores médios dos307 familiares que preencheram paralelamente oquestionário (Quadro 4). A comparação entre osdois grupos (one way ANOVA) mostra diferen-

ças significativas nas respostas, com valoresmais elevados dos controlos nos domínios De-pressão (F(1,612) = 5.31, p<.02) e Cognição//Motivação (F(1,612) = 7.02, p<.008;) mas nãonos domínios Impulsividade (F(1,612) = .59,p = .44) e Somático (F(1,612) = .12, p = .73).

O grupo dos 307 sujeitos foi subdividido emdois em função da idade (até aos 40 anos e maisde 40 anos) e do sexo, no sentido de avaliar apossível influência destas variáveis em cada do-

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(continuação da página anterior)

Ataques de mau génio .57

Mudar de disposição sem motivo .45

Sentir-se crítico em relação aos outros .47Ser «mandão» ou dominador .66

Sentimentos de raiva em relação aos outros .42Ofender-se com facilidade .43

Gritar facilmente com as pessoas quando está zangado .56Ser obstinado, teimoso .51

Desconfiar das outras pessoas .43

Provocar facilmente discussões .59

Dificuldade em fazer as coisas a tempo .48Dificuldade em lembrar-se das coisas .43

Dificuldade em participar nas conversas .56Dificuldade em planear actividades .48Ter que fazer as coisas devagar para sairem correctas .50Dificuldade de concentração .55

Dificuldade em aperceber-se do estado de espírito dos outros .53Sentir-se incapaz de fazer as coisas .45Sentir dificuldades em fazer-se entender .40Falta de energia ou sentir-se mais lento .53Deixar que sejam os outros a tomar a iniciativa nas conversas .43Dificuldade em tomar decisões .49

Perda de contacto com os amigos .46Dores de cabeça .43

Sentir desmaios ou tonturas .50

Dificuldade em dormir .42

Valores próprios 14.66 2.40 2.24 1.40% total de variância explicada 23.27 3.81 3.55 2.22Coeficiente Cronbach Alpha α = .90 α = .82 α = .86 α = .53

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QUADRO 4Valores médios gerais nos vários domínios

Domínio/escala Sujeitos Familiares(n = 307) (n = 307)

M ± DP M ± DP

Depressão 1.54* ± .41 1.47 ± .38

Impulsividade 1.70 ± .40 1.73 ± .47

Cognitivo/Motivação 1.64** ± .39 1.56 ± .36

Somático 1.54 ± .46 1.55 ± .45

* p = .02; ** p = .008

QUADRO 5Valores médios nos vários domínios em função da idade e do sexo (n = 307)

Domínio/escala Até 40 anos >40 anos Homens Mulheresn = 147 n = 159 n = 147 n = 160

M ± DP M ± DP M ± DP M ± DP

Depressão 1.55 ± .43 1.54 ± .40 1.46 ± .37 1.63* ± .43

Impulsividade 1.74 ± .38 1.68 ± .40 1.66 ± .38 1.75** ± .40

Cognitivo/Motivação 1.65 ± .39 1.64 ± .39 1.61 ± .39 1.67 ± .39

Somático 1.49 ± .41 1.59 ± .50 1.47 ± .44 1.61*** ± .47

* p = .0003; ** p = .04; *** p = .006

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mínio (Quadro 5). Não se constatam diferençassignificativas relativamente à idade (Depressão:F(1,304) = .01, p = .93; Impulsividade: F(1,304)= 1.67, p = .20; Cognitivo/Motivação: F(1,304)= .17, p = .68; Somático: F(1,304) = 3.51, p =.06 – one way ANOVA). Pelo contrário, a divi-são do grupo em função do sexo mostra diferen-ças nos domínios Depressão, Impulsividade eSomático, com respostas mais elevadas por partedas mulheres (Depressão: F(1,305) = 13.55, p =.0003; Impulsividade: F(1,305) = 4.38, p = .04;Somático: F(1,305) = 7.68, p = .006 – one wayANOVA) mas não no domínio Cognição/Moti-vação (F(1,305) = 1.93, p = .17) (Figura 1).

4. DISCUSSÃO

Nesta adaptação não foram identificados osoito domínios/escalas específicos da versãooriginal (Depressão, Isolamento, Impulsividade,Cognitivo, Motivação, Comunicação, Somáticoe Físico) mas apenas quatro, tendo dois sidoagrupados (Depressão, Impulsividade, Cogniti-vo/Motivação e Somático). Trata-se, no presentecaso, de uma adaptação feita numa população decontrolo; na versão original (Teasdale et al.,

1997) a criação dos vários domínios partiu deuma população de doentes com vários tipos delesão cerebral, muitos deles com deficiênciamotora e afasia, e com diferentes tempos de evo-lução.

O domínio/escala nuclear («Core» scale) daversão original, constituído por 34 itens que,com uma excepção (Sentir que tem problemas)integram os oito domínios específicos, segundoos autores, poderá ser usado de forma indepen-dente para avaliar a gravidade geral das restri-ções na qualidade de vida. Este domínio nuclearnão foi encontrado, tanto mais que a metodolo-gia utilizada foi diferente. Na versão originaleste item (Sentir que tem problemas) foi isoladoe, a partir dele, foram criadas as representaçõesespaciais que permitiram identificar os váriosdomínios. Na presente adaptação para uma po-pulação de controlo, o procedimento foi diferen-te, através da Análise Factorial, e este item ficouintegrado no Factor 1 (Depressão). Dos 34 itensque integram o domínio/escala nuclear 15 foramexcluídos por não terem atingido o nível de sa-turação exigido (>.40) e os restantes 19 estão in-tegrados nos quatro domínios identificados.

Assim, o EBIQ, na adaptação portuguesa parauma população de controlo, fica constituído por

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FIGURA 1Valores médios dos homens e das mulheres nos quatro domínios/escalas (n = 307)

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41 itens (Apêndices 1 e 2), distribuídos por qua-tro domínios/escalas.

Em nenhum dos domínios/escalas foi verifica-da a existência de diferenças em função da ida-de, considerados dois grupos, até aos 40 anos ecom idade superior. Não é possível comparar es-te resultado com a versão original por não ter si-do analisado.

Também não é possível comparar as diferen-ças que foram constatadas, em função do sexo.As mulheres apresentam nos domínios Depres-são, Impulsividade e Somático valores mais ele-vados, isto é, fazem uma autoavaliação mais ne-gativa do que os homens nestas áreas mas nãorelativamente ao domínio Cognitivo/Motivação.Esta constatação é interessante e deverá ser to-mada em consideração na avaliação de todos osaspectos que possam estar relacionados com aqualidade de vida das pessoas com incapacidade,o que não costuma acontecer.

De salientar ainda as diferenças entre os sujei-tos em auto-avaliação e as opiniões dos familia-res. Nos domínios/escalas Depressão e Cogniti-vo/Motivação os sujeitos consideram que têmmais problemas do que os referidos pelos seusfamiliares. Nos sujeitos com lesão cerebral tem-se verificado, pelo contrário, que são os familia-res a referir, globalmente, mais problemas (Teas-dale et al., 1997; Santos et al., 1998; Deloche etal., 2000).

Embora possa ser questionado o facto de separtir de uma população de controlo para adaptareste instrumento e não de uma população de su-jeitos com lesão cerebral, como foi feito no es-tudo original, comparando-se posteriormentecom uma amostra de controlo, há diversas razõesque apontam nesse sentido. Seria necessário re-correr a uma grande população de doentes comcaracterísticas semelhantes no que diz respeitoao tipo de patologia cerebral, o que não aconte-ceu no estudo original. Os problemas e dificulda-des sentidas pelos doentes ou avaliados na pers-pectiva dos familiares, são diferentes, por exem-plo, em sujeitos que sofreram um traumatismocrânio-encefálico ou um acidente vascular cere-bral, o que foi exactamente constatado no estudooriginal. Por outro lado, o tempo que decorreuapós a lesão, a idade e o sexo, entre outrosfactores, podem também condicionar a adapta-ção à nova situação e, assim, a avaliação da ex-periência subjectiva. O controlo de todas estas

variáveis exigiria um número elevado de doen-tes, o que se afigura de difícil obtenção numaamostra nacional.

Apesar de muitos itens terem sido retiradosapenas três deles mostravam diferenças signifi-cativas entre as respostas dos sujeitos com lesãocerebral e as respostas dos controlos, o que pa-rece indicar não ter havido uma perca importantena adaptação agora feita para a população portu-guesa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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RESUMO

A avaliação da qualidade de vida das pessoas que

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sofreram lesão cerebral tem sido um aspecto pouco ex-plorado, como resultado, nomeadamente, da falta deinstrumentos adequados, das dificuldades dos própriossujeitos fazerem a sua auto-avaliação e ainda da ine-xistência de populações de controlo. O EuropeanBrain Injury Questionnaire (EBIQ – Teasdale et al.,1997) foi criado para que, de uma forma simples, o do-ente possa fazer uma avaliação da sua experiênciasubjectiva e, simultaneamente, um familiar próximofaça também uma avaliação paralela do doente. O pre-sente trabalho constitui a adaptação do EBIQ para umapopulação de controlo portuguesa (307 pares – sujeito//elemento da família), de modo a permitir a utilizaçãodeste instrumento em diversas situações decorrentes delesão cerebral em sujeitos adultos.

Palavras-chave: Lesão cerebral, qualidade de vida,avaliação.

ABSTRACT

Life quality evaluation in people who have sufferedbrain damage has been insufficiently explored, namelyas the result of the lack of adequate instruments, thedifficulties of the subjects themselves in making self-evaluation, and the non-existence of control popula-tions. The European Brain Injury Questionnaire (EBIQ– Teasdale et al., 1997) was designed to provide a sim-ple evaluation of the subjective experience of thebrain-injured person and at the same time allowing aclose relative to complete a parallel version concerningthe patient. The present study intends to adapt theEBIQ to the Portuguese control population (307 pairs– subject/close relative) to allow the use of this instru-ment in different conditions of brain injury in adultsubjects.

Key words: Brain injury, quality of life, assessment.

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