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ISSN 0103 8117 Salvador SEI v. 16 n. 1 p. 1-164 Trimestral jun. 2006 BAHIA ANÁLISE & DADOS BAHIA ANÁLISE & DADOS

BAHIA ANÁLISE & DADOS - Principal · tos, bem como o valor agregado através desses pro-gramas, contextualizados no panorama mundial e nacional. Aproveitando a experiência adquirida

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ISSN 0103 8117

Salvador SEI v. 16 n. 1 p. 1-164 Trimestral jun. 2006

BAHIA ANÁLISE & DADOSBAHIA ANÁLISE & DADOS

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Governo do Estado da BahiaPaulo Ganem Souto

Secretaria do Planejamento – SEPLANArmando Avena

Secretaria de Ciência, Tecnologia e InovaçãoRafael Lucchesi

Superintendência de EstudosEconômicos e Sociais da Bahia

Cesar Vaz de Carvalho Junior

Coordenação de Análise ConjunturalLuiz Mário Ribeiro Vieira

BAHIA ANÁLISE & DADOS é uma publicação trimestral da Superinten-dência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia – SEI, autarquiavinculada à Secretaria do Planejamento. Divulga a produção regular dostécnicos da SEI e de colaboradores externos. As opiniões emitidas nostextos assinados são de total responsabilidade dos autores.

Esta publicação está indexada no Ulrich’s International PeriodicalsDirectory.

Conselho EditorialAndré Garcez Ghirardi, Ângela Borges, Angela Franco,

Asher Kiperstok, Carlota Gottschall, Cesar Vaz de Carvalho Junior,Edgard Porto, Edmundo Sá Barreto Figueirôa,

Eduardo Luiz Gonçalves Rios Neto, Eduardo Pereira Nunes,Fernando Cardoso Pedrão, Guaraci Adeodato A. de Souza,

Inaiá Carvalho, José Célio Silveira Andrade, José Eli da Veiga,José Ribeiro Soares Guimarães, Lino Mosquera Navarro,

Luiz Antônio Pinto de Oliveira, Luiz Filgueiras,Luiz Mário Ribeiro Vieira, Mauro Eduardo Del Grossi,

Moema José de Carvalho Augusto, Nadya Araújo Guimarães,Oswaldo Guerra, Paulo Gonzalez, Renata Proserpio,

Ricardo Carneiro, Ricardo Lima,Rita Pimentel, Tereza Lúcia Muricy de Abreu,

Vítor de Athayde Couto, Vítor de Athayde Couto Filho

Conselho Editorial Especial Temático Luiz Ricardo Matos Cavalcante, Horácio Hastenreiter,

Maria Emília Fagundes, Mauricio Carvalho Campos, Pauletti KarllienRocha, Roberto Fortuna Carneiro

EditorCelso Lopes Serpa

Coordenação EditorialFabiana Pacheco

NormalizaçãoCoordenação de Biblioteca e Documentação - COBI

FotosKeydisc Comércio e Rep. Ltda/SECTI

Revisão de LinguagemLuís Fernando Sarno

Coordenação GráficaFabiana Faria

CapaHumberto Farias

EditoraçãoDesign Sign Comunicação

Tiragem: 1.000 exemplaresAv. Luiz Viana Filho, 435, 4a Avenida CEP: 41.750-

300 Salvador – BahiaFone: (0**71) 3115-4823/3115-4704

Fax: (0**71) [email protected]

CEPO: 0110

Bahia Análise & Dados, v. 1 (1991- )Salvador: Superintendência de Estudos

Econômicos e Sociais da Bahia, 2006.v. 16n. 1TrimestralISSN 0103 8117

1. Energias alternativas. 2. Biodiesel. 3. Políticaspúblicas. I. Superintendência de Estudos Econômicose Sociais de Bahia.

CDU 620.97 (05)

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Apresentação ........................................................................................................................................................................... 5

ENERGIAS RENOVÁVEIS, BIODIESEL E POLÍTICAS PÚBLICAS

Energias renováveis: ações e perspectivas na Petrobras .................................................................................................... 9Ildo L. Sauer, Mozart S. de Queiroz, José Carlos G. Miragaya,Ricardo C. Mascarenhas, Anário R. Quintino Júnior

Políticas públicas e energias renováveis: propostas de ações de induçãoà diversificação da matriz energética na Bahia .................................................................................................................... 23

Roberto F. Carneiro, Pauletti K. Rocha

Energia solar para irrigação no Semi-árido baiano: o caso da Associação dos Produtores eHorticultores do Açude do Rio do Peixe, Capim Grosso (BA) ............................................................................................. 37

Nicia Moreira da Silva Santos

Biodiesel no Brasil: estágio atual e perspectivas ............................................................................................................... 51José Honório Accarini

Políticas públicas de fomento ao biodiesel na Bahia e no Brasil: impactos socioeconômicose ambientais com a regulamentação recente ..................................................................................................................... 65

Sidnei Silva Suerdieck

Apropriação dos recursos naturais e o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel ....................................... 79Cezar Menezes Almeida, Mônica de Moura Pires, José Adolfo de Almeida Neto, Rosenira Serpa da Cruz

Biodiesel: o combustível para o novo século ....................................................................................................................... 89Ednildo A. Torres, Hugo D. Chirinos, Carine T. Alves, Danilo C. Santos, Luis A. Camelier

Biodiesel: uma nova realidade energética no Brasil ........................................................................................................... 97Rosenira S. da Cruz, Mônica de M. Pires, José A. de Almeida, Jaênes M. Alves, Sabine Robra,Geovânia S. de Sousa, Cezar M. Almeida, Sérgio M. Soares, Geórgia S. Xavier

Viabilidade do biodiesel de dendê para a agricultura familiar ......................................................................................... 107Vitor de A. Couto, Alynson dos S. Rocha, Edna M. da Silva, Graciela P. dos Santos,Guilherme C. Martins e Souza, Leonardo M. Baptista, Maciene M. da Silva, Marcus Vinicius A. Gusmão,Paulo Henrique C e Silva, Rosana V Santos, Washington Luiz S N Dias

Avaliação econômica da cadeia de suprimentos do biodiesel: estudo de caso da dendeicultura na Bahia ................ 119Adriana Leiras, Silvio Hamacher, Luiz Felipe Scavarda

Viabilidade técnica e econômica para implantação de uma micro usinade extração de óleo de mamona ........................................................................................................................................ 133

Telma C. de Andrade, Ednildo A. Torres, Hugo B. Lemos, Gustavo B. Machado

Vantagens e desafios da cultura mamoneira na Bahia .................................................................................................... 143André S. Pomponet, Celia Regina S. Santana

GÁS NATURAL: algumas questões

Contratos e a indústria de gás natural ............................................................................................................................... 153Oswaldo Guerra

Indicadores urbanos na previsão de expansão da rede canalizada de gás natural ....................................................... 159Vanessa M. Massara, Murilo Tadeu W. Fagá, Miguel Edgar M. Udaeta

SUMÁRIO

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APRESENTAÇÃO

Aenergia configura-se como um importante insumo, base da atividade econômica e

indispensável na promoção do desenvolvimento das nações. Isto evidencia o seu

grande valor para todos os setores da economia, não somente dos países desenvol-

vidos, mas, sobretudo, para aqueles em via de desenvolvimento, nos quais as necessidades

energéticas são ainda maiores. No cenário atual, as discussões acerca do abastecimento

energético mundial apontam para uma possível escassez das fontes fósseis de energia, as

chamadas não-renováveis, levando assim os países a repensarem os seus investimentos e

estratégias futuras para o setor energético.

Nesse contexto, surgem as energias alternativas, que possuem grande capacidade e

potencial de produção, com positivos impactos ambientais, preservando e utilizando de forma

racional os recursos naturais, além de proporcionar uma maior dinamização do desenvolvi-

mento econômico e social em diversas regiões diretamente envolvidas no processo produtivo.

Vale salientar, que essas novas formas de geração de energia, mesmo tendo pequenas parti-

cipações no atual modelo energético brasileiro, significam uma mudança na orientação da

produção de energia e na matriz energética do país.

Diante disso, e tendo como objetivo aprofundar essa discussão, a nova edição da

Revista Bahia Análise & Dados, uma parceria entre a Secretaria de Ciência, Tecnologia e

Inovação- SECTI e a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia- SEI,

se propõe a aprofundar ainda mais a discussão sobre a questão energética, focando nas

energias alternativas na Bahia e no Brasil e nas políticas públicas voltadas para a produ-

ção de combustíveis via fontes alternativas, principalmente no biodiesel. Têm-se ainda

algumas considerações acerca da produção do combustível gás natural, envolvendo te-

mas políticos e econômicos. Para melhor situar os assuntos, a revista foi dividida em

duas seções, na qual a primeira vincula o biodiesel às políticas públicas e a segunda

seção discorre sobre o gás natural.

Para finalizar, destacamos a contribuição dos autores com o envio dos artigos, que foi

essencial para tornar a discussão sobre o tema mais rica com informações relevantes e

estratégicas, mostrando assim, a importância da produção de energia para o país.

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Energias renováveis,

biodiesel e políticas

públicas

Energias renováveis,

biodiesel e políticas

públicas

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 9-22, jun. 2006 9

Energias renováveis: ações eperspectivas na Petrobras

INTRODUÇÃO

O Planejamento Estratégico da PETROBRAS es-tabeleceu a diretriz de atuar como uma empresa deenergia integrada, visando a sustentabilidade de seunegócio ao mesmo tempo que atende aos padrões

Ildo Luís Sauer,* Mozart Schmitt de Queiroz,** José Carlos Gameiro Miragaya***

Ricardo Campos Mascarenhas,**** Anário Rocha Quintino Júnior*****

* Doutor em Engenharia Nuclear pelo Massachusetts Institute ofTechnology, MIT; Diretor da área de Gás e Energia, Petróleo BrasileiroS.A. – PETROBRAS; Professor Titular de Energia do Programa Inter-Unidades de Pós-Graduação em Energia, Universidade de São Paulo– IEE/USP.

** MBA em Economia e Gestão de Energia pela Universidade Federaldo Rio de Janeiro, COPPEAD/UFRJ; Gerente Executivo de Desenvol-vimento Energético, Petróleo Brasileiro S.A. – [email protected]

Abstract

This paper presents PETROBRAS initiatives in therenewable energies market, which began during the seventiessupported by PROÁLCOOL, a Brazilian governmental programthat introduced sugarcane ethanol as a vehicular fuel in Brazil.Throughout these thirty years, the Company has boosted itsactions and diversified its business areas in fields such asbiofuels, and heat and power generation from renewablesources, such as wind power, solar, biomass and hydropower.

Thus, PETROBRAS contributes with the national energysupply, also helping to structure strategic, social and environmentalsectors, cooperating with the planet's sustainabílity.

Key words: biofuels, biodiesel, ethanol, renewable energy,sustainability

Resumo

Neste artigo, apresentamos as iniciativas da PETROBRASno mercado de energias renováveis, que remontam à década de70 com o apoio ao PROÁLCOOL. Ao longo desses trinta anos, aempresa multiplicou suas ações e diversificou as áreas de ne-gócios, incluindo agora a produção de biodiesel e a geração deenergia elétrica e térmica a partir de fontes renováveis, taiscomo, a energia eólica, solar, biomassa e hidráulica.

Assim, a PETROBRAS atua no suprimento energético dopaís e contribui para a estruturação dos setores estratégi-cos, sociais e ambientais, colaborando com a sustentabilida-de do planeta.

Palavras-chave: biocombustíveis, biodiesel, álcool, energia re-novável, sustentabilidade.

*** Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Riode janeiro, COPPE/UFRJ; Gerente de Biocombustíveis, Petróleo Brasilei-ro S.A. – PETROBRAS. [email protected]

**** MBA em Economia e Gestão de Energia pela Universidade Federal do Riode Janeiro, COPPEAD/UFRJ; Gerente de Energia de Fontes Renováveis,Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS. [email protected]

***** Especialista em Energia Eólica pelo Instituto de Energia Eólica Ale-mão – DEWI, Alemanha; Coordenador de Energia de Fontes Renováveis,Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS. [email protected]

internacionais de responsabilidade social e ambien-tal e às políticas de mitigação das mudanças climáti-cas. Dentro desse contexto, diversas ações têm sidotomadas pela companhia, em especial, na área deenergias renováveis.

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ENERGIAS RENOV¡VEIS: A«’ES E PERSPECTIVAS NA PETROBRAS

Uma das primeiras iniciativas da PETROBRASnessa direção foi a instalação, no final de 2003, daUsina Eólica Piloto de Macau, no Rio Grande do Nor-te. Outra iniciativa foi a criação, ainda em 2003, dedois grupos de trabalho com o objetivo de analisar asperspectivas de atuação nos negócios de álcoolcombustível e do biodiesel. Esses estudos (PETRO-BRAS, 2004) deram sustentação para novas políti-cas e estratégias recentemente empreendidas.

Hoje, diversas áreas da empresa vêm trabalhan-do no sentido de criar condições de aproveitamen-to para esse potencial energético renovável e me-nos poluente, alavancando o setor e o país na bus-ca de soluções globais para o desenvolvimentosustentável.

Nos anos 70, a empresa apoiou o Programa Naci-onal do Álcool – PROÁLCOOL, o que contribuiu parao sucesso de seu uso na matriz energética brasileira.Considerando essa experiência em biocombustíveis,a companhia estabeleceu um programa para instala-ção de usinas que possam produzir 855 mil m3/anode biodiesel em 2011.

Além da atuação em biocombustíveis, a PE-TROBRAS vem investindo na geração de energiaelétrica a partir de fontes renováveis, instalandounidades que utilizam especialmente o vento e osol, buscando viabilizar empreendimentos nestasáreas, como também empregando a biomassa erecursos hídricos em pequenas centrais hidrelétri-cas (PCH). Sua meta é alcançar, até 2011, umacapacidade instalada para produzir 240 MW atra-vés de fontes renováveis.

No presente texto, serão apresentadas as açõesque vêm sendo desenvolvidas em biocombustíveis,álcool e biodiesel pela PETROBRAS e os benefíciosprovenientes da produção e utilização desses produ-tos, bem como o valor agregado através desses pro-gramas, contextualizados no panorama mundial enacional. Aproveitando a experiência adquirida com oPROÁLCOOL, será feita uma análise crítica das pos-sibilidades de desenvolvimento do programa de biodi-esel da PETROBRAS.

No momento seguinte, será apresentado um bre-ve resumo da atuação da empresa nas áreas de ener-gia eólica, solar fotovoltaica, termossolar, biomassae hidráulica nas chamadas PCH’s (Pequenas Cen-trais Hidrelétricas).

BIOCOMBUSTÍVEIS: ações e perspectivas

A demanda mundial por combustíveis renováveistem se expandido de forma rápida nos últimos anos edeverá acelerar ainda mais em um futuro próximo.Isso se deve à combinação de diversos fatores:• necessidade de redução da dependência de deri-

vados de petróleo nas matrizes energéticas naci-onais e mundiais;

• incentivo à agricultura e às indústrias locais;• desenvolvimento de estratégias para a redução e/

ou limitação do volume de emissões de gasescausadores do efeito estufa até 2012, conformeacordado pelo Protocolo de Quioto.

Álcool combustível

A utilização do álcool anidro como combustível éconhecida no Brasil desde 1925. Os choques do pe-tróleo ocorridos na década de 70, quando os preçosinternacionais do produto foram significativamenteelevados, tornaram premente a necessidade de en-contrar fontes de energia alternativas ao petróleo,uma vez que cerca de 80% do petróleo consumido noBrasil era importado. Em 1975, o governo lançou oPROÁLCOOL através do Decreto nº 76.593/75. Oobjetivo era produzir álcool combustível, reduzindo aimportação de petróleo.

Em um primeiro momento, esse programa fomen-tou a produção de álcool anidro para ser misturado àgasolina. Posteriormente, em 1979, iniciou-se a pro-dução de álcool hidratado para ser utilizado em subs-tituição à gasolina, em automóveis que passariam aser produzidos, aumentando o alcance do PROÁL-COOL. Ao mesmo tempo, a BR Distribuidora, subsi-diária da PETROBRAS, lançava no mercado o pri-meiro lubrificante para motores a álcool.

Uma importante iniciativa foi a instalação, aindano ano de 1979, de bombas para abastecimento deálcool nos postos de bandeira BR e de centros cole-tores de álcool estrategicamente localizados junto àszonas produtoras no Centro-Sul do país. Esses cen-tros contavam com tanques especialmente projeta-dos para estocagem de álcool combustível. Em pou-co tempo, a companhia dispunha de capacidade paratancagem de álcool superior a 1 bilhão de litros.

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ILDO LUÍS SAUER et al.

Os anos 90 trouxeram à agenda internacional arelevância da questão ambiental. A Conferência dasNações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvi-mento, realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992,foi um marco decisivo para a formalização de acordosinternacionais que objetivavam pro-mover a sustentabilidade do de-senvolvimento global. Em 2005,após 13 anos de muitas negocia-ções, entra em vigor o Protocolode Quioto. Com isso, as energiasrenováveis, incluindo os biocom-bustíveis, ganharam força comomeio para a redução de emissõesde gases que contribuem para oefeito estufa. Desde então, diver-sos países e investidores dos maisdiferentes segmentos têm mani-festado interesse na utilização ena produção do álcool combustí-vel, anunciando políticas para a in-clusão desse produto em suas matrizes energéticas.Como o Brasil é o maior produtor mundial de álcool,passou a ser visto como uma das potências energéti-cas do futuro e foco de grande parte desses investi-mentos.

A introdução dos veículos “flex-fuel”, em 2003,trouxe outra dinâmica ao setor e uma nova forma derelacionamento entre produtores e consumidores deálcool, ampliando ainda mais a penetração e a impor-tância do álcool combustível no Brasil.

Atualmente, nosso país produz 16 bilhões de li-tros de álcool a cada ano em mais de 300 unidadesprodutivas (INFORMAÇÃO UNICA, 2006). Dessetotal, aproximadamente 2,5 bilhões de litros sãodestinados ao mercado internacional. Novos inves-timentos são anunciados a cada dia e a expectati-va é que a produção possa dobrar em um espaçode dez anos.

Biodiesel

Biodiesel é a denominação genérica para com-bustíveis produzidos a partir de óleos e gorduras ve-getais e animais, que podem ser utilizados comosubstituto ou adicionado ao óleo diesel mineral deri-

O Brasil apresenta ótimas condições para se tor-nar um dos maiores produtores de biodiesel do mun-do não só porque dispõe de solo e clima adequadosao cultivo de várias oleaginosas, mas também porquepossui o segundo maior rebanho comercial de bovi-nos do mundo. A gordura animal ou sebo é uma exce-lente matéria-prima para biodiesel, já que seu apro-

vado do petróleo. Como o biodiesel é isento de com-postos de enxofre e de aromáticos e contém aproxi-madamente 11% de oxigênio em peso, seu uso,mesmo que apenas em adição ao óleo mineral, con-tribui na redução de emissões de gases poluentes e

de materiais particulados e poliaro-máticos.

A redução das emissões deCO

2 decorre da substituição de um

combustível fóssil, o diesel mine-ral, por um renovável, o biodiesel.Isto poderá proporcionar a obten-ção de créditos de carbono, sob oMecanismo de DesenvolvimentoLimpo (MDL), no âmbito do Proto-colo de Quioto.

Diversas oleaginosas podemser usadas na fabricação do biodie-sel, além de outras matérias-pri-mas, como a gordura animal ousebo, óleo de fritura, algas e mes-

mo esgoto doméstico. As principais plantas oleagino-sas e suas características são mostradas na Tabela 1.

Atualmente, nosso paísproduz 16 bilhões de litros

de álcool a cada ano emmais de 300 unidades

produtivas. Desse total,aproximadamente 2,5bilhões de litros são

destinados ao mercadointernacional. Novos

investimentos sãoanunciados a cada dia e a

expectativa é que aprodução possa dobrar em

um espaço de dez anos

Tabela 1Potencialidade das plantas oleaginosasbrasileiras

Fonte: CONAB (Abril/2004)

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ENERGIAS RENOV¡VEIS: A«’ES E PERSPECTIVAS NA PETROBRAS

veitamento é praticamente total. O Brasil produzhoje, aproximadamente, 900.000 t/ano de sebo, ha-vendo assim um grande potencial para a produção deóleo utilizando esta matéria-prima.

O biodiesel começou a ser utilizado na Europaem decorrência dos choques do petróleo dos anos70. A Áustria iniciou a produção comercial de biodie-sel a partir da década de 80, mas este novo combus-tível ganhou impulso apenas em 1992, quando, emconseqüência das rodadas de ne-gociações da Organização Mundialdo Comércio – OMC, ocorreu umamudança na Política Agrícola Co-mum da União Européia. Foi estabe-lecido um programa em que os pro-dutores seriam obrigados, em trocade compensação financeira, a reser-var uma parte de suas terras cultivá-veis para produção do biodiesel.

Em maio de 2003 foi aprovadauma diretiva do Parlamento Euro-peu – Diretiva 2003/30/EC – Conse-lho de 08/05/2003 – recomendandoa adoção, por parte dos paísesmembros, de leis que garantam umconsumo mínimo de 2% de biocom-bustíveis para transportes a partirde 31 de dezembro de 2005. Esseconsumo mínimo geraria uma de-manda potencial de 5 milhões de t/ano. Está previsto um percentual de 5,75% para de-zembro de 2010 e de até 20% para 2020.

Como parte do incentivo à ampliação da produ-ção de biocombustíveis, a União Européia estipulou,em junho de 2003, o pagamento de 45 euros porhectare cultivado, valor pago a título de crédito decarbono aos fazendeiros que produzam grãos parauso não-alimentício.

Em outubro de 2003 foi aprovada outra diretiva –Diretiva 2003/96/EC – Conselho de 27/10/2003 – re-comendando a adoção de políticas de redução ouisenção fiscal para todos os biocombustíveis pelospaíses membros. Essas políticas fariam parte de pro-gramas locais de incentivo ao uso de biocombustí-veis e se estenderiam por seis anos, a contar de 1°de janeiro de 2004, podendo ser prorrogados a crité-rio de cada país até 31 de dezembro de 2012.

No Brasil, foi criado em 2004, o Programa Brasi-leiro de Biodiesel com o objetivo de viabilizar a utiliza-ção deste biocombustível, envolvendo aspectos denatureza social, estratégica, econômica e ambiental.Esse conjunto de políticas públicas pode contribuir,favoravelmente, para o equacionamento de questõesfundamentais do país, como geração de emprego erenda com inclusão social e diminuição das dispari-dades regionais de desenvolvimento, além de reduziremissões de poluentes.

O marco regulatório que autoriza o uso comercialdo biodiesel no Brasil considera a diversidade de ole-aginosas disponíveis no país, a garantia do suprimen-to e da qualidade, a competitividade frente aos de-mais combustíveis e uma política de inclusão social.

Em 06 de dezembro de 2004, o presidente daRepública Luiz Inácio Lula da Silva assinou o Decre-

O Gráfico 1 mostra a capacidade de produção debiodiesel no mercado europeu a partir do ano de 2002até 2005, e traz também as metas a serem alcança-das até 2010. Verifica-se que a meta estabelecidapara 2005 não chegou a ser atingida, o que ressalta asdificuldades que existem para uma mudança de talporte numa cultura energética baseada no petróleopara fontes renováveis, mesmo com todos os ganhosambientais e de sustentabilidade daí advindos.

Gráfico 1Capacidade de produção de biodiesel e metas nomercado europeu

Fonte: Verband Deutsher Biodieselhersteller e. V. Am Weidendamm

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 9-22, jun. 2006 13

ILDO LUÍS SAUER et al.

O Brasil apresentaótimas condições para

se tornar um dosmaiores produtores debiodiesel do mundo não

só porque dispõe de soloe clima adequados ao

cultivo de váriasoleaginosas, mas

também porque possui osegundo maior rebanho

comercial de bovinosdo mundo

to nº 5.297, que dispõe sobre os coeficientes de re-dução das alíquotas da contribuição para o PIS/PA-SEP e da COFINS incidentes na produção e na co-mercialização de biodiesel. Esse decreto instituitambém o selo “Combustível Social”, concedido aoprodutor que adquirir matéria-primade agricultores familiares enqua-drados no Programa Nacional deFortalecimento da Agricultura Fa-miliar – PRONAF, promovendo, as-sim, a inclusão social.

Objetivando a introdução do bi-odiesel na matriz energética bra-sileira, o governo federal determi-nou através da Lei nº 11.097, de13.01.2005, a mistura opcional de2% de biodiesel ao diesel de pe-tróleo, gerando a mistura B2. Apartir de 2008, essa mistura seráobrigatória e a partir de 2013 opercentual será de 5%, resultando na mistura B5.Para atender essa determinação serão necessári-os 900 milhões de litros de biodiesel em 2008 e 2,5bilhões de litros em 2013.

Um dos mais importantes benefícios do Progra-ma Brasileiro de Biodiesel é ageração de empregos, principal-mente na agricultura. Para isso,foi criado o incentivo para o usode matérias-primas produzidaspela agricultura familiar. Entre-tanto, dependendo da plantaoleaginosa utilizada, o nível demecanização praticado na agri-cultura varia muito, assim comoo número de trabalhadores ne-cessários. Mamona e dendê sãoexemplos de plantas oleagino-sas cuja produção é intensivaem mão-de-obra. A soja, por ou-tro lado, é uma cultura com umalto nível de mecanização e,portanto, de menor impacto na geração de empre-gos no campo.

A inserção da PETROBRAS no Programa Brasilei-ro de Biodiesel deu-se, inicialmente, no âmbito tecno-lógico através de seu Centro de Pesquisas –

CENPES, que desenvolveu processos de produção debiodiesel direcionados para a utilização de matérias-primas produzidas no Brasil, como a mamona, ofere-cendo uma diferenciação em relação aos processosclássicos europeus, além de viabilizar economica-

mente a produção industrial de bio-diesel. Os dois principais processosdesenvolvidos podem ser denomina-dos Rota Grão e Rota Óleo.

No primeiro caso, o biodiesel éobtido diretamente dos grãos daplanta oleaginosa utilizando eta-nol, que funciona não só como ál-cool esterificante como tambémextrator do óleo. Esse processoelimina algumas etapas como aextração e refino do óleo vegetal,além de empregar uma matéria-pri-ma brasileira, o etanol, diferente-mente do processo empregado na

Europa, que utiliza o metanol ou álcool de madeira.Em maio de 2006, a PETROBRAS inaugurou uma

planta experimental em Guamaré, Rio Grande doNorte, com o objetivo de comprovar, em escala semi-industrial, a viabilidade da Rota Grão (Figura 1).

Figura 1Unidade experimental de biodiesel da Petrobras – rota grão

Fonte: PETROBRAS, 2006

Uma outra unidade experimental de produção debiodiesel foi projetada para consolidar a tecnologiadesenvolvida pela PETROBRAS, que utiliza óleos ve-getais (Rota Óleo). Essa unidade, também localiza-da em Guamaré, pode operar com qualquer tipo de

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ENERGIAS RENOV¡VEIS: A«’ES E PERSPECTIVAS NA PETROBRAS

óleo neutralizado e líquido em temperatura ambiente,como óleo de mamona, soja, algodão e girassol, eemprega a transesterificação alcalina com etanol oumetanol (Figura 2).

Os processos de produção do biodiesel geramoutros produtos que são representativos em termosde volume e valor, podendo ser importantes para via-bilizar economicamente o programa.

A glicerina é o principal co-produto, comum a to-das as rotas de produção de biodiesel, independente-mente da planta oleaginosa e do álcool utilizado. Asimples implantação da mistura B5 no Brasil implica-rá em um aumento de 200.000 t/ano na produção deglicerina, o que representa, aproximadamente, umterço do consumo mundial atual.

Embora possa ocorrer uma redução do preço daglicerina no mercado, a oferta a preços substancial-mente mais baixos poderá viabilizar novas oportuni-dades de aplicação deste co-produto.

A extração do óleo do grão de mamona deixacomo resíduo a torta composta pela casca e pelapolpa. A casca é utilizada como fertilizante por suariqueza em nitrogênio, além da sua propriedade decontrolar nematóides no solo – pequenos organis-mos que atacam raízes e plantas.

No entanto, a polpa da mamona não pode ser uti-lizada diretamente como ração para animais devido àpresença de substâncias tóxicas, entre elas a prote-ína ricina. A desintoxicação da polpa pode torná-la

um produto de alto valor comercial. Tendo em vistaessa possibilidade, está sendo desenvolvido pelaPETROBRAS e pela UFRJ um estudo de rota de pro-dução de etanol a partir da torta da mamona, que adi-

cionalmente permite uma sensível re-dução na sua toxidade de, aproxima-damente, 99%. Esses estudos estãoapresentando um potencial de produ-ção de 200 litros de etanol a partir deuma tonelada de torta.

As três primeiras plantas industriaispara produção de biodiesel da PETRO-BRAS, cada uma com capacidadepara 50 mil toneladas por ano, serãoinstaladas em Candeias, na Bahia, emMontes Claros, no norte de Minas Ge-rais, e em Quixadá, no Ceará. Deverãoaproveitar a oferta local de oleaginosascomo mamona, algodão e soja, alémdo sebo bovino; na planta da Bahiatambém será utilizado o dendê.

A entrada em operação dessasunidades está prevista para o último trimestre de2007. Atendendo aos critérios para obtenção doselo “Combustível Social”, 50% da matéria-primautilizada nas plantas serão provenientes da agricul-tura familiar. Estima-se com isso a geração de ren-da para cerca de 70 mil famílias de pequenos agri-cultores. Apenas para a Usina de Biodiesel de Can-deias, haverá a geração de renda para aproximada-mente 20 mil famílias no campo.

GERAÇÃO DE ENERGIA A PARTIR DE FONTESRENOVÁVEIS

Energia eólica

A energia eólica é uma fonte de energia limpa erenovável resultante do aproveitamento da movimen-tação das massas de ar. Vem sendo mundialmenteutilizada para o fornecimento de energia em larga es-cala, diretamente conectada à rede elétrica.

Os principais países que têm investido nessaárea são Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Ín-dia e Dinamarca. É um mercado que se mantém emforte expansão. Em 2005, foram instalados 11.407

Figura 2Unidade experimental de biodiesel da Petrobras – rota óleo

Fonte: PETROBRAS, 2006

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MW de energia eólica em todo o mundo, alcançan-do um total de 59.264 MW (BTM, 2006). O Institutode Energia Eólica da Alemanha – DEWI prevê queem 2014 sejam atingidos 210.000 MW instalados(MOLLY, 2006).

Dentro da perspectiva mundial de preservaçãoambiental e sustentabilidade, essa fonte de energiaganha relevância, entre outros fatores, porque não hánecessidade de transferência da população local,pois as terras a serem ocupadas pelos parques eóli-cos continuarão sendo utilizadas para outros fins(agricultura, pecuária ou indústria) (Figura 3).

O potencial eólico brasileiro é estimado em143 GW, segundo o Atlas Brasileiro de EnergiaEólica, elaborado pela ELETROBRAS-CEPEL(CEPEL, 2001), totalizando 272 TWh/ano. Comoo montante de energia elétrica consumido no Bra-sil em 2005 foi de 335,4 TWh (EPE, 2006), a ener-gia eólica poderia suprir algo em torno de 81% dademanda nacional.

A necessidade de viabilizar o suprimento deenergia através de fontes renováveis levou o gover-no federal brasileiro a lançar o Programa de Incen-tivo a Fontes Alternativas – PROINFA, regulamen-tado pelo Decreto nº 5.025, de 30 de março de2004, que prevê a contratação de 1.453 MW emenergia eólica para entrada em operação até de-zembro de 2007.

Além dos fatores naturais, o Brasil possui condi-ções adequadas para fabricação de aerogeradores ede equipamentos complementares. Contamos comuma fábrica de aerogeradores, a Wobben Wind Po-wer, e uma de pás para aerogeradores, a Tecsis. Atépouco tempo esses fabricantes tinham seus merca-dos limitados à exportação. Considera-se, ainda, apossibilidade estratégica do país vir a tornar-se for-necedor representativo desses equipamentos.

Apesar das políticas de incentivo, o Brasil enfren-ta o empecilho de um alto custo da geração eólica,pois os melhores sítios se encontram a grande dis-tância das subestações, acarretando encarecimentodas conexões.

O crescimento da demanda mundial por aerogera-dores elevou o preço dos equipamentos em vários pa-íses. Como o país conta com apenas uma fábrica deaerogeradores, a exigência do PROINFA, determi-nando 60% de conteúdo nacional em valor nos seusprojetos, amplificou essa tendência geral de elevaçãode preços.

Em 2003, o custo médio para a instalação de umaerogerador no Brasil era da ordem de US$ 1.100,00por kW instalado, enquanto na Europa, era de cercade US$ 900,00. Atualmente, esse valor chega a atin-gir US$ 1.400,00 por kW instalado na Europa e apro-ximadamente US$ 2.000,00 por kW no Brasil.

Apesar do aumento de preços dos aerogeradores,o valor de compra da energia eólica pelo PROINFAfaz com que alguns projetos sejam economicamenteatrativos. O preço para energia elétrica gerada por

Figura 3Usina eólica piloto de Macau, instalada nomeio do campo de produção de petróleo deMacau, Serra e Aratum

Fonte: PETROBRAS, 2006

Além disso, a energia eólica contribui para a redu-ção da emissão de gases causadores do efeito estu-fa. Cada MWh gerado a partir dessa fonte evita aemissão de cerca de 74,5 kg de CO

2, no caso da

energia ser entregue no Sistema Interligado Nacional– Região Nordeste, e até 900 kg de CO

2, no caso da

energia eólica substituir a energia fornecida por umgrupo gerador diesel. Essas reduções de emissõespodem ser convertidas em créditos de carbono acor-dados pelo Protocolo de Quioto.

O Brasil oferece excelentes sítios para instalaçãode parques eólicos, sendo que as melhores áreas seencontram ao longo da costa. Existem, ainda, algunsbons sítios em áreas elevadas no interior dos esta-dos da Bahia, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarinae Rio Grande do Sul.

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ENERGIAS RENOV¡VEIS: A«’ES E PERSPECTIVAS NA PETROBRAS

fonte eólica foi fixado entre R$180,18 e R$204,35 porMWh, dependendo do fator de capacidade do parqueeólico. Esses valores serão corrigidos pelo IGPM,conforme a Portaria nº 45, de 30 de março de 2004/MME, sendo março de 2004 a data de referência parareajuste dos valores.

A PETROBRAS inaugurou, emjaneiro de 2004, sua primeira unida-de de geração de energia eólica: aUsina Eólica Piloto de Macau, RioGrande do Norte (Figuras 3 e 4),instalada no campo de produção depetróleo de Serra. A potência insta-lada é de 1,8 MW, composta portrês aerogeradores de 600 kWcada, totalizando um investimentoaproximado de R$ 6,8 milhões.

Atualmente, além de desenvol-ver seus próprios projetos, a PETROBRAS vem estu-dando parcerias e aquisições de projetos incluídosno PROINFA.

Com a entrada em operação da usina eólica deOsório, localizada no Rio Grande do Sul, com po-tência de 50 MW, e da usina eólica de Rio do Fogo,no Rio Grande do Norte, com potência de 49,3MW, as usinas eólicas brasileiras totalizaram, emagosto de 2006, uma capacidade instalada de127,6 MW.

Até o final do ano entrarão em operação as usinaseólicas de Sangradouro e dos Índios, ambas localiza-

As três primeiras plantasindustriais para produção

de biodiesel daPETROBRAS, cada umacom capacidade para 50mil toneladas por ano,serão instaladas em

Candeias, na Bahia, emMontes Claros, no nortede Minas Gerais, e em

Quixadá, no Ceará

das no Rio Grande do Sul, com potência total de 100MW, e de Água Doce, em Santa Catarina, com po-tência de 9 MW, totalizando assim a geração de236,6 MW em todo país.

Energia solar fotovoltaica

A transformação da energia so-lar em eletricidade se dá por meiode células fotovoltaicas, baseadasem um conhecimento que remontaao século XIX. O efeito fotovoltaico,conversão da radiação solar emeletricidade, foi relatado pelo físicofrancês Edmond Becquerel em1839. Em 1876 foi obtido o primeirodispositivo a base de selênio. No

entanto, o primeiro dispositivo viável foi desenvolvidoem 1953, nos Laboratórios Bell, nos EUA, em umsubstrato de silício.

Essa tecnologia ficou restrita à aplicação aeroes-pacial até o princípio da década de 1970, quando, coma primeira crise do petróleo, teve início uma investiga-ção mais apurada para sua aplicação. Uma das alter-nativas propostas foi o desenvolvimento de células emsilício policristalino, objetivando a redução do custo e,por sua vez, a viabilização econômica da tecnologia.Esse avanço não era ainda suficiente para impulsionaros investimentos em células desse tipo, mas estimu-lou a permanência de alguns grupos de pesquisa nes-sa área.

Nesse período, o maior interesse estava voltadopara o silício monocristalino, o silício amorfo e outrosmateriais semicondutores. Somente em 1990, com oanúncio de um resultado de célula em escala labora-torial com eficiência de conversão de 35% (em áreasde 5 mm2), é que a tecnologia de fabricação de célu-las em silício policristalino tornou-se interessante.Conseqüentemente, houve uma retomada de investi-mentos em pesquisa para a obtenção de silício poli-cristalino de baixo custo.

Apesar de a energia solar ser a mais abundanteentre as fontes renováveis, ainda tem os custos porkW instalado mais elevados, em especial em decor-rência do oneroso processo de fabricação de painéisfotovoltaicos. Nesse processo, a melhoria da qualida-

Figura 4Usina eólica piloto de Macau – Rio Grande doNorte

Fonte: PETROBRAS, 2004

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ILDO LUÍS SAUER et al.

de do material utilizado, no caso o silício, e o barate-amento dos equipamentos são os maiores desafiosa serem superados para uma utilização mais ampladessa fonte de energia inesgotável na escala da vidano nosso planeta.

Mesmo assim, esse é um mercado em franca ex-pansão, que cresceu 57,5% no ano de 2005, quandoforam instalados 1.460 MW em energia solar fotovol-taica no mundo. A maior parte desses empreendi-mentos encontra-se na Alemanha e no Japão, que,juntos, totalizam 77% do potencial instalado. Na Ta-bela 2 é apresentada a distribuição do mercado mun-dial de energia solar fotovoltaica.

Nos últimos 10 anos, a indústria fotovoltaica temcrescido significativamente em decorrência de pro-gramas governamentais de incentivo ao uso de siste-mas fotovoltaicos residenciais conectados à redeelétrica (Gráfico 2).

Figura 5Telhas de placa solar fotovoltaica

Fonte: RÜTHER: 2006.

Tabela 2Capacidade instalada de painéis fotovoltaicosno mundo, em 2005

Fonte: SOLARBUZZ, 2006

Até 1997, o silício empregado na produção de célu-las solares policristalinas era proveniente do rejeito daindústria de microeletrônica. Considerando as diferen-ças de exigências da especificação do silício para apli-cação em microeletrônica e para a área fotovoltaica,além dos custos envolvidos no processo, surgiu umespecial interesse na busca de rotas mais econômi-cas para a produção de silício grau solar. Por isso, nosúltimos cinco anos, importantes investimentos nessatecnologia começaram a ser feitos, em grande parteimpulsionados pela subida dos preços do petróleo.

Atualmente, está em crescimento a utilização decélulas fotovoltaicas de filme fino, feitas principal-mente de silício amorfo hidrogenado. Essa tecnolo-gia, quando comparada com as outras existentes nomercado, consome pouca matéria-prima e energia,pois utiliza processos automatizados que barateiama produção em larga escala. Outro fator importantepara o aumento desse mercado é que, por ser leve emuito fino, o módulo fotovoltaico possui boa aparên-cia, como mostra a Figura 5 .

Gráfico 2Crescimento da produção mundial de painéisfotovoltaicos

A demanda pelo silício de grau solar tem aumen-tado muito rapidamente, sendo estimado um cresci-mento médio de 25% ao ano para os próximos dezanos. O consumo de silício policristalino e a projeçãode demanda para 2010 estão apresentados na Tabela3, já levando em conta o aumento para 12% da parti-cipação no mercado das tecnologias fotovoltaicas defilmes finos e não-convencionais.

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ENERGIAS RENOV¡VEIS: A«’ES E PERSPECTIVAS NA PETROBRAS

Apesar do aumento de escala da indústria, ospreços dos módulos fotovoltaicos têm aumentado apartir de 2003. Esse fenômeno é decorrente da cres-cente demanda por silício purificado e pelo aumento,em menor ritmo, da oferta. (Figura 6)

baterias com oito baterias de 105 Ah, 12 volts, con-figuradas para fornecer 24 volts e 420 Ah. A capaci-dade de bombeamento é de 0,7 m3/dia de petróleoe houve uma redução de potência consumida de 3HP para 1 HP. O investimento nesse sistema foi daordem de 150 mil reais.

Energia termossolar

A energia solar é a fonte primordial de energiado planeta, uma vez que todas as formas de ener-gia existentes são originadas da ação de radiaçãosolar sobre a Terra. Essa radiação, que incide so-bre a superfície do planeta, é cerca de 10.000 ve-zes superior à demanda bruta de energia atual dahumanidade.

A energia solar para a geração térmica é uma tec-nologia limpa, ainda pouco explorada no Brasil ape-sar do seu grande potencial. Quase todas as fontesde energia – hidráulica, biomassa, eólica, combustí-veis fósseis e energia dos oceanos – são formas indi-retas de energia solar. Além disso, a radiação solarpode ser utilizada diretamente como fonte de energiatérmica, para aquecimento de fluídos e ambientes epara geração de potência mecânica ou elétrica.

O Brasil possui um ótimo índice de radiação solar,principalmente na região Nordeste. No Semi-árido es-tão os melhores índices, com valores típicos de 1.752 a2.190 kWh/m² por ano de radiação incidente. Isso posi-ciona o local entre as regiões do mundo com maior po-tencial de energia solar. Essas especificidades, comoclima quente e alto índice de insolação ao longo do ano,compõem um quadro altamente favorável ao aproveita-mento em larga escala da energia solar. A maioria dasaplicações dos sistemas termossolares é para forneci-mento de água quente para banho e cozinha em resi-dências, hotéis e instalações hospitalares e industriais,bem como para aquecimento de piscinas.

As ações da PETROBRAS na área termossolar,inicialmente, focaram nos sistemas de aquecimentode água de restaurantes e vestiários de unidades in-dustriais, antes alimentados por energia elétrica oupor gás, mas que agora estão operando utilizandoenergia termossolar. Na Tabela 4 apresentamos osprojetos termossolares já instalados e os em implan-tação nas unidades industriais da PETROBRAS.

Tabela 3Previsão do mercado mundial de painéisfotovoltaicos em 2010

Fonte: Previsões da Associação Européia da Indústria Fotovoltaica – EPIA

*Preços de 2003

A PETROBRAS possui cerca de 100 kW insta-lados em painéis fotovoltaicos de baixa potência –até 3kW – para diversas finalidades: proteção cató-dica para dutos enterrados, suprimento de energiaelétrica para instrumentação, controle e sinaliza-ção de pequenas plataformas de petróleo. Merecedestaque a unidade piloto de bombeio de petróleoacionado por painéis fotovoltaicos, instalada emMossoró, Rio Grande do Norte. O sistema foi inau-gurado em janeiro de 2004 e conta com doze mó-dulos de 64 Wp, totalizando 768 Wp, um banco de

Figura 6Evolução dos preços de módulos fotovoltaicos

Fonte: SOLARBUZZ, 2006

Solarbuzz European and US All Solar ModuleRetail Price Index

Europe (Euro/Watt peak)

United States ($/Watt peak)

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ILDO LUÍS SAUER et al.

Nas Figuras 7 e 8, apresentamos fotos de alguns dossistemas termossolares instalados na PETROBRAS.

Figura 7Sistema termossolar - Regap

Tabela 4Sistemas termossolares instalados e emimplantação nas unidades industriais daPetrobras

Fonte: PETROBRAS, 2006

Figura 8Sistema termossolar Reduc

Através de parcerias com instituições de ensino,criaram-se projetos de desenvolvimento de coletoressolares térmicos de alto desempenho, visando a cria-ção futura de centrais heliotérmicas de geração deenergia elétrica, projeto em desenvolvimento na CO-PPE da Universidade Federal do Rio de Janeiro, comotambém o fogão solar, sistemas de refrigeração, des-salinização e de aquecimento híbridos gás-energia-solar, que estão sendo desenvolvidos na UniversidadeFederal do Ceará. Outros projetos de aquecimento ter-mossolar para geração de vapor estarão sendo viabili-zados ainda em 2006, visando aumentar o percentualde energia limpa na matriz energética da empresa.

Na área tecnológica, a PETROBRAS busca o do-mínio da produção de energia elétrica, transformaçãode energia solar em calor e frio, assim como constru-ção de equipamentos e sistemas. Na área de pesqui-sa estão sendo feitos testes com um sistema de re-frigeração híbrido solar-gás natural, buscando investi-gar o desempenho e avaliar os custos associados.Sistemas de refrigeração termossolares podem teruso em comunidades isoladas, como, por exemplo,aquelas de economia pesqueira no Brasil.

Estão também sendo feitos testes experimentaiscom fogão solar com e sem armazenamento de calor,e desenvolvimento da tecnologia necessária para a fa-bricação nacional de coletores solares térmicos dealto desempenho, além da fabricação e montagem deum dessalinizador solar passivo – Cuba Solar.

Biomassa

Diferentes materiais de origem vegetal ou animalpodem ser aproveitados para geração de calor e eletrici-dade, recebendo a denominação genérica de biomas-sa. Dentre esses materiais, a lenha é o de mais antigautilização, tendo no Brasil ainda uma grande importân-cia como combustível para fins energéticos, em especi-al nas regiões de menor desenvolvimento econômico.

Mesmo a biomassa sendo uma fonte renovável,seu impacto ambiental pode ser negativo quando avegetação nativa é usada de modo indiscriminado.

Entretanto, inúmeros restos orgânicos descartadosno lixo urbano, dejetos humanos e de animais, além deresíduos das indústrias agrícola e alimentícia, como ba-gaço de cana e lascas de madeira, podem ser utiliza-

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ENERGIAS RENOV¡VEIS: A«’ES E PERSPECTIVAS NA PETROBRAS

dos para fins de geração de calor e eletricidade. Issocontribui não só para a melhoria das condições ambien-tais com a reciclagem de rejeitos que seriam descarta-dos para o meio ambiente, como também ajuda a pro-mover um desenvolvimento sustentável através da am-pliação da atividade econômica da indústria local.

A energia proveniente da biomassa tem ainda agrande vantagem de gerar energia elétrica próximaao local de consumo, reduzindo os gastos comtransmissão.

O processo mais usual de geração de energia elé-trica a partir de biomassa no Brasil é a combustãodireta, gerando vapor para acionar uma turbina aco-plada a um gerador elétrico.

A Tabela 5 apresenta o panorama brasileiro de usi-nas termelétricas que utilizam a biomassa via queimadireta, de acordo com o tipo de combustível, a quantida-de de usinas em operação e a capacidade instalada.

Tabela 5Usinas termelétricas a biomassa instaladas noBrasil

Fonte: ANEEL (2004)

Os preços estabelecidos no PROINFA para com-pra da eletricidade gerada por meio de diferentes tiposde combustíveis de origem orgânica ou biomassa es-tão representados na Tabela 6, de acordo com a Porta-ria nº 45, de 30 de março de 2004, do MME.

Além da queima direta, existem outros modos paraprocessamento da biomassa, visando a sua utilizaçãocomo insumo energético, que incluem a fermentação,a hidrólise, a pirólise e a gaseificação. A hidrólise, áci-da ou enzimática, é uma tecnologia que desponta comgrandes possibilidades de sucesso. Quando for im-plantado comercialmente, o processo de produção apartir da hidrólise das folhas e bagaço da cana permiti-rá dobrar a produção atual de etanol no Brasil.

Um grande potencial de ampliação de geração deenergia elétrica no Brasil é a otimização das usinasde álcool e açúcar. Aumentando-se a eficiência ener-gética das usinas, ou seja, substituindo as caldeirase turbinas antigas por equipamentos atuais que ope-rem com uma maior pressão e temperatura de vapor,haveria melhora no rendimento do sistema, possibili-tando às usinas exportarem a energia excedente.

Energia hidráulica de pequenas centraishidreléticas – PCH’s

O aumento da demanda de energia trouxe para oBrasil a retomada da construção de Pequenas CentraisHidrelétricas (PCH’s), cujo ciclo foi interrompido com aconstrução das grandes barragens como Três Marias,Itaipu e Tucuruí, entre outras. Nessa época, as PCH’stornaram-se economicamente pouco viáveis, tanto pelocusto do kW instalado quanto pelo custo de operação.Atualmente, no entanto, as restrições ambientais àsgrandes áreas alagadas fazem com que PequenasCentrais Hidrelétricas tornem-se mais atrativas.

O aproveitamento hidrelétrico, com potência su-perior a 1 MW e igual ou inferior a 30 MW, destinadoà produção independente, auto-produção ou produ-ção independente autônoma, pode ser classificadocomo Pequena Central Hidrelétrica – PCH, segundoa Resolução nº 652/2003 da ANEEL.

Os custos médios de construção das PCH’s vari-am muito em função de características como local deinstalação, altura de queda e tipo de máquina, entreoutros. Um valor considerado bom para empreendi-mentos em pequenas centrais é de R$ 2.400,00 porkW instalado (CERPCH, 2006), com variações paramais e para menos de cerca de R$ 500,00. Valoresmais precisos só podem ser calculados com o arran-jo e o projeto básico definidos.

Tabela 6Preços de remuneração da energia no Proinfa

Fonte MME (2004)

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ILDO LUÍS SAUER et al.

Os preços da energia oriunda das PCH’s variamentre R$ 131,00 e R$ 138,00 quando vendida dentro doPROINFA; entre R$ 115,00 e R$ 120,00 quando vendi-da para as distribuidoras; e de R$ 145,00 a R$ 150,00para o consumidor direto e nos leilões de energia.

Segundo a ANEEL (2006), háem torno de 264 PCH’s em opera-ção, com potência outorgada deaproximadamente 1.400 MW.Além disso, 39 centrais estão sen-do construídas com potência emtorno de 622 MW, enquanto outras218 foram outorgadas, com potên-cia aproximada de 3.421 MW.

CONCLUSÃO

A atuação da PETROBRASpara atenuar a dependência do paísem relação ao petróleo importadoiniciou-se muito antes da atual pre-ocupação mundial de redução depoluentes e preservação das fontesde energia.

Já na década de 70, os investimentos na pesqui-sa do álcool como combustível veicular estavam bemavançados, e o país caminhava para o desenvolvi-mento de uma tecnologia de ponta na produção des-se combustível renovável. O apoio ao PROÁLCOOLfoi a primeira grande ação da empresa nesse sentido.

A partir da década de 90, o destaque mundial paraa questão do meio ambiente e de sua sustentabilida-de despertou o interesse de outros países pela tec-nologia desenvolvida no Brasil, angariando novas polí-ticas e investimentos para o país. Desde então, oBrasil passou a ser visto como uma das potênciasenergéticas mundiais, com reconhecimento por suapotencialidade para novos negócios.

Nesse panorama, o Programa Brasileiro de Bio-diesel ultrapassa as questões de utilização dasenergias renováveis e avança na geração de empre-gos, visando a melhoria social, estimulando váriossetores em direção a sua produção, desde peque-nos produtores da agricultura familiar até investido-res interessados na produção do biocombustível,passando pelo âmbito dos governos federal, esta-

duais e municipais interessados em seu desenvol-vimento. O desafio criado pelo Programa Brasileirode Biodiesel é que sejam mobilizadas, de forma in-tegrada, as capacitações dos setores industriais,agrícolas, de desenvolvimento e pesquisa, institui-

ções de assistência técnica e co-operativas a fim de obtermos osbenefícios sociais e econômicosesperados.

Para impulsioná-lo, o governofederal introduziu, através da lei nº11.097, de 13.01.2005, a obrigatori-edade da adição de biodiesel ao di-esel a partir de 2008. A tendência éque nos próximos anos a produçãode biodiesel no Brasil esteja bemestruturada. A PETROBRAS temcomo meta tornar-se a maior produ-tora de biodiesel no país, produzin-do 855 mil m3/ano em 2011. Os in-vestimentos da PETROBRAS naárea de energia, a partir de fontesrenováveis, não se limitam apenasaos biocombustíveis, abrangendotambém a energia eólica, solar, bio-

massa e hidráulica nas chamadas PCH’s (PequenasCentrais Hidrelétricas). Tais investimentos têm tidoseu reflexo na reconhecida tecnologia que o país vemdesenvolvendo nessa área, em grande parte com oinvestimento da empresa, contribuindo não apenaspara a geração de novos negócios, mas também parao reconhecimento cada vez mais amplo de sua atua-ção no cenário mundial.

REFERÊNCIAS

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Um grande potencial deampliação de geração deenergia elétrica no Brasilé a otimização das usinas

de álcool e açúcar.Aumentando-se a

eficiência energética dasusinas, ou seja,

substituindo as caldeiras eturbinas antigas por

equipamentos atuais queoperem com uma maior

pressão e temperatura devapor, haveria melhora no

rendimento do sistema,possibilitando às usinas

exportarem a energiaexcedente

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ENERGIAS RENOV¡VEIS: A«’ES E PERSPECTIVAS NA PETROBRAS

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 23-36, jun. 2006 23

Políticas públicas e energias renováveis:propostas de ações de indução

à diversificação da matrizenergética na Bahia

Roberto Fortuna Carneiro,* Pauletti Karllien Rocha**

* Diretor de Fortalecimento Tecnológico Empresarial da Secretaria de Ciência,Tecnologia e Inovação - SECTI e Coordenador do Probiodiesel Bahia. Profes-sor dos cursos de Administração do Centro Universitário da Bahia - FIB e daFaculdade Baiana de Ciências - FABAC. [email protected].

Abstract

Presently development is based, as it was throughout theages, on energy derived from non-renewable fossil fuels,being oil the main source, followed by coal and natural gas.These sources are greatly responsible for theenvironmental imbalance we face in the present days. Thepossibility of a worldwide exhaustion of the oil reservesmakes it necessary to diversify the energy matrix aimingeconomic, social and environmental sustainability.Therefore, the new energy paradigm aiming sustainabilitymust have renewable energy sources as pillars. Manyefforts have been made worldwide to use this type of energyand, for that, public policies must be consolidate tostructure the offer and attend this new demand efficiently.Therefore, this paper will deal with the importance of publicpolicies for the energy sector development and will highlightthe actions being carried out by the Federal and StateGovernment of Bahia towards the diversification of the localenergy matrix. To finalize, intervention actions will besuggested aiming to contribute with this debate in Bahia.

Key words: renewable energies, public policies, bioenergy,energy matrix diversification.

Resumo

Ao longo dos tempos, o modelo de desenvolvimento vigentebaseia-se na energia originária dos combustíveis fósseis e nãorenováveis, sendo o petróleo a principal fonte, seguida do car-vão mineral e do gás natural, todas responsáveis por uma gran-de parcela dos desequilíbrios ambientais enfrentados na atuali-dade. Com o possível esgotamento das reservas mundiais depetróleo, faz-se necessário uma diversificação da matriz ener-gética visando a sustentabilidade econômica, social e ambiental.Dessa forma, o novo paradigma energético para a sustentabili-dade deverá ter como pilares as fontes de energia renováveis.Muitos esforços têm sido feito em todo o mundo no sentido dautilização dessas energias. Para isso, faz-se necessário a con-solidação de políticas públicas que estruturem a oferta paraatender eficazmente essa nova demanda. Nesse sentido, o pre-sente artigo tratará da importância das políticas públicas para odesenvolvimento do setor energético e destacará as ações emexecução pelos governos federal e estadual no sentido de di-versificação da matriz energética local. Ao final, serão propos-tas algumas ações de intervenção no sentido de contribuir paraesse debate na Bahia.

Palavras-chave: energias renováveis, políticas públicas, bioe-nergia, diversificação da matriz energética.

** Engª Agrônoma e Coordenadora Técnica da Rede Baiana de Biocombus-tíveis. Professora do curso de Administração com Habilitação em Agrone-gócios da Fundação Visconde de Cairu. [email protected].

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POLÕTICAS P�BLICAS E ENERGIAS RENOV¡VEIS: PROPOSTAS DE A«’ES DE INDU«√O...

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é analisar o papel das políti-cas públicas como elemento de indução e estrutura-ção de um setor estratégico para a atividade socioeco-nômica: o de energia. Para tanto, será realizada umarápida abordagem acerca da importância das políticaspúblicas como elemento de promoção do desenvolvi-mento de atividades sócio-produtivas e uma breve aná-lise do conceito de energias renováveis. Após essaetapa de contextualização, verificaremos como o Es-tado vem atuando para fomentar, estruturar e regularessa atividade em nível mundial, nacional e estadual.Ao final, serão propostas algumas ações no sentidode contribuir para esse debate na Bahia.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Esta contextualização está dividida em três par-tes: a primeira vai analisar a importância do planeja-mento governamental para promover o desenvolvi-mento de um país ou de uma indústria; a segundaabordará a importância da energia como condiçãosine qua non para esse desenvolvimento, principal-mente as energias renováveis, pelo seu caráter estra-tégico em um mundo dependente de uma fonte finitade energia; e, por último, uma síntese das partes an-teriores no sentido de tentar demonstrar que, em fun-ção das características do setor de energia, princi-palmente das renováveis, uma ação governamentalplanejada é de vital importância para garantir o perfei-to desenvolvimento do setor de maneira sustentável.

O Estado e as políticas públicas de caráterestruturante

Durante muito tempo, duas correntes teóricas tra-varam um embate acerca do papel do Estado comoagente promotor do desenvolvimento de novos setoresda atividade econômica: a Neoclássica, da teoria eco-nômica tradicional, e a Estruturalista, basicamenteschumpeteriana e neo-schumpeteriana. Para a primei-ra não há necessidade de intervenção do governo so-bre a liberdade decisorial dos agentes econômicos, jáque a competição perfeita do mercado fornece os estí-

mulos necessários à melhor alocação dos recursosdisponíveis. Essa análise é, fundamentalmente, mi-croeconômica e baseada no comportamento de atoresindividuais e nas condições de um equilíbrio estático.Não considera a existência de crises econômicas,porém, afirma que em determinadas situações o mer-cado não propicia a minimização dos custos de opor-tunidade dos recursos ocorrendo as “falhas de merca-do”. As principais falhas de mercado podem ser des-critas como: externalidades, informação assimétricaou imperfeita, bens públicos e poder de monopólio. Naanálise microeconômica da Teoria Neoclássica, o Es-tado atua como obstáculo à otimização de recursos,coisa que as forças de mercado produziriam na ausên-cia da interferência governamental.

A segunda corrente, a Estruturalista, principal-mente a de base neo-schumpeteriana, aceita que osfatores produtivos de uma nação podem ser criados,a exemplo da força de trabalho qualificada, da conso-lidação de uma base científico-tecnológico (POR-TER, 1990) e, principalmente, das transformaçõescausadas pelo progresso técnico na base produtiva(SCHUMPETER, 1982).

Para essa corrente, o Estado, na realidade, exer-ce de forma significativa, principalmente nos paísesem desenvolvimento ou de desenvolvimento recente,forte intervenção na economia. Além dos exemploscitados acima podem também ser criadas políticasgovernamentais para financiamento de exportaçõesde bens e serviços e importações de bens de capital,apoio a indústrias selecionadas, concessão de sub-sídios, entre outros. Essa intervenção se dá atravésde um aparato político-institucional (DAHAB; TEIXEI-RA, 1990) que é uma tentativa do Estado de superaras falhas existentes no mercado, sobretudo em tec-nologia e finanças, que impedem ora a combinaçãoadequada dos fatores de produção existentes, ora ocrescimento da dotação nacional de fatores. Seu ob-jetivo é criar, portanto, vantagens comparativas dinâ-micas para as indústrias e empresas locais.

Outros autores, entre eles Hasenclever (1991), Ha-guenauer (1989) e Perez (1989), analisaram o processode intervenção estatal através de políticas tais como:política de competição, para influenciar o mercado; polí-ticas regionais, para localização de atividades econômi-cas; políticas de inovação, para influenciar a tecnologiautilizada pelas empresas; e políticas comerciais. Uma

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das principais é a de apoio à inovação, através da cria-ção de sistemas nacionais e locais de inovação.

A ação de intervenção governamental através daspolíticas públicas é, portanto, um elemento de supor-te às atividades socioeconômicas que não pode serminimizado na sua importânciapara o desenvolvimento de seto-res produtivos, regiões e países.

Energia: recurso estratégicopara o desenvolvimento deuma nação

A energia sempre teve um pa-pel fundamental no desenvolvi-mento e crescimento de um país.Cada vez mais se faz necessárioo uso das fontes energéticas, re-nováveis ou não, para a produçãode alimentos, bens de consumoe de serviços, lazer e, principalmente, para promovero desenvolvimento econômico, social e cultural.

A energia pode ser classificada em dois tipos: não-renovável ou fóssil e renovável. Como energia fóssildestacam-se as originadas do petróleo, como gasoli-na, diesel, querosene e gás natural. As renováveis po-dem ser classificadas em energia solar (painel solar,célula fotovoltaica), energia eólica (turbina eólica, cata-vento), energia hídrica (roda d’água, turbina aquática,PCHs – pequenas centrais hidrelétricas), biomassa(matéria de origem vegetal, a exemplo da produção deetanol e biodiesel, pellets, sistemas de gaseificação),energia obtida dos oceanos e a geotérmica.

Apesar do largo domínio das energias provenien-tes de fontes fósseis na matriz energética mundial,1

existe um grande esforço internacional em desenvol-ver tecnologias para produção e uso de energias lim-pas. Esse esforço decorre de uma conjunção de fato-res que favorecem a mudança para uma nova matrizenergética de base renovável, em que haja a substi-tuição gradual do petróleo como matéria-prima para aprodução de combustíveis ou insumo para a indústriaquímica. Os fatores são:

Esgotamento das reservas de petróleo. Dados daRevisão Estatística de Energia Mundial de 2004, daBritish Petroleum, e constantes do Plano Nacional deAgroenergia 2005, estimam que existiam reservas de2,3 trilhões de barris de petróleo antes de sua explora-

ção. As atuais reservas comprova-das do mundo, segundo a mesmafonte, somam 1,137 trilhões debarris. Essas reservas permitemsuprir a demanda mundial por umperíodo de 40 a 50 anos, mantidoo atual nível de consumo.

O fator geopolítico. O OrienteMédio e os países exportadores(OPEP) dominam 78% das re-servas mundiais de petróleo. Avitória do Hammas nas eleiçõespalestinas e a crise internacionalprovocada pela polêmica produ-ção de energia nuclear pelo Irãsó agravam o já complicado pal-

co de disputas políticas e bélicas do Oriente Médio.Todos esses fatores provocaram, nos últimos anos,fortes impactos sobre os preços, os fluxos de abas-tecimento e o cumprimento de contratos de forneci-mento. Essa pressão fez com que nos últimos 30anos a valorização real do petróleo fosse de 505%,sendo de 85% entre o final de 2004 e meados de2005 (BRASIL, 2005).

Demanda crescente de energia. Estudos do BancoMundial (WORLD BANK, 2004) e da InternationalEnergy Agency (2004) demonstram que além do cres-cimento econômico natural que os países apresen-tam, a globalização cultural e de mercados e a assimi-lação de costumes de países ricos pelos emergentestambém provoca uma forte pressão de consumo ener-gético. Enquanto os países ricos aumentaram seuconsumo em menos de 100%, nos últimos 20 anos,no mesmo período, a Coréia do Sul aumentou sua de-manda em 306%, a Índia em 240%, a China em 192%e o Brasil em 88%. Segundo Mussa (2003), a deman-da projetada de energia no mundo aumentará 1,7% aoano, de 2000 a 2030, quando alcançará 15,3 bilhõesde toneladas equivalentes de petróleo (TEP) por ano.

As mudanças climáticas globais registradas nosúltimos anos induzem a uma crescente pressão dasociedade civil organizada para que os países ela-

1 Atualmente, 80% da matriz é de fontes de carbono fóssil, com 36% depetróleo, 23% de carvão e 21% de gás natural (IEA, 2004).

A energia sempre teve umpapel fundamental nodesenvolvimento e

crescimento de um país.Cada vez mais se faz

necessário o uso das fontesenergéticas, renováveis ou

não, para a produção dealimentos, bens de consumo

e de serviços, lazer e,principalmente, para

promover odesenvolvimento

econômico, social e cultural

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borem políticas globais de redução da poluição. Ataxa de acumulação de gás carbônico (CO

2) na at-

mosfera da Terra, principal responsável pelo aqueci-mento anormal do globo, aumentou mais de 2 ppmao longo dos biênios 2001/2002 e 2002/2003. Nosanos anteriores, essa taxa de crescimento haviasido de 1,5 ppm.

Em função desses fatores, a corrida internacionalpara o desenvolvimento de programas de pesquisa,produção e uso de energias renováveis ganhou di-mensões estratégicas, quer seja pela busca da auto-suficiência quer pela liderança tecnológica e comer-cial do setor.

Na área de produção e uso de bio-combustíveis, por exemplo, os EUA que-rem superar a produção brasileira de ál-cool já em 2007, com 17 bilhões de litrospor ano, utilizando o milho como matéria-prima. O país já possui grandes usinasde produção de biodiesel à base de sojae o percentual de mistura ao diesel é de20%. A energia eólica também é forte-mente explorada, além das pesquisascom células de hidrogênio.

Na Europa, a Diretiva 2003/30/CE doParlamento Europeu, de 08 de maio de2003, adotou uma estratégia em favor dodesenvolvimento sustentável que consiste numa sériede medidas, entre as quais o desenvolvimento dos bio-combustíveis. Nesse objetivo, se preparam para asubstituição de 20% dos combustíveis convencionaispor combustíveis alternativos no setor dos transportesrodoviários até 2020. A Segunda Cúpula Mundial deFontes de Energia Renováveis, realizada na Alema-nha, aprovou a criação de uma agência internacionalpara estimular o desenvolvimento das energias limpasno planeta, batizada de IRENA – International Renewa-ble Energy Agency (INTERNATIONAL ENERGYAGENCY, 2004).

A grande preocupação desses países com o de-senvolvimento de energias renováveis se explicaem função tanto dos quatro pontos abordados aci-ma quanto pelo fato das grandes limitações edafo-climáticas que possuem. Além disso, à exceçãodos EUA, não podem, devido a limitações geográfi-cas, ampliar a área de agricultura energética semcompetir com outros usos da terra, principalmente

para a produção de alimentos. O Brasil, por suavez, é um país estratégico para a produção deenergias renováveis em função de suas imensasextensões territoriais, excelentes condições eda-foclimáticas, forte incidência de radiação solar edo potencial eólico das regiões costeiras. Isso per-mitiu que o país detivesse uma das mais limpasmatrizes energéticas do mundo. Estimativas daIEA mostram que 35,9% da energia fornecida noBrasil são de origem renovável. No mundo, essevalor é de 13,5%, enquanto nos Estados Unidos éde apenas 4,3% (Tabela 1).

O PAPEL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS COMOINDUTORAS DA ENERGIA RENOVÁVEL NAMATRIZ ENERGÉTICA

Como afirmado anteriormente, o Brasil apresentacondições ideais para ser, num futuro relativamentecurto, o maior produtor mundial de energias renová-veis. As condições locais são favoráveis tanto para aenergia solar e eólica quanto para a potência hídricae para os recursos de biomassa (com destaque paratrês grandes vertentes: o etanol, o biodiesel e os de-rivados de madeira). Essas condições creditam opaís a ser um dos principais receptores de recursosfinanceiros provenientes do mercado de carbono nosegmento de produção e uso de bioenergia.

Porém, a baixa difusão tecnológica, que nos dei-xa à margem das normas de qualidade internacio-nalmente definidas, os relativamente elevados in-vestimentos iniciais, a limitada capacidade de pes-quisa de muitas de nossas universidades e o desco-

Tabela 1Suprimento mundial de energia

Fonte: IEA - Renewables Information 2004, Table 1, p.8.

* Tonelada Equivalente de Petróleo

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nhecimento do setor privado das vantagens de umamaior utilização da biomassa como fonte de ener-gia, constituem, na prática, obstáculos para umamaior valorização da bioenergia.

Ou seja, ainda existem fortes condicionantes aopleno aproveitamento da energia renovável, sejamtecnológicos, políticos, culturais, econômicos, soci-ais, comerciais ou ambientais. A eliminação dessespontos críticos requer a construção de instalaçõesem escala eficiente, uma pesquisa vigorosa de redu-ções de custo pela experiência, um controle rígido decustos e das despesas em gerais e a minimizaçãodo custo em áreas como P&D, assistência técnica,distribuição, etc. A solução de muitas dessas ques-tões são inerentes e internas à firma, porém, é possí-vel uma intervenção governamental através da elabo-ração de um conjunto de políticas públicas de regula-ção, de investimento direto, subsídios, regulação dequantidades, etc.

Que ações vêm sendo realizadas, portanto, no âm-bito do Governo Federal, para modificar esse cenário?Quais os principais programas implantados e que pos-suam como objetivo principal tornar mais competitivo ocusto da energia obtida de fontes renováveis? Respon-der essas perguntas é o objetivo do item a seguir.

Principais ações estruturantes na esfera federal

Os programas listados a seguir constituem omarco referencial nacional para o setor energético.A relação não é exaustiva, porém, inclui os mais sig-nificativos.

Programa Nacional do Álcool – PROÁLCOOL

Instituído pelo Decreto 76.593, de 14 de novembrode 1975, o programa visa o atendimento das necessi-dades do mercado interno e externo e da política decombustíveis automotivos. O Decreto criou tambémo Instituto do Açúcar e do Álcool para controlar a in-dústria sucroalcooleira, ação julgada necessária de-vido ao papel estratégico do açúcar na pauta de ex-portações e do álcool na matriz energética. O merca-do de álcool combustível, apesar do ambiente de livremercado vigente, possui algumas características queimpõem ao Governo a necessidade de dispor de me-

canismos de regulação, principalmente devido à suaprodução ser sazonal, o que leva à formação de esto-ques – demandando capital de giro a baixo custo –como forma de minimizar os riscos de flutuação depreços e de desabastecimento do mercado no finalda entressafra.

Mais recentemente, o Governo Federal promulgoua Lei 10.336, de 19 de dezembro de 2001, que insti-tuiu a Contribuição de Intervenção no Domínio Econô-mico – CIDE, incidente sobre a importação e a co-mercialização de petróleo e derivados, gás natural ederivados e álcool etílico combustível, e a Lei 10.453,de 13 de maio de 2002, que definiu o conjunto de ins-trumentos de política econômica por meio dos quaiso Governo poderá intervir na produção e comercializa-ção do álcool combustível.

Outras ações de destaque foram a fixação dosníveis de mistura do álcool anidro à gasolina e a fixa-ção de alíquotas menores do Imposto sobre ProdutosIndustrializados – IPI para os veículos movidos a ál-cool, exceto para aqueles de até 1.000 cilindradas.

Programa Nacional de Produção de Óleos Vegetaispara Fins Energéticos – PROÓLEO

Instituído em 1975 pela Resolução nº 7 do Conse-lho Nacional de Energia. O objetivo do programa foi ode gerar um excedente de óleo vegetal capaz de tornarseus custos de produção competitivos com os do pe-tróleo. Previa-se uma substituição de 30% de óleo ve-getal no óleo diesel, com perspectiva para a sua subs-tituição integral a longo prazo. A chamada “crise dopetróleo” (1972) foi a mola propulsora das pesquisasrealizadas na época. Porém, a viabilidade econômicaera questionável em valores: para 1980, a relação depreços internacionais óleos vegetais/petróleo, em bar-ris equivalentes, era de 3,30 para o dendê; 3,54 para ogirassol; 3,85 para a soja; e 4,54 para o amendoim.Com a queda dos preços do petróleo a partir de 1985,a viabilidade econômica ficou ainda mais prejudicada eo programa foi progressivamente esvaziado, emboraoficialmente não tenha sido desativado.

Programa de Desenvolvimento Energético deEstados e Municípios – PRODEEM

Criado em 1994, este programa é coordenadopelo Departamento de Desenvolvimento Energético

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(DNDE) do Ministério de Minas e Energia e tem oobjetivo de viabilizar o fornecimento de energia pormeio de fontes renováveis e sustentáveis às popula-ções não atendidas pela rede elétrica convencional.O programa considera o vetor energia importante,mas não exclusivo, para o desenvolvimento socialdas comunidades. Dessa forma, a seleção das loca-lidades é articulada com outras iniciativas de desen-volvimento nas áreas da saúde, educação e agricultu-ra e com o Programa Comunidade Solidária.

Na sua execução o programa avalia aspectos fun-damentais relativos à sustentabilidade técnica, econô-mica e comercial de geração de energia em áreas iso-ladas, utilizando fontes alternativas (solar, eólica, bio-massa e micro centrais hidrelétricas). Dentre essesaspectos, destacam-se: constituição de agentes ins-taladores dos equipamentos, treinamento de técnicose usuários, formas de recuperação de custos de ope-ração e manutenção, criação de rede local de distribui-dores de equipamentos e o acompanhamento do de-sempenho dos equipamentos e de suas conseqüênci-as sobre as comunidades. Nos aspectos de treina-mento e acompanhamento, ressalta o papel dos cen-tros tecnológicos estaduais (universidades e escolastécnicas) que, em conjunto com o Centro de Pesquisade Energia Elétrica – Cepel, serão os responsáveispela consolidação de capacitação e de informação ne-cessárias à difusão intensiva do PRODEEM.

Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL

A Agência é uma autarquia em regime especial vin-culada ao Ministério de Minas e Energia – MME. Foicriada pela Lei 9.427, de 26 de dezembro de 1996 etem como atribuições: regular e fiscalizar a geração, atransmissão, a distribuição e a comercialização daenergia elétrica; mediar os conflitos de interesses en-tre os agentes do setor elétrico e deles com os consu-midores; conceder, permitir e autorizar instalações eserviços de energia; garantir tarifas justas; zelar pelaqualidade do serviço; exigir investimentos; estimular acompetição entre os operadores; e assegurar a univer-salização dos serviços.

A missão da Agência é proporcionar condiçõesfavoráveis para que o mercado de energia elétrica sedesenvolva com equilíbrio entre os agentes e em be-nefício da sociedade.

Programa Nacional de Incentivo às FontesAlternativas – PROINFRA

Criado em 26 de abril de 2002, pela Lei 10.438, erevalidado pela Lei 10.762, de 11 de novembro de2003. O programa tem por objetivo a diversificação damatriz energética a partir do aumento da participaçãodas fontes renováveis de energia. É conferido enfoquena co-geração a partir de resíduos de biomassa, naspequenas centrais hidrelétricas e na energia eólica(BRASIL, 2006).

Programa Nacional de Produção e Uso deBiodiesel – PNPB

É apresentado pelo governo como um instrumen-to de inclusão social e de desenvolvimento regional apartir da produção e uso do biodiesel de forma sus-tentável. O principal instrumento é a Lei 11.097, dejaneiro de 2005, que estabelece como meta o per-centual mínimo obrigatório de 5% de adição de biodi-esel ao óleo diesel comercializado até o consumidorfinal, a ser alcançado no prazo de oito anos, sendode três anos o prazo para atingir o percentual mínimoobrigatório intermediário de 2%.

Plano Nacional de Agroenergia (2005)

Integra a concepção e ações estratégicas do Mi-nistério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento emrelação ao aproveitamento de produtos agrícolas paraa produção de energia renovável. Orienta-se pelas di-retrizes gerais de Governo, particularmente no docu-mento de Diretrizes de Política de Agroenergia. OPlano contempla as principais cadeias produtivas(etanol, biodiesel, biomassa florestal, biogás e resí-duos agropecuários e da agroindústria) e sistemasconexos, de forma integrada com os princípios doMecanismo de Desenvolvimento Limpo.

O objetivo geral do Plano é desenvolver e transferirconhecimento e tecnologias que contribuam para aprodução sustentável da agricultura de energia e ouso racional da energia renovável, visando a competi-tividade do agronegócio brasileiro e o suporte às polí-ticas públicas. Os objetivos específicos pretendem:conceder apoio à mudança da matriz energética,com vistas à sua sustentabilidade; aumentar a parti-cipação de fontes de agroenergia na composição damatriz energética; e gerar condições para permitir a

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interiorização e regionalização do desenvolvimento.O fator ambiental também está presente, pois o pla-no objetiva contribuir para a redução das emissõesde gases do efeito estufa.

Diretrizes de Política de Agroenergia (2006-2011)

O documento tem como pano de fundo a análiseda realidade e das perspectivas da matriz energéticamundial. Estabelece um direcionamento nas políti-cas e ações públicas de Ministérios diretamente en-volvidos no aproveitamento de oportunidades e dopotencial da agroenergia brasileira, sob parâmetrosde competitividade, sustentabilidade e equidade so-cial e regional.

Além desses programas, o Ministério de Minas eEnergia elaborou um Termo de Referência, de agostode 2005, para nortear o trabalho de consultoria técni-ca especializada contratada para elaboração do Pla-no Nacional de Energia 2030 (PNE 2030). Esseserá um instrumento fundamental para o planejamen-to de longo prazo do setor energético do país, orien-tando tendências e balizando as alternativas de ex-pansão do sistema nas próximas décadas através daorientação estratégica da expansão.

Outra importante ação está em discussão noCongresso Nacional: a proposta de criação da Agên-cia Nacional de Energias Renováveis – ANER. Aidéia foi apresentada em audiência pública, ocorridaem 16 de junho de 2004, na Comissão da Amazônia,Integração Nacional e de Desenvolvimento Regionalda Câmara dos Deputados. Basicamente, o objetivoda proposta é a criação de uma agência de desenvol-vimento destinada a fomentar a produção e o uso ra-cional de energias renováveis para abastecimentodos mercados nacionais e internacionais.

Do que foi exposto, observa-se que as ações doGoverno Federal nos últimos anos tiveram um caráterestruturalista e de base neo-schumpeteriana. O obje-tivo explícito dessas políticas foi o de criar mecanis-mos para a indução do investimento em P&D&I, di-versificação da matriz energética, incentivo à amplia-ção do consumo e surgimento de novos negócios.

Uma avaliação dos resultados desse conjunto depolíticas públicas aponta, por um lado, para resultadosmuito positivos, a exemplo do peso que a energia re-novável possui na matriz energética nacional – 35,9%,

contra 13,5% no mundo e apenas 4,3% nos EstadosUnidos (IEA, 2004) – e da liderança mundial na tecno-logia e na produção de etanol de cana-de-açúcar. Poroutro lado, existem também alguns pontos que aindamerecem atenção, como a elevada concentração daprodução nacional de cana-de-açúcar, com São Paulosendo responsável por mais de 60% da produção.

Principais ações estruturantes para as energiasrenováveis na Bahia

Segundo o Balanço Energético (BRASIL, 2004), aOferta Interna de Energia (OIE) no país alcançou14.542.000 TEP em 2003, refletindo a participaçãopreponderante da energia não-renovável, sendo seusprincipais itens o petróleo e seus derivados, regis-trando 54,5%, e o gás natural, com 16,0%. Em rela-ção à energia renovável, cabe destacar a participaçãoda lenha e do carvão vegetal, com 13,5%, seguidapela energia hidráulica e elétrica, com 10,7%.

As principais modificações na estrutura da matrizenergética estadual para os anos de 1980, 1994 e2003 são apresentadas no Gráfico 1. A OIE eviden-ciou um aumento na participação da energia não-re-novável de 54,6% para 73,8%, enquanto a parcelarelativa à energia renovável teve redução de 45,4%para 26,2%, entre 1980 e 2003.

O crescimento das fontes não-renováveis deve-sedo grande aumento da evolução do gás natural, regis-trando um incremento de 183,2%, tendo sua partici-

Gráfico 1Estrutura da matriz energética da Bahia paraos anos de 1980, 1994 e 2003.

Fonte: Bahia: Balanço Energético, 2004

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pação elevada de 8,0%, em 1980, para 16,0%, em2003, principalmente pelo aumento do consumo in-dustrial (petroquímico), que substituiu o óleo com-bustível por essa fonte energética. Outra contribuiçãopara esse crescimento foi do setor de petróleo e seusderivados, que, em 2003, teve um incremento 67,7%superior ao de 1980.

Quanto à energia não-renovável, as principais mo-dificações ocorridas estão associadas ao declínio naparticipação da lenha e carvão vegetal de 38,7%, em1980, para 13,5%, em 2003, o que representou redu-ção de 50,6% na quantidade ofertada (Gráfico 2) –por conta dos programas de eletrificação rural a partirda energia convencional e do esgotamento das fon-tes de matéria-prima.

A participação da energia hidráulica e elétrica as-sinalou crescimento de 5,7%, em 1980, para 10,7%,em 2003, ampliando sua oferta em 166,5%.

Gráfico 2Matriz Energética da Bahia (2003)

Fonte: Bahia: Balanço Energético, 2004

As políticas públicas desenvolvidas no Estado daBahia para o setor de energia são elaboradas combase no conjunto de Leis, Decretos e Programas queformam o marco regulatório federal para o setor. Elasestão contidas no Plano Plurianual de Investimentos– PPA, que é o instrumento norteador da política es-tadual de investimentos nas áreas consideradas prio-ritárias para um período de quatro anos. Essas priori-dades são, por sua vez, ordenadas em Estratégias,Linhas de Intervenção, Programas, Projetos e Ações.

No PPA 2004-2007, o setor energético é contem-plado em duas estratégias, apresentadas a seguir.

Riquezas da Boa Terra – Possui três linhas deintervenção, sendo que a que possui aderência aotema energia é a de Uso Sustentável dos RecursosNaturais e Culturais, cujo programa De Olho na Na-tureza: gestão dos recursos ambientais, fomento atecnologias limpas, normatização e procedimentostem como objetivos o desenvolvimento de ações vol-tadas para a gestão ambiental e a geração e adoçãode tecnologias compatíveis com o manejo sustentá-vel do meio ambiente, permitindo que os processosprodutivos se tornem cada vez mais eficientes e am-bientalmente corretos. As ações desse programasão: Implantação e Recuperação de Sistema deEnergia Renovável e a Realização de Pesquisaspara o Levantamento do Potencial Agroflorestal e aImplantação de Florestas Energéticas. As secretari-as envolvidas são: SEAGRI, SEC, SICM, SEPLAN,SESAB, SSP, SEINFRA, SEDUR E SEMARH.

Essa é a linha de intervenção mais re-presentativa, com um orçamento previs-to de R$ 478,5 milhões, o que corres-ponde a 89,5% do total orçado para aestratégia.

Caminhos da Bahia – Esta estratégiapossui duas linhas de intervenção, sendoa de reestruturação da matriz energética aque interessa a este artigo. Para essa es-tratégia o Governo reservou recursos novalor global de R$ 3,3 bilhões, dos quaisR$ 1,5 bilhão do seu orçamento; o restan-te será resultado das parcerias firmadascom o Governo Federal. Caminhos daBahia está fundamentada no Programa Di-versificação e Articulação da Matriz Ener-gética, que tem como objetivo promover

estudos visando o aproveitamento dos recursos ener-géticos do Estado, propiciando a diversificação dasfontes alternativas de energia e garantindo a oferta ne-cessária ao desenvolvimento estadual. Para esse pro-grama foram destinados recursos no valor de R$ 908,5milhões, dos quais 58,2%, ou R$ 528,5 milhões, origi-nários de recursos do orçamento estadual e 41,8%, ouR$ 380 milhões, provenientes de fontes extra-orça-mentárias.

Como se pode observar, as energias renováveisestão plenamente contempladas no PPA nas suas di-versas estratégias. Porém, ao se analisar os relatórios

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anuais de governo verifica-se que o foco principal daação governamental em renováveis é a energia elétricade fontes hidráulicas (11% da matriz). Como a Bahia éum estado de grandes dimensões territoriais, possui amaior população rural do país e 50% do seu territóriono semi-árido, esse foco torna-secompreensível, pois o objetivo mai-or da ação governamental passa aser o de aumentar os investimentosem sistemas de distribuição, parafacilitar o acesso da população àenergia. Isso pode ser observado apartir dos dados do Balanço Ener-gético 2004, que demonstram quehouve uma redução da participaçãode lenha e carvão vegetal de 38,7.%para 13,5% no período de 1980 a2003. Os instrumentos principaisdessa ação são as parcerias dogoverno estadual com os progra-mas Luz no Campo e Luz para To-dos, de âmbito federal.

A segunda fonte de energia re-novável contemplada nas ações doGoverno do Estado, embora não apareça no Gráfico2, é a energia solar. Através de parceria com o PRO-DEEM e Luz Para Todos, o governo estadual realizouinvestimentos próprios da ordem de R$ 3,8 milhões,em 2005, para promover o acesso da população ruralà essa energia. Porém, a energia solar apresentoumuitos problemas, a exemplo de roubos dos painéisem muitas propriedades do interior, dificuldades demanutenção em função das grandes distâncias en-volvidas, quebras constantes dos kits, etc.

Somadas a essas ações constantes do PPA 2004-2007, formuladas no início do governo, em 2003, novasações foram sendo construídas ao longo desse perío-do que justificam a construção de uma política maisagressiva do ponto de vista da estruturação e consoli-dação das energias renováveis, nas suas diversas for-mas, no Estado da Bahia. Com a criação da Secreta-ria de Ciência, Tecnologia e Inovação – SECTI, em2003, que incorporou a Fundação de Amparo à Pes-quisa do Estado da Bahia – FAPESB, a política deCT&I do governo passou a se dar fortemente por ade-rência a temas estratégicos ao desenvolvimento eco-nômico e social do Estado da Bahia.

A ação SECTI/FAPESB, juntamente com seusparceiros (secretarias, universidades, empresas,etc.), propiciou, na área de energia e ambiente, aconstrução da seguinte infra-estrutura sistêmica: 1)Competência local do ponto de vista da pesquisa em

energia; 2) Construção de redes in-terinstitucionais; e 3) Novos pro-gramas.

Competência local em CT&I

O Quadro a seguir reúne osprincipais grupos, laboratórios e li-nhas de pesquisa existentes noestado que recebem forte apoio daFAPESB.

Esses grupos de pesquisapossuem, na sua maioria, parceri-as com diversas empresas, ele-mento vital do processo de gera-ção e difusão de inovações no te-cido produtivo. As principais são:ELETROGOES S/A – empresageradora, transmissora e transfor-madora de energia elétrica do es-

tado de Rondônia; BAHIAGÁS – Companhia de Gásda Bahia; COELBA – Companhia de Eletricidade daBahia; e CHESF – Companhia Hidrelétrica do SãoFrancisco; PETROBRAS; FORD; IGUATEMI ENER-GIA; e BRASKEM.

CONSTRUÇÃO DE REDESINTERINSTITUCIONAIS

Instituto de Energia e Ambiente – ENAM

O ENAM é, na verdade, uma rede de instituiçõese de pesquisadores baseados no Estado da Bahiaque atuam na área de Energia e Ambiente. É umaorganização essencialmente virtual que vai desempe-nhar um papel de integrador e ampliador das compe-tências interinstitucionais, promovendo a intermedia-ção entre os clientes e os executores de projetos(rede de organizações e pesquisadores).

A Missão do ENAM, definida no seu planejamentoestratégico, é “Integrar e ampliar as competências depesquisa em Energia e Ambiente (E&A), contribuindo

As políticas públicasdesenvolvidas no Estadoda Bahia para o setor deenergia são elaboradas

com base no conjunto deLeis, Decretos e Programas

que formam o marcoregulatório federal para osetor. Elas estão contidasno Plano Plurianual de

Investimentos – PPA, queé o instrumento norteador

da política estadual deinvestimentos nas áreasconsideradas prioritárias

para um período dequatro anos

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para uma matriz energética mais limpa”. Para cum-prir sua missão, a organização pretende ofertar pro-dutos e serviços tecnológicos e formar recursos hu-manos na área de Energia e Ambiente (E&A).

Uma das principais ações do ENAM vem sendo aelaboração de um Plano Energético para o Estado daBahia, intitulado Matriz Energética do Estado daBahia para o período 2006-2020.

Fórum de desenvolvimento de energia

Reúne os principais agentes do setor energético etem por finalidade identificar e propor soluções paraos gargalos existentes nas áreas de campos madu-ros de petróleo, gás natural, lubrificantes, refino e bi-odiesel através de projetos cooperativos envolvendogoverno-empresa-universidade. O Fórum é presididopelo Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação epossui importante participação da PETROBRAS, Fe-deração das Indústrias, empresas de energia, univer-sidades, etc.

Comitê de petróleo e gás e rede PETRO

O objetivo básico deste Comitê é “Mobilizar e inte-grar a indústria baiana ao processo de expansão naci-onal do setor de petróleo e gás, contribuindo para ma-ximizar a participação da indústria local nos projetosde P&G na Bahia e no Brasil. Sua principal estratégiade atuação é “Formular e propor ações que otimizem oacesso às oportunidades do mercado de P&G juntoao governo estadual, PETROBRAS e operadoras inde-pendentes, fornecedores de bens e serviços, agênciasreguladoras, agentes financeiros, PROMINP, etc.

A Rede PETRO Bahia é a rede de apoio à compe-titividade das empresas fornecedoras de bens e servi-ços na cadeia produtiva de petróleo e gás natural doestado. Trata-se de uma iniciativa conjunta do Governoda Bahia, através da SECTI, da Federação das Indús-trias da Bahia (FIEB) e do SEBRAE-BA. A missão daRede PETRO Bahia é criar e viabilizar soluções para ainserção e manutenção das empresas da Rede nomercado de petróleo e gás e integrar os seguintesatores: micro, pequenas e médias empresas fornece-doras de bens e serviços especializados à cadeia pro-

dutiva de petróleo e gás natural; empresas “âncora”demandantes de bens e serviços com qualidade e tec-nologia aprimorada; centros de pesquisa universitáriosespecializados em petróleo e gás; e entidades financi-adoras, entre outras.

Rede Baiana de Biocombustíveis – RBB

A Rede é formada por diversas instituições quepossuem aderência com o tema biodiesel eque interagem entre si a fim de apoiar as ações doPrograma de Biodiesel da Bahia – PROBIODIESELBAHIA. A Missão da RBB é liderar o processo dedefinição e implementação de ações para que aBahia se torne o estado mais competitivo no seg-mento de produção e comercialização de combustí-veis alternativos.

Além de promover a interação entre os diversosatores, os principais objetivos da Rede são o fomentoàs pesquisas para o desenvolvimento de novas tec-nologias, capacitação, elaborar e submeter projetoscooperativos – envolvendo governo/empresa/ universi-dade – aos editais temáticos e fundos setoriais e di-vulgar informações relacionadas ao biodiesel.

A RBB possui quatro grupos de trabalho que es-tão vinculados a um objetivo ou necessidade especí-fica do setor. Cada grupo possui um líder com a fun-ção de coordenar as ações propostas e se articularcom a coordenação executiva. São eles: 1) Apoio a P& D e Rede Tecnológica e Laboratorial; 2) Sistemasde Produção de Oleaginosas; 3) Fomento Empresari-al e Competitividade Econômica; e 4) Integração doBiodiesel à Pequena Produção Familiar.

Rede de Inovação e Prospecção Tecnológicapara o Agronegócio – RIPA

A Missão da RIPA é articular os atores envolvidoscom o agronegócio no Estado da Bahia, agrupando-os em grandes plataformas tecnológicas pré-defini-das pela RIPA Nacional, de acordo com as afinida-des das instituições com os temas propostos, parase criar um ambiente de fluidez informacional sobrenovas tecnologias e tendências. Foram criadas 19grandes plataformas temáticas, sendo a GP 01 -

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POLÕTICAS P�BLICAS E ENERGIAS RENOV¡VEIS: PROPOSTAS DE A«’ES DE INDU«√O...

Fontes Renováveis de Energia vinculada ao temaagro-energia e energias alternativas. Essa GP é for-mada pelas seguintes instituições: SECTI, SEIN-FRA, SICM, SEAGRI, SEMARH, SECOMP, UESC,UEFS, FVC, CAR, EMBRAPA, UFBA, UFRB, UNI-FACS e BATTRA.

O foco da GP de Renováveis são as Associaçõesde Pequenos Produtores Rurais. A justificativa deve-se ao fato delas serem mais carentes de incorpora-ção de inovações tecnológicas e, justamente porisso, possuem baixa competitividade e geram ummaior passivo ambiental. As Áreas Temáticas seleci-onadas para a GP 10 são: Solar (principalmente parahotéis e pousadas); Eólica, para bombeamento deágua de poços (sistemas híbridos); e Combustão deresíduos de biomassa.

ESBOÇO DE UMA ESTRATÉGIA PARA ASENERGIAS RENOVÁVEIS NA BAHIA

Tendo em vista esse conjunto de ações e em fun-ção da maturidade alcançada pelo estado com rela-ção ao tema energia, propõe-se um conjunto deações a seguir que obedecem à mesma seqüêncialógica verificada na ação federal. São elas: políticasde fomento, de apoio à PD&I, de investimento e deregulação. E a mesma sistemática de planejamentoadotada pelo governo estadual: Estratégia-Progra-mas-Projetos. O objetivo é tornar a Bahia um dosestados líderes na pesquisa, produção e uso de fon-tes de energias renováveis

A estratégia fundamental que baliza a presenteproposição possui dois componentes:• Elaboração de uma política energética para o es-

tado da Bahia 2007-2030, cujo foco central são asenergias renováveis, principalmente os biocom-bustíveis; e

• Criação de um aparato político-institucional (umComitê Gestor da Política) formado pelas Secre-tarias de Infra-estrutura, de Ciência, Tecnologia eInovação, de Agricultura, de Meio Ambiente e Re-cursos Hídricos, além do apoio da FAPESB, atu-ando através de ações transversais que envolvemo apoio às atividades de CT&I, o fomento a inves-timentos em biomassa para agroenergia e açõesde regulação.

A estratégia proposta seria sustentada pela ela-boração de um conjunto de estudos que envolvemdesenvolvimento de cenários, estudos prospectivos,formação e manutenção de bancos de dados, balan-ços energéticos dos ciclos de vida das cadeias pro-dutivas do agronegócio, nichos de mercado e oportu-nidades para atração de investimentos, inversões emlogística e avaliações ex-ante e ex-post.

A meta principal dessa política seria aumentar aparticipação das energias renováveis na matriz ener-gética estadual dos 26% de 2003 para 35% até 2030e diversificar as fontes utilizadas para além da hidráu-lica e da solar.

Para operacionalização dessa política, propõe-sea implantação de dois “programas âncora”, denomi-nados Programa de Energias Renováveis do Estadoda Bahia e Programa Baiano de Biocombustíveis.Estes programas, por sua vez, seriam formados pe-los seguintes projetos:

Programa de Energias Renováveis doEstado da Bahia

• projeto de apoio tecnológico à co-geraçãode energia. Voltado para os setores produtivosestratégicos da economia baiana, a exemplo daindústria sucro-alcooleira (que é carente no de-senvolvimento de alternativas de aproveitamentointegral da energia da cana-de-açúcar) e o setorde hotelaria com a energia solar.

• projeto de formação de bosques energéticos.Para desenvolver tecnologias para aproveitamentointegral da biomassa florestal para fins energéti-cos e de tecnologias de alcance social para inser-ção de comunidades de baixa renda na cadeia deflorestas energéticas.

• projeto biogás, com o objetivo de desenvolver es-tudos e desenvolver modelos de biodigestores;Efetuar a modelagem em sistemas de produção debiogás; Desenvolver equipamentos para geraçãode energia elétrica, movidos a biogás; Desenvolversistemas de compressão e armazenamento e pro-cessos de purificação de biogás, entre outros.

• projeto para aproveitamento de resíduos nomeio rural: Desenvolver tecnologias para o apro-veitamento energético de resíduos da produçãoagrícola, pecuária e florestal e da agroindústria e

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desenvolver tecnologias para a utilização de com-postos orgânicos resultantes da produção agro-pecuária na produção de agroenergia.

• projeto energia solar: Apoiar novos estudos eprojetos através de investimentos nos centros depesquisa, estimular a demanda do uso destetipo de energia e a nacionalização dos equipa-mentos, atração de empresas, financiamento deprojetos híbridos.

• projeto de energia eólica: Promover o desen-volvimento da energia eólica através da implanta-ção de estudos e projetos, mapeamento do po-tencial eólico da Bahia, financiamento de pesqui-sas, atração de empresas, desenvolvimento localde equipamentos.

Programa Baiano de Biocombustíveis

pro-etanol

• Fomentar a atração e consolidação da indústriasucroalcooleira no estado da Bahia, principalmen-te para a produção de etanol, aproveitando asgrandes vantagens edafoclimáticas disponíveis noBaixio de Irecê, Juazeiro e Sul do Estado; Criaçãode programa de incentivo à formação de lavourasde cana-de-açúcar.

probiodiesel Bahia

• Formalização no PPA do Probiodiesel Bahiacomo programa estratégico de Governo com re-cursos próprios alocados no orçamento da SECTIe no orçamento de cada secretaria parceira doprograma (SEAGRI/SEINFRA/SECOMP/SECTI/SEMARH/SICM);

• Criação do Comitê Gestor do Probiodiesel Bahia(Secretarias supracitadas e coordenação do Go-vernador) através de Decreto Simples/Portariapelo Governador com obrigação de elaboração deum plano de trabalho com definição de papéis,recursos, metas;

• Implantação de uma política de fomento à atraçãode empresas com base no ICMS incidente sobreo biodiesel que sai da usina para a refinaria ou dis-tribuidora de combustíveis (pode ser a partir deuma revisão do DESENVOLVE);

• Criação do Programa de Arranjos Produtivos Lo-cais de Oleaginosas, no âmbito do Probiodiesel

Bahia e perpassando várias Secretarias (exemplodo Cabra Forte), pois a área plantada está muitoabaixo do potencial agrícola do estado com apti-dão para esta cultura.

• Criação de um Edital Temático no âmbito daFAPESB específico para o Probiodiesel Bahiacontemplando diversas áreas do conhecimento;

• Estruturação do território estadual em cinco (05)macro regiões. O principal critério utilizado na de-finição das mesmas é o estágio atual do grau deintegração dos diferentes elos da cadeia produtivade biodiesel. A partir daí foram classificadas nasseguintes categorias: Semi-estruturada; Deses-truturada; Potencial e Especializada.

Macro Região I - Oeste Baiano (Semi-estruturadacom forte vocação empresarial)

Macro Região II - Litoral Sul (Semi-estruturadacom presença empresarial articulada com a agricul-tura familiar)

Macro Região III - Região de Irecê, Piemonteda Diamantina e parte do Médio São (Semi-estru-turada)

Macro Região IV - Região Nordeste, Paraguaçu,Chapada Diamantina e Serra Geral (Potencial)

Macro Região V - Região Metropolitana de Salva-dor (Especializada)

CONCLUSÃO

Com base na análise realizada no presente texto,pôde-se observar a importância que o setor energéti-co tem para o desenvolvimento socioeconômico deum país, estado ou região. As energias renováveisassumem um caráter estratégico, tendo em vista nãosó o esgotamento futuro das energias de base fóssil,mas, também, todas as implicações ambientais de-correntes do seu uso em escala industrial. Viu-se,também, todas as ações implementadas no país ena Bahia na área energética.

Apesar dessas ações, verificou-se que aindaexistem, tanto no âmbito federal quanto estadual,diversos pontos críticos para o pleno desenvolvi-mento das energias renováveis. No caso da Bahiadestacam-se:• Existência de um aparato institucional e de P&D

não amparado por uma política de fomento e regu-

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POLÕTICAS P�BLICAS E ENERGIAS RENOV¡VEIS: PROPOSTAS DE A«’ES DE INDU«√O...

lação para as energias renováveis, especifica-mente biocombustíveis.

• Ausência de um modelo de Governança consis-tente para gerir as políticas de energia.

• Carência de Programas aderentes ao tema ener-gias renováveis.

• Ausência de uma política de desenvolvimento re-gional estruturada para setores específicos.A Bahia tem todos os requisitos necessários – ca-

pacidade agrícola, infra-estrutura e capacitação técni-ca – para tornar-se uma grande força nacional na pro-dução e uso de energias renováveis, principalmente obiodiesel. Além disso, o estado construiu um aparatosistêmico que a coloca como um dos principais atoresda produção e inovação em bioenergia. Fundamenta-do por uma política mais agressiva nesse setor, aBahia consolidará sua vocação natural.

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Energia solar para irrigação nosemi-árido baiano: o caso daAssociação dos Produtores e

Horticultores do Açudedo Rio do Peixe, Capim Grosso (BA)

Nicia Moreira da Silva Santos*

* Economista pela Universidade Federal da Bahia e assistente admi-nistrativa da SEI. [email protected]

Abstract

The lack of water resources is one of the causes of chronicpoverty in which the semiarid inhabitants live, since it limitshuman occupation and agricultural production, and can alsocause the migration to big urban centers. Therefore, irrigationemerges as an essential element for survival, howeverhindered by the lack of electric energy to power the necessarypumps, motors, machines and equipment. Photovoltaic solarenergy configures itself as a feasible electricity supply optionfor remote and small areas, being highly applicable in theBahian semiarid. Its use in irrigation tends to generate positiveimpacts among producers by increasing their production,yielding bigger crops, diversifying cultures, improving incomeby commercializing the exceeding production, and byincreasing consumption. In the case of the Associação dosProdutores e Horticultores do Açude do Rio do Peixe weobserved improvements in regard to agricultural production,income, consumption, health and school education.

Key words: semiarid, draught, irrigation, photovoltaic solarenergy.

Resumo

A escassez de recursos hídricos apresenta-se uma dascausas para a pobreza crônica na qual vivem as populações dosemi-árido, uma vez que limita a ocupação humana e produçãoagrícola, podendo vir a resultar na migração para os grandescentros urbanos. Dessa forma, a irrigação aparece como ele-mento essencial para a sobrevivência, sendo dificultada pelafalta de energia elétrica para mover bombas, motores, máquinase equipamentos relacionados. A energia solar fotovoltaica con-figura-se opção viável de fornecimento elétrico em áreas remo-tas e pequenas, tendo grande aplicabilidade no semi-árido baia-no. Sua utilização para a irrigação tende a gerar impactos posi-tivos para os agricultores a partir do aumento na produção agrí-cola, maior rendimento das lavouras, diversificação de culturas,incrementos na renda pela comercialização do excedente e au-mento no consumo. No caso da Associação dos Produtores eHorticultores do Açude do Rio do Peixe foram observadas me-lhorias no que diz respeito à produção agrícola, renda, consu-mo, saúde e educação.

Palavras-chave: semi-árido, secas, irrigação, energia solarfotovoltaica.

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ENERGIA SOLAR PARA IRRIGA«√O NO SEMI-¡RIDO BAIANO: O CASO DA ASSOCIA«√O DOS PRODUTORES...

INTRODUÇÃO

A escassez de água é um dos motivos da pobrezacrônica que afeta a população do semi-árido baiano,especialmente no que diz respeito aos pequenosagricultores, pois a seca dificulta aprodução, contribuindo inclusivepara o aumento do êxodo rural. Airrigação, reconhecida como ele-mento importante no combate àseca e à pobreza na região, é difi-cultada pela falta de energia paramover bombas, motores, máqui-nas e equipamentos relacionados.Pela presença de característicascomo alta dispersão geográfica ebaixo consumo por unidade, a ele-trificação rural em áreas remotas éinviabilizada, sendo necessário ouso de fonte energética que seadeque às condições específicasque tal demanda impõe. Nesse cenário, a energiasolar fotovoltaica configura-se como opção viável emáreas remotas e pequenas, tendo grande aplicabili-dade no semi-árido baiano.

O emprego dos sistemas solares fotovoltaicos naBahia é realizado por pequenas comunidades ruraisdo semi-árido, através do processo de eletrificaçãorural, já que existem entraves para a implantação deenergia elétrica tradicional em áreas remotas e comalta dispersão demográfica. Os sistemas solares sãoutilizados para iluminação e usos produtivos, sendoque este último é de grande importância para as po-pulações, pois se apresenta como alternativa paraavanços em relação às condições de vida, a partir doacesso ao trabalho no campo e a geração de renda.

Este artigo tem como objetivo analisar as contri-buições do emprego dos sistemas fotovoltaicos debombeamento para irrigação na melhoria de vida dosprodutores familiares da Associação dos Produtorese Horticultores do Açude do Rio do Peixe – APHARP,comunidade rural localizada no município de CapimGrosso, semi-árido da Bahia. E de verificar até queponto este emprego pode vir a se configurar num fo-mentador de desenvolvimento dessa comunidade.

A pesquisa de campo foi realizada em maio de2006, a escolha do local teve como critérios a utilização

da tecnologia solar para fins produtivos, em que se con-siderou o emprego para irrigação como um dos usosmais relevantes para o semi-árido; e o fato do projeto deirrigação com energia solar na APHARP ser um projeto“piloto”, ou seja, o primeiro no estado, possuindo cerca

de dez anos de implantação (desde1996). A pesquisa foi feita medianteobservação participativa e entrevis-tas com questões norteadoras,onde cinco pequenos produtores,identificados como pessoas-chave,foram entrevistados. Variáveis eco-nômicas e sociais como produçãoagrícola, renda, emprego, organiza-ção coletiva, saúde e educação fo-ram levadas em consideração paracompor o estudo de caso.

O projeto piloto de Energia So-lar para irrigação no Açude do Riodo Peixe foi implantado entre 1995e 1997, onde foram instalados

nove kits de dezesseis placas solares e as respecti-vas bombas centrífugas. Foi realizado no âmbito dacooperação entre o Laboratório Nacional de EnergiasRenováveis dos Estados Unidos (NREL), o Centro dePesquisas de Energia Elétrica (CEPEL), a Compa-nhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA),a Coordenação de Irrigação da Secretaria de Agricul-tura e Irrigação do Estado da Bahia e a Associaçãode Moradores de Rio do Peixe.

Segundo relato dos pequenos produtores houveimpactos positivos no emprego da energia solar parairrigação na APHARP. Tais resultados dizem respeitoao aumento da produção agrícola, à diversidade decultivos, à produtividade das lavouras, aos incremen-tos na renda pela comercialização do excedente daprodução, incrementos no consumo e bem-estar.Observou-se também ganhos em relação ao fortaleci-mento da organização coletiva, saúde e educação.Contudo, em 2002, os sistemas foram desativadospor problemas técnicos nas bombas.

SEMI-ÁRIDO BAIANO: secas, irrigação e energia

O semi-árido baiano compreende aproximada-mente 62% dos municípios do estado, e abrange

Os sistemas solaressão utilizados parailuminação e usosprodutivos, sendo

que este último é degrande importânciapara as populações,

pois se apresenta comoalternativa para

avanços em relaçãoàs condições de vida,a partir do acesso aotrabalho no campo e a

geração de renda

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uma área de 360 mil km2, correspondendo a 68,7%do território estadual e a 51,7% de todo o semi-áridonordestino, sendo formado por nove das quinze Re-giões Econômicas.

De modo geral, a região é caracterizada por bai-xos índices de pluviosidade, irregularidade na distri-buição de chuvas e temperaturas médias elevadas.O clima é quente e seco, com temperatura médiaanual de 27ºC e cerca de 2.500 horas/ano de insola-ção, em média. A pluviosidade média anual variaentre 400mm e 800mm. As precipitações caracteri-zam-se por apresentar elevada irregularidade na dis-tribuição durante o ano e no decorrer dos anos, sen-do que metade está concentrada no trimestre maischuvoso, geralmente nos meses de verão, e o perío-do seco se estende, em média, por seis a oito me-ses. A caatinga se constitui no principal tipo de ve-getação (CAR, 1995).

O semi-árido baiano tem como traços mais mar-cantes: a estrutura concentrada das áreas úteis; nú-mero excessivo de pessoas ocupadas nos menoresestratos de área; condições ecológicas com alta vul-nerabilidade da produção agropecuária; baixo rendi-mento físico das produções em geral; baixo nível derenda dos chefes de domicílios; altas taxas de anal-fabetismo; e infra-estrutura de serviços públicos defi-citária, além do problema do déficit hídrico.

Historicamente, um dos entraves para o desenvol-vimento econômico e social das populações no semi-árido tem sido a oferta insuficiente de água, por faltade chuvas regulares, além da carência de sistemasde captação e de distribuição das águas dos rios esubterrâneas. A atividade agrícola do semi-árido émarcada pela baixa produtividade das culturas emrelação às demais áreas estaduais, utilização de tec-nologias rudimentares, pequena renda gerada,grau de tecnologia mínima e existência, na maioriados casos, da agricultura de subsistência. As ativida-des são realizadas, quase na totalidade, em peque-nas áreas, com exceção para a agricultura irrigada(CAR, 1995).

As secas produzem impactos distintos em rela-ção às condições de saúde, educação, emprego,migrações e setores produtivos da economia. A agri-cultura de subsistência, que se configura como fontede sustento e trabalho de grande parte dos pequenosprodutores rurais, é a mais afetada, e em alguns ca-

sos extrapola seus efeitos danosos, atingindo a cria-ção dos animais. Sendo assim, dificulta a geração doexcedente econômico oriundo da venda dos cultivos,forçando o agricultor a complementar a renda comocupações não agrícolas e, em casos extremos, in-duzindo à migração em busca de melhores oportuni-dades.

As atividades econômicas do semi-árido são pro-fundamente afetadas e desorganizadas pelas secas,pois com a falta de oportunidades de trabalho remu-nerado, os chefes de família são forçados a buscarempregos em outras áreas (geralmente na RegiãoMetropolitana de Salvador e no estado de São Pau-lo), contribuindo para promover a desagregação fami-liar. Segundo Ghirardi (1998), os baixos níveis de ren-da e de consumo, que se traduzem em precáriascondições de vida e remotas (ou nenhuma) expectati-vas de mudança, fazem com que milhares de pesso-as acorram às grandes cidades em busca de ascen-são social. Assim, a migração é um dos mais gravesresultados das secas, onde seus habitantes impos-sibilitados de conviver com as condições adversas deprodução e trabalho, partem para regiões mais dinâ-micas em busca de melhores padrões de vida, culmi-nando num processo de êxodo rural.

O fenômeno das secas também contribui paraaumentar as dificuldades na área educacional. Emanos de seca, as escolas rurais geralmente fechamou deixam de funcionar por falta de água para consu-mo e higiene ou pela indisposição que a fome acarre-ta. O nível de instrução no semi-árido é um dos maisbaixos do país. Segundo Ghirardi (1998), em 87%dos municípios a taxa de analfabetismo dos chefesde família é superior a 50%, e 47 municípios detêmtaxa de analfabetismo superior a 70%. Assim, as se-cas têm contribuído para aumentar os índices deanalfabetismo através do crescimento da evasão es-colar na região.

Contudo, com o uso de sistemas de irrigação aprodução agrícola e a pecuária podem se tornar viá-veis do ponto de vista econômico, pois quando com-binado a outros fatores permite aumento da produtivi-dade, possibilitando a geração de excedente comer-cializável e, portanto, um aumento na renda. Ao con-viver com a instabilidade climática (distribuição irre-gular e insuficiente de chuvas), o produtor que temacesso à agricultura irrigada encontra uma opção

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ENERGIA SOLAR PARA IRRIGA«√O NO SEMI-¡RIDO BAIANO: O CASO DA ASSOCIA«√O DOS PRODUTORES...

estratégica importante no processo de desenvolvi-mento setorial e regional.

Contabiliza-se uma série de impactos positivospela utilização da irrigação na agropecuária dosemi-árido baiano. Para a produção, verifica-seque, quando combinada com aplicação de defensi-vos agrícolas e uso de sementes de qualidade, a ir-rigação permite dobrar a produtividade nas culturastradicionais: feijão, milho e algodão, que são pre-dominantes nas unidades familiares voltadas paraa subsistência (SOUZA, 1995). Dessa forma, o au-mento da produtividade pode vir a possibilitar a ge-ração de um excedente comercializável e, portan-to, um aumento da renda e do bem-estar das famí-lias. Facilita também a introdução de cultivos commaior valor por unidade de área em comparaçãocom as atividades agrícolas de baixa produtivida-de. Permite, igualmente, a incorporação à ativida-de econômica de terras impróprias ao cultivo. Po-rém, o emprego da irrigação no semi-árido baianoesbarra na falta de um insumo básico: a energiaelétrica para bombeamento de água.

Nesse cenário, a questão da eletrificação ruralna Bahia aparece como fator limitante para o de-senvolvimento da região através da irrigação, hajavista que o estado possui um dos maiores índicesde não atendimento de energia elétrica. Segundodados do IBGE (2000), o percentual não eletrifica-do na Bahia é de 13,62% (433.052 domicílios nãoeletrificados), valor superior à média do Nordeste(12,30%). Dos domicílios sem atendimento elétricono estado, quase a totalidade localiza-se na árearural, em virtude da grande dispersão geográfica eda predominância de comunidades geralmente si-tuadas em áreas remotas e distantes das redesconvencionais. Grande parte desses domicílios en-contra-se em comunidades-núcleos altamente dis-persas, não atendendo a nenhum critério de aglo-meração, existência de serviços ou densidade po-pulacional, e apresentando atividades essencial-mente agrícolas e pluriativas.

Há uma série de barreiras à implementação daenergia elétrica no campo. A principal refere-se aofato de que em comunidades relativamente pequenase situadas em locais distantes da rede, o custo daextensão de redes de transmissão e distribuição,dada uma demanda energética extremamente redu-

zida, é elevado, inviabilizando a eletrificação atravésda rede convencional (a partir de postes, fios e outrosequipamentos). Portanto, faz-se necessária a utiliza-ção de outras fontes de energia, mais econômicas eque possam adequar-se a essas condições, comoas energias renováveis.

Em síntese, com as secas o uso da irrigação tor-na-se elemento importante para a melhoria das con-dições de vida do semi-árido. E para que haja o bom-beamento de água através de poços ou açudes, é ne-cessário o emprego da energia como força motriz.Dessa forma, a disponibilidade de energia apresenta-se como elemento de grande importância para a so-brevivência, enquanto fator de acesso à água viabombeamento para consumo humano e, principal-mente, na irrigação. Nesse contexto, configura-se aoportunidade para a utilização de painéis solares fo-tovoltaicos, uma fonte energética limpa e que se ade-que às condições específicas de eletrificação na re-gião semi-árida da Bahia.

O USO DA ENERGIA SOLAR FOTOVOLTAICA NOSEMI-ÁRIDO BAIANO

A energia solar é obtida através da conversão di-reta da luz solar em eletricidade. Tal fenômeno de-nomina-se Efeito Fotovoltaico, no qual há o apareci-mento de uma diferença de potencial nos extremosde uma estrutura de material semicondutor, produzi-da pela absorção da luz, sendo a célula fotovoltaicaa unidade fundamental no processo de conversão.As células fotovoltaicas, pela sua baixa tensão ecorrente de saída, agrupam-se formando módulos(CEPEL, 1995).

Um sistema fotovoltaico básico – nesse casopara bombeamento de água, consiste nos módulossolares, unidade de bombeamento, controlador decarga, inversor de corrente, suportes para sustenta-ção dos módulos, cabo de aço para prender a bom-ba, cabo para condução da energia elétrica, man-gueira para exaustão da água bombeada e materiaisacessórios diversos. A quantidade de cada item, prin-cipalmente dos módulos fotovoltaicos, e a capacida-de da unidade de bombeio são determinados de acor-do com os dados hidrodinâmicos de cada poço tubu-lar e da altura manométrica total.

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Aplicabilidade no semi-árido baiano

A utilização dos sistemas solares fotovoltaicos naBahia vem sendo realizada especificamente nas pe-quenas comunidades rurais do semi-árido, no pro-cesso de eletrificação rural. Seuuso ocorre tanto para fins de ilumi-nação pública e residencial quantopara fins produtivos como bombea-mento de água para consumo deanimas, eletrificação de cercas,resfriamento e secagem de frutas egrãos, piscicultura e como forçamotriz de bombas para irrigação.Tais empregos produtivos são desuma importância para a populaçãona medida em que se apresentamcomo alternativa para a melhoriadas condições de vida a partir doacesso ao trabalho no campo e ageração de renda.

A aplicabilidade da energia solarno semi-árido se dá por um conjunto de fatores, quaissejam: presença de radiação solar abundante na re-gião, insumo essencial para a geração energética;reunir as condições específicas para o atendimentoelétrico nas zonas rurais da região; ser descentraliza-da; apresentar modularidade e custos relativamentebaixos se comparados à implantação convencional;ser uma alternativa para amenizar o problema das se-cas a partir do bombeamento de água para consumohumano, de animais e irrigação; e gerar impactos po-sitivos para a população tanto em relação aos usosprodutivos (geração de renda) como para fins de ilumi-nação (melhoria nas condições de vida).

Por apresentar características como a alta disper-são geográfica entre as comunidades, grande distân-cia da rede de transmissão e distribuição elétrica ebaixo consumo por unidade, a eletrificação convenci-onal no semi-árido é inviabilizada economicamente.Surge a necessidade de uma fonte energética queatenda a essas condições: a energia solar fotovoltai-ca. Os custos para sua implantação em áreas remo-tas, se comparados aos custos da eletrificação viaredes de transmissão, são incomparavelmente me-nores, haja vista as particularidades de tais deman-das. Segundo análise da CEPEL (1995), em qualquer

localidade a pelo menos 10 km da rede, o atendimen-to através dos fotovoltaicos é mais vantajoso, caso oconsumo situe-se no valor médio de 12,5 kwh (quilo-watthora) por mês, considerado como referência paraum investimento de US$ 1,250.00 por consumidor

para a implementação do sistemafotovoltaico. Outro aspecto é que ocusto de atendimento tradicional de100 residências cresce de US$5,000.00 por residência, para umadistância de 10 km da rede, paracerca de US$ 8,000.00 por residên-cia, para uma distância de 50 kmda rede.

Dessa forma, os sistemas sola-res fotovoltaicos apresentam-secomo alternativa possível para o su-primento de eletricidade nessascondições, na medida em que os fa-tores para a incorporação de suatecnologia para eletrificação e ou-tros fins produtivos estão presentes

nas comunidades agrícolas de pequeno porte. Por seruma fonte energética descentralizada pode ser aplica-da nas propriedades localizadas nas áreas mais remo-tas. A modularidade permite que seja ajustada a cargaenergética adequada a cada emprego, sendo menorpara iluminação residencial em comunidades compoucos habitantes e maior quando usada para usosprodutivos.

No que diz respeito aos usos produtivos, o bom-beamento de água aparece como um dos mais im-portantes para o consumo de animais ou para a ir-rigação no semi-árido. A partir da inserção da águacomo insumo básico para a produção de lavouras epecuária, pode-se resultar no incremento da rendafamiliar e do nível de empregos rurais a partir dotrabalho na agropecuária. Com a escassez de riosperenes na região, a irrigação é realizada atravésde bombeamento de água de açudes ou poços, fa-zendo-se mister o uso da energia elétrica para talbombeio.

Em relação a essas fontes para bombeamento,Fraidenrich e Vilela (1994) apud Ghirardi (1998) afir-mam que as bombas manuais são ainda a opçãomais difundida no Nordeste para obter água para oconsumo humano, já que as bombas a diesel são,

Dessa forma, os sistemassolares fotovoltaicosapresentam-se como

alternativa possível para osuprimento de

eletricidade nessascondições, na medida em

que os fatores para aincorporação de sua

tecnologia paraeletrificação e outros fins

produtivos estãopresentes nas

comunidades agrícolas depequeno porte

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ENERGIA SOLAR PARA IRRIGA«√O NO SEMI-¡RIDO BAIANO: O CASO DA ASSOCIA«√O DOS PRODUTORES...

em geral, grandes demais para os níveis de deman-da, o que faz com que funcionem com baixa capaci-dade de carga e baixa eficiência. O Quadro 1 traz osprincipais elementos de comparação entre os siste-mas de bombeamento existentes.

Devido ao fato da pequena agricultura possuir re-duzida capacidade de gerar rendas – cerca de 66%da população da área rural não atendida por energiaelétrica tem renda inferior a R$ 150,00 por mês, gas-tando, no mesmo período, R$ 10,00 com energia

(querosene, pilhas, velas, etc.) (GOU-VELLO; POPPE, 1997) – e o alto custodos sistemas fotovoltaicos,– sendoque o de pequeno porte não é menorque US$ 14,00 por Watt –, é fundamen-tal que sejam disponibilizados siste-mas de financiamento que possibilitema amortização, a longo prazo, dos mó-dulos fotovoltaicos que demandam altovalor inicial de investimento, notada-mente para os sistemas fotovoltaicosde bombeamento. Os organismos go-vernamentais e organizações do tercei-ro setor também são responsáveis porfinanciar a energia solar fotovoltaica emcomunidades rurais do semi-árido.

Analisando os impactos dos siste-mas fotovoltaicos, Krause (2003) afir-ma que há uma correlação positiva en-tre a eletrificação e o Índice de Desen-volvimento Humano (IDH), já que o for-necimento de energia pelos painéis so-lares é capaz de promover o desenvolvi-mento rural. Essa influência na qualida-de de vida da população rural é medidapelas condições de saúde, educação egeração de renda. Especificamenteem relação ao uso dos sistemas foto-voltaicos de bombeamento para irriga-

ção, objeto do estudo de caso, muitos são os impac-tos a fim de promover a melhoria das condições devida da população das zonas semi-áridas:• melhorias na saúde pelo acesso à água e desuso

de produtos poluentes antes utilizados para gera-ção de energia como, por exemplo, o diesel;

• aumento da produção e do número de culturas emvirtude da utilização da energia para usos produti-vos como a irrigação;

• incrementos na renda a partir da comercializaçãodo excedente da produção;

• incrementos no consumo devido ao aumento darenda;

As principais vantagens no uso dos sistemasfotovoltaicos para bombeamento de água no semi-árido baiano referem-se a sua modularidade, suainstalação fácil, pouca manutenção e confiabilida-de. Por possuir modularidade, os sistemas fotovol-taicos podem amoldar-se à demanda por bombea-mento, impedindo a existência de capacidade oci-osa, e, ainda, o dimensionamento do sistema podeser alterado, ou seja, se a demanda aumentar, po-dem ser acoplados módulos adicionais. A fácil ins-talação faz dos sistemas uma ótima opção para ofornecimento em áreas distantes, como o caso dosemi-árido baiano.

Quadro 1Comparação de sistemas para bombeamento de água

Fonte : Frainderich e Villela ( 1994) apud Ghirardi (1998).

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• melhorias na educação a partir da iluminação, poisa população pode estudar no período noturno.Abordando os impactos para as comunidades

ressalta-se que a energia solar direta representa umaalternativa ao suprimento de necessidades a partir daprodução de alimentos via irrigação e geração de ex-cedentes monetários. Além de representar uma alter-nativa para o suprimento de necessidades das comu-nidades – produção de alimentos via irrigação e gera-ção de excedentes monetários –, a energia solar di-reta representa também uma solicitação de mudan-ças de hábitos de consumo que podem significar, emalguns casos, a reorganização da sociedade peloacesso à água e aos serviços domésticos. E o aces-so a tecnologia enquanto fator de organização comu-nitária dos pequenos produtores (GHIRARDI, 1998).

Contudo, as pequenas comunidades teriam, indivi-dualmente, pouca ou nenhuma condição de acesso aocrédito, tornando-se indispensável a instituição de umainstância coletiva, como uma cooperativa de crédito,que pudesse alavancar recursos junto aos organismosresponsáveis. A Associação de Desenvolvimento Sus-tentável e Solidário da Região Sisaleira (APAEB), emValente, e a Associação dos Produtores e Horticultoresdo Açude do Rio do Peixe, em Capim Grosso, sãoexemplos dessas instituições coletivas.

ENERGIA SOLAR PARA IRRIGAÇÃO: o caso daAssociação dos Produtores e Horticultores doAçude do Rio do Peixe em Capim Grosso1 (BA)

A Associação dos Produtores e Horticultores doAçude do Rio do Peixe (APHARP) foi criada em setede maio de 19882 no município de Capim Grosso.

Surgiu da necessidade de se instituir um órgão repre-sentativo que fosse em busca de apoio governamen-tal para a pequena produção local e no combate dosefeitos das secas na região. A Empresa Baiana deDesenvolvimento Agrícola S.A. (EBDA), o Sindicatodos Trabalhadores Rurais (STR) e a Prefeitura deCapim Grosso apoiaram a criação do órgão, que tem18 anos de existência.

O trabalho da APHARP junto à comunidade con-siste em: pleitear e viabilizar a concessão de benefí-cios públicos para as famílias junto às diversas insti-tuições; tentar criar uma infra-estrutura produtiva e demoradia com a construção de escolas, igrejas, cer-cas, pequenas aguadas, obras de irrigação e a dispo-nibilizar uma área comunitária de 8,8 hectares (doa-da pela Prefeitura à Associação) para o cultivo agríco-la dos moradores que não dispõem de terras.

A horticultura constitui-se na atividade fundamen-tal da economia local, sendo complementada com apesca e, em alguns casos, com a criação de poucascabeças de gado leiteiro. Contudo, a escassez hídri-ca apresenta-se como principal entrave ao desenvol-vimento da produção agropecuária, visto que o Açudedo Rio do Peixe está localizado numa região de gran-de incidência solar e baixos índices pluviométricos,em que as chuvas concentram-se em apenas trêsmeses do ano (entre abril e junho).

Como a questão mais relevante para os resi-dentes do Açude do Rio do Peixe se refere aos im-pactos negativos das secas sobre a produção agrí-cola (única fonte de sustento das famílias), as prin-cipais demandas da comunidade consistem emformas de minimizar tais impactos através da ces-são de equipamentos, assistência técnica para oscultivos, crédito rural, construção de cisternas eoutros. Dessa forma é que, em 1995, foi sugeridopara a APHARP o emprego da energia solar, pormeio dos sistemas solares fotovoltaicos, para obombeamento de água e irrigação no entorno doaçude. O convite foi realizado pela Coordenação deIrrigação da Secretaria de Agricultura, Irrigação eReforma Agrária (SEAGRI), que escolheu a comu-nidade pela condição de extrema pobreza em quese encontrava, pela incapacidade de produzir coma escassez de recursos hídricos, e por possuiruma organização coletiva forte, representada pelaAssociação dos Produtores e Horticultores do

1 O município de Capim Grosso foi criado em 1986, e está inserido, comoutros 23 municípios, na Região Econômica Piemonte da Diamantina, nosemi-árido baiano, ocupando uma área de 350,03 Km2, e se encontra auma distância de 268 km da capital. É caracterizado por apresentar climasemi-árido e a vegetação característica é a caatinga. Em termos econô-micos, o município pode ser definido como de atividade principalmenteagrícola e de serviços. Apresenta-se como uma região tradicionalmenteprodutora de culturas de sequeiro como: mandioca, sisal, milho, feijão,batata-doce, além dos cultivos de frutas (melancia, maracujá, banana) ehorticulturas.2 A Associação foi criada em 1988 com o nome de Associação dosHorticultores da Fazenda do Rio do Peixe. Contudo, em 2000, porquestões administrativas, mudou a razão social para Associação dosProdutores e Horticultores do Açude do Rio do Peixe. Como a estru-tura e os membros são os mesmos, considerou-se que a Associaçãopossui 18 anos.

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ENERGIA SOLAR PARA IRRIGA«√O NO SEMI-¡RIDO BAIANO: O CASO DA ASSOCIA«√O DOS PRODUTORES...

Açude do Rio do Peixe, capaz de gerir a utilizaçãode um tipo de tecnologia tão específica como a deplacas solares para a irrigação.

As expectativas foram positivas entre os residen-tes da comunidade do Rio do Peixe, que esperavamincrementos nos cultivos agrícolasa partir da irrigação, visto que asplantações eram feitas nos leitossecos do açude para o aproveita-mento da terra encharcada e, emalguns casos extremos, com ouso de baldes para molhar a terra.Nas duas situações pode-se inferirque a produtividade das lavourasera baixa. Na primeira, como secultivava nos leitos do açude, ondeas águas haviam recuado, o espa-ço produtivo era reduzido. E na se-gunda, com o cultivo feito de formabraçal, os agricultores carregavamágua no balde para regar planta-ções, um trabalho extremamente desgastante e debaixo rendimento.

Assim, em 1995, o projeto piloto de energia solarpara irrigação no Açude do Rio do Peixe foi implan-tado. O programa foi realizado no âmbito da coope-ração entre o Laboratório Nacional de Energias Re-nováveis dos Estados Unidos (NREL), o Centro dePesquisas de Energia Elétrica (CEPEL) e a Compa-nhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA),com a participação da Coordenação de Irrigação daSecretaria de Agricultura e Irrigação do Estado daBahia (SEAGRI) e da Associação de Moradores deRio do Peixe.

O Programa NREL–CEPEL tinha como finalida-de demonstrar a efetividade das tecnologias eólica esolar fotovoltaica para satisfazer as necessidadesda eletrificação rural e estabelecer relações institu-cionais e comerciais entre os dois países. Com aparticipação da Companhia de Eletricidade do Esta-do da Bahia, o CEPEL coordenou os trabalhos deimplantação e monitoramento da operação dos sis-temas. A SEAGRI foi responsável pela escolha dacomunidade, pela criação de um elo entre as entida-des e a associação e pela doação de equipamentosauxiliares na irrigação. Às famílias cabia o empregoe a conservação dos sistemas.

Os sistemas de bombeamento fotovoltaicosimplantados no Açude Rio do Peixe eram forma-dos por nove kits de dezesseis placas solares fo-tovoltaicas e as respectivas bombas centrífugas.Devido às variações sazonais do nível da água no

açude, a solução mais prática foia instalação do sistema em balsaflutuante. O sistema completo fi-cava a quinze metros da margemdo açude em época de cheia, ebombeava a uma distância de350 metros com vazão de 12 m3

por dia. A água bombeada pelosistema era conduzida às hortaspor meio de tubos conectados demaneira a molhar toda a exten-são das plantações.

Inicialmente, apenas um kit debombeamento fotovoltaico para ir-rigação foi instalado, em maio de1995, devido ao baixo nível das

águas no açude. Durante a implantação formou-seuma equipe de cerca de 20 técnicos oriundos doNREL, CEPEL, COELBA, SEAGRI, EBDA e de-mais órgãos para acompanhar a implementação dosistema, orientar o treinamento de técnicos da re-gião e instruir os pequenos produtores quanto aofuncionamento e manutenção do equipamento. So-mente em 1997, quando o açude estava cheio, orestante do material, ou seja, os outros oito kitsforam instalados. Dessa vez, vieram acompanha-dos de um motor a diesel e doze placas solares fo-tovoltaicas para iluminação residencial. O motor adiesel foi doado pela SEAGRI como forma de com-plementar a demanda energética que as placassolares não suprissem, sendo alocado numa áreacomunitária com a finalidade de beneficiar dez fa-mílias em 8,8 hectares.

Pela capacidade limitada de bombeamento dossistemas solares, visto que não poderia atender àsnecessidades de mais de uma família irrigando atéum hectare de terra, os nove kits foram divididos en-tre nove famílias. A escolha foi realizada pela comuni-dade dentre as famílias mais carentes. Entretanto, foidesenvolvido um sistema de parceria em que os de-mais associados poderiam utilizar o espaço irrigadoconcomitantemente às famílias selecionadas.

Os sistemas debombeamento

fotovoltaicos implantadosno Açude Rio do Peixe

eram formados por novekits de dezesseis placassolares fotovoltaicas e as

respectivas bombascentrífugas. Devido àsvariações sazonais do

nível da água no açude, asolução mais prática foi ainstalação do sistema em

balsa flutuante

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A assistência técnica foi instituída no âmbito daEBDA e da COELBA. A EBDA prestava assistênciano que diz respeito às questões agrícolas, auxilian-do e orientando nas plantações e no manuseio dosacessórios das bombas, permanecendo, contudo,apenas até o ano de 2000. A CO-ELBA prestava assistência em re-lação aos sistemas fotovoltaicosde irrigação propriamente ditos, fa-zendo a manutenção, troca de pe-ças dos equipamentos e dandoinstruções de uso e conservaçãoaos agricultores. Em 2001, quandoa COELBA foi privatizada, dandoprioridade às ligações elétricasconvencionais, a assistência foicancelada. Cabe destacar quepara os pequenos produtores ru-rais do Açude do Rio do Peixeexiste uma correlação positiva en-tre produtividade das lavouras e as-sistência técnica, sendo esta umafonte de motivação para os mesmos, conforme afir-mação de representante da APHARP:

Quando tínhamos assistência técnica produzíamos mais.Hoje se diminui muito a produção e creio que boa parte dissoé pela falta de assistência técnica. Só pelo fato de se ter aassistência, os agricultores sentem-se animados para pro-duzir (Pesquisa de campo, 2006).

Em condições de secas, quando as lavouras fi-cam prejudicadas ou até inviabilizadas, a irrigaçãoaparece como subsídio primordial para a sobrevivên-cia da população semi-árida. Porém, para que obombeamento de água aconteça é necessária umafonte energética. Como os residentes no Açude doRio do Peixe não possuíam acesso à energia elétri-ca, a irrigação feita com os sistemas solares fotovol-taicos de bombeamento torna-se uma opção viável,econômica e limpa. A comunidade possui ainda ascondições específicas para que o uso de tal tecnolo-gia torne-se vantajoso: alto grau de utilização combaixa demanda (kw) dos sistemas de bombeamentofotovoltaico implantados; fácil instalação e pouca ne-cessidade de manutenção dos sistemas, haja vista obaixo nível educacional dos habitantes do Açude;moradores instruídos sobre manutenção e operaçãodos sistemas; organização coletiva forte e atuante,

na figura da APHARP; baixo valor dos custos de ope-ração (principalmente se comparado a outras fontescomo o diesel); e existência de financiamento.

Vários foram os impactos econômicos e sociaispara a comunidade com a implementação do projeto

de emprego dos sistemas solaresfotovoltaicos de bombeamento parairrigação, segundo relato dos produ-tores. Os efeitos econômicos foramrelativos ao aumento das produçõesagrícolas, à diversidade de cultivos,à produtividade das lavouras, aos in-crementos na renda pela comercia-lização do excedente da produção,ao aumento do nível dos empregosrurais e ao aumento do consumo.Os efeitos sociais são notados,principalmente, no fortalecimentoda organização coletiva, na saúde,na educação, na melhoria do bem-estar e nas condições de vida dos

pequenos produtores.O aumento da produção constitui-se no principal

impacto para as famílias, conforme relatos. A secaimpossibilitava o cultivo das lavouras sem a irrigação,produzindo-se apenas para a subsistência. Apesar denão haver um registro de dados quantitativos, os pro-dutores afirmam ter obtido grandes ganhos de produ-ção com a irrigação. Além disso, os cultivos se esten-diam por toda a extensão das propriedades e nãoapenas nos leitos secos do açude, contribuindo parao aumento do quantum colhido. Some-se a isso o fatodos rendimentos das lavouras também terem aumen-tado com o trabalho conjunto da irrigação, sementesselecionadas, uso de adubos, pulverizadores e assis-tência técnica. Sobre tais ganhos, um agricultor, be-neficiado com o kit de irrigação, afirmou que:

A quantidade produzida depois da energia solar é incompa-rável, rendemos muito mais. É impossível imaginar, fazer umcálculo do antes e depois. Chegamos a tirar produções aquide caminhão, não de uma propriedade, mas de quatro a cin-co ... Antes não tinha como produzir .... Não é que estejamosproduzindo muito, era que antes não produzíamos nada(Pesquisa de Campo, 2006).

Registrou-se uma maior variedade de culturascom o projeto. Antes, eram colhidos apenas batata,abóbora e pouco quiabo. Depois foram implantadas

O aumento da produçãoconstitui-se no principalimpacto para as famílias,conforme relatos. A secaimpossibilitava o cultivo

das lavouras sem airrigação, produzindo-se

apenas para asubsistência. Apesar de

não haver um registro dedados quantitativos, osprodutores afirmam ter

obtido grandes ganhos deprodução com a irrigação.

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ENERGIA SOLAR PARA IRRIGA«√O NO SEMI-¡RIDO BAIANO: O CASO DA ASSOCIA«√O DOS PRODUTORES...

lavouras de tomate, repolho, pimentão, quiabo, agoraem maior quantidade, feijão, milho, abóbora, melan-cia, goiaba, banana e maracujá.

Sensíveis modificações foram observadas na co-mercialização dos produtos. Com o reduzido exce-dente gerado antes da irrigação,quando a maioria das propriedadesvivia em níveis de subsistência, co-mercializava-se apenas no municí-pio de Capim Grosso. Na análiseposterior, as vendas de horticultu-ras estenderam-se para Queima-das, Santaluz, Jacobina e outrascidades próximas, conseqüênciadireta do aumento da produção naslavouras.

O incremento na renda das fa-mílias também foi uma das conse-qüências do emprego da energiasolar para irrigação no Açude doRio do Peixe. A partir do aumentodos cultivos, da produção e do ren-dimento, um excedente agrícolamaior era destinado à comercialização, acarretandorenda adicional. Segundo informações dos produto-res, a renda gerada sem irrigação era insuficiente,pois a atividade era quase totalmente dedicada àsubsistência. O acréscimo na renda pós-programaalcançou aproximadamente um salário mínimo, re-presentando grande variação se comparado ao esta-do anterior, em que plantavam apenas para consu-mo próprio.

Para os beneficiados, a ampliação do consumodos pequenos produtores ocorreu como efeito diretoda capitalização destes, resultando conseqüente-mente no aumento do seu bem-estar e melhoria dascondições de vida. Os principais bens adquiridos fo-ram cabras, porcos, bovinos, eletrodomésticos emotos, além de alimentos processados a fim decompor a cesta básica. Outro produtor beneficiadoratificou a importância das bombas solares no quetange aos impactos sobre a renda e consumo:

Quem não tinha nenhuma cabra hoje já tem uma vaquinha,tem material para pescaria. Tudo através da força da bom-ba solar, se ela não tivesse vindo estaríamos na mesmadificuldade, molhando as plantações na mão e o que pro-duzíamos só dava para comer... Tudo o que conseguimos

foi com esforço da bomba, dela para cá foi que adquirimoso que temos, porque antes não tínhamos nada (Pesquisade campo, 2006).

O fortalecimento da organização coletiva apresen-tou-se como um dos mais notáveis impactos sociais.

Os benefícios obtidos através doprojeto de irrigação com energiasolar acabaram por despertar a co-munidade para a importância daAPHARP, ou seja, para a relevânciaque uma instituição coletiva forte ecoesa possui frente aos órgãos go-vernamentais. Quantificou-se que,depois do projeto, o número de fa-mílias associadas à APHARP so-freu uma variação de 100%, pas-sando de 40 para 80 famílias.

As melhorias na saúde e naeducação são consideradas efeitosindiretos do projeto de energia solarpara irrigação. Essas melhoriassão fruto especialmente da qualida-de da alimentação, com o consumo

de uma cesta maior de alimentos. Na educação, es-sas melhorias se verificaram na diminuição do nívelde analfabetismo dos menores a partir da construçãode uma escola de ensino fundamental com a rendagerada pela horticultura irrigada.

Entretanto, a partir de 2002, as bombas alimenta-das com energia solar, uma a uma, a começar pelasque eram mais utilizadas, passaram a apresentarproblemas que não foram solucionados e, então, en-traram num processo de estagnação. Segundo relatodos produtores beneficiados, o defeito foi causadopor uma peça chamada “escova de carvão”, fabricadano México. A informação recebida foi de que os forne-cedores não a importavam, pois a mesma tinha dei-xado de ser confeccionada. Os agricultores, por suavez, procuraram ajuda da COELBA e EBDA, queatravés das empresas fornecedoras receberam amesma informação. Técnicos da COELBA recomen-daram o uso da “escova de Carvão” da marca Merce-des, que por conter material diferente do original nãose adaptou às bombas antigas. Assim, sem outrasopções, uma vez que não poderiam parar a produção,continuaram a utilizá-la até que os sistemas paras-sem. Há que se ressaltar que os produtores usaram

O fortalecimento daorganização coletiva

apresentou-se como umdos mais notáveis

impactos sociais. Osbenefícios obtidos através

do projeto de irrigaçãocom energia solar

acabaram por despertar acomunidade para a

importância da APHARP,ou seja, para a relevância

que uma instituiçãocoletiva forte e coesa

possui frente aos órgãosgovernamentais

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os sistemas até a exaustão e lamentaram muito suaperda. Além disso, não foi verificado nenhum defeitono que diz respeito às placas solares.

No entanto, quando os sistemas começaram aapresentar defeito, não bombeando mais a mesmaquantidade de água para irrigação,alguns produtores adquiriram moto-res a diesel como opção comple-mentar ao bombeamento fotovoltai-co. Dessa maneira, no momentoem que as bombas da energia solarforam desativadas, algumas famíli-as não sentiram tanto os resulta-dos da perda, pois possuíam motorbomba a diesel. Contudo, a grandemaioria das famílias não detinha talequipamento. A queda na produçãofoi a principal conseqüência da de-sativação dos sistemas para a co-munidade.

Apesar de constituir-se em fon-te energética poluente e dos altoscustos se comparada à energia so-lar (para os produtores beneficiadosno Açude do Rio do Peixe o custopara bombeamento de água via sis-temas fotovoltaicos era zero), em que o produtor gas-ta em média R$ 30,00 por semana para alimentá-laou R$ 120,00 por mês, para continuar as plantações,os agricultores decidiram pelo uso do moto bomba adiesel como alternativa para a irrigação.

Em relação à desativação dos equipamentos, umagricultor beneficiado expressa seu descontenta-mento:

Depois das bombas melhorou muito a situação da gente,passamos a nos envolver mais na roça mesmo, plantandode tudo, melancia, abóbora, quiabo.... Tudo o que a genteplantava dava, e dava o suficiente. Mas agora como asbombas deram problemas nós ficamos quase na mesma di-ficuldade, por que para quem não pode comprar o motor (adiesel) a plantação ficou devagar de novo (Pesquisa decampo, 2006).

Com o prejuízo na capacidade de bombeamentopela substituição dos sistemas fotovoltaicos pelosmotores a diesel, a produção de frutas ficou compro-metida, uma vez que havia a necessidade de umacarga mais intensa de irrigação (dia e noite). Para

tanto, as bombas fotovoltaicas permaneciam ligadasininterruptamente durante dias. Atualmente, isso sig-nifica um alto gasto de diesel, incompatível com arenda das famílias.

Com as bombas paradas, começaram a haver fur-tos de placas solares – treze pla-cas desapareceram entre 2002 e2003. Por conseguinte, foi decididoem assembléia na APHARP que asmais de cem placas que acompa-nhavam os kits de bombeamento eestavam ociosas iriam ser distribuí-das para os associados para ilumi-nação residencial. Todos os asso-ciados receberam as placas sola-res, e aquelas que restaram foramcedidas a outras instituições emtroca de uma gratificação para aconstrução da sede própria.

No que diz respeito às expecta-tivas da comunidade, observa-seque os principais problemas paraos produtores dizem respeito aosimpactos das secas, à pequenaquantidade de terras para cultivo eao acesso à energia elétrica.

Como o nível das águas do Açude do Rio do Peixeestá baixo há cerca de três anos pela falta de chuvas(desde 2003), o principal pleito da comunidade se re-fere à construção de uma ligação com a barragem dePedras Altas,3 com a finalidade de alimentar o açudede maneira a amenizar os efeitos das secas.

Outra questão relevante para os produtores giraem torno das áreas disponíveis para plantações. Naopinião deles, as áreas existentes no entorno do açu-de são limitadas em relação ao número de famíliasresidentes na comunidade. Além de atentarem para ofato de que os lotes de cada uma das famílias têm deser divididos entre os filhos, diminuindo ainda mais aparte designada para os cultivos. Em relação a isso,considerando-se que o módulo fiscal4 do município

Com o prejuízo nacapacidade de

bombeamento pelasubstituição dos sistemas

fotovoltaicos pelosmotores a diesel, a

produção de frutas ficoucomprometida, uma vezque havia a necessidade

de uma carga mais intensade irrigação (dia e noite).

Para tanto, as bombasfotovoltaicas permaneciamligadas ininterruptamentedurante dias. Atualmente,

isso significa um altogasto de diesel,

incompatível com a rendadas famílias

3 A Barragem de Pedras Altas, inaugurada em 2 de abril de 2002, localiza-se no Distrito de Capim Grosso, a 4 km de distância da comunidade.4 Módulo fiscal constitui uma referência de área definida pelo INCRA, quevaria conforme a região, e é definido para cada Município a partir de váriosfatores: tipo de exploração predominante no município, renda obtida coma exploração predominante, outras explorações existentes no município

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ENERGIA SOLAR PARA IRRIGA«√O NO SEMI-¡RIDO BAIANO: O CASO DA ASSOCIA«√O DOS PRODUTORES...

de Capim Grosso é de 60 hectares e sua fração míni-ma é de 25 hectares, pode-se inferir que o módulo fis-cal é doze vezes maior que o tamanho médio daspropriedades do Açude do Rio do Peixe, que é de cin-co hectares, e a fração mínima está cinco vezes aci-ma do tamanho médio das proprie-dades.

O acesso à energia elétricatambém se constitui numa reivindi-cação importante, visto que seapresenta como alternativa paraprodução a partir de seu uso paraalimentar bombas elétricas. Some-se a isso o aumento do nível debem-estar da comunidade com oincremento da carga consumida,abrindo espaço para o consumo deoutros eletrodomésticos.

A partir dessa análise, pode-seconcluir que o emprego da energiasolar para irrigação na comunidadedo Açude do Rio do Peixe gerou umconjunto de impactos positivos culminando no de-senvolvimento do nível de vida dos moradores, confir-mando a hipótese apresentada. Tais impactos sãoresumidos nos seguintes tópicos:1. aumento da produção em virtude do uso da ener-

gia para o processo de irrigação, além de maiorrendimento das lavouras;

2. maior variedade de culturas;3. incrementos na renda a partir da comercialização

do excedente da produção;4. incrementos no consumo acarretando um maior

grau de inserção no sistema capitalista;5. aumento do bem-estar em virtude do aumento no

consumo;6. melhorias em saúde e educação como efeito indi-

reto da irrigação via energia solar.

A primeira crítica diz respeito ao número de fa-mílias beneficiadas e ao alcance limitado do proje-to. Das quarenta famílias associadas inicialmente,apenas nove foram beneficiadas diretamente comos nove kits de bombeamento fotovoltaico, enquan-

to que as demais tiveram que en-trar em sistemas de parceria parausufruir das benesses dos equipa-mentos. Os entes responsáveispoderiam ter cedido um maior nú-mero de kits ou aumentado a po-tência instalada de modo a benefi-ciar maiores áreas ou a comuni-dade como um todo.

Além disso, com as melhoriasem relação à produção, ao rendi-mento das lavouras, incrementosna renda e no consumo das famíli-as, e o efeito indireto sobre educa-ção e saúde, pode-se inferir que oemprego da energia solar para irri-gação na comunidade do Açude do

Rio do Peixe gerou avanços em relação às condiçõesde vida dos habitantes com o aumento do bem-estar,mas ficou aquém do objetivo de vir a ser elementopromotor de desenvolvimento rural. Isso se deve prin-cipalmente ao alcance limitado do projeto, que nãobeneficiou diretamente todas as famílias, uma vezque algumas tiveram grandes progressos, outras fi-caram a mercê dos sistemas de parceria e algumasnem chegaram a utilizar os sistemas solares debombeamento.

A principal crítica relaciona-se com a assistên-cia técnica, que se apresenta como fonte de moti-vação e item de grande importância para os agri-cultores da comunidade. Inicialmente haveria a as-sistência técnica prestada às famílias, principal-mente para os equipamentos, existia, mas não eraconstante e cessou após a privatização da COEL-BA. Já a assistência para as atividades agrícolasfeita pela EBDA era mais assídua, contudo a partirde 2000 e até maio de 2006 não vem sendo realiza-da. O modelo de intervenção dos órgãos públicosna área rural vem ocorrendo de forma desorganiza-da e desarticulada, com duplicação de funções,atuações pontuais, falta de planejamento e de con-tinuidade.

A principal críticarelaciona-se com a

assistência técnica, quese apresenta como fontede motivação e item degrande importância para

os agricultores dacomunidade. Inicialmente

haveria a assistênciatécnica prestada às

famílias, principalmentepara os equipamentos,

existia, mas não eraconstante e cessou após aprivatização da COELBA

que, embora não predominantes, sejam significativas em função da rendaou da área utilizada, e conceito de propriedade familiar. O Módulo Fiscalserve de parâmetro para classificação do imóvel rural quanto ao tamanho,na forma da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993: Pequena Proprieda-de - o imóvel rural de área compreendida entre 1(um) e 4(quatro) módulosfiscais; Média Propriedade - o imóvel rural de área superior a 4 (quatro) eaté 15(quinze) módulos fiscais. Serve também de parâmetro para definiros beneficiários do PRONAF (pequenos agricultores de economia famili-ar, proprietários, meeiros, posseiros, parceiros ou arrendatários de até4(quatro) módulos fiscais).

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NICIA MOREIRA DA SILVA SANTOS

No caso específico dos equipamentos de irriga-ção com energia solar para a APHARP, pode-se des-tacar que para sua cessão não foi levado em conta ofato de não haver similares no país. Ou seja, os siste-mas foram desativados pelo desgaste de uma mes-ma peça, que, de acordo com depoimentos, não pos-suía similares no mercado, culminando na desativa-ção das nove bombas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O emprego da energia solar para irrigação nosemi-árido por parte da Associação dos Produtores eHorticultores do Açude do Rio do Peixe resultou emimpactos positivos no que diz respeito ao aumentodas produções agrícolas, à diversidade de cultivos, àprodutividade das lavouras, aos incrementos na ren-da pela comercialização do excedente da produção,aos incrementos no consumo e ao bem-estar. Obser-vou-se também ganhos em relação ao fortalecimentoda organização coletiva, na saúde e na educação.

Esses sistemas fotovoltaicos de bombeamentoinstalados no Açude do Rio do Peixe foram desativa-dos em 2002, por causa do desgaste numa peça dasbombas. A partir disso, os pequenos produtores, coma renda auferida na horticultura irrigada, adquirirammotores a diesel para continuar o bombeamento deágua e a irrigação.

Contudo, pode-se enumerar uma série de críticasà implantação do projeto, como o número reduzidode beneficiados – das quarenta famílias associadasinicialmente, apenas nove foram beneficiadas direta-mente com os kits de bombeamento fotovoltaico, en-quanto as demais tiveram que entrar em sistemas deparceria para usufruir das benesses dos equipamen-tos. Some-se a isso a falta de planejamento dos en-tes governamentais, que apesar de financiarem o pro-jeto, não estipularam todas as etapas de sua implan-tação, deixando a responsabilidade da escolha dosbeneficiados para a instituição local, e, ainda, a defi-nição das normas para a assistência técnica a cargoda COELBA.

Pode-se criticar o modelo de intervenção dosórgãos públicos na área rural, mais especificamen-te os programas de eletrificação rural executadosno estado. Tais políticas foram e são realizadas de

forma desarticulada, com duplicação de funções,atuações pontuais, falta de planejamento e de con-tinuidade.

As melhorias em relação à produção, o aumento norendimento das lavouras, os incrementos na renda e noconsumo das famílias e o efeito indireto sobre a educa-ção e a saúde tiveram alcance limitado, uma vez queforam produzidos avanços em relação às condições devida e bem-estar somente para os beneficiados direta eindiretamente com os sistemas, tendo deixado desejarno que se refere à promoção do desenvolvimento rural.É válido destacar que tais críticas referem-se à formaem que a energia solar para irrigação foi implantada pe-los entes no referido projeto e não em relação aos efei-tos de sua utilização de modo geral.

Em suma, a despeito do pequeno número de be-neficiados, da falta de planejamento em todas asetapas da implantação do projeto de energia solarpara irrigação na APHARP, e do reduzido alcancepara o desenvolvimento econômico e social, deve-sesalientar a importância do Estado como agente pro-motor e financiador de projetos, cujas finalidadessão o aumento do bem-estar social a partir do pro-gresso econômico e a melhoria das condições devida da população. Além disso, vale ressaltar o valorda prestação da assistência técnica (mesmo quedeficitária) realizada pelos entes governamentais,visto que se apresenta como fator elementar para aprodução agrícola para pequenos produtores famili-ares do semi-árido.

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Biodiesel no Brasil:

estágio atual e perspectivas

José Honório Accarini*

* Mestre em Economia pela Universidade de São Paulo, Professor de Gra-duação e Pós-Graduação em Instituições de Ensino Superior de Brasília(DF), assessor na Casa Civil da Presidência da República, membro da

Abstract

The National Program of Biodiesel Use and Production(PNPB) was conceived and is being implemented aiming topromote social inclusion and regional development, bygradually engaging small producers and the Brazilianpoorest regions in a continuously growing market. Instead ofsubsidizing the production, PNPB chose a differentiated taxmodel for categories of producers, regions and rawmaterials.

The operations contracted in four biodiesel purchasingauctions reached 840 million liters, involved R$ 1.5 billion andcreated work opportunities for about 205 thousand families ofsmall producers. Currently, the production capacity(considering projects in operation, being implemented andundergoing feasibility studies) reaches 1.7 billion liters, andmore than 2,300 gas stations are selling the B2 mixture. Theseaccomplishments represent only part of the Brazilian biodieselpotential and have been contributing to stimulate local andregional economies.

Key words: biodiesel, social inclusion, biofuels, familyfarming and energy matrix.

Resumo

O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel(PNPB) foi concebido e vem sendo implementado visandopromover a inclusão social e o desenvolvimento regional,mediante o engajamento progressivo de agricultores familiarese de regiões carentes do País num mercado que não pára decrescer. Ao invés de subsidiar a produção, o PNPB optou por ummodelo tributário diferenciado por categorias de agricultores,regiões e matérias-primas.

As operações contratadas nos quatro leilões de compra debiodiesel atingiram 840 milhões de litros, envolveram cifra daordem de R$ 1,5 bilhão e proporcionaram a criação de oportuni-dades de trabalho para cerca de 205 mil famílias de agricultoresfamiliares. Considerando-se projetos em operação, em fase deimplantação e de estudos de viabilidade, a capacidade atual deprodução atinge 1,7 bilhão de litros e a mistura B2 está sendovendida em mais de 2.300 postos. Essas realizações represen-tam apenas parte do potencial do biodiesel no Brasil e vêm con-tribuindo para dinamizar economias locais e regionais.

Palavras-chave: biodiesel, inclusão social, biocombustíveis,agricultura familiar e matriz energética.

INTRODUÇÃO

Não se faria justiça histórica escrever sobre biodi-esel sem uma referência, ainda que muito breve, aRudolf Christian Karl Diesel, engenheiro de origemalemã, nascido em Paris aos 18 de março de 1858,inventor do motor diesel. Constantemente aperfeiçoa-do ao longo do tempo, esse motor vem sendo utiliza-

do largamente no mundo para finalidades as mais di-versas, especialmente em veículos para transportede pessoas e cargas.

Segundo registros históricos, ele recebeu apatente de sua invenção em 23 de fevereiro de1893, em Berlim, levando-a, em 1911, à mostramundial de Paris, quando o motor teria funcionadocom óleo vegetal. Embora se pudesse dizer que o

Comissão Executiva Interministerial e do Grupo Gestor do Biodiesel e autorde diversos livros e artigos relacionados à Economia do Agronegócio, dosRecursos Hídricos e Finanças Públicas. [email protected].

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BIODIESEL NO BRASIL: EST¡GIO ATUAL E PERSPECTIVAS

motor diesel tenha nascido essencialmente eco-lógico, hoje se sabe que o uso do óleo vegetalpuro como combustível causa danos aos motoresatuais, além de acarretar a emissão de poluentescancerígenos.

A abundância relativa do petróleo acabou inviabili-zando o emprego do óleo vegetal e de outras fontescomo combustível, passando a ser usado o óleo die-sel, nome concedido em homenagem àquele inven-tor. As crises do petróleo nos anos de 1970 reaviva-ram o interesse por fontes alternativas de energia,mas o recuo de seus preços voltou a desestimular oscombustíveis alternativos ao diesel, embora tenhasido fator importante para o desenvolvimento do eta-nol, substituto da gasolina, em cuja produção e de-senvolvimento tecnológico o Brasil hoje ocupa posi-ção de liderança no cenário mundial.

O interesse por substitutos do óleo diesel voltou àcena nos anos de 1990, com a consolidação do con-ceito de desenvolvimento sustentável e as crescen-tes preocupações com o efeito estufa, com os confli-tos no Oriente Médio e com a disponibilidade deenergia ante a finitude do petróleo e a volatilidade deseus preços. A segurança energética comparecehoje na agenda de ações e preocupações de paísesdesenvolvidos, em desenvolvimento e até mesmo deexportadores de petróleo.

Embora não haja unanimidade,1 o Brasil deteve,em 1980, a primeira patente mundial do biodiesel,processo criado pelo professor e pesquisador da Uni-versidade do Ceará, Expedito Parente. Na mesmadécada, em países da Europa, especialmente na Ale-manha, a produção de biodiesel começou a ganharimpulso e hoje mobiliza número crescente de países,tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento.

No Brasil, como se busca mostrar neste artigo, obiodiesel vem superando metas e inserindo-se grada-tivamente como novo combustível em nossa matrizenergética, considerada uma das mais limpas domundo. Esse processo teve início em julho de 2003,passou por várias fases e já se encontra em francodesenvolvimento, a caminho de sua consolidação.

GÊNESE DO PROGRAMA NACIONAL DEPRODUÇÃO E USO DE BIODIESEL (PNPB)

Para que se disponha de uma visão geral sobre oPNPB, esta primeira parte do trabalho tem por objeti-vo sumariar suas principais etapas e medidas.

Ciclo de audiências e estudos de viabilidade

Em julho de 2003 foi criado, por Decreto Presiden-cial, um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) paraanalisar a viabilidade da produção e uso do biodieselno Brasil, usando como metodologia a realização deum ciclo de audiências com representantes de enti-dades públicas e privadas da cadeia do biodiesel(pesquisa, universidades, agricultura, fabricantes,governos estaduais, indústria automobilística, etc.) eparlamentares envolvidos com o assunto, de modo aproporcionar debate o mais amplo possível e o exa-me de experiências e potencialidades do biodiesel noBrasil e em outros países.

No início de dezembro do mesmo ano, os traba-lhos foram encerrados, oportunidade em que se pro-duziu o Relatório Final do GTI contendo diversas con-clusões. A principal delas foi a de que o biodiesel po-deria contribuir para o equacionamento de questõesfundamentais para o País, tais como:a) promover a inclusão social de agricultores familia-

res mediante a geração de emprego e renda de-corrente de seu progressivo engajamento na ca-deia produtiva do biodiesel;

b) atenuar disparidades regionais;c) contribuir para a economia de divisas e a redução

da dependência do petróleo importado (denomina-da “petrodependência”); e

d) fortalecer o componente renovável de nossa ma-triz energética e reduzir a emissão de poluentes ecustos na área de saúde com o combate aos cha-mados males da poluição.Em resumo, vislumbraram-se, com a introdução

do biodiesel no Brasil, benefícios de natureza social,econômica, ambiental, estratégica e mesmo geopolí-tica. Por isso, a recomendação final contida no aludi-do Relatório foi no sentido de se criar uma comissãointerministerial permanente para propor e acompa-nhar as providências necessárias à introdução desse

1 Disputas relacionadas a patentes e inventos são comuns. As dificulda-des de comunicação, no início do século passado, e o fato de os proces-sos industriais modernos muitas vezes se diferenciarem por simples de-talhes (que, não obstante, podem fazer toda diferença) têm sido as prin-cipais fontes dessas controvérsias.

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JOSÉ HONÓRIO ACCARINI

novo combustível no Brasil. Para essa decisão tam-bém contribuíram as perspectivas de elevação e a vo-latilidade dos preços internacionais do petróleo e ofato de a matriz energética nacional ser 47% depen-dente dessa fonte de energia, cujos preços médiosde importação cresceram 125%entre 2000 e 2006 (dados até ju-nho, da ANP).

O óleo diesel, passível desubstituição parcial/total pelo bio-diesel, é responsável por 55% denosso consumo para transporteveicular. No período janeiro-2004/junho-2006, respondeu por 32%(média de US$ 84 milhões/mês)dos dispêndios com importaçõesde derivados de petróleo, sendosuplantado apenas pela nafta,com média de US$ 100 milhões/mês (38%).

Comissão ExecutivaInterministerial e Grupo Gestordo Biodiesel

A primeira providência da Comissão ExecutivaInterministerial, apoiada por um Grupo Gestor, foiidentificar as medidas necessárias à introdução dobiodiesel como novo combustível. Foram elenca-das dezesseis metas; quatro foram consideradasprioritárias:a) autorizar oficialmente a mistura de até 2% de bio-

diesel ao diesel mineral;b) desenvolver mecanismos para produção de olea-

ginosas e biodiesel visando a inclusão social;c) definir modelo tributário aplicável à cadeia produti-

va do biodiesel; ed) estabelecer a segmentação do mercado e suas

especificidades, tais como uso de biodiesel emgeradores de energia, frotas veiculares cativas eveículos de transporte metropolitano.A idéia inicial contida na Medida Provisória que

tratou da introdução do biodiesel na matriz energéti-ca brasileira previa o uso facultativo da mistura B2(2% de biodiesel e 98% de diesel), mas as discus-sões no Congresso Nacional durante a análise do

assunto convergiram para a obrigatoriedade da mis-tura B5, concedendo-se, entretanto, um prazo parasua entrada em vigor (até janeiro de 2013), com ameta intermediária do B2, em janeiro de 2008.

Medidas integrantes do PNPB

Definidas as prioridades e o pla-no de trabalho, seguiram-se diver-sas providências aprovadas pelaComissão Executiva Interministeri-al do Biodiesel. Respeitadas as ca-racterísticas, prazos, trâmites, es-feras de decisão e peculiaridadesdas várias medidas, foram editadosleis, decretos, resoluções, portari-as, instruções normativas e outrosdocumentos que hoje integram oPrograma Nacional de Produção eUso de Biodiesel (PNPB), lançadoem 6 de dezembro de 2004.

Inicialmente, a então AgênciaNacional do Petróleo (ANP) ficou

incumbida de estabelecer as especificações físico-químicas e os padrões de qualidade para o biodieseldestinado à mistura com o diesel mineral. Em segui-da, foi necessário criar e modificar diversos normati-vos legais e regulatórios visando definir o biodiesel,uma vez que, até então, embora viesse sendo produ-zido e comercializado em pequena escala, como és-ter, para finalidades específicas, ele não era reconhe-cido como combustível.

A palavra biodiesel não existia legalmente no Paíse, do ponto de vista regulatório, foram modificadasquase duas dezenas de Resoluções da ANP paraacolher o novo combustível.

Em 24.11.2004 foram também editadas duas no-vas resoluções: a nº 41, que institui a regulamenta-ção e obrigatoriedade de autorização daquela Agên-cia para o exercício da atividade de produção de bio-diesel, e a nº 42, que estabelece a especificaçãopara a comercialização de biodiesel adicionável aodiesel na proporção de 2% em volume.

O PNPB exigiu a edição de Medidas Provisóriasque foram modificadas e aprovadas pelo CongressoNacional e sancionadas pelo Presidente da Repúbli-

Em resumo, vislumbraram-se, com a introdução do

biodiesel no Brasil,benefícios de natureza

social, econômica,ambiental, estratégica emesmo geopolítica. Por

isso, a recomendação finalcontida no aludido

Relatório foi no sentido dese criar uma comissão

interministerialpermanente para propor e

acompanhar asprovidências necessáriasà introdução desse novo

combustível no Brasil

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BIODIESEL NO BRASIL: EST¡GIO ATUAL E PERSPECTIVAS

ca. Uma delas, considerada básica, transformou-sena Lei nº 11.097, de 13.01.2005, que definiu o biodi-esel como novo combustível na matriz energéticabrasileira e estabeleceu a mistura obrigatória de 2%a partir de janeiro de 2005 e de 5% em janeiro de2013, em todo território nacional. Esse mesmo do-cumento legal transformou a ANP em Agência Naci-onal do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis,preservando-lhe a sigla ANP e atribuindo-lhe a com-petência adicional de regular e fiscalizar a produçãoe a comercialização de biocombustíveis.

O biodiesel foi legal-mente definido (Lei nº11.097/2005) como o “bio-combustível derivado de bi-omassa renovável para usoem motores a combustãointerna com ignição porcompressão ou, conformeregulamento, para geraçãode outro tipo de energia,que possa substituir parcialou totalmente combustíveisde origem fóssil”, proporcio-nando amplas possibilidades de usá-lo em transportesurbanos, rodoviários, ferroviários e aqüaviários de pas-sageiros e cargas, geradores de energia, motores es-tacionários, etc.

A Lei nº 11.116, de 18.05.2005, estabeleceu a exi-gência de registro do produtor ou importador de biodi-esel na Secretaria da Receita Federal e a incidênciade tributos federais diferenciados por região, matéria-prima oleaginosa e tipo de agricultor. Por essa mes-ma lei é permitido ao Executivo ajustar incentivos aobiodiesel conforme a evolução do mercado e as ne-cessidades do PNPB. Entretanto, foi-lhe vedado fi-xar, para o biodiesel, carga tributária federal superiorà aplicada ao diesel mineral.

Essa mesma Lei é a base do chamado modelotributário aplicável ao biodiesel, que se completa comoutros dispositivos legais e normativos. Pelo Decretonº 5.298, de 06.12.2004, a alíquota do Imposto sobreProdutos Industrializados (IPI) sobre o biodiesel foi fi-xada em 0%. Como a Contribuição de Intervenção noDomínio Econômico (CIDE) sobre o biodiesel inexis-te, o nivelamento da tributação federal aplicável ao bi-odiesel e ao diesel mineral foi feito mediante ajuste

nas contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins, pormeio dos Decretos nº 5.297, de 06.12.2004, e nº5.457, de 06.06.2005.

A Tabela 1 fornece uma visão resumida dos tri-butos federais incidentes sobre esses dois com-bustíveis, podendo-se constatar (duas últimas co-lunas) que a carga tributária total é a mesma (R$0,218 por litro), embora haja diferenças em suacomposição. A regra geral aplica-se às indústriasde biodiesel não detentoras do Selo CombustívelSocial, tratado adiante.

Pode-se deduzir que, ao invés de subsidiar a pro-dução de forma generalizada, o modelo tributáriobusca atender os princípios orientadores básicos doPNPB de promover a inclusão social e reduzir dis-paridades regionais mediante a geração de empregoe renda. Para tanto, concede redução total ou parci-al das contribuições para o PIS/Pasep e a Cofinspara indústrias de biodiesel que apóiem a agricultu-ra familiar, especialmente nas regiões mais caren-tes do País, empregando como matérias-primasoleaginosas a mamona (Nordeste e semi-árido) e odendê (região Norte).

De fato, os produtores de biodiesel que adqui-rem matérias-primas de agricultores familiares,qualquer que seja a região brasileira, podem ter re-dução de até 68% nos tributos federais PIS/Pasepe Cofins. Se essas aquisições forem feitas de pro-dutores familiares de dendê (palma) na região Nor-te ou de mamona no Nordeste e no semi-árido,esse percentual pode chegar a 100%. Se as maté-rias-primas e regiões forem as mesmas, mas osagricultores não forem familiares, a redução máxi-ma é de 32%.

Tabela 1Modelo tributário federal aplicável ao biodiesel e ao diesel

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Entretanto, para usufruir desses benefícios tribu-tários, os produtores de biodiesel precisam ser de-tentores de um certificado (Selo Combustível Soci-al), previsto em instruções normativas específicas2

do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) econcedido, por aquele Ministério,a produtores de biodiesel habilita-dos pelas leis brasileiras a operarna produção e comercializaçãodesse novo combustível e que,adicionalmente, atendam aos se-guintes requisitos:a) adquiram percentuais mínimos

de matéria-prima de agriculto-res familiares, sendo de 10%nas regiões Norte e Centro-Oeste, de 30% nas regiões Sule Sudeste e de 50% no Nordes-te e no semi-árido; e

b) celebrem contratos com os agricultores familiaresestabelecendo prazos e condições de entrega damatéria-prima e respectivos preços e lhes pres-tem assistência técnica.As empresas detentoras desse certificado podem

participar dos leilões de compra (assunto objeto deseção específica) e usá-lo para diferenciar a origem/marca do biodiesel no mercado. Além disso, taisempresas podem ter redução parcial ou total de tribu-tos federais, conforme definido no modelo tributárioaplicável ao biodiesel, o que implica dizer que o SeloCombustível Social é uma espécie de passaporteque define a possibilidade de usufruir os benefíciostributários previstos e sua magnitude.

Se, por exemplo, uma empresa das regiões Sulou Sudeste adquire o mínimo de 30% de suas neces-sidades de matérias-primas de agricultores familia-res, terá direito ao Selo Combustível Social e essepercentual será aplicado sobre a redução previstapara essa situação no modelo tributário, permitindo-lhe abater 20,4% (30% de 68%) do valor das contri-buições para o PIS/Pasep e a Cofins relativo à regrageral (R$ 0,218/litro), ou seja, pagará cerca de R$

0,174/litro. Se adquirir 50%, a redução será de 34%(pagamento de R$ 0,144/litro) e assim sucessiva-mente, até atingir 68%, pagando R$ 0,070/litro.

Se essa mesma empresa operasse no Nordes-te ou no semi-árido e empregasse mamona como

matéria-prima, teria de adquirir,no mínimo, 50% de suas neces-sidades para obter o Selo Com-bustível Social, situação em queteria direito à redução de 50% nopagamento do PIS/Pasep e Co-fins (pagaria R$ 0,109/litro). Seadquirisse 100%, não precisariarecolhê-los. Todavia, se os forne-cedores não fossem agricultoresfamiliares, pagaria R$ 0,183/litrose a mamona representasse 50%de seu consumo de matéria-pri-ma e R$ 0,148/litro se utilizasse

apenas essa oleaginosa.Esses exemplos deixam clara a opção do modelo

tributário de viabilizar benefícios aos agricultores familia-res e às áreas mais pobres do País. Para apoiar o al-cance dos objetivos que embasaram a concepção des-se modelo, outras medidas passaram a integrar pro-gressivamente o Programa Nacional de Produção eUso de Biodiesel (PNPB), especialmente nas áreas definanciamento, tecnologia e desenvolvimento do merca-do interno. Já no lançamento do PNPB, a ResoluçãoBNDES nº 1.135/2004 instituiu o Programa de ApoioFinanceiro a Investimentos em Biodiesel, prevendo fi-nanciamentos para todas as etapas da cadeia produti-va, financiando até 90% dos projetos com Selo Com-bustível Social e até 80% sem essa característica.

Os financiamentos direcionados aos segmentosligados ao biodiesel são concedidos por bancos ofici-ais com recursos do Banco Nacional de Desenvolvi-mento Econômico e Social (BNDES), do ProgramaNacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar(Pronaf) e de outras fontes. Diversas instituições decrédito estão financiando ou planejam financiar elosda cadeia produtiva do biodiesel, como vem ocorren-do com o Banco do Brasil (BB-Biodiesel) e com ou-tros bancos oficiais e privados.

No final de março de 2005 foi lançada a Rede Bra-sileira de Tecnologia de Biodiesel, congregando insti-tuições de pesquisa e desenvolvimento de 22 Esta-

Pode-se deduzir que, aoinvés de subsidiar aprodução de forma

generalizada, o modelotributário busca atender

os princípiosorientadores básicos do

PNPB de promover ainclusão social e reduzirdisparidades regionaismediante a geração de

emprego e renda

2 A Instrução Normativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)nº 01, de 05.07.2005, estabelece critérios e procedimentos para conces-são de uso do Selo Combustível Social e a MDA nº 02, de 28.09.2005, fixacritérios e procedimentos para enquadramento de projetos de produção debiodiesel no mecanismo do aludido Selo.

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BIODIESEL NO BRASIL: EST¡GIO ATUAL E PERSPECTIVAS

dos da Federação. Na mesma oportunidade foi inau-gurado o Portal do Biodiesel (www.biodiesel.gov.br),3

concebido e administrado pelo Ministério da Ciênciae Tecnologia (MCT). Ele busca oferecer espaço ágilpara troca de experiências e informações e esclareci-mento de dúvidas entre institutosde pesquisa, universidades, em-presas privadas, associações deagricultores, pesquisadores, técni-cos, organizações não-governa-mentais e interessados em geral.

Por meio da Rede são direcio-nados recursos de fundos federaisde incentivo e financiamento ao de-senvolvimento tecnológico. Nessecontexto, a seleção de matérias-primas segundo as característicasdiferenciadas de solo e clima regi-onais é muito importante devido àdiversidade de oleaginosas exis-tentes no Brasil e ao fato de asmesmas representarem algo emtorno de 75% dos custos de produção do biodiesel.

Outro componente importante é o desenvolvimen-to/aperfeiçoamento de processos de produção indus-trial e testes em motores e componentes com dife-rentes proporções de biodiesel, inclusive para apoiartecnicamente o uso de misturas biodiesel/diesel empercentuais superiores a 2% num futuro próximo.Novos usos e aplicações para co-produtos da fabrica-ção de biodiesel (principalmente farelos, tortas e gli-cerina) também recebem apoio para o desenvolvi-mento tecnológico.

Para estimular a produção de biodiesel enquantosua mistura ao diesel mineral não é obrigatória (atéjaneiro de 2008), foram definidos leilões de comprapela ANP, dos quais somente podem participar em-presas detentoras do Selo Combustível Social. Es-ses leilões são regulados por instrumentos emitidospelo Conselho Nacional de Política Energética(CNPE), pelo Ministério de Minas e Energia (MME) epela ANP, constituindo medida das mais importan-tes, como examinado mais à frente.

Pontos centrais do PNPB

Como o título sugere, são examinados, a seguir,os aspectos considerados centrais do Programa Na-cional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB).

Inclusão social e desenvolvimentoregional

Ao lançar o PNPB, o GovernoFederal apoiou-se na crescentedemanda por combustíveis de fon-tes renováveis e no potencial brasi-leiro para atender parte expressivadessas necessidades, gerandoempregos e renda na agriculturafamiliar, reduzindo disparidades re-gionais e contribuindo para a eco-nomia de divisas e a melhoria dascondições ambientais. Isso sinteti-za a lógica do PNPB.

Para melhor entendê-la, cabedestacar alguns aspectos impor-

tantes. O primeiro: energia é considerada uma espé-cie de combustível indispensável ao desenvolvimento.No século XVIII, a fonte predominante foi o carvão, se-guida pelo petróleo nos séculos seguintes. Há consi-derável consenso entre analistas de que o século XXIserá da agroenergia, campo em que o Brasil é vistocomo predestinado a exercer importante papel no ce-nário mundial, conforme assinala Ignacy Sachs:

Se há um país onde a saída da civilização do petróleo4 épossível, eu não estou dizendo amanhã, estou falando deum período de vinte a trinta anos, este país é o Brasil. Se háum país onde se pode pensar em construir uma civilizaçãomoderna de biomassa, este país é o Brasil. A maior reservade biodiversidade, uma enorme reserva de terras cultivá-veis sem mexer numa árvore da floresta amazônica, climasvariados, uma dotação de recursos hídricos entre ótima erazoável na maioria dos territórios e um fator muito importan-te, uma pesquisa agronômica e biológica de classe interna-cional, uma indústria capaz de produzir equipamentos paraa produção de etanol e para a produção de biodiesel, todosesses elementos estão presentes aqui para avançar nessecaminho. (SACHS, 2005, p. 202)

Os financiamentosdirecionados aos

segmentos ligados aobiodiesel são concedidospor bancos oficiais com

recursos do BancoNacional de

DesenvolvimentoEconômico e Social

(BNDES), do ProgramaNacional de

Fortalecimento daAgricultura Familiar(Pronaf) e de outras

fontes

3 Além desta, as principais páginas eletrônicas de órgãos federais sobrebiodiesel no Brasil são as seguintes: www.mme.gov.br; www.anp.gov.br;www.mda.gov.br e www.petrobras.com.br.

4 A expressão “fim da civilização do petróleo” precisa ser compreendidaadequadamente. Na verdade, significa que essa fonte perderá sua posi-ção hegemônica, como ocorreu com o carvão, embora este seja usadoaté hoje. Quando isso ocorrer, é provável que o petróleo remanescente,em face de seus elevados preços, passe a ser empregado para finsmais nobres.

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O segundo aspecto a considerar para a compre-ensão da lógica do PNPB é o de que o petróleo tendea esgotar-se. Não há unanimidade quanto aos pra-zos, mas em média se estima que as reservas mun-diais ainda durem aproximadamente meio século,enquanto, no Brasil, cerca de me-tade desse tempo. Assim, a verda-deira e definitiva auto-suficiênciaou segurança energética passapela crescente produção de com-bustíveis de fontes renováveis, oque requer o atendimento de requi-sitos de sustentabilidade em senti-do amplo: ambiental, econômica,social e tecnológica.

Pelas suas condições de soloe clima, o Brasil tem potencial deprodução de biomassa que não seencontra em qualquer parte do Pla-neta. Portanto, sua vocação natu-ral é a agregação de valor à produção primária. O bio-diesel é uma dessas possibilidades, talvez a maispromissora, porque a demanda de energia vai aumen-tar enquanto a economia mundial estiver crescendo.Isso implica dizer que a demanda por agroenergianão pára de crescer, ao contrário do que ocorre coma maioria dos produtos do agronegócio.

Nesse contexto, o Governo vislumbrou a possibili-dade de engajar agricultores familiares e produtoresde regiões mais pobres do País na cadeia produtivado biodiesel. Isso foi feito mediante estímulos tributári-os às empresas que adquirem oleaginosas produzidaspor esses segmentos e já vem surtindo efeitos práticosmesmo antes do prazo fixado para a obrigatoriedade le-gal da mistura B2 (janeiro de 2008) com a aplicação domodelo tributário, com o Selo Combustível Social e como mecanismo dos leilões de compra conduzidos pelaANP, conforme será examinado adiante.

Mistura obrigatória, mercado crescente

Para inserir a inclusão social numa lógica de mer-cado, a mistura do biodiesel ao diesel de petróleo,em proporções crescentes nos próximos anos, foitornada obrigatória pela Lei nº 11.097/2005, anterior-mente examinada. Pelo Decreto nº 5.448, de20.05.2005, foram autorizados percentuais de mistu-

ra superiores, incluindo o biodiesel puro (B100), parauso em geradores, locomotivas, embarcações e fro-tas veiculares cativas, mediante autorização da ANP.

A existência de um mercado cativo e crescentepara o biodiesel, decorrente da obrigatoriedade de

sua mistura ao diesel mineral, re-presenta estímulo econômicomuito importante para empresascapitalizadas e com maior escalade produção. Como é próprionuma economia de mercado, es-sas empresas vão se posicionan-do conforme suas característicase estratégias de negócios, ca-bendo às políticas públicas pro-porcionar condições para que omercado funcione de modo efici-ente e atenda aos objetivos depromover a inclusão social deagricultores familiares e o desen-

volvimento de regiões mais carentes, com susten-tabilidade no seu sentido amplo.

Liberdade de escolha e garantia de qualidade

Embora haja incentivos tributários para o biodie-sel fabricado com matérias-primas cultivadas poragricultores familiares e nas regiões mais carentesdo País, não cabe ao Governo Federal produzir biodi-esel, mas promover sua produção e uso com susten-tabilidade e qualidade compatíveis com as exigênci-as dos mercados interno e externo.

Além disso, o Brasil tem diferentes peculiarida-des regionais e potencial para produzir biodiesel comdiversas matérias-primas (mamona, dendê, soja,nabo forrageiro, girassol, pinhão-manso, babaçu, óle-os e gorduras residuais coletados nos centros metro-politanos, etc.) e com diferentes finalidades e tecno-logias (craqueamento, transesterificação, etc.).

Por essas razões, o Governo Federal considerade responsabilidade dos agentes econômicos a sele-ção das melhores alternativas, condicionadas porpesquisas, experimentos e testes, em boa parteapoiados com recursos federais. Isso implica dizerque o PNPB não é excludente em termos de catego-rias de agentes econômicos, matérias-primas oleagi-nosas ou rotas tecnológicas.

Nesse contexto, a seleçãode matérias-primas

segundo as característicasdiferenciadas de solo eclima regionais é muito

importante devido àdiversidade de

oleaginosas existentes noBrasil e ao fato de as

mesmas representaremalgo em torno de 75% dos

custos de produção dobiodiesel

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BIODIESEL NO BRASIL: EST¡GIO ATUAL E PERSPECTIVAS

Entretanto, o PNPB apóia-se num balizador rígi-do: o biodiesel deve atender especificações físico-químicas e padrões de qualidade estabelecidos pelaANP, que tem a responsabilidadede autorizar o funcionamento de in-dústrias de biodiesel e de fiscalizarsua produção e comercialização.Sem atender essas exigências,monitoradas e fiscalizadas comsistemas modernos, como o mar-cador molecular, o biodiesel nãopode ser comercializado e mistu-rado ao diesel mineral.

Autorizações e registrosnecessários ao produtor debiodiesel: ANP, SRF e MDA

O primeiro aspecto a ressaltaré o de que inexistem lacunas nor-mativas, legais e operacionaispara produzir e comercializar biodi-esel no Brasil. De fato, estão emvigor os marcos legal e regulatório; incentivos tributá-rios direcionados à inclusão social e ao desenvolvi-mento regional; a reserva de mercado decorrente daobrigatoriedade da mistura (B2 em 2008 e B5 em2013); a garantia legal de tributação federal sobre obiodiesel nunca superior à do diesel mineral; a dispo-nibilidade de financiamentos à toda cadeia produtiva;o apoio à pesquisa e ao desenvolvimento; o intercâm-bio e a troca de experiências e informações; e o en-gajamento progressivo de Estados e municípios quebuscam integrar suas economias e finanças ao cres-cente mercado do biodiesel.

Os estímulos econômicos decorrem da obrigatori-edade legal da mistura, em proporções crescentes(B2 e B5). Assim, todo agente econômico que se inte-ressar em produzir e comercializar biodiesel podefazê-lo, devendo, inicialmente, obter autorização daANP, cujos requisitos estão expressos em sua Reso-lução nº 41, de 24.11.2004.

Em seguida, é necessário que a pessoa jurídicabeneficiária de autorização da ANP obtenha, junto àSecretaria da Receita Federal, um registro especial,como prevê a Lei nº 11.116/2005. A regulamentaçãodessa medida consta na Instrução Normativa SRF nº516, de 22.02.2005. Posteriormente, a Instrução Nor-

mativa SRF nº 628, de 02.03.2005, fixou o regime es-pecial de apuração e pagamento dos tributos federaisPIS/Pasep e Cofins.

As empresas em condiçõesde usufruir benefícios tributáriosdirecionados à inclusão social eao desenvolvimento regional (ge-ração de emprego e renda paraagricultores familiares, especial-mente das regiões mais carentesdo País) devem obter, adicional-mente, o Selo Combustível Soci-al, mecanismo intimamente as-sociado ao modelo tributário dobiodiesel e aos leilões de com-pra, tratado a seguir.

PERSPECTIVAS DO BIODIESELNO BRASIL

Partindo da análise da curva deaprendizado e dos leilões de compra conduzidospela ANP, são examinadas, a seguir, as perspectivasdo biodiesel no Brasil, sobretudo em termos de mer-cado e geração de empregos.

Curva de aprendizado e leilões de compra debiodiesel

Enquanto a mistura B2 não é obrigatória (período2005/2007), a demanda por biodiesel seria infinita-mente elástica ao nível do preço do diesel (D2005/2007) esomente as empresas competitivas estariam emcondições de vender o novo combustível. A partir dejaneiro de 2008, a obrigatoriedade tornaria a deman-da infinitamente inelástica na marca de 800 milhõesde litros5 por ano (D

2008) e os preços dependeriam da

evolução da oferta, conforme Gráfico 1.Numa seqüência ideal, a oferta evoluiria de S

2006

para S2007

e depois para S2008

, situação em que a traje-tória AB representaria a chamada “curva de aprendi-zado” da produção de biodiesel. A inclinação dessa

Ao lançar o PNPB, oGoverno Federal apoiou-se na crescente demanda

por combustíveis defontes renováveis e nopotencial brasileiro paraatender parte expressiva

dessas necessidades,gerando empregos erenda na agriculturafamiliar, reduzindo

disparidades regionais econtribuindo para a

economia de divisas e amelhoria das condições

ambientais. Isso sintetiza alógica do PNPB

5 Esse volume representa 2% do consumo de óleo diesel estimado para2008, assunto tratado na seção seguinte.

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curva é tanto mais acentuada quanto mais eficientesas inovações tecnológicas introduzidas na cadeiaprodutiva do biodiesel, cabendo destacar a produçãode oleaginosas, por representarem cerca de 75%dos custos de produção.

A competitividade do biodiesel depende da evolu-ção tecnológica, mas contém importante componen-te de learning by doing para que os ajustes possamser mais bem identificados e introduzidos. Assim,não seria aconselhável esperar 2008 para constataros resultados e essa foi uma das razões de se optarpelo mecanismo dos leilões de compra conduzidospela ANP e pela antecipação da obrigatoriedade damistura B2 para 2006, mas somente até o limite deprodução das indústrias detentoras do Selo Com-bustível Social que tiverem suas ofertas total ou par-cialmente arrematadas nesses leilões.

As refinarias ficaram obrigadas a adquirir o biodie-sel arrematado em leilão e a utilizá-lo para a misturaB2, na proporção desuas respectivas parti-cipações no mercadode diesel. Embora opreço médio tenhasido decrescente (vejaTabela 2, a seguir), eleainda supera o do die-sel, mas seu impactona ponta do consumoé pequeno, sendo re-presentado, basica-mente, por 2% da dife-rença entre os preços

do biodiesel e do diesel, mais os custosunitários do processo de mistura.

Além disso, as distribuidoras que jáoperam com o B2 têm constatado a ex-celente aceitação do novo combustível eo aumento de vendas, inclusive de outroscombustíveis e produtos. O biodieselvem se mostrando importante “promotorde vendas”, tornando ainda menos rele-vante a pequena diferença entre seuspreços e os do diesel, que em condiçõesoutras tenderia a ser repassada ao preçoao consumidor.

Assim, o mecanismo dos leilõespode ser considerado medida das mais acertadas porestimular o desenvolvimento do mercado de biodieselantes mesmo de seu uso obrigatório, por alavancarinvestimentos e por acelerar a curva de aprendizado ea organização dos agricultores familiares para queparticipem de forma crescente na cadeia produtivadesse novo combustível.

Os resultados finais dos quatro leilões realiza-dos podem ser sintetizados na Tabela 2, na qual sepode constatar o interesse dos agentes econômi-cos pelo biodiesel, uma vez que as ofertas supera-ram o volume arrematado. Entre o primeiro e oquarto leilões, os preços médios finais tiveram re-dução de aproximadamente 9%. Como eles são fi-xos em termos nominais, a redução real é maior,indicando que a cadeia produtiva do biodiesel jávem encontrando sua curva de aprendizado e ofer-tando o novo combustível a preços cada vez maiscompetitivos com o diesel mineral.

Tabela 2Resumo dos leilões de compra de biodiesel

Fonte: ANP, 2006

Gráfico 1Representação do mercado de biodiesel e da curvade aprendizado

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BIODIESEL NO BRASIL: EST¡GIO ATUAL E PERSPECTIVAS

Cabe assinalar, todavia, que o mecanismo dos lei-lões de compra foi concebido como instrumento decaráter transitório, enquanto a mistura não é obriga-tória, para atingir os objetivos antes realçados. Aindaque se estude a possibilidade de estender os leilõespara atender as necessidades da mistura B5, o mo-delo de médio e longo prazos implícito no PNPB pre-vê a livre negociação entre fabricantes, refinarias edistribuidoras.

Mercado e geração de empregos

As misturas obrigatórias B2 e B5 permitem que ademanda de biodiesel para atendê-las seja calculadacom base na projeção do consumo de óleo diesel.Estimativa econométrica deveria levar em conta a influ-ência das variáveis preço e renda. Entretanto, pode-sechegar a um número referencial examinando-se a evo-lução do consumo de diesel nos últimos anos.

Dados publicados pela ANP mostram que o con-sumo de diesel foi de 35,1 milhões de m3 (bilhões delitros) em 2000. Nos primeiros sete meses de 2006, oconsumo situou-se em 21,6 bilhões de litros. Como,na média do período 2000/2005, o consumo janeiro/julho representou 56,3% do total anual, pode-se esti-mar que, em 2006, o diesel consumido deverá alcan-çar 38,4 bilhões de litros.

Isso significa uma taxa de crescimento média anu-al de 1,48% no período 2000/2006, permitindo que seprojete, para 2008, consumo da ordem de 39,6 bilhõesde litros e, para 2013, de 42,6 bilhões de litros de die-sel. Assim, as necessidades de biodiesel deverão si-tuar-se ao redor de 800 milhões de litros, em 2008,para atender a mistura B2, e de 2,1 bilhões de litros,em 2013, para o B5.

A um preço médio de R$ 1,86 por litro, teríamosum mercado da ordem de R$ 1,5 bilhão em 2008 e deR$ 4 bilhões em 2013. Esses números fornecemuma primeira aproximação do impacto econômico daintrodução do biodiesel na matriz energética nacionalem termos de valor da produção de bens intermediá-rios, sem se considerar os investimentos necessári-os e seus efeitos multiplicadores sobre a renda e oemprego direto e indireto.

A oferta de 840 milhões de litros de biodiesel, arre-matada nos quatro leilões conduzidos pela ANP, pro-

porcionou ocupação para cerca de 205 mil famílias depequenos agricultores. Assim, estima-se que o atendi-mento das necessidades para a mistura B5 (2,1 bi-lhões de litros) tenderá a proporcionar oportunidadesde trabalho para aproximadamente 520 mil famílias em2013. O adensamento de cadeias produtivas e a dina-mização de economias locais e regionais constituemoutros impactos positivos, cujo dimensionamento se-ria exercício dos mais interessantes.

Como resultados concretos, o Brasil possui maisde 2.300 postos em funcionamento, que vendem amistura B2. Esse número tende a crescer com a ade-são de novas revendedoras, seguindo os exemplosda ALE Combustíveis e da BR Distribuidora. Entreprojetos em fase de produção, de implantação e deestudos de viabilidade, a capacidade nominal, da or-dem de 1,7 bilhão de litros de biodiesel por ano, su-planta as necessidades (cerca de 800 milhões de li-tros) para a mistura B2 e aproxima-se dos 2,1 bilhõesde litros necessários para o B5.

Não é demais lembrar que o potencial de cresci-mento do biodiesel no Brasil, sempre referenciado aoconsumo de diesel, é dado pelo crescimento dos per-centuais de mistura (B5, B10, B20, etc.) viabilizadospela evolução das pesquisas, testes, investimentos eprodução. Admitindo-se a mistura de 20% ao dieselmineral (B20), teríamos um mercado na casa dos R$15 bilhões e potencial para gerar aproximadamentedois milhões de oportunidades de trabalho diretas eindiretas no setor agrícola, incluindo a agricultura fa-miliar, isso sem se considerar o crescimento do con-sumo interno e a perspectiva de conquistar mercadosexternos para esse combustível de fontes renováveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Num prazo de aproximadamente vinte meses deintenso trabalho conjunto (Governo, instituições depesquisa, empresários e representantes do Congres-so Nacional e da sociedade civil organizada) foi pos-sível sair da fase de estudos de viabilidade (julho de2003) e inaugurar a primeira planta industrial e o pri-meiro posto revendedor de biodiesel no Brasil (marçode 2005). Esse aspecto deve ser realçado diante dacomplexidade de se lançar um novo combustível numpaís com nossas dimensões e peculiaridades.

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JOSÉ HONÓRIO ACCARINI

O Brasil já conta com mais de 2.300 postos re-vendedores da mistura B2 e capacidade nominalde produção da ordem de 1,7 bilhão de litros consi-derando-se o conjunto de plantas industriais emfuncionamento, em fase de implantação e de estu-dos de viabilidade. Nessa trajetó-ria, o papel das políticas públicastem sido o de propiciar condiçõespara que o mercado de biodieselfuncione da forma mais eficientepossível e de dar suporte aoselos mais frágeis do mercado.Aos agricultores familiares, oSelo Combustível Social e o mo-delo tributário buscam proporcio-nar a compra de matérias-primasa preços contratualmente defini-dos e a assistência técnica às la-vouras. Aos consumidores seprocura oferecer um combustível de qualidade, me-diante especificações físico-químicas e fiscaliza-ção rigorosa.

Não obstante, há desafios a serem superados.Um deles é estimular e apoiar a organização dosagricultores familiares em associações, cooperativase outras formas de aglutinação social em busca deescalas mais econômicas de produção. Isso se ali-nha aos objetivos centrais do PNPB de promover ainclusão social e a redução de disparidades regio-nais. Nessa complexa e importante tarefa de organi-zar pequenos produtores devem engajar-se não ape-nas o Governo Federal, mas número crescente degovernos estaduais e municipais, de organizaçõesnão-governamentais e de entidades da sociedade ci-vil organizada.6

Junto aos governos estaduais e municipais, oGoverno Federal vem procurando estimular iniciativasque impulsionem a produção e o uso do biodiesel. Adefinição de carga tributária estadual compatível como modelo tributário federal vem sendo debatida noConselho Nacional de Política Fazendária (Confaz),órgão responsável pela coordenação de medidas re-lacionadas ao ICMS. Esse tributo apresenta, atual-

mente, incidência média superior à tributação federalmáxima do biodiesel, com expressivas diferenças detratamento entre Unidades da Federação. Em váriasdelas, o ICMS sobre o biodiesel tem alíquota superiorà do diesel de petróleo – o que é vedado no caso dos

tributos federais.Como as decisões no âmbito

do Confaz são tomadas por unani-midade, a compatibilização dos in-centivos estaduais com os fede-rais é tarefa das mais complexas.O ICMS é o tributo mais importan-te do País em termos de arrecada-ção e dele muito dependem as fi-nanças estaduais e também asmunicipais em razão dos repassesconstitucionalmente fixados.

Os receios com a perda de ar-recadação e a chamada “guerra

fiscal” são outros empecilhos consideráveis. Emborase admita a compensação de certa perda tributária acurto prazo com aumentos mais que proporcionaisno futuro (em face dos efeitos multiplicadores advin-dos da introdução e do adensamento de uma novacadeia produtiva), a situação das finanças estaduaisnem sempre oferece os graus de liberdade necessá-rios à tomada de uma decisão como essa, sobretudoquando se considera as unidades da Federação emconjunto.

Não menos desafiadoras são as pesquisas eexperimentos voltados à geração ou adaptação deoleaginosas mais produtivas, pois respondem porpercentuais ao redor de 75% dos custos de produ-ção de biodiesel. Ademais, é indispensável seleci-onar, regionalmente, as oleaginosas mais competi-tivas. Uma das candidatas mais promissoras parase produzir biodiesel é o pinhão-manso (JatrophaCurcas L.), planta perene cultivável sob condiçõesde solo e clima as mais variadas, incluindo o semi-árido.

O fato de no Brasil existirem dezenas de oleagi-nosas passíveis de transformação em biodiesel deveser examinado com equilíbrio. De fato, embora issopossa constituir vantagem e pré-condição para queesse novo combustível não se apóie exclusivamentena monocultura, é preciso considerar a tendência deocorrer pulverização de esforços e recursos ao se tra-

6 Um conceito útil para se avaliar a lógica e se compreender os estímulosde organizações sociais é o de capital social. Para uma abordagem desseconceito nos Pólos de Desenvolvimento Integrado do Nordeste, vejaAccarini (2002).

O Brasil já conta com maisde 2.300 postos

revendedores da misturaB2 e capacidade nominalde produção da ordem de

1,7 bilhão de litrosconsiderando-se oconjunto de plantas

industriais emfuncionamento, em fase

de implantação e deestudos de viabilidade

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BIODIESEL NO BRASIL: EST¡GIO ATUAL E PERSPECTIVAS

balhar com número excessivo de oleaginosas, o quese agrava com a perspectiva de longo prazo associa-da à pesquisa e à experimentação agropecuária.7

Nem tantas oleaginosas (para não se perder o foco),nem tão poucas (para se ganhar graus de liberdade)parece a abordagem recomendável para o equaciona-mento dessa questão central para o futuro do biodie-sel no Brasil.

Encontrar novos usos econômicos para co-produ-tos gerados pela fabricação de biodiesel é outro con-junto permanente de desafios que depende de pes-quisas, experimentos e testes, pois isso pode viabili-zar fontes adicionais de receita e maior economicida-de à cadeia produtiva. São os casos do farelo e datorta (derivados da extração do óleo e com elevadatoxidade, em alguns casos), da glicerina (com mer-cado limitado) e do álcool (com excesso de água),neste caso quando se produz biodiesel por transes-terificação etílica.

De outro lado, há oportunidades que podem e de-vem ser aproveitadas, como o emprego de biodieselem proporções de mistura superiores ao B5 em fro-tas cativas e para geração termoelétrica, especial-mente em áreas isoladas e regiões onde o preço dodiesel é impactado pelos elevados custos de trans-porte. A recuperação e o uso de áreas degradadascom o cultivo de oleaginosas para produção de biodi-esel é outra possibilidade de alto potencial econômi-co e ambiental, mas que requer pesquisa e desenvol-vimento, além de ajustes na legislação sobre meioambiente.

O reaproveitamento de resíduos gordurososdescartados nos centros urbanos pode conjugarbenefícios econômicos, ambientais e de saúde pú-blica, para citar apenas os mais importantes. Issotraria efeitos favoráveis ao meio ambiente e à saú-de da população ao diminuir o lançamento de gor-dura na rede de esgotos e, assim, a poluição e aatração de insetos, ratos e outros organismos no-civos à saúde pública e vetores de diversas doen-ças. Ademais, contribuiria para reduzir os custosde manutenção da rede e para aumentar sua vidaútil, isso sem se considerar o potencial de geração

de empregos (inclusão social urbana) com ativida-des de coleta.

Em síntese, o biodiesel vem crescendo no merca-do interno a olhos vistos e se credenciando paulatina-mente para se tornar, em breve, item importante denossas relações com o mundo. A direção e o sentidocorretos, com qualidade e sustentabilidade econômi-ca, social, ambiental e tecnológica mostram-se, nes-ta fase, mais importantes do que a velocidade. Quan-do o rumo está certo, a velocidade pode ser ajustada.

Sempre há aperfeiçoamentos a fazer e oportuni-dades a viabilizar e essa trajetória vem sendo e preci-sa ser permanentemente construída com a supera-ção contínua de desafios, para o que não têm faltadoa determinação, o esforço e o apoio de políticas pú-blicas e de todos os elos da cadeia produtiva com vi-são de futuro.

REFERÊNCIAS

ACCARINI, José Honório. Economia rural e desenvolvimento- reflexões sobre o caso brasileiro, Petrópolis: Vozes, 1987,224 p.

______. Pólos de desenvolvimento integrado do Nordeste bra-sileiro e capital social, Revista Econômica do Nordeste, Forta-leza, v. 33, n. 1, p. 07-24, jan./março 2002.

BNDES. Resolução nº 1.135, de 17 de novembro de 2004. Ban-co Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Aprova oPrograma de Apoio Financeiro a Investimentos em Biodiesel noâmbito do Programa de Produção e Uso do Biodiesel como FonteAlternativa de Energia.

BRASIL. Decreto de 2 de julho de 2003. Institui o Grupo de Tra-balho Interministerial encarregado de apresentar estudos sobrea viabilidade de utilização de óleo vegetal - biodiesel. Diário Ofi-cial (da) República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 jul.2003. Seção 1, p. 4.

BRASIL. Decreto de 23 de dezembro de 2003. Institui a Comis-são Executiva Interministerial encarregada da implantação dasações direcionadas à produção e ao uso de óleo vegetal - bio-diesel como fonte alternativa de energia. Diário Oficial (da)República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 dez. 2003. Se-ção 1, p. 14.

BRASIL. Decreto nº 5.297, de 6 de dezembro de 2004. Dispõesobre os coeficientes de redução das alíquotas da Contribui-ção para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes na produção ena comercialização de biodiesel, sobre os termos e as condi-ções para a utilização das alíquotas diferenciadas, e dá outrasprovidências. Diário Oficial (da) República Federativa doBrasil, Brasília, DF, 07 dez. 2004. Seção 1, p. 2.

7 Para uma discussão sobre as diferentes rotas das inovações tecnológi-cas na agricultura, de seus condicionantes, dos prazos envolvidos e daparticipação pública e privada em seu financiamento, veja Accarini(1987).

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JOSÉ HONÓRIO ACCARINI

BRASIL. Decreto nº 5.298, de 6 de dezembro de 2004. Altera aalíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados incidentesobre o produto que menciona. Diário Oficial (da) RepúblicaFederativa do Brasil, Brasília, DF, 07 dez. 2004. Seção 1, p. 3.

BRASIL. Decreto nº 5.448, de 20 de maio de 2005. Regulamen-ta o § 1º do art. 2º da Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005,que dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz energéti-ca brasileira, e dá outras providências. Diário Oficial (da)República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 maio de 2005,Seção 1, p. 1.

BRASIL. Decreto nº 5.457, de 6 de junho de 2005. Dá nova reda-ção ao art. 3º do Decreto nº5.297, de 6 de dezembro de 2004,que reduz as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e daCOFINS incidentes sobre a importação e a comercialização debiodiesel. Diário Oficial [d]) República Federativa do Brasil,Brasília, DF, 07 jun. 2005. Seção 1, p. 1.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de2001. Altera os artigos 149, 155 e 177 da Constituição Federal.Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF,12 dez. 2001.

BRASIL. Instrução Normativa nº 516, de 22 de fevereiro de2005. Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.Dispõe sobre o Registro Especial a que estão sujeitos os produ-tores e os importadores de biodiesel, e dá outras providências.Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF,23 fev. 2005. Seção 1, p. 19.

BRASIL. Instrução Normativa nº 628, de 02 de março de 2006.Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda. Apro-va o aplicativo de opção pelo Regime Especial de Apuração ePagamento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins inci-dentes sobre Combustíveis e Bebidas (Recob). Diário Oficial[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 06 mar. 2006.Seção 1, p. 8.

BRASIL. Instrução Normativa nº 01, de 05 de julho de 2005. Mi-nistério do Desenvolvimento Agrário. Dispõe sobre os critérios eprocedimentos relativos à concessão de uso do Selo Combustí-

vel Social. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,Brasília, DF, 07 jul. 2005. Seção 1, p. 65.

BRASIL. Instrução Normativa nº 2, de 28 de setembro de 2005.Ministério do Desenvolvimento Agrário. Dispõe sobre os critéri-os e procedimentos relativos ao enquadramento de projetos deprodução de biodiesel ao Selo Combustível Social. Diário Oficial[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 30 set. 2005.Seção 1, p. 125.

BRASIL. Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005. Dispõe sobre aintrodução do biodiesel na matriz energética brasileira e dá ou-tras providências. Diário Oficial [da] República Federativa doBrasil, Brasília, DF, 14 jan. 2005. Seção 1, p. 8.

BRASIL. Lei nº 11.116, de 18 de maio de 2005. Dispõe sobreo Registro Especial, na Secretaria da Receita Federal do Mi-nistério da Fazenda, de produtor ou importador de biodiesele sobre a incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e daCofins sobre as receitas decorrentes da venda desse pro-duto, e dá outras providências. Diário Oficial [da] Repúbli-ca Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 de maio de 2005.Seção 1, p. 2.

BRASIL. Resolução nº 41, de 24 de novembro de 2004. AgênciaNacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Institui aregulamentação e obrigatoriedade de autorização da ANP parao exercício da atividade de produção de biodiesel. Diário Oficial[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 09 dez. 2005,Seção 1, p. 52-53.

BRASIL. Resolução nº 42, de 24 de novembro de 2004. AgênciaNacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Estabele-ce a especificação para a comercialização de biodiesel quepoderá ser adicionado ao óleo diesel na proporção 2% em volu-me. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,DF, 09 dez. 2005, Seção 1, p. 53-59.

SACHS, Ignacy. Da civilização do petróleo a uma nova civiliza-ção verde. Estudos avançados, Set./Dez. 2005, vol. 19, nº 55, p.195-214. Disponível em <www.scielo.br/pdf/ea/v19n55/13.pdf>. Acesso em 10.09.2006.

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BIODIESEL NO BRASIL: EST¡GIO ATUAL E PERSPECTIVAS

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Políticas públicas de fomento aobiodiesel na Bahia e no Brasil: impactos

socioeconômicos e ambientais com aregulamentação recente1

Sidnei Silva Suerdieck*

1 Um agradecimento especial ao Pe. Clodoveo Piazza, Dr. José CarlosAlves Gallindo, Dr. Benito Juncal, Dra. Risalva Telles, Prof. Roberto For-tuna Carneiro e Tereza Cristina Pamponet pela confiança e apoio na reali-zação desta pesquisa. As opiniões e considerações presentes neste artigonão representam posicionamento institucional de qualquer tipo, sendodecorrentes da análise e reflexão deste autor, incluindo os erros e omis-sões ainda existentes.

* Especialista em Gestão Social para o Desenvolvimento (EAUFBA) eBacharel em Ciências Econômicas (FCE-UFBA). Especialista em Políti-cas Públicas e Gestão Governamental do Governo do Estado da [email protected]

Abstract

Biodiesel has been object of governmental policies andresearches in Brazil since the 1970s. However, only in thebeginning of 21st century did it reach a technologic andinstitutional maturity capable of coordinating actions fromdiverse federal and state governmental sectors, besidesresearchers, rural entrepreneurs and workers, to implement aState Policy aimed to make it happen. The official launching ofthe National Program of Biodiesel Use and Production - PNPB,as well as the respective state programs, demanded (and stilldemands) a great articulation and regulation effort to enablethe goals to be reached; nonetheless they bring great social-economic dinamization opportunities in the rural area, as wellas favorable perspectives of environmental impact with itsintroduction in the Brazilian energy matrix.

Key words: biodiesel, regulation, public policies, Bahia,social-economic and environmental impacts.

Resumo

O biodiesel tem sido objeto de políticas governamentais ede pesquisas no Brasil desde a década de 1970. Somente noinício dos anos 2000, contudo, chegou-se a uma maturidadetecnológica e institucional capaz de concatenar ações de di-versos setores governamentais federais e estaduais, além depesquisadores, empresários e trabalhadores rurais para im-plementar uma Política de Estado visando torná-lo uma realida-de. O lançamento oficial do Programa Nacional de Produção eUso de Biodiesel – PNPB, bem como dos respectivos progra-mas estaduais, exigiu (e ainda demanda) um grande esforçode articulação e regulamentação para viabilizar o alcance dasmetas fixadas, mas abrem grandes oportunidades de dinami-zação socioeconômica no meio rural, bem como perspectivasfavoráveis de impactos ambientais com sua introdução namatriz energética brasileira.

Palavras-chave: biodiesel, marco regulatório, políticas públi-cas, Bahia, impactos socioeconômicos e ambientais.

CONCEITUAÇÃO E ANTECEDENTES DEPROGRAMAS GOVERNAMENTAIS DEBIODIESEL NO BRASIL

Antes de iniciar a descrição e análise do pro-cesso de regulamentação e operacionalizaçãodos programas nacional e baiano de biodiesel,bem como de descrever sucintamente os benefíci-

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POLÕTICAS P�BLICAS DE FOMENTO AO BIODIESEL NA BAHIA E NO BRASIL: IMPACTOS SOCIOECON‘MICOS...

os socioeconômicos e ambientais advindos desua produção e consumo em larga escala no Bra-sil para os próximos anos, convém definir o queseja este biocombustível e apontar rapidamenteseus antecedentes históricos em termos de políti-ca pública no país.

Segundo o professor ExpeditoParente Jr. (autor da primeira pa-tente internacional, na década de1980) o biodiesel é um combustívelrenovável e biodegradável, substi-tuto do óleo diesel petrolífero,constituído de uma mistura de és-teres monoalquímicos de ácidosgraxos que pode ser obtida poruma reação de (trans)esterificaçãoentre qualquer fonte de ácidos gra-xos2 e um monoálcool de cadeiacurta (basicamente metanol ouetanol). A transesterificação é a re-ação química que dá origem ao bi-odiesel, sendo constituída pela in-teração de uma gordura com umálcool por meio de um catalisadorpara formar ésteres, gerando comoco-produto a glicerina (PARENTE JÚNIOR, 2004).

As experiências pioneiras com o desenvolvimen-to de combustíveis renováveis alternativos no Brasilremontam à década de 1920, com o Instituto Nacio-nal de Tecnologia (INT). O primeiro programa gover-namental relacionado ao biodiesel no Brasil foi oPROÓLEO (Programa de Produção de Óleos Vege-tais para Fins Energéticos), criado através da Reso-lução n° 07 da Comissão Nacional de Energia, em1980. Mas antes disso, na década de 1970, já eramdesenvolvidas pesquisas no âmbito do Instituto dePesquisas Tecnológicas (IPT) e da Comissão Exe-cutiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC)para a geração de combustíveis a partir de óleos ve-getais, com destaque para o DENDIESEL. Em1983, uma nova alta dos preços internacionais dopetróleo motivou o Governo Federal a lançar o Pro-grama de Óleos Vegetais (OVEG), que intensificou

os testes com a utilização de biodiesel e misturascombustíveis alternativas em veículos automotores(HOLANDA, 2004).

A REGULAMENTAÇÃO EIMPLEMENTAÇÃO DOPROGRAMA NACIONAL DEPRODUÇÃO E USO DEBIODIESEL (PNPB)

Inicialmente conhecido comoPrograma Brasileiro de Biodiesel(PROBIODIESEL), o primeiro re-gistro jurídico recente de políticapública de biodiesel no Brasil foi aPortaria nº 702/02 do Ministério deCiência e Tecnologia (MCT), queinstituiu uma rede de pesquisa edesenvolvimento tecnológico parainiciar os trabalhos de pesquisa eoperacionalização com o intuito deviabilizar a implementação definiti-va do biodiesel na matriz energéti-ca do país. Renomeado como Pro-

grama Nacional de Produção e Uso de Biodiesel(PNPB), tem sido articulado pelo Governo Federaldesde 2003 por meio de um arranjo interministerialenvolvendo treze pastas federais e mais uma secre-taria diretamente vinculada à Presidência da Repúbli-ca, sob a coordenação da Casa Civil. A prioridade doPNPB tem sido fomentar a ampliação da produção eo consumo em escala comercial do biodiesel comoaditivo ao diesel petrolífero no Brasil, com enfoque nainclusão social e no desenvolvimento regional pormeio da diversificação de fontes de matérias-primasvegetais e de regiões produtoras. A Lei 11.097, de tre-ze de janeiro de 2005, instituiu juridicamente o iníciode implementação do PNPB, introduzindo o biodieselna Matriz Energética Brasileira ao estabelecer a obri-gatoriedade da adição de 2% desse biocombustívelao óleo diesel de origem fóssil no país a partir de2008 (mistura também conhecida como B2). Tal re-gulamentação prevê ainda a ampliação da misturaobrigatória para 5% a partir de 2013 (B5).

Desde então, diversas normatizações tem sidoeditadas por órgãos diversos da União, compondo

2 Óleos e gorduras vegetais e animais, assim como rejeitos com elevadoteor de óleos e gorduras, a exemplo dos óleos de fritura, “nata” sobrena-dante de esgotos e ácidos graxos residuais.

Desde o início doprocesso de

implementação, foiidentificado como de

relevância fundamental adefinição de um marco

regulatório para ordenar ofuncionamento de umprograma intersetorial

complexo como o PNPB,viabilizando uma elevaçãoda confiança dos diversosatores sociais envolvidosno processo em relação àconsistência e integração

das diversasresponsabilidades

envolvidas

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SIDNEI SILVA SUERDIECK

um marco regulatório do biodiesel com o objetivo deregulamentar sua caracterização, organizar sua ca-deia produtiva de forma integrada, definir linhas de fi-nanciamento e sistematizar incentivos e estímulosdiversos para apoiar produtores rurais, empresários econsumidores a participarem de um esforço amplopara sua introdução na matriz energética do país. OPNPB, assim, busca estimular a produção de biodie-sel a partir de diferentes oleaginosas (além da mamo-na, a palma ou dendê, o girassol, o algodão e a soja,dentre outras) e rotas tecnológicas (transesterifica-ção metílica ou etílica, craqueamento catalítico) parafacilitar a inserção tanto do agronegócio quanto daagricultura familiar no processo produtivo desse bio-combustível.

Dentre as medidas que antecederam o lançamen-to oficial do PNPB, houve a instituição, em julho de2003, de um Grupo de Trabalho Interministerial paraanalisar a viabilidade de utilização desse biocombus-tível como fonte alternativa de energia no país, esfor-ço que culminou com um relatório propondo o desen-volvimento e a implementação de um programa naci-onal de estímulo à produção e consumo de biodieselcomo ação estratégica para o Brasil. Em dezembrodo mesmo ano foi estruturado o funcionamento bási-co do programa por meio de uma Comissão Executi-va Interministerial (CEIB),3 tendo um Grupo Gestorcomo unidade executiva responsável por definir, aolongo de 2004, um plano de trabalho para o lança-mento oficial do PNPB, assim como para promover agestão operacional e administrativa do programa(FOSTER; MURTA, 2004).

Desde o início do processo de implementação, foiidentificado como de relevância fundamental a defini-ção de um marco regulatório para ordenar o funciona-mento de um programa intersetorial complexo comoo PNPB, viabilizando uma elevação da confiança dosdiversos atores sociais envolvidos no processo emrelação à consistência e integração das diversas res-ponsabilidades envolvidas. O marco regulatório seria,assim, uma condição necessária para o desenvolvi-mento efetivo do programa, constituindo um conjuntode atos legais que iriam nortear as ações do progra-

ma nacional e também dos necessários programasestaduais, indicando incentivos como o regime tribu-tário diferenciado para regiões menos desenvolvidas,por matérias-primas preferenciais da agricultura fami-liar e por categoria de produção (diferenciando agri-cultura familiar do agronegócio). No âmbito dessemarco regulatório também foi criado o Programa SeloCombustível Social do Ministério do DesenvolvimentoAgrário (MDA).

Os atos legais que formam o marco regulatório doPNPB estabelecem, dentre outros requisitos: os per-centuais de mistura do biodiesel ao diesel petrolífero;um regime tributário diferenciado para estimular aprodução da agricultura familiar em regiões menosdesenvolvidas do país (Norte e Nordeste); a criaçãodo Selo Combustível Social, para viabilizar a inserçãodos produtores familiares na cadeia produtiva; e aisenção da cobrança de Imposto sobre Produtos In-dustrializados (IPI) sobre o biodiesel. Destaca-se ain-da a regulamentação da Agência Nacional de Petró-leo (ANP), que criou a figura do “produtor de biodie-sel”, estabeleceu especificações técnicas rigorosaspara esse biocombustível, bem como propôs a estru-turação de sua cadeia de comercialização.4

Pesquisas já realizadas e a experiência internaci-onal na área indicam que a adição de percentuaisbaixos de biodiesel (até 5%) ao diesel de petróleonão resulta em alterações ou desgastes nos motoresmovidos a diesel. A mistura B2, que terá sua comer-cialização iniciada em 2006, funciona muito maiscomo um aditivo que proporciona maior viscosidade equalidade na combustão do que como um combustí-vel propriamente dito. A regulamentação existentetambém permite usos específicos do biodiesel, quan-do autorizados pela ANP, em testes e experiênciaspara misturas superiores ao B2 e B5 com o objetivo

3 São funções da CEIB: elaborar, implementar e monitorar o PNPB deforma integrada, analisando, avaliando e sugerindo outras recomenda-ções, ações, diretrizes e políticas públicas, bem como propondo atos nor-mativos para garantir a implementação do programa.

4 Outras das principais regulamentações presentes no marco regulatóriobrasileiro do biodiesel são: a Lei nº 11.116/05, que trata do registro de pro-dutor ou importador de biodiesel na Secretaria da Receita Federal e daincidência de PIS/PASEP e COFINS na comercialização; a Resolução n°03 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), Portaria MME483/05, que aponta as diretrizes para realização de leilões públicos deaquisição de biodiesel; a Portaria ANP 240/03, que regulamenta a utiliza-ção do biodiesel; a Resolução ANP 41/04 e a Resolução ANP 42/04, queapresentam a especificação técnica do biodiesel e a obrigatoriedade deautorização da ANP para a produção de biodiesel, respectivamente; osDecretos 5.297/04, 5.298/04, 5448/05 e 5.457/05, que regulamentam asprincipais Leis do marco regulatório e as Instruções Normativas n° 526 en° 516 da Secretaria da Receita Federal (SRF), que tratam sobre o registroespecial de produção de biodiesel e sobre os regimes de incidência de PIS/PASEP e CONFINS.

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POLÕTICAS P�BLICAS DE FOMENTO AO BIODIESEL NA BAHIA E NO BRASIL: IMPACTOS SOCIOECON‘MICOS...

de gerar informações para viabilizar o aumento poste-rior do percentual de adição de biodiesel ao dieselcomum e para a geração de energia elétrica em co-munidades isoladas, substituindo o óleo diesel emgeradores e usinas termelétricas. As misturas supe-riores a 10% (B10, B20, B50 e B100), quando come-çarem a ser introduzidas no mercado nacional, poroutro lado, vão constituir o início de utilização do bio-diesel efetivamente como combustível renovável, aexemplo do que ocorre com o álcool anidro, desde adécada de 1970, no âmbito do PROÁLCOOL. A mis-tura do biodiesel ao diesel de petróleo deverá ser feitapelas distribuidoras, sendo também as refinarias au-torizadas a fazerem a mistura para posteriormenterepassarem o B2 às distribuidoras.

A despeito dos benefícios sociais e ambientaisprevistos com a produção e utilização do biodiesel,os maiores incentivos para acelerar sua adoção nopaís a curto prazo se encontram na esfera econômi-ca, por meio de um regime tributário diferenciado queisenta de IPI e reduz as alíquotas de tributos como oPIS/PASEP e a COFINS sobre sua produção. Estesúltimos serão cobrados uma única vez e sua incidên-cia ocorrerá apenas no produtor industrial de biodie-sel, que poderá optar por uma alíquota percentualsobre o preço do biocombustível ou pelo pagamentode um valor fixo por metro cúbico (conforme a Lei nº11.116/05). Visando potencializar os objetivos detransferência de renda e desenvolvimento regional doprograma, foram definidos, inclusive, índices de redu-ção nas alíquotas conforme a região de produção, amatéria-prima utilizada e o tipo de fornecedor envolvi-do (agricultura familiar ou agronegócio) na produçãodo biodiesel. De acordo com o Decreto nº 5.457/05,alterado pelo Decreto nº 5.297/05, foi estabelecidoque a alíquota máxima de PIS/PASEP e COFINSsobre a receita bruta do produtor ou importador debiodiesel seria de R$ 217,96 por metro cúbico, equi-valente à carga tributária sobre o diesel de petróleo.

O regime tributário definido busca estimular a pro-dução de biodiesel a partir de palma ou mamona pelaagricultura familiar nas regiões Norte e Nordeste e nosemi-árido (onde há isenção tributária total de PIS/PASEP e COFINS). Quaisquer outras matérias-pri-mas fornecidas por agricultores familiares para a pro-dução de biodiesel, independentemente da região,têm direito a uma redução de 67,9% em relação à

alíquota geral. Existe ainda uma redução de 30,5%na alíquota tributária básica passível de ser auferidapelo agronegócio desde que o biodiesel tenha sidoproduzido com mamona ou palma produzida nas áre-as prioritárias indicadas acima.

Na esfera do financiamento, foi estabelecido peloBNDES (Resolução nº 1.135/2004) o Programa deApoio Financeiro a Investimentos em Biodiesel, quebusca financiar a produção e o uso comercial de bio-diesel em diversas etapas da cadeia produtiva, fo-mentando a demanda por máquinas e equipamentosnesse setor. Os financiamentos são destinados a to-dos os elos da cadeia produtiva (agrícola, produçãode óleo bruto, armazenamento, logística e beneficia-mento de co-produtos), bem como para a aquisiçãode máquinas e equipamentos homologados para ouso do biocombustível, com destaque para veículosde transporte de carga e passageiros, tratores, co-lheitadeiras e geradores. Os financiamentos previs-tos podem chegar a 90% dos itens passíveis deapoio em projetos do Selo Combustível Social ou80% nos demais.

Outra relevante ação de fomento à cadeia produ-tiva do biodiesel no país é o Programa Selo Com-bustível Social do MDA, que desde 2005, atravésdas Instruções Normativas nº 01 e nº 02, dispõe so-bre critérios e procedimentos para enquadramento econcessão de incentivos diferenciados a projetos deprodução de biodiesel que incluam agricultores fa-miliares. Tal programa permite o enquadramento deprojetos ou empresas produtoras de biodiesel comode interesse social, permitindo-lhes participar emleilões de compra de biodiesel, facultando a deso-neração de algumas tributações e permitindo aces-sar melhores condições de financiamento junto aoBNDES e outras instituições financeiras. As condi-ções para enquadramento no programa são: a com-provação por parte da empresa ou Pessoa Jurídicainscrita de que garante, por meio de contrato, acompra de matérias-primas para a produção de bio-diesel junto a agricultores familiares (com preçospré-estabelecidos, especificando renda prevista eprazos para entrega das matérias-primas) e a ga-rantia de assistência e capacitação técnica aos pro-dutores com o apoio do MDA. Os agricultores fami-liares também têm acesso a uma linha de créditoadicional do PRONAF.

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Uma possibilidade facultada aos agricultores fa-miliares no Programa Selo Combustível Social é ade se habilitarem à função de “produtor de biodie-sel”, participando como sócios ou quotistas de in-dústrias extratoras de óleo ou de produção de biodi-esel através de suas associa-ções/cooperativas ou mesmo pormeio de participações negociadascom empresários, algo que pode-ria ser considerado como “jointventures de interesse social”. Deacordo com informações do MDA,já foram certificadas 10 empresascom o Selo Combustível Social. Aobrigatoriedade de garantia depreços aos produtores familiarespresente no Selo Combustível So-cial visa oferecer-lhes maior segu-rança em termos de comercializa-ção de sua produção, podendoocorrer ainda a possibilidade deobterem adiantamentos dos em-presários para financiarem a pró-pria produção, o que reduziria orisco envolvido com a produção esua necessidade de financiamento junto a bancos.

Tal arranjo, contudo, pode apresentar algumasdesvantagens potenciais para os agricultores fami-liares, uma vez que os contratos são firmados parao médio e longo prazos com estimativas de preçosbaseados em cotações atualizadas, desconside-rando possíveis valorizações das matérias-primas.Ou seja, nos casos de elevações de preços, a priori,os agricultores não teriam direito a um aumento desua remuneração. Isso, em última instância pode-ria ser prejudicial também para as próprias empre-sas, uma vez que a baixa cultura empresarial des-tes agricultores em geral poderia levá-los a sim-plesmente descumprir tais contratos quando asempresas se recusassem a repassar aumentosem situações de elevação significativa nas cota-ções de mercado. Nos casos em que ocorressemreduções acentuadas das cotações de preços, poroutro lado, tais contratos protegeriam os produto-res familiares em termos de redução de renda, ex-pondo apenas as empresas produtoras de biodie-sel, que geralmente têm maior fôlego para suportar

eventuais prejuízos, o que não acontece com osprodutores familiares.

Atentando para essa possibilidade, sugeri aostécnicos da Brasil Eco-Diesel (em reunião realizadana sede da CODEVASF, em Irecê, no início de 2005,

para negociar a realização de con-tratos para aquisição de mamonados produtores familiares da re-gião) que incluíssem, nos contra-tos a serem firmados com os pro-dutores locais, cláusulas de rene-gociação de preços para ambas aspartes no caso de oscilações ex-cessivas de preços da mamona(principal matéria-prima adquiridade produtores familiares do semi-árido atualmente) a ser utilizadapara a produção de biodiesel, situ-ação bastante provável no curtoprazo tendo em vista que a mamo-na é uma commodittie com seupreço determinado pela dinâmicado mercado internacional, lideradopor produtores asiáticos, e apre-senta perspectiva de demanda

crescente com o advento do biodiesel.

IMPACTOS ECONÔMICOS E PERSPECTIVASSÓCIO-AMBIENTAIS DO BIODIESEL

O cultivo de matérias-primas, a produção industri-al de biodiesel (conhecido como B100 em sua formapura, antes da adição ao petrodiesel para ser vendidoaos consumidores), sua adição ao diesel de petróleoe suas operações logísticas de distribuição (tanto naforma B100 como B2) constituem, grosso modo,aquilo que se pode denominar como cadeia produtivado biodiesel. O conjunto dessas atividades, por ra-zões inequívocas, apresenta grande potencial de ge-ração de trabalho e renda no país, especialmente asatividades no setor primário e de beneficiamento inici-al das matérias-primas vegetais, como as de sele-ção/limpeza e de esmagamento primário das semen-tes, que podem ser realizadas ainda no campo pormeio das cooperativas e associações de produtoresfamiliares, não obstante as elevadas exigências de

Tal arranjo, contudo, podeapresentar algumas

desvantagens potenciaispara os agricultores

familiares, uma vez que oscontratos são firmadospara o médio e longo

prazos com estimativas depreços baseados emcotações atualizadas,

desconsiderandopossíveis valorizações dasmatérias-primas. Ou seja,

nos casos de elevações depreços, a priori, os

agricultores não teriamdireito a um aumento de

sua remuneração

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qualificação do óleo necessárias à produção do biodi-esel. A priorização da mamona como matéria-primapara o biodiesel na região semi-árida decorre de di-versas pesquisas que indicam o elevado de potencialde resultados sócio-ambientais e econômicos comsua utilização por associações e cooperativas deprodutores familiares para abastecer as usinas pro-dutoras do biocombustível. A importância social eeconômica do incentivo à lavoura da mamona deve-se ao fato dela ser uma lavoura temporária resistenteà seca e de ciclo longo, o que a torna uma regularfonte de emprego e renda para os trabalhadores ru-rais no semi-árido, mantendo a ocupação da força-de-trabalho durante todo o ano, o que pode reduzir apauperização e o sofrimento excessivo de um contin-gente expressivo de trabalhadores rurais em períodosde estiagem prolongada, que reforçam o êxodo ruraldesordenado para os grandes centros urbanos quan-do das perdas de safra nas secas (ITURRA, 2003;MARTELLI; TRENTO, 2004).

Dentre suas características, destacam-se umaexcelente adaptabilidade ao regime de sequeiro e aboa produtividade média de 0,47 t/ano de óleo porhectare. De acordo com estimativas do MDA e doMinistério da Agricultura Pecuária e Abastecimento(MAPA), a área plantada necessária para atender àdemanda de B2 no Brasil seria de 1,5 milhão dehectares, equivalente a apenas 1% dos 150 milhõesde hectares plantados e disponíveis para agriculturano país. A renda líquida estimada de uma famíliacom o cultivo de cinco hectares de mamona numsistema de produção que apresente um rendimentomédio entre 700 e 1,2 mil quilos por hectare podevariar entre R$ 2,5 mil e R$ 3,5 mil reais por ano(HOLANDA, 2004).

Tal rendimento, segundo os especialistas daárea, pode ser duplicado ou triplicado, dentre outrosfatores, com a utilização de sementes de maior qua-lidade (as chamadas fiscalizadas, como a BRS Nor-destina e a BRS Paraguaçu, recentemente desenvol-vidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-cuária – EMBRAPA), bem como pela adoção de me-lhores técnicas de manejo na lavoura. Isso já pôdeser verificado in loco na região de Irecê (maior centroprodutor de mamona do país, localizado na RegiãoEconômica da Chapada Diamantina, distando cercade 470 km de Salvador, capital da Bahia) por técnicos

do Centro Nacional de Pesquisas do Algodão(CNPA), núcleo de pesquisas e desenvolvimento daEMBRAPA, localizado em Campina Grande, Paraí-ba, que é responsável também pelas pesquisas coma mamona, dentre outras lavouras típicas do semi-árido com potencial de geração de óleo para a produ-ção de biodiesel.

Esse valor desconsidera a renda que pode serobtida ainda em função do consorciamento da produ-ção de mamona com outras lavouras, como o feijão,a melancia, o amendoim e a abóbora, além dos gan-hos diretos e indiretos que podem ser auferidos pelosprodutores familiares com a utilização dos co-produ-tos a serem gerados no processo de transesterifica-ção do óleo de mamona para produção de biodiesel(a torta de mamona, que é extremamente útil para aadubação do solo, e a glicerina). Destaca-se que oprincípio geral recomendado para o consorciamentocom a mamona é a adoção de lavouras temporáriasrasteiras e de ciclo curto que não se tornem concor-rentes da mamona no consumo de água, principal-mente nos estágios iniciais de desenvolvimento dalavoura. Tal recomendação indica como altamentedesaconselhável a utilização do milho em consórciocom mamona – como apontou o Dr. Napoleão Bel-trão, pesquisador da EMBRAPA-CNPA, em diversasoportunidades durante o I Congresso Brasileiro deMamona – prática comum dos agricultores familiaresque reduz consideravelmente o rendimento da ma-mona em todo o semi-árido brasileiro.

Com relação às matérias-primas preferenciaispara cultivo no semi-árido, tem-se buscado recente-mente intensificar as pesquisas e esforços para di-versificar ainda mais as possibilidades de inserçãoda produção familiar do semi-árido, que, além damamona, poderia incluir também o pinhão manso e oamendoim, dentre outras oleaginosas. A necessida-de recentemente apontada de descentralizar a priori-dade da mamona como matéria-prima de biodieselno semi-árido decorre de algumas limitações quetêm sido apontadas, a exemplo do menor teor deóleo em relação a outras oleaginosas. A principal li-mitação da mamona, contudo, é o considerável riscoem termos de garantia de manutenção da sua ofertapara as usinas de biodiesel, pois seu óleo é umacommodittie com preços determinados pelas flutua-ções do mercado internacional e que apresenta diver-

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sas outras aplicações, consideradas inclusive mais“nobres” do que a produção de biodiesel. Essas flutu-ações foram bastante elevadas no passado recente etêm sido determinadas nas últimas décadas pelocomportamento da produção na Índia e na China.Essa característica poderia geraroscilações excessivas de preços,como as verificadas nas décadasde 1970 e 1980, podendo prejudi-car não somente a sustentabilida-de dos contratos firmados entreagricultores familiares e produto-res de biodiesel, como a própria vi-abilidade econômica da produçãode biodiesel a partir desta lavoura.

As próprias características dobiodiesel enquanto combustível jácomeçam a denotar suas vanta-gens ambientais, pois é produzidocom matérias-primas renováveis,biodegradável, não-tóxico, enfim,limpo. Além desses fatores, outroimpacto ambiental positivo da suautilização é a possibilidade de redução da poluiçãoatmosférica nos grandes centros urbanos (a misturaB100 proporciona redução de 90% de fumaça e vir-tual eliminação do óxido de enxofre, responsávelpela chuva ácida), com rebatimento imediato namelhoria da qualidade de vida e redução de gastosno sistema de saúde para atendimento de proble-mas respiratórios nos grandes centros urbanos(HOLANDA, 2004).

Além desses benefícios ambientais gerais, o bio-diesel na sua forma pura (B100) pode permitir que aemissão líquida de dióxido de carbono (CO

2) – o prin-

cipal dentre os Gases do Efeito Estufa (GEE), queabrangem ainda metano, óxido nitroso, ozônio e hi-drofluorcarbonos – seja reduzida em até 80%. A la-voura de mamona permite ainda uma fixação líquidade oito toneladas de carbono por hectare plantado.Enquanto no Brasil as necessidades socioeconômi-cas são o principal fator de estímulo à produção econsumo de biodiesel, nos países desenvolvidos osbenefícios ambientais são o principal incentivo paraseu uso. O advento do Mecanismo de Desenvolvi-mento Limpo (MDL) e o desenvolvimento do mercadointernacional de créditos de carbono, contudo, po-

dem realçar os aspectos ambientais do biodiesel,alavancando a capacidade de captação de recursosexternos do Brasil via registro e comercialização deReduções de Emissões Certificadas (CERs), os “cré-ditos de carbono” previstos pelo Protocolo de Quioto

(HOLANDA, 2004; PARENTE JÚ-NIOR, 2004).

Outro exemplo das amplaspossibilidades de benefícios soci-ais e ambientais que a cadeia debiodiesel pode proporcionar pormeio de lavouras como a de ma-mona pode ser observado nas ativi-dades do Instituto de Permaculturada Bahia, ONG que tem sido apoi-ada pela SECOMP e já trabalha hámais de cinco anos testando atransferência da tecnologia de per-macultura a agricultores familia-res. Essa é uma estratégia de con-vivência com a seca, uma espéciede policultura orgânica, que estásendo praticada no semi-árido bai-

ano, em alguns municípios das microrregiões de Ja-cobina e Irecê, possibilitando a ampliação sustentá-vel da produção e do rendimento agrícola de mamonaconsorciada com diversas outras culturas de subsis-tência e comerciais sem necessidade de irrigação,em pleno bioma da caatinga. O segredo desse su-cesso tem sido o trabalho de forte capacitação emassociativismo e técnicas de manejo do solo e de la-vouras de ciclos diferenciados, que mantêm a umida-de do solo e auxiliam no combate à desertificação. Ogrande desafio que tem sido posto a essa experiên-cia em curso é, principalmente, sistematizar os da-dos estatísticos comparados de diferença de rendi-mento agronômico e rentabilidade econômica destaatividade, uma vez que os impactos sociais (apesarde também não terem sido quantificados ainda) sãoevidentes em termos de organização social de produ-tores, estabilização das oscilações no nível de produ-ção agrícola e reversão do processo de desertifica-ção, dentre outros.

Os CERs ou créditos de carbono a serem geradosno âmbito do MDL, um dos instrumentos de flexibiliza-ção comercial do Protocolo de Quioto, permitem queos maiores países poluidores do mundo (integrantes

A principal limitação damamona, contudo, é oconsiderável risco emtermos de garantia de

manutenção da sua ofertapara as usinas de

biodiesel, pois seu óleo éuma commodittie com

preços determinados pelasflutuações do mercado

internacional e queapresenta diversas outrasaplicações, consideradas

inclusive mais “nobres” doque a produção de

biodiesel

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do Anexo I do Protocolo) realizem seus investimentospara redução e/ou adequação aos limites de emissõesde GEE em países menos desenvolvidos (ou não-inte-grantes do Anexo I), com menores custos e, geral-mente, maiores impactos sociais. No mundo todo, di-versos projetos têm sido concebi-dos e estão sendo implementados,o que tem gerado early credits, umativo potencial de CERs que já estásendo negociado no mercado se-cundário, principalmente na Europa,numa base de US$ 3,5 a US$ 10,em média, para cada tonelada decarbono fixado ou seqüestrado,pois o início de funcionamento domercado internacional só deveráocorrer a partir de 2008, quando foriniciada a primeira etapa de imple-mentação do Protocolo de Quioto (FERRETTI, 2001;ECOSECURITIES, 2001a; SUERDIECK, 2002a).

A produção e o consumo de biodiesel, ao possibi-litar a captação de recursos internacionais no futuromercado internacional de créditos de carbono pormeio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo(MDL) do Protocolo de Quioto, constitui-se numa im-portante alternativa de desenvolvimento principalmen-te para as regiões mais estagnadas do país, como asdo semi-árido. No caso do biodiesel, poderiam serplanejados projetos integrados de produção e consu-mo de biodiesel em atividades de agricultura familiarque resultariam na formação de estoques dinâmicosde carbono fixado e poderiam evitar emissões adicio-nais pela substituição de petrodiesel.

Tais investimentos, para serem elegíveis em ter-mos de emissão de CERs, devem obedecer a cer-tos critérios estabelecidos no âmbito do MDL, nocaso, a realização do estudo de linha de base (ba-seline, que deve indicar qual o nível de emissõesque ocorreriam na ausência do projeto), a adiciona-lidade (deve comprovar que consegue realizar umaredução adicional no nível de emissões) e a contri-buição para o desenvolvimento social das comuni-dades localizadas na sua área de entorno(SCHWARTZMAN; MOREIRA, 2000). Nesse senti-do, os projetos de MDL podem ser classificadosem três tipos básicos. Primeiro, os projetos de se-qüestro ou fixação de carbono que resultam da for-

mação de estoques dinâmicos de carbono fixadoem formações florestais (conhecidos como LULU-CF, sigla em inglês para o conceito de “uso dosolo, mudança no uso do solo e reflorestamento”).O segundo tipo é conhecido como de eficiência

energética, resultante de açõesde redução de consumo de ener-gia ou prevenção de emissões ge-radas por fontes não-renováveis(como a substituição do consumode energia elétrica produzida emusinas termelétricas por unidadeseólicas ou solares) ou a reduçãode emissões de carbono pela re-dução no consumo de combustí-veis fósseis por fontes renováveis,como no caso do biodiesel.

O terceiro tipo, que pode serconsiderado como o mais interessante, seria de proje-tos mistos onde poderiam ser combinados componen-tes das duas linhas de ação (ECOSECURITIES,2001b; SUERDIECK, 2003). Pode-se avaliar como po-sitivas as perspectivas de captação de recursos adici-onais por meio do mercado de créditos de carbono,pois este vem gradativamente se consolidando, mes-mo sem a participação formal do governo americanoaté o momento, uma vez que o setor privado e olegislativo americano estão atentos à necessidade desua participação em determinado momento(ECOSECURITIES, 2001b; SUERDIECK, 2002b).

Não obstante tais perspectivas favoráveis, deve-se observar que os processos de certificação paraemissão de créditos de carbono via projetos deprodução de biodiesel no Brasil apresentam umaimportante restrição decorrente de um elementopresente no marco regulatório recentemente defini-do. O potencial de captação de recursos via MDLnos projetos brasileiros de biodiesel ficou bastanteprejudicado devido à introdução da obrigatoriedadede adição de biodiesel no diesel de petróleo já apartir de 2008. Consta no Protocolo de Quioto enos documentos referentes ao MDL que os CERsnão são passíveis de emissão no âmbito do MDLquando os projetos forem decorrentes de atendi-mento à regulamentação e obrigatoriedades im-postas por legislações governamentais. Ou seja,quando tais investimentos não forem decorrentes

A capacidade de geraçãode CERs em projetos deprodução e consumo de

biodiesel no Brasil,portanto, ficará restrita aosinvestimentos realizados

até 2008, justamente o anoem que se prevê o início

de funcionamento domercado internacional de

créditos de carbono

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de “iniciativas espontâneas” do setor privado, doTerceiro Setor ou da Sociedade Civil, passando aser obrigatórios, resultantes de adequação ouatendimento à legislação, tais projetos perdem odireito de elegibilidade no âmbito do MDL e, con-seqüentemente, sua capacidade de geração deCERs. A capacidade de geração de CERs em pro-jetos de produção e consumo de biodiesel no Bra-sil, portanto, ficará restrita aos investimentos reali-zados até 2008, justamente o ano em que se prevêo início de funcionamento do mercado internacio-nal de créditos de carbono.

PLANEJAMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DOPROBIODIESEL BAHIA

No contexto de articulação do PNPB, surge oPrograma de Biodiesel da Bahia (PROBIODIESELBAHIA). Sob a coordenação técnica da Secretariade Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI), contacom um Comitê Executivo coordenado pelo Vice-Go-vernador que articula ações de diversas secretariassetoriais e órgãos do Governo da Bahia (como a Se-cretaria de Infra-Estrutura – SEINFRA, a Secretariade Agricultura – SEAGRI, a Secretaria de Combate àPobreza – SECOMP e a Empresa Baiana de Desen-volvimento Agrícola – EBDA, dentre outras) com oobjetivo de apoiar a descentralização da matriz ener-gética do estado em direção às fontes renováveis.Assim como o programa nacional, o PROBIODIE-SEL BAHIA é resultado de uma articulação interinsti-tucional que envolve não somente órgãos do governoestadual como também as Universidades, pesquisa-dores da área, empresários e trabalhadores ruraissob as mais diversas formas.

São objetivos específicos do programa: apoiar aampliação e consolidação na produção e processa-mento de oleaginosas no estado da Bahia; fomentar osurgimento de micro e mini-usinas de biodiesel noestado para atender às necessidades de comerciali-zação no âmbito do PNPB, bem como para abastecerempreendimentos agroindustriais e frotas privadas epúblicas de veículos; fomentar a implantação de usi-nas de produção contínua, em larga escala; aproveitaras vantagens logísticas e edafoclimáticas do estadopara viabilizar o estabelecimento da Bahia como ex-

portador de biodiesel; e fortalecer e integrar a agricultu-ra familiar à cadeia produtiva de biodiesel.

O programa tem buscado, desde as fases iniciaisde planejamento e articulação, enfatizar e potenci-alizar algumas vantagens competitivas que têm colo-cado a Bahia em posição de destaque no cenário na-cional do biodiesel, a exemplo das condições natu-rais favoráveis à produção de oleaginosas diversasnas diferentes regiões do estado (como a alta insola-ção, a aptidão de clima, a adequada altitude na regiãosemi-árida, a boa qualidade de solos e disponibilida-de de terras em geral) e de uma adequada “densidadeinstitucional” já trabalhando com a temática (capaci-dade instalada e histórico de P&D na área, com des-taque para a atuação da UESC, UFBA, UNIFACS,SENAI-CETIND, SENAI-CIMATEC e CEPLAC, dentreoutras). Tais fatores, acrescidos ao decisivo apoio doGoverno Estadual e à atuação de dirigentes, técni-cos, pesquisadores e agricultores articulados pormeio da Rede Baiana de Biocombustíveis (RBB), têmpossibilitado à Bahia constituir um dos mais consis-tentes e bem articulados programas estaduais de bio-diesel no Brasil. Assim como no âmbito federal, oPROBIODIESEL BAHIA tem como um de seus princi-pais objetivos estratégicos proporcionar a inclusãosocial por meio do estímulo ao beneficiamento dasmatérias-primas vegetais dos agricultores familiares.

Tendo como base o PNPB, a articulação doPROBIODIESEL BAHIA se iniciou ainda no ano de2003, a partir de um Seminário na Universidade Es-tadual de Santa Cruz (UESC), quando da divulgaçãodos trabalhos da Rede de Energia Renovável e MeioAmbiente (RENOMA) em parceria com a Universida-de Federal da Bahia (UFBA). A partir desse seminá-rio, deu-se início à articulação para o seu processode planejamento sob a coordenação da SECTI, quecontou com o apoio de técnicos de diversas Secre-tarias e órgãos governamentais do Estado da Bahiaenvolvidos, além de representantes das Universida-des e pesquisadores da Rede Baiana de Biocom-bustíveis (RBB), que estava em formação. Tendocomo meta viabilizar a geração de biodiesel parasubstituir cerca de 5% do consumo estadual do die-sel petrolífero até 2007, uma das estratégias princi-pais adotadas pelo programa tem sido a consolida-ção da Rede Baiana de Biocombustíveis (RBB).Essa é uma articulação interinstitucional que visa

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POLÕTICAS P�BLICAS DE FOMENTO AO BIODIESEL NA BAHIA E NO BRASIL: IMPACTOS SOCIOECON‘MICOS...

elevar a cooperação e a consistência nas atividadesde planejamento e mobilização de recursos, assimcomo proporcionar um grau elevado de articulaçãodos diversos atores envolvidos na integração dosesforços de desenvolvimento de projetos para a con-solidação do biodiesel na Bahia(BAHIA, 2004).

A RBB funciona como um am-plo grupo de trabalho que visa fa-cilitar a comunicação e o estabe-lecimento de parcerias entre asdiversas instituições envolvidascom a implementação do biodie-sel no estado, possuindo quatrogrupos de trabalho temáticos vin-culados às necessidades de forta-lecimento e consolidação da ca-deia produtiva de biodiesel naBahia: apoio a Pesquisa e Desen-volvimento (P&D) e Rede Tecnoló-gica e Laboratorial, sistemas deprodução de oleaginosas, implan-tação de unidades produtivas de biodiesel e compe-titividade econômica e integração do biodiesel à pe-quena produção familiar. São objetivos da rede: pro-mover a interação entre os diversos atores (Gover-no, Universidades públicas e privadas, empresasprivadas, ONGs, agentes financeiros, pesquisado-res da área, etc.) que tenham interesse no tema;fomentar pesquisas para o desenvolvimento tecnoló-gico e a capacitação dos atores que apóiam o PRO-BIODIESEL BAHIA; divulgar informações relaciona-das ao biodiesel; elaborar e submeter projetos emregimes cooperativos (envolvendo governo, empre-sas e universidades) aos editais temáticos e fundossetoriais no tema; e criar bancos de dados com in-formações das diversas áreas ligadas à cadeia pro-dutiva de biodiesel na Bahia, dentre outros. Atual-mente a RBB possui pelo menos 12 projetos rele-vantes no âmbito do PROBIODIESEL BAHIA sendoimplantados em diversas áreas e regiões do estadocom diversos parceiros a exemplo da UESC, UFBA,PUC-Rio e SENAI/CETIND, dentre outros.

Em termos de matérias-primas, o PROBIODIE-SEL BAHIA não somente tem fomentado a prioriza-ção da mamona no semi-árido (a Bahia é historica-mente o maior produtor de mamona do país, com

mais de 90% da safra nacional mesmo após a crisedo setor verificada na década de 1980), como apoia-do ações diversas para viabilizar o aproveitamento deoutras matérias-primas presentes no estado, aexemplo do dendê no Baixo Sul/Litoral Sul, o algodão

e a soja no Oeste/Sudoeste, bemcomo a utilização de óleos e gor-duras residuais (OGR) na RegiãoMetropolitana de Salvador (RMS),além de observar o potencial de in-serção de outras lavouras na ca-deia estadual de biodiesel que ain-da não têm plantio comercial, masapresentam boas condições de in-trodução, como o girassol e o pi-nhão manso, dentre outras.

Dentre os diversos resultadosalcançados pela RBB sob a coor-denação da SECTI, pode-se des-tacar a conclusão de que um dosmaiores gargalos no curto prazopara a cadeia estadual de biodie-

sel seria a escassez de sementes fiscalizadas paraplantio imediato e a baixa capacitação dos trabalha-dores em técnicas de cultivo e reprodução de se-mentes qualificadas. Tal situação, ademais, tende-ria a se agravar com a perspectiva de elevação dademanda devido ao processo recente de implanta-ção de usinas de biodiesel na Bahia e na região Nor-deste. Articulou-se, então, no âmbito dos grupos deSistema de Produção de Oleaginosas e Integraçãodo Biodiesel à Pequena Produção Familiar, sob lide-rança da SECTI, a realização de um convênio entrea SEAGRI, EBDA e SECOMP para apoiar a amplia-ção da área plantada de mamona por meio de pe-quenos produtores familiares. Executado ao longode 2005, o Projeto de Desenvolvimento da Lavourade Mamona para Viabilização do PROBIODIESELBAHIA financiou a organização e edição de um ma-nual com um sistema de produção racional para osprodutores familiares de mamona, a geração de se-mentes básicas para reprodução de sementes fis-calizadas por parte dos produtores familiares, bemcomo a realização de pesquisas no estado para de-senvolvimento de novas variedades de maior rendi-mento da mamona. Com uma abrangência espacialde até 190 municípios da Bahia, o mesmo pretende

Dentre os diversosresultados alcançados pelaRBB sob a coordenação daSECTI, pode-se destacar aconclusão de que um dosmaiores gargalos no curto

prazo para a cadeiaestadual de biodiesel seriaa escassez de sementesfiscalizadas para plantio

imediato e a baixacapacitação dos

trabalhadores em técnicasde cultivo e reprodução de

sementes qualificadas

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SIDNEI SILVA SUERDIECK

beneficiar um conjunto de cerca de 4.000 produtoresfamiliares, representando uma das diversas açõesrecentes do Governo do Estado para apoiar a reto-mada do fomento à lavoura de mamona no estado,que se apresenta atualmente em cerca de metadedo nível de produção existente na década de 1970.Apesar de ainda ser o maior produtor de mamona doBrasil (com mais de 90% da produção nacional),houve uma queda acentuada da produção e do ren-dimento desta lavoura no estado devido à falta decuidados na produção de sementes, queda da áreaplantada pela falta de preços mínimos e secas pro-longadas, dentre outros motivos.

Apesar do ainda recente processo de implementa-ção do PROBIODIESEL BAHIA, pode-se observar al-guns resultados positivos que atestam a eficácia desua implementação. A Bahia tem conseguido firmarprotocolos de intenção com diversos grupos empresa-riais (inclusive internacionais) para o aporte de investi-mentos em ampliação da produção e beneficiamentode oleaginosas. Algumas usinas de produção de biodi-esel têm sido instaladas, a exemplo da região de Irecê(em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia– MCT), com destaque para o anúncio recente de in-vestimentos vultosos da PETROBRAS em uma usinana RMS. A produção agrícola necessária ao desenvol-vimento da cadeia produtiva no estado também temcrescido gradativamente, com destaque para a mamo-na que passou de 114 mil toneladas em 2004 para 135mil em 2005. E isso apenas com a mobilização e re-cursos próprios dos produtores familiares da região deIrecê, que têm sido estimulados pelo Governo do Esta-do a acreditarem no biodiesel através de palestras,reuniões e seminários diversos para disseminar co-nhecimentos sobre a cadeia aos diversos atores noestado. Pesquisas e investimentos em capacitação emelhoramento do parque tecnológico no estado tam-bém têm sido feitas por meio de recursos captadospela SECTI junto ao Governo Federal para aporte nasprincipais Universidades do estado (com destaquepara a instalação de uma usina experimental de produ-ção de biodiesel com óleos e gorduras residuais –OGR na Universidade Federal da Bahia – UFBA), bemcomo por meio da publicação de edital através da Fun-dação de Apoio à Pesquisa do Estado da Bahia (FA-PESB) para financiar projetos de pesquisa e desenvol-vimento para o biodiesel.

A Rede Baiana de Biocombustíveis tem sido forta-lecida com a implantação de um portal na internet,facilitando a comunicação e a troca de informaçõesentre seus membros. Enfim, os inúmeros resultadospositivos alcançados em um período de tempo tãocurto indicam, inequivocamente, o acerto no anda-mento do programa estadual de biodiesel, possibili-tando à Bahia se firmar no cenário nacional, fortale-cendo e concretizando suas inúmeras vantagens epotencialidades com a ampliação de oportunidadesde trabalho e renda no campo e nas cidades, assimcomo fomentando o desenvolvimento científico e tec-nológico nesta promissora cadeia produtiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O recente advento e implementação do ProgramaNacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) in-dica um avanço em termos de desenvolvimento depolíticas públicas no Brasil, tendo em vista o eficazprocesso de articulação de esforços intersetoriaisentre os diversos ministérios envolvidos e atores so-ciais relevantes, bem como a positiva articulaçãocom os governos estaduais (a exemplo do estado daBahia) na complementação e potencialização dos in-vestimentos e iniciativas envidadas. O PNPB tem seconstituído num eficaz vetor para operacionalizaruma estratégia de integração de objetivos de desen-volvimento energético e científico-tecnológico com asnecessárias diretrizes de desenvolvimento sócio-pro-dutivo regional e de inclusão social.

O PNPB, assim, representa um avanço em rela-ção a programas anteriores de renovação da matrizenergética nacional (como o PROÁLCOOL, porexemplo), uma vez que a adequada definição de seumarco regulatório na áreas fiscal e tributária abreperspectivas favoráveis de apoio à concretização dosobjetivos fundamentais de inclusão social e distribui-ção de renda para os produtores familiares, paraalém de uma mera proposição retórica ou boas inten-ções dos gestores públicos envolvidos. Nesse senti-do, destaca-se a priorização de ações para viabilizaro desenvolvimento da produção rural de forma sus-tentável, buscando utilizar tecnologias inteligentes ede baixo custo que possam integrar os produtoresfamiliares à cadeia produtiva do biodiesel por meio do

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melhoramento de seu rendimento com lavouras re-sistentes à seca, como a mamona (que pode, ainda,ser consorciada com feijão e outras lavouras de sub-sistência, gerando rendas diretas e indiretas adicio-nais). Tais diretrizes podem ajudar os agricultores fa-miliares do semi-árido brasileiro areagirem contra a exclusão social aque estão historicamente expos-tos. No caso da mamona, o poten-cial de resgate econômico e socialdas famílias rurais é elevadíssimo,pois se trata de uma lavoura comer-cial com alta e crescente demandano mercado internacional, o quedeve ser reforçado com a demandaadicional desta matéria-prima de-corrente da gradativa implementa-ção do PNPB. Esse fator acrescen-ta um ingrediente adicional de or-dem ambiental que fortalece aindamais a viabilidade sócio-política dedecisivo apoio ao desenvolvimentodo programa e de suas vertentesestaduais. Consumidores industri-ais estimam que o preço de merca-do da mamona pode dobrar assimque a cadeia nacional de biodiesel começar a funcio-nar efetivamente, representando um forte instrumentode transferência de renda para os produtores familia-res se inserirem nas atividades previstas.

O elevado impacto social que o desenvolvimentode projetos de produção de biodiesel pode trazer aesses produtores se constitui, inclusive, num compo-nente fundamental para fortalecer a elegibilidade deprojetos de produção integrada de biodiesel no âmbi-to do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)do Protocolo de Quioto. Devido às característicasanteriormente apontadas, os projetos de biodieselpodem gerar uma renda adicional para os produtoresfamiliares e empreendedores envolvidos por meio dageração de créditos de carbono e captação de recur-sos internacionais em função do seqüestro de carbo-no que a ampliação das lavouras poderá proporcio-nar, bem como pela redução de emissões de Gasesdo Efeito Estufa (GEE) que a utilização desse bio-combustível poderá gerar no processo de substitui-ção gradativa do diesel de petróleo.

Não obstante tais perspectivas, deve-se atentarpara o fato de que a inclusão prematura no marco re-gulatório da obrigatoriedade de adição do biodieselao diesel de petróleo a partir de 2008 (coincidente-mente, o primeiro ano de funcionamento efetivo do

mercado internacional de créditosde carbono) reduz o potencial decaptação de CERs, uma vez que alegislação internacional pertinentetorna inelegível no âmbito do MDLos projetos de fixação de carbono eprevenção de emissões que ocor-ram mediante exigências de regula-mentações governamentais. Ape-sar de reconhecer as dificuldadesenvolvidas, seria recomendável queos gestores públicos competentesavaliassem a possibilidade de edi-tarem regulamentação adicionalpostergando por mais alguns anoso início da inclusão obrigatória debiodiesel na matriz energética comvistas e aproveitar melhor as opor-tunidades que serão criadas com oinício do primeiro período de imple-mentação do Protocolo de Quioto.

Seria recomendável, também, ampliar o apoio aosempreendedores e organizações representativas deprodutores familiares já envolvidos com o biodieselpara estabelecerem estudos de linha de base e adi-cionalidade nos projetos de desenvolvimento de la-vouras no semi-árido e de produção de biodiesel, vi-sando submeterem à avaliação para geração de cré-ditos de carbono uma vez que as atividades imple-mentadas no período atual têm plena elegibilidadeem termos de potencial para geração de CERs oucréditos de carbono.

A despeito dos grandes avanços obtidos, umaavaliação crítica do PNPB até o momento apontapara a necessidade de continuar trabalhando parasolucionar uma série de dificuldades operacionais,de logística, de gestão e culturais que poderão afetarprincipalmente os produtores familiares e suas enti-dades representativas na tentativa de viabilizaremsua efetiva inclusão na cadeia produtiva do biodiesel.Tais dificuldades tendem a se agravar especialmentea partir de 2008, quando tem início o primeiro pata-

A despeito dos grandesavanços obtidos, uma

avaliação crítica do PNPBaté o momento apontapara a necessidade decontinuar trabalhando

para solucionar uma sériede dificuldades

operacionais, de logística,de gestão e culturais que

poderão afetarprincipalmente os

produtores familiares esuas entidades

representativas natentativa de viabilizaremsua efetiva inclusão na

cadeia produtiva dobiodiesel

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mar obrigatório de adição de 2% deste biocombustí-vel ao diesel de petróleo, pois o setor empresarialterá amplas condições (e uma imposição legal, inclu-sive) de ocupar os espaços que os produtores famili-ares não tiverem condições de atender na cadeia pro-dutiva do biodiesel, reduzindo o potencial de distribui-ção de renda e o impacto que os incentivos e benefí-cios previstos no marco regulatório buscam trazeraos trabalhadores do campo.

Tais dificuldades, dentre outras, têm induzido ospesquisadores a buscarem estabelecer arranjos al-ternativos, com destaque para a diversificação dematérias-primas na produção de biodiesel. O debateem torno da necessidade de diversificação de lavou-ras familiares para a produção de biodiesel no semi-árido tem apontado para pesquisas e experimenta-ções com outras matérias-primas, destacando-se opinhão manso, que apresenta um índice superior emtermos de produção de óleo (50% a 52% contra 45%da mamona, em média) e um rendimento superior emtermos de geração de óleo por área plantada. Outravantagem do pinhão manso em relação à mamonaseria o menor risco de escassez na oferta de maté-ria-prima decorrente de choques externos adversos(uma elevação ou redução excessiva de preços nocurto prazo) que poderiam dificultar o abastecimentoregular das usinas produtoras de biodiesel, tendo emvista que seu óleo não tem uma diversidade tão am-pla de aplicações com significativo valor comercial,com conseqüentes reflexos em termos de valoriza-ção e demanda potencial para usos alternativos, aexemplo do óleo de mamona.

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Apropriação dos recursos naturais

e o Programa Nacional de Produção

e Uso do Biodiesel1

Cezar Menezes Almeida,* Mônica de Moura Pires,** José Adolfo de Almeida Neto***

Rosenira Serpa da Cruz****

1 Universidade Estadual de Santa Cruz, Grupo Bioenergia e Meio Ambiente.

* MS Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente. [email protected]

** DS Economia Rural, Professora Adjunta DCEC/UESC. [email protected]

*** MS Engenharia Agrícola, Professor Assistente DCAA/[email protected]

**** DS Química, Professora Adjunta DCET/UESC. [email protected]

Abstract

With the oil crisis during the 1970’s, studies aiming energyalternatives to substitute fossil energy, intensified. Thus, theinsertion of biodiesel in the Brazilian energy matrix, wasconsidered. This work contextualized the introduction processof biodiesel in the national energy matrix, in the point of view ofappropriation of natural resources, aiming to broadenenvironmental discussions involving its production andconsumption. Legal texts, part of the National Program ofBiodiesel Use and Production and incentive mechanisms forbiodiesel production, are analyzed. As theoretical base,theories of environmental, ecologic and Marxist economy wereadopted. We can observe that the Program, in spite of attendingsocial-economic aspects in its conception, doesn’t discussthe environmental aspects that involve the production andconsumption of fuels in Brazil.

Key words: biofuels, environment, economy of naturalresources, ecologic economy, Marxist economy.

Resumo

Com a crise do petróleo da década de 1970, intensificaram-se os estudos de alternativas energéticas em substituição às deorigem fóssil. Nesse sentido, foi pensada a inserção do biodie-sel na matriz energética brasileira. Este trabalho contextualiza oprocesso da introdução do biodiesel na matriz energética naci-onal sob o ponto de vista da apropriação dos recursos naturais,objetivando ampliar as discussões ambientais que envolvem aprodução e o consumo desse combustível. São analisados ostextos legais que fazem parte do Programa Nacional de Produ-ção e Uso do Biodiesel e os mecanismos de incentivo à produ-ção do biodiesel. Como base teórica, foram adotadas as teoriasda economia ambiental, ecológica e marxista. Observa-se que oPrograma, apesar de atender aos aspectos socioeconômicosem sua concepção, não discute aspectos ambientais que envol-vem a produção e o consumo de combustíveis no Brasil.

Palavras-chave: biocombustíveis, meio ambiente, economiados recursos naturais, economia ecológica, economia marxista.

no seio da teoria econômica tradicional. Nesse sentido,tem-se buscado analisar, interpretar e propor novas for-mas de estabelecimento da relação homem-ambienteem uma economia de mercado e discutir a apropriaçãodos recursos naturais pela sociedade moderna.

Os recursos naturais, em uma visão antropocên-trica, podem ser considerados como todas as matéri-as-primas que podem ser obtidas na natureza e apro-veitáveis pelo homem. Esses recursos podem ser re-nováveis, como, por exemplo, os grãos de um modogeral, ou não-renováveis, como é o caso do petróleo(IBGE, 2004).

INTRODUÇÃO

As discussões relativas às ações antrópicas nomeio ambiente, apesar de se tratar de uma nova abor-dagem científica, vem tomando cada vez mais espaço

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APROPRIA«√O DOS RECURSOS NATURAIS E O PROGRAMA NACIONAL DE PRODU«√O E USO DO BIODIESEL

Tida inicialmente como uma fonte inesgotável deinsumo (os recursos naturais eram todos considera-dos infinitos pelo homem), a natureza, agora, comos sinais claros de sua degradação como, porexemplo, a perda de biodiversidade provocada pelaextinção de espécies e as altera-ções no clima global, se coloca nocentro da discussão do desenvolvi-mento econômico e do atual pa-drão de produção e consumo dasociedade contemporânea. O de-senvolvimento sustentável, mesmoainda como um conceito em evolu-ção, emerge no seio da sociedadecomo uma alternativa para o cres-cimento desenfreado do consumodos recursos naturais.

Mesmo com essa nova aborda-gem, ainda atualmente a socieda-de global se organiza em torno deum modelo econômico capitalista,voltado para o mercado e tendo como premissa oequilíbrio do consumo dos recursos naturais atravésdo mecanismo de preços e do fenômeno da escas-sez. Diante disso, torna-se necessário entendercomo se dão as relações da sociedade com o meioambiente, discutindo como se alinham as diversaspolíticas públicas em um modelo de gestão de re-cursos naturais.

Nesse caminho, muitos países têm procuradoadotar políticas que possibilitem utilizar as fontesenergéticas disponíveis de maneira eficiente e racio-nal. Seguindo esses novos padrões, há um incentivopara a priorização do uso dos transportes coletivos,produção de bens e serviços pautados no conceitode ecoeficiência e utilização de produtos reciclados,entre outras mudanças. Tal comportamento traz in-trinsecamente o conceito da preservação e da con-servação dos recursos naturais.

Nota-se que, nessa mesma direção, desde aemergência do movimento ambientalista e, principal-mente, após a crise do petróleo da década de 1970,tem-se intensificado a discussão sobre alternativasenergéticas em substituição às de origem fóssil.

No Brasil, a indústria do álcool combustível éconsiderada uma demonstração do potencial da bio-massa como fonte de energia eficiente e de menor

impacto ambiental, demonstrando a possibilidadede mudança do atual padrão de consumo de com-bustíveis líquidos de origem fóssil. A introdução doálcool como combustível na matriz energética brasi-leira foi realizada através do Programa Nacional do

Álcool (PROÁLCOOL), criado como objetivo de incentivar a produçãoe o consumo de álcool como com-bustível no Brasil.

Nesse sentido foi pensada a in-serção do biodiesel na matriz ener-gética brasileira em 2004. O biodi-esel pode ser definido como umcombustível com características fí-sico-químicas semelhantes ao die-sel do petróleo, que pode ser pro-duzido a partir de óleos e gordurasvegetais ou animais, in natura ouresiduais, através do processo detransesterificação.

Partindo-se desse contexto,este trabalho procura contextualizar o processo daintrodução do biodiesel na matriz energética nacio-nal sob o ponto de vista da apropriação dos recur-sos naturais, objetivando ampliar as discussõesambientais que envolvem a produção e o consumodesse combustível.

PESQUISAS SOBRE BIOCOMBUSTÍVEIS

As primeiras pesquisas sobre o uso de biocom-bustíveis datam do século XIX. Em 1832, houve aprimeira utilização do álcool como fonte energéticae em 1893 foram feitos diversos ensaios a respeitoda substitutibilidade entre o álcool e a gasolina. Nadécada de 1920, com a crise no abastecimento dopetróleo, foram estudadas várias alternativas ener-géticas. Nesse período, os países da Europa e osEstados Unidos, em particular, passaram a utilizaro álcool como combustível, fabricado a partir de di-versas matérias-primas. Nesse sentido, tambémno Brasil, nos anos de 1920, realizaram-se experi-ências pioneiras com a utilização do álcool mistu-rado ao éter e gasolina ou ao éter e querosene e osprimeiros testes em motores de explosão (MENE-ZES, 1980).

No Brasil, a indústria doálcool combustível é

considerada umademonstração do

potencial da biomassacomo fonte de energiaeficiente e de menorimpacto ambiental,

demonstrando apossibilidade de

mudança do atual padrãode consumo de

combustíveis líquidos deorigem fóssil

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CEZAR MENEZES ALMEIDA, MÔNICA DE MOURA PIRES, JOSÉ ADOLFO DE ALMEIDA NETO, ROSENIRA SERPA DA CRUZ

No Brasil, somente na década de 1930 foram im-plantadas políticas voltadas para os biocombustíveis,quando, através do Decreto nº 19.717, estabeleceu-se o uso compulsório de 5% de álcool à gasolina,motivado pela crise do açúcar e pela recessão insta-lada naquela década. Posteriormente, através do De-creto Lei nº 25.174-A, de 03 de julho de 1948, foramestabelecidos incentivos à fabricação de álcool parauso em motores de combustão (MENEZES, 1980).No entanto, somente em 1975, com a criação doPROÁLCOOL, o Brasil passa, realmente, a utilizar oálcool como combustível, tendo um novo impulso, cri-ando uma alternativa à flutuação dos preços do açú-car e, em certa medida, dando uma primeira respostaà crise do petróleo.

O motivo principal para a introdução do álcool namatriz energética brasileira foi a elevação do preço dobarril de petróleo, que passou de US$ 1,88, em 1972,para US$ 18,00, em junho de 1979, custando ao Bra-sil algo em torno de US$ 7 bilhões com a sua impor-tação. Tal fato provocou impactos negativos sobre obalanço de pagamentos, dada a importância da parti-cipação do petróleo nas importações brasileiras. Énesse cenário que emerge o PROÁLCOOL.

Esse programa teve seu período áureo até a me-tade dos anos de 1980, com a produção de cerca de70% dos veículos com motor a álcool. Porém, em1986, esse ciclo ingressou em um período negativo,e, em 2002, apenas 3,3% da produção de veículos le-ves eram movidos a álcool. Em 2004, com a fabrica-ção de veículos bi-combustíveis, os denominadosmotores flex fuel, o consumo do álcool automotivo énovamente impulsionado, ao mesmo tempo em quese retomam as políticas para os biocombustíveis.Essa iniciativa vem obtendo relativo sucesso no Bra-sil sob o ponto de vista de substituição das fontesfósseis de energia.

Atualmente, no país, adiciona-se à gasolina o ál-cool em proporção próxima a 25%. Alinhado a tal di-recionamento é que se lançou o Programa Nacionalde Produção e Uso do Biodiesel, com objetivo de in-troduzir o biodiesel na matriz energética brasileira apartir de projetos auto-sustentáveis, considerandopreço, qualidade, garantia do suprimento e uma polí-tica de inclusão social.

Da mesma forma que no lançamento do PROÁL-COOL, a produção e o consumo de biodiesel no Bra-

sil foram determinados por meio das Medidas Provi-sórias nº 214 e 227, convertidas nas respectivas Leisnº 11.097/05 e 11.116/05. Essas medidas e seusdesdobramentos estão contidos no Programa Nacio-nal de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB).

A principal diretriz do Programa é implantar ummodelo de energia sustentável, a partir da produção euso do biodiesel obtido de diversas fontes oleagino-sas, que promova a inclusão social, garantindo pre-ços competitivos, produto de qualidade e abasteci-mento. De acordo com o PNPB, desde janeiro de2005 está autorizada a adição de 2% de biodiesel aoóleo diesel, sendo que esse percentual se ampliaráao longo dos anos.

Partindo desse contexto, este trabalho procuraanalisar a relação do PNPB com os mecanismosde apropriação dos recursos naturais contidos noprograma, adotando como base teórica os méto-dos de apropriação dos recursos naturais preconi-zados nas teorias econômicas ambiental, ecológi-ca e marxista.

A economia ambiental, pautada nos fundamentosda teoria neoclássica, tem como principal caracterís-tica a tentativa de internalização das externalidades,reduzindo os recursos naturais à lógica do mercado evalorando-os de acordo com os princípios da escas-sez da oferta e da demanda. Em outro sentido, a eco-nomia ecológica fundamenta tais questões nos limi-tes físicos do planeta e na sinergia energética entrediversos componentes ambientais. Essa visão é umcontraponto ao método clássico de análise, que sefundamenta nos aspectos físicos da produção e con-sumo dos recursos naturais. A abordagem da econo-mia marxista parte do princípio de que a dialética dasrelações sociais determina as relações do homemcom a natureza. Essa corrente refuta as relações ca-pitalistas de produção e as coloca como causa cen-tral da degradação socioambiental, em razão das re-lações produtivas serem norteadas por interesses declasse (SOUZA LIMA, 2004).

Tomando-se tais correntes teóricas, analisa-se aimplementação do PNPB a partir das leis, decretos,resoluções e instruções normativas que compõem odenominado marco regulatório do programa. Nesteestudo são analisados os seguintes textos legais:Lei nº 11.097, Lei nº 11.116, Instrução Normativa RFnº 516, Decreto nº 5.297 e Decreto nº 5.298.

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APROPRIA«√O DOS RECURSOS NATURAIS E O PROGRAMA NACIONAL DE PRODU«√O E USO DO BIODIESEL

O PROGRAMA NACIONAL DE PRODUÇÃO EUSO DE BIODIESEL (PNPB)

O biodiesel foi inserido na matriz energética naci-onal através da Medida Provisória (MP) nº 214/2004,convertida na Lei nº 11.097/05. Essa lei pode ser con-siderada como um marco na história do biodiesel noBrasil, uma vez que é a partir dela que o biodieselencontra sustentáculo jurídico na legislação brasilei-ra (Quadro 1). A partir desse momento surge, legal-mente, o mercado de biodiesel no Brasil.

A justificativa principal para a implementação doPNPB no Brasil está nos benefícios energéticos,econômicos, sociais e ambientais advindos da suaprodução e uso, como pode ser observado no trechoda Medida Provisória que deu origem ao programa:

(...) cumpre ressaltar que a medida ora proposta representauma oportunidade para demonstrar que o Brasil atua forte-mente na pesquisa e no desenvolvimento de novas tecnolo-gias energéticas, capazes não só de contribuir para o de-senvolvimento econômico e social do País, gerando empre-gos, oportunidades e renda, para uma parcela importante danossa sociedade, mas também, permitir que tais descober-tas e soluções sejam mais um recurso que tornará o meioambiente mais saudável e menos poluente, melhorando aqualidade de vida da população (BRASIL, PRESIDÊNCIA DAREPÚBLICA, 2005f).

A questão central enfocada é de geração de em-prego e renda na região Nordeste do país decorrenteda produção de oleaginosas para obtenção de biodie-sel, especialmente com a produção de mamona nosemi-árido. No Quadro 1 são apresentados os princi-pais instrumentos legais do marco regulatório do bio-diesel no Brasil.

A Lei nº 11.097 fixa o percentual mínimo de 2%para a adição de biodiesel ao diesel comercializadono território nacional a partir de janeiro de 2006. Essamedida, apesar de relevante, traz alguns entraves re-sultantes de mecanismos de criação de mercado pormeio de atos legais. Outro aspecto da lei é atribuir aentão Agência Nacional de Petróleo, denominadaatualmente de Agência Nacional de Petróleo, GásNatural e Biocombustíveis (ANP), a competência deórgão regulador da indústria de biodiesel, além dopetróleo, gás natural e seus derivados.

Com o intuito de padronizar as discussões, a Leinº 11.097 define os conceitos de biodiesel e bio-combustível no mercado brasileiro, adicionando ao

art. 6º da Lei nº 9.478/97 os incisos XXIV e XXVtranscritos a seguir:

XXIV - Biocombustível: combustível derivado de biomassarenovável para uso em motores a combustão interna ou,conforme regulamento para outro tipo de geração de ener-gia, que possa substituir parcial ou totalmente combustívelde origem fóssil.

XXV - Biodiesel: biocombustível derivado de biomassa reno-vável para uso em motores a combustão interna com igniçãopor compressão ou, conforme regulamento para geraçãode outro tipo de energia, que possa substituir parcial ou to-talmente combustível de origem fóssil. (BRASIL, 2005a)

As alterações nas Leis nº 9.478/97 e nº 10.636/02, introduzidas pela Lei nº 11.097 (BRASIL. PRESI-DÊNCIA DA REPÚBLICA, 2005a) visam tambémdestinar recursos para projetos ambientais, de pes-quisa e de desenvolvimento tecnológico nas áreas debiocombustíveis. Os recursos serão advindos da dis-tribuição da arrecadação da CIDE2 e de royalties depetróleo, a serem administrados pelo Ministério doMeio Ambiente e pelo Ministério de Ciência e Tecno-logia, respectivamente.

Com a MP nº 227/04, convertida na Lei nº 11.116,de 18 de maio de 2005 (BRASIL. PRESIDÊNCIA DAREPÚBLICA, 2005b), foram estabelecidas regras so-bre a concessão de registro especial para produtor eimportador de biodiesel e também as alíquotas decontribuição do PIS/PASEP3 e da COFINS4 inciden-tes na produção de biodiesel (Tabelas 1, 2 e 3).

Assim, para atingir os objetivos sociais e de ge-ração e melhoria na distribuição de renda no Brasil,destacados pelo governo federal desde o início doPrograma, concederam-se incentivos definidos nosDecretos nº 5.297 e nº 5.298, de 06 de dezembrode 2005 (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA,2005d; 2005e). Nesses decretos foram definidosos coeficientes de redução das alíquotas de tribu-tos incidentes na produção e comercialização dobiodiesel.

Os principais benefícios concedidos para a produ-ção e comércio do biodiesel estão relacionados aseguir:

2 Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico.3 Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Ser-vidor Público.4 Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social.

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CEZAR MENEZES ALMEIDA, MÔNICA DE MOURA PIRES, JOSÉ ADOLFO DE ALMEIDA NETO, ROSENIRA SERPA DA CRUZ

a) redução para 0% da alíquota do IPI incidente naprodução de biodiesel;

b) instituição do selo “Combustível Social”, concedi-do ao produtor de biodiesel que adquirir matéria-prima dos agricultores familiares enquadrados noPrograma Nacional de Fortalecimento da Agricul-tura Familiar (PRONAF) e comprovar regularidadeperante o Sistema de Cadastramento Unificadode Fornecedores (SICAF);

c) redução de 77,5% nas alíquotas de PIS/PASEP eCOFINS para produtor de biodiesel que utilize pal-ma ou mamona das regiões Norte, Nordeste eSemi-árido;

d) redução de 89,6% nas alíquotas de PIS/PASEP eCOFINS para produtor de biodiesel que esteja en-quadrado no PRONAF;

Quadro 1Principais diplomas legais a respeito do biodiesel no Brasil

Notas: 1Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis; 2Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; 3Secretaria da ReceitaFederal; 4Ministério do Desenvolvimento Agrário; 5Conselho Nacional de Política Energética; 6Ministério das Minas e Energia.

e) redução de 100% nas alíquotas de PIS/PASEP eCOFINS para produtor de biodiesel que atenda ascondições dos itens c e d;

f) redução de 67% nas alíquotas de PIS/PASEP eCOFINS para produtor de biodiesel que não este-ja enquadrado nas situações descritas nos itensc, d, e.Dessa forma, o benefício para cada litro de biodie-

sel produzido para as situações descritas nos itens c,d, e e f é de R$ 0,522, R$ 0,603, R$ 0,673 e R$ 0,451,respectivamente. Esses benefícios estão descritosnas Tabelas 1, 2 e 3.

Os benefícios tributários concedidos dirigem-seapenas à produção de oleaginosas, prioritariamentemamona e dendê (palma), adquiridas da agriculturafamiliar ou localizadas no Norte, Nordeste e Semi-

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APROPRIA«√O DOS RECURSOS NATURAIS E O PROGRAMA NACIONAL DE PRODU«√O E USO DO BIODIESEL

Tabela 2Alíquota base do COFINS e reduções aplicáveis à produção de biodiesel

NOTAS: i - Alíquota de contribuição de PIS/COFINS definidas na MP nº 227/2004, convertida na Lei nº 11.116/2005; ii - Coeficiente de redução definidono Decreto nº 5.297/2004.

Tabela 3Benefício fiscal por litro de biodiesel produzido de acordo com matéria-prima e região produtora

Tabela 1Alíquota base do PIS/PASEP e reduções aplicáveis à produção de biodiesel

NOTAS: i - Alíquota de contribuição de PIS/COFINS definidas na MP nº 227/2004, convertida na Lei nº 11.116/2005; ii - Coeficiente de redução definidono Decreto nº 5.297/2004.

árido do Brasil. Por outro lado, os benefícios faculta-dos a outras matérias-primas que proporcionem be-nefícios ambientais, a exemplo dos óleos e gordurasresiduais (OGR) e outras oleaginosas produzidasnas demais regiões do país, são comparativamentemenores. Também não são concedidos incentivos àutilização do biodiesel em um percentual superior aodefinido na lei, bem como não é estimulado o consu-mo desse combustível nas regiões metropolitanas,onde existe uma maior concentração de poluentesatmosféricos. Observa-se também que a populaçãonos grandes centros urbanos do Brasil enfrenta pro-blemas agudos e crônicos de saúde pública, como,

por exemplo, o aumento da incidência de doençasrespiratórias, principalmente em crianças e idosos(MARTINS et al., 2002).

Além desses pontos, o PNPB não democratiza oacesso à produção do biodiesel ao instituir o limitemínimo de R$ 500 mil para o capital social integraliza-do de produtores desse combustível (BRASIL, 2005c),dado que existem plantas comerciais com investimen-to inicial inferior a esse valor. Para superar esse garga-lo, os pequenos produtores poderiam se organizar pormeio de entidades associativistas ou cooperativistas.Outrossim, não são concedidos incentivos para essaforma de organização da produção.

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CEZAR MENEZES ALMEIDA, MÔNICA DE MOURA PIRES, JOSÉ ADOLFO DE ALMEIDA NETO, ROSENIRA SERPA DA CRUZ

CONCLUSÃO

As bases legal e técnica que norteiam as medi-das de inserção do biodiesel na matriz energéticanacional indicam que o programa não priorizou naprática os aspectos ambientais, mesmo se tratandode um programa interministerial com a participação,inclusive, do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

O PNPB não discutiu questões centrais que en-volvem o padrão de produção e de consumo de com-bustível no país, aspecto central em qualquer pro-grama que pretenda atacar a raiz dos problemas so-cioambientais associados à produção e uso decombustíveis.

O programa não propôs medidas de racionaliza-ção ambiental e de gestão dos recursos fósseis, re-novação da frota de veículos, discussão do modelode transporte, dentre outros tópicos, restringindo-sea reproduzir o atual modelo energético, ancorado nopetróleo.

Com base nessas premissas, o PNPB pode seralinhado aos fundamentos da economia ambiental,em que a valoração ambiental é determinada pelo va-lor de uso e escassez dos recursos naturais.

Na busca de ampliar os objetivos do PNB em con-sonância com princípios de sustentabilidade sócio-ambiental, sugere-se incluir uma reflexão sobre o pa-drão atual de produção e consumo, quando se discu-te uma mudança de modelo energético baseado emfontes não-renováveis para fontes renováveis. Especi-almente relevante para o debate sobre os desdobra-mentos do PNPB é a inclusão da dimensão ambien-tal, dado que os aspectos sociais e econômicos es-tão, em parte, contemplados no programa.

A agregação de uma discussão ambiental poderáampliar a abrangência e o padrão de sustentabilidadedo PNPB, resultando em benefício tanto para a popu-lação atual como para as gerações futuras.

Nesse sentido, o programa poderia conceder be-nefícios adicionais a fontes de matéria-prima paraprodução de biodiesel que apresentassem benefíciosambientais superiores às demais. Como instrumentopara monitorar e avaliar comparativamente as matéri-as-primas potenciais sugere-se o emprego de meto-dologias de análise ambiental adotadas em outrospaíses para tal fim, como a análise do ciclo de vida(Life Cycle Assessment - LCA) e a prospecção tec-

nológica (Technology Assessment - TA). Uma maté-ria-prima com performance socioambiental claramen-te favorável e que deve ser considerada para possívelinclusão como beneficiária no PNPB são os óleos egorduras residuais (OGR), como o sebo de bovinosou os óleos residuais de fritura. (ALMEIDA NETO etal., 2000; DUTRA; ALMEIDA NETO, 2003).

O OGR como resíduo do processo de fritura dealimentos é geralmente descartado ou utilizado emcasos pontuais para a fabricação de sabão e raçãoanimal. Nesse sentido, é possível torná-lo uma fonte,propiciando benefícios ambientais evidentes da suautilização na produção de combustível, ao invés dedescartá-lo no meio ambiente. O resultado do pro-cesso de fritura possui também benefícios econômi-cos adicionais, uma vez que se atribui valor a um pro-duto que atualmente é descartado em sua maioria,tendo, quando comercializado, baixo valor comercial(ALMEIDA NETO et al., 2000).

Um outro ponto que pode ser inserido no PNPB éo incentivo ao consumo de biodiesel em percentualsuperior ao estabelecido em lei em casos onde hajainteresse na redução de emissões de gases. Issopode ser observado em grandes centros urbanos quesofrem com os males da poluição. Além dos benefíci-os ambientais em termos globais que a utilização debiodiesel deverá proporcionar nesses locais, existiri-am benefícios adicionais, como possíveis ganhos àsaúde humana com a redução da concentração degases. Além de um benefício para a qualidade de vidada população, também é provável que ocorra reduçãodos gastos públicos e privados com saúde, tendo emvista que poderia haver reduções de casos de doen-ças, principalmente as relacionadas ao aparelho res-piratório, assim como uma possível redução de afas-tamentos de trabalho por conta desses problemas.

Uma adoção do uso descentralizado poderia tam-bém proporcionar uma ampliação do mercado de bio-diesel no curto prazo. Em regiões produtoras de ma-téria-prima de biodiesel poder-se-ia estimular a pro-dução e o consumo local deste combustível. Nota-seque essa medida poderia provocar uma redução doscustos de combustíveis, uma vez que o biodiesel se-ria produzido e utilizado localmente, diferente do mo-delo atual em que a matéria-prima é transportadapara a unidade de transformação da oleaginosa emóleo, que em seguida é encaminhado para produção

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APROPRIA«√O DOS RECURSOS NATURAIS E O PROGRAMA NACIONAL DE PRODU«√O E USO DO BIODIESEL

de biodiesel e depois para a unidade de distribuiçãode óleo diesel. Nessa etapa, o biodiesel é misturadocom o óleo diesel e posteriormente enviado de voltapara a região que produziu a matéria-prima do biodie-sel onde é reincorporado como energia no sistemaprodutivo, principalmente no uso das máquinas agrí-colas e no transporte da oleaginosa.

É importante também que o PNPB contempleestudos de impactos ambientais para a implan-tação das culturas energéticas, uma vez que oaumento da área plantada com as diversas olea-ginosas pode provocar impactos de elevada mag-nitude ambiental. O estímulo à produção de de-terminada cultura sem a sua respectiva avaliaçãoambiental pode provocar sérios danos ao meioambiente, alguns irreversíveis, como a extinçãode espécies.

O emprego da avaliação ambiental, LCA, na análi-se da cadeia de produção de biodiesel pode ser umaferramenta importante no auxílio da tomada de deci-são sobre as matérias-primas que deverão ser priori-tárias no programa. Essa análise possibilitará visuali-zar quais fontes são as mais recomendadas para aprodução de biodiesel do ponto de vista energético eambiental, respondendo a questões (como, porexemplo, de quanta energia fóssil é necessário paraproduzir uma unidade de energia renovável?) e apon-tando as alternativas que mais podem gerar econo-mia de petróleo.

Concluindo, ressalta-se a importância de incluirno PNPB a dimensão ambiental, direcionando o pro-grama para o paradigma do desenvolvimento susten-tável, no qual a conservação dos recursos energéti-cos nacionais além de ser um objetivo estratégico nocurto prazo, poderá ser decisiva para garantir a quali-dade de vida das atuais e futuras gerações.

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CEZAR MENEZES ALMEIDA, MÔNICA DE MOURA PIRES, JOSÉ ADOLFO DE ALMEIDA NETO, ROSENIRA SERPA DA CRUZ

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Biodiesel: o combustível

para o novo século1

Ednildo Andrade Torres,* Hugo David Chirinos,** Carine Tondo Alves***

Danilo Cardoso Santos,**** Luis Alberto Camelier*****

1 Os autores agradecem aos financiadores dos projetos associados à cadeiaprodutiva do biodiesel: FAPESB/SECTI, FINEP/MCT, CNPq, ANEEL/ Nor-deste Generation, BOM BRASIL, Resort Praia do Forte, Hospital Português eo LPQ/LABLESER do Instituto de Química da UFBA.

* Prof. Dr. Escola Politécnica Coordenador do LEN Laboratório de Energia eGás. [email protected]

** Prof. Dr. Bolsista PRODOC FAPESB. [email protected]

Abstract

Biodiesel is a biodegradable fuel derivative from renewablesources as vegetal oils and animal fat; that, stimulated by acatalysts, chemically react with ethylic alcohol or methanol. Ahigh quality fuel results from this chemical process substitutingfossil diesel oil with no need to modify the engine. In Bahia, thefirst researches began during the eighties, and more recently,supported by sponsoring agencies, the projects, both on-goingand accomplished, have leveraged researches and thedevelopment of human resources. The process of a pilot plantwith capacity for 5,000,000 liters per year, in operation at thePolytechnical School of the Federal University of the Bahia, isalso described.

Key words: alternative energy, biodiesel, transesterification,pilot plant.

Resumo

Biodiesel é um combustível biodegradável derivado de fon-tes renováveis como óleos vegetais e gorduras animais que,estimulados por um catalisador, reagem quimicamente com oálcool etílico ou o metanol. Desse processo químico resulta umcombustível de alta qualidade que substitui o óleo diesel fóssilsem necessidade de modificação do motor. Na Bahia, as pes-quisas iniciais datam da década de 1980, e mais recentemente,com o apoio das agências de fomento, os projetos executadose em execução têm alavancado as pesquisas e o desenvolvi-mento de recursos humanos. Também é descrito o processode uma planta piloto com capacidade de 5.000.000 litro porano, em operação na Escola Politécnica da Universidade Fede-ral da Bahia.

Palavras-chave: energia alternativa, biodiesel, transesterifica-ção, planta piloto.

esel em motores de ignição por compressão, sen-do o seu uso testado já em fins do século XIX, pro-duzindo resultados satisfatórios no próprio motordiesel.2

Essa possibilidade de emprego de combustíveisde origem agrícola em motores do ciclo diesel é bas-tante atrativa tendo em vista o aspecto ambiental, porserem uma fonte renovável de energia e pelo fato doseu desenvolvimento permitir a redução da depen-

INTRODUÇÃO

A maior parte de toda a energia consumida nomundo provém do petróleo, do carvão e do gás na-tural. Essas fontes são limitadas e com previsãode esgotamento no futuro, portanto, a busca porfontes alternativas de energia é de suma importân-cia. Nesse contexto, os óleos vegetais aparecemcomo uma alternativa para substituição ao óleo di-

*** Aluna de Mestrado PPEQ/DEQ/LEN - Bolsista Fapesb e CNPq - LENLaboratório de Energia e Gás. [email protected]

**** Aluno de Mestrado PPEQ/DEQ/LEN - Bolsista Fapesb e CNPq - LENLaboratório de Energia e Gás. [email protected]

***** Pesquisador do LEN Laboratório de Energia e Gás/Escola Polité[email protected] Rodolfo Diesel testou seu invento inicialmente com óleo de amendoim.

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BIODIESEL: O COMBUSTÕVEL PARA O NOVO S…CULO

dência de importação de petróleo (FERRARI; OLI-VEIRA; SCABIO, 2005).

Biodiesel é um combustível biodegradável deriva-do de fontes renováveis como óleos vegetais e gordu-ras animais que, estimulados por um catalisador, re-agem quimicamente com o álcool etílico ou o meta-nol. Desse processo químico resulta um combustívelde alta qualidade que substitui o óleo diesel fóssilsem necessidade de modificação do motor.

O biodiesel pode ser feito com qualquer óleo ve-getal novo ou usado e até comresíduos ou borras. Por isso éum combustível renovável, tam-bém conhecido como petróleoverde. É comum que empresasque utilizem óleo vegetal emgrande quantidade, como as in-dústrias de salgadinhos e as re-des de fast food, doem o óleousado para empresas fabrican-tes de biodiesel.

No Rio de Janeiro, a RedeMacDonalds tem doado seus re-síduos para a UFRJ produzir bio-diesel. Em Salvador, foram iden-tificados cerca de 250 estabele-cimentos que podem fornecer o óleo de fritura paraser processado na Planta Piloto de Biodiesel daUFBA/Escola Politécnica/LEN como baianas deacarajé, restaurantes, hotéis e hospitais, o ResortPraia do Forte e o Hospital Português são exemplosdessa parceria. Assim, além de descartarem o óleousado a custo zero, ajudam no combate à poluiçãoambiental deixando de jogar os resíduos no esgoto.

O Brasil consome cerca de 40 milhões de t/ano deóleo diesel3 e com a ampliação desse mercado a eco-nomia de petróleo importado seria expressiva, poden-do inclusive minimizar o déficit de nossa balança depagamentos. Além disso, o processo de transesterifi-cação resulta como subproduto a glicerina, sendo seuaproveitamento outro aspecto importante na viabiliza-ção do processo de produção do biodiesel, fazendocom que ele se torne competitivo no mercado de com-bustíveis (FERRARI, OLIVEIRA, SCABIO, 2005).

Diversos estudos demonstraram que a obtençãode ésteres metílicos e etílicos a partir de óleo decolza (canola), girassol, soja, palma (dendê), óleo defritura e mamona é ecologicamente recomendável,sobretudo porque apresentam menor combustão in-completa do que os hidrocarbonetos e menor emis-são de monóxido de carbono, materiais particulados,óxidos de enxofre, óxidos de nitrogênio e fuligem.(KALAN; MUSJUKI, 2003; DORADO et al., 2003;CARRARETO et al., 2004; SILVA; PRATA; TEIXEI-

RA, 2003; PINTO et al. 2005)Atualmente, existe um cres-

cente interesse por fontes alter-nativas de energia, principalmen-te por aquelas que contribuamem mitigar as emissões de CO

2,

característica das fontes tradici-onais de energia fóssil. Paraisso, o uso de biocombustíveiscomo álcool, biodiesel, lenha,resíduos são vistos como alter-nativas viáveis.

O BIODIESEL DA MAMONA

A mamona (Ricinus communis L.) é uma das cul-turas eleitas pelos programas federal e estadual parafornecer matéria-prima para a produção do biodiesel,um biocombustível renovável e menos poluente que oseu concorrente fóssil, o diesel (AMORIM, 2005).

A mamoneira é importante devido à sua tolerânciaà seca, tornando-se uma cultura viável para a regiãosemi-árida do Brasil, onde há poucas alternativasagrícolas. No entanto, seu cultivo não é exclusivo dosemi-árido, sendo também plantada com excelentesresultados em diversas regiões do país.

O Brasil é atualmente o terceiro país produtor demamona e tem potencial para aumentar rapidamentesua participação nesse mercado, pois dispõe de áre-as aptas, tecnologia e experiência no cultivo, que játeve grande importância para a economia nacional(EMBRAPA, 2006).

As áreas de plantio de mamona no Brasil estãosendo ampliadas de forma rápida para atender à de-manda por biodiesel, um mercado em expansão emtodo o mundo e que tem potencial para trazer impor-

Biodiesel é um combustívelbiodegradável derivado de

fontes renováveis comoóleos vegetais e gordurasanimais que, estimulados

por um catalisador, reagemquimicamente com o álcooletílico ou o metanol. Desse

processo químico resulta umcombustível de alta

qualidade que substitui oóleo diesel fóssil sem

necessidade de modificaçãodo motor

3 Consumo de óleo diesel para o ano de 2006, segundo a ANP(www.anp.gov.br).

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tantes benefícios para o país: geração de renda nomeio rural, redução da emissão de gás carbônicocausador do Efeito Estufa, diminuição da poluição doar nas cidades e fortalecimento da economia nacio-nal (EMBRAPA, 2006).

Conforme dados da Companhia Nacional deAbastecimento – CONAB, a produção de mamonana safra 2004/05 cresceu 50,7%, chegando a 161,7mil toneladas. No Nordeste, o aumento foi de 47,5%,atingindo 154,1 mil toneladas. O programa do gover-no já envolve 100 mil famílias assentadas e a meta éatrair mais 200 mil famílias até 2008, com plantio de400 mil hectares (CONAB, 2005).

O biodiesel no Brasil

Comparado ao óleo diesel derivado de petróleo, obiodiesel pode reduzir em 78% as emissões de gáscarbônico, considerando-se a reabsorção pelas plan-tas. Além disso, reduz em 90% as emissões de fu-maça e praticamente elimina as emissões de óxidode enxofre. É importante frisar que o biodiesel podeser usado em qualquer motor de ciclo diesel, compouca ou nenhuma necessidade de adaptação (TOR-RES; et al, 2006).

Apesar de ter requerido a primeira patente mundi-al para o biodiesel em 1970, o Brasil está ainda muitoatrasado em relação a outros paises.

A lei 11.097, de 13 de janeiro de 2005, além de darincentivo às empresas produtoras de biodiesel tornouobrigatória a adição de 2% de biodiesel no óleo dieselvendido no país de 2008 até 2013, quando o percen-tual será aumentado para 5%, o que exigirá a produ-ção interna de mais de 2 bilhões de litros de biodieselpor ano4. Se a produção interna de oleaginosas au-mentar, poderemos alcançar os 20% de mistura utili-zados em diversos paises.

Com a adição de apenas 2% ao diesel, o país irádeixar de importar cerca 840 milhões de litros de óleodiesel por ano. Este programa poderá ser comparadoao PROÁLCOOL e transformar o Brasil num grandeprodutor e exportador de biocombustíveis. Entretan-to, como a produção atual é mínima, serão necessá-rios alguns anos para que a Petrobras possa receber

os 800 milhões de litros de biodiesel necessáriospara a mistura determinada pela lei. Esta situaçãocria um nicho de mercado para os pioneiros na produ-ção do biodiesel.

O Brasil tem posição de destaque no cenário in-ternacional de biocombustíveis devido ao seu poten-cial de produção e também ao sucesso alcançadocom o PROÁLCOOL, implantado em 1970, que entreacertos e erros, atingiu e superou suas metas.

Além disso, o país está cotado para ser o lídermundial na produção do biodiesel, como é hoje omaior produtor mundial de álcool combustível. Seuclima e sua vocação agrícola o credenciam a ser ogrande fornecedor mundial do petróleo verde. As re-servas de petróleo conhecidas deverão diminuir signi-ficativamente em no máximo 50 anos. Por esse moti-vo, paises como o Brasil terão grande importânciaestratégica para o mundo. Instituições renomadascomo o NBB (National Biodiesel Board)5 afirmam queo Brasil poderá suprir 60% da demanda mundial debiodiesel para substituição do óleo diesel.

Na Figura 1 encontra-se descrito o processo ge-nérico do processamento de biodiesel.

4 www.biodiesel.gov.br 5 www.nbb.org

Figura 1Fluxograma genérico da produção deBiodiesel

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BIODIESEL: O COMBUSTÕVEL PARA O NOVO S…CULO

Reação de transesterificação

Segundo Parente (2003), a reação de transeste-rificação é a etapa da conversão, propriamente dita,do óleo ou gordura em ésteres metílicos ou etílicosde ácidos graxos, que constitui o biodiesel. A rea-ção pode ser representada pela seguinte equaçãoquímica:

Óleo ou Gordura + Metanol → Ésteres Metílicos+ Glicerol (1)

ouÓleo ou Gordura + Etanol → Ésteres Etílicos +Glicerol (2)

A equação (1) representa a reação de conversão,quando se utiliza o metanol (álcool metílico) comoagente de transesterificação obtendo-se, portanto,como produtos os ésteres metílicos, que constituemo biodiesel, e o glicerol (glicerina).

A equação (2) envolve o uso do etanol (álcool etíli-co) como agente de transesterificação, resultandocomo produtos o biodiesel, ora representado por és-teres etílicos, e a glicerina.

Ressalta-se que, sob o ponto de vista objetivo, asreações químicas são equivalentes, uma vez que osésteres metílicos e os ésteres etílicos têm proprieda-des equivalentes como combustível, sendo ambosconsiderados biodiesel.

As duas reações acontecem na presença deum catalisador, que pode ser tanto o hidróxido desódio (NaOH) quanto o hidróxido de potássio(KOH), usados em diminutas proporções; devidoao baixo custo, o hidróxido de sódio é o mais utili-zado. A diferença entre eles, com respeito aos re-sultados na reação, é muito pequena. No Brasil, ohidróxido de sódio é muito mais barato que o hidró-xido de potássio. Pesando as vantagens e desvan-tagens é muito difícil decidir, genericamente, o ca-talisador mais recomendado.

Antecedentes do biodiesel na Bahia

Além do que foi desenvolvido no Centro de Pes-quisa e Desenvolvimento – CEPED, ainda na déca-

da de 1980 vários testes foram realizados na Esco-la Politécnica, inicialmente, com óleos vegetais innatura e, posteriormente, com o biodiesel (TOR-RES, 2000).

No ano de 2002, atendendo ao Edital da FA-PESB, a Universidade Federal da Bahia/Escola Poli-técnica e a Universidade Estadual de Santa Cruz tive-ram um projeto aprovado e com ele foi criada a Redede Biodiesel da Bahia e a Secretária de Ciência, Tec-nologia e Inovação – SECTI que oficializou, em 26 dejaneiro de 2004, o ENAM – Instituto de Energia eAmbiente, composto de uma Rede virtual de entida-des e pesquisadores, que visa promover a integraçãoe ampliação da capacidade instalada de pesquisaem energia e ambiente no Estado da Bahia, de ma-neira a atender às principais demandas do setor pro-dutivo às questões energéticas e ambientais neleenvolvidas, atuando na cadeia produtiva do petróleo,gás (com ênfase em campos maduros) e sistemasenergéticos, especialmente para biocombustíveis eenergias renováveis. Posteriormente, a SECTI am-pliou e lançou a Rede Baiana de Biocombustíveis,em 20 de abril de 2004, no auditório da Federaçãodas Indústrias do Estado da Bahia (FIEB). A rede éformada por diversas instituições que possuem ade-rência com o tema Biodiesel e que interagem entre sia fim de apoiar as ações do Programa de Biodieselda Bahia – PROBIODIESEL BAHIA, discutindo e ela-borando projetos com temas relacionados à CadeiaProdutiva do Biodiesel. Posteriormente, com apoioda SECTI, é oficializado em 26 de janeiro de 2004, oENAM – Instituto de Energia e Ambiente, compostode uma Rede virtual de entidade e pesquisadores,que visa promover a integração e ampliação da capa-cidade instalada de pesquisa em energia e ambienteno Estado da Bahia, de maneira a atender às princi-pais demandas do setor produtivo e às questõesenergéticas e ambientais nele envolvidas, atuando nacadeia produtiva do petróleo, gás com ênfase emcampos maduros e sistemas energéticos, especial-mente para biocombustíveis e energias renováveis.

A planta piloto de biodiesel

A Universidade Federal da Bahia (UFBA), atravésde grupos de pesquisa localizados no Instituto de

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Química e na Escola Politécnica, atuando na cadeiaprodutiva do biodiesel, apresenta em seu conjuntoexperiência prévia consolidada na preparação de bio-diesel através de reações de transesterificação emescala de bancada e de planta piloto;na análise deespécies químicas orgânicas e inorgânicas nas fa-ses líquida, gasosa e aerossol;em síntese orgânica,no estudo de reações químicas em fase gasosa e nacaracterização de emissões veiculares. Dessa for-ma, a Universidade contribuirá no scale up das novasrotas desenvolvidas para: a preparação de biodiesel,os testes dos combustíveis e misturas em motoresestacionários e veiculares, a avaliação dos desgas-tes de motores e seus componentes, o estudo de re-ações fotoquímicas envolvendo gases de emissõesveiculares, as análises e especificações de matérias-primas, combustíveis misturas e co-produtos, atuan-do na busca de novas aplicações para a glicerina.

A Planta Piloto foi financiada pela ANEEL – Agen-cia Nacional de Energia Elétrica, com o apoio da Nor-deste Generation. Foi aprovada e visa projetar, di-mensionar, operar uma planta otimizada, em escalapiloto, para produção de biodiesel a partir de gordurasresiduais (OGR) e/ou óleos vegetais in natura, parti-cularmente óleo de dendê, mamona, pinhão manso,soja, algodão, girassol etc., com capacidade de até5.000.000 litro por ano, podendo ser ampliada.

Figura 2Vista Parcial da Planta Piloto de Biodiesel –UFBA (cap. 5.000.000 litro/ano)

Também foi montado um Laboratório de Emis-sões Veiculares, com o apoio da FINEP/FAPESB,que dará o suporte necessário para os testes comos motores. O Laboratório deverá: avaliar o desem-penho do biodiesel puro e em misturas de diferen-tes proporções em motores ciclo diesel em banca-da dinamométrica; determinar as curvas de potên-cia versus consumo de combustível, de torque e deconsumo específico; comparar os níveis de emis-sões atmosféricas para os poluentes regulamenta-dos (CO, CO

2, NO

x e HC) e particulados com os do

diesel convencional; realizar testes de emissõesnão regulamentadas – aldeídos, polícíclicos aro-máticos, combustíveis de referência (diesel); reali-zar testes de campo de longa duração em motoresde frota cativa; monitorar o desempenho, o consu-mo, a manutenção e o desgaste das peças do mo-tor; efetuar estudo financeiro e econômico da pro-dução de biodiesel e do seu ciclo de vida; desen-volver estudos sobre biodegradabilidade e biorre-mediação do biodiesel em ambientes aquáticos eem solo;estudar métodos de purificação do biodie-sel em escala piloto, a produção em planta contí-nua de éteres metílicos e etílicos de ácidos gra-xos, a glicerina e a torta para geração de energiatérmica ou elétrica, dentre outras atividades envol-vendo a cadeia produtiva do biodiesel.

Processamento do biodiesel

As principais etapas do processamento da plantapiloto de biodiesel são relacionadas a seguir.

Tratamento da matéria-prima (mamona, OGR,soja e etc): O processo inicia-se com a recepção damatéria-prima, que é estocada no tanque e bombea-da, passando por uma peneira ou filtro (F) para a eli-minação dos materiais em suspensão de maior gra-nulometria.

A seguir, é conduzida para o decantador (DC),onde são separados os finos em suspensão quenão possam ser retidos na peneira. Essa etapa éfundamental para a eliminação de insaponificáveis.Em seguida é realizado o controle (C) da matéria-prima para determinação de acidez e, logo depois, obombeamento para o tanque (TCA) para correção deacidez. Após o controle da acidez, o óleo neutraliza-do é bombeado para o tanque de estocagem de

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BIODIESEL: O COMBUSTÕVEL PARA O NOVO S…CULO

matéria-prima (MP), onde aguarda o início da tran-sesterificação.

Tratamento do álcool: O álcool recebido, guar-dando as condições de segurança exigidas, tambémé estocado num tanque (E-álcool), passa pelo con-trole de umidade (C) e segue para a secagem, onde édesidratado. Depois, segue para o tanque de maté-ria-prima reacional (MP- álcool).

Preparo e dosagem da solução alcalina: Oálcool é transferido quantitativamente para um mistu-rador (TMA) onde também é adicionado o KOH, paraformar o alcoolato. A mistura reacional é analisadaquanto ao conteúdo de água (C) e pode entrar nova-mente na secagem, sempre que o teor de água pro-duzido na reação for alto. A solução de alcoolato, ho-mogeneizada e seca, é dosada e novamente transfe-rida para o reator.

Transesterificação: A matéria-prima e o alcoola-to–MP são dosados e bombeados para o reator ondeé processada a reação de produção do Biodiesel.Deve ser feito um controle (C) para verificar o avançoda reação e a qualidade do produto final.

Separação dos produtos: Após verificação dofim da reação, a mistura reacional é transferida para odecantador/deparador. Após a separação das fases,são produzidos biodiesel e glicerina.

Produto final específico: O biodiesel, fraçãosuperior da fase anterior, é então transferido para oreservatório de estocagem. Pode ser transferidopara um caminhão e comercializado ou utilizadonos motores de testes do Laboratório de Energia eGás. A glicerina também é estocada para posteriorcomercialização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Grupo de Biodiesel da UFBA atua de forma si-nérgica em toda a cadeia produtiva, de modo a poten-cializar os resultados e diminuir os custos envolvidosnas pesquisas e desenvolvimento de recursos huma-nos para o setor.

Atualmente, são mais de 50 pessoas da UFBAenvolvidas no projeto, relacionando professores pes-quisadores, técnicos e alunos de graduação, mestra-do e doutorado.

Deve-se salientar a criação do Centro Interdiscipli-nar de Energia e Ambiente – envolvendo as compe-tências do Instituto de Química, Instituto de Geociên-cias, Instituto de Física e a Escola Politécnica – e olançamento do curso de doutorado, que potenci-alizou as ações e os recursos financeiros e materiaispara as questões associadas aos biocombustíveis.

O Governo do Estado da Bahia, através da Secre-taria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI), vemenvidando esforços fundamentais para a consolida-ção da cadeia produtiva do Biodiesel, com apoio fi-nanceiro operado pela FAPESB – Fundação de Apoioá Pesquisa do Estado da Bahia. O Ministério de Ci-ência e Tecnologia, através da FINEP – Financiamen-to de Estudos e Projetos, e o CNPq – Conselho Naci-onal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico fi-nanciam os projetos para o desenvolvimento científi-co e tecnológico e as bolsas para a formação de re-cursos humanos qualificados. Ressaltamos tambéma criação da Rede Baiana de Biodiesel e do Institutode Energia e Ambiente, atores importantes dentro doelo produtivo.

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Biodiesel: uma nova realidade

energética no Brasil

Rosenira Serpa da Cruz,* Mônica de Moura Pires,** José Adolfo de Almeida Neto,***

Jaênes Miranda Alves,**** Sabine Robra,***** Geovânia Silva de Souza,******

Cézar Menezes Almeida,******* Sérgio Macedo Soares,******** Geórgia Silva Xavier,*********

* Professora Adjunta, Doutora em Química, Universidade Estadual deSanta Cruz. [email protected].

**Professora Adjunta, Doutora em Economia Rural, Universidade Estadu-al de Santa Cruz. [email protected].

*** Professor Assistente, Mestre em Engenharia Agrícola, UniversidadeEstadual de Santa Cruz. [email protected].

**** Professor Adjunto, Doutor em Economia Aplicada, Universidade Es-tadual de Santa Cruz. [email protected].

***** Mestranda em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, Univer-sidade Estadual de Santa Cruz, bolsista CAPES. [email protected].

Abstract

The increase in the price of oil and environmental concernshave renewed the countries’ interest in the use of alternativesfuels such as biodiesel, a natural substitute for diesel, producedfrom vegetable oils and animal fat. Brazil, with its territorialextension and edaphoclimatic diversity, has a big productionpotential for this biofuel. The National Program of Biodiesel Useand Production established procedures for its production in allnational territory, prioritizing the use of castor and palm seedsproduced under family agricultural conditions, especially in theNorth and Northeast, as a job and income generator. In Bahia,castor and palm seeds have a big biodiesel production potentialin both semiarid and costal regions, given their capacity to adaptto the climate and soils conditions.

Key words: biofuel, energetic matrix, economic feasibility,regulatory mark.

Resumo

Os aumentos do preço do petróleo e as preocupações ambien-tais renovaram o interesse de países na utilização de combustíveisalternativos como o biodiesel, substituto natural do diesel, produzi-do a partir de óleos vegetais e gorduras animais. O Brasil, com suaextensão territorial e diversidade edafoclimática, apresenta umgrande potencial para a produção desse biocombustível. O Progra-ma Nacional de Produção e Uso do Biodiesel estabeleceu medidaspara a sua produção em todo o território nacional, priorizando o usoda mamona e do dendê produzidos sob condições de agriculturafamiliar e, especialmente nas regiões Norte e Nordeste do país,como geradora de emprego e renda. Na Bahia, a mamona e o den-dê apresentam grande potencial para a produção de biodiesel naregião do semi-árido e na região costeira, respectivamente, dada aadaptabilidade dessas culturas a essas regiões.

Palavras-chave: biocombustível, matriz energética, viabilidadeeconômica, marco regulatório.

BIODIESEL: conceituação

Um dos primeiros registros da utilização de óleosvegetais em motores a combustão foi quando o pró-prio criador do motor, Rudolf Diesel, utilizou óleo deamendoim para uma demonstração na Exposição de

****** Estudante de graduação do Curso de Ciências Econômicas, UniversidadeEstadual de Santa Cruz, bolsista PIBIC/CNPq. [email protected].

******* Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, Universida-de Estadual de Santa Cruz, bolsista FAPESB. [email protected].

******** Estudante de graduação do Curso de Licenciatura em Química,Universidade Estadual de Santa Cruz, bolsista PIBIC/[email protected].

********* Estudante de graduação do Curso de Licenciatura em Química,Universidade Estadual de Santa Cruz, bolsista [email protected]

Paris, em 1900 (ALTIN et al., 2001). Historicamente,porém, o uso de óleos vegetais in natura como com-bustível foi rapidamente superado pelo uso de óleodiesel derivado de petróleo, tanto por fatores econô-micos quanto técnicos. Contudo, os sucessivos au-mentos do preço do petróleo e as crescentes preocu-

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BIODIESEL: UMA NOVA REALIDADE ENERG…TICA NO BRASIL

pações ambientais renovaram o interesse de muitospaíses na utilização de combustíveis alternativos.

A utilização direta de óleos vegetais pode causardanos aos motores ciclo diesel, especialmente pelaocorrência de excessivos depósitos de carbono; obs-trução nos filtros de óleo, linhas e bicos injetores; dilui-ção parcial do combustível no lubrificante e compro-metimento da durabilidade do motor (MA e HANNA,1999). No entanto, por meio de uma reação de tran-sesterificação esses problemas podem ser superadosobtendo-se, assim, além do biodiesel, a glicerina.

O biodiesel é um biocombustível derivado mono-alquil éster de ácidos graxos de cadeia longa, prove-nientes de fontes renováveis (ABREU et al., 2004),possuindo propriedades físico-químicas similares aoóleo diesel de petróleo. Pelas suas características éum substituto natural ao diesel, podendo ser produzi-do a partir de óleos vegetais, gorduras animais e óle-os utilizados em frituras de alimentos.

Embora alguns autores definam biodiesel comoum tipo de biocombustível, outros adotam de formagenérica o termo biodiesel a qualquer tipo de biocom-bustível que possa substituir o diesel em uma matrizenergética. Assim, óleos vegetais in natura, puros ouem misturas e bioóleos – produzidos pela conversãocatalítica de óleos vegetais (pirólise) e microemul-sões, que envolvem a injeção simultânea de dois oumais combustíveis, geralmente imiscíveis, na câma-ra de combustão de motores do ciclo diesel – sãodenominados de biodiesel (RAMOS et al., 2003).

Neste artigo, define-se biodiesel como o produtooriginado da transesterificação de óleos vegetaisem conformidade com os parâmetros determinadosna Resolução nº 42/2004 da Agência Nacional dePetróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, que esta-belece as especificações do produto para o merca-do doméstico.

Fontes de matéria-prima

Com sua extensão territorial e diversidade edafocli-mática, o Brasil apresenta um grande potencial para aprodução de diferentes espécies oleaginosas (Tabela1). Assim, o biodiesel pode ser produzido a partir dodendê, babaçu, milho, girassol, soja, canola, colza,amendoim, mamona, óleos utilizados em fritura, etc.

Tabela 1Oleaginosas disponíveis por região do territórionacional para a produção de biodiesel

Fonte: Adaptado de Kucek (2004).

O uso dessas fontes de matéria-prima para produ-ção de biodiesel deverá, portanto, considerar algunsaspectos específicos, destacando-se entre eles: omonitoramento de toda a cadeia de produção do bio-combustível (cultivo, processamento, uso/conversãoe destinação dos resíduos) e os limites da capacida-de de regeneração dos recursos naturais (solo, águaetc.), de tal modo que a taxa de utilização não superea de renovação e possíveis conflitos e concorrênciasno uso dessas matérias-primas e recursos naturaisutilizados na produção do biocombustível, como, porexemplo, a produção de alimentos versus produçãode energia.

Assim, o tipo de óleo vegetal a ser utilizado comomatéria-prima para o biodiesel dependerá da sua via-bilidade técnica, econômica e sócioambiental. Sob oponto de vista agronômico, aspectos como o teor emóleos vegetais (Tabela 2), a produtividade por unidadede área, o equilíbrio agronômico, o atendimento a di-ferentes sistemas produtivos, a sazonalidade e de-mais aspectos relacionados ao ciclo de vida da plan-ta, tornam-se relevantes.

Fonte: Adaptado de Lopes (1982).

Tabela 2Rendimento anual em óleos vegetais brutos dealgumas culturas oleaginosas

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ROSENIRA SERPA DA CRUZ et al.

Sob o ponto de vista econômico e ambiental, torna-se relevante analisar a relação entre a energia gastana produção de um combustível (Input) e a energiaobtida na sua combustão (Output). Conforme Almeidaet al. (2004) verificaram, o balanço energético (O-I) épositivo, no caso da mamona, tantopara a rota etílica como metílica emtodas as alternativas de alocaçãodos co-produtos (ração e adubo).

Quanto ao aspecto tecnológi-co, as características inerentes àmatéria-prima empregada deverãopossibilitar a sua viabilidade produ-tiva e, para tanto, se devem consi-derar alguns aspectos como: me-nor complexidade no processo deextração do óleo, número reduzidode etapas de tratamento e de com-ponentes indesejáveis no óleo(como fosfolipídeos, presentes noóleo de soja), adequado teor deácidos graxos poli-insaturados ede ácidos graxos saturados eaproveitamento dos co-produtosgerados (hormônios vegetais, vita-minas, anti-oxidantes, proteínas e fibras).

Assim, o biodiesel constitui-se em uma alternati-va para geração de energia limpa, que além do apeloambiental, a produção desse combustível, a partir dediversas oleaginosas, implica na necessidade de ex-pansão da produção agrícola das potenciais culturaspara atender a esse novo merca-do. Como resposta a essa maiordemanda por oleaginosas, es-pera-se um aumento no nível deemprego e uma realocação nadistribuição de renda, principal-mente em regiões mais caren-tes do Norte e Nordeste do país.Partindo-se dessa premissa inicial, o governo federal,através do Programa Nacional de Produção e Uso doBiodiesel, lançado em dezembro de 2004, estabele-ceu as medidas de política para a sua produção emtodo o território nacional, priorizando algumas matéri-as-primas, principalmente a mamona e o dendê pro-duzidos sob condições de agricultura familiar, espe-cialmente nas regiões Norte e Nordeste do país.

Sob o ponto de vistaeconômico e ambiental,

torna-se relevanteanalisar a relação entre a

energia gasta naprodução de um

combustível (Input) e aenergia obtida na suacombustão (Output).

Conforme Almeida et al.(2004) verificaram, o

balanço energético (O-I)é positivo, no caso da

mamona, tanto para a rotaetílica como metílica emtodas as alternativas de

alocação dos co-produtos (ração e adubo)

Aspectos tecnológicos

A transesterificação de óleos vegetais ou gordu-ras animais (Figura 1) pode ser conduzida por umavariedade de rotas tecnológicas, dependendo, prin-

cipalmente, do tipo de catalisadorutilizado.

O rendimento em ésteres (biodi-esel) pode ser influenciado por umasérie de fatores que podem atuarisoladamente ou em conjunto,como: a pureza dos reagentes, otipo e concentração do catalisador,a razão molar álcool: óleo e a tem-peratura da reação (MA e HANNA,1999). Conversões totais são im-praticáveis em uma única etapa dereação, pois além de reversíveis,tem-se a ocorrência de reações se-cundárias como a saponificação;por isso a maioria dos processosde produção ocorre em duas eta-pas seqüenciais que garantem ta-xas de conversão maiores que98%. Convém salientar que para a

obtenção de um biodiesel que atenda às especifica-ções de qualidade são necessárias etapas de purifi-cação para eliminação de sabões, triglicerídeos nãoreagidos, catalisador residual e glicerina livre.

Em nível mundial, a produção de biodiesel utili-za o metanol como agente de transesterificação e

catálise homogênea em meio alcalino (hidróxido depotássio ou de sódio). Embora essa tecnologiaprevaleça como a opção mais imediata e economi-camente viável, a opção pela produção de biodieselutilizando o etanol deve ser considerada como es-tratégica e de alta prioridade para o país por diver-sas razões, que vão desde implicações ambien-tais, econômicas e políticas até implicações soci-

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Figura 1Equação geral para uma reação de transesterificação

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100 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 97-106, jun. 2006

BIODIESEL: UMA NOVA REALIDADE ENERG…TICA NO BRASIL

ais (PAZ, 2003), além do domínio tecnológico naprodução do etanol.

Quimicamente, o biodiesel possui característi-cas apropriadas de uso, especialmente pela au-sência de enxofre e compostos aromáticos, melhorqualidade de ignição, ponto decombustão apropriado, não tóxicoe biodegradável. Ademais, quandocomparado ao diesel ele é menospoluente, reduzindo sensivelmen-te as emissões de materiais parti-culados, óxidos de carbono, óxi-dos de enxofre e hidrocarbonetospolicíclicos aromáticos.

PROGRAMA NACIONAL DEPRODUÇÃO E USO DOBIODIESEL – PNPB

O PNPB envolve 14 ministériosno âmbito da Comissão Executiva Interministerial(CEI) – coordenado pela Casa Civil da Presidência daRepública, tendo como gestor operacional o Ministé-rio de Minas e Energia. A evolução desse programapode ser delineada pelos seguintes fatos:

Decreto Presidencial – 23 de dezembro de 2003;Nomeação dos Membros – 19 de janeiro de 2004;Primeira Reunião da Comissão – 6 de fevereiro

de 2004;Aprovação do Plano de Trabalho – 30 de março

de 2004;Lançamento Oficial do Programa – 6 de dezem-

bro de 2004;Lançamento do Portal do Biodiesel

(www.biodiesel.gov.br) e da Rede Brasileira de Tecno-logia de Biodiesel – 29 e 30 de março de 2005.

A Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel(RBTB), coordenada pelo Ministério de Ciência eTecnologia, é composta por 56 instituições e inte-gra cerca de 210 pesquisadores, que atuam nas di-versas áreas da cadeia produtiva do biodiesel. A fi-nalidade dessa rede é discutir os aspectos agronô-micos, processo de produção, especificação dequalidade, aproveitamento de co-produtos, condi-ções de armazenamento e ensaios em motorescom biodiesel.

Marco regulatório

A utilização comercial do biodiesel no Brasil estáamparada no marco regulatório lançado em 6 de de-zembro de 2004 pelo Governo Federal, por meio da

Medida Provisória 214, convertidana Lei 11.097/2005 em 13 de janei-ro de 2005. Conforme definido nes-se marco, autorizou-se a misturade 2% de biodiesel ao diesel (B-2),desde janeiro de 2005, tornando-aobrigatória em 2008, quando seráautorizado o uso de 5% (B-5).

O marco regulatório é constituí-do por atos legais, em que se defi-nem os percentuais de mistura dobiodiesel ao diesel, a forma de utili-zação do combustível e o regimetributário. Quanto à regulação e fis-calização da comercialização dosbiocombustíveis, a competência é

da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Bio-combustíveis (ANP), conforme Medida Provisória227, de 6/12/2004. Por meio do Conselho Nacionalde Política Energética – CNPE estabeleceram-se asdiretrizes de produção e o percentual de mistura dobiodiesel ao diesel de petróleo. Com isso, criou-se,por meio de resoluções, a figura do produtor de biodi-esel (RANP 41/2004) e estabeleceram-se as especi-ficações do novo combustível (RANP 42/2004), estru-turando a cadeia de comercialização. Além disso, fo-ram alteradas 18 Portarias do Abastecimento Nacio-nal de Combustíveis (biodiesel e/ou mistura óleo die-sel/biodiesel especificado ou autorizado pela ANP) –RANP 23 a 40/2004.

No regime tributário adota-se uma diferenciaçãode alíquotas em função da região de plantio, do tipode oleaginosa e da categoria de produção, se agrone-gócio ou agricultura familiar, e prevê a isenção do Im-posto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Em 22 de fevereiro de 2005, a Secretaria da Re-ceita Federal, por meio da Instrução Normativa SRFnº 516, estabeleceu que os estabelecimentos produ-tores e importadores de biodiesel são obrigados a fa-zer sua inscrição no Registro Especial instituído peloart. 1º da Medida Provisória no. 227/2004, não poden-do exercer suas atividades sem prévio atendimento a

Assim, o biodieselconstitui-se em uma

alternativa para geraçãode energia limpa, que

além do apelo ambiental,a produção desse

combustível, a partir dediversas oleaginosas,

implica na necessidadede expansão da

produção agrícola daspotenciais culturas para

atender a esse novomercado

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ROSENIRA SERPA DA CRUZ et al.

essa exigência. A concessão desse Registro dar-se-á por estabelecimento, de acordo com o tipo de ativi-dade desenvolvida, e será específico para produtor epara importador de biodiesel.

O modelo tributário aplicável ao PIS/PASEP eCOFINS, Lei 11.116, de 18 de maio de 2005, prevêque a incidência ocorra uma única vez sobre a receitabruta auferida pelo produtor ou importador de biodie-sel, com alíquotas de 6,15% (PIS/PASEP) e 28,32%(COFINS), podendo o contribuinte optar por uma alí-quota específica, com o recolhimento dos valores deR$ 120,14 (PIS/PASEP) e R$ 553,19 (COFINS) porm3. Assim, os níveis de PIS/PASEP e COFINS po-dem ser reduzidos conforme disposto na Tabela 3.

Assim, o coeficiente de redução geral fica fixa-do em 67,9%, sendo distribuídos da seguinte for-ma: R$ 0,03965/L (PIS/PASEP) e R$ 0,18255/L(COFINS), implicando em um total de redução emtermos monetários de R$ 0,2222/L.

O governo, no entanto, procura privilegiar o biodie-sel produzido a partir de mamona ou dendê, dado queo uso dessas matérias-primas, sob determinadascondições, poderia ter a carga tributária das contri-buições de PIS/PASEP e COFINS reduzida em até100%. Os benefícios tributários serão concedidosapenas aos produtores industriais de biodiesel quetiverem o Selo combustível social. Isso acontecequando o produtor industrial compra matéria-prima deagricultores familiares.

Para o biodiesel de mamona ou dendê, produzi-dos na região Norte, Nordeste e no Semi-Árido, peloagronegócio a redução da alíquota é de 30,5%.

O Selo “Combustível Social” será concedido aoprodutor de biodiesel que cumprir as seguintes exi-gências:

a) adquirir percentual mínimo de matéria-prima defi-nido de acordo com o Ministério de Desenvolvi-mento Agrário (MDA);

b) realizar contratos com agricultores familiares espe-cificando condições de comercialização, garantin-do renda e prazos compatíveis com a atividade,conforme requisitos estabelecidos pelo MDA;

c) assegurar assistência e capacitação técnica aosagricultores familiares.Sob tais condições, o produtor de biodiesel pode-

rá utilizar o selo “Combustível Social” objetivando:a) usufruir de políticas públicas específicas volta-

das para a promoção da produção de combustí-veis renováveis com inclusão social e desenvolvi-mento regional;

b) promover a comercialização da produção.O Selo “Combustível Social”, por-

tanto, tem como meta promover a in-clusão social dos agricultores famili-ares enquadrados no Programa Na-cional de Fortalecimento da Agricul-tura Familiar – PRONAF e compro-var regularidade perante o Sistemade Cadastramento Unificado de For-necedores – SICAF.

Comparando-se a lei sem o redu-tor e o decreto que estabelece os índices de redução(Tabela 4), têm-se as seguintes relações:

Nesse contexto, o modelo tributário para a cadeiaprodutiva do biodiesel visa coibir fraudes e desvios norecolhimento de tributos e conceder tratamento dife-renciado ao biodiesel, Quanto ao financiamento daprodução agrícola, a Resolução BNDES nº 1.135/2004 institui o Programa de Apoio Financeiro a Inves-timentos em Biodiesel no âmbito do Programa Nacio-nal, prevendo investimentos em todas as fases dacadeia produtiva: fase agrícola; equipamentos paraprodução de óleo bruto e de biodiesel; armazena-mento; logística; e aquisição de máquinas e equipa-mentos homologados para uso de biodiesel. Estabe-leceu-se, assim, redução do percentual de garantiasreais de 130% para 100% do valor do financiamento epossibilidade de dispensa de garantias reais e pes-soais quando houver contrato de longo prazo paracompra e venda de biodiesel.

No que se refere à logística de suprimento do bi-odiesel, esta se dá da seguinte forma: produtor

Tabela 3Níveis de redução do PIS/PASEP/COFINS

Fonte: dados da pesquisa.

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BIODIESEL: UMA NOVA REALIDADE ENERG…TICA NO BRASIL

agrícola – transporte para unidade de produção debiodiesel – transporte para unidade de distribuiçãoou refinaria (agentes autorizados para adicionar bi-odiesel ao diesel) – mistura (especificada ou auto-rizada pela ANP) – distribuição aos revendedores.

Unidades de produção

Como resultado dos esforços governamen-tais, o Brasil, em 24 de março de 2005, inaugu-rou a primeira usina industrial de biodiesel (Gru-po Biobras), com capacidade de produção de 12milhões de L/ano, no município de Cássia, Mi-nas Gerais; posteriormente foram autorizadasoito unidades de produção. Segundo a ANP,existem 61 projetos de solicitação de autoriza-ção para produção de biodiesel. A implementa-ção de tais projetos resultaria em mais 1,6 mi-lhão de litros, ampliando assim a capacidadenominal atual. Porém, isso ainda é pouco frentea uma demanda de 840 milhões de litros, nocaso do uso do B2.

A ANP vem adotando os leilões para comercia-lização do biodiesel. Tal política visa garantir o es-coamento da matéria-prima, principalmente daagricultura familiar, garantindo, assim, mercadopara os produtores do biodiesel. Nesse sentido, jáforam realizados quatro leilões, sendo que os doisprimeiros conseguiram vender para a Petrobras240 milhões de litros e a expectativa é que os doisúltimos, realizados em julho de 2006, atinjam 600milhões de litros de biodiesel. Atualmente, existem500 postos da BR Distribuidora comercializando obiodiesel e a expectativa é que se atinja 7 mil pos-tos em 2007.

BIODIESEL NA BAHIA

A inserção do biodiesel na matriz energética dopaís implica em consideráveis mudanças, seja pelosaspectos econômicos, seja pelos aspectos sociais.No caso específico da Bahia, a mamona e o dendêsão as oleaginosas que apresentam grande potencial

para alavancar oprograma estadualde biodiesel, dadaa adaptabilidadedessas culturas àscondições edafocli-máticas da regiãodo semi-árido e daregião costeira,respectivamente.

A mamoneira(Ricinus communis L.), por exemplo, é uma espéciede oleaginosa que possui uma adaptabilidade pro-dutiva em quase todas as zonas tropicais e subtro-picais do mundo (PIRES et al., 2004). No Brasil, ocultivo da mamona tem sido, tradicionalmente, reali-zado por pequenos e médios produtores, consorcia-do com feijão e milho. Constitui-se em importantealternativa agrícola para o semi-árido nordestino,como geradora de emprego e como fonte de maté-ria-prima para a indústria química do país. O modeloatual de produção da mamona possibilita a geraçãode emprego para uma população situada em locali-dades que estão à margem do processo de desen-volvimento do país e inibe a existência de monocul-turas, dado o caráter de produção consorciada. Taiscaracterísticas representam um cenário favorávelpara o emprego dessa cultura como fonte de maté-ria-prima na produção de biodiesel.

Da mamona pode-se extrair o óleo e outros co-produtos, sendo o óleo o produto mais nobre. Emcada amêndoa, pode-se retirar cerca de 43% a 49%de óleo, segundo experimentos realizados pela Em-presa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRA-PA) em Campina Grande, Paraíba.

Historicamente, o estado da Bahia tem-se revela-do como principal produtor nacional. Segundo o Insti-tuto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, em2003, a área plantada foi de 125 mil hectares (93% detoda área plantada com mamona no país), distribuí-

Tabela 4Modelo tributário para diesel e biodiesel

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 97-106, jun. 2006 103

ROSENIRA SERPA DA CRUZ et al.

No que se refere àlogística de suprimentodo biodiesel, esta se dá

da seguinte forma:produtor agrícola –

transporte paraunidade de produção

de biodiesel –transporte para

unidade de distribuiçãoou refinaria (agentes

autorizados paraadicionar biodiesel ao

diesel) – mistura(especificada ou

autorizada pela ANP) –distribuição aosrevendedores

da, basicamente, em quatro microrregiões: Irecê(84.900 ha – 68%), Jacobina (19.270 ha – 15%), Se-nhor do Bonfim (7.475 ha – 6%) e Seabra (5.060 –4%). Essas microrregiões apresentam grande poten-cial de expansão, pois as condições locais prevale-centes são favoráveis, em funçãoda pouca exigência quanto à fertili-zação e aos tratos fitossanitários.

Com relação aos aspectos so-ciais, a mamona é uma cultura degrande apelo social por fixar mão-de-obra e gerar emprego em umaregião do estado com poucas al-ternativas de trabalho e renda parao agricultor. Além disso, essa ole-aginosa produz co-produtos quepossuem valor de mercado, comoa torta, para uso como fertilizante,a polpa, para ração animal, e ocaule, utilizado na fabricação depapel e tecidos rústicos. Assim, ocultivo da mamona tem grandeperspectiva de expansão no Nor-deste brasileiro, em especial nosemi-árido, seja pelo uso atual doóleo, seja pela possibilidade de uso como combus-tível na produção de biodiesel.

Estima-se que o nordeste brasileiro disponha demais de 45 milhões de hectares de terras com apti-dão para o cultivo da mamona (PIRES et al., 2004).Nesse sentido, a expansão da cultura é importante,pois, além da produção atual estar comprometidacom outros usos (cola, náilon, lubrificação de avião,tinta, cosmético, papel, entre outros), a quantidadeproduzida de óleo é ainda insuficiente, o que tem im-plicado em importação do produto (FAO, 2004).

A mamona, dentre as diversas alternativas dematéria-prima para produção de biodiesel, possuiuma característica peculiar que é a não concorrênciacom o mercado de alimentos, pois não se insere nascadeias alimentar humana e animal, diferentementede outras oleaginosas, como, por exemplo, a soja.

O dendê constitui-se em outra potencial fonte dematéria-prima para produção de biodiesel, sendo queseus plantios encontram-se localizados na regiãocosteira do estado da Bahia. A maioria dos plantiosbaianos adota manejos inadequados e a idade média

dessas palmáceas é de, aproximadamente, 20 anos,implicando em níveis declinantes de produtividade.Portanto, tornam-se necessárias políticas que propi-ciem a inserção de novos plantios e novas tecnologi-as de produção, colheita e processamento para que

se possa incorporar essa matéria-prima na produção de biodiesel,pois o rendimento de óleo por hec-tare pode atingir entre três e seistoneladas/hectare/ano, o que ca-racteriza uma vantagem para essacultura comparativamente a outrasoleaginosas (Tabela 2).

Em termos de área produtiva, opaís possui, ainda, 750 mil hecta-res com aptidão para o cultivo dedendê, o que implicaria em umaexpansão de, aproximadamente,oito vezes a área atual (86 mil hec-tares). Do total atualmente cultiva-do, a Bahia possui segundo dadosdo IBGE, quase 42 mil hectares lo-calizados predominantemente namicrorregião de Valença (Nilo Pe-çanha, Taperoá, etc.), região cos-

teira do estado.Diferentemente da mamona, o dendê concorre na

cadeia alimentar humana, pois seu óleo é usadocomo fonte de alimento em algumas localidades dopaís. No entanto, a produção nacional de dendê, as-sim como a da mamona, deve aumentar dada a maiordemanda pelo óleo.

Percebe-se, porém, que enquanto a produçãode óleo de dendê tem crescido ao longo dos últi-mos anos, a produção de mamona praticamentese estagnou ao longo do período de 1990 a 2002(Tabela 5).

A substituição de 2% de diesel por biodiesel retirado mercado cerca de 800 milhões L/ano de diesel,para um consumo anual em torno de 40 bilhões de L,minimizando assim o impacto das importações, queestão em torno de 10% (4 bilhões de L de diesel im-portado) na balança de pagamentos do país. Como osetor de transportes de cargas e passageiros repre-senta, aproximadamente, 38 bilhões de L da deman-da interna de diesel, este deverá sofrer os primeirosimpactos nos custos.

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BIODIESEL: UMA NOVA REALIDADE ENERG…TICA NO BRASIL

Tabela 5Produção brasileira e mundial de óleo das principais oleaginosas, períodode 1990 a 2002

Fonte: FAO (2004). Nota: TGC significa taxa geométrica de crescimento; *** significativa pelo teste de t destudent a 1% e; ns, não significativo estatisticamente.

Para atender a essa demanda de importação, sãonecessários 4 bilhões de L de biodiesel, o que impli-caria na necessidade de expansão da área plantadacom oleaginosas para fins energéticos. A dimensãodessa área dependerá da produtividade de óleo/hec-tare. Como o país dispõe de cerca de 150 milhões dehectares para a agricultura e, no caso da Bahia, decerca de 12 milhões de hectares.

Com relação ao B-2, cria-se um mercado internopotencial, nos próximos três anos, de pelo menos800 milhões de L/ano para o novo combustível, sendonecessários cerca de 1,5 milhões de hectares, o querepresenta apenas 1% da área plantada e disponívelpara agricultura no país.

Outra matéria-prima importante são os óleos egorduras residuais (OGR). A principal vantagemdessa matéria-prima reside no fato do aproveita-mento de um resíduo, implicando em uso mais ra-cional das redes de esgoto, evitando o descarte viarede fluvial. Atualmente, o Brasil gera de 1,8 a 2,2kg/per capita/ano, o que implicaria na produção de300 mil L de biodiesel/ano.

Dados da pesquisa realizada em 2000 por pesqui-sadores da UESC indicaram que as cidades de Sal-vador, Itabuna e Ilhéus geram, em média, 4.500 T/ano, 234 T/ano e 144 T/ano, respectivamente. No en-tanto, essa matéria-prima deve ser empregada junta-

mente com óleos innatura, em função dacomplexidade da suacoleta e da quantida-de gerada.

Biodiesel na UESC

Em relação àspesquisas sobre bio-diesel na Universida-de Estadual de SantaCruz (UESC), Ilhéus,Bahia, estas toma-ram impulso a partirdo “I Workshop Sobrea Geração de Energiaa Partir de Óleos Ve-getais”, em março de

1998. Naquele momento, as propostas priorizavam oestudo de oleaginosas locais, como o dendê, na pro-dução de combustíveis para uso local, na geraçãotermoelétrica ou para aplicação em motores estacio-nários de moendas, prensas ou conjuntos moto-bom-ba para irrigação.

Os estudos preliminares realizados em 1998,com o dendê como combustível em motores ciclo di-esel, apontaram alguns problemas para sua execu-ção. O principal problema inicialmente verificado es-tava associado à qualidade da matéria-prima a serutilizada para produção do combustível. Com issohouve uma mudança na direção desses estudos epartiu-se para pesquisas com outras matérias-pri-mas, em especial com óleos e gorduras residuais(OGR), em função de estudos realizados na Universi-dade de Kassel, na Alemanha. O reaproveitamentode óleos e gorduras usados na produção de combus-tível tipo diesel apresentou resultados e perspectivaspromissoras, tanto do ponto de vista técnico comoeconômico. Diante dessa perspectiva, foi firmado umacordo de cooperação entre a UESC e o Departa-mento Agrartechnik da Universidade de Kassel, emoutubro de 1998, o que propiciou o intercâmbio depesquisadores entre as Universidades.

Em 1999, foram realizados estudos preliminaressobre o potencial, a qualidade e a origem dos OGR

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 97-106, jun. 2006 105

ROSENIRA SERPA DA CRUZ et al.

O dendê constitui-se emoutra potencial fonte de

matéria-prima para produçãode biodiesel, sendo que

seus plantios encontram-selocalizados na região

costeira do estado da Bahia.A maioria dos plantiosbaianos adota manejosinadequados e a idade

média dessas palmáceas éde, aproximadamente, 20

anos, implicando em níveisdeclinantes deprodutividade

descartados pelo setor alimentício nas cidades deIlhéus, Itabuna e Salvador. A partir desse estudo foiestruturada uma rede de coleta de OGR junto a 40estabelecimentos comerciais, localizados nas cida-des de Ilhéus e Itabuna, com a finalidade de colocarem operação a planta piloto doa-da pela Universidade de Kasselpara a UESC, inaugurada emmarço de 2000. Essa planta ope-ra em regime de batelada, comcapacidade de produção de até2.000 litros de combustível pordia, por meio de processo detransesterificação. Com a reali-zação da Campanha “Saúde eMeio Ambiente”, no verão 2000/2001, junto aos estabelecimen-tos colaboradores, foi possívelum controle mais rigoroso do pro-cesso de fritura dos alimentos,resultando na melhoria na quali-dade dos OGR descartados nascidades de Ilhéus e Itabuna, refletindo positivamentena saúde da comunidade regional.

Atualmente, o projeto encontra-se na fase deaprofundamento das pesquisas com mamona e den-dê tendo como objetivo: a otimização da reação emlaboratório (utilizando tanto o etanol como metanolcomo agente de transesterificação), o estudo de ca-talisadores heterogêneos, a avaliação da qualidadedo biodiesel produzido e a avaliação econômica (via-bilidade econômico-financeira, determinação de cus-tos de produção, análise de cenários, entre outros) eambiental (análise de ciclo de vida, entre outros),além da transferência de tecnologia de unidades deprodução para escala comercial, em parceria com osetor privado.

Os experimentos até então realizados mostraramque o uso do biodiesel em veículos da frota da UESCnão apresentou problemas quanto ao motor, pois,desde março de 2000, vários veículos rodaram commisturas diferenciadas de biodiesel/diesel e passa-ram por avaliação técnica na Retífica de Itabuna –ITAREL.

Em 2004, a UESC participou de um programa in-terlaboratorial, dentro do Programa Nacional de Pro-dução e Uso do Biodiesel, para análise de amostra

de biodiesel e verificação da conformidade dos resul-tados com a especificação ANP, Portaria nº 255, de15/09/2003, modificada em 2004 (RANP 42/2004).As amostras foram analisadas em três laboratóriosInstituto de Tecnologia do Paraná (TECPAR), Institu-

to Nacional de Tecnologia (INT) eInstituto de Pesquisas Tecnológi-cas (IPT), sob a coordenação daANP. Essas análises mostraramque o biodiesel produzido naplanta piloto da UESC, usandoOGR e metanol como matérias-primas e hidróxido de potássiocomo catalisador, atendeu à mai-oria dos itens constantes na por-taria, à exceção do ponto de ful-gor, resíduo de carbono e teor depotássio. Esses resultados mos-tram que devem ser feitas peque-nas modificações técnicas naplanta piloto da UESC para que obiodiesel atenda plenamente às

especificações, conforme discutido entre represen-tantes do Ministério de Minas e Energia, da ANP e daUESC. A Fundação de Apoio à Pesquisa do Estadoda Bahia – FAPESB aprovou projeto de infra-estrutu-ra para a realização de modificações na planta pilotoda UESC, que se encontra em fase final. Outros pro-jetos na área que contam com aporte financeiro daFAPESB são o de Fortalecimento da Rede Baiana deBiodiesel e o Projeto de Unidade Industrial de Pro-cesso Contínuo para a Produção de Biodiesel, visan-do a estruturação de um laboratório de controle dequalidade na UESC e um laboratório de avaliação dedesempenho e emissões na Escola Politécnica daUniversidade Federal da Bahia (UFBA). Recentemen-te foi aprovado projeto de implantação de dois mode-los de produção sustentável em pequenas unidadesnos estados da Bahia e Ceará, com aporte financeiroda Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e desecretarias do estado da Bahia (Secretaria de Com-bate à Pobreza - SECOMP e Secretaria de Ciência,Tecnologia e Inovação - SECTI).

A experiência do Grupo Bioenergia e Meio Ambi-ente da UESC, responsável pelas pesquisas de bio-diesel na instituição, ao longo desses anos, propi-ciou sua participação ativa no Programa Nacional de

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BIODIESEL: UMA NOVA REALIDADE ENERG…TICA NO BRASIL

Produção e Uso Biodiesel e na Rede de Tecnologiapara a Produção de Biodiesel, cabendo à UESC, jun-tamente com a Universidade de Brasília (UNB) e aUniversidade Federal de Alagoas (UFAL), a coordena-ção do tema produção do combustível nessa rede.Em nível estadual, o grupo organizou, em maio de2003, o I Seminário da Rede de Biodiesel da Bahia(UESC/UFBA – Escola Politécnica), impulsionando aimplementação no estado do Programa Estadual deBiodiesel (PROBIODIESEL BAHIA), coordenadopela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação(SECTI). Hoje, o Probiodiesel Bahia é uma realidade,cabendo, atualmente, à UESC a coordenação dedois dos quatro Grupos de Trabalho (Figura 2).

(UNIFACS), Centro de Tecnologia Industrial ServiçoNacional de Aprendizagem Industrial (SENAI/CE-TIND), EMBRAPA, Universidade Estadual do Sudo-este da Bahia (UESB) e Universidade do Estado daBahia (UNEB).

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Figura 2Estrutura organizacional do Probiodiesel Bahia

G1 – Grupo Técnico de sistemas de produção de oleaginosas

G2 – Grupo técnico para apoio a P&D e Rede Tecnológica eLaboratorial

G3 – Grupo técnico de implantação de unidades produtivas ecompetitividade econômica

G4 – Grupo técnico para integração do biodiesel à Pequena Pro-dução Familiar

O projeto biodiesel, desenvolvido pelo Grupo Bioe-nergia e Meio Ambiente, tem alcançado uma grandeaceitação junto à comunidade regional, como podeser demonstrado pelas constantes visitas de empre-sas privadas da região e pelo crescente número deconvites para palestras em diferentes eventos. Em2006, oito trios elétricos do carnaval de Salvador utili-zaram a mistura B-5 produzida na UESC, com autori-zação da ANP para essa finalidade.

No Estado da Bahia, diversas instituições vêm re-alizando pesquisas na área de biodiesel, dentre asquais se destacam a UFBA, Universidade Salvador

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Viabilidade do biodiesel de dendê

para a agricultura familiar1

Vitor de Athayde Couto,* Alynson dos Santos Rocha,** Edna Maria da Silva***

Graciela Pereira dos Santos,**** Guilherme Cerqueira Martins e Souza****

Leonardo Mota Baptista,**** Maciene Mendes da Silva****

Marcus Vinicius Abreu Gusmão,**** Paulo Henrique C e Silva****

Rosana V Santos,**** Washington Luiz S N Dias****

1 Este artigo é um subproduto do relatório técnico elaborado pelos alunosda disciplina Economia Agrária do curso de graduação em Ciências Econô-micas da UFBA, semestre 2006.1. (*) Colaboraram: Alynson dos SantosRocha e Edna Maria da Silva.

* Professor Doutor (Titular da UFBA). [email protected]

** Mestrado em Economia pela UFBA. [email protected]

Abstract

Biodiesel, as an alternative fuel, presents, besidesenvironmental and social-economics advantages, thecapacity to promote the diversity of cultures used as rawmaterials, benefiting, overall, the family farming. Theinsertion of biodiesel may mean economic development inregions such as the Semiarid Northeast, extractivism areasin the Brazilian Northern Region, and the South Coast ofBahia. In this process, the relations between local productionchains agents are considered, to understand the impactsgenerated. Considering the case studies from thecommunities of Cajaíba, Valença, and South of Bahia, thispaper intends to observe the economic feasibility of palm oilbiodiesel within the National Program of Biodiesel Use andProduction (PNPB). Utilizing the Agrarian System Analysisand Diagnosis methodology, we observe that palm oil doesn’talways provide the highest income for the producers, howeverit is economic feasible as raw material for the biodieselprocessing industry. We can also observe that family farmersin Cajaíba send big amounts of palm oil to be processed forthe food industry. Therefore, the insertion of producers in thebiodiesel productive cycle may break these connections, withthe creation of new relations and new agents, such as bigpurchasers and palm oil processing companies.

Key words: biodiesel, palm oil, PNPB, Valença, familyfarming.

Resumo

O biodiesel, como alternativa de combustível, apresenta, alémde vantagens ambientais e socioeconômicas, a capacidade depromover a diversidade das culturas utilizadas como matérias-primas, beneficiando, sobretudo, a agricultura familiar. A inserçãodo biodiesel pode significar o desenvolvimento econômico de re-giões como o Semi-Árido nordestino, áreas de extrativismo naregião Norte do país e do Litoral Sul da Bahia. Considera-se, nes-se processo, as relações entre os agentes das cadeias produti-vas locais, para compreender os impactos gerados. Neste artigo,pretende-se, a partir do estudo de caso na comunidade Cajaíba,em Valença, Baixo Sul da Bahia, observar a viabilidade econômi-ca do biodiesel de dendê no âmbito do Programa Nacional da Pro-dução e Uso de Biodiesel (PNPB). Utilizando-se a metodologiaAnálise-Diagnóstico de Sistemas Agrários, verifica-se que o den-dê nem sempre proporciona as maiores rendas aos produtores,porém é viável economicamente enquanto matéria-prima para aindústria processadora do biodiesel. Observe-se ainda que osagricultores familiares em Cajaíba destinam grandes parcelas dodendê ao beneficiamento de óleo para a indústria de alimentos.Sendo assim, a inserção dos agricultores no ciclo produtivo dobiodiesel pode significar a desarticulação dessas ligações, com acriação de novas relações e novos agentes, como grandes com-pradores e empresas processadoras de dendê.

Palavras-chave: biodiesel, dendê, PNPB, Valença, agriculturafamiliar.

*** Estudante de mestrado em Economia da [email protected]

**** Estudantes de graduação de Economia da UFBA. [email protected];[email protected]; [email protected];[email protected]; mgusmã[email protected]; [email protected];[email protected]; wdias.afro@ hotmail.com

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VIABILIDADE DO BIODIESEL DE DEND  PARA A AGRICULTURA FAMILIAR

INTRODUÇÃO

O biodiesel, como fonte alternativa de combustí-vel, apresenta vantagens ambientais (menor emissãode poluentes no uso em motores a explosão), econô-micas e sociais ao promover a diversidade de cultu-ras utilizadas como matérias-primas, beneficiando,sobretudo, a agricultura familiar. Com base na explo-ração das oleaginosas vegetais (soja, mamona, ba-baçu e dendê, por exemplo), a gradual inserção dobiodiesel pode significar um passo importante no de-senvolvimento econômico de regiões como o Semi-Árido nordestino, áreas de extrativismo vegetal na re-gião Norte e o Litoral Sul da Bahia, produtoras de al-gumas das principais fontes de matéria-prima.

Especificamente para a Bahia, a lavoura de dendêdesponta com significativo potencial para a produçãodo biodiesel, uma vez que as condições edafoclimáti-cas permitem o desenvolvimento dos cultivos, parti-cularmente no Baixo Sul do estado. Some-se ao fatode se constituir em nova alternativa econômica paraos produtores locais, uma vez que a cadeia produtivado dendê está estreitamente voltada à produção deóleo para a indústria alimentícia. Nesse contexto, oPrograma Nacional da Produção e Uso de Biodiesel(PNPB) – iniciativa do Governo Federal cujo objetivo éimplementar a produção e uso do biodiesel, ao mes-mo tempo em que promove a inclusão social e o de-senvolvimento regional – deve considerar amplamen-te a organização dos agentes, as técnicas utilizadaspelos produtores primários, a importância da lavourade dendê nas unidades produtivas e os preços prati-cados. A assertiva se faz necessária uma vez que aprodução de biodiesel pode-se configurar em fator dedesagregação das relações entre os agentes locaisao criar, por exemplo, grandes compradores de maté-ria-prima para satisfazer a demanda originada com oprocesso de produção do óleo combustível. Esse as-pecto pode gerar a dispensa de parcelas da mão-de-obra ocupada na produção tradicional do óleo de den-dê para a produção de alimentos.

Neste artigo, analisam-se essas questões, verifi-cando a viabilidade econômica do dendê para o biodi-esel. Pretende-se, a partir do estudo de caso na co-munidade de Cajaíba (realizado em maio de 2006),em Valença, região Baixo Sul da Bahia, observar ospossíveis impactos do PNPB sobre a cadeia produti-

va local do dendê. Para isso, identifica-se como a la-voura de dendê está articulada aos demais cultivos ecriações e sistemas de transformação nas unidadesprodutivas, e verifica-se a composição da renda dosagricultores, classificada como sendo agrícola e não-agrícola, de acordo com as atividades desenvolvidas.Utiliza-se a metodologia Análise-Diagnóstico de Sis-temas Agrários, com a qual se elabora a tipologia dosprodutores, identificando-se os mais característicosde cada grupo homogêneo de sistemas de produção(subdivididos em sistemas de criação, de cultivo e detransformação), verificando-se os diferentes níveis deintegração (interna e com o mercado). Em seguidafaz-se a análise econômica de sistemas de produ-ção, especificamente através dos custos de produ-ção, considerando-se também as atividades não-agrícolas e sua importância para os agricultores.

Com as informações recolhidas em campo pode-se afirmar que, nos sistemas de produção visitados(todos diversificados), o dendê nem sempre propor-ciona os melhores resultados na composição darenda dos produtores, mas é viável economicamen-te. A análise dos custos revela ser o dendê viávelenquanto matéria-prima (cachos) para as indústriasda cadeia do biodiesel. Todavia, observaram-se al-guns entraves: não agregação de valor; queda daprodutividade da lavoura, devido à ultrapassada vidaútil dos dendezeiros, ocasionando baixa produtivida-de; produtores de pequena escala sem poder ex-pandir a área produtiva; existência de alternativasmais lucrativas, como o dendê para fins culinários,entre outros fatores. Conclui-se ser necessária umapolítica de incentivo para os agricultores familiaressuperarem esses entraves.

BIODIESEL: expectativas para o meio ruralbrasileiro

A crescente preocupação com o uso de fontesalternativas de energia – que reduzam a dependên-cia em relação ao petróleo – configura-se em estí-mulo à pesquisa e ao desenvolvimento especial-mente de novos combustíveis para veículos commotores de combustão interna. No Brasil, por forçadas crises do petróleo nos anos 1970, põe-se emprática iniciativas como o PROÁLCOOL e consoli-

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VITOR DE ATHAYDE COUTO et al.

dam-se os estudos para a utilização de combustí-veis a base das chamadas oleaginosas vegetais.Nos primeiros anos do século XXI, freqüentes inter-rupções de fornecimento de petróleo (conflitos nosprincipais países fornecedores, especulação comos preços da commoditie, etc.) reanimam o debateem torno da gradual substituição ao petróleo, consi-derando aspectos técnicos e econômicos. O quedistingue essa nova fase de pesquisas é a maioratenção aos aspectos ambientais – o substituto nãopode gerar poluição nos níveis que a queima de deri-vados de petróleo produz – e aos aspectos sociais –como a geração de empresas e desenvolvimentopara as regiões produtoras das matérias-primas.

O biodiesel desponta como capaz de reunir mui-tas qualidades desejáveis a um substituto do petró-leo. Nome genérico dado ao óleo produzido a partirde fontes biológicas renováveis, o biodiesel substituitotal ou parcialmente o óleo diesel de petróleo nosmotores ciclodiesel automotivos (de caminhões, tra-tores, automóveis, etc.) ou estacionários (geradoresde eletricidade, calor, etc.). O biodiesel como alterna-tiva de combustível surge na seqüência dos debatesem torno do desenvolvimento sustentável: sua produ-ção possui vantagens de caráter ambiental, pois, pro-duzido a partir de oleaginosas vegetais, gorduras ani-mais e até pela reutilização de óleos de cozinha, re-duz as emissões de poluentes para a atmosfera du-rante o processo de queima nos motores.

No âmbito econômico, a expectativa é que, coma autorização, em 2005, da mistura de 2% (o cha-mado B2) de biodiesel ao diesel comum – elevando-se gradativamente esse percentual para 5% até2013 – reduza-se a dependência das importaçõesbrasileiras de diesel. Conseqüentemente, economi-zam-se divisas: com o B2 já se prevê uma substitui-ção de 760 milhões de m3 por ano; com a mistura de10% de biodiesel ao diesel, o país deixa de importardiesel (PORTAL..., 2006). No que diz respeito aoaspecto social, a expectativa é de geração de ocu-pações em toda a cadeia produtiva do biodiesel,desde o cultivo da matéria-prima (quando se tratarde oleaginosas vegetais) até a produção industrial.A possibilidade de geração de ocupações surgecomo forma de inclusão e crescimento socioeconô-mico, particularmente para a agricultura, e, dentrodesta, da agricultura familiar. Espera-se que, com o

B2, gerem-se aproximadamente 200 mil ocupaçõesdiretas e indiretas (PORTAL..., 2006).

Com esses objetivos implanta-se, a partir de2004, o Programa Nacional da Produção e Uso deBiodiesel (PNPB). O PNPB é um programa intermi-nisterial do Governo Federal2 que tem como objetivoa implementação, de forma sustentável – tanto técni-ca como economicamente – da produção e uso dobiodiesel, com enfoque na inclusão social e no de-senvolvimento regional. Voltam-se as atenções paraa agricultura familiar, uma vez que tem grande poten-cial para o fornecimento da matéria-prima privilegiadapara o biodiesel. Isso por que, tecnicamente, produz-se óleo de quaisquer das oleaginosas citadas: soja,mamona, babaçu e dendê, por exemplo. A escolhade uma delas como principal matéria-prima na produ-ção do óleo combustível significa também indicar adireção das medidas de crescimento econômico.Assim, no caso da soja percebe-se o interesse volta-do aos grandes empresários do agronegócio dos cer-rados nacionais; no caso da mamona, para áreas doSemi-árido nordestino; no caso do babaçu e do den-dê, para áreas de extrativismo vegetal no Norte emeio Norte (mota de cocais) e litorâneas, como oBaixo Sul da Bahia.

Como estímulo à produção de biodiesel, particu-larmente pela agricultura familiar, o PNPB utilizamecanismos diretos e indiretos. De forma diretatem-se o acesso à linha de crédito do ProgramaNacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar(PRONAF), por meio de instituições bancárias. Demaneira indireta tem-se o Selo Combustível Social,um conjunto de medidas específicas visando a in-clusão social ao longo das etapas das cadeias pro-dutivas. O selo é concedido às empresas que adqui-rem matéria-prima de produtores familiares, garan-tindo-lhes a compra a preços pré-estabelecidos,

2 O PNPB foi inaugurado oficialmente em 06 de dezembro de 2004, e écomposto pela Comissão Executiva formada pelos órgãos: Casa Civil daPresidência da Republica ; Secretaria de Comunicação de Governo eGestão Estratégica da Presidência da República; Ministério da Fazenda;Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Ministério do Trabalhoe Emprego; Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exteri-or; Ministério de Minas e Energia; Ministério do Planejamento, Orçamentoe Gestão; Ministério da Ciência e Tecnologia; Ministério do Meio Ambiente;Ministério do Desenvolvimento Agrário; Ministério da Integração Nacional;Ministério das Cidades; Agência Nacional do Petróleo – ANP; PetróleoBrasileiro S.A. – Petrobras; Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária– EMBRAPA.

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VIABILIDADE DO BIODIESEL DE DEND  PARA A AGRICULTURA FAMILIAR

bem como assistência técnica às lavouras. As em-presas, em contrapartida, ao obterem o selo, têmtratamento tributário diferenciado.

Apesar da expectativa positiva quanto à incorpo-ração do biodiesel ao cenário produtivo do meio ruralbrasileiro, algumas questões emergem do debatesobre os reais impactos para a agricultura familiar e,conseqüentemente, para as regiões produtoras dematérias-primas. É de amplo conhecimento que, nocaso do PROÁLCOOL, assistem-se a um processode concentração de terras e criação de grandes gru-pos de produtores e de indústrias processadoras(usineiros). Teme-se que, com o biodiesel, aconteçaprocesso semelhante (grandes grupos, monocultu-ras, concentração fundiária).

Em 2006, realiza-se o primeiro leilão para aquisi-ção de óleo no âmbito do PNPB. Uma das empresasparticipantes, localizada no estado do Pará, e que jápossui o Selo Combustível Social, compra dos agri-cultores a matéria-prima in natura (os frutos em ca-chos inteiros de dendê) por R$ 102,50 a tonelada decacho fresco. No mercado internacional, esse preçoé praticado em um patamar aproximadamente dezvezes maior.3 Diante disto, à agricultura familiar, focodo Programa, compete somente o fornecimento dematéria-prima in natura, nível mais baixo de agrega-ção de valor na cadeia produtiva.

Nas áreas de exploração através do extrativis-mo essa situação adquire contornos mais comple-xos. Para a lavoura de dendê na Bahia, por exem-plo, os agricultores familiares, em sua maioria, ex-ploram o extrativismo de dendezeiros subespontâ-neos, em pequenas escalas, que possuem a vidaútil avançada, com poucos tratos culturais e baixaprodutividade. Some-se à falta de recursos dosagricultores para expansão das áreas produtivaspara atender a escala necessária ao biodiesel ealternativas (até então) mais lucrativas, como odendê para fins culinários. Considerando-se todosesses aspectos, a análise da cadeia produtiva damatéria-prima (nesse caso, do dendê), das articu-lações entre os agentes e entre estes e o mercado

local/regional se faz necessária como elementopara atestar a viabilidade econômica do óleo com-bustível para uma determinada região. Outros as-pectos, como os impactos sociais e ambientais,também são considerados, uma vez que são reco-nhecidos pelo PNPB como objetivos paralelos aserem alcançados com o biodiesel.

BIODIESEL DE DENDÊ: análise a partir dacomunidade de Cajaíba, Valença (Bahia)

Valença, município localizado na região Baixo Sulda Bahia, tem uma população de 77.509 habitantesocupando uma área de 1.190 km2 (IBGE, 2000); éformada por cinco distritos, além de inúmeras comu-nidades rurais, entre elas Cajaíba. O relevo do muni-cípio é bastante acidentado, caracterizado pela exis-tência de planícies marinhas e fluviomarinhas, tabu-leiros interioranos, tabuleiros pré-litorâneos e serrasmarginais. O clima é úmido, apresentando tempera-tura média anual de 25ºC. As precipitações pluviomé-tricas registradas apresentam uma amplitude variávelentre 1600 e 2400 mm, com período chuvoso entreabril e junho, sendo raros, entretanto, os meses se-cos (VALENÇA, 2006).

As condições edafoclimáticas proporcionamgrande diversidade agrícola local, como: banana,borracha, cacau, café, coco, guaraná, laranja, ma-mão, maracujá, pimenta-do-reino e dendê (lavouraspermanentes); abacaxi, cana-de-açúcar, feijão,mandioca e milho (lavouras temporárias). Na pecuá-ria destacam-se: bovinos, suínos, eqüinos, asini-nos, muares, aves e caprinos. Dentre as lavouraspermanentes, o dendê é aquela que apresenta amaior área plantada/colhida, com 9.940 ha, e a mai-or produção, 39.760 toneladas, em 2003 (IBGE,2003). Sintetizando-se as informações gerais da re-gião, confirmam-se as informações de Couto (2005,p. 5 ), que caracteriza o Sistema Agrário4 localcomo sendo

3 Os preços do dendê são pagos com base na cotação internacional dopalm oil, acertado em 10% da cotação Rotterdam do óleo por tonelada decacho fresco (inteiro). A média desta cotação para 2005 foi de US$422,00/ton; com a cotação média do dólar para 2005 em R$ 2,43 (BancoCentral), o valor do palm oil seria igual a R$ 1.025,46/ton.

4 O Sistema Agrário é“[...] um modo de exploração do meio historicamenteconstituído, um sistema de forças de produção, um sistema técnico adap-tado às condições bioclimáticas de um espaço determinado, que respondeàs condições e às necessidades sociais do momento. Um modo de explo-ração do meio que é o produto especifico do trabalho agrícola, utilizando ummeio cultivado, resultante das transformações sucessivas sofridas histori-camente pelo meio natural (MAZOYER, apud BRASIL 2004c, p. 21).

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VITOR DE ATHAYDE COUTO et al.

[...] complexo e bastante diversificado. Influenciado pelosistema cacaueiro, onde esta incluída, caracteriza-se pelacombinação de atividades extrativistas da Mata Atlânticacom policultivos comerciais e de subsistência, além da pes-ca. Destacam-se como lavouras comerciais importantes:cacau, coco, borracha, dendê, banana, e mandioca. Trans-formações recentes revelam a introdução de inovações ede novas culturas vegetais e animais a exemplo de abacaxi,bovinos e suínos (COUTO, 2005).

Itinerário técnico e impactos ambientais daextração de dendê: do pilão à prensa

Para entender como as transformações da ca-deia produtiva do dendê repercutem na conformaçãodo atual cenário a ser considerado para a produçãode biodiesel, é preciso conhecer as noções da cha-mada Teoria do Progresso Técnico. Essa teoria bus-ca explicar o desenvolvimento tecnológico atravésda noção de paradigma. Dessa forma, as transfor-mações econômicas, sociais, bem como as mu-danças técnicas ocorridas ao longo do tempo, re-presentam a ruptura de um ciclo, ou o abandono deuma determinada trajetória tecnológica, para surgi-mento de outra mais moderna. Segundo a teoria,paradigma “é um conjunto de princípios que formamuma metodologia para resolver um problema e queajudam a resolver problemas semelhantes que seapresentam” (JETIN, 1996, p.7). A partir do momen-to em que essa metodologia não resolve mais o pro-blema, além de outros que surgirem a partir deste,são necessários diferentes conhecimentos, novastécnicas, inovações. A inovação é o processo deruptura de um paradigma, o produto criado a partirdo esgotamento daquele.

Estabelecendo-se um novo paradigma, vários ca-minhos podem ser percorridos, de modo que não seesgotem os seus pressupostos. Esses caminhossão denominados trajetórias tecnológicas, que, em-bora não rompam o paradigma, compreendem umanova descoberta fundamentada nos mesmos princípi-os formadores do paradigma; trata-se aí de uma ino-vação incremental. Mas, se ocorre o esgotamento doconjunto de conhecimentos, tem-se uma inovaçãoradical; e o paradigma agora ultrapassado deixa emseu tempo conceitos, produtos, processos, caracte-rísticas de uma era, de uma idade, chamados de ida-de tecnológica.

É de se esperar que uma inovação radical surja [...] comouma mudança significativa na base do conhecimento cientí-fico e tecnológico, provocando ruptura no velho paradigma.Já as pequenas inovações que se fazem num mesmo para-digma, ao longo de uma trajetória, são inovações incremen-tais. Elas são importantes para a rentabilidade da empresa,mas não têm o significado de uma inovação radical. (COUTOFILHO. et al. 2004, p. 53).

Então, pode-se relacionar, a partir dessas idéias,a Teoria do Progresso Técnico às inovações incre-mentais e radicais encontradas na produção do óleode dendê na Comunidade Cajaíba, bem como aosimpactos ambientais resultantes. Nessa comunida-de, a extração do óleo de dendê começa antes mes-mo do século XX, conforme entrevistas realizadas emcampo. Essa extração era realizada através de pi-lões (instrumentos artesanais, almofarizes), e causa-va tênue impacto sobre o meio ambiente por ser des-tinada, praticamente, ao autoconsumo.

Uma inovação radical ocorre nesse processo coma invenção do rodão, instrumento movido a traçãoanimal que consiste em uma roda feita de pedra oucimento que gira sobre um círculo cavado no chão,onde o peso da roda esmaga os frutos de dendê.Enquanto que utilizando os pilões as quantidades deóleo são menores e o tempo exigido maior, com orodão a quantidade extraída é significativamentemaior, sendo que o tempo gasto para o trabalho dimi-nui. No entanto, o crescimento da produção passa ademandar maior quantidade de lenha para os fornosde cozimento, aumentando os desmatamentos e vo-lumes de resíduos depositados nos manguezais.

A partir da difusão do motor a explosão (meadosdo século XX), abandona-se o rodão com tração ani-mal nas unidades de beneficiamento5. Em seu lugarintroduz-se o macerador movido a diesel, desenvol-vido em meados do século passado, que consistenum tubo metálico onde existe uma espécie de cen-trífuga que esmaga o fruto de dendê de forma maishomogênea e mais eficiente do que o rodão. O ma-

5 Encontram-se relatos do uso do rodão de tração animal em municípiospróximos a Valença, porém, durante a pesquisa de campo, na comunidadede Cajaíba não se verifica rodão deste tipo. Porém, qualquer unidade debeneficiamento de dendê, da mais simples à mais complexa, é ainda cha-mada pelos produtores de rodão. Assim, a partir deste ponto do texto aunidade produtiva de óleo de dendê é grafada como Rodão (com R maiús-culo), enquanto que rodão (r minúsculo) remete ao instrumento tradicionalutilizado durante os primeiros estágios de desenvolvimento da produçãode óleo de dendê local.

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VIABILIDADE DO BIODIESEL DE DEND  PARA A AGRICULTURA FAMILIAR

cerador movido a diesel foi uma inovação tecnológi-ca radical. Mais uma vez se observa o aumento daprodutividade nas unidades de beneficiamento, as-sociada à redução da mão-de-obra empregada (aocupação gerada pelo manuseio dos animais nosrodões se extingue).

Continua-se utilizando lenha,mas a dificuldade de encontrarmadeira em locais próximos e acrescente fiscalização de órgãosfederais e/ou estaduais6 resultana adoção, pelos agricultores,dos resíduos do dendê (bucha e anata)7 no processo de cozimentodos frutos. A bucha passa a serutilizada nos fornos como uma al-ternativa à lenha e como aduba-ção nas lavouras; quanto à nata,devido à regulamentação do Con-selho Municipal de Defesa doMeio-Ambiente (que estabeleceque os rodões devem implementarfiltros para diminuir a quantidadedesse resíduo lançada nos cursos de água), trans-forma-se em bambá, espécie de pasta utilizadacomo alimento para porcos e galinhas.

Com a eletrificação da comunidade, no início dadécada de 1970, o macerador a diesel foi adaptadopara o motor movido a eletricidade, não havendo ino-vações significativas na sua estrutura; dessa formatem-se uma inovação incremental. A inovação incre-mental mais recente encontrada na comunidade é aprensa, máquina semi-industrial que acoplada nomacerador permite uma maior homogeneidade na ex-tração do óleo de dendê, diminuindo os resíduos e oemprego da mão-de-obra nas unidades.

No caso particular das idades tecnológicas obser-vadas nas unidades de beneficiamento do dendê nacomunidade, verificou-se que a teoria do progressotécnico ajuda a compreender as transformaçõesocorridas. Na medida em que ocorrem as sucessõesdos paradigmas técnicos, revela-se aumento na in-

tensidade de tecnologia, o que corresponde a au-mento da produtividade, dos impactos ambientais,bem como uma redução na intensidade do trabalho,abordada na próxima seção.

Relações de trabalho,produção e produtividade noRodão

As diversas formas de relaçãode trabalho encontradas acompa-nham concomitantemente as ida-des tecnológicas verificadas nosistema. Essas formas correspon-dem também ao tamanho relativodas unidades de beneficiamento.As primeiras unidades analisadassão as dos pequenos produtores,caracterizados por possuírem pe-quena produção de azeite de den-dê (até 50 latas por semana),8 porestarem em uma faixa de idade

tecnológica em que se usa o macerador elétrico eutilizarem basicamente o trabalho familiar, diaristas,e sistema de meia.9

Os produtores médios são caracterizados porapresentarem produção próxima de 150 latas deóleo de dendê por semana. Quanto à idade tecnoló-gica, não chegam a diferenciar-se dos pequenosprodutores, pois possuem estrutura baseada, tam-bém, na utilização do macerador elétrico. A diferen-ça se verifica em termos quantitativos, pois existeuma distinta capacidade produtiva responsável porum aumento de até 200% na produção semanal delatas de dendê – de 50 para 150 latas. Nas unidadesmédias, a própria produção de cachos de dendê nãoé suficiente para atender à produção do óleo, sendonecessário comprar cachos de dendê de outros pro-dutores. Verifica-se, pois, uma inter-relação no mer-cado entre aqueles que produzem cachos e aquelesque produzem cachos e óleo.

6 Fiscalização de órgãos governamentais como o Instituto Brasileiro doMeio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Centrode Recursos Ambientais (CRA).7 Os produtores chamam de bucha o cacho de dendê sem o fruto, e denata o óleo que não conseguem separar da água.

Pode-se encontrarsituação em que o

trabalho na unidade debeneficiamento do dendê(nos médios produtores)seja desempenhado com

utilização de mão-de-obra familiar. Todavia,

percebe-se nas unidadesde produção visitadasque a utilização dostrabalhadores, não

familiares, é fundamentalpara manter a produção

que já está muitointegrada ao mercado

8 A lata utilizada equivale a, aproximadamente, 19 litros.9 Esse sistema é caracterizado pela divisão do que é colhido com quemo colhe. O proprietário contrata um terceiro para se responsabilizar pelacolheita; ao final, ao invés de pagá-lo com dinheiro, o pagamento é feitocom metade do que é colhido (metade da produção é do proprietário e aoutra metade é do meeiro).

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VITOR DE ATHAYDE COUTO et al.

Pode-se encontrar situação em que o trabalho naunidade de beneficiamento do dendê (nos médiosprodutores) seja desempenhado com utilização demão-de-obra familiar. Todavia, percebe-se nas unida-des de produção visitadas que a utilização dos traba-lhadores, não familiares, é funda-mental para manter a produção quejá está muito integrada ao merca-do. Nesse caso, verifica-se que asrelações de produção são mais pró-ximas de uma forma desenvolvidade divisão do trabalho e o regime deassalariamento já é passível de serencontrado, mas a principal formade pagamento dos trabalhadores éfeita através de diárias.

Nas unidades grandes (produ-ção de até 300 latas por semana,um aumento de 100% comparando-se com os sistemas médios de pro-dução), a idade tecnológica consi-derada é dominada pela mecanização da produção,com exceção da colheita (utilização da prensa e deesteiras), e com uma rígida divisão do trabalho. Nasunidades que utilizam a prensa, observa-se desem-prego da mão-de-obra feminina em função da extin-ção da etapa específica da produção do óleo (separa-ção do óleo dos demais resíduos), em que o trabalhoé realizado apenas por mulheres.

Um fator importante para a compreensão das rela-ções de trabalho é que a produção de óleo de dendêvaria de acordo com a época do ano, sendo o verão operíodo de pico da produção. Esta situação gera umasazonalidade na utilização da força de trabalho emtodo o Rodão. Por isso, em determinada época doano uma parcela dos trabalhadores é realocada emdiversas atividades para manter suas rendas (culturade cravo-da-índia, pesca, mariscos, etc.) ou partempara as cidades próximas em busca de emprego.Com esse cenário faz-se a análise econômica dossistemas de produção encontrados em Cajaíba. Ini-cia-se pela observação e classificação dos produto-res em tipos, de acordo com os elementos mais re-presentativos encontrados. Dentre cada tipo de pro-dutor tem-se um representante típico, do qual sãoanalisadas a composição das rendas e, concomitan-temente, a participação do dendê dentro da estrutura

de cada unidade produtiva. Com essas informaçõestorna-se possível inferir a respeito da viabilidade eco-nômica do biodiesel de dendê, considerando-se a es-trutura da cadeia produtiva local.

Análise econômica dossistemas de produção nacomunidade Cajaíba

Sinteticamente, define-se Siste-ma de Produção (SP) como sendoo conjunto formado por subsiste-mas de cultivo (lavouras), subsiste-mas de criação (animais) e subsis-temas de transformação (beneficia-mento da matéria-prima) realizadosem cada parcela homogênea (área)da unidade produtiva. A observaçãodo SP inicia-se com a leitura depaisagem, entrevistas com infor-

mantes-chave da comunidade, construção de umapré-tipologia de SP e de produtores, além da tipolo-gia, com a ratificação e/ou retificação das informa-ções durante a pesquisa de campo.

Em Cajaíba, no que se refere à tipologia de produ-tores, são consideradas características como a pro-priedade (ou não) de Rodão e sua caracterização, deacordo com a capacidade produtiva do óleo: peque-no, médio e grande. Diante disso, são identificadostrês tipos característicos de produtores (P1, P2, P3):os que não possuem Rodão; os que possuem Rodãopequeno; os que possuem Rodão médio. As princi-pais características dos três produtores representati-vos da comunidade são:

P1: proprietário de Rodão pequeno; sem funcioná-rios; não compra dendê; aposentado;

P2: não proprietário de Rodão; sem funcionários;trabalha com meeiro; aposentado;

P3: proprietário de Rodão médio; com funcionári-os; compra dendê.

Para os sistemas de produção, utiliza-se o crité-rio do cultivo de dendê aliado à propriedade (ou não)de Rodão. Essa classificação resultou na caracteri-zação dos seguintes tipos de sistemas de produção:

SP1: Quintal; Pasto x dendê; Dendê; Dendê xcravo; Banana x jaca x cacau x dendê; Cravo; Rodão;

Sinteticamente, define-seSistema de Produção

(SP) como sendo oconjunto formado por

subsistemas de cultivo(lavouras), subsistemasde criação (animais) e

subsistemas detransformação

(beneficiamento damatéria-prima) realizados

em cada parcelahomogênea (área) daunidade produtiva.

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VIABILIDADE DO BIODIESEL DE DEND  PARA A AGRICULTURA FAMILIAR

SP2: Quintal; Dendê; Cravo; Cacau; Banana;SP3: Quintal; Banana; Dendê; Coco x manga x

cana x dendê; Sabão; Rodão.A seguir são apresentadas as análises econômi-

cas dos três agricultores familiares (P1, P2 e P3),representantes típicos dos sistemas de produção(SP1, SP2 e SP3).

O produtor P1 é aposentado, proprietário de Ro-dão pequeno, transforma apenas o próprio dendê.Pratica o SP1

caracterizado pela presença de muitas

variedades agrícolas (diversificado) e considerável ní-vel de integração entre os subsistemas de cultivo etransformação. Trata-se de uma unidade familiar quecontrata diarista para a execução das atividades decolheita. Foram identificados sete subsistemas, inte-grados conforme o Fluxograma 1.

em termos de renda monetária (segregada entreagrícola e não-agrícola).

A renda monetária anual é de R$ 11.041,60. Sen-do uma família composta por três pessoas, a rendamonetária per capita é de R$ 3.680,53/ano. Compu-tando-se a renda de dois membros aposentados nafamília, a renda total (soma da renda monetária coma renda não-agrícola) eleva-se para R$ 18.652,27/ano, e a renda per capita para R$ 6.217,42/ano. Arenda monetária por unidade de trabalho familiar (RM/UTf), que representa a produtividade do trabalho parao SP1, foi calculada em R$ 3.680,53/ano. Esses va-lores funcionam como parâmetros do custo de opor-tunidade do produtor para decidir permanecer na ativi-dade. Os subsistemas que se apresentam com mai-or produtividade do trabalho são o dendê e o cravo. A

renda monetária por área (RM/ha)mostra a produtividade por área culti-vada, calculada em R$ 8.935,11/ano.Os subsistemas Cravo, Quintal eDendê x cravo são os que apresen-tam maior produtividade em relação àárea.

O Gráfico 1 mostra a eficiência decada subsistema, sendo que a retamais inclinada positivamente repre-senta o subsistema mais eficiente.Os subsistemas mais eficientes sãoCravo, Quintal e Dendê x cravo. A bai-xa eficiência do subsistema Dendê xpasto resulta da subutilização dopasto, área relativamente grande,com poucos pés de dendê e um úni-co animal (boi).

O produtor P2 diferencia-se dooutros produtores por não possuirRodão e por possuir família pluriati-

va (um dos membros divide sua jornada de trabalhoentre a unidade produtiva e o comércio local). O P2também é aposentado, o que, juntamente com osalário do filho, garante uma renda não agrícola re-lativamente alta, correspondendo, aproximada-mente, a 84% da renda total.

No SP2, a mão-de-obra é predominantementefamiliar, contratando-se diaristas na época da co-lheita do cravo, além do trabalho no sistema demeia na colheita do dendê. Como se pode observar

Fluxograma 1Sistema de Produção – SP1

Fonte: Pesquisa de campo, 2006

O subsistema Rodão utiliza toda a produçãocolhida de dendê dos outros subsistemas. Datransformação do dendê é extraído o óleo (azeitede dendê), o coquilho para venda, e a bucha, apro-veitada como adubo em todos os outros subsiste-mas e como combustível no próprio Rodão. Os re-sultados econômicos do estudo permitem a análi-se de cada um dos subsistemas, no que concerneao uso da mão-de-obra, da área e seus retornos

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 107-118, jun. 2006 115

VITOR DE ATHAYDE COUTO et al.

no Fluxograma 2, essa unidade produtiva é com-posta por cinco subsistemas sem nenhuma inte-gração entre si. No subsistema Dendê utiliza-semão-de-obra de meeiro, que é remunerado commetade do que é colhido. A venda da produção éfeita em forma de cacho, o que explica a não inte-gração com os outros subsistemas.

Gráfico 1Sistema de Produção do Produtor 1 – Renda monetária por Unidadede Trabalho familiar (UTf) e área utilizada (ha)

Fonte: Pesquisa de campo, 2006

Fluxograma 2: Sistema de Produção – SP2

Fonte: Pesquisa de campo, 2006

O subsistema Banana foi implantado em 2005,daí o resultado econômico ser negativo; o produtoradquire mudas e fertilizantes no mercado. No subsis-

tema Cravo vende-se o cravo e utiliza-se a contrata-ção de diarista para colheita. No subsistema Quintal,vende-se cacau, tendo-se ainda maracujá e banana(destinados ao autoconsumo da família).

Constata-se que 69% da renda monetária são ori-ginadas no subsistema Cravo, seguindo-se o subsis-tema Dendê. A produtividade do trabalho (RM/UTf) foi

calculada em R$ 1.119,72/ano, sendo o cravo e odendê os mais produtivos.Em termos de retorno porárea utilizada (RM/ha), osubsistema Cravo conti-nua sendo o mais rentável,seguido pelo subsistemaquintal.

O produtor P3 possuiRodão médio, com pro-dução insuficiente dedendê, tendo que adquirircachos de outros produ-tores. Pratica o sistemade produção SP3, emque combina poucas vari-edades agrícolas, combaixo nível de integração.Trata-se de uma unidadefamiliar que possui traba-lhadores próprios do sis-tema de processamento(Rodão) e diaristas paraa execução das ativida-des de colheita. Com ex-ceção do dendê (que éutilizado como matéria-prima no Rodão) e do ca-cau, a produção dessesistema destina-se aoautoconsumo.

No subsistema Rodãoproduz-se óleo de dendê(azeite) e como subprodu-to tem-se o coquilho que,juntamente com o óleo,

também é vendido. Esse subsistema integra-se comos subsistemas Banana x cacau e Quintal, para ondesão enviadas as buchas não utilizadas no próprio sub-

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VIABILIDADE DO BIODIESEL DE DEND  PARA A AGRICULTURA FAMILIAR

sistema. Integra-se ainda com o outro subsistema deprocessamento, o Sabão, através do óleo sem quali-dade para venda direta. O subsistema Sabão só funci-ona quando sobra óleo que não tem condição de servendido como azeite. Sua produção é utilizada parauso da família e para venda.

Ao considerar a unidade produtiva como um todo,o P3 aufere uma renda monetária por UTf de R$43.474,33/ano; os subsistemas Rodão, Dendê, e Ba-nana x cacau são os que apresentam maior produtivi-dade. No entanto, é importante frisar que a renda mo-netária do subsistema Dendê não pode ser conside-rada, visto que os cachos não são vendidos e entram

como custo intermediário para oRodão. A renda monetária porárea utilizada alcança R$17.685,67/ano, sendo os subsis-temas Dendê e Banana x cacauos de maior produtividade. Esseindicador não é considerado paraos subsistemas de processa-mento, pois a produtividade dosmesmos não está necessaria-mente relacionada com a áreautilizada.

O subsistema Banana x cacaué o que aparece como o mais in-tensivo, conforme inclinação dacurva no Gráfico 3. O subsistemaRodão é o que aufere maior renda

monetária anual (R$ 97.605,73), representando mais de89% da renda monetária de todo o sistema de produ-ção, o que demonstra sua importância para o produ-tor. No entanto, é importante ressaltar que é a venda

do coquilho que financia o Rodão,sem o que esse subsistemaapresentaria prejuízo.

De modo geral, a cultura dodendê mostra-se viável para osprodutores, seja com a venda innatura, seja transformando óleo ecoquilho. Com relação à viabilida-de do dendê como matéria-primapara biodiesel, a partir dos cus-tos, é viável para os três produto-res, porém com ressalvas. O pre-ço praticado no âmbito do PNPB– R$ 102,50 pela tonelada de ca-chos frescos (inteiros) – cobre oscustos de produção de todos osprodutores, resultando em rendamonetária positiva. Contudo, ovalor de mercado desses mes-

Gráfico 2Sistema de Produção do Produtor 2 – Renda monetária porUnidade de Trabalho familiar (UTf) e área utilizada (ha)

Fonte: Pesquisa de campo, 2006

Fluxograma 3Sistema de Produção – SP3

Fonte: Pesquisa de campo, 2006.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 107-118, jun. 2006 117

VITOR DE ATHAYDE COUTO et al.

mos cachos é superior para outros fins – R$ 130,00.Ademais, destinar a produção de dendê para o PNPBsignifica abrir mão do subsistema Rodão para os queo possuem, e no caso de P3, significa auferir rendamonetária inferior.

Adicionem-se outros impactos à análise. A escalade produção de matéria-prima necessária à transfor-mação em óleo combustível pode aprofundar a divi-são entre produtores primários e as indústrias pro-cessadoras do dendê. A figura do grande compradorde dendê pode se estabelecer na região, destinandoaos agricultores apenas o papel de fornecedores damatéria-prima. Tem-se também que, consolidandoesse papel ao agricultor familiar, as pequenas ativida-des no interior das unidades produtivas tenderiam àdesagregação, uma vez que basta apenas o forneci-mento da matéria-prima para o posterior processa-mento. Isso pode significar a desocupação de mão-de-obra local. A princípio, a comercialização de den-dê para o PNPB possui como vantagens a garantiade um canal de escoamento da produção, com pre-ços estabelecidos – o que minimizaria as possíveisoscilações de mercado –além da assistência técnicadestinada aos produtores que integram o Programa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O biodiesel representa uma nova alternativa para

a agricultura brasileira a partir das matérias-primas

(como o dendê) utilizadas na produção de óleo com-

bustível. Especifica-

mente para a agricultu-

ra familiar em Valença,

no Baixo Sul da Bahia,

onde os produtores de

dendê destinam gran-

des parcelas dos ca-

chos para o beneficia-

mento do óleo comes-

tível, revelando a exis-

tência da articulação

entre os agentes da

cadeia produtiva. Sen-

do assim, a inserção

dos agricultores famili-

ares de dendê na cadeia produtiva do biodiesel pode

significar, no limite, a desarticulação dessas liga-

ções, com a criação de novos agentes, grandes com-

pradores e empresas processadoras de dendê.Na comunidade Cajaíba, o beneficiamento do

dendê é uma atividade antiga, com diversas idadestecnológicas, com transformações e inovações incre-mentais e radicais. Nos sistemas de produção obser-vados se verifica que o cultivo e o beneficiamentodendê (Rodão) estão entre os mais eficientes, consi-derando-se custos e rendas gerada, à exceção do P3(SP3). Para esse produtor, o Rodão representa qua-se 90% da renda monetária familiar.

Entretanto, em todos os sistemas de produçãoos subprodutos do dendezeiro (cachos, coquilho eóleo) mostram-se viáveis economicamente aos pro-dutores, bem como à produção de biodiesel. Porém,no caso do SP3, ao destinar sua produção de dendêpara o PNPB, mesmo com o preço pago pelo Progra-ma cobrindo os custos de produção, significa auferirrendas inferiores àquelas oriundas de outras ativida-des. Para o agricultor torna-se melhor, portanto, con-tinuar no mercado de dendê para culinária.

REFERÊNCIAS

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Gráfico 3Sistema de Produção do Produtor 3 – Renda monetária por Unidade deTrabalho familiar (UTf) e área utilizada (ha)

Fonte: pesquisa de campo, 2006.

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BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 16, n. 1, p. 119-131, jun. 2006 119

Avaliação econômica da cadeia desuprimentos do biodiesel: estudo de

caso da dendeicultura na Bahia

Adriana Leiras,* Silvio Hamacher,** Luiz Felipe Scavarda***

* Mestre em Engenharia Industrial pela PUC-Rio. [email protected]

** Professor Doutor do Dept. de Engenharia Industrial da [email protected]

*** Professor Doutor do Dept. de Engenharia Industrial da [email protected].

Abstract

Renewable energies have been growing in the political andeconomic scenario in Brazil. Despite the fact, biodiesel is beingdeeply investigated, the regional production characteristicshave not been sufficiently addressed. Therefore, this papercontributes to the transition analysis from studies that regardproduction techniques to an agro-industrial scenario thatenables the creation of an organized structure for the productionand distribution of biodiesel throughout its supply chain. Thispaper aims to analyze the biodiesel supply chain and elaboratea simulation model enabling the performance of economicfeasibility studies for this chain. The scope of this research islimited to the biodiesel production in Bahia based on the dendêpalm oil. From the 13 scenarios simulated, 12 reached aproduction with prices that were lower than the lowest reached inthe 4 biodiesel auctions recently carried out in Brazil.

Key words: biodiesel, supply chain, Bahia, economicevaluation, palm.

Resumo

As energias renováveis vêm ganhando muita importânciano cenário político e econômico brasileiro. Apesar da questão dobiodiesel estar sendo amplamente investigada, as característi-cas regionais de produção ainda não foram suficientementeabordadas. Assim, este artigo contribui para a análise da transi-ção de estudos voltados a técnicas de produção para um cená-rio que permita a criação de uma estrutura para produção e dis-tribuição do biodiesel ao longo da cadeia produtiva. Os objetivosdeste artigo são: analisar a cadeia de suprimentos do biodiesele elaborar um modelo de simulação que possibilite a realizaçãode estudos de viabilidade econômica desta cadeia. O escopodesta pesquisa é delimitado à produção do biodiesel na Bahia apartir do óleo de dendê. Dos 13 cenários simulados, 12 levam auma produção a preços inferiores ao menor valor obtido nosquatro leilões realizados no Brasil.

Palavras-chave: biodiesel, cadeia de suprimento, Bahia, avali-ação econômica, dendê.

nhar, força mecânica, transporte e comunicações. Asvantagens proporcionadas pelas energias renováveisvariam de acordo com as condições e prioridades lo-cais, destacando-se: a minimização da ameaça dasmudanças climáticas do planeta decorrentes daqueima de combustíveis fósseis; o crescimento eco-nômico; a ampliação do acesso à energia para cercade um terço da população mundial; a geração deempregos e a fixação do homem no campo; a redu-ção dos níveis de pobreza; a diminuição da desigual-dade social; e a diversificação da matriz energética(PETROBRAS, 2005).

INTRODUÇÃO

As energias renováveis são elementos essenciaispara se alcançar o desenvolvimento sustentável eadquirem importância maior ao prover serviços comoluz, calefação, refrigeração, calor seguro para cozi-

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AVALIA«√O ECON‘MICA DA CADEIA DE SUPRIMENTOS DO BIODIESEL: ESTUDO DE CASO DA DENDEICULTURA NA BAHIA

Pode-se destacar, entre as energias renováveis:a solar (fotovoltaica e térmica), o biogás (de lixo, es-terco ou esgoto), a biomassa (restos agrícolas, ser-ragem, biodiesel, álcool e óleos in natura), a eólicae as centrais hidrelétricas.

O Brasil é um país de destaquena utilização de Biomassa desde adécada de 1920, utilizando o álco-ol combustível. Com o ProgramaNacional do Álcool (PROÁLCO-OL), criado em 1975, o País foi pi-oneiro na efetiva substituição dagasolina em meio à crise dos pre-ços do petróleo (NEGRÃO; UR-BAN, 2004). Atualmente, o Brasilpossui uma nova oportunidade tec-nológica e estratégica na utiliza-ção de biomassa: a produção debiodiesel. Este é um biocombustí-vel derivado de biomassa renovávelpara uso em motores a combustãointerna com ignição por compressão ou, conformeregulamento, para geração de outro tipo de energia,que possa substituir parcial ou totalmente combus-tíveis de origem fóssil (MCT, 2005).

A importância do biodiesel para o Brasil provémprincipalmente dos argumentos: ser uma alternativade diminuição da dependência dos derivados de petró-leo, ajudando a diversificar a matriz energética brasilei-ra; ser um componente obrigatório no curto/médio pra-zo na composição do óleo diesel comercializado noterritório nacional; criar um novo mercado para as ole-aginosas, possibilitando a geração de novos empre-gos em regiões carentes do país e aumentando o seuvalor agregado com a sua transformação em biodiesel;proporcionar uma perspectiva de redução da emissãode poluentes e uma alternativa para exportação de cré-ditos de carbono relativos ao Protocolo de Kyoto, con-tribuindo para uma melhoria no meio ambiente.

Objetivo

A questão do biodiesel está sendo amplamenteinvestigada por universidades, instituições de pesqui-sa, órgãos governamentais e pela iniciativa privada.Iniciativas como o Programa Nacional de Produção e

Uso de Biodiesel – do Ministério da Ciência e Tecno-logia –, a Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel,a Coordenação do Programa de Biodiesel – no âmbi-to da Gerência de Energia Renovável da Petrobrás –,além da participação ativa de diversas Secretarias

Estaduais de Ciência e Tecnologiademonstram a importância estraté-gica do biodiesel na Matriz Energé-tica Brasileira.

No entanto, as questões dascaracterísticas regionais de produ-ção ainda não foram suficientemen-te abordadas nas pesquisas, massão essenciais para avaliar a viabili-dade econômica das alternativasde produção do biodiesel. Dessaforma, este trabalho contribui paraa análise da transição de estudospontuais, voltados a técnicas deprodução ou transformação, paraum cenário agroindustrial que per-

mita a produção de 800 milhões de litros de biodieselem 2008 e 2 bilhões de litros de biodiesel a partir de2013 (Lei nº 11.097, BRASIL, 2005).

Assim, a viabilização do biodiesel requer a imple-mentação de uma estrutura organizada para produ-ção e distribuição de forma a atingir, com competitivi-dade, os mercados potenciais. Logo, a introdução dobiodiesel demanda investimentos ao longo da cadeiaprodutiva para garantir a oferta do produto com quali-dade, além da perspectiva de retorno do capital em-pregado no desenvolvimento tecnológico e na susten-tabilidade do abastecimento em longo prazo.

Nesse contexto, os objetivos deste artigo são: ana-lisar a cadeia de suprimento do biodiesel, englobandoáreas rurais, usinas e bases distribuidoras de combus-tíveis, bem como transporte e armazenagem de maté-ria-prima, óleos e biodiesel; e elaborar um modelo desimulação que possibilite a realização de estudos deviabilidade econômica da cadeia produtiva do biodiesel.

Delimitação do estudo

A aplicação do modelo de simulação está delimi-tada à Bahia e considera as particularidades geográ-ficas e logísticas deste estado. Essa delimitação se

As energias renováveissão elementos

essenciais para sealcançar o

desenvolvimentosustentável e adquirem

importância maior aoprover serviços como

luz, calefação,refrigeração, calor

seguro para cozinhar,força mecânica,

transporte ecomunicações

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deve ao fato de existir um acordo de cooperação en-tre a Secretaria de Ciência e Tecnologia da Bahia(SECTI-BA) e a Pontifícia Universidade Católica doRio de Janeiro (PUC-Rio), tornando acessíveis os da-dos necessários ao estudo, o que dificultaria a esco-lha de um outro estado. Este tra-balho está delimitado ao estudoda cadeia produtiva do biodieselproduzido a partir do óleo vegetaldo dendê, cujo cultivo se adaptaàs condições climáticas do esta-do da Bahia, para o qual existemdados disponíveis sobre custos eprodutividades. Essa escolhadeve-se à importância que o den-dê possui para a economia da re-gião do Baixo Sul baiano e, porconseqüência, a possibilidade demelhorar a economia local com asua inclusão na cadeia produtivado biodiesel. Além disso, estu-dos do Economic Research Ser-vice (2006) mostram que essa éa principal fonte de oferta de óle-os vegetais em nível mundial. Oóleo de dendê destaca-se ainda pelo seu preço maisbaixo quando comparado com outras oleaginosas,como soja, girassol, mamona ou algodão, como édemonstrado pelos relatórios do Oil World.

O trabalho está dividido em oito seções, sendoesta primeira a introdutória. A segunda seção apre-senta considerações gerais sobre o biodiesel e suacadeia de suprimentos. A terceira seção descreve ametodologia de pesquisa adotada e a quarta a es-trutura do modelo de simulação. A quinta seção dis-corre sobre a cadeia produtiva do dendê na Bahia.As sexta e sétima seções apresentam os dados uti-lizados no modelo de simulação e os resultadosobtidos. A última seção oferece as principais con-clusões desenvolvidas pelos autores deste artigo.

BIODIESEL

Esta seção apresenta inicialmente consideraçõessobre a importância do biodiesel e, posteriormente, osprincipais elementos que compõem a sua cadeia.

Importância do biodiesel

O biodiesel pode substituir total ou parcialmen-te o óleo diesel de petróleo em motores ciclo dieselautomotivos (de caminhões, tratores, camionetas,

automóveis, etc) ou estacionári-os (geradores de eletricidade,calor, etc). Segundo estatísti-cas da Agência Nacional do Pe-tróleo (apud MEIRELLES,2003), o consumo brasileiro deóleo diesel apresentou um cres-cimento acumulado de 42,5%,no período de 1992 a 2001. Parasuprir a demanda crescente, foinecessário aumentar o volumeimportado do combustível de2,3 milhões de m3, em 1992,para 6,6 milhões de m3, em2001. É importante destacarque, em 1992, 8,5% do consu-mo brasileiro de óleo diesel erasuprido via importações. Em2001, essa participação já haviasaltado para 16,5%. De acordo

com a ANP (apud MEIRELLES, 2003), cada 5% debiodiesel misturado ao óleo diesel consumido nopaís representa uma economia de divisas de cercade US$ 350 milhões/ano.

O biodiesel pode ser usado puro ou misturadoao diesel de petróleo em diversas proporções.1 OArt. 2º, Lei nº 11.097, de 13.01.2005, determina aintrodução do biodiesel na matriz energética brasi-leira, fixado em 5% (cinco por cento) em volume opercentual mínimo obrigatório de adição de biodie-sel ao óleo diesel comercializado ao consumidorfinal em qualquer parte do território nacional. O pra-zo para aplicação do disposto no caput desse arti-go é de 8 (oito) anos após a publicação da Lei, sen-do de 3 (três) anos o período, após a publicação daLei, para se utilizar um percentual mínimo obrigató-rio intermediário de 2% (dois por cento) em volume(BRASIL, 2005).

Atualmente, o Brasilpossui uma nova

oportunidade tecnológicae estratégica na utilizaçãode biomassa: a produçãode biodiesel. Este é um

biocombustível derivadode biomassa renovávelpara uso em motores acombustão interna comignição por compressão

ou, conformeregulamento, para geraçãode outro tipo de energia,

que possa substituirparcial ou totalmente

combustíveis de origemfóssil (MCT, 2005)

1 A denominação B2 refere-se à mistura de 2% de biodiesel ao diesel depetróleo, o termo B5 é usado no caso da mistura de 5% e B100 é a deno-minação para o biodiesel puro.

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A introdução do biodiesel no mercado representa-rá uma nova dinâmica para a agroindústria, com seuconseqüente efeito multiplicador em outros segmen-tos da economia, envolvendo óleos vegetais, álcool,óleo diesel e mais os insumos e subprodutos da pro-dução do éster vegetal. A produção de oleaginosaspoderá expandir significativamente para atender oaumento da demanda por óleo para a produção de bi-odiesel, destacando-se o potencial de 70 milhões dehectares com aptidão para o cultivo do dendê, locali-zados principalmente na região Amazônica e no lestedo Estado da Bahia, destacando que o Brasil possuiapenas 50 mil hectares plantados com dendê.

As curvas do preço do óleo de dendê e de soja de-crescem à taxa de 3% ao ano, em dólares deflacio-nados (média dos últimos 20anos), enquanto que as curvasde preço do óleo diesel sãocrescentes em função da es-cassez de combustíveis fós-seis, não havendo previsão deinversão da tendência de cres-cimento do preço do óleo die-sel (CAMPOS, 2003).

O biodiesel é um combustí-vel biodegradável derivado defontes renováveis e pode serproduzido a partir de gordurasanimais, óleos e gorduras resi-duais ou de óleos vegetais(PROGRAMA NACIONAL DEPRODUÇÃO E USO DE BIO-DIESEL, 2005). A substituiçãodo óleo diesel mineral pelo bio-diesel resulta em diversos benefícios ambientais quepodem, ainda, gerar vantagens econômicas, pois opaís poderia enquadrar o biodiesel nos acordos esta-belecidos no protocolo de Kyoto e nas diretrizes doMecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Tam-bém existe a possibilidade de venda de cotas de car-bono através do Fundo Protótipo de Carbono (PCF),pela redução das emissões de gases poluentes, etambém créditos de “seqüestro de carbono”,2 através

do Fundo Bio de Carbono (CBF), administrados peloBanco Mundial (MEIRELLES, 2003).

Cadeia produtiva do biodiesel

A Figura 1 mostra os principais elos da cadeia pro-dutiva do biodiesel, quais sejam: a produção do grão, aextração do óleo, a produção do biodiesel a partir dogrão, a distribuição e a revenda ao consumidor. O biodi-esel produzido será inevitavelmente inserido na logísticados combustíveis. Assim, terá de ser transportado paraos locais de estocagem de diesel das grandes distribui-doras de produtos refinados, onde será misturado aomesmo.

2 O biodiesel permite que se estabeleça um ciclo fechado de carbono, noqual o CO

2 é absorvido durante o crescimento da planta e é liberado quan-

do o biodiesel é queimado na combustão do motor (HOLANDA, 2004).

Segundo dados primários obtidos com uma distri-buidora, hoje o biodiesel é transportado puro (B100)até as bases, onde é armazenado em tanques exclu-sivos por um período máximo de 3 meses – prazo apartir do qual o mesmo deve ser re-certificado pelaAgência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bio-combustíveis (ANP). A mistura do biodiesel ao dieselé simples e pode ser feita nos próprios tanques doscaminhões, até atingir a proporção desejada, porexemplo, B2.

As matérias-primas para a produção de biodieselsão óleos vegetais, gordura animal, óleos e gordurasresiduais. Algumas fontes para extração de óleo ve-

Fonte: Souza (2005) – ANP

Figura 1Cadeia de produção do biodiesel

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getal são: baga da mamona, polpa do dendê, amên-doa do coco de babaçu, semente de girassol, caroçode algodão, grão de amendoim, semente de canola,polpa de abacate, grão de soja, nabo forrageiro emuitos outros vegetais em forma de sementes,amêndoas ou polpas (PARENTE, 2003).

As etapas operacionais envolvidas no processode produção de biodiesel são apresentadas no fluxo-grama da Figura 2.

Figura 2Fluxograma do processo de produção do biodiesel

Fonte: Parente (2003)

METODOLOGIA DE PESQUISA

Para proceder ao estudo de caso, foi feita uma tri-angulação de métodos que inclui investigação docu-mental e levantamentos de percepções por meio dequestionários estruturados, entrevistas para a coletade dados e visitas in loco com observação direta. AFigura 3 esquematiza a triangulação de métodosadotada.

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A partir das informações obtidas pelo método detriangulação, foi proposto um modelo para simulação

de cadeias produtivas do biodiesel. A metodologia depesquisa é representada na Figura 4.

O formato final do modelo de simulação foi deter-minado a partir de diversas interações com empresá-rios/especialistas da área do agronegócio e de bio-combustíveis. Dessa forma, foi desenvolvido um mo-delo que, além de ser coerente com a perspectivaacadêmica, é uma ferramenta útil aos empresários epesquisadores.

Para a coleta de dados primários, foram aplicadosquestionários a empresários e pesquisadores daárea por meio de amostragem não probabilística. ATabela 1 sintetiza a inserção dos respondentes dapesquisa.

Figura 3Triangulação de métodos

Fonte: Yin (2005)

Figura 4Framework da metodologia de pesquisa

Fonte: Baseado em Menon et. al. (1999)

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ESTRUTURA DO MODELO DE SIMULAÇÃO

O modelo de simulação desenvolvido permite ava-liar a viabilidade econômica de um projeto de produ-ção de biodiesel (1) ou qualquer empreendimento ver-ticalizado para a produção de óleo vegetal + biodiesel(2) ou de oleaginosas + óleo vegetal + biodiesel (3).

As verticalizações, embora aumentem a comple-xidade de gestão, trazem economias ao eliminar im-postos, fretes e margens intermediárias, que onerari-am o produto final - o biodiesel.

Trata-se essencialmente de um modelo de análi-se financeira da exploração comercial, conduzindoao fluxo de caixa do projeto. São usados os seguin-tes indicadores para avaliar a viabilidade econômicado projeto:

• valor presente líquido (VPL): De acordo comSamanez (2002), o VPL mede o valor presentedos fluxos de caixa gerados pelo projeto ao longoda sua vida útil. O VPL é definido por:

(1)

Onde FCt representa o fluxo de caixa no t-ésimo

período, I é o investimento inicial, n é o horizonte deplanejamento e i

a.m é o custo do capital mensal.

O objetivo do VPL é encontrar projetos ou alterna-tivas de investimento que sejam economicamente vi-áveis, ou seja, projetos que tenham um VPL positivo.Foi utilizado o índice 12t-6, pois o fluxo de capital édistribuído ao longo do ano, logo, foi considerada amédia de distribuição do fluxo - a metade do ano.

• taxa interna de retorno (TIR): De acordo comSamanez (2002), a TIR é uma taxa hipotética dedesconto que anula o VPL, ou seja, é o valor de ique satisfaz à seguinte equação:

= 0 (2)

O projeto é economicamente viável se a taxa deretorno esperada for maior que a taxa de retorno re-querida, ou seja, se TIR > custo de oportunidade docapital.

• retorno sobre o investimento: VPL Lucros/ In-vestimentos (Superintendência da Zona Francade Manaus - SUFRAMA; Fundação Getúlio Var-gas - FGV, 2003).

• lucro líquido médio: média das estimativas delucro ao longo do horizonte de planejamento (SU-FRAMA; FGV, 2003).

• margem de lucro: lucro líquido médio/receita to-tal média (SUFRAMA; FGV, 2003).

• rentabilidade: igual ao lucro líquido médio/inves-timento total (SUFRAMA; FGV, 2003).

Os resultados financeiros determinados a partirdos fluxos de caixa dependerão basicamente de umacombinação de: receitas obtidas com os produtos;custos de capital e sua remuneração; custos dasmatérias-primas; custos operacionais industriais; ecustos logísticos.

Além do nível de verticalização, o modelo consi-dera os seguintes dados de entrada para a simula-ção: oleaginosa utilizada e origem desta - agricultu-ra familiar ou intensiva -, processo de produção ecapacidade da planta de biodiesel, rota de produ-ção, alíquotas para impostos, custo de capital, coe-ficientes técnicos do processo produtivo, preço dosinsumos e co-produtos, dados logísticos e margensde comercialização.

O usuário determina ainda o cenário da simula-ção. Há três cenários possíveis: pessimista, provávele otimista. Os custos, produtividades no plantio eteor de óleo extraído e preços dos subprodutos vari-am de acordo com o cenário escolhido, logo, paracada elo da cadeia há três fluxos de caixa (pessimis-ta, provável e otimista).

As planilhas de fluxos de caixa consideram, basi-camente, os mesmos itens de custos para os dife-rentes elos da cadeia produtiva. Os custos dividem-se em investimento inicial e custos operacionais (nocaso do plantio são custos com produção e colheita).

Tabela 1Entrevistas realizadas

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Também são consideradas as receitas obtidas comos subprodutos gerados no processo de produção.

O fluxo de caixa do produtor de dendê consideraum horizonte de planejamento de 27 anos, sendo oscustos distribuídos anualmente da seguinte maneira:

• Ano -1: Investimento inicial e custo com preparoda área a ser plantada;

• Ano 0: Custos com aquisição, plantio das mudase tratos culturais;

• Anos 1, 2 e 3: Fase de crescimento do dendezei-ro, ainda sem produção. Há custos com tratosculturais.

• Anos 4 ao 25: Fase de produção do dendezeiro.Há custos relacionados aos tratos culturais e àcolheita.

Essa distribuição de custos foi determinada combase nas entrevistas realizadas e nos estudos daSuframa/ FGV (2003) e da Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária - Embrapa (2005).

O fluxo de caixa do produtor de óleo de dendê edo biodiesel considera um horizonte de planejamentode 16 anos, sendo os investimentos realizados noAno 0 e os custos operacionais nos 15 anos subse-qüentes, quando a fábrica estará em operação. Essehorizonte de planejamento foi determinado pela vidaútil média dos equipamentos (15 anos).

CADEIA PRODUTIVA DO DENDÊ NOESTADO DA BAHIA

O dendê (Elaeis guineensis) é uma palmeira deorigem africana que chegou ao Brasil no século XVIe se adaptou ao litoral do sul da Bahia. Dos seusfrutos são extraídos dois tipos de óleo: o de palma,retirado da polpa ou mesocarpo; e o de palmiste,obtido da amêndoa ou endosperma. Além dessesóleos, obtém-se também a torta de palmiste comosubproduto resultante do processo de extração doóleo de palmiste (SUFRAMA; FGV, 2003).

Entre as variedades existentes, a Dura é predomi-nante nas áreas de dendezeiros no sul da Bahia.Essa variedade apresenta baixa produtividade porhectare (entre 4 a 6 ton./ ha / ano) e baixo rendimentona produção de óleo (em torno de 16%) - (SANDE,2002). Já a variedade Tenera (híbrido do cruzamento

entre as espécies Dura x Psifera) possui característi-cas genéticas que permitem produtividade de até 30ton. / ha / ano e rendimentos muito superiores na pro-dução de óleo (em torno de 22%) - (SANDE, 2002).

A produção de dendê nacional atual equivale a

0,1% da mundial, hoje estimada em 25 milhões de to-

neladas, sendo o estado do Pará o principal produtor

do país (VALE VERDE, 2005). Na Bahia, a produção

média foi de aproximadamente 170.000 toneladas en-

tre os anos 2000 e 2004 (IBGE/PAM apud ROCHA,

2005), estando a produção de dendê concentrada na

região do Baixo Sul, conforme mostra a Figura 5.O agronegócio do dendê na Bahia apresenta

dois segmentos fortemente diferenciados. O pri-meiro, constituído pelos chamados “rodões” (uni-dades artesanais de extração de óleo), represen-tando a grande maioria das unidades processado-ras do óleo.

O segundo segmento está concentrado em quatroempresas de médio e grande porte, que juntas proces-sam a maior parte da matéria-prima produzida no esta-do e normalmente controlam os preços pagos ao pro-dutor (BAHIA INVEST, 2005). A distribuição da produ-ção entre essas empresas é apresentada na Tabela 2.

DADOS UTILIZADOS NO MODELO DESIMULAÇÃO

As seções deste capítulo apresentam os dadosutilizados no modelo de simulação relativos ao plantiodo dendê, extração do óleo e produção do biodiesel.

Os dados utilizados no modelo de simulação sãoresultado da comparação entre dados primários edados secundários obtidos por entrevistas, visitas inloco, investigação documental e revisão da literatura,conforme descrito anteriormente na metodologia depesquisa. Considera-se importante a comparaçãopara, assim, justificar os valores de custos adotadosem uma primeira simulação.

Dados de plantio de dendê

Os dados primários obtidos indicam uma grandevariação da produtividade de acordo com a adubação e

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Figura 5Distribuição geográfica do dendê na Bahia

Fonte: Rocha (2005) – SEAGRI/BA

Tabela 2Características das empresas produtoras de óleo de dendê na Bahia

Fonte: Furlan (1999) e Moraes (2000 apud SANDE, 2002)

Considera-se na simula-ção a existência de 25.000mudas de Tenera no viveiro deuma das empresas visitadasno Baixo Sul, com previsão deprodução de mais 57.000 mu-das em 2005. Além disso, fo-ram distribuídas 350.000 mu-das de Tenera a 2.000 produ-tores do Baixo Sul.

A área necessária para o projeto considerado(planta de extração de 20.000 ton/ano), conside-rando o cenário de produtividade de 22 toneladaspor ha, seria de cerca de 1.000 ha. Levando-se emconta que são necessárias 145 mudas por ha,essa área equivaleria a cerca de 145.000 mudas.Assim, as mudas plantadas seriam mais do quesuficientes para atender ao projeto de produção debiodiesel analisado.

Os dados primários obtidos indicam um preçode R$150,00/ ton de CFF entregue na fábrica deóleo (preço CIF) ou R$120,00/ton na região produ-tora (preço FOB).

a idade da plantação. A Tabela 3 sintetiza as produtivi-dades de Tenera obtidas no Baixo Sul, de acordo coma idade e com o nível de adubação da plantação:

Segundo dados primários, em média, a produtivi-dade da espécie Tenera no Baixo Sul ao longo do pri-meiro ano de produção (6º ano) fica entre 6 e 8 tone-ladas/ hectare/ ano. Entre o 7º e o 16º ano a produti-vidade é maior ou igual a 20 toneladas/ hectare/ ano.

Nas empresas pesquisadas só há plantio de Te-nera, mas a produção é complementada em cercade 40% com a espécie Dura, comprada de pequenosprodutores da região. A produtividade média do den-dê do tipo Dura no Baixo Sul é 4 ton/ha/ano.

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Em relação aos custos, são considerados no pri-meiro ano de projeto investimentos em ativos fixos epreparo da área para o plantio, tais como: aquisiçãode terreno; obras civis e instalações prediais; equipa-mentos, ferramentas, máquinas e veículos. Já no se-gundo ano de projeto, os principais custos envolvemo plantio, sendo necessário, incorrer em custos coma aquisição das mudas e mão-de-obra para o plantio,além de materiais e insumos necessários à ativida-de. Os custos dos anos 3 ao 5 referem-se aos tratosculturais, já que nessa fase ainda não há produção.Já partir do 6º ano, a esses custos somam-se oscustos de colheita.

Dados de extração de óleode dendê

O teor de óleo de palma con-siderado no estudo variou entre20 e 28 %, de acordo com oscenários analisados. Foram si-mulados os custos operacionaise de investimento de uma usinade extração de cerca de 20.000ton de cachos por ano, capaci-dade equivalente à produçãoatual das maiores empresasprodutoras de óleo de dendê noBaixo Sul. Para essa usina, fo-ram considerados investimentosentre 2,6 e 5,2 milhões de reaise custos operacionais de cercade R$ 200,00 por tonelada decachos processada.

Dados de produção debiodiesel

Os dados de investi-mentos e custos de produ-ção de biodiesel utilizadosna simulação consideramos custos de produção paraas seguintes capacidades:10, 30, 60, 82 e 100 mi-lhões de litros de biodiesel

por ano. Os dados dessas diferentes fontes foram or-ganizados para formar três cenários possíveis paracustos de biodiesel: pessimista, provável e otimista –onde cada fonte constitui um cenário.

A escolha dos cenários foi feita de acordo com ocusto total por litro obtido em cada estudo, conformeapresentado na Tabela 4.

Os insumos do processo de transesterificaçãosão: óleo vegetal, álcool e catalisador. São geradosglicerina e ácidos graxos como subprodutos da rea-ção. Os coeficientes técnicos e preços desses com-ponentes são apresentados na Tabela 5.

Tabela 3Variação da Produtividade no Baixo Sul

Tabela 4Comparação de custos de produção de biodiesel

Tabela 5Coeficientes técnicos e preços dos insumos

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RESULTADOS OBTIDOS E ANÁLISE DOSRESULTADOS

Os resultados preliminares obtidos na simulaçãoconsideram os três cenários já descritos: pessimis-ta, otimista e provável. O custo do biodiesel na baseé igual ao seu custo na fábrica mais o ICMS e o seucusto final inclui despesas com impostos. Para ocálculo total de imposto pago por litro de biodieselconsidera-se que 40% da matéria-prima é provenien-te da agricultura familiar e 60% da agricultura intensi-va. Outro parâmetro considerado é o grau de ociosi-dade das fábricas de óleo e biodiesel.

A Tabela 6 apresenta os resultados das simula-ções para a cadeia totalmente verticalizada (plan-tio de oleaginosa + extração do óleo + produção debiodiesel), considerando os 3 cenários possíveispara as etapas de plantio e extração e o cenárioprovável para biodiesel (fabrica de 82 milhões de li-tros). São mostrados os custos por tonelada decachos de frutos frescos (CFF) e por litro de óleode dendê, do biodiesel na fábrica e na base no bre-

ak even – ponto onde o somatório dos VPLs dasreceitas e despesas acumuladas em cada ano énulo ao final do horizonte de planejamento. A esco-lha do break even como opção para a análise de-veu-se ao fato deste ser o ponto em que as recei-tas igualam-se aos custos (incluídos os custos deinvestimento e de remuneração do capital), portan-to, a partir do qual o projeto passa a ser economi-camente viável.

A Tabela 7 apresenta os resultados das simula-ções para a cadeia verticalizada apenas para a extra-ção do óleo e produção de biodiesel, considerandoum preço de compra dos cachos de frutos frescos(CFF) igual a R$150,00 por tonelada.

No caso da cadeia desverticalizada (apenas pro-dução de biodiesel), considera-se um preço de com-pra do óleo vegetal de R$1,50 por litro. Nesse caso, ocusto do biodiesel na base chega a R$2,09 por litro.

A Figura 6 sintetiza o preço do biodiesel na base,com custos logísticos e todos os impostos, inclusiveICMS. Verifica-se que em 8 dos 13 cenários analisa-dos consegue-se um preço final inferior a R$1,60.

Tabela 7Resultados das simulações para a cadeia parcialmente verticalizada

Tabela 6Resultados das simulações para a cadeia totalmente verticalizada

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AVALIA«√O ECON‘MICA DA CADEIA DE SUPRIMENTOS DO BIODIESEL: ESTUDO DE CASO DA DENDEICULTURA NA BAHIA

Figura 6Resultados para o preço do biodiesel

CONCLUSÃO

O modelo de simulação utilizado revelou preçosmais atrativos que os praticados nos quatro leilõesde biodiesel no Brasil. Estes leilões tiveram comoobjetivo garantir aos produtores de biodiesel e aosagricultores, especialmente os que praticam agri-cultura familiar, um mercado para a venda da produ-ção. O preço FOB máximo de referência estabeleci-do pela ANP e pelo Ministério de Minas e Energia(MME) foi de R$1,90 por litro, sendo que a ofertavencedora foi de R$1,74 por litro. Esse preço podeser comparado ao preço do biodiesel de óleo dedendê na fábrica e nesse caso, 12 dos 13 cenáriosanalisados levam a uma produção de biodiesel apreços inferiores ao valor mínimo do leilão, mostran-do a competitividade da cadeia produtiva do dendêna Bahia. Os investidores e demais interessadospodem usar os indicadores de desempenho geradospelo modelo de simulação em seu processo deapoio à decisão de investir na cadeia produtiva do bi-odiesel.

Apesar dos estudos realizados revelarem um bomdesempenho da cadeia produtiva do biodiesel de óleode dendê no sul da Bahia, algumas consideraçõesdevem ser tecidas, como a acidez do óleo de dendê.De acordo com dados primários, o grau de acidez do

óleo obtido pelas empresas do BaixoSul varia entre 2,5% e 5,5%. Para quese consiga produzir um biodiesel queatenda às especificações da ANP,deve-se utilizar como insumo um óleovegetal com, no máximo, 1% de aci-dez. Verifica-se, assim, uma incongru-ência entre os graus de acidez exigi-dos e os praticados. Esse problemapode ser atenuado através de uma ca-pacitação logística local, diminuindo otempo entre a colheita e o processa-mento. Assim, os cachos chegariammais rápido ao seu destino e, portanto,mais frescos e com menor acidez.

Pela questão da perecibilidade dodendê (que acarreta num aumento daacidez do óleo), a extração do óleo temque ocorrer em no máximo 48 horasapós a colheita. Dessa forma, a usina

de extração de óleo vegetal deverá ser localizada pró-ximo à região produtora, ou seja, no Baixo Sul.

Outra questão a ser destacada é que o estudoda cadeia agrícola considerou as hipóteses deuso da espécie Tenera e condições adequadas detrato cultural. Todavia, essas hipóteses não são arealidade atual dos pequenos agricultores do Bai-xo Sul, que trabalham em sua maioria com a es-pécie Dura, com pouco apoio técnico. Assim, tor-na-se mister o apoio de órgãos públicos para acapacitação do pequeno agricultor no cultivo daespécie Tenera. Devido ao elevado tempo de ma-turação do dendezeiro (pelo menos 4 anos desdeo plantio), também se preconiza o financiamentode longo prazo ao pequeno produtor. As questõesda perecibilidade do cacho, tratos culturais e fi-nanciamento agrícola poderiam ser melhor trata-das a partir da cooperação e associação dos pe-quenos agricultores, estruturas estas ainda incipi-entes no Baixo Sul.

Por fim, deve-se destacar ainda que a desonera-ção de impostos em todos os elos da cadeia produ-tiva é um fator fundamental para que o preço do bio-diesel possa ser competitivo com o do diesel de pe-tróleo, além de permitir as margens adequadas paraos produtores e industriais. Considerando-se a de-soneração total de impostos, obteve-se um custo de

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ADRIANA LEIRAS, SILVIO HAMACHER, LUIZ FELIPE SCAVARDA

biodiesel num cenário provável de R$1,29 por litro,na base de distribuição. Segundo Bockey e vonSchenck (2006), o preço de produção do biodieselna Alemanha (maior produtor mundial) variou entreR$1,82 e R$1,96 (preços na usina), entre 2004 e2005. Assim, o biodiesel produzido a partir do óleode dendê da Bahia não somente seria comparávelao do diesel de petróleo, mas também seria compe-titivo em nível internacional.

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Viabilidade técnica e econômica paraimplantação de uma micro usina de

extração de óleo de mamona

Telma Côrtes Quadros de Andrade,* Ednildo AndradeTorres**

Hugo Barbosa Lemos,*** Gustavo Bitencourt Machado****

* Física, Doutora em Geofísica pela USP, Pesquisadora do Laboratório deEnergia e Gás da Escola Politécnica da LEN/UFBA; Bolsista de DTR-1 /FAPESB. [email protected]

** Eng. Mecânico, Doutor em Eng. Mecânica pela UNICAMP, Coordenadordo Laboratório de Energia e Gás da Escola Politécnica da LEN/[email protected]

*** Bolsista de Iniciação Científica do Laboratório de Energia e Gás daEscola Politécnica da LEN/UFBA. [email protected]

**** Economista. Doutorando em Agricultura Comparada e Desenvolvi-mento Agrícola pelo Instituto Nacional Agronômico Paris-Grignon (INA-PG). Bolsista da CAPES/Governo do Brasil; [email protected]

Abstract

Castor oil extraction is a fundamentally important link in thebiodiesel productive chain that, along with the castor residues,can be used to combat poverty in the Brazilian semiaridregions. This work discusses the dimension and feasibility ofbuilding a productive extraction unit of castor oil. To calculatethe planted area we considered a pressed unit of 100kg/hour, inan 8h/day, 260 days/year. The thermal energy used to preheatthe castor seeds was estimated in 6.77 kW, equivalent to 14 kgof biomass per day, or, if an Indian type biodigestor were used,to a herd of 72 - 157 goat or sheep. The total cost of the castoroil and co-product production unit was estimated around R$112,400.00 (a hundred and twelve thousand and four hundredreais). Due to its low implantation cost, the equipment must goto communities of small-farmers organized in social groupssuch as associations to supply raw material to biodieselprocessing refineries. These low cost industrial structures canmultiply throughout the State.

Key words: castor oil; micro powerplant; castor oil extraction;energy; familiar agriculture.

Resumo

A extração de óleo de mamona é um elo de fundamental im-portância para a cadeia produtiva do biodiesel, assim como os co-produtos torta, casca, caule e aparas, e que pode ser utilizada nocombate à pobreza nas regiões semi-áridas do Brasil. Neste tra-balho são discutidos o dimensionamento e a viabilidade de cons-trução de uma unidade produtiva de extração de óleo de mamona.Para o cálculo da área plantada foi considerada uma unidade deprensagem de 100 kg/hora, jornada de 8h/dia, 260 dias/ano. Parao aquecimento das sementes a energia térmica estimada foi de6,77 kW, o que equivale a cerca de 14 kg por dia de biomassa, ou,se for utilizado um biodigestor tipo indiano, a um plantel de 72 a157 caprinos ou ovinos, a depender do tipo de criação. O custototal da unidade de produção de óleo de mamona e co-produtosfoi estimado em R$ 112.400,00 (cento e doze mil e quatrocentosreais). O equipamento é destinado a comunidades de agricultoresfamiliares, em virtude de seu baixo custo de implantação, organi-zadas em coletivos sociais, como associações e cooperativas,fornecedoras de óleo bruto para as refinarias que processambiodiesel. Essas estruturas industriais de baixo custo podem semultiplicar pelas varias regiões do estado.

Palavras-chave: mamona; micro usina; extração de óleo vege-tal; energia; agricultura familiar.

INTRODUÇÃO

O estado da Bahia é o maior produtor de mamonado país, com cerca de 85% do total produzido, se-gundo dados da Secretária da Agricultura, e com aprodução estimada no ano de 2005 em 166.406 tone-ladas (IBGE, 2006). Porém, não há uma cultura deextração do óleo de mamona em cooperativas ou as-

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VIABILIDADE T…CNICA E ECON‘MICA PARA IMPLANTA«√O DE UMA MICRO USINA DE EXTRA«√O DE ”LEO DE MAMONA

sociações. O agricultor comercializa as sementespara intermediários ou vende para as grandes empre-sas. Este trabalho foi realizado no intuito de contri-buir para a melhoria das condições de vida do homemdo campo, com agregação de valor à matéria-prima,isto é, óleo de mamona, a ser forne-cido para produção de biodiesel,assim como para identificar as van-tagens e os gargalos da implanta-ção de uma micro usina de extra-ção de óleo de mamona.

É no Nordeste que se concentraa maior parte de agricultores famili-ares do Brasil, e a Bahia é o estadocom o maior numero de pessoasinseridas na agricultura familiar, so-bretudo nas regiões semi-áridas. Aprodução de mamona e de seu óleopelos agricultores familiares para acadeia produtiva do biodiesel con-siste numa política que tende a de-senvolver as regiões habitadas poressa categoria social, superando, em curto e médioprazos, a condição de pobreza de boa parte da popu-lação rural da Bahia. Esse “grande salto” social sóserá possível mantendo-se a estrutura fundiária distri-buída entre os agricultores familiares, impedindo aconcentração fundiária decorrente da valorização dasterras e realizando a reforma agrária nos espaçosonde existem latifúndios. Também deve manter-se adiversidade produtiva da agricultura familiar, impedin-do a especialização na produção de mamona, quesubordinaria as famílias a uma estrutura de preços ede mercado. A diversificação das unidades familiaresvaloriza a produção para o autoconsumo (quintais),mantendo-se a perspectiva autoconsumo e mercado,e a garantia da presença do Estado, inclusive atravésda Petrobras, na regulação da política de consolida-ção da cadeia produtiva do biodiesel. Na região dosemi-árido, há uma agricultura familiar, produtora decaprinos e ovinos, com boa parte da lavoura de milho,feijão e mandioca destinada ao autoconsumo, e áre-as de produção de mamona.

Há que se destacar que a Bahia é o estado querecebe mais bolsas-família, do Programa Fome Zero,do Governo Federal e possui ainda boa parte de suapopulação habitando o semi-árido e vivendo de ativi-

dades agrícolas. É oportuno se pensar em pequenasestruturas industriais que, mantidas por comunida-des de agricultores familiares e dos movimentos so-ciais organizados, possam processar a mamona emóleo bruto e fornecê-los às refinarias que o transfor-

marão em biodiesel, a ser mistura-do ao óleo diesel.

A construção de micros usinasde extração de óleo de mamonaserá uma ação estruturante decombate à pobreza, que poderá tra-zer maior retorno do cultivo da ma-mona aos agricultores, uma vezque o óleo bruto e a torta de mamo-na, co-produto associado, têm valorde mercado maior se comparado àvenda de mamona em bagas. Alémdisso, é importante que a torta demamona retorne para os agriculto-res familiares, pois é um adubo deexcelente qualidade.

A região do semi-árido baiano,em especial a região do médio São Francisco, é ca-racterizada por baixa pluviosidade anual, cerca de550 a 600 mm chuva/ano, e uma altitude média de500m acima do nível do mar. Essas condições favo-recem o cultivo da mamona na região a nível econô-mico. O semi-árido baiano está inserido no zonea-mento proposto pela EMBRAPA (BELTRÃO et al,2004) para o cultivo da oleaginosa. Segundo o autor,os limites de pluviosidade (500 a 800 mm/ano) e detemperatura (20 a 30°C) são os recomendados paraa melhor produtividade da mamona não irrigada. Amamoneira plantada no semi-árido brasileiro é o cul-tivar Nordestina, com 60.000 plantas por ha. A mé-dia, porém, é de 3.000 plantas por ha. Segundo aEMBRAPA (EBDA, 2006), a produtividade da ma-mona irrigada pode chegar a 6 t/ha, com muita tec-nologia associada, alcançando hoje cerca de 2.500kg/ha com irrigação.

Os cultivares Paraguaçu e Nordestina contêmcerca de 50 % de óleo, se plantados a altitudes aci-ma de 400 m, com densidade de 25 a 30 mil plantaspor hectare (2 a 3 plantas por metro). Para que seobtenha essa produtividade deve ser usado herbici-da, pois a erva daninha prejudica a mamona (DOU-RADO, 2006).

O estado da Bahia é omaior produtor de

mamona do país, comcerca de 85% do totalproduzido, segundo

dados da Secretária daAgricultura, e com a

produção estimada noano de 2005 em 166.406toneladas (IBGE, 2006).

Porém, não há umacultura de extração do

óleo de mamona emcooperativas ou

associações

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A instalação de uma micro usina deverá aproveitaro potencial da região assim como o seu histórico nocultivo dessa oleaginosa. A mamoneira já é plantadana região e não será preciso fazer desmatamento ouadaptações para a sua cultura.

A mamona pode ser plantadaconsorciada com gergelim, feijão ecafé (EBDA, 2006). A região tam-bém apresenta uma grande áreaplantada de culturas que podem serconsorciadas com a mamona,como o feijão e o amendoim.

Nos tempos atuais, os recursosenergéticos desempenham um pa-pel fundamental na sustentabilidadee é um desafio para o desenvolvi-mento cientifico e tecnológico comvistas à produção de energias reno-váveis. O desafio concerne não so-mente às tecnologias no nível daconversão e de energia útil, mas,também, à gerência de modelos e às infra-estruturasenergéticas. A responsabilidade política de desenvol-ver infra-estrutura em energia que permita o desenvol-vimento sustentável deve ser uma preocupação detoda a sociedade.

A partir da produção de biodiesel, o mercadopotencial energético, não só brasileiro, mas mundi-al, poderá dar sustentação a programas de gera-ção de emprego e renda. Estima-se que para cada1% de substituição de óleo diesel por biodieselproduzido com a participação da agricultura famili-ar podem ser gerados cerca de 45 mil empregos nocampo, com uma renda média anual de aproxima-damente R$ 4.900,00 por ocupação. Numa hipóte-

A construção de microsusinas de extração deóleo de mamona será

uma ação estruturante decombate à pobreza, que

poderá trazer maiorretorno do cultivo da

mamona aos agricultores,uma vez que o óleo brutoe a torta de mamona, co-produto associado, têmvalor de mercado maior

se comparado à venda demamona em bagas

se otimista de 6% de participação da agricultura fa-miliar no mercado de biodiesel, seriam geradosmais de um milhão de empregos. Tudo isso vai de-pender da tributação do biodiesel, dos incentivosfiscais e de crédito rural para pequenos e grandes

produtores (LOPES et al, 2005).Conforme Tabela 1, observa-se

o potencial de geração de empre-gos no campo em função do cultivode algumas oleaginosas no Brasil.

O Governo Federal anunciou ouso comercial de biodiesel que dis-ciplina a produção e comercializa-ção de óleo de combustível de ori-gem vegetal para mistura facultati-va ao diesel de petróleo – numaproporção de 2% (B2), desde 2005.Ao optar pela implementação doprograma de biodiesel, tendo a ma-mona como a base do programa,ampliam-se as experiências com

esta oleaginosa que possui um mercado crescentedentro e fora do Brasil, já que a mesma pode ser uti-lizada em inúmeras aplicações.

Em estudo prospectivo da produção nacional debiodiesel de mamona e determinação do nível de in-vestimento público necessário para atingir as metasde produção propostas, para o ano de 2006, de acor-do com os dados da ANP, estão previstos consumir40 bilhões de litros de óleo diesel. Portanto, paraatender a adoção de 2% de biodiesel ao óleo diesel,a partir de 2008, serão necessárias cerca de 1,8 mi-lhões de toneladas de sementes para produzir 1 mi-lhão de litros de biodiesel.

Acrescenta-se ainda mais 440.000t de torta e 80mil litros de glicerol. Desse volume, se forem admiti-dos que 40% serão obtidos a partir de óleo de mamo-

na, e considerandouma produtividadeagrícola da mamo-na de 1,5 t/ha, comrendimento indus-trial em óleo de45%, será neces-sário o plantio de533 mil ha e inves-timentos na ordemFonte: Lopes et al, 2005

TABELA 1Potencial de geração de empregos em relação ao cultivo de oleaginosasno Brasil

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VIABILIDADE T…CNICA E ECON‘MICA PARA IMPLANTA«√O DE UMA MICRO USINA DE EXTRA«√O DE ”LEO DE MAMONA

de R$ 540 milhões. Além desse potencial, existe ain-da o mercado para os principais descartes (cascadas bagas e torta celulósica processada), que sãoutilizados nas etapas de adubação e compostagem.

Nesse contexto, este trabalho visa discutir a viabi-lidade técnica e econômica da instalação de umamicro usina de produção de óleo de mamona, dimen-sionando-a e estimando os custos de implantação,levando em conta o aproveitamento de recursos natu-rais disponíveis no local.

METODOLOGIA

Extração do óleo

Para o dimensionamento da micro usina foramconsiderados os dados médios para o estado, bemcomo as capacidades dos equipamentos existentesno mercado nacional. O regime de trabalho para aequipe de trabalho foi uma jornada de 8 horas sema-nais, cinco dias por semana, totalizando 260 diaspor ano.Na Tabela 2 são apresentados os municípi-os da região do médio São Francisco que produzemmamona, a área plantada de mamona e sua produti-vidade média. O cálculo da produtividade média le-vou em conta a área plantada de cada município.

A extração do óleo pode ser a partir da sementecompleta (sem descascar) ou da baga (sementedescascada por meio de máquinas apropriadas).

TABELA 2Municípios produtores de mamona da região do médio SãoFrancisco

Fonte: IBGE/2003

Existem vários processos de extração de óleos ve-getais, dentre eles o de prensagem mecânica des-contínua, o mais antigo, e o de prensagem contí-nua, ambos a frio ou a quente, além de extraçãopor solvente ou associado prensagem contínua/solvente. Neste trabalho é analisado o processoprensagem mecânica descontínua com pré-aque-cimento das sementes.

A Figura 1 mostra o fluxograma simplificado dasfases de processamento da mamona, e irá facilitar oentendimento do dimensionamento e dos parâmetrosaplicados.

Para o balanço de massa do processo foi consi-derado o fluxograma apresentado na Figura 2.

Partindo das sementes com cascas, 75,2% dototal são aproveitados no processo. Daí, 33,85% dototal ou 45% com relação à massa de sementes se-rão transformados em óleo de mamona.

A energia para o processo será de dois tipos: elé-trica e térmica. A energia elétrica poderá ser forneci-da pela concessionária ou produzida em um grupogerador tendo como combustível o biodiesel. Nesteestudo de caso foi considerada a energia elétrica for-necida pela concessionária.

A energia térmica para o cozimento das semen-tes poderá ser de duas fontes: combustão dos resí-duos vegetais oriundos do processamento ou biogás,

tendo como matéria-prima esterco deanimais (caprinos ou bovinos), a de-pender do caso. Na estimativa deenergia térmica foram considerados ocalor específico da água, uma varia-ção de temperatura de 55°C e a efici-ência térmica da caldeira de 60%.

Para a biomassa foi considerada acombustão da torta, cujo poder calorí-fico superior medido em laboratório foide 18.089 kJ/kg, analisado na Univer-sidade Federal de Itajubá/NEST. Masse for considerado o caule, o podercalorífico superior é de 16.000 kJ/kg,com um teor de umidade de 15%(AMORIM et al, 2005).

Para calcular a energia térmica le-vou-se em consideração a conservação da massa eo primeiro princípio da termodinâmica. O processofoi considerado em regime permanente, com ener-

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Com isso é possível calcular a quantidade de ca-lor necessária e, conseqüentemente, a vazão decombustível necessária por unidade de tempo.

Também se adotou, de acordo com o fornece-dor, uma prensa com capacidade de 100 kg/h e odescascador com 500 kg/h, os menores existen-tes no mercado.

CUSTOS DA MICRO USINA E PROCESSO

Os custos de implantação da micro usina estãodivididos em duas partes: construção civil de um gal-pão para comportar o processo de extração e aquisi-ção das máquinas.

O maquinário da micro usina compreenderáuma descascadora, um cozinhador, uma prensa,um triturador, filtros, um decantador e um reserva-tório para armazenagem do óleo, de acordo com ofluxograma apresentado na Figura 1. Como a microusina irá trabalhar com uma baixa vazão de mamo-na, não se justifica a utilização de transportadoresmecânicos como o transportador helicoidal e o ele-vador de canecas. Esse trabalho será suprido pe-los operadores.

O cozinhador funcionará em batelada com aproxi-madamente 300 kg por vez. A capacidade nominal éde 500 kg por vez. Depois de aquecida, a semente éprensada e é extraído o óleo. Após a primeira pren-sagem, a torta poderá ser reaquecida para a extraçãode uma maior percentagem de óleo. Para extrair to-talmente o óleo residual será necessário lavar a tortacom um solvente antes da nova prensagem, o queencarecerá o processo. Neste estudo não foi consi-derada a extração por solvente.

Após a prensagem o óleo pode ser transferidopara o decantador, seguindo posteriormente para afiltragem e armazenagem.

Observa-se no layout (Figura 3) que o estoquerespeita a ordem do descarregamento das sacas demamona no estoque. Assim como há a facilidadepara retirada do produto.

Considerando a função da edificação, estima-seque os custos da obra civil seriam de aproximada-mente R$ 400,00 (quatrocentos reais) por metro qua-drado, o que daria um total de R$ 30.000,00 (trinta milreais) para a área proposta de 75m².

Figura 2Balanço de massa simplificado do processo deextração

gia cinética, potencial e trabalho mecânico despre-zíveis. Dessa forma,

Conservação da Massa

Primeiro Princípio da Termodinâmica

Simplificando de acordo com as premissas, temos.

m1=m2 e

Figura 1Fluxograma simplificado do processamento damamona

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VIABILIDADE T…CNICA E ECON‘MICA PARA IMPLANTA«√O DE UMA MICRO USINA DE EXTRA«√O DE ”LEO DE MAMONA

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Considerando que os gargalos da unidade são oprocessamento e a prensagem, foi este o ponto departida para o dimensionamento. Para uma quantida-de diária de 1.070 kg de sementes de mamona inse-ridas no descascador, e considerando que o menordescascador de mamona fabricado tem capacidadede operar a 500 kg de fruto por hora, se o descasca-dor operar durante 3 horas diárias fornecerá matéria-prima suficiente para atender a produção.

Portanto, considerando o balanço de massa apre-sentado na Figura 1, serão produzidos cerca 800 kgde sementes, que serão processados na prensacom capacidade de 800 kg/dia.

Considerando as premissas adotadas e uma pro-dutividade média de 664 kg/ha, serão necessárioscerca de 420 ha de área planta. Sendo assim, umaunidade desse porte pode ser operada por uma coo-perativa ou associação ou por um produtor de médioa grande porte.

A Tabela 3 apresenta uma estimativa de custospara o maquinário da micro usina de extração de óleode mamona, com um total de R$ 82.400,00 (oitenta edois mil e quatrocentos reais). Grande parte do equi-pamento de extração do óleo, entretanto, pode serconstruída na Bahia com a mesma qualidade ofereci-da por empresas do território nacional, reduzindo ocusto final.

A micro usina deve ser montada de forma a com-portar os equipamentos, o estoque e os operadores.Os equipamentos devem estar dispostos tanto parafacilitar a operação quanto para evitar interferênciasna manutenção de cada equipamento em específico.A área total proposta é de 75m². Além da área desig-nada às maquinas, é necessária uma área para esto-cagem da matéria-prima que será processada, comoindicado no layout da Figura 3. O layout também su-gere uma facilidade para a estocagem da matéria-pri-ma e dos produtos da extração, um sanitário e umescritório.

Sistema de aquecimento

Para o cálculo da potência térmica, Q& , necessá-ria ao aquecimento das sementes de mamona, con-siderou-se: m& a quantidade horária de combustível;∆T a variação de temperatura, estimada em 55 °C; eo calor específico da água c = 4,184 kJ/kgK.

A partir desses valores, a potência térmica esti-mada foi igual a 14.644 kJ/h; com a eficiência da cal-deira de 60% a energia necessária é de 24.406 kJ porhora ou 6,77 kW. Portanto, considerando o poder ca-lorífico inferior da biomassa de 11.000 kJ/kg, são ne-cessários cerca de 18 kg/dia para combustão.

Foi estudada a possibilidade do uso de biogásproduzido em biodigestores, do tipo indiano, porexemplo, uma alternativa em comunidades rurais or-ganizadas. Nesse contexto, a instalação de um bio-

digestor poderia seruma fonte de biogáspara a comunidade.

Para satisfazer asegunda alternativaseria necessárioconstruir um biodiges-tor em área contígua àunidade de extraçãodo óleo bruto. A insta-lação de um biodiges-tor, além de represen-tar uma fonte de ener-gia através da queimade biogás, é parte dosistema baseado em

TABELA 3Orçamento do maquinário da micro usina de extração de óleo de mamona

Fonte: ECIRTEC, 2006.

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TELMA CÔRTES QUADROS DE ANDRADE et al.

um modelo agro-ecológico em assentamentos huma-nos caracterizados como de agricultura familiar,onde, em geral, a lavoura é individual, porém a cria-ção de animais é coletiva, o que torna viável a implan-tação de biodigestores. Porém, é necessário fazerum estudo detalhado da viabilidade desse sistema edas dificuldades operacionais inerentes.

Com relação ao metano, ARROYO (1984) faz re-ferência aos seguintes parâmetros termodinâmicospara as condições normais de pressão e temperatu-ra: densidade, ρ = 0,72 kg/m3, PCI = 50.000 kJ/kg ePCS = 55.545 kJ/kg. Como referência, o poder calorí-fico superior, PCS, do GLP é 49.000 kJ/kg.

Para suprir a potência térmica necessária, serácalculado o número de cabras adultas necessáriaspara a produção diária de esterco. Para produzir 1m3

de biogás, foi considerado que uma cabra produz de1,64 kg/dia (LOPES, 2006) a 0,350 kg/dia de ester-co. Partindo de 1,64 kg/dia, para produzir 1 m3 de bi-ogás seriam necessários 12,5 kg de esterco frescode cabra (1 m3 de biogás/kg de esterco = 0,08 m3/kg). Em um dia precisa-se de pelo menos 8 cabras,que geram 13,12 kg de esterco fresco para gerar 1 m3

de Biogás. Como 1 m3 de Biogás representa cerca de25.080 kJ, então, para produzir 117.152 kJ/dia serãonecessários 4,67114 m3/dia de biogás, o que repre-senta 72 cabras presas por 12 horas. Considerandoque uma cabra elimine 0,350 kg/dia, seria necessárioum mínimo de 154 animais.

O uso de biogás como um combustível tem sidoanalisado de perspectivas técnicas, econômicas eambientais. As opções podem conduzir a uma subs-tituição de parte do combustível fóssil atualmente uti-lizado e a uma redução em emissões de gases deefeito estufa. A presença de gases não combustíveiscomo, por exemplo, CO

2, H

2S e vapor d´água redu-

zem o poder calorífico do biogás, tornando economi-camente inviável a sua compressão (KAPDI et al.,2005). No entanto, é imprescindível envidar esforçospara melhorar a qualidade do biogás e viabilizar a suaestocagem.

Viabilidade econômica

Os custos da obra civil foram estimados em apro-ximadamente R$ 30.000,00 (trinta mil reais), para aárea proposta de 75m². Somando a esse último valora estimativa de custos para o maquinário da microusina de extração de óleo de mamona, que apresen-tou um total de R$ 82.400,00 (oitenta e dois mil equatrocentos reais), tem-se um total de R$ 112.400,00(cento e doze mil e quatrocentos reais).

Como resultado, foi estimada a produção da uni-dade em 360 kg/dia de óleo, ou seja, 93.600 kg/ano.Também deve ser considerada a torta, pois serão pro-duzidos 114.400 kg/ano.

Valorando o óleo na faixa de R$0,80/kg, tem-se o valor anual igual a R$ 74.880,00, que somadoa torta, valorada em R$ 0,2/kg, totaliza R$97.780,00 por ano. Como o investimento da unida-de é de R$ 112.400, a unidade se paga em menosde dois anos.

CONCLUSÕES

A extração de óleo de mamona é um importanteelo para a cadeia produtiva mamona/biodiesel e, quan-do o foco são agricultores familiares, pode ser uma fer-ramenta de combate à pobreza. O cultivo de mamonapoderá melhorar a renda de agricultores e agricultorasda região, uma vez que o óleo bruto e a torta de mamo-na, co-produto associado, têm um valor de mercadomaior se comparado à venda de mamona em bagas.Além disso, é importante que a torta de mamona retor-ne para os agricultores familiares, pois esta é compro-vadamente um adubo de excelente qualidade.

Neste trabalho foi discutida a viabilidade técnica eeconômica da instalação de uma micro usina de pro-dução de óleo de mamona, com pré-aquecimentodas sementes, dimensionando-a e estimando oscustos de implantação.

Figura 3Layout da Micro usina

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VIABILIDADE T…CNICA E ECON‘MICA PARA IMPLANTA«√O DE UMA MICRO USINA DE EXTRA«√O DE ”LEO DE MAMONA

Foi considerada uma vazão mínima de 100 kg/hora de semente inseridos na prensagem para aextração de óleo tornar-se economicamente viável.Levando em consideração o tempo de operação de8 horas por dia, serão processadas diariamente800 kg de sementes de mamona, produzindo 360litros de óleo.

Para atender a essa demanda de sementes foiestimado que, tendo em média uma colheita de 664kg/ha, será necessária uma área plantada de aproxi-madamente 420 ha de mamona para que a micro usi-na opere nos dias úteis, 8 horas por dia.

A potência térmica necessária para pré-aqueceros grãos no processo de extração do óleo, conside-rando uma faixa de 60°C a 80°C, foi estimada em117.152 kJ, em 8 hora por dia. Como fontes de calorpossíveis para esse processo são consideradas aqueima dos resíduos da mamoneira ou lenha e aqueima de biogás produzido em biodigestor que utili-ze esterco de cabras.

A queima diária de cerca de 18 kg de caules, ta-los, casca ou farelo da mamoneira, com um podercalorífico inferior a 11.000 kJ/kg, seria suficientepara a produção de calor necessária ao processo.Por outro lado, o número de cabras adultas presasno período noturno, necessárias para a produçãodiária de esterco para alimentar um biodigestor,produzindo biogás, está na faixa de 72 a 154 ani-mais.

Por fim, a estimativa de custos dos equipa-mentos e do espaço físico comunitário totalizouR$ 112.400,00 (cento e doze mil e quatrocentosreais), considerando uma área de 75m², sendo es-timado o tempo de retorno do investimento emmenos de dois anos.

Para implantação, permanência e sustentabili-dade da micro usina, a médio e longo prazos, é ne-cessária a participação das comunidades locais,assim como do público que será beneficiado direta-mente ou indiretamente pelas ações da intervenção.Sem a utilização de metodologias participativas,qualquer projeto de desenvolvimento agrícola, ruralou territorial estará destinado ao fracasso. Hoje éfundamental a participação das pessoas no proces-so de conhecimento de sua realidade local e regio-nal e na implantação dos equipamentos e realiza-ção das intervenções.

A inserção da agricultura familiar no ProgramaNacional de Biocombustíveis, como estratégia desuperação das condições de pobreza de boa parteda população rural da Bahia, deve ser garantida nãosomente com a produção exclusiva da mamona,mas com a implantação de micro usinas que produ-zam óleo bruto, gerando mais renda para as comu-nidades e regiões. Essa integração agricultor famili-ar e unidade de beneficiamento do óleo de mamona,estruturada com a participação das organizaçõeslocais e movimentos sociais, contribuirá para a ex-pansão dos investimentos públicos e privados no in-terior do estado da Bahia, e terá um efeito multipli-cador no aumento do consumo e da renda familiar. Énecessário, porém, que a estrutura agrária seja dis-tribuída, que as ações estruturantes de regulariza-ção fundiária e reforma agrária sejam ampliadas,substituindo os latifúndios por unidades familiaresmenores, os fazendeiros absenteístas por agriculto-res familiares e garantindo a diversificação produtivana organização do trabalho familiar em atividadesagrícolas e não-agrícolas, tanto para o mercadoquanto para o autoconsumo. Essas tecnologias debaixo custo podem chegar às várias regiões daBahia, principalmente com o fomento e intervençãodo Governo e órgãos do Estado.

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Vantagens e desafios da cultura

mamoneira na Bahia

André Silva Pomponet,* Celia Regina Sganzerla Santana**

*Graduado em Economia pela UEFS e gestor governamental, atuando naDiretoria de Estudos da SEI. andré@sei.gov.ba.br

**Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UFPR e gestora governamen-tal, atuando na Diretoria de Estudos da SEI. [email protected]

Abstract

This text aims to identify castor bean (Ricinus commnuisL.) culture as an alternative income for inhabitants of theBahian semiarid region, thus contributing to reduce the highpoverty levels in the region. While the replacement of fossilenergy sources is already certain in the global scenario, on anational level law 11.097 determines the gradual addition ofvegetal oil in the Brazilian energy matrix, favoring theproduction of biomass. With respect to castor bean, the stateof Bahia is already responsible for 90% of the nationalproduction and, according to a recent mapping by (Embrapa),the backlands present the ideal edaphoclimatic conditions forgrowing it. We aimed to discuss these potential advantagesand, simultaneously, present some possible challenges -economic, logistic and social - to be faced in order to reach thedesired sustainability and success.

Key words: semiarid region, castor bean, social inclusion,biodiesel.

Resumo

O presente texto tem por objetivo identificar a cultura ma-moneira (Ricinus commnuis L.) como uma alternativa de gera-ção de renda para os moradores da região do semi-árido baia-no, contribuindo para a redução de seus elevados índices depobreza. Enquanto no cenário global a substituição das fontesenergéticas de origem fóssil já é uma certeza, em nível nacio-nal a lei n° 11.097 determina percentuais graduais de adição deóleo vegetal na matriz energética brasileira, o que favorece aprodução de biomassa. No que se refere à mamona, o estadoda Bahia já é responsável por 90% da produção do país e, deacordo com mapeamento recente da Embrapa, o sertão apre-senta as condições edafoclimáticas ideais para o plantio daoleaginosa. Procurou-se discutir essas vantagens potenciaise expor os possíveis desafios econômicos, logísticos e de in-clusão social que serão enfrentados para se alcançar a sus-tentabilidade e o êxito almejado.

Palavras-chave: semi-árido, mamona, inclusão social, bio-diesel.

– semente da mamoneira – está entre os produtosempregados na geração do biodiesel, combustívelnão poluente que será adicionado ao óleo diesel con-sumido no Brasil a partir de 2008, conforme o Progra-ma Nacional de Produção e Uso do Biodiesel.

Nesse cenário, a Bahia desponta como um dosestados mais favorecidos com a medida, já que éresponsável por 90% da mamona produzida no Bra-sil, sendo que 192 dos seus municípios – conformemapeamento realizado pela Embrapa – estão aptospara a produção da semente. A vantagem adicional éque o cultivo pode favorecer justamente os baianos

INTRODUÇÃO

O plantio da mamoneira no semi-árido nordestinotem se constituído ultimamente como uma alternati-va de geração de emprego e renda para os moradoresda região, acenando com a possibilidade de reduçãodos elevados índices de pobreza vigentes. A mamona

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VANTAGENS E DESAFIOS DA CULTURA MAMONEIRA NA BAHIA

mais pobres – aqueles que sobrevivem da agricultura,residem na zona rural de municípios do semi-árido epossuem baixo nível de escolaridade – através dageração de emprego e maior integração à sociedade.

Porém, a Bahia precisa superar alguns desafiospara aproveitar melhor suas vantagens competitivase, ao mesmo tempo, combinar estas vantagens deprodução com a inclusão social. O objetivo do pre-sente artigo é o de apontar e discutir, de maneira nãoexaustiva, alguns desafios cuja superação pode con-tribuir para a sustentação do crescimento econômicobaiano e, ao mesmo tempo, favorecer parcela consi-derável de uma população historicamente excluída.

EVOLUÇÃO DO CULTIVO DA MAMONA NA BAHIA

A mamona tornou-se objeto de maior atenção noBrasil depois que o governo federal sancionou, no iní-cio de 2005, a Lei nº 11.097, que determina a adiçãode óleo vegetal na matriz energética brasileira. Alémda mamona, a soja, o dendê, o pinhão manso e ou-tros produtos podem ser utilizados na produção dobiodiesel. As apostas iniciais de êxito, no entanto,estão na mamona, já que estudos técnicos prelimi-nares apontam a semente como mais apropriadapara a geração do biodiesel.

A importância da mamona para a economia baia-na, no entanto, é maior do que se pensa e precede emdécadas as discussões sobre o uso da semente paraa produção do biodiesel. É que no passado a produçãode mamona na Bahia já foi mais significativa: nos anos60 a área total cultivada era de 370 mil hectares (con-tra 134 mil em 2004 – Ver Gráfico 1) e a produção trêsvezes maior. Além do potencial uso como óleo com-bustível, a semente é utilizada também na composi-ção de mais de 400 produtos, como vernizes, cosmé-ticos, lubrificantes, plásticos e tintas.

Os principais demandantes das sementes damamoneira são os Estados Unidos, a Alemanha, aFrança e a China, que a empregam na indústria quí-mica, no ramo conhecido como ricinoquímica (deriva-do do nome científico Ricinus commnuis L.). No Bra-sil, porém, até décadas atrás, o principal uso da ma-mona era na produção do óleo de rícino, substânciapurgativa com larga utilização medicinal pelo interiordo país.

Conforme já assinalado, a Bahia contribui com90% da mamona produzida no Brasil e a região deIrecê particularmente se destaca, com 19 municípioscircunvizinhos sendo responsáveis por 80% da pro-dução baiana. Em 2004, por exemplo, o estado pro-duziu cerca de 150 mil toneladas da semente, cola-borando para que o Brasil seja considerado o terceiromaior produtor do mundo, atrás apenas da Índia e daChina. Além de Irecê e região, existem núcleos pro-dutores em cidades como Senhor do Bonfim, Jacobi-na, Seabra e Itaberaba (Ver Gráficos 2 e 3)

Gráfico 1Produção de Mamona – Em toneladas (t)

Fonte: IBGE/PAM- Produção Agrícola Municipal

Elaboração: SPA/ Coordenação de Conjuntura Agrícola – SEAGRI-Ba

Gráfico 2Área colhida de Mamona – em hectares (ha)

Fonte: IBGE/PAM- Produção Agrícola Municipal

Elaboração: SPA/ Coordenação de Conjuntura Agrícola – SEAGRI-Ba

Um mapeamento recente da Embrapa apontou ascondições exigidas para o plantio da mamoneira, oque favorece o semi-árido baiano: altitude variandoentre 300 e 1.500 metros, temperatura que oscileentre 20 e 30 graus centígrados e precipitação pluvio-métrica anual entre 500 e 1.500 milímetros, com re-gularidade. Além de apresentar perfil adequado àscondições climáticas do sertão nordestino, a mamo-

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ANDRÉ SILVA POMPONET, CELIA REGINA SGANZERLA SANTANA

Gráfico 3Rendimento Médio da Mamona – em Kg/ha

Fonte: IBGE/PAM- Produção Agrícola Municipal

Elaboração: SPA/ Coordenação de Conjuntura Agrícola – SEAGRI-Ba

na possui uma vantagem adicional no que se refere àutilização de mão-de-obra: ela é intensiva em relaçãoa este insumo, exigindo em média um trabalhadorrural para cada quatro hectares plantados. Uma ra-zão para o uso intensivo de trabalhadores é a inexis-tência de uma máquina apropriada para a colheitadas sementes, que impõe o uso da colheitadeira domilho, com adaptações.

VANTAGENS E DESAFIOS DO BIODIESEL

O cenário atual das fontes energéticas

Conforme informações oficiais, a realidade do cul-tivo da mamona está começando a mudar com a vi-gência da Lei nº 11.097, que prevê a adição de 2% debiodiesel ao óleo diesel consumido no país até 2008.A partir de 2013 serão 5%, podendo o prazo ser redu-zido a critério da Agência Nacional do Petróleo, GásNatural e Biocombustíveis (ANP), conforme determi-na a lei. A previsão oficial é que esses 2% iniciais re-presentem 800 mil metros cúbicos anuais de biodie-sel para o mercado interno.

A substituição de combustíveis fósseis pela bio-massa, no entanto, não é uma preocupação recen-te. Desde os dois choques do petróleo (1973 e1979) que a utilização de fontes energéticas alter-nativas vem sendo discutida, já que o petróleo éuma fonte finita e cartelizada (através da Organiza-ção dos Países Produtores do Petróleo) e sujeita aoscilações de preços, mesmo sendo o Brasil auto-

suficiente em sua produção, segundo autoridadesgovernamentais. Dotado de grande extensão terri-torial e de largas áreas agricultáveis, o Brasil optoupela utilização do combustível derivado da cana-de-açúcar a princípio, em meados dos anos 70. OPROÁLCOOL fracassou porque o rendimento dosveículos que empregavam o combustível não agra-dou os consumidores, e também porque não favo-receu os pequenos produtores, conforme se previainicialmente. A certeza de que o petróleo é umafonte finita de energia e que alternativas para o lon-go prazo devem ser buscadas (além do evidenteaprimoramento tecnológico que aumentou o de-sempenho dos automóveis movidos a álcool e rea-vivou o interesse dos consumidores) levou as auto-ridades a repensar a utilização de biomassa, o queresultou na recente legislação.

Além de constituir alternativa para atender às ne-cessidades energéticas internas, a biomassa repre-senta também fonte potencial de geração de divi-sas, já que os países centrais são os principais de-mandantes de combustíveis e não dispõem de ter-ras agricultáveis na dimensão necessária. É o casoda União Européia, que precisaria ocupar 61% desuas terras aráveis para substituir apenas 20% doscombustíveis fósseis que utiliza. E o principal con-sumidor mundial, os Estados Unidos, precisariadestinar toda sua produção de soja e milho parasubstituir apenas 12% dos combustíveis que conso-me. Caso esses países incluam a biomassa em suamatriz energética, o Brasil e a Bahia, em particular,surgem como potenciais fornecedores.

A utilização de óleos vegetais na composição docombustível não tem apelo apenas econômico. Gran-des emissores de gases poluentes que têm degrada-do a atmosfera do planeta, os combustíveis fósseissão criticados por ambientalistas e têm sofrido restri-ções em sua utilização. Uma evidência é o Protocolode Quioto, que prevê a redução da emissão de gasestóxicos no planeta nos próximos anos e elege oscombustíveis fósseis como um dos seus principaisgeradores.

Assim, a biomassa surge como alternativaenergética viável para países como o Brasil, em-bora provavelmente venha a sofrer a concorrênciade outras fontes alternativas e não poluentes deenergia.

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VANTAGENS E DESAFIOS DA CULTURA MAMONEIRA NA BAHIA

Conforme já assinalado, aBahia contribui com 90%da mamona produzida noBrasil e a região de Irecê

particularmente sedestaca, com 19 municípios

circunvizinhos sendoresponsáveis por 80% daprodução baiana. Em 2004,

por exemplo, o estadoproduziu cerca de 150 mil

toneladas da semente,colaborando para que o

Brasil seja considerado oterceiro maior produtor do

mundo, atrás apenas daÍndia e da China

O desafio da sustentabilidade econômica

É inegável a importância crescente do cultivo damamoneira para a economia baiana. Dados doIBGE indicam que em 2003 o valor da produção lo-cal alcançou R$ 63,815 milhões.No ano seguinte houve um saltopara R$ 119,814 milhões. Essedesempenho, inclusive, foi anteri-or à legislação que trata dos bio-combustíveis. Conforme já dito,80% da produção provém da mi-cro-região de Irecê, embora o cul-tivo seja apropriado para 192 mu-nicípios baianos. Esses dados re-velam que existe um enorme po-tencial para expansão do cultivo,principalmente no semi-árido.

O cultivo da mamoneira podetornar-se mais atraente. Porém,ainda depende de maior aprimora-mento genético. O problema é queo balanço energético – que signifi-ca a quantidade de energia geradadividida pela quantidade de energia (de origem fóssil)gasta para gerá-la, medida em Giga joules – fica emtorno de 2,0 Giga joules, quantidade consideradamuito baixa quando comparada ao retorno oferecidopela cana-de-açúcar (8,06 Giga joules), por exemplo.

Esse desempenho pode ser melhorado caso sejaelevada a quantidade de óleo vegetal da semente,hoje situada em 48%. Verificou-se que o aprimora-mento genético da mamona pode ser obtido atravésda seleção de melhores variedades e pelo uso de le-guminosas em consórcio (adubos verdes). Esforçoscom essa finalidade vêm sendo desenvolvidos, inclu-sive na Bahia. Para tanto, foi firmada uma parceriaentre a UFBA e a UESC, que além de buscar aumen-tar o teor de óleo, pretende tornar a planta mais resis-tente e produtiva. A parceria tem também a finalidadede avaliar o desempenho de biocombustíveis em mo-tores automotivos.

As preocupações com a produtividade da mamo-na se justificam também porque já há quem defendao uso do pinhão manso como alternativa à semente,mesmo com um teor de óleo inferior, variando entre28% e 40%. A razão está no fato da mamona não

suportar cultivo consorciado nos primeiros dois me-ses de vida e necessitar de renovação a cada doisanos, o que não acontece com o pinhão manso. Ocultivo deste, todavia, ainda está em fase preliminar ea Embrapa mantém estações experimentais em Se-

nhor do Bonfim, na Bahia, além deGlória (SE) e Petrolina (PE).

O contínuo aprimoramento ge-nético e o desenvolvimento de mé-todos para elevar a produtividadesão imperativos nas modernas ati-vidades agrícolas, mas é aindamais relevante no cultivo da ma-mona voltada para a produção debiodiesel, que compete com fon-tes energéticas alternativas e, deforma mais acirrada, com outrosprodutos vegetais aplicáveis aomesmo uso.

O desafio da logística

O melhoramento genético e ascondições adequadas para o plantio da mamoneira,porém, não são as únicas exigências para assegurara viabilidade econômica do cultivo. O atual estágio daeconomia mundial tende a igualar custos de produ-ção, deslocando o diferencial nos preços para a esfe-ra da circulação dos produtos. Esses efeitos tambémsão visíveis nas atividades agrícolas, principalmentenaquelas voltadas para o setor externo. Daí a impor-tância de existir uma infra-estrutura adequada para oescoamento da produção, notadamente num paíscom as dimensões continentais do Brasil.

O raciocínio sobre o Brasil é aplicável à Bahia,pois o estado possui grande dimensão territorial enecessita, também, de uma infra-estrutura capaz deescoar competitivamente seus produtos. Um detalheadicional sobre a importância dessa infra-estrutura éque grande parte dos municípios apropriados para ocultivo da mamona situa-se na porção interior do es-tado, afastados da região litorânea e, freqüentemen-te, a grande distância das maiores cidades. Apesardos problemas de subutilização de ferrovias e da hi-drovia do São Francisco e da má conservação dasrodovias federais, a Bahia possui uma estrutura viária

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ANDRÉ SILVA POMPONET, CELIA REGINA SGANZERLA SANTANA

Além de constituiralternativa para atender

às necessidadesenergéticas internas, abiomassa representa

também fonte potencialde geração de divisas, jáque os países centrais

são os principaisdemandantes de

combustíveis e nãodispõem de terras

agricultáveis na dimensãonecessária

diversificada e que pode representar um diferencialcompetitivo, desde que plenamente aproveitada.

A exemplo de grande parte do Brasil, as rodoviasbaianas possuem relevância especial no que se re-fere à circulação de produtos e de pessoas. As BR242, 101, 116 e 324, particular-mente, são ainda mais importan-tes porque unem regiões estratégi-cas do estado. A conservação des-sas vias tradicionais de circulaçãoé decisiva para a redução dos cus-tos de transporte, favorecendo osprodutores. Nesse sentido, as al-ternativas hidroviária e ferroviária,hoje pouco utilizadas, podem re-presentar auxílio adicional, redu-zindo a demanda em relação àsrodovias e contribuindo para queestas permaneçam em condiçõestrafegáveis.

O governo baiano vem se esfor-çando para ofertar uma melhor infra-estrutura para osetor, tendo firmado uma parceria entre a SecretariaEstadual de Ciência, Tecnologia e Inovação (SEC-TI), a FAPESB e a PUC do Rio de Janeiro. O objeti-vo da parceria é avaliar a estrutura portuária, rodovi-ária, ferroviária e a hidrovia do São Francisco, consi-derando as necessidades da cadeia produtiva do bi-odiesel, abrangendo do plantio da mamoneira à ven-da do biodiesel nos postos de combustíveis.

O desafio da inclusão social

O sucesso da adição do biodiesel ao óleo com-bustível consumido no Brasil ainda é fonte de dúvi-das de especialistas, apesar do otimismo das auto-ridades que apostam na biomassa e, no caso baia-no em particular, no êxito da mamona. As contesta-ções vão da viabilidade energética da semente à lo-gística para escoar a produção, passando por umapolítica consistente de preços para estimular o pro-dutor a preservar seus cultivos. Mas mesmo que su-pere os desafios expostos, o êxito só será completocaso a cultura mamoneira gere emprego e renda,incluindo no mercado de trabalho os trabalhadoresrurais residentes no semi-árido.

Para se alcançar o objetivo da inclusão social,porém, é necessário que desafios secundários sejamsuperados, o que tornará esta inclusão sustentável,evitando que a miséria se perpetue através da repeti-ção de erros do passado que levaram outros cultivos

à decadência.De imediato, o principal desafio

é a sustentação de preços que esti-mulem o produtor a manter seuscultivos. No mês de julho/06, porexemplo, o quilo da semente damamona custava R$ 0,25 no Sub-médio São Francisco, valor consi-derado muito baixo em relaçãoàquilo que o governo inicialmenteprojetava (R$ 1,50). Só obtêm pre-ços melhores os produtores quetêm contrato firmado com empre-sas produtoras de biodiesel, masmesmo assim o preço do quilo nãosupera os R$ 0,55. Outros proble-

mas apontados são: a ausência de compradores,crédito para o plantio e garantias de venda.

Existe a preocupação de se evitar que a mono-cultura da mamona se espalhe pelo semi-árido, tor-nando os agricultores suscetíveis às oscilações depreços no longo prazo, mesmo que se assegure umpreço atraente no curto prazo. A saída apontada é adiversificação no cultivo, evitando a dependência ex-cessiva da mamona. Na região de Irecê, por exem-plo, existe o cultivo consorciado da mamoneira como feijão, o que constitui uma fonte alternativa de ren-da para os produtores. Há, no entanto, outras ra-zões para se evitar a monocultura da mamona: o ris-co de que haja elevação nos preços dos alimentosnas regiões produtoras da semente (decorrente daredução nas áreas plantadas com alimentos) e osriscos ambientais, pois a monocultura pode com-prometer a biodiversidade local, com efeitos desas-trosos para a região.

A alternativa para combinar a redução dos riscosambientais e sociais decorrentes da monocultura egerar emprego e renda é o fortalecimento da agricul-tura familiar entre os plantadores da mamoneira. Ahistória da Bahia mostra que a busca por resultadosobtidos pela monocultura no curto prazo sempre sesobrepuseram aos seus efeitos perversos de longo

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VANTAGENS E DESAFIOS DA CULTURA MAMONEIRA NA BAHIA

Apesar dos problemas desubutilização de ferrovias

e da hidrovia do SãoFrancisco e da má

conservação das rodoviasfederais, a Bahia possui

uma estrutura viáriadiversificada e que pode

representar um diferencialcompetitivo, desde queplenamente aproveitada

prazo. No Brasil Colônia houve a cana-de-açúcar,que depois dos resultados encorajadores dos pri-meiros anos mergulhou em prolongada letargia, ar-rastando a economia local, pouco dinâmica. No sé-culo XX, a monocultura cacaueira entrou em deca-dência, gerando uma multidão dedesempregados e problemas so-ciais crônicos, embora com efei-tos menos nocivos sobre a econo-mia baiana, que à época já se di-versificara. Em menor escala, ofumo cultivado no Recôncavo re-produziu esse ciclo vicioso.

Assim, o fortalecimento dospequenos agricultores combinainclusão social, maiores possibili-dades de conservação ambientale mercado competitivo, o que nãose verifica no moderno agronegócio. Contudo, háoutras questões urgentes, e uma delas é que ospequenos agricultores ainda não estão em condi-ções de competir com os grandes produtores pelafatia de mercado que se abre com a obrigatoriedadede se adicionar 2% de biodiesel ao óleo combustívelaté 2008. Vale ressaltar, inclusive, que nesse mer-cado competem não apenas os produtores de ma-mona, mas também de outros cultivos solidamenteconsolidados no Brasil, como a cana-de-açúcar(com extensas plantações em Alagoas e São Pau-lo) e a soja (disseminada pelo Centro-Oeste e tam-bém no Oeste da Bahia).

Uma das características da monocultura, que sedisseminou pelos países periféricos desde os pri-mórdios da colonização, é a sempre baixa agrega-ção de valor ao produto. Normalmente, a produçãosempre foi baseada em intensa exploração da mão-de-obra pouco qualificada e em cultivos extensivosde baixa produtividade. A inelasticidade da demandapor esses produtos no longo prazo, a concorrênciaentre os produtores e a deterioração dos termos detroca freqüentemente pressionam os preços parabaixo, a despeito dos corriqueiros surtos otimistas.A solução que se coloca é o beneficiamento dessesprodutos primários, agregando valor e incrementan-do a renda dos trabalhadores envolvidos no proces-so produtivo. Num mercado com inúmeros produto-res que dispõem de pouco capital, como é o caso

dos plantadores de mamona baianos, a alternativa éinviável individualmente. Porém, é perfeitamente fac-tível através da associação e da cooperação dosagricultores, desde que contem com o suporte go-vernamental (fornecendo informações técnicas, via-

bilizando a infra-estrutura, imple-mentando uma política de créditopara plantio e assegurando a sus-tentação dos preços).

No caso da mamona e demaisoleaginosas empregadas na pro-dução do biodiesel, está previstaa geração de emprego e rendaprincipalmente no processo debeneficiamento (esmagamento eprodução do biodiesel propria-mente dita). Entidades como aCentral Única dos Trabalhadores

(CUT) e o Movimento dos Trabalhadores RuraisSem-Terra (MST) anunciam que pretendem pressio-nar o governo para que facilite a participação de co-operativas e associações nesses estágios da ca-deia produtiva do biodiesel, inclusive assegurando oacesso ao crédito nas mesmas condições que asgrandes empresas do setor.

No entanto, as oito fábricas de biodiesel que se-rão construídas na Bahia não têm esse perfil. Qua-tro empresas já assinaram protocolos (incluindo aPetrobras) e deverão investir R$ 250 milhões, produ-zindo 300 milhões de litros de biodiesel anualmen-te, em unidade localizadas em Candeias, Feira deSantana, Ourolândia e Iraquara. A entrada em ope-ração das oito fábricas, conforme se estima, permi-tirá a produção de 640 milhões de litros de biodie-sel, beneficiando 83 mil famílias de agricultores noplantio da mamona.

A concentração de todo o processo de beneficia-mento em unidades localizadas em apenas algunsmunicípios tende a sustentar o perfil atual da econo-mia baiana, em que municípios grandes ou de mé-dio porte concentram parcela expressiva do PIB es-tadual. A pulverização das etapas iniciais de benefi-ciamento em vários municípios produtores favorece-ria a desconcentração, facilitando a geração de em-pregos e estimulando o empreendedorismo em regi-ões em que a cultura empresarial é parcamente dis-seminada.

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ANDRÉ SILVA POMPONET, CELIA REGINA SGANZERLA SANTANA

Assim, o fortalecimentodos pequenos agricultores

combina inclusão social,maiores possibilidades deconservação ambiental emercado competitivo, oque não se verifica nomoderno agronegócio

Mas, ainda que esse passo não tenha sido dado,o desenvolvimento do cultivo da mamona para a pro-dução do biodiesel pode apontar nesta direção. Aperspectiva otimista se justifica pelo fato de, ao con-trário do passado, existir uma maior preocupaçãocom a questão social, embora a vi-abilidade econômica do cultivo nãopossa ser deixada de lado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em 2004, havia na Bahia cercade 150 mil hectares de mamonaplantados em 80 municípios, embo-ra a produção estivesse concentrada na micro-regiãode Irecê. Segundo dados do Ministério do Desenvolvi-mento Agrário, para que atenda à demanda nacionalpelo produto nos próximos anos, o Nordeste precisaplantar 1,8 milhão de hectares da semente ou 1,5 mi-lhão de hectares de mamona e outras oleaginosas.Por esses números percebe-se que existe potencialpara a expansão do cultivo baiano, mesmo havendocondições climáticas apropriadas em praticamentetodo o país e que outros estados nordestinos, como oCeará, já estejam plantando a mamona. Além disso,existe a concorrência de outras oleaginosas, como opinhão manso, que está em fase experimental.

Sendo assim, mais do que tornar viável o biodie-sel da mamona, integrando-o ao circuito produtivo doBrasil e ao semi-árido nordestino, o principal desafioque se coloca é gerar emprego e renda para a popula-ção marginalizada que reside nas zonas rurais daspequenas cidades. Sem recursos, sem educaçãoadequada e habitando locais pouco dinâmicos eco-nomicamente, essa parcela da população baiana (enordestina) tem diante de si a possibilidade rara deinserir-se socialmente, melhorando as condições devida no interior do Nordeste.

Mas, para tanto, é necessário evitar os erros his-tóricos cometidos no passado em relação à mono-cultura e que apenas contribuíram para alimentar apobreza e a exclusão social que hoje constituem aprincipal fonte dos problemas enfrentados pelo Bra-sil. Combinar uma atividade humana milenar como aagricultura com os métodos cada vez mais sofistica-dos do capitalismo moderno e, ao mesmo tempo, in-

cluir segmentos da população que sempre estiveramà margem do circuito produtivo é um desafio hercúleoque exige a mobilização da sociedade e do Estado.

Esse desafio não deixa de delinear-se como umaalternativa inovadora: não se busca a antiga monocul-

tura pouco complexa e altamenteexcludente e não se busca o mo-derno agronegócio com sua eleva-da produtividade e sua baixa ab-sorção de mão-de-obra. O que sebusca é combinar inserção socialatravés da agricultura familiar, ge-ração de emprego e renda, susten-tabilidade ambiental, diversificaçãoprodutiva e, coroando o ciclo virtuo-

so, encontrar uma alternativa energética viável aocombustível fóssil poluente cujas fontes são finitas.

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Gás natural:

algumas questões

Gás natural:

algumas questões

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Contratos e a indústria de gás natural

Oswaldo Guerra*

* Doutor em Economia pela UNICAMP. Professor do Curso de Mestradoem Economia da Universidade Federal da Bahia. [email protected]

Abstract

The decision by the government of Bolivia to nationalize thegas reservoirs and expropriate the assets of Petrobras in thatcountry, raised a theme addressed in economic literature:contract problems that tend to exist in the so-called networkindustries. The contract concept became relevant in theeconomic theory thanks to the theory of transaction costs. Abrief review of this theory and an analysis of the outlines of thecrisis generated by the Bolivian decision, allow us to learn animportant lesson. Caution must be taken before makingpolitical alliances involving public and private investments,and before establishing contracts with countries with lowregard for institutions, especially in an industry where suchcontracts are marked by strong environmental and behavioraluncertainties.

Key words: natural gas, network industries, theory oftransactions costs, contracts, uncertainties.

Resumo

A decisão do governo da Bolívia de nacionalizar as reser-vas de gás e expropriar os ativos da Petrobras naquele paístrouxe à tona um tema tratado na literatura econômica: os pro-blemas contratuais que costumam estar presentes nas chama-das indústrias de rede. Foi com a teoria dos custos de transa-ção que o conceito de contrato ganhou relevância na teoria eco-nômica. Uma breve revisão dessa teoria e uma análise dos con-tornos da crise gerada com a decisão boliviana permitem que seextraia uma importante lição. Há que se ter cautela antes de serealizar alianças políticas envolvendo investimentos públicos eprivados e de se estabelecer contratos em países com baixoapreço pelas instituições, especialmente em uma indústria naqual tais contratos são marcados por uma forte incerteza ambi-ental e comportamental.

Palavras-chave: gás natural, indústrias de rede, teoria doscustos de transação, contratos, incertezas.

implicações econômicas. Uma delas foi a ameaçafeita pela Petrobras de suspender novos investimen-tos no país vizinho e recorrer à justiça internacional,caso os contratos firmados que estabelecem condi-ções de oferta e preço para o gás boliviano sejamrompidos unilateralmente.

O principal objetivo deste artigo é examinar essaimplicação. Ela traz à tona os problemas contratuaisque costumam estar presentes nas chamadas indús-trias de rede, como é o caso do gás natural. A litera-tura econômica trata desses problemas e uma sucin-ta revisão desta literatura, com base nos trabalhosclássicos de Ronald Coase e Oliver Williamson, seráapresentada ao leitor na próxima seção. Na seção

INTRODUÇÃO

Antes da inauguração do gasoduto Bolívia-Brasil(GASBOL), o consumo de gás natural no Brasil eraincipiente. Desde então, os governos FHC e Lula tra-taram de estimular o uso do gás natural, sendo aatratividade da tarifa cobrada pela Petrobras o princi-pal instrumento utilizado. Como a produção nacionalcresceu bem menos que o consumo, o Brasil se tor-nou refém do gás boliviano. Diante desse quadro, arecente crise entre a Bolívia e o Brasil gerou diversas

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CONTRATOS E A INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL

seguinte, as características estruturais da indústriade gás natural e as causas que levaram ao avanço douso desse insumo na matriz energética brasileira sãoexpostas. A última seção contém as consideraçõesfinais. Nela busca-se entrelaçar conceitos da teoriados custos de transação com aspectos que aflora-ram no contencioso entre a Bolívia e o Brasil.

CONTRATOS NA TEORIA ECONÔMICA

Quando Adam Smith (1776) cunhou a expressão“mão invisível”, ele inaugurou uma tradição na teoriaeconômica: o mercado seria capaz de coordenar, damaneira mais eficiente possível, as atividades produ-tivas dos diversos agentes econômicos. O mecanis-mo de preços, subjacente aos mercados, sinalizariadesequilíbrios entre oferta e demanda e estimulariaos agentes a realocarem os recursos da economia.Ou seja, Smith não vislumbrava a possibilidade deconflitos de interesse entre as partes gerar perdasnas relações entre os agentes econômicos.

Em seu famoso artigo, The Nature of the Firm,Ronald Coase (1937) expressa sua discordânciacom relação à Smith. Para ele, as atividades produti-vas dos diversos agentes econômicos dificilmentepoderiam ser coordenadas, exclusivamente, pelomecanismo de preço. Quando as transações mer-cantis – compra de um insumo, por exemplo – ocor-rem via mercado, elas exigem algum tipo de arranjocontratual que custa algo. Dessa perspectiva surge oconceito de custos de transação (custos de se utili-zar o mercado), até então largamente ignorado peloseconomistas que privilegiavam a análise dos custosde produção.

Quanto maior o número de transações e os atribu-tos a elas inerentes (especificidade de ativos e incer-tezas), mais elevados seriam esses custos. A substi-tuição das transações via mercado por mecanismosde coordenação internos à firma eliminaria tais cus-tos. Os agentes econômicos, ao adquirirem a propri-edade de determinados fatores de produção, reali-zando, por exemplo, um movimento de integraçãovertical para trás, conseguem o direito de utilizar taisfatores sem a necessidade de confeccionar uma sé-rie de contratos, como ocorreria caso utilizassem omecanismo de preços. Portanto, na visão de Coase,

mercados e firmas são instituições alternativas decoordenação das atividades produtivas no interior dassociedades econômicas.

Oliver Williamson (1985) herda a herança de Coa-se e promove avanços na chamada Economia dosCustos de Transação. Sua abordagem não se restrin-ge aos dois extremos para a realização das transa-ções (firma ou mercado), uma vez que ele introduz naanálise estruturas de governança intermediárias.Além disto, trata de definir custos de transação emtermos de variáveis passíveis de mensuração e incluia dimensão intertemporal para o entendimento e evo-lução dos mecanismos institucionais.

Nesse último aspecto, Williamson destaca queas interações entre os agentes na economia capita-lista ocorrem em um contexto onde a repetibilidadecondiciona os processos decisórios e estabelece aconfiança mútua. Essa repetibilidade é construída apartir de compromissos firmados ao longo do tempo,nos quais se estabelece um conjunto de relaçõescontratuais baseadas em promessas de condutasfuturas que ultrapassam os acordos jurídicos for-mais, com possibilidades de ajustes a eventos im-previstos e mecanismos de tomada de decisões(MORAES, 2003).

Vale dizer, a economia dos custos de transaçãoem Williamson trata o problema da organização daprodução como um problema de contratação. Astransações econômicas podem ser analisadas comocontratos e para cada tipo de transação há um meca-nismo explícito ou implícito de contrato.

Nas indústrias de rede, como é o caso do gásnatural, diversos contratos precisam ser firmados,seja porque se trata de relações internacionais, sejaporque reformas foram feitas nessas indústrias, pro-movendo desintegração vertical, redução de barreirasà entrada e novas formas de comercialização. A tare-fa de coordenar esses contratos exige o conheci-mento das variáveis que afetam diretamente os cus-tos de transação ex ante (coletar informações, nego-ciar, redigir e criar salvaguardas para os contratos) eex post (monitorar, renegociar e adaptar os termoscontratuais a novas contingências). Como os agen-tes econômicos são incapazes de ter pleno conheci-mento de todas as informações e a incerteza associ-ada à imprevisibilidade de eventos futuros não podeser reduzida a um cálculo probabilístico, os contratos

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OSWALDO GUERRA

não podem ser completos, abrindo precedente parafuturas negociações e barganhas.

Quando as incertezas envolvidas nas transa-ções econômicas estão associadas a mudançasnos parâmetros básicos que norteiam as relaçõescomerciais, como a escassez deum insumo, ela é do tipo ambien-tal. No caso da incerteza vincula-da ao comportamento dos agen-tes após o comprometimento en-tre as partes de uma transaçãoem determinado contrato, ela édita comportamental. Este segun-do tipo está vinculado às chama-das práticas oportunistas. Comosublinha Williamson (1985, p. 57),o oportunismo em termos econô-micos se refere a uma revelaçãoincompleta ou distorcida das in-formações, especialmente quan-do existem esforços premeditados para equivocar,ocultar, ofuscar ou, de alguma outra forma, confun-dir. O oportunismo ex ante se dá quando uma daspartes oculta informações essenciais antes daexecução do contrato e o ex post surge durante afase de execução do contrato.

Em suma, com a teoria dos custos de transação,o conceito de contrato ganhou relevância na teoriaeconômica. Ele é também tratado em duas outrasvertentes teóricas: a teoria dos incentivos e a teoriados contratos incompletos (BROSSEAU; GALLANT,2002; COOTER; ULEN, 1998). Essas três vertentestêm capacitado os economistas a renovarem suasanálises sobre os problemas de coordenação noscampos da Microeconomia, Economia Industrial eInstitucional.

GÁS NATURAL: características edemanda no Brasil

A cadeia produtiva da indústria de gás natural écomposta pelos segmentos de exploração, produçãoe distribuição. Esses segmentos são interligados porredes de gasodutos que transportam o gás naturaldas unidades produtivas para os distribuidores e des-tes para o consumidor final. Esse transporte pode ser

feito também através de navios ou caminhões na for-ma liquefeita (GNL), sendo que o meio marítimo re-quer uma tecnologia mais avançada e uma infra-es-trutura portuária específica, o que torna o custo deoperação mais alto.

A importação de GNL é um pro-cesso que começa com a transfor-mação do gás em líquido no seupaís de origem para que possa seracondicionado em navios e expor-tado em seguida. No destino, é ne-cessária uma planta que transfor-me o produto novamente em gás.Em vista disso, o gasoduto é omeio mais viável economicamentepara transportar o gás natural, es-pecialmente nos casos de grandesdistâncias, ainda que sua constru-ção exija um elevado investimento.

Apesar do gás ser consideradouma commodity (produto homogêneo, muito influen-ciado por movimentos de oferta e demanda e transa-cionado em bolsas de futuro), o fato de ele ser finito eo fator geopolítico tornam-no uma commodity estraté-gica e transnacional. Enquanto vastos recursos eco-nomicamente aproveitáveis se localizam em regiõesde limitada demanda, outras, fortemente industriali-zadas, ressentem-se da sua existência. Os desdo-bramentos geográficos desse desequilíbrio naturaltêm sido uma constante fonte de incertezas e riscospara a atividade produtiva e têm marcado profunda-mente a história desse energético.

Diante desse quadro é que se deve entender aconstrução do GASBOL: o Brasil interessado em di-versificar sua matriz energética e a Bolívia em escoarsua produção. Sua construção envolveu um investi-mento de cerca de US$ 2 bilhões e a capacidade pro-jetada inicialmente de transporte foi de 30 milhões dem³/dia. A Petrobras assumiu os riscos do empreendi-mento, incluindo o financiamento e a construção doduto nos dois lados da fronteira. Para viabilizar essefinanciamento, a empresa chegou a pagar antecipa-damente por capacidades de transporte. Em contra-partida, obteve o controle da operação do trecho bra-sileiro do gasoduto e a posição de carregador exclu-sivo do gás boliviano até o volume de 30 milhões dem³/dia, firmando com os bolivianos um contrato de

Nas indústrias de rede,como é o caso do gás

natural, diversos contratosprecisam ser firmados, seja

porque se trata derelações internacionais,

seja porque reformasforam feitas nessas

indústrias, promovendodesintegração vertical,redução de barreiras à

entrada e novas formas decomercialização

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CONTRATOS E A INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL

compra por prazo de 20 anos com cláusula do tipotake or pay. Contratos desse tipo protegem os inves-timentos feitos pelas firmas em ativos específicos,como é o caso do gasoduto, e resguardam o seu di-reito de propriedade e de retornos de longo prazo so-bre o capital fixo. Na perspectiva doofertante, ele estimula os investi-mentos em exploração e produçãoe garante um fluxo de renda inde-pendente do volume consumido.

O GASBOL entrou em operaçãoem 1999. A opção brasileira pelogás natural foi estratégica. O objeti-vo era reduzir a dependência que oBrasil possuía em relação ao petró-leo e à energia produzida pelas usi-nas hidrelétricas.Todavia, no primeiro semestre de2002, apenas 12 milhões de m³/dia de gás estavamsendo carregados, o equivalente à demanda brasilei-ra da época. Como, contratualmente, o Brasil eraobrigado a pagar aos bolivianos por um gás que nãoestava utilizando, houve várias negociações, com di-ferentes governantes do país vizinho, para que o pre-ço fosse reduzido. Todas sem sucesso.

Como mencionado na introdução, diantedessa ociosidade do GASBOL, os governosFHC e Lula buscaram estimular uma maior de-manda pelo gás natural, sendo a atratividadeda tarifa cobrada pela Petrobras o principal ins-trumento utilizado. Esse estímulo ganhou for-ça com o racionamento de energia, em 2001,que lançou incertezas sobre a disponibilidadede eletricidade. Com o gás, as empresas po-dem produzir a própria eletricidade, utilizandopara isso geradores especiais. Outro fator queimpulsionou a venda do gás natural foi a esca-lada no preço do petróleo. O gás liquefeito depetróleo (GLP), o popular gás de botijão, é um deriva-do do petróleo e chega a custar 80% mais do que ogás natural. Houve também um forte avanço na utili-zação automotiva. A frota nacional de carros converti-dos para rodar com o gás natural veicular (GNV), umcombustível bem mais barato que a gasolina, cres-ceu bastante.

Como a produção nacional se expandiu bem me-nos que o consumo, o Brasil se tornou refém do gásboliviano. Em março de 2006, 44% do gás consumi-

do foi importado da Bolívia. Em São Paulo, o produtoboliviano responde por 91% do consumo total de gás.Nos Estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, o gásda Bolívia corresponde a 100% do consumo e, em

Minas Gerais, a 50% (Tabela 1).Frente a esses números, o de-

creto que nacionalizou todas asoperações da indústria de hidro-carbonetos da Bolívia trouxe sériaspreocupações, especialmente aossegmentos industriais brasileirosque passaram a usar o gás naturalcomo fonte energética de seusprocessos produtivos. Pelas dis-posições do decreto, para continu-

arem a operar no país, as empresas petrolíferas de-vem, após um período de transição de 180 dias, as-sinar novos contratos atendendo as novas condi-ções legais que as tornam meras operadoras a se-rem remuneradas pela prestação de serviços. OEstado boliviano fará jus a 32% do valor da produçãode cada campo, a título de imposto direto, e a 18%de royalties.

Ademais, a partir de agora, as empresas reco-lherão à empresa estatal boliviana (YPFB) umaparticipação adicional sobre o valor da produçãodos campos. Durante o período de transição, a par-ticipação será de 32% para campos que produzi-ram em 2005, em média, mais de 100 milhões depés cúbicos por dia, e nula para os demais. A me-dida penaliza os grandes campos de gás, em es-pecial os da Petrobras e da Repsol, que serão re-muneradas com apenas 18% do valor da produção,

O GASBOL entrou emoperação em 1999. A opçãobrasileira pelo gás naturalfoi estratégica. O objetivoera reduzir a dependênciaque o Brasil possuía emrelação ao petróleo e à

energia produzida pelasusinas hidrelétricas

Tabela 1Demanda de gás natural no Brasil – março de 2006

Fonte: ABEGÁS, 2006

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OSWALDO GUERRA

para remunerar seus custos de operação, depreci-ação dos investimentos e utilidades.

A rigor, o decreto foi além do processo de nacio-nalização, pois expropriou os ativos das empresasque exploram e produzem hidrocarbonetos na Bolí-via. Como se não bastasse, o go-verno boliviano tem insinuado quegostaria de aumentar o preço dogás natural fornecido ao Brasil dosatuais US$ 3,2 para algo entreUS$ 6 e US$ 7. A Petrobras pro-mete negociar com a Bolívia paramanter as regras do atual contrato.A estatal tem afirmado que nãoaceitará modificação unilateral nopreço do gás e lembra que quandoquis negociar redução de preços, àépoca da ociosidade no GASBOL,a Bolívia foi irredutível.

Um outro aspecto merece destaque. Nota-se naTabela 1 que as termelétricas aparecem em segun-do lugar no ranking de demanda por gás natural.Em razão das chuvas que têm garantido o abaste-cimento de energia hidrelétrica, a situação, do pon-to de vista conjuntural, é tranqüila. Se, todavia, to-das as termelétricas do país entrassem em opera-ção e as demais demandas continuassem cres-cendo no mesmo ritmo, o atual déficit potencial degás natural cresceria.

Diante desse quadro, existia uma agenda míni-ma de investimentos estabelecida pelo governobrasileiro que incluía, entre outras decisões, a ex-pansão da capacidade do GASBOL em mais 15milhões de m³/dia. Com a crise, a expansão foisuspensa e os segmentos industriais demandan-tes de gás já falam em reconversão dos seus pro-cessos produtivos para óleo. A motivação para talcomportamento não está associada apenas às in-certezas ambientais e comportamentais, mastambém à elevação do preço do gás natural. Des-de setembro de 2005, já foram anunciados três re-ajustes de preço. Para este ano, a Petrobras, res-ponsável pela distribuição, anunciou que fará au-mentos trimestrais devido ao encarecimento dogás boliviano. Os reajustes de agora são uma cla-ra estratégia para desestimular a expansão doconsumo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sucinta revisão da teoria dos contratos feitaacima deixa claro que a distribuição de riscos entreos agentes envolvidos em determinada relação co-

mercial é determinada pelo forma-to do contrato. Esse formato é departicular importância quando atransação comercial requer investi-mentos em ativos fixos específi-cos, como é o caso de um gasodu-to. Esse tipo de investimento trazimplícito o problema de custos ir-recuperáveis (sunk cost), pois oativo não pode ser transferido paraoutro fim sem significativas per-das.

Nesse caso, deve-se estabele-cer um sistema de incentivos para evitar que a rela-ção contratual seja rompida unilateralmente. Ônuspor descumprimento de cláusulas e comprometi-mento de capital no investimento em ativos especí-ficos são dois exemplos que podem ser utilizados(MAHER, 1997). No caso em tela, como a Petro-bras assumiu quase integralmente o ônus com oGASBOL, o segundo tipo de incentivo não foi usa-do. Dirigentes da estatal reconhecem o erro e têmafirmado que não haverá mais modelos de viabiliza-ção de projetos como foi o do Gasoduto Bolívia-Brasil, no qual a empresa investiu 90% dos US$ 2bilhões aplicados e ficou com 51% das ações, en-quanto os demais sócios (um grupo de empresasinternacionais) aplicaram US$ 180 milhões e fica-ram com 49% do capital.

É preciso ter claro que Bolívia e Petrobras têmmuito a perder na disputa que travam: não há alterna-tivas de escoamento do gás por parte da Bolívia, quenão detém tecnologia e recursos financeiros para li-quefazer seu gás e exportá-lo – mesmo porque nãodetém uma saída para o mar – e muito menos condi-ções, em prazo razoável, de construir por conta pró-pria um novo gasoduto para outros clientes que, porsua vez, precisariam estar dispostos a negociar comum governo idiossincrático.

A Petrobras, por sua vez, não dispõe de reservasde gás alternativas, nem poderia importar em escalasuficiente gás liquefeito de petróleo (GNL) para gasei-

Como a produção nacionalse expandiu bem menosque o consumo, o Brasilse tornou refém do gásboliviano. Em março de

2006, 44% do gásconsumido foi importadoda Bolívia. Em São Paulo,

o produto bolivianoresponde por 91% doconsumo total de gás

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CONTRATOS E A INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL

ficá-lo. O comércio internacional de GNL é intenso,mas o Brasil não dispõe de unidades de gaseificação– apenas um projeto pioneiro em Paulínia (SP), depequena escala – que permitam a adoção dessa al-ternativa (a construção de unidades dessa naturezarequer cerca de dois anos). Ademais, o GNL, em ra-zão dos custos de transporte e transformação, é al-ternativa energética cara vis-à-vis o gás natural trans-portado por gasoduto.

Visando alterar essa correlação de forças, o go-verno brasileiro divulgou três novas determinaçõespara que o país obtenha sua auto-suficiência na pro-dução de outras fontes de energia, além do petró-leo: antecipação para 2008 da produção de 24 mi-lhões de m³/dia de gás do Espírito Santo; substitui-ção do gás natural pelo álcool nas usinas termelétri-cas; e uma inovação, a introdução do óleo vegetalno processo de refino do diesel, gerando um com-bustível de melhor qualidade, com menos enxofre emais metano. As duas primeiras afetam diretamenteo mercado interno de gás natural. No que diz respei-to à produção capixaba de gás natural, acredita-seque em 2008 ela substituirá quase toda a importa-ção atual de gás da Bolívia e será maior que a previ-são inicial de produção do campo gigante de Mexi-lhão, na bacia de Santos.

Com isso, o suprimento para o Sudeste, que an-tes seria garantido pelo gás de Santos, ficará a cargodo Espírito Santo. Já o campo de Mexilhão, quandocomeçar a produzir, será direcionado para o Nordestee outros mercados. Cumprir essas determinações éuma tarefa gerencial de fôlego para a Petrobras. Osprojetos originais da estatal previam que a Bacia doEspírito Santo estaria pronta para produzir gás daquia seis ou sete anos, mas a empresa está adiantandoesse prazo para 2008. A Petrobras tem conseguidoobter seguidos lucros recordes e para a empresa nãoseria difícil a captação de recursos extraordináriospara financiar esses planos de auto-suficiência dopaís. Para o Brasil, não há dúvidas do ganho no casode qualquer avanço em termos de redução das com-pras de fontes de energia.

Duas lições podem ser retiradas de toda essacrise. Em primeiro lugar, há que se ter cautela an-tes de se realizar alianças políticas envolvendo in-vestimentos públicos e privados e o estabeleci-mento de contratos em países com baixo apreço

pelas instituições e em uma indústria com as ca-racterísticas da de gás natural, pois neste caso oscontratos são marcados por forte incerteza ambi-ental e comportamental.

Relembrando, o primeiro tipo de incerteza asso-cia-se a mudanças nos parâmetros básicos quenorteiam as relações de comércio, como foi o casodo decreto de nacionalização das reservas de gás.No segundo tipo, os agentes econômicos agem deforma oportunista, algo que pode ser ilustrado pelodesejo expresso pelo governo boliviano de aumentaro preço do gás fornecido ao Brasil. Aceito esse de-sejo, a renegociação dos contratos hoje vigentes irágerar custos de transação ex post e um sobrepreçoao gás. Além desses danos econômicos, não sedeve esquecer dos associados à insegurança jurídi-ca que tanto marcam o continente latino-americano.

Em segundo lugar, é urgente a definição de ummarco regulatório para o mercado do gás no Brasil.Regras claras poderão atrair novos investimentos quese somarão aos da Petrobras, dando chance ao paísde alcançar em prazo razoável sua auto-suficiênciaem gás natural, algo importante para o incremento dacompetitividade da economia brasileira.

REFERÊNCIAS

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COOTER, R.; ULEN, T. Derecho y economia. México: Fondo deCultura Económica, 1998.

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SMITH, A. A riqueza das nações. São Paulo: Nova Cultural,1988.

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Indicadores urbanos na previsão

de expansão da rede canalizada

de gás natural1

Vanessa Meloni Massara,* Murilo Tadeu Werneck Fagá**

Miguel Edgar Morales Udaeta***

1 Os autores agradecem o apoio da Agência Nacional do Petróleo - ANP, daFinanciadora de Estudos e Projetos - FINEP e do Ministério da Ciência eTecnologia - MCT, por meio do Programa de Recursos Humanos da ANPpara o Setor Petróleo e Gás - PRH-ANP/MCT.

* Doutoranda em Energia do Programa Interunidades de Pós-Graduação emEnergia - PIPGE/USP e bolsista do PRH - ANP/04. [email protected]

** Professor do PIPGE/USP, Coordenador do PRH - ANP/[email protected]

*** Professor Visitante do PRH - ANP/04. [email protected]

Abstract

This paper aims to identify expansion priorities for thenatural gas infrastructure. A methodology is proposed usingmatrixes that consider the relations between urban dynamicsand the possibility natural gas might displace other types offinal energy. A conjugated analysis of the systems is carriedout, furthering the combination of parameters generating pairsof specific interest, when a real case is applied in an examplefor the municipality of São Paulo. From the results, we come tothe conclusion that the metropolis has industrial districts withhigh energy consumption, not yet served by a network of naturalgas, and other central districts, which haven’t been using theservice installed in all its potential.

Key words: urban development, energy, natural gas,infrastructure, distribution network.

Resumo

Este artigo tem como objetivo identificar prioridades na ex-pansão da infra-estrutura de distribuição do gás natural. Pro-põe-se uma metodologia que utiliza matrizes considerando asrelações entre a dinâmica urbana e as possibilidades do gásnatural deslocar outras formas de energia final. Como resultadoé obtida uma análise conjugada dos sistemas, propiciando acombinação de parâmetros formando pares de interesse espe-cífico, quando da aplicação do caso real, em um exemplo para oMunicípio de São Paulo. Dos resultados, conclui-se que a metró-pole apresenta distritos com grande consumo de energia parafins industriais ainda não servidos por rede de gás natural eoutros, centrais, que vêm subutilizando o serviço já instalado.

Palavras-chave: desenvolvimento urbano, energia, gás natu-ral, infra-estrutura, rede de distribuição.

INTRODUÇÃO

Na tomada de decisão para construção e amplia-ção das redes de infra-estrutura, diferentes fatores

devem ser considerados para a priorização do aten-dimento a áreas que constituirão um mercado con-sumidor potencial para o serviço em questão. Nestetrabalho, propõe-se a análise conjunta de aspectossociais, técnicos e econômicos associados ao pro-cesso de ocupação dos grandes centros urbanoscomo base para verificação de estimativas de mer-cado, custos e técnicas mais apropriadas para aampliação da infra-estrutura de distribuição canali-zada de gás natural.

Como respaldo ao estudo proposto, sugere-se acriação de um modelo (MASSARA et al, 2004; 2005)que integre a compreensão da dinâmica urbana às

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INDICADORES URBANOS NA PREVIS√O DE EXPANS√O DA REDE CANALIZADA DE G¡S NATURAL

estratégias de expansão da rede de distribuição degás, caracterizando as possibilidades de consumo emfaixas de atratividade. A metodologia desenvolve-seatravés da organização de 4 sistemas de informações:aspectos de qualidade de vida, planejamento urbano,projeções de demanda por estratifi-cação em tipos de uso do solo e sis-tema canalizado (obra civil).

Relacionando dados sociais econsumo estimado por tipo de ocu-pação do solo às características deramificação da rede, a metodologiapermite classificar cada distrito quecompõe uma cidade segundo a via-bilidade (atratividade) de implanta-ção da rede de distribuição de gáse os locais com potencial de aden-samento da rede já existente.

Para verificação da coerênciametodológica, selecionamos comoexemplo o município de São Paulo,composto por 96 distritos com asmais diferentes características. Porfim, o modelo testado para o mercado paulistanoserá generalizado em sistema computacional, quepermita sua utilização em outras cidades brasileiras,a fim de apontar as possibilidades do gás naturalsubstituir outras formas de energia final nos usos ur-banos, além de apresentar diretrizes para os PlanosDiretores das cidades, visando a incorpora-ção sustentável dessa infra-estrutura.

METODOLOGIA

O conjunto de dados é composto porquatro sistemas de informações referentesà região de estudo, agrupados em distritos,segundo a denominação oficial do IBGE,ou, com maior nível de detalhamento, embairros, quarteirões e unidades, conforme adisponibilidade de informações. Esses sis-temas determinam quatro respectivos indi-cadores vinculados ao desenvolvimento ur-bano da cidade ao longo do tempo.

A cada um dos parâmetros que com-põem os sistemas é atribuído um peso de 1

a 5, conforme seu valor numérico (no caso de parâ-metros quantitativos) e sua importância na atraçãoao uso do gás (no caso de parâmetros qualitativos,que fornecem indicativos subjetivos associados àscaracterísticas da dinâmica urbana do distrito).

De forma resumida:Faixa 1 – Baixa atratividade à im-

plantação da rede;Faixa 2 – Baixa a média atrativi-

dade à implantação da rede;Faixa 3 – Média atratividade à

implantação da rede;Faixa 4 – Média a alta atrativida-

de à implantação da rede;Faixa 5 – Alta atratividade à im-

plantação da rede.A atribuição da escala inicial de

1 a 5 está associada à utilização daescala semântica. Ao final do estu-do será determinado se essa esca-la linear é válida ou não, através deteste e comparação com progra-mas computacionais baseados em

análise de múltiplos critérios como o Decisions Lens,que também utiliza a escala de priorização como fer-ramenta de tomada de decisão.

A Figura 1 mostra a dinâmica entre os sistemasde informação para o cálculo do índice de atratividadeà expansão da rede de gás natural.

Relacionando dadossociais e consumo

estimado por tipo deocupação do solo às

características deramificação da rede, ametodologia permite

classificar cada distritoque compõe uma cidadesegundo a viabilidade

(atratividade) deimplantação da rede dedistribuição de gás e oslocais com potencial deadensamento da rede já

existente

Elaboração: MASSARA, V.M., 2004.

Figura 1Interação entre os sistemas de informações visando aorientação da expansão da rede canalizada de GN

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VANESSA MELONI MASSARA, MURILO TADEU WERNECK FAGÁ, MIGUEL EDGAR MORALES UDAETA

Indicadores de qualidade de vida

Este sistema de informações é representado porvalores numéricos, distribuídos em intervalos calcula-dos conforme sua dimensão, expressos pelos trêsfatores descritos a seguir.

Índice de exclusão social (IEX): tem por objetivoidentificar o grau de desenvolvimento social dos dis-tritos, considerando variáveis associadas à qualidadede vida (SÃO PAULO, 2004). O índice final atribuído acada um dos distritos foi calculado pela soma dosíndices em cada campo, criando uma escala em umintervalo compreendido entre -1,00 (refletindo a piorsituação de exclusão, faixa 1) e +1,00 (refletindo amelhor situação de inclusão, faixa 5).

Índice de desenvolvimento humano (IDH): é umaadaptação do índice criado pelo ONU e tem comoobjetivo comparar o grau de desenvolvimento humanoentre os distritos. Inclui variáveis como escolaridade,condições básicas de saúde e equipamentos sociaispor distrito (SÃO PAULO, 2004). Esses indicadoressão transformados em índices que, somados, com-põem o IDH, em um intervalo que varia de 0 (faixa 1, apior condição de desenvolvimento) até 1 (faixa 5, amelhor condição).

Porcentagem de atendimento por redes prioritári-as: são consideradas “prioritárias” as redes de abas-tecimento de água, coleta de esgotos e iluminaçãopública (EMPRESA METROPOLITANA DE PLANE-JAMENTO, 2003; IBGE, 2003; SÃO PAULO, 2002).Esse parâmetro é introduzido no sistema, entenden-do que um distrito não será atrativo à rede de gásnatural se ainda não possuir essas infra-estruturas.Sua abordagem considera a média da porcentagemde atendimento das três redes, expressas em faixasrepresentando o percentual de cobertura da rede, emintervalos de 20%.

Indicadores de planejamento urbano

Estes indicadores são trabalhados em uma basede dados composta por parâmetros qualitativos (usodo solo, desenvolvimento urbano e zoneamento) equantitativos (taxa de urbanização e número de lan-çamentos imobiliários). Para a análise dos valoresnão numéricos, a estratificação em faixas foi basea-

da no mapeamento e classificação do Plano Diretorda Cidade de São Paulo, verificando os tipos de usoatuais e suas perspectivas de expansão, na intençãode elaborar um perfil dos bairros com maior tendênciaà aglomeração industrial (grande atrativo ao uso dogás natural), seguido dos outros usos, conforme es-cala de projeção de consumo, descrita a seguir.

Uso do solo: característica de ocupação do dis-trito, pelo mapa de uso do solo (SÃO PAULO,2004), considerando a maior porcentagem de qua-dras com determinado tipo de uso. Embora a Prefei-tura forneça várias categorias de ocupação, paraefeito de projeção da atratividade ao consumo degás natural foi elaborado um agrupamento em cincoprincipais usos:

Faixa 1: predominância em ocupação residencialhorizontal;

Faixa 2: predominância em uso misto (comerciale residencial horizontal);

Faixa 3: predominância em ocupação residencialvertical;

Faixa 4: predominância em uso misto (comercial,serviços e residencial vertical);

Faixa 5: predominância em uso misto (residenciale industrial).

Desenvolvimento urbano: conforme definição doPlano Diretor do Município de São Paulo (SÃO PAU-LO, 2002), atribuiu-se faixas de importância com re-ferência à projeção de atratividade ao uso do gás na-tural em relação a cinco descrições de “macroáre-as” que correspondem às especificações quanto aodesenvolvimento urbano atual e futuro dos distritospaulistanos:

Faixa 1: proteção ambiental – limites de áreaspúblicas e de preservação;

Faixa 2: urbanização e qualificação urbana – áre-as ocupadas predominantemente por população debaixa renda, com grande concentração de loteamen-tos irregulares e favelas;

Faixa 3: reestruturação e requalificação – áreascom boa infra-estrutura, mas que passam atualmen-te por processos de esvaziamento populacional edesocupação dos imóveis;

Faixa 4: urbanização em consolidação – áreascom condições de atrair investimentos imobiliáriosprivados em residências e estabelecimentos comer-ciais e de serviço;

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INDICADORES URBANOS NA PREVIS√O DE EXPANS√O DA REDE CANALIZADA DE G¡S NATURAL

Faixa 5: urbanização consolidada – áreas forma-das por bairros consolidados habitados por popula-ção de renda média e alta e com boas condições deurbanização.

Zoneamento: regra imposta pela Prefeitura que li-mita o uso do solo, ou seja, a destinação dos vários“pedaços” da cidade para determinados usos (comér-cio, serviços, moradia, indústria). Através de consultaa mapas da PRODAM (SÃO PAULO, 2004), verifi-cou-se a predominância dessas normas de ocupa-ção do solo, utilizando a maior porcentagem de qua-dras com um determinado tipo de zoneamento. Fo-ram criadas cinco faixas para atratividade à implanta-ção da rede, agrupadas da seguinte forma:

Faixa 1: zona exclusivamente residencial de bai-xa densidade / zona de proteção ambiental;

Faixa 2: zona exclusivamente residencial de mé-dia densidade / zona mista de baixa densidade;

Faixa 3: zona exclusivamente residencial de altadensidade / zona mista de média densidade / usosespeciais (aeroportos, cidade universitária);

Faixa 4: zona mista de alta densidade;Faixa 5: zona com grande ocupação industrial.Nesse item, a definição de “zona mista” corres-

ponde à combinação dos usos residencial, comerciale serviços.

Taxa de urbanização: porcentagem da área totaldo distrito, ocupada por uso urbano (residênciasmescladas a comércio e indústrias), em relação àpopulação total (SÃO PAULO, 2004), representadaem intervalos de 20%.

Lançamentos imobiliários residenciais e no setorde serviços: relacionado à exigência do Código deObras de prever instalações prediais para gás nasnovas construções, o que incrementa o consumo degás natural. Para atribuição do peso de atratividadeda rede, elaborou-se o agrupamento em cinco faixas,tendo em vista o maior e o menor número de lança-mentos por distrito, considerando o levantamentoelaborado pela Empresa Brasileira de Estudos dePatrimônio (2004).

Potencial de consumo de gás natural

Neste sistema são armazenados dados proveni-entes de informações do IBGE sobre a ocupação dos

bairros combinados a informações da distribuidora degás que serve a região em estudo. Os parâmetrossão todos numéricos, possibilitando a criação dascinco faixas através da simples divisão dos valoresobtidos, listadas a seguir.

Estratificação por setores de consumo: consisteno desmembramento do bairro em domicílios e nasdiversas atividades econômicas segundo o CadastroNacional (IBGE, 2003), agrupados em setores deconsumo baseado na contagem do número de esta-belecimentos na unidade de estudo mais propícios àutilização do gás natural, como hotéis, hospitais,centros empresariais, supermercados e indústriascerâmica, química e metalúrgica, entre outras.

Densidade demográfica: corresponde ao quoci-ente entre o número de pessoas residentes e aárea do distrito (SEADE, 2004), tendo em vista quemaior concentração populacional gera demandapor energia.

Renda familiar: corresponde ao número médio desalários mínimos nos domicílios do distrito (SÃOPAULO, 2004), considerando a influência da relação“renda versus consumo de energia”.

Obra civil – implantação dos dutos

A função do sistema de informações que con-tem os indicadores da obra civil é a de representarvalores associados ao custo da obra civil, comoextensão dos dutos e seu diâmetro, assim comoapontar diretrizes de interdição de vias de grandeimportância no distrito. Assim como no sistemaanterior, as cinco faixas são elaboradas por sim-ples divisão dos valores obtidos, expressos porquatro fatores:

Extensão da rede de distribuição: distância entreo distrito a servir e a área de cobertura atual da con-cessionária.

Extensão da ramificação: somatório das vias in-ternas do bairro a servir.

Vale ressaltar que nesses dois parâmetros as fai-xas são consideradas em ordem inversa, ou seja,quanto menor a distância, maior o peso. Assim, dis-tritos localizados na área já parcialmente servida porgás canalizado recebem índice 5, expressando amelhor condição de atratividade.

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VANESSA MELONI MASSARA, MURILO TADEU WERNECK FAGÁ, MIGUEL EDGAR MORALES UDAETA

Densidade Construída: é obtida pelo quocienteentre a área construída por tipo de uso do solo (resi-dencial, comercial, serviços e industrial) e a área dodistrito, fornecido através do Cadastro de Imóveis daPrefeitura (SÃO PAULO, 2004). Em distritos comgrande densidade construída industrial, supõe-semenor investimento com ramificações (capilaridadeda rede de distribuição).

Vias de tráfego com grande importância: mes-mo com a evolução do processo construtivo, e es-tando a interdição de uma mesma quadra limitadaa dois dias, esse parâmetro indica a importânciado distrito como ligação entre bairros e outros mu-nicípios e a especial atenção que deve ser dada aoplano de interdição. O número de vias é obtido porsimples consulta a qualquer mapeamento de ruas,contabilizando avenidas e ruas de maior extensãodo distrito.

Resultados – estudo de caso na cidadede São Paulo

Através da atribuição de pesos relacionados àatratividade do gás natural, foram analisados três dis-tritos da zona norte da Cidade de São Paulo.

Como objetivo, propôs-se mostrar que distritosperiféricos com consumo de energia predominante-mente industrial que ainda não possuem rede, ou sãoparcialmente servidos pela distribuição de gás natu-ral, apresentam perfil de atratividade superior a outrosbairros já cobertos pelo serviço, apontando novos nú-cleos de consumo, passíveis de expansão da infra-estrutura. Através do mercado gerado pelo consumoindustrial, outros usos cotidianos, como residencial,comercial e serviços, podem ser criados mesmo queem bairros de menor poder aquisitivo.

A análise conjugada dos sistemas propicia acombinação de parâmetros formando pares de inte-resse específico. Por exemplo, quando o enfoque ésocial, a relação densidade demográfica e distribui-ção de renda ganha interesse com o objetivo de me-lhorar a qualidade de vida em áreas com maior con-centração populacional e menor renda familiar. Noâmbito técnico, a densidade construída representa-da pela verticalização residencial ou concentraçãoindustrial, bem como a distância do distrito a ser

servido daquele que já possui a rede, são aspectosdeterminantes.

Já no critério econômico, a distribuição de renda(desta vez sob o ponto de vista da relação de propor-cionalidade entre consumo e renda), a ocupação dosolo (médio ou alto padrão residencial, escritórios,etc.), o custo de ramificação da rede (expresso peladensidade construída por tipologia de uso) e a voca-ção imobiliária do bairro (tendência à ocupação deespaços vazios por pólos industriais ou a transfor-mação de domicílios horizontais em verticais) serãopreponderantes.

A verificação de cada bairro é relacionada com olevantamento análogo de seu entorno, tendo comobase sua distância euclidiana da área já servida.Essa observação é de suma importância para osdistritos da periferia, que podem mostrar, no estudonumérico, inadequação à expansão da rede, masque na análise conjunta dos distritos ao redor, commelhores índices de atratividade, podem vir a ofere-cer, a médio prazo, novos eixos de consumo.

Na amostra apresentada através da Figura 2,que utiliza a escala de valores com base na criaçãode cinco faixas de atratividade, é apresentado umexemplo da relação entre esses parâmetros. O índi-ce de atratividade é expresso como a somatória detodos os pesos nas diversas categorias estudadas.

Nessa análise preliminar, optou-se pela utiliza-ção de todos os parâmetros com distribuição depeso em intervalos de 1 a 5. No decorrer do estudo,a formulação de hipóteses e a verificação detalhadados “pares de características que se combinam”,através da aplicação do método de múltiplos critéri-os (AHP: Analytic Hierarchy Process) para apoiar amodelagem, irão definir o grau de influência que de-verá ser atribuído a cada parâmetro de acordo comsuas características (como, por exemplo, o consu-mo industrial que pode ou não ter maior influênciana atratividade quando comparado ao residencial etalvez deva ter um diferencial nos pesos iniciais de 1a 5, enfatizando essa maior importância). É tambémintenção da pesquisa evidenciar a controvérsia entreo menor investimento no suprimento industrial comgrandes consumos versus o maior investimento naramificação para servir outros usos em menor esca-la, mas que podem resultar em maior retorno àsconcessionárias.

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INDICADORES URBANOS NA PREVIS√O DE EXPANS√O DA REDE CANALIZADA DE G¡S NATURAL

Fonte: EMBRAESP, 2004 / EMPLASA, 2003 / PRODAM, 2004 / SEADE, 2004 / SEMPLA/ 2002

Figura 2Resumo da influência de parâmetros urbanos para a atratividadeao uso do gás natural canalizado

CONCLUSÕES

Dentre os parâmetros estudados na metodologia,o potencial de consumo de gás natural industrial foi oprincipal alicerce da demonstração.

São também determinantes da atratividade o po-tencial de consumo de GN, os usos residencial, co-mercial e serviços e a combinação uso do solo resi-dencial e uso industrial com probabilidade de incre-mento, bem como a proximidade dos bairros já servi-dos que conseguiram suplantar os baixos índices derenda familiar, desenvolvimento humano e urbano e,também, de inclusão social.

Outro ponto marcante do trabalho é a verifica-ção de que vários distritos centrais estão subutili-zando a infra-estrutura de GN. Bairros do centrohistórico da cidade de São Paulo que se caracte-rizam por baixa renda, uso misto com grande pre-dominância de indústrias e problemas com a eva-são populacional, que já ocorre há alguns anos,evidenciam o não aproveitamento da rede existen-te, como também outros distritos, de melhor ren-da e ocupação sofisticada, que apresentam po-tencial para adensamento dessa infra-estrutura,apontando a importância da abordagem desseaspecto na aplicação da metodologia em desen-volvimento.

Junto ao sistema computacional para cálculoautomático do índice de atratividade para qualquercidade brasileira será elaborado um “manual de

uso”, explicando como funcio-nará o programa e a simplifica-ção da atribuição de pesos paracada parâmetro em cidades demenor porte que não dispo-nham de plano diretor, mapea-mento e tabulações usados nacoleta dos dados.

Dessa forma, pretende-seidentificar as possibilidades de,em um futuro próximo, utilizar ogás natural canalizado em bair-ros próximos ao centro e em ou-tros periféricos com a mesmaintensidade e facilidade comque atualmente utilizamos, porexemplo, a energia elétrica, ge-rando empregos, desenvolvi-mento da nossa indústria e mai-or qualidade de vida para a popu-lação, independentemente desua condição social.

REFERÊNCIAS

EMPRESA BRASILEIRA DE ESTUDOS DE PATRIMÔNIO. Relatórioanual sobre número de lançamentos imobiliários por região.São Paulo: Embraesp, 2004.

EMPRESA METROPOLITANA DE PLANEJAMENTO. Sumário deDados da Grande São Paulo. São Paulo: Emplasa, 2003.

FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS. Pes-quisa Municipal Unificada. São Paulo: Seade, 2004.

IBGE. Cadastro Nacional das Atividades Econômicas. Rio deJaneiro: IBGE, 2003.

MASSARA, V. M.; FAGÁ, M. T. W. Distritos industriais comoalicerces da expansão da rede de gás natural em usos resi-denciais e comerciais. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE P&DEM PETRÓLEO E GÁS, 3., 2005, p.1-6.

MASSARA, V. M.; FAGA, M. T. W.; SANTOS, E. M. Ampliação demercado para o gás natural utilizando informações urbanas –Estudo de caso nos distritos paulistanos. Rio Oil & Gas Expoand Conference, p. 1-7, out. 2004.

SANTOS, E. M.; et al. Gás natural: estratégias para uma novaenergia no Brasil. São Paulo: Anamblume, 2002.

SÃO PAULO (SP). DEPARTAMENTO DE PROCESSAMENTO DEDADOS. Sumário de Dados 2004. São Paulo: Prodam, 2004.

SÃO PAULO (SP). SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTOURBANO. Plano Diretor estratégico do Município de São Paulo2002-2012. São Paulo: Sempla, 2002.

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EXEMPLOS:

Para Livros:

• BORGES, J.; LEMOS, G. Comércio Baiano: depoimentos para sua história. Salvador, Associação Comercial da Bahia, 2002, 206páginas.• Livro: Comércio Baiano: depoimentos para sua história (Título: Comércio Baiano; Subtítulo: depoimentos para sua história)• Autor: Jafé Borges e Gláucia Lemos• Editor: Associação Comercial da Bahia• Local de edição: Salvador• Ano da edição: 2002• Volume da edição: 206 páginas

Para Artigos:

• SOUZA, L. N. de. Essência X Aparência: o fenômeno da globalização. Bahia: Análise & Dados, Salvador, SEI, v.12, n.3, p.51-60,dez.2002.• Artigo: Essência X Aparência: o fenômeno da globalização• Autor: Laumar Neves de Souza• Publicação: Bahia: Análise & Dados• Editor: SEI• Local de edição: Salvador• Data de edição: dezembro de 2002• Volume da edição: 12• Número da edição: 3• Páginas referentes ao artigo: 51 a 60• A data escolhida para a referência pode ser a da edição utilizada ou, preferivelmente, a data da edição original, de forma a

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