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 Baixa-Verde  Outras Histórias 

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Baixa-VerdeOutras Histrias

Baixa-VerdeOutras Histrias

Aldo Torquato

Baixa-VerdeOutras Histrias

2012

FICHA TCNICA e CRDITOS AUTORAIS DO LIVRO 2012 Aldo Torquato Reviso: Aldo Torquato Capa e Diagramao: Luciano Almeida Impresso: Grafipel - Grfica e Editora Capa: Loja da Firma Joo Cmara e irmos, retrato falado de Antnio Proena, Bloco os Gnios e, abaixo, inscries ruprestes no amarelo. 1 edio 1 impresso DIREITOS RESERVADOS: dos textos, das fotografias e das reprodues fotogrficas ao respectivo Autor; sendo autorizada a reproduo desta obra pelo autor. Tiragem : 500 exemplares

Biografia do Autor .............................................................................. Dedicatria .......................................................................................... Prefcio ................................................................................................ Introduo ...........................................................................................

Parte I - Olhares sobre o passado e o presente Na Fazenda Santa Rosa......................................................................... Retalhos do Caminhar de uma famlia nordestina ................................................................................. A Serra do Torreo ................................................................................ A feira livre e os mercados pblicos ..................................................... Baixa-Verde: Uma ddiva do trem........................................................ Como surgiram os nossos bairros ......................................................... O centenrio de Baixa-Verde ................................................................ Boca Jnior, um time que ficou na histria .......................................... As festas dos reencontros da Colnia Baixaverdense ......................................................................... Saudade dos carnavais de outrora ......................................................... O Espao Cultural ................................................................................. A valorizao dos nomes da terra ......................................................... 25 Anos dos grandes terremotos ...........................................................

Parte II Das Figuras Humanas Antnio Proena, O Engenheiro que fundou Baixa-verde............................................................................... Dona Maria Cmara, um ser humano insupervel................................ Mdicos, praticos, parteiras e curandeiros............................................ Guilherme Fogueteiro, O artfice dos fogos ......................................... Z Ticha, O artista do couro.................................................................. Melcades de Souza, testemunha ocular da histria................................................................................... Professor Evaristo de Souza, Patrono da Biblioteca Pblica Municipal........................................................... Irm Therezinha, uma bno para o Amarelo dos Mendonas ......... Parte III - Apndices Idema - Perfil do Municpio.................................................................. Informaes Estatsticas ....................................................................... Lei de criao do Municpio de Baixa-verde........................................ Lei que d nova denominao ao Municpio e cidade de Baixa-Verde ....................................................................... Decreto de criao da Parquia de Nossa Senhora Me dos Homens.......................................................... Ata de inaugurao do grupo escolar Antnio Gomes ................................................................................. Primeiro registro de nascimento feito no Cartrio de Baixa-Verde .................................................................. Datas mais significativas ......................................................................

BIOGRAFIA DO AUTOR

Aldo Torquato, quando prefeito, em cima da caixa dgua elevada da Caern, poucos dias antes da inaugurao (1982).

Aldo Torquato nasceu no dia 03 de fevereiro de 1951, em BaixaVerde, na rua Capito Jos da Penha, antigamente conhecida como rua do Motor. o segundo filho do casal Abdon Torquato da Silva e D. Tereza Gomes da Silva. Casado com Rosngela Lcia da Cmara Torquato, pai de trs filhos: Pedro Severo, Nirvana e Mariana. Fez o curso primrio no Grupo Escolar Cap. Jos da Penha e o ginasial no Colgio Joo XXIII, ambos em Joo Cmara. Deslocando-se para Natal no ano de 1966, cursou o clssico na Escola Estadual Padre Miguelinho e prestou vestibular para o curso de direito da UFRN no ano de 1969. Formou-se bacharel em Cincias Jurdicas em 1973. Desde ento, exerce a advocacia, com um breve intervalo durante o perodo em que ocupou a Prefeitura Municipal da sua terra. Com pendores para o magistrio, foi professor de diversos colgios em Natal e Diretor das

Escolas Estaduais Cap. Jos da Penha e Francisco Bittencourt, em Joo Cmara, alm de professor do Colgio Joo XXIII. Foi vereador por trs vezes (1971-1973), (1973-1977), 19931996). Exerce atualmente o quarto mandato de vereador, havendo sido Presidente da Cmara, no binio 2009/2010. Por haver assumido o seu primeiro mandato de vereador aos 19 anos de idade, ainda hoje, na histria do Municpio, o cidado que com menos idade assumiu o cargo de vereador. De 31 de janeiro de 1977 a 31 de janeiro de 1983 exerceu o mandato de Prefeito de Joo Cmara, sendo o primeiro filho da terra a assumir tal cargo. Como prefeito fez uma administrao repleta de realizaes, sendo a maior delas a viabilizao do abastecimento dgua da cidade, um antigo sonho de vrias geraes. Em 2004 lanou o livro BAIXA-VERDE Fatos, Causos e Coisas.

No campo profissional, atuou como Procurador Jurdico de diversos municpios do Rio Grande do Norte, tendo atuao destacada por ocasio da elaborao de suas Leis Orgnicas. Foi, tambm, Procurador da URBANA, Assessor da Superintendncia da LBA, em Natal e Coordenador Jurdico do Instituto de Gesto das guas do Rio Grande do Norte IGARN. Tem escritrio na capital do estado, onde exerce a advocacia no campo do direito municipal, trabalhista e de famlia. Como Presidente da Cmara Municipal, criou a Coleo Baixaverdense com o objetivo de lanar um livro por ano sobre a histria do municpio ou qualquer outro assunto de natureza literria, prosas ou poesias. No primeiro ano da sua administrao comoPresidente(2009),lanouolivroBaixaVerde Razesdanossahistriacomextratosde cinco livros contando a histria do municpio at o ano de 1935. No ano seguinte (2010), lanouBaixa-Verde SuaVida,seusCostumes, Tradies e Crendices de Gumercindo Saraiva. De ambas as edies, foram distribudos gratuitamente 2 mil livros populao, principalmente professores e estudantes,mastambmatodososinteressados. Ainda como Presidente da Cmara reinaugurou o Telecentro Estudante Andr Torquato Paulino, para qualificao de jovens em Informtica; criou o Espao

Cultural Professor Paulo Pereira dos Santos, onde se realizam exposies permanentes de fotografias contando a histria do municpio (o Espao serve tambm para lanamento de livros, aulas extraclasse e coquetis, aps sesses solenes) e criou a Biblioteca Professora Gracinha Varela, que conta com um acervo de mais de 2 mil obras, todas doadas por amigos e conterrneos. Como vereador, apresentou dezenas de importantes projetos de lei, tais como o que redefiniu o Permetro Urbano, o que tornou obrigatrio o ensino de Histria do Municpio, estabeleceu regras para o disciplinamento do Concurso Pblico, a criao do Bolsa-Atleta, a denominao de ruas, e muitos outros. Tambm exerceu com eficincia o seu papel de fiscalizador dos atos do Executivo municipal. Sua assiduidade s sesses da Cmara Municipal, serve de exemplo para as atuais e futuras geraes: 98% em 2009 (faltou apenas a uma sesso, porque estava em Campos dos Goitacazes-RJ, acompanhando a esposa e a sogra, que visitava a sua me octogenria); obteve 100% de presena em 2010 e 100% em 2011 e at este ms de abril de 2012, quando este livro foi escrito, mantm a performance de 100% de presena s sesses, sejam elas ordinrias, extraordinrias ou solenes.

O autor com a sua cachorrinha Baleia

Dedico este livro a todas as pessoas que, oprimidas, no se submetem; humilhadas, no se abatem; injustiadas, no se dobram; amordaadas, no se calam. Porque delas ser feito o reino das liberdades.

Avida combate, que os fracos abate, os fortes, os bravos s faz exaltar. Gonalves Dias, poeta maranhense.

Dedico, tambm, a todos os que me acompanharam ao longo dos anos, nas lutas polticas, simbolizados in memoriam em duas pessoas: o velho e querido amigo, Artur Ferreira da Soledade, smbolo de honestidade e firmeza de carter, bem como a minha inseparvel amiga Luiza Nunes, a quem serei eternamente grato pelas flores que me entregava nos comcios.

Ter sido escolhido pelo autor desta obra para fazer o seu prefcio para mim motivo de muita alegria. Ao mesmo tempo, pesa sobre os meus ombros uma grande responsabilidade por no ser uma pessoa que tenha cabedal de conhecimento na rea, mas, mesmo assim, aceitei o desafio e vou tentar cumprir a misso que me foi confiada, pois considero se tratar da apresentao de um livro que retrata com muita riqueza de detalhes a histria vivida de geraes passadas e tambm presentes, e o mais importante: ressuscitando a memria dos que j se foram e imortalizando os que esto vivos. Neste livro, o autor demonstra a preocupao por um assunto que deve preocupar todos os seres racionais, que tem olhos para ver, ouvidos para ouvir e mente para pensar. Refiro-me ao cuidado que devemos ter em preservar a nossa histria e os costumes do nosso povo, porque povo que no cultua o seu passado, no tem presente e no ter futuro. prudente sempre lanar um olhar ao passado para poder analisar o presente e planejar o futuro, e, neste contexto, caro amigo leitor, voc pea importante. Basta voc procurar a secretaria de Cultura do seu municpio ou um escritor como o Dr. Aldo Torquato, contar as suas experincias de vida, seus causos e passar a fazer parte da histria da sua cidade e do seu municpio. Esta obra retrata vrias histrias contados por pessoas da nossa cidade, diretamente ou por meio de terceiros, como por exemplo, Z Ticha, dona Pedrozina, Melcades de Souza, professor Evaristo de Souza e tantos outros, mdicos, prticos, curandeiros, pessoas do povo. Seja voc o prximo a fazer parte desta estatstica e ter o seu nome imortalizado. Quero aqui afirmar que os caminhos percorridos por meu amigo Aldo, se encontraram em muitos pontos com os meus, principalmente, no tocante vida na fazenda. Ele viveu a sua infncia em uma fazenda localizada na zona de transio entre o agreste e o serto, eu vivi a minha infncia em uma fazenda localizada no serto da tromba do elefante, na divisa do Estado do Rio Grande do Norte com o Cear, bem prximo da serra dos Basties. Como na fazenda do av de Aldo, l na fazenda do meu pai a casa tambm era de taipa, com o piso de tijolo de

ladrilho, dotada de um grande alpendre, que era o lugar predileto da famlia ao cair da noite, para reunidos ficarem contemplando o cu: constelaes como o Cruzeiro do Sul, o Sete Estrelas e a Arca de No para saber se o inverno ia ser bom, e, ao mesmo tempo, era no alpendre que todos ficavam esperando a chegada impretervel do vento nordeste, aquela brisa saudvel que eliminava o forte calor deixado pelo sol causticante durante o dia.Asala era ornamentada pela Cantareira de trs compartimentos, onde se colocavam os potes para receber a gua vinda da cacimba. Na sala de jantar, uma mesa feita de tbua de cedro de 3 metros quadrados, uma forquilha de 3 ganchos para botar a nata tirada do leite e um prato muito grande feito de barro para torrar caf em caroo adoado com rapadura raspada, que depois de modo no velho moinho, estava pronto para ser servido aos visitantes. O livro BAIXA-VERDE OUTRAS HISTRIAS, o segundo escrito pelo Dr. Aldo Torquato, exprime a leveza e o vigor genial dos alsios que acariciam a sua cidade de Joo Cmara, sua terra natal e o seu povo, sendo o autor um homem com mais de 40 anos de vida pblica, que nunca abdicou da paixo que tem pela cultura. Esta obra demonstra e valoriza o lado espiritual e intelectual do autor, que tambm grande advogado, excelente administrador, timo orador e escritor dos maiores da nossa terra. Convm registrar, ainda, que o Dr. Aldo Torquato, ocupando a Presidncia da Cmara Municipal de Joo Cmara (2009/2010) organizou e lanou dois outros livros: BAIXA-VERDE RAZES DA NOSSA HISTRIA, reunindo textos de vrios autores, e BAIXAVERDE Sua Vida, seus Costumes, Tradies e Crendices, livro dividido em duas partes: a biografia do escritor conterrneo Gumercindo Saraiva e o texto escrito pelo prprio Gumercindo, a pedido do ento prefeito Aldo Torquato, por ocasio do Cinquentenrio de emancipao poltica do Municpio, no ano de 1978, em cujo texto o famoso folclorista narra fatos vividos na Baixa-Verde da sua infncia. Por fim, gostaria de parabenizar o autor pela excelente obra e, tambm, agradecer pela honraria de presentear-me com este momento, que se tornar eterno em minhas lembranas, e ser mais uma expressiva contribuio democratizao da cultura em nossa terra. Luiz Gameleira do Rgo

A pesquisa dos fatos histricos, por mais apurada que seja, sempre deixa lacunas. No minha inteno, como simples observador, ouvinte, perguntador e narrador dos mais diversos e variados aspectos da histria do nosso municpio, esgotar os assuntos. Seria muita pretenso! O que desejo mesmo dar a minha modesta contribuio, trazendo luzes, mesmo tnues; repondo verdades, s vezes distorcidas; reavivando lembranas, adormecidas. Neste livro, ao qual dei o ttulo de BAIXA-VERDE OUTRAS HISTRIAS, procurei despertar a ateno dos leitores para alguns temas e personagens que no foram objeto de obras anteriores. Ou, pelo menos, no devidamente valorizados. Como diria o ex-presidente Jnio Quadros, fi-lo porque quis, com a deliberada inteno de incluir em nossa historiografia lugares, fenmenos, coisas e pessoas que ainda no tinham sido adequadamente consideradas por nossos escribas, nos quais me incluo. A tarefa de aprofundamento dos temas tratados neste livro o desafio que proponho aos historiadores, pesquisadores e curiosos presentes e futuros. Impressiona-me o entusiasmo que anima o pesquisador. A cada descoberta parece que uma pepita de ouro foi achada e, como faz o garimpeiro, a expectativa de uma preciosidade ainda maior logo frente, lana-o ao trabalho novamente. Ao final, a publicao dos resultados do seu labor o prmio almejado. Lana-se um livro ao leitor, como um filho ao mundo. Mundo, cuide do seu filho! Leitor, cuide do seu livro! Eis que eles no mais me pertencem Aldo Torquato

PARTE I

OLHARES SOBRE O PASSADO E O PRESENTE

NA FAZENDA SANTA ROSAApresso-me em dizer que a fazenda Santa Rosa, em nada se parece com o engenho homnimo de que fala Jos Lins do Rgo, em Menino de Engenho. Ao contrrio do fausto das grandes propriedades da zona da mata, fundadas em terras de primeira qualidade, solo profundo, abenoadas por longas e regulares invernadas, ocupadas pelo plantio da cana-de-acar, trabalhadas pelos escravos ou seus descendentes, as pequenas fazendas do interior, encravadas na caatinga, em pleno semi-rido nordestino, regadas com o sangue e o suor do sertanejo de mos calosas, constituem-se em um desafio permanente do homem natureza. Vista por esse ngulo, a fazenda Santa Rosa nada mais era que um retrato trs por quatro das milhares de outras que existiam e ainda existem no serto. Conhec-la, adentrar quele ambiente de homens, mulheres e bichos filhos do sofrimento. Vamos ao relato. Meu av paterno, Pedro Torquato, por volta do final da dcada de dez do sculo passado, deslocou-se da localidade Passagem do Meio, s margens do rio Cear-Mirim, para o nascente povoado de Baixa-Verde, onde havia uma estao de trem e algumas casas recm construdas. Chegando s proximidades do lugar, achou por bem arranchar-se. Numa pequena elevao do terreno, construiu a sede da sua nova morada e tomou para si o que pode cercar com a fora dos seus braos, da sua mulher, Belarmina, e dos filhos,

todos pequenos. Ao todo, quase trezentos hectares de terra. A esse pedao de cho, deu o nome de Fazenda Santa Rosa. Foi ali que vivi quase toda minha infncia. A casa da fazenda Santa Rosa era daquelas de duas guas. A construo, em taipa, sem reboco em nenhum dos compartimentos. Os cmodos, dos mais simples possveis: dois quartos, duas salas, uma pequena cozinha e um alpendre que protegia a frente das intempries e servia de abrigo para os homens e para os animais. Nada mais que isso. O piso de todos os compartimentos era de terra batida. Evidente que no havia forro, artigo de luxo somente reservado s casas dos mais abastados. As meias-paredes serviam tanto pra deixar correr o vento, refrescando os ambientes, como para apoio das mais variadas coisas: arreios, cordas, roupas e armadores de redes. Como no havia luz eltrica, as lamparinas eram acesas logo que os ltimos raios do sol iam-se. At o trmino da ceia, uma lamparina ficava em cima da mesa, apoiada sobre uma lata de litro, enquanto a outra ficava na cozinha. Depois do jantar, apagava-se uma lamparina e a outra ficava apoiada em cima de uma das paredes que dividiam os compartimentos, de tal modo que, com a propagao da luz facilitada pela escurido, todos os ambientes ficavam relativamente claros. Em cada cmodo havia uma janela de umburana, exceto o quarto da frente, que tinha duas: uma para o curral e outra para o alpendre, todas trancadas por dentro por uma trave de madeira.As portas, de duas bandas.A de baixo era fechada por uma tramela, a de cima por uma fechadura comum. Naquele tempo, era costume construir-se o curral no oito das casas. No caso da Santa Rosa o curral ficava colado com os quartos, separados apenas pela parede de taipa. Aumentava assim nossa convivncia com os animais. Dividamos o mesmo pedao de cho, separados apenas por alguns centmetros de barro, estacas e varas, que formavam a taipa. Por essa razo, o bater do chocalho de uma rs, as estocadas de chifres, os ressonos, o suspirar que os animais faziam ao se deitar, as investidas que o touro dava numa vaca no cio, tudo nos era permitido ouvir. Quando vez por outra, um animal era jogado contra a parede do oito, sentamos o balanar do barro e o tremer das redes de dormir. Apesar da proximidade, no havia qualquer fedentina. Do gado se aproveita tudo, dizia meu av. Nas noites frias de julho e agosto, quando a cruviana adentrava pelas brechas das velhas telhas de barro, muitas vezes acordei pela madrugada, com uma insuportvel vontade de urinar. Quando isso acontecia, abria a janela e, sem sair do quarto, utilizando-me de um tamborete para ascender janela, urinava dentro do curral. Depois, ia dormir novamente. A moblia era extremamente simples: na sala que seria comumente reservada s visitas e aos bate-papos, ficavam quatro tamboretes, uma cela e uma cangalha do jumento roxinho; na sala de jantar, uma mesa, dois bancos de

madeira e uma cristaleira, onde eram guardados os poucos pratos, xcaras, pires, canecos, garfos e facas; na cozinha, um fogo lenha, feito de barro, com uma grelha de ferro. As cinzas eram recolhidas na parte inferior do fogo e depois utilizadas para algumas poucas coisas, como por exemplo: limpar a tisna das panelas e cicatrizar feridas e cortes. No quarto da frente, reservado ao casal, havia uma cama, um velho ba e dois tamboretes. No outro, apenas uma cama, as redes penduradas nas paredes e um ba. Em um recanto da sala de estar ficava a mquina de costura Singer, mquina de p, que era consertada de trs em trs meses por Lauro Alves, que vinha do Mato especialmente fazer a sua manuteno.Alm da agricultura, era desse ofcio que Lauro vivia. A alimentao era igualmente corriqueira: bem cedinho, tomava-se leite no curral e depois de solto o gado e feitas algumas tarefas, ia-se tomar o caf com po, batata doce, macaxeira e cuscuz. O almoo era servido por volta do meio-dia, com feijo branco ou verde e um pouco de carne de boi, pre ou passarinho, farinha e rapadura. Vez por outra, minha av Belarmina preparava uns frangos para o abate. Dois ou trs meses antes, os frangos escolhidos eram capados. Por isso eram chamados de capes. O corte era costurado com linha e coberto com cinza recolhida do borralho. Depois, o capo passava por um processo de ceva at o abate. A gordura e a carne macia dos capes constituam refeio especial, ansiosamente aguardada. A ceia saa logo que a noite chegava e era servida com coalhada, adoada com rapadura, e farinha, caf, feito com gro torrado em casa, passado no coador de pano, e po ou bolacha, comprados na padaria de Joo Urbano, que ficava na rua, mais precisamente na Praa Presidente Vargas, atual Praa Baixa-Verde. Todo o dia tardinha eu ia no burro roxinho, em osso, comprar o po. Quando no havia caf, meu av colhia ou mandava-me colher razes de pra-tudo, que brotava espontaneamente no ptio, e com elas fazia-se um ch que substitua o caf. Banheiro completo no havia. As necessidades fisiolgicas eram feitas no mato. Papel higinico, nem pensar. Limpava-se a bunda com folhas de carrapateira, marmeleiro ou, ainda, com sabugo de milho, carratichento que s ele. s vezes - supremo conforto -, sobrava um pedao de papel-jornal que antes servira para enrolar o po e era com ele que a gente se limpava. Quando as tarefas do dia-a-dia terminavam, os homens tomavam banho no barreiro mais prximo do local de trabalho, ensaboavam-se com sabo em pedra, secando-se aos poucos com o calor do prprio corpo. As mulheres utilizavam um pequeno reservado do lado de fora da casa, detrs da cozinha, protegidas por um anteparo de madeira. As noites eram longas e calmas. Logo aps a ceia, ficava-se conversando no alpendre. A vista corria da direita para a esquerda procurando identificar coisas que puxassem algum comentrio, quebrando a monotonia. O reflexo da luz do trem noturno muito distante, ainda pras bandas de Taipu; os

primeiros raios da lua que mais tarde nasceria; o troar da ronqueira no rumo da Pousa, pros lados de Taipu, saudando alguma festa de aniversrio ou casamento; o fogo-do-batato no horizonte, mais ou menos na direo da fazenda Aroeira, movendo-se de um lado para outro, como se fosse algo sobrenatural; um fortuito facho de luz de um carro perdido nas estradinhas carroveis da beira do rio Cear-Mirim; reflexos distantes de relmpagos pros lados do serto do serid ou do Cabugi, a prenunciar chuvas nos prximos dias em nosso cho. Meu av no era muito chegado a adivinhao de chuvas, cria mais no folheto de Joo Ferreira de Lima, que detalhava dia a dia quando iria chover ou no. Comprar o folheto de Joo Ferreira de Lima uma vez por ano era obrigao. Quando era noite de lua cheia, vamos perfeitamente a figura de So Jorge, montado no seu cavalo, tendo na mo esquerda uma enorme lana apontada na direo do drago. Sem mais novidades no horizonte, nosso olhar deslocava-se para o cu estrelado: ao centro, no sentido leste-oeste, correndo feito um rio de leite, a Via Lctea, nossa galxia, aparentemente to prxima; nossa direita, a constelao Cruzeiro do Sul, com as duas Marias aos ps da cruz, chorando a morte de Jesus crucifixado; no poente, brilhante como nunca, a estrela d'alva, como conhecido o planeta Vnus; ao centro da abbada celeste, o seteestrelas. De vez em quando, uma estrela se mudava. Era assim que nos referamos s estrelas cadentes, pequenos meteoros que explodiam ao contato com as camadas superiores da atmosfera terrestre. Olha uma estrela caindo, dizia eu, apontando com o dedo indicador. Meu av logo ralhava: meu filho no faa isso. Cuidado, cada vez que se aponta para uma estrela que est caindo nasce uma berruga no dedo de quem est apontando. Anos depois, pela minha adolescncia, dezenas de verrugas nasceram no meu corpo. Bem que meu av falava! Depois das nove, amos deitar. Por vezes o sono demorava a chegar. Era quando surgiam as histrias de assombrao, almas penadas e botijas. O demnio que costumava aparecer nas estradas ermas; a nambu que no morria, apesar dos inmeros e sucessivos tiros; a me-d`gua, que puxava os meninos pra o fundo dos barreiros. Os movimentos no lado de fora da velha casa eram tidos como estripulias da caipora, que no parava de surrar os animais. Para anuviar mais ainda o ambiente, um rasga-mortalha lanava seu grito lancinante. T`esconjuro, dizia meu av, que entendia aquele grito da ave noturna como o prenncio de desgraa na famlia. Passados vrios minutos, sem mais ter o que inventar, as conversas rareavam. Era hora de dormir. Rezava-se o pai-nosso e o credo. Antes, porm, de conciliar o sono, meu av pedia-me que lhe lesse alguns captulos da Histria Sagrada, um velho livro ilustrado que guardava no seu ba, e contava a histria da famlia de Jesus, desde o passado mais remoto, de Abrao, que veio de Ur, na Mesopotmia, atual Iraque, at Moises - o salvo das guas - que

ficou quarenta anos vagando pelo deserto com o seu povo, at encontrar a terra prometida, onde corria rios de leite e de mel; a anunciao, o nascimento de Cristo, a fuga da famlia para o Egito, montada em um jumento que ainda hoje carrega a cruz desenhada no seu dorso; os primeiros milagres e, finalmente, a crucificao e a ressurreio. Por noites incontveis li e reli aquele livro para meu av ouvir. Quando ele dava os primeiros sinais de que adormecera, fechava o livro e ia dormir tambm. s vezes, porm, esquecia de apagar a lamparina, tal era o sono. Quando isso acontecia, acordava pela manh com as narinas entupidas de fuligem, embora a lamparina j tivesse se apagado h algumas horas. Queimara todo o querosene e parte do pavio de algodo. Quando os primeiros raios do sol nascente penetravam por entre as frestas das janelas, os pssaros comeavam a particular sinfonia. Dezenas, talvez centenas, de galos-de-campinas, canrios, bigodes, golinhas, azules, pintassilgos, saudavam o amanhecer ainda agasalhados no juazeiro que lhes servira de pousada. A natureza, que parecia adormecida, explodia em cores e cnticos. Em vida. As vacas, j ordenhadas, eram soltas com os seus bezerros e saiam escaramuando ptio afora. Pouco depois, subitamente, paravam o bailado e comeavam a pastar. Voltar ao curral, s pelas quatro ou cinco horas da tarde. Quando chegava a hora do retorno, bastava que se dessem alguns aboios. Algumas levantavam a cabea, compreendendo o chamado e comeavam a dar os primeiros passos na direo do curral, sendo acompanhada pelas demais. Quando acontecia de alguma vaca recm parida perder o bezerro digo perder no sentido de morrer era comum ver-se o choro da me desconsolada, urrando de dor diante do corpo inerte do filho to esperado. Os animais so menos irracionais do que se imagina. As tardes - belas tardes douradas! - principalmente durante os perodos invernosos, eram mgicas. De vez em quando, formavam-se arcoiris com a decomposio dos raios solares incidindo sobre as chuvas finas que vinham das bandas de Taipu. Os mais velhos diziam: esse arco-iris vai chupar toda a gua da chuva. Outros falavam: quem passar por debaixo de um arcoiris vai ficar cabeludo como um macaco. Depois, as chuvas passavam. O cu limpo e lavado ficava mais bonito ainda. Os raios solares derramavam-se em dourado sobre a relva multicolorida. Refeitos da chuva, os pssaros saiam dos abrigos e soltavam seus cantos a plenos pulmes. Do alto do juazeiro, o galode-campina estalava; as nambus nos campos chamavam umas pelas outras; os canrios da terra entoavam seus cantos maviosos. Verdadeira sinfonia da natureza festiva e festeira tomava conta do ambiente. Aos poucos, a sombra da casa da fazenda ia se estirando sobre a terra, crescendo, crescendo, at confundir-se com a noite que chegava. Nessa hora mgica, os sons do dia iam sumindo aos poucos: a nambu dava seus ltimos cantos; os pssaros todos silenciavam; as galinhas recolhiam-se ao poleiro; as ovelhas e vacas cuidavam

de se deitar. Por poucos minutos, silncio quase total. Logo, logo, outros sons faziam-se ouvir. Eram os sons da noite: coachar de sapos, pios de corujas, cantar dos grilos, esgar de rasga-mortalhas, alertas de tetus no ptio, sempre atentos qualquer ameaa. s vezes uma raposa aproximava-se em busca de galinha no poleiro. Logo os cachorros davam-lhe conta. Quando no a pegavam de sada, embrenhavam-se mato adentro. A pobrezinha na frente em desabalada carreira e os cachorros atrs. Depois de alguns minutos, o silncio. J no havia mais raposa. Os cachorros retornavam casa com o dever cumprido. Nossa ateno, que ficara por alguns minutos voltada para a refrega, agora podia ser novamente direcionada para as conversas habituais. No havia relgio. As horas eram assim identificadas: quando o galo cantava pela primeira vez, era meia-noite; o segundo canto era sinal de chegada da madrugada; o bater de asas do galinheiro e o terceiro canto do galo eram sinais infalveis de que o dia se aproximava; o nascer do sol era sinal das seis horas; nove horas, era quando o sol estava alto; meio dia, quando o sol estava a pino; trs horas da tarde, quando o sol estava pendendo; cinco horas, a tardinha; seis horas da noite, quando o sol se escondia. Os sbados eram os mais agradveis e movimentados dos dias. Logo cedinho comeava o passa-passa de gente vinda da beira-do-rio Cear-Mirim para a cidade. Era dia de feira livre, como ainda hoje o . Meu av ficava sentado no alpendre vendo o movimento e retornando os bons dias dos amigos. Da Passagem do Meio vinha sua prima Joana e Jos Olaro. Da Ladeira Grande, Joaquim Carlos, Antnio Carlos, Joaquim Julio, Ccero Honrio, Pedro Flauzino e Chico Zeca. Da Gangorra, Adauto Soares, sempre montado em um burro-mulo da melhor qualidade. A CORRIDA DA MEMRIA Sbado tambm era o dia reservado aos casamentos dos matutos do interior. Logo depois da cerimnia na cidade, os amigos e parentes dos noivos se reuniam ao lado da nossa casa, todos montados nos seus pangars, e partiam em disparada na direo da casa dos recm casados. O cavaleiro da frente levava uma fita vermelha, que ia sendo passada de mo em mo medida que outro cavaleiro o alcanava. E assim, quem chegasse no destino final com a fita vermelha na mo ganhava o prmio: ser o primeiro a danar com a noiva no baile do casamento. A FAUNA - Naqueles tempos, a fauna ainda restava praticando intocada. Na fazenda Santa Rosa havia quase todo tipo de bicho: alm dos pssaros que dormiam no juazeiro, rolinhas brancas, pedreses e roxas; sanhaos, nambus (do p roxo e do p encarnado), anuns pretos e brancos; papa-sebos, papa-arroz, sabis, anumars, beija-flores de vrios tamanhos e cores, verdelinhos (que s andavam em bandos de cinco a dez indivduos), cances, gavies, urubus, tetus e uma quantidade enorme de pequenos pssaros, genericamente chamados por ns simplesmente de sibites, ou caga-

sibites. Eram os pssaros pequenos, feios, que quase no cantavam ou emitiam apenas rpidos pios. Quando um menino era mirrado, desnutrido, cabelo escurrupichado, ns o apelidvamos de sibite-baleado. Um dos passarinhos que mais me chamava a ateno era o salta-toco. Pequeno, preto retinto, o salta-toco s aparecia nas pegas de inverno. No sei onde se escondia durante os perodos de seca. Contente, ficava nas cabeas das estacas saltando intermitentemente, soltando o seu canto de alegria quando chegava ao alto e retornando ao mesmo ponto. Repetia o ritual por horas a fio. E assim a vida continuava em toda a sua simplicidade e beleza. No mato ainda se encontravam muitos bichos: gato-do-mato, que era um pequeno felino, temido pelos moradores da regio; raposas; cobras de diversos tipos: corais, cascveis, de veado, de cip, papa-ovo, saramanta e verde; lagartixas e calangos; camalees e tejuaus ou simplesmente tejos, como eram conhecidos; tatus pebas e verdadeiros e pres, que eram pegos em fojos um buraco coberto com uma tbua basculante - ou em quixs, feitos de pedra, que caam quando o roedor mordia a isca, provocando o desarme da armadilha. A FLORA - A flora da fazenda Santa Rosa era tpica da caatinga: juazeiros, marmeleiros, faveleiros, catingueiras, sabis, juremas pretas e brancas, pereiros, facheiros, cardeiros, mofumbos, canafstulas, entre tantas outras. No cho, coroas-de-frade, macambiras e xique-xiques, as chamadas plantas xerfilas, adaptadas s condies indigestas do semi-rido nordestino. Convm dizer que a algaroba, atualmente to comum, no havia ainda sido introduzida na regio, o que s veio a acontecer por volta dos anos setenta. AS SECAS - Enfrentar secas terrveis era a rotina. Uma das mais dolorosas foi a do ano de 1957 pra 1958. A terra tremia ao meio-dia como se estivesse pegando fogo. Os animais sobreviveram graas s macambiras, facheiros e cardeiros queimados. O medo era que se acabasse esse ltimo recurso. Os animais mais fracos caam e eram levantados pelos braos esqulidos dos homens. Colocados em uma espcie de pu ficavam ali dias e dias se debatendo, at que morriam feridentos. Travava-se uma luta diria contra a morte iminente. Quando no havia mais jeito, arrastava-se o animal morto at um local distante, onde os urubus faziam a festa em rodopios pelo ar escaldante. Bem que dizem que uns morrem para dar vida a outros! As cabeas de gado, de to poucas, eram conhecidas pelo nome, por sua vez colocado, quase sempre, de acordo com algum sinal que o animal trazia no corpo ou pela prpria cor da pele (Viadinha, Caf, Bargada, Estrela, Corao). Os cachorros eram chamados de Fox (Raposa), Peri e J Pegou. O borrego de estimao, criado em casa, era Mimoso. Muitos anos depois descobri que s gado de pobre ou de muito rico tem nome. OS INVERNOS - Depois de longos e interminveis meses de angstia, nossos olhos compridos vislumbraram pras bandas do alto serto os

primeiros sinais de inverno. Longnquas barras na linha do horizonte pouco a pouco se achegavam. Um ms depois dos primeiros sinais, j se viam os coriscos feito faca de fogo rasgando o bucho do cu como disse certa vez o poeta Z da Luz. O inverno estava pegado. A natureza, que parecia morta, explodiu em cores. Anatureza em festa Verde de todos os verdes Amarelo de todos os amarelos Azul de todos os azuis Lils tambm Cores de todas as cores S no h lugar para o preto Que a cor da seca e da tristeza Com a chegada das primeiras guas, os sapos e rs encetavam uma sinfonia que igual nunca vi. Nem pela televiso, anos depois. Os zigue-zigues davam rasantes sobre a gua do barreiro, at pouco tempo seco esturricado. Salta-toco que estava sumido, voltou. Onde s havia osso, j se podia ver carne. Com as costelas j encobertas, a sustana provocava o cio das fmeas. Meses depois viriam os bezerros e o leite, a coalhada, o queijo, a fartura. A limpa do mato era feita por ns trs: eu, com uma enxadinha pequena, meu av, com uma enxada mdia e Joo Ramos, um homem alto e espadado, primo do meu av, que corria na frente, com uma enxada grande, cortando mato como se fosse queijo. Meu av ficava na sua poeira e eu na poeira dos dois. OS REMDIOS CASEIROS - Quando algum adoecia no se procurava farmcia. Os remdios estavam todos ao derredor. Pra dor de dente, um chumao de algodo molhado com o primeiro mijo do dia; pra cicatrizar ferida renitente, barro molhado; para estancar o sangue proveniente de um corte, borra de caf; pra p ou mo desmentidos, chumaos de pinho e compressas de gua quente; pra bucho inchado, ch de capim santo ou de erva cidreira; pra lombriga, ch de galinha de melo-caetano; pra catarro, lambedor de cumaru; pra pancadas, brao ou perna quebrada, vassourinha ou mastruz com leite. O dentifrcio era a raspa da casca do juazeiro, que se passava nos dentes com os dedos. Recorria-se tambm s rezas. Menino com olhar banzo, febre insistente e caganeira era logo levado para a cura de Chico Mata. Feito o trabalho, se o ramo verde ficasse murcho era sinal de que havia mal-olhado. Curava-se tambm os animais: no rastro e no vento, tarefa quase sempre desempenhada por Joo Batista. Quando um animal desaparecia, havia uma orao prpria para faz-

lo voltar. Certa tarde, uma vaca que estava sumida h mais de uma semana voltou urrando e escavacando o cho com as patas dianteiras e os chifres. A porteira do curral estava aberta, como a esperar o seu retorno. Logo que a vaca entrou, minha av Belarmina foi em cima da porteira e de l tirou um rosrio. J havia cumprido a sua misso. A PAISAGEM - Durante os muitos momentos de no-ter-o-quefazer, a gente ficava olhando o horizonte. Havia duas pedras embaixo do alpendre, ambas ainda hoje preservadas. Uma delas, avermelhada e maior, ficava na porta de entrada da casa; a outra, cinzenta e menor, ficava ao lado. Nessas duas pedras, sentvamos para conversar ou olhar o mundo. Esticando o dedo enrugado, meu av dizia: ali esquerda fica o Mato de compadre J Ferreira; em frente, o cravo de Chico do Cravo, o Serrote Branco e o Morro de Terra; mais direita, o serrote da Cutia, na Passagem do Meio - de onde ele viera com toda a famlia; prosseguindo, na direo horria, a Serra Azul, j no municpio de Riachuelo. Nesse momento, meu av se detinha um pouco mais, explicando: nasci ali perto, num lugar chamado Quintutur. Meu pai foi vaqueiro da fazenda Lagoa Nova. Depois da breve explicao, prosseguia. Apontava a Serra da Cruz e, j no sentido oposto ao inicial, a Serra do Cabugi, nas divisas de Lages comAngicos, distante sessenta quilmetros em linha reta, mas perfeitamente visvel quase que integralmente. OS DIVERTIMENTOS O leitor h de deduzir que no havia muitas opes de lazer para as crianas daquele tempo, menos ainda em uma simples fazenda como a Santa Rosa. Quase sempre sozinho, meus divertimentos eram: caar passarinhos com baladeira, jogar futebol com bola de palha de milho, fazer bichinhos com ossos de animais, construir carrinhos com pedaos de madeira, fazer cavalos com cips de marmeleiro, jogar pedra em estaca, tomar banho nos audes. s vezes, ia para a fazenda do tio Geraldo, que ficava em frente, e l tinha a companhia dos seus filhos Francisco, Lcia e Jacinta, todos mais novos que eu. Com eles, brincava de casinha dentro do mata-pasto que crescia abundantemente no ptio. Com meu tio Geraldo, que faleceu muito moo, vtima de tuberculose, morava a esposa Anita e minha tia Ivanil, alm dos filhos, evidentemente. Vez por outra meu pai me visitava. s vezes trazia umas ligas novas pra minha baladeira ou qualquer outra lembrancinha comprada na feira. Mas de duas dessas visitas nunca esqueci: a primeira, quando trouxe-me um presente que tirara da prateleira da sua bodega: um guaran Jade. E a segunda, quando presenteou-me com algo ainda melhor: um guaran Champagne. Para quem s tomava garapa de acar com bolacha ou po, foram presentes inesquecveis. Tanto verdade que hoje estou relatando o ocorrido, mais de cinquenta anos depois. A MAIOR TRISTEZA - Certo dia, um grupo de ciganos estabeleceu-se nas terras da fazenda, sem autorizao do meu av, o que lhe constrangeu. Foi

dado ento um recado para o chefe do grupo, dizendo que sasse o mais rpido possvel. Horas depois o grupo passou de retirada na direo da cidade. Uma cigana balanava uma garrafa com gua em nossa direo. Seria um feitio? Todos ficaram temerosos. Dias depois minha av adoeceu. Seis meses aps, estava morta. Em sinal de profundo pesar como era costume poca -, todas as mulheres da famlia passaram a usar luto fechado: durante um ano, vestido preto, meias pretas, sapatos pretos. Aquelas roupas aumentavam mais ainda o sofrimento, a dor pela ausncia da morta querida. O luto dos homens era mais suave: apenas uma tira preta pregada na camisa. A dor por dentro, porm, no era menor. Todos ns sofremos profundamente. A Fazenda Santa Rosa ainda existe? Existe, sim, e agora me pertence, mas no tem mais o encanto de antigamente. Hoje, com boa casa de alvenaria, toda alpendrada, gua encanada e energia eltrica, antena parablica e telefone, tem conforto, tem presena, mas perdeu a magia, a beleza invisvel s percebida pelos olhos de uma criana sonhadora. Aos olhos de uma criana, todos os objetos parecem gigantes e mgicos.

RETALHOS DO CAMINHAR DE UMA FAMLIA NORDESTINA(Fico/Realidade) Maria Joaquina da Conceio nasceu na fazenda Acau, proximidades da Serra da Cruz, municpio de Riachuelo, no ano de 1897, no se sabendo ao certo nem o dia nem o ms, porm ter sido pelos meados de maio, conforme lhe diziam seus padrinhos de batismo. Maria, apelidada desde criana de Quininha, forma diminutiva de Joaquina, casou com Joo Pedro da Silva, logo que chegou aos quatorze anos de idade. Casar mesmo no casou, bem verdade. Ajuntou-se, como se dizia antigamente. Mas para ela e nisso havia total concordncia com o marido casamento boa unio. Sendo assim, os dois eram de fato casados, pois viviam em quase perfeita harmonia. Rusgas, havia de vez em quando, mas no suficientes pra desapartar os troos dos dois. Coisas de marido e mulher, diziam entre eles. Na fazenda Acau, as noites eram interminveis. Dormia-se cedo e cedo acordava-se. Nada havia de divertimento que pudesse atrapalhar a ateno que um dava ao outro. Restou desse no-ter-o-que-fazer que vinte e cinco filhos foram gerados. Dos filhos de Quininha e Joca, treze no se criaram, morreram logo aos primeiros anos de vida. Deus levou, dizia Quininha, conformada. Dos doze que escaparam, cinco eram homens e o resto mulher. Fia fme, nascida pra procriar. Maria Pedro da Conceio era a mais nova de todos os filhos de Quininha e Joca, e seguiu a mesma sina da me. Antes de completar dezesseis anos conheceu em uma festa de apartao um caboclo da fazenda Santa Rosa, distante quatro ou cinco lguas da Acau, e logo se entendeu com ele. Namoro mesmo no houve, mas as embaixadas trazidas e levadas pelas amigas no deixaram dvida que o negcio era srio. Tudo fazia crer que o cabra tinha boas intenes. Menos de seis meses depois, j estavam casando na capela do povoado de Quinturur, distante pouco mais de meia lgua barravento. Como era de costume, logo que casou, Mariquinha foi morar na fazenda cuidada por seu marido. Apesar de jovem, Batista tinha no rosto as marcas da vida dura que levava, cuidando do gado do coronel Assuno, e sabia muito bem que cabra irresponsvel no tinha vez com o patro. O regime de trabalho era aquele da velha semi-escravido, que enriquecia cada vez mais os patres e condenava misria a grande maioria. As coisas so assim e pronto, dizia pra si mesmo, aparentemente conformado. Apenas aparentemente, pois no fundo no fundo, Batista tinha planos de um dia sair daquela vida. Queria ter a sua prpria terra, possuir vinte ou trinta cabeas de

gado, criar ovelhas e bodes, plantar o que bem entendesse, colher o que Deus permitisse, ser dono do seu nariz. Um dia conseguiria, pois obstinao no lhe faltava. Mas como sair daquela teia que lhe prendia pobreza e quase escravido? Resposta imediata no tinha, mas continuava matutando. Um dia...quem sabe? Essa idia fixa no lhe saa da cabea. Passaram-se os anos modorrentamente e eis que, quando olharam ao derredor, quinze filhos haviam tido. Pouco, se comparados aos vinte e cinco da me Quininha. Acontece, porm, que a vida estava mais dura, mais difcil e criar os nove filhos que sobreviveram era uma tarefa rdua para o casal. O mundo estava mais cheio de gente e servio j no havia com antes. Por sorte de Mariquinha e Batista, Tonho, o caula, e Zefinha, a do meio, debandaram pros lados da cidade de Baixa-Verde. Corria por todo canto a notcia que em Baixa-Verde havia muito trabalho, usinas de beneficiamento de algodo e sisal e um comrcio em franco desenvolvimento. Resolveram mudar de vida, que aquela que os pais levavam no parecia dar futuro a ningum. De Tonho, pouco se sabe, pois depois de morar um ano e pouco em Baixa-Verde, no se sabe por qual razo, resolveu ir pra So Paulo, escrevendo apenas de anos em anos, e assim mesmo em bilhetes curtos e mal escritos. Era quase analfabeto e, certamente, na cidade grande, havia encontrado emprego de servente de pedreiro ou coisa parecida. Talvez nunca mais voltasse. Ficaria roendo distncia o amor pela sua terra natal, to seca, mas boa, como diria Luiz Gonzaga, o rei do baio, na famosa cano. Por volta do ano cinqenta do sculo passado, Zefinha, j com mais de vinte anos, namorou um tal de Z Peneira. Depois de muita aproximao, provocando falatrios na vizinhana da rua em que morava, Zefinha viu-se grvida e tratou de chamar o responsvel para uma conversa sria. Bem intencionado como era, Peneira no se recusou ao casamento e foram se apresentar ao escrivo Chico Ataliba. Selaram no cartrio e depois na igreja o que j estava de fato selado. Viver amancebados, nem pensar. Casal amasiado no podia freqentar a igreja, nem ser padrinho. Zefinha sabia que o padre Vicente Freitas que depois veio a ser monsenhor - , quando descobria uma mulher amancebada assistindo missa mandava-a retirar-se do local imediatamente. No valia pena correr tal risco. Alm do mais, casamento no cartrio era chamado simplesmente de contrato e no tinha valor perante a sociedade. Casamento mesmo, respeitado por todos, era o religioso. Casal que era apenas contratado era visto meio atravessado. Tempos difceis aqueles! Zefinha parou de trabalhar. No porque tenha faltado emprego. Poderia continuar trabalhando na usina de beneficiamento de algodo, mas precisava cuidar dos rebentos. Peneira dizia: mulher minha no trabalha fora. Dez anos depois, carregando cinco filhos nas costas, Zefinha resolveu se

separar de Peneira. J no gostava dele. Ou melhor, gostava, mas no como homem, seno como o pai dos seus filhos. Aos meninos havia dado os seguintes nomes: Roberto, Reginaldo e Roberval. As filhas batizou com os nomes de Joana D'Arc, a herona francesa, que conhecera em um livro de histria geral, e Josenilda, nome que lhe foi sugerido por uma colega, sem qualquer significado aparente. Nilda logo demonstrou que no tinha maiores prendas domsticas. Tambm no era muito afeita aos estudos. Dizia que no tinha cabea pr'essas coisas. Quando estudava sentia tonturas e enjos, o que lhe desestimulava mais ainda. Principalmente a ela que na verdade no gostava muito de ler. No fossem aquelas tonturas, se lamentava, talvez at terminasse o primrio. Como se dizia na sabedoria popular: a desculpa do amarelo comer barro. Se no se dedicava aos estudos, certo que Nilda dava muita ateno aos rapazes. Tida como bonitona, faceira, voluptuosa, os rapazes da cidade no lhe davam sossego. Tempo pra namorar tinha de sobra. E o resultado que, fruto dos namoros mais arrochados, teve trs filhos: Jonielson, Robertino e Romerina. Colocou tais nomes nos filhos porque achou-os bonitos. S por isso. E lhe bastava.Acabea de Nilda era mesmo meio avoada. De todos os filhos de Zefinha, Joana D'Arc fora a nica que se dedicara aos estudos. Com dez anos j havia terminado o primrio no grupo escolar Capito Jos da Penha. Com quatorze cursara o ltimo ano do ginasial no colgio Joo XXIII, que havia sido construdo pelo padre Lucena, e s falava em ir pra Natal a fim de fazer o curso clssico. Seu desejo era ser advogada, dizia. Pr'onde tu vai com essa estria, falava Zefinha. Tu j visse fia de pobre se formar e ainda mais em advogacia, que coisa s pra fia de baro? Nesse ponto, Darquinha no dava ouvidos me. Teimosa como era, talvez por conta do sangue do av Batista, seguiu para a capital. Arranchou-se na casa de uma parenta e depois de alguns meses encontrou um emprego de balconista numa loja do Alecrim, com carteira assinada e tudo. Matriculou-se no colgio Padre Miguelinho, e terminou o curso clssico, como havia prometido a si mesma, mas foi por trs vezes reprovada no vestibular de direito. No havia se preparado de forma conveniente quando cursara o primeiro e o segundo graus. Desistiu, pois trabalhar parecia ser mais importante naquele momento. A sobrevivncia falara mais alto. Pressa pra constituir famlia no tinha. Namorado no lhe faltava, mas nada de compromisso srio. Teve um filho de um relacionamento espordico e descuidado, mas preferia viver solteira, pelo menos at que se cansasse desse modo de vida e resolvesse juntar-se a algum. Pra Darquinha, casar no papel no era muito importante assim. Casamento boa unio, dizia ela. Por outro lado, o povo tambm j no falava tanto. Uns at achavam que apenas se juntar era melhor, porque dava menos trabalho na hora da separao. Os

tempos haviam mudado. At divrcio j havia. Ao nico filho Darquinha deu o nome de Pedro, que significa pedra. Queria que ele fosse forte, pra enfrentar as dificuldades da vida e virar advogado como ela pensara ser um dia e no conseguira. Pedro nasceu e criou-se ouvindo aquela ladainha da me: v estudar meu filho. A vida passa muito rpida e quando menos voc esperar j ser adulto, assumir responsabilidade de famlia e a no poder mais estudar por falta de tempo. Ter que trabalhar pra dar de comer sua mulher e aos filhos. Aproveite enquanto jovem e solteiro. Hoje em dia, s quem tem as coisas quem estuda. Pra tudo hoje se exige concurso, quem no estudar no passa. Voc quer ter a mesma sorte dos seus primos, que esto por a ganhando uma mixaria, sem carteira assinada, sem futuro garantido? Todo dia era a mesma coisa, feito cantiga de perua. s vezes, Pedro ficava aborrecido com aquela azucrinao da me, mas ouvia calado, pois l dentro sua conscincia lhe dizia: mame t certa... mame t certa...mame t certa. Passaram-se os anos e o sonho de Darquinha realizou-se: Pedro, com muita luta e incontveis noites indormidas, formou-se em direito. Fora o nico de uma numerosa famlia que conseguira concluir um curso superior. Muitas vezes, quando repousava a cabea sobre o travesseiro pensava e perguntava a si mesmo: o que teria sido da minha vida se no tivesse estudado? Como advogado, queria defender os oprimidos, os deserdados da sorte, os pequenos, para quem a justia tarda e quase sempre falha. Porm, no satisfeito apenas em exercer o seu ofcio, resolveu aventurar-se - sem maiores pretenses - pelo caminho das letras. De tanto perguntar sobre o seu passado, ouvir depoimentos dos mais antigos e revolver arquivos, escreveu de uma tirada s uma pequena crnica, qual deu o seguinte ttulo: RETALHOS DO CAMINHAR DE UMA FAMLIA NORDESTINA, na qual relata a trajetria da sua famlia, que nada mais que a histria de milhes de outras igualmente nascidas no serto esturricado do nosso amado cho nordestino, carente de idias e de aes concretas que ponham fim s profundas injustias sociais, propiciando a todos, independentemente de cor, sexo e situao econmica, iguais oportunidades. Que Pedro no seja apenas uma exceo!

A SERRA DO TORREOSituada no municpio de Joo Cmara, a 80 km da capital e pertencente regio do Mato Grande, a serra do Torreo a sentinela mais avanada do grande planalto da Borborema, no sentido norte-oriental. Possui 145 metros de altura, de fcil escalao, recoberto de vegetao hipoxerfila, onde predominam, inclusive, palmeiras nativas chamadas popularmente de coco-catol e cientificamente por siagrus coomosa, isoladas ou em densos agrupamentos. H, tambm, euforbiceas e mimosceas, bem como a presena de exticas, como a euphorbia tirucali, popularmente conhecida como dedinho ou avelz, que utilizada localmente como cerca viva, com um ltex terrivelmente custico que, segundo populares, tem poderes medicinais contra afeces benignas e malignas da pele. Em seu cimo, formado por uma calva grantica, conhecida como Pedra do Urubu, descortina-se uma belssima paisagem. No seu sop, h uma capelinha dedicada a So Sebastio, santo festejado efusivamente a 20 de janeiro pela populao local que, aps os atos litrgicos, costuma subir a serra at o seu cimo. Desde 1977, quando foi firmado um convnio entre a UFRN e a Prefeitura Municipal, na poca administrada pelo prefeito Aldo Torquato, realizou-se importante estudo sobre a flora e a fauna da serra do Torreo, desde ento considerada oficialmente o smbolo da cidade. O referido trabalho, chamado projeto Torreo, ocorreu de abril de 1977 at dezembro de 1978, com a aquisio de farto material zoolgico, infelizmente perdido por falta de sua conservao, no mbito da UFRN. Ainda dispe-se de trs livros de tombo, dois dos quais contendo relatrios e fotografias do projeto e um contendo toda a documentao fotogrfica de uma exposio realizada na primeira semana de dezembro de 1977, durante a festa da padroeira local, Nossa Senhora Me dos Homens, na sala nobre do Colgio Joo XXIII. Cerca de 2.700 pessoas a visitaram, num acontecimento indito para a regio e para a prpria cidade. Tais livros de tombo esto guardados na reserva tcnica do Museu de Histria

Natural do Serid, na Estao Ecolgica do Serid, Serra Negra do Norte-RN, e to logo se concretize um Museu de Histria Natural de Joo Cmara, para l sero deslocados. Posteriormente, do final da dcada de 80 para o incio da dcada de 90, houve tentativas fracassadas de recomear o Projeto Torreo, mas faltou o apoio tanto da UFRN quanto da prpria prefeitura municipal. A vegetao da serra do Torreo composta de duas formaes de caatinga. Uma, a caatinga hipoxerfila com uma vegetao de clima semirido, que apresenta arbustos e rvores com espinhos e de aspectos menos agressivos do que a caatinga hiperxerfila. Dentre as espcies, destacam-se a catingueira, angico, brana, juazeiro, marmeleiro, mandacaru e aroeira. A outra formao a caatinga hiperxerfila, que apresenta uma vegetao de carter mais seco, com abundncia de cactceas e plantas mais espalhadas e de porte mais baixo. Dentre outras espcies destacam-se nesse ambiente a jurema preta, o faveleiro, o marmeleiro, o xiquexique e o facheiro. Os solos predominantes na serra do Torreo so os seguintes: areias quartzosas distrficas com fertilidade natural baixa, textura arenosa, relevo plano, excessivamente drenado; podzlico vermelho amarelo, equivalente eutrfico, com fertilidade natural alta, textura mdia, relevo plano, moderada e imperfeitamente drenado, medianamente profundo; cambissolo eutrfico, com fertilidade natural alta, textura mdia, relevo plano, medianamente profundo. As pesquisas realizadas pelo bilogo Adalberto Varela, da UFRN e coordenadas pelo professor Jos Aldo Monteiro, do grupo GENV, um dos entusiastas com o estudo e preservao da serra do Torreo, descobriram vrias espcies desconhecidas na sua fauna rica de insetos aracndeos, lagartos, serpentes, moluscos terrestres, aves e mamferos. Ao todo, foram encontradas treze espcies de serpentes, mas a grande surpresa foi a descoberta de larvas de formiga-leo, da famlia dos neurpteros e uma espcie rara de escorpio preto, at ento desconhecida da biologia, o Rhopalurus baixaverdensis que, por se tratar de uma espcie nova, recebeu o nome em homenagem cidade. Outra espcie rara, conhecida vulgarmente como Lagarto Rex, de tamanho pouco superior a uma lagartixa e menor que um Tejuau, tambm encontrada no local ,e somente nele, em toda a regio do Mato Grande.

AS LENDAS QUE ENVOLVEM A SERRA DO TORREOConta o professor Gino Miranda, nascido na localidade Corte, quase ao p da serra do Torreo, que, durante muitos e muitos anos, corria boca

pequena que, na dcada de vinte do sculo passado, um certo Jlio dos Matias, dado a pitar um inseparvel cachimbo - de onde saam abundantes baforadas -, mulato muito querido e conhecido em Baixa-Verde, por conta das suas histrias fantasiosas, gostava muito de caar na serra. Os amigos sempre o preveniam dos riscos que corria, visto que uma ona habitava o lugar. Certo dia o mulato Jlio foi caar e no retornou noite, como era de costume. Apreensivos, os amigos e familiares foram sua procura logo que raiou o dia e s encontraram os seus restos mortais graas a uma fumacinha que saa do cume da serra, onde fica a chamada pedra do urubu. Tal fumaa foi entendida como sendo um indicativo do local onde o corpo estava e teria sado, segundo os supersticiosos, do cachimbo do velho. Assim nasceu a lenda do Torreo Cachimbando, que na poca servia para explicar o fenmeno meteorolgico que ocorre nas serras em poca de grandes invernadas, em dias mais frios, principalmente nas primeiras horas do dia, quando o cume da serra amanhecia todo envolvido por uma densa camada de nuvens, que se desfazia logo que o sol comeava a esquentar. Muitas pessoas diziam tambm que os estrondos que davam em Baixa-Verde eram por conta de uma cama de baleia que havia debaixo da serra. Segundo a crendice popular, o local, muito antigamente, fora mar e um grande reservatrio de gua se escondia por sob a serra. Nesse reservatrio, morava uma baleia gigante que, quando se movia, provocava os estrondos.

OS PASSEIOS PELA SERRA DO TORREOUma das coisas mais gostosas de se fazer, visitar a serra do Torreo, principalmente nos perodos invernosos. Alm do contato com a natureza, inclusa vegetao remanescente da Mata Atlntica, tem-se uma ampla e bela viso de parte das regies do Mato Grande e Central. Do alto da serra do Torreo so avistadas, num raio de, aproximadamente, setenta quilmetros, as seguintes localidades: ao poente, num primeiro momento, as localidades de Pedra D`gua, Amarelo e o Assentamento Santa Terezinha. Lanando-se o olhar na linha do horizonte, a serra do Cabugi, por inteiro, a uma distncia de aproximadamente 50 quilmetros em linha reta; ao nascente, no sop, o aude Grande, construdo por ocasio da passagem da rede ferroviria. Logo a seguir, a cidade de Joo Cmara. Mais ao longe, a BR-406, cujo eixo foi construdo tendo por azimute o cume da serra, e as comunidades de Assuno, Mato, Cravo, Aroeira, Arizona e Samambaia, esta j no municpio de Poo Branco, e a Serra Pelada, no municpio de Taipu; ao Norte, pras bandas das praias, avistam-se as comunidades de Morada Nova, Breginho, Assuno, diversos

Assentamentos Rurais e a Serra Verde, com todas as comunidades situadas no seu lombo; ao sul, podem-se ver todas as comunidades que margeiam o rio Cear-Mirim (Pousa, Ladeira Grande, Passagem dos Caboclos, Passagem de Pedra, Vrzea do Domingo, Riacho Fundo, Riacho da Fazenda e Valentim), e as cidades de Bento Fernandes e Santa Maria, esta localizada a mais de 50 quilmetros em linha reta e seus respectivos povoados. Durante o inverno, quando todo o cho vislumbrado a partir do cume da serra do Torreo parece um tapete multicolorido, com diversas tonalidades de verde e azul, proveniente dos campos e dos espelhos d'gua dos audes, barreiros e riachos cheios, a viso que se tem do alto da serra simplesmente encantadora.

No ano de 2011, a instalao de uma pedreira com licenas da prefeitura e do IDEMA, foi alvo de protestos da populao. Por muito pouco a serra no foi devastada.

A FEIRA LIVRE E OS MERCADOS PBLICOS DE JOO CMARAH centenas, seno milhares de anos, que as populaes das cidades e vilas promovem feiras livres, surgidas decerto diante da necessidade de se vender o produto diretamente ao consumidor, sem a interveno de terceiros. Feira, significa festa, e isso mesmo que acontece em todo lugar onde se formam grandes ajuntamentos de pessoas para vender ou trocar os seus produtos: um burburinho intenso e ininteligvel. Os nossos dias de semana so chamados de segunda-feira, tera-feira, quarta-feira, quinta-feira e sexta-feira, justamente pelo fato de se querer atribuir um ar de festa (no sentido religioso) a todos eles. O sbado o sabatus que os judeus guardavam e o domingo o dominus, ou seja, dia do senhor. Essa a origem dos nomes dos dias da semana na lngua portuguesa. Mas, voltemos ao assunto principal. Quando Assuno ainda era o principal povoado do atual municpio de Joo Cmara, isso por volta do final do sculo XIX e incio do sculo XX, havia no local um pequeno mercado coberto de palha, em volta do qual se realizava uma tambm pequena feira livre. Assuno era ento o ponto de apoio para os viajantes que vinham do agreste para o litoral norte, na direo de Caiara do Norte. Com a inaugurao da estrada de ferro e o surgimento de Baixa-Verde, o povoado foi murchando, a feira acabou e o mercado foi demolido. Queimadas tambm j teve o seu Mercado Pblico, mas foi derrubado em uma das administraes do prefeito Ariosvaldo Targino, que prometeu construir uma praa no local, o que at o presente momento no foi feito. A feira livre da cidade de Joo Cmara sempre foi uma das maiores do estado do Rio Grande do Norte, destacando-se, principalmente, pela grande variedade de produtos que so oferecidos. Normalmente dividida por setores, de tudo tem um pouco: galinha caipira, peru, pato, ovos, tatu, peba, carne de gado, de porco, de bode, de ovelha, de veado, molhos, verduras e frutas de vrios tipos: manga, banana, mamo, melancia, abacaxi, laranja. Tem tambm razes diversas, plantas medicinais, garrafadas e lambedores que fazem verdadeiros milagres. Peixe de gua doce e de gua salgada, farinha, feijo seco e verde, milho, rapadura, acar preto, acar branco, mel de furo e mel de abelha, arroz doce, bolo, cocada, tapioca e caldo de cana. Chocalho, apito, arreios, selas, tecidos, roupas prontas, sapatos, rapadeiras e baladeiras. Panelas e potes de barro, colher de pau, vassouras. Os chamados mangaios. H, tambm, a feira de animais vivos: ovelhas, bodes, bois, vacas, bezerros, cavalos e burros. Para a feira livre de Joo Cmara, realizada sempre aos sbados salvo quando tem algum empecilho -, acorrem pessoas das mais distantes localidades, tanto para comprar como para vender. Gente vem do brejo da

Paraba, de Mossor, Au, So Rafael, So Paulo do Poteng, So Tom, Natal e de quase toda a regio do Mato Grande, evidentemente. Segundo o depoimento de Melcades de Souza - cujo inteiro teor transcrevo em outro captulo - a primeira feira livre de Joo Cmara aconteceu no ano de 1921 e o primeiro mercado foi construdo no ano de 1923. Anos depois, na dcada de quarenta, foi construdo outro mercado no governo do ento prefeito Francisco Bittencourt. Desde aquela poca, feira e mercado convivem harmonicamente, sendo muito difcil para qualquer administrador separar um do outro, tanto pela tradio, quanto pela praticidade. Antigamente era comum as cidades terem o seu Mercado Pblico. Como no havia supermercados, nem mesmo mercadinhos, como existem hoje, as administraes pblicas construam mercados. Os boxes, ou locais, como eram chamados, eram cedidos aos particulares mediante o pagamento de uma pequena taxa. Nos mercados havia tambm lugar para um pequeno aougue e para as bancas, onde eram servidos caf, almoo e janta, alm de alguma bebida. Com o passar dos anos e o surgimento dos supermercados onde de tudo se encontra, alm de mais asseio e conforto - os Mercados Pblicos foram sendo derrubados ou transformados em Casas de Cultura ou Museus. Em algumas cidades, porm, mesmo precariamente, ainda existem Mercados Pblicos. Depois de quase quarenta anos servindo populao, o antigo Mercado de nossa cidade passou a ser inconveniente, pois era sujo, malcheiroso, as bancas sem nenhuma higiene e as suas donas jogavam gua servida no meio da rua. Mal iluminado, era motivo de brigas e at mortes (o pai do pintor Aldo de Z do Bife, foi morto l), alm de ser utilizado tambm para pernoite de bbados e animais, pois no tinha portas. A sujeira era tanta que bichos tapurus corriam solta nas proximidades. Vi muitas vezes, quando menino, a sujeira do piso ser raspada com uma enxada, tal era a espessura do grol. Os principais donos de locais no Mercado Pblico eram Melcades de Souza, Pantaleo Gomes de Brito (Panta), Luiz Pereira, Jos Teixeira Filho, ManoelAntnio da Silva, Manoel Soares (Manoel Rosa), Gensio de Oliveira, Francisco Ribeiro da Silva (Fifino), Manoel Baio e Jos Serafim. Banqueiras: Dona Pilar, Ccera de so Marcos, Dona Rosa, Francisquinha, e Maria de Didi. Ao redor do Mercado Pblico desenvolveu-se o comrcio, mas, mesmo antes da primeira construo (1923), diversas casas comerciais foram instaladas na praa, tais como: a de Alfredo Edeltrudes, que saiu de Assuno para Baixa-Verde e ali se estabeleceu vendendo aos cossacos vveres e outras mercadorias de consumo; Joo Furtado tambm egresso de Assuno; Jos Antunes de Frana, que veio da regio de Touros; um cidado chamado Luiz Carneiro; outro de nome Antnio Pedro, que veio de Lages, e Pedro Torquato, que veio do lugar chamado Passagem do Meio, beira do rio Cear-Mirim.

Joo Severiano da Cmara, vindo de Taipu, se instalou nas proximidades da atual loja de Roldo, ou seja, do lado norte da praa. Anos depois, comprou diversos pontos do lado oposto, onde construiu uma grande loja com quase duas dezenas de portas. Nas dcadas de cinquenta quando eu nasci at os anos sessenta, destacavam-se na popularmente conhecida praa do Mercado, cujo nome oficial era Presidente Vargas (hoje praa Baixa-Verde), os seguintes comerciantes: no lado leste, Severino Andr (venda de cereais em grosso), Jos Augusto de Moura (padaria), dona Isabel de mestre Pedro (penso) e Joo Urbano (residncia); ao Norte, na esquina, Pedro Vitorino que vendeu a Antnio Gomes, esposo de dona Marlia de Frana Gomes, depois Ded de Joo Joaquim, Lindalvo Teixeira, Paulo Crescncio, Padaria de Joo Urbano, Kalil Dogol Sucar (chamado popularmente de Carlos Turco), Roldo pai e Jos Porpino; na esquina da rua Antnio Proena com a antiga rua Nova, o bar de Chico Varela; do outro lado, ao Sul, Joaquim Vitorino (que comprara ao Banco do Brasil a loja que pertencera firma Joo Cmara & Irmos), Bar de Marinho, Bar de Luci, Manoel Bittencourt, Artur Ferreira (onde hoje o Supermercado Ferreira, de propriedade do seu filho Fernando Ferreira), Abdon Torquato (que vendeu a Euclides, que vendeu a Sebastio Domingos) e dona Alice Guedes de Moura, que herdara a loja do seu pai Fortunato Guedes de Moura (depois de dona Alice, instalou-se no local Jos Bilro, depois veio SebastioAntnio da Silva (Batu) e atualmente um ponto de moto-txi.

No primeiro plano, os amigos Hairton Ferreira, Paulo Pereira, Vanildo Queiroz e Jos Antunes. Ao fundo, na porta do comrcio de Adbon Torquato, a sua esposa Sebastiana Barbosa (Bastinha) conversando com um vendedor e Artur Ferreira na calada do seu comrcio.

Em 1981 quinto ano do meu mandato de prefeito do municpio resolvi construir um novo Mercado e assim o fiz na Praa Antnio Justino. Mas no no meio da praa. O prdio foi construdo no alinhamento do quarteiro, bem prximo do antigo local, pois os comerciantes no queriam nem pensar em sair do centro da cidade. Confesso que se fosse hoje, no teria demolido o antigo Mercado, apesar de todos os inconvenientes que gerava. Talvez mandasse fazer um estudo e o tivesse transformado em uma Casa de Cultura. Na poca, porm, isso no me ocorreu. Tambm no houve uma s pessoa que me desse tal sugesto. A derrubada do mercado velho foi um consenso geral, tal era a m-fama. Quase trinta anos se passaram e o novo Mercado Pblico (hoje no mais to novo assim) ainda continua a exercer suas atividades, porm carece de maior conservao e at mesmo de uma ampliao. Seria ideal que fosse ampliado at rua Capito Jos da Penha e que, sua frente, fosse construda uma cobertura para a feira livre permanente de frutas e verduras, na praa Antnio Justino. H uns oito anos o ento prefeito Ariosvaldo Targino desapropriou o prdio onde ficava a antiga Usina Joo Cmara e resolveu construir em parte dele um novo Mercado. Acontece que, como o local distante da feira-livre e do comrcio, alm de estar permanentemente sujeito a alagamentos, a populao no vem aceitando bem a idia. Em conseqncia, o prdio ainda no foi inaugurado e pode at mesmo ter outra destinao, conforme venha a decidir a atual administrao ou as administraes vindouras. Ao meu ver, bom seria que no local fosse construdo um Centro Administrativo ou um Complexo de Produo de Confeces, a exemplo do que ocorre em Santa Cruz do Capibaribe e Itoritama, no estado de Pernambuco. Desapartar a feira livre, o mercado e o comrcio o que no me parece boa idia. O tempo dir.

BAIXA-VERDE: UMA DDIVA DO TREMSegundo declarava o historiador grego Herdoto (sc. V a.c.) O Egito uma ddiva do Nilo. De fato, o Egito talvez sequer existisse como simplrio pas, muito menos como bero de uma civilizao, se no fossem as guas benfazejas trazidas pelo grande rio desde as profundezas da frica, arrastando consigo nutrientes das florestas e das montanhas, saciando a sede dos viventes e irrigando terras desde tempos imemoriais. Tudo que o rio Nilo arrasta ao longo dos seus 6.650 quilmetros de extenso despeja no seu delta (com 160 km de extenso e 250 km de largura), pouco antes de acomodar-se nas guas do Mediterrneo. s suas margens, a cidade do Cairo, com suas pirmides milenares e invejvel cultura. Da mesma forma, analogicamente, a nossa Baixa-Verde, hoje chamada Joo Cmara, deve aos trilhos da rede ferroviria a sua existncia. Recordemos um pouco a histria: os trilhos da rede ferroviria chegaram a Taipu em 15 de novembro de 1907, sendo festivamente inaugurado o trecho pelo governador Antnio de Souza. Os trabalhos continuaram na direo Oeste, pois o projeto previa a extenso da obra at a cidade de Caic. Por isso, o nome Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte EFCRN. No ano de 1909, j bem distantes as obras de Taipu, viu-se a necessidade de se estabelecer um novo canteiro, de onde se pudesse comandar os trabalhos at o serto do Cabugi. O lugar escolhido foi uma regio de Matas, distante trs quilmetros em linha reta para o povoado de Assuno, ainda dentro do municpio de Taipu. Naquele local chamado Matas, porque nenhuma construo nele havia, foram erguidos os barraces onde os cossacos dormiam, guardavam-se as ferramentas, faziam-se os pagamentos, eram estudados os projetos e decididas as providncias seguintes. quele lugar foi dado o nome de BAIXA-VERDE, devido sua topografia e vegetao sempre viva, mesmo nos meses de ausncia de chuvas. Como se sabe, em 12 de outubro de 1910 (uma quarta-feira) o trecho Baixa-Verde/Taipu foi inaugurado, e no dia 17 do mesmo ms (uma segundafeira) chegou o primeiro trem. O aviso publicado no jornal A Repblica do dia 15 de outubro de 1910, no deixa dvidas: l est escrito BAIXA-VERDE. Pensar de outra forma, seria imaginar que em 1909, quando no havia nenhuma construo no local, surgiu uma povoao com o nome de Matas e no ano seguinte essa povoao havia mudado de nome para Baixa-Verde. Apenas um ano depois. No razovel pensar assim e tambm no h qualquer documento que cientificamente induza os historiadores a tal concluso. O mais racional concluir-se com fundamento no documento (Aviso) publicado pela direo da rede ferroviria que o primeiro nome da povoao foi efetivamente Baixa-Verde.

No h dvidas que a povoao nunca teve o nome de Matas. O lugar era assim denominado quando no tinha construo alguma. Portanto, correto dizer-se que Baixa-Verde foi construda nas Matas, mas no certo dizer-se que antes de se chamar Baixa-Verde o povoado chamava-se Matas. No fossem os trilhos da rede ferroviria, at hoje s existiria Assuno. Baixa-Verde seria como aquele filho que o seu pai teria se tivesse casado com outra mulher que no a sua me. A deciso do engenheiro Antnio Proena de construir sua residncia no local, trazendo de Minas Gerais sua esposa Malvina; a deciso de construir ali uma cidade, com a elaborao de sua planta; a doao dos terrenos para a construo das primeiras casas e pontos comerciais, foram os marcos iniciais decisivos, sem qualquer sombra de dvidas. A partir de ento, a vida passou a circular em torno do local, como na msica de Milton Nascimento.....tem gente que chega pra olhar, tem gente a sorrir e a chorar. E assim, chegar e partir so s dois lados da mesma viagem, o trem que chega o mesmo trem da partida. A hora do encontro tambm despedida, a plataforma desta estao a vida desse meu lugar... a vida desse meu lugar.... a vida. Durante muitos anos, havia trs tipos de trem: o Motriz, que saa de Baixa-Verde para Natal s 5 horas da manh; o horrio que vinha dos sertes de So Rafael, Lajes e Angicos e passava aqui pelas 9 horas da manh e o trem de carga que no tinha hora, nem dia certo, dependia na verdade das mercadorias que pegava: gado para o Matadouro de Natal, pedras de mrmore das minas de So Rafael, cabras, ovelhas, algodo, e tudo o mais que fosse necessrio. Quando o trem chegava na Estao os meninos e mulheres que vendiam gua corriam com as quartinhas nas mos oferecendo o precioso lquido. gua barrenta - que mais parecia suco de laranja - trazida das cacimbas de Manoel Crispim e Chico Vermelho, era vendida em copo. Depois de horas de viagem, ningum se importava com a qualidade da gua, o que se queria era matar a sede. Outras pessoas vendiam cocada branca, cocada preta, pirulito, gel, algodo doce, caf e rolete de cana. Tudo feito na maior correria, pois a parada era rpida e quem no vendesse o produto logo teria que esperar o prximo trem. Durante as noites, Cio Grilo (o manobrista) sofria com as estripulias de Galego Ataliba. Quando o trem dava a partida, Galego tirava o pino que prendia um vago ao outro. Resultado: o trem saiu faltando um vago. Cio Grilo percebia e acenava na direo do maquinista, apitando fortemente e girando o farolete que tinha nas mos em sinal de que alguma coisa estava errada. O maquinista percebia, parava a mquina e retornava. Cio Grilo colocava o pino e dava sinal de partida. Enquanto isso, o Galego astucioso aproveitando-se da escurido, pois no havia luz eltrica, cuidava de

tirar outro pino mais adiante. O trem partia e novamente no seguia viagem, para desespero de Cio Grilo. Para encurtar a histria: o trem s saa quando o GalegoAtaliba queria. Muitas vezes estvamos jogando na graminha em frente Usina, quando o trem se aproximava. A soluo era parar o jogo. Alguns se arriscavam a pegar um morcego no trem at perto da Estao, depois voltavam a p e retomavam o jogo. Vez por outra, a turma da rua do Motor passava sabo nos trilos no alto da subida no sentido de quem sai da Estao para Natal. Quando o trem chegava naquele ponto comeava a patinar. Era preciso recuar e ganhar velocidade para ultrapassar o obstculo. Era pelo trem que vinha de Extremoz um tanque de gua por semana, para abastecer a cidade, principalmente nos perodos das secas, em que as cacimbas estavam quase vazias. O trem fazia a manobra e a gua era despejada em uma grande cisterna que havia em frente ao Grupo Escolar Capito Jos da Penha. De l as pessoas enchiam as latas e carroas e levavam o precioso lquido pra casa. Briga por gua era coisa comum. No podemos esquecer tambm, que graas inteligncia e esprito pblico dos construtores da estrada de ferro, muitos pequenos, mdios e grandes audes foram construdos. Em todos os riachos era feita uma parede muito slida e um sangradouro, possibilitando o armazenamento da gua nos invernos. Nas proximidades de Baixa-Verde, graas estrada de ferro, foram construdos os seguintes audes: Aude dos Caboclos, Aude das Carrapateiras,Audinho,Aude Grande eAude do Torreo. Ao longo de sua existncia, da inaugurao at o encerramento das suas atividades no ano de 1994 (ano em que circulou o ltimo trem de carga), a Estao Ferroviria teve mais de uma dezena de Chefes, sempre pessoas muito respeitadas pela sociedade. Nosso amigo Jos Arajo, que foi um deles, colabora nos informando a seguinte relao: Jos Arruda, Ozas Botelho, Oscar Jones Nlson, Aurlio Soares de Gis, Luiz Freire da Costa, Euclides Amaral Campos, Jos Amaral Campos, Joaquim Soares de Miranda, Rui Cmara de Oliveira, Jos Arajo, Orlando Lucena Ramos, Severino Freire Bezerra e Levy da Rocha Silva. A transformao da antiga Estao Ferroviria e do Armazm em um amplo Espao Cultural, com Museu, Exposies, Salo de Palestras, Lanchonete, etc. uma das maiores necessidades da nossa terra. No se esquecendo de construir nas suas proximidades, o Marco do Centenrio, conforme dispe lei municipal at o momento ignorada.

COMO SURGIRAM OS NOSSOS BAIRROSNos idos de 1909 e 1910 foram construdas as primeiras casas da futura Baixa-Verde, at ento pertencente ao municpio de Taipu. Uma delas, a de maior realce, pertencia a Antnio Proena e sua esposa, Dona Malvina. Proena era o engenheiro responsvel e proprietrio da empresa encarregada da construo da estrada de ferro, que adentrava ao interior do estado. De livre e espontnea vontade, aproveitando-se da sua condio de engenheiro e proprietrio das terras da Companhia Agrcola do Torreo, que foram por ela adquiridas a um tal Coronel Fonseca, Antnio Proena fez o primeiro plano urbanstico da futura cidade, o chamado Centro, abrangendo as atuais ruas Jos da Penha - conhecida durante muitos anos como rua do Motor - , Pe. Joo Maria e Antnio Proena antes conhecida como rua da Assuno - e as praas Antnio Justino, Baixa-Verde - inicialmente denominada praa do Mercado, depois praa Presidente Vargas - e Monsenhor Freitas - antes conhecida apenas como praa do Campo, pois era ali que se localizava o campo de futebol. Depois, com a construo da Igreja Matriz, a praa do Campo passou a ser popularmente conhecida como Praa da Igreja, embora o seu nome oficial fosse Praa Carlos Gomes. Esta ltima informao, colhi recentemente no livro de atas da Igreja Batista. At ento, confesso, nem ao menos sonhava que algum dia a nossa principal praa houvesse sido assim denominada. As terras da chamada data do Torreo iniciavam-se na serra e iam at o atual Centro da Cidade, numa extenso de trs quilmetros de frente, margeando a ferrovia, e adentravam no sentido norte por uma lgua (seis quilmetros) chegando at o p da Serra Verde e ao Lageado. Por conseguinte, grande parte da nossa cidade foi construda em terras pertencentes ao dr. Antnio Proena. Com o passar dos anos, veio o crescimento natural e o surgimento de uma importante artria chamada popularmente por Rua Nova, que depois passou a denominar-se Rua Joo Pessoa e atualmente, homenageando um dos pioneiros, denomina-se rua Vereador Jos Severiano da Cmara. Este era o ncleo central da cidade de Baixa-Verde at os anos quarenta do sculo passado. Por volta dos anos quarenta surgiram as ruas 7 de setembro, Joaquim de Lima, Cafuringa - hoje, rua Joaquim Rebouas, que tambm chegou a denominar-se rua Pres. Castelo Branco. A rua do Cemitrio - atual Alexandre Cmara - e a rua So Sebastio, tambm conhecida como rua do Bujo, atualmente denominada Rua Monsenhor Walfredo Gurgel, em homenagem ao governador que inaugurou a energia eltrica na cidade no ano de 1970. Nos anos cinqenta, surgiram ruas como a 11 de junho - atual Francisco Bittencourt - e 29 de outubro, conhecida por muitos anos como rua do Moinho, porque l havia um poo tubular com gua muito salobra, quase

imprestvel, mas que servia para o consumo dos animais. A rua do Moinho era a porta de entrada e sada da cidade na direo de Natal, pois no havia ainda a atual BR-406. Na dcada de sessenta, com o crescimento natural da cidade, foram surgindo outras ruas, tais como a Vila Nova, hoje rua Virglio Benfica, que por algum tempo foi denominada rua Presidente Roosevelt; a conhecida rua das Fateiras, onde moravam as mulheres que cuidavam das vsceras dos animais abatidos no Matadouro, atual rua Luiz Bezerra de Frana e a rua Nova Descoberta, paralela Vila Nova. Surgiu tambm nesse tempo a rua So Pedro, localizada quase ao final da rua do Cemitrio, que recebeu esse nome pelo fato de ser o caminho natural para a fazenda So Pedro, de propriedade de Orlando Alves da Rocha, na poca o maior pecuarista do municpio, possuidor de dezenas de vacas de leite de alta produo, mantidas em regime de quase confinamento na sua outra fazenda denominada Alto, por detrs da usina da firma Joo Cmara & Irmos. Tambm na dcada de sessenta, surgiu um grupamento de ruas no lugar chamado Marambaia, por detrs da rua Capito Jos da Penha. O stio Marambaia pertencia a Severino Cndido casado com dona Jlia Ramos, muito amiga da minha me. Feito o loteamento do stio surgiram as ruas Marclio Teixeira e Francisco Zabulon, que interligam o Centro ao bairro do IPE. A rua Nossa Senhora de Ftima, uma das mais longas da cidade, que conecta o bairro So Francisco com a Rua da Esperana, dando acesso ao centro e BR-406, foi outra via que surgiu na dcada de sessenta. No final dos anos setenta e incio dos anos oitenta, durante a minha administrao como prefeito do municpio, sentindo a necessidade de abrir novas ruas, tratei de adquirir vrios terrenos baldios, que foram divididos em lotes e doados populao, principalmente quela mais carente, surgindo da verdadeiros bairros, tais como: o Barroso, comprado a Sinval Poty localizado no antigo campo de futebol de um time de igual nome; o Novos Tempos adquirido a Ded de Hermnio - numa rea por detrs do antigo Matadouro municipal;, o Boa Vista - logo na entrada da cidade no sentido de quem vem de Natal adquirido em parte a Manoel Augusto de Melo, e outros de menor porte, como o Audinho, que surgiu do esvaziamento do aude que ali existia. Alm das artrias surgidas com a aquisio de terrenos, articulei junto ao governo do estado a construo de conjuntos habitacionais, resultando dessa iniciativa a construo dos conjuntos da COHAB (Companhia Estadual de Habitao Popular) e do IPE (Instituto de Previdncia dos Servidores do Estado). O conjunto da COHAB foi construdo em um terreno adquirido ao agro-pecuarista Orlando Alves da Rocha, sendo parte da propriedade rural denominada Alto, onde o prprio Orlando Alves morou por muitos anos, juntamente com a sua esposa Liquinha e os seus filhos. O conjunto do IPE foi

construdo em um terreno do desembargador Amaro de Souza Marinho Filho, ex-juiz de direito da comarca, que, posteriormente, tambm exerceu mandatos de deputado estadual. A construo do conjunto do IPE foi concluda aps o trmino da minha administrao. Aproveitando este verdadeiro surto desenvolvimentista, ainda no perodo mencionado, o empresrio Francisco Bezerra de Arajo fez uma importante parceria com a Caixa Econmica Federal viabilizando a construo do Conjunto Bela Vista, tambm conhecido como Conjunto da Caixa. Posteriormente, o mesmo empresrio adquiriu um terreno pertencente a Manoel Crispim de Oliveira na estrada que leva Assuno e fez loteamentos, inclusive condomnios fechados, os primeiros da cidade. Ainda no campo da iniciativa privada, vrios proprietrios de pequenos stios, tais como Manoel Bezerra, Joo Baslio, Chiquinho Pereira e Severino Vital, lotearam suas terras, nascendo o bairro So Francisco, que recebeu este nome em razo da igrejinha que j existe na localidade em homenagem ao santo dos pobres. A comunidade das Quatro Bocas, localizada no cruzamento da BR406 com a estrada para o Breginho da o seu nome - tambm surgiu neste perodo. Dos meados para o fim dos anos oitenta, durante a administrao do ento prefeito Jos Ribamar Leite, surgiu o Conjunto da SEAC no final da rua da Cafuringa. Esse conjunto de casas teve a construo iniciada durante o governo Sarney e recebeu o nome de SEAC por conta do rgo do governo federal que repassou os recursos, a Secretaria Especial de Ao Comunitria, e s foi concludo anos. Pode-se afirmar que nenhuma casa foi entregue totalmente concluda.Algumas tiveram as paredes levantadas, outras nem isso. Ao final, as prprias pessoas beneficirias trataram de conclu-las na medida das suas posses.As condies de habitabilidade eram precarssimas: no havia gua encanada, nem energia eltrica, o que perdurou at o ano de 1996, quando, aproveitando o ambiente favorvel no governo do estado, levei tais benefcios para a comunidade. Na dcada de noventa, o empresrio Jos Wilson Rocha de Souza loteou um terreno que possua ao lado esquerdo da estrada que leva Assuno, nascendo dessa iniciativa o bairro So Jos. Localidades que antes ficavam fora do permetro urbano, como o Mato dos Nunes, por exemplo, hoje esto perfeitamente integradas cidade. Mais recentemente, foi construdo o conjunto Renascer, localizado por detrs do Posto Joo Cmara, e est em construo o Jardim das Margaridas, nas proximidades do Posto Santana (BR-406). Com a aprovao da nova lei do permetro urbano da nossa cidade, que estendeu os seus limites, - graas a projeto-substitutivo de minha autoria - diversos novos bairros iro surgir nos prximos anos. Peo licena para mais uma breve informao: durante dcadas os limites da nossa cidade foram bem definidos pelas chamadas correntes do

governo estadual (Posto Fiscal), sendo que uma delas ficava no incio da rua Alexandre Cmara (rua do Cemitrio) onde hoje existe a Associao dos Deficientes e outra, no incio da rua 29 de Outubro (rua do Moinho) a cem metros, aproximadamente, da praa Monsenhor Freitas. Esta a histria, de forma resumida e ainda incompleta, dos bairros da cidade de Joo Cmara. Posteriormente, eu mesmo - ou algum que se disponha a tal tarefa - poderei aprofundar-me mais no assunto, o que ser deveras til para quem desejar conhecer e preservar a memria da nossa cidade.

O CENTENRIO DE FUNDAO DE BAIXA-VERDEConvm no confundir a fundao da cidade com a emancipao poltica do municpio. Durante muitos anos foi difundido, inclusive nas escolas, somente o 29 de outubro de 1928, data da emancipao poltica, caindo o 12 de outubro de 1910 no quase completo esquecimento. Trata-se de uma injustia histrica, que precisa ser corrigida, tanto em homenagem aos fundadores, quanto por uma questo de compromisso com a verdade dos fatos, que, no caso, so inquestionveis, documentalmente comprovados. A fundao de uma cidade, tanto quanto o surgimento de uma revoluo, decorre de um processo mais ou menos longo, que vai da ideia inicial, passa pela execuo prtica e tem seu clmax em um determinado momento. esse momento que marca a data do fato histrico. Por exemplo, a revoluo francesa de 1789 (14 de julho); a independncia do Brasil (07 de setembro de 1822); a proclamao da Repblica no Brasil (15 de novembro de 1889). Todos esses fatos aconteceram, no por um milagre ou ao de um gnio da lmpada maravilhosa, tipo assim faa-se a luz e a luz foi feita, todos os seus desejos eu terei que cumprir. Nada disso. O fato histrico registra-se para a posteridade tendo por escopo o momento marcante daquele processo. No caso da fundao de Baixa-Verde, os momentos que antecederam o 12 de outubro de 1910 foram: a deciso poltica de se construir a Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte, partindo de Natal at a cidade de Caic (ideia que no se concretizou por inteiro, pois a estrada foi apenas at a cidade de So Rafael); o projeto de engenharia, a viabilizao dos recursos financeiros e a efetiva execuo das obras. Cumpridas essas tarefas, veio a inaugurao da estrada de ferro na localidade Baixa-Verde (12.10.1910) e, em seguida, a liberao do trfego regular de trens, com a publicao no jornal A Repblica do Aviso de Funcionamento da linha (15.10.1910). A chegada do primeiro trem (segunda-feira, 17.10.1910). Os fatos posteriores, que ensejaram o crescimento da povoao, at a sua emancipao poltica, so decorrentes daqueles outros, pretritos. Para confirmar todo esse posicionamento, vale lembrar que na bandeira do Municpio, as duas datas esto consagradas. esquerda, na flmula que d suporte ao braso, 1910, e do lado oposto, 1928. Presta desservio verdade e, portanto, histria, quem relega a um segundo plano a Fundao da cidade, o que no acontece, por exemplo, com a nossa capital, Natal, cujo 25 de dezembro de 1599, evidencia a sua fundao e no a elevao condio de municpio, que somente ocorreu em 1611. A cidade do Rio de Janeiro, tambm aqui tomada como exemplo, tem sua data mxima, comemorada festivamente, a 20 de janeiro, dia de So Sebastio,

data da sua fundao. Cito esses dois exemplos por consider-los relevantes e esclarecedores. Lamentavelmente, no foi esse o entendimento do prefeito do nosso municpio, o comerciante Ariosvaldo Targino de Arajo, que, apesar de Lei Municipal determinando a construo de um marco do centenrio no local da fundao da cidade, preferiu deixar passar, quase que em brancas nuvens, um momento to especial na histria do nosso Municpio. No houve sequer o tradicional desfile das escolas. Uma pena! No fosse a nossa atuao, na qualidade de Presidente da Cmara Municipal, com a formao de uma Comisso do Centenrio; inaugurao do Espao Cultural Professor Paulo Pereira dos Santos, nas dependncias da Cmara Municipal; publicao do livro BAIXA-VERDE Sua vida, seus Costumes, Tradies e Crendices de autoria do conterrneo Gumercindo Saraiva, com distribuio gratuita populao de centenas de exemplares; Ciclo de Palestras alusivas data; formatao da logomarca do Centenrio, distribuio de Camisetas com a logomarca; entrega de ttulos de Amigo da Cidade a pessoas que contriburam para o seu crescimento, e diversas outras aes, a data histrica no teria sido sequer lembrada. No entanto, preciso seguir a caminhada. Outros dias, outros anos viro. Quem sabe, no segundo centenrio, quando talvez nenhum de ns esteja vivo para ver, um Prefeito saber valorizar esta data to importante. Nossos descendentes testemunharo por ns!

AUTORIDADES DOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO POR OCASIO DO CENTENRIO DE FUNDAO DE BAIXA-VERDEPrefeito Municipal ARIOSVALDO TARGINO DEARAJO Vice-Prefeito FRANCISCO DEASSIS MELO Vereadores: ALDO TORQUATO DA SILVA (Presidente da Cmara Municipal) RAIMUNDOANTUNES DE MIRANDA(vice-Presidente) PEDRO EMDIO DE FRANANETO (Secretrio) ANAFRANA ANTNIO MARCOS RODRIGUES JOS GILBERTO DASILVA JOS RIBAMAR LEITE LUIZARAJO DACOSTA ROSIANE SOARES

Da esquerda para a direita em p: Manoel Anacleto, Daniel, Ngo Chico, Friaa, Manoel Carlos, China e Tota (rbitro). Agachados: Cuca, Ademar Lira, Raimundinho, Bor, Tareco e Dodoca.

BOCA JNIOR, UM TIME QUE FICOU NA HISTRIADe todos os times de futebol do interior do nosso Estado, nenhum alcanou a fama e o sucesso do Boca Jnior de Baixa-Verde. Fundado no incio dos anos sessenta pelos desportistas Manoel Anacleto de Lima (que depois foi Prefeito) e Francisco Freire de Melo, popularmente conhecido como Chia, admiradores do homnimo da Argentina - clube do qual Maradona torcedor ( e que legou tantos craques ao futebol mundial), o Boca Junior de Baixa-Verde herdou as cores (camisa azul, com faixa horizontal amarela), a garra portenha e o carisma, transformando-se logo no terror dos que ousaram desafi-lo. Anacleto era o mantenedor do time. Ocupando o cargo de fiscal do Estado, recebia dos marchantes doaes semanais direcionadas ao sustento dos jogadores. Alguns deles, oriundos da capital ou de outra cidade do interior, residiam na prpria casa de Anacleto. O que as doaes no cobriam, Anacleto