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  2016 OS ESTUDOS DE GÊNERO E A TRADUÇÃO: UMA RELAÇÃO PROVEITOSA DEMONSTRADA POR MEIO DA ABORDAGEM DA TRADUÇÃO DE ARTIGOS CIENTÍFICOS  Viviane POSSAMAI Luciane LEIPNITZ (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)  ABSTRACT: In the present study, we address two main genre approaches: Bakhtin (1997) and Swales (1990) in order to support our reflections regarding the benefits of approaching translation – both theoretically and  practicall –, and genre. Firstly we provide some literature review about those authors’ main ideas a nd secondly we make our own reflections about the relationship between translation and genre. Eventually, we bring some examples of actions already taken in order to help junior translations in the translation of scientific articles and also briefly mention some academic works developed and under development that have some relation with genre and translation. KEYWORDS: translation; discourse community; research articles 1. Introdução A descrição e a classificação de gêneros têm, para estudos e atividades que envolvem textos, uma importância fundamental, pois permitem observar e agrupar, sob o prisma de similaridades, as diversas materializações e heterogeneidades dos enunciados. As concepções de gêneros textuais de Bakhtin (1997) e Swales (1990), calcadas nas noções de esferas de atividade e de comunidade discursiva, ensejam várias possibilidades de aplicação em investigações. Uma dessas possibilidades corresponde aos estudos de tradução, tanto no que diz respeito à prática como à didática da tradução. Sendo tarefa do tradutor fazer a transposição de realizações textuais de um idioma a outro, entendemos que, nesse processo, estará intermediando também a transposição de modos de dizer das comunidades envolvidas na produção e realização desses textos. Essa transposição textual deve acontecer tanto nos níveis do léxico e da gramática, como também das for mas que serão reconhecidas pelas comunidades de chegada. Entendemos que o reconhecimento de padrões de realização de gêneros em diferentes idiomas capacita o tradutor para produzir textos adequados na língua de chegada, que tenham naturalidade e que atendam às expectativas das comunidades que os recebem. Neste trabalho, pretendemos demonstrar, através da reflexão teórica, de exemplos práticos e de resultados de estudos com córpus, de que modo a tradução tira proveito de estudos de gênero. Para tentar cumprir esse objetivo, o texto inicia com uma contextualização rápida de noções de gênero, diferenciando gêneros, classes e tipos textuais. Em seguida, enfocamos as reflexões de Bakhtin e Swales para consolidar a noção de gênero que estamos tomando e evidenciar o porquê dessa escolha. Em seguida, levamos a r eflexão para o campo da t radução, para, no capítulo seguinte, enriquecê-la com alguns resultados de pesquisas anteriores e em desenvolvimento. 2. Gêneros, classes e tipos textuais Em princípio, as três denominações, gênero, classe e tipo textual, parecem sinônimos que poderiam ser empregados indistintamente, porém cada uma delas implica diferentes pontos de vista, pois foram cunhadas em diferentes momentos e utilizadas por distintas teorias

Bakhtin, Gêneros, Tradução

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OS ESTUDOS DE GÊNERO E A TRADUÇÃO:UMA RELAÇÃO PROVEITOSA DEMONSTRADA POR MEIO

DA ABORDAGEM DA TRADUÇÃO DE ARTIGOS CIENTÍFICOS 

Viviane POSSAMAILuciane LEIPNITZ(Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

 ABSTRACT: In the present study, we address two main genre approaches: Bakhtin (1997) and Swales (1990) in

order to support our reflections regarding the benefits of approaching translation – both theoretically and 

 practicall –, and genre. Firstly we provide some literature review about those authors’ main ideas and secondly

we make our own reflections about the relationship between translation and genre. Eventually, we bring some

examples of actions already taken in order to help junior translations in the translation of scientific articles and 

also briefly mention some academic works developed and under development that have some relation with genre

and translation.

KEYWORDS: translation; discourse community; research articles

1. Introdução

A descrição e a classificação de gêneros têm, para estudos e atividades que envolvemtextos, uma importância fundamental, pois permitem observar e agrupar, sob o prisma desimilaridades, as diversas materializações e heterogeneidades dos enunciados. As concepçõesde gêneros textuais de Bakhtin (1997) e Swales (1990), calcadas nas noções de esferas deatividade e de comunidade discursiva, ensejam várias possibilidades de aplicação em

investigações.Uma dessas possibilidades corresponde aos estudos de tradução, tanto no que dizrespeito à prática como à didática da tradução. Sendo tarefa do tradutor fazer a transposiçãode realizações textuais de um idioma a outro, entendemos que, nesse processo, estaráintermediando também a transposição de modos de dizer das comunidades envolvidas naprodução e realização desses textos.

Essa transposição textual deve acontecer tanto nos níveis do léxico e da gramática,como também das formas que serão reconhecidas pelas comunidades de chegada.

Entendemos que o reconhecimento de padrões de realização de gêneros em diferentesidiomas capacita o tradutor para produzir textos adequados na língua de chegada, que tenhamnaturalidade e que atendam às expectativas das comunidades que os recebem. Neste trabalho,

pretendemos demonstrar, através da reflexão teórica, de exemplos práticos e de resultados deestudos com córpus, de que modo a tradução tira proveito de estudos de gênero.

Para tentar cumprir esse objetivo, o texto inicia com uma contextualização rápida denoções de gênero, diferenciando gêneros, classes e tipos textuais. Em seguida, enfocamos asreflexões de Bakhtin e Swales para consolidar a noção de gênero que estamos tomando eevidenciar o porquê dessa escolha. Em seguida, levamos a reflexão para o campo da tradução,para, no capítulo seguinte, enriquecê-la com alguns resultados de pesquisas anteriores e emdesenvolvimento.

2. Gêneros, classes e tipos textuais

Em princípio, as três denominações, gênero, classe e tipo textual, parecem sinônimosque poderiam ser empregados indistintamente, porém cada uma delas implica diferentespontos de vista, pois foram cunhadas em diferentes momentos e utilizadas por distintas teorias

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no contexto dos estudos de gênero e da lingüística textual. Não quer dizer, no entanto, que nãohaja sobreposições.

A expressão gênero textual  tem seu fundamento atribuído principalmente àconceitualização de gênero discursivo na obra de Bakhtin, Estética da Criação Verbal (1997).

Alguns autores, como Marcuschi (2002), defendem a idéia de que é impossível se comunicarverbalmente a não ser por algum gênero (mesma idéia de Bakhtin), assim como é impossívelse comunicar verbalmente a não ser por algum texto, concluindo então que a comunicaçãoverbal só é possível por algum gênero textual.

Estamos também conscientes de que existem estudos que propõem a distinção entregêneros do discurso e gêneros textuais. Utilizaremos, porém, a proposta de Marchuschi acimaexplicitada, em uma relação lógica entre gênero > texto > gênero textual, que autoriza que sefaça uma discussão sobre gêneros textuais fundamentada nos gêneros do discurso, conformediscutido por Bakhtin.

Os termos classe e tipo textual são utilizados quase exclusivamente pelas vertentes dalingüística textual. A classe textual seria exatamente o que sabemos enquanto falantes de uma

língua, por exemplo, quando somos capazes de dizer: isto é um texto jornalístico, isto é umareceita de bolo.

O tipo textual refere-se a uma classificação científica dos textos. Segundo Marcuschi(2002, p. 22) a expressão tipo textual designa uma “(.) espécie de construção teórica definidapela natureza lingüística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais,relações lógicas)”. Os tipos textuais “(.) constituem seqüências lingüísticas ou seqüências deenunciados e não são textos empíricos” (MARCUSCHI, 2002, p. 23), isto porque um texto,em geral, contém segmentos de vários tipos de texto, assim, um determinado gênero podeconter um ou mais tipos de texto em sua composição. Por exemplo, um artigo científicopoderá conter elementos de narração e descrição (apresentação da metodologia de pesquisa) eelementos de argumentação (na discussão). Narração, descrição e argumentação são tipostextuais.

Este trabalho é pautado pela reflexão sobre artigos científicos, que são textos já aceitose reconhecidos como constituintes da comunicação de uma grande comunidade, acomunidade científica internacional, e que já têm um formato bastante estável. Portanto,estamos tratando de textos que constituem um gênero textual. Para aprofundarmos um poucomais na noção de gênero textual, apresentaremos a seguir dois autores fundamentais nareflexão sobre este assunto, que nos ajudarão a formular melhor o escopo dessa denominaçãoe a justificar por que essas noções são importantes para a tradução.

3. Revisão da literatura: os gêneros para Bakhtin e Swales

3.1 Bakhtin e a noção de gênero discursivo

Em nosso trabalho, utilizamos o texto Os gêneros do discurso por considerá-lobastante esclarecedor da idéia desenvolvida por Bakhtin e por sugerir aportes condizentescom a reflexão voltada à tradução, embora cientes de podem existir estudos e interpretaçõesdos temas desenvolvidos por este autor mais aprofundados e mais rigorosos.

No livro   A Estética da Criação Verbal, no qual consta o ensaio O Problema dosGêneros do Discurso, Bakhtin (1997, p. 280) revela o caráter inovador de sua reflexão,mencionando que o problema geral dos gêneros do discurso nunca havia sido antes colocado,o que seria compreensível, devido à diversidade e à heterogeneidade dos enunciados que

compõem os gêneros, assim como das esferas da atividade humana. Historicamente, pareceter sido muito difícil estabelecer um traço comum a todos os gêneros, e Bakhtin vem trazer aidéia de que esse traço seria a natureza lingüística dos enunciados, uma característica única

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compartilhada por todos eles. Os enunciados (orais ou escritos) seriam a realização da língua,sendo usados em toda e qualquer esfera das inúmeras atividades humanas.

Cada esfera de atividade, então, desenvolve tipos relativamente estáveis de enunciadosque passam a ser comumente associados a elas. São esses tipos diferentes e estáveis de

enunciados que Bakhtin (1997, p. 301) chama de gêneros de discurso, e essa idéia da relativaestabilidade dos gêneros é, até hoje, retomada pelos teóricos e analistas de gênero.Outra reflexão que se apresenta é que, uma vez que o enunciado é individual, ele pode

refletir a individualidade, sendo que alguns gêneros são mais propícios para tal do que outros.Porém é o estilo geral, ou seja, o lingüístico, que está indissociavelmente ligado ao gênero, “oestilo lingüístico ou funcional nada mais é senão o estilo de um gênero peculiar a uma dadaesfera da atividade e da comunicação humana. Cada esfera conhece seus gêneros, apropriadosà sua especificidade, aos quais correspondem determinados estilos” (BAKHTIN, 1997, p.284).

Segundo Marcuschi (2002), a organização geral de um gênero, ou seja, a construçãocomposicional, seria a forma de dizer o conteúdo temático, e essa forma não é inventada a

cada vez que nos comunicamos, mas que está disponível para uso social. Podemos dizer queesses traços estruturais, juntamente com o conteúdo e o estilo, permitem ao usuárioreconhecer um gênero, nomeá-lo e empregá-lo como algo que é parte do uso, da linguagemtípica de sua cultura. Marcuschi, baseado em Bakhtin, explica que os gêneros constituemações verbais que se tornam convencionalizadas “(.) em virtude da recorrência das situaçõesem que são investidas como ações retóricas típicas” (MARCUSCHI, 2002, p. 32), ou seja,suas construções composicionais estabilizam-se pelo uso constante nas práticas verbais de umdeterminado grupo cultural.

A seção 4 discutirá com mais detalhe, como essas reflexões podem ser aplicadas àtradução. Antes, porém, vamos apresentar algumas idéias de Swales sobre gêneros.

3.2 Swales e a noção de comunidade discursiva

O nome de John M. Swales é um dos de maior destaque na tradição norte-americanaquando se trata de estudos sobre gêneros. A publicação do livro Genre Analysis. English in

  Academic and Research Settings  já tem mais de 10 anos, mas seu trabalho sobre gêneros, eespecificamente sobre o artigo científico, parece permanecer como uma base firme e confiávelpara o desenvolvimento de estudos mais contemporâneos, não só de raízes norte-americanas,ainda que com algumas ressalvas quanto ao caráter generalizador de seu modelo.

A partir das noções de gênero em quatro áreas distintas – o folclore, a literatura, alingüística e a retórica –, esse autor faz uma nova definição de gênero que ele deseja, pouco

ambiciosamente, que seja aplicada apenas aos propósitos que tem em mente, que são,principalmente, o ensino e o aprendizado de língua estrangeira.Das quatro áreas que avalia para formular seu conceito de gênero, Swales resume seis

aspectos comuns e presentes em todas elas. Menciona que em todas há (i) uma classificaçãoduvidosa dos gêneros, de um prescritivismo prematuro e pouco cuidadoso; (ii) uma noção deque os gêneros são importantes na integração de passado e presente; (iii) um reconhecimentode que gêneros estão situados dentro de comunidades discursivas, em que crenças e práticasde denominação dos participantes têm relevância; (iv) uma ênfase no propósito comunicativoe na ação social; (v) um interesse em uma estrutura genérica; (vi) uma compreensão da duplacapacidade gerativa de gêneros – de estabelecer objetivos retóricos e de incentivar suarealização.

Swales faz, então, uma caracterização dos gêneros e, metodologicamente, divide seuscomentários em seis tópicos.

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(a) Um gênero é uma classe de eventos comunicativos.

Para o autor, os eventos comunicativos de uma determinada classe podem ter umafreqüência maior ou menor, sendo que os de menor freqüência tem que ter uma certaimportância, para uma determinada cultura, para existirem como um gênero. Um evento

comunicativo compreende não somente o próprio discurso e seus participantes, “mas tambémo papel do discurso e o ambiente de sua produção e recepção, incluindo suas associaçõesculturais e históricas” (SWALES, 1990, p. 46).(b) O principal critério que transforma um grupo de eventos comunicativos em um gênero

 particular é a existência de propósitos comunicativos em comum.

Para Swales, o primeiro fator e o determinante de pertinência a um gênero está maisno compartilhamento do mesmo propósito do que em similaridades de forma ou algum outrocritério. Porém, ele mesmo ressalta que pode não ser tão simples assim identificar ospropósitos de um gênero, e o pesquisador deve ter cuidado ao simplificar as coisas, como aodizer que artigos de pesquisa são simples relatos de experiências. Também não é incomum umgênero ter mais de um propósito comunicativo.(c) Os exemplares de gêneros variam em sua prototipicidade.

Swales menciona que outros aspectos determinariam um gênero além do propósitocomunicativo, que outras características seriam necessárias para determinar um gênero. Diz,então, que há duas maneiras de ver essa questão: a da abordagem da definição e a dasemelhança por família.

Swales utiliza um dos pontos de vista discutidos para a problemática da definição paraempregá-lo na definição dos diferentes tipos de gêneros. Na prática, segundo o autor, poderiaser muito difícil listar tais características para determinadas categorias, e, talvez, o quepermitiria pertencer a uma mesma categoria não seria uma lista de características definidoras,mas inter-relações de um tipo mais maleável, chamadas por Wittgenstein de famílias. Swales(1990, p. 52) conclui que “(.) o propósito comunicativo foi nomeado como a propriedade

 privilegiada de um gênero. Outras propriedades, como forma, estrutura e audiência operampara identificar até que ponto um exemplar é prototípico de um determinado gênero”.(d) A lógica subjacente a um gênero estabelece restrições a possíveis contribuições em

termos de conteúdo, posicionamento e forma.

Swales (id. p. 52) afirma que “(.) membros estabelecidos de comunidades discursivasempregam gêneros para perceber comunicativamente as metas de suas comunidades”. A idéiaé a de que o reconhecimento dos propósitos fornece as bases, enquanto essas permitemconvenções que restringem a participação de membros aprendizes ou não-membros, que asconhecem menos.(e) A nomenclatura usada para os gêneros por uma comunidade discursiva é importante

 fonte de insight O autor chama atenção para os nomes dados aos gêneros, ressaltando que podem serfontes para conclusões importantes. Diz que, em geral, os membros das comunidadesdiscursivas denominam gêneros e classes de eventos comunicativos que reconhecem comotendo formas retóricas recorrentes. Algumas dessas refletem o propósito comunicativo dogênero, outras podem ser marcas de certas instituições, ao invés de serem apenas descritivas.Às vezes podem existir gêneros sem eventos comunicativos vinculados a eles, assim comoalguns eventos comunicativos que não são denominados por gênero algum.

Por fim, após essa categorização, Swales propôs uma definição de gênero que elemesmo diz talvez não ser totalmente adequada, mas que se beneficiou de discussõesanteriores a respeito do termo e de outras áreas afins, e que ela representa um avanço nas

próprias formulações anteriores que havia feito:

Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos, cujos membroscompartilham um conjunto de propósitos comunicativos. Esses propósitos são

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reconhecidos pelos membros da comunidade discursiva que trabalha com eles e,portanto constituem a lógica subjacente aos gêneros. Essa lógica molda a estruturaesquemática do discurso e influencia e restringe a escolha do conteúdo e o estilo.Além do propósito, os exemplares de um gênero exibem vários padrões desimilaridade em termos de estrutura, estilo, conteúdo e público alvo. (SWALES

1990, p. 58)

Mas para entender esse conceito de gênero de Swales, é fundamental que secompreenda também o que é entendido por comunidade discursiva.

Swales reformulou suas idéias sobre comunidade discursiva em um artigo que data de1992. Nele, afirma suspeitar que foi muito seduzido pelo conceito de comunidade discursiva eafirma que a verdadeira comunidade discursiva pode ser mais rara do que pensava. Assim, fazentão uma redefinição em que se percebe que o conceito foi ampliado, abrangendo maiselementos e ficando mais flexível, em uma tentativa de “(.) representar um mundo maiscomplexo e um tanto obscuro” (SWALES, 1992).

O quadro a seguir mostra uma comparação entre as primeiras idéias do autor sobre

comunidade discursiva e sua reformulação

SWALES (1990) SWALES (1992)Uma comunidade discursiva tem um conjunto deobjetivos públicos comuns;

A comunidade discursiva não apenas aceita osobjetivos, mas também os formula ou estabelece.Esses objetivos podem ser consensuais, mas tambémpodem ser distintos e relacionarem-se.

Uma comunidade discursiva tem mecanismos deintercomunicação entre seus membros;

Quanto aos mecanismos de intercomunicação entreos membros de uma comunidade discursiva, nãohouve alterações. Segundo Swales (1990), essesmecanismos variam de acordo com a comunidade.

Uma comunidade discursiva utiliza seus mecanismos

de participação principalmente para fornecerinformações e feedback; 

Nesse ponto, Swales acrescenta que uma

comunidade discursiva usa mecanismos departicipação para uma série de propósitos, nãoapenas para informação e feedback .

Uma comunidade discursiva utiliza e, portanto, temum ou mais gêneros para alcançarcomunicativamente seus objetivos;

Ao invés de um ou mais gêneros para alcançar seusobjetivos, uma comunidade discursiva utiliza umaseleção crescente de gêneros no alcance dosmesmos.

Além dos gêneros, uma comunidade discursivaadquire um vocabulário específico;

Uma comunidade discursiva adquire e continuasempre buscando uma terminologia específica.

Uma comunidade discursiva conta com umaestrutura de membros que detém um certo nível deconteúdo relevante e perícia discursiva.

Swales acrescenta que uma comunidade discursivatem uma estrutura hierárquica explícita ou implícitaque orienta os processos de admissão e de progressodentro dela.

3.3 Aproximando Swales e Bakhtin

Após olharmos brevemente para alguns dos principais conceitos estabelecidos poresses autores, interessa-nos fazer uma aproximação entre o que Bakhtin chamou de “esferasde atividade” e o que Swales chamou de “comunidade discursiva”. Se tomarmos asafirmações de ambos, veremos que eles têm pontos que podem ser discutidos, aproximando asduas teorias no que nos interessa para a validação de nosso trabalho.

As esferas de atividade em Bakhtin são todos os eventos nos quais o homem participae, segundo ele, todas estão relacionadas ao uso da língua. As comunidades discursivas, deSwales, são mais restritas, tanto que ele exclui de seu foco duas áreas da atividade verbal: aconversa casual e a narrativa simples, considerando-as pré-gêneros. Contrapondo as idéias deBakhtin e de Swales, percebemos que se distanciam nesse ponto, pois, para Bakhtin, todautilização da língua efetua-se em forma de enunciados, e cada esfera de utilização desses

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enunciados elabora tipos relativamente estáveis deles, ocasionando, então, que toda utilizaçãoda língua se dará por meio de algum gênero. Para Swales, um gênero é uma classe de eventoscomunicativos, cujos membros compartilham o mesmo conjunto de propósitos comunicativos.Na definição de Swales, esses propósitos estariam condicionados por comunidades mais

concretas, em um sentido mais relacionado a uma associação formal, com mecanismos decomunicação, membros associados e regras de aceitação. Mas, como ele mesmo diz, suateoria é desenvolvida com base nos seus objetivos, que, em geral, são o ensino e aaprendizagem dos gêneros; diferentemente de Bakhtin, que faz uma reflexão mais ampla efilosófica sobre a linguagem.

Podemos dizer, ainda, dessa aproximação que, para Swales, o gênero se dá porafinidades de propósitos comunicativos. Estes forneceriam as bases para a constituição de umgênero, enquanto, para Bakhtin, o critério de agrupamento é a própria atividade discursiva, ospropósitos comunicativos parecem estar implícitos na idéia de pertinência de um enunciado aum gênero: “A variedade dos gêneros do discurso pressupõe a variedade dos escoposintencionais daquele que fala ou escreve” (BAKHTIN, 1997, p. 291).

Assim, o que tentamos esclarecer é que sempre um gênero acontece dentro de umaesfera, ou de uma comunidade, que irá determinar escolhas e estilos, e que irá, no evento dacomunicação, pressupor conhecimentos e buscar, digamos, uma cumplicidade dosparticipantes. Os gêneros também não são eventos fixos, isolados e que se excluemmutuamente, sendo que podemos agrupá-los a partir do estabelecimento de diferentescritérios, mesmo que alguns de seus elementos, considerados inerentes à sua constituiçãoformal, não estejam presentes.

Toda a idéia de condicionamento cultural e social, ou de pertinência a um grupo ou auma situação, é fundamental para a reflexão sobre fatores envolvidos no processo tradutório.Entendemos que os artigos científicos são textos produzidos dentro de e para umacomunidade, não apenas a de cada língua, mas também a da grande comunidade científicainternacional. Espera-se então, que os textos produzidos por e para essas comunidadescorrespondam ao que se espera deles. E é essa expectativa que pode ser rompida no momentoque um tradutor, inadvertidamente, não atender ao que a comunidade espera do texto com oqual está trabalhando, ao operar na transposição do texto.

A seção a seguir faz uma aproximação entre gênero e tradução, apresentando amaneira como entendemos que a tradução pode tirar proveito das idéias apresentadas emestudos de gênero.

4. Estudos de gênero e a tradução de artigos científicos

Considerando algumas idéias fundamentais dos estudos de gênero, expostas na Seção3, trataremos agora de como elas podem ser aplicadas em reflexões acerca da tradução deartigos científicos. Antes, porém, é preciso esclarecer algumas particularidades do gênero queestamos tratando.

4.1 O texto do artigo científico

O nome de Swales é tradicionalmente citado quando se trata de estudos de gênero e,em particular, de um deles: o artigo científico. Seu foco e sua motivação são bastantepedagógicos, como ele mesmo estabelece: “O principal objetivo (.) é oferecer uma abordagempara o ensino do inglês científico e acadêmico” (SWALES, 1990, p. 1). Embora o nosso

objetivo aqui esteja voltado para a produção de textos a partir do processo conhecido como

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versão (em nosso caso no sentido português-inglês)1, utilizaremos a reflexão de Swales paraembasar a caracterização desse gênero e apontar algumas das questões que estão envolvidasna sua produção.

O surgimento de um gênero textual com o formato que hoje conhecemos não ocorreu

sem contar o esforço de pesquisadores do século XVII. De acordo com Ard (1983, apudSWALES, 1990), o artigo científico desenvolveu-se a partir de cartas informativas trocadasentre pesquisadores enviadas a um jornal. Quando esse jornal começou a proporcionar umlocal para discussões, passou a assumir um novo papel, e os textos acabaram refletindo assituações retóricas novas e recorrentes, diferentes das escritas na forma de carta, e, dandoorigem, assim, aos artigos científicos, que depois encontraram estratégias retóricas paratransformar os textos em realizações aceitáveis e convincentes dos trabalhos de pesquisarealizados. Certamente, há diferenças entre o modo de escrever um artigo científico no séculoXVIII e o que encontramos atualmente. A retórica e a estrutura do artigo científico, hoje,mostram-se mais estabelecidas, e o questionamento do seu formato já não é mais motivo paradiscussão. Basicamente, os artigos são compostos de Introdução, Métodos, Resultados,

Discussão e Conclusão, modelo esse proposto por Swales. Acrescentaríamos, porém, que,mesmo que muito dificilmente os artigos científicos sejam todos, na prática, assimformalmente divididos, eles contemplam em seu desenvolvimento aspectos semanticamenterelacionados a essa divisão, em sua maioria, porém não sem exceções. Algumas áreas, como amedicina, parecem seguir à risca essa divisão, já artigos em Ciência da Computação eLingüística, por exemplo, não apresentam essa divisão como regra geral.

Os artigos científicos são produções textuais que constituem um gênero já consagrado,o qual mantém um forte grau de convenções (de uso em função da situação comunicativa, dointerlocutor e dos objetivos envolvidos), que os restringem e moldam. Um artigo científico,também conhecido como  paper , é por excelência o texto da produção e da divulgação daciência e da tecnologia. Nele, podem ser apresentadas pesquisas, experiências, investigações,indagações, hipóteses, achados e outras atividades técnico-científicas e profissionais. O artigo,na forma de um produto final (um texto), é resultado de um processo, que inicia na pesquisa ena investigação – ainda enquanto idéia/experimento, nas salas de aula e nas leituras ereflexões de seus autores, ganha forma textual no momento de formalização das idéias ouresultados e, antes de atingir seu público, passa ainda por um outro processo: o de publicação.

Na elaboração de um artigo, entram muitos fatores condicionantes que já fazem partede todo contexto da comunidade científica e acadêmica à qual ele pertence, incluindo colegas,adversários, editoras, instituições e todo o entorno que envolve uma pesquisa. O reflexodessas influências percebe-se tanto nos padrões de texto como nas expressões utilizadas.Podemos perceber, assim, que entre a pesquisa em si e a escritura de um artigo existem

muitos fatores operando, o que torna essa tarefa difícil e complicada até mesmo para membrosestabelecidos de comunidades científicas.O processo de publicação, em termos gerais, envolve a avaliação da qualidade e

pertinência dos textos e a sua conformação a certas normas. Não devemos nos esquecer que,entre o processo de produção e o de publicação, em grande parte, faz-se presente outroprocesso não menos importante: a tradução do artigo para uma língua estrangeira, em geral demaior alcance e prestígio.

Ao pensarmos o papel do tradutor, não podemos ignorar que todas as questões queapontamos acima – e dificuldades – estarão envolvidas também em seu trabalho, pois a elecaberá a tarefa de fazer o artigo operar, guardando sua estrutura de gênero, na língua dechegada de maneira satisfatória, tanto quanto opera na língua de partida.

1 No decorrer deste estudo, não faremos maiores distinções entre os processos de tradução e versão,principalmente no que tange às teorias sobre tradução, uma vez que estas parecem não fazer tal distinção.

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4.2 A tradução e o gênero

Segundo Hurtado Albir (2001, p. 491) “O tradutor deve saber decodificar asconvenções próprias do gênero a que pertence o texto original e saber utilizar as próprias do

gênero na língua e cultura de chegada, quando essa for a finalidade da tradução”.As convenções que Hurtado Albir menciona nessa citação referem-se ao quediscutimos anteriormente quando falamos de construção composicional, isto é, existem traçosestruturais, de conteúdo e de estilo que são definidos pelas esferas de atividade, oucomunidades discursivas, em que um texto é produzido. Para que o tradutor conheça e atendaa essas convenções, ele precisa estar ciente do gênero com o qual está trabalhando, com asexpectativas da comunidade com a qual está tratando. Assim, estará mais apto a produzir umtexto de chegada que não cometa “gafes”, que soe natural e que seja bem aceito pelosmembros da comunidade.

No caso dos artigos, é preciso dizer também que os textos são geralmente julgados porbancas de revisores. Então, o tradutor também precisa estar ciente de que, além de seu texto

atender às expectativas da comunidade especializada de leituras, será submetidoanteriormente ao crivo de avaliadores. E, não raro, no caso de textos traduzidos para o inglêsas traduções são bastante criticadas, por estarem muito calcadas no texto de partida, ou seja,serem traduções muito literais.

A questão da literalidade permite refletir que um texto falha justamente em conhecer o“como se diz” em outra língua, ou seja, não procura saber como o texto natural de uma línguade chegada acontece, quais são suas prototipicidades, as características que os moldam e osfazem constituirem-se em gêneros.

Entre tantas variáveis que ajudam a nortear as decisões e o trabalho do tradutor deartigos científicos, tomamos posição semelhante à citada por Azenha (1999), quando fazreferência a autores que consideram que o fio condutor do condicionamento das traduções é afunção comunicativa do texto. Para esses, uma vez que a função comunicativa do texto dechegada estiver definida ela será “a bússola que deverá nortear toda estratégia de produção datradução” (id., p. 37). Ao identificar essa função, o tradutor poderá decidir se a mesma serápreservada ou não, mais no caso de textos literários, ou de marketing, por exemplo. No casode artigos, no entanto, não há outra coisa a fazer senão manter, sim, a função do texto nalíngua de chegada. O tradutor irá, então, estruturar uma outra rede de relações “desta vez nacultura de chegada, entre os elementos empregados no plano lingüístico e os novos valoresculturais e características situacionais” (ibid., p. 40).

O que queremos chamar a atenção é que o tradutor precisará, conscientemente,reportar-se às condições de chegada de sua tradução. Sabemos que isto corresponde à parte

intrínseca ao processo, mas precisamos enfatizar as condições vinculadas ao gênero.No cenário mundial das revistas e periódicos estrangeiros e internacionais, existe jáuma tentativa de assegurar a prototipicidade formal dos textos de artigos. As normas paraapresentação dos trabalhos costumam ser bastante rígidas e, além da parte formal, em muitasáreas são feitas delimitações na maneira de apresentar as informações, no nível textual.

Não podemos esquecer, no entanto, que não é por ser um texto condicionado pormuitos padrões que o artigo científico deixa de ser rico e de ter um caráter com muitasparticularidades e diversidades.

Mencionamos anteriormente que o reconhecimento dos gêneros, por parte dostradutores, é essencial para que se conheçam melhor os padrões de gêneros e subgêneros, nointuito de entender seu funcionamento nas diferentes línguas e produzir textos condizentes

com esses padrões nas línguas envolvidas. Cabré (1999) sustenta que o tradutor de textosespecializados deve conhecer alguns parâmetros para que sua tradução consiga atingir osíndices mínimos de qualidade, ou seja, além de ser verídica, do ponto de vista do conteúdo, e

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correta, do ponto de vista gramatical, deve ser adequada e soar natural. Deve ficar claro, noentanto, que quando falamos em um gênero estamos falando do geral, de um agrupamento deeventos comunicativos (dentre esses o texto) que se assemelham. Por outro lado, um textoespecializado é o particular, é a matéria que compõe os textos que pertencem a um gênero.

Seja qual for o estudo voltado para características prototípicas de um gênero que sefizer, certamente ele será interessante do ponto de vista da tradução e do tradutor, que precisaentender o gênero para fazer suas escolhas nos processos de decodificação, redação eadaptação envolvidos na tarefa.

A seguir, relatamos algumas experiências já realizadas, voltadas ao reconhecimento degêneros e das estruturas que os compõem, com o intuito de auxiliar tradutores, bem comotrabalhos em andamento. Todas essas ações pretendem demonstrar maneiras de a tradução serbeneficiada pela abordagem de gêneros.

4.3 O que já foi feito e os trabalhos em andamento

4.3.1 Tutorial

Elaboramos um tutorial e um artigo de orientação para reconhecimento micro emacroestrutural de artigos científicos, destinado a alunos do curso de tradução. O materialestá disponível no site do Projeto TextQuim (ver http://www6.ufrgs.br/textquim/tutorial.php).

A situação que ambienta os procedimentos apresentados no tutorial é a de umreconhecimento inicial de um artigo em português, que será ser vertido para uma línguaestrangeira. Escolhemos o direcionamento português =>língua estrangeira em função dademanda real da comunidade científica brasileira por traduções nesse sentido.

No site são oferecidos exercícios aos alunos. A realização de tais exercícios deve serprecedida pela leitura do tutorial.

O objetivo é oferecer um suporte a alunos de tradução em seus trabalhos iniciais com atradução de artigos. Oferecemos dicas gerais de como abordar um artigo a ser traduzido.

4.3.2 Pesquisa de mestrado

Foi desenvolvida uma dissertação de mestrado, na qual se colocaram em evidênciaalgumas expressões típicas do gênero artigo científico, levantadas a partir de buscas defreqüência através da utilização de ferramentas da Lingüística de Corpus. No referidotrabalho, faz-se um estudo de artigos científicos da área de Ciência da Computação, emespecial de expressões típicas de seu desenvolvimento e organização, denominadas

“marcadores textuais”. Após a identificação de tais marcadores e de seus padrões de uso ecolocação em textos em português e em inglês, utilizando-se dois córpus, as mesmas foramanalisadas e classificadas com base nas metafunções da linguagem, propostas por Halliday(1985). Comparamos, então, as ocorrências das unidades em inglês e português, observandopadrões de uso, freqüência e colocação, no intuito de avaliar diferenças que pudessem auxiliaro tradutor na produção de um texto de chegada claro e com menos interferências da língua departida.

Entre outras constatações, verificamos que:

– A língua inglesa costuma ser mais direta na formulação das expressões; assim, emportuguês, teríamos: “através da realização de um estudo”, e, em inglês, teríamos, “bystudying” (estudando-se), ou “through the study” (através do estudo), em que a palavrarealização foi eliminada.

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– A língua inglesa realiza mais construções sintáticas de frases que utilizam oufavoreçam o uso do sujeito na primeira pessoa do plural we (nós). Por exemplo:

(a)  In this paper we present a new algorithm for DTP solving, called Epilitis.

em vez de usar como sujeito o próprio artigo:(a’)   Este artigo apresenta a proposta de uma estrutura baseada em agentes

inteligentes para a definição de uma seqüência. 

– A língua portuguesa utiliza algumas formas passivas inexistentes no córpus eminglês:

(b) * (nenhuma ocorrência no córpus em inglês)

(b’) Na seção y são apresentados

O exemplo acima mostra um caso em que, em inglês, a forma mais freqüentefavoreceria o uso do sujeito na primeira pessoa, como “in section y we show”.

– Outra evidência, talvez de menos relevância, é que o inglês utiliza, para fazerreferência a elementos como figuras e tabelas, a forma entre parênteses, como em “(see Table

1)”, e em português essa forma não mostrou nenhuma freqüência. Apesar de essa evidênciaparecer de pouca relevância, é um recurso que, no momento da tradução, pode possibilitar queo tradutor faça uma escolha por uma frase mais direta, em inglês, apenas indicando, entreparênteses, onde determinada informação pode ser encontrada, e não traduzindo literalmenteuma expressão do português do tipo “como mostra a figura x”.2 

Outros olhares poderiam ser lançados em relação às características de estruturação detexto, enfocando-se outros aspectos, como as diferenças entre as áreas. Por exemplo, seolhássemos os marcadores textuais típicos de textos de informática, encontraríamos “para a

implementação de.”; de medicina, “x membros em y pacientes foram estudados”; estatística,“se representarmos os elementos da amostra ordenada com a seguinte notação: X1:n, X2:n;direito, “é de observar-se que, “O Capítulo x da lei de proteção a concorrência, Lei número8884/94, trata de”, e assim em outros contextos também.

Também outras características dos artigos poderiam ser observadas, sendo de igual oumaior importância, para o tradutor, das que trouxemos aqui. Podemos citar, apenas comoexemplos, o estudo das divisões em seções e o tipo textual envolvido em cada uma (narração,descrição, etc.), o estudo específico de cada uma das seções (resumo, introdução, conclusão),o uso de citações (em que momentos e por que motivo), os tempos verbais e as pessoasempregadas, a indefinição e o apagamento do sujeito e muitos outros.

Acreditamos também que, para que isso aconteça, é necessário, cada vez mais, partir

das observações teóricas e classificatórias, para as questões práticas e de ocorrências emtextos reais. Assim, tradutores e aprendizes de tradução poderão contar mais efetivamentecom pesquisas e material de apoio em suas traduções de textos especializados.

4.3.3 Pesquisas de doutorado em andamento

Duas pesquisas de doutorado, com previsão de término em 2010, estão sendodesenvolvidas dentro da Linha de Pesquisa Terminologia e Lexicografia: Relações Textuaisdo PPG-Letras/UFRGS. Estas tratam também, ainda que não de maneira central, de gêneros etradução.

Uma delas assume que há toda uma série de condicionantes culturais, discursivos e degênero, que sobredeterminam tanto a feição quanto a tradução dos segmentos textuais,

2 Os resultados da pesquisa foram publicados em POSSAMAI (2006).

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constituídos a partir dos compostos em língua alemã, quer na língua de origem, quer na línguade chegada. A pesquisa busca dar continuidade à pesquisa de mestrado, que descreveu oscompostos nominais em textos de medicina em língua alemã, seus modos de constituição e aforma como são traduzidos para língua portuguesa (LEIPNITZ, 2005).

O córpus desse trabalho incluirá outros textos que não apenas textos de artigoscientíficos, considerando elementos discutidos em estudos de gênero. Os segmentos textuais aserem descritos na tese deverão considerar o discurso e seus participantes, os propósitoscomunicativos compartilhados pelos membros da comunidade discursiva, a variação dosgêneros de acordo com a estrutura retórica prevista, o sistema que limita as contribuiçõeslingüístico-discursivas em função do conteúdo do texto, do posicionamento do autor e daforma textual compartilhada pelos pares e a terminologia utilizada pela comunidadediscursiva. Dessa forma, o enfoque dado a essas combinatórias textuais não deverádesconsiderar a sua inserção em um determinado gênero textual.

A outra pesquisa tem dois objetivos: um de ordem teórica e outro de ordem prática.Em termos de objetivos teóricos, conforme acima mencionado, queremos desenvolver um

raciocínio sobre estruturas textuais (ou seqüências de caracteres), que carreguem um valorimportante dentro do texto especializado, concretizado em artigos da área médica, sugerindoque o texto também pode ser considerado um objeto de estudos em Terminologia.

Quanto aos objetivos práticos, queremos avançar no desenvolvimento de umaferramenta computacional que ajude tradutores de artigos científicos (na direção Português –Inglês), especialmente iniciantes, a realizarem seu trabalho com mais precisão e suporte. Aferramenta seria útil em um momento de pré-tradução, quando o tradutor está familiarizando-se com o texto que irá traduzir e procurando materiais de referência, como textos semelhantes,para dar suporte à tradução. Essa ferramenta reconheceria as tais informações relevantes quemencionamos acima. Além disso, ela apresentaria possíveis equivalentes para a traduçãodessas informações, identificando extratos de textos semelhantes ao da língua fonte na Web eem uma provável base interna de dados.

5. Conclusão

Neste trabalho, pretendemos apresentar a abordagem dada em nossas pesquisas aosestudos de gênero relacionados à tradução e como a tradução pode beneficiar-se de reflexõesacerca dos gêneros que estão sendo traduzidos.

Num primeiro momento, esboçamos as teorias em que nos embasamos e,posteriormente, traçamos uma reflexão sobre a importância de o tradutor estar conscientequanto ao gênero do texto com o qual está trabalhando. Além disso, apresentamos algumas

pesquisas e ações já realizadas, no intuito de oferecer a estudantes de tradução algum materialde apoio em seus primeiros trabalhos envolvendo a tradução de textos científicos,especialmente de artigos.

Sabemos que a terminologia disponibiliza aos tradutores dicionários, glossários ebancos de dados úteis à prática tradutória. Entretanto, nem sempre existem inventáriosterminológicos em quantidade e qualidade suficientes para auxiliar o tradutor, quando sedefronta com problemas terminológicos de naturezas distintas. Nesse sentido, o tradutor acabapor se converter em um produtor de terminologia, pois conhece as necessidadesterminológicas de seu trabalho e pode elaborar material de apoio tanto ao ensino quanto àprática tradutória.

Neste sentido, os trabalhos em andamento, frutos de nossa experiência como

profissionais tradutores e professores de língua e tradução, objetivam, através dolevantamento e da descrição de segmentos textuais em textos em L1 e L2, subsidiar aelaboração de ferramentas que venham a incrementar a prática tradutória de estudantes em

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cursos de letras. Entretanto, quaisquer ferramentas que busquem qualificar o processo e oproduto tradutório não podem desconsiderar o gênero no qual o texto foi produzido, pois sóassim contemplarão realmente os condicionantes culturais do par de línguas envolvido,tornando o texto traduzido (ou vertido) “natural” ao seu leitor.

Referências

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um estudo integrado. São Paulo: Humanitas/USP, 1999.BAKHTIN, Michail. Estética da criação verbal. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.CABRÉ, Maria Tereza.  La terminologia: representación y comunicación. Barcelona: InstitutUniversitari de Linguística Aplicada, 1999.HALLIDAY, Michael A.K.   Language as social semiotic – the social interpretation of 

language and meaning. Baltimore: University Park Press, 1978.

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