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RELATÓRIO 2012 TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS

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  • RELATRIO 2012

    TERRITRIOS QUILOMBOLAS

  • EXPEDIENTEMinistrio do Desenvolvimento Agrrio - Pepe Vargas - Ministro

    Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria - Celso Lisboa de Lacerda - Presidente

    Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiria - Richard Torsiano - Diretor

    Coordenao Geral de Regularizao de Territrios Quilombolas - DFQ

    Givania Maria da Silva - Coordenadora

    Robervone Severina de Melo Pereira do Nascimento - Coordenadora Substituta

    Equipe Tcnica

    Camila Alves Batista / Dbora Mabel Nogueira Guimares

    Jos Henrique Sampaio Pereira / Leslye Ursini Bombonatto

    Marcos Danilo Franco Silva / Maria Luiza Pereira

    Paula Balduino de Melo / Roberto Alves Almeida / Terezinha Aires

    Diagramao e arte grfica - Denise Feitosa Benevides

    Capa - Fotografias da capa (da esquerda para a direita), das seguintes comunidades:

    1 Buriti Municpio de Campo Grande/MS,

    2 Picadinha Municpio de Dourados/MS

    3 So Miguel Municpio de Restinga Seca/RS,

    4 Territrio de Sap do Norte Municpio So Mateus e Conceio da Barra/ES

    Fotos - acervo da DFQ

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  • APRESENTAO

    Este relatrio destina-se informao dos movi-mentos sociais quilombolas, rgos de governo federal, estadual e municipal e demais interessados, sendo o primeiro volume de uma srie que tem o propsito de reunir dados oficiais e de apresentar, de forma sucinta, aspectos da regularizao fundiria de Territrios Qui-lombolas no Brasil, que uma das misses institucionais do INCRA.

    Quilombo de

    Sap do Norte/ES

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    INTRODUODireitos que esto garantidos como

    o so os direitos dos remanescentes das comunidades dos quilombos permann-cia definitiva em seus territrios, repro-duo fsica e cultural, afastados os cons-trangimentos e as ameaas, so direitos que somente se concretizam quando so exercitados.

    O Estado Brasileiro garantiu esses direitos na Constituio Federal de 1988 no que foi disposto no artigo 68 do Ato das Disposies Constitucionais Transit-rias (ADCT). Assim, o INCRA, em conjun-to com a Fundao Cultural Palmares (FCP) e a Secretaria de Polticas de Promoo da Igualdade Racial (SEPPIR), tem viabilizado o acesso a esses direitos e seu pleno exer-ccio.

    Quilombo de Laranjeira, municpio de So Miguel do Guapor/RO

  • O ACESSO TERRAOs quilombos tm, como uma de

    suas caractersticas centrais, a autono-mia. As prticas produtivas, historica-mente, desenvolvidas nos quilombos, al-gumas mantidas at os dias de hoje, eram alternativas ao sistema econmico oficial da escravido e da ps-escravido. Isso no quer dizer que fossem, ou que sejam, isoladas do referido sistema. Sempre esti-veram contextualizadas na produo agr-cola regional. Porm, o uso dos recursos ambientais com vistas produo, nos quilombos, historicamente, tem uma di-nmica singular.

    Vale lembrar que, ao longo da hist-

    ria do Brasil, o trabalho da populao ne-gra escravizada foi central para as ativida-des extrativistas da madeira, da borracha,

    dentre outros; para a explorao do ouro; para as indstrias do cacau e do acar; para a produo do caf; para a pecuria e outras atividades econmicas.

    Em 1850, foi promulgada a Lei n.

    601, de 18 de setembro, conhecida como Lei de Terras. Esta Lei promoveu uma ordenao conservadora da estrutura fun-diria do pas, praticamente impossibili-tando o acesso de negros e de seus des-cendentes terra na transio da escravi-do para o regime do trabalho assalariado durante o sculo XIX.

    Junto com a Lei de Terras houve

    uma poltica de Estado incentivando a imi-grao, que condicionava a liberao da entrada de estrangeiros no Brasil proce-

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    dncia europia, expressando diretamente a proibio do ingresso de pessoas provin-das da frica e da sia. Ao mesmo tempo, consolidavam-se no Brasil teorias, conside-radas cientficas, que defendiam a inferioridade de negros e negras. Vejamos a equao dessa histria:

    Lei de Terras de 1850 +

    Imigrao europia +

    Teses cientficas que apresentavam negros e negras como raa inferior =

    A marginalizao da populao negra+

    A no previso de acesso terra por parte da populao negra+

    Racismo

    Dessa forma, de mo de obra essencial (base das atividades econmicas em-preendidas na poca pelo Brasil), a populao negra passou a ser percebida, de forma equivocada, como um obstculo para o desenvolvimento do Pas.

  • Mesmo assim, as comunidades quilombolas resistiram. E continuaram a plantar, pescar, produzir artefatos, criar animais, extrair produtos das matas e conserv-las. O uso dos territrios quilombolas revela-se imbudo de valores e prticas de respeito natureza.

    Quilombo de Pitor dos Pretos, municpio de Peritor/MA

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    O processo de regularizao das ter-ras quilombolas iniciou-se em 1995, com a atuao do INCRA, amparado nas nor-mas constitucionais, que titulou em terras pblicas 06 territrios quilombolas no Es-tado do Par e criou 15 Projetos de Assen-tamentos Quilombolas nos Estados da BA, MA e GO. Paralelamente, os Estados do PA, BA, RJ, MA e AP e a Fundao Cultural Palmares (FCP) emitiram mais 08 ttulos em terras pblicas.

    No ano de 2001, o INCRA afastou--se do processo de regularizao de ter-ras quilombolas, por fora do Decreto 3.912/2001, que atribuiu FCP a compe-tncia de reconhecer, delimitar, demarcar, titular e registrar as terras ocupadas pe-

    los quilombolas. Tal competncia, por sua vez, perdurou por 2 anos.

    Aps a edio do Decreto 4.887/2003, o INCRA voltou ao cenrio, com o geren-ciamento de cerca de 1.000 processos atinentes s comunidades quilombolas, atuando, concretamente, em aproximada-mente 30% desses processos, seja identi-ficando as comunidades quilombolas, seja elaborando relatrios antropolgicos, pe-as-chave na delimitao das terras e no seu reconhecimento, seja realizando a de-sintruso, demarcao, titulao e regis-tro das terras ocupadas pelos quilombos.

    A atuao da Unio no se d em prejuzo do trabalho de Estados e Muni-cpios. Assim, os institutos de terras es-

    A REGULARIZAO FUNDIRIA DE TERRAS QUILOMBOLAS

  • taduais, muitas vezes em parceira com o INCRA, regularizam os casos em que a lo-calizao das comunidades coincide com terras pblicas do Estado. Em diversos outros casos, os Territrios Quilombolas apresentam status fundirio de terra par-ticular.

    Muitas dessas terras foram negocia-das por terceiros, mesmo sendo ocupadas por famlias quilombolas, ocasionando o esbulho e o despejo dessas famlias. O le-vantamento da cadeia dominial de inteiro teor desde o titular particular da terra at o seu destaque das mos do Estado, passando por todos os seus transmiten-tes, por compra, herana, etc. um pro-cedimento adotado pelo INCRA para iden-tificar a lisura dos ttulos de propriedade encontrados nos territrios quilombolas.

    Tia Ginoca, 104 anos, do Quilombo de So Raimundo Pirativa, municpio de Santana/AP

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    Cronologia da legislao brasileira

    1988 Constituio Federal: Artigos 215 e 216; Artigo 68 do ADCT

    2001 Decreto 3.912/2001 (revogado)

    2003 Decreto 4.887/2003

    2004 Instruo Normativa n16 INCRA (revogada)

    2005 Instruo Normativa n 20 INCRA (revogada)

    2008 Instruo Normativa n 49 INCRA (revogada)

    2009 Instruo Normativa n 56 INCRA (revogada)

    2009 Instruo Normativa n 57 INCRA (vigente)

    2010 Lei 12.288/2010 - Estatuto da Igualdade Racial

  • Em toda a Amrica, as comunida-des afrorrurais constituram-se como um contraponto escravizao de povos afri-canos e de seus descendentes no Novo Mundo. Muitos pases latinoamericanos reconheceram legalmente a relevncia de suas comunidades afrorrurais.

    Na Colmbia, o direito das comuni-dades afro consta na Constituio Poltica de 1991 (artigo 55) e na Lei 70/1993.

    A Nicargua reconhece os direitos territoriais e a autonomia das comunida-des afrorrurais na Constituio Poltica de 1987. Porm, a efetivao de tais direi-tos tornou-se possvel por meio da Lei n

    445/2003, voltada ao que nesse pas se denominam as comunidades tnicas.

    A Constituio da Repblica do Equador de 2008, por sua vez, reconhece direitos coletivos ao povo afroequatoria-no, dentre eles direitos territoriais (espe-cialmente nos artigos 56, 57 e 58). E o Equador est em processo de elaborao de uma norma para definir a implemen-tao das Circunscripciones territoriales.

    Nota-se ento que, para alm do texto constitucional, elaboram-se legisla-es que orientam a atuao do Estado e garantem a aplicabilidade do direito.

    OS AFRORRURAIS NA AMRICA LATINA

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    Os nmeros da Poltica

    Hoje, o INCRA possui 1.167 proces-sos abertos, conforme quadro a seguir:

    PROCESSOS ABERTOS POR ANO

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Total

    9 111 208 189 167 123 147 74 136 3 1.167

    Para instruir estes processos, tendo em vista o que versa a Instruo Norma-tiva do INCRA de n 57/2009, esta Autar-quia tem que cumprir as seguintes etapas para regularizar as terras quilombolas:

    Etapa 1: Elaborao do Relatrio Tc-nico de Identificao e Delimitao (RTID), que inclui a elaborao de re-latrio antropolgico, de levantamento fundirio, de planta e memorial descri-

    tivo, assim como o cadastramento das famlias quilombolas;

    Etapa 2: Publicao do RTID; Etapa 3: Abertura de contraditrio para

    interessados e julgamento de possveis contestaes ao RTID;

    Etapa 4: Publicao de portaria de re-conhecimento do territrio;

    Etapa 5: Decretao do territrio como de interesse social;

    Etapa 6: Desintruso dos ocupantes no quilombolas com pagamento de in-denizao pela terra nua e pelas ben-feitorias;

    Etapa 7: Georeferenciamento e cadas-tramento do territrio no SNCR;

    Etapa 8: Titulao; e Etapa 9: Registro do ttulo emitido.

    O aludido encadeamento de etapas traduz um procedimento intrinsecamente

  • complexo e moroso, baseado em normati-vo elaborado por um grupo interministerial com vistas a dar maior lisura regulariza-o de terras quilombolas. Acrescenta-se ainda que a demora na execuo destas etapas est diretamente relacionada re-duzida estrutura operacional e disponibili-dade oramentria e financeira para atin-gir todo universo de processos abertos.

    Neste contexto, tem-se o balano oficial da execuo da regularizao fun-diria de terras quilombolas:

    Relatrios antropolgicos elaborados

    185

    RTIDs elaborados 149

    Portarias de Reconhecimento 71

    Decretos de interesse social publicados

    42

    Decretos de interesse social a serem publicados* 11

    (*) Decretos em anlise no MDA e na Casa Civil da Presidncia da Repblica.

    Soma-se aos dados acima, a elabora-o de mais 138 relatrios antropolgi-cos, e de mais 60 RTIDs. Acrescenta-se ainda que o INCRA est desintrusando 19 territrios quilombolas decretados e tomando todas as medidas tcnicas e legais necessrias para titular mais 23.

    Vale a pena ainda registrar que nes-tes 19 territrios decretados como rea de interesse social o INCRA est realizando um estudo de aprofunda-mento da dominialidade dos imveis rurais ali inseridos, para viabilizar as devidas indenizaes aos ocupantes no quilombolas.

    Hoje, j foram devidamente inde-nizados 160 ocupantes e o INCRA est aguardando o Judicirio emitir as respec-

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    tivas sentenas para que se possa efeti-var a desintruso e a posterior titulao de mais 23 territrios quilombolas.

    Paralelamente, o INCRA tem so-mado esforos para defender os di-reitos dos quilombolas nas Cmaras de Conciliao e Arbitragem da AGU, dentre outras instncias. Assim, como est angariando esforos para qualifi-car os dados (localizao, nmero de famlias, etc.) relativos a todas as co-munidades quilombolas com proces-sos abertos.

    Cumpre acrescentar que, paulatina-mente, o INCRA, com vistas a garantir a plena execuo da legislao, tem criado normativos internos relativos aos diversos procedimentos previstos.

    Tais dados demonstram que o INCRA vem atuando de forma intensa nos terri-trios quilombolas, apesar dos obstcu-los administrativos e financeiros. Cumpre registrar que o INCRA utilizou quase 100% da dotao oramentria dispo-nvel para o ano de 2011 e j est com todo seu oramento de 2012 compro-metido.

    Com isso, verifica-se que considerar a efetividade da poltica tendo como par-metro apenas os territrios efetivamente titulados no reflete o trabalho empreen-dido por esta Autarquia, j que a titulao a ltima etapa do longo processo de re-gularizao fundiria.

  • Ttulos das terras quilombolas

    Os Territrios Quilombolas so titu-lados de forma coletiva e indivisa, ou seja, o territrio titulado que j no era des-membrado continua no podendo s-lo posteriormente. Tal medida se d em pro-veito da manuteno desse territrio para as futuras geraes. uma terra que, uma vez reconhecida, no ser vendida quer na sua totalidade, quer aos pedaos.

    Do ponto de vista prtico, o Territ-rio Quilombola uma terra no alienvel. uma terra que no est no mercado, est reservada ao usufruto exclusivo das comunidades quilombolas. Esse fato, por vezes, o que est no cerne de indis-posies poltica de regularizao fun-diria de territrios quilombolas. Trata-se

    de uma poltica que desagrada a terceiros, pois retira terras do mercado imobilirio e da explorao particular de recursos na-turais.

    Como j dito anteriormente, na re-

    gularizao fundiria de quilombo, a titu-lao a ltima etapa do processo e ocor-re aps os procedimentos de desintruso do territrio. No h nus financeiro para as comunidades e obriga-se a insero de clusula de inalienabilidade, imprescritibi-lidade e de impenhorabilidade no ttulo, o qual dever ser registrado no Servio Re-gistral da Comarca de localizao do ter-ritrio.

    Na atualidade, existem 121 ttulos emitidos, regularizando 988.356,6694 hectares em benefcio de 109 territ-rios, 190 comunidades e 11.946 fam-

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    lias quilombolas, assim distribudos nos Estados:

    ESTADO TTULOSPAR 56

    MARANHO 23RIO GRANDE DO SUL 08

    SO PAULO 07PIAU 05BAHIA 06

    MATO GROSSO DO SUL 04MATO GROSSO 01

    RIO DE JANEIRO 02AMAP 03

    PERNAMBUCO 02GOIS 01

    SERGIPE 01MINAS GERAIS 01

    RONDNIA 01TOTAL 121

    Considerando o tamanho do territ-rio nacional, com base em dados do IBGE, os territrios quilombolas hoje titulados abrangem 0,12% do territrio nacional. Estima-se que a titulao de todos os quilombolas do Brasil no chegar a 1%, sendo que os demais estabelecimentos agropecurios representam cerca de 40%.

    Ademais, certo que o tamanho dos ter-ritrios garantir a reproduo fsica das famlias quilombolas, assim como a sua sustentabilidade econmica, social, am-biental, cultural e poltica.

    Quilombo de So Pedro, municpio de Ibirau/ES

  • Direito de todosA experincia comparativa da regu-

    larizao de territrios quilombolas pela Fundao Cultural Palmares e pelo INCRA demonstra fatos importantes.

    Ainda hoje, alguns ttulos emitidos antes de 2004 pela referida Fundao, encontram-se na fase de desintruso pelo INCRA. Isso ocorre, pois no se cumpria o rito ora normatizado, que contempla a devida anlise de todos os interesses que podem estar sobrepostos regularizao quilombola.

    A primeira etapa de contestao do processo realizado pelo INCRA ocorre quando da publicao do Relatrio Tcni-co de Identificao e Delimitao RTID.

    Posteriormente, no processo de desapro-priao, os interessados podem novamen-te questionar o INCRA no tocante ava-liao de seus imveis. Em caso de no ter seus interesses devidamente conside-rados, possvel ainda recorrer ao Poder Judicirio. Conclui-se que se trata de uma ampla escuta dos vrios interesses envol-vidos em cada processo. Os conflitos so evitados e dirimidos quando o Estado re-conhece cada ator envolvido em um pro-cesso no qual as partes interessadas tm voz.

    Sendo assim, o Estado, ao transferir a atribuio da regularizao de territrios quilombolas do Ministrio de Cultura para o Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, buscou a expertise do INCRA, respons-vel tcnico pelo ordenamento da estrutura fundiria brasileira, sendo o rgo equi-

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    pado com instrumentos legais e tcnicos para receber o contestatrio do processo de regularizao de terras quilombolas, seja na fase da publicao do RTID, bem como nos recursos atinentes avaliao das benfeitorias e terra nua de boa f, com indenizao para os ttulos chamados limpos.

    OS USOS DA TERRAO reconhecimento da terra o ele-

    mento fundamental para a garantia de adequadas condies de vida popula-o quilombola. O territrio singulariza o modo de viver e produzir das comuni-dades quilombolas, as quais sintetizam o significado da terra por meio da ancestra-lidade, resistncia e autonomia do povo negro brasileiro.

    Os relatrios tcnicos revelam que um Territrio Quilombola uma terra em que se do diversos usos simultneos: moradia, produo e cultivo, extrativismo, criao de animais, caa, pesca, patrim-nio cultural que inscreve na terra ativida-des de manifestao cultural, religiosa e ritual. As condutas territoriais que as

    Quilombo de Magalhes, municpio de Nova Roma/GO

  • comunidades empreendem em seus terri-trios promovem a proteo desse espa-o, afastando invasores e exploradores de recursos naturais, resguardando, assim, a integridade ambiental dessas reas.

    As comunidades quilombolas so um exemplo prtico da articulao entre bem-estar humano e bem-estar das ma-tas, das florestas, das guas. No Brasil, os locais onde h sculos vivem essas comu-nidades so os locais onde a natureza est em harmonia.

    No Estado de So Paulo, por exem-plo, a rea de remanescncia de Mata Atlntica povoada por quilombos. De l vem uma experincia exitosa, que pode ser replicada em outros lugares. Em 2008, foi criado o Mosaico de Unidades de Con-servao do Jacupiranga, uma combina-

    o de diversas modalidades de unidades de conservao: Parques Estaduais; Re-servas de Desenvolvimento Sustentvel RDSs; Reservas Extrativistas RESEXs; e reas de Proteo Ambiental APAs, sendo uma delas a APA dos Quilombos do Mdio Ribeira.

    Em regies de faixas de fronteira, a presena de quilombolas contribui com a guarda dos limites do territrio nacional.

    Por meio da transmisso dos conhe-cimentos tradicionais acerca do uso e do preparo de plantas ou partes delas, ge-rao aps gerao essas comunidades conservam um vasto conhecimento acer-ca de princpios ativos (para se fazer me-dicamentos, corantes, defensivos, cosm-ticos, etc.), o que coloca o Brasil que, ao lado da China e da ndia, um pas

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    megabiodiverso - em posio estratgica no cenrio mundial.

    Nos Territrios Quilombolas tambm se promove a conservao in situ e on farm de espcies vegetais de usos rele-vantes e de variedades crioulas e tam-bm se d o melhoramento tradicional de espcies e variedades.

    Em outras palavras, trata-se dos conhecimentos tradicionais associa-dos ao patrimnio gentico, tema da Conveno sobre a Diversidade Biolgica (CDB), erigida na chamada ECO/92, pro-mulgada e ratificada pelo Brasil.

    Esse tema ser discutido na Cpula da Rio+20, que acontecer no Brasil em junho de 2012, na forma de balano do que os pases signatrios da CDB, dentre eles o Brasil, fizeram nesses 20 anos e o

    que fazem agora, tendo em vista as dire-trizes da Conveno.

    Os quilombolas tm direito repar-tio justa e equitativa dos benef-cios financeiros ou no advindos do acesso (por empresas e pesquisadores) tanto dos conhecimentos quanto do pa-trimnio gentico dessas espcies e va-riedades que conhecem e conservam.

    Marabaixo no Quilombo Rosa, municpio de Macap/AP

  • As comunidades quilombolas, como produtoras rurais, representam ainda uma categoria social importante e econo-micamente participativa de nossas socie-dades.

    O uso que as comunidades quilom-bolas fazem de sua terra prev o abas-tecimento da comunidade e tambm a produo de excedentes, sendo que em diversas localidades so essas comunida-des verdadeiros celeiros dos municpios em que esto localizadas.

    Em muitas comunidades quilombo-las, podemos notar prticas comuns de cultivo, organizadas a partir das famlias, articuladas com regras de apropriao pri-vada. O produto do trabalho sobre a ter-ra tem apropriao individualizada, pelos grupos familiares. Os bens oferecidos pela natureza recursos hdricos, matas, den-tre outros so de usufruto de todos e to-

    das. Enfim, tudo passa pelas relaes entre as pessoas e delas com o meio ambiente. Os mutires, to presentes em v-rios quilombos do Brasil, bem demons-tram como o trabalho coletivo tem a ver com a sustentabilidade da autono-mia dos territrios e o fortalecimento dos laos afetivos entre familiares, vizi-nhos e vizinhas, comadres e compadres. No tocante ao patrimnio cultural, sabido que as comunidades tm gran-de contribuio construo da nao, deixando-nos um importante legado na constituio da identidade nacional. A Constituio Federal do Brasil, em seus artigos 215 e 216, Seo Da Cultu-ra, reconhece essa contribuio e atri-bui ao Estado brasileiro o dever de ga-rantir a manuteno integral dos grupos detentores de tais prticas e saberes.

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    AGENDA PROPOSITIVA

    A execuo da poltica de regulariza-

    o de territrios quilombolas proporciona ao Estado e sociedade brasileira conhe-cer o contemporneo universo quilombola de nosso pas. Percebendo a magnitude dessa poltica, o INCRA formulou aes com previso oramentria anual, trouxe antroplogos para seu corpo de funcion-rios e criou setores especficos para imple-mentar a poltica na sede e nas Superin-tendncias Regionais.

    sabido que a estrutura operacio-nal e a disponibilidade oramentria atual no so a ideal. Mesmo assim, ao compre-ender a complexidade da tarefa que lhe foi atribuda, o rgo busca planejar suas

    atividades, maximizando a utilizao da estrutura operacional existente, e dialogar com os Estados e as demais instncias de governo envolvidas, dentre elas a Secre-taria de Polticas de Promoo da Igualda-de Racial e a Fundao Cultural Palmares.

    Com vistas a aprimorar a poltica, o INCRA revisou, por diversas vezes, seus normativos internos e vem criando outros instrumentos complementares.

    Entende-se, por fim, que o Decreto 4.887/2003 cumpre sua funo de orien-tar o rgo na aplicao do direito cons-titucional. Em sua implementao, apre-sentam-se vrios desafios. No entanto, no desenvolvimento dos processos de regu-larizao de territrios quilombolas, o IN-CRA est enfrentando os obstculos que se colocam.

  • O eventual reconhecimento da inva-lidade do aludido decreto, sem o resguar-do de quaisquer efeitos e/ou situaes consolidadas, quando do julgamento da Ao Direta de Inconstitucionalidade n 3.239, implicar incomensurveis e ne-fastos prejuzos concretizao dos direi-tos dos remanescentes das comunidades quilombolas, uma vez desconsiderado e perdido todo o avano procedimental al-canado nos ltimos anos com a atuao do INCRA, que est, por meio da execu-o desta poltica, recontando a histria da ocupao fundiria do Brasil.

    Assim, para consolidar a garantia da terra aos remanescentes das comuni-dades quilombolas, no cabe interromper uma poltica pblica que segue seu curso, mas, sim, envidar esforos no sentido de increment-la. Garantir o direito terra

    significa garantir o direito vida das co-munidades quilombolas.

    Quilombo Tambor, municpio de

    Novo Airo/AM

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    Quilombo de Alto Alegre, municpios de Pacajus e Horizonte/CE