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Helena Maria Afonso Jacob Comer com os olhos Estudo das imagens da cozinha brasileira a partir da revista Claudia Cozinha Mestrado em Comunicação e Semiótica PUC-SP São Paulo, 2006

BANCA EXAMINADORA - PUC-SP

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Page 1: BANCA EXAMINADORA - PUC-SP

Helena Maria Afonso Jacob

Comer com os olhosEstudo das imagens da cozinha brasileira a partir

da revista Claudia Cozinha

Mestrado em Comunicação e Semiótica

PUC-SP

São Paulo, 2006

Page 2: BANCA EXAMINADORA - PUC-SP

Helena Maria Afonso Jacob

Comer com os olhosEstudo das imagens da cozinha brasileira a partir

da revista Claudia Cozinha

Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

PUC-SP

São Paulo, 2006

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontíficia Universidade

Católica de São Paulo, como exigência

parcial para obtenção do título de

Mestre em Comunicação e Semiótica,

sob orientação do Prof. Dr. José Amálio

de Branco Pinheiro

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BANCA EXAMINADORA

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Aos meus pais e irmãos, por terem me dado tudo

Ao Anderson, por ser tudo pra mim

Aos “picadinhos”, por amizades tão preciosas e fundamentais

Aos meus companheiros felinos pelo amor e pela companhia

Page 5: BANCA EXAMINADORA - PUC-SP

AAGGRRAADDEECCIIMMEENNTTOOSS

A Deus, pelo que há de bom, de ruim, de certezas e de dúvidas

Aos meus guias espirituais que me iluminaram no percurso

Ao meu orientador Amálio Pinheiro, pelas conversas tão saborosas e nutritivas

À Unesp, pelo terreno fértil para plantar a semente

À PUC, pelo “adubo” que fez o terreno vingar

À Capes, pelo “fomento” da plantação

À Daniele, pela correção do tempero

À Déa, pela tradução da receita

A todos os meus amigos,pela composição de sabores

Ao jazz e aos blues que embalaram meus dias de elaboração do prato

Page 6: BANCA EXAMINADORA - PUC-SP

RREESSUUMMOO

A gastronomia tornou-se, nos últimos anos, um negócio em evolução na hoje

ascendente indústria do lazer e entretenimento. Nesse cenário, surgiu uma necessi-

dade entre jornais e revistas de colocarem no mercado editorial títulos contemplando

o assunto. Entre várias novidades, como o caderno “Paladar”, do jornal Estado de S.

Paulo, lançado em setembro de 2005, ou a revista Cozinha Profissional, voltada para

os profissionais desse ramo, existem veículos que há anos falam de vários tipos de

comidas para um público diverso, constituído por donas-de-casa e chefs de cozinha,

entre outros vários e imprevisíveis tipos de pessoas. O mais antigo título deste tipo em

circulação no Brasil é a revista Claudia Cozinha, da Editora Abril.

Durante mais de 30 anos existindo como um encarte de muito sucesso da revista

Claudia, hoje o título está consolidado no mercado, colocando-se em um universo em

que trabalha com a alta gastronomia e seus ingredientes sofisticados e com a culinária

do dia-a-dia, por meio de receitas e dicas para o cotidiano da cozinha.

Sendo uma revista brasileira, cabe a ela também publicar matérias sobre a comi-

da típica do País. A imagem desta cozinha faz parte de um imaginário simbólico que

está diretamente relacionado às imagens criadas pela narrativa do escritor Gilberto

Freyre nos seus livros Casa-Grande&Senzala e Açúcar. Nessas obras a alimentação do

brasileiro é narrada com fortes cores e sabores, sendo dotada de grande complexi-

dade cultural. Tais formas fazem parte do imaginário e da reflexão sobre o importante

sistema cultural que é a alimentação.

Para verificar como ocorre o processo de representação da comida brasileira na

mídia impressa especializada em revistas, e como se dá o processo de troca comunica-

cional entre a cozinha e a mídia, esta pesquisa analisa um corpus de três anos e meio

de Claudia Cozinha. Serão consideradas as matérias ou seções que abordem essa coz-

inha típica . E para definir esse conceito serão utilizadas as imagens narrativas criadas

pelo sociólogo Gilberto Freyre nas suas obras Casa-Grande&Senzala e Açúcar . O obje-

tivo é observar como se constrói essa imagem da comida brasileira na mídia e como ela

atua na representação dessa face da cultura brasileira.

A dissertação será composta por um capítulo inicial que estudará a alimentação

como uma importante manifestação da cultura e qual é o seu estado atual no mundo

contemporâneo. No segundo capítulo o objeto de estudo é a mídia em revistas e os

tipos de veículos brasileiros relacionados à alimentação. O terceiro é composto pela

análise do corpus proposto, a revista Claudia Cozinha. Já o quarto tece relações entre

essa revista e as demais que aparecem neste estudo, que são Gula, Prazeres da Mesa

e Menu. A dissertação se encerra com algumas considerações finais sobre o estudo e

sobre a continuidade de pesquisas futuras nesta área.

Palavras-chaves: Revistas, Alimentação, Gastronomia, Gilberto Freyre, Semiótica da

Cultura e Imagem

Page 7: BANCA EXAMINADORA - PUC-SP

AABBSSTTRRAACCTT

Gastronomy has become, in the latest years, a business in evolution in the grow-

ing industry of entertainment. In this scene, the newspapers and magazines realized

that it was necessary to release in the market some publications about gastronomy.

Among plenty of news, like the suplement 'Paladar', from the newspaper O Estado de

S.Paulo, released in September 2005, or the magazine Cozinha Profissional, dedicated

to the professionals of the gastronomy sector, there are medias that, for so long years,

keep talking about several kinds of food to a diverse public – from housewifes to

chefs and other unpredictable kinds of people.

The most ancient title of this kind in circulation in Brazil is the Abril Publisher's

magazine Claudia Cozinha. All over 30 years, the magazine was only a succesfull fol-

der inside the women magazine Claudia. Nowadays the publication is consolidated in

the publishing market, and it is raised inside an universe that encludes high gastro-

nomy and its sofisticated ingredients. At the same time the magazine brings the day-

by-day culinary, with recipes and clues.

As a brazilian issue, its need is to publish reports about Brazil's typical foods. This

kitchen's image is part of a symbolic imaginary that is strictely linked to the images cre-

ated by the writer Gilberto Freyre in his books Casa Grande&Senzala e Açúcar. In these

books, the brazilian food is reported with strong colors and flavours, and brings great

cultural complexity.

These forms are part of the imaginary and the reflexion about the very important

cultural system that is typical foods. To verify how occurs the process of representation

of brazilian culinary in the specialized maganizes, and how the process of communica-

tion happens between kitchen and media, this research analyses a corpus of three years

and a half of Claudia Cozinha issues. It will be considered reports and sections which

broach this typical culinary. And to define this concept it will be used the narrative

images created by the sociologist Gilberto Freyre in his books, Casa Grande&Senzala and

Açúcar. The goal is to observe how the image of brazilian culinary is constructed in

media, and how it acts in the representation of this face of brazilian culture.

The research will be composed by an initial chapter, that intends to study the

food as an important manifestation of culture and what is its state in the contempo-

rany world. In the second chapter, the object of our studies is the magazines media and

and the kinds of brazilian media dedicated to food information. The third chapter is

composed by the analysis of the proposed corpus, the Claudia Cozinha magazine and

the other magazines that appear in the research: Gula, Prazeres da Mesa e Menu. As

conclusion, some considerations about the research and about the continuity of future

researchs in this field.

Key Words: Magazines, Alimentation, Gastronomy, Gilberto Freyre, Semiotics of the

Culture and Images.

Page 8: BANCA EXAMINADORA - PUC-SP

“Bolos e doces, coisas de doçaria, de pastelaria e de

cozinha, estão entre as quais o autor vem considerando

mais atraentes do ponto de vista pictórico e não apenas

gastronômico; do artístico e não apenas do sociológico -

o sociológico sob que passou a vê-los e até estudá-los

desde que se tornou estudante de sociologia e ciências

afins. Mas não só desses pontos de vista os vem

considerando: também do da chamada ‘poesia óptica’.

Ponto de vista, este, que se confunde com o pictórico,

ultrapassando-o. (...) Como significativas -

sociologicamente significativas, culturalmente

interessantes - são as maiores ou menores

predominâncias - maiores ou menores quanto a

espaços e tempos - daquelas formas de bolos e doces

do ‘arquipelágo’ cultural que é o Brasil. Não só, porém,

são diferentes as predominâncias estéticas e, por vezes,

mágicas, das formas: também as de sabores, de

combinações do sabor do açúcar com outros sabores,

de usos e abusos do açúcar no preparo de doces

e de bolos brasileiros nas várias regiões do país.”

Gilberto Freyre

Açúcar - 4a Edição, 1997. Pág. 15

Page 9: BANCA EXAMINADORA - PUC-SP

SSUUMMÁÁRRIIOO

IInnttrroodduuççããoo: AAlliimmeennttaaççããoo ee ccuullttuurraa II

Objeto de estudo IIIIII

Metodologia da pesquisa IIVV

Estrutura da dissertação VV

CCaappííttuulloo 11:: AA ccaaççaa,, oo ffooggoo ee oo ddeesseennvvoollvviimmeennttoo ddaa ccoozziinnhhaa 77

1.1. Alimentação e cultura 88

1.2. Da culinária à gastronomia 11 1100

1.3. Linguagens do mundo da cozinha 1122

1.4. A comida brasileira 1155

1.5. O conceito de gastronomia hoje 1199

CCaappííttuulloo 22: RReevviissttaass,, ccoonnssuummoo ee aa iimmaaggeemm ddoo mmuunnddoo iiddeeaall 2255

2.1. Revistas de cozinha e seus públicos 2266

2.2. A gula e o processo comunicativo 2266

2.3. Os mundos das revistas de culinária e gastronomia 3300

2.4. Gula: compromisso com o bem comer 3333

2.5. Prazeres da Mesa: a “Bíblia” da Gastronomia 4411

2.6. Menu: viver bem o dia-a-dia 4455

CCaappííttuulloo 33: CCllaauuddiiaa CCoozziinnhhaa ee aa ccoommiiddaa bbrraassiilleeiirraa 4488

3.1. Breve histórico de Claudia Cozinha 4499

3.2. Os doces e as comidas de Gilberto Freyre na revista 5511

3.3. Representando a comida do Brasil 5522

3.4. Claudia Cozinha de 2002 a 2003 5588

3.5. O primeiro ano de análise: público fiel 6611

3.6. A busca pela alta gastronomia 7744

3.7. O segundo ano de análise: novas imagens 7777

3.8. O terceiro ano de análise 8888

Page 10: BANCA EXAMINADORA - PUC-SP

CCaappííttuulloo 44: AAss rreevviissttaass ddee ccoozziinnhhaa eemm ccaatteeggoorriiaass ddee aannáálliissee 9966

4.1. A imagem da gastronomia nas revistas 9977

4.2. Categorias de análise 9977

4.3. Análise da representação da comida brasileira 110033

CCoonnssiiddeerraaççõõeess ffiinnaaiiss: AA ccoozziinnhhaa ee sseeuu ccaallddeeiirrããoo ddee mmííddiiaass 110088

As imagens de Freyre e a pesquisa em alimentação 111100

As revistas de cozinha no nosso imaginário simbólico 111100

Os caminhos de Claudia Cozinha 111111

Os mundos das revistas de cozinha 111122

A gastronomia e futuras pesquisas 111133

RReeffeerrêênncciiaass BBiibblliiooggrrááffiiccaass 111144

AANNEEXXOO II 112233

AANNEEXXOO IIII 112255

AANNEEXXOO IIIIII 112277

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AAlliimmeennttaaççããoo ee ccuullttuurraa

IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO

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II

AAlliimm

eennttaa

ççããoo

ee ccuu

llttuurraa

A idéia desse estudo veio da observação, ao longo

das décadas de 1980 e 1990, e começo dos anos 2000, do

segmento de revistas relacionadas à cozinha no Brasil.

Em meados da década de 80, esse setor da mídia

impressa especializada em revistas ainda não tinha

destaque expressivo no mercado editorial. A sua presença

podia ser detectada em colunas de jornais e em seções de

revistas, especialmente nas femininas1.

Já na década de 1990, a gastronomia passou a ser um objeto

de interesse das pessoas mais diversas, desde chefs de cozinha a donas-de-casa.

Definimos aqui o conceito de gastronomia, fundamental para o nosso trabalho, de

acordo com as palavras de Algranti (2000: 252):

“Gastronomia: termo grego formado por Gaster (ventre,

estômago), radical nomo (lei) e sufixo ia de substantivo, ou seja, estudo

e observância das leis do estômago. De estudo de leis do estômago

passou a de preceitos de comer e beber bem; arte de preparar iguarias

para obter delas o máximo deleite, tornando-as mais digestivas. Arte de

cozinhar de maneira a proporcionar o maior prazer a quem come. Arte

de regalar-se com finos acepipes e iguarias. Também se entende por

gastronomia o ato de comer por mais prazer do que necessidade.”

Nessa mesma década, podemos observar também o fortalecimento das

indústrias do ócio e do lazer. Tratam-se daquelas voltadas para

os momentos em que as pessoas não estão trabalhando e

sim, quando estão consumindo.

É nesse período que começam a se configurar uma

redescoberta do prazer dos alimentos e a busca pelo prazer

gastronômico. E, ainda mais do que dar prazer, a comida

passa a ser, mais do que nunca, um símbolo de status social.

O universo midiático, de forma geral (revistas, jornais,

internet, TV2), contribuiu para esse processo. Hoje, podemos

1.As revistas femininas, em

todo o mundo, têm como praxeoferecer receitas para a sua leitora.Esse fenômeno pode ser observado

ainda hoje, quando revistas dirigidas paraa mulher solteira, sem filhos e que tra-

balha o dia todo, como Nova, tam-bém da Editora Abril, mantêm

a prática.

2.A TV paga é particular-

mente pródiga em gerarinúmeros de programas sobre gas-

tronomia. Um dos destaques é Truquesde Oliver, exibido no Brasil pelo canalGNT e apresentado pelo chef inglês

Jamie Oliver, que se tornou cele-bridade mundial com o

programa.

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III

AAlliimm

eennttaa

ççããoo

ee ccuu

llttuurraa

observar que há uma série de programas de TV sobre o tema e que novos restaurantes

sofisticados abrem as portas todos os dias. No Brasil, particularmente, a mídia impressa

tem destacado o tema. O jornal Estado de S.Paulo lançou, no final de 2005, um caderno

semanal sobre o mundo da gastronomia e seu concorrente, a Folha de S. Paulo,

aumentou sua seção sobre o tema, de uma para duas páginas.

Fazer parte do mundo da gastronomia é pertencer ao mundo das pessoas

especiais, que sabem degustar um vinho ou uma conserva exótica e especial de uma

região remota do planeta. E muitas pessoas, na era da visibilidade total que vivemos hoje,

querem pertencer a um mundo de sofisticação e destaque.

Em se tratando do veículo revista, o aumento dos títulos voltados para o mundo

da gastronomia também foi significativo. Entre a década de 1990 e o período

contemporâneo, surgiram vários títulos voltados para o universo da alta gastronomia:

Gula, a pioneira, Prazeres da Mesa, Alta Gastronomia, Sabor. E revistas como Claudia

Cozinha, nosso objeto de estudo, e Menu, tradicionalmente dirigidas para as donas-

de-casa, passaram também a destacar esse universo mais sofisticado nos últimos anos.

A partir da sua transformação em veículo independente3,

Claudia Cozinha começou a buscar um novo público: os jovens

amantes de gastronomia, chefs de cozinha e curiosos pelo tema,

tornando a revista uma publicação híbrida entre os universos da

gastronomia e da culinária4.

A escolha dessa revista como objeto de estudo deu-se pelo

fato de ser a publicação voltada para o universo da cozinha há mais

tempo em circulação ainda no Brasil. Assim, poderíamos ter o

parâmetro de uma revista criada há quatro décadas, que pode nos

mostrar a evolução da representação da comida na mídia brasileira

especializada em revistas.

E, para particularizar ainda mais a questão, escolhemos

estudar a representação da comida brasileira. Para definir o que é

“comida brasileira”, teremos como parâmetro as imagens narrativas

criadas por Gilberto Freyre nas suas obras Casa-Grande&Senzala e Açúcar. A escolha do

autor se deu pelo pioneirismo do seu trabalho em valorizar a importância da

alimentação como um sistema da cultura.

Objeto de estudoClaudia Cozinha, ao longo de sua história, viu suas características editoriais e

gráficas se modificarem muitas vezes. Nesse estudo pretendemos observar como se

construiu a representação da comida considerada brasileira nas páginas da revista,

utilizando os últimos três anos e meio da publicação para análise.

O estudo da mídia revista é sempre instigante porque uma revista não é apenas

um veículo informativo. Existe uma ligação, que envolve a durabilidade do veículo,

entre o leitor e a revista. Geralmente, só compra uma revista quem se identifica de

fato com ela. Scalzo (2003: 12) diz:

3.Claudia Cozinha foi

criada em 1967 como umencarte da revista Claudia,tornando-se uma revistaindependente apenas no

ano dde 2000.

4.No capítulo 1, dis-

cutiremos as diferençasentre os conceitos de

gastronomia eculinária.

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IV

AAlliimm

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ee ccuu

llttuurraa

“Revista é um encontro entre editor e leitor, um contato que se

estabelece, um fio invisível que une um grupo de pessoas e, nesse sentido,

ajuda a construir a identidade, ou seja, cria identificações, dá sensação de

pertencer a um determinado grupo (...) Não é à toa que leitores gostam de

andar abraçados às suas revistas – ou de andar com elas à mostra – para que

todos vejam que eles pertencem a este ou àquele grupo.”

Uma revista é um texto da cultura5 que se interliga a outros

textos. Nessa pesquisa vamos analisar a conexão entre o texto

mídia revista e o texto cozinha brasileira, e de que maneiras

esses textos se cruzam, causando transformações em ambos.

É importante esclarecer, ainda, o conceito de imagens-

narrativas da obra de Gilberto Freyre que utilizaremos para

trabalhar a imagem da comida brasileira. Ao destacar a

cozinha típica do Brasil nos seus trabalhos, Freyre narrativizou

esse conceito, deu forma escrita ao que antes dele era tradição oral. Ao transformar

uma prática cotidiana em texto, o sociólogo criou também uma imagem dele. Como

define Baitello Jr. (2003: 39):

“Narrativizar significou e significa para o homem atribuir nexos

e sentidos, transformando os fatos captados por sua percepção em

símbolos mais ou menos complexos, vale dizer, em encadeamentos,

correntes, associações de alguns ou de muitos elos sígnicos.”

Ao criar essas imagens, Freyre preservou a típica cozinha brasileira como uma

manifestação cultural de importância ímpar da “morte”. A morte, no caso, seria o

esquecimento total dessa tradição. No livro Açúcar, o autor criou imagens narrativas

das tradições dos doces nordestinos, preservando esses doces do esquecimento. Por

meio dessas imagens, Freyre também ajudou a criar um estereótipo da cozinha do

Brasil, que é muito utilizado em estratégias de divulgação do turismo do País, por

exemplo. A mídia revista, como veremos, utiliza-se muitas vezes desse estereótipo,

representando pratos típicos com um caráter de “exoticidade”, que não deveria

permear esse tipo de imagem.

Metodologia de PesquisaPara estudar a questão proposta e verificar se a hipótese de que a mídia

transforma a cozinha brasileira e vice-versa se comprova. Utilizaremos como

instrumental a semiótica da cultura e da mídia, enfocando na questão da produção de

imagens da cultura. Por meio de autores como Yuri Lotman, Edgar Morin e Norval

Baitello Jr., Dietmar Kamper, entre outros, trabalharemos o conceito de cultura e de

mídia, verificando como se constroem as imagens da cozinha brasileira nas revistas de

culinária e gastronomia.

5.Texto, segundo Macha-

do (2003: 163), é “mecanis-mo elementar que conjuga sis-

temas e, com isso, confereunidade pela transformação

da experiência em cultura”.

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V

AAlliimm

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llttuurraa

Como a questão proposta trata de um objeto de estudo latino-americano, uma

revista brasileira, analisar a complexidade que envolve a cultura de países como o Brasil

é fundamental para a questão. Afinal, a cultura latina é cheia de entrecruzamentos,

junções e conexões particulares, que pedem uma discussão mais aprofundanda. Nesse

quesito, os trabalhos de Jesus-Martín Barbero, Néstor Garcia Canclini e Amálio Pinheiro

nos ajudará na pesquisa fornecendo o suporte necessário.

É importante esclarecer que optamos por deixar de lado a abordagem

antropológica da questão. Embora o capítulo 1 aborde o processo cultural que levou

a espécie humana a criar os conceitos de culinária e gastronomia, a abordagem não é

aprofundada. Abordar a questão da representação midiática da cozinha brasileira já

se mostra um objeto bastante complexo. Acreditamos que autores como Claude Lévi-

Strauss e sua obra O Cru e o Cozido, entre outros, devam ser

preservados para estudos futuros e mais aprofundados.

No entanto, ao usarmos o trabalho do sociólogo

Gilberto Freyre, não deixamos de lado o olhar

antropológico. Afinal, foi esse olhar que permeou todo o

trabalho de Freyre e fez o autor preservar a cozinha

brasileira em suas imagens narrativas. Discípulo de Franz

Boas6, pioneiro dos estudos da antropologia cultural, Gilberto

Freyre sempre trabalhou com esse enfoque no estudo da

história, da cultura humanas e do comportamento humanos.

Justamente por isso, não termos um enfoque antropológico direto nesta pesquisa, mas

ele, certamente permeará todo o estudo. Tanto pelo trabalho de Gilberto Freyre

quanto pela contribuição de Edgar Morin, sociólogo e pensador francês, por meio de

seus estudos sobre a formação do sociogênese humana, como a obra O Enigma do

Homem, citada no primeiro capítulo deste trabalho.

Estrutura da dissertaçãoA dissertação está dividida em quatro partes. No primeiro capítulo, faremos um

breve histórico do desenvolvimento da alimentação como texto da cultura, e suas

linguagens diversas, como os conceitos de culinária e gastronomia. Ainda faremos uma

apresentação do parâmetro de comida brasileira utilizado: as imagens narrativas das

obras Casa-Grande&Senzala e Açúcar, de Gilberto Freyre, e uma discussão sobre o

conceito de gastronomia do mundo contemporâneo.

No segundo capítulo, desenvolveremos o objeto de pesquisa, ou seja, as revistas

relacionadas ao universo da cozinha e editadas no Brasil. O conceito de mídia impressa

especializada em revistas e sua conexão com o mundo da alimentação será analisado

observando como se processa a construção da imagem da comida brasileira nesses

veículos. Também serão apresentadas as demais revistas, Gula, Prazeres da Mesa e

Menu, que servirão de parâmetro comparativo em relação ao objeto de estudo,

Claudia Cozinha, na análise feita no último capítulo.

Na terceira parte desta pesquisa, será analisado a fundo o corpus Claudia

6.Franz Boas foi professor

de Gilberto Freyre na Universi-dade de Columbia, nos EUA. Lá oautor obteve o grau de Mestre em

Ciências Sociais com pesquisaque seria o embrião da obra

Casa-Grande&Senzala.

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VI

AAlliimm

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ççããoo

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llttuurraa

Cozinha e a maneira como a revista representa imageticamente a comida brasileira.

Para isso, serão analisados os seus últimos três anos e meio (de março de 2002 a

setembro de 2005. Em cada um dos exemplos analisados discutiremos se a construção

da imagem da comida brasileira na revista confirma, transforma ou apenas trabalha

com o estereótipo dessa cozinha e como tal se relaciona com os conceitos e as imagens

narrativas criadas por Gilberto Freyre.

No quarto e último capítulo, discutiremos a maneira como Claudia Cozinha e as

demais revistas representam essa culinária nacional, categorizando esse trabalho de

acordo com itens que diferenciam o tratamento que cada uma dá ao tema. Serão

observadas comparativamente quatro categorias de análise (gastronomia e culinária;

visibilidade e comensalidade; masculino e feminino; mundialidade e brasilidade). Essa

categorização vai ajudar a deixar mais clara a imagem da comida brasileira na mídia

especializada em revistas dos dias de hoje.

Teceremos ainda algumas considerações sobre o tema e os rumos que a

problemática parece seguir nesse momento, apresentando algumas possíveis idéias

para o prosseguimento da pesquisa. Tais como a hipótese de que, desconsiderando o

suporte revista, a exposição da comida é tamanha nos dias de hoje, que ela mesma, a

comida, pode ser analisada como mídia em si.

Por fim, nos anexos I e II, teremos a compilação de entrevistas com as duas

diretoras de redação de Claudia Cozinha no período de três anos e meio do corpus

deste estudo: Wanda Naesthler e Gisella Tognella. As entrevistas visam dar

embasamento às discussões sobre as mudanças da revista. É interessante destacar que a

revista escolhida como objeto desta pesquisa foi, até o último instante, um objeto de

estudo surpreendente.

No mês de abril de 2006, data limite para a finalização deste trabalho, Claudia

Cozinha anunciou, novamente, mudanças na direção de redação e nos projetos

gráficos e editorial. Gisella Tognella deixou o cargo para Cristina Dantas, antiga

repórter da publicação. Tentamos entrar em contato com Cristina para uma última

entrevista que, certamente, enriqueceria este trabalho, mas não foi possível agendar

uma data. Para colocar a questão, no anexo III, podemos ler o editorial da edição de

abril que anuncia as mudanças e ver alguns exemplos do novo projeto gráfico. Projeto

este que, em um movimento de “gangorra”, é muito semelhante ao penúltimo projeto

da revista, que vigorou de maio de 2003 a janeiro/fevereiro de 2005. Claudia Cozinha

mostra, dessa maneira, que é um objeto desafiador e complexo, justificando o trabalho

de pesquisa realizado neste estudo.

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1

AA ccaaççaa,, oo ffooggoo ee oo ddeesseennvvoollvviimmeennttoo ddaa ccoozziinnhhaa

CCAAPPÍÍTTUULLOO

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8

AA ccaa

ççaa,, oo

ffooggoo

ee oo

ddeess

eennvvoo

llvviimm

eennttoo

ddaa

ccoozziinn

hhaa

1.1. Alimentação e culturaPoucas atividades humanas desempenharam papel tão fundamental na for-

mação de sua cultura e sociedade quanto a alimentação. Comer é uma tarefa cotidia-

na e ritual, e que pode servir de elemento agregador. O componente ritualístico é o

grande segredo da importância do “alimentar-se”. O ritual de preparar os alimentos

levou o homem a descobrir o prazer de comer, que originou o conceito de desgustar.

Para Baitello Jr. (2003: 83), os rituais são uma parte fundamental da existência humana,

tanto social quanto cultural. Ele diz ainda que:

“Escreve Harry Pross: ‘Rituais fazem do homem parte de um

todo, fazem-no participante’. (...) A ritualização promove um simulacro

simplificado do complexo espaço-tempo. Por isso precisa de uniformi-

dade e regularidade.”

De fato, comer regula as atividades diárias do homem e organiza seu tempo.

Comemos diariamente, e várias vezes ao dia, tanto por fome quanto por gula. A alimen-

tação, desde os tempos pré-históricos, é uma das principais preocupações e ocupações do

homem – a organização do trabalho hoje é estruturada por intervalos para almoço e

lanches. Também reservamos momentos de pausa e descanso para a hora das refeições.

No início da história da alimentação, o homem precisava, literalmente, correr

atrás do seu alimento, coletando e caçando. A caça, particularmente, foi um momen-

to definidor para a espécie humana. Segundo Morin (1979:67)::

“A caça deve ser considerada um fenômeno humano total; não

só atualizou e exaltou aptidões pouco utilizadas até então como susci-

tou novas aptidões; não só transformou a relação para com o meio am-

biente; também transformou a relação de homem para homem, de

homem para mulher, de adulto para jovem. Mais ainda: seus próprios

desenvolvimentos, correlativamente às transformações operadas trans-

formaram o indivíduo, a sociedade, a espécie.”

E complementa: “a substituição progressiva da selva protetora e alimentadora

pela savana agressiva e cruel espicaça e orienta o processo de hominização” (ibidem:

64). Foi nesse momento, quando a espécie foi obrigada por razões climáticas a mudar

seu habitat, que o homem precisou também mudar seu comportamento, incluindo aí

a sua alimentação. Nesse momento, teve início o processo de complexificação da espé-

cie humana quando, ainda segundo Morin, a nossa espécie se distanciou das demais,

graças ao diferenciado desenvolvimento do nosso cérebro e, consequentemente, do

nosso pensamento (ibidem: 69).

Na alimentação, o aumento do grau de complexidade deu-se, quando, há cerca de

500 mil anos, os primeiros hominídeos descobriram o fogo e, consequentemente, pas-

saram a cozinhar seus alimentos. Pèrles (apud FLANDRIN e MONTANARI, 1996: 44) diz:

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9

AA ccaa

ççaa,, oo

ffooggoo

ee oo

ddeess

eennvvoo

llvviimm

eennttoo

ddaa

ccoozziinn

hhaa

“Há mais ou menos 500 mil anos, o uso regular do fogo no uni-

verso doméstico modificou profundamente a alimentação, assim como

os comportamentos sociais a ela relacionados. O gosto pela carne cozi-

da (consumida depois de incêndios naturais) é corrente entre muitos

carnívoros. Todavia, só o homem pôde fazer disso uma prática regular e

dar os primeiros passos em direção à alimentação cozida e, depois, à co-

zinha. Ora, é impressionante constatar que, com as primeiras fogueiras,

apareceram também os primeiros indícios de cocção dos alimentos (...).

Além da vantagem nutricional da cocção dos alimentos, logo ficou

patente sua importância no plano social: ela favorece, com efeito, a

comensalidade, ou seja, o hábito de fazer refeições em comum, intro-

duzindo no seio do grupo uma divisão de trabalho mais efetiva, um

ritmo de atividades comum a todos, e, de modo geral, um nível mais

complexo de organização do grupo.”

Morin (ibidem: 68) complementa esse pensamento:

“O fogo não deve ser concebido apenas como uma inovação que

aumenta o conhecimento prático geral e torna possível a utilização téc-

nica do material lenhoso. Trata-se de uma aquisição de alcance multidi-

mensional; a pré-digestão externa pelo assado alivia o trabalho do apa-

relho digestivo; ao contrário do carnívoro, que adormece pesadamente

depois de devorar a presa, o homínida, senhor do fogo, pode estar em

forma e alerta depois de ter comido; libertando a vigília, o fogo tam-

bém libertou o sono. (…) É, enfim, no plano social que o desenvolvimen-

to da caça e suas conseqüências representam um papel transformador.

Acompanham uma sociogênese que dissocia o modelo social hominídeo

das sociedades de primatas mais avançadas.”

A partir desse processo de transformação social, a descoberta do fogo criou um

outro ritual. Sabendo que poderia aquecer e modificar o sabor de seus alimentos – e

gostando da prática – , o homem criava o ato de cozinhar. Cozinhar ajudou a definir

papéis sociais que perduram até os dias de hoje em algumas sociedades, com os do

homens saindo para caçar, provendo o lar, e as mulheres ficando para cuidar dos

filhos e preparar os alimentos. Armesto (2004: 24) observa:

“O ato de cozinhar merece seu lugar de destaque como uma das

grandes novidades revolucionárias da história não pela maneira como

transforma a comida — há muitas outras maneiras de fazê-lo —, mas sim

pelo modo como transformou a sociedade. A fogueira no campo passa

a ser um local de comunhão quando as pessoas comem ao seu redor. O

ato de cozinhar não é apenas uma forma de preparar o alimento, mas

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também uma forma de organizar a sociedade em torno das refeições em

conjunto e de horários de comer previsíveis. Ele introduz novas funções

especializadas e prazeres e responsabilidades compartilhados.”

Como elemento da cultura e sofrendo a ação de seu processo evolutivo, o sim-

ples cozinhar evoluiu para a culinária, definida sucintamente pelo dicionário de língua

portuguesa Aurélio (1988:190) como “a arte de cozinhar”. De acordo com Armesto

(ibidem: 47), a culinária ampliou a dimensão do comer:

“A comida nutre: a revolução culinária ampliou este efeito ao

aumentar a variedade de produtos disponíveis e ao facilitar a digestão.

A comida dá prazer, um prazer que o cozimento pode aumentar. (...)

Após a invenção da culinária, a próxima grande revolução foi a descober-

ta de que a comida tem outras virtudes e vícios: ela pode codificar signifi-

cados; pode dar ao comensal bens do tipo que transcendem o sustento

e males do tipo que são piores do que veneno.”

Dessa descoberta das qualidades da comida, que vão além da nutrição, surgiu o

conceito de gastronomia, agente de grandes transformações da cultura dentro do uni-

verso da cozinha. Veremos a seguir, brevemente (pois trata-se de um processo milenar),

a evolução que originou esse conceito.

1.2. Da Culinária à GastronomiaAs primeiras civilizações humanas surgiram em decorrência do agregamento ger-

ado pela sedentarização. Brescianne (apud FLANDRIN e MONTANARI, 1996: 68) diz que

“na escrita hieroglífica dos egípcios, um mesmo signo – um homem levando a mão à

boca – significa tanto falar quanto comer”. Esse fato leva a entender que essa sociedade

já tinha consciência da ligação entre essas duas formas orais, o comer e o falar. Durante

os banquetes, a degustação era acompanhada por risos, discussões e conversas.

A Bíblia fornece outro testemunho da importância da alimentação na sociogê-

nese humana. O documento mais importante de diversas religiões como o Judaísmo e

o Cristianismo define regras para alimentos puros e impuros, os que prejudicam ou

não a alma do Homem. Tal classificação cumpre uma função social, definindo os papéis

de pecador e de santo para quem observá-la ou não.

Já no mundo dos gregos e romanos, a culinária adquiriu um sentido cultural

mais complexo. Flandrin (1996: 108) afirma:

“Dentre todos os aspectos que definem a cultura alimentar daque-

le que chamamos de ´mundo clássico’, um dos mais significativos é a von-

tade de o apresentar como o domínio da civilização, como uma zona pri-

vilegiada e protegida, em oposição ao universo desconhecido da barbárie.

(…). No sistema de valores elaborado por esse mundo, o primeiro elemen-

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to que distingue o homem civilizado das feras e dos bárbaros (…) é a

comensalidade: o homem come não somente (e menos) por fome para sa-

tisfazer uma necessidade do corpo, mas também (e sobretudo) para trans-

formar essa ocasião em um momento de sociabilidade.”

Já a alimentação de Roma, calcada no trinômio vinho, azeite e pão, foi um sím-

bolo de estratificação social. Só tinham acesso a esses bons alimen-

tos aqueles que eram “civilizados”7. As sociedades gregas e

romanas se definiam pela agricultura, pelo cultivo do trigo, uva

e oliva. A carne, que de acordo com princípios religiosos, só de-

veria ser consumida de animais sacrificados em ritos religiosos,

era, em geral, guardada para ocasiões festivas.

Nessas duas civilizações, a culinária teve intenso desenvolvi-

mento cultural, com o aperfeiçoamento de técnicas para a produção de

queijo, vinhos, cereais e o desenvolvimento de receitas mais elaboradas, como os as-

sados dos banquetes romanos. Foi com essa complexificação do ato de comer que

surgiu, entre os gregos o conceito de gastronomia, ou “prazer de comer”, que seria

aperfeiçoado apenas no século XVIII pelo francês Brillat-Savarin (2005: 43).

Esse retardamento aconteceu porque, no subseqüente período da Idade Média os

conceitos de prazer no ato de comer foram substituídos por rígidos princípios da dietéti-

ca, quando se comia para fortalecer a saúde8. Cozinhar era uma atividade para deixar os

alimentos digeríveis e não mais ou menos gostosos. Segundo Laurioux (apud FLANDRIN

e MONTANARI, 1996: 447), durante esse período, além da importância como remédio, era

necessário que a comida tivesse uma boa apresentação estética. O

gosto ficava em terceiro lugar após essas duas necessidades.

Tal quadro começa a mudar na Europa durante o

século XVII, quando o comércio cada vez mais fácil e bara-

to das especiarias, ocasionado pelo desenvolvimento das

navegações marítimas durante o século XVI, transformou o

modo de comer do continente. O açúcar, por exemplo,

durante a Idade Média, era visto como remédio. Por isso e

pelo seu preço alto, seu uso era feito com parcimônia.

Somente com a produção de cana-de-açúcar em larga escala

no Brasil a partir do século XVI é que o consumo se popularizou e o ingrediente passou

a constar de uma infinidade de pratos europeus, entre doces e salgados. A libertação

desse ingrediente de seu status de remédio é uma das passagens que ilustram o aban-

dono da dietética e o fortalecimento do gosto.

Brillat-Savarin (idem: 41), gastrônomo francês e autor da primeira obra a enfocar

o conceito de gastronomia, Fisiologia do Gosto, diz, sobre o gosto, que ele é “aquele

nosso sentido que nos põe em contato com os corpos sápidos, por meio da sensação que

causam no órgão destinado a apreciá-los ”. O autor falava sobre as sensações prazerosas

despertadas pela comida na língua assim que começamos a mastigar os alimentos.

7.Deve ficar claro aqui

que tal situação parecerecorrente na espécie e nãodifere muito do momento

contemporâneo dohomem.

8.Conceito que tem voltado

ao mundo contemporâneo, vistoque o light, o diet e os alimentos fun-

cionais - aqueles com vitaminas enutrientes específicos, como o Ômega

3, por exemplo - têm ocupadoespaço cada vez maior nos

supermercados de todo o mundo.

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A obra de Savarin – na verdade um militar apaixonado pela boa cozinha –, e um

poema de Joseph Berchoux, de 1800, onde, pela primeira vez, aparece a palavra gas-

tronomia (apud QUEIROZ, 1988:45) marcam o nascimento desse conceito em terras

francesas e, posteriormente, no mundo. A partir desse momento o homem não ape-

nas sabia preparar alimentos, mas também descobriu que podia aprender a apreciá-

los, desenvolvendo seu paladar. Savarin (ibidem: 58) diz:

“Gastronomia é o conhecimento fundamentado de tudo o que

se refere ao homem, na medida em que ele se alimenta. Seu objetivo é

zelar pela conservação dos homens, por meio da melhor alimentação

possível. (...) O assunto material da gastronomia é tudo que pode ser

comido; seu objetivo direto, a conservação dos indivíduos; e seus meios

de execução, a cultura que produz, o comércio que troca, a indústria que

prepara e a experiência que inventa os meios de dispor de tudo para o

melhor uso. (...) A gastronomia considera o gosto tanto em seus praze-

res como em seus desprazeres .”

1.3. Linguagens do mundo da cozinhaDefinidos os conceitos de culinária e gastronomia, é necessário destacar como

tais linguagens estruturam-se dentro da universo da cultura. Ambas fazem parte do

sistema alimentação, sendo que a primeira se refere ao ato de cozinhar ordenamente,

com propósito, visando à elaboração de pratos. Já a segunda abrange um universo

maior, onde a comida é também status, visibilidade e prazer.

Os sistemas são estruturas que se organizam e geram linguagens, segundo

Machado (2003: 165). Entre as várias linguagens possíveis no mundo da alimentação

destacamos as cozinhas regionais, como a brasileira, que será o nosso objeto de estu-

do. Cada tipo de culinária tem uma linguagem própria, organizada tanto pelos ingre-

dientes utilizados quanto pela maneira de prepará-los.

Considerando texto como a unidade mínima e essencial da cultura, Lotman

(1996: 91) aponta que esse é um termo empregado de diversas maneiras, mas deve

ser entendido sempre em relação a outros textos, visto que é nessa interação que se

processa a cultura. Ele diz ainda que esse fenômeno de intersecção, o texto no texto

é um fato, pois as transformações culturais não são processos estanques e as relações

entre seus elementos é que constituem sua dinâmica . No caso de um sistema forma-

do por uma cozinha regional, como a brasileira, essa rede de relações é ainda mais

complexa, pois opera em um universo rico e dinâmico, mesclado por diversas hibridiza-

ções de povos e, consequentemente, de linguagens.

O universo em constante evolução de um sistema como a alimentação pode

englobar pratos típicos, ingredientes, utensílios, e vários textos que criam o ambiente

onde pode ocorrer um processo de transformação, a semiose. O processo semiótico

associado à memória da cultura como armazenadora de informações passada, gera a

transformação da cultura e a criação de novos textos. Novamente Lotman corrobora

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essa afirmação, dizendo que “en el sistema general da cultura los textos cumplen por

lo menos dos funciones básicas: la transmissión adecuada de los significados y la gen-

eración de nuevos sentidos (ibidem: 94)”.

É importante deixar claro que os códigos da cultura são os elementos que fazem

o “transporte” dessas informações e trabalham na criação de novos textos. No caso

específico da alimentação e do universo da cozinha, o código cultural predominante

é o paladar, mas é preciso considerar outros, como contextos culturais, tabus religiosos,

convenções sociais e políticas, entre vários possíveis.

Partindo da análise desse contexto e de seus códigos culturais, verificaremos

nesse estudo como a cozinha típica do nosso País surgiu e como ela foi sendo altera-

da pelos processos culturais. Somente dessa maneira podemos começar a compreen-

der a representação dessa comida na mídia impressa contemporânea. Tais deslizamen-

tos e entrecruzamentos de uma cultura são fundamentais para compreendê-la, ainda

mais em se tratando de estruturas culturais complexas como a brasileira.

Estudar uma cozinha típica é analisar um pedaço da cultura de uma determina-

da sociedade. Em um momento contemporâneo em que a globalização é um fato, mas

com inúmeras complicações positivas e negativas, há um movimento de redefinição

das identidades culturais. Barbero (2004: 229) auxilia a compreensão dessa questão:

“O lugar da cultura na sociedade muda também quando os

processos de globalização econômica e informacional reavivam as

questões das identidades culturais – étnicas, raciais, locais e regionais –

até o ponto de convertê-las em dimensão protagonista de muitos dos

mais ferozes conflitos bélicos dos últimos anos, ao mesmo tempo em que

essas mesmas identidades (…) estão reconfigurando a fundo a força e o

sentido dos laços sociais e das possibilidades de convivência no nacional.”

A cultura em lugares de intensa riqueza associativa de símbolos como a Améri-

ca Latina não pode ser definida secamente, sem levar em conta os diversos processos

a ela associados, como economia, política, sociedade e tantos outros. No Brasil, a com-

plexa estrutura resultante da miscigenação entre o índio, o africano e o português –

este, por sua vez, com uma cultura híbrida herdada dos mouros – não consegue encon-

trar enquadramento simples e linear em uma só definição.

O conceito de hibridação de Canclini (2003: 19) para esses cruzamentos culturais

e sua importância ajuda e entender porque a questão não pode ser ignorada quanto se

estuda uma sociedade de formação complexa como a brasileira: “enten-

do por hibridação processos socioculturais nos quais estruturas ou

práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para

gerar novas estruturas, objetos e práticas”.

No caso da cozinha brasileira, gostos culturais dos portugue-

ses, como a “paixão” pelo açúcar9, foram combinados às preferências

indígenas por frutas como caju, abacaxi, graviolas, criando doces de sabores peculiares.

9.Paixão herdada,

por sua vez, dos árabesque colonizaram aPenísula Ibérica.

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A hibridização de códigos culturais da alimentação sofre, em

exemplos como esse, processos de complexificação10 e de

explosão, momento em que a cultura se transforma e gera

novos significados. Sobre explosões culturais, Lotman (ibi-

dem: 100) afirma:

“Las poderosas irrupciones textuales externas en la cultura con-

siderada como un grand texto, no solo conducem a la adaptación de los

mensajes externos y a la introducción de éstos en la memoria de la cul-

tura, sino que también sirven de estímulos del autodesarrollo de la cul-

tura, que da resultados imprecidibles.”

Esse processo não implica no desuso de textos anteriores, o que explica o porque

de a culinária não ter sido anulada pelo conceito de gastronomia; pelo contrário, essas

linguagens se completam, criando textos híbridos. Um exemplo no campo da comuni-

cação é o de revistas como Claudia Cozinha e Menu, que se situam na fronteira entre

ambas as definições, colhendo frutos dessa interação. O entrecruzamento de linguagens

caracteriza uma maior riqueza cultural, pois símbolos e códigos geram textos com mais

camadas e maior complexidade. No caso da revista, esses veículos chamados de híbridos

traduzem de maneira mais adequada culturas como a brasileira, do que revistas que se

situam apenas na linguagem gastronômica, como Gula, por exemplo. Sobre a relação

entre mídia e culturas latino-americanas, Barbero (ibidem: 139) comenta :

“Na América Latina, o que acontece nos meios de comunicação e

por eles não pode ser compreendido à margem de descontinuidades cul-

turais que medeiam a significação dos discursos maciços e o sentido de

seus usos sociais, pois o que os processos e as práticas de comunicação

coletiva produzem não remete unicamente às lógicas mercantis e às

invenções tecnológicas, mas a mudanças profundas na cultura cotidiana

das maiorias e à acelerada desterritorialização das demarcações culturais.”

Um exemplo de acomodação de um texto estrangeiro à cultura do Brasil na

culinária é a sobremesa cheesecake. Prato típico norte-americano, ela invadiu as mesas

brasileiras na década de 1990, fez enorme sucesso e hoje é encontrada com facilidade

em qualquer restaurante ou doceria do País.

Trata-se de um bolo doce de queijo cremoso, ingrediente que não existia no

Brasil até a década de 1990 - impossibilitando que a receita desse doce pudesse ser

feita no País. Com a abertura das importações, o ingrediente passou a ser comercial-

izado no nosso território, assim como o próprio cheesecake. No início, tratava-se de

uma sobremesa “chique”, um dos símbolos de Nova York; comê-la era fazer parte da

cidade que é o centro do mundo11.

Hoje, já podemos dizer que a sobremesa pertence também à cozinha brasileira,

10.De acordo com o conceitode complexidade de Edgar

Morin. Para ver mais: COELHO, N. N.Edgar Morin: a ótica da complexidade

e a articulação dos saberes. In:http://www.suigeneris.pro. br/literatura_nelly1.htm. Consul-

tado em 09/08/2005.

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pois aqui foi transformada em outro texto, com algumas ver-

sões nacionalizadas, como aquelas que contêm maracujá ou

cupuaçu, por exemplo. Em outras reconfigurações, o quei-

jo cremoso foi substituído por ricota, requeijão e até

catupiry, queijo genuinamente nacional.

O texto cheesecake foi recodificado de acordo com

os códigos da cultura do Brasil, e passou, assim, a fazer parte

dessa cultura. Isso ocorre com diversos outros pratos e ingredi-

entes, mostrando que os sistemas agem entre si, trocando informações

e recriando a cultura. Essa troca, que ocorre em espaços fronteiriços, é a gênese de

muitos processos culturais. A definição de fronteira, segundo Lótmam (ibidem: 24),

mostra como um sistema é delimitado e pode trocar informações com outros sistemas:

“Así como en la matemática se llama frontera a un conjunto de

puntos perteneciente simultáneamente al espacio interior y al espacio

exterior, la frontera semiótica es la suma de los traductores — filtros

bilíngues — pasando a través de los cuales un texto se traduce a otro

lenguaje (o lenguajes) que se halla fuera de la semiosfera dada.”

Na troca entre os espaços fronteiriços estabelecem-se padrões identitários dos

sistemas que ajudam a definir as linguagens de cada um deles. No caso daqueles rela-

cionados ao universo da cozinha, esse conceito auxilia a entender como se estruturam

as cozinhas regionais. Veremos como é a linguagem da comida brasileira e como será

delimitado o seu conceito nesse estudo.

1.4. A comida brasileiraA comida brasileira possui, na sua origem, características culturais de três raças dis-

tintas: o português, o índio e o negro. Esses povos constituíram a matriz da nossa cultura,

mas há que se considerar, desde o início, contribuições como a dos árabes, por meio de

sua presença na cultura portuguesa - afinal esse povo colonizou a Península Ibérica por

700 anos, atuando decisivamente na formação cultural de Espanha e Portugal.

A hibridização dos códigos culturais relativos à culinária brasileira deu origem

a diversas combinações e representações de pratos pelo território nacional. Um bom

exemplo é a carne-seca, ingrediente utilizado por diversas cozinhas, como a mineira e

a nordestina. Em ambas, esse tipo de carne é protagonista de várias receitas, mas exis-

tem diferenças fundamentais nos modos de preparo. Em Minas, come-se carne-seca

com bastante cebola e arroz. No Nordeste, com jerimum (abóbora) e macaxeira (man-

dioca). São incorporações da cultura, quando os sistemas recriam a sua própria lin-

guagem de acordo com o ambiente em que se desenvolvem.

Retomando a história da alimentação brasileira, pode-se verificar alguns

momentos de explosões culturais que ajudam a compreender como ela é hoje. Até o

começo do século XX, os registros sobre a comida do Brasil são raros e esparsos, segun-

11.Considerando-se o pen-

samento da população médiaque sofre, do que ousamos definir,

de “síndrome do colonizado”, quandotudo que é alheio a nossa cultura,especialmente se for proveniente

da Europa e EstadosUnidos, é melhor.

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do Cascudo (2004: 358). O primeiro trabalho a tratar

com rigor científico o assunto foi o do sociológo Gil-

berto Freyre que na sua obra de estréia, Casa-

Grande&Senzala, de 1933, e no livro Açúcar,

lançado seis anos depois, discutiu a importân-

cia da alimentação na cultura do Brasil.

Na época do lançamento de Açúcar, Frey-

re chocou os intelectuais da época ao lançar a

obra como um estudo acadêmico de recuperação

da memória da comida brasileira, por meio das

receitas de doces das doceiras tradicionais da região

nordeste do País. O autor foi tachado de pouco sério pelos

seus contemporâneos mas, hoje, é visto como pioneiro de um tipo de estudo que já se

desenvolvia na Europa na mesma época: a história da mentalidades12.

Em Casa-Grande&Senzala (1972: 10-18):, Freyre afirma:

“Pode-se sugerir ter sido principalmente à sombra das casas-

grandes patriarcais dos primeiro engenhos brasileiros de açúcar que se

iniciou o aproveitamento, para o que se constituiria no Brasil, em Portu-

gal e na Espanha, com transbordamentos noutras áreas, numa opulenta

culinária e numa opulenta e variada gastronomia eurotropical, da man-

dioca, do milho, da banana, do tomate, do feijão de corda, do peru, além

dos peixes e crustáceos novos e, para europeus, exóticos – deliciosamente

exóticos – sabores.”

Sobre esses encontros culturais de diversos povos, como os que formaram a cul-

tura brasileira e, por conseguinte, a sua comida, as palavras de Lotman (ibidem: 90)

sobre a riqueza que pode resultar desse processo são elucidativas:

“De manera análoga podríamos decir que el contacto con otra cul-

tura desempeña el papel de un ‘mecanismo de arranque’ que pone en mar-

cha procesos generativos. La memoria del hombre que entra en contacto

con el texto, puede ser considerada como un texto complejo, el contacto

con el cual conduce a cambios creadores en la cadena informacional.”

Ao destacar a alimentação como elemento primordial na

formação da sociedade e cultura do Brasil, Freyre reforçou uma

verdade já observada, ainda que instintivamente, pelo homem

das cavernas: a comida acaba por se transformar um ritual que

forma sociedades. E para muitas delas, como a arte rupestre13

pode comprovar desde a antiguidade, a comida é um elemento

mágico. Cascudo (ibidem: 378) diz sobre essa questão:

12.Tal linha de estudos

acadêmicos, representada pela Escolados Annales, liderada por Lucien Febvre e

Marc Bloch, na França, estuda a história humananão do ponto-de-vista da historiografia

tradicional, que traça um panorama histórico apenas de acordo com fatos sócio-econômicos de

relevância, especialmente as guerras. A história das mentalidades analisa o desenvolvimento

da história humana pelo seu cotidiano,através do seu vestuário, mobiliário,

alimentação, etc.

13.No período rupestre, o

homem já “magicizava” seucotidiano com imagens. Antes dacaça, o animal ambicionado eradesenhado, acreditando-se que,

assim, seria mais fácilcaçá-lo.

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“O alimento representa o povo que o consome numa imagem

imediata e perceptiva. Daí a impressão confusa e viva do temperamen-

to e maneira de viver, de conquistar os víveres, de transformar o ato da

nutrição numa cerimônia indispensável de convívio humano.”

Lépine (apud KOMINSKY, E., LÉPINE, C. & PEIXOTO, F., 2003: 295), sobre o tra-

balho de Gilberto Freyre nos estudos da alimentação brasileira afirma:

“A alimentação representa um elemento fundamental da cul-

tura nacional, um espaço privilegiado onde se manifestam as particula-

ridades culturais, reivindicações regionais ou nacionais. A classificação

dos alimentos em comestíveis ou não, quentes ou frios, cozidos ou crus,

assados ou fervidos, por exemplo, constitui um sistema integrado próprio

a cada civilização e cria gostos que definem fronteiras alimentares. Fron-

teiras alimentares fortes constituem fronteiras socioculturais fortes. Diz-

se que somos o que comemos. Gilberto Freyre definirá a civilização

brasileira como uma civilização dos carboidratos: mandioca, milho, bata-

ta-doce, feijão, farinha, farofa, arroz, etc, e a civilização do Nordeste,

em particular, como a civilização do açúcar.”

A imagem da comida do Brasil idealizada por Freyre em suas obras é a de uma

cozinha exuberante em cores, sabores e texturas; opulenta, como o próprio autor a

tratava. O sociólogo criou uma imagem dessa cozinha que ainda hoje persiste e cor-

responde tanto a uma realidade quanto a um estereótipo. A indústria do turismo, que

pretende vender o que há de melhor no Brasil e a mídia utilizam-se muito desse

estereótipo, geralmente para classificar nossa cozinha como exótica. Por esse motivo,

os anúncios de publicidade sobre as praias paradisíacas do Nordeste incluem sempre

a culinária da região. Afinal, além da beleza natural, vende-se a imagem “peculiar” da

comida nordestina, muito distante da comida de São Paulo, por exemplo.

No dia-a-dia dos brasileiros, o que realmente ocorre é que pratos típicos e de

apelo turístico, como o tacacá, no Pará, ou o leitão à pururuca, em Minas Gerais, são

pratos de festa e não do cotidiano. Como diria Cascudo (ibidem: 369):

“O povo não come galinha assada com recheio, peixe sem espi-

nhas ao molho branco, coquetéis de camarão, lagosta com mayonnaise.

Come carne, farinha, feijão, arroz. Noventa por cento cozinhando. Carne

assada implica farofa. Peixe traz o cortejo do pirão escaldado ou mexi-

do no fogo. O feijão de ementa comum não é a feijoada. Nem todos os

pratos populares são diários“.

Quando um tipo de cozinha conserva-se por meio de imagens, sejam elas visuais

ou narrativas como as de Freyre, verificamos que a memória da cultura atuou como um

programa de ação e conservação nesse processo. Ação porque criou e estruturou a lin-

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guagem desse sistema, e de conservação porque manteve a informação de como era

essa comida no momento em que foi estudada pelo autor. Sobre essa capacidade de

transformação dos textos da cultura, Lotman (ibidem: 89) diz:

“La capacidad que tienem distintos textos que llegam hasta

nosostros de la profundidad del oscuro pasado cultural, de reconstituir

capas enteras de cultura de la humanidad. No solo metaforicamente

podríamos comparar los textos con las semillas de las plantas, capaces

de conservar e reproducir el recuerdo de estructuras precedentes.”

A cozinha brasileira, preservada no processo de desenvolvimento da cultura, gera

determinados tipos imagens na mídia contemporânea. É importante lembrar que essas

imagens não são exclusividade da era midiática, e sim que elas começaram a se formar

muito antes até da chegada dos portugueses ao Brasil em 1500. Outras contribuições que

atuaram no conceito do que hoje consideramos que seja a cozinha brasileira podem ser

vistas nas obras de pintores estrangeiros que vieram ao País durante o período colonial,

como Albert Echkout e Jean-Baptiste Debret.

Echkout veio ao Brasil em missão contratada por Maurício de Nassau, gover-

nante de Recife e Olinda, durante o século XVII. Sua tarefa era documentar a fauna e

flora brasileiras. Já Debret chegou ao País no século XVIII, com a Missão Francesa trazi-

da por D. João VI e estabeleceu-se na capital do Império, o Rio de Janeiro, com a tare-

fa de retratar o cotidiano da cidade. Ambos pintaram também cenas da alimentação

colonial, que são, hoje, componentes do imaginário simbólico da nossa alimentação

Echkout pintou naturezas-mortas formadas por frutas e vegetais brasileiros, e

introduzindo um novo elemento: o céu. Quadros desse tipo eram pintados em ambi-

entes fechados, geralmente escuros. O pintor introduziu o ar livre, um céu tropical, car-

regado, em suas obras (figura 1), inovando nesse tipo de arte. E mostrando, dessa

forma, que o Brasil era um novo mundo repleto de novas cores, graças a sua natureza.

Já Debret (figura 2) ocupou-se dos ambientes

onde a comida era feita e servida, retratando o

cotidiano de sinhás, escravas, crianças. Sem nos apro-

fundarmos em questões artísticas e visuais, o traba-

lho desses dois pintores é importante para entender

alguns elementos da formação do nosso imaginário

sobre nossa própria cozinha. Pinheiro (idem, 2004:

s/pág.), nos ajuda a elucidar essa questão:

“Aqui, dado o caráter súbito e excessivo das combi-

nações e contaminações entre códigos, séries e linguagens,

os processos dinâmicos de produção de informação só depen-

dem episódica e tangencialmente do respeito às fronteiras

que separam centro e periferia, alto e baixo, antigo e novo:FFiigguurraa 11:: Albert Echkout, Composição com frutos

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o encaixe de elementos e materiais díspares e diversos, barrocamente

em dobra-e-curva-e-redobra, desde a culinária até os grandes espaços

urbanos, como ‘frase sintaticamente incorreta à força de se sobrecar-

regar de elementos alógenos’ (Sarduy 1989: 97), expõe, nessa mescla ra-

dical, a inconsistência mal intencionada das generalizações usadas para

descrever processos civilizatórios de partida não-clássicos, portanto não

preferencialmente binários”.

O olhar de ambos, Debret e

Eckhout, é o olhar estrangeiro, que

vê apenas exoticidade desse novo

mundo. No entanto, podemos

observar ainda hoje na mídia, como

o citado exemplo do turismo, esse

mesmo comportamento. A comida

típica brasileira, em geral, é tratada

como algo estranho, que deve ser

conhecido pela sua peculiaridade e

não por ser um elemento valioso da

nossa cultura.

A opulência das naturezas-mortas de Echkout, e as imagens de Debret sobre o

cotidiano do Brasil colonial nos mostram a hibridização do povo brasileiro e as trans-

formações dessa cultura no seu próprio universo e no contato com o elemento

estrangeiro. Para entendermos como a imagem dessa comida atualizou-se nos dias de

hoje, precisamos antes analisar qual é o atual conceito de gastronomia.

1.5. O conceito de gastronomia hojeNo mundo contemporâneo, observa-se que a gastronomia é um tema da “moda”.

Ser um gastrônomo — e não apenas cozinhar —, conhecer temperos, ingredientes e

saber se portar nesse universo é um marcador que pode distinguir socialmente alguém.

Por esse motivo os cursos de chef de cozinha, por exemplo, não param de crescer. Ape-

nas no primeiro semestre de 2005 foram abertos 15 deles em todo o Brasil14.

Essa paixão que pode, inicialmente, ser associada a pessoas mais velhas, com

tempo e experiência, tem atingido também os jovens. Eles já podem ser encontrados

em cursos de vinhos, ingredientes e técnicas apuradas. E alguns ainda montam con-

frarias do “bem-viver e do bem comer”, como ilustra a reportagem publicada pela

Folha de S.Paulo em 26 de maio de 2005 com o título “De volta ao fogão:

com receitas antigas e novas confrarias, jovens redescobrem os praz-

eres da arte de cozinhar” (figura 3).

Mas não se trata de um simples ato de cozinhar. O inte-resse vai

além. Muitos desses jovens, certamente, sonham em se tornarem chefs

e ter o glamour de personagens olimpianosda mídia, como o inglês Jamie

FFiigguurraa 22:: Jean Baptiste-Debret. Un dîner brésilien, 1827

14.Revista Claudia,janeiro de 2005,

páginas 128 a 131.

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Olivier ou o brasileiro Alex Atala, invejados pelo seu status de especialistas em alta gas-

tronomia. É importante esclarecer o conceito de olimpianos de Morin (1977: 105):

“No encontro do ímpeto imaginário para o real e do real para

o imaginário, situam-se as vedetes da grande imprensa, os olimpianos

modernos. Esses olimpianos não são apenas os astros de cinema, mas

também os campeões, príncipes, reis, playboys e exploradores.”

Hoje, além da faceta ritualística do ato de comer, essa atividade cotidiana pode

representar também um passaporte de

status social pois, para muitos, o interesse

pela gastronomia nasce devido ao símbolo

de sofisticação que ela pode representar.

Segundo Kamper, “vincular o tempo sig-

nifica vincular-se como tempo15”. Dessa

maneira, ao vincular-se com esse momen-

to contemporâneo de interesse redobrado

pelos assuntos de cozinha, o homem vai

além, torna-se esse tempo e transforma a

comida numa imagem daquilo que ele

deseja ser socialmente. Usa o comer como

um trampolim para ver e ser visto, fato

observável na intensa exposição que re-

presentam ou restaurantes “badalados”.

Esse fenômeno não é novo na cul-

tura. A publicidade já trabalha o apelo do “querer ser”, dos desejos humanos, há muito

tempo. O que se torna aqui um diferencial é que o processo venha

ocorrendo com a gastronomia, que de linguagem da alimen-

tação, está se aproximando cada vez mais das estratégias comu-

nicativas peculiares à publicidade.

O desejo de pertencimento a um grupo seleto, e uma

constante busca humana pelo passado — um tempo sempre

melhor— explicam casos como os dos o jovens citados na

reportagem da Folha de S.Paulo. Eles, mesmo a despeito das faci-

lidades da vida moderna, voltam a ter prazer em preparar suas próprias

refeições na cozinha de suas casas, muitos vezes usando utensílios e técnicas antigas.

Entre as novidades desse universo gastronômico, uma das últimas a chegar ao

Brasil foi a comida servida em gramas, colheres, copinhos ou minixícaras. Trata-se de um

revisionismo da nouvelle cuisine, movimento da cozinha francesa das décadas de 1970

e 1980, que pregava que o prazer dos alimentos só seria alcançado em pratos com

porções pequenas. E com preços altíssimos. A chamada “comida de colher” reduz ainda

mais as porções e aumenta ainda mais os preços (figuras 4 e 5).

FFiigguurraa 33:: Caderno Equilíbrio, Folha de S.Paulo, 23 de agosto de 2005

15.Citação feita pelo Prof.

Dr. Norval Baitello Jr. duranteo curso de Sistemas Visuais/Espaciais – Teoria da Mídia e

Questões da Imagem, ministra-do na PUCSP durante o 2º

semestre de 2004.

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Esse tipo de comida alia-se a um outro movimento da cozinha contemporânea,

a da desconstrução dos pratos de culinárias tradicionais, como faz o chef do restau-

rante El Bulli, de Barcelona, Ferran Adrià. Ele prega que “não há tradição que não

possa ser descontruída e transformada em insólitos bocados, como colheres de caviar

de purê de maçã”16.

Hoje há um outro caráter mágico na imagem da gastronomia. É aquele asso-

ciado a status econômico e social. Uma pessoa pode se inserir em um grupo tanto pelas

roupas que veste quanto pelos restaurantes que freqüenta. Não importa a qualidade

da comida. Importa ser visto no lugar da moda. Cria-se uma imagem de ascensão social

que canibaliza a imagem da própria comida, possibilitando um fenômeno

de iconofagia, como definido por Baitello Jr. (2002: 5): “na iconofagia,

somos devorados pelo abismo que tem como porta de entrada triun-

fal … uma imagem. E que nos transforma, seres humanos tridimen-

sionais de carne e osso, necessariamente, em imagens.”

No mundo contemporâneo, além das imagens da cultura, que nos

acompanham em todo o processo evolutivo, somos assolados por um sem número de

imagens eletrônicas disparadas por diversas mídias. No caso da cozinha, o fenômeno é

evidente, pois internet, TV, revistas, jornais e publicidade têm investido nesse setor.

O veículo revista, nosso objeto de pesquisa, traz cada vez fotos e ilustrações

maiores e em maior profusão, em detrimento de textos cada vez menores. Como ler

ocupa tempo, as pessoas preferem apenas ver. A aceleração contemporânea, em que o

tempo é nosso bem mais precioso e mais fugidio, nos leva a não conseguir digerir a

escrita. Assim trocamos o ler pelo ver, tornando a digestão da informação muito mais

simples, como aponta Baitello Jr. (ibidem: 4):

“Ao contrário da escrita que exige tempo de leitura e decifração,

permitindo a escolha entre entrar ou não em seu mundo, a imagem

FFiigguurraass 44 ee 55:: Revista da Folha, 15 de maio de 2005

16.Revista da

Folha, 15 de maiode 2005.

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convida a entramos imediatamente e não cobra o preço da decifração.

A imagem não exige uma senha de entrada, pois seu tributo é a sedução

e o envolvimento.”

Afinal, o homem é um ser que cria imagens desde a sua pré-história. Baitello Jr.

(ibidem:10) afirma ainda que:

“Como nômade e caçador, o homem aprendeu a se apropriar das

imagens à margem de seus caminhos. E, de volta ao calor e à fogueira do

agrupamento, aprendeu a alimentar o imaginário dos outros de seu grupo,

com as cenas apreendidas ao longo de suas estradas. A caçada buscava não

apenas alimento, mas também imagens, das quais todos se alimentavam,

caçadores e sedentários. Os caminhos, por terra ou por mar, sempre foram

povoados por imagens. Para poder apropriar-se delas era necessário resis-

tir ao seu poder de sedução ou vencer sua astúcia e/ou força física.”

Nesse contexto, observa-se que livros de receitas com fotos, em geral, são mais

atraentes e vendem mais do que aqueles que não as possuem. O tempo é escasso, a

imagem da comida acaba fazendo parte de um processo de seleção. Pela imagem,

seleciona-se qual é a receita que interessa e apenas aquela será lida.

No caso das revistas de gastronomia e culinária, pode-se dizer que a imagem de

uma comida apetitosa na capa pode ser a responsável pela boa vendagem em banca

da publicação. A foto traz à tona a gula do leitor. Exemplos de capas que despertam

a eterna fome do homem podem ser observados nas figuras 6, 7, 8 e 9.

FFiigguurraass 66 ee 77:: Claudia Cozinha, janeiro de 2006 e Gula, dezembro de 1996

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Quando vemos qualquer uma dessas figuras, primeiramente devoramos a super-

fície bidimensional da página, sendo que podemos nos satisfazer apenas com esse

olhar, sem fazer e experimentar aquela receita. Afinal, quantas donas-de-casa cole-

cionam um sem número de receitas que jamais serão realizadas? Os livros e revistas de

cozinha naturalmente possuem esse caráter de colecionismo, porque satisfazem a

fome do olhar, muitas vezes maior do que a fome biológica.

Trabalhando justamente esse processo iconofágico das imagens de gastrono-

mia, é interessante analisar um exemplo nacional. Isto é, de como se dá o processo de

produção, consumo e eliminação dos excessos no ato de “devorar” imagens da comi-

da do Brasil. Perseguindo esse objetivo, estudaremos o caso da revista Claudia Cozi-

nha, a revista de culinária e gastronomia há mais tempo em circulação no Brasil, e

como ela trabalha as imagens da comida brasileira.

De acordo com os conceitos já vistos, observamos que as imagens narrativas

da comida brasileira criadas por Gilberto Freyre constituem um ponto de partida para

observar como se desenhou a imagem da comida brasileira que vemos hoje na mídia.

Mas de onde vem essa necessidade de transformar a comida em imagens? Por

que Freyre narrativizou a comida brasileira, criando imagens das mesmas, como faze-

mos a todo o instante com o mundo? Aqui é importante tomar as palavras de Kam-

per (2002a: 4) de que o ser humano cria imagens por medo da morte. Segundo ele:

“As imagens são monumentos da vida que foi. Em uma palavra, a

imagem é a morte. Somente na dimensão do corpo desmembrado sabia-

se haver uma vida com qual se podia fazer alguma coisa. Por isso a cate-

goria da dor permanece imprescindível para uma antropologia histórica.”

FFiigguurraass 88 ee 99:: Menu, agosto de 2005 e Prazeres da Mesa, dezembro de 2003

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Complementado, ainda segundo a definição de Kamper (2002c:10):

“A primeira imagem nasce do medo da morte, mais precisa-

mente do medo de dever morrer sem ser vivo, muito antes do surgimen-

to da consciência. Tem o objetivo de cobrir a ferida da qual provêm os

homens. Esse escopo, porém, não pode ser cumprido. Cada lembrança de

cobertura (ou disfarce) ao mesmo tempo lembra. Por isso cada imagem

é, no fundo, sexual, mesmo que seja profundamente religiosa no

primeiro movimento. A partir disso se pode chamar a imagem - como

faz Rolland Barthes - ‘a morte em pessoa’.”

Ao narrativizar a comida brasileira, Freyre preservou esse tipo de alimentação da

morte trazida pelo esquecimento. Não a deixou desaparecer, como pode acontecer com

outros fenômenos da cultura. O poder mágico das imagens faz com que elas tenham

vida longa no universo da cultura do homem. Veremos como a revista trabalha esse

poder nas nas suas páginas a seguir.

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2.1. Revistas de cozinha e seus públicosA revista é o veículo de mídia impressa que tem uma das relações mais estreitas

com o seu público. Enquanto o jornal é de consumo rápido e diário, a revista tem, no

mínimo, periodicidade semanal e pode ser lida e relida várias vezes. Acaba por se trans-

formar em uma companhia, que pode estar com o leitor no trabalho ou no lazer.

Tal relação leva o leitor a buscar na revista aquilo que ele gosta e deseja. Pode

ser uma roupa, uma comida, um tipo de decoração – o poder da imagem da revista é

o de satisfazer apenas com o olhar. Não é preciso ter o objeto sonhado, muitas vezes

inacessível. Basta olhar e sonhar. Esse é um dos motivos que incentiva a intensa espe-

cialização do mercado editorial de hoje. Há revistas para todos os gostos e sonhos.

Essa segmentação gera, inclusive, um custo menor para a publicação, que não precisa

“atirar para todos os lados”; ela vai direto ao público que deseja conquistar.

Mira (2003: 10) diz que as revistas sempre foram de fato mais segmentadas. Isso

possibilita, no mundo da comunicação contemporânea, uma dinâmica bastante com-

plexa: “o leitor passa a ser visto como consumidor em potencial e o editor torna-se um

especialista em determinados grupos de consumidores” (ibidem: 11). É o poder de con-

sumo que dita as normas de quem poderá comprar ou não aquele produto editorial.

Exemplos de todo tipo de revista segmentada podem ser encontrados em qual-

quer banca de jornal. Há para todos os gostos: de revistas de relógios, pesca, tra-

balhos manuais àquelas voltadas para um público com alto poder de consumo, entre

outras tantas possibilidades.

No setor de mídia impressa especializada em cozinha, o processo não é dife-

rente. Esse tipo de mídia vem crescendo muito no Brasil, no rastro do também

expoente mercado da gastronomia. Todos os principais jornais do País, por exemplo,

dedicam seções ou mesmo cadernos especiais ao tema - o jornal Estado de S. Paulo

lançou, em setembro de 2005, um caderno semanal inteiramente dedicado à gastrono-

mia. Por que a alimentação se tornou um dos expoentes do mercado de comunicação?

A chave dessa resposta está na gula por imagens apetitosas de comida, aquelas que

inte-ragem primeiramente com o nosso olhar, e depois com o nosso estômago.

2. 2. A gula e o processo comunicativoComo vimos no capítulo 1, a fome e o paladar são constantes na ordem biológi-

ca e cultural na nossa vida. Enquanto a maior parte dos habitantes do planeta luta a

todo momento para comer o mínimo necessário para sua sobrevivência, uma pequena

parcela de indivíduos pode se deleitar com os prazeres da mesa. São esses afortunados

o alvo das mídias relacionadas à cozinha, que procuram atingir tanto o gourmet ávido

por novos sabores quanto a dona-de-casa que prepara refeições diárias para sua família.

O interesse por livros, revistas, folhetos e outras obras sobre o tema não é

recente no Brasil. Os receituários, grandes compêndios de receitas, começaram a ser

registrados no País já no século XVIII (CASCUDO, 2004: 354) e sempre foram um suces-

so entre as mulheres, ávidas colecionadoras desse tipo de material. Hoje, a aceleração

das tarefas cotidianas obriga muitos a comerem fora de casa quase diariamente. Mes-

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mo nesse paradigma, as revistas que contêm apenas receitas – sem nenhuma matéria

sobre pratos ou ingredientes – continuam sendo sucesso. Pressupõe-se que elas só de-

veriam ter êxito caso as pessoas ainda dispusessem de tempo para cozinhar. Mas o que

ocorre é que, mesmo sem tempo para se dedicar à cozinha, muitas pessoas possuem

vastas coleções de receitas e não testam sequer uma parte delas. Algumas vezes, ver

a imagem e ler a receita podem satisfazer mais do que comer o prato17.

Tais revistas apenas de receitas são um nicho tradicional e

resistente do mercado editorial brasileiro. Elas podem ser obser-

vadas em casos como o das publicações temáticas de culinária

da Casa Dois Editora e da Editora Online (figuras 10 e 11).

Ambas produzem, desde 2003, revistas simples, de baixo custo,

que se dividem em temas como “trufas”, “coxinhas”, “risotos”.

Com poucas páginas, geralmente de 20 a 30, são compostas ape-

nas por receitas e poucas fotos, tornando o custo final de produção

desse tipo de revista mais baixo do que o de suas concorrentes.

No entanto, não se trata de um fenômeno recente. A revista Ana Maria, da Edito-

ra Abril, fez enorme sucesso na metade da década de 1990 com a mesma fórmula, ofe-

recendo ao leitor receitas para seu cotidiano. Foi uma estratégia quantitiva, de publicar-

grande número de receitas a um preço baixo. Afinal, trata-se de uma revista feminina e

esse nicho tem como praxe oferecer receitas a suas leitoras - muitas delas donas-de-casa.

O diferencial do setor de revistas de cozinha é o crescimento daquelas publicações

que tratam da alta gastronomia. Crescimente que foi impulsionado pela recente onda de

“paixão” pelo assunto no Brasil. Esse boom ocorreu por uma conjunção de fatores, como

a chegada de uma leva de chefs estrangeiros ao País, trazidos pelos grandes hotéis na dé-

cada de 1980, e a abertura do mercado brasileiro aos produtos importados, na década de

1990. Desde então os investimentos em restaurantes, casas especializadas em produtos

sofisticados, escolas de gastronomia e todo gênero de produto não param de crescer.

17.A imagem acaba

matando a fome (ou a gula)tanto ou mais do que a própria

comida. Trata-se de uma devoraçãoicônica da imagem do alimento,

segundo conceito de Baitello Jr. Aquestão será melhor discutida

ainda neste capítulo.

Figuras 10 e 11: Edições especiais da Casa Dois Editora sobre chocolates e panetones

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Essa criação de um imaginário sobre a comida se inicia no cérebro de cada indi-

víduo. Segundo Flusser (2002: 7), “imaginação é a capacidade de codificar fenômenos

de quatro dimensões em símbolos planos e decodificar as mensagens assim codificadas.

Imaginação é a capacidade de fazer e decifrar imagens”. É essa capacidade que leva

o leitor a desejar uma determinada comida quando vê uma foto da mesma. Dependen-

do da qualidade desta foto, esse prato pode ter até cheiro, de tão apetitoso. Quem

olha a figura 12, certamente ficará com vontade de comer o bolo repleto de chantili

e morangos. Parece que, ao ver a capa, temos o bolo na nossa frente. Sobre essa magia,

Flusser diz: (ibidem: 8):

“O caráter mágico das imagens é essencial para

a compreensão de suas mensagens. Imagens são códigos

que traduzem eventos em situações, processos em cenas.

Não que as imagens eternalizem eventos; elas sub-

stituem eventos por cenas. (…) Imagens são mediações

entre o homem e o mundo.”

Tal capacidade vai ao encontro da am-

bição primordial das próprias imagens: ser a vida,

e não apenas representá-la. A vida material é

uma referência para a própria existência das ima-

gens, e elas se apropriam desse existir, se aprovei-

tando da nossa fome por elas. Baitello Jr. (2005:

54) afirma, a respeito desse processo de iconofa-

gia entre o mundo real e e sua representação:

“O segundo degrau da iconofagia surge quando nós humanos

começamos a consumir as imagens. Não mais as coisas, mas seus atributos

imagéticos é que são consumidos. E também não se trata de penetrar nas

imagens (...). Trata-se de efetivamente consumir sua epiderme, sua super-

fície e superficialidade(...). Consumimos imagens em todas as suas formas:

marcas, modas grifes, tendências, atributos, adejtivos, fíguras, ídolos, sím-

bolos, ícones, logomarcas. Até mesmo a comida está sendo desmaterializa-

da por meio das imagens (...), cada vez menos se comem alimentos, cada

vez mais se comem imagens de alimentos (embalagens, cores, formatos,

tamanhos, padrões de alimentos).”

A revista devora e redesenha a comida e vice-versa. Quando representadas no

papel, a comida ganha outras características como brilho, cor, luz e sombra. Por isso,

acontece tão freqüentemente a frustração da pessoa que compra a revista e não con-

segue reproduzir visualmente os pratos ali mostrados. É a imagem idealizada da comi-

da canibalizando a imagem real. Esse embate é freqüente, especialmente em revistas de

alta gastronomia, que trazem imagens de uma comida quase inatingível. A figura 13

FFiigguurraa 1122:: Claudia Cozinha, março/abril de 2005

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traz um prato quase impossível de ser feito em casa por um cozinheiro comum. Sua rea-

lização pede o domínio de técnicas de cozinha e de decoração que, geralmente, são

atributos de profissionais do ramo e não de meros interessados pelo tema. Interessados

estes, no entanto, que formam boa parte do público que compra esse tipo de revista.

Já nas publicações de apelo popular, o embate é menos brutal, porque a comi-

da não precisa ser semelhante a uma obra perfeita – ela está ali para ser consumida

rapidamente, ou talvez, até para ser comercializada18.

O projeto gráfico das revistas desse último tipo é mais simples, focado em ofere-

cer a informação que o leitor deseja – a receita –

de maneira eficaz e rápida. Observa-se aqui um

embate entre uma imagem popularizada, que se

sobrepõe àquela erudita de revistas como Pra-

zeres da Mesa, por exemplo. Há uma fusão entre

as características editorias e visuais de ambas.

Sobre esse tipo de processo na comunicação,

onde há um tipo de confronto entre popular e

erudito, Canclini (2003: 22) pontua:

“A modernização

diminui o papel do culto e

do popular tradicionais no

conjunto do mercado sim-

bólico, mas não os suprime. Redimensiona a arte e o folclore, o saber

acadêmico e a cultura industrializada, sob condições relativamente

semelhantes.”

A questão da imagem idealizada da comida relaciona-se com o modo como as

fotos de comida são produzidas. Para fotografar um prato são empregados truques

para que ele fique perfeito esteticamente, como, por exemplo, gesso em cremes bran-

cos do tipo chantili. Eles ficam duros em cima de um bolo, para que a sua foto seja uma

imagem de sonho, impossível de reproduzir. Há ainda outras possibilidades para deixar

a comida perfeita, como jogos de luzes e retoques digitais - e que tornam quase impos-

sível a sua transformação, de símbolo da perfeição tecnológica na mídia papel em rea-

lidade tridimensional e palpável.

Realiza-se, dessa maneira, uma autêntica magia nas

fotos de comida, tornando esses pratos, de fato, inatin-

gíveis. Vivemos a era de manipulação do nosso próprio

imaginário, quando a perfeição das imagens midiatizadas

é sempre invejada. A frustração da dona de casa que não

consegue repetir o bolo da revista é uma medida de nosso

próprio sentimento frente ao cotidiano, aqui transferido

para um objeto de sonho das páginas bidimensionais da “comi-

FFiigguurraa 1133:: Prazeres da Mesa, janeiro de 2004

18.Muitas dessas revistas,

como as das figuras 10 e 11são compradas por pessoas que

comercializam esses produtos. Issotorna as publicações quase comoum

guia técnico e as torna mais util-itárias do que aquelas que enfo-

cam a alta gastronomia.

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da editorial”. Veremos como as pessoas se entregam a esse universo de sonho ofere-

cido pela mídia revista. Nesse caso o sonho do prato perfeito.

2.3. Os mundos das revistas de culinária e gastronomiaNo universo do entretenimento e da mídia contemporâneos existe o fortaleci-

mento de um tipo de indústria que se iniciou no século XIX, mas que hoje é de vital

importância para o mercado econômico: a indústria do ócio e do lazer. Essa indústria

tem seu auge de produtividade nos momentos de lazer das pessoas, como o esporte,

o cinema, e, claro, a alimentação. Gubern (apud Levinsky, 2002: 26) comenta que “as

indústrias do ócio, que eram indústrias simplesmente marginais ou ornamentais no

século passado, são hoje grandes protagonistas da dinâmica macroeconômica ociden-

tal.” Campos (2004: 74) completa essa definição, afirmando:

“Tais indústrias nasceram da projeção, feita no século passado,

de que as pessoas trabalhariam menos em poucas décadas e teriam mais

tempo para seus lazeres. A previsão não se confirmou, mas, no entanto,

verifica-se o crescimento de tais indústrias, que disputam o pouco tempo

livre que cada indivíduo possui, fazendo com o que lazer acabe se tor-

nando também uma obrigação.”

Nessa definição se enquadra a gastronomia, que virou hobby e ocupa o tempo

ocioso tanto das pessoas que freqüentam os melhores e mais conhecidos restaurantes

como daquelas que compram livros e revistas sobre o tema. É um tipo de ociosidade

que acaba sendo uma obrigação, um motivo para determinadas pessoas pertencerem

aos grupos e assim existirem socialmente.

Participar de um curso de vinhos, tornar-se um sommelier, cozinhar pratos exóti-

cos e requintados, freqüentar espaços gourmets para algumas pessoas muitas vezes é

uma obrigação disfarçada de prazer. Tratam-se de estratégias de pertencimento a

determinados grupos, traçadas de acordo com o poder de consumo de cada indivíduo.

A questão do pertencimento no mundo das revistas relacionadas ao universo da

cozinha no Brasil leva à uma divisão entre públicos. Existe o que poderia ser chamado de

“Primeiro Mundo”, representado pelas revistas que enfocam apenas a alta gastronomia.

São direcionadas para aqueles indivíduos que podem usufruir das indústrias do ócio, os

habitantes do mundo globalizado, que transitam livremente por ele não como turistas,

mas como viajantes, de acordo com definição de Bauman (apud CAMPOS, 2004: 75). Esse

público tanto pode comprar essas revistas quanto usufruir do mundo de luxo e prazer que

elas vendem. É o caso de Gula (figura 14) e Prazeres da Mesa (figura 15).

Há também um ‘Segundo Mundo’, habitado por aquelas revistas que se situam

entre a gastronomia e a culinária. São veículos direcionados para um público que não

se preocupa apenas com o bem-viver oferecido pelas revistas de gastronomia e com seus

sabores caros e exclusivos. Esses leitores gostam de comer e cozinhar bem, mas prefe-

rem preparar receitas simples e saborosas. Eles interessam-se por novidades gustativas,

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Figuras 14 e 15: Gula, junho de 2000 e Prazeres da Mesa, agosto de 2004

FFiigguurraass 1166 ee 1177:: Menu, novembro de 2005 e Claudia Cozinha, julho/ agosto de 2003

ingredientes, vinhos, mas não os usam, necessariamente, como símbolos de sofisticação.

São exemplos desse universo Claudia Cozinha (figura 16) e Menu (figura 17).

E, por último, existe um ‘Terceiro Mundo’, que é o território daqueles consu-

midores que precisam e gostam de receitas ainda simples para seu dia-a-dia. São pessoas

que desconhecem ou conhecem pouco os conceitos de alta gastronomia e que, muitas

vezes, utilizam tais receitas para ganhar dinheiro. São revistas como os especiais temáti-

cos sobre trufas, salgadinhos, bolos, ovos de Páscoa, panetones, como as da Casa Dois

Editora (figuras 10 e 11) e Editora Online (figura 18).

Essa classificação do mercado de revistas de culinária e gastronomia no Brasil

atende a questões de poder de consumo do leitor – se ele pode pagar por um prato da

alta gastronomia, pode comprar Gula; mas se ele pode pagar apenas por pratos simples

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do cotidiano ou esse é o único universo que lhe

interessa, pode comprar Ana Maria. Tratam-se de

divisões, além de econômicas, socioculturais,

como aponta Baumann (ibidem: 88):

“A maneira como a sociedade atual molda seus

membros é ditada primeiro e acima de tudo pelo dever de

desempenhar o papel de consumidor. A norma que a nossa

sociedade coloca para seus membros é a da capacidade e a

vontade de desempenhar esse papel.”

A definição de primeiro, segundo e ter-

ceiro mundo desse tipo de revistas no Brasil rela-

ciona-se à delimitação do espaço sociocultural

de seus consumidores. Semprini afirma sobre espaços socioculturais (idem, 1997: 119):

“Um modelo sociocultural do espaço social causa dois problemas

consideráveis: o dos limites externos do sistema e o de sua posterior

estruturação interna. No modelo político, a extensão do espaço social é

tida por assegurada, em razão da identificação deste espaço ao Estado-

Nação. No modelo sociocultural, a idéia de Estado-Nação ou território

faz pouco sentido. As fronteiras dos sistemas poderão basear-se apenas

em fatores socioculturais: o fato de partilhar as mesmas opiniões e pro-

jetos, de possuir referências em comum, de endossar os valores adotados

pelo centro do sistemas.”

No Brasil os fatores socioculturais são preponderantes para a definição do públi-

co-alvo de cada tipo de revista. Afinal, muitas vezes, as pessoas, por razões como total

desconhecimento ou mesmo desinteresse pelos assuntos tratados por uma revista de

gastronomia, sequer pensam em adquiri-la. Elas simplesmente não acessam os códigos

culturais desse sistema. Essa é, portanto, uma divisão dentro do mesmo sistema: ao

centro dele podem ser posicionadas as revistas de alta gastronomia, o “Primeiro

Mundo”. Gravitando ao seu redor, as revistas híbridas, o “Segundo Mundo”. E, na per-

iferia, as revistas de consumo rápido, o “Terceiro Mundo”.

Não é possível, entretanto, afirmar que o centro e a periferia sejam fixos nesse

tipo de sistema – na verdade, essas são posições móveis, que dependem da organiza-

ção das camadas da cultura e das contaminações19 entre elas. Nesse caso, por exem-

plo, há leitores que consomem revistas de todos os “mundos”, reorganizando o sis-

tema a cada momento. Sobre a relação centro-periferia, Lotman (Idem, 1979:105) diz:

“El espacio de la estructura no está organizado de manera igual

em todas las partes. Encierra siempre ciertas formaciones nucleares y una

FFiigguurraa 1188:: Editora Online, edição especial

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periferia estructural. Esto aparece con particular evidencia em lengua-

jes complejos e hipercomplejos que, heterogéneos por naturaleza,

inevitablemente encierram sistemas. La relación mutua del

núcleo y de la periferia se complica de nuevo en la medida

que cada estructura (cada lenguaje), bastante compleja e con

pasado histórico bastante largo, funciona como una estruc-

tura descrita.”

Cada grupo de consumidores desse tipo de

revista, se analisado, provavelmente codificará tal sis-

tema de diversas maneiras. Coloca-se a classificação propos-

ta como uma ferramenta de análise desse tipo de segmento de revistas no Brasil, a

fim de se observar qual é a identidade da comida brasileira nessa mídia. Seguindo tal

conceituação, é importante analisar alguns exemplos do desenvolvimento das demais

revistas que fazem parte do universo desta pesquisa. As revistas escolhidas para essa

finalidade foram Gula (Editora Peixes), Prazeres da Mesa (Editora Quatro Capas) e

Menu (Editora Três).

Tal escolha se deu porque as duas primeiras pertencem ao universo da alta gas-

tronomia, e Menu se aproxima do objeto deste trabalho, que é a revista Claudia Co-

zinha. As anteriormente chamadas revistas de “terceiro mundo”, são, geralmente,

apenas relacionadas a um determinado tema, funcionando como receituários, sem

destaque para reportagens. Assim, não há matérias sobre comida brasileira, embora

possam haver edições temáticas sobre essa cozinha. No entanto, para unificar o obje-

to de pesquisa, optamos por excluí-las da análise.

2.4. Gula: compromisso com o bem comerA revista Gula foi a primeira do mercado editorial brasileiro a se definir como

voltada exclusivamente para o mundo da alta gastronomia. Sua primeira edição data

do ano de 1992. O propósito do veículo – que se mantém – era mostrar como é a gas-

tronomia em território brasileiro e no mundo, buscando o sentido mais clássico do

termo, a cozinha clássica. Ela é uma revista do comer, beber e viver bem.

O seu slogan “Comer bem é a melhor vingança” é testemunho da preocupação

da publicação em se diferenciar das demais revistas do mercado. Seu discurso é o da

revista que se ocupa do sabor dos alimentos e bebidas e não se preo-

cupa com as calorias dos pratos20. As pessoas que apenas gostam

de comer e sabem cozinhar de maneira simples são bem vin-

das, mas como leitoras ocasionais.

Segundo o diretor de redação de Gula, J.A. Dia Lopes21,

a tiragem mensal da publicação é de 52 mil exemplares e

grande parte dos leitores é do sexo masculino, mais de 40%. Tal

resultado pode explicar porque revistas híbridas, como Menu e

Claudia Cozinha, que se situam entre a alta gastronomia e a culinária,

19.O termo explica as trocas

entre sistemas, sendo que elesinteragem entre si e um disponibiliza

suas características para o outro, e vice-versa. Citação feita pelo Prof. Dr. Amálio Pi-

nheiro durante o curso de Sistemas Intersemióticos – Comunicação e Cultura -

Sistemas Gráficos e Visuais, ministradona PUCSP durante o primeiro

semestre de 2004.

20.Na ditadura do mundo

contemporâneo de corposmagros e saudáveis, muitas revistas

de cozinha se vêem obrigadas a falar de comidas

light, de restrição de calorias e dealimentos saudáveis – esse não

é o compromisso de Gula.

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vendem mais entre o público feminino. Aos homens cabe a procura

pela cozinha de “autor”, pela exclusividade. Vender a imagem desse

tipo de comida é a estratégia adotada por revistas como Gula.

Quanto à imagem que a revista faz da comida brasileira, a

tendência é a da “releitura” dos pratos típicos, recurso muito uti-

lizado na própria gastronomia. Essa releitura ocorre quando se retira

de uma cozinha regional seu caráter simples, de comida comum, e se faz uma recon-

figuração da mesma, atendendo ao paradigma de sabores e ingredientes da alta gas-

tronomia. O exemplo das figuras 19 e 20 pode ajudar a elucidar essa questão.

Observa-se que, nessas páginas, Gula propõe um novo tipo do almoço de Natal

tipicamente brasileiro, em matéria datada de novembro de 2000. A imagem traz

pratos que poderiam pertencer à qualquer nacionalidade, pois não há nenhum traço,

além do título da matéria, que classifique tais comidas como brasileiras. E justamente

a foto que abre a matéria, de um lombo de porco, parece uma pintura minimalista, dis-

posta isoladamente em uma travessa grande e escura. Ao fundo há uma laranja, que

faz parte da receita, mas está fisicamente distante do prato principal. Compõe-se uma

imagem distante daquela que faz parte do nosso imaginário de um almoço de Natal

brasileiro – que é, geralmente, tão opulento quanto a Ceia da noite anterior.

É necessária também a observação do projeto gráfico da revista para que se com-

preendam melhor os objetivos comunicacionais da publicação. Gula aposta em um

design editorial fluído, limpo, com cores mais claras e elementos organizados na pági-

na, proporcionando uma leitura linear. Essa tendência vem se acentuando ainda mais nos

últimos anos da revista, seguindo uma proposta mundial do meio editorial de optar por

essa aparência leve, com menor quantidade de elementos visuais.

Esse tipo de design é tão massificado no mercado que acaba por se caracterizar

pela mesmice, pela repetição de padrões22. O “chique”, nesse setor, é ser como a revista

Esquire (figura 21) ou Wallpaper (figura 22) e, por conta desse estilo, há uma patente

21.IN: http://emre-

vista.com/edicoes/8/artigo4755-1.asp?o=r.

Consultado em17/01/2006.

Figura 19: Gula, novembro de 2000, páginas 70 e 71

Page 45: BANCA EXAMINADORA - PUC-SP

homogeneização nas revistas brasileiras. Todas se parecem entre si. Assim como acabam

sendo semelhantes graficamente a revistas estrangeiras.

Já a “releitura” de pratos brasileiros feita pelas revistas de alta

gastronomia, também apresenta um traço de homogeneização, de

transformação cultural que parece levar todas as cozinhas do mundo

a se tornarem iguais. Assim, o produto pode vender mais facilmente.

É a cultura se tornando, mais do que nunca, produto de consumo.

Barbero (2004: 35) fala sobre essa tentativa de se transformar textos da

cultura em um só texto, onipresentes economicamente:

“O que estamos tentando pensar é, de um lado,

a hegemonia comunicacional do mercado na sociedade:

a comunicação convertida no mais eficaz motor de

desligamento e conversão das culturas – étnicas,

nacionais ou locais – no espaço-tempo do mercado e das

tecnologias globais. Pois o que o fatalismo tecnológico

acaba legitimando é a onipresença mediadora do merca-

do, e com ela a perversão do sentido das demandas

políticas e culturais que encontram de algum modo

expressão nos meios.”

O fatalismo tecnológico a que o autor se

refere é, de fato, um problema na comunicação

de hoje. As tecnologias digitais de foto e com-

posição de páginas levam a uma padronização

das formas; afinal, são tecnologias determi-

nadas em si, que irão gerar produtos seme-

22.A questão da

mesmice no design edito-rial contemporâneo é desuma importância e seráretomada na última parte

deste trabalho.

FFiigguurraa 2211:: Esquire, março de 2006

FFiigguurraa 2200:: Gula, novembro de 2000, páginas 72 e 73

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lhantes. Escapa à tecnologia a capacidade infini-

ta do cérebro humano de ser único no seu pro-

cesso criativo. Assim, os programas de editora-

ção eletrônica usados pelas revistas hoje acabam

levando a uma homogeneização forçada do

resultado final. Não é de se admirar que mesmo

a comida retratada nas revistas sofra desse pro-

blema. Ela também precisa se adequar aos pa-

drões tecnológicos para ser midiatizada.

Dessa maneira, o exemplo de Gula

mostra que ela apresenta uma imagem da comi-

da brasileira distante daquela concebida no tra-

balho de Gilberto Freyre. Imagem esta que cor-

responde a uma parte do imaginário do País

sobre o assunto. O trabalho realizado por Freyre

é um tipo de armazenamento de uma memória

cultural, de um traço significativo da cultura. É importante ressaltar, de acordo com Lo-

tman (1996: 89), a função do texto enquanto portador da memória da cultura humana:

“La capacidad que tienem distintos textos que llegan hasta

nosotros de la profundidad del oscuro pasado cultural, de reconstruir

capas enteras de cultura, de restaurar el recuerdo, es demostrada paten-

temente por toda la historia de la cultura de la humanidad. No sólo

metafóricamente podríamos comparar los textos con las semillas de las

plantas, capaces de conservar y reproducir el recuerdo de estructuras

precedentes. En este sentido los textos tiendem a la simbolización y si

convierten em símbolos integrales.”

Com essa afirmação, de que os textos armazenam as informações da cultura e

as transformam em símbolos, pode-se compreender porque as páginas da revista Gula

mostradas anteriormente causam um estranhamento imediato. Afinal, quando se

pensa em um almoço de natal brasileiro, a imagem que vem à mente é de uma mesa

farta e multicolorida, de uma comida que irá satisfazer até a maior gula dos partici-

pantes daquele evento.

Lembrando que o texto verbal pode também compor uma imagem mental, a

passagem abaixo transcrita da obra de Gilberto Freyre, Casa-Grande&Senzala, ilus-

tra bem o que o leitor brasileiro, em geral, pode esperar de uma página sobre comi-

da brasileira. Trata-se da descrição de dois pratos hoje típico das regiões Norte e

Nordeste do Brasil, o arroz-de-auçá e o acarajé, que formam uma imagem mental da

comida tipicamente brasileira, pelo modo descritivo que configura o trabalho de

Freyre (1980: 456) e que pode ser aplicado ao nosso imaginário social23 :

FFiigguurraa 2222:: Wallpaper, fevereiro de 2005

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“O arroz-de-auçá é outro quitute afro-baiano que se prepara

mexendo com uma colher de pau o arroz cozido na água sem sal.

Mistura-se depois com o molho em que entram pimenta-

malagueta, cebola e camarão: tudo ralado na pedra. O

molho vai ao fogo com azeite-de-cheiro e um pouco de

água. Bem africano também o acarajé, prato que é um dos

regalos da cozinha baiana. Faz-se com feijão-fradinho ra-

lado na pedra. Como tempero leva cebola e sal. A massa é

aquecida em frigideira de barro onde se derrama um bocado

de azeite-de-cheiro.”

A figura 23, do livro Gastronomia Nordestina: Encontro de

Mar e Sertão, traz imagens exuberantes da comida brasileira que se assemelham às ima-

gens narrativas que Freyre construiu da nossa cozinha. Voltando ao caso das figuras 19

e 20, observa-se que os padrões editoriais e gráficos da revista reconfiguraram a comi-

da. Para que o almoço de Natal brasileiro se adequasse ao projeto editorial da revista,

os pratos foram transformados culturalmente, tornando-se outro texto. Os próximos

exemplos (figuras 24, 25 e 26) irão auxiliar a compreensão dessa questão.

As três figuras mostram uma matéria sobre feijoada, onde Gula, em especial data-

do de maio de 1998, ano da Copa do Mundo de Futebol na França, apostou em uma rep-

resentação típica dessa comida. A revista investiu nesse que é considerado o prato

nacional por excelência, mostrando todos os seus ingredientes e compondo uma imagem

de fartura e opulência, aproximando-se das imagens narrativas de Freyre.

Gula foi fiel ao estilo do prato, mas deu-lhe características próprias de represen-

tação. Assim, os ingredientes estão arrumados um ao lado do outro, não há nenhum

sinal da bagunça que está associada ao seu preparo (figura 24). O produto final (figuras

25 e 26) mostra um prato também organizado, limpo. Que fica um pouco distante da

feijoada como um elemento representativo do hibridismo que marca a nossa cultura.

A imagem retratada pela revista se aproxima de um dos critérios que a distingue

das demais, a visibilidade24. Os

pratos ali mostrados são criados

para serem vistos e não comidos –

degustados visualmente, em um

processo de iconofagia direto,

quando se consome a imagem e

não o alimento.

Já na figura 27, da edição de

dezembro de 2000, temos uma

matéria diferente, onde não fica

claro, inicialmente, a que lugar per-

tence a comida ali mostrada. Obser-

vam-se logo ingredientes que po-

23.O imaginário social, segun-

do Denis de Moraes, é composto porum conjunto de relações imagéticas que

atuam como memória afetivo-social de umacultura, um substrato ideológico mantido pela

comunidade. Trata-se de uma produção coletiva, jáque é o depositário da memória que a família e osgrupos recolhem de seus contatos com o cotidi-

ano. In: http://www.artnet.com.br/ gramsci/arquiv44.htm

Consultado em 17/01/2006.

FFiigguurraa 2233:: Gastronomia Nordestina, Encontro de Mar e Sertão, páginas 72 e 73

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Figura 26: Gula, maio de 1998, páginas 84 e 85

Figura 25: Gula, maio de 1998, páginas 82 e 83

Figura 24: Gula, maio de 1998, páginas 80 e 81

Page 49: BANCA EXAMINADORA - PUC-SP

Um exemplo da edição de maio de 2005 (figuras 28 e 29) de Gula, toma em-presta-

da a figura de um dos expoentes da cultura musical do País, o músico Tom Jobim. Sob o

título “Brasileiro até na mesa”, de maio de 2005, a reportagem apresenta pratos típicos

brasileiros apreciados por Tom, usando-os para traçar uma biografia dele.

No entanto, era de se esperar que a imagem dessas páginas

fosse a dos botecos cariocas, tão apreciados por Tom, lugares onde

se encontra a maioria de suas comidas preferidas. Mas não é que

vemos. Tais pratos, mais uma vez, foram adequados ao padrão da

visibilidade de Gula. De acordo com o design gráfico da revista, os

pratos parecem leves, tanto na forma quanto no conteúdo, mesmo

o nutricionalmente pesado “Mocotó do Tom”.

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dem ser imediatamente associados à cozinha brasileira, tais como a

pi-menta e o coco. Mas há outros universais, como o frango, o

tomate, o limão25 e o alho. E existe ainda um legume tipica-

mente francês, o alho-porró.

Fica a dúvida no primeiro olhar: de que tipo de cozin-

ha trata a reportagem? Apenas quando o texto visual é asso-

ciado ao verbal, ela faz sentido - trata-se de uma matéria sobre

o uso de ingredientes típicos do Brasil na culinária francesa. Daí a

presença reveladora do alho-porró, a princípio um corpo estranho na página, mas que

é, na verdade, quase o seu protagonista.

A leitura dessas páginas é circular, fazendo sentido apenas no seu conjunto. Já no

exemplo da feijoada a leitura é linear. As diversas transformações do projeto gráfico da

revista Gula mostrados até aqui expõem um modo de gerar vínculos comunicacionais

entre os textos, gastronomia e mídia impressa. Tais vínculos implicam em uma semiose

gerada pela página da revista, que reconstrói o conceito do ima-ginário social brasileiro

do que é a comida brasileira e lhe atribui um novo significado.

24.A visibilidade

refere-se a uma comida queé feita mais para “ser vista”

do que comida. O conceito seráexplorado ao longo do terceiro

e quarto capítulos destetrabalho

25.Embora ingrediente

universal, o limão lembra o Brasil na correspondência

com a caipirinha, um símbo-lo País e estrela entre

turistas.

Figura 27: Gula, dezembro de 2000, páginas 86 e 87

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Segundo o conceito de Baitello Jr. (2002: 5), a imagem da comida que foi de

fato apreciada por Tom Jobim foi devorada e transformada em um novo prato, dife-

rente daquele original, que seria aquela dos bares cariocas:

“Como toda mídia secundária ou terciária, tanto a escrita, hoje

iconizada para veiculação rápida pelos meios eletrônicos, como as imagens

igualmente potencializadas por veículos de grande alcance, quando vistas

apenas em sua natureza mediadora, são portanto a expressão de um abis-

mo voraz, uma grande boca insaciável. Seu gesto, contudo, não é bila-

teral como o beijo. Sua operação não é uma troca, mas uma apropriação.”

Temos assim a formação de novos textos da cultura, obtidos a partir da imagem

inicial da comida brasileira. Estes textos, ao se adequarem aos padrões impostos pela

alta gastronomia expostos em Gula, ganharam novos contornos, assimilando tais con-

taminações. Esse é um processo rico e essencial na cultura, e que garante que a comi-

FFiigguurraa 2299:: Gula, maio de 2004, páginas 98 e 99

FFiigguurraa 2288:: Gula, maio de 2004, páginas 96 e 97

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da brasileira não seja um fenômeno estanque e sim um texto em constante transfor-

mação, capaz de assimilar contribuições externas. Mas é importante que este novo

texto da comida brasileira mantenha suas características iniciais, o que nem sempre

ocorre na revista Gula. E issopode gerar uma imagem muito distante da realidade.

2.5. Prazeres da Mesa: a “Bíblia da Gastronomia”Estreando no mercado editorial como concorrente direta de Gula, Prazeres da

Mesa foi lançada em junho de 2003. Hoje a revista está com uma tiragem de, aproxi-

madamente, 40 mil exemplares, segundo seu diretor de redação, Ricardo Castilho26. Ele

afirma ainda que o público alvo é majoritariamente composto pelas classes A e B, sendo

54% masculino e 46% feminino. Além da gastronomia, a revista destaca o setor de

bebidas com um caderno especial sobre vinhos. Ela mesma se define como uma revista

de enogastronomia. Um diferencial em relação a sua principal concorrente, embora Gula

também dedique boa parte do seu espaço ao mundo sofisticado das bebidas.

Na era da visibilidade total do novo milênio, em que não existir na mídia é igual

a não existir, a comida pode ser um dos trampolins para o mundo desejado do luxo e

do consumo. Nas palavras de Baitello Jr. (2003: 21):

“Se então a cultura é o domínio da segunda realidade, criada pelo

homem, uma das condições de sua sobrevivência será sua permanente

expansão. O homem cria, sua criação o estimula e lhe modifica as habilidades

e capacidades, transformando-lhe a vida enfim. Isto, por sua

vez, o torna mais inteligente, hábil e competente para as

novas criações. Desta maneira é que a novidade passa a

ser o alimento desta outra realidade.”

Partindo do princípio de que Prazeres da Mesa constrói esse sonho

de status e de pertencimento, verificaremos como ela retrata a comida do

Brasil que trabalhamos neste estudo. As figuras 30 e 31 oferecem um bom início para o

percurso. As páginas da reportagem “Sabores da Amazônia”, da edição de dezembro de

2003, mostram como os alunos do curso de Gastronomia da Faculdade Anhembi

Morumbi, de São Paulo, transformaram pratos típicos da alimentação do Amazonas, ade-

quando-os aos parâmetros da alta gastronomia que lhes é ensinada na escola.

Pensar na comida dessa região remete imediatamente a imagens do território

e da sua famosa floresta, e espera-se daí uma comida com a mesma feição, que con-

tenha peixes típicos e frutas de sabor peculiar, como açaí e cupuaçu. Mas não é isso que

ocorre no primeiro olhar que passa pela figura 30. Nesse primeiro momento já existe

um estranhamento pelo fato de não se encontrar nenhum dos ingredientes ou pratos

típicos da região. O que se vê são pratos como Confit de pato em aspic de graviola e

pesto de chicória-do-pará ou Mousse de cupuaçu com calda de manga e crocante de

castanha-do-pará. Nomes estranhos para estranhas imagens, que nada lembram a

comida da região Norte do Brasil.

26.IN: http://emrevista.com/ edicoes/8/arti-go4755-1.asp?o=r.

Consultado em17/01/2006.

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E, de fato, a Amazônia é apenas um tema que foi utilizado para os alunos de gas-

tronomia da Anhembi Morumbi para testarem suas habilidades, e que rendeu uma

reportagem. A mensagem da revista, bastante objetiva, é: “demos uma nova roupagem,

chique e elegante, aos pratos amazonenses. Agora, você, leitor de Prazeres da Mesa,

pode apreciar essa gastronomia com todo o luxo que lhe é merecido.”

O design editorial da matéria, reforçando a ação discursiva da revista, é o mais

linear possível, com textos e fotos casados, sem assimetrias. As fotos são discretas e

produzidas com simplicidade calculada, onde o prato está claramente definido como

um elemento da gastronomia e não da culinária simples. A montagem dos mesmos

obedece ao padrão dos restaurantes cinco estrelas, quando a comida ocupa sempre o

centro do prato, e sua periferia é enfeitada com pequenos detalhes.

Trata-se também de um novo olhar sobre o regional, deixando de lado a visão

do lugar mítico que é a Floresta Amazônica dos sonhos, em prol da realidade. A recon-

figuração das páginas da revista pode ser lida como uma ação do global sobre o local.

FFiigguurraa 3311:: Prazeres da Mesa, dezembro de 2003, páginas 62 e 63

FFiigguurraass 3300:: Prazeres da Mesa, dezembro de 2003, páginas 60 e 61

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Ferrara (2002:17) aponta que:

“Sob o impacto da globalização e sua pretensa capacidade de

homogeneizar todos os espaços, cidades e culturas, a questão do particu-

lar/ local tem chamado a atenção de estudiosos, porém essa atenção vem

contaminada pelas características do lugar memorável, o lugar antropológi-

co assinado pela ação digna de memória. (…) Porém, se nos libertarmos

dessa nostalgia dos lugares antropológicos e adotarmos uma ótica de

análise mais lógica do que moral ou ideológica, poderemos descobrir que

a força desses espaços é intensa nesse momento do projeto global.”

A transformação do conceito comida brasileira observado na obra de Gilberto

Freyre até o conceito vendido pelas revistas de alta gastronomia brasileira é uma li-

bertação desse lugar antropológico. Ele condiciona a cultura a uma realidade passa-

da e, talvez, a um estereótipo. A cozinha não deve estar presa a limites de identidade,

obrigação de usar certos ingredientes para ser brasileira, por exemplo. Mas para se

reconhecer no seu território deve obedecer a padrões de identificação, o que não se

reconhece nos pratos “amazonenses” de Prazeres da Mesa.

Em outro exemplo dessa revista, as figuras 32 e 33 mostram uma reportagem

sobre uma tendência gastronômica dos Estados Unidos que se expandiu pelo mundo:

o “Comfort Food”, da edição de agosto de 2004. Trata-se de uma comida simples, que

lembre aquela que feita pela mãe, que conforta e oferece carinho e sustento.

No imaginário social, ao se falar em comida de mãe, espera-se pratos de aparên-

cia cotidiana, com sabores mais leves e sem grandes aventuras para o paladar. No Brasil,

seria fácil associar o conceito a um prato de arroz com feijão, bife, farofa e salada. Mas

não é isso que se vê nessas imagens. Aqui também foi feita a releitura da comida de

mãe sob as luzes da alta gastronomia. Prazeres da Mesa modificou ingredientes, preparo

e, principalmente, a visualidade de tais pratos. Essas comidas abandonaram o patamar

de comidas que consolam para o daquelas que oferecem visibilidade social.

A chamada da reportagem sobre o tema é: “Comfort Food: o resgate das

emoções da infância e dos almoços familiares (filé à parmegiana, pudim de claras, riso-

to de coco)”. Vemos a foto de um dos pratos que, segundo a revista, traduz a tendên-

cia: Cuca com banana, queijo de cabra e calda de maracujá.

Supõe-se que a revista esteja falando para o seu leitor brasileiro, que deveria se

reconhecer naquelas receitas. Só que no Brasil queijo de cabra é um ingrediente muito

caro, pouco comum em qualquer lar simples do País. E cuca é um doce típico da região

Sul, que não representa qualquer comida “de mãe”. Mais uma vez temos uma comi-

da para ver, apreciar um conceito, e não para comer. Certamente o processo de iden-

tificação do leitor com o prato não é imediato para todos.

Nas páginas internas, a revista repete o mesmo prato da capa e apresenta o

chef de cozinha responsável por tais criações, Marcelo Fávaro. Nas outras quatro pági-

nas, as receitas e fotos de outros pratos do conceito Comfort Food. Outro estra-

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nhamento ocorre com o prato Pudim de claras com caramelo de figos indianos, que

oferece um doce muito distante do pudim de claras que pode habitar o universo sim-

bólico da alimentação dos brasileiros e de outros povos. O pudim deveria ser simples,

enfeitado apenas com ameixas, se muito. Essas comidas deveriam evocar uma lem-

brança, uma memória individualizada, que afeta emocionalmente de maneira diver-

sa cada um dos leitores27. mas não é isso que acontece, pois não há iden-

tificação entre a cozinha brasileira e esses pratos.

O que se pode apreender dos exemplos da revista Prazeres da

Mesa é que esta é uma revista que se define, de fato, como um

veículo que retrata o mundo da alta gastronomia, adequando qual-

quer padrão diferente a este. A publicação certamente perde em

valores culturais brasileiros que não são levados ao leitor com essa

opção, mas há uma fidelidade ao seu papel no mercado editorial.

FFiigguurraa 3333:: Prazeres da Mesa, agosto de 2004, páginas 30 e 31

FFiigguurraa 3322:: Prazeres da Mesa, agosto de 2004, páginas 28 e 29

27.Lucrécia D’Aléssio

Ferrara define lembrançacomo “o espaço da memória

individualizado”. Para ver mais:FERRARA, L. D. Significados

Urbanos. São Paulo,Edusp, s/d.

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FFiigguurraa 3344:: Menu, setembro de 2004, páginas 28 e 29

2.6. Menu: viver bem o dia-a-diaA revista Menu é uma publicação da Editora Três que está no mercado desde 2002,

com tiragem de 54 mil exemplares. A diretora de redação da revista, Solange Souza, afir-

ma que “o interesse por gastronomia tem aumentado, independentemente do perfil

sócio-econômico do leitor. Mais do que cozinhar, as pessoas querem conhecimento na

área28”. Ela diz ainda que a revista vai buscar junto aos grandes chefs receitas diferenci-

adas, que agradem ao seu público, mas que sejam explicadas em detalhes para que pos-

sam ser feitas em qualquer tipo de cozinha.

Menu é uma revista com nítida inclinação para a culinária, sem a pretensão de

pertencer à alta gastronomia, mas que “flerta” com ela em alguns momentos. Há, no

meio da revista, um encarte especial com receitas simples para uso diário, com incli-

nação para o perfil de receituário. Mas é preciso observar que a existência de duas

seções sobre vinhos, que aproximam a revista do padrão de sofisticação diretamente

ligado à alta gastronomia.

Quanto à comida brasileira, a revista publica com freqüência matérias sobre o

tema, adequando-as ao padrão da eficiência para quem cozinha todos os dias.

Como exemplo temos a figura 34, da edição de setembro de 2004, que apresen-

ta uma dupla de páginas com design simples, onde não se verifica a almejada e calcu-

lada elegância das páginas de Prazeres da Mesa e Gula. Há recursos

gráficos que deixam claro que a matéria não se alça à condição de

alta gastronomia, e o naturalismo da foto propõe que esta é

mesmo uma comida para comer, não para enfeitar; executada a

receita, seu resultado final não será muito diferente do que é

mostrado ali.

Outra diferença entre os títulos é o fato de a página não possuir

um texto introdutório; vai-se direto ao ponto, ou seja, às receitas. É uma diferenciação,

que mostra o público e os objetivos que Menu deseja atingir: são pessoas mais interes-

28.IN: http://emre-

vista.com/ edicoes/8/artigo4755-1.asp?o=r.

Consultado em17/01/2006.

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sadas na comida vendida pela revista e não nos conceitos ou aprendizado sobre gastrono-

mia que ela possa oferecer. No entanto, a revista traz matérias completas, especialmente

sobre ingredientes e vinhos. Mas, nessas, não publica receitas. Os territórios das matérias

e receitas são definidos, não se misturam como nas outras revistas.

As páginas intituladas “Os sabores e aromas da comida baiana”, da edição de

julho de 2004, também seguem a mesma tendência de simplicidade, como pode ser

observado nas figuras 35 e 36. Elas valorizam as comidas mais conhecidas da culinária

baiana, como o acarajé, e outras que são símbolos da comida sertaneja, como a tapio-

ca e a carne-seca. Não há a “releitura” gastronômica dos pratos. É uma foto da tapioca

com sua receita ao lado, nada mais. Nota-se uma grande valorização dessas imagens, já

que três delas estão ocupando páginas inteiras – sendo que o tamanho total da

FFiigguurraa 3366:: Menu, julho de 2004, páginas 34 e 35

FFiigguurraa 3355:: Menu, julho de 2004, páginas 32 e 33

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reportagem é de seis páginas. É uma opção por despertar a fome

imediata, a necessidade de se realizar a receita ou, simples-

mente, comê-la com os olhos.

Assim, observa-se que a revista se aproxima em vários

pontos do objeto de estudo deste trabalho, a revista Claudia

Cozinha, pois ambas se assemelham nos projetos editorial e

gráfico. Tal semelhança será retomada no último capítulo, quan-

do faremos um trabalho comparativo entre imagens do corpus de

Claudia Cozinha, vistas no terceiro capítulo, com as revistas citadas neste capítulo, o se-

gundo, a fim de analisar diferenças e semelhanças entre elas.

É importante destacar que os diretores de redação das quatro revistas em

questão29 afirmam não utilizar truques para deixar suas fotos mais apetitosas visual-

mente, além de jogos de sombra e tratamento de imagens em softwares especializa-

dos. Como é impossível afirmar a veracidade dessa informação, desconsideraremos o

uso de artifícios típicos do mundo da foto gastronômica e analisaremos apenas a re-

presentação da cozinha, como foi feito neste capítulo.

29.Em entrevistas loca-

lizadas no site http://emre-vista.com/ edicoes/8/ arti-

go4755-1.asp?o=r e, consultadoem 16/01/2005 e em

entrevistas anexas ao finaldeste trabalho.

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3.1. Breve histórico de Claudia Cozinha

A revista Claudia Cozinha surgiu como um suplemento chamado Jornal da

Cozinha, da revista Claudia, e começou a circular em 1967. Já no ano seguinte seu

nome foi alterado para aumentar a identificação com a “revista-mãe”. Nascia aí

Claudia Cozinha, voltada para a necessidade de abastecer as donas-de-casa com um

bom estoque de receitas para o dia-a-dia.

No entanto, a motivação para seu lançamento foi anterior. Claudia continha,

desde seu início, uma seção de culinária que adotava o lema da revista, ou seja, de ser

uma publicação “verdadeiramente brasileira”. Criada em outubro de 1961 pelo casal

Victor Civita e Sylvana Alcorso, donos da Editora Abril, a revista entrou no mercado

editorial do Brasil com o propósito de ser uma revista feminina nos moldes de sucesso

de publicações como Marie Claire e Elle, mas com a cara do nosso País. Luís Carta (apud

MIRA, 2003: 51), criador do projeto e primeiro diretor de redação de Claudia conta que:

“Claudia foi o abrasileiramento de uma fórmula de revista

feminina mensal que já vinha sendo aplicada, fazia vários anos, nos EUA

(Mc Call´s e Ladies Home Journal) e na Europa (Marie Clarie e Arianna).

Dosar as influências, eliminar os excessos e ajustar o alvo era algumas de

minhas principais preocupações”.

Com o mercado editorial brasileiro ainda engatinhando na década de 1960 e

com carência de profissionais, tudo teve que ser aprendido para se fazer uma revista

do porte que Claudia pretendia ser. Produtores de moda, culinária e decoração vinham

da Argentina, fotos eram compradas de outras publicações. Os profissionais da arte da

revista também precisaram ser importados, o que levou a revista a formar profissionais

dentro do Brasil. Dentro do propósito de ser uma revista de excelência, Claudia criou

uma Cozinha Experimental – que existe até hoje, para testar todas as receitas e

fotografá-las. Nessa área, conta Atílio Braschera, editor de arte dos primeiros anos da

revista (apud MIRA, 2003: 53):

“Na área de culinária foi muito difícil. As leitoras mandavam

receitas e não podíamos publicar sem testá-las antes. Isso foi o começo

da Cozinha Experimental, coordenada pela Olga Krell. Havia um júri

interno, e gente de fora também, que fazia a degustação e as melhores

receitas eram publicadas. Mas nas fotos de comida não bastava apertar

o clique. Para que dê água na boca, deve-se tomar uma série de

providências, como passar glicerina no frango assado para ficar

brilhante; muitas carnes não podem ser fotografadas completamente

assadas, e assim por diante. Truques esses que não nos foram ensinados,

mas sim aprendidos por nós.”

O “abrasileiramento” da fórmula das revistas femininas proposto por Claudia só

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foi possível após a revista investir em montar estúdios e formar profissionais

qualificados, fornecendo material de trabalho para o mercado do País. Segundo Mira

(ibidem: 54), a revista é muito importante na história das revistas no Brasil porque

“abrasileirar”, antes de mais nada, significava criar condições para produzir aqui o que

antes tinha que ser comprado fora. O diretor de redação da revista nesse início, Carlos

A. Fernandes (apud MIRA, ibidem: 55) conta que:

“E daí eu lembro que introduzi o “peru à brasileira”, que você

faz com os restos do peru assado, um tipo de cozido. Acho que foi bom

colocar as coisas brasileiras não como curiosidade, mas como uma boa

aplicação para o dia-a-dia. Até na redação havia um pouco de

preconceito com as coisas brasileiras. A Olga (Krell, produtora), por

exemplo, dizia: ‘Nunca ouvi falar em pitanga’, mas fazia e, no final,

gostava. Quanto a minha fase brasileira, cheguei a colocar capas verde-

amarelas em setembro. Essa brasilidade, que eu tanto procurei na

comida, procurei também na moda (…). Eu queria um toque brasileiro

nas fotos, como as revistas francesas, italianas, norte-americanas têm.”

Depois da fase de aprendizado, fixação no mercado e consolidação,

a revista foi muito bem-sucedida. Claudia figura desde a década de 70

entre as revistas de maior vendagem da Editora Abril. Hoje, é o terceiro

título mais vendido da casa, com tiragem de 475.050 exemplares por

mês30. Não há dúvidas de que a sua seção de culinária que originou o

suplemento Claudia Cozinha foi uma das grandes responsáveis por esse

sucesso. Um fato que comprova isso é a necessidade que Claudia teve, após a

independência de Claudia Cozinha, de continuar publicando receitas. O especial de Natal

da revista, no ano de 2004, e o especial sobre cozinha brasileira de 2005 provam que o

título não pode se manter à margem dessa preferência de suas leitoras (figuras 37 e 38).

Celso Nucci (1991: 9) em editorial sobre

os 30 anos da revista, em 1991, diz:

“É bom refletir sobre o papel que Claudia

desempenhou no desenvolvimento da culinária no

Brasil. A revista foi a grande repórter de cozinha no país,

retratou e influenciou o comportamento culinário de

boa parte das donas de casa e até dos homens brasileiros

– eu leio suas receitas há mais de 20 anos.”

O sucesso entre as leitoras de Claudia

Cozinha foi o responsável pelo investimento

da empresa no ramo da culinária, com o

lançamento de outras revistas, como Bom Ape-

30.Segundo dados do

setor de Publicidade daEditora Abril. Ver mais no

site: www.publiabril.com.br

FFiigguurraa 3377:: Claudia na Mesa, dezembro de 2004

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tite. A grande aposta, no entanto, sempre foi

Claudia Cozinha, que sobreviveu aos sola-

vancos do mercado nessas décadas. Perce-

bendo o potencial do produto, a Editora Abril

lançou, ao longo dos mais de 35 anos de vida

do suplemento, diversos especiais temáticos,

em datas como Natal e Páscoa.

Após anos, consolidada como um pro-

duto de apoio de Claudia, o encarte alçou vôo

solo no ano de 2000, tornando-se uma pu-

blicação de periodicidade bimestral. Após um

estranhamento do público-leitor e muitas mu-

danças – que serão aqui analisadas – hoje

Claudia Cozinha se consolidou como um título

independente, com tiragem mensal na casa dos 95.000 exemplares/mês.

3.2. Os doces e as comidas de Gilberto Freyre na revistaComo já foi dito anteriormente, as imagens narrativas das obras Açúcar e Casa-

Grande&Senzala são a base do conceito do que é comida brasileira nesta pesquisa. E

são também o parâmetro de comparação para a análise da representação dessa

comida na mídia revista. As imagens narrativas criadas por Gilberto Freyre ajudam a

entender o que é a comida do Brasil – tema que já foi discutido no capítulo 1 deste

trabalho. Mas cabem ainda algumas considerações antes da análise das peças de

Claudia Cozinha que tratam da cozinha brasileira.

Freyre foi um personagem da cultura brasileira que se preocupou em valorizar

a importância cultural e estética da cozinha. Além de considerar a alimentação um

patrimônio cultural inquestionável, ele ainda valorizava sua importância estética. O

cuidadoso trato das baianas doceiras com as formas de seus doces, por exemplo,

denota a necessidade da comida de ser bonita para ser apetitosa – isso se reflete nas

revistas de cozinha, que precisam ter como preocupação central fotos atraentes e

apetitosas. Sobre esse tema da estética da comida, Freyre (1997:16) diz que:

“Na estética da apresentação do doce e do bolo e não apenas no

seu difícil e delicado preparo, está uma das melhores tradições do Nordeste

agrário no Brasil; a mais artisticamente ligada ao açúcar, ao seu melado, a

sua rapadura (…) – este, por sua vez, associado a outra arte: a do açucareiro

de louça fina ou de prata lavrada, quase sempre bojudo, barroco,

completado por concha ou colherinha, também de prata.”

O autor, na citação acima, faz um retrato dos doces nordestinos que bem

poderia figurar em uma página de uma revista de cozinha contemporânea. Ele retrata

não apenas a estética da comida, mas também o visual das séries da cultura que a

FFiigguurraa 3388:: Claudia Sabores do Brasil, novembro de 2004

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acompanham, como a louça e as técnicas culinárias usadas no preparo dessas iguarias.

O conceito de séries da cultura vem da definição de Tynianov (apud TOLEDO,

1978: 114) de séries vizinhas, que se aplica diretamente aos estudos feitos por ele sobre

literatura. Tynianov diz que as séries vizinhas são a própria vida social e que, na

literatura, elas “correlacionam-se com a literatura antes de tudo por seu aspecto

verbal”. Tynianov (ibidem: 118) afirma ainda que “o estudo evolutivo de um sistema

deve ir do sistema às séries correlativas vizinhas e não às séries mais distantes, mesmo

que elas sejam as principais”.

Assim, temos como série vizinha ao texto de Freyre a própria cozinha, com todas

as séries que lhe são correlatas como utensílios, temperos, formas, ingredientes. Essas

são também as séries vizinhas do texto revista de culinária e/ou gastronomia, que se

utiliza dos mesmos elementos para representar imagem da comida através da

fotografia. É raro que em uma foto de comida apenas a própria esteja representada.

Em geral, para compor a imagem, utilizam-se séries correlatas, ou outras ligadas a

diversos tipos de manifestações culturais, como uma imagem de um santo

comemorando uma data católica. Nas festas juninas, por exemplo, o uso desse recurso

é comum. Observamos nesse tipo de fotos também a utilização de flores, que fazem,

em geral, uma composição cromática, com cores complementares ou opostas. Sobre

séries correlatas e vizinhas, em Casa-Grande&Senzala, Freyre (1980: 120) conta que:

“E eram trabalho de suas próprias mãos de índias de que se servia

para fazer a comida, para guardá-la, para pisar o milho ou o peixe,

moquear a carne, espremer as raízes, peneirar as farinhas; os alguidares,

os urupemas, as cuias, as cabaças de beber água, os balaios. Utensílios

muitos desses que se incorporaram ao trem da cozinha colonial. Ainda

hoje o vasilhame de qualquer casa brasileira do norte ou do centro do

Brasil contém numerosas peças de origem ou feitio puramente indígena.”.

O autor compunha suas obras literárias com narrativas visuais, criando imagens

da comida brasileira que se mantêm no imaginário coletivo e que

afetam, inclusive, um designer editorial31 quando este começa a

compor as páginas de uma revista como Claudia Cozinha, Gula ou

Prazeres da Mesa. A opulência de gostos, temperos e formas da

comida brasileira está presente nas imagens das comidas

reconhecidas como brasileiras, mesmo quando elas são adaptadas à

alta gastronomia – como pôde ser observado em exemplos do capítulo 2. A seguir,

veremos como a revista Claudia Cozinha produz imagens da nossa cozinha.

3.3. Representando a comida do BrasilNos seus primeiros exemplares, que eram especiais, lançados principalmente no

Natal, Claudia Cozinha apresentava um padrão muito comum às revistas de cozinha da

época: uma profusão enorme de receitas, pouquíssimas delas com fotos. Uma chamada

31.Para ver mais:

ADG Brasil. O Valor doDesign. São Paulo,

Editora Senac,2002: 28.

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de capa de setembro de 1967 mostra a impor-

tância da quantidade (figura 39): “Mais 500 re-

ceitas para quem quer ter muita alegria e todo

o prazer com a cozinha”.

Em uma época em que os conceitos de

alta gastronomia, sofisticação e até a pos-

sibilidade de compra de ingredientes im-

portados estavam distantes da dona-de-casa de

classe média, a quantidade de receitas era um

quesito importante. Afinal, a leitora as usava

no seu dia-a-dia, ao elaborar pratos para a fa-

mília. Nesse paradigma, a revista oferecia vá-

rias páginas brancas, apenas com receitas, que-

bradas por fotos (algumas, inclusive, sem

legenda ou identificação) ou publicidades de página inteira.

Nota-se que a comida desse período retratada na revista não tinha nenhuma

preocupação com alguma identidade regional. Era uma comida quase mundial, mesmo

que o editorial da revista proclamasse que buscava o “ser brasileiro” em todas as suas

seções. O que se observa são fotos que registram a década de 60, como matérias sobre

canapés, o petisco oficial considerado “chique” das festas da época (figura 40), com

pouco espaço para a cozinha típica do Brasil.

Era muito comum também a confusão entre publicidade e editorial, pouco

observada na imprensa brasileira atualmente. Numa edição de setembro de 1967, há

cinco publicidades que fornecem receitas, como a do Leite Moça, mostrada na figura 41.

Deve-se levar em consideração aqui que essa pretensa “confusão” não é observada com

frequência no Brasil, mas é comum hoje em revistas européias, que utilizam o expediente

para manter o veículo com fôlego no mercado - afinal esse é um tipo de anúncio pago.

FFiigguurraa 3399:: Claudia Cozinha, setembro de 1967

FFiigguurraa 4400:: Claudia Cozinha, setembro de 1967, páginas. 66 e 67

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Nas décadas de 1970 e 1980 a revista modificou seu padrão. As páginas passam

a termais fotos, mas ainda há grande quantidade de receitas. As imagens das comidas

mostradas continuam distantes da representação típica da comida brasileira, como

mostra a figura 42, em página de Claudia Cozinha do começo da década de 80. O

exemplo lembra cenas de filmes norte-americanos, onde os piqueniques ao ar livre

são comuns, o que não acontece no Brasil. Afinal, o padrão seguido ainda era o de

revistas estrangeiras – se funcionava no exterior, deveria funcionar aqui. É importante

lembrar que esse paradigma não mudou muito, porque a mesmice do design gráfico

brasileiro tem raízes nesse mesmo pensamento. Prova disso é a massificação de

repetições de revistas como Esquire e Wallpaper, como foi visto no capítulo anterior.

Já a mesa de Páscoa (figura 43) destaca personagens de uma festa de família e re-

força esse padrão que não é brasileiro. Com o tempo, no final da década de 1980, a revista

eliminaria a necessidade de trazer personagens para caracterizar suas matérias, apos-

tando apenas nas comidas – numa fase em que o universo ficou restrito às fotos de pratos

FFiigguurraa 4411:: Claudia Cozinha, setembro de 1967, páginas 154 e 155

FFiigguurraa 4422:: Claudia Cozinha Edição Especial Festas, janeiro de 1980, páginas 20 e 21

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FFiigguurraa 4433:: Claudia Cozinha Edição Especial Festas, janeiro de 1980, páginas 32 e 33

FFiigguurraa 4444:: Claudia Cozinha, abril de 1991, páginas 6 e 7

FFiigguurraa 4455:: Claudia Cozinha, março de 1996, páginas 16 e 17

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e que só ganharia novamente personagens, como chefs renomados, no ano de 200, quan-

do a revista se tornou independente. Na década de 1990, o foco passou a ser exclusiva-

mente a comida, com colunas de dicas de cozinha, lançamentos de novos produtos e re-

ceitas para o dia-a-dia e para datas especiais. Chama a atenção nessa época o fato de as

receitas não serem precedidas por matérias. O tema é apresentado na manchete e no

subtítulo, e seguem-se as receitas, como nas figuras 44 (abril de 1991) e 45 (março de 1996).

Em relação à comida brasileira, muito esporadicamente a revista traz uma matéria

específica, como na edição de novembro de 1992. Nessa edição, há uma reportagem

especial de capa sobre os doces tradicionais de Minas Gerais (figura 46 e 47).

Na dupla de páginas de abertura, a reportagem traz uma cena típica de uma

fazenda de Minas Gerais, mostrando vários doces guardados nas prateleiras e outros

que acabaram de ser feitos, ainda destampados. A composição é muito eficiente, pois

representa bem a opulência de cores e sabores típicos da cozinha mineira. E muito

semelhante às imagens narrativas que Gilberto Freyre cria no seu livro Açúcar. Nessas

FFiigguurraa 4466:: Claudia Cozinha, novembro de 1992, páginas 14 e 15

FFiigguurraa 4477:: Claudia Cozinha, novembro de 1992, páginas 16 e 17

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imagens é fácil identificar as descrições do trabalho das doceiras

típicas do Brasil feitas pelo autor. A matéria continua com um

especial sobre biscoitos, que também tem a foto, de página

inteira, de um prato de biscoitos típicos. Na continuação, broas

de fubá, bolo e café, compondo uma mesa tipicamente mineira,

que corresponde ao imaginário de uma cozinha que têm nas

“quitandas”32 uma de suas grandes tradições (figura 48).

Outro destaque dessa década na representação da comida brasileira é uma

edição especial de Claudia Cozinha, lançada em 1995. Com 128 páginas e dividida por

regiões do País, trata-se de um produto bem acabado, com textos introdutórios que

explicam a origem de cada cozinha regional. As fotos ocupam páginas inteiras e re-

tratam com fidelidade as comidas típicas de cada região do Brasil (figuras 49 e 50).

As fotos são bem ambientadas, com a participação de séries culturais que fazem

32.Quitandas, segundo a

tradição oral de Minas, sãoos doces e pães mineiros,

preparados para o lanche datarde. São iguarias delicadas e

perfeitas para serem servi-das com café.

FFiigguurraa 4488:: Claudia Cozinha, novembro de 1992, páginas 18 e 19

FFiigguurraa 4499:: Claudia Cozinha Especial, 1995, páginas 104 e 105

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esse trabalho, como louças, utensílios de cozinha, enfeites, toalhas de mesa. O que

chama a atenção também é o bom acabamento do texto, que não teria mais espaço

no jornalismo feito nos dias de hoje, quando as redações pagam salários baixíssimos

e acabam contratando jornalistas inexperientes para esse tipo de trabalho. São mostras

de que o paradigma da época em que o especial foi feito mudou radicalmente.

A partir do ano 2000, a revista passou a ser um veículo independente e bi-

mestral. O projeto gráfico foi radicalmente alterado, contendo maior número de fotos

e de detalhes, como boxes de informações complementares. Já o projeto editorial

trouxe a novidade, já tradicional em Gula, do texto introdutório às receitas. Um

exemplo desse novo momento é a edição de junho/julho de 2001, onde duas matérias

versam sobre a comida brasileira: a primeira sobre o milho nas festas juninas e a outra

sobre a comida do Vale do Rio Paraíba, em São Paulo.

A reportagem sobre comida de tropeiro (figuras 51 e 52) ganha o recurso da

ilustração, que mostra o caminho desses bandeirantes que desbravaram o interior de

São Paulo, deixando padrões de sua alimentação que proporcionaram o surgimento

de pratos como Feijão-Tropeiro e a Vaca Atolada. As fotos ganham também detalhes

de utensílios típicos, como a toalha xadrez.

Essa mudança mostra a necessidade que a revista sentiu de levar mais informação

so-bre a área de gastronomia para o leitor. Como afirmou antes a diretora de redação de

Menu33, Solange Souza, mais do que receitas, o público “quer informação na área”. Assim,

Claudia Cozinha se aproximou do paradigma das outras revistas e passou a disputar espaço

no mercado diretamente com elas, mas sem abandonar seu público. Veremos agora como

as mudanças no título se processaram nos três anos de análise de corpus desta pesquisa,

entre 2002 e 2005.

3.4. Claudia Cozinha de 2002 a 2003A revista Claudia Cozinha se tornou independente em 2000. Nos dois

primeiros anos ela se manteve muito semelhante à sua fase como suplemento

33.Ver página

45, segundocapítulo.

FFiigguurraa 5500:: Claudia Cozinha Especial, 1995, páginas 106 e 107

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de Claudia, focada em dois pilares fundamentais: o prazer de cozinhar e o de receber,

de acordo com as palavras da diretora de redação da revista na época , Wanda Naes-

thler34. Com o sucesso desse perfil e na busca por mais anunciantes, a revista passou de

bimestral a mensal em março de 2002, momento em que começa esse estudo.

O lema da revista, “Todas as receitas testadas e com fotos”, merece destaque.

Afirmar que as receitas eram testadas antes de serem publicadas é uma das

características de Claudia Cozinha, que foi pioneira no Brasil em montar uma cozinha

experimental para testar suas receitas. Já a obrigatoriedade das fotos é um

testemunho desse teste, afirmando que aquela imagem ali mostrada é

resultado da receita que foi realmente realizada e que deu certo.

As fotos de comidas são um atrativo a mais para o leitor comprar

uma revista. Essa é a magia das imagens, que faz com que o leitor sinta

fome ao ver a imagem da receita e apenas depois, se despertado seu

desejo de comer, talvez a leia.

34.A entrevista em

questão pode ser lidano ANEXO I deste

trabalho

FFiigguurraa 5522:: Claudia Cozinha, junho/julho de 2001, páginas 64 e 65

FFiigguurraa 5511:: Claudia Cozinha, junho/julho de 2001, páginas 62 e 63

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Entre março de 2002 a maio de 2003 existiu uma seção na revista chamada

“Regional”, criada para abordar cozinhas regionais. Mas que não tinha regularidade

obrigatória (mensal, por exemplo) ou tema fixos. Em um mês o tema poderia ser comi-

da mineira e no outro, comida italiana. O regional da seção implica em regionalismos

mundiais e não apenas do Brasil.

Em relação ao projeto gráfico, a espacialização visual das páginas de Claudia

Cozinha constrói, nesse momento, imagens de pratos que servem tanto para a rotina

diária quanto para festas. Trata-se de uma imagem distante daquela elaborada por

revistas como Gula e Prazeres da Mesa – naquelas a imagem construída é de uma

comida intocável, que parece uma obra de arte.

Claudia Cozinha era, com esse projeto, uma revista que estava vinculada ao

“Segundo Mundo” das revistas de gastronomia, de acordo com a classificação proposta

no segundo capítulo deste trabalho. O modelo adotado está relacionado ao fazer

culinária do que à sofisticação de paladar associada à gastronomia.

Quando se trata de um veículo comunicacional com fins comerciais como uma

revista, há que se levar em consideração que seu projeto gráfico e editorial não será

definido apenas para ser “bonito”. Outros valores como os anseios de seu público

leitor e dos anunciantes são fundamentais para que esse tipo de publicação sobreviva

no mercado. A situação enquadra-se perfeitamente no mundo contemporâneo, onde

a informação é um bem dos mais valiosos que possuímos. Barbero (2004: 88) trata

desta questão:

“Enquanto as ciências, incluídas as sociais, negam um

acontecimento (…), as mídias o exaltam, o potencializam ou, quem sabe,

ainda o fabriquem, em quantidades diretamente proporcionais à

demanda que tem sabido inocular sobre o mercado. Parece que um dos

direitos fundamentais de todo cidadão, nas sociedades ‘democráticas’, é

o de poder consumir acontecimentos como consome água ou

eletricidade, o qual também implica que estes também sejam produzidos

em quantidades industriais.”

Veremos agora como a comida brasileira era retratada neste espaço e tempo (de

abril de 2002 a maio de 2003) no projeto gráfico e editorial da revista, sob a luz das

imagens narrativas criadas por Gilberto Freyre. Espaço e tempo, aliás, são

preocupações da obra do autor pernambucano, que acreditava em uma observação

histórica baseada no tempo tríbio. Essa categoria é composta pela intersecção de

passado, presente e futuro, que se entrecruzam sempre, e não em um tempo linear

cronológico, como explica Andrade (2002: 91):

“Gilberto substituiu, como método de análise, o tempo linear

cronológico pelo tempo tríbio, que não aceita uma seqüência rígida

entre passado, presente e futuro. Isto porque, no presente nos

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deparamos com as marcas deixadas pelo passado, ainda importantes e

atuantes, e com as sementes do futuro, que vão se tornando cada vez

mais importantes no presente; não haveria uma separação rígida,

cronológica, entre passado, presente e futuro, mas a existência dos três

ao mesmo tempo.”

Assim, a definição de tempo tríbio nos leva a observar que

esse momento de Claudia Cozinha era um reflexo do que a revista

havia sido e daquilo que ela viria a ser. A sua preocupação em manter seu público já

se encontrava na fronteira com a necessidade de satisfazer a curiosidade de seus

leitores sobre o mundo da gastronomia, que, nessa época, já vinha se fortalecendo na

mídia, como um tema de destaque.

3.5. O primeiro ano de análise: público fiel De abril de 2002 a maio de 2003, quando o projeto gráfico e editorial de Claudia

Cozinha sofreu a primeira das duas grandes mudanças que serão aqui analisadas. Neste

período foram contabilizadas as aparições do tema comida brasileira na publicação35: Na

tabela 1 podemos observar a quantificação dessas ocorrências.

3.5.1. “O descobrimento da galinha”: A primeira dessas matérias é histórica,

discorrendo sobre os ingredientes trazidos pelos portugueses para o Brasil, como a ga-

linha. Sendo que muitos deles acabaram se incorporando à nossa alimentação. O título

da reportagem, “O descobrimento da galinha” remete ao caráter de novidade desse

alimento na época em que Cabral chegou às terras brasileiras. Hoje, no entanto, o

Edição Tema das matériasVezes que otema surge

Abr/ 2002

Jun/2002

Jul/2002

Ago/2002

Set/2002

Out/2002

Jan/2003

Mar-Abr/2003

2

2

1

1

2

1

2

2

História da alimentação do Brasil / Caldinhos de Pernambuco

Festas juninas/ Pinhão

Comida da cidade mineira de Tiradentes

Caruru dos Santos / História da alimentação brasileira

Culinária e literatura

Cardápio paulistano: história/ Comida de Alagoas

História da gastronomia/ Comida de Goiás

Tapioca

35.Não analisaremos

aqui todas matérias contabilizadas, mas a

amostra será bastante repre-sentativa. A diretriz vale

para todo o trabalho.

TABELA 1

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prato é tão comum nas mesas brasileiras que se tornou presença obrigatória nos

almoços de domingo, por exemplo, sem contarmos a comida rotineira ou pratos

típicos, como a galinhada, comum no interior do Estado de São Paulo.

A reportagem é composta por seis páginas, com fotos e ilustrações, sendo que

estas últimas retratam índios, navios e os portugueses, além da própria galinha. Na

dupla de páginas de abertura há uma ilustração que traz, do lado direito, um

português segurando uma galinha e do lado esquerdo, dois índios, provavelmente os

tupinambás que habitavam a região conhecida, hoje, como Porto Seguro. No topo

deste desenho há algumas caravelas, símbolos do encontro desses povos, como pode

ser observado na figura 53.

Ao retratar o português e o índio, a página representa esse encontro de culturas

distintas, que marcou o modo de comer do brasileiro. Como texto de uma cultura

híbrida, a nossa cozinha não poderia ser linear - assimilamos a galinha que os

portugueses trouxeram e lhe demos características nacionais. Burke (idem, 2003: 50)

afirma que o hibridismo é um processo e não um estado. Assimilações de ingredientes,

como o caso da galinha no século XVI ainda ocorrem hoje, mesmo em graus menores.

Edward Said (apud BURKE, 2003: 51) diz que “todas as culturas estão envolvidas entre

si (…), mas nenhuma delas é única e pura, todas são híbridas e heterogêneas”.

O texto da matéria trata justamente dessa questão, abordando as miscigenações

da comida portuguesa – como a paixão pelo açúcar – que se hibridizaram com a

comida indígena e, posteriormente, com a africana. A matéria também conta

curiosidades sobre a alimentação portuguesa nessas viagens, como o que se comia

dentro dos navios, por exemplo. O desenho dessas páginas é um pouco dramático,

carregado, procurando contar em formato de “saga histórica” a chegada desse

ingrediente ao cardápio brasileiro.

Já na sequência, o design das páginas (figuras 54 e 55) fica mais leve, com fundo

branco e ilustrações de flores de estilo medieval no lado direito para dar um toque

FFiigguurraa 5533:: Claudia Cozinha, abril de 2002, páginas 32 e 32

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mais colorido. Essas ilustrações florais remetem ao período medieval, quando era

comum esse tipo de desenho, mas sua presença também realiza essa função de colorir

as páginas, deixando-as mais interessantes visualmente para o leitor.

Dessa forma, observamos vários textos de várias culturas que se apresentam

nessa reportagem, compondo uma imagem dos primórdios da comida brasileira. É

bastante difícil tipificar esse tipo de acontecimento cultural, como esse da incorporação

de um ingrediente novo a uma cozinha. Esse fato implica tanto a sua importância na-

quele período quanto nos seus desdobramentos posteriores. Dessa maneira é proble-

mático tipificar, colocar numa categoria rígida, esse tipo de acontecimento.

Lotman (apud GUIMARÃES, 2001: 16) fala sobre essa referida problemática da

tipologia da cultura:

“Antes de mais nada é preciso notar que qualquer texto cultural

(no sentido de tipo de cultura) pode ser examinado tanto como uma

FFiigguurraa 5555:: Claudia Cozinha, abril de 2002, páginas 36 e 37

FFiigguurraa 5544:: Claudia Cozinha, abril de 2002, páginas 34 e 35

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espécie de texto único, com um código único, quanto um conjunto de

textos, com um determinado conjunto de códigos a eles correspondentes.”

Assim, o texto cultural produzido por essas páginas é um texto com estreitas

ligações com inúmeros outros, mas é difícil tipificá-lo como um texto da cultura da

alimentação brasileira ou da alimentação portuguesa, visto que esse é o exato

momento que elas se cruzam pela primeira vez. Claudia Cozinha fez uma abordagem

interessante da questão, que começa com grande impacto visual, mas perde um pouco

na monotonia das páginas seguintes. Afinal, o abre da reportagem é bastante

complexo, mas as duplas de páginas sequenciais são praticamente iguais, como pode

ser observado nas figuras 54 e 55.

Há uma mesmice visual, que pode ser explicada no momento em que a página

foi desenhada. Após resolver o abre da matéria, o designer editorial responsável pode

ter tentado desenhar as demais páginas da maneira mais simétrica possível. De fato a

leitura é linear, mas há um empobrecimento visual que não corresponde ao tema rico

da reportagem:um encontro de culturas distintas. A revista começa representando de

maneira eficiente esse acontecimento, mas acreditamos que ela poderia ter desen-

volvido de forma mais elaborada a continuação da reportagem.

3.5.2. Caldinhos de Pernambuco: A outra matéria da edição, de abril de 2002 é, de

fato, sobre uma comida típica brasileira: os caldinhos de Pernambuco. Tratam-se de

caldos variados, feitos com crustáceos, leguminosas e outros ingredientes, que podem

ser encontrados tanto à beira-mar quanto em restaurantes sofisticados do Recife. Na

verdade, esses caldinhos são uma tradição antiga da comida do Nordeste, com origens

nas tradições dos caldos portugueses, como diz Silva (2005: 116):

“(…) tanto no litoral quanto no interior, o feijão foi a solução

encontrada para umedecer a comida, acentuadamente seca. Enriquecido

com tempero das hortas (em geral, cebola, salsa e coentro) e gordura

(de porco, principalmente), atendia perfeitamente bem às exigências do

paladar europeu de comida mais visguenta, que só a mistura do caldo à

secura da farinha e da carne-seca podia garantir.”

Colocada na revista sob o chapéu “regional”, a abertura da matéria traz um

garçom com uma bandeja cheia de caldinhos, de vários sabores, cujas receitas serão

oferecidas na continuação (figuras 56 e 57). Em todas as páginas podemos observar que

foram usados elementos típicos dessa tradição culinária: fotos de placas de casas de

caldinho em Pernambuco, peixes, mariscos, favas. Ou seja, os ingredientes que compõem

o sistema onde o texto “caldinhos” está inserido. As imagens que resultam dessa

estratégia são usadas tanto para mostrar com quais ingredientes as receitas serão feitas

quanto para contextualizar seu lugar de origem. No caso, o Estado de Pernambuco.

A matéria cria, assim, um ambiente para as receitas dos caldinhos. No caso, uti-

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FFiigguurraa 5577:: Claudia Cozinha, abril de 2002, páginas 60 e 61

FFiigguurraa 5566 :: Claudia Cozinha, abril de 2002, páginas 58 e 59

FFiigguurraa 5588:: Claudia Cozinha, abril de 2002, páginas 62 e 63

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liza-se o local “bar ou botequim”, onde os caldinhos podem ser

consumidos. Essa ambientação é a parte mais interessante das

páginas. Os caldinhos ficam bem contextualizados no seu es-

paço, já que são pratos típicos de botequins. Há que se res-

saltar, no entanto, a mesmice visual vista anteriormente, por-

que o padrão de fotos e receitas repete, visualmente, as pági-

nas de outras matérias anteriores da revista36.

Esse é um padrão do projeto gráfico de Claudia Cozinha no

período citado, entre abril de 2002 e maio de 2003. A dupla de abertura de matérias

costuma ser mais trabalhada visualmente, mas as páginas seguintes acabam se apoiando

no padrão visual receitas com fotos sequenciais. Assim, muitas páginas, ainda mais se

vistas na sequência, parecem iguais, mesmo tratando de diferentes temas. Lembramos

aqui o já citado conceito de que o mundo da editoração eletrônica homogeneiza o design

das páginas e, por força do programa, todos os produtos se tornam semelhantes no

resultado final. Não é diferente com o projeto gráfico da revista no momento estudado.

3.5.3. Festas juninas: Na edição de junho de 2002, há duas matérias sobre comida

brasileira. Uma delas analisa as festas juninas, evento cultural bastante característico

do interior do Brasil. A imagem dessas festas é naturalmente associada ao “caipira” do

interior, seja ele paulista ou nordestino. São ritos ligados à religiosidade católica, que

têm seu auge nas festas realizadas no mês de junho em homenagem a Santo Antônio,

São João e São Pedro. É importante lembrar que tais comemorações são carregadas de

outros significados, adquiridos ao longo do processo histórico e cultural de seu de-

senvolvimento no território brasileiro. Uma festa junina não é mais apenas uma

celebração de santos, mas sim um acontecimento histórico, cultural e social, que pode

mobilizar comunidades: um ritual. Sobre esses ritos, Barbero (ibidem: 97) aponta:

“O rito é um ato ligado fortemente à ‘vida doméstica’, ao

cotidiano, e enquanto fonte e receptáculo da magia estreitamente

vinculados ao fenômeno da representação: à capacidade que têm os

gestos e os objetos de por-se em relação com as ‘idéias’ e com as outras

pessoas, de travar relações com estas, relações que vivem e se expressam

em imagens de paz, de amor, de sedução, de temor, de propriedade, etc.”

Assim, verificamos que essas imagens da cultura brasileira representadas pelas

festas juninas agregam diversos elementos simbólicos. E pensar nesses ritos leva a

lembrar quase imediatamente de suas comidas, como o bolo de fubá, o curau, o pé-

de-moleque – justamente três das quatros receitas mostradas por Claudia Cozinha na

matéria citada (figuras 59 e 60).

Na imagem dessas festas composta pela revista, vemos as bandeirinhas de papel

típicas da ocasião, que marcam visualmente todas as páginas. Elas são um símbolo

demarcatório do tema. A dupla que abre a matéria mostra um bolo de fubá com coco e

36.Observar as figuras

56 e 57 e a figura 58, todassequenciais na edição de abrilde 2002 de Claudia Cozinhaque mostram a repetição da

contigüidade texto-imagem

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elementos gráficos da revista, constituindo uma imagem da comida brasileira facilmente

reconhecível pelo nosso imaginário visual. A transformação de uma memória do povo,

coletiva, sobre um ritual como as festas juninas, é definida semioticamente, de acordo

com Lotman e Uspenskii (1971: 41):

“A definição de cultura como memória da coletividade coloca, em

termos gerais, o problema do sistema de regras semióticas segundo as quais

a experiência de vida do gênero humano se converte em cultura; regras

que, por sua vez, podem ser tratadas precisamente como um programa.”

A constituição de um programa que transforma as imagens do imaginário

coletivo sobre o que é comida brasileira nas páginas de uma revista de culinária como

FFiigguurraa 6600:: Claudia Cozinha, junho de 2002, páginas 24 e 25

FFiigguurraa 5599 :: Claudia Cozinha, junho de 2002, páginas 22 e 23

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Claudia Cozinha encontra raízes nas imagens da cultura. Assim, são os fenômenos

culturais que geram as imagens midiáticas e não o contrário, observando-se que, de

maneira clara, a mídia é responsável por transformações na cultura, mas, que a via

inversa – da cultura agindo na mídia – é ainda mais forte e atuante.

3.5.4. Tapiocas: Na edição de julho de 2002, há uma reportagem sobre tapioca,

ingrediente consumido em todo o País, mas com destaque para as regiões Norte e

Nordeste. Em tais lugares, a alimentação indígena prevaleceu sobre o trigo trazido pelos

portugueses durante o período colonial. Freyre (1980: 121) diz, sobre a mandioca:

“Foi completa a vitória do complexo indígena da mandioca sobre o

trigo; tornou-se a base do regime alimentar do colonizador (…). Ainda hoje a

mandioca é o alimento fundamental do brasileiro, e a técnica do seu fabrico

permanece, entre parte da população, quase a mesma dos indígenas.”

De fato, a matéria, ainda na sua abertura, desvenda o segredo do preparo da

tapioca, mostrando o processo quadro a quadro (figura 61). Sob o chapéu “regional”,

as páginas enfatizam um lado mais pitoresco da culinária brasileira.

Segundo Kamper (2002b: 3), “na imagem, há séculos, a superfície pequena e

abrangível triunfa sobre o grande espaço ilimitado”. Nas páginas de Claudia Cozinha

sobre a tapioca, temos uma pequena amostra do que é a culinária de raízes mais

fundas do Brasil e como elas se configuram na mídia. Um pequeno detalhe da cultura

brasileira, como o preparo desse ingrediente, pode servir de estímulo para a

transformação da cultura em produto de consumo – o que acontece em uma revista.

Sobre consumo, Semprini (1995: 40) pontua:

“El término ‘consumo’ y la calificación de ‘consumidor’ tienen

una clara significación material y práctica. Consumir significa, em primer

FFiigguurraa 6611:: Claudia Cozinha, julho de 2002, páginas 60 e 61

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lugar, consumir productos, o sea, utilizarlos, comerlos, romperlos, etc.

(…) El papel de la comunicación en esta conceptualización del mercado

no es otro que ayudar al sistema de produción a penetrar con sus produ-

tos en el sistema de consumo.”

Ao mostrar um produto tão típico da cultura alimentar brasileira quanto a tapioca,

Claudia Cozinha assume o estereótipo desse tipo de comida e a transforma em algo

exótico, estimulando a sua venda como produto do Brasil. Assim, é estranho até ao nosso

próprio paladar o sabor desse alimento, especialmente para o público que não mora na

região Norte ou Nordeste. A imagem construída na mídia estimula seu consumo como

algo peculiar, realizando uma reconfiguração desse produto. Relendo Semprini, a tapioca

é introduzida pela mídia como algo a ser apreciado e consumido pelos leitores.

As demais fotos que dão continuidade à matéria, mostram a tapioca feita com

diversos tipos de recheios (com suas respectivas receitas). Essas fotos são imagens que

estimulam o consumo desse prato, porque despertam a fome do olhar inerente a esse

tipo de situação. Elas possuem uma ligação com o contexto da matéria – oferecem um

alimento exuberante e apetitoso. Baitello Jr. (2000: 9) diz que “a imagem também se

constitui em diálogo com seu entorno. Assim temos que considerar seu espaço

circundante como parte integrante essencial delas”.

O papel de despertar os sentidos, nesse caso a gula, é uma estratégia da

publicidade que vem sendo incorporada à mídia, tornando a fronteira que divide esses

dois sistemas da cultura cada vez mais tênue. A propaganda de alimentos sempre se

utilizou dessa fome imagética para vender – e a revista de cozinha segue o mesmo

caminho. Assim, da mesma maneira que o comercial de margarina mostra o pão

quentinho com o produto derretendo, a revista traz a tapioca exuberante, com recheio

escorrendo, pedindo para ser devorada logo (figura 62).

FFiigguurraa 6622:: Claudia Cozinha, julho de 2002, páginas 62 e 63

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3.5.5. Minas Gerais e Goiás: Na seqüência da análise do corpus, as edições de agosto

de 2002 e de março/abril de 2003 de Claudia Cozinha acabam resvalando na mesmice do

projeto gráfico de Claudia Cozinha nesse momento. Nas matérias “Minas para gourmets”

e “Um tesouro no centro do País”, respectivamente sobre comida mineira e goiana, há

uma nítida repetição na diagramação e da condução editorial das matérias (figuras 63 e

64). Ambas começam na primeira dupla de páginas com fotos, do lado esquerdo, de

paisagens de Minas e Goiás. Já no lado direito há diversas outras imagens de quitutes,

utensílios e paisagens – fazendo as duas aberturas de matérias parecerem quase idênticas.

Nas páginas seguintes, a mesmice continua, repetindo o padrão de lugares, pratos e

receitas, presente nas figuras 56, 57 e 58, vistas anteriormente.

Observamos uma certa necessidade de lugarizar os ambientes representados,

deixar claro que a reportagem é sobre a comida do interior do Brasil. É um olhar para

o exótico que habita dentro do nosso próprio território. O brasileiro das grandes

capitais não se reconhece naquelas imagens, é preciso contextualizá-las de maneira

FFiigguurraa 6633:: Claudia Cozinha, agosto de 2002, páginas 68 e 69

FFiigguurraa 6644:: Claudia Cozinha, março/ abril de 2003, páginas 56 e 57

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quase didática. Sobre lugar, Ferrara (2002: 18) diz:

“A palavra lugar é frágil porque como designação se confunde

com ponto, logradouro, ou seja, é sinônimo de espaço e dele não se

distingue; porém é necessário proceder a esta distinção a fim de que seja

possível criar parâmetros para aquela reflexão. (…) Ao ser informado, o

lugar é também situado, ou seja, altera-se conforme o contexto: produz-

se e representa-se diferentemente, conforme a cidade e as circunstâncias

nas quais se insere.”

Vemos que a qualificação ambiental das imagens das duas matérias citadas age

exatamente informando sobre o lugar do qual ambas tratam, qualificando-o antes de

mostrar sua cozinha típica. A comida mineira e goiana figuram como decorrências dos

lugares onde foram criadas. De fato, como afirma Baitello Jr. (2003: 44) “o texto da

FFiigguurraa 6655:: Claudia Cozinha, agosto de 2002, páginas 70 e 71

FFiigguurraa 6666:: Claudia Cozinha, março/ abril de 2003, páginas 58 e 59

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cultura – mitos, pinturas, romances, danças, rituais, etc – constrói-se no diálogo, na

operação interativa entre seus componentes subtextuais, no diálogo entre signos e dos

signos com seu próprio percurso histórico”. Traços como a inclusão de imagens de

casarios coloniais (figura 65) e compoteiras tradicionais (figura 66) são marcadores do

lugar a que essas imagens pertencem. E novamente aqui temos as séries culturais ligadas

à alimentação, fazendo parte desse diálogo que cria e transforma os textos da cultura.

Concluímos que as matérias representam bem as cozinhas típicas de Minas Gerais

e Goiás, mas defendemos que lugares de cultura tão intensa e exuberante como esses

poderiam ser representados com mais criatividade. Sem cair no lugar comum dessa

mesmice visual, que fez ambas ficarem tão parecidas.

3.5.6. Cozinha de Alagoas: Já a matéria da edição de janeiro de 2003, sobre a

comida de Alagoas, segue a mesma tendência observada no item anterior. Sob o título

“Mestras alagoanas” (figuras 67 e 68), ela dispõe um apanhado das receitas mais

FFiigguurraa 6688:: Claudia Cozinha, janeiro de 2003, páginas 61 e 62

FFiigguurraa 6677:: Claudia Cozinha, janeiro de 2003, páginas 59 e 60

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importantes dessa cozinha, e entre as cinco mostradas, três são derivadas da mandioca.

A disposição gráfica, vai além da mesmice, é ainda mais simples. Ao contrário do

material sobre Goiás e Minas Gerais (figuras 65 e 66), essas páginas não mostram

detalhes de Alagoas ou componentes visuais que caracterizem a identidade brasileira

dessa comida. Apenas os pratos típicos têm destaque.

Ferrara (ibidem: 20) diz que “mesmo que o lugar seja informado, para entendê-lo

é necessário refletir sobre o significado urbano que ele produz e sobre o conceito de

informação e sua distinção em relação à comunicação”. O lugar, Alagoas, foi notificado,

mas não caracterizado por Claudia Cozinha. As comidas mostradas poderiam ser de

qualquer estado brasileiro – não há traços culturais que a identifiquem como alagoana.

Essas páginas denotam um aparente”esgotamento” dos projetos gráfico e

editorial da revista naquele momento. As páginas não conseguem representar com

complexidade a cultura das matérias sobre cozinha típica. A mesmice visual, sem dúvida,

é um dos elementos que contribuiem para falha na representação dessa cozinha.

FFiigguurraa 6699:: Claudia Cozinha, setembro de 2002, páginas 36 e 37

FFiigguurraa 7700:: Claudia Cozinha, setembro de 2002, páginas 38 e 39

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3.5.7. Caruru dos Santos: A edição de setembro da revista consegue distinguir-se

dessa igualdade visual vista até aqui, e territorializa com eficiência a comida de que se

propõe tratar. A matéria “O caruru dos Santos” aborda uma das festas mais populares

do Brasil e que está ligada à religiosidade latina: Cosme e Damião, celebrada

principalmente nas religiões afro-brasileiras.

Para fazer diretamente a intersecção entre a matéria e essa tradição, a revista

aposta na imagem dos santos cercados por balinhas de goma, pois Cosme e Damião

são os protetores das crianças em várias religiões. Crianças que, por sua vez, amam

doces - daí a presença das balas.

Nesse caso, observamos uma supressão da imagem da comida, que fica em

segundo plano. É muito curioso esse processo de devoração imagética – trata-se de

uma matéria sobre comida, como bem diz o seu título, mas a tradição religiosa está em

primeiro lugar. Apenas na continuação é mostrada a comida e, mesmo assim, a

imagem ainda é composta também por uma medalha dos santos referidos no canto

superior direito da página (figuras 69 e 70).

Uma revista do “Primeiro Mundo”, como Gula e Prazeres da Mesa, certamente

evita tais miscigenações, que se aproximam demasiado de uma cultura popular. Canclini

(2003: 22) afirma sobre esse tipo de ritos interligados, como religião e alimentação que

“a modernização diminui o papel do culto e do popular tradicionais no conjunto do

mercado simbólico, mas não os suprime”. Claudia Cozinha aposta nessa combinação,

que a aproxima do popular e do público que frequenta festas como a dos santos

católicos. Mas é também erudita, ao representar com elegância esses elementos – por

meio de uma imagem cuidadosamente escolhida, sem exageros visuais, por exemplo.

Um último exemplo desse momento do projeto gráfico e editorial da revista

será visto adiante. Mas já em um contraponto com a transformação sofrida pela

mesma em maio de 2003, aprofundando, assim, a análise do corpus.

3.6. A busca pela alta gastronomiaEm maio de 2003 Claudia Cozinha voltou novamente à periodicidade bimestral,

mudança que foi marcada também por novos projetos gráfico e editorial. Naquele

momento a revista estava perdendo espaço no mercado para publicações voltadas

diretamente para a alta gastronomia (como Gula e Prazeres da Mesa). Isso criou uma

obrigação imediata de mudança da sua imagem no mercado editorial, deslocando-a para

uma nova limguagem. Seu lema, “todas as receitas testadas e com fotos”, permaneceu,

mas o envolvimento com alta gastronomia e sofisticação ganhou mais espaço.

Nesse momento entrou em vigor um design editorial mais leve, com menos fotos

e mais áreas brancas na página. Segundo a diretora de redação desse período,

Wanda Naesthler, a revista mudou seus projetos gráfico e editorial para

“adequar-se às novas necessidades do mundo da cozinha, entre elas a

busca pela sofisticação, e para ficar mais bonita e eficiente para os jovens

leitores que estava conquistando naquele momento37”.

De fato, as transformações são drásticas. A revista ganhou uma área

37.A entrevista em

questão pode ser lida no ANEXO Ideste trabalho.

Page 85: BANCA EXAMINADORA - PUC-SP

Essa imagem está na disposição clássica do projeto gráfico anterior de Claudia

Cozinha: foto e receita. Mas a foto está ocupando o espaço de uma página inteira,

com mais destaque do que observado anteriormente. Outro detalhe importante é que

a foto foi produzida para representar as cores do Brasil. Há a folha de bananeira no

fundo, a baba-de-moça amarela cobrindo o doce, o coco – um dos símbolos

da comida brasileira40, e a tapioca seca espalhada para compor a ima-

gem. Parece um quadro em homenagem ao Brasil. O símbolo fica ainda

mais caracterizado porque a matéria figura na edição de setembro, o

“mês da Pátria” no País.

Já na figura 72, do período pós mudanças editoriais e gráficas,

observamos o oposto dessa imagem simples e de fácil assimilação. Em uma

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de texto mais centralizada, aumentando espaços brancos nas bordas. As fontes de

título, antes serifadas, são todas sem serifas38. Tais estratégias visam um resultado suave

e limpo, típico do design editorial globalizado, como já vimos anteriormente. O

objetivo não é tanto despertar a fome do leitor e sim fazer nascer a necessidade de uso

da comida como símbolo da exposição. Assim começa uma proximidade entre Claudia

Cozinha e Gula e Prazeres da Mesa: mais do que servir para alimentar e ser degustada,

a comida torna-se um símbolo de status.

3.6.1. Tapioca verde-amarela: Um exemplo da transformação de Claudia Cozinha é

a comparação entre uma matéria publicada em setembro de 2002, ainda com projeto

gráfico e editorial antigo, e uma matéria de maio de 2003, mês de lançamento do

novo projeto. Na primeira imagem, a revista faz um retrato das influências da culinária

portuguesa na comida brasileira. Trata-se de um cuzcuz de tapioca coberto por um

doce de ovos, característico da doçaria de Portugal (figura 71).

38.Serifas são

pequenos traços e pro-longamentos que podem

ocorrer nas hastesdas letras.

FFiigguurraa 7711:: Claudia Cozinha, setembro de 2002, páginas 52 e 53

Page 86: BANCA EXAMINADORA - PUC-SP

reportagem sobre cocada, temos um coco, mas sua imagem não é de compreensão rápida

e direta. O fruto está na foto, mas decomposto em três imagens - em todas elas o coco

vai ficando mais próximo do leitor, assim como a cocada que está dentro dele.

Há uma proximidade visual, mas observamos também um distanciamento. A

cocada, tema da reportagem, acaba praticamente de-saparecendo no fundo branco do

coco. Não parece haver a intenção de fazer da cocada um prato apetitoso e sim de

deixá-la exposta, quase como se ela fosse uma obra-de-arte.

O layout da página foi produzido para dar uma certa sensação de vazio. É como

se a edição da reportagem disesse: “vamos falar de um prato típico do Brasil, mas não

queremos ser tão exagerados como é a nossa comida”. A página está equilibrada

visualmente, é bonita, mas não desperta o apetite. Houve uma devoração da imagem

anterior e uma redução ainda maior de suas dimensões. Baitello Jr. (s/d: 5-6) fala sobre

a perda das dimensões das imagens do mundo que vivemos:

“Verdade é que vivemos hoje sob a marcha triunfal das

realidades bidimensionais que trazem em sua alma as fórmulas abstratas

da nulodimensão: por trás de uma imagem sintética já não há sequer

uma imagem concreta e muito menos um corpo de matéria

tridimensional; há apenas o conceito abstrato de entidades numéricas,

codificações sem tatilidades.”

A passagem da comida para uma página de revista já implica, naturalmente,

em uma redução do objeto tridimensional para o espaço bidimensional. Nesse caso

há a perda do paladar e do aroma da comida, sentidos essenciais para o apetite. No

entanto, uma imagem de alimento bem sucedida deve despertar esses sentidos, fazer

uma recriação mágica deles – olhar para a figura 71 desperta o caráter mágico que

FFiigguurraa 7722:: Claudia Cozinha, maio de 2003, páginas 58 e 59

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permite prever até a textura daquela tapioca. Quando isso não acontece – quando a

cocada desaparece, como na figura 72 – imaginar seu sabor e textura e impossível e

isso pode significar que uma outra dimensão pode ter sido perdida. Flusser (2002: 7),

concordando com Baitello Jr., diz:

“O fator decisivo no deciframento de imagens é tratar-se de

planos. O significado da imagem encontra-se na superfície e pode ser

captada por um golpe de vista. No entanto, tal método de deciframento

produzirá apenas o significado superficial da imagem. Quem quiser

aprofundar o significado e restituir as dimensões abstraídas deve

permitir à sua vista vaguear pela superfície da imagem.”

Um simples primeiro olhar não é o bastante para compreender uma imagem. É

preciso buscar seus planos e camadas, como afirma Flusser. Apenas assim podemos

observar também quantas dimensões foram perdidas. Um olhar desatento sobre a

figura 72 pode afirmar que a cocada e o coco estão lá, foram representados.

Vagueando pelas três fotos da página, e com um olhar que realmente enxerga a

imagem, chega-se à conclusão de que ali está o coco, mas onde está a representação

da comida? Nesse momento o coco, além de bidimensional, é apenas papel, vivendo

em uma quase nulodimensão do espaço. E a comida não desperta a gula – é também

uma imagem que perdeu parte de sua capacidade mágica de dar vida a uma

repreentação, de tornar aquela comida (a cocada) um doce quase real.

3.7. O segundo ano de análise: novas imagensUm trecho da carta do editor da edição de maio de 2003, que marca o novo

momento de Claudia Cozinha, mostra bem a diretriz das mudanças da publicação: “As

páginas ficaram mais arejadas, mais limpas39.” Uma questão interessante nessa processo

é que as número de seções que faziam parte da revista tiveram uma grande redução e

os chapéus quase desaparecem do projeto, entre eles o já citado “Regional”. Quando da

publicação de matérias sobre comida brasileira, não há qualquer distinção editorial.

Passou a ser tarefa do design gráfico e do título da reportagem comunicar sua temática

- o que nem sempre funciona de maneira clara.

A revista, nitidamente, tenta escapar do “Segundo Mundo” das revistas

relacionadas ao mundo da cozinha e migrar para o “Primeiro Mundo”, aquele da

alta gastronomia. Justificando essa intenção, aumenta o número de matérias sobre

chefs renomados, ingredientes sofisticados, vinhos e outras bebidas. Claudia Cozinha,

nesse momento, pretende deixar o mundo da culinária e adentrar de vez o da

gastronomia, marcando sua chegada ao mundo da visibilidade, das

comidas que agregam valor status social para quem as faz e consome.

Nesse período a comida brasileira ganha outro tratamento. Podemos

observar na tabela 2 o número de vezes que esse tipo de cozinha aparece

depois dessa nova transformação do nosso objeto de estudo.

39.Claudia Cozinha,

edição deabril/maio de

2006

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Edição Tema das matériasVezes que otema surge

Mai/Jun - 2003

Set/Out - 2003

Nov/Dez - 2003

Jan/Fev - 2004

Mai/Jun - 2004

Set/Out - 2004

Jan/Fev - 2005

2

1

1

4

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1

2

Cocadas / Comida do Maranhão

A nova cozinha brasileira

Mercado Municipal de São Paulo / Comida do litoral paulistaPratos típicos versão light / Cachaça brasileira

Capa e matéria de capa: comida do interior do País

Pamonhas: doces do interior

Comidas do litoral na Bahia e pratos da Escola de Samba Portela

Comida do Império Brasileiro

TABELA 2

3.7.1. Boi-Bumbá: Logo na primeira edição desse novo projeto, a revista traz uma

matéria sobre as típicas festas juninas do Maranhão, intitulada “Boi na rua, gostosuras

no arraial”. O boi em questão trata de uma tradição ligada ao Bumba-meu-Boi, festejo

típico do Estado. O primeiro olhar para as páginas revela que a revista mudou

graficamente em um sentido: a mesmice da contigüidade de foto-receita que marcava

o projeto anterior foi abandonada, dando mais liberdade para a diagramação, que

ganhou movimento. As páginas parecem menos estáticas e há mais elementos visuais

despertando a atenção do leitor da revista.

A abertura da reportagem apresenta duas fotos do Bumba-meu-Boi e uma foto

de comida (figura 73). Há branco na página, dando leveza à mesma, mas de maneira

mais suave do que no exemplo anterior da figura 72. Observamos também uma coluna

de texto descentralizada na página da direita, o que garante um movimento não linear

a essa página. Nas páginas seguintes (figuras 74 e 75) há uma riqueza visual, quando

fotos dos pratos típicos se misturam a fotos de casarios (prédios antigos) maranhenses,

e de bebidas típicas, como o guaraná Jesus. Verificamos que o lugar foi bem marcado

e caracterizado, como no exemplo 63 e 64, das comidas mineira e goiana.

Forma-se, dessa maneira, uma imagem mais rica da cultura maranhense do que na

matéria sobre a comida alagoana. No exemplo das figuras 73, 74 e 75 a comida das festas

juninas do Maranhão é mostrada como sendo um de seus bens culturais, e não uma

atividade exótica. Esse fato pode ser visto como uma mudança acertada da revista, que

soube adequar a comida do Brasil ao seu contexto cultural. No entanto, as fotos de pratos

não são mais tão apetitosas como eram anteriormente. Um pouco desfocadas e

enfraquecidas, diminuídas de tamanho, elas não despertam a gula. Iluminou-se o folclore

maranhense, assombreando sua comida. Sobre a questão de regiões iluminadas da

imagem, Baitello Jr. (s/d: 2) diz que:

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FFiigguurraa 7755:: Claudia Cozinha, maio/ junho de 2003, páginas 70 e 71

FFiigguurraa 7744:: Claudia Cozinha, maio/ junho de 2003, páginas 68 e 69

FFiigguurraa 7733:: Claudia Cozinha, maio/ junho de 2003, páginas 66 e 67

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“A cultura das imagens (e a transformação de toda a natureza

tridimensional em planos e superfícies imagéticas) abre as portas para uma

crise da visibilidade, dificultando aqui não apenas a percepção das facetas

sombrias, mas até mesmo, por saturação, aquelas regiões iluminadas.

Assim, como toda visibilidade carrega consigo a invisibilidade

correspondente, também a inflação e a exacerbação das imagens agrega

um desvalor à própria imagem, enfraquecendo sua força apelativa e

tornando os olhares cada vez mais indiferentes, progressivamente cegos,

pela incapacidade da visão crepuscular e pela univocidade saturadora das

imagens iluminadas e iluminadoras.”

São as iluminações de algumas imagens que fazem outras ficarem na escuridão.

Imagens da cultura, embora tridimensionais, em geral podem perder a disputa inicial

para as imagens midiáticas, bidimensionais, que possuem um poder de ação mais

abrangente. Afinal, o bidimensional pode ser transportado para qualquer lugar e o

tridimensional não.

No entanto, a mídia, aqui representada por Claudia Cozinha, não pode ser

acusada taxativamente de estar deturpando a comida brasileira. Em muitos casos,

como no exemplo acima, ela faz o papel oposto: valoriza essa cozinha, mostrando as

suas relações culturais com o universo que a cerca. Mas é a mídia também que difunde

uma visão de que as imagens da alta gastronomia são aquelas mais adequadas para o

consumo, fazendo com que veículos editoriais pareçam sempre iguais e busquem o

mesmo objetivo: ser uma revista ligada aos padrões estéticos – que sobrepujam os

padrões e gostos alimentares – de uma cozinha chique, que não valoriza os traços

culturais de cada tipo diferente de cozinha.

No entanto, isso não é regra e é preciso lembrar que a cultura se altera

continuamente, criando novos textos, em explosões que podem modificá-la ou não.

Lotman (1996: 101) fala a respeito da dinâmica de transformação dos sistemas culturais:

“Al observar los estados dinámicos de los sistemas semióticos,

podemos notar una curiosa particularidad: en el curso de un lento y gra-

dual desarrollo el sistema incorpora a sí mismo textos cercanos y fácil-

mente traducibles a su lenguaje. Em momentos de explosiones cultura-

les (o, en general, semióticas), son incorporados los textos que, desde el

punto de visto del sistema dado, son los más lejanos y intraducibles.”

Quando verificamos tais explosões na mídia revista, podemos observar que o uni-

verso desse tipo de publicação relacionado à cozinha é amplo e capaz de representar

tanto o momento mais tradicional, como o da festa de Boi-Bumbá do Maranhão e suas

comidas típicas, quanto o moderno, aquele representado pelo design leve da revista

naquele momento. A cultura gera explosões e uma delas foi essa inovação no design grá-

fico da revista que se alinha melhor com a representação das festas populares do Brasil.

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3.7.2. Nova cozinha brasileira: A modificação da comida brasileira enquanto um

sistema dinâmico da cultura pode ser observada tanto na seção “Tempero do Chef”

quanto na matéria “A nova cozinha brasileira”, da edição de setembro/outubro de 2003

de Claudia Cozinha. Na primeira, o chef Alex Atala oferece aos leitores da revista uma

receita com ingredientes regionais. Regionais sim, mas com uma nova imagem, distante

do estereótipo da comida brasileira que, em geral, é trabalhado na mídia (figura 76).

A foto trabalha ingredientes típicos como o quiabo e o queijo-coalho com um

toque francês, pois o prato lembra aqueles das revistas Gula e Prazeres da Mesa: a dispo-

sição dos elementos na foto é linear, não há sobrepoisções e a decoração da receita lem-

bra pratos de alta gastronomia. Podemos dizer que é uma receita de ingredientes bra-

sileiros com modo de preparo e apresentação extraídos da cozinha francesa.

Esse movimento de incorporação de uma estética francesa – de pratos

organizados, que fogem do hábito nacional de misturar alimentos no mesmo prato –

tem sido uma constante entre os chefs de cozinha que trabalham no Brasil, muitos

deles estrangeiros. Alguns tentam adequar características francesas a pratos típicos do

Norte e Nordeste, adaptando seus ingredientes e o modo de fazer suas receitas.

Ao contrário da culinária francesa, milimetricamente calculada e disposta nos

pratos antes de ser degustada, onde os ingredientes mal se tocam, o brasileiro junta

arroz, feijão, carne, salada em um só prato e come tudo ao mesmo tempo. Essa é uma

nota marcante, que deriva justamente da formação cultural e histórica do Brasil – da

hibridização que marca nossa complexa formação sócio-histórica e cultural.

Ainda na mesma edição de Claudia Cozinha, a matéria “A nova cozinha brasileira”,

assim como a seção “Tempero do Chef”, não parece tratar da comida do Brasil. Ela

oferece, na verdade, uma imagem diferente desta comida. A figura 77 traz um Canapé

de mandioca com folhas de mostarda e camarão defumado, um prato que parece, em um

primeiro momento, lembrar também a cozinha francesa e não a brasileira.

FFiigguurraa 7766:: Claudia Cozinha, julho/ agosto de 2003, páginas 32 e 33

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iirraaA imagem traz um único canapé no foco de uma grande foto (com outras canapés

iguais no fundo, este já desfocado), que não desperta nenhuma gula, visual ou gustativa.

É apenas uma imagem ilustrativa e não qualifica qual é a gastronomia que está sendo

retratada. Na página seguinte, o resultado é melhor, ainda que também um pouco

distante da exuberância que se pode esperar da comida típica brasileira. A foto do

Surubim ao molho de hortaliças e purê de banana-da-terra traz um prato passível de se

encontrar na alimentação nacional (figura 78).

A compreensão e a expectativa de ver imagens da nossa cozinha típica influí

diretamente no processo comunicativo entre leitor e veículo. Lotman (ibidem: 89) diz:

“En la compreensión actual del texto, éste deja de ser un portador pasivo del sentido,

y actúa como un fenómeno dinámico, internamente contradictorio.” É esse dinamismo

entre autor e receptor faz da revista de gastronomia um sistema complexo, que emite

e troca informações constantemente com todo o universo da cultura.

FFiigguurraa 7777:: Claudia Cozinha, setembro/outubro de 2003, páginas 76 e 77

FFiigguurraa 7788:: Claudia Cozinha, setembro/outubro de 2003, páginas 78 e 79

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3.7.3. Os mercados: Quando falamos em gastronomia brasileira é sempre necessário

que se leve em consideração a diversidade de culinárias do País. A edição de

janeiro/fevereiro de 2004 de Claudia Cozinha traz a reportagem “Babel de Sabores”,

que tem como protagonista o Mercado Municipal de São Paulo, um dos mais

representativos mercados do país.

Nicolás Guillén afirma que “conhecer uma cidade é conhecer o mercado”. O

mercado que ele cita é o aquele municipal, que representa e apresenta as cores, os

aromas, os produtos típicos de cada cidade, os objetos que a particularizam. Rennó

(2002: 97) complementa:

“O mercado é o espaço da desfamiliarização, é a oportunidade

de se viver uma experiência conhecida como se fosse a primeira vez. (….).

O espaço regulado do supermercado, cria uma idéia de magreza, de

espaço em contenção. O mercado, por outro lado, é um espaço gordo,

expandido, de sobreposição de camadas de elementos, de exuberância

de formas.”

Na figura 79, logo verificamos uma complexidade visual que remete ao espaço

de sobreposição de elementos que se espera de um mercado. Mostrando os diversos

produtos que ali podem ser adquiridos, como frutas, peixes, carnes, queijos e os bares,

restaurantes e personagens do local, a matéria compõem um mosaico que representa

midiaticamente a riqueza do lugar . Mas que não suplanta uma experiência ao vivo no

local, carregado por imagens mais complexas, mas de maior dificuldade de tradução.

Olhar a revista oferece um pré-conhecimento sobre a imagem do Mercado

Municipal de São Paulo. Já ir pessoalmente até ele é uma experiência complexa,

exaustiva, mas rica, a que muitos, por preguiça visual e de assimilação e pelo torpor

provocado por um mundo contemporâneo marcado pelo excesso de informações, não

se permitem. É mais fácil se contentar com a assimilável superfície pequena da revista,

FFiigguurraa 7799:: Claudia Cozinha, janeiro/feveriro de 2004, páginas 36 e 37

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lidar com o mundo das imagens bidimensionais. E, dessa maneira, cair mais uma vez

na nulodimensão, quando não se tem uma experiência real, tridimensional, que

sempre é mais rica culturalmente.

O exemplo da figura 79 mostra um lugar rico em elementos culturais típicas da

nossa cozinha, e de outras de todo o mundo, que deve ser visitado. E as páginas da

rveista oferecem um bom convitre para essa ação, ao mostrar a diversidade de

ingredientes que ali podem ser encontrados.

3.7.4. Cozinha brasileira light: Outra matéria curiosa edição de janeiro/ fevereiro de

Claudia Cozinha e que promove o mesmo confronto entre real e sua representação

midiática (bidimensional e tridimensional) é “Mungunzá Light?”. Essa reportagem

propõe um novo modo de preparo que deixe mais leves, do ponto de vista calórico,

pratos típicos do Brasil como o mungunzá, feijão tropeiro e pudim de tapioca.

Em tempo de preocupação com a saúde e a boa forma, muitos locais de tradição

FFiigguurraa 8811:: Claudia Cozinha, janeiro/fevereiro de 2004, páginas 62 e 63

FFiigguurraa 8800:: Claudia Cozinha, janeiro/fevereiro de 2004, páginas 60 e 61

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doceira como Nordeste, não mais oferecem com facilidade doces típicos, como Bolo-de-

Rolo ou Souza Leão. Isso acontece porque essas iguarias são consideradas doces pesados

e muito calóricos. A intenção da revista, provavelmente, é reinserir esses pratos no

cotidiano dos leitores que os apreciam, mas que não podem ou não querem comê-los –

e que ficam, assim, escravos de um outro tipo de comida, que não é mais aquele típica

que gostariam de experimentar. É preciso ser light, mesmo que isso tire o sabor dos

alimentos. Barbero (ibidem: 229) fala sobre essa mudança da cultura em face de

motivações sociais:

“E o lugar da cultura na sociedade muda também quando os

processos de globalização econômica e informacional reavivam a

questão das identidades culturais – étnicas, raciais, locais, regionais – até

o ponto de convertê-las em dimensão protagonista de muitos dos mais

ferozes e complexos conflitos bélicos dos últimos anos, ao mesmo tempo

em que essas mesmas identidades, mais as de gênero e as de idade estão

reconfigurando a fundo a força e o sentido dos laços sociais e das

possibilidades de convivência no nacional.”

A busca por novas maneiras de tornar a convivência entre nacional e o global

possível é explicitada na matéria, quando os pratos típicos se dobram a valores do mundo

contemporâneo, como o desejo de magreza. No entanto, a imagem deles na revista não

evidenciam se são lights ou não – se não fosse o texto, não haveria como saber dessa

característica. Já que o bidimensional abstraí a dimensão do paladar e do aroma, a

imagem do mungunzá, do pudim e do feijão despertam a gula da mesma maneira que

pratos comuns fariam. Somos traídos, assim, pela magia das imagens, que não nos

mostram que aqueles pratos são diferentes dos pratos tradicionais que conhecemos e que

podem habitar nosso imaginário (figuras 80 e 81).

3.7.5. Cozinha do samba: Inspirada em um livro que aborda a Velha Guarda da Escola

de Samba Portela e sua tradicional cozinha, as páginas da edição janeiro/fevereiro de 200

começam a transmitir essas tradições na abertura da reportagem, mas a promessa não se

cumpre na sequência da matéria. Um prato de galinha com quiabo no canto direito e

desenhos que lembram o carnaval, como as letras que parecem dançar no título e o

pandeiro que ilustra discretamente o abre, dão a impressão inicial de que a reportagem

mostrará esse universo, que também envolve sua cozinha (figura 81).

O imaginário de riqueza cultural e visual que cerca o carnaval carioca e, por

cpnsequência, a velha guarda das escolas de samba, não é observado na imagem

composta pelas páginas da revista. A culinária típica que é preparada nos morros cariocas

fica comprometida nas fotos simples, que não caracterizam o seu lugar de origem.

As escolas de samba do Rio de Janeiro são conhecidas também por oferecer ao

público uma cozinha exuberante, com pratos típicos como feijoada e frango com

quiabo, entre muitos outros. Essa cozinha é sempre acompanhada por tradicionais

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iirraarodas de samba, o que remete a um imaginário de muitos símbolos da estereotipada

exuberância que cerca a imagem do Brasil. Mas a matéria de Claudia Cozinha, com o

título “Carnaval na Cozinha”, não cumpre o que promete. As comidas vistas nessas

páginas são simples, não remetem à folia, até visual, do Carnaval. E a linearidade da

diagramação dessas páginas comprova esse estilo tradicional.

As páginas da matéria foram diagramadas da mesma maneira: foto, receita ao

lado e história de uma das personagens, com sua foto, embaixo (figura 82). A única

exceção é o abre, que traz uma foto aberta em página inteira. E trata-se da única imagem

que, de fato, lembra o carnaval carioca, pois mostra um braço de um violão. Mas é um

detalhe tímido, quase inexistente. Podemos dizer que a revista perdeu uma boa

oportunidade de associar a série cultural da música – inerente a um fenômeno como o

carnaval – a cozinha do morro carioca. Essa associação poderia ter deixado a página mais

rica visualmente e a representação da cultura daquele local, mais complexa.

FFiigguurraa 8833:: Claudia Cozinha, janeiro/fevereiro de 2005, páginas 64 a 65

FFiigguurraa 8822:: Claudia Cozinha, janeiro/fevereiro de 2005, páginas 62 e 63

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iirraa3.7.6. Cozinha de litoral: Na sequência imediata da matéria sobre as comidas da Portela

na edição de janeiro/fevereiro de 2005 de Claudia Cozinha, temos uma reportagem sobre

a comida do povoado litorâneo de Barra Grande, na Bahia. Ao contrário do exemplo an-

terior, a revista consegue representar de maneira mais fiel a imagem de um lugar típico

e ainda rústico, com boa comida, mas muito distante do mundo da alta gastronomia.

Essa comida já pode ser apreciada logo na abertura, quando vemos um prato de

moqueca de peixe e, ao lado, uma bela praia da região. Nas quatro páginas seguintes,

detalhes de pessoas e lugares de Barra Grande, além de pratos apetitosos visualmente,

como a Carne salgada com pirão de leite. As fotos despertam tanto a gula pelos pratos

quanto pelo lugar. A revista resvala no estereótipo que combina lugares paradisíacos com

boa comida, plenamente devorado por Claudia Cozinha nessa matéria – que pode

corresponder ou não à realidade, dependendo do local em questão (figuras 84 e 85).

Flusser (ibidem: 20), sobre imagens técnicas, como as das revistas, afirma:

FFiigguurraa 8855:: Claudia Cozinha, janeiro/fevereiro de 2005, páginas 72 a 73

FFiigguurraa 8844:: Claudia Cozinha, janeiro/fevereiro de 2005, páginas 70 e 71

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“O caráter aparentemente não simbólico, objetivo, das imagens

técnicas faz com que seu observador as olhe como se fossem janelas e não

imagens. O observador confia nas imagens técnicas tanto quanto confia

nos seus próprios olhos. Quando critica as imagens técnicas (se é que as

critica), não o faz enquanto imagens, mas enquanto visões do mundo.”

Imagens como as da comida de Barra Grande e as do mercado municipal de São

Paulo são janelas para o mundo, para que conheçamos as diferentes comidas do Brasil.

Nesse momento, Claudia Cozinha preocupava-se em oferecer essas janelas ao leitor,

ainda que adaptando muitas delas a padrões “estranhos” da nossa cultura, como os

princípios da alta gastronomia. Mas é preciso observar que a revista oscilava muito,

sem conseguir entrar completamente no “Primeiro Mundo”, como era sua intenção

nítida na primeira edição do novo projeto gráfico e editorial, em maio de 2003.

Como essa passagem para o universo da completa sofisticação gastronômica

não se concretizou, a revista mudou novamente na edição de março/abril de 2005.

Importante observar que essa foi uma edição de trânsição e que a mudança real se

daria na sequência. Veremos a seguir como se deu essa transformação e como foi

trabalhada a representação da comida brasileira nesse novo momento.

3.8. O terceiro ano de análiseNa edição de março-abril de 2005, Claudia Cozinha passou novamente por uma

grande reforma. Toda a sua redação foi demitida em fevereiro de 2005 e uma nova

equipe foi contratada na sequência. O processo de transformação da revista começou

já naquela edição, mas foi consolidado apenas na edição de julho de 2005, quando a

publicação voltou também a ter periodicidade mensal.

Segundo a diretora de redação na ocasião, Gisella Tognella40, Claudia Cozinha

mudou porque “vinha perdendo terreno para outras revistas, tanto as de alta

gastronomia, como Gula e Prazeres da Mesa, quanto para as ‘revistas-talebans’, que

dominam 50% do mercado editorial hoje”. A denominação é infor-

malmente adotada dentro da Editora Abril para designar revistas como

aquelas citadas anteriormente da Editora Online e da Casa Dois

Editora, que com seu formato simples e muitas receitas, são vendidas

a R$ 2 ou R$ 4, em média, criando uma competitividade acirrada para os

produtos Abril. Afinal, os produtos não empresa têm custo de produção

muito mais alto e não conseguem ser vendidos por esses valores.

3.8.1. Feijoada na revista: A primeira edição dessa nova fase, a de março/abril de

2005, teve apenas uma parte do projeto alterado. Em relação à comida brasileira,

naquele mês Claudia Cozinha trouxe uma matéria sobre o mais famoso prato

brasileiro, a feijoada. Tratava-se de uma reportagem sobre o modo de fazer o prato e

seus acompanhamentos. A matéria é leve, bonita e bastante equilibrada, sem deixar

de oferecer ao leitor uma imagem vigorosa e colorida desse prato.

40.A entrevista em

questão pode ser lida no ANEXO IIdeste trabalho.

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Na dupla de abertura, uma feijoada fumegante desperta o sentido do olfato e

quase podemos sentir o cheiro do prato cozinhando. Nas próximas quatro páginas,

vemos o prato na mesa com seus diversos acompanhamentos. A composição visual da

reportagem passa uma sensação de frescor, de uma feijoada que pode ter sido

preparada no campo, em um agradável tarde ensolarada (figuras 86 e 87).

Claudia Cozinha enfatiza nessa matéria, sua preocupação, sem-pre citada pelos

seus diretores, de oferecer possibilidades de receber bem. Ao mostrar a imagem da

tradicional feijoada com elementos que lembram uma reunião de amigos, distante

dos botecos onde o prato é comumente preparado, a revista cria uma nova imagem

da feijoada, sofisticando-a, mas não a ponto de fazer uma “releitura” gastronômica

do prato. É a construção de uma realidade ligeiramente distante daquela do

imaginário coletivo, a de feijoada comida em lugares públicos e animados. Mas não se

modifica o modo de cozinhar a feijoada, e sim a maneira de representá-la na revista,

construindo uma nova imagem deste prato. Sobre a capacidade da mídia em construir

realidades, Guimarães (2003: 161) diz:

FFiigguurraa 8866:: Claudia Cozinha, março/ abril de 2005, páginas 34 e 35

FFiigguurraa 8877:: Claudia Cozinha, março/ abril de 2005, páginas 36 e 37

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“A percepção e a captação de dados da realidade, selecionados,

interpretados e traduzidos em outros códigos para o devido

armazenamento e transmissão acabam por justificar o termo “realidade

construída”, utilizado com freqüência para designar a natureza da

realidade na mídia.”

Ainda sobre o prato, podemos fazer uma comparação entre essas imagens e as

de Gula (figuras 24, 25 e 26), vistas no capítulo 2 deste trabalho. A feijoada de Gula

era completamente descontextualizada de ambiente. A revista mostrou apenas como

preparar o prato, sem ligar sua imagem a de alguma comemoração tipicamente

brasileira. Já Claudia Cozinha não exlcluiu esse caráter de prato que agrega, reúne

pessoas a sua volta, ainda que tenha colocado a feijoada em um ambiente mais

sofisticado. Esses dois modos distintos de trabalhar a imagem de um mesmo prato

típico mostram claramente as diferenças de representação da comida brasileira que são

adotadas por essas revistas. No quarto capítulo deste trabalho veremos mais

detalhadamente essa questão.

A primeira observação sobre a nova fase de Claudia Cozinha é que a

identificação com a alta gastronomia aumentou muito, começando já no novo lema

da revista, “O prazer da gastronomia na sua vida”, que substitui o antigo “Todas as

receitas testadas e com fotos”. Já com a imagem construída ao longo das anos de

credibilidade acerca de suas receitas, a revista mudou seu lema, que agora volta-se

para a necessidade de usar o conceito gastronomia para se posicionar de maneira

competitiva no mercado editorial.

Além do novo lema, Claudia Cozinha também passa a agregar nessa edição um

novo elemento: dicas de vinhos que harmonizam sabores com as receitas oferecidas. Essas

dicas agregam valor à revista, incluem-na em um mundo mais sofisticado, distante da

culinária – ainda que esse o projeto anterior se preocupasse em mostrar uma certa

sofisticação, o discurso da revista nesse novo momento é ainda mais contundente. O

mundo dos vinhos, exclusivo e excludente, é perfeito para marcar essa nova imagem.

No entanto, o diagramação da revista seguiu caminho inverso, abandonando o

estilo clean, com muitos brancos e fontes sem serifa do projeto anterior, e investindo

em um projeto mais pesado. Observamos o uso de muitas cores, imagens maiores,

fontes coloridas e outros elementos visuais. Todo esse rebuscamento visual gera

imagens mais complexas, que demoram mais a ser lidas e que compõem um paradoxo.

Afinal, se afastam muito das páginas de Gula e Prazeres da Mesa, dando a entender

que Claudia Cozinha tem uma inteção superficial de entrar no mundo da alta

gastronomia, pois a imagem construída passa longe desse desejo.

3.8.2. Belém do Pará: Um exemplo dessa mudança é a seção Viagem Gastronômica

(figuras 88 e 89) da edição de julho de 2005. Seção fixa na revista a partir da edição

de maio/junho do mesmo ano, ela sempre traz a experiência de um chef em uma

viagem a lugares reconhecidos por sua importância no mundo da gastronomia. O

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exemplo citado traz o chef Olivier Anquier, um francês radicado no Brasil, em visita ao

Mercado Ver-o-Peso, localizado no Estado do Pará.

O local é reconhecido por ter uma exuberância particular de cores, sabores e

ingredientes típica da região Norte do Brasil. A intenção da reportagem é ver o

profissional da alta gastronomia descobrindo essa face da comida brasileira. Na

representação dessa viagem a revista investe em uma mistura de sofisticação e

elementos típicos. A sofisticação é vista no uso de fotos em preto e branco, que dão

leveza às paginas. Já os elementos típicos da cozinha paraense, considerada uma das

mais tradicionais do Brasil, podem ser vistos permeando todas as imagens. Mais uma

vez podemos observar um caráter de exoticidade nessa representação. Afinal, é o chef

francês visitando um lugar que é extranho até para o restante do nosso País.

Observamos que a nova imagem de Claudia Cozinha é aquela que busca, mais do

que as imagens dos projetos anteriores, o desejo de “ser visível e existir no mundo”. Em

um universo que valoriza a sofisticação e a busca pelo status a qualquer preço, a tentativa

da revista é alcançar, mais do que nunca, esse mundo, sofisticando seu conteúdo, mas

criando uma imagem visual que chame a atenção do leitor diretamente.

FFiigguurraa 8888:: Claudia Cozinha, agosto de 2005, páginas 18 e 19

FFiigguurraa 8899:: Claudia Cozinha, agosto de 2005, páginas 20 a 21

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No entanto, vemos também que o design editorial da página não acompanha

a mesma sofisticação. Quase não há brancos, todos os espaços são preenchidos por

textos ou fotos. As páginas acabam dando a entender que trata-se de uma matéria de

turismo e não de cozinha. Afinal, nenhuma das fotos desperta a gula de comer algo

do que ali é mostrado. Desperta sim a vontade de ir àquele lugar.

Essa matéria faz aparecer um elo muito comum, que explica a imagem que

temos ainda hoje da comida típica brasileira: sua ligação com o turismo. Nas capitais

litorâneas do Nordeste, a comida de turista é uma, baseada em peixes e moquecas, e

da população é outra, baseada na carne-seca e farofa, por exemplo. Vende-se uma

imagem que não corresponde exatamente à realidade. Naquelas páginas, a realidade

de Belém parece ser a de um lugar onde a comida não importa, o que não é verdade.

Aqui turismo se alia à gastronomia, e os dois deveriam se integrar como textos da

cultura. Azambuja (2001:1) considera que:

“A gastronomia como um produto, ou mesmo um atrativo de

uma determinada localidade, é bastante interessante e importante do

ponto de vista turístico, pois apresenta novas possibilidades, na

verdade, não tão novas, mas nem sempre bem exploradas, que são as

diversas formas de turismo voltadas para as características

gastronômicas de cada região.”

Claudia Cozinha, nessa matéria, fez a associação pretendida entre os dois, sistemas

da cultura, gastronomia e turismo, mas nos parece nítido que o segundo acabou

ganhando maior destaque. Essa é uma tendência da seção “Viagem gastronômica”, que

acaba iluminando o turismo em detrimento da cozinha visitada.

É nítido, nesse momento, que a revista se mantêm, no “Segundo Mundo” das

revistas ligadas ao universo da cozinha, embora tenha adotado o lema da

gastronomia. Afinal, ao mesmo tempo que sofistica a viagem de um chef francês ao

FFiigguurraa 9900:: Claudia Cozinha, maio/ junho de 2005, páginas 30 e 31

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Brasil tradicional, traz elementos típicos das revistas de receita, como a seção “Cozinha

Prática” (figura 90). Nela temos uma foto e uma receita por página, numa composição

simples, que cumpre a tarefa de manter o público mais fiel ligado à revista, oferecendo

receitas. Mas vemos um exagero visual que não compõe de maneira harmônica com

os desejos de sofisticação de Claudia Cozinha.

Paradoxalmente a revista se apropria de um conteúdo sofisticado, erudito, mas

com um formato mais popular, que remete mais à culinária do que, talvez, a publicação

gostaria que ocorresse. Assim, Claudia Cozinha assume um projeto editorial com toques

mais refinados, formato popular e conteúdo que oscila entre as duas fronteiras.

Em relação ao tema desse estudo, a comida brasileira, a revista, no período do

corpus analisado, não deixou claro se haverá um espaço fixo para essa cozinha. A comida

típica é vista em alguns momentos, mas há, como em Gula e Prazeres da

Mesa uma nítida tendência que aponta para a “releitura” de pratos

típicos. A diretora de redação da revista, Gisella Tognella41 afirma que,

em 2006, a revista passará a dedicar mais espaço para o tema, mas o

fato ainda não foi observado no período subsequente ao do corpus

deste trabalho. Vemos na tabela 3, as matérias que foram produzidas

sobre comida brasileira nesse período. E, na sequência, trabalharemos o exemplo mais

significativo desse período – ao lado da “Viagem Gastronômica” no Pará – sobre a

representação da comida brasileira.

3.8.3. Brasil com sotaque francês: Na edição de agosto de 2005, Claudia Cozinha

traz na seção “Sugestão do Chef” pratos típicos da França e Itália que recebem

temperos do Brasil. Assim, a Tarte Tatin, a mais conhecida sobremesa francesa, ganha

como acompanhamento sorvete de coco, sabor bastante brasileiro. E a polenta, prato

italiano por excelência, é preparada com carne-seca e couve, uma combinação

tradicionalmente brasileira (figuras 91 e 92).

O estranhamento aqui fica por conta do fato de que a imagem desses pratos

não se parece em nada com aquelas que habitam nosso imaginário. São pratos

dispostos visualmente de maneira linear e com comidas que se assemelham a pratos

franceses. Há receitas, como o Confit de Marreco com Galette de Batata que possuem,

41.A entrevista em

questão pode ser lida no ANEXO IIdeste trabalho.

Edição Tema das matériasVezes que otema surge

Mar/Abril - 2005

Jul - 2005

Ago - 2005

Set - 2005

1

2

2

1

Feijoada

Belém do Pará/ Seção “Última Pitada” sobre comida da “roça”

Cachaça brasileira e seus usos na gastronomia nacional

Tempero Tupiniquim: temperos brasileiros/ Belém do Pará

TABELA 3

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na sua preparação, cogumelos shitake e shimeji, vinho do Porto, nozes, mas nenhum

ingrediente tipicamente brasileiro.

A reportagem prometia toques nacionais, mas os deixou de lado, em uma

demonstração de que a revista pretende, mais do que nunca, alcançar o “Primeiro

Mundo”das revistas de cozinha. No entanto, como esse desejo é bastante contraditório,

a imagem dessa matéria já faz parte do novo paradigma da revista: o de uma cozinha que

se pretende mundializada, mas com um design que lembra a culinária. Nas figuras 91 e

92, a comida está pronta para ser servida. Até parece estar próxima de qualquer dona-

de-casa. Mas não está. Seus nomes e preparos mais complexos a aproximam sim do

mundo dos chefs de alta gastronomia, embora a imagem construída pelo design das

páginas lembre as receitas da seção “Cozinha Prática (figura 90).

De acordo com Tognella, esse novo design gráfico visa dar cor aos pratos

representados em Claudia Cozinha, torná-los mais interessantes para os leitores,

mostrando o mundo da comida como um universo rico, visual e culturalmente. A

imagem da comida nas páginas leves do projeto gráfico anterior, segunda ela,

FFiigguurraa 9911:: Claudia Cozinha, agosto de 2005, páginas 30 a 31

FFiigguurraa 9922:: Claudia Cozinha, agosto de 2005, páginas 32 e 33

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distanciavam o leitor da comida. Não é o que observamos em muitos casos. A nova

espacialização visual da revista parece criar outros canais além da comida, muitas vezes

distanciando-a do objetivo de despertar o apetite do leitor.

No entanto, é necessário deixar claro que esse novo projeto ainda está em

mutação e, da mesma maneira que representa a comida típica do Brasil, também a

transforma. Hoje, no mundo das imagens eletrônicas, quando a gastronomia é signo

de status e muitos pretendem que esse símbolo faça parte de suas vidas, o poder das

imagens da comida sobre os pratos reais de qualquer cozinha não é fato que possa ser

deixado de lado.

Trabalhamos nessa análise de Claudia Cozinha com critérios de visibilidade,

segundo conceito de Ferrara (ibidem: 101):

“Propõe-se uma distinção do visual criando-lhe duas categorias:

visualidade e visibilidade. A visualidade corresponde à constatação visual

de uma referência e, mais passiva, limita-se ao registro decorrente de

estímulos sensíveis. A visibilidade, ao contrário, é propriamente

semiótica, pois é compatível com cognição perceptiva como alteridade

que caracteriza e desafia a densidade sígnica.”

Assim, analisamos as páginas de Claudia Cozinha e suas inferências com os fenô-

menos culturais da alimentação brasileira, considerando-as imagens representativas

dessa comida e comparando-as com as imagens narrativas criadas pelo trabalho do

escritor Gilberto Freyre. A seguir veremos como as imagens do objeto de estudo, quan-

do postas ao lado das revistas Gula, Prazeres da Mesa e Menu, estabelecem critérios

de representação da comida brasileira na mídia especializada em revistas.

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Após o longo percurso que nos trouxe dos primórdios da alimentação humana

até a contemporaneidade da sociedade da informação e da visibilidade, passando

pelas imagens narrativas da comida brasileira criadas por Gilberto Freyre, temos

algumas considerações finais a fazer. Tanto para amarrar “pontas” da pesquisa que

possam ter se soltado, quanto sobre os caminhos da culinária e da gastronomia no

Brasil e no mundo.

Analisar revistas relacionadas ao universo da cozinha é um prazer, tanto pessoal

quanto acadêmico. O assunto fascina, devora e prende o próprio pesquisador. As infor-

mações sobre o tema são muitas, em um bombardeio contínuo que às vezes dispersa e

causa uma fuga do tema central de estudo. Esta pesquisa poderia ter enfocado diversos

tipos da comunicação relacionados à cozinha, como programas de TV, encartes de

jornais, escolas de gastronomia e muitos outros. A opção pela revista veio da paixão

pessoal da pesquisadora e pelo julgamento de que esta é uma das mídias preferidas

pelo público que se interessa pela cozinha e pelas suas variadas linguagens.

Também a abordagem da alimentação como texto da cultura – que vê sua

importância ganhando reconhecimento – é de uma riqueza ímpar e uma estrada com

vários caminhos. O assunto pode ser analisado sob o ponto de vista histórico,

sociológico e, especialmente, antropológico, entre tantos outros. Optamos pelo

enfoque midiático, o da constituição de imagens na mídia impressa. Por isso deixamos

de lado autores fundamentais para a análise da cozinha enquanto texto da

antropologia, como Claude Lévi- Strauss, autor de O Cru e o Cozido, obra fundamental

dos estudos da alimentação no mundo. Para fazermos uma eficiente abordagem

antropológica acreditamos que a pesquisa de mestrado não é suficiente, por isso

optamos por deixar o trabalho do Strauss para um futuro estudo de doutoramento.

Roland Barthes, outro teórico importante, que abordou a cozinha no livro

Mitologias, também foi preservado para uma pesquisa futura, que se tornará um

caminho natural. Antes, gostaríamos de tecer algumas conclusões finais sobre a

pesquisa aqui realizada.

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As imagens de Freyre e a pesquisa em alimentaçãoAté os dias de hoje as imagens narrativas criadas por Gilberto Freyre são

marcantes no imaginário simbólico do Brasil. Em muitos exemplos anteriores vimos a

força descritiva delas e o poder que possuem de criar estereótipos a respeito dessa

comida, sendo que apenas parte deles correspondem à realidade – uma verdade do

estereótipo é que, de fato, a comida do interior do Brasil é muito mais apegada a suas

raízes históricas do que a das capitais –, mas também suscita equívocos. Um exemplo

é a sua confluência com o turismo, que pode ser observada quando um viajante vai ao

Nordeste em busca de uma moqueca típica de fotos de agência de viagem. De-

pendendo do estado visitado, ele se decepcionará. Na Paraíba, por exemplo, os pratos

realmente típicos são os de carne-de-sol e de carne de bode.

Esse estereótipo é, algumas vezes, uma armadilha para as revistas de cozinha.

Vimos em Claudia Cozinha que sua aposta é representar a cozinha brasileira

resvalando, às vezes, nesse tipo de representação. Mas o que de fato nos incomoda é

o olhar que a mídia tem sobre essa comida. Sempre o olhar do exótico, de

perplexidade ante ao que parece, mas não deveria ser uma novidade. Isso identifica a

falta de identidade dos nossos produtos editoria. Particularmente falando das revistas

brasileiras, elas copiam padrões internacionais e quando tentam adequá-los a textos

da cultura nacionais, como a cozinha, podem acontecer ruídos que não traduzem essas

imagens como autenticamente brasileiras. Aqui vistas pelo olhar da tradução, é claro.

Gilberto Freyre, em seu trabalho com a alimentação, foi um pioneiro, seguido

por nomes como Câmara Cascudo e hoje por pesquisadores que tentam ainda, dar o

devido espaço e respeito merecidos para essa área de estudos. A pesquisa sobre a comida

brasileira tem avançado e várias frentes estudam-na em todo o território nacional. Mas

ainda há um longo caminho para que o Brasil conheça, de fato, a sua cozinha.

As revistas de cozinha no nosso imaginário simbólicoConsideramos que a nossa hipótese inicial, de que a comida brasileira contamina

sua representação na mídia e vice-versa, realmente se comprovou. Pelas categorias de

análise desenvolvidas no capítulo 4, podemos observar que, muitas vezes, a comida é

devidamente adequada aos padrões de determinada publicação, como é o caso das

releituras feitas por Gula e Prazeres da Mesa e pelos diversos percursos editoriais de

Claudia Cozinha.

Claudia Cozinha, aliás, se revelou um excelente objeto de estudo, pois é uma obra

em constante mutação. Em apenas três anos e meio de análise do corpus proposto, a

revista passou por três grandes transformações, o que não é comum em grandes títulos.

Ela parece ainda estar se adequando aos novos rumos tomados pela cozinha brasileira,

que precisou se adaptar ao conceito de alta gastronomia e se “reinventar”. A grande

dificuldade da revista, assim como a da nossa cozinha, é encontrar um equilíbrio entre

suas raízes e o que a era da visibilidade pede, para atender ao público leitor que busca,

ávido, por mais informação na área de gastronomia. Público este que, caso não encontre

o que deseja em uma publicação, certamente irá procurar outra que o satisfaça.

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A transformação da comida em objeto de desejo trouxe várias implicações

midiáticas. Não basta representar uma comida típica da maneira que ela é feita no

interior de um estado como Goiás, por exemplo. Ela precisa ser iluminada,

transformada em produto de consumo. Esse é o trabalho, principalmente, das capas

de revistas de cozinha, que precisam vender um prato apetitoso na sua capa, assim

como as revistas femininas vendem o corpo de uma mulher. É preciso despertar no

leitor o desejo de ter aquele objeto, seja o prato ou o corpo.

Esse fenômeno implica em duas frentes: no desejo de visibilidade da vida

contemporânea, quando ser visto jantando em um restaurante da moda é condição

fundamental para “ser alguém” na sociedade; e na iconofagia das imagens, quando

elas se devoram continuamente para se adequar a essa nova necessidade das pessoas.

A imagem midiatizada e bidimensional da revista devora a imagem

tridimensional do prato consumido na vida real e o retransforma, compondo camadas

desse texto da cultura. Concluímos também com esse processo que a iconofagia das

imagens da cozinha do Brasil é ainda mais rica por se tratar de um texto de uma cultura

híbrida, repleta de confluências e miscigenações, que a carregam de salutar

complexidade.

Por esse motivo, a análise de tal “devoração” não é simples, implica no estudo

dessas camadas e impossibilita uma categorização rígida. Consideramos que nosso

objeto de estudo, a revista Claudia Cozinha, está em contínua mutação e não

comporta integralmente essa categorização. Mas a análise desenvolvida no capítulo 4

se mostrou necessária para não deixar um vazio comparativo entre a representação da

comida brasileira em Claudia Cozinha e a realizada por outros títulos importantes do

mercado. Essa qualificação é importante para entendermos como o objeto de estudo

se comporta frente a seus concorrentes, o que influencia a sua maneira de se

apresentar ao leitor.

Nossa intenção foi verificar como a gastronomia está se impondo como um

texto da cultura que não pode ser deixado de lado, e como a culinária vem cedendo

espaço para ela, embora sem perder força. Podemos dizer que as duas se

complementam, pois a culinária é a base de sustentação desse mercado editorial. Sem

as revistas e livros repletos de receitas não haveria público e dinheiro para que esse

mercado de revistas mais “sofisticadas” e elaborada pudesse existir.

Os caminhos de Claudia Cozinha

Como já dissemos, a revista Claudia Cozinha revelou-se um excelente objeto de

estudo, por ser rica e complexa, com uma história de transformações intensa, que nos

remete a momentos de explosão da cultura oportunas para o seu estudo. Uma das

últimas surpresas, pouco antes da finalização desta pesquisa ocorreu no mês de abril

de 2006, quando a revista mudou novamente seu projeto gráfico e editorial. E toda a

sua equipe foi também trocada. Isso prova que trata-se de um objeto de estudo muito

interessante e que estimula por seu caráter por esse trânsito constante entre diversas

realidades, como o hibridismo entre a culinária e a gastronomia.

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As imagens da comida brasileira que a revista cria podem ser consideradas de

extrema complexidade, pois ainda que ela tenha optado por sofisticar o seu conteúdo,

o imaginário simbólico da cultura na alimentação parece se sobrepujar a essa ne-

cessidade. Por isso em muitos exemplos citados vimos séries típicas da cultura brasileira,

como imagens de santos, bandeirinhas de festas juninas, doces enfeitados, entre tantos

outros, compondo essas imagens. O uso dessas séries remete diretamente às imagens

narrativas criadas por Gilberto Freyre, como vimos anteriormente.

É preciso sempre lembrar que as imagens da cultura são muito anteriores

àquelas geradas pela mídia eletrônica. No mundo da visibilidade midiática

contemporânea podemos crer, em um momento de euforia, que a mídia e suas

imagens estão no poder, dominam as nossas vidas. Mas, na verdade, são as imagens da

cultura que acabam se sobrepondo, em uma constante troca que alimenta esses dois

sistemas. A mídia e a cultura intercruzam-se, gerando novos textos a todo instante.

A análise da breve história da alimentação que fizemos no capítulo 1, tem

justamente o propósito de mostrar essa importância das imagens da cultura. Afinal, se

hoje salivamos ao ver um apetitoso doce na capa de uma revista, é importante lembrar

que já “adorávamos” imagens feitas nas cavernas rupestres. São tipos de magia da

comida. A capa da revista faz a magia de despertar nossa fome no primeiro olhar; a

arte rupestre pretendia “magicizar” o animal a ser cassado, tornando-o real.

Os mundos das revistas de cozinhaNo capítulo 2 deste trabalho desenvolvemos uma classificação das revistas de

cozinha em três mundos. Assim como a análise das categorias, o processo se mostra

muito pertinente, mas não estanque. De fato Gula e Prazeres da Mesa pertencem ao

“Primeiro Mundo” desse tipo de revistas, pois seu enfoque é o da alta gastronomia. E

Claudia Cozinha e Menu habitam o “Segundo mundo”, transitando em uma fronteira

híbrida entre gastronomia e culinária. No entanto vimos também que Prazeres da

Mesa representa a comida brasileira de maneira mais eficiente do que Menu, o que

implica em uma aproximação com cânones distantes daqueles da classificação de

“Primeiro Mundo”.

Concluímos esse processo classificatório acreditando que a busca pela alta

gastronomia é um caminho inevitável para as revistas de cozinha. No mundo do

consumo, as pessoas pedem algo e o mercado, geralmente, se apressa a atendê-las e

e vice-versa. O público tem demonstrado “fome” pelo assunto e TVs, jornais, revistas

vem atendendo a esse lucrativo apelo. O jornal Estado de S.Paulo, por exemplo, lançou

em setembro de 2005 um caderno especial de periodicidade semanal sobre

gastronomia. A TV tem sido inundada por programas com chefs e seus pratos

mirabolantes. As revistas não poderiam ficar a parte desse processo.

No entanto, haverá sempre espaço para a culinária, como já foi dito, a base

sustentatória de todo esse universo da cozinha. Afinal, sem as receitas mais simples, como

as de caldos, arroz, saladas, não se faz gastronomia. Porque é preciso uma base sólida

para criar os pratos mais insólitos – essa é uma consciência inerente a todos os chefs.

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A gastronomia e futuras pesquisasAo final deste trabalho consideramos que o tema está muito longe de ser

esgotado. A representação da comida na mídia abre novas fronteiras para diversas

análises. Neste trabalho, pretendemos avaliar a cozinha brasileira nas revistas,

recortando de maneira mais concisa possível a temática – o que se revelou um recorte

extenso, pois o assunto pede complexidade. Não é possível entender a fome pelas

imagens da comida na mídia se não entendermos a fome eterna do homem desde os

primórdios pela própria comida.

Após a análise intensa do objeto concluímos que, em uma futura pesquisa de

doutoramento, poderemos abordar a própria comida como uma mídia. Afinal, um

prato atua como um canal de comunicação entre aquele que o fez e seu público. Quem

o come, se considera integrado aos conceitos que o autor quis oferecer na sua obra

gastronômica.

O conceito de comida como mídia pode ser melhor abordado com ferramentas

deixadas de lado nesta pesquisa, como a antropologia. E, certamente, atenderá muitos

aspectos que precisaram ser abandonados aqui por questões de recorte metodológico.

Na era da visibilidade, comer uma receita sofisticada ou ser visto comendo em

um restaurante padrão cinco estrelas é prova de inserção no mundo. Por isso revistas

de celebridades, como Caras, não deixam de ter uma seção de culinária com toques de

gastronomia, até para servir de vitrine para mostrar o que as celebridade comem – ou

devem comer para pertencer a esse mundo.

A comida faz a comunicação entre esses vários universos da cultura. Uma

abordagem semiótica, antropológica, visual e midiática certamente será fundamental

para um estudo futuro, que promete desvendar um pouco dos caminhos que fazem da

gastronomia, da culinária e da cozinha objetos de desejo contemporâneos.

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ANEXO I: Entrevista com Wanda Naesthler, diretora deredação de Claudia Cozinha – julho de 2004

Qual é o público de Claudia Cozinha?

Claudia Cozinha é uma revista que prima pelo prazer de cozinhar. É esse sentimento

que queremos que nossos leitores tenham e é isso que oferecemos. Receitas saborosas,

não tão difíceis de reproduzir e dicas de como transformar a cozinha no lugar mais

aconchegante da casa. Além disso, nós primamos pela valorização da arte de receber,

de chamar os amigos para comer em casa.

Então a questão de gênero e faixa etária não importa?Não, pois a revista não é voltada para a mulher ou para o homem, e sim para quem

gosta de cozinhar. Isso implica em qualquer faixa etária também. Antes de a revista ser

independente de Claudia havia sim um direcionamento para a dona-de-casa, mas hoje

não há exatamente essa obrigação. Claro que esse é um público que nos é caro.

Contudo temos ganho um número considerável de homens entre nossos leitores, pois

a gastronomia está na moda e tem atraído um número diverso de pessoas.

E por que exatamente Claudia Cozinha se tornou independente e mudou seuprojeto gráfico e editorial?A revista mudou para adequar-se às novas necessidades do mundo da cozinha, entre

elas a busca pela sofisticação. E para ficar mais bonita e atrativa para os jovens leitores

que estava conquistando naquele momento. Assim, tínhamos que oferecer um

produto conectado às suas necessidades e anseios.

Qual é o destaque que a revista dá para a comida brasileira típica?Ela tem um bom destaque, saindo quase em todas as edições da revista, que é

bimestral. Nós utilizamos, para isso, o espaço do chapéu “Regional”, que abrange

culinárias típicas de todo o mundo, com destaque para a nossa. Além disso, Claudia

Cozinha tem um compromisso histórico com a questão do nacional, e procuramos

valorizar essa questão da identificação com o ser brasileiro em todo o projeto.

Há algum cuidado especial com a questão das receitas típicas, já que algunsingredientes são difíceis de ser localizados?Sim, nós sempre apresentamos possíveis substituições para os ingredientes utilizados. A

guariroba, por exemplo, é um tipo de palmito de Goiás, muito utilizado na receita do

“Empadão Goiano”. Quando publicamos essa receita recentemente (edição de março/

abril de 2003), tomamos o cuidado de comunicar a leitora de que ela poderia substituí-

lo por palmito tradicional, de preferência o de pupunha, ecologicamente correto.

E na representação da comida brasileira? Vocês usam algum recurso especial?

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Claudia Cozinha tem o cuidado de regionalizar a comida quando vai fotografá-la, isto

é, deixá-la com cara de mineira, caso seja um prato de Minas. Usamos recursos que

lembrem o local como quadros, artesantos, pinturas, etc. Nunca um prato baiano

aparece sem contexto, por exemplo.

Qual é a tiragem e a venda de Claudia Cozinha?

Um fenômeno interessante da revista é que ela vende mais em supermercado do que

em banca – as pessoas se interessam por ela quando vão fazer compras, quando estão

pensando em cozinha. Claro que temos um público fiel que nos acompanha há anos.

Nossa tiragem é de 100 mil exemplares atualmente, com 25 mil assinantes.

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ANEXO II: Entrevista com Gisela Tognella, diretora deredação de Claudia Cozinha – setembro de 2005

Por que Claudia Cozinha mudou totalmente seu projeto gráfico e editorialem meados de 2005?Isso aconteceu porque a revista estava perdendo mercado, ela não se posicionava nem

entre os tradicionais leitores que compram revistas pelas suas receitas e nem entre os

amantes da alta gastronomia, que estavam preferindo títulos como Gula e Prazeres da

Mesa. Nós estamos agora mais voltados para essa alta gastronomia, tanto que

mudamos nosso lema de “Todas as receitas testadas e com fotos” para “O prazer da

gastronomia em sua vida”. Queremos mostrar que a alta gastronomia pode ser

desfrutada pelo leitor da nossa revista, mas sempre lembrando que, sim, as receitas

publicadas, todas, são testadas e publicadas com suas respectivas fotos.

Nós precisamos mudar para reagir ao mercado que estava caminhando para um super

avanço do que chamamos de revistas “talebans”, que são aquelas feitas com custo

baixíssimo, sem testes e com fotografias compradas. Não se realiza o prato para

fotografá-lo como Claudia Cozinha faz. Isso gera uma revista de baixíssimo custo e, por

isso, de baixo preço ao consumidor final, mas sem nenhuma qualidade.

Então a revista não quer mais ser vista como uma fonte de receitas apenas?Sim, mas queremos que o leitor ainda nos veja como uma publicação que oferece bons

pratos para o dia-a-dia e para ocasiões especiais. Um de nossos lemas continua sendo

o “receber bem”. Mas incorporamos alguns elementos mais sofisticados, como as dicas

de vinhos que podem acompanhar as receitas, além das já tradicionais sugestões de

decoração e apresentação dos pratos.

Claudia Cozinha é a pioneira na valorização da culinária no Brasil. Nossa revista

praticamente criou o mercado que hoje é tão disputado por diversos títulos.

Precisávamos honrar nossa tradição e continuar nos mantendo como uma revista de

ponta na área.

Quais são as apostas do novo posicionamento da revista no mercado?Queremos indicar para o leitor os meios para ele ter sempre muito prazer ao cozinhar.

Assim mostramos utensílios, ingredientes, métodos de preparo que levam à

valorização do bom-gosto. Afinal de contas, essa é uma preocupação do público que

cresceu muito na última década, com a abertura das importações e o acesso, no Brasil,

a produtos sofisticados, além do surgimento de restaurantes de alta gastronomia.

E como foram direcionadas as mudanças gráficas da revista?O desenho anterior da revista, muito clean, com brancos, fontes sem serifa, estava um

pouco blasé. Precisávamos nos reaproximar do leitor tradicional da revista e mostrar

ao novo público que busca ter acesso à gastronomia que a arte de comer bem não

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precisa ser a arte do pouco. É possível ter prazer com comidas coloridas, alegres,

apetitosas. Por isso aumentamos as cores, o número de fotos, a exuberância das

imagens da revista. Hoje os pratos de Claudia Cozinha despertam a vontade imediata

de comer, o desejo da gula que precisa ser satisfeito rapidamente.

E qual foi o retorno dessas mudanças?Foi bastante positivo. Crescemos cerca de 20% em assinaturas em relação ao previsto

para 2005.

E por que a revista voltou a ser mudada?Isso foi obrigatório, porque não adiantava mudar tudo e não termos visibilidade. Era

preciso estar sempre à vista, para atrair anunciantes e leitores. O crescimento de receita

publicitária foi outra necessidade, porque o retorno de uma publicação bimestral é

menor e mais demorado.

E a culinária brasileira, como ela é tratada hoje por Claudia Cozinha?

A nossa comida mais típica sempre mereceu destaque na revista. Em 2006, faremos

pequenas viagens cotidianas pelo Brasil para promover a nossa cozinha, destacando

culinárias tradicionais (um exemplo dessa estratégia citada é a edição de fevereiro de

2006, que traz como capa e destaque principal a culinária baiana). Nós queremos tratar

a gastronomia brasileira como um dos maiores bens da nossa cultura, que deve ser

valorizado e preservado. Nós sempre queremos promover os ingredientes brasileiros,

inclusive as bebidas nacionais, como os espumantes do Brasil que têm feito muito

sucesso no mercado internacional.

Você acredita que os chefs de cozinha hoje valorizam mais a culinárianacional?Os profissionais da cozinha precisam pesquisar, conhecer melhor a nossa comida, mas

há aqueles que são pioneiros, como Alex Atala e Mara Salles. O lema interno de

Claudia Cozinha é entender e oferecer ao leitor o que ele quer. Em um país com as

dimensões do Brasil, certamente cada região vai querer um produto típico. Tentamos

sempre atender a todos, mas dando um toquezinho de sofisticação na nossa revista.

Afinal, queremos trazer, além dos leitores já fiéis, um público novo, jovem, disposto a

experimentar. A aposta na alta gastronomia é fundamental para atingi-los.

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FFiigguurraa 110077:: Claudia Cozinha, abril de 2006, página 4

ANEXO III: Carta do editor e exemplos da mudança gráficaocorrida em Claudia Cozinha em abril de 2006

Veremos, a seguir, a capa (figura 106) e a carta do editor (figura 107) da edição

de abril de 2006 de Claudia Cozinha, que anunciou novas mudanças na equipe e nos

projetos gráfico e editorial da publicação. Na sequência teremos duas imagens (figuras

108 e 109), que servem como exemplo do novo projeto gráfico da revista.

FFiigguurraa 110066:: Claudia Cozinha, abril de 2006

Transcrição do editorial da revista:“Este número de Claudia Cozinha, você vai perceber, está um tanto diferente. As fotos

mudaram um pouco, assim como os textos. Mas é a sua revista de sempre, com as receitas

práticas, as novidades gastronômicas, as seções que você se habituou a ver todos os meses.

Acabo de aportar aqui com a editora de arte Rosana Grimaldi, que desenha as páginas com o

talento e a dedicação de um grande chef, e com a editora-assistente Luciana Jardim, a mais

entusiasmada e antenada das jornalistas. Em fevereiro nós três nos unimos à equipe da revista

que você conhece tão bem e com a qual agora temos o prazer de conviver. Mas preciso con-

tar: há quase vinte anos, recém-formada, fui repórter de Claudia Cozinha, quando ela ainda

era um suplemento da revista Claudia. Lá conheci Bettina Orrico e é curioso estar aqui, ao

lado dela, tanto tempo depois. São aquelas surpresas que a vida nos reserva. E essa não pode-

ria ter sido melhor.” Cristina Dantas

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FFiigguurraa 110088:: Claudia Cozinha, abril de 2006, páginas 22 e 23

FFiigguurraa 110099:: Claudia Cozinha, abril de 2006, páginas 24 e 25