11
29/03/ 20 16 Barbie 2016: Quem pr ecisa da Ba rb ie, tenh a o co rp o qu e tiver? | Op inião | EL P S Brasil http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243 379959.html 1/11 OPINIÃO COLUNA Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? O anúncio de que a Mattel rompeu com o padrão de sua boneca icônica foi celebrado como um triunfo da diversidade e do consumo consciente, mas vale a pena interrogar-se sobre essa “evolução” 1 FEV 2016 - 15:30 BRST Demorou só 57 anos para a Mattel  “descobrir” que as mulheres reais do planeta têm cores e formas variadas. A notícia de que a Barbie ganharia mais três tipos de corpos foi comemorada como uma vitória da diversidade. Por ELIANE BRUM

Barbie 2016_ Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver_ _ Opinião _ EL PAÍS Brasil.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

8/15/2019 Barbie 2016_ Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver_ _ Opinião _ EL PAÍS Brasil.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barbie-2016-quem-precisa-da-barbie-tenha-o-corpo-que-tiver-opiniao- 1/11

29/03/2016 Barbie 2016: Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? | Opinião | EL PAÍS Brasil

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243_379959.html 1/11

OPINIÃO

COLUNA

Quem precisa da Barbie, tenha o corpo quetiver? 

O anúncio de que a Mattel rompeu com o padrão de sua bonecaicônica foi celebrado como um triunfo da diversidade e doconsumo consciente, mas vale a pena interrogar-se sobre essa

“evolução”

1 FEV 2016 - 15:30 BRST

Demorou só 57 anos para a Mattel “descobrir” que as mulheres reais do

planeta têm cores e formas variadas. A notícia de que a Barbie ganharia mais

três tipos de corpos foi comemorada como uma vitória da diversidade. Por

ELIANE BRUM

8/15/2019 Barbie 2016_ Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver_ _ Opinião _ EL PAÍS Brasil.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barbie-2016-quem-precisa-da-barbie-tenha-o-corpo-que-tiver-opiniao- 2/11

8/15/2019 Barbie 2016_ Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver_ _ Opinião _ EL PAÍS Brasil.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barbie-2016-quem-precisa-da-barbie-tenha-o-corpo-que-tiver-opiniao- 3/11

29/03/2016 Barbie 2016: Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? | Opinião | EL PAÍS Brasil

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243_379959.html 3/11

 parece estar obtendo considerável sucesso, é fazer a liberação dos corpos

barbísticos vendendo a imagem de uma empresa afinada com o seu tempo,

defensora das “diferenças” e até mesmo inovadora. Se conseguir, se

transformará num case obrigatório em livros de marketing, em mais uma

prova de que o capitalismo sempre pode contar com a adesão pela fé

quando as pessoas são reduzidas a consumidores.

A campanha que inclui vários vídeos mostrando a gênese da “nova” Barbie

apresenta a Mattel como a intérprete do “mundo que vemos hoje”. A

empresa que durante mais de meio século incutiu um modelo único – e nada

inocente – na cabeça das crianças é convertida naquela que celebra as

diferenças e ajuda as meninas a se identificar e a conviver num planetamulticultural. “O mundo da Barbie está evoluindo” – é o mote publicitário.

Evoluindo para que o essencial possa continuar o mesmo: a lógica do

mercado e o retorno das vendas ao mesmo patamar ou mais. Mas isso,

obviamente, não é dito.

As cenas são interpretadas por crianças étnica e racialmente variadas –

como as novas Barbies, nascidas paras as prateleiras de 150 países do

mundo. “É importante que as Barbies sejam diferentes como as pessoas no

mundo real”, diz uma das meninas. Executivos da empresa falam da

importância da mudança “porque não há um só padrão de como é um corpo

bonito”. Ou: “Temos que mostrar às meninas que, independentemente de

sua aparência, tudo é possível”. O lema da Barbie, afinal, é

#VocêPodeSerTudoQueQuiser. Talvez não exista nada pior para umacriança do que a mentira de que é possível alcançar a completude – ou de

que é possível viver sem perdas. Ou ainda de que não haverá limites. Chega a

ser criminoso, mas a publicidade varia esse mote em diferentes produtos – e

as crianças mal acabaram de nascer e já tem a Barbie lhes sussurrando essa

promessa nos ouvidos enquanto sacode os cabelos.

É mesmo “mágico” o mundo em que o deus criador daBarbie se torna um avalizador da diversidade, quando não

 

8/15/2019 Barbie 2016_ Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver_ _ Opinião _ EL PAÍS Brasil.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barbie-2016-quem-precisa-da-barbie-tenha-o-corpo-que-tiver-opiniao- 4/11

29/03/2016 Barbie 2016: Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? | Opinião | EL PAÍS Brasil

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243_379959.html 4/11

seu próprio inventor

Ao final de um desses vídeos promocionais, uma menina diz: “Essas bonecas

se parecem com as pessoas do meu mundo mágico”. É mesmo “mágico” omundo em que o deus criador da Barbie se torna um avalizador da

diversidade, quando não seu próprio inventor. De um certo ângulo, são

sinistros os vídeos fofinhos e politicamente corretos do mundo das “Barbies

da diversidade”, como já estão sendo chamadas. E um tanto perturbador o

cinismo dos executivos da Mattel ao discorrer sobre a importância de

respeitar as diferenças com a certeza de que o passado será de imediato

esquecido, no átimo de tempo em que um coelho é sacado da cartola ou queum lenço vira pombas. Também na aparição do staff da Mattel há o cuidado

com a variedade dos estilos, das cores e das formas, reforçando a

mensagem e sendo legitimada por ela. Mas a sensação pode ficar mais

esquisita quando se lê no Facebook as mensagens de mulheres e também

homens, agradecendo à Mattel por tornar o mundo melhor, mais diverso,

plural e tolerante. A maioria “muito feliz” e dizendo “dez vezes obrigada”

pela “evolução” da Barbie.

Que modelo de mulher é a Barbie, que reinou por mais de meio século como

um ideal feminino a ser atingido? Um que não existe. E não é que Barbie não

exista por ser linda demais, inatingível para pobres mortais com seus genes

imperfeitos, mas sim por ser bizarra demais, uma arquitetura que

literalmente não para em pé. Segundo infográfico do Rehabs.com, graças asua cinturinha, Barbie só teria espaço para acomodar metade de um rim e

alguns centímetros de intestino. Como o pescoço é duas vezes maior do que

o de uma mulher e 15 centímetros mais fino, ela não teria como manter a

cabeça erguida. Andar, só de quatro. Se fosse uma mulher de carne e osso,

Barbie seria uma anoréxica.

É apenas uma boneca, poderiam dizer alguns. Ou até muitos. Mas essa

boneca não foi criada para ser “apenas” uma boneca. Barbie é vendida como

8/15/2019 Barbie 2016_ Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver_ _ Opinião _ EL PAÍS Brasil.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barbie-2016-quem-precisa-da-barbie-tenha-o-corpo-que-tiver-opiniao- 5/11

29/03/2016 Barbie 2016: Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? | Opinião | EL PAÍS Brasil

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243_379959.html 5/11

uma amiga, uma mentora e um modelo a ser seguido, com influência sobre

pelo menos duas gerações de mulheres. O que Barbie vende é um modo de

vida e de se relacionar com os outros e com o mundo. Seu primeiro processo

de “purificação” foi eliminar as origens de seu nascimento, já que ela foi

inspirada na boneca alemã Lilli, personagem de quadrinhos eróticos e

presente para homens vendido em tabacarias. Lilli seduzia homens ricos naAlemanha do pós-guerra para ter de volta a prosperidade perdida. Quando

Barbie foi lançada em 1959 para ser a companheira de crianças, os traços de

sua “mãe” devassa tinham sido suavizados, mas ainda assim a “boneca com

seios” foi recebida com desconfiança pelas famílias americanas. Pouco a

pouco, porém, Barbie foi “evoluindo” para se tornar uma educadora e um

“bom exemplo”, uma mentora capaz de ensinar às meninas a serem as mais

bem adaptadas e populares, segundo os valores da sociedade americana.

Hoje, mais de 90% das garotas entre 3 e 12 anos, nos Estados Unidos, têm

uma Barbie, essa boneca que não é uma criança.

A partir do seu corpo impossível é vendida uma série de roupas, sapatos e

acessórios, assim como casas, móveis, salões de beleza, lojas, outros

bonecos, um mundo inteiro. Mas não qualquer mundo, mas um mundo emque todos os valores são mediados pelo consumo, como se observa nos

 jogos, filmes e outros produtos do planeta-mercadoria da Barbie. Ser

mulher, ensina ela, é ser uma consumidora. No lema

#VocêPodeSerTudoQueQuiser, o “Ser” é habilmente usado para encobrir o

“Ter”. Ser e Ter com o mesmo significado – ou Ser é Ter. Nisso está

implicado que a medida do sucesso de alguém é eliminar qualquer interdição

entre o consumidor e o produto. A única forma de “ser” tudo o que quiser é

consumir e, assim que a sensação de completude desaparece, o que

acontece muito rapidamente, consumir de novo. E de novo. É assim que o

planeta que a Barbie difunde de forma tão competente gira.

Ser mulher, ensina Barbie, a “educadora”, é ser umaconsumidora e recusar qualquer limite

8/15/2019 Barbie 2016_ Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver_ _ Opinião _ EL PAÍS Brasil.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barbie-2016-quem-precisa-da-barbie-tenha-o-corpo-que-tiver-opiniao- 6/11

29/03/2016 Barbie 2016: Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? | Opinião | EL PAÍS Brasil

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243_379959.html 6/11

Desde que a boneca surgiu, Barbie é alvo de protestos. Em 1970,

adolescentes já levantavam cartazes em manifestações pela igualdade entre

os gêneros: “Eu não sou uma Barbie”. Mas talvez a intervenção mais criativa

tenha ocorrido nos anos 90, pela autoproclamada “Organização para a

Libertação da Barbie”. O grupo reagia a uma série de falas da boneca e, emespecial, a uma em que ela dizia: “Matemática é difícil”. A frase sofreu fortes

críticas, por reforçar o estereótipo da mulher bonitinha e burra. Os ativistas

trocaram então a voz da Barbie pela voz de outro boneco, este um

estereótipo masculino, chamado GI Joe. Quando meninas abriram seus

presentes de Natal, sua Barbie loirinha dizia: “Homem morto não conta

mentira”.

Existe uma bibliografia em língua inglesa dissecando o corpinho da Barbie.

No Brasil, pode ser lido Barbie na educação de meninas: do rosa ao choque

(Annablume, 2012). Nele, Fernanda Roveri partiu de sua dissertação de

mestrado na Faculdade de Educação da Unicamp (Universidade Estadual de

Campinas), na qual brinca nos capítulos com os tipos de Barbie: “Barbie

Farsa”, “Barbie Lânguida”, “Barbie Tóxica” e “Barbie Tribunal”, para refletirsobre a criatura da Mattel.

Há muitas histórias emblemáticas sobre como são tomadas as decisões que

vão interferir no imaginário das crianças. Mas a mais incrível delas talvez

seja sobre Ken, o namorado da Barbie. De fato, sobre o pênis de Ken. Houve

um dilema na Mattel sobre como contornar essa questão. Conta a autora do

livro que acabou se optando por uma alternativa intermediária: Ken usaria

uma roupa de banho permanente com “um pequeno volume”. O problema é

que, quando a determinação chegou à fábrica no Japão, o engenheiro

supervisor decidiu suspender a pintura do short, para facilitar o processo, e

calculou que a eliminação da lombada genital reduziria o custo de produção

do boneco em um centavo e meio de dólar. Foi para lucrar mais que Ken

nasceu eunuco. Fernanda Roveri aponta para a questão de que osfabricantes jamais pensaram que as crianças poderiam ficar traumatizadas

com uma Barbie sem vagina, como suspeitaram que poderia ocorrer com

8/15/2019 Barbie 2016_ Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver_ _ Opinião _ EL PAÍS Brasil.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barbie-2016-quem-precisa-da-barbie-tenha-o-corpo-que-tiver-opiniao- 7/11

29/03/2016 Barbie 2016: Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? | Opinião | EL PAÍS Brasil

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243_379959.html 7/11

um Ken sem pênis. O fato é que os dois bonecos “realistas” com que

brincam meninas do mundo inteiro são igualmente castrados.

Mas é nos dois últimos capítulos, “Barbie Tóxica” e “Barbie Tribunal”, que o

truque oculto da mágica capitalista do fenômeno Barbie, ao longo das

décadas, é revelado. Quem produz a criatura, em que condições de trabalho,

de que material, com que efeitos. “Mulheres japonesas, donas de casa,

chamadas de ‘pessoas da tarefa doméstica’, costuravam exaustivamente os

primeiros trajes da boneca em suas residências. Essas mulheres ficavam

cegas para que Barbie pudesse usar tafetá, espetavam seus dedos para que

ela pudesse passar o feriado esquiando, curvavam-se e estragavam suas

costas para que Barbie não dormisse nua”, escreve a autora, citandorelatórios, documentos e livros. “Na Tailândia, centenas de mulheres e

crianças enchiam, cortavam, vestiam e montavam a boneca Barbie,

ganhando de quatro a sete dólares por um dia de 12 horas trabalhadas. Além

do baixo salário, muitas dessas trabalhadoras ficavam com problemas

respiratórios, perda de memória e de audição, dores musculares, vômitos,

transtornos no sono, menstruações irregulares em razão da contaminação

por chumbo, fumaça e outros produtos químicos”. Em 2013, a organizaçãoChina Labor Watch denunciou as péssimas condições de trabalho e as

 jornadas exaustivas constatadas em fábricas chinesas ligadas à produção da

boneca.

Investigar a linha de montagem planetária de Barbie énecessário para quem pretende ser mais do que umconsumidor abobalhado

Qual é a linha de montagem planetária da Barbie e os reais bastidores que

não viram vídeos publicitários? Esse é um caminho de investigação para

quem pretende ser mais do que um mero consumidor abobalhado. O truque

do “mágico” no mundo real, afinal, precisa de fartas doses de sangue

humano e de destruição ambiental para produzir números superlativos: as

8/15/2019 Barbie 2016_ Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver_ _ Opinião _ EL PAÍS Brasil.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barbie-2016-quem-precisa-da-barbie-tenha-o-corpo-que-tiver-opiniao- 8/11

29/03/2016 Barbie 2016: Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? | Opinião | EL PAÍS Brasil

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243_379959.html 8/11

vendas da Barbie são estimadas em mais de 1 bilhão de dólares por ano.

Agora, com quatro corpinhos, a roupa de uma Barbie não servirá na outra

Barbie. E há também pelo menos dois tipos de pezinhos que pedirão

sapatinhos de números diferentes. É um ganho da diversidade, para quem

pensa que o mundo não pode prescindir de Barbies? É. Mas também é mais

de tudo. Vale a pena ainda observar quais foram os corpos e alturas aceitos

pelo mundo Barbie em nome da diversidade. A mais “curvy” está muito

longe de ser gorda ou mesmo gordinha. “Espero que vocês não confundam

curvilínea com Gorda, cada coisa é uma coisa, mas já é uma diferença

enorme do padrão da boneca, e quem sabe um dia teremos uma Barbie

GORDA”, postou o Coletivo Gordas Livres, comentando a mudança.

Se existia uma Barbie negra desde o final dos anos 60, período das lutas

pelos direitos civis dos negros americanos, a “negritude” se limitava a trocar

a cor do plástico da boneca. Agora há muitos mais tons de pele, tipos de

cabelo e estruturas faciais, o que também tem sido interpretado como uma

conquista. No Brasil não se via Barbies negras nas prateleiras e até hoje

quem quer presentear uma criança com uma boneca negra precisa contar

com espaços alternativos. Um dos mais conhecidos é a “Preta Pretinha”,

uma loja na Vila Madalena, em São Paulo, que há 16 anos faz bonecos

artesanais que não se vê no mercado porque fora do padrão estabelecido,

por diferentes razões e circunstâncias. Há negros e indígenas. Há orientais.

Há cadeirantes, cegos, crianças com membros amputados. Há também

bebês carecas, com câncer, procurados por pais de crianças com leucemia.Na medida em que meninos e meninas vão recuperando os cabelos após o

tratamento do câncer, podem também ir povoando a cabeça dos seus

bonecos com fios. A loja, criada por três irmãs, está ligada a um instituto

com o mesmo nome, que trabalha os temas do racismo, discriminação e

inclusão. Inspiraram-se na avó, que ao não encontrar bonecas negras para

presentear as netas, começou a costurá-las em casa. Como não há uma

linha de montagem industrial e planetária, esse tipo de espaço alternativotem preços mais elevados e jamais poderá competir em custo e escala com

empresas do porte da Mattel.

8/15/2019 Barbie 2016_ Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver_ _ Opinião _ EL PAÍS Brasil.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barbie-2016-quem-precisa-da-barbie-tenha-o-corpo-que-tiver-opiniao- 9/11

29/03/2016 Barbie 2016: Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? | Opinião | EL PAÍS Brasil

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243_379959.html 9/11

Em janeiro, a foto de Matias, um menino de 4 anos, segurando o boneco do

personagem Finn, do filme Star Wars – O Despertar da Força, viralizou na

internet. Na legenda da foto, sua mãe escreveu: “Ele nem sabe o que é Star

Wars, sabe que o boneco é igual a ele”. Entrevistado, Matias afirmou: “Ele é

pretinho igual a mim”. Logo depois, uma fabricante de produtos infantis fez

uma fantasia do mesmo boneco negro e colocou a foto de um garoto brancona embalagem. Fortaleceu-se então a campanha “Não me vejo, Não

compro!”, exigindo representatividade nas prateleiras. Em 27 de janeiro, no

Facebook, a empresa anunciou que convidou Matias para ser o novo modelo

da embalagem do produto, “atenta ao movimento global e ouvindo as

críticas sobre a falta de diversidade étnica nas peças publicitárias veiculadas

no Brasil”.

Será que se reconhecer num brinquedo é o suficiente parase sentir representado?

“Não me vejo, Não compro!” é uma linguagem que os fabricantes de

brinquedos entendem muito bem – e escutam. É o que aconteceu com a

Mattel, diante da perda de popularidade da Barbie, traduzida em cifrões. E

há mesmo o que se comemorar nisso. Afinal, não se reconhecer nos

brinquedos oferecidos pelo mercado pode ter efeitos devastadores na vida

de uma criança.

O que pode ser perturbador, porém, é a aceitação tácita de que precisamos

de Barbies e outros produtos do gênero. De que não há brinquedos ou

imaginação fora da indústria. De que é preciso consumir mercadorias do tipo

– e de que a autonomia possível é influenciar aquilo que as corporações

vendem, reduzindo toda intervenção ao papel de “consumidores

conscientes”. Pode ser perturbador constatar que a insubordinação máximaseja não comprar porque não se reconhece. Mas, caso se reconheça no

produto que chega às prateleiras, toda a cadeia simbólica e concreta

8/15/2019 Barbie 2016_ Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver_ _ Opinião _ EL PAÍS Brasil.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barbie-2016-quem-precisa-da-barbie-tenha-o-corpo-que-tiver-opiniao- 10/11

29/03/2016 Barbie 2016: Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? | Opinião | EL PAÍS Brasil

http://brasil.elpais.com/brasil/2016/02/01/opinion/1454337243_379959.html 10/11

implicada nesse ato está justificada? Será que se reconhecer num brinquedo

é o suficiente para se sentir representado? É a naturalização que pode soar

preocupante quando se testemunha ativistas comemorarem a “evolução” da

Barbie, aceitando sua existência no quarto das meninas como fato

consumado, presença imprescindível, já dada, sem questionar as

engrenagens mais ocultas que levam a boneca até a vida das crianças.

Quem precisa da Barbie, afinal, tenha ela a forma, a cor e o cabelo que tiver?

A pergunta parece ter silenciado.

Quanto mais realista a boneca, menos imaginação precisa a criança. Sem

esquecer que “realista” dá conta de uma realidade determinada, planejada eautorizada por uma equipe de profissionais do marketing. E não da realidade

como experiência e conflito. Uma boneca serve justamente para se pensar a

vida enquanto se brinca. E brincar não é imitar. Para que, então, serve uma

Barbie e o seu “mundo mágico” onde #VocêPodeSerTudoQueQuiser? Para

que serve uma Barbie, mesmo que seja a “Barbie da diversidade”?

Barbie não é mesmo qualquer boneca. Será interessante observar como seu

novo esforço de purificação dos pecados, agora em nome do respeito às

diferenças, vai “evoluir” nos próximos anos. Talvez seja importante pensar,

para além do primeiro entusiasmo, os significados mais profundos de um

produto com a carga simbólica de Barbie converter direitos em publicidade.

Barbie, vale a pena lembrar, ganhou uma réplica no museu de cera de

Grévin, em Paris. Esta é uma cena perturbadora, porque as outras

representações que lá estão são de pessoas que viveram, que tiveram ossos,

carne, sangue e história. E lá se imortalizaram em cera. Quando a boneca

vira boneca, completa-se a transmutação: Barbie vira gente. Torna-se viva.

Evolução, a palavra escolhida pela Mattel para nomear a mudança de suacriatura, é mais do que reveladora. Como provou Darwin, as espécies vivas,

como os humanos, evoluem. Por milhões de anos, na seleção natural. Barbie,

8/15/2019 Barbie 2016_ Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver_ _ Opinião _ EL PAÍS Brasil.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/barbie-2016-quem-precisa-da-barbie-tenha-o-corpo-que-tiver-opiniao- 11/11

29/03/2016 Barbie 2016: Quem precisa da Barbie, tenha o corpo que tiver? | Opinião | EL PAÍS Brasil

EJA TAMBÉM...

CONTEÚDO PATROCINADO

Recomendado por 

© EDICIONES EL PAÍS, S.L.

Contato Venda Publicidade Aviso legal Política cookies Mapa EL PAÍS no KIOSKOyMÁS Índice RSS

Reações diversas daPM em protestos,fator de risco em

 (EL PAÍS)

A cartada de Lula

(EL PAÍS)

mais uma vez, invoca sua “naturalidade”, ainda que “no mundo mágico”.

Barbie, a boneca, seja com um ou quatro corpos, segue inventando a vida de

meninas de carne e osso.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna

Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada,

Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email:[email protected] Twitter: @brumelianebrum

Opinião  · Mattel  · Brinquedos  · Jogos infantis  · Infância  · Jogo  · Moda  · Confeção 

· Empresas  · Economia  · Sociedade  · Indústria

ARQUIVADO EM: