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Universidade Severino Sombra Programa de Pós-Graduação Mestrado em História Batismo e apadrinhamento de filhos de mães escravas, São Paulo do Muriaé (1852-1888) Vitória Fernanda Schettini de Andrade Vassouras/ 2006

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Universidade Severino Sombra Programa de Pós-Graduação

Mestrado em História

Batismo e apadrinhamento de filhos de mães

escravas, São Paulo do Muriaé (1852-1888)

Vitória Fernanda Schettini de Andrade

Vassouras/ 2006

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Vitória Fernanda Schettini de Andrade

Batismo e apadrinhamento de filhos de mães

escravas, São Paulo do Muriaé (1852-1888).

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em História da Universidade Severino Sombra, para a obtenção do título de Mestre em História, orientada pela professora Drª Miridan Britto Knox Falci.

Vassouras/2006

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ANDRADE, Vitória Fernanda Schettini de Batismo e apadrinhamento de filhos de mães escravas. São Paulo do

Muriaé, 1852-1888. / Vitória Fernanda Schettini de Andrade. Vassouras: USS, 2006.

169 f. Orientadora: Miridan Britto Knox Falci

Dissertação de Mestrado – USS. Referências bibliográficas f. 155-169.

1. Batismo. 2. Compadrio. 3. Escravidão. I. Miridan Britto Knox Falci. II. Universidade Severino Sombra/Programa de Pós-Graduação de História.

III. Título

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Batismo e apadrinhamento de filhos de mães

escravas, São Paulo do Muriaé (1852-1888)

Dissertação de Mestrado de Vitória Fernanda Schettini de Andrade, apresentada ao Programa de Mestrado em História da Universidade Severino Sombra, para a obtenção do título de Mestre em História, orientada pela professora Drª Miridan Britto Knox Falci.

Banca Examinadora

_______________________________________________________________ Presidente

Miridan Britto Knox Falci (USS)

_______________________________________________________________ 1º Examinador

Renato Pinto Venâncio (UFOP)

_______________________________________________________________ 2º Examinador

Cláudia Regina Andrade dos Santos (USS)

Vassouras / RJ, 20/03/2006

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“Ao meu pai, Braz Schettini (in memorian), pelos ensinamentos e exemplo de honestidade, e a minha mãe Adelina Pereira Schettini (in memorian), pela força e sensibilidade de acreditar na perspectiva futura”.

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AGRADECIMENTOS

Na realidade um número grande de pessoas contribuíram para esta

trajetória como historiadora, sejam em momentos alegres ou não,

compartilhando desta fase de minha vida, e conseqüentemente, colaboraram

não apenas com o meu crescimento intelectual, como também humano.

À superintendente da 23ª Secretaria Regional de Ensino de Minas

Gerais: Márcia Olivier Ferreira Dornellas e a meus diretores, Éber Ferreira da

Silva e Maria das Graças Antunes Silva, que de perto me acompanharam,

fazendo o possível para que os períodos de ausência fossem recompensados

pela aplicação dos conhecimentos adquiridos. Às Irmãs Marcelinas da Fafism

Muriaé, pelo reconhecimento e confiabilidade do meu trabalho e pelas chances

que começam a surgir. Aos colegas de trabalho, fica aqui minha admiração por

sempre lutarem em busca de dignidade e respeito profissional.

Aos meus filhos, Douglas e Bárbara, aqueles que mais sofreram com

minhas idas e vindas, a vocês agradeço pelo fato de existirem. O impulso e a

força necessária, para acreditar que a luta pelos sonhos vale a pena. Com

certeza, vocês também aprenderam muito. Ao Jorge, meu marido, minha

gratidão, por me dar condições para conquistar mais esta etapa, e por assumir,

apesar de alguns desentendimentos, funções que poderiam ser minha, abrindo

mão do seu projeto de vida, pelo meu. À Luciene, minha ajudante diária, os

meus agradecimentos por sempre me incentivar.

Aos meus irmãos, Stela, Nena, Zé (in memoriam), Gonzaga, Cacau,

Dado, Tony, e de maneira muito especial à Ceinha, aquela que assumiu a

função de criar condições para que esta batalha fosse concretizada, aos meus

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cunhados Joel, Julita, Amauri, Eva, Cristina e Ricardo e a minha sobrinha

Fernanda, vocês contribuíram muito para esta conquista.

À minha grande amiga Tchuca, que de maneira muito próxima me

acompanhou nas pesquisas e arquivos, bem como na redação da dissertação,

auxiliando-me em técnicas de formatação e digitação. Minhas considerações e

agradecimentos.

A Francisco Van Baars, o Padre Chico, ao Dr. Afonso Carlos Soares

Bittencourt e João Carlos da Fundarte, por abrirem as portas dos arquivos,

para que se pudessem levantar e coletar os dados para a pesquisa, pessoas

comprometidas com a valorização da história muriaeense.

Muito me foi útil o professor Iraci Del Nero da Costa, que de maneira

competente me auxiliou na leitura e manipulação das fontes paroquiais e

sabiamente conduziu passo a passo na confecção das tabelas e gráficos.

Aos professores, Lincoln Penna, Marli Vianna, José D’Assunção

Barros, Maria Yedda Leite Linhares, Maria Philomena Gebran, Ana Moura e

Célia Loureiro Muniz (in memorian), que de formas variadas, colaboraram para

meu enriquecimento profissional, e as professoras Cláudia Regina dos Santos

e Surama Conde de Sá Pinto, que nos brindaram com suas presenças na

banca de qualificação, e de maneira sábia fizeram algumas observações, no

qual tentei acatar, sempre que possível, para a confecção desta dissertação.

De maneira muito especial, à professora Márcia Amantino, por me

possibilitar uma análise crítica do mundo da escravidão e ao grande idealizador

deste trabalho, professor Jorge Luiz Prata de Sousa, hoje meu amigo, que

desde o início, quando ainda existiam dúvidas com relação ao objeto de

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pesquisa, pôde abrir os caminhos, levando-me a descobrir uma fantástica

riqueza nas fontes locais. Sou hoje um pouco do muito que me ensinou.

À professora Miridan Britto Knox Falci, por ter me aceitado como

orientanda, após um tenebroso período, e de maneira muito competente e

harmoniosa conduziu esta pesquisa. A senhora é um doce de criatura!

Aos amigos de mestrado, Martha Viviene, Tânia Costa, Flávia Vieira,

Marco Caldas, Flávio Galone, Ana Rita e Sérgio Cruz, por dividirem angústias e

sofrimentos, mas também muitas alegrias que ficarão marcadas para sempre.

De maneira especial a Rosilene Mariosa um exemplo de dedicação e

persistência, a grande pesquisadora Cristina Boechat e a companheira Silvana

Fanni. Com certeza temos muito a compartilhar em nossas pesquisas.

Ao amigo e irmão Rodrigo Fialho, por sua presença constante nestes

dois anos, você se revelou um grande companheiro, um homem muito maduro,

apesar da tenra idade e me ensinou a não ter medo das escaladas, e a Mário

Dias, que acompanhou minha trajetória antes mesmo de ser regularmente

matriculada no curso, vendo de perto meu crescimento. Mário, o mundo precisa

de pessoas íntegras como você! Obrigado a vocês por fazerem parte da minha

vida!

Agradeço a Deus por me proporcionar esta vitória!

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Resumo

Esta dissertação é uma reflexão sobre as formas de relações sócio-

parentais, via registros de batismos, adotadas por cativos da freguesia de

São Paulo do Muriaé, Zona da Mata Mineira, entre os anos de 1852-1888,

desenvolvido na linha de pesquisa em História Social.

Fazendo uso de uma vasta documentação paroquial, cruzamos os

dados com amostras de fontes cartoriais e censitárias, dando ênfase às

formas de compadrio adotadas pelos cativos, analisando desde a formação

familiar, a forma de nascimento dos filhos, bem como as alforrias concedidas

na pia batismal, o que nos permite observar um amplo laço de solidariedade e

apoio mútuo.

Palavras-chave: Batismo, compadrio, escravidão.

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Abstract

This dissertation is a reflection on the forms of relation ships partner-

parentais, through registrations of batisms, adopted by prisoners of the clientele

of São Paulo do Muriaé, Zona da Mata Mineira, among the years of 1852-1888,

developed in the research line in Social History.

Using of a vast parochial documentation, we crossed the data with

samples of sources, giving emphasis to the camaraderie forms adopted by the

prisoners, analyzing the familiar formation as well as the form from birth of the

children, as the freedom’s letters conceded in the batismal sink, the one that

allows observe us wide solidarity bows and mutual support.

Key-words: Baptism, camaraderie, slavery

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................. ... 13

CAPÍTULO I - OCUPAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA ZONA DA MATA MINEIRA

1.1 – Os sertões do Muriaé um ensaio bibliográfico ...................................... 29

1.2 – A consolidação econômica da região .................................................... 40

1.3 – A população escrava que se instaura .................................................... 50

1.4 – Mapas

Mapa I ..................................................................................................... ........ 60

Mapa II ............................................................................................................ 61

Mapa III ........................................................................................................... 62

Mapa IV ........................................................................................................... 63

1.5 – Anexos

Anexo I ........................................................................................................... 64

Anexo II .......................................................................................................... 65

Anexo III .......................................................................................................... 66

CAPÍTULO II RELAÇÕES FAMILIARES, LEGITIMIDADE E ILEGITIMIDADE.

2.1 – O cotidiano e a família escrava ............................................................. 67

2.2 – Nas teias da ilegitimidade: o estudo da ilegitimidade dos filhos de mães

escravas, e o nível de riqueza de alguns proprietários................................... 84

2.3 - Condição social dos compadres e comadres, segundo a legitimidade...100

2.4 – Celibato e bastardia: um estudo de caso .............................................. 111

2.5 – A celebração de manumissões durante a unção do Sacramento......... 116

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CAPÍTULO III EM NOME DA FÉ, DA PROTEÇÃO E DA SUBMISSÃO.

3.1 – O significado do batismo ....................................................................... 123

3.2 - As variações encontradas nos batismos de São Paulo do Muriaé......... 130

3.3 – Análise microscópica ........................................................................... 141

Figura 1......................................................................................................... 145

Figura 2 ........................................................................................................ 147

Figura 3 ........................................................................................................ 149

IV - Considerações finais ........................................................................... 150

V – Fontes Manuscritas, digitalizadas e impressas.................................. 154

VI – Bibliografia..............................................................................................155

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1 – INTRODUÇÃO

A preocupação de nosso estudo se fundamenta no entorno das relações

empreendidas entre cativos e senhores, definido a partir da celebração do

primeiro sacramento da Igreja Católica, na freguesia de São Paulo do Muriaé 1,

situada geograficamente a Leste da Zona da Mata Mineira, região que durante

o século XIX, baseou-se numa produção essencialmente agrícola, fora da

plantation, e uma alta concentração de mão-de-obra escrava.

As relações sócio-parentais empreendidas por pais, padrinhos,

batizandos e senhores escravistas, a partir da celebração do batismo, davam

condições de solidificar convivências mais íntimas entre todos os segmentos

sociais, por isso era aspirado por diversos indivíduos, dando inclusive a

possibilidade de apreender esse escravo como agente histórico observado a

partir das anotações feitas pelos vigários.

Porém estas análises de maior participação do escravo na sociedade

são recentes, e isto se deve principalmente à introdução de fontes que não

eram trabalhadas anteriormente, possibilitando-nos uma análise cotidiana dos

cativos. Inventários post-mortem, processos-crimes, registros paroquiais,

censos demográficos, listas nominativas, entre outros, buscam respostas a

questões anteriormente insolúveis, como a idéia do escravo ser caracterizado

1 C.f. José de Oliveira Vermelho, o município de Muriaé foi instalado em 30 de setembro de 1861, constituído de quatro distritos: São Paulo do Muriaé, Nossa Senhora da Glória (atual Itamuri), Patrocínio do Muriaé e Conceição dos Tombos do Carangola, desmembrados que foram de São João Batista do Presídio (atual Visconde do Rio Branco). VERMELHO, José de Oliveira. Município de Muriaé. Formação administrativa. Revista de Historiografia Muriaeense. Ano VI, nº 5 – Muriaé MG, novembro de 1983. p. 9.

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por ações imorais em decorrência dos dissabores infiltrados no próprio sistema

escravista. 2

Nessa sociedade onde existiam duas forças distintas, senhor e escravo,

é evidente que o primeiro grupo representava a parte mais forte da disputa e

isto não era passado despercebido ou deixado de lado, pelo menos em

trabalhos mais recentes. Portanto, observa-se que era possível ao escravo

estabelecer relações mais íntimas de solidariedade e a adoção de uma

mobilidade social. 3

“A maioria dos historiadores brasileiros agora concorda que o número de

escravos que viviam em famílias era bem mais elevado do que antes se

supunha” 4. Permanecem, porém, várias dúvidas com relação à proporção do

número de casamentos, à contribuição do proprietário em relação aos

casamentos de seus cativos, à duração da união dessas famílias em relação

ao tempo, à importância e aos mecanismos de escolha para apadrinhar um

escravo.

Convém destacar que essa família não era formada apenas por relações

de consangüinidade, mas era reforçada e ampliada nas relações estabelecidas

por apadrinhamentos; sendo determinada pelo número de escravos de um

mesmo proprietário, o tamanho da escravaria e a formação do número de

famílias.

Com relação a tais problemas a historiadora Ana Maria Lugão Rios,

oferece-nos uma excelente reflexão e nos informa que “(...) quanto maior o 2 Estas idéias foram difundidas por Gilberto Freyre, no clássico Casa-grande e senzala, escrito por volta de 1930, que considerava esta dita promiscuidade dos escravos, decorrentes de razões sociais, já que esta realidade do Novo Mundo era totalmente estranha a ele. 3 FREIRE, Jonis. Batismo e compadrio em uma freguesia escravista: Senhor Bom Jesus do Rio Pardo (MG), 1838-1888. Dissertação de Mestrado. Unesp: Franca, 2004. 4 METCALF, Álida C. A família escrava no Brasil Colonial: um estudo de caso em São Paulo. In: História e População. Estudos sobre a América Latina. São Paulo: ABEP, IUSSP e CELADE, 1990. p.205

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plantel a que pertence o batizando, maior a preferência por padrinhos escravos

e vice-versa (...)”5. A autora possibilita-nos averiguar que em escravarias

maiores, havia uma maior possibilidade de permanência dos laços familiares,

enquanto que em médias e pequenas unidades produtivas, existia uma maior

inserção desde grupo, aos costumes e valores dos brancos.

Entre vários temas que apuram essa possibilidade, o apadrinhamento de

escravo aparece como um dos principais alvos de destaque. Pais, filhos,

padrinhos e senhores, mergulham nessas relações, fortalecidos na pia

batismal, ao conceber o escravo como um membro da Igreja aceita como

oficial.

Nesta visão, o tema proposto: batismo e apadrinhamento de filhos de

mães escravas em São Paulo do Muriaé (1852-1888) está conjugado numa

estrutura histórica ampla de socialização e inserção do cativo na sociedade.

Pela instituição do sacramento do batismo é possível entender a

organização familiar do escravo, conhecer suas relações de parentesco e sua

inserção no mundo escravista, já que era possível pelo compadrio ultrapassar

as barreiras da Igreja Católica, atingindo a convivência mais íntima de todos os

estratos sociais.

A valorização do ato, tinha uma função muito mais do que religiosa para

os escravos, pois dava condições para estabelecer uma dependência recíproca

de forma a ampliar sua comunidade, na tentativa de resguardar sua identidade

como grupo.

“O batismo organizava uma complexa rede de parentesco espiritual que

envolvia a criança e seus padrinhos, mas igualmente os pais e os padrinhos

5 RIOS, Ana Maria Lugão. Família e compadrio entre escravos das fazendas de café: Paraíba do Sul, 1871-1888. Cadernos ICHF-UFF, 1990. p.104-128.

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ou, pelo menos, a mãe e os padrinhos” 6, indicando uma relação de comadres

e compadres, padrinhos e madrinhas, como também afilhados e afilhadas.

Pelo compadrio os escravos expandiam suas relações de parentesco,

levando-a inclusive, para fora das senzalas e unidades de produção,

proporcionando-os segurança, diante das instabilidades cotidianas.

Ser convidado para apadrinhar era extremamente edificante, pois

conferia ao afilhado sorte, amizade, proteção, confiança, e o padrinho, pelo

menos em tese, deveria estar pronto a atendê-lo em todos os momentos de

necessidade. Fato relatado pelo viajante João Maurício Rugendas,

“(...) Os deveres do padrinho para com o afilhado (...) exercem uma influência salutar na sorte do escravo e lhe garantem um amigo, um conselheiro que lhes ouve todas as queixas; e que, se não pode protegê-lo em todas as circunstâncias, pelo menos o consola em todas as suas dores (...)”. 7

Portanto, sabe-se hoje, “que a escravidão e o parentesco não são

experiências excludentes; o cativeiro não abortou a família escrava (...)” 8 ,” (...)

era o parentesco escravo a possibilidade e o cimento da comunidade cativa

(...)” 9 e que o número das relações lícitas e ilícitas dependia do tamanho do

plantel e das formas de interação social desses cativos.

Devemos ressaltar que as celebrações de batismos de escravos eram

em proporções infinitamente menores se comparado aos homens livres,

mesmo havendo uma preocupação da Igreja em ministrar o sacramento

6 C.f. BEOZZO, José Oscar. A família escrava e imigrante na transição do trabalho escravo para o livre. A Igreja Católica ante os dois tipos de família. In: MARCÍLIO, Maria Luíza (org). Família, mulher, sexualidade e Igreja na História do Brasil. São Paulo: Loyola, 1993. p. 52. 7 RUGENDAS, João Maurício. Viagem Pitoresca através do Brasil. 7ª ed. São Paulo: Livraria Martins Editora/INL/MEC, 1976.p.135 8 FLORENTINO, Manolo;GÓES, José Roberto. Parentesco e família entre os escravos no século XIX: um estudo de caso. Sumário Brasileiro de estudos populacionais – Unicamp, v.12, nº 1 e 2, dez/jan, 1995. p.A 9 FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz nas senzalas. Famílias e tráfico atlântico, Rio de Janeiro, c. 1790- c.1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. p.36-37

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identificando-os como “fiéis e pessoas”. “Ser batizado, ingressar no mundo

cristão, receber um nome era certamente um momento sagrado do escravo”. 10

O batismo era então um dos mecanismos usados não apenas como

ampliação desses relacionamentos, mas também como forma de submissão e

manipulação do escravo.

Desta forma, nosso trabalho terá como fonte principal os registros

paroquiais de batismos, de onde foram retirados todos os filhos de mães

escravas existentes na Paróquia São Paulo do Muriaé, perfazendo um total de

952 assentos, anotados especificamente em quatro livros para tal designação,

sendo excluídos dois lançamentos de escravos adultos, por acreditarmos ser

insignificante o seu número para maiores estudos.

Um primeiro livro mencionado, chamado de 1 a, datado de 1852 a 1863;

um segundo, composto de dois volumes, com data de 1863 a 1886; um terceiro

de 1886-1892, todos abertos a população em geral, sem distinção de raça,

etnia ou classe social. A partir de primeiro de Janeiro de 1872 foi aberto o

primeiro livro dedicado exclusivamente a batizados de filhos de mães escravas,

com um total de 120 folhas, todas rubricadas pelo Cônego Honório Fulgino de

Magalhães, mas utilizadas somente 31 delas, no qual, nomeamos como 1 b.

As evidências desse livro 1 b ser realmente dedicado aos registros de

filhos de mães escravas, ou seja, livres, em decorrência da Lei do Ventre Livre

são muito fortes, pois o primeiro assento data-se de 01/01/1872 e o último

10/02/1888, após nesta última data, este livro é deixado de lado, no qual passa

os assentos a serem registrados em um único livro de batismo para a

10 FALCI, Miridan Britto Knox. Escravos do Sertão: Demografia, trabalho e relações sociais. Piauí, 1826-1888. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1995. p. 78.

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população como um todo. Possui 555 assentos todos numerados11, porém

foram cortados os registros números 441, 442 e 461.

O primeiro livro de batismo 1 a, possui 100 folhas rubricadas pelo Padre

Antônio Caetano da Fonseca, todos os assentos feitos pelo Cônego Honório

Fulgino de Magalhães com algumas numerações legíveis (folhas 20 a 89 e 95).

O segundo livro tem apenas 190 folhas rubricadas pelo padre Coutinho e

possui uma colagem de folhas nas primeiras páginas, falta a folhas 61, pulando

a numeração, pois não apresenta neste intervalo, sinais de extração, o terceiro

livro é o que mais obedece uma certa ordem cronológica, o que poderia derivar

de uma maior organização do responsável.

No estudo detalhado desses livros, nota-se uma ausência de meses e

até anos sem registros, bem como uma falta de seqüência cronológica nos

assentamentos. A explicação para o fato pode estar relacionada à ausência do

Vigário Antônio Caetano Fonseca, que por diversas vezes se encontrava de

licença paroquial, bem como registros feitos em pedaços de papel, sendo

somente mais tarde registrados em livro ou até mesmo perdidos com o tempo.

Na página 79, também no livro de batizados 1 a, após o dia 07/09/1860,

cita o Vigário que faz um assentamento do mês de Setembro de 1859,

relatando o seguinte: “faço este apsentamento sem guardar a ordem

cronológica, que havia perdido o papel e já o fis”.12

Em um momento, o Cônego Honório Fulgino de Magalhães fez uma

observação logo após um registro de batismo de Camillo dia 13/08/1851:

11 Livro 1 b de Batizados de escravos da Paróquia São Paulo do Muriaé- Ressalva na ordem cronológica dos assentos: após o número 155 o Vigário José Delfino César retorna ao número 146. Na realidade são 565 assentamentos e não 555. 12 Livro 1 a de batismo, Matriz São Paulo do Muriaé, 1852-1863.

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“Começão os apsentos feitos em pedaços de papel pelo Vigário encomendado

José Justino Paes Maciel no ano de 1852”. 13

Os dados retirados desta fonte citada serão cruzados com outros como:

inventários post-mortem, testamentos, recenseamentos gerais do Brasil

Império referentes ao ano de 1872, ações cíveis, procurando ainda delinear a

pesquisa com bibliografias referentes ao objeto proposto.

O recorte temporal de nossa pesquisa equivale aos anos de 1852 a

1888. O primeiro limite se explica pela restrição das fontes, além de ser um

período posterior ao fim do tráfico, o que nos dá uma característica própria. O

primeiro livro de batismo da Paróquia analisada inicia-se nesta data e inclusive

sua abertura é feita no ano de 1852, apesar de existir alguns registros de livres

para o ano de 1851, levando também em consideração que a partir de 1850 a

grande mão-de-obra escrava entra em um lento processo de extinção. O

segundo limite (1888) se explica por ser a época da abolição da escravatura,

marcando o fim do escravismo.

Os resultados apresentados por historiadores enfocando diversas

regiões e épocas, chegam a diferentes resultados para o tema, desta forma, o

trabalho poderá ser incluído como uma relevante contribuição para a produção

historiográfica dedicada ao assunto.

As lacunas existentes sobre este objeto ainda são imensas,

principalmente quando se refere à Zona da Mata Mineira, por serem trabalhos

ainda insipientes. Assim, a especificidade de tempo e de lugar propostos

(Muriaé, 1852 – 1888), possibilita-nos intensificar pesquisas em consonância à

historiografia contemporânea.

13 Livro de batismo 1 a, Matriz São Paulo do Muriaé, 1852-1853.

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Não queremos afirmar que o tema jamais tenha sido explorado por

outros autores na localidade proposta, porém a pesquisa abrirá avanços no

estudo da escravidão brasileira, principalmente por possuir aportes teóricos e

metodológicos distintos e por ser mesclado de outras fontes cartorárias e

censitárias.

Além disso, os trabalhos de cunhos regionais e locais possibilitam

desvendar um amplo e rico acervo documental, até então pouco freqüentado

por historiadores, permitindo-nos observar variáveis para a compreensão de

relações sociais mais vastas.

Outro ponto marcante é que o atual trabalho estará permeado por

processos interdisciplinares, viajando em outros campos do saber, como a

estatística, a antropologia, a sociologia, além de outras, permitindo um diálogo

constante entre as diversas formas de conhecimento.

A pesquisa proposta é peça importante para o enriquecimento não só da

região, como para toda uma gama de pesquisadores interessados pelos

movimentos historiográficos e preocupados com a inserção do escravo como

agente da história, podendo desta forma, contribuir para deduções de várias

hipóteses que norteiam valores, idéias e visões sociais dos cativos.

Finalmente, acreditamos que esta apresentação contribuirá para a

compreensão da região, refinando a análise numa integração com as

pesquisas nacionais e inclusive gerar interesses de outros estudiosos,

facultando para o aprofundamento da história mineira e sua inclusão na

História do Brasil.

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Nossos objetivos esforçam em analisar as relações de compadrio

existentes nos registros de batizados entre escravos em São Paulo do Muriaé,

contabilizando a condição social dos padrinhos/madrinhas.

Verificaremos a origem desses batizandos tendo como princípio a Lei do

Ventre Livre em 1871, o qual nos permite avaliar uma maior manipulação do

senhor ao sacramento, a variação de padrinhos/madrinhas e sua proporção em

relação ao aparecimento dos dois representantes, qual o número de santos

e/ou santas assumindo esta posição, bem como o número de padrinhos

proprietários nos batizados de escravos, analisando desta forma, se há um

grau de sociabilidade mais íntima entre ambos.

Além disso, analisaremos se os nomes apresentados pelos menores têm

alguma ligação com possíveis parentes do escravo, maior afinidade com a elite

local ou mesmo com santos cultuados pela Igreja, empreendendo um estudo

sobre possíveis conexões dos padrinhos/madrinhas quanto ao plantel dos

batizandos e a forma de nascimento desses filhos. Faremos um estudo das

alforrias de pia concedidas as crianças e verificaremos na documentação

cartorial se existe alguma proximidade destas crianças com o padrinho ou

proprietário pelos patrimônios deixados por estes, ou mesmo alguma

confirmação de paternidade.

O critério da dimensão adotada, ou seja, um enfoque mais amplo 14

buscamos na história social sua configuração, aparecendo um diálogo com a

14 Os conceitos de dimensão, abordagem e domínio foram baseados em idéias traçadas pelo professor Dr. José d’Assunção Barros em seu livro O campo histórico. Rio de Janeiro: Cela, 2002. p.20, 21.

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história demográfica e história cultural; tendo sempre em mente que o “homem

é o objeto final da pesquisa histórica”. 15

Com relação à abordagem ou tratamento das fontes a história serial será

o caminho. No tocante ao campo de observação, a história quantitativa e

historia regional será a luz.

Para uma melhor análise dos estudos populacionais, sobretudo histórico,

é necessário um conjunto amplo de fontes embasadas por séries longas, tendo

sentido somente se comparadas com seu tempo, endossando as palavras de

Braudel que “a maneira de pensar dos homens demora mais tempo para ser

modificada”.

O enfoque moldado a partir da história social apresentará um diálogo

com a história demográfica, já que as fontes paroquiais são “(...) testemunhos

demográficos por excelência (...)” 16. As explorações dos registros de batismos

se mostram não só importantes para a reconstituição das famílias e das

relações de parentescos de sangue, mas também de laços de solidariedade.

Devemos enfatizar que a história demográfica, como bem afirmara

Pierre Goubert, “deve seu desenvolvimento ao tipo mais limitado de história

local, se enquadrando neste tipo de documentos os registros paroquiais”. 17

Esta análise é respaldada por Maria Yedda Leite Linhares, quando

esclarece, “as fontes de cunho cartorário, eclesiástico se conservados no

15 Apud. Hebe Castro. Das cores do silêncio. O significado da liberdade no Sudeste escravista – Brasil, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, se referindo a Georges Duby, neste entrelace entre os diversos campos da historiografia. p.46. 16NADALIN, Sérgio Odilon. A demografia numa perspectiva histórica. Belo Horizonte: ABEP, 1994. p.16 17 GOUBERT, Pierre. História Local. Revista História & Perspectivas. Uberlândia, nº 6, já-jun, p 46-58, 1992.

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interior do país tem mostrado extremamente ricas, se analisadas com precisão”

18. Assim sendo, a história demográfica e regional casa-se perfeitamente.

No estender da professora acima citada, a história regional é um recorte

a priori, não de caráter físico, mas estabelecida pelo historiador, não existindo

manual, nem tão pouco subdivisões, podendo mudar de acordo com a época e

local estudados. 19

Com relação aos domínios, ou seja, algo mais específico no que diz

respeito a ambientes sociais ou objetos e com relação aos agentes históricos, a

história da vida privada, história rural e história da religião serão as grandes

condutoras.

Nossa proposta de estudo será perpassada pela relação da história do

cotidiano, numa mudança “das relações de dominação, uma história construída

nos detalhes quase invisíveis, das coisas deixadas “de lado”. 20” Esta

documentação examinada abre “janelas” para um cotidiano difícil de ser

vislumbrado em outras fontes. 21

Para que possa ter a noção do funcionamento do aparelho religioso e as

diversas formas de disciplinas, ritos, conceitos e normatizações presentes na

época em estudo, será necessário transcorrer a análise da estrutura e

organização da história eclesiástica da época, levando em conta sua ocupação

regional.

18 LINHARES, Maria Yedda Leite. História Agrária. In: CARDOSO, Ciro Flamarion S.; VAINFAS, Ronaldo (org) Domínios da História. Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p 171 19 Dados colhidos durante as discussões do GT de História regional, realizado na Universidade Severino Sombra, Vassouras – RJ, coordenado pelos professores doutores, Jorge Luiz Prata de Sousa, Maria Yedda Leite Linhares, Márcia Suely Amantino e Célia Muniz. 20 DEL PRIORI, Mary. História do Cotidiano e da Vida Privada. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo, (org) Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 274. 21LIBBY, Douglas C. e GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. Reconstruindo a liberdade: alforria e forros na freguesia de São José do Rio das Mortes, 1750-1850. In: Varia História. Belo Horizonte, n 23, julho 2003.p.122

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Assim, o trabalho será baseado num aporte regional, fundamentado em

registros paroquiais, cartorários e no censo de 1872, possibilitando-nos cruzar

várias fontes, seja de cunho quantitativo e/ou qualitativo, deixando o estudo em

demografia histórica, “como um ponto de partida para análises mais amplas”. 22

Em alguns momentos o trabalho remeterá a uma feição de micro-história, pois

perpassará análises de estratégias sociais, trajetórias individuais, e relações

econômicas. 23

Para uma melhor análise dos registros paroquiais em nossa pesquisa,

usaremos um conjunto amplo de fontes embasadas por séries longas, com a

perspectiva de compará-la no tempo.

As séries homogêneas será nosso principal método, que consiste em

levantar todos os batismos de escravos, para conhecer qual a maior ou menor

incidência desses padrinhos, se eram livres, forros, escravos, ou um

representante espiritual Com relação ao campo de observação, a pesquisa

será quantitativa compilada em tabelas e expressas em gráficos

estatisticamente para melhor entendimento. 24

Para Rafael Galvão e Sérgio Odilon Nadalin, “(...) Às séries construídas

a partir da documentação paroquial só tem validade na medida em que são

comparáveis no tempo (...)” 25. A interpretação dessas séries é o grande

enigma da pesquisa, sendo possível, através de softwares, fazer uma

interpretação da história demográfica do passado. Conforme Carlos Bacellar é

22BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Recuperando sociabilidades no passado. In. BOTELHO, Tarcísio Rodrigues [et al] (org). História Quantitativa e Serial no Brasil. Um balanço. ANPUH – MG, 2001. p.28. 23 GINZBURG, Carlo. A micro-História e outros ensaios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, s/a, 1989. 24 BARROS (2002) José D’Assunção. O campo histórico. Rio de Janeiro: Cela, 2002. p.149 25GALVÃO, Rafael Ribas; NADALIN, Sérgio Odilon. Bastardia e ilegitimidade: murmúrios dos testamentos paroquiais durante os séculos XVII e XIX. Nota Prévia

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possível pelas listas longas, dar “vida aos números” 26, para que nosso trabalho

não se transforme num campo árido e infecundo.

As séries nas listagens de batizados terão uma padronização

metodológica aparentando uma projeção de slides, ou mesmo “um filme, com

várias fotografias” 27, mostrando a dinâmica familiar nesta região recortada,

moldada pela subjetividade dos párocos e bispos.

Assim, as informações que serão colhidas nos locais de registros, como

cartórios, Igrejas, inicialmente de forma manual, serão logo a seguir,

armazenadas em um banco de dados, em computador, devido ao número

acentuado de informações que se pretende levantar.

Nos registros paroquiais a cobertura universal, a possibilidade de análise

individual e coletiva num determinado tempo, o caráter nominativo e sua

análise serial e cronológica 28, possibilita-nos constatar que é uma fonte

altamente importante no estudo da demografia histórica.

Na paróquia analisada, o estado das fontes apresenta razoável

conservação, permitindo compilar a maioria dos dados, a não ser em casos

extremos, como de folha cortada e desfeita pela ação do tempo.

Assim, pretende-se discutir as relações de compadrio em batizados de

escravos, bem como a sua relação com alguns casos particulares retirados dos

arquivos cartorários, num pinçar de fontes qualitativas, versando uma

imbricação de métodos para uma melhor análise dos dados.

26 BACELLAR (2001) Op. cit. p.29 27 FRAGOSO e PITZER fazem esta observação, onde descrevam as várias divisões e subdivisões dos inventários post-mortem, afirmando que a fonte serial não é apenas uma fonte massiva, mas que se repete no tempo como um filme, podendo se enquadrar nas fontes paroquiais. FRAGOSO, João Luis; PITZER, Renato Rocha. Barões, homens livres e escravos: notas sobre uma fonte múltipla – inventários post-mortem. In: Revista Arabaldes. Ano 1, nº 2, set/dez, 1988. p.30. 28 MARCÍLIO, Maria Luíza. Os registros paroquiais e a História do Brasil. In: Vária História. Belo Horizonte, nº 31, p 1-286, janeiro, 2004.. p. 16-17

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O resultado dessa metodologia nos servirá para a análise dos aspectos

sociais, da relação de parentesco e apadrinhamento entre os escravos. O

trabalho será dividido especificamente em três capítulos. No primeiro será feito

uma análise sobre a ocupação e integração do Leste da Zona da Mata Mineira,

estabelecendo possíveis ligações com o efeito de desocupação das áreas

mineradoras.

Enfocaremos as dificuldades em desbravar os sertões do leste, que será

impulsionada de maneira insipiente após a estagnação das lavras. Desta

forma, a região somente será habitada em início do século XIX, delineando um

novo desenho geográfico para Minas Gerais, relacionando sempre esta

ocupação com o Caminho Novo e sua ligação com o Norte Fluminense.

No subtítulo consolidação econômica da região, constataremos o papel

do trabalho escravo para a economia local, visto que o principal produto da

região – o café – será o responsável em expandir a população escrava da Zona

da Mata, constituindo a maior população escrava da Província durante o século

XIX, apesar de haver na localidade em foco, um reduzido número de escravos,

com porte de terra variando de pequeno a médio, com poucas exceções.

Travaremos ainda um debate entre diversos autores que priorizam a economia

da região como instrumentos de trabalho.

Nesta primeira parte, apresentaremos algumas discussões entre

diversos estudos sobre a população que ali se estabelece, buscando nos

dados do recenseamento de 1872, o cruzamento de dados sobre a população

local.

No segundo capítulo, falaremos sobre as relações familiares,

legitimidade e ilegitimidade: o cotidiano e a família escrava, e a influência da

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ilegitimidade para a formação das famílias. E ainda, como as formas de

nascimento desses filhos poderiam interferir ou influenciar nas relações de

compadrio entre aqueles indivíduos, pincelando algumas formas possíveis de

padronização dessas famílias.

Faremos ainda alusão a alguns casos específicos de família escrava que

aparece nos inventários post-mortem e a preocupação de alguns proprietários

em estabelecer tais vínculos. Relacionaremos a ilegitimidade local com a

riqueza de alguns proprietários, levantando a ilegitimidade de maneira geral.

Esses dados serão avaliados por trimestres, delimitando a distribuição de

proprietários por escravos levados ao batismo, e correlacionaremos alguns

estudos de caso à riqueza de alguns proprietários com a ilegitimidade e

legitimidade dessas crianças.

Neste mesmo capítulo, faremos um estudo de caso em que um vigário

local reconhece em cartório a paternidade de quatro filhos nascidos de uma

relação com uma ex-escrava, e ainda um estudo sobre as manumissões

concedidas durante o batismo.

Por fim, mostraremos a condição social dos padrinhos e madrinhas,

segundo a legitimidade dos batizandos, em que faremos uma comparação

entre as diversas categorias existentes.

No terceiro capítulo, será discutido a importância do batismo como

sacramento e quais os laços empreendidos entre os envolvidos nesta

celebração. Usaremos como no segundo capítulo, os dados coletados junto

aos batistérios da Matriz, procurando sempre demonstrar com quem e como

estes escravos se relacionavam, qual a participação do senhor para a escolha

dos padrinhos, bem como uma análise dos batismos e laços de compadrio, em

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três unidades produtivas, tendo sempre a preocupação em abordar alguns

trabalhos que tratam o mesmo tema em diversas regiões e período.

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CAPÍTULO I

OCUPAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA ZONA DA MATA MINEIRA

1.1 Os sertões do Muriaé um ensaio bibliográfico

Repensar a historiografia mineira, mais precisamente a região da Zona

da Mata, é creditar a ela parte diferencial da ocupação do território brasileiro,

colocando-a no cenário de forma específica. Analisar esta região e resgatar o

maior número possível de textos referentes ao assunto é tarefa primordial na

realização do projeto.

A imensa região entre os rios Muriaé e Pomba e ao encontro desses

com o rio Paraíba do Sul, no litoral fluminense campista, até as proximidades

da Mantiqueira, era antes ocupada por mata nativa. Uma floresta densa e

montanhas quase intransponíveis tornavam-na uma barreira natural às

povoações onde abrigava índios e negros fugitivos.

Por mais de um século esta terra permaneceria com uma vegetação

quase que intocável, apesar das “matas” serem caminho para negociantes que

circulavam de São Paulo e Rio de Janeiro para o interior mineiro em busca de

pedrarias e metais preciosos.

Devido às dificuldades em desbravar os sertões do Leste da Zona da

Mata Mineira no final do século XVIII, principalmente pela implantação política

da Coroa em não ampliar as áreas de ocupação das fronteiras além-

mineração, com o intuito de reforçar a vigilância ao contrabando do metal - a

região somente será habitada no início do século XIX. Esses condicionantes,

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somados as dificuldades naturais levarão a Zona da Mata efetuar seu

desenvolvimento tardiamente. 29

O sertão observado de lugares já ocupados, ou mesmo em locais de

uma vegetação rasteira, parecia impenetrável. Na região estudada, encontrava

em seu estado primitivo os índios purís, e por todo sertão do rio Pomba fixavam

os croatos e coropós30. (ver mapa I)

Os Purís eram da grande família de tapuias, dividiam em várias tribos e

tinham sua origem na língua dos coroados. “Esses indígenas eram ainda

selvagens, nas solidões que se estendem desde o mar e a margem

setentrional do Paraíba, até o Rio da Pomba, na Província de Minas Gerais”. 31

Conforme consta, os índios purís não eram tão dóceis quanto se podia

imaginar, eram temidos e perigosos. Alberto Lamego Filho faz a seguinte

observação: “(...) E de cada tronco, de cada galho, de cada tufo, apontavam de

imprevisto as flechas gigantescas dos minúsculos Puris”32.

Paulo Mercadante completa “(...) utilizavam o fogo, obtido através de

atritos. Esses índios viviam da caça e da pesca, mostrando violentos na guerra.

Alimentavam-se da carne, milho, mandioca, preparados em panelas de barros”

33. Assim, até finais do século XVIII e início do XIX, antes da devastação de

parte desta floresta de Mata Atlântica e do seu povoamento de forma mais

consistente, estes índios viviam em contato direto com a natureza.

29 c.f. LANNA, Ana. A organização do trabalho livre na zona da mata mineira, 1870-1920. V Anais da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 1986. p.82. 30 MERCADANTE, Paulo. Os sertões do leste. Estudo de uma região: Mata mineira. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.p.30 e 32. 31 DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica do Brasil. Tomo I, vol.1 e 2. Brasília: INL, 1975. p.42 e 43. 32 FILHO, Alberto Lamego. A Planície do Solar e da Senzala. Rio de Janeiro: Livraria Católica, 1934. p.123. 33 MERCADANTE (1973) Idem ibidem. p.32

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“À medida que se processava a colonização do território fluminense,

com a lavoura organizada e ocupação de território, trazia como conseqüência o

deslocamento dos coroados para além das margens esquerdas do rio Paraíba”

34. Definição que é constatada nas fontes pesquisadas aos registros paroquiais

de São Paulo do Muriaé, sendo constante a presença de tais índios

administrados em batismos e até mesmo em casamentos. 35

A doação de parcela de terra para sua cultura e estabelecimento familiar

desses nativos foi um grande aliado à sua fixação. Alguns podiam tornar

agregados das fazendas e ter sua morada própria. Este relacionamento entre

as culturas indígena e branca possibilitou a sedentarização e a semi-

sedentarização de alguns índios possibilitando um maior convívio entre eles. 36

A estes nativos se deve, de certa forma, o início de uma pequena

produção agrícola, destinada ao consumo local. Este fato nos possibilita

verificar que a mata central era uma região que se formou predominantemente

por uma população camponesa, como referiu Ângelo Alves Carrara, em

estudos relizados. 37

Em 1988, Ricardo Bastos Cambraia e Fábio Faria Mendes salienta sobre

a necessidade de desbravar os sertões, sob o ponto de vista histórico, como

forma de amenizar a “dita decadência” das minas:

“Em carta ao Governador da Capitania, Pedro Maria Xavier de Athayde Mello ao Príncipe Regente, no ano de 1807, a visão dos “sertões do leste” como solução dos problemas da Capitania encontra sua forma mais elaborada...” “... “esse importante

34 MERCADANTE (1973)Op. cit. p. 30; DEBRET (1975) Op.cit. p.31 e 32 35 Livros de casamentos e batizados da Paróquia São Paulo do Muriaé, 1852-1888. 36 FREIRE (2004) Op.cit. 37 O autor faz uma observação quanto à divisão da Zona da Mata Mineira, estabelecendo três sub-regiões: norte, sul e central, por apresentar diferenças internas. Muriaé, além de Viçosa, Ubá e Rio Pomba se destacam como integrantes da parte da Mata central. CARRARA, Ângelo Alves. Estruturas agrárias e capitalismo: contribuição para o estudo da ocupação do solo e da transformação do trabalho na zona da mata mineira, século XVIII e XIX. Série Estudos, nº 2, Mariana: NHED/ UFOP, 1999.

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objeto”, ganhava lugar de destaque no discurso oficial, assumindo desde já a forma de um projeto colonizador” 38.

Importante observar que esta ocupação estava totalmente associada à

ligação ao Caminho Novo, sem vínculo algum com o Caminho Velho. O último

trajeto do Caminho Velho tornava-se cada vez mais perigoso devido aos

ataques de piratas. “Foi por isso que o governo colonial julgou por bem abrir

uma estrada que da região das minas levasse diretamente ao Rio, encurtando

o caminho e evitando o percurso marítimo”. 39 (ver mapa II)

Através do Caminho Novo, o trajeto entre Rio de Janeiro e Minas Gerais

foi diminuído em vinte e cinco dias. Esta mudança de roteiro possibilitou a

estes negociantes dividir o percurso em etapas, podendo parar para descansar

nas roças, próximo ao rio Paraibuna e na Cordilheira da Mantiqueira40.

Realmente, o Caminho Novo foi a porta de entrada para a colonização da Mata

Mineira.

Diogo de Vasconcelos observa que existiam vários colonos habitando a

beira deste caminho antes mesmo de sua distribuição em lotes de terras pelo

governo, que inclusive davam pousadas aos viajantes neste trajeto41. A

observação feita por Renato Pinto Venâncio confirma esta visão do Caminho

Novo, porém na sua versão não havia nada de novo, pois era uma rota

indígena milenar. Pesquisas arqueológicas comprovam que a ocupação

humana na rota ocorrera há cerca de dez mil anos antes do presente e os

38 CAMBRAIA, Ricardo de Bastos; MENDES, Fábio Faria. A colonização dos sertões do leste mineiro: políticas de ocupação territorial num regime escravista, 1780-1836. Revista do Departamento de História, nº 6, jul., p.137-150, 1988. p.141 39 Revista Brasileira de Geografia. Estudo Regional da Zona da Mata de Minas Gerais. Ano XX, nº1, jan-mar, 1958. p.26 40 VENÂNCIO. Renato Pinto. Caminho Novo: a longa duração. Revista Varia História. Número especial. Códice Costa Matoso. Belo Horizonte: FFCH/UFMG, nº. 21, jun., p.181-189, 1999. 41 VASCONCELOS, Diogo de. História Média de Minas Gerais. Imprensa Oficial, Belo Horizonte, 1918. p.39

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pontos de assentamento já eram ocupados bem antes da chegada dos

portugueses. 42

“Os vestígios do pioneirismo da região da mata mineira em fins do

século XVIII são mínimos. O que existiu foi abertura nas matas por precursores

que abriram picadas e fundaram núcleos isolados na floresta” 43, uma

população espaçada em função da dificuldade de penetração.

Márcia Sueli Amantino, nos adverte que os sertões eram vistos por dois

ângulos, “(...) por um lado era visto como local de excelência do descobrimento

de ouro e da riqueza rápida havia (...)” por outro “(...) um local associado à

fome, às guerras com índios e escravos fugitivos, às más condições de vida, à

insegurança e à morte” 44. Assim, a tarefa em desbravar, pacificar, na tentativa

de obter algum ganho, era reservada a alguns brancos destemidos e de

confiança da Coroa.

Para habitar este território, se multiplicaram as concessões de sesmarias

no curso do século XVIII. Entre os anos de 1710 a 1822, o total ultrapassaria

6.642 léguas quadradas45, sendo as fronteiras nas freguesias do Presídio e de

Ubá fechadas por volta de 1840, enquanto permanecia aberta na mesma

época em todo o vale do Rio Muriaé. 46

Segundo Revista do Arquivo Público Mineiro, coube ao Diretor Geral dos

Índios, Guido Thomas Marlière, em 31 de Agosto de 1819, povoar e fundar um

estabelecimento para os índios purís, no sertão do Muriaé, levantar uma Igreja

para eles, e demarcar suas terras, desde que fossem bastante para sua cultura

42 VENÂNCIO (1999) Op. cit. p.181 a187 43 Revista Brasileira de Geografia. Estudo Regional da Zona da Mata de Minas Gerais. (1958).p.27 44AMANTINO, Márcia Sueli. O sertão oeste em Minas Gerais: um espaço rebelde. Varia História. Belo Horizonte: UFMG, nº 29, p. 79-97, 2003. p.94. Apesar de ser um estudo feito no sertão oeste de Minas Gerais, pode-se perfeitamente associá-lo à região leste de Minas Gerais. 45 MERCADANTE (1973) Op.cit.p.38 46 CARRARA (1999). Op.cit. p.26

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e sustento. A fixação dessas terras foi feita pelo medidor aprovado, Alferes

Francisco de Paula Silveira, que utilizou de recursos naturais para tal missão.

47 Paulo Mercadante, em sua obra, cita Maximiliano, Príncipe de Wied-

Neuwied, que fizera uma viagem ao Brasil nos anos de 1815 a 1817, e faz

menção a grande produção de açúcar e à existência de engenhos juntos ao

“pequeno Rio Muriaé”, de modo que, “quando Guido Tomás Marliere designou

Constantino José Pinto para o primeiro Diretor dos puris, em 1819, já havia

fazendas desenvolvidas no lugar” 48 . No mesmo vale a última vez em que uma

escritura mencionou o aposseamento como modo de acesso ao solo foi em

1841. 49

O local de desembarque de Constantino José Pinto foi próximo a

Armação e Rosário. O povoado que se iniciara receberia a início o nome de

Quartel de Robinson Crusoé, e para lá Marlière mandaria mais tarde, João do

Monte, um dos seus subordinados. 50 (ver mapa III)

Desde meados do século XVIII, o interior da Zona da Mata foi

freqüentado por religiosos, negociantes, militares e aventureiros, que faziam o

comércio da poaia (ipecacuanha), nome genérico de várias plantas vomitivas,

de grande valor comercial e também destinado à exportação, sendo inclusive

negociada com os índios em troca de aguardente. 51 (anexo I)

Assim, no alvorecer dos oitocentos, nascia nesta região um outro Brasil,

destruído pelas escavações das minas, mas com uma fronteira agrícola imensa

a ser desbravada no meio de currais, colinas, montanhas, com clima e maneira

47 Revista do Arquivo Público Mineiro, vol. II, 1897. p.16 e 17. 48 MERCADANTE, Paulo. Crônica de uma comunidade cafeeira. Carangola: o vale e o rio. Belo Horizonte: Itatiaia, 1990. p.28. 49 CARRARA (1999) Op.cit.. p.37 50 JOSÉ, Oiliam. Marlière, O Civilizador. Belo Horizonte: Itatiaia, 1958, p.76. 51 JOSÉ (1958) Idem, Ibidem, p. 45

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de viver, talvez parecida, mas não idêntica a outras regiões do imenso espaço

brasileiro. Conforme Maria Yedda L. Linhares, “O século XIX não foi, pois, o da

decadência, e, sim, o da gestação de uma nação”. 52

Para entender esta dinâmica é imprescindível fazer algumas

observações, pois a região da Mata surge acoplada a esta idéia de decadência

mineira, como uma forma de redefinição socioeconômico da Província.

Importante, também, analisar as concepções de Minas Gerais aceitas por

Celso Furtado, falando de decadência regional, por não haver uma

diversificação econômica, sendo esta dependente das outras províncias.

Com o declínio do ouro, era natural para Furtado que a economia de

Minas Gerais também declinasse, sendo conseqüência de uma visão

consagrada, ou seja, o fator econômico importantíssimo até então, deixava de

existir. A região iniciava uma longa fase de involução que resultou em

regressão para uma economia baseada numa agropecuária de subsistência. 53

“Uns poucos decênios foi suficiente para que se desarticulasse toda a economia da mineração, decaindo os núcleos urbanos e dispersando-se grande parte de seus elementos numa economia de subsistência...” “... a expansão demográfica se prolongará num processo de atrofiamento da economia monetária (...)”. 54

Tal tese será confrontada pela precursora Maria Yedda Leite Linhares,

no ano de 197955 nos informando que apesar da diminuição da economia

mineira e a decadência do ouro, Minas não declinará, pois apresentava

52 LINHARES, Maria Yedda Leite. Metodologia da história quantitativa: balanço e perspectivas. In: História Quantitativa e serial. (org) BOTELHO, Tarcísio Rodrigues; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de; CERQUEIRA, Adriano Lopes da Gama; MARQUES, Cláudia Eliane Parreira Marques; FAVERSANI, Fábio. Ouro Preto: ANPUP- MG, 2001. 53 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1970. p.91-93 54 FURTADO (1970) Idem, ibidem. p.85 55 LINHARES, Maria Yedda Leite. O Brasil no século XVIII e a idade do ouro: a propósito da problemática da decadência. Belo Horizonte: Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais. Seminário sobre a cultura mineira no período colonial, 1979. p.150.

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modelos econômicos próprios, baseado numa economia diversificada e de

subsistência, não baseado na plantation; exemplo este que vai ser seguido por

muitos após sua publicação. 56

Alexandre Mendes da Cunha, em seu artigo apresentado no X

Seminário de Economia Mineira, realizado em Ouro Preto, em 2002, auxilia na

dinâmica de redefinição dos espaços mineiros, tendo como pano de fundo a

conjuntura marcada pelo arrefecimento final da economia mineradora,

propondo um novo delineamento regional e possibilitando subsídios

necessários para a compreensão do redesenho geográfico de Minas Gerais a

partir do efeito centrífugo57.

“(...) O crescimento populacional de outras áreas foi um processo gradual, mas que já na segunda metade do Dezoito marcava o desenvolvimento de outras tantas áreas para além do núcleo minerador, como se verifica o próprio aumento do número de povoações e na criação de várias novas freguesias em parte diversas do território (...)”.58

O impacto sobre Vila Rica se dá de forma clara nas continuadas perdas

populacionais dos antigos núcleos mineradores. Introduz uma caracterização

56 MARTINS, Roberto R. Minas e o tráfico de escravos no século XIX, outra vez. História & Perspectivas. Uberlândia, Minas Gerais, p. 93-130, nº 11, jul-dez, 1994. MAXWELL, Kenneth R. A devassa da devassa. A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal, 1750-1808. São Paulo: Paz e Terra, 1995. CHAVES, Cláudia Maria das Graças.Os mapas estatísticos de Minas Gerais: importações e exportações, consumo, produção e reformas econômicas no início do século XIX. X Seminário de Economia Mineira, 2002. ANDRADE, Rômulo Garcia. Família escrava e estrutura agrária nas Minas Gerais oitocentista. Revista População e Família. nº 1, p.181-210, jan-jun. São Paulo: Humanitas/CEDHAL, 1998, além de outros. 57 Tema já relatado por Iraci del Nero Costa em seu texto Ocupação, povoamento e dinâmica populacional. In: COSTA, Iraci Del Nero da & LUNA, Francisco Vital. Minas Gerais Colonial: economia e sociedade. Estudos Econômicos – FIPE/ Pioneira, 1982. p. 19, CAMBRAIA((1988) op. Cit. p. 138, LIBBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista. Minas Gerais no século XIX. IV Anais da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 1988. p.62 e CUNHA, Alexandre Mendes. Paisagem e população: algumas vistas das dinâmicas espaciais em movimentos da população nas Minas do começo de dezenove. XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais. Ouro Preto, Minas Gerais, 2002.p.2. 58 CUNHA, Alexandre Mendes. A diferenciação dos espaços: um esboço de regionalização para o território mineiro do século XVIII e algumas considerações sobre o redesenho dos espaços econômicos na virada do século. Ouro Preto, Minas Gerais. X Seminário sobre Economia Mineira. Diamantina, 2002. p.11

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específica a partir da mineração, surgindo com ela a subregionalização entre o

urbano e o rural. Desta forma, o ouro não só articula a distribuição geográfica,

mas também redefine o espaço mineiro.

“(...) O que especialmente se tem em conta é que o conjunto do território vai sendo produzido a partir da força integradora de economia da mineração, a partir de uma progressiva incorporação de espaços de formação distinta, diferenciados a partir de suas especificidades físico-geográficas e do curso de suas formações econômico-sociais. Isto, porém não esgota a história na medida em que o refluxo da economia do ouro provoca um rearranjo dos eixos de integração (...)”. 59

Junto das rearticulações dos espaços produzidos e dos lugares do

urbano e do rural na dinâmica histórica, Minas oferece um panorama das

descrições do espaço econômico e as formas de produções diferentes, até

mesmo dentro das próprias sub-regiões provinciais, observação feita por

Ângelo Alves Carrara em obra acima citada:

“Estas importantes diferenças internas não foram percebidas pela historiografia até muito recentemente, que sempre tratou a zona da mata como uma região com características homogêneas”. 60

Torna-se, então, fundamental perceber que as localidades que começam

a surgir são criadas a partir de uma lógica interna, ou seja, o retorno ao mundo

agrário, à busca de novas fronteiras - não que as cidades tenham deixado de

ser um ponto referencial para este crescimento – mas a dinâmica ocupacional

do Leste da Zona da Mata surge a partir da influência urbana, pois o

sustentáculo político e jurídico continua permanecendo nas cidades pólo, não

separando, porém, as novas vilas do vínculo umbilical dos centros mais

desenvolvidos. (ver mapa IV)

59 CUNHA (2002) Op.cit. p.5. 60 CARRARA (1999) Op.cit. p.10

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Observa-se também que a fronteira relacionada principalmente a Muriaé,

e a proximidade limítrofe com o Norte do Rio de Janeiro, a região de Campos

dos Goitacases, onde deságua o poderoso Rio Paraíba do Sul, que recebe

vários afluentes da área Leste da Zona da Mata Mineira, possibilita um grande

percurso navegável, pelo menos no baixo Rio Muriaé, passando o médio e alto

rio sofrer as conseqüências das cachoeiras, animais e índios aterrorizadores,

dificultando e entardecendo a colonização da localidade.

“(...) até o Porto do Cachoeiro, atualmente Cardoso Moreira, era inteiramente navegável. Já em 1785 contava aquela região com a expressiva cifra de 20 engenhos financiados, sobre suas margens...”.

“No Porto do Cachoeiro findava o curso navegável do Rio, em decorrência das cachoeiras lá existentes e começando aí o sertão bruto, o sertão das febres palustres e de venenosas serpentes, os sertões dos temidos Purís que aterrorizavam os viajantes...” “... Desta localidade para frente já era o domínio do médio e posteriormente do alto curso do Muriaé...” “... o que existiam eram aventuras isoladas de um ou outro destemeroso viajante em busca da Poaia ou de madeiras de lei (...)”. 61

A população vilareja que se estabelece ao lado do rio, configura-se pela

exploração das ervas medicinais, utilizando os afluentes para locomoção desde

os grotões do sertão até a antiga Cachoeira da Encoberta, atual Bairro do

Porto. 62

A respeito da população, a localidade vai aos poucos se desenvolvendo

com características agrícolas e construindo um dos mais importantes pontos de

concentração populacional da região. Homens livres, escravos e forros aos

poucos vão ocupando as imediações do rio, constituindo um dos principais

pontos de referência para o comércio. 61 MANOEL, Joel Peixoto. Os sertões do Muriaé. Revista de Historiografia Muriaeense. Ano III nº 3, p.21-32, Muriaé: Minas Gerais, fevereiro de 1980. p 28-29 62 Cachoeira esta que foi destruída por causa das grandes enchentes provocadas na localidade, ponto final dos comerciantes campistas, pois não era possível sua navegação daí adiante.

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Segundo Carrara, “antes do café, a paisagem rural da região foi

dominada até a década de 1840 pelas lavouras de milho, feijão e cana e alguns

poucos arrozais” 63; e como demonstrou Rômulo Andrade, os plantios de café

naquela área começam nos anos 30. 64

Levando em conta que o município demora alguns anos para atingir a

expressão máxima do produto como afirmação feita por Carlos Prates65 e

tomando em consideração que um pé de café levaria alguns anos para ter sua

produção em seu ápice, ou seja, demoraria mais tempo comparado aos dias

atuais, por não existir produtos agrícolas que incentivassem a produtividade;

percebemos que o desenvolvimento cafeeiro se deu de forma lenta e gradual,

pois neste período – final do século XIX e início do XX - possuía um maior

número de pés em plena produção, favorecido pelas condições do relevo, do

clima e da própria terra.

A discussão historiográfica da região é ainda incipiente e necessita de

um maior aprofundamento no esmiuçar das fontes, pois estas são imensas e

ainda se fecha num pequeno círculo de pesquisadores ou até mesmo curiosos.

Como já notara Maria Yedda Leite Linhares:

“(...) a elaboração de uma história regional realmente científica, além de ser de grande valia, para testar generalizações mais amplas, através de suas origens, nos dará uma maior consistência a nossos achados, revelando a complexidade dos sistemas socioeconômicos nos possibilitando o conhecimento de uma “história geral”. 66

63 CARRARA (1999) Op.cit. p. 31. 64 ANDRADE (1998)Op. cit. p.185. 65 Apud Carrara (1999) Op.cit. p.49. Muriaé apresentava nos finais do século XIX e início do XX o mais importante município do ponto de vista agrícola, principalmente em relação à região sub-sul. 66 LINHARES, Maria Yedda Leite. História Agrária. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p.170.

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Desta forma, “(...) a História do Brasil ainda está por ser escrita (...)”.67 É

possível esgotar na história regional todas as fontes de investigação, fazer uma

história de longa duração, bem construída, tendo, porém, um certo cuidado

para não influenciar de forma direta nos dados, devendo ser o mais imparcial

possível para não distorcer resultados por emoções ou paixões, como bem

referia Adam Schaff. 68

Esta complementaridade só é possível no momento em que se enquadra

a dinâmica de estudo e pesquisa como agente de percepção da evolução

histórica, como construtores e produtores dela.

1.2- A consolidação econômica da região69

Vimos no item anterior que Minas Gerais caracterizava-se por

apresentar um quadro econômico diferente, até mesmo dentro das próprias

sub-regiões provinciais. Cada localidade que surge na Zona da Mata após o

esgotamento do ouro, passa a ter peculiaridades próprias.

Muriaé não foge a regra. Uma comunidade agrícola, onde o sistema

escravista era o sustentáculo dessa moldura econômica, “o trabalho escravo

tinha o papel primordial na economia do período” 70. Assim, ”expandir a

67 LINHARES (1979) Op.cit. p.192. 68 SCHAFF, Adam. História e Verdade. Editora Estampa: Lisboa, 1994. p.24. 69 É importante esclarecer que utilizamos à definição de tamanho de propriedade baseado no número de escravos por unidades produtivas, baseados em dados levantados por Rômulo Andrade. ANDRADE (1995) op.cit. 70 LIBBY, Douglas Cole. Trabalho escravo e capital estrangeiro no Brasil: o caso de Morro Velho. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984. p.15

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produção implicava em primeiro lugar, o aumento do plantel de escravos” 71,

seguido de outras duas características fundamentais, “a terra e o café” 72.

Quadro I

Comparações das inversões em escravos, terra e café.

Muriaé, 1872-84

Proprietários Escravo Café terras total

Pequenos 56% 14% 30% 100%

Médios/Grandes 51% 16% 33% 100%

Fonte: ANDRADE (1995) Op. Cit. p.63

Desta forma, independente do lucro obtido com a produção das terras,

possuir maior número de cativos era o que definia a posição econômica e

social dos moradores locais, ou seja, a terra não estava condicionada ao

número de escravos e muito menos a produção agrícola.

Não existiam na região grandes propriedades baseada na “plantation”,

pelo contrário, havia como característica um número reduzido de escravos e

uma extensão de terras de tamanho pequeno a médio, com raras exceções.

“Até o final da década de 1970 a historiografia clássica caracterizava a primeira metade dos oitocentos como sendo marcado, sobretudo pela decadência e estagnação(...)” “(...) Consideram, ainda, que tais efeitos negativos da economia só foram atenuados em meados do século XIX com o desenvolvimento do café na Zona da Mata. 73

71 ANDRADE (1998) Op. cit. p. 186. 72ANDRADE Rômulo Garcia de. Limites impostos pela escravidão à comunidade escrava e seus vínculos de parentesco: Zona da Mata de Minas Gerais, século XIX. (A subjetividade do escravo perante a coisificação social própria do escravismo) Tese de doutorado. USP. São Paulo, 1995. p.61. 73 MARQUES, Cláudia Eliane Parreira. Repensando a historiografia mineira: aspectos demográficos, econômicos e sociais no século XIX e XVIII. Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais. Ouro Preto, Minas Gerias, 2002. p.1 e 2

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Com uma nova roupagem às formas de pesquisas e através de um

manejo documental diferente, a maneira anteriormente concebida de

paralisação da economia mineira seria abolida.

Para alguns autores, “uma agricultura voltada exclusivamente para

exportação não existiu em Minas Gerais, nem mesmo quando a lavoura de

café começava a se desenvolver na Zona da Mata” 74. A produção desses

alimentos era destinadas ora ao auto-consumo, ora ao mercado interno.

Robert W. Slenes argumenta, contrariando os autores acima, que Minas

possuía uma economia de exportação bastante significativa e que os efeitos

multiplicadores do setor de exportação sobre o setor interno eram

proporcionalmente maiores em Minas do que nas áreas plantation do Rio de

Janeiro e São Paulo. 75

Em meio a estas discussões, mostraremos a economia de Muriaé,

enfocando sempre o papel assumido pelo café no último quartel do século XIX,

bem como a produção de outros produtos agrícolas e pastoris.

Economicamente Muriaé se aflorou num cenário em que comerciantes e

colonizadores, vindos de Campos dos Goitacases, região de fronteira, logo se

interessaram pelo comércio local e mesmo que de forma insipiente, adquirem

recursos para iniciar os primeiros plantios de café na região. 76

74 C.f., MARTINS, Maria do Carmo Salazar; LIMA, Maurício Antônio de Castro e SILVA, Helenice Carvalho Cruz da. População de Minas Gerais na segunda metade do século XIX: novas evidências. X Seminário de Economias Mineira. Diamantina, 2002. p.19 75 SLENES, Robert W. Os múltiplos de porcos e diamantes: a economia escravista em Minas Gerais no século XIX. In: Estudos Econômicos. v. 18, n.3, set/dez., 1988. p.449-495. 76 Observação feita não apenas por Rômulo Garcia Andrade (1995) p.24 , como também Douglas Cole Libby (1988), nos esclarecendo que a região da Mata em 1831, já se encontrava firmemente engajada na agricultura mercantil de subsistência antes da chegada do café, embora o alvo dos excedentes fosse a cidade do Rio de Janeiro. p.48

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“Desconfiado, porém amável, rústico, porém hospitaleiro” 77 essa gente

mineira e que ainda hoje guarda tradições dos velhos pioneiros, não sofreu

resistência, naquele momento do século XIX, de acolher de forma fácil a

novidade da lavoura cafeeira.

O produto chega aos Arraiais do Rio Pomba, dirige-se acima pelo Rio

Muriaé, alcançando o Rio Carangola, ultrapassa a serra e atinge a bacia do

Doce pelo Manhuaçu e Manhumirim, eliminando a descontinuidade de

povoamento entre o Estado do Rio de Janeiro e Minas Gerais. 78

Aos poucos vai se desenvolvendo na região uma paisagem totalmente

diferente daquela inicial, encontrada por seus desbravadores. As matas

começam a ser devastadas e o café passa a tomar o principal espaço no

cenário rural.

“Nos finais do século XIX e iniciais do XX, a paisagem rural cultivada da Zona da Mata experimentava as alterações decorrentes da crise do escravismo, do desgaste dos solos, e da ocupação de novas áreas (...)” “(...) Enquanto a produção cafeeira declinava na sub-região sul, Carlos Prates apresentava em Muriaé como o mais importante (município) da Mata sob o ponto de vista agrícola. Para ele, a razão seria a muito diminuta porcentagem de cafezais decadentes (...)”. 79

Carlos Prates ainda registrou que existiam na localidade 3.339 fazendas

e sítios onde se praticava a cafeicultura, além de 65 engenhos de café e 515

de cana. Enquanto as antigas regiões produtoras cediam seus cafezais para as

pastagens ou mantinham pés decadentes, Ubá, Muriaé, Ponte Nova, Rio Novo

e Eugenópolis surgiam como importantes municípios produtores. 80

77 SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo. São Paulo, 1932. p.144 78 MERCADANTE (1973) Op.cit. Apud, Afonso de E. Taunay. p.91 79 CARRARA (1999) Op. cit. p.49 80 Apud CARRARA (1999) Idem, ibidem p. 49.

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Há notícias de que os primeiros pés de café na região, que aos poucos

passaria ser o principal produto comercial, teriam chegado por volta de 183081.

Mas isto não significa que não tenham desenvolvidos outras atividades como

as culturas de cana-de-açúcar, arroz, milho, mandioca, feijão bem como a

criação de alguns animais, dados que são confirmados nos inventários post

mortem. 82

A partir dos anos 70, marcadamente na primeira metade dos anos 80, o

café assumiu importância decisiva na vida mineira, atuando como um grande

fator mercantil. 83

Pelas encostas das vizinhanças estendiam-se os cafezais de forma

quadrangular, cujos arbustos se alinhavam em fileiras paralelas segundo as

linhas de maior declive. A Zona da Mata jamais conheceu cafezais muito

extensos; nada que se assemelhasse à paisagem de “mar de café” do planalto

paulista84, mas sua produção vai aos poucos tomando corpo de modo a

competir com a concorrência fluminense.

Rômulo Garcia de Andrade nos adverte que em Muriaé apresentava um

perfil diferenciado, a grande extensão das unidades produtivas não encontrava

correspondência no que diz respeito à cafeicultura e à posse de escravos. 85

De 892 Registros Paroquiais de Terras analisados, 807 trazem a área,

dos quais 597(74%) se referem à propriedade de até 200 alqueires (18% do

total de terras). Os 210 registros restantes (20% do total) contêm 82% da área

81 MANOEL (1980) Op. cit. p. 31. Paulo Mercadante (1973) Op.cit. p.90, também nos informa que também na década de 30 avançam as sementes do produto para Sapucaia e Porto Novo e dominam a Mata mineira. p.90. 82 Os inventários encontrados no Fórum de Muriaé iniciam a partir do ano de 1852. Inventários post mortem. 1º Cartório Cível da Comarca de Muriaé. 83 LANNA (1986) Op. cit. p. 95. 84 Revista Brasileira de Geografia (1958) Op.cit. p.30. 85 ANDRADE (1995) Op. cit. p.48

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total encontrada, dividida em propriedades com mais de 100 alqueires,

algumas constituídas de mais de 1000 alqueires. 86

Para Andrade, a média de anotações sobre pés de café por

propriedades era de aproximadamente 21.300 pés, sendo que 50.000 foi a

maior quantidade encontrada em uma propriedade. Conquanto, é importante

esclarecer que o tamanho das propriedades era extensa, mais a sua

produtividade não ultrapassava feições de pequeno produtor. 87

A localidade analisada teve como característica a base de concentração

de terras onde a pequena minoria dominava a grande extensão de terra, ainda

que, o número de escravos e a dedicação à cafeicultura fossem muito

modestos. Assim, as pequenas e médias propriedades tinham a função de

absorver o grande contingente populacional de escravos que existia na

localidade no século XIX.

Acreditamos que os números de pés de café encontrados pelo autor

acima devam ser revistos, pois verificando o inventário de um dos maiores

proprietários de escravos da região, Desembargador Antônio Augusto da Silva

Canêdo, encontramos números que ultrapassam a maior quantia encontrada

pelo autor, qual sejam, 102 mil pés de café, e ainda, 5.250 arrobas de café em

coco, 600 arrobas de café novo e 300 arrobas de café em frutas, além das

culturas de arroz, feijão, milho, cana-de-açúcar, mandioca e arroz, o que

provavelmente implica num aumento da produção local do produto. 88

86 ANDRADE (1998) Op.cit..48 87 ANDRADE (1995) Op.cit., p.43. 88 Inventário Desembargador Antônio Augusto da Silva Canêdo. Maço 55. Cartório Cível do Fórum de Muriaé.

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Um outro fator fundamental era o fato de que à medida que subia o Rio

Glória e o Rio Muriaé, os equipamentos utilizados pelos produtores não mais

alcançam o grau de complexidade das fazendas próximas ao Paraibuna. 89

Baseado em um sistema agrário em uma reprodução simples, de baixo

investimento em técnicas agrícolas90, a modernização na localidade não

aconteceu neste período, muito menos o uso do arado era fator constante.

Sobre a evolução histórica no campo, é necessário perceber a estreita

ligação entre aumento populacional, sua área de ocupação e as técnicas e

conhecimentos agrícolas91. Ou seja, “na medida em que se intensifica a

utilização do solo, torna-se mais elevado o índice demográfico, ou vice versa”.

92 Em Muriaé, por ser abundante a terra cultivável, percebe-se que a

produção se intensifica, quando há pessoal disponível, quando a fertilização da

terra é ativada pelo próprio homem e quando existem mecanismos mais ativos

para o transporte de tais produtos.

O escoamento desses produtos, era a início muito dificultado, pois não

existiam estradas para drenar o excedente. Uma das soluções encontradas e

que até a pouco eram visto em cidades interioranas da Mata Mineira, eram as

tropas de burros.

“No lombo das tropas, a Mata encaminhava o açúcar, o fumo, o toucinho e o milho. Recebe de volta o sal de Magé. Em regresso, no arsenal, havia também armas e munições, botas e ferramentas para os homens. As sinhás encontravam veludo e seda, botinas de duraque e artigos de luxo. Ademais, havia algodão em

89 MERCADANTE (1973) Op. cit. p. 92 90 ANDRADE (1995)Op.cit. p. 43 91 BOSERUP, Ester. Evolução Agrária e Pressão Demográfica. Estudos Rurais. São Paulo: Hucitec, 1987.p.7,8,9. 92 LINHARES, Maria Yedda Leite. Pecuária, alimentos e sistemas agrários no Brasil, séc. XVII e XVIII. Revista Tempo. UFF, 1995. p. 593.

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tecido, o chá, bugingangas e mercadorias do Rio de Campos”. 93

“A maior distância de Muriaé do centro exportador (Campos-Rio) e as

dificuldades de transporte foram obstáculos sérios ao seu processo de

acumulação”. 94

Apesar de ainda hoje encontrarmos na região o uso de tropas, este

sistema baseado em muares não persistiu por muito tempo como o principal

meio de transporte. A partir da Lei do Ventre Livre em 1871, houve uma

necessidade de uma adaptação e ao desenvolvimento de novas técnicas, já

que o preço da grande mão-de-obra do momento estava em alta.

Ajudado pelos avanços tecnológicos mundiais das indústrias, a estrada

de ferro, viria suprir essa deficiência. O trem de carga, meio de transporte

barato, de grande capacidade de carga e muito mais rápido, assumiria essa

franja pioneira. Porém,

“As ferrovias não tinham capacidade de gestar um processo de produção novo (...)” “(...) Elas consistiam antes de tudo num aperfeiçoamento tecnológico exigido pela própria natureza de um processo de produção determinado e a elas pré-existentes. Mas por um período inicial possibilitou que alguns lavradores em condições melhores pudessem contar com uma facilidade que assegurava o escoamento da produção agrícola e mercantil”. 95

Esta malha ferroviária cresceu de forma desordenada, por “falta de um

plano diretor único, seguido pelos diversos governos do Estado; constituição de

várias pequenas empresas privadas independentes, e por fim o relevo em geral

fortemente ondulado” 96. Por isso nesta mesma localidade, esta possibilidade

93 MERCADANTE (1973) Op.cit. p. 62. 94 ANDRADE (1995)Op. cit.. p. 56. 95 CARRARA (1999) Op. cit. p.21 96 Revista Brasileira de Geografia (1958) Op. cit. p.31.

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de transporte não seria por muito tempo utilizado, sendo extinta logo após

alguns anos.

Em 1877 os trilhos chegam a Leopoldina, em 1879 em Ubá e em 1886,

ocorre à inauguração da Estrada de Ferro Leopoldina, em Muriaé. Este fato

possibilitou o aumento da produtividade, e em breve, a cidade se destacaria

entre um dos principais pólos de desenvolvimento da região. (anexo II)

Para Ana Lanna, a cultura do café, em finais do século XIX, revigora a

Zona da Mata, tendo em vista a alta dos preços alcançada no mercado

internacional, a diversificação das atividades produtivas cede lugar ao

monopólio da cultura do café. Desta forma, Minas Gerais passa a importar

produtos básicos de alimentação que geralmente exportava ou produzia97.

Roberto Borges Martins, pioneiro na idéia de que a economia da

Província era constituída por um sistema agrícola diversificado, baseado em

fazendas, sítios e roças, frisa que nas Minas Gerais, a indústria do café

cresceu sem pressionar outras atividades econômicas no que diz respeito à

mão-de-obra e manteve a agricultura diversificada mesmo com o apogeu do

café.

Informa ainda que a grande massa escravista, a maior do Império, era

baseada numa economia de subsistência e de baixa mercantilização, negando

de forma enfática que a cafeicultura foi a grande responsável pela entrada de

escravos na região mineira, mas sim a abundância de recursos e

disponibilidade de terras. 98

Percebemos, assim, que o tema é polêmico, existem controvérsias entre

os autores, “sem um conhecimento profundo da agricultura mercantil de 97 LANNA (1986) Op. cit. p.102 98 MARTINS, Roberto Borges. Minas e o tráfico de escravos no século XIX, outra vez. História & Perspectivas. Uberlândia, Minas Gerais, p.93-130, nº 11, jul-dez, 1994. p.124

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subsistência, nunca se chegará a compreender a verdadeira natureza da

formação social escravista”. 99

Fazer um levantamento das atividades agrárias, como o manejo da terra,

as técnicas utilizadas em um longo período de tempo, os meios de produzir, a

circulação e o consumo dessas mercadorias, é uma das formas para responder

às estas indagações, haja vista que na região não existe nenhum trabalho

voltado exclusivamente para o desenvolvimento agrícola.

É necessário reavaliar os índices de produção e exportação de cada

município e de maneira refinada, apegar em dados mínimos para se fazer em

grande escala um levantamento mais completo.

Em 1907 os índices de exportação da produção mercantil em kg que

passam pelas estações da Estrada de Ferro Leopoldina e Central do Brasil

para outras localidades são os seguintes: café 8.339.897, arroz 71.573, milho

306.597, feijão 52.509, açúcar 14.103, aguardente 6.600 e fumo 1.214. 100

Ocorrera, por certo, maior desenvolvimento da lavoura de café, com

feições locais, que tornou “a ferrovia uma necessidade”. “O ciclo cafeeiro altera

o aspecto da cidade, dando-lhe novos traços, seja do ponto de vista do

urbanismo, da arquitetura, seja da sociedade em suas manifestações e

costumes”. 101

Por algum tempo prevalece o café como o grande produto econômico,

seguido em menor escala de outros produtos agrícolas e pastoris. Aos poucos

o sistema econômico toma outras formas e dimensões. A criação do poder

administrativo e a presença de magistrados modificarão esse perfil e o surto

99 LIBBY (1988) Op. cit. p. 11. 100 Apud, CARRARA (1999) Op. cit. p.50. JACOB, Rodolfo. Minas Gerais no 20º século. Rio de Janeiro, Gomes, Irmão e Cia., (1910) p. 94-8/104-106. 101 MERCADANTE (1990) Op. cit. p.17.

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progressista expandirá com a instalação da luz elétrica, da ampliação da malha

viária.

Junto ao desenvolvimento, a população, que era a início espaçada, vai

tomando forma e ocupando novos espaços, o cenário toma características de

urbanização e desenvolvimento. A configuração econômica em finais do século

XIX intensifica e consolida a uma sociedade altamente hierarquizada, baseada

no poder e domínio político local.

1.3 - A população escrava que se instaura

Não queremos neste tópico travar uma discussão teórica sobre as

polêmicas levantadas por Roberto Borges Martins, Francisco Vital Luna e

Wilson Cano, Douglas Cole Libby e Robert W. Slenes102, sobre as formas de

aquisição do escravo mineiro, mas é necessário retomar alguns pontos, para

falar desta gente que residia na região, pois na realidade “Minas encerra o

século XVII como a capitania mais populosa da América portuguesa, e avança

pelo dezenove sustentando esta posição”. 103

O primeiro autor citado gerou polêmicas e debates, afirmando que a

hipótese de uma transferência significativa de escravos da mineração para a

lavoura cafeeira pode ser completamente descartada. Desde o início do século

XIX, várias décadas antes do setor cafeeiro assumir qualquer dimensão

102 Respectivamente as obras dos autores citados acima são: MARTINS, Roberto Borges. Minas Gerais, século XIX: tráfico e apego à escravidão numa economia exportadora. In: Estudos Econômicos. nº 13. jan/abr, . p.181-209, 1983. LUNA, Francisco Vital & CANO, Wilson. Economia escravista em Minas Gerais. Cadernos IFCH. Campinas: UNICAMP, 1983. LIBBY (1988) Op. cit. SLENES (1988) Op. cit. 103 CUNHA (2002) Op. cit. p. 13.

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considerável, o contingente de escravos empregado na mineração já era

irrisório. 104

Apesar de alegar que mais pesquisas sejam necessárias para sustentar

conclusões seguras, não seria surpresa verificar que algumas áreas de Minas,

particularmente a zona cafeeira, importavam quantidades consideráveis de

escravos do Nordeste. Longe de se tornar um fornecedor de escravos para

outras províncias, Minas foi, pelo menos até o início dos anos 70, a província

que mais escravos importou. 105

Robert W. Slenes, contraria a exposição acima observando que a há um

equívoco na apresentação de Martins, por não deixar claro as formas de

aquisição de capital para o pagamento das grandes importações de escravos,

numa economia pouco mercantizalizada, como era a mineira. 106

Francisco Vidal Luna e Wilson Cano explicam que as altas taxas de

escravos em Minas Gerais, que vieram contribuir para a manutenção e

ampliação dos plantéis, foram em conseqüência da reprodução natural positiva.

Ou seja, a baixa exploração e um maior índice de mestiçagem poderiam

explicar o imenso número de escravos. 107

Douglas C. Libby acredita que a elevação do número de escravos na

província mineira era derivada em parte de reproduções naturais, mesmo sem

saber as devidas proporções, “pois acredita que o quadro geral é muito pouco

condizente com a estagnação ou a involução econômica” 108 e acrescenta, “a

104 MARTINS (1983) Op. cit. p. 183. 105 MARTINS (1994) Op. cit. p.128. 106 SLENES (1988) Op. cit. 107 LUNA & CANO (1983) Op. Cit..p.10 108 LIBBY (1988) Op. cit. p.13

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relativa estabilidade econômica de Minas deve nos servir, portanto, como pano

de fundo para os indícios da reprodução da população escrava”. 109

Para Douglas C. Libby, imaginar Minas como o maior importador de

cativos é um tanto absurdo. “Parece obvio que Minas se ligava ao circuito do

comércio internacional apenas fragilmente e que não haveria dúvidas

suficientes para as maciças importações de Martins”. 110

“De modo geral, os pesquisadores hoje reconhecem que o grande

crescimento populacional do século XIX esteve diretamente ligado à dinâmica

econômica” 111 e que a alta porcentagem de escravos na Província mineira

esteve associada tanto às maciças importações de negros cativos, quanto à

possibilidade de reprodução natural. 112

Localizando o censo de 1872, observa-se que,

“havia na Zona da Mata a maior população escrava provincial, com 95.099 cativos, distribuídos por 70 paróquias que compunham os 11 municípios da região, representando 26% dos escravos da província de Minas Gerais. A população livre correspondia a 17% do total provincial”. 113

No quadro geral dos municípios e freguesia da Zona da Mata de Minas

Gerais no recenseamento de 1872, observa que o Município de Muriaé era

composto de 11 distritos, do qual se compunham:

109 LIBBY, Douglas Cole; GRIMALDE, Márcia. Equilíbrio e estabilidade, economia e comportamento demográfico num regime escravista, Minas Gerais no século XIX. Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 1988. p. 427 110 LIBBY, Douglas Cole. Trabalho escravo e capital estrangeiro no Brasil: o caso de Morro Velho. Belo Horizonte: Itatiaia, 1984 (Introdução, p.15-26) p.16 111 MARQUES (2002) Op. cit. p. 3 112 BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. Família e escravarias: demografia e família escrava no Norte de Minas Gerais no século XIX. População e Família. São Paulo, v. 1, nº 1, p. 211-234, jan/jun,1998. p.224 113 ANDRADE (1995) Op. cit. p. 73

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Quadro II Município de Muriaé 1872

Freguesias Denominação atual São Paulo do Muriaé Muriaé

N.S.das Dores da Vitória* Dores da Vitória

N.S.da Glória do Muriaé Itamuri

São Francisco do Glória São Francisco do Glória

Sta Luzia do Carangola Carangola

Divino Espírito Santo* Divino (de Carangola)

S.Sebastião da Cachoeira Alegre Cachoeira Alegre

S. Fco de Assis do Capivara Palma

S. Fco de Paula da Boa Família Boa Família

S. Sebastião da Mata Eugenópolis

N.S.Conceição dos Tombos do Carangola

Tombos

Fonte: ANDRADE (1995) op.cit. p. 155

(*) Curato

Muriaé desponta na Zona da Mata, como o primeiro Município em

número de Freguesias, num total de 11 (onze), sendo o quarto Município em

número geral de população com 34.620 habitantes, ficando atrás de Ponte

Nova, Leopoldina, Juiz de Fora e Santa Rita do Turvo, com um total de 57.231,

41.886, 38.336, 37.096, respectivamente. 114

Vale a pena destacar, que nem todos os Municípios foram recenseados

da Zona da Mata, exclui-se em Juiz de Fora na Paróquia de Nossa Senhora da

Glória em São Pedro D’Alcântara e em Muriaé, o curato do Divino Espírito

Santo.

Em todas as onze freguesias pertencentes ao Município de Muriaé, no

estudo do censo de 1872, existem pouquíssimos escravos de nacionalidade

brasileira vindos do nordeste, residindo no local. O que encontramos foram

114 ANDRADE (1995) Op.cit. p.154.

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alguns poucos do Ceará, Bahia e Maranhão. O predomínio nesta categoria é

da própria Província de Minas Gerais, seguido do Rio de Janeiro.

Não podemos, contudo, apenas com esses dados, contradizer as

hipóteses levantadas por Roberto Borges Martins para a região, de que Minas

Gerais era grande importadora de escravos do nordeste, pois são necessárias

pesquisas de peso em outras fontes e a observação desses fatos através da

história comparada, verificando o perfil com o de outras localidades.

No entanto, Rômulo Garcia em sua tese de doutorado faz um

levantamento minucioso às escrituras de compra e venda de escravos ao

Cartório do 1º Ofício de Muriaé, no período de 1860-87, e constata de 63% dos

escravos da localidade haviam sido negociados por via intra e interdistritais,

seguido de 19% interprovinciais, 13% de transações intermunicipais (de outras

regiões de Minas), e 5% regiões intermunicipais da Mata Mineira. 115,

evidenciando mais uma vez uma forte tendência à negociação de cativos na

própria Zona da Mata.

Neste caso, o mais adequado para explicar essa relação com o tráfico

intra e interprovincial, seria a análise do comportamento do mercado escravo

através das escrituras de compra e venda, cruzadas aos registros de entrada e

saída de mercadorias e cativos na Província. 116 Contudo, estas análises estão

fora dos objetivos de nossa pesquisa.

No censo de 1872, de um total de 34.620 habitantes, 27.682 (79,95%)

eram livres e 6.938 (20,04%) de escravos. Neste universo, 99% eram

115 ANDRADE (1995) Op. Cit. p.146 116 OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Negócios de famílias. Mercado, terra e poder na formação da cafeicultura mineira – 1780-1870. Bauru-SP: Edusc; Juiz de Fora, MG: Funalfa, 2005. p.73

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brasileiros e apenas 1% de estrangeiros, na sua grande maioria de origem

portuguesa. 117

Analisando o total de escravos, citados acima, e comparando ao número

de escravos recenseados na categoria profissão, observa-se que, esta última

categoria ultrapassa em 162 registros do total. Este fato pode ser avaliado por

dois ângulos: ou o recenseador não contabilizou os dados devidamente,

deixando ultrapassar ou faltar em alguns pontos, ou o escravo foi registrado no

item profissão mais de uma vez. Acreditamos que a primeira hipótese seja a

mais provável.

Esta questão confirma que ao pesquisar dados descritos pelo

recenseador, não podemos vê-los como altamente dignos de confiança para

descrever a sociedade da época “(...) mas sim como uma descrição desta

mesma sociedade pelo poder público (...)”, pois, “(...) o recenseador somente

vê aquilo que lhe interessa (...)”. 118

A agricultura realça na região como o principal vínculo da economia,

com um total de 2.604 de lavradores (36,67%), porém, é possível perceber que

o item sem profissão ultrapassa o número de agricultores, com um total de

2.876 (40,50%), seguido de serviços domiciliares 1.233 (17,36%) e criados e

jornaleiros (2,30%); corroborando a idéia de que esses dados podem relatar

uma visão distorcida da realidade dada à dificuldade ou mesmo pouco caso

dos recenseadores em preencher tais formulários. (anexo III)

Merece destaque também, o número de escravos dedicados à

tecelagem. Em um universo de 223 dedicados a profissões manuais ou

mecânicas, 174, ou seja, 78,02% do total geral eram costureiras.

117 ANDRADE (1995) Op. Cit. p.75 118 BACELLAR (2001) Op. cit.. p.30

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Cláudia Eliane Parreira Marques, ao analisar a economia e demografia

em Bonfim do Paraopeba, no século XIX no censo de 1831 e 1832, chega à

conclusão que “entre as mulheres cativas, observamos que das 160

informações destinadas a elas, mais de 80% referiam-se à fiação e tecelagem”

119, sugerindo-nos que “os tecidos bonfinenses parecem ter tido o mesmo

destino que os excedentes agrícolas e os produtos da terra; estavam sendo

comercializados”. 120

Comparando esses dados aos de Muriaé no recenseamento de 1872,

podemos concluir que na região analisada, a tecelagem não teve o mesmo

papel de Bonfim do Paraopeba, mas que com certeza acampava diversas

cativas na profissão, sendo esta atividade voltada para o consumo e o mercado

local.

Com relação de nacionalidade escrava, 6.348 eram brasileiros (91,49%)

e 590 (8,5%) africanos, podendo ser percebido com facilidade a reduzido

número de africanos, pois na época o tráfico já havia sido extinto.

Quadro III “Nacionalidade escrava”

Escravos

Nacionalidade Homens Mulheres

Total

crioulos 3.298 3.050 6.348

africanos 362 228 590

Total 3.660 3.278 6.938

Fonte: Recenseamentos Gerais do Brasil Império, 1872.

Dois itens chamam a atenção, em primeiro lugar, não existia nenhuma

pessoa livre ou escrava que se declarasse de outra religião, a não ser a

119 MARQUES, Cláudia Eliane Parreira. Economia e demografia nas Minas oitocentos. X Seminário de Economia Mineira. Diamantina, 2002. p.15 e 16 120 MARQUES (2002) Idem, ibidem. p. 16

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católica, apenas três homens livres residentes em Santa Luzia do Carangola,

podendo estes dados serem seguidos de alguma pretensão. Rômulo Garcia de

Andrade adverte que “nem por isso se justifica a inferência de que toda a

escravaria professava a mesma crença” 121, mostrando que a proteção e a

submissão do escravo ao senhor tinha um papel, não apenas relevante, mas

primordial.

Em segundo lugar, apenas um homem e duas mulheres em Nossa

Senhora das Dores da Vitória sabiam ler e escrever, acompanhadas de dois

cativos de Nossa Senhora da Glória do Muriaé. Infelizmente, através do

recenseamento é impossível saber a procedência de tais escravos, podendo

assim explicar a exceção desses poucos entre a grande maioria analfabeta.

Acredito que nas listas nominativas podemos obter resposta para tal

indagação.

Quando fazemos o somatório da população escrava no quesito raça122,

percebemos uma enorme superioridade de pretos, tanto homens quanto

mulheres, em relação aos pardos. Aí se pergunta: será que a mestiçagem

neste período não estaria ainda despontando? Será que o recenseador tinha

dificuldades em discernir o pardo do preto? Será que este fato indica uma

população com idade mais avançada? É o que veremos a seguir.

121 ANDRADE (1995) Op. cit. p. 75. 122 Mesmo sabendo que a expressão raça escrava não é mais usada pelos historiadores e sociólogos atualmente por seu s critérios pejorativos, optamos por usá-la na tabela construída por sermos fidedignos à fonte.

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Quadro IV “Raça escrava”

Escravos

Raças Homens Mulheres Total

Pardo 854 790 1.644

Preto 2.806 2.488 5.294

Total 3.660 3.278 6.938

Fonte: Recenseamentos Gerais do Brasil Império, 1872.

Analisando a distribuição percentual dos escravos por idade em Muriaé,

observa-se que ao contrário da suposição acima, a grande maioria é de uma

faixa de 0 a14 anos (35,0%) seguido de 15 a 24 anos (25%). Acima de 65 anos

é a taxa mais baixa (1,3%), 123 persistindo a dúvida quanto ao maior número de

pretos em relação aos pardos.

Porém uma coisa fica clara, havia em Muriaé uma alta concentração de

crianças e jovens de 0 a 14 anos, o que nos leva a uma provável relação com

os defensores da reprodução natural para Minas Gerais. As discussões ligadas

à forma de aquisição do escravo e sua cor serão melhores analisados no

terceiro capítulo, pois confrontaremos o censo de 1872 e as atas de batismos.

Quanto ao estado civil dos escravos, o censo confirma os dados do

Arquivo Paroquial, pelo menos no que diz respeito aos solteiros e aos casados

do sexo feminino, já que nos registros de batismos é fácil detectar mães

solteiras ou pelo menos que se declaram desta forma.

No censo, a grande maioria dos escravos, para ambos os sexos eram

solteiros. Dentre os homens 80,73% assim o eram e entre as mulheres

80,65%. Os homens casados representavam 13,41% e as mulheres 13,78%.

123 ANDRADE (1995) Op. cit. p. 136.

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Entre os viúvos os homens representavam 5,84% e as mulheres 5,55%. As

porcentagens se aproximam em relação às categorias e aos sexos.

Quadro V Estado Civil dos Escravos

Escravos

Estado Civil Homens Mulheres

Total

Solteiros 2.955 2.644 5.599

Casados 491 452 943

Viúvos 214 182 396

Total 3.660 3.278 6.938

Fonte: Recenseamentos Gerais do Brasil Império, 1872.

O texto escrito acima foi apenas um esboço de uma imensidão de

interseções que podem ser feitas na pesquisa, dando-nos algumas respostas

desses moradores que sobreviveram e construíram sua história, e levanta

hipóteses para futuros interessados ao estudo da população escrava

Muriaeense do século XIX.

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1.4 – MAPAS

Mapa I

VON ESCHWEGE. W. “Parte da Nova Carta da Capitania de Minas Gerais”.

Pluto Brasiliensis. Vol.1. São Paulo: Cia Ed. Nacional, 1944.

Legenda

• Freguesias

… Caminhos

© Vilas

L Fazendas

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Mapa II

Fonte: www. estradareal.org.br/mapa_press.pdf.

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Mapa III - Foto cedida pela FUNDARTE – Muriaé (MG)

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Mapa IV - Zona da Mata Mineira Fonte: Apud. CARRARA. FREIRE, Jonis. Batismo e compadrio em uma

freguesia escravista: Senhor Bom Jesus do Rio Pardo (MG), 1838-1888.

Dissertação de mestrado. Franca, 2004. p.28

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1.5 - Anexos

Anexo I – Foto cedida pela Fundarte - Muriaé (MG)

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Inauguração da Ferrovia 1886 (Anexo II)

Foto cedida pela FUNDARTE- Muriaé (MG)

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Quadro das profissões VI

(anexo III)

Fonte: Recenseamento Geral do Império, 1872.

(*)44 Costureiras (*****) 39 costureiras

(**) 4 Costureiras (******)14 costureiras

(***) 14 costureiras (*******) 24 costureiras

(****)35 costureiras

Profissões S.Paulo Muriaé

N.S.da Dores

da Vitória

N.S.da Glória

do Muriaé

S.Fco do

Glória

Sta Luzia do

Carangola

S.Seb. Cachoeira

Alegre

S.Fco de Assis do Capivara

S.Fco de

Paula da Boa Família

S.Sebast. da Mata

N.S.da Conc.dos

Tombos do Carangola

Total

Man ou mecân

31 2 44* 6** 14*** 38**** 43***** - 14****** 31******* 223

Lavr 466 71 267 145 299 321 290 195 250 300 2604

Criad/ jorn 16 - 47 38 - - - - 63 164

Serv dom 74 - 190 52 173 172 142 99 166 165 1233

Sem prof 253 37 370 95 333 591 347 379 140 331 2876

total 840 110 918 336 819 1122 822 673 570 890 7100

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CAPÍTULO II

RELAÇÕES FAMILIARES, LEGITIMIDADE E ILEGITIMIDADE

2.1 O cotidiano e a família escrava

“ (...) As lutas entre as ideologias da Igreja e do escravismo e entre os imperativos dos senhores e os desejos dos escravos duraram séculos; do conflito, porém, resultou uma série de concessões que permitiram aos escravos ter sua própria vida e criar famílias e redes de parentesco. Ainda que sempre ameaçadas pelo próprio caráter da instituição sob a qual viviam os escravos, tais criações possuíram um importante significado em suas vidas”.

Stuart B. Schwartz

Analisar as relações conjugais empreendidas a partir dos registros de

batismo é nosso principal objetivo nesta seção. Iremos mergulhar no estudo da

família escrava, focalizar as possibilidades desses vínculos, destacando a

permissão e consentimento do senhor a tais laços, bem como as relações de

legalidade para a prole, adaptados para este sertão da Zona da Mata Mineira.

Mesmo sabendo que o grande idealizador do tema, Gilberto Freyre tem

como referência o estudo dos escravos domésticos, e não escravos do eito,

que é desenvolvido em nosso trabalho, achamos por bem citá-lo, por

considerar a bibliografia imprescindível para o estudo da família escrava.

No clássico “Casa Grande e Senzala”, o autor deixa claro que

considerava as práticas escravas brasileiras promíscuas e imorais em

decorrência de razões sociais. O sistema escravista teria a função de retirar o

negro de sua realidade social e familiar, colocando-o numa realidade hostil e

totalmente diferente de seu convívio, cabendo a este escravo ter um

comportamento totalmente imoral. 124

124 FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. São Paulo: Editora Global, 2004.

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A visão retratada pelo autor dá destaque a este cativo, chegando a

afirmar que “não há escravidão sem depravação sexual” 125. Nesta perspectiva,

o negro era considerado superior sexualmente e “a própria miscibilidade do

português, oriunda dele próprio ser resultado de mestiçagem, irá facilitar em

muito a adoção de intimidade sexual entre senhores e escravos”. 126

Após alguns anos de estudos sobre a família escrava, concluiu-se hoje

que esta “imagem do negro vista sob uma ótica malévola, promíscua, e sem

nenhuma ligação afetiva” 127, e com superioridade sexual, está longe de ser

real. A idéia divulgada de sanha dos escravos, retratada em trabalhos

anteriores, não passam de um grande equívoco. A este cativo era possível

constituir uma família e criar conexões maiores, que extrapolavam a vida de

cativeiro.

Por volta de 1970, não era esta a idéia debatida por sociólogos da

escola representada nas figuras de Florestan Fernandes128, Otávio Ianni129,

Emília Viotti da Costa130 e Fernando Henrique Cardoso131, que abominavam as

idéias de “Casa-Grande e Senzala”. Estes defendiam de forma intensa a

constituição do escravo como coisa, sendo impossível a este constituir

procedimentos independentes dos significados do seu senhor. 132

125 FREYRE (2004) Op.cit. p. 399. 126 ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e Paz. Casa-Grande e Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Ed: 34. Rio de Janeiro: 1994. Parte I, p.59-60 127 SLENES, Robert W. Na senzala uma flor. Esperanças e recordações na formação da família escrava – Brasil, Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. p.29 128 FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Dominus/Edusp, 1965. 129 IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravo: apogeu e crise da escravatura no Brasil meridional. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962. 130 COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1966. 131 CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962. 132 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. “Escravidão negra em debate”. In: FREITAS, Marcos Cezar de (org) Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998. p.106

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Seguindo nesta mesma linha, Jacob Gorender, reforça este conceito de

escravo “coisa”, tão debatida pela escola acima citada, e enfatiza que os

trabalhos que focam a família escrava atualmente, que são por hora

documentados e meritórios, reduzem-se a área cafeicultora, sendo analisados

num período de prosperidade. 133

Para Gorender são necessários trabalhos de tal envergadura para outras

regiões, que tenham vivido ocasiões prósperas em outras culturas

agropecuárias, destacando o tabaco, o algodão, e pecuária. 134

Vale a pena destacar que a idéia amplamente dominante no meio

acadêmico no presente momento, é respaldado com pesquisas de peso,

desenvolvidas por Robert W. Slenes135, Iraci del Nero da Costa136, José Flávio

Motta137, Manolo Florentino e José Roberto Góes138 , além de outros. Todas

elas, pelo menos em parte, sofrem influência da obra de Gilberto Freyre.

Análises demográficas atuais revelam que dependendo da época e

região enfocada, o casamento legal não era um rigor a seguir, as uniões

informais existiam e os escravos procuravam evidenciar os laços familiares e

se enquadrarem num esquema de estabilidade dessas famílias. Ou seja, “os

escravos procuravam criar formas sociais e culturais que lhes proporcionassem

consolo e apoio naquele mundo hostil”. 139

Esta trama de relações familiares escravas, é mais complexa do que

possamos imaginar. Documentações existem, mas geralmente esses 133 GORENDER, Jacob. Liberalismo e escravidão – entrevista – Estudos Avançados. 16 (46). São Paulo: USP, 2002. p.214 e 215 134 GORENDER (2002). Idem, ibidem, p.214. 135 SLENES (1999). Op. cit. 136 COSTA, Iraci del Nero. Vila Rica: População (1729-1826). São Paulo: Fipe/ Edusp, 1979. 137 MOTTA, José Flávio. Corpos escravos, vontades livres: posse de cativos e família escrava em bananal (1801-1829). São Paulo: FAPESP/Anablume, 1999. 138 FLORENTINO; GÓES (1997) Op. cit. 139 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial 1550-1835. São Paulo: Companhia da Letras, 1988.p.310

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documentos emudecem em aspectos mais comuns e corriqueiros referentes ao

lar, à família, ao trabalho e à recreação. 140

Cabe então perguntar: até que ponto as ações dos senhores refletiriam

na vida privada dos escravos? Até onde os primeiros tinham o papel da

escolha de determinadas atitudes, ações e até mesmo a seleção das relações

sociais da escravaria? Ainda que percebamos nessas pesquisas recentes, que

o escravo tomava em parte, local de destaque na escolha de alguns aspectos

da vida privada, “nunca podemos ignorar a esmagadoras restrições da

escravidão e das leis e costumes católicos sobre os senhores e escravos”. 141

Apesar de ser muito jovem o estudo sobre a família escrava como foco

de pesquisa, surge uma inversão dos valores e conceitos anteriormente

determinados “muitos ângulos da escravidão têm sido repensados, à luz,

agora, da nova linha interpretativa, com vistas a confirmar a maior amenidade

do sistema. Entre eles, o da família escrava”. 142

Não restam dúvidas que a constituição de família escrava tinha alguns

obstáculos a ultrapassar, como por exemplo, a desproporção entre os sexos,

baixa fecundidade, o repúdio do cativeiro, a falta de privacidade, mas isto não

era um fator intransponível, servia para dificultar as uniões, tendo, porém o

escravo a necessidade de superá-la. 143

As fontes levantadas traçam a idéia de adaptação do escravo ao Novo

Mundo, e que o fato de não ser de um grupo homogêneo, só se transformaram

em comunidade e começaram a compartilhar de uma mesma cultura quando

eles a criaram e organizaram essas instituições sociais.

140 SCHWARTZ (1988) Op. cit. p.313 141 SCHWARTZ (1988) Idem ibidem. p.312 142 QUEIROZ (1998). Op. cit. p.111 143 QUEIROZ (1998) Idem, ibidem. p.111 e 113.

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“(...) a tarefa organizacional dos africanos escravizados no Novo Mundo foi a de criar instituições – instituições que mostrassem receptivas às necessidades da vida cotidiana, dentro das condições limitantes que a escravidão lhe impunha”. 144

A família vem reforçar esta idéia de organização social e mesclar esta

sociedade cativa como forma de necessidade para ampliação e até mesmo de

ajustamento aos novos costumes, já que a África havia ficado para trás.

“Diante da ausência de parentes verdadeiros, os escravos modelaram seus novos laços sociais no do parentesco, muitas vezes tomando emprestado o termo de parentesco de seus senhores para rotular as relações com seus contemporâneos e com pessoas mais velhas”. 145

Nesta perspectiva, tanto senhores como escravos tiveram que se

adaptarem aos valores do Novo Mundo e negociar este relacionamento,

criando um jogo de concessões e benefícios, como também de coações. “A

violência e a proximidade sexual, o despotismo e a confraternização familiar

parecem ter condições de conviver lado a lado, em um amálgama tenso, mas

equilibrado”. 146

A escravidão como instituição se deu as bases dessa sociedade e

influenciou tanto escravos como livres, mas suas relações pessoais viviam

sempre no limite. Tanto senhores quanto escravos criavam mecanismos para

se adequar ao novo sistema.

144 MINTZ, S & PRICE, R. O nascimento da cultura Afro-Americana: uma perspectiva antropológica. Rio de Janeiro: Pallas; Universidade Cândido Mendes, 2003.p.38 145 MINTZ e PRICE (2003) Idem, ibidem. p.93. Os autores advertem que para existir a estabilidade do grupo de parentesco baseado em consangüinidade, era necessário a estabilidade do grupo no tempo e espaço. 146 ARAÚJO (1994). Op.cit. p.57

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Para os autores Manolo Florentino e José Roberto Góes, o tráfico

atlântico inseria um estado constante de guerra no cativeiro, cabendo à família

a vital importância para manutenção da paz nas senzalas147.

Já o historiador Robert W. Slenes deduz que os laços familiares

instituídos pelos escravos, possibilitavam uma ampliação em seus ganhos

como moradia separada da senzala, uma autonomia ampliada e até mesmo

uma permanência de algumas práticas africanas, podendo implementar seus

próprios projetos de vida. 148

Robert W. Slenes, adverte-nos ainda, que também nos viajantes pode-

se perceber a existência da família escrava, que não eram tão cegos quanto se

havia pensado. Apesar de descrever a família escrava como patológica, muitos

deles nos oferecem informações nas entrelinhas.

Na sua grande maioria, estes viajantes eram do Norte e Oeste da

Europa, onde a baixa ilegalidade nos casamentos era regra, daí a imagem

repassada de um olhar míope, distorcido, por não se preocuparem em observar

os valores e a vida íntima e cotidiana dos escravos. Seria uma visão dos “lares

negros” através de “olhares brancos”. 149

Suely Robles de Queiroz, ao analisar 61 viajantes, observa a

inexistência de uma unanimidade na maneira de conceber a formação da

família escrava entre eles. Do total analisado, 25 viajantes fazem referência à

família escrava, uns em uma perspectiva mais enfática, outros de maneira mais

vaga. Existem outros ainda, que negam terminantemente a possibilidade da

mesma. A autora nos alerta, assim como Robert W. Slenes:

147 FLORENTINO; GÓES (1997) Op. cit. p.36-37 148 SLENES (1999) Op.cit. p.131-208 149 SLENES (1999) Idem, ibidem. p.142

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“(...) Preconceituosos, pouco familiarizados com a língua, suas observações poderão ter sido influenciadas, por diversas circunstâncias: ou o êxito, ou o fracasso de seus objetivos na terra que visitaram; a hospitalidade encontrada, a bagagem cultural ou religiosa que possuíssem”. 150

Mary C. Karasch ressalta que “embora seja fonte essencial, a literatura

dos viajantes tem também as suas limitações e deve ser usada com cautela”

151. Grande maioria desses relatos é contada por terceiros e talvez nem

conheçam a realidade da qual estão se referindo, mas que é repassada e

divulgada adiante.

A autora indica ainda, que havia uma dificuldade dos escravos na

adaptação aos valores de sua terra natal, ou seja, “uma grande família extensa

com raízes profundas nos ancestrais e a perspectiva de muitos descendentes

no futuro, que, por sua vez, os reverenciavam como ancestrais” 152, sendo

necessário criar outros laços, como o de apadrinhamento, como forma de

ampliar os vínculos sociais.

Mary Karasch acrescenta que os laços familiares podiam com muita

probabilidade envolver o senhor ou outros homens livres da cidade. A forma de

relacionamento familiar dos escravos, dependia com muita freqüência de seu

dono. Esta estabilidade poderia estar relacionada à obtenção da sua

liberdade.153

Hebe Castro também conclui que para os escravos, a obtenção de

maiores níveis de autonomia dentro do cativeiro, parece ter dependido, em

150 QUEIROZ (1998) Op.cit. p.115 151 KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro -1808-1850. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.22. 152 KARASCH (2000) Idem, ibidem. p.396. 153 KARASCH (2000) Idem, ibidem. p.389 e 391.

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grande parte das relações familiares e comunitárias, estabelecidas com

escravos e homens livres da região154.

Como percebemos, o tema família é por certo complexo e pode ser visto

sob vários ângulos. Deste modo, tornam-se necessárias algumas definições do

termo em dicionário apropriado, de época e atual, para depois especializar no

contexto escravista.

Compilado de dicionário especializado, o termo família em latim significa

“o conjunto dos escravos da casa, todas as pessoas ligadas a qualquer grande

personalidade; casa de família”. Do dicionário etimológico em sentido restrito o

termo é relatado como “a sociedade matrimonial, da qual o chefe é o marido,

sendo mulher e filho associados dela”. Em sentido lato, “família quer significar

todo o “conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade. 155

(Clóvis Beviláqua)

Em dicionário de época, Antônio de Moraes Silva enfatiza que família é

“as pessoas de que se compõe a casa, e mais propriamente as subordinadas

aos chefes, ou pais de família. Os parentes e aliados” 156. Para C. de

Figueiredo, “família são pessoas que vivem na mesma casa, do mesmo

sangue, que vivem ou não em comum. Membros de uma corporação”. 157

154 MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio. Os significados da liberdade no Sudeste escravista – Brasil, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p.72 155 BARATA, Carlos Almeida; BUENO, Antônio Henrique Cunha. Dicionário das famílias brasileiras CD rom p.LXXIV 156 SILVA, Antônio de Moraes. Dicionário da Língua Portuguesa. Edição comemorativa do 1º Centenário da Independência do Brasil. Revista de Língua Portuguesa. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813. p.9 157 FIGUEIREDO, Cândido. Dicionário da Língua Portuguesa. Sociedade editorial Arthur Brandão & Companhia. v.1, 4ª edição. Lisboa, 1925. p.862

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No conceito do dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, família

“são pessoas aparentadas que vivem em geral na mesma casa,

particularmente o pai, a mãe e os filhos”. 158

Vemos, assim, que os conceitos podem variar de acordo com a época,

lugar e visão dos autores. No dicionário especializado percebemos que o termo

está associado à casa e aos vínculos de consangüinidade, conceito similar ao

do dicionário Aurélio, e até mesmo no que se refere “ao mesmo laço de

sangue” de C. de Figueiredo.

Estes conceitos parecem mais se aproximarem da realidade atual,

apesar de existir um dicionário em quarta edição no ano de 1922, que possui

afinidades com os mais próximos, mas o autor complementa “que vivem ou não

em comum. Membros de uma mesma corporação”, dando a idéia de expansão

de coabitação, além de um domicílio próprio. Porém, a definição do dicionário

especializado em famílias brasileiras, é mais ampla, pois se refere a todos

ligados à consangüinidade e não apenas aos moradores de uma casa.

Já o dicionário de Antônio de Moraes Silva, deixa-nos claro que quando

se refere a parentes e aliados, esta relação familiar não se esbarra na

consangüinidade, mas é ampliado pelos não moradores da mesma casa,

podendo assim estabelecer vínculos de afinidades com outras pessoas, como

o compadrio.

A análise destes vários conceitos permite-nos observar a variação e a

complexidade da questão. Temos dois dicionários com datas próximas,

possuindo algumas semelhanças e diferenças.

158 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio Escolar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

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Mas uma coisa é certa, podemos perceber, assim como Sheila de

Castro Faria, que na concepção do dicionário Aurélio “a família diminuiu”, “o

termo “parentesco”, sozinho, já está desligado de qualquer conotação que não

a consangüinidade” 159. Hoje ser parente está muito longe de ser compadres ou

aliados, enquanto que no século XIX este conceito expandia e era reforçado

por relações mais vastas.

Dentro dessa visão do século XIX, Gilberto Freyre nos esclarece que o

modelo de família patriarcal foi à forma predominante nas grandes fazendas

nordestinas, que teve neste sistema a Casa-Grande o grande símbolo, para

onde fluíam todas as atenções da vivência social, econômica e política da

época.

Essa família patriarcal incluía toda a parentela que residia na Casa-

Grande e todos os agregados que moravam na propriedade, sob administração

de um patriarca.

Esta idéia de um senhor “todo poderoso” que permeava esta família

patriarcal, cabendo-lhe as ordens, o poder e o domínio territorial, competindo

aos membros à obediência; não impediu de criar uma relação mais íntima com

seus agregados, principalmente as relações sexuais entre senhores e

escravos.

Porém, atualmente, como afirma Hebe Castro:

“(...)a família marcou lugar definitivo no imaginário acadêmico sobre o Brasil escravista. Mas recentemente este modelo tem sido contestado a partir de dados demográficos que fazem, de modo geral uma associação direta entre família extensa (entendida como morada comum de mais de uma geração da mesma família e seus agregados) com a família patriarcal, em

159 FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família o cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.p.43

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oposição à predominância de famílias nucleares, encontrada na análise de listas nominativas de diversos recenseamentos locais(...)”. 160

O uso da família patriarcal foi confundido e usado indevidamente.

Absolutamente família patriarcal não quer dizer família extensa161. Cabe à

visão pormenorizada dessas famílias em âmbito regional e segundo pesquisas

este conceito não poderia ser relacionado a toda sociedade brasileira.

Não quero com isso afirmar que as famílias constituídas, principalmente

no sudeste do país não tenha sofrido conseqüências desta família patriarcal,

pelo contrário, “estava presente e deixou resquício na sociedade brasileira,

mesmo no sul do país” 162. Assim como Hebe Maria Mattos, também Eni de

Mesquita Samara adverte sobre “a formação de famílias do sudeste são mais

simplificadas e com menor número de integrantes”. 163

Paulo Mercadante, já afirmava em “Os Sertões do Leste”, que a vida na

fazenda, na região mineira, em seus primeiros tempos, desenvolveu um

sentido fortemente paternalista. A lavoura dava condições de estreitar os laços

familiares, sendo que o trabalho de todos atenuava a brutalidade do

sistema.164

Em trabalho publicado, Rômulo Garcia Andrade faz uma análise dessas

famílias em dois municípios da região leste da Zona da Mata Mineira: Juiz de

Fora e São Paulo do Muriaé, que utiliza de diversas fontes para estudo

160 MATTOS (1998) Op.cit.. p.55 161 SAMARA, Eni de Mesquita. A constituição da família na população livre (São Paulo no século XIX). Anais do IV Encontro da Associação Nacional de Estudos Populacionais. v.4. Águas de São Pedro, 1984 p.2135-2158 162 SAMARA (1984) Idem, ibidem. p.2136 163 SAMARA, Eni de Mesquita. A família brasileira. São Paulo: brasiliense, 1988 (Coleção tudo é história) p.82. 164 MERCADANTE (1973) Op. cit. p.71

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demográfico, inclusive listas nominativas e registros paroquiais, e constata

que:

“(...)41% da população era do sexo feminino e apenas 27% delas se achavam comprometidas em uniões formais, em todos os plantéis havia a predominância de mães solteiras com um ou dois filhos, enquanto o percentual aproximado de casadas/enviuvadas apresentava-se com três ou mais filhos”. 165

Apesar de termos em Muriaé um grande número de uniões informais, e

possuir pequenas e médias escravarias, ou seja, uma predominância de famílias

nucleares e matrifocais, e até mesmo as que eram quebradas em partilhas ou

vendas, isto não impossibilitou a ampliação desses laços estabelecida por

relações de apadrinhamentos.

Álida Metcalf liga a família escrava ao contexto de desenvolvimento

econômico do proprietário: “nas propriedades e plantéis maiores, os escravos

encontravam melhores oportunidades para formar famílias estáveis” 166, ou

mesmo como Manolo Florentino e José Roberto Góes:

“(...) a estabilidade familiar era menor no âmbito dos pequenos plantéis, cujos proprietários estavam sempre premidos por dívidas – o principal mecanismo de reprodução da empresa – em geral, saldadas pelos futuros herdeiros mediante a vendo do espólio em leilão (...)”. 167

Douglas C. Libby também concorda com os dois autores acima e

completa:

165 ANDRADE (1988) Op. cit. p.187 e 188. 166 METCALF, Álida C. Vida Familiar dos Escravos em São Paulo no Século XVIII: o caso de Santana de Parnaíba. Estudos Econômicos. nº17 p.229-243, mai/ago, 1987. p.237 167 FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto . Parentesco, estabilidade entre os escravos: o caso do meio rural fluminense entre 1790 e 1830. Anais do XIII Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Populacionais. Ouro Preto: 2002. p.187, ou ainda RIOS, Ana Maria Lugão. Família e compadrio entre escravos das fazendas de café: Paraíba do Sul, 1871-188. Caderno ICHF, p.117,além de outros.

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“(...) quanto maior o plantel, maiores as possibilidade de acasalamento, mas, somente, se houvesse um razoável equilíbrio entre os sexos. E foi exatamente isto que não ocorria nos grandes plantéis dedicados a agro-exportação (...)”. 168

Os próprios escravos criaram mecanismos para burlar essa idéia de

separação ou mesmo de conviver com poucos companheiros, ultrapassando a

imposição dos proprietários pelos vínculos não consangüíneos.

Quando me refiro à família nuclear sigo o modelo de alguns autores, 169

de que era a família composta de pai, mãe, filhos (casados ou não), aqueles

que vivem num mesmo teto. Por família matrifocal entende-se “por mães

solteiras e seus rebentos e os parentes a elas adscritos”.170

Como vemos, em São Paulo do Muriaé a concubina, ou seja, casais que

vivem maritalmente sem estar casados, era a grande forma de relacionamento

entre as escravas, mas isso não quer dizer que não existiu a vida familiar.

Compreender seu significado e o papel da sociedade escravistas tornam-se

necessários estudos mais amplos da família brasileira e a sua função na época

vivida.

Na visão de Stuart Schwartz:

“(...) Os estudiosos sobre família escrava do Brasil ainda não definiram até que ponto as normas da vida em família escrava expressavam uma realidade autônima ou eram incentivadas e moldadas pelos senhores, que lhes impunham sua própria noção paternalista de moralidade”. 171

168 LIBBY, Douglas C. Demografia e escravidão. In: LPH: Revista de História, v.3, nº 1, 1992, p 267-294 169SAMARA (1984). Op.cit. p.2.138. FARIA (1998) op.cit. p.40, FLORENTINO, Manolo Garcia; GÓES, José Roberto. Comércio negreiro, estratégias de socialização parental entre os escravos do agro-fluminense, 1790-1830. Anais do IX Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais. São Paulo, vol.11, 1994 p.374; além de outros. 170MANOLO e GÓES (2002) Op. cit. p. 375 171 SCHWARTZ, Stuart. Escravos, roceiros e rebeldes. São Paulo: Edusc, 2001. p.36

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Rômulo Garcia de Andrade faz uma observação que é intrigante em

relação a esta proposta. O Padre Antônio Caetano da Fonseca, um vigário da

Paróquia de São Paulo do Muriaé e proprietário de escravos, deixou-nos um

manual agrícola onde flui a idéia de preocupação em estabelecer entre seus

escravos à união legalizada, criando um vínculo de “lucro e tranqüilidade” nas

fazendas, podendo possuir uma morada própria. Essa idéia é corroborada no

livro de casamento ao celebrar o casamento um casal de escravo onde ele

mesmo é o proprietário. 172

Uma outra observação feita por nós é que o dito Padre, mesmo sendo

devedor de uma fazenda na região efetuada por compra a Manoel Ferreira da

Costa, avaliada no valor de 2:200$000 (dois contos e duzentos mil de réis),

conforme ação impetrada no fórum local, no ano de 1863173, abriria mão dos

trabalhos de seus escravos aos domingos, para o cumprimento de seus

deveres de cristão e até trabalhar por conta própria. 174

No inventário post-mortem de João Francisco de Cerqueira, no ano de

1870, foi possível perceber um importante registro: a definição de cinco

famílias de escravos casados, além de oito escravos e duas escravas

solteiras175, conforme quadros a seguir:

172 ANDRADE (1995) Op. cit. p.290. 173 1º Cartório Cível do Fórum de Muriaé, maço 10. 174 ANDRADE (1995) Idem, ibidem. p.290-291 175 1º Cartório Cível do Fórum de Muriaé. Maço 25

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Quadro VII Famílias escravas especificadas

famílias pai mãe filhos

1ª Agostinho, crioulo, 20 anos.

Maria, crioula, 25 anos.

Maria, crioula, 3 anos. Felicidade, crioula, 1 ano e meio.

2ª Luiz, crioulo, 21 anos. Francisca, crioula, 18 anos.

Joaquina, crioula, 12 meses.

3ª Adão, crioulo, 16 anos. Ludovina, crioula, 19 anos.

Theodoro, crioulo, 8 meses

4ª Hilário, africano, 30 anos.

Rita, africana, 30 anos.

Moreira, crioula, 9 anos. Adão, crioulo, 7 anos. Eleutério, crioulo, 12 anos. Eva, crioula 1 ano.

5ª Manoel, africano 60 anos.

Thereza, africana 40 anos.

Manoel, crioulo, 13 anos. Jerônimo, crioulo, 11 anos. Marcelina, crioula, 9 anos.

Fonte: Inventário de João Francisco de Cerqueira,1870. 1º Cartório Cível do Fórum de Muriaé.

Quadro VIII Escravos solteiros

masculino feminino

Vicente, crioulo, 21 anos. Paulo, crioulo, 21 anos. Joaquim, crioulo, 19 anos. Adrão, crioulo, 13

anos. João, crioulo, 13 anos. Felippe, africano, 50 anos.

Roque, africano, 40 anos. Simplício,

africano, 60 anos

Anna Rita, africana, 60 anos. Joanna, africana, 80 anos.

Fonte: Inventário de João Francisco de Cerqueira,1870. 1º Cartório Cível do Fórum de Muriaé.

Nota-se que a preocupação de estabelecer famílias escravas estáveis

não era apenas relacionada ao Pároco do lugar, pois além da preocupação em

registrar estas famílias em cartório, havia conforme consta no próprio

inventário, um corredor de senzalas na propriedade, o que constata que

provavelmente, estes escravos casados tinham moradia própria.

Outro fato que nos chama atenção é que nestas cinco famílias acima

descritas, africanos casavam com africanas e crioulos casavam com crioulas,

mostrando que esta aliança seguia uma padronização étnica. Ou seja,

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enquanto existissem casais de africanos para enlaces matrimoniais, esta seria

a preferência.

Verificando os livros de batismo da localidade176, constata-se que

nenhum dos cativos solteiros desta escravaria teve filhos naturais, no período

em que pertenciam a este senhor. Aí nos perguntamos, por que o solteiro

Roque, africano de 40 anos ou Simplício, africano de 60 anos, não uniram em

matrimônio com Anna Rita, também africana de 60 anos? Permanecer solteiro

até esta idade seria opção própria ou não podiam ter filhos devido à

esterilidade? São hipóteses que necessitam de uma maior investigação

através de cruzamentos com outras fontes.

Percebemos assim, que havia na região, pelo menos com relação a

alguns proprietários, certa abertura para adquirir famílias próprias e até mesmo

alguma renda, possibilitando averiguar um movimento social para alguns

cativos.

Tal fato confirma a hipótese de Robert Slenes de que o casamento

propicia a obtenção de casa, de um fogo ou unidade doméstica própria,

podendo ampliar sua privacidade econômica e cultural. 177

Importante observar que, assim como a sociedade, também a família se

modifica, sendo necessário a observação no tempo e espaço. Em Minas

Gerais bem como em outras regiões do país esses vínculos patriarcais não

são observados tão claramente quanto na região relatada em Casa-Grande e

Senzala.

Acreditamos que em São Paulo do Muriaé esses valores precisam ser

melhores avaliados. A família nuclear realmente sofreu amplas mudanças em 176 Livros de batismos da Paróquia São Paulo do Muriaé, números 1 e 2 aberto a toda população e livro de batismo somente para registro de escravos, número 1. 177 SLENES. (1999) Op.cit. p.182.

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sua organização familiar, mas as suas bases não mudariam tanto quanto se

imagina. Os mesmos princípios de imposição do senhor ainda vão ser

conservados nesta sociedade.

“O certo é que os relatos consultados permitiram constatar a existência

de uniões entre os negros, indicando que estes tentaram estabelecer laços

afetivos mais sólidos que os da simples promiscuidade sexual” 178, podendo

participar ativamente como agentes de uma história em seu tempo, não

apenas como meros espectadores.

Se pudéssemos ter a capacidade de penetrar em uma plantação de

café, cana, ou outra produção agrícola qualquer, ou mesmo em sua moradia

em momentos de maior afinidade, ou ainda em um trabalho especializado, e

dialogar com esses personagens, poderíamos ter respostas para várias

indagações que historiadores procuram há algum tempo.

Mas é exatamente esta procura que nos incentiva a continuar e procurar

maiores detalhes nas fontes pesquisadas, muitas vezes é passado

despercebido. A montagem dessas peças poderá nos conduzir à chave da

reconstrução histórica da família escrava não apenas da região enfocada, mas

para na Província como um todo.

De qualquer forma, não podemos tirar conclusões finais sobre a

estabilidade da família escrava. Nossa pesquisa é apenas mais uma que

entrará na nota desses estudos e que tem um longo caminho a percorrer, pois

está apenas começando...

178 QUEIROZ (1998) Op. cit. p. 117

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2.2 – Nas teias da ilegitimidade – O estudo da ilegitimidade dos filhos de

mães escravas e sua relação com o nível de riqueza de alguns

proprietários.

Conforme documentado por trabalhos sobre a constituição da família em

Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX, observa-se nessa Capitania, logo depois

Província, um alto índice de ilegitimidade, ou seja, o casamento não era fator

determinante para os diversos setores da sociedade, fato que não impedia uma

relação duradoura entre os parceiros.

As atas batismais, além de outras deduções, nos fornecem excelentes

análises sobre o nível de adoção da taxa de nupcialidade seguido por

celebrações via sacramento matrimonial. Baseada nesta idéia propõe-se

apurar as condições da união entre os grupos, a forma de nascimento dos

filhos de escravas e logo a seguir confrontar esses dados com algumas

descrições de casos particulares referentes aos inventários post-mortem. Este

estudo permitirá um julgamento sobre a possível correlação entre os níveis de

riqueza dos proprietários de escravos e a forma de legalização dos filhos de

suas cativas.

Muriaé, como analisado no primeiro capítulo, caracterizava

economicamente como a maioria das localidades da Zona da Mata Mineira

para esta época recortada, despontando no início do terceiro quarto do século

XIX como o primeiro em número de freguesias, num total de onze e com um

total de 20,04% de escravos do total geral da população, no que equivalia a

47,2% do sexo feminino e 52,8% do masculino, com a maioria solteiros.

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Percebemos assim, que apesar de existir “certo equilíbrio” entre os

sexos, a freguesia caracterizaria como a maioria dos estudos para época e

região, pela superioridade de nascimentos ilegítimos ou bastardos.

Para a criança ser considerada legítima, os pais teriam de ser casados

em uma união reconhecida pela Igreja e que, portanto, preenchia os requisitos

exigidos pela legislação em vigor, no caso as Ordenações Filipinas. Em

contrapartida, as crianças naturais ou ilegítimas seriam frutos de vários tipos de

uniões não reconhecidas pela Igreja179, esta porcentagem pode ser

considerada uma taxa de “legitimidade” no sentido estrito da expressão. Em

alguns casos os pais legítimos reconheceram e legitimaram esta filiação,

concedendo a estes todos os direitos legais.

Não queremos afirmar, assim como José Roberto Góes, que uma

criança batizada dita natural não possuía um pai, como é evidente, exceto aos

olhos da Igreja. Mas é uma criança de cujo pai a fonte não fala. 180

Importante destacar que as Constituições Primeira do Arcebispado da

Bahia, celebrada em 12 de junho de 1707, consolidou juridicamente as

disposições do Concílio de Trento, no Brasil, onde defendia a obrigatoriedade

do culto à doutrina cristã, aos filhos, aos discípulos, aos criados e escravos,

adoração a Deus, à Virgem Maria Nossa Senhora, aos Santos e o culto aos

sacramentos, inclusive ao batismo.181

179 LIBBY, Douglas Cole; BOTELHO, Tarcísio R. Batismos de crianças legítimas e naturais na Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, 1712-1810. Revista Varia História. Belo Horizonte, nº 31p.1-286, Janeiro, 2004 p.72 180 GÓES, José Roberto. O cativeiro imperfeito. Um estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX. Vitória: Lineart, 1993. p.118 181 Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1853), feytas e ordenadas pelo Illustrícimo, e Reverendíssimo Senhor Sebastião Monteyro da Vide, 5º Arcebispo do dito Arcebispado, e do Conselho de Sua Magestade. Propostas, e aceitas em Synodo Diocesano, que o dito senhor celebrou em 12 de junho de 1707. São Paulo: Typographia 2 de Dezembro. Título II e VII

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É cabível ainda saber que as Constituições, no seu parágrafo 73, nos

esclarece: “E quando o baptizado não for havido de legítimo matrimônio,

também se declarará no mesmo assento do livro o nome de seus pais, se for

cousa notória, e sabida, e não houver escândalo, nem perigo de o haver...”.182

Desta forma, notamos por diversas vezes registros de batismos que aparece

apenas o nome da mãe, o que também não quer dizer que o nome do pai não

era reconhecido pelo pároco.

“Defendendo os interditos, a indissolubilidade e a universalidade do

matrimônio” 183 , os conciliares outorgavam poderes superiores aos seus

senhores de escravos:

“Conforme o Direito Divino, e humano os escravos, e escravas podem casar com outras pessoas captivas, ou livres, e seus senhores lhes não podem impedir o Matrimonio, nem o uso delle em tempo, e lugar conveniente, nem por esse respeito os podem tratar peior, nem vender para outros lugares remotos, para onde o outro por ser cativo, ou por ter outro justo impedimento o não possa seguir...”. 184

Sabemos por trabalhos anteriores que apesar da Lei definir

determinados parâmetros, o cumprimento dela nem sempre era seguido à

risca, o que também era comum para São Paulo do Muriaé. Em nenhum dos

952 assentos de batismos de escravos aparece casais casados de plantéis

diferentes, o que faz surgir uma dúvida: realmente todos os casados

legalmente eram escravos de um mesmo dono?

Conforme se observa na Tabela 1, o número de proprietários que

tiveram apenas um filho de uma sua escrava batizado chegou a 218, ou seja,

182 CONSTITUIÇÕES (1707) op. cit. Título XX, & 73. 183 VENÂNCIO, Renato Pinto. Ilegitimidade e concubinato no Brasil Colonial: Rio de Janeiro e São Paulo, 1760-1800. Centro de Estudos de Demografia Histórica da América Latina , nº 1–CEDHAL- USP, 1986. p.7 184 CONSTITUIÇÕES (1707) Idem ibidem. Título LXXI

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58,4% do número total de escravistas arrolados; já o número de proprietários

que viram duas crianças nascidas de suas escravas e batizadas foi de 67

(18,0%); no outro extremo encontramos apenas um escravista (0,3% do total)

cujas escravas deram à luz 34 inocentes que receberam o sacramento do

batismo.

Se levarmos em consideração que a localidade caracterizava por

pequenos e médios plantéis e “em escravarias pequenas, o acesso ao

matrimônio era muito mais difícil do que nas unidades maiores.” 185 fica as

perguntas. Por que tivemos todos os matrimônios em uma mesma escravaria?

A ilegitimidade para Muriaé seria uma opção, como afirmara Sílvia Brügger em

estudos para São João Del Rei, ou na realidade faltava parceiro dentro da

escravaria? Ou será que estes pais não podiam aparecer? Parece ser esta

última pergunta é a mais provável, mais afirmar categoricamente aquela que

mais se aproxima da realidade é impossível com esta fonte de pesquisa. Se

houvesse uma maior preocupação do pároco em registrar

pormenorizadamente o registro, estas dúvidas poderiam ser sanadas. Uma

fonte que poderia suprir esta deficiência seria o registro de casamento, ou até

mesmo recorrer às Listas Nominativas da mesma freguesia, o que nos foge da

análise para o momento.

185 BRÜGGER, Sílvia Maria Jardim. Legitimidade e comportamentos conjugais. São João del Rei, século XVIII e primeira metade do XIX. X Seminário de Economia Mineira, 1998. p.23

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Tabela 1 Número de batismos de filhos de cativas (coluna A) pertencentes a cada

um dos proprietários arrolados na coluna B com indicação das porcentagens referentes a estes últimos na coluna C

(Muriaé, 1852-1888)

Fonte: Livros de batismo da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

O total geral desses casamentos de escravos apresentados no registro

de batismo na freguesia São Paulo do Muriaé, foi de 202, ou seja, 21,2% dos

casos e em 7 deles (0,8%) aparece apenas o nome do pai, lembrando que

consideramos escravos casados aqueles em que tem filhos legitimados pelo

vigário.

Ainda que os dados apresentados na tabela 2 denotem pouca

representatividade, cabe-nos observar as formas de relações estabelecidas

entre os casais. Devemos aqui esclarecer que casamentos endogâmicos eram

estabelecidos entre uma mesmo origem, crioulo/crioulo, africana/africana, já

Número de batismos de filhos de cativas pertencentes a cada um dos proprietários indicados na

coluna B (coluna A)

Número de proprietários cujas cativas tiveram seus filhos

batizados, filhos estes indicados na coluna A (coluna B)

Porcentagens referentes aos

proprietários indicados na coluna B (coluna C)

1 218 58,4 2 67 18,0 3 22 6,0 4 13 3,5 5 19 5,1 6 6 1,6 7 1 0,3 8 5 1,3 9 4 1,1

10 5 1,3 11 3 0,8 13 2 0,5 15 3 0,8 18 2 0,5 22 2 0,5 34 1 0,3

Total 373 100,0

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casamentos exogâmicas eram efetuadas entre origens diferentes,

africana/crioulo, crioula/africano.

Advertimos que nenhuma mãe africana uniu a um crioulo, e em 3 casos

(21,42%) aparece a união de africana com africano. Com relação à mãe crioula

e pai crioulo, estes índices passam para 27 casos, ou seja, 13,57%, Mãe

crioula e pai africano aparecem 5 casos (2,51%).

Conforme os dados acima, vemos como nos afirma a historiografia

sobre o tema, que apesar de não podermos generalizar tomando como

referência Muriaé, os casais da localidade apresentam uma preferência à

endogamia, prevalecendo uma preferência entre os casamentos do mesmo

grupo étnico, pelo menos até o momento em que existia pessoal disponível

para tal.

Uma outra observação é que o fato de não termos nenhuma mãe

africana casada com crioulo, leva-nos a deduzir que o homem crioulo quase

sempre procurava gente de categoria igual ou superior a sua para casar.

Tabela 2

Casamento de escravos segundo a origem, Muriaé, 1852-1888

Origem da mãe origem do pai afric % crioula % mãe

não identif

% ilegível % não consta

% prov bras

% Total %

crioulo 0 0 27 13,57 0 0 0 0 0 0 0 0 27 2,83africano 3 21,42 5 2,51 3 0,41 0 0 0 0 0 0 11 1,15pai não identificado

0 0 0 0 170 23,25 2 100,00 1 16,67 0 0 173 18,18

ilegível 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0não consta 11 78,58 165 82,92 558 76,34 0 0 5 83,33 0 0 739 77,63Prov. bras 0 0 2 1 0 0 0 0 0 0 0 0 2 0,21Total 14 100,00 199 100,00 731 100,00 2 100,00 6 100,00 0 0 952 100,00

Fonte: Livros de batismo da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888

Rômulo Garcia de Andrade aprofunda esta análise para as localidades

de Muriaé e Juiz de Fora, e conclui que a exogamia era praticada em maior

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grau por homens africanos e mulheres crioulas, esclarecendo ainda, que isto

não era uma preferência pelo outro, mas um desequilíbrio na Razão da

Masculinidade, que agia de forma a desfavorecer os africanos do sexo

masculino, mais numerosos e sem contrapartida no plantel africano feminino,

recorrendo as “sobras” do sexo oposto. 186

Vale notar ainda, que em sete ocasiões aparece apenas a figura do pai,

conforme tabela 3, três casos deles por danificação ao registro, todos eles

anotados no livro 1a, aberto a toda população, que faz a cobertura dos anos

1852-1863. Constança, Marcelino, Feliz e Jacintho são as quatro crianças em

que aparece apenas o nome do pai, sem haver alguma danificação à fonte,

todos registrados como escravos, portanto, filhos mães escravas e pais

escravos, já que a lei determinava que o ventre sendo de escrava, os filhos

também seriam.

Infelizmente, o vigário não especifica em nenhum dos casos acima a

causa do desaparecimento da mãe, levando-nos a deduzir, que se relacionava

ao falecimento da mesma. Um deles, de nome Feliz, tem durante o ato do

batismo sua alforria garantida pelo proprietário: “declaro que é nascido de

ventre livre”, 187 liberdade esta conseguida, talvez por uma compensação à

falta da mãe biológica.

Dando continuidade ao estudo dos registros de batismos, passaremos

analisar os dados apresentados sobre legitimidade e ilegitimidade na Paróquia

pesquisada. É bom frisar que para efetivar as tabelas a seguir, tivemos o

cuidado de relatar a fonte tal como o vigário transcrevia, para não gerar

186 ANDRADE (1995) Op. cit. p.276 187 Livro de Batismo 1 a aberto a toda população. Batizado: Feliz, padrinhos: Francisco José de Carvalho e Perpétua Maria da Conceição, proprietário: João Gomes dos Santos, pai: Severino escravo. Batizado no dia 30/03/1856.

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dúvidas e até mesmo para fazer uma leitura mais minuciosa da documentação.

Por isso, vemos os itens que por ora não são muito usados, discriminados

como “presumivelmente natural” e “presumivelmente legítimo”. 188

Observa-se desta forma, que “presumivelmente natural” referia-se a

todos os filhos nascidos de mães aparentemente solteiras. O vigário não

anotava a designação “natural”, talvez por esquecimento, ou até pela variedade

na transcrição dos assentos, devido ao nível social dos envolvidos na

cerimônia, deixando os vigários influenciarem pelos jogos e vantagens da

sociedade local. Desta forma, quanto maior o nível econômico, maior as

especificações e minúcias do registro.

“Natural consignado pelo vigário”, era especificado no registro “filho

natural de” e “legítimo” foi usado quando era especificado o nome do pai e/ou

mãe, concebidos por casamento putativo. “Presumivelmente legítimo” (só

consta o nome do pai) equivale aos assentos que, por erro do vigário,

esquecimento, morte da mulher, ou mesmo desgaste da fonte pelo tempo, só

consta o nome do pai. Por fim, “indefinido” refere-se aos casos em que os

registros aparecem cortados ou depredados.

Nota-se que a maior freqüência está relacionada aos filhos naturais

consignados pelo vigário, perfazendo um total de 568 batizados (69,1%)

acompanhado de 81 casos (8,5%) em que o vigário anotou apenas o nome da

mãe, sem designá-la como natural.

Ao adotar a idéia de somarmos as duas variáveis citadas, independente

de aparecer anotado “filho natural de”, obtêm-se um total de 739 casos, ou

seja, 77,6%. Em se tratando de filhos presumivelmente legítimos, aparecem 7

188 Agradeço as sugestões sempre precisas do professor Iraci del Nero da Costa.

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casos (0,8%) e os legítimos 202 (21,2%), ao usar o mesmo indicativo acima,

temos 209 (21,9%) dos filhos nascidos legítimos.

Tabela 3

Condição de legitimidade dos filhos de mães escravas,

Muriaé (1852-1888).

legitimidade Freqüência % presumivelmente natural 81 8,5 natural consignado pelo vigário 658 69,1 legítimo 202 21,2 presumivelmente legítimo, só consta o nome do pai 7 0,8 indefinido 4 0,4 total 952 100,0

Fonte: Livros de batismo da freguesia de São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

Detalhando mais, separamos na tabela 4 os valores e médias para cada

uma dessas categorias por triênios, com exceção de 1885 a 1888, por ter

apresentado neste último ano, apenas dois casos de batismo, ambos naturais.

Ressaltamos serem raras às vezes em que o nascimento legítimo

sobrepõe ao natural, apenas no período de 1855-1887. Se usarmos o critério

de soma do “presumivelmente natural” e “natural consignado pelo vigário”, não

aparecerá nenhum intervalo com tal denominação, subindo os nascimentos

ilegítimos gradativamente a partir daí, atingindo seu ápice em 1879-1881.

Um outro fator marcante nesta quarta tabela é que quanto mais próximo

à abolição da escravatura, maior o distanciamento entre as duas variáveis.

Este fator é justificável, pois logo após 1871, ano da Lei do Ventre Livre, existiu

uma preocupação maior do vigário em anotar as atas pormenorizadas,

lembrando que após a dita lei, todos os filhos de escravas, se tornariam livres e

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o batizado seria a única forma de fazer valer os direitos do proprietário, tanto

de indenização como de exploração do trabalho até os 21 anos de idade.189

Cumpre lembrar que Iraci del Nero da Costa, Slenes e Schwartz nos

esclarecem que em plantéis mais numerosos havia um alto porcentual de filhos

legítimos e neles concentrava-se a maioria desses filhos na localidade

estudada, como também havia um ambiente propício para a constituição de

famílias regulares.190

Baseado nesta quarta tabela podemos deduzir que aparentemente, as

famílias matrifocais, ou seja, constituída de mães solteiras e seus rebentos,

bem como os parentes a ela adstritos 191, foi a forma predominante em São

Paulo do Muriaé.

Tal fato reforça estudos posteriores de Rômulo Garcia de Andrade,

Sílvia Maria Jardim Bruggüer, Jonis Freire192, além de outros, demonstrando

que a ilegitimidade permeava esta sociedade escravista mineira.

Devemos também observar, que apesar dessas famílias que aparecem

nos batismos de Muriaé serem baseadas em modelos caipiras, com uma

população escrava pulverizada, existiu a constituição familiar, o que vem de

encontro às idéias de que em grandes propriedades havia uma maior

possibilidade de casamentos, ou seja, era possível a existência de famílias

estáveis também em pequenas escravarias.

189 C.f. Tarcísio R. Botelho, esta seria uma das formas de incentivar os proprietários a batizarem seus escravos e sem dúvida alguma, o nível de cobertura deste registro deve ter melhorado. BOTELHO, Tarcísio R. Famílias e escravarias: demografia e família escrava no norte de Minas Gerais, no século XIX. São Paulo: USP, 1994. (Dissertação de Mestrado) p.24. 190 COSTA, Iraci Del Nero da, SLENES, Robert W. e SCHWARTZ, Stuart B. A família escrava em Lorena (1801). Estudos Econômicos, 17:2 mai./ago. 1987 191 FLORENTINO; GÓES (1994) Op. cit. p.375 192 ANDRADE (1995) Op.cit. BRÜGGER (2002) Op. cit. FREIRE (2004) Op. cit.

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Tabela 4

Condição de legitimidade por ano, Muriaé (1852-1888).

ano pres. nat. % Nat. Cons. % leg % Pres. leg % Ind. % total %

1852-1854 11 13,6 9 1,2 9 4,3 0 0 0 0 29 31855-1857 42 5,8 8 1,1 17 8,2 2 28,6 2 50 71 7,51858-1860 20 24,9 53 8,6 31 15,2 2 28,6 0 0 106 11,11861-1863 2 2,4 15 3,6 9 4,2 0 0 0 0 26 2,61864-1866 3 3,7 33 4,9 8 3,6 0 0 1 25 45 4,51867-1869 1 1,2 40 5,9 20 9,7 0 0 0 0 61 6,41870-1872 0 0 61 9,5 25 14,8 2 28,6 0 0 88 9,31873-1875 1 1,2 83 12,4 20 9,7 0 0 0 0 104 111876-1878 0 0 79 12 19 9,2 1 14,2 1 25 100 10,61879-1881 0 0 103 15,8 27 13,2 0 0 0 0 130 13,81882-1884 1 1,2 83 12,7 8 3,7 0 0 0 0 92 9,61885-1888 0 0 90 13,7 9 4,2 0 0 0 0 99 10,5n/c data 0 0 1 0,1 0 0 0 0 0 0 1 0,1Total 81 100,0 658 100,0 202 100,0 7 100,0 4 100,0 952 100,0

Fonte: Livros de batismo da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

Sheila Faria de Castro acrescenta que estas altas de ilegitimidade,

estavam intimamente pautadas nos tipos de produção, nas localizações das

áreas, no tamanho das unidades produtivas e no período, que dependendo de

determinadas combinações, influíram nas possibilidades de casamento193. Os

padrões familiares e as condições sócio-econômicas da região determinavam

os costumes e as atitudes que sobressaíam na formação das famílias.

Desta forma, percebe-se que quanto maior o plantel, maiores eram as

possibilidades de uniões legítimas, e em conseqüência a formação de famílias

mais estáveis.

Sheila ainda conclui, que ao longo do século XIX pode ser observada

uma série de inovações dentro do sistema escravista, como a diminuição de

taxa de ilegitimidade em várias freguesias. Uma das explicações encontradas

para tal definição, estaria na maior presença da Igreja nos âmbitos rurais e

urbanos. Outra explicação estava conectada a entrada de cativos africanos até

193 FARIA (1998) Op. cit. p.323-324.

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1850 no país, levando a sociedade a práticas africanas no cotidiano dos

cativos. 194

Em Minas Gerais, por exemplo, a criação do Bispado de Mariana, em

meados do século XVIII, foi um marco para o controle dos registros paroquiais,

apesar de muitos padres fugirem à regra. Entretanto, o que se observa para o

século XIX é que a ampliação das alforriais e o aumento da pressão da Igreja

em levar adiante o projeto de sacralização e moralização das uniões, tivessem

efeito contrário, pois seriam vividas por uma pequena parcela da população. 195

À distância, a precariedade das estradas de Mariana a São Paulo do Muriaé, e

até mesmo a falta de preparo dos representantes do bispado, levou um

acentuado número de nascimentos ilegítimos.

Separando um a um esses registros em números de proprietários que

tinham seus escravos batizados por categorias, observa-se que independente

da quantidade de crianças batizadas, a variável ilegitimidade era uma

constante nos diversos seguimentos. Em apenas dois grupos se dá uma

reversão, ou seja, filhos legítimos ultrapassando o número de batismos de

ilegítimos.

Os proprietários que tiveram seus escravos batizados 11 e 22 vezes, 3

proprietários no primeiro caso e 2 para o segundo, aparecem uma

superioridade de 57,6% (19) de legitimidade e 39,4% (13) de ilegitimidade e

50,1% (22) e 45,5% (20), respectivamente.

Como na tabela 5 foi feito uma junção desses números a outros, 11 e

13, 22 e 34 vezes, esta variação sofre uma pequena alteração, 28 (4,3%)

casos de batismos “natural consignado pelo vigário” e 29 (14,4%) de legítimos.

194 FARIA (1998) Op.cit. p. 57 195 FARIA(1998) Idem, ibidem. p.54

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Se usarmos o mesmo critério de soma dos batismos entre as duas categorias,

o número dos naturais ultrapassa aos legítimos.

Não sendo as fontes paroquiais as mais adequadas para aferir a posse

dos escravos e riqueza do proprietário, apesar de nos dar uma boa

representação196, recorremos, então, aos inventários para cruzar alguns dados

com esta dedução.

Desses 5 (cinco) proprietários que tiveram seus escravos batizados e

apareciam como maioria legítimos foi encontrado apenas o inventário da

esposa de Antônio Tibúrcio Rodrigues, D. Maria Ferreira Rodrigues. Seus bens

foram avaliados em 71:129$101 (setenta e um contos, cento e vinte e nove mil,

cento e um réis). 197

Na data de abertura do documento acima, 07/06/1890, pelo menos em

tese, a escravidão já havia sido extinta, fato que isenta o aparecimento de

escravos. Destarte, mesmo não sendo possível saber com precisão sobre sua

escravaria, sabemos que o índice de legitimidade era de 81,8%, um número

surpreendente se comparado com outras escravarias, mesmo não sendo

possuidor de grandes fortunas.

No dia 04/06/1864 foi feita a abertura do inventário de Lino Teixeira de

Siqueira, casado com D. Anna Eufrásia da Annunciação, que da mesma forma

do inventário acima, destacou-se entre uns poucos proprietários de alta

legitimidade, porém com um total de bens menor que o primeiro, 18:828$440

(dezoito contos, oitocentos e vinte e oito mil, quatrocentos e quarenta réis).

196 É óbvio que o número de batismos constitui um indício tosco do tamanho da posse de cativos propriamente dita, mas parece-nos que a amostra resultante seja bastante representativa da realidade de Vila Rica durante o século XVIII e início do XIX. LIBBY; BOTELHO (2004) Op.cit. p.84 197 Para saber a soma da riqueza do proprietário, incorporei a soma de todos os bens: móveis, semoventes, raiz, jóias, dinheiros, dívidas ativas e descontei das dívidas passivas à custa do enterro/processo. Inventário de Maria Ferreira Rodrigues, Cartório do 1º Ofício Cível, Muriaé, maço nº 75.

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Este senhor levou 18 escravos na pia batismal, destes, 16 (88,8%) eram

legítimos. 198

Um outro documento analisado é o de João Francisco de Cerqueira,

aberto no dia 22/08/1870. O proprietário possui no inventário um total de 31

escravos, 10 foram levados para batizar, 9 (90%) são filhos legítimos, assim

como os dois acima. O volume de bens arrolados é o maior deles, 87:627$315

(oitenta e sete contos, seiscentos e vinte e sete mil, trezentos e quinze réis). É

bom deixar claro que o dito proprietário apresentava no item “dívidas ativas”, o

valor quase total de seus bens: 86:847$480 (oitenta e sete contos, oitocentos e

quarenta e sete mil, quatrocentos e oitenta réis), o que parece ter sido um

grande negociante da localidade. 199

É interessante ainda detalhar alguns casos específicos de proprietários

que tinham como característica marcante a grande contribuição para a

ilegitimidade local.

Desembargador Antônio Augusto da Silva Canêdo, um dos maiores

proprietários de escravos da localidade, perfazendo um total de 103 escravos,

possuía uma soma avultante de bens para a região, num total de 480:064$692

(quatrocentos e oitenta contos, sessenta e quatro mil, seiscentos e noventa e

dois réis), somando com alguns poucos bens deixados em Barbacena. É o

proprietário que mais batizou seus escravos, um total de 34 escravos. 200

Deste total, 30 escravos (88,2%) foram batizados como naturais, 3

(8,9%) como legítimos e 1 (2,9%) como presumivelmente legítimos. Fica claro

que, apesar de ser um grande produtor, com plantações de 86 mil pés de café,

198 Inventário de Lino Teixeira de Siqueira, Cartório do 1º Ofício Cível, Muriaé, maço nº 15. 199 Inventário de João Francisco de Cerqueira. Cartório do 1º Ofício Cível, Muriaé, maço nº 25. 200 Inventário do Desembargador Antônio Augusto da Silva Canêdo. Cartório do 1º Ofício Cível, Muriaé, maço 55.

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arroz, mandioca, cana-de-açúcar, feijão, milho e ser possuidor de 632 alqueires

de terra e ainda instrumentos com todo o aparato, inclusive integrantes

escravos, para uma banda de música, prevaleciam às uniões tidas como

ilegítimas.

Outro proprietário, João Carlos de Souza, tem seu nome transcrito no

registro de batismo por 18 vezes. E todos seus escravos foram registrados

como naturais. Conferindo a fonte propícia, soma-se um total de 52:886$010

(cinqüenta e dois contos, oitocentos e oitenta e seis mil e dez réis), de todo o

bem deixado em herança. 201

E por fim, Antônio José de Oliveira Lomeu, com um montante de

343:329$200 (trezentos e quarenta e três contos, trezentos e vinte e nove mil e

duzentos réis), com 62 escravos, levou apenas 5 para batizar, 4 (80%) naturais

consignados pelo vigário e 1 (20%) presumivelmente natural. Percebe-se que

sua escravaria era velha, pois o número de escravos em relação ao número de

batizados perfaz um total de apenas 8,3%, levando a deduzir que era uma

escravaria de baixa reprodução natural.

201 Inventário de João Carlos de Souza e sua mulher D. Rosa Maria de Jesus. Cartório do 1º Ofício Cível, Muriaé, maço 98.

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Tabela 5

Distribuição de proprietários por escravos levados ao batismo,

Muriaé (1852-1888).

nº de vezes

pres. nat. %

nat. consig % legit. %

pres.leg. % ind. % total %

1 e 2 42 51,9 253 38,4 52 25,9 3 42,9 2 50 352 37 3 e 4 12 14,9 87 13,2 18 8,9 0 0 1 25 118 12,4 5 e 6 16 19,8 91 13,9 23 11,4 1 14,3 0 0 131 13,8 7 e 8 6 7,4 31 4,7 10 4,9 0 0 0 0 47 5 9 e 10 2 2,4 62 9,4 20 9,9 1 14,2 1 25 86 9,1 11 e 13 2 2,4 28 4,3 29 14,4 0 0 0 0 59 6,1 15 e 18 0 0 56 8,5 25 12,3 0 0 0 0 81 8,5 22 e 34 1 1,2 50 7,6 25 12,3 2 28,6 0 0 78 8,1 total 81 100,0 658 100,0 202 100,0 7 100,0 4 100,0 952 100,0

Fonte: Livros de batismo da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

Após esta breve exposição podemos não concluir, mas aferir indícios de

que independente da existência de uns poucos casos em que a riqueza do

proprietário não interferia de forma sistemática na legitimidade e ilegitimidade

dos filhos de escravas, ainda é cedo para tomarmos São Paulo do Muriaé

como expressão do tema para uma análise mais ampla. Ou seja, quando se

tomam casos particulares, não há dúvidas quanto ao fato de terem existido

pequenas escravarias nas quais se observava a presença exclusiva de filhos

legítimos, assim como de grandes nas quais predominavam os filhos naturais.

Preferimos então finalizar esta etapa com os dizeres do professor Iraci

del Nero da Costa, “acreditamos que futuramente sejam dedicados estudos a

um conjunto de casos específicos com vistas a tipificar os distintos perfis de

plantéis”202, e aí, quem sabe, em menos tempo do que o imaginado,

poderemos atribuir conclusões mais sólidas, não apenas para Muriaé, mas

também para a Capitania e Província como um todo.

202 Extraído de diálogo efetuado por via internet, no dia 24 de maio de 2005, às 17h04min.

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2.3 - Condição social dos compadres e comadres203

Ao passar para a análise da condição social dos padrinhos notam-se

que nos casos de batismos presumivelmente natural, os padrinhos escravos

aparecem em 43 ocasiões (53,09%), assumindo a maioria dos batismos nesta

categoria, e os padrinhos que possuíam a condição livre, em 38 registros

(46,91%). Se usarmos o critério de soma das duas variáveis, presumivelmente

natural e natural consignado pelo vigário, esta posição inverte, ou seja, as

crianças ilegítimas terão padrinhos escravos em 281 (38,02%) dos casos; e os

livres 441 (59,67%). No caso das crianças legítimas a situação tem uma

pequena alteração para os padrinhos escravos e livres, 91 (45,04%) e 107

(52,98) respectivamente, permanecendo, mesmo não somando as duas

variáveis, a superioridade de padrinhos livres. Em apenas 14 batismos de

padrinhos escravos, o vigário especifica como pertencente a outra escravaria,

um número pequeno para fazermos maiores análises.

Na condição presumivelmente legítima, só consta o nome do pai, há

uma estabilidade entre os números, ou seja, 3 casos, (42,86%) de padrinhos

escravos e 3 casos, (42,86%) de padrinhos livres. Somando as duas

categorias, obtemos 94 (44,97%) para os padrinhos escravos e 110 (52,63%)

de padrinhos livres, tendo novamente a superioridade de padrinhos livres.

O que nos leva a concordar com Stuart B. Schwartz,

“(...) para os cativos, possuir um padrinho ou compadre livre nas imediações, significava vantagens que podiam sobrepujar as associações íntimas ou o desejo por laços

203 Mesmo sabendo que possuir sobrenome não era próprio somente das pessoas originárias da camada dos livres, utilizamos o critério de considerar livre quem apresentava esta característica no registro, em alguns casos os vigários anotam a categoria social.

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familiares mais amplos que levariam à escolha de outros escravos”. 204

Como a grande maioria dos padrinhos da localidade pesquisada era

livre, podemos então deduzir que ter a proteção de alguém de classe tida

como superior a do batizando, era um meio de garantir uma ascensão social

via apadrinhamento como também uma forma de garantir a priori uma

vantagem para o futuro dos filhos, ou mesmo uma forma de liberdade na pia

batismal.

Ao contrário dos dados apresentados para São Paulo do Muriaé, Ana

Lugão Rios constatou para Paraíba do Sul, 48,6% dos casais de padrinhos

eram cativos, em finais do século XIX. Cerca de 18% dos batismos, pelos

menos um dos padrinhos eram escravos e apenas 0,32% os senhores foram

padrinhos de seus cativos. A mesma autora ainda ressalta que há diferenças

entre estes vínculos de compadrio, variando de acordo com o tamanho das

unidades produtivas. Nas maiores propriedades rurais, os vínculos de

apadrinhamento formavam entre as comunidades escravas. Nas escravarias

urbanas, a predominância de padrinhos livres, se deu, segundo a autora, em

atividades desenvolvidas pelos escravos nestas áreas, possibilitando-lhe maior

mobilidade, facilitando o maior convívio entre os indivíduos de camada social

superior. 205

Em São Paulo do Muriaé, região de pequenas escravarias rurais, a

tendência foi escolher padrinhos livres, sendo uma forma facilitada pelo

estreito convívio entre livres e escravos.

A partir de pesquisas em arquivos paroquiais de várias localidades e

época, podemos concluir que os apadrinhamentos de escravos nos levam a

204 SCHWARTZ (1988) Op. cit. p. 332 205 RIOS, Ana Lugão. Família e transição. Dissertação de Mestrado. UFF: Niterói, 1990. p.47-63.

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diversas evidências e opções. Stephen Gudeman e Stuart Schawrtz

demonstram que no Recôncavo baiano, no século XVIII, o vínculo senhor-

escravo representa um marcante contraste baseado na espiritualidade,

seguindo as proporções: os padrinhos eram livres, forros e escravos em 70%,

20% e 10% dos casos, respectivamente.

Nas várias culturas predominavam os padrinhos de status social igual

ou mais elevado que seus afilhados, não aparecendo o proprietário do escravo

batizado, em nenhuma ocasião como padrinho do cativo. 206. Os autores

alegam que a pequena presença dos proprietários batizando seus cativos

poderia ser uma opção dos próprios escravos em não ter como padrinho seus

senhores. 207.

Sílvia Maria Jardim Brügger, ao fazer uma análise de apadrinhamento

de cativos em São João Del Rei, 1730-1850, constata que existia um amplo

predomínio de homens livres a apadrinharem filhos de cativas, variando entre

62%. Conclui ainda, que em apenas 150 casos, ou seja, 1,1% das crianças

cativas, batizadas entre 1736 e 1850, foram apadrinhadas por seus senhores.

208 Márcia Cristina de Vasconcellos, em estudos feitos nos batistérios de

Angra dos Reis, no século XIX, uma região não agro-exportadora do Rio de

Janeiro, chegou à conclusão que os escravos apadrinhavam a maioria dos

206 GUDEMAN, Stephen; SCHWARTZ, Stuart. Purgando o pecado orignal: compadrio de escravos na Bahia no éculo XVIII. (org) REIS, João José. Escravidão e invenção da liberdade. Estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988. p.33-59. 207 GUDEMAN; SCHWARTZ (1988) Idem, ibidem. 208 BRÜGGER, Sílvia Maria Jardim. Compadrio e escravidão: uma análise do apadrinhamento de cativos em São João Del Rei, 1730-1850. XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP. Caxambu-MG, 20-24 de setembro de 2004. p.3, 4,5 e 6.

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cativos, 473 (91,6%) e apenas 37 deles (7,2%) tinham como padrinhos livres.

209 Maria de Fátima Rodrigues das Neves, ao analisar o compadrio de

escravos de São Paulo, no século XIX, apresenta a maioria dos escravos

sendo batizados por livres e na grande maioria homens serviam de padrinhos

de crianças escravas, estendendo laços familiares a pessoas mais

“qualificadas” socialmente, 210 que “os proprietários em raras oportunidades

servia como padrinhos de seus escravos”. 211

Na região de Inhaúma, Rio de Janeiro, na primeira metade do século

XIX, José Roberto Góes também concluiu que os senhores nunca

apadrinhavam seus cativos. Dos batizandos escravos, 66,6% tinham como

padrinhos outros escravos, “os escravos reunidos em plantéis menores

buscavam padrinhos, via de regra, em cativos de outros senhores, e o inverso

se dava nos maiores”. 212

Na Paróquia analisada em 22 casos (2,31%) aparece o proprietário

como padrinho, um número superior ao encontrado pelos autores citados

acima, e ainda uma forte presença de parentes dos senhores apadrinhando,

pois é visível o número de sobrenomes idênticos dos padrinhos e senhor,

remetendo-nos a um amplo relacionamento entre cativos senhores e parentes

dos senhores.

Ana Maria Lugão Rios, ao estudar Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro,

para os anos de 1871 a 1888 apresentou resultados diferentes de Gudeman e

209 VASCONCELLOS. Márcia Cristina. Que Deus os abençoe. Batismo de escravos em Angra dos Reis (RJ), no século XIX. p.7-27.História e perspectivas. Revista dos cursos de História. Universidade Federal de Uberlândia, 1997. 210 NEVES, Maria de Fátima Rodrigues das. Ampliando a família escrava: compadrio de escravos em São Paulo do século XIX. História e População. Estudos sobre a América Latina-ABEP/IUSSP/CELADE.São Paulo, 1990, p.241 211 NEVES (1990) Op. cit. p.241 e 243 212 GÓES (1993) Op. Cit. p. 78

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Schwartz, percebendo uma maior participação dos escravos apadrinhando

escravos; este fator estava ligado ao tamanho dos plantéis. 213

Sidney Pereira da Silva conclui, assim como Ana Lugão, que em

Valença, região de alta concentração de escravos, houve uma alta

predominância de padrinhos serem escravos, num total de 51,73% para os

padrinhos e 53,56 % para as madrinhas, sendo nula a presença dos senhores

apadrinhando. 214

Com um trabalho pioneiro para a região, Miridam Britto Knox Falci faz

uma análise na Província do Piauí nos séculos XVII e XIX em cinco (5)

freguesias, levantando um total de 5.273 escravos, concluiu que cerca de 70%

dos padrinhos eram homens livres, sendo livres também em sua maioria as

madrinhas, com raras exceções entre padrinhos e madrinhas de grupo social

distinto. Para a localidade de Picos, percebe-se um pequeno decréscimo,

chegando a 60%. 215

Tarcísio Rodrigues Botelho, estudando os arquivos paroquiais de

Montes Claros, durante o século XIX, constatou que os padrinhos livres de

ambos os sexos sempre ultrapassaram a metade do total, chegando a 80% em

determinados momentos. E assim, como alguns autores acima referiram, os

escravos não outorgavam aos senhores batizarem seus filhos, contudo os

parentes dos senhores apareciam apadrinhando de 8% a 16% conforme o

período. 216

213 RIOS (1990) Op. cit. p.113 e 116. 214 SILVA, Sidney Pereira da. As relações sócio-parentais entre escravos: o batismo de escravos em Valença, província do Rio de Jeneiro (1823-1885). Dissertação de Mestrado. USS: Vassouras, 2005. 215 FALCI (1995) Op. cit. 216 BOTELHO, Tarcísio R. Famílias e escravarias; demografia e família escrava no Norte de Minas Gerais no século XIX. Dissertação de Mestrado. FFLCH, USP, São Paulo, 1994.

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As pesquisas de Sheila de Castro Faria nas freguesias de São Gonçalo,

São Gonçalo de Campos dos Goitacazes e São Salvador dos Campos dos

Goitacazes, entre os séculos XVII a XIX, uma região caracterizada por grandes

unidades produtivas, indicam um predomínio de padrinhos legítimos serem

escravos, cerca de 85,6%, tanto do mesmo dono, quanto de donos diferentes,

na primeira freguesia mencionada. Na segunda, no século XVIII, os filhos

legítimos tiveram 63,3% de padrinhos escravos. 217

Em São José do Rio de Janeiro, no início do século XIX, Roberto

Guedes Ferreira concluiu que os filhos naturais, 51,2% tiveram padrinhos

livres, 38,4% escravos e 10,4% forros. Entre as mães que tiveram mais de três

filhos, retorna como escolhido, um padrinho anterior. 218

A freguesia do Senhor Bom Jesus do Rio Pardo, localizada na Zona da

Mata Central, foi analisada por Jonis Freire, que constatou dados muito

próximos aos apresentados na freguesia São Paulo do Muriaé. No decorrer de

1838 a 1888, livres, escravos e forros apadrinharam os inocentes em 69,2%;

30,6% e 0,2% dos casos respectivamente. 219

Poderíamos enumerar vários outros trabalhos que tem como foco de

pesquisa as relações sócio-parentais desenvolvidas na pia batismal, entre

todas as camadas sociais, e que versam conclusões distintas. 220 Todas elas

217 FARIA (1998) Op. cit. 218 FERREIRA, Roberto Guedes. Na pia batismal. Família e compadrio entre escravos na freguesia de São José do Rio de Janeiro (primeira metade do século XIX). Dissertação de Mestrado. Niterói: UFF, 2000. 219 FREIRE (2004) Op. cit. p.16 220 COSTA; SLENES e SCHWARTZ. (1987) Op. cit.. BACELLAR, Carlos de Almeida Prado. Viver e sobreviver em uma Vila Colonial: Sorocaba, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Amablume/Fapesp, 2001. HAMEISTER, Martha Daisson. Na pia batismal: estratégias de interações; inserção e exclusão social entre os imigrantes e açorianos e a população estabelecida na Vila de Rio Grande, através do estudo das relações e compadrio e parentesco fictício. In: As famílias, os amigos e os negócios: a utilização de fontes seriadas no estudo de relações pessoais de comerciantes de animais no continente do Rio Grande de São Pedro nos três primeiros quartéis no século XVIII. II Seminário de História Quantitativa e Serial. Belo Horizonte, 2001. MACHADO, Cacilda. Casamento e compadrio. Estudo sobre a relações sociais entre

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contemplam uma ampla participação comunitária permeada entre alternativas

de sociabilidades e por alguns momentos ultrapassava a organização terrena e

passava para o campo espiritual.

Em Muriaé estas estratégias também existiram e foi possível percebê-

las. Os forros apadrinham apenas as crianças naturais, num total de 6 casos, o

que nos leva a deduzir que os pais escolhiam nesta categoria pessoas de uma

condição social superior. Na categoria não pertinente, insere os padrinhos não

carnais, por serem santos, em apenas um caso aparece como padrinho São

Paulo, inclusive padroeiro da freguesia, e uma criança que além de um casal

de padrinhos, os pais adotam como protetor o Mártir São Sebastião, número

que será maior com relação à condição social das madrinhas, que

analisaremos abaixo.

Por duas vezes aparece apenas o nome do padrinho e nenhuma

madrinha: Crispim, batizado em 09/11/1855, filho de Francisca escrava, tem

como padrinho Isidoro escravo; Constâncio, batizado no dia 11/12/1864, é

apadrinhado por Justiniano escravo, proprietário de José Correa; e por fim um

caso em que aparecem dois padrinhos, Romão, nascido em 18/05/1882 e

batizado no dia 19/06/1882, foi apadrinhado por Francisco Ciliberti e Nicolão

Antônio Lomeu, ambos livres. Demonstrando assim, como Stuart B. Schwartz,

que a figura do padrinho era muito mais importante do que a madrinha,

possibilitando aos afilhados uma maior promoção social.

livres, libertos e escravos na passagem do século XVIII para o XIX (São José dos Pinhais – PR). XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP. Caxambu, 2004.

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Tabela 6 Condição social dos padrinhos segundo a legitimidade dos batizandos,

freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

Condição social do padrinho

Legitimidade esc. % forro % livre % não

pertinente % ilegível % Não

consta % total %

pres.natural 43 53,09 0 0 38 46,91 0 0 0 0 0 0 81 100,00 nat.cons. vigário

238 36,17 6 0,91 403 61,26 1 0,15 1 0,15 9 1,36 658 100,00

legítimo 91 45,04 0 0 107 52,98 0 0 0 0 4 1,98 202 100,00 pres.legít, só consta o pai

3 42,86 0 0 3 42,86 0 0 0 0 1 14,28 7 100,00

indefinido 3 75,00 0 0 0 0 0 0 0 0 1 25,00 4 100,00

Fonte: Livros de batismo da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888

Para a variável madrinha, encontramos praticamente os mesmos

padrões dos padrinhos, com mínimas diferenças, ou seja, os de condição

presumivelmente natural têm como madrinha 43 escravas (53,09%), enquanto

as madrinhas livres aparecem 33 vezes (39,20%), diminuindo um pouco os

números relacionados às variáveis para os batismos presumivelmente natural,

consignado pelo vigário, que tem como madrinhas escravas 243 (38,50%)

aumentando as madrinhas livres para 366 (55,69%) dos casos. Somando

novamente as duas variações, presumivelmente natural e natural consignado

pelo vigário, teremos uma superioridade de madrinhas livres, qual seja, 399

dos casos (53,99%) e 287 (38,83%) para madrinhas escravas.

Os filhos legítimos tiveram por 93 vezes (46,05%) madrinhas escravas,

madrinhas livres aparecem por 100 vezes, ou 49,50% dos batismos, os

presumivelmente legítimos, só consta o nome do pai aparecem por 4 ocasiões

(57,14%) madrinhas escravas, e em 3 vezes (42,85%) madrinhas livres. Ao

usarmos novamente a soma das variáveis continuaremos tendo uma

superioridade de madrinhas livres, 103 (49,28%) dos casos, para 97 (46,41%)

de madrinhas escravas.

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Comparando os dados dos padrinhos e madrinhas, percebemos que

existe uma superioridade entre padrinhos livres em batizados de crianças filhas

de mães naturais, seguido de padrinhos livres para filhos legítimos. O que nos

afirma a ligação entre o poder espiritual e social, principalmente na figura do

padrinho livre.

As madrinhas forras ultrapassam aos padrinhos forros e amadrinham em

sua maioria os filhos naturais consignados pelo vigário, num total de 12

(1,85%), nos remetendo, novamente, a escolha preferencial por padrinhos de

categoria superior ao do batizado.

Para confirmar esta hipótese, levantamos a presença ou ausência dos

apadrinhamentos, e independente de ser madrinhas carnais ou protetoras

espirituais, elas estavam ausente em 18 batizados (1,89%), e o padrinho

ausente em apenas 8 deles (0,84%)

Embora não seja convencional e legal, aparecia esporadicamente santos

e padres fazendo esta função, como uma forma de introduzir o sagrado dentro

da família. Na tabela número 7, observamos a superioridade das santas

servindo de madrinha em uma proporção muito superior ao padrinho, o que nos

faz crer que a idéia de sagrado é, “introduzido através de madrinhas e não

através dos padrinhos, pois estes tinham um papel muito importante na

sociedade, talvez tão relevante que o cargo não poderia ser preenchido por um

santo”. 221 Em 26 batismos, 2,73% do total, trazia uma como santa, em 23

casos, 88,46% tem como madrinha Nossa Senhora, 2 (7,69%) Nossa Senhora

do Rosário, e 1 (3,84%) Nossa Senhora da Conceição.

221 RAMOS, Donald. Teias sagradas e profanas. O lugar do batismo na sociedade de Vila Rica durante o século do ouro. Revista Varia História. Belo Horizonte, nº 31 p.1-286, janeiro, 2004. p.66

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Para Renato Pinto Venâncio, “esta seletividade, madrinha no céu e

padrinho na terra, correspondia a uma singular desvalorização da mulher. Ou

seja, o compadrio era utilizado como um meio de acesso aos bens materiais e

simbólicos”. 222 Para Muriaé notamos que poderia além dessa desvalorização

ao sexo, ser um agradecimento a uma graça alcançada, ou mesmo falta de

padrinhos e madrinhas durante o ato.

Desta forma, assim como Mônica Ribeiro de Oliveira, notamos que a

“lógica do compadrio assentava-se tanto no poder econômico das partes

envolvidas, como principalmente, no prestígio e status que podiam ser

auferidos da relação”. 223 Elucida ainda, uma relação de dependência entre os

membros envolvidos, como dívidas, dependência de favores, etc.

Tabela 7 Condição social das madrinhas segundo a legitimidade dos batizandos,

freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888

Condição social da madrinha

Legitimidade esc % forro % livre % não

pertinente % ilegível %não

consta % total %

pres.natural 44 53,10 1 1,00 33 39,20 2 2,00 0 0 5 4,70 81 100,00nat.

consig.vigário 243 38,50 12 1,85 366 55,69 21 3,20 0 0 5 0,76 658 100,00

legítimo 93 46,05 4 1,98 100 49,50 2 0,99 0 0 3 1,48 202 100,00pres.legít, só consta o pai 4 57,14 0 0 3 42,85 0 0 0 0 0 0 7 100,00

indefinido 1 25 0 0 2 50,00 1 25,00 0 0 0 0 4 100,00Fonte: Livros de batismo da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

Embora as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia trouxesse

algumas normas a seguir, nem sempre foi cumprida.

“Mandamos que no Baptimo não haja mais que um só padrinho, e uma só, madrinha, e que não se admittão juntamente dous padrinhos, e duas madrinhas;os quaes, padrinhos serão

222 VENÂNCIO, Renato Pinto. A madrinha ausente: condição feminina no Rio de Janeiro,1795-1811. In: COSTA, Iraci Del Nero da. Brasil: história econômica e demográfica. São Paulo: IPE/USP, 1986 .p. 95-102. 223 OLIVEIRA (2005) Op. Cit. p.l75.

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nomeados pelo pai, ou mãi, ou pessoa, a cujo cargo estiver a criança(...) E não poderão ser padrinhos o pai, ou mãi do baptizado, nem também os infiéis, hereges, ou públicos excommungados, os interdictos, os surdos, os mudos, e os que ignorão os princípios de nossa Santa Fé; nem Frade, Freira, Cônego Retrante(...). 224

Constatamos que durante cinco vezes, o padre José Delfino César,

apareceu como padrinho de batismo, sendo todos os cinco filhos legítimos de

casais livres. Inclusive em um registro, o dito padre apresenta como padrinho e

celebrante. Surgiu então a pergunta: como ele aparecia burlando a lei canônica

e o porquê de não se apresentar também como padrinho de escravos?

Podemos alegar que apadrinhava crianças da elite local e nunca de escravas,

o que leva-nos a crer que, até mesmo por parte do vigário havia uma

desvalorização ao escravo.

Seguindo a trajetória de tal padre, tivemos uma outra pista, pois ele

mesmo apareceu alforriando na pia batismal cinco crianças escravas. Surgiu aí

outra pergunta: qual a ligação entre este padre e essas crianças? E por que

alforriá-las se não apadrinhava este grupo em nenhum batismo? Seria uma

forma de compensar algum ato ilícito? É o que veremos a seguir.

224 CONSTITUIÇÕES (1707) Op. cit. Título XVIII, & 64.

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2.4 – Celibato e bastardia: um estudo de caso

“Aos vinte e sete de março de mil oitocentos e setenta e oito, o Reverendo Vigário José Dias Henrique,de licença parochial batizou solenemente e pôs os Santos Óleos ao inocente Olavo, nascido à 13 do corrente, filho natural de Constança, preta, escrava do vigário José Delfino César, ficou plenamente livre, como nascido de mulher livre. Foram padrinhos Eleutério Dias Duarte e Rita.

José Dias Henrique” 225

Este é um dos cinco casos em que o padre José Delfino César, o vigário

que mais batizava na freguesia, conforme quadro abaixo, proprietário da

escrava Constança, apareceu alforriando os filhos de sua cativa na pia

batismal. Apesar de o inocente ter sido batizado após a Lei do Ventre Livre em

1871, e segundo a mesma, os “ditos filhos menores (ficariam) em poder e sob

a autoridade do senhor de suas mães, os quais (teriam) obrigação de cria-los e

trata-los até a idade de oito anos completos” e ao atingir esta idade, “o senhor

da mãe (teria) a opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou

de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos 226, foi

instituído imediatamente a liberdade do recém-nascido na celebração do

batismo.

Durante nossas pesquisas, essas alforrias nos instigaram a procurar

novas pistas sobre a trajetória do padre com o objetivo de encontrar algum

dado sobre uma suposta paternidade do mesmo. Assim descobrimos no livro

1a de batismo, que além das alforrias concedidas pelo sacerdote, o mesmo

aparecia apadrinhando quatro inocentes livres, apesar da Lei máxima da Igreja

225 Livro de Batismo de escravos. pág. 13 226ANDRADE, Rômulo Garcia de. Ampliando os estudos sobre a família escrava... Revista Universidade Rural, Série Ciências Humanas.Vol, 24 (1-2):101-113, jan/jun, 2002.

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ter proibido a participação dessa categoria como padrinho. 227 Achamos então

ser necessárias novas garimpagens para averiguar a possibilidade de existir

uma maior afinidade entre eles.

Recorremos, ao 1º Cartório Cível do Fórum de Muriaé, e após vários

dias de pesquisa, num final de tarde de intenso calor, encontramos o que tanto

procurávamos: o inventário do Padre José Delfino César e o seu testamento

em anexo. Apresentavam na borda do documento rastros de queimada,

felizmente nada que comprometesse a leitura do mesmo.

À medida que íamos folheando, descobríamos sua riqueza e assim,

verificamos que em seu testamento, na página 9, o escrivão do 2º ofício da

Comarca de Muriahé, José Theodoro Pires, fazia saber que o padre reconhecia

em cartório a paternidade de quatro filhos legítimos, não aqueles que haviam

alforriado na pia batismal, mas os filhos de uma ex-escrava, de nome Theresa,

entretanto batizados como livres, no qual transcrevemos abaixo:

“Certifico que revendo os livros de notas em cartório a meu cargo, em um delles a do numero des em as folhas tres e verso deparei com a escriptura de perfilhação que faz o vigário José Delfino Césár aos menores Vicente, Maria, Victorina e Sophia, como abaixo se vê. Saibão quanto este publico instrumento de escriptura publica de perfilhação serem, que no anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e setenta e cinco, ao Vinte e sete de Novembro, nesta Cidade de Muriahé, em meu cartório, onde eu Tabellião me achara, e por me ser distribuída esta escriptura, acho perante mim e as duas testemunhas abaixo assinadas apareceu como outorgante o Vigário desta freguesia Padre José Delfino César, e por elle foi dito a mim e os testemunhas abaixo assinados, que sendo já clérigo de ordem sacra, houvera quatro filhos por nome Vicente, Maria, Victorina e Sophia, em Thereza, mulher solteira e a quem elle outorgante deo liberdade antes do nascimento dos nomeados acima; os quaes ditos seus filhos a saber, Vicente, nascido a dezoito de julho de mil oito centos e sessenta e sete, batizado a quinze do mesmo anno,

227 CONSTITUIÇÕES (1707) Op. cit. Título XVIII. & 64, institui que além de outros, frade, freira, Cônego, ou qualquer religioso professo de religião aprovada, não poderão apadrinhar.

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sendo padrinhos Alferes João Honório de Magalhães e Dona Maria José Ferreira, sendo o sacramento ministrado nesta Freguesia de São Paulo, Maria nascida a vinte e um de Agosto de mil oito centos e sessenta e oito e batizada a oito de setembro do mesmo anno, nesta mesma Freguesia, sendo padrinhos Manoel José Ferreira e Dona Maria Albina Dias, Victorina, nascida a onze de Outubro de mil oitocentos sesenta e nove e batizada a trinta de Outubro do mesmo anno, nesta mesma freguesia, sendo padrinhos Anacleto Rodrigues Cordeiro e D. Maria Luíza de Jesus e Sophia nascida a vinte e sete de Janeiro de mil oito centos e setenta e um e batizada a dois de Fevereiro do mesmo anno, neta freguesia, sendo padrinho Vicente José Pereira e D. Anna Maria de Jesus e é vontade delle outra parte perfilhalos como com effeito por esta perfilha-os plena que elles passão ser herdeiros e a gozar de todas as honras e prerrogativas, como se legítimos fosem, perfilhação que faz por não lhe ser proibido e não ter herdeiros forçados presentemente...". 228 (grifo nosso)

Notamos que no documento é especificado o nome, a data de

nascimento, a data de batismo e nome dos padrinhos dos quatro filhos. Dois

deles batizados como mandava o regulamento, sendo levados a pia batismal,

antes do oitavo dia de vida. 229

Cruzando os dados da certidão de perfilhação e as atas de batismos,

constatamos que somente o batizado de Sophia, sua última filha, é que

aparece registrado no livro adequado, e com algumas diferenças nos dados.

No livro de batismo a celebração do sacramento foi no dia 08/04/1871, no livro

cartorial 02/02/1871. Seus padrinhos no livro de batismo foram Vicente

Rodrigues Vasconcelos e Ana Rodrigues Vasconcelos, na certidão de

perfilhação Vicente José Pereira e D. Anna Maria de Jesus. O que nos mostra

que não existia uma preocupação em nomear datas e nomes com maior

precisão, o que consequentemente, dificulta nossas análises.

Uma outra resposta ao fato de aparecer apenas Sophia registrada no

livro de batismo, se dá pelo fato de todos os intervalos genésicos entre os três

228 Inventário do Vigário José Delfino César. Maço 131. p.9 229 CONSTITUIÇÂO (1707) Título XI. & 36

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primeiros filhos serem de um ano. O nascimento de Sophia é o único que há

um intervalo de dois anos. A filha anterior a ela, Victorina, nasceu no dia

11/10/1869 e Sophia 27/01/1871, o que nos instiga a pensar que pode ter

existido algum natimorto neste intervalo, ou mesmo a mãe ter passado um

tempo maior amamentando, o que poderia levar a não fertilização. Registrar

Sophia como manda seria uma forma de livrá-la de algum castigo divino? Ou

na realidade o padre era displicente a ponto de anotar apenas um batismo no

livro?

As pistas colhidas nos fazem acreditar que o fato de não aparecer

registrado no livro de batismo os filhos Vicente, Maria e Victorina, seus três

primeiros filhos, pode estar ligado não apenas à idéia de esquecimento em

registrá-los no livro, mas em não os exporem por demais. Anotá-los no livro

seria uma forma de torná-los público, e a existência de um padre que não

cumpria o celibato, ou seja, “o adultério e/ou qualquer relação sexual ilícita e

prolongada”, 230 poderia lhe custar algumas sanções, mesmo sabendo “que a

castidade não era uma preocupação séria do clero colonial, nem da população

em geral naquele momento histórico” 231 e consequentemente no Brasil

Império.

Sabemos que muitos eram os religiosos que acabavam se envolvendo

em concubinato, porém tais casos poderiam ser julgados pelos bispos. As

penas para estes casos poderiam passar por admoestação ou advertência,

com pagamento de multa ou até degredo na África. O castigo poderia variar

conforme a freqüência e forma dos casos. A mulher envolvida com o clérigo,

230 SILVA. Maria Beatriz Nizza da. Sistemas de casamento no Brasil colonial. São Paulo: T.A.Queiroz: Ed. USP, 1984. p.43 e 44 231 NEVES, Maria de Fátima R. das. O sacrilégio permitido: filhos de padres em São Paulo Colonial. In: MARCÍLIO, Maria Luíza (1993) Op. Cit. p.135.

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teria uma maior penalidade do que aquela que envolvia com uma pessoa leiga,

que teria uma punição mais conveniente, considerando a qualidade da pessoa,

e circunstância do crime. 232

Para Maria de Fátima R. das Neves, um padre que não tinha bens a

legar não se preocuparia em reconhecer legalmente seus filhos, pois já eram

consequentemente aceitos pela sociedade. 233 Recorrendo ao inventário do

padre, falecido em 26/02/1990, aberto em 03/03/1890, para averiguar tais

dados, notamos que era ínfimo materialmente o que possuía, a não ser duas

casas de vivenda, uma com terraço na frente, coberta de telhas tendo como

apêndice uma hermida; outra assoalhada, coberta de telhas, com fundos para

a Armação, hoje Avenida Constantino Pinto, localização central da cidade, no

valor de 4:000$000 e 2:000$000, respectivamente; e os móveis, uma mesa

redonda em mal estado, um catre tosco, uma mesa quadrada; num valor total

de 15$000, ainda 180$000 em dinheiro, e uma dívida passiva de 2:120$000.

Dívida esta maior que o preço de uma casa que possuía. Enfim, o padre José

Delfino César reconheceu a paternidade de seus filhos, mesmo não tendo

muito que deixar como herança, o que encaminha nosso raciocínio para

confirmar uma intensa relação amorosa entre esta família.

Concluímos assim, que apesar de haver uma preocupação do vigário

José Delfino César em esconder sua concubina que vivia “portas a dentro”,

este apresenta-nos uma relação estável, pois viveram no mínimo seis anos

numa relação de intimidade em que houve procriação. O fato de apadrinhar

apenas inocentes livres mostra que havia um reconhecimento social do vigário,

232 CONSTITUIÇÔES (1707) Op. cit. Título XXIV. 233 NEVES (1993) Op. Cit. p.139

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mas ao mesmo tempo era acobertado pelos fiéis em sua situação de ser

clérigo e possuir mulher e filhos.

Quadro IX

Variação de vigários que celebram o sacramento do batismo de filhos de

mães escravas, São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

José Delfino César 593Honório Fulgino de Magalhães 146Antônio Caetano Fonseca 94Antônio Bento 56José Felício Mertoon 11Maximiano José da Silva Castro 9Manoel José Ferreira 8Francisco Sabino Philo 7José Justino Paes Manoel 6João José de Souza 6Caetano Maria Romanelli 4Ambrósio Amancio de Sousa Coutinho 3Mariano Germanaro 2Clarimundo Alves dos Santos Fortes 2Pedro Maurício Aynes 1Luiz Lopes Teixeira 1José Dias Henrique 1Francisco Soares Azevedo 1Joaquim Maximo da Roxa Pinto 1

Fonte: Livros de Batismos da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

2.5 – A celebração de manumissões durante a unção do sacramento

O caso destacado no início do item anterior relacionado a uma alforria

de pia, concedida pelo Vigário José Delfino César durante o batismo, ilustra

muito bem a importância desta ação para entendermos esta sociedade mineira,

mesmo sendo conferidas em proporções modestas, se comparada a outras

formas de liberdade. Em face destas circunstâncias ”os laços de afeição, amor,

parentesco por afinidade ou consangüíneo tinham papéis fundamentais no

processo da emancipação” 234.

Estas idéias reforçam a aceitação de que as alforrias gratuitas era uma

característica especialmente de senhores que estabeleciam algum tipo de

afetividade, gratidão ou mesmo relações consangüíneas com seus escravos.

234 SCHWARTZ (2001) Op. Cit. p.197

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Segundo Eduardo França Paiva, essa afeição pôde ter incentivado

manumissões sem ônus para estes e para outros membros de sua família,

enquanto no mesmo plantel, outros indivíduos amargavam condições para a

libertação, eram coartados, vendidos, arrestados ou, simplesmente, apenas

permaneciam cativos. 235

Sabemos que é recorrente no estudo sobre escravidão, a hipótese de

alguns senhores alforriaram seus filhos nascidos de uma relação amorosa com

algumas de suas escravas, mas infelizmente, existem algumas dificuldades em

explicar as causas que levaram estes senhores a conceder tal prêmio por

serem poucos os estudos que se dedicam à investigação desses fatos.

Alguns autores pinçam “aqui e acolá”, casos que confirmam uma ligação

entre a alforria de pia e a paternidade de filhos com suas escravas. Muito

raramente estes senhores reconhecem estes menores durante a unção dos

santos óleos, já que este reconhecimento poderia gerar alguns problemas

como relações extraconjugais, escândalos, problemas em relação à divisão da

herança, além de contrariar os mandamentos católicos, sendo mais vantajoso

ocultá-los. 236

Portanto, a forma mais encontrada de reconhecimento desses cativos de

paternidade pelos pais biológicos, era o testamento, já que o documento,

geralmente feito em período de idade mais avançada do testador, levaria o

testador a acreditar que esta atitude poderia livrá-lo de algum peso, culpa ou

perigo de morte.

235 PAIVA. Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XIII. Belo Horizonte: Annablume/Faz. Integradas Newtom Paiva, 1995. p. 119. 236 SILVA, Cristiano Lima da. Senhores e pais: reconhecimento de paternidade dos alforriados na pia batismal na Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei (1770-1850). Anais do I Colóquio do LAHES. Juiz de Fora, 13 a 16 de julho de 2005.

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Sheila de Castro Faria endossa estas palavras reforçando que as

alforrias testamentárias tenderiam mais à gratuidade do que as outorgadas em

cartas de liberdade, devidas, por exemplo, as circunstâncias em que o testador

redigia ou ditava as suas últimas vontades, geralmente enfermos ou em perigo

de vida. 237

Karasch esclarece, que embora muitos senhores rejeitassem os filhos,

era comum delegar a estes uma posição de alto status social, de forma a

sentirem protegidos, e que em conseqüência da alta mortalidade entre os

bebês, as crianças tendiam a ser alforriadas somente depois que tivessem

sobrevivido ao primeiro e mais vulnerável ano de vida. 238

O problema maior de um reconhecimento ou não de uma paternidade

dependia dos interesses econômicos que estavam em jogo. Eni Samara alega

que na divisão da herança, os ilegítimos eram naturalmente lembrados, desde

que não concorressem com os legítimos. Aos nascidos de mães escravas, o

pai cuidava de libertá-los por ocasião do testamento. Assim, para que estes

tivessem o direito à herança, deveriam ser reconhecidos em testamentos ou

escritura pública. 239

Importante observar que, em muitos casos, as alforrias testamentais

foram concedidas sob a condição de garantir os serviços do escravo até que o

senhor morresse. Neste momento, poderia representar, dentre outras coisas,

um ato de caridade cristã merecedor de recompensa divina no post-mortem. A

prestação de contas dos atos cometidos durante a vida, no momento da

redação do testamento, muitas vezes induzia os testadores a reconhecerem

237 FARIA (1998) Op. Cit.. p. 266. 238 KARASCH (2000) Op. Cit. p.391 e 456 239 SAMARA (1988) Op. Cit. p.23 e 25.

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filhos ilegítimos, incluindo, entre eles, os tidos com escravas. Isso poderia

constar no testamento como explicação para a alforria de alguns escravos. 240

O testamento de João José Correa, um proprietário de escravos da

localidade analisada, ilustra muito bem a existência dessas alforrias sob

condições, ao declarar que apenas quando morto, ficaria livre de cativeiro a

escrava Joaquina, e os filhos desta: Estácio, João, Gonçalo, Cassiano, Justina

e Alexandre, deixando-os livres dos serviços, e instituindo-os como herdeiros

de sua terça, além de nomear seu filho Paulo como responsável para cuidar da

educação moral e religiosa dos mesmos; mas apenas após os 21 anos destes

é que receberiam o que coubesse no testamento. 241

Evidências importantes sobre esta aproximação, foram identificadas

apesar de não reconhecê-los como legítimos. Sua esposa, na data da abertura

do documento, já havia falecido e seus filhos com esta senhora foram num total

de três. Todos eram casados, portanto adultos. Verificando as atas de batismo,

constatamos que dois padrinhos dos filhos de Joaquina são provavelmente

parentes, quem sabe irmãos deste proprietário, por possuírem sobrenomes

idênticos: Antônio José Correa e Paulo José Correa. Os filhos da escrava

apresentavam na certidão de batismo como filhos naturais. Claro que não

confirmamos neste caso a paternidade deste senhor, mas não podemos negar

que existia uma relação intensa entre ambos e até mesmo com seus familiares.

Porém, neste documento, fica oculta a explicação para a data de abertura do

mesmo, no qual data-se de 1893, portanto, após a abolição dos escravos, e

mesmo assim é instituía uma certidão como se a mesma ainda existisse.

240 SILVA (2005) Op. Cit. 241 Testamento de João José Correa, maço 88. 1º Cartório Cível do Fórum de Muriaé.

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Foram constatados 37 casos (3,88%) em que ocorreram algum tipo de

alforria, incluindo a mãe Maria Bernarda, uma liberta, que tem seu filho João,

alforriado. Não sabemos se por engano, já que não havia necessidade para

isto. Em 16 casos (43,24%) essas liberdades foram concedidas antes da Lei do

Ventre Livre e 21 delas (56,76%) foram outorgadas após a dita Lei. Apenas

para relembrar, já que esclarecemos no item anterior, a sanção da Lei de 2040,

de 28 de setembro de 1871, ou Lei do Ventre Livre, determinava que os filhos

menores ficariam sob a autoridade do proprietário, tendo este a obrigação de

cria-los até a idade de oito anos. Após esta idade, o senhor de sua mãe

poderia fazer uma opção de receber uma indenização ou de utilizar de seus

serviços até aos 21 anos. 242 Assim, a alforria de pia viria confirmar a liberdade

logo após o nascimento.

No entender de Andréa Lisly Gonçalves, “o fato de o ingênuo já se

encontrar livre da condição de cativo, por ocasião do batismo, só

engrandeceria a solenidade de recepção do primeiro sacramento” 243.

A Lei do Ventre Livre não provocou mudanças nas estratégias senhoriais

devido ao seu próprio espírito. Ao subordinar o filho da escrava ao seu senhor

até a idade de 21 anos, numa forma de transição gradual para o trabalho livre,

preservou o trabalho compulsório do cativo, não alterando substancialmente a

relação senhor-escravo. 244

Destas 37 alforrias concedidas, houve uma maior contemplação do sexo

masculino, 23 (62,16%) e o restante feminino 14 (37,84%), o que contraria

242ANDRADE, Rômulo Garcia de. Ampliando os estudos sobre a família escrava.. Revista Universidade Rural, Série Ciências Humanas.Vol, 24 (1-2):101-113, jan/jun, 2002. 243 GONÇALVES, Andréa Lisly. Alforrias na Comarca de Ouro Preto, 1808-1870. Revista População e Família. CEDHAL, nº 3, p. 157-180. São Paulo: Humanitas/FFLCH, 2000. p. 164 244BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. Famílias e escravarias: demografia e família escrava no norte de Minas Gerais no século XIX. Revista População e família. São Paulo, vol 1, p. 211-234, 1998. p.225

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alguns trabalhos realizados que confirmam que as mulheres tendiam a maiores

chances de ganhar a libertação. 245

No universo dos padrinhos escolhidos para os alforriados ou

dispensados da lei, 32 deles eram livres, e apenas 5 escravos. prevalecendo

também a condição de livre para as madrinhas. Porém, Nossa Senhora

amadrinhou 4 vezes e Nossa Senhora do Rosário 1 vez, aparecendo em

apenas 5 casos madrinhas escravas. A diferença maior entre todas as

variáveis analisadas recai na condição de legitimidade dessas crianças. Num

total de 34 casos (91,89%) estes filhos foram considerados naturais por

apresentarem somente o nome da mãe. Em apenas 2 casos (5,40%) estes

filhos aparecem com pai e mãe, e 1 caso (2,70%) em que apenas o nome do

pai, o que nos leva a deduzir que sua alforria pode ter sido concedida por uma

superação pela morte da mãe.

Vimos que São Paulo do Muriaé apresenta-nos uma proporcionalidade

até representativa de alforrias concedidas na pia batismal, e este instrumento

possuía algumas peculiaridades como visto no estudo acima. A Lei do Ventre

Livre pouco mudou no cotidiano dos cativos. Houve uma preferência em

alforriarem meninos que tinham os padrinhos e madrinhas livres. O dado mais

evidente foi o número de crianças ilegítimas sendo alforriadas ou dispensadas

dos serviços, o que novamente deixa como pano de fundo a ligação da

ilegitimidade com a possível suposição destes filhos, ou pelo menos, maior

aproximação entre mãe e proprietário, já que em apenas dois casos aparecem

mulheres como proprietárias alforriando. São estudos que nos leva a futuras

investigações. 245 LIBBY, Douglas C.; GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. Reconstruindo a liberdade: alforria e forros na freguesia de São José do Rio das Mortes, 1750-1850. In: Varia História. Belo Horizonte, nº 30, julho, 2003. p. 131

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Quadro X

Alforrias de pia e dispensa das condições da Lei do Ventre Livre São Paulo do Muriaé – 1852-1888

Batizado Data nasc Padrinho Madrinha Proprietario Pai Mãe batizado Alforrias concedidas♣

Eduardo 18/10/1879 Adão escravo

Eva escravos de Francisco Antonio da Silva Mendes Jose Antonio da Silva n/c Alexandra 18/11/1879 1

Olívia livre 23/5/1884 Antonio Vicência escravos Francisco Alves da Silva Pereira n/c Anna 3/7/1884 1

Ricarda 3/4/1875 Benedito de Freitas Aguiar Auta Maria de Jesus Jose Antonio Caetano n/c Belisária 8/5/1875 1Honorio 5/8/1881 Cassimiro escravo D.Victorina dos anjos Vigário Jose Delfino César n/c Constança 19/8/1881 1

Florcena 28/12/1881 Adolfo Jose Gusmão Nossa Senhora do Rosário por voto Francisco das Chagas da Luz n/c Generosa 8/1/1882 1

Delcelino 27/11/1875 ilegivel Belmira da Dr.Francisco n/c Generosa 19/12/1875 1

Cecília 22/11/1872 Jose Gomes Silva Teixeira

Maria Clementina da Silva Teixeira, sua mulher

Dr. Antonio Augusto da Silva Canedo n/c Jucelina 15/1/1873 1

Felizardo 15/4/1875 Manoel de Freitas Aguiar Custodia Maria de Jesus Jose Antonio Caetano n/c Julia 8/5/1875 1

Chrystina 24/7/1878 Sisnio Jose d'Avila Emiliana Maria Conceição Joaquim Jose d'Avila n/c Lorena 7/9/1878 1

João 23/6/1887 Januário Carolina Leonarda dos Santos Deolinda Rosa da Conceição n/c Maria 17/7/1887 1

Virgilio 26/9/1878 Jose Faustino da Silva Justina Maria da Conceição

Jose Pereira Peixoto Guimarães n/c

Maria Antonia 19/9/1880 1

Lourenço 5/10/1878 Jose Domiciano de Castro Gabriella de Paula Monteiro de Castro

Domiciano Antonio Monteiro de Castro n/c Martha 7/12/1878 1

Maria livre 22/3/1884 Rafael Tobias da rocha Vicência Maria de Jesus Modesto Fernandes da Rocha n/c Umbelina 28/10/1884 1

Julia 10/12/19881 Francisco Souza de Oliveira Nossa Senhora do Rosário por voto Modesto Fernandes da Rocha n/c Umbelina 19/2/1882 1

Maria 30/02/1879 Manoel escravo Nossa Senhora Antonio Tiburcio Rodrigues Isaias Anna 2/3/1879 1

Guilhermina 27/9/1874 Antonio Jose Ferreira Emiliana Maria Conceição Antonio Teixeira de Cerqueira Luis Maria 4/10/1874 1

Olavo 13/3/1878 Eleutério dias Duarte rita Vigário Jose Delfino César n/c Constança 20/3/1878 1Pedro Basílio da Silva Paranhos Anna Progera Vigário Jose Delfino César n/c Constança 6/4/1885 1

Acácio 20/7/1875 Francisco de Assis Alves Pereira Belmira

Francisco Alves da Silva Pereira n/c Anastácia 20/9/1875 1

Basílio 20/5/1876 Vicente de Paula da Assumpção

Eduarda escrava do Vigário Jose Delfino César vigário Jose Delfino César n/c Constança 26/6/1876 1

Antonio 25/10/1879 Valentim Rodrigues Justina Maria da Conceição Vigário Jose Delfino César n/c Constança 3/11/1879 1

Margarida 5/6/1863 Umbellino Ferreira da Costa Francisca Regida de Paula

Antonio Caetano PintoCoelho da Cunha n/c Fabiana 29/6/1863 9

Antonio 30/6/1869 João Etierre Arreguy Josefina Alexandrina Arreguy Antonio Guedes Pinto n/c Carolina 30/7/1869 9

Ignes 3/1/1871 Jose Antonio de oliveira Lomeu

D. Guilhermina de Oliveira Lomeu

Joaquim Guintiliano dosRreis e sua mulher D..Ccarlota Elisia deLlima Barros n/c Edwiges 13/2/1871 9

Galdina 19/4/1870 Francisco Manoel de Freitas D. Francisca da Cruz Cap. João Pinto Monteiro. n/c Eva 24/5/1870 9

Severina 8/11/1870 Manoel Teixeira da Fonseca e Souza

D. Francisca Pinto Monteiro Cap. João Pinto Monteiro, n/c Joana 28/11/1870 9

Ambrósia 2/12/1869 Jose Antonio de Souza Carolina Mariana da Conceição Joaquim Jose de Ávila n/c Lourença 2/4/1870 9

João 18/1/1870 Anacleto Rodrigues Cordeiro Ana Rrita de Castro n/c n/c

Maria Bernarda (liberta) 4/2/1870 9

João n/c João Correa Tavares Nossa Senhora Francisco Jose Correa n/c Florinda e 24/2/1860 9João n/c João Correa Tavares Nossa Senhora Francisco Jose Correa n/c Bernarda 24/2/1858 9Manoel n/c Constancio Jose Correa Nossa Senhora Francisco Jose Correa n/c Floriana 24/2/1859 9

Paulo n/c Francisco do Espírito Santo Maria Magdalena de Jesus Anna Maria da Silva n/c

Joaquina escravo 6/3/1856 9

Pedro n/c Luis Antonio de Souza Maria p. da Silva Manoel Jose bandeira n/c Theresa 24/2/1856 9

Feliz n/c Francisco Jose de Carvalho Perpetua Maria da Conceição João Gomes dos Santos Severino n/c 30/3/1858 9

Pedro n/c Antonio Francisco Bernarda Francisco Jose Correa n/c Floriana escravo 18/4/1860 9

Francisco n/c Candido Jose correia Antonia Francisca da Conceição Francisco Jose Correa n/c

Luisa escravo 18/4/1860 9

Fonte: Livros de batismo da Paróquia São Paulo do Muriaé, 1852-1888. ♣ Os números 1 são dispensas concedidas após a Lei 2040 e os números 9 alforrias outorgadas antes de 1871.

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CAPÍTULO III

Em nome da fé, da proteção e da submissão.

3.1 – O significado do batismo

Batizar é um ato religioso que os cristãos utilizam desde épocas mais

remotas. João Batista, no início do Evangelho de São Mateus, introduziu o

batismo no deserto da Judéia dando um significado de conversão e remissão

dos pecados, dizendo que depois deste ato, outro mais poderoso que ele

(Jesus Cristo) iria batizar não apenas com a água, mas com o Espírito Santo

(Mt 3,11).

Através do sacramento do batismo, o batizando poderia purificar de seu

pecado original e anunciar a entrada do pagão para a vida em comunidade,

abrindo as portas da Igreja Católica para outros possíveis sacramentos.

Sem o sacramento do batismo era impossível participar dos rituais,

como a confirmação, a eucaristia, a penitência, o matrimônio, a ordem, a

extrema-unção. “O batismo é o primeiro de todos os sacramentos e a porta por

onde se entra na Igreja Católica, e se faz, o que o recebe, capaz dos mais

sacramentos, sem o qual nem um dos mais fará nele o seu efeito (...)”. 246

O batismo possuía uma função mais do que religiosa, incorporando

formalmente os recém-nascidos à Igreja Católica, dando um documento oficial

à cada criança, sem levar em consideração a situação matrimonial dos pais. 247

Numa revisão de propostas, os ritos da Igreja foram registrados no

Sínodo Diocesano de 1707, sendo aceitas e publicadas nas Constituições

246 CONSTITUIÇÔES ( 1853) Op. Cit. Livro I, Título X. 247 BEOZZO (1993) Op. cit.. p. 51

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Primeiras do Arcebispado da Bahia em 1720 e em adaptações feitas às

resoluções do Concílio de Trento à realidade da Colônia. 248

Assim, esses registros foram moldados após o Concílio de Trento (1545-

1563) numa amostra única de registro da cerimônia como forma de controlar e

até informar sobre os possíveis membros dessa Igreja. “Era preciso resguardar

um caráter universal e igualitário para os registros de cada católico”. 249

Não nos resta dúvidas que existiam relações familiares escravistas. Esta

constituição era possível e até mesmo integrava, de forma mais ativa, a vida do

cativeiro.

O batismo aparecia nesta dinâmica de integração do escravo e

sociedade, possibilitando estabelecer laços parentais fictícios250, no qual não

se baseava exclusivamente em laços consangüíneos, abrindo maiores

possibilidades de convivência, seja com seu próprio grupo, seja com a elite

local e ainda com homens livres pobres e forros.

A prática do batismo pelos católicos é antiga, muito embora o seu

significado tenha mudado no tempo até se tornar um momento de purificação

do pecado original. No século IX, aparece obrigatoriamente a presença de

padrinhos e madrinhas como uma espécie de pais espirituais, uma aceitação

acima até mesmo dos pais biológicos ou carnais. 251

Tudo leva-nos a crer que o papel do batismo no século XIX tinha uma

função espiritual ou sagrada muito maior do que hoje em dia, e representava

“um elemento central na vida da comunidade, um rito de passagem (...)” “(...)

O batismo fazia parte da vida da alma, era um rito que aproximava a pessoa da 248 KJERFVE, Tânia M.G.N. ; BRÜGGER, Sílvia. M. J. “Compadrio: relação social e libertação espiritual em sociedades escravistas (Campos, 1754-1766)”. Estudos Afro-Asiáticos, 20, junho de 1991. 249 MARCÍLIO (2004) Op. cit.. p.14 250 BEOZZO (1993) Op.cit. p.52. SCHWARTZ (2001) Op. cit. 251VASCONCELOS (1997) Op. cit.. p. 15

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salvação e servia como um momento de renascimento quando o pecado

original era trocado pela graça divina (...)”. 252

A busca da salvação, almejada pelos indivíduos, permitia um

acampamento dessas relações instituídas a partir da pia batismal para a

família, ampliando esta teia de relações familiares, e que de fato, encontrou

aqui, no Brasil, um campo propício para sua aceitação fortalecendo os dogmas

da Igreja Católica.

Donald Ramos nos esclarece que, “a nova família deveria ser composta

por um padrinho (pai espiritual) e madrinha (mãe espiritual) e iria ter uma

existência paralela à família biológica”. Assim, o batismo era o momento em

que uma pessoa virava um ser espiritual e ganhava uma nova família. 253

Analisar os registros paroquiais é hoje uma das formas possíveis de

mergulhar em um passado que, até então, parecia distante e permite-nos

aproximar de um universo de investigações sociais. Mas o interesse por esta

fonte é recente. Altiva Pilatti Balhana, em uma de suas publicações, no ano de

1987, nos esclarece:

“Apesar da relativa abundância e variedade de fontes (...) observa-se que são ainda poucos os estudiosos dedicados à demografia no Brasil (...). diversos fatores continuam a retardar uma atividade mais ampla(...). são mal conhecidos ou mal definidos os acervos documentais que apresentam dados de interesse demográfico e, de outro, porque são considerados de acesso difícil ou de má qualidade”. 254

Sabemos que são enormes as formas de exploração dos registros

paroquiais como forma de reconstituição das relações mais íntimas da

252 RAMOS (2004) Op. cit. p.49 253 RAMOS (2004) Idem, ibidem. p.49 e 51 254 BALHANA, Altiva Pilatti. Reconstituição de famílias: instrumento de análise demográfica. Acervo. Revista do Arquivo Nacional. V.2 , nº1 p. 1-106, jan-jun, Rio de Janeiro, 1987. p.63

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sociedade, melhor ainda, quando for possível cotejar estas curvas com

informações à luz dos acontecimentos a fim de possibilitar um quadro mais

amplo de análise. 255

No dizer da precursora em história demográfica no Brasil, Maria Luíza

Marcílio, os historiadores demógrafos da era atual constituem a terceira

geração de um grupo que se iniciou com a professora na década de 70, num

estudo de adaptação aos métodos franceses desenvolvidos pelo demógrafo

Louis Henry e pelo historiador Michael Fleury, na época, chefe de Pesquisas do

Institut Nacional d’Études Démographiques, na França. 256

Aos poucos, essas técnicas foram sendo moldadas por outras pessoas à

nossa realidade, ao aproveitar de um número maior de fontes em demografia

histórica. A pesquisa neste campo cresce em corpo e consistência, mas é claro

que ainda existe muito a se fazer.

“No Brasil os estudos sobre família (ou as famílias) acompanham com passos mais vagarosos, as tendências historiográficas de outras áreas, como a Europa, Estados Unidos e Canadá, mas com a especialidade de que, aqui, há uma relação ainda mais forte com a demografia histórica”. 257

Sheila de Castro Faria enfatiza que os “estudos demográficos da família,

do cotidiano e das formas de produzir, quase todos necessitando de fontes

cartorárias e paroquiais, não são em geral possíveis””, 258 exatamente pelas

dificuldades de pesquisá-las por serem fontes maçantes, encontradas ainda

escondidas no interior do país e por não existir uma preocupação em conservá-

255 NADALIN (1994) Op. cit. p.64 256 Relato feito no XIV Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), realizado de 20 a 24 de setembro de 2004 em Caxambu – MG 257 FARIA, Sheila de Castro. História da família e demografia histórica. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (org) Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. 9ª tiragem. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p.242 258 FARIA (1898) Op. cit. p.26

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las, além de se encontrarem muitas vezes escondidas em arquivos

particulares, impossibilitando sua pesquisa.

Mergulhando nos registros paroquiais da Matriz São Paulo, em Muriaé,

pudemos perceber a imensidão de elementos possíveis sobre a vida cotidiana

dos escravos e as relações pautadas a partir do estudo desta fonte. 259

“Aos onze dias do mês de abril de mil oitocentos e cinqüenta e dois, nesta Matriz de São Paulo do Muriahé, batizei solenemente e pus os santos óleos o reverendo João José na inocente Joana, filha legítima de João Congo e Rosa Conga, escravos de Manoel Alves de Araújo, forão padrinhos Modesto de Santana e Severina Maria de Jesus, ambos escravos. Vigário Honório Fulgino de Magalhães.” 260

Este é o primeiro de todos os assentos dos livros pesquisados, e como

podemos observar, apesar de muito sintético as informações contidas no

batismo de Joana, possibilita-nos uma leitura minuciosa da documentação

analisada, ou seja, uma família escrava aparece de maneira muito clara, pois

Joana era nascida de uma união legítima entre João Congo e Rosa Conga,

ambos africanos.

Sondando o livro de casamento da paróquia, constatamos que tal enlace

provavelmente não havia acontecido na Igreja local, pois a abertura do livro

designado para registro de casamentos, data-se de 1855, ou caso tenha sido

celebrado nesta Igreja, não havia documento que comprovasse. No mais, o

que se sabe, é que são dois africanos casados, o que difere da grande maioria

dos cativos existentes na localidade, o que lhes possibilitavam um

reconhecimento moral e a possibilidade de uma “melhor adaptação” à nova

terra.

259 De 954 registros coletado de batismos de escravos, excluímos dois por serem adultos, por acharmos a quantia irrisória para uma análise mais ampla desta categoria 260 Livro de batismo nº 1a, Matriz São Paulo do Muriaé, 1852-1853.

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É possível também observar neste registro os desdobramentos sociais,

pois Joana possuía um padrinho e uma madrinha escravos e da mesma forma

que ela, seus pais passariam a ter um compadre e uma comadre, o que nos

aponta para uma relação de pessoas do mesmo grupo étnico. Uma observação

marcante é que tanto a madrinha quanto o padrinho possuem sobrenome, algo

incomum desta categoria.

É claro que à medida que vamos colhendo informações deste

documento vemos que, na maioria das vezes, a fórmula empregada para os

registros são praticamente as mesmas, porém alguns registros nos possibilitam

uma maior interpretação, pois o vigário nos informa de maneira pormenorizada.

Além dos dados acima, encontramos anotada a data de nascimento do

batizando, cor dos pais e padrinhos, qualificação dos padrinhos e madrinhas, e

algumas observações feitas. Assim, ler o livro de batismo de escravos e

observar as entrelinhas permite-nos aproximar da vida do cativeiro e perceber

os diversos desdobramentos sociais.

Através da interpretação dos livros, conseguimos observar os arranjos

estabelecidos entre os vários níveis sociais e culturais nesta criação e

recriação de laços parentais. Pelo compadrio, estabelecido no batismo, os

escravos adquiriam laços de solidariedade e cooperação que redimensionavam

o seu cotidiano, garantindo-lhes espaço de sociabilidade e convivência,

possuindo caráter eminentemente político, que poderia solidificar relações

entre pessoas socialmente iguais ou desiguais. 261

Os dados encontrados nos registros de batismo contribuem para

legitimar que a proteção e submissão, muito mais do que a fé destes cativos,

261 FREIRE (2004) Op. cit. p.52-53.

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eram colocadas em primeiro plano. Ou seja, a grande maioria dos cativos eram

batizados não apenas pela aceitação dos valores da religião oficial. Podemos

constatar esta hipótese não apenas pela leitura nas entrelinhas do livro de

batismo, mas também pelo livro de casamento da paróquia, pois são em um

número muito reduzido se comparado aos batismos. Percebe-se nesta relação

de proteção do padrinho para com o afilhado uma forma de fortalecimento dos

laços sociais, políticos e econômicos.

No próximo subtítulo, esmiuçaremos ainda mais esta fonte,

determinando os meses preferidos para a concepção e nascimento dos filhos,

a predominância dos sexos dessas crianças, a origem de nascimento, a cor, a

espécie e qualidade dos proprietários, além de um estudo dos nomes adotados

pelos pais dos cativos.

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3.2 – As variações encontradas nos batismos de São Paulo do Muriaé:

sazonalidade, sexo, naturalidade, cor, natureza /qualidade do proprietário,

e nome.

Trataremos neste tópico dos padrões adotados para os batismos de

filhos de mães escravas em São Paulo do Muriaé. Para isto é necessário

esclarecer que dos 952 registros tomados na pesquisa, são incluídos 37

batismos em que o batizando recebe no ato sua liberdade na pia batismal.

Destes, 21 são batizados após a Lei do Ventre Livre, portanto, registrado em

um livro específico, já que no parágrafo 5º do artigo 8º da Lei nº 2040 de 28 de

setembro de 1871 nos informa que "os párocos serão obrigados a ter livros

especiais para o registro do nascimento e óbitos dos filhos de escravas,

nascidos desde a data desta lei. Cada omissão sujeitará os párocos à multa de

100$000". 262

Esta Lei tornava todas as crianças recém-nascidas de mulheres

escravas, “ingênuas”, - apesar de encontrarmos no documento, registros sem

esta designação -, e é claro que isto permitiu uma modificação nas formas e

proporções nos registros de batismos, inclusive o próprio pároco passou a ter

um cuidado maior em anotá-los de forma mais detalhada, pois um número

maior de escravo tornou-se livre.

Entendemos que na verdade não se trata de um livro concernente

propriamente a escravos, pois este volume foi destinado aos assentos de

batismo dos ingênuos. Vale dizer dos filhos de mães escravas que alcançariam

sua liberdade, em decorrência da Lei do Ventre Livre.

262 Cf. MOURA, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: EDUSP, 2004, p. 239.

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Reconhecemos que após esta Lei acontece o óbvio para a localidade

examinada, ou seja, um aumento significativo do número de batizados. Até o

ano de 1870 temos um total de 366 crianças batizadas, após esta data 586

batismos, 23,11% a mais em relação ao primeiro período. “Para fazer valer dos

direitos expostos na Lei, os senhores teriam uma maior preocupação de

registrá-los, e o nível de cobertura deste registro melhorou”. 263

Gráfico I

Variação anual de batismos de rianças escravas e "ingênuas", freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888

020406080

18521854

18561858

18601862

18641866

18681870

18721874

18761878

18801882

18841886

1888

Ano do batismo

Núm

ero

de

batiz

ados

Fonte: Livros de Batismos da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

Para ontem, muito mais do que para hoje, o movimento sazonal dos

casamentos constitui um rico indicador do cotidiano, refletindo costumes,

tradições, mitos, interdições e mentalidades religiosas, influências das

atividades sociais e econômicas, podendo sofrer alterações na evolução das

sociedades no seu tempo. 264

Ao analisar a freqüência dos meses que ocorreram os batizados,

notamos que em todos, sem exceção, houve celebração do sacramento,

inclusive em períodos do advento, época em que a Igreja celebra a preparação

para o Natal; e a Quaresma, momento de preparação para a Páscoa, porém

263 BOTELHO (1994) Op. cit. p. 24 264 NADALIN (1994) Op. cit.. p.70

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com uma pequena diferença para o mês de junho (12%), seguido dos meses

janeiro, fevereiro, abril e maio (9%).

Para a escrava batizar os filhos nestes meses, devemos levar em

consideração a época da fertilização, ou seja, uma média de nove meses

anterior ao batismo, já que estes batismos eram celebrados pouco tempo após

o nascimento dos mesmos. Desta forma, a maioria da concepção dos filhos

ocorreu nos meses de abril a setembro, meses em que há uma estiagem e

uma diminuição no plantio, estando os casais mais propensos à concepção.

Uma outra observação é que a maior porcentagem nesses meses,

condiz com um período de festa no calendário da Igreja, pois se comemora a

Páscoa, Pentecostes, mês de Maria e Santos populares como: Santo Antônio,

São Pedro e São Paulo, inclusive este último, padroeiro da freguesia.

Gráfico II

Fonte: Livros de Batismos da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

Variação mensal de batismos de filhos de mães escravas, São Paulo do Muriaé,

1852-1888.

janeiro9%

fevereiro9%

março7%

abril9%

maio9%junho

12%

julho8%

agosto 8%

setembro 7%

outubro 8%

novembro7%

dezembro7%

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Em relação ao sexo das crianças batizadas (Tabela 8), há para a

freguesia São Paulo do Muriaé, no período estudado, um ligeiro predomínio do

sexo masculino, ultrapassando em apenas 0,41% em relação às meninas. O

número desses nascimentos nos faz crer que temos mais um indício da

possível reprodução natural na freguesia, pois como analisado no capítulo 1

junto ao censo de 1872, e o observado nas tabelas a seguir, existem claras

evidências que o número de escravas africanas eram mínimas, mesmo

sabendo que a partir deste período analisado o tráfico já havia sido extinto.

Tabela 8

Sexo dos inocentes batizados, freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888. Sexo do batizando freqüência %

Homem 477 50,10 Mulher 473 49,69

não consta 2 0,21 Total 952 100,00

Fonte: Livros de Batismos da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

Na tabela 9 fazemos uma junção da naturalidade das mães escravas

que aparecem nos livros de batismos. Percebe-se que a mãe africana

apresenta menor porcentagem entre as demais, 11 (11,15%), a mãe crioula

115 (12,08%), a mães que trazem a designação “parda”, “provavelmente

brasileira”, aparece 83 vezes (8,71%) do total geral três registros são ilegíveis.

O que compromete a categoria é o número avultado de casos em que o vigário

não especifica a naturalidade de mãe, 740 (77,74%), o que nos leva a concluir

que a maioria das mães escravas eram crioulas, ou seja, nascidas no Brasil.

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Tabela 9 Naturalidade das mães de filhos batizados na freguesia São Paulo do

Muriaé, 1852-1888. naturalidade da mãe freqüência %

africana 11 1,15 crioula 115 12,08 prov. bras (parda) 83 8,71 ilegível 3 0,32 não consta 740 77,74 Total 952 100,00

Fonte: Livros de Batismos da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

Os índices encontrados para a naturalidade das mães aproximam-se

dos números localizados para a naturalidade dos pais em duas ocasiões. A

variável crioulos e provavelmente brasileiros têm uma maior alteração,

decrescendo em 9,14% e 8,5% respectivamente.

Tabela 10

Naturalidade dos pais de filhos batizados na freguesia São Paulo do

Muriaé, 1852-2888.

naturalidade do pai freqüência % africano 11 1,15 crioulo 28 2,94 provavelmente brasil. (pardo) 2 0,21 não identificado 166 17,44 não consta 745 78,26 Total 952 100,00

Fonte: Livros de Batismos da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

Uma das maneiras de focalizar o escravo batizado é a cor do mesmo. O

que Hebe Mattos nos alerta é que não apenas a pigmentação aparente

aparece em algumas anotações do registro, mas a condição social

apresentada pelo batizando. Destarte, a designação “parda” seria usada na

condição geral de não branco, geralmente descendente de homem livre

branco. A designação “crioula” era exclusiva de escravos e forros nascidos no

Brasil e o “preto”, pelo menos até a primeira metade do século XIX, era referido

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preferencialmente a africanos, “negro” era uma designação mais rara,

geralmente ligada ao não liberto. 265

Como o analisado no capítulo 1 em relação à cor dos cativos anotados

no censo de 1872, havia em Muriaé uma superioridade da designação “preta”

em relação aos “pardos” 5.294 e 1.644, respectivamente. Ao trazer esta análise

para a definição de Mattos, o número de “pardos” condiz com a análise da

pesquisadora, mas a superioridade de “preto”, retratado no censo, nos faz

pensar que após meados do século XIX esta superioridade não poderia ser tão

alta, apenas se referirmos ao “não branco”, e não apenas africanos. Também

nos mostra que a população “de cor” crescia em relação aos brancos,

carregando os escravos e descendentes a marca da sua origem.

Infelizmente, o mesmo comprometimento existente na naturalidade de

pais e mães de filhos de mães escravas permanece para a designação cor dos

filhos de mães escravas, pois raras são às vezes em que é anotada a cor dos

filhos no livro de batismo. Mas de qualquer forma, podemos ter uma amostra

para esta qualificação. Dos 952 registros analisados, apenas 17 (1,78%) traz a

especificação crioula. Para os pardos coletamos 12 casos (1,26%), para preto

5 (0,52) e não consta 918 (96,44%). Assim sendo, para tecer comentários mais

amplos sobre esta variação é necessário o cruzamento desta fonte com outras

numa análise mais sólida das gerações anteriores a estes menores, o que

extrapola nossa análise para o momento. De qualquer forma, somos assim

obrigados a concordar com Hebe Mattos de que tais dados levam-nos a

deduzir que apesar de obrigatória a especificação da cor no documento, em

muitos casos ela se faz ausente. 266

265 CASTRO (1998) Op. cit. p.30 e 31 266 MATTOS (1998) Op. cit. p.19

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Tabela 11

Cor dos filhos de mães escravas, São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

Cor do batizando freqüência % crioula 17 1,78parda 12 1,26preta 5 0,52não consta 918 96,44Total 952 100,00

Fonte: Livros de Batismos da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

Quem, afinal de contas, era a grande maioria dos proprietários destes

filhos de mães escravas batizadas? Coletando dados relacionados à natureza

desses proprietários (tabela 12), constatamos que existia uma predominância

de homens em assumirem esta posição, 85,51% do total, nos levando

novamente a hipótese de superioridade social e econômica do sexo masculino

na localidade examinada, seguido por 11,67% de mulheres proprietárias, na

sua maioria viúvas, seguido de alguns condôminos, órfãos, herdeiros e alguns

em que a fonte não fala.

Tabela 12

Natureza dos proprietários que tem os filhos de suas escravas levadas ao

batismo, São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

natureza do proprietário freqüência % homem 814 85,51mulher 111 11,67condôminos 5 0,52órfãos 7 0,73herdeiros 6 0,63ilegível 1 0,1não consta 8 0,84Total 952 100,00

Fonte: Livros de Batismos da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

Deste total de proprietários que tem os filhos de suas escravas levadas

ao batismo 90,98% não consta qualificação, pois o vigário não especificou

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algum tributo social. Dos 9,02% restante, 5,87% ou 56 proprietários trazem a

designação “doutor”, acompanhado de 18 casos em que aparece a designação

“dona”, além de outras categorias como tenente-coronel, vigário, capitão;

senhores possuidores de prestígio social.

Tabela 13

Qualificação do proprietário que tem filhos de suas escravas levadas ao

batismo, São Paulo do Muriaé 1852-1888.

Qualificação do

proprietário freqüência % doutor 56 5,87tenente – cel. 4 0,42dona 18 1,89vigário 4 0,42capitão 4 0,42não consta 866 90,98total 952 100,00

Fontes: Livros de Batismos da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

O estudo do nome recebido pelos batizandos não ficará de fora da

análise proposta, pois, o fato de receber um nome é uma das características do

batismo. Por ele é possível que tenha um reconhecimento pela comunidade

cristã e espiritual, identificando como pessoa o que evidencia uma forma de

aculturação desses cativos à realidade brasileira. Dar um nome é estabelecer

“um rito de passagem”, pois o “nome é sinal de reconhecimento e ao mesmo

tempo de propriedade”. 267

Para Martha Daisson Hameister, vários são os casos em que duas

pessoas detêm o mesmo nome e coexistem no tempo e no espaço. A

transmissão do nome, a adoção de novos nomes e o abandono de nomes

267 FALCI (1995 Op. Cit. p. 90

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usados anteriormente, eram estratégias para a vida e a sobrevivência de uma

família. 268

Para além do ritual prescrito nos cânones da Igreja, percebe-se que o

batismo e o ato de fornecer um nome às crianças geravam alianças e um

parentesco para além do sangue, e da afinidade. Firmavam-se parentesco ante

o Senhor. 269

Manolo Florentino e José Roberto Góes apresenta-nos em suas

pesquisas um baixo número de filhos escravos usando o nome dos pais; como

também eram baixas as nomeações ligadas aos grupos familiares dos

mesmos, o que nos levaria a uma extrapolação dos laços familiares

consangüíneos. Mais usual para estes autores era conferir à criança escrava o

nome de seus padrinhos, buscando um sentido eminentemente político,

podendo através deste sacramento, aumentar o raio social das alianças e

solidificar a sua proteção. Quando os filhos herdavam os nomes dos pais ou

das mães, privilegiavam, sobretudo, o lado paterno. 270

Para a freguesia São Paulo do Muriaé reunimos o nome de batizandos

que repetem por mais de quatro vezes. A primeira observação feita foi que o

sexo feminino possui quase o dobro da variação dos nomes do sexo

masculino, qual sejam 31 nomes para as batizandas e 21 para os batizandos.

Uma outra observação feita é que os nomes escolhidos para ambos os

sexos têm nomes ligados à origem cristã, em raríssimas vezes constatamos

repetição de nomes de padrinho, madrinha, ou proprietário. Como os casos à

frente citados. Os batizandos de nome Antônio têm por cinco vezes repetido o

nome do padrinho e uma vez do proprietário. Francisco coincide uma vez para 268 HAMEISTER (2001) Op. cit. 269 HAMEISTER (2001) Idem, ibidem. 270 FLORENTINO; GÓES (1997) Op.cit. p.90, 91, 92 e 93.

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o padrinho e uma vez o proprietário. João tem duas vezes o nome do padrinho,

José duas e uma o do proprietário, Manoel combina uma vez com o padrinho e

uma com o proprietário e por fim Maria que tem dezoito vezes o nome repetido

da madrinha e uma o nome da proprietária.

Em análise feita numa freguesia das Necessidades, no Sul do Brasil,

Sérgio Luiz Ferreira chega à conclusão que os nomes Maria e Manoel

predominaram em todos os recordes cronológicos, 271o que coincide com

nossa pesquisa.

Com relação à grande superioridade do nome de Maria, o Padre Antônio

Vieira, em seu livro, “Os sermões” deixa-nos claro o significado desse nome

“quão alta dignidades é a do nome de Maria, por ser instituída por Deus, quão

imenso é o significado desse sacratíssimo nome, como havemos de aproveitar

dos maravilhosos efeitos do mesmo significado” 272, levando-nos a constatar

que esses nomes, eram, na grande maioria, utilizados como forma de

aproximação entre o batizando e a mãe de Jesus.

Enfim, neste tópico levantamos os dados coletados na freguesia

analisada sobre a sazonalidade, o sexo, a naturalidade dos pais, a cor, a

natureza, a qualidade dos proprietários e o nome, em que constatamos indícios

de que existia uma aproximação grande entre alguns membros das

escravarias, dentro ou fora dela. Isto se dava através da adoção de alguns

homônimos de livres, escravos, forros e divindades espirituais, visando uma

possibilidade de uma vida mais segura para os cativos.

271 FERREIRA, Sérgio Luiz. A utilização de prenomes: uma comparação entre uma freguesia do Sul do Brasil e uma freguesia açoriana. Boletim de História Demográfica, v. 36, 2005. 272 VIEIRA, Antônio. S.J. Sermões de Padre Antônio Vieira. Erechim: Edelbra, 1998. p.130

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No tópico a seguir faremos uma visão microscópica entre algumas

escravarias concernentes aos batizados e apadrinhamentos, como forma de

abrir o campo de nossas análises.

Quadro XI

Repetição de nomes dos batizandos, freguesia São Paulo do Muriaé,

1852-1888.

Batizandas Repetição Batizandos Repetição Maria 54 Manoel 30 Sebastiana 15 Antonio 29 Eva 14 João 23 Joaquina 12 José 21 Rita 11 Sebastião 19 Joana 11 Francisco 18 Francisca 9 Pedro 15 Theresa 8 Paulo 15 Catharina 8 Adão 13 Anna 8 Joquim 9 Margarida 7 Vicente 8 Marcelina 7 Domingos 6 Luzia 7 Bento 5 Barbara 7 Benedicto 5 Virgínia 6 Virgílio 4 Paulina 6 Theodoro 4 Josefa 6 Miguel 4 Carolina 6 Marcolino 4 Antonia 6 Gregório 4 Rosalina 5 Gabriel 4 Luiza 5 Cassimiro 4 Luiza 5 Isabel 5 Cecília 5 Vitalina 4 Júlia 4 Ignez 4 Ignácia 4 Gertrudes 4 Felicidade 4 Emilia 4 Benedicta 4

Fonte: Livros de Batismo da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

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3.3 – Análise microscópica

Eudóxia, uma escrava do Desembargador Antônio Augusto da Silva

Canêdo, por sinal possuidora do mesmo nome da mulher do seu senhor, tem

um filho natural de nome Laurindo, sendo padrinhos: André e Joana. Joana

amadrinha Liberto, filho de Dorothéia, que é também mãe de Aniceta, que

possui como padrinhos: Balthazar e Benedicta. João Simplício e Leocádia

apadrinham Damião, Esmeralda e Maria, as duas últimas filhas de Justina.

Leocádia adota como comadre Cândida, mãe de Carolina sua afilhada.

Estes são alguns dos cruzamentos existentes entre afilhados,

compadres e comadres, da escravaria do Desembargador Antônio Augusto da

Silva Canêdo. Num primeiro momento, pode parecer complicado, mas se

atermos na Figura 1 observa-se que essas relações não são tão complexas

quanto aparentam ser.

Por ser uma escravaria grande, como apresentado no segundo capítulo,

273 nota-se que a maioria dos laços fictícios são estabelecidos na sua grande

maioria por escravos. Alguns deles especificados na fonte paroquial que

pertencem ao mesmo proprietário. Como alguns padrinhos não trazem à

especificação do seu proprietário, para sabermos se estes eram escolhidos

endogenamente ou exogenamente, buscamos confirmar tal hipótese no

inventário deste senhor.

Todos os padrinhos que trazem o destaque na cor verde na figura 1 são

confirmados como pertencentes à mesma unidade de produção, ou seja, em

vinte casos (58,82%) pelo menos um dos padrinhos é pertencente à mesma

escravaria. Deste total, dez constam de padrinho e madrinhas do mesmo 273 Consultando o inventário do proprietário constatamos que seus cativos são em número de 105 no total e 34 inocentes são levados à pia batismal, um número avultado para a localidade. Inventário post-mortem de Antônio Augusto da Silva Canêdo. Maço 55. 1º Cartório Cível de Muriaé.

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senhor, o que confirma a escolha de compadres cativos retirados do mesmo

plantel. Em casos em que houve uma junção destes padrinhos com madrinhas

de outros plantéis, ou mesmo com pessoas livres e forras, verificamos cinco

casos para as madrinhas e três para padrinhos da mesma unidade, o que pode

aferir indícios de uma maior aproximação em plantéis maiores da mulher

escrava pertencente à mesma escravaria.

João Simplício apadrinha duas filhas de Justina, pois provavelmente,

estabeleceu relação intensa com a mãe dos dois irmãos. O mesmo escravo foi

padrinho de um filho de Cândida, não ficando esta fora das redes de

parentesco.

Diversos outros laços individuais podem ser observados. Claro que

estes, apesar de poucos, têm uma significação enorme ao serem

contemplados a escravaria como um todo. O próprio senhor apadrinha a

escrava Elisa, filha de Rita e alforria Cecília filha de Juscelina, estabelecendo

uma forte ligação entre o senhor e suas escravas. São casos que necessitam

de um maior estudo, pois ambas filhas são naturais e adotam padrinhos livres.

Felícia e Eugênio tiveram dois filhos: Alexandre nascido no dia 10/01/77,

Jacques nascido em 12/02/81. Este último batizado apenas como filho natural

de Felícia. Fica no ar a pergunta: o que terá acontecido com Eugênio? Morrera,

fora vendido, ou simplesmente o pároco não anotou seu nome? Estas

indagações mostram a necessidade de uma análise profunda de

acompanhamento desses indivíduos, o que às vezes se torna difícil.

Alguns estudos atuais apontam para a existência de mães escravas

terem o primeiro filho como natural e os subseqüentes como legítimos,

demonstrando que várias dessas mães assumiam a maternidade antes de

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efetivarem a legalização do matrimônio. É o exemplo de Jucelina escrava deste

proprietário analisado, que dá a luz à Cecília no dia 22/11/1872 e tem como

padrinhos pessoas livres, e é batizada no dia 15/01/1873, tendo sua liberdade

reconhecida durante o batismo por seu senhor. Sete anos após o nascimento

de Cecília, as fontes enumeram mais dois filhos de Jucelina, porém seus filhos

agora aparecem como legítimos, ou seja, com o pai João Murta. Ismael,

nascido em 17/11/1879, sendo batizado no dia 20/04/1880 tendo como

compadres escravos como eles, e Sara nascida no dia 22/06/1881 e batizada

dia 29/08/1881, mais uma vez concebendo como compadres, escravos.

A partir da informação acima, aproximamos da constatação de Roberto

Guedes Ferreira, que as mães de filhos naturais se achegavam mais ao

universo dos padrinhos livres e forros, sugerindo que as cativas solteiras que

se aproximassem de homens com mais recursos, poderiam ter algum

benefício.274 A alforria conquistada por Cecília ilustra bem estas vantagens.

Porém em escravarias maiores, como a do senhor acima, era possível ampliar

as possibilidades de laços de apadrinhamento via escravo, fortalecendo a

interferência e valores culturais africanos.

Nesta unidade de produção a repetição de batismo em apenas um ato,

aconteceu sete vezes. Por quatro vezes batizou dois inocentes juntos, numa

outra celebração três cativos foram batizados no mesmo momento, e uma vez

o sacramento foi imposto quatro vezes em cativos desta unidade. Em nenhum

dos casos os batizandos tiveram padrinhos e madrinhas repetidas,

demonstrando que estes compadres não foram escolhidos aleatoriamente,

274 FERREIRA (2000) Op. cit. p.207-208.

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sugerindo que todos os compadres teriam sido escolhidos não pelo senhor,

mas pelos próprios escravos.

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Figura 1275 Batismos e laços de compadrio entre cativos do Desembargador Antônio

Augusto da Silva Canêdo.

Fonte: Livros de batismos da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

275 Nas figuras abaixo, as setas significam apadrinhamento, nome sublinhado alforria de pia. Desenho oval azul pais, retângulo vermelho filhos, tracejados ligações familiares. Apenas na figura 1 utilizamos o cruzamento de padrinhos com o inventário, confirmando, na cor verde os padrinhos da mesma unidade de produção.

Caetana

Hortência

José Gabriel e Joanna escravos do mesmo prop.

José Antônio e Idalina

Cândida

Claro e Cândida

Nicolão

Damião

João Simplício e Leocádia

Moysés Camilo José da Costa e Leocádia

Carolina

Joaquim Emilano e Leocádia

Dorothéia

Senhorinha

Francisco Leovegildo da Silva e Balduína esc Liberto

Agostinha

Manoel Castilho eIsabel esc do m/m

Elvira Nabucodonosor

José e Cândida

Felícia Jacques Anastácio e Margarida esc

Felícia e Eugênio

Alexandre

Geraldo e Januária esc

Eudóxia Laurindo André e Joana

Gilberto

Basílio e Umbelina

Izabel

Olegário Olegário e Severa

JoannaAniceta

Balthasar eBenedicta

Jucelina e João Murta

Sara José Anasthásio e Isabel

Ismael Joaquim Cardoso e Luzia

Juscelina

Cecília José Gomes da Silva Teixeira e Maria Clementina da Silva Teixeira

Joaquina

Leonor

Manoel Castilho esc. e Maria Vieira de Jesus

Justina Esmeralda João Simplício e Dorothéia

Maria João Simplício e Sebastiana Faustina de Jesus Dorothéia

Januário e Balbina esc do m/m

Paulo Francisco e Belarmina esc

Maria Procópio

Januário e Mariana esc João

Baptista Gonçallo

João José e Nicolina esc do m/m

Rachel Adelaide Eugênio Bernardo Paulina esc do m/m

Paulina Cosme Amando e Margarida

Rita Elisa

Antônio Augusto da Silva Canêdo e Emília Auigusta de Lima

Adão e Delfina esc do m/m

Gastão José Luiz e Leocádia esc

Severa Roque Sebastião e Sabina sua procuradora Idalina esc

Lucinda

José Gabriel e Joanna

Galdina

Narcisa

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Para compararmos estes vínculos sociais da escravaria do grande

proprietário acima, selecionamos as relações empreendidas por um proprietário

mediano em relação ao número de escravos para a região, para observarmos

se houve algum tipo de variação na nomeação desses compadres e comadres.

Estamos falando dos cativos de João Carlos de Souza (Figura 2), que

leva ao todo dezoito inocentes a pia batismal, todos os filhos registrados como

naturais. Quinze padrinhos e madrinhas são oriundos de pessoas livres, duas

anotações trás o nome de padrinho ou madrinha liberta, e apenas por um

momento a criança tem ambos os padrinhos escravos. O que reforça a

dedução de Roberto Guedes Ferreira de preferência de padrinhos livres para

filhos naturais.

Em todos os dezoito batismos de escravos desta escravaria, apenas por

uma vez batizaram dois escravos em uma única cerimônia, Antônio e Verônica,

ambos batizados no dia 06/04/1873, e como apresentado na figura 2, ambos

com padrinhos e madrinhas diferentes e livres.

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Figura 2. Batismos e laços de compadrio dos cativos de João Carlos de Souza

Fonte: Livros de batismos da freguesia São Paulo do Muriaé.

Joaquim José da Silva e Balbina Maria da Conceição

Lino Carlos de Souza e Filomena Graciosa de Jesus

Adão escravo e Rita Liberta

Januária

Paulo

José José Francisco de Campos e Maria Honorata das Dores

Verônica Joaquim José da Silva e Balbina Maria da Conceição

Archanjo Joaquim José Carneiro e Fidelíssima Cândida

Anna Valentim Castro de Souza e Anna Maria de Jesus

Maria Valentim Castro de Souza e Maria Joaquina de Jesus

Joaquim

Fidelis Coelho Guimarães e Deolinda Maria da Conceição

Joaquim Carlos de Souza e Cândida Maria de Jesus

Honorita

Francisca

Izidoro Carlos de Souza e Maria Honorata das Dores

Jacinta

Jacob Manoel Alves Pereira e Maria Guilhermina da Conceição

Benedito José Joaquim da Silva e Francisca Maria de Jesus

Joana Leonídia Geraldo Proença Gomes e Maria da Cunha

Justina de Nação Gertrudes

José Francisco de Campos e Maria Ignácia

Maria Jacintha

Mathias Vicente da Costa e Maria Rosa de Jesus Sebastiana

Fidelis Liberto e Maria escrava

Maria

Isaías

Mariana Hygina Elídio Vespasiano e Porfíria Maria

Henriqueta

Antônio

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Observando mais um senhor de escravos em São Paulo do Muriaé,

Antônio José da Silva (Figura 3), deparamos com dezenove batismos de

escravos. Cinco mães tiveram filhos naturais e três casais casados conforme

mandava a Igreja Católica. Dentre estes padrinhos, 10 casais eram escravos e

6 casais livres. Destes escravos que apadrinham, quatro casais eram de outras

unidades de produção, não coincidindo nenhum dos proprietários. 276 O que

nos alerta para uma intensa rede de relações de parentesco espiritual e social.

Francisco e Rosália, escravos do mesmo plantel, estabelecem laços de

compadrio por duas ocasiões. Em uma delas, aparece apadrinhando filhos

legítimos de Maria e Telesforo e outra Juliana, filha natural de Germana. Dentre

os livres que aparecem como compadres, um casal estabelece laços com duas

mães, Mariana e Thereza, ambas batizando filhos naturais. Alexandre e

Genoveva, o casal que mais filhos batizam neste plantel, também tem

presença marcante na pia batismal como padrinhos, pois aceitam como

afilhada Anasthácia, filha natural de Eva.

Finalizando, nas três unidades analisadas, a forma de apadrinhamento

não aconteceu de forma determinada pelo senhor, pois os dados nos alertam

para as extensas relações não forjadas ou pré-determinadas, e para a livre

escolha dos pais do inocente. Estes filhos, apesar de serem na sua grande

maioria filhos naturais, não impossibilitaram os vínculos afetivos parentais, e

provavelmente tinham uma presença constante de seus pais.

Fica também claro, que estas relações eram estabelecidas e às vezes

restabelecidas com o mesmo compadre e/ou comadre, como forma de reforçar

os vínculos e na grande maioria das vezes estes padrinhos eram escolhidos

276 Estes proprietários senhores de escravos apadrinhando são Manoel Garcia de Mattos, João Teixeira, Manoel José da Silva e Luiz Paulino Nunes.

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como forma de assegurar proteção, dependência ou mesmo interesse, seja ele

político, social ou econômico. Mas de qualquer forma isto não lhe tiraria a

marca do cativeiro, porém, esta dependência do seu senhor poderia amenizar

a marca da escravidão.

Figura 3 Batismo e Laços de compadrio dos cativos de Antônio José da Silva

Fonte: Livros de batismos da freguesia São Paulo do Muriaé, 1852-1888.

Eva Anasthácia Alexandre crioulo e Genoveva crioula

Genoveva e Alexandre

Joana Miguel e Juliana escravos do mesmo proprietário

Catharina

Vicente e Perpétua escravos

Pedro Pedro e Joaquina

Custódia Luís e Custódia

Alexandra Joaquim e Ritta

Isabel

Joaquim e Ludovina

Ignácia Jacintha

Adão e Ritta Geraldo

José Dias Tostes e Joaquina Antônia de Jesus Juliana e

Joaquina

Mariana Venâncio e Sabina

Maria e Telesforo

Paulo Albino e Luíza

Ignácio

Francisco e Rosália

Germana

Juliana

Francisco e Rosália

Mariana

Balbino

Antônio José de Carvalho e Ritta Balbina de Jesus

Theresa Manoel João Luís Isidoro e Anna Theodora de Ramos

Vicência Antônio Correa e Ritta Maria de Jesus

Januária

Antônio Correa da Roxa e Ritta Maria de Jesus

Silvina Theodoro José da Silva e Gulhermina Maria de Jesus Teodoria

Manoel Mariano de Souza e Cândida Justina de Jesus

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IV - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou discorrer sobre as relações firmadas por cativos da

freguesia São Paulo do Muriaé, localizada na Zona da Mata Mineira, durante os

anos de 1852-1888. Utilizando principalmente das atas de batismos da Matriz

local, que foram intercaladas com outras documentações cartoriais, visando

fazer um acompanhamento de algumas trajetórias individuais, dando, assim,

uma consistência historiográfica à pesquisa.

Podemos observar que esta região da Mata Mineira, possuía uma

identidade própria, moldada a partir de estratégias sociais e econômicas que

refletia um amplo jogo nas vivências, não apenas em relações de parentesco

consangüíneos, mas também relação de afinidades intensas e rituais

celebrados via sacramento do batismo, sendo envolvidos nesta teia não

apenas escravos, mas também forros/ livres, ou seja, pessoas ligadas a todos

os grupos sociais.

Apesar da configuração das escravarias locais serem moldadas em sua

grande maioria a partir de um reduzido número de cativos, foi possível a estes

indivíduos manterem amplas relações de parentesco, consangüíneos ou não,

no qual imperou a conclusão relatada pelas pesquisas anteriores, de que a

ilegitimidade dava, até há pouco tempo, uma “falsa idéia de promiscuidade

atribuída à massa de “desclassificados” e marginalizados”. 277

Esta inferência foi possível graças não só a extensas redes de

solidariedades expressas nas relações de compadrio, seja por mães de filhos

naturais ou legítimos, com homens e mulheres livres, escravos, libertos e até

mesmo santos, constatadas via registros de batismos, mas também pelo

277 VENÂNCIO (1986) Op. cit. p.5

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cruzamento de inventários e testamentos, o que nos possibilitou rastrear

algumas vivências cotidianas desses cativos. Assim, apesar do Sacramento

Católico não ser sacramentado na grande maioria das uniões, havia um

fortalecimento e convivência intensa entre pai e mãe, inclusive alguns

proprietários se preocupavam com a formação de famílias mais estáveis.

Os nomes adotados pelos pais confirmam a ligação destes aos valores

religiosos, e em alguns casos relações com os parentes fictícios, pois como

observado, a prática da nomeação está ligada muito mais aos valores

espirituais, como santo e santa, e aos padrinhos e madrinhas, do que aos pais

e mães.

Os casais casados, no qual o vigário anotou sua origem, apresenta uma

forte tendência à endogamia, pelo menos até o momento de ser possível fazer

uma escolha, havendo uma dificuldade maior entre casamentos de crioulo com

africana, do que em relação crioula e africano, atribuindo valores e ações

voltados para uma superioridade masculina, o que também é evidenciado pela

maioria de padrinhos em relação às madrinhas.

Conseqüentemente, os pais ou mesmo as mães, tinham a liberdade da

escolha dos padrinhos de seus filhos, e estes, utilizaram de estratégias para

serem beneficiados na escolha de seus compadres e comadres, seja pela

alforria, seja por uma maior aceitação e reconhecimento na sociedade. Os

senhores pouco apadrinhavam os filhos de seus cativos, mas em uma

proporção superior aos encontrados em outras localidades, aumentando ainda

mais a participação de parentes desses, criando uma ligação de valores

mútuos, o que pode ser explicado por uma convivência mais próxima, seja no

trabalho ou com suas famílias.

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Observando tanto no censo de 1872 como nos registros de batismos, a

pesquisa indica uma forte tendência à reprodução natural, pois o número de

crianças cadastradas, e o número de crianças batizadas são extremamente

superiores aos de jovens e adultos, contribuindo para esta análise, os

raríssimos escravos vindos de outras regiões do país.

Um ponto alto da pesquisa é que apesar de, em nível geral, predominar

a ilegitimidade na localidade, o estudo de alguns casos específicos nos

mostrou que independente do nível econômico de alguns proprietários, houve

uma variação da legitimidade e ilegitimidade dos escravos, o que torna

evidente a necessidade de uma maior análise em diversas localidades com

características diversas para chegarmos a uma maior especificação do caso.

Apesar do predomínio das famílias matrifocais (aquelas composta por

mãe e filhos), tudo nos leva crer, que havia neste grupo, famílias estáveis,

como relatados em alguns casos específicos, o que possibilitou ao cativo uma

certa mobilidade e autonomia social. Outra observação feita é a provável

ligação entre as alforrias concedidas durante a celebração do batismo com um

suposto vínculo de aproximação das pessoas envolvidas no ritual.

Existiu, nesta freguesia, uma relação ampla de solidariedade familiar,

entre o vigário José Delfino César com os membros da Igreja, pois além de

apadrinhar diversas crianças, acompanhamos de perto a constatação de uma

relação estável de concubina com uma ex-escrava, dividindo as suas funções

de padre, com a de marido e pai, o que extrapolava as leis canônicas do

Império.

O estudo destes cativos nos possibilitou observar que as redes de

solidariedade escravista, permitiram ampla participação social, e mesmo não

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sendo amputados do cativeiro, apresentava indivíduos dotados de opções,

podendo escolher aqueles que conviveriam com mais intensidade no seu dia-a-

dia.

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