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* Mantivemos os nomes das persona - g ens no original por ser este o proc ed i- m ento ma is conven r ionalm znte adotado nas tradu ções de lin guas estr an ge iras p ar ao p or tugu ês. Fi ca a critério de c ad a cn ce- nac ão tr aduzi-los ou não. Gost ar íamos en- tretanto de chama raa te nção p ara o fato de que em T odos os que caem muitos d os nomes de p ersonag ens parecem ser tr oca- d. lh os, ap on tando p ara um duplo s ent .do, algu mas ve zes, s exu al. A s eguir algun s exemp los: Maddy Rooney - M addy , do inglês mad, que signi f ica louco ou zang ado Ro oney apre se nta semelhança fonoló Jica com ruined, ques ignifica arruinado, de s- t ruido. Mr. Sloc um - Fonoloqicanente idên- t ico à expressão slow c ome. Slo w signi- f ica vagaroso ; come. em ing l ês coloqu ial s ign:fica orgasmo e em inglês vulg ar, por ra. Chri st y- S emelhante a Christ, Cris- to, é onome do carroc eiro cuj a carroça é puxada por uma m ula . Miss F it t- F ono logicamente idênt ico ao i ng s m is fit q ue sig ni f ic a fracas so , pessoa mal-aju stada. S:pa radamente, fit signi fi ca ch iliqu e, acess o, ataque, compon - do, juntamente com Miss ( senhorita) o co- dino me S enhorita Chilique. Mr. B arr ell - Pronunci ado à maneira bri nica identifica-se com b ar a1l que s ig; níj ica barra t udo. (N. da T. ) I, · I 24 TODOS OS QUE CAEM' Uma peça radiofônica Sa mu el Be ck ett Traduçãode Fátima Sa ad i Revis ão técn ica de An i ela Improt a França Maddy Rooney *- uma senhor a por vo lta dos setenta anos Ch risty - um carroceiro Mr. Ty! er - um corretor aposen tado Mr. Slocum - f un ci on ári o do c ampo de corri das T ommy - um ca r regador M r. B arre ll - chefe da estaçãof erro. viária Miss Fitt - moça na casa dos trinta Uma voz de mulh er O olly - uma g arotinha Dan Roon ey - marido de Mrs. Rooney, cego J erry - um g arot inh o Barulhos do campo. Carneiro, sarinho, vaca, galo , separadamente, depois juntos . Silêncio. Mrs. Rooney caminha p ela esra- da em direção à estação ferroviária. Barulho de seus passos arrastados. De uma casa na b eira da estrada vem, baixinho, uma música: A Morte * Tradu zidoa partir do original Ali that fa li , New Y ork, Grove Press, 1 957. Consu lt amos a inda a tradução fr ance sa d? R obert Ping et, To us c eux qui t ombent , Pa- ris, M inuit, 1957. ea Donzela. Os passos diminuem, CHRISTY - Não m elhorouMa- param . dame MRS. ROONEY --- Cotada Sozí- MRS. ROONEY - E sua , fil ha, nha nes sa casa velha caindo aos pe- então! daços. CHRISTY _ Não p iorou , Madame. sica mais alto.A não s er p ela (S ilê ncio) sica, reina o silêncio. Os passos MRS . ROONEY _ Por que vo se r ecomeçam. A música some. Mrs. dete ve! (Pausa.) Por que eu me de- Roon ey cantarola a m elodia, que" ti ve! (Silêncio .) aos pouco s, des aparece. B arulho de CH R ISTY _ Tempo bompara as uma ca rr a qu esea proxim a. Acar corridas, Mad ame. roça p ára. Os pa ssos dim inu em, M RS. ROO NEY_ C laro, cla ro. pa ra m. (Pau sa.) Mas ele se manter á! MRS . ROO NEY - É v oc ê, Christ y! sa, Emo cion ada .) Manter-se- á? (S i- CHR ISTY - El e mesmo, Ma dam c. lêncio) . MRS: ROO N EY -B em .que re- I CH R ISTY _ Por aca so ,as enhora conheci a mul a. Como va . ac o.tad a o preci s ar ia de ... da sua mulh er! MRS. ROO NEY _ Psiu! ( Pa usa .) E vi de n te mente o que eu e sto u ou - vin do o podeser o e xpresso. (Si- lêncio.) Amula resfolega. ( Silêncio.) CH RISTY - Maldito e xpres s o. MRS . ROO N EY -D eus se ja lou- vado! Eu poderia jurar que o ouvi. trov ejan do nos dormentes, longe, bem longe. (Paus a. ) Quer dizer en- tão que burr os zurram! Bem, não é de espantar. CHRISTY --- Por acaso , a senho ra não e staria precisando de um peque- no carreqaaento de estercoi MRS . ROONEY - Esterco1 Que tipo de esterco! CHRISTY - Esterco 'de porco. MRs. ROO NEY -E sterco de por- co ... Admiro sua franqueza, ty. (Pausa.) V ou perguntar ao meu esposo. (Pausa.) Christy. CHRISTY - Sim, madame. MRS. ROONEY ,..;. Você acha , algo estranho na minha maneira de fa- lar! (Pausa.) Não falo da voz. (Pausa.) Não, falo das palavr as. (Pausa. Como qu e para si m esma.) Eu sou apen as as palavras mais s 'm- pies, suponho,ea inda assim, às -

BECKETT, Samuel - Todos Os Que Caem

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ECKETT, Samuel - Todos Os Que Caem.

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Page 1: BECKETT, Samuel - Todos Os Que Caem

* Mantivemos os nomes das persona­gens no original por ser este o procedi­mento mais convenrionalmznte adotado nastraduções de linguas estrangeiras para oportuguês. Fica a critério de cada cnce­nacão traduzi-los ou não. Gostaríamos en­tretanto de chamar a atenção para o fatode que em Todos os que caem muitos dosnomes de personagens parecem ser troca­d.lhos, apontando para um duplo sent.do,algumas vezes, sexual. A seguir algunsexemplos:

Maddy Rooney - Maddy, do inglêsmad, que significa louco ou zangadoRooney apresenta semelhança fonoló Jicacom ruined, que significa arruinado, des­truido.

Mr. Slocum - Fonoloqicanente idên­tico à expressão slow come. Slow signi­fica vagaroso; come. em inglês coloquialsign:fica orgasmo e em inglês vulgar,porra.

Christy - Semelhante a Christ, Cris­to, é o nome do carroceiro cuja carroçaé puxada por uma mula.

Miss Fitt - Fonologicamente idênticoao ing lês misfit que significa fracasso,pessoa mal-ajustada. S:paradamente, fitsignifica chilique, acesso, ataque, compon­do, juntamente com Miss (senhorita) o co­dinome Senhorita Chilique.

Mr. Barrell - Pronunciado à maneirabritânica identifica-se com bar a1l que sig;níjica barra tudo. (N. da T.)

I, ·I

24

TODOS OS QUE CAEM'

Uma peça radiofônica

Samuel Beckett

Traduçãode Fátima Saadi

Revisão técnica deAniela Improta França

Maddy Rooney* - uma senhora porvolta dos setenta anos

Christy - umcarroceiroMr. Ty!er - um corretor aposentadoMr. Slocum - funcionário do campo

de corridasTommy - um carregadorMr. Barrell - chefe da estação ferro.

viáriaMiss Fitt - moça na casa dos trintaUma voz de mulherOolly - uma garotinhaDan Rooney - marido de Mrs. Rooney,

cegoJerry - um garotinho

Barulhos do campo. Carneiro, pas~sarinho, vaca, galo, separadamente,depois juntos.

Silêncio.Mrs. Rooney caminha pela esra­

da em direção à estação ferroviária.Barulho de seus passos arrastados.

De uma casa na beira da estradavem, baixinho,umamúsica: AMorte

* Traduzido a partir do original Alithat fali, New York, Grove Press, 1957.Consultamos ainda a tradução francesa d?Robert Pinget, Tous ceux qui tombent, Pa­ris, Minuit, 1957.

e a Donzela. Os passos diminuem, CHRISTY - Não melhorouMa-param. dame

MRS. ROONEY --- Cotada Sozí- MRS. ROONEY - E sua ,filha,nha nessa casa velha caindo aos pe- então!daços. CHRISTY _ Não piorou, Madame.

Música mais alto. A não ser pela (Silêncio)música, reina o silêncio. Os passos MRS. ROONEY _ Por que você serecomeçam. A música some. Mrs. deteve! (Pausa.) Por que eu mede-Rooney cantarola a melodia, que" tive! (Silêncio.)aos poucos, desaparece. Barulho de CHRISTY _ Tempo bompara asumacarroçaqueseaproxima. Acar~ corridas, Madame.roça pára. Os passos diminuem, MRS. ROONEY _ Claro, claro.para m. (Pausa.) Mas ele se manterá! (Pau~

MRS. ROONEY - É você, Christy! sa, Emocionada.) Manter-se-á? (Si-CHRISTY - Ele mesmo, Madamc. lêncio) .MRS: ROONEY - Bem .que e~ re- I CHRISTY _ Por acaso, a senhora

conheci a mula. Comova. a co.tada não precisaria de ...da sua mulher! MRS. ROO NEY _ Psiu! (Pausa.)

Evidentemente o que eu estou ou­vindo nãopodeser oexpresso. (Si­lêncio.) Amula resfolega. (Silêncio.)

CHRISTY - Maldito expresso.MRS. ROONEY - Deus seja lou­

vado! Eu poderia jurar que o ouvi.trovejando nos dormentes, longe,bem longe. (Pausa. ) Quer dizer en­tão que burros zurram! Bem, não éde espantar.

CHRISTY --- Por acaso, a senhoranão estaria precisando de um peque­no carreqaaento de estercoi

MRS. ROONEY - Esterco1 Quetipo de esterco!

CHRISTY - Esterco 'de porco.MRs. ROONEY - Esterco de por­

co ... Admiro sua franqueza, Chris~

ty. (Pausa.) Vou perguntar ao meuesposo. (Pausa.) Christy.

CHRISTY - Sim, madame.MRS. ROONEY ,..;. Você acha,algo

estranho na minha maneira de fa­lar! (Pausa.) Não falo da voz.(Pausa.) Não, falo das palavras.(Pausa. Como que para si mesma.)Eu sou apenas as palavras mais s'm­pies, suponho, eainda assim, às V~

-

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* No original ' Paris horsebut-cher . . ." que significa, lít.ralmente, açou­gueiro de carne de cavalo, comum emPa­ris. (N. da T.)

* Laburno (do lat. laburnu) s.m, Ar­busto ornamental europeu, da família dasleguminosas (cytisus laburnum ), de pro­fusas flores amarelas, arrumadas em ra­cemos termina's pêndulos, folhas comtrêsfoliolos. e lequme comprido e lin:ar Cd.Aurélio.) (N. da T.)

ves, àcho minha maneira de falarmuito ... estranha. (Pausa.) Miseri~

cótdia! O que foi isso!CHRISTY ,- Queira desculpá-Ia,

madame, essa mula está muito abu­sada hoje. (Silêncio.)

MRS. ROONEY - Esterco! Oqueé que se pode fazer com esterco aesta altura da vida! (Pausa.) Porque é que você vai a pé, afora! Porque você não monta nesta mula,junto com o carregamento de ester­co e vai descansado! É dado a ver­tigens, por acaso!

CHRISTY (para a mula.) ,- Êêê!(Pausa. Mais alto.) Êêê!Anda!An­da logo! (Silêncio. )

MRS. ROONEY ,- Ela não moveum músculo. (Pausa.) Eu tambémdevia ir andando se não quiser che-

I

gar tarde à estação. (Pausa.) Agori-nha mesmo ela estava relnchando cpateando. Eagora se recusa aavan­çar. Dê-lhe uma boa lambada notraseiro. (Barulho de chicote. Pau~

sa.) Mais forte! (Barulhode chico­te. Pausa.) Bem! Se fosse comigoeu não ia achar graça nenhuma.(Pausa .) O:ha como ela me fi ta comos 'grandes olhos úmidos atormenta­dos pelas mutucas!Quem sabe se euretomasse meu caminho, estrada afo­ra. longe do seu campo de visão .. .(Barulhode chicote.) Não, não,bas­ta! Peque-a pelo freio e tire os olhosdela de cima de mim. Ai! Isso é hor­rível! (Ela caminha. Barulho de seuspassos arrastados.) O que fiz paramerecer tudo isso! O quê! O quê!(Passos arrastados. Cita .) "Buscadentro de ti alguma coisa que conteahistória das coisas, criadas há mui­to tempo ... e, muito porcamente."(Ela estaca] Como posso prosse-

.quir? Não, não posso. Ah, quem medera ser rim monte de bosta espar-

ramada na estrada como uma enor- MRS. ROONEY - Ai, Mr. Tyler,me gelatina fora da tijela e nunca osenhor realmentemeassustouvin..mais dar um passo!Uma meleira en- do por trás de mim, assim, traiçceí-grossada com areia e poeira e mos- ramente! Ui!cas: eles iam ter que me recolher MR. TYLER (brincalhão.) - Eucom uma pá. (Pausa.) Meu Deus, buzinei, Mrs. Rooney; assim que eulá vemaquele expresso de novo, o a avistei, comecei a tilintar minhaque será de mim! (Os,passos arras~ buzina,a senhoranão me venhaaqo-tados recomeçam.) Ai! Sou mesmo ra negá-lo.uma megera histérica, corroída pela MRs. ROONEY,- Sua campainhatristeza epelosachaquesepelas boas é uma coisa, Mr. Tyler, o senhor émaneiras e pela carol 'ce e pela gor~ outra. Esua filha!dura e pelo reumatismo e pela este- MR. TYLER- Vai indo. Eles ti-rilídade, (Pausa. A voz entrecorta- raram tudo a senh a dd ) M

· . I M' ; . I) , or compreen e,a. mme: ínn'ez ínhal (Pausa. todo o hum t h '

A di ' . . . .. os ape rec os tn-

mor, era tu oo que euqueria, um timos N n . d t1 • U ca mais vou po er erpouquinho d~ am?r, .~odo dia, duas netos, (Passos arrastados.)vezes por dia, cínq üenta anos de M R M D

d'd' I RS. \OONEY - eu eus

amor uas vezes por 'a, regu ar- l '

t' h'b't t I como o senhor cambaleia. Desça da

men e, comoe a ;o en re os re es ... d P . * O Ih bicicleta, pelo amor de Deus. ouaçouguClfos e ans, -tue mu er - d I

I . i d f" 1 U então pe aenorma preosa so e a ei çao: ma .htoca pela manhã, perto da orelha MR. TY~ER - ,Quemsabe se eue outra de noite, hico-hico até você pousasse minha mao, de leve, noseucriar bíqode .. . Olha aí de novo o ombro, Mrs. Rooney, que tali (Pau-meu belo laburno. * sa.) Asenhora consentiria!

(Passos arrastados. Barulho de MRS. ROONEY ,- Não, Mr. Roa-buzinade bicicleta. É o velho Mr. ney, quer d'zer, Mr. Tyler, estouTyler vindopordetras delade bici- cansada dessas "mãos leves" noscleta" a caminho da estação. Barulho meus ombros e em outros lugaresde freada. Elediminui a veloddade insensíveis: estou por aqui com elas.e pedala ao lado dela. Meu Deus. aí vemConnoly na ca-

MR.TYLER _ Mrs. Rooney! Per- .mionete! (Ela estaca. Barulho do,doe-me se eu não tiro meu boné: eu motor da camionete que se aproxi-cairia. Que dia maravilhoso para as ma e passa chacoalhando pesada-corridas. mente.) Osenhor está bem, Mr. Ty­

ler! (Pausa.) Cadê ele? (Pausa.)Ah, o senhor está aí! (Os passosarrastados recomeçam.) Que Irea­da! Por pouco!

MR. TYLER ,- Saltei bem na ho-rinha.

MRs. ROO NEY ,- Sair de casa ésuicídio. Mas ficar em casa, nãoadianta, Mr. Tyler, não adianta.É uma dissolução gradual. Estamos '

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brancos de poeira dos pés à cabeça.O senhor disse alguma coisa!

MR. TYLER- Nada, Mrs. Rco­ney, nada, estava apenas analdí­çoando baixinho Deus e os homens,baixinho, e a chuvosa tarde de sá.bado em que fui conceb'do, Meupneu traseiro esvaziou de novo. An­tes de sair eu o bombeei até ele fi.car duro como pau. E agora meencontro nesta situação

MRS. ROONEY - Ah! que pena!MR. TYLER- Se fosse oda íren­

te cu não me importaria tanto. Maso de trás. O de trás! A corrente!Oóleo! Agraxa! Oeixo! Os freios!O câmbio! Não, é demais! (Passosarrastados.)

MRS. ROONEY- Estamos muitoatrasados, Mr. Tyler. Não tenhonem coragem de olhar as horas.

MR. TYLER (amargamente) _Atrasados! Se de b:cicleta eu já es­tava atrasado, agora então estamosduplamente atrasados, triplamente,quadruplamente atrasados. Eu de·via era ter passado pela senhorasem trocar uma única palavra. (Pas.sosarrastados.)

MRS. ROONEY - Osenhor vai seencontrar com quem, Mr. Tylerl

MR. TYLER- Com'Hardy.(Pau­sa.) Praticamos alpinismo juntos.(Paqjsa.) Uma vez, salvei·lhe avida.(Pausa .) Nunca esqueci. (Passos ar­'rastados. Eles páram.)

MRS. ROONEY- Vamos nos per.mitir uma parada até que essa mal­dita poeira assente sobre os aindamais malditos vermes. (Silêncio.Sons do campo.)

MR. TYLER - Que céu! Que luz!Apesar de tudo, é uma bênção estarvivo num dia.como esse e fora do

'26 hospital.

MRS. ROONEY- Vivo!MR. TYLER ..- Semivivo, digamos.MRS. ROONEY..- Fale por si, Mr.

Tyler. Eu não estou semivivo nem' nada de semelhante. (Pausa.) Praque é que estamos aqui parados!Essa poeira não vai assentar tãocedo. E quando assentar, uma des­sas geringonças barulhentas se in.cumbirá de levan tá-Ia de novo emgordas espirais até o céu.

MR. TYLER - Bom, nesse caso,devemos continuar.

MRS. ROONEY- Não.MR. TYLER- Vamos, Mrs. Roo­

ney.

MRS. ROONEY - Vá, Mr. Tyler,vá e deixe-me ouvindo o arrulhardas rolinhas. (Arrulhar.) Se o se­nhor v.ir Dan - o pobre e cegoDan - diga-lhe que eu estava acaminho para encontrá-lo quandotudo desabou de novo sobre mim,como um dilúvio. Diga-lhe : sua po­breesposa disse-meque lhe dissesseque tudo desabousobre ela de novoe... (A voz entrecortada) ... elasimplesmente voltou para casa...direto para casa . ..

MR. TYLER ..- Vamos, Mrs. Roo.ney, vamos, dá para agüentar! Amáquina ainda não deu sinal devida;segure no meu braço que, devagari­nho, a gente chega lá. O tempo dáe sobra.

MRS. ROONEY (soluçando.) - Oque é! O que está havendo aqora?(Mais calma.) Osenhor nãovêqueestou comproblemas! Osenhor nãotem respeito pelo sofrimento! (Solu.çando.) Minnie! Minniezinhal

MR. TYLER ..- Vamos, Mrs. Roa.ney, dá para agüentarl A máquinaainda não deu sinal de vida; segureno meu braço ,que devagarinho a

gente chega lá. O tempo dá e so­bra...

MRS. ROONEY (abruptamente) ..­Ela devia estar agora na casa dosquarenta, talvez cinqüenta, al ívelan­do suas lindas ligas, pronta para amudança . . .

MR. TYLER..- Vamos, Mrs. Roo.ney, vamos, dá para agüentar! Amáquina .. .

MRS. ROONEY (explodindo) _Será que osenhor podia ir andando,Mr. Rooney, quer dizer, Mr. Tyler,será que o senhor podia ir andandoagora e parar de me molestar! Queespécie de país éesseonde uma mu­lher não pode derramar seu coraçãopor estradas e atalhos sem ser ater­mentada por corretores aposentados!(Mr. Tyler prepara·se para montarna bicicleta.) Miseúórdia! O se.nhor não vai me pedalar com o pneuvazio, vai! ... (Mr. Tyler monta.)Vai estourar sua câmara de ar! (Mr.Tyler afasta-se. Obarulho dá bici.cleta que roda aos solavancos vaidesaparecendo. Silêncio. Arrulhar.)Pássaros de Vênus! Beijando~se lon­gamente nos bosques durante todoo longo verão. (Pausa.) Ai, malditocorpete! Se eu pudesse desabotoá ~lo

sem ultraje ao pudor. Mr. Tyler!Mr. Tyler! Volte aqui para me de­sabotoar ali atrás da cerca! (Ela ridescontroladamente. Pára.) ,O' queéque hádeerrado comigo? O que éque há de errado comigo? Nuncatranqüila, as vísceras em erupção,rompendo a peleencarquilhada e di.lacerando a cabeça, ah! quem deraatomizar-ne, atonizar-me em áto­mos! (Freneticamente.) ATOMOS!(Silêncio. Arrulhar. Baixinho.) Je­sus! (Pausa.) Jesus! (Barulho decarroque se aproxima por trás dela.O carro diminui a velocidade e em-

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parelha com Mrs. Rooney. motorligado. É Mr. Slocum, fun cionáriodo campo decorridas.)

MR. SLOCUM - Algo errado.Mrs. Rooney! A senhora está secontorcendo toda. Está comdor deestômago! (Silêncio. Mrs. Rooney ridescontroladamente. Finalmente.)

MRS. ROONEY - Ora, se não émeu velho admirador, o homem dascorridas, emsua Iimusine.

MR. SLOCUM- Posso oferecer.-lhe uma carona. Mrs. Rooney! Estáindo na mesma direção que eu!

MRS. ROONEY- Estou, Mr. Slo­cum, estamos todos.(Pausa.) Comovai sua pobre mãe!

MR. SLOCUM '- Bem, obrigado,vai indo. Conseguimos eliminar asdores, É,o mais importante, não é,Mrs. Rooney!

MRS. ROONEY- Sim, de fato,Mr. Slocum, é o mais importante,não sei como o senhor consegue.(Pausa. Ela bate no rosto compio·lência.) Ah! Estas vespas!

MR. SLOCUM(fria mente) ,.... Pos­so então oferecer-lhe uma carona,minha senhora!

MRS. ROONEY (exageradamenteentusiasmada) - Ah. seria naravi­Ihoso, Mr. Slocum, simplesmentemaravilhoso, (Em dúvida.) Mas seráque eu conseguiria entrar! O se­nhor parece tão longe do chão hoje.Acho que são esses novos pneus­-balão, (Barulho da porta que seabre. Mrs. Rooney tenta subir nocarrc .) Essa capota não arria nun­cal Não! (Esforços de Mrs. Roa.neg.) Não, não vou conseguir nun­ca ." osenhor tem que descer, Mr.Slocum, e ajudar-me por detrás.(Pausa.) O que foi isso? (Pausa.Irritada.) Foi idéia sua, Mr. Slocum,

não minha. Pode ir, meu senhor,pode ir.

MR. SLOCUM (desligando o ma.tor) - Estou quase, Mrs. Rooney,quase chegando, espere um pouco,Estou tão duro quanto a senhora,(Barulho do Mr. Slocum deslocan·do·sedo banco do motorista.)

MRS. ROONEY ,.... Duro. Assim éque eu gosto. E eu aqui toda mebalançando pra frente c pra trás,(Para si mesma.) Réprobo velho eseco!

MR. SLOCUM(postadoatrás dela),.... E agora, Mrs. Rocney, como éque a gente faz!

MRS. ROONEY ,.... Como se eufosse um pacote, Mr. Slocum, nãoprecisa ter medo. (Pausa. Barulhode esforços.) A~sim . (Esforço.)Ma;s embaixo! (Esforço.) Espere!(Pausa.) Não, não me largue!(Pausa.) Suponhamos que eu con­siga suhr, conseguirei depois des­cer!

MR. SLOCUM (ofegando) ,.... Asenhora vai descer, Mrs. Rooney,vai descer. Asenhora pode até nãosubir, mas descer eu garanto que asenhora desce. (Ele retomaos estar.ços. Barulho adequado.)

MRs. ROONEY,.... Ai! Mais em­baixo! Não tenha medo! Já passa.mos da idade de... Aí! Agora .. .coloque o ombro por baixo. .. Ah!(Risinhos.) Meu Deus! Mais! Mais!Ah! Consegui! Até que enfim! (Mr.Slocum ofega. Bate a porta. Umgrito.) Meu vestido! Osenhor pren­deu meu vestido! (Mr. Sloeum abrea porta. Mrs. Rooney solta o vesti·do. Mr. Slocum bate a porta. Eleresmunga fariosamente de formaininteligível enquantodá a voltaatéa outra porta. (Choramingando.)Meu lindo vestido! Olhe o que fez

com meu lindo vestido. (Mr. Slocumsenta, batea porta do lado do moto·rista, aperta a ignição. Omotor nãopega. Ele larga a ignição.) Oque éque Dan vai dizer quando me vir!

MR. SLOCUM ,.... Ele recuperou avisão?

MRS. ROONEY ,.... Não, quero di­zer, quando ele souber, o que é queele vai dizer quando sentir o bura­co? (Mr. SloCllm aperta a ignição.Comoantes. Silêncio.) O que é queo senhor está fazendo, Mr. Slocum?

MR. SLOCUM ,.... Estou olhandofixamente para a frente, Mrs. Roo­ney, pelo para-brisa. no vazio.

MRS. RooNEY ,.... Ligue o carro,eu lhe imploro. evamos embora. Quehorror!

MR. SLOCUM (sonhador) - Amanhã toda ele se portoudiqnamen­te. deslizou cemo num sonho e aqo­ra esmorece. Esta é a minha recom­pensa por uma boa ação. (Pausa .Esperançoso.) Talvez se eu puxasseoafogador. (Puxa o afogador, aper.ta a igllição. O motor ronca. Gri..tando para ser ouvido.) Ar demais!(Ele empurra o afogador, arranhauma primeira, o carro anda" ele pas..sa a marcha com barulho da caixade marcha.)

MRS ROONEY (angustiada ) ,....Olha a galinha! (Baralha de freios.Cacarejar.) Nossa mãe, o senhor aesmagou, vamos embora, vamos em..bora! (O carro acelera. Pausa.) Quemorte! Um minuto antes ciscandofeliz seu esterquinho, na estrada, aosol, um banho de poeira aqui, outroali e de repente > bum! acabam-seas preocupações. (Pausa.) Nuncamais chocar, nunca mais criar pinti­nhos. Acabou-se a galinhagem.(Pausa.) Umgrito, um só edepois... 27

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,r

e meia já vai chegar.TOMMY (amargamente) ,..., Essa

é a paga que se recebe por um atocristão.

MR. BARRELL (com violência) .­Anda logo ou faço queixa de vocêao diretor! (Tommy sobe a escadaa passos lentos.) Quer que eu lhedê com uma pá na cabeça? (Os pas­sos se apressam, diminuem, páram.)Ai, que Deus me perdoe, mas essavida é muito dura. (Pausa. ) Mrs.Rooney, que bom vê-Ia de pé e comsaúde. A senhora esteve na camabastante tempo.

MRs. ROONEY - Menos do queeu gostaria, Mr. Barrell (Pausa.)Quem me dera estar deitada, esti- .rada na minha cama confortável, Mr.Barrel l, consumindo-me lentamente,sem sofrimento, mantendo-me à basede mingau de araruta e geléia democotó até que, por fim, não se vis­se mais nada entre os cobertores.(Pausa.) Oh! sem tossir, claro, nemescarrar ou sangrar ou vomitar, ape­nas deslizar docemente para a vidaeterna, recordando, recordando ...(Voz ent~ecortada) . .. pequenas in­felicidades . .. como se. .. elas nun­ca tivessem existido... Onde foique eu enfiei esse lenço? (Som delenço sendo barulhentamente utili­lizado.) Há quanto tempo o senhoré chefe desta estação. Mr. Barrem

MR. BARRELL .... Nem me per­gun te, Mrs. Rooney, nem me per­gunte,

MRS. ROO NEY - Osenhor seguiuos passos de seu pai eos perpetuouquando ele próprio já não podiamais caminhar.. MR. BARRELL ,..., Pobre papai!(Pausa respeitosa.) Não viveu o

odescanso eterno. (Pausa.) De toda I TOOMMY - Vamos, Mrs. Roo- \ forma! Chispa! Você está cansadomaneira, mais cedo ou mais tarde, ney, agache-se e ponha a cabeça de saber que o expresso de meio-diaacabariam mesmo por lhe torcer o para fora.pescoço. (Paasa.) Chegamos, dei- MRS. ROONEY .... Agachar-me! Axe-me descer. (O carro diminui a essa al tura da vida! Que insensatez!velocidade, pára, motor ligado. Mr. TOMMY.... Empurre-a para cá.Slocum buzina. Pausa. Mais alto. Mr. Slocum. (Barulho dos esforçosPausa.) O que é que o senhor está que sesomam.)aprontando desta vez, Mr. SIocum1 MRS. ROONEY.... Merde! t

Qu~~do estam,os parados e o per!- TOMMY_ Agora! Quase, quase!go la passou e que o senhor buzi- Endireite-se, madame! Pronto! (Mr.nai; Em vez de buzinar agora, o SloCllmbatc a porta.)senhor deveria era te~ bu zina~o para MRS. ROONEY .... Consequi? (Vozaquela infeliz. (Buzinada vIOlenta. furiosa de Mr. Barrell, ch~fe da cs-Tommy, o carregador, aparece no tação.)alto da escada que leva àplataforma H BA T I Td

- lVIR. RRELL "" ommy. orn-a estaca0.) I A d d' b f' 7, my. on e esse la o se en 10U .

MR. SLOCUM (chamando) .... Mr. SloCllm arranha a marcha doVocê quer descer até aqui Tommy carro.e ajudar esta senhora a sair? Ela TOMMY (afobado) .... Nenhumestá imprensada. (Tommq desce a palpite para o Páreo das Damas1escada.) Abra a porta. Tommy, e Me disseram que a barbada hoje étente desenganchá-Ia. (Tommy abre Flash Harry.a porta.)

TOMMY _ Claro. Belo dia para MR. SLOCUM (com desprezo) ....Flash Harry! Aquele pangaré!

as corridas. Algum palpite para 111MRS. ROONEY _ Não se incemo- MR. BARRELL(no alto da escada,

urrando) - Tommy! Vou te arre-de comigo. Faça de conta que não bentar os miolos. (Vê Mrs. Roa-estou aqui. Eu não existo mesmo. ) OI' M R (MÉ fato notório. nego a rs. ooney. . . . r.

M S F Slocum arranca, com barulho de

dR.. TLOCUM- I aça °d quDe eu . marcharangendo.) Queméqueestá

man el, ommy, pe oamor e eus. I .. dT

" .. A 1\ X I assassinando assim a caixa e mu-OMMY - E pra la. gora, lVlrs. i d T 7

R (El'1 i ança, ommy.

ooney, . . e começa a puxa- a I T SI

f ) OMMY - ocum.para ora. MRS. ROONEY .... Slocum! Belo

MRS. ROONEY- Espere, Tom~y, modo de se referir a seus superio-espere um pouco, nada de afobaçao, EI • . itado MI's. .., res. -J ogovoce, um enlel : -deixe eu me virar e por o pe no t 51 I

h- (E f d M R er ocum.c ao. 5 orcas e ts. ooney M B (f . To;. . ) A R. ARRELL UrtOSO, para m-para conseguIr seu mtento. gora. ) O' • f f

TOMMY (puxando-a para fora) mYd;Q' que : ~ue, voce d

esaf. aar-d zen O. ue neqooo e esse e te

- Cuidado com sua pluma, ma ame. sepavoneando aqui embaixo na rua?(Barulho de esforco.) Calma, calma. D leit h I J' lata

M R' E I e leio nen um. a para a p -

RS. OONEY - spere, peoamor de Deus, você vai me decapi-tar. I. • Emfrancês, no original (N. da T.)28

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bastante para desfrutar o merecido Barrell! (Silêncio.) Eles vêma mim. I tropeçando em meio a uma espéciesossego. por conta própria, cheios de ama- de deslumbramento, sem ver meus

MRs. ROONEY - Eu me recordo bilidades, ansiosos por ajudar-me .v. irmãos de fé. E eles são muitoam á-nitidamente dele. Um viúvo baixi- (Voz entrecortada.) ... sínceranen- veís, devo admitir, em sua grandenho, rubicundo, comcara de fuinha I te fe lizes... de rever·me... tão maioria, muitoamáveisecompreensi-e surdo como uma porta, ranzinza e . bem-disposta . v. (Lenço.) Algumas vos. Já me conheceme não me le-muito afobado. (Pausa.) O senhor poucas palavras .. . do fu ndo d'al. vam a mal. Lá vai ela, dizem, lá vaideve estar para se aposentar não é, ma. .. e estou de novo só.. . uma Miss Fitt, aquela moça morena. So-Mr. Barrem Vai se dedicar à sua vez mais... (Lenço. Com veemên- zinha com seu Criador; é o jeitocriação de rosas? (Pausa.) Será que cia.) Eu não deveria sair, de forma dela, não reparem. E eles descemouvi mesmo o senhor dizer que o alguma! Eu não deveria nunca ul- da calçada para evitar que eu lhestrem de meio-dia e meia está para trapassar o jardim da minha casa! dê um encontrão. (Pausa.) Ah, sim,chegar1 (Pausa.) Ah! Lá vem a tal da Miss sou distraída mesmo, muito distraí-

MR. BARRELL -- Exatamente. Fitt. Perqunto-ne se ela vai me da, mesmo nos dias de semana. Per.MRS. ROONEY __ Mas no meu re- cumprimentar. {Ruído de Miss Fitt gunte a mamãe, se não acredita em

lógio, que está mais ou menos certo que se aproxima, cantarolando, boc- mim. Hetty, ela diz quando eu co-_ ou estava - pelo noticiário das ca chíusa. um hino. Ela começa a meço a comer meu guardanapo emoito, já équase meio-dia e... (Pau- subir os degraus.) Miss Fitt! (Miss vezda minha fat ia de pão commanosa enquanto ela consulta o reló· ~it~ :staca, pára de ca~tarol~r.) So~ teíqa, Hetty, como é que você podegio.). " trinta eseis. (Pausa.) Con- Invisível, por acaso, MISS Flt~1 Será ser tão distralda? (Suspira.) Achotudo o expresso ainda não chegou. que esse cretone m.e assenta tao ~em que, na verdade, Mrs. Rooney. eu(Pausa.) Ou será que ele passou tão a ponto ~e m~ dissolver na paisa- não sou daqui, realmente não sourápido que eu nem perrebi! (Pausa.) gem1 (~/ss ~/tt desce u~ degrau.) deste mundo, de forma alguma. EuPorque houve um momento, lem- Olh.e,.Mls.s .Flt~, olhe mais de perto vejo, ouço, cheiro, e assimpor dian-bro-me bem, em que eu estava de tal e dlstm~Ulra , f~nalmente, o que ou- te, executo os gestos habituais, masforma mergulhada na dor que não trora fOI uma Silhueta de mulher. meu coração está longe, Mrs. Roa-perceberia nada; nem se eu fosse . Mlss F:TT - Mrs. ~ooney! Eu a ney, muito longe. Entregue a mimatropelada por um rolo compressor. VI, mas nao a reconhec. mesma, sem ninguém para centro-(Pausa. Mr. Barrell vira-se para ir MRs. ROONEY - No último sába- lar-me, eu logo, logo alçaria vôo . . .embora. Alto) Mr. Barrell! (Pausa. do nós, Ijuntas, louvamos ao Senhor. em busca de meu verdadeiro lar.Mais alto.) Mr. Barrell!Mr. Barrell Ajoelhamos lado a lado diante ~o (Pausa.) É uma in justiça a senhoravolta. . mesmo altar. Bebemos do mesmo ~a. achar que eu não a vi, agorinha

MR. BlIRRI!LL (ir[itado) - Que é, Iice. Terei eu mudado desde entâo? mesmo Mrs. Rooney. Tudo o queMrs. Roone)'! .T~nho meu serviço na igreja, Mrs. Roo~ey , na igreja, vi foi 'uma grande mancha pálida,para fazer. rStlenc/o.Som de vento.) Mlss Frrr (chocad ) -- Ah, mas apenas mais uma grande mancha

MRS. ROONEY - Está começando estou SoZi~ h~ com meu Cr~ador. ~ pálida. (Pausa.) Algo errado! Mrs.a ventar. (Pausa. Vento.) O melhor se?hora ~a~. (Pausa.) Ate o pro- Rooney, a senhora parece um pou-do dia terminou. (Pausa. Vento.50- pno sacristâo, quando faz a coleta, co estranha. Tão caída eencurvada.nhadora.) Logo a chuva começará a sa.be que é.inútil deter.se.diant~ de MRs. ROONEY (amargamente) _cair e cairá por toda a tarde. (Me. mim. Eu Simplesmente nao vejo a M dd Rooney néê Dunne t umaBarrell vai embora. ) Então, à tardio bandeja ou o.s~co, enfim, aqu~lo que gr:nd: pálida. (Pausa.) As~nhoritanha as nuvens vão embora, o sol eles usam, sei la. Como poderia ver? t Ih d I' M' F'tt líte' . I emo os e mce, ISS 1 , •poente "ai brilhar por um instante (Pausa.) Mesmo quando esta tudo I

e depois vai desaparecer atrás das terminado eeu saio para oar fresco ---colinas. (Ela percebe que Mr. Bar~ da rua, mesmo então, nos primeiros • Em solteira, Dunne (em francês, norelI foi embora.) Mr. Barrell! Mr. duzentos metros, mais ou menos, vou original) . (N. da 1 ) 2~

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30I

ralmente de lince, pena que não sedê conta. (Pausa.)

MISS Prrr - Bem ... Já que es­tou aqui. emque lhe posso ser útil?

MRS. ROONEY- Se me ajudassea escalar esse penhasco, Miss Fitt,tenho certeza de que o seu Criadora recompensaria, pelo menos Ele.

MISS FITT - Ora, ora, Mrs.Rooney, poupe-me do seu veneno.Recompensa! Presto-me a esses sa­crifícios graciosamente - ou nadaIeto. (Pausa. Som dos passos deMiss Fitt descendo a escada.) Su­ponho que a senhora queira apoiar- ,-se em mim, Mrs. Rooney.

MRS. ROONEY - Pedia Mr. Bar­reli que me desse o braço, que medesse apenas o braço..' (Pausa.) EleEle deu meia volta e foi-se a passoslargos.

MISS FITT - Entãoé meu braçoque a senhora deseja! (Pausa. Im­paciente.) É meu braço que asenho­ra deseja, Mrs. Rooney, ou o quê!

MRS. ROONEY (explodindo) ­Seu braço! Qualquer braço! Umamão caridosa! Por cinco segundos.Cristo, que planeta!

MISS FITT - Realmente... Sabedo que mais, Mrs. Rooney, acho quenão é nem um pouco prudente desua parte sair de casa.

o MRS. ROONEY(com violência) ­Desçi aqui, Míss Fitt, e dê-me seubraço antes que eu faça um escân­dalo. (Pausa. Ven to. Som de MissFitt descendo os últimos degraas.)

MISS FITT (resignadamente) ­Bem, acho que éassim quedeve agiruma boa protestante.

MRS. ROONEY - As formigasprocedem assim entre si. (Pausa.)Tambémvi lesmas agirem da mesmaforma. (Miss Filt oferece enfatica-

mente o braço.) Não, o outro lado,queridinha, se não se incomodar.Como se não bastasse, ainda porcima, sou canhota. (Elatomao bra­çodireito deMiss Fitt.) Meu Deus,coitadinha, vocêé um saco de ossos,menina; precisa botar corpo! (Somdeseus esforços para subir, apoiadano braço de Miss Fitt.) Isso aqui épior que o Matterhorn. Já subiu noMatterhorn, Miss Fitt! Lugar idealpara lua-de-nell (Barulho de esfor,.forças.) Não entendo porque elesnão põemum corrimão. (Ofegante.)Espere eu tomar um pouco de ar.(Pausa.) Não me larquel (Miss Fittcantarola um hino. DeDais de uminstante, Mts. Rooney él acompanhacoma letra da música.) .,. aescuri­dão queaprisio-o-na (Miss Fitt párade cantarolar.) Me põõõe emfo-o­o-qo, (Forte.) A noite é escura eestou longe do la-ar, me põõõe. mepõõõe...

Mlss FITT (histérica) - , Chega,Mrs. Rooney, pare comisso ou eularqo a senhora!

MRS. ROONEY - Nãoeraisso que'c!es cantavam no Lusitania? Ou noRock of ages! Dev'a ser comovente.Ou será que foino Titank?(Atraídopelo barulho. um grupo" incluindoMr. Tyler,.Mr. Barrell e Tommy,reúne-se no altoda escada.)

MR. BARRELL - Que diab .. .(Silêncio. )

MR. TVLER - Dia maravilhosopara as corrigas. (Gargalhada deTommy lego interrompida por Mr.BarreU que lhe dá um soco na estô,.mago. Tommy emite um somcom­patível com a agressão.)

VOZ DEMULHER (estridente) ­O~he, Dolly, olhe!

DOLLY- O quê, mamãe!

VOZ DE MULHER - Elas estãoimprensadas! (Risoagudo.) Elas e...•tão imprensadas!

MRS. ROONEY- Viramos motivode chacota para os vinte e seis con­dados. Ouseráquesão trinta eseis!

MR. TYLER- Bela maneira detratar seus indefesos subordinados,Mr. Barrell, desfechando-lhes, semaviso prévio, socos na boca do es­tômago.

MISS FITT - Alguém viu minhamãe!

MR. BARRELL- Quemé!TOMMY - Miss Fitt, aquela moça

morena.MR. BARRELL - Não dá nem para

ver a cara dela .. . ' ..MRS. ROONEY - Agora, qu~r,idi­

nha, podemos ir, se quiser. .. '(ElaslJen~em os degraus, que fa ltavam.)Afastem-se, qrosseírões] (Arrastarde pés.)

VOZ DE MULHER - Cuidado,Dolly!

MRS. ROONEV- Obrigada,"MissFitt, obrigada. Agora basta meapoiar contra a parede como se eufosse um rolo de lona. (Pausa .) Sin­to muto por toda essa confusão,Miss Fitt, tivesse eu sabido que es­tava à procura de sua mãe, não ateria importunado, sei o que é ísso.

MR. TYLER (de parte, estarreci­do) - Confusão!

VOZ DEMULHER - Venha, 001­Iy, venha, meu anjinho. vamos ficara postos antes que cheguem os fu­mantes da primeira classe. Dêa mãoesegure bem, quem não toma cuida­do, pode até ser sugado . . .

MR. TYLER- Perdeu sua mãe,Miss Fitt!

MISS FITT - Bomdia, Mr. Tyler,MR. TYLER- Bomdia, MissFítt.

.....

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MRoBARRELL -- Bomdia, MíssFitt.

MISS FITT -- Bom dia, Mr. Bar"rell,

MR. TYLER-- Perdeu sua mãe,Miss Fitt!" MISS FITT-- Ela disse que viriano último trem.

MRS. ' ROONEY -- Não pensemque, só porque estou em silêncio, fuisuprimida. Estou bem viva e atentaa tudo o que se passa.

MR. TYLER (pa ra Miss Fitt) -­Por último trem a senhorita enten­de .'..

MRSoROONEY -- Não se iludam'nempor um momento. Não é por"que pareço indiferente que meus so­frimentos cessaram. Não. A cenaconpleta. as colinas, a planicie, ocam po de corrida commilhas e mi­lhas de raias brancas e três tribunasvermelhas e essa estaçãozinha linda,à margem da cidade e até vocês

' mesmos, é.. . vocês mesmos, nãoestou br'ncando epor sobre esse azulnublado, eu vejo tudo, eu estou aquie vejo tudo com olhos." (A vozentrecortada.) ... através de olhos .. .ah! sevocês tivessem seus olhos en­tender:am. . . as coisas que essesolhos viram o" sem se desviarem o..isso não é nada ." nada ..'. onde éque eu enfie,j o lençol Pausa.

MRoTYLER (para Miss Fitt) -­Por último trem a senhorita enten­de (Mrs. Rooney assoa-se demora"da e ruidosamente.) Quando a se­nhorita mencionou oúl timo trem es­tava se referindo ao de neio-dia ene'a não!

MISS FITT -- É óbvio, Mr. Tyle.Que outro trem poderia ser!

MR. TYLER -- Então não precisaficar nervosa, Miss Fitt, porque oexpresso de meio-dia e meia ainda

não chegou. Olhe. (Miss Fitt olha.)Não, acima da linha. (Miss Fittolha. Pacientemente.) Não. MissFitt , siga a direção do meu dedoindicador. (Miss Fitt olha.) Lá. Es"tá vendo! O sinal. A verdade nuae crua é que o ponteiro aponta parao nove. (Num adendo amargo.)Quemme dera que estivesse apon­tando para o três.. . (Mr. Barrellabafa llma gargalhada.) Obrigado,Mr. Barrei!.

MISS Fnr -- Mas já são qua-se --

MR. TYLER (paeien tement~) -­Todos nó s sabemos, todos nós sa­bemos muito bem que já está lican­do muito tarde, mas a verdade nuae crua é que o expresso de meo-díae meia ainda não chegou.

MISS FITT -- Deus queira quenão tenha havido um ac'dentel(Pausa.) Oh! querida mamãe! Como linquado fresco para o almoço!Gargalhada abafada de Tonny, re­preendido como antes por Mr. Bar"rell

MR..BARRELL -- Estou farto dassuas qracinhas, seu id 'ota Chispapra cabine e vê se Mr. Case temalguma notícia. (Tommy vai.)

MRS. ROONEY (tristemente) -­Pobre Dan!

MISS FITT (angustiada) -- Quehorror! O que será que aconteceu?

MR. TYLER -- Ora, vamos, MissFitt, não --

MRS. ROONEY (com veemente tris"teza) -- Pobre Dan!

MR. TYLER -- Ora, vamos, MissFittonão se deixe tomar... pelodesespero, tudo vai dar certo ." nofim. (À parte, para Mr. BaueU.)Qual é, realmente, a situação, Mr.BarreI!! Quero crer que não se trata

de uma colisão, não é mesmo, Mr.Barrell1

MRS. ROO NEY (horrorizada) __Uma colisão! Eu sabia!

MR. TYLER -- Venha, Miss Fitt,vamosdar um pulo atéa platalorma

MRS. ROO NEY -- Isso, vamos to"dos até lá. (Pausa.) Nãol (Pausa.)Mudaram de idéia! (Pausa.) Tam­bém acho, estamos melhor aqui, nasombra da sala de espera.

MR. BARRELL -- Desculpem-meum momento.

MRSoROONEY -- Por favor, Mr.Barrell, antes que o senhor escape,insisto em que nos preste algum es­c1arecimento. Raciocinemos : nenhumtrem, por mais lento que seja, seatrasa dezminutos num percurso taocurtocomoessesemuma boa causa.(Pausa .) Todo mundo sabe que suaestaçãoéa mais bem conservada detoda a rede ferroviária. Porémissonão basta Não hasta de [orma ai"numa, (Pausa.) Mr. Bartell, parede colíar os binodes. Estamos espe­rando seus esclarecimentos -- nós,os parentes mais cheqados e quiçáos ma's amados, ~ e seus desgraça.do~ nassaoeiros, (Pausa.)

MR. TnER (TUlm tom pondera"do) -- Realmente. acho que nos de­vemalgum tipo de explicação. Mr.Barrell, ao menos para tranq üíli­zar-nos,

MR. BARRELL-- Nãosei de nada.Tudo o que sei é que houve um im­pedimento. O tráfego ficou retido.

MRS. ROONEY (mordaz) -- Trá"fe~6 ret 'dol Impedimento! Ah!essescelibatários! Estamos aqui, o cora­ção apertado por causa dos nossosentes queridos e ele chama isso de"impedimento!" Aqueles dentre nósque, como eu, têm o coração e osrins abalados, podematé ser acome- 31

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II11

III

II

II

tidos de um mal súbito. E ele chama MRS. ROONEY ,... Danl Até que I MRS. ROONEY (infeliz) ,... Esqae-isso de um "impedimento!" Em nos- enfim! (Passos arrastados de Mrs. I ci! Levei tanto tempo para chegarsos fornos o assado de sábado está Rooney que se apressa para ele. Ela aqui! Esse monte de gente horren..se esturricando e ele chama isso de o alcança. Eles estacam.) Onde é da e desagradável. (Pausa. SupU..imp... que você se enfiou? cante.) Seja bonzinho comigo, Dan.

MR. TYLER"" Olha, lá vem o MR. ROON EY (friamente) ,... Seia bonzinho comigo hoje!Tommy! Correndo! Inacredit,ável! Maddy. MR. ROONEY,... Dê um trocadoValeu a pena ter vivido até hoje só MRS. ROONEY ,... Onde é que ao qaroío.para presenciar esta cena. você estava esse tempo tcdol MRS. ROO NEY ,... Aqui duas aoe-

TOMMY (de longe, muito agitado) MR. ROONEY ,... No reservado. dinhas. Corre e vai comprar um pi-

,... Está chegando. (Pausa . Mais MRS. ROONEY ,.- Me dá um beijo! rulito.perto.) Já está na passagem de nível! MR. ROONEY ,... Beijar vccê? Em JERRY ,... Sim senhora.(Imediatamente sons da estação bem 'bl' 7 N I t f 7 N f t MR. ROONEY ,... Venha na sequn-. pu ICO. a paa orma. a ren e dexagerados. Campainhas. Apitos. d t 7 P d ., 7 a, se eu ainda estiver vivo.

d d. d o qaroo. er eu o JUI ZO . JCresceu o o apIto o trem que se I . _ ERRY,.- Sim senhor. (Elesai cor-

. B Ih d t . n I MRS. ROONEY ,... O Jerry nao se rendo. )aproxIma. aru o o rem que e·. - 'J 7tra na estação.) Importa, nao e: erry. MR. ROONEY ,... Poderíamos ter

MRS. ROO NEY (por sobre o baru. JERRY ,... Nao, madame.. economizado seis pences. Econoní-lho do trem) ,... O expresso!O ex. MRS. ROONEY - Como vai seu zamos cinco pentes. (Pausa.) Maspresso! (O expresso vai parando, o pobre pai1 a que preço? (Eles camí'nham pelavagão de pa~sag eiros se aproxima, JERRY"" Levaram ele embora, plata formade braços dados. Passosentra na estação, o trem freia com madame. arrastados" arquejar, barulho dagrande chiado de vapor e barulho MRS. ROONEY - Então você está bengalaque bate no chão.)de engrenagem. Barulho de passa. completamente só. MRS. ROO NEY ,.- Você não estágeiros descendo" portas batendo, Mr. JERRY ,... Sim. madame. se sentindo bem? (Eles estacam porBarre/l gritando llBoghill! Bo~hill! MR. ROONEY ,... Por que é que iniciativa de Mr. Rooney.)etc. Grito estridente.) ,... Dan! Você você veio sem me avisar? MR. ROONEY ,... De uma vez por

.está bem1... Mas cadê eld. .. ' MRS. ROONEY ,... Queria fazer todas, não me peça para falar e an-Dan!. " Viu meu maridol., Dan!... uma surpresa. Pelo seu aniversário. dar ao mesmo tempo. Não quero ter(Barulho 'da estação se esvaziando. MR. ROONEY ,... Meu aniversári01 de repetir isso nunca mais na minhaApito do guarda Partida do trem M R N- I b 7E I vida. (Eles andam. Passos arrasa-'. _ RS. OONEY,... ao em ra . uque desaparece. SilêncIO.) Ele nao di llQ t d t it dos, etc. Eles estavam no alto da. isse: ue es a aa se repi a por d ).veio! E todo o solrimento que eu . I" L b 7N b h ' esca a.

f., ' EI muitos anos. em ra. o an erro, H R V • ..

'en rentei para vir ate aqui.v. e M R N- ' lVIRS. OONEY - oce nao ,...não veio no trem!... Mr. BarrellL.. R. ROONEY"" M

aoOUVI. ' Ih MR. ROONEY - Primeiro vamos

Como é possível1 (Pausa.) Oque é ~1RS. OONEY,.- a: eu .ate e vencer este precipício.quehá? Parece que osenhor vJu um dei esta gravata que voceesta usan- MRS. ROONEY ,.- Apóie-se no meufantasma. (Pausa.) Tommy!. .. Ele do agora. (Pausa ,) ombro.não veio? MR. ROONEY - Quantos anos eu MR. ROONEY ,.- Você andou be-

TOMY _ Ele já vem, madame, I tenho agora1 bendo de novei (Pausa.) Está tre-[erry está cuidando dele. (Mr. Roa· MRS. ROONEY ,... Ora, não se mendo como um pudim. (Pausa.)ney de repente aparece na p/atafar. preocupe com isso. Venha. Vccê está em condições de me guiar1ma, caminhando apoiado no braço MR. ROONI:lY ,... Por que você não (Pausa.) Vamos acabar caindo nado pequeno Jerry. Ele é cego c bate cancelou os serviçosdo qaroto? Ago- vala.no chão com a bengala e ofega in· Ira vamos ter que lhe dar um tro- MRS. ROONEY ,... Oh! Dan! Será

32 cessantementc.) cado. como nos velhos tempos!

....

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'"

MR. ROONEY - Contenha-se oueu mando Tommy buscar o téxi. Eentão, em vez de termos economiza­do seis pences, não, cinco pences,teremos perdido.. . (Murmúrio decálculo.) ." dois e três menos seisum e zero mais ume zero mais trêsum e nove e um dez e três dois eum .. . (Voz normal.) Dois e um,quando euconcluir estes cálculos te­remos ficado mais pobres dois shil­lingse um penny. (Pausa.) Malditosol, se escondeu. Como está o céu?(Vento.)

MRS. ROONEY - Encoberto, en­coberto, o melhor já passou. (Pau­sa). Logo as primeiras gotas gros­sas vão cair, plaft, pla lt. na poeira.

MR. ROONEY - E o barômetroindicando tempo firme.. . (Pau sa.)Aviemo-nos para casa. Vamos sen­tar diante do fogo. Cerraremos ascortinas. Você vai ler para mim.Acho que Effie vai trair o maridocom o major. (Breve arrastar depés.) Espere! (Cessam os passos.Bengala batendo nos degraus.) Jásubi e desci estes degraus cinco milvezes e ainda não sei quantos são.Quando acho que são seis são qua­tro ou cinco ousete ou oito quandoeu lembro que na verdade são cincosão três ou quatro ou seis ou setee quando afinal eu chegoà conclusãode que são sete, há cinco ou seisou oito ou nove. Às vezes eu meperqunto se eles não vêm à noitemudá-los. (Pausa. Irritado.) Bem?E hoje? Quantos vão ser?

MRS. ROONEY - Não me peçapara contar, Dan. Não agora.

MR. ROONEY - Recusa-se a con­tar! Mas essa é uma das poucasalegrias da vida!

MRS. ROONEY - Degraus, não,Dan, por favor, eu sempre me en..

gano. Ai você poderia cair sobrea sua ferida e eu teria ma is essa nomeu rol de culpas, além de todas asoutras, claro. Não, agarre-se em mime tudo vai dar certo. (Barulhocon­fuso dedescida. Arquejos" tropeços,jaculatórias, imprecações. Silêncio.)

MR, ROO NEY - Certo!É isso quevocê chama de "dar certo!"

MRs. ROONEY - Ao menos che­gamos. Sãos e salvos. Dos males omenor. (Silêncio. Um burro zurra.Silêncio.) Eis aí um burro de ver­dade. Burro de pai e mãe. Legítimo.(Silêncio.)

MR. ROO NEY - Sabedoque mais,acho que vou me aposentar.

MRS. ROONEY (boquiaberta) ­Se aposentar! E ficar em casal Vi­~endo de pensãol

MR. ROONEY - Nunca mais terde pôr os pés nestes malditos de­graus. Nunca mais ter de me arras­tar por esta maldita estrada. Sentarem casa sobre o que restou do meutraseiro, contandoas horas até a re­feição seguinte. (Pausa.) Só de penosar nisso recobro oânimo. Depressa,antes que ele arrefeça. (Eles cami.nham. Passos arrastados, arquejos,benqa1a talteando.)

MRS. ROONEY - Agora cuidadocom a calçada... Suba!.. . Ótimo!Agora estamos a salvo e na reta decasa.

MR. ROONEY (sem estacar, entrearquejos) ..... Asalvo. . . Uma reta!Ela acha que isso é uma reta . ..

MRS. ROONEY - Psst! Não faleenquanto caminha, você sabe quenão é bom para suas coronárias.(Passos arrastados, etc.) Ccncen­tre-se apenas em pôr um pé diantedo outro, ccmpreendei (Passos ar"rastados, etc.) ' Assim, assim, esta..

mos indo 'muitobem. (Passos arras­tados, etc. Eles estacamsubitamentepor iniciativa de Mrs. Rooney.)Céus! Eu sabia que tinha uma outracoisa! Comtoda essa agitação aca­bei esquecendo!

MR. ROONEY (calmamente) _Meu Deus, vai começar.

MRS. ROONEY - Mas você temque saber, Dan, claro, você estavalá. Afinal, o que foi que aconteceu1Conte!

MR. ROONEY ..... Não me constaque tenha acontecido nada.

MRS. ROONEY - Mas você temque -

MR. ROO NEY (com violência) .....Essa história de parar e andar, pa..rar e andar é infernal, infernal!Quando venço a inércia e o movi­mento se apodera de mim, você párade repente! Cem quilos de celulitelQue diabo! O que é que te deu praresolver vir me esperar] Me larga!

MRS. ROONEY (muito agitada) ­Não, eu tenho que saber, não vamosdar um passo enquanto você não mecontar. Quinze minutos de atrasonum trajeto de meia hora!É inacre..ditável!

MR. ROO NEY - Nãosei de nada,Me largue antes que eu te dê umsafanão.

MRS. ROONEY ..... Mas você temque saber. Você estava lá! Foi napartida! Vocês saíram na hora?Oufoi no caminho? (Pausa.) Aconteceualguma coisa no caminho? (Pausa .)Dan! (Voz entrecortada.) Por queéque você não quer me contar? (Si..lêncio. Eles caminham. Passos ar­rastados, etc. Eles estacam..Pausa.)

MR. ROONEY - Pobre Maddyf(Pausa. Gritos de crianças.) Oquefoi isso? (Pausa para Mrs. Rooneyverificar. ) 33

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34

MRs. ROONEY ,.- Aqueles gêmeoszombando de nós. (Grifas.)

MR. ROONEY,.- Será que hojeeles vão nos atirar lama! O que éque você acha!

MRS. ROONEY ,.- Vamos darmeia-volta eencará-los. (Gritos. Elesse viram. Silêncio.) Ameace-os coma bangala. (Silêncio.) Fugiram,(Pausa.)

MR. ROONEY ,.- Algum dia vocêjá desejoumatar uma criança! (Pau­sa.) Decepar um jovem destino emflor. (Pausa.) Muitas vezes, na es­curidão das noites de inverno, a ca­minho de casa, eu estive prestes aatacar ogaroto. (Pausa.) Pobre [er­ry! (Pausa.) Oque será que me de­teve! Não foi o medo dos homens.(Pausa.) Que tal agora andar umpouco de costas!

MR. ROONEY ,.- É. Ou você defrente e eu de costas. O par perfei­to. Como os condenados de Dante,com o rosto ao contrário. Nossas1ágrimas vão molhar nossos trasei-ros.

MRS. ROONEY ,.- O que é isso,Dani Você não está bem.

MR. ROONEY ,.- Bem!Quando foique você me viu bem! No dia emque você me conheceu eu deveriater ficado na cama. No dia em quevocê me pediu em casamento, osmédicos me desenganaram.Vocêsa­bia disso, não sabia! Na noite emque você casou comigo, eles vieramme buscar de ambulância. Você nãose esqueceu disso. não é! (Pausa.)Não, não se pode dizer que eu es­teja bem. Também não piorei. In­clusive estou melhor do que antes.Aperda da visão foi um grande es­tímulo. Se eu também me tornassesurdo e mudo acho que poderia mearrastar até os cem anos. Ou seráque já tenho cem anos! (Pausa.)

Fizcem anoshoje! (Pausa.) Fiz cemanos, Maddyl (Silêncio. )

MRS. ROONEY - Tudo quieto.Não se vê viva alma. Ninguém aquem perguntar. O mundo se ali­menta. Ovento{Breve lu fada.} agi­ta de leve as folhas e os pássaros(Breve chilreio. ) cantam exauridos.As vacas (Breve mugido.) e os car­neiros (Breve balido.) ruminam emsilêncio. Os cães {Breve latido.}mergulharam no sono e as galinhas(Breve cacarejar.) adormeceram es­parramadas na poeira. Estamos sós.Ninguém a quem perguntar. (Si-lêncio.)

MR. ROONEY (lim pando agargan­ta, tom denarração) ,.- Saímos nahora prevista, posso assegurar. Euestava -

MRS. ROONEY - Como é quevocê pode assegurar!

MR. ROONEY (tom normal, mascom raiva) - Eu posso assegurar,estou dizendo! Quer que eu fale ounâo? (Pausa. Tomde narração.) Nahora exata. Eu estava sozinho nacabine, como sempre. Pelo menos es­pero que sim, porque não fiz nadapara me refrear. Meu pensamento(Tom normal.) Por que não senta­mos emalgum lugar! Será queesta­mascam medo de não poder nuncamais levantar!

MRS. ROONEY ,.- Sentar onde!MR. ROONEY - Num banco, por

exemplo.MRS. ROONEY - Nenhum banco

por perto.MR. ROONEY,.- Então no barran­

co. Vamos nos acomodar no bar-ranco., MRS. ROONEY - Nenhum bar-ranco por perto.

MR. ROONEY ,.- Então não pode­mos. (Pausa.) Sonho comoutras es­tradas, em outros países. Com outro

lar, outra (Hesita.) Outra casa.(Pausa.) O que é que eu estavamesmo tentando dizer?

MRS. ROONEY - Algo sobre oseu pensamento.

MR. ROONEY(asS'Jstado) ,.- Meupensamento? Temcerteza! (Pausa.Incrédulo.) Meu pensamento! (Pau­sa.) Ah, sim. (Tomde narração.)Sozinho na cabine, meu pensamentocomeçou a trabalhar, como freqüen­temente me acontece, depois do ex­pediente, a caminho de casa, notrem, embalado pelo uivo dos fan­tasmas. Mas como eu ia dizendo, otiquete econômico custa 12 poundspor ano e ganha-se, em média, setevírgula seis por dia, o que significaque mal dá paravocê semanter vivoe ativo à base de sanduíche, caíezi­nho, cigarro, jornais e revistas, atéfinalmente conseguir chegar em casae desabar na cama. Aoesrente-se aisso ,.- ou subtraia-se desse total ­aluguel, papelada, assinaturas dissoedaquilo,passagens de trem pra bai­xo e pra cima, luz e aquecimento,alvarás e licenças, barbeiros e maisbarbeiros, gorjetas para os guias,manutenção do prédio e das apa­rências e mil inespecificáveis varie­dades e é óbvio que, ficando emcasa dia e noite, deitado na cama,inverno everão, trocando de pijamaa, cada quinze dias, você pode au­mentar consideravelmente os pró­prios ganhos. Negócios ..... eu ia di­zendo ..... (Um grito. Pausa. Nova­mente. Tomnormal.) Foi mesmo umgritO!, MRS. ROONEY ..... É Mrs. TuIly.Acho. Ocoitado do marido dela so­fre muito e bate nela sem dó nempiedade. (Silêncio.)

MR. ROONEY..... Mas agora foi deleve. (Pausa.) Oque era mesmo queeu estava tentando dizer1

, .

.,1 _ . ......

\

. 1.

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rMRS. ROONEY - Negócios.MR. ROONEY - Negócios. (Tom

de narração.) Negócios, meu velho,falei com meus botões: aposente-sedeles, já que eles seaposentaramdevocê. (Tom normal.) A pessoa àsvezes tem desses momentos de lu­cidez.

MRS. RoaNEY - Estou commui­to frio e me sentindo muito fraca.

MR. ROONEY (tom de narração)- Por outro lado, eu disse a mimmesmo, há os horrores da vida do­méstica, espana çâo, varreçâo, areja­ção, esfregação, enceração, arruma­ção, lavação, passação, secação, cor­tação de grama. aparação de planta,jardinação, afofação de terra, esbu­racação e plantação, moeção, rasga­ção, sovação, socaçãoebateção. Semfalar nos pirralhos endiabrados davizinhança gritando sem parar a ple­nos pulmões todo santodia. Eé piorainda nos fins-de-semana. Não res­peitam nem o sagrado dia do des­canso. Mas afinal, o que é um diaútil! Uma quarta-feira? Uma sexta­feira! O que é afinal uma sexta-fei­ra! E eu me pus a pensar naquelasilenciosa rua sem saída, enosubso­lo do edifício onde uma placa es­maecida ind ica meu escri tório : meudivã, as tapeçarias de veludo...

Pus-me a pensar no que significaser um enterrado-vivo, ainda que sódas dez às cinco, tendo à mão filéde peixe defumado cortado em fa­tias finas e a cerveja habitual ...Nada, comoeuiadizendo, nem mes­mo a morte sacramentada, podesubstituir isso. Foi então que euper­cebi que estávamos num impasse.(Pausa. Tom normal. Irritado.) Porque é que você está se pendurandoassim err, mim? Desfaleceu?

MRS. ROONEY- Estou muito fra­ca e com muito fr io. O vento (O

vento zune.) sopra através do meuvestido de verão como se eu esti­vessesóde calcinha. Nãocomi nadade sólido desde as onze da manhã.

MR. ROONEY - Você nem liga.Eu falo e você ouve o vento.

MRS. ROONEY - Não, não, soutoda ouvidos, conte tudo. Depoisapressar-nos-emose,sem trégua nemrepouso, trilharemos nosso caminhoaté alcançarmos, incólumes, o porto.(Pausa.)

MR. ROONEY - Sem trégua nemrepouso . . . incólumes ao porto . . .Sabe, Maddy, às vezes parece quevocê luta comuma línqua morta.

MRS. ROONEY ,..... Deveras, Dan,compreendo perfeitamente o quevocê está dizendo, muitas vezes te­nho essa sensação; é indizivelmenteinsuportável.

MR. ROONEY - Devo confessar,que, às vezes, sinto a mesma coisa,quando me acontece ouvir, por aca­so, o que eu próprio estou dizendo.

MRS. ROONEY - Bom. verdadeseja dita, a língua vai acabar mor­rendo mesmo, mais cedo ou maistarde, exatamente comonosso pobree querido gaélico. (Balido insis­tente.)

MR. ROONEY (atônito) - BomDeus!

MRS. ROONEY - Ah! o carneiri­nho branquinho, berrando para cha­mar a mamãe! Ele quer mamar! Adeles não mudou desde a Arcádia,(Pausa.)

MR. RoaNEY - Onde é que euparei o meu relato?

MRS. ROONEY - Numa parada.MR. ROONEY - AlI é! (Lim pa a

garganta. Tom de narração.) Con­cluí, naturalmente, que tínhamos en­trado numa estação e que logo reto­maríamos a viagem, então, continuei

sentado semme preocupar. Nenhumruído. As coisas estão muito para­das hoje, pensei com meus botões,ninguém sobe, ninguémdesce dessetrem. Como o tempo foi passando enada aconteceu, compreendi meuerro. Não tínhamos entrado numaestação.

MRS. ROONEY .... E por que vocênão deu um salto e pôs a cabeçapara fora da janela?

MR. RoaNEY ,..... E de que é queisso ia me valer?

MRS. RoaNEY - Ora, chamassealguém e perguntasse o que é queestava acontecendo.

MR. ROONEY ,..... EiS50 lá me im­portava? " Não, eu continuei sen­tado, pois mesmo se aquele tremnunca mais saísse do lugar eu nãoligaria a mínima. Então, aos poucosum - como se diz? -- um desejopungente de .. . compreende? Umdesejo irrompeu dentro de mim .. .Nervoso, provavelmente. Ap,ora te­nhocerteza: era a sensação de estarenclausurado, compreende?

MRS. ROONEY .... Se,i. sei , já pas­sei por isso.

MR. RoaNEY ,..... Se ficarmos aquipor muito tempo, disse para mimmesmo, não sei o que é que sou ca­paz de fazer. Levantei e comecei aandar pra láepra cá entreos assen­tos, como fera enjaulada.

MRS. ROONEY - Às vezes issoajuda.

MR. RoaNEY ,..... Depois do queme pareceu uma eternidade, sim­plesmente recomeçamos a viagem.A primeira coisa que escutei depoisdisso foi Bmell berrando o nomeexecrável Desci e Jerry me levouao reservado, ao toalete, coma, pelanova ortogra fia. (Pausa. ) O restovocê já sabe. (Pau.r, .) Você não diz 35

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P.

26

nada? Diga alguma coisa, Maddy.Diga que acredita em mim.

MRS. ROONEY - Lembro de terassistido uma vez a uma conferênciade um desses novos médicos de ca­beça, esqueci como se chamam. Eledisse -

MR. ROONEY - Umespecialistaem lunáticos?

MRS. ROONEY - Não, não, espí­ritos atormentados, apenas. Eu tinhaa esperança de que ele pudesse es~

c1arecer algo que tem me preocupa­do por toda a minha vida: minhaobsessão por ancas de cavalo.

MR. ROONEY - Um neurologista.MRS. ROONEY - Não, não falo

da exaustão mental, onome me es­capa, tenho certeza de que, à noite,o nome me virá.

Lembro dele contando-nos a his­tória de uma menina, muito estra­nhae infeliz e de comoele a tratou"sem resultado, durante anos a fio,sendo. finalmente, obrigado a deSIS­tir do caso. Ele não conseguiu en­contrar nada de errado nela, segun­do o que nos disse. Oúnico proble­ma que ele pôde detectar é que elaestava morrendo. E ela efetivamentemorreu, pouco depois de ele terabandonado o caso.

MR. ROONEY - E daí1 O que éque há de tão extraordinário nisso?

MRS. ROONEY - Nada. Foi umacoisa que ele disse que me assombradesde aquela época. Não tanto oqueele disse mas a forma de dizer.

MR. ROONEY - Evocê passa noi­tes enoites virando de um lado parao outro na cama e remoendo isso.

MRS. ROONEY- Isso e outros ...horrores. (Pausa.) Quando acaboua história da menina, ele ficou lá,parado, imóvel, durante algum tem­po, uns dois minutos, talvez, olhan-

do fixamente para baixo, para a I MRS. ROONEY - Vamos, bemmesa. Aí, de repente, ele levantou a bem, não ligue para mim, estamoscabeça e exclamou, como se tivesse ficando encharcados.tido uma revelação: o problema é MR. ROONEY (com violência) -que ela nunca tinha realmente nas- Quem pode o quê?cido! (Pausa.) Ele falou de impro- MRS. ROONEY - Mulas, procriar.viso, sem ler nada, do começo ao (Silêncio.) Você sabe, as mulas oufim. (Pausa.) Eu sai antes de ter- asnos ... eles não são improlí ficosminar. ou estéreis nem nada no gênero.

MR. ROONEY _ Nada sobresuas (Pausa.) Não foi no lombo de umancas? (Mrs. Rooney chora. Num potro não, sabei Perquntei ao Pro-tOm de queixa afetuosa.) Maddy! fessor de Teoloqía. (Pausa.)

MRS. ROONEY _ Não há nada MR. ROO NEY - Ele deve saber.que se possa fazer por essas pessoas! MRS. ROONEY - Claro. Foi,numa

MR ROONEY N as mula; Ele entrou em Jerusalemou. - em por ess .,

nem por ninguém. (Pausa.) Seja sei la aonde, montado numa mula.

f. - f h (Pausa.) Isso deve significar algo.

como ar, ISSO nao az nen umsen- , .tid (Pa ) E t d f t a (Pausa.) E como os pardais que,I o. lisa. sou e rene pard

7 muitos dos quais valem menos doon e. , EI ~ b I

M R O-7 que nos. es nao eram a souta-

RS. OONEY - que. t d .. men e par atS.MR. ROONEY - Esquec para que MR. ROO NEY _ Que muitos dos

lado estou virado. . - ' dV

_ . d quais. . . voce esta exaqeran oMRS. R?ONEY - oce VIroU e Maddy.

lado e esta debruçado sobre a vala. MRS. ROONEY (emocionada) _MR. ROO NEY - Tem umcachorro Não eram absolutamentepardais, de

morto lá. jeito nenhum.MRS. ROONEY - Não, não, são MR. ROONEY - Isso aumenta o

só folhas apodrecendo. nosso preço? (Silêncio. Caminham.MR. ROO NEY - Em junho? Fo- Vento e chuva. Passos arrastados,

lhas apodrecendo em junho? I etc. Eles estacam.)MRS. ROO NEY - Meu querido, MRS. ROO NEY - Você quer um

são as folhas do ano passado e as pouco de esterco? (Silêncio. Eles ca-do ano retrasado e as do ano ante- minham. Vento e chuva, etc. Elesrior, (Silêncio. Vento dechuva. Eles estacam.) Por que você parou?Quercaminham. Passos arrastados, etc.) dizer algo?Olha aí de novo meu lindo laburno. MR. ROO NEY - Não.Coitado, está perdendo todos os ca- MRS. ROONEY - Então por quechos. (Passos arrastados.) Chuvis- parou?co de ouro. (Passos arrastados, etc.) MR. ROO NEY - É mais fácil.Não ligue. " estou falando sozinha. MRS. ROO NEY - Você está muito(Chuva mais forte. Passos arrasta- molhado?dos, etc.) As mulas podem procriar, MR. ROONEY - Até os ossos .. .acho. (Eles estacam por iniciativa de MRS. ROONEY - Até os ossos?Me. Rooney.) MR. ROONEY - Osso, do latim

MR. ROONEY - Repita. ossu.

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MR. ROONEY ,.... Ouvi alguma COi-, MR. ROONEY - Se eu estiver vivosa atrás de nós. (Pausa.) até lá.r

MRS. ROONEY' """ Vamos pôr nos­sas roupas para secar e enfiar nos­sos roupões. (PfVJ sa .) Passeobraçoem volta de mim. (Pausa.) Seja ho­zinho comigo! (Pausa. Grata.) Isso,Dan! (Eles caminham. Chu va e ven­to. Passos arrastados, etc. A mesmamúsica ao longe, como antes. Elesestacam. Música mais nítida. Silên­cio, ouve-seapenas a música. Amú­síca some.) O dia todo o mesmovelho disco. Sozinha nesse casarão.Ela agora já deve estar bemvelhi­nha.

MR. ROONEY(indistintamente) ,.....A Morte e a Donzela. (Silêncio. )

MRS. ROONEY,.... Mas você estáchorando. .. (Pausa.) Esté cho­rando?

MR. ROONEY (com violência) ,.....Estou! (Eles caminham. Vento echuva. Passos arrastados, etc. Elesestacam. Caminham.Chuuae vento.Passos arrastados, etc. Eles esta­cam.) Que pastor vai se encarregardo sermão de amanhã? O pastor­titular?

MRS. ROONEY ,..... Não.MR. ROONEY- Deus seja louva..

do! Quementâo?MRS. ROONEY- Hardy.MR. ROONEY- "Como ser fe liz

emboracasado1"MRS. ROONEY - Não, não, ele

morreu, lembra? Nenhuma relação.MR. ROONEY- Ele já anunciou

o tema?MRS. ROONEY- "OSenhor sus..

têm todos os que caem e eleva to­dososqueestãoprosternados." (Si­lêncio.Caem ·ambos numagargalha..da selvagem. Caminham. Vento echuva. Passos arrastados, etc.) Meabrace mais forte, Dan! (Pausa.)Assim! (Eles estacam.)

MRS. ROONEY- Parece o Jerry.(Pausa.) É o Jerry. (Som dos pas..sos de ferry que se aproxima cor­rendo. Eleestauaao ladodeles, afe..gante.)

JERRY (ofegante) ,..... O senhordeixou cair essa -

MRS. ROONEY- Calma, calma,rapazinho, você vai acabar rompen­douma veia.

JERRY (ofegante) - O senhordeixou cair isso aqui. Mr. BarreI!me mandou' vir ccrrendo atrás dosenhor.

MRS. ROONEY- Deixe ver. (Elapega o objeto.) Que é isso? (Ela oexamina.) Oque é que ê isso, Dan?

MR. ROONEY ,..... Talvez não sejameu.

JERRY ,.... Mr. BarreI! disse queera.

MRs. ROONEY- Parece uma es­pécie de bola. Mas não é exatamen..te uma bola.

MR. ROONEY ,.... Me dê isso.MRs. ROONEY (dando) - O que

é isso, Dan?MR. ROONEY - É algo que eu

carrego comigo.MRs. ROONEY- Sim, mas o que

é-MR. ROONEY (comviolência) ­

É algo que eu trago comigo! (Silên­cio. Mrs. Rooney procura umamoeda.)

MRS. ROONEY- Não tenho di­nheiro trocado. Você tem?

MR. ROONEY- Não tenho di-nheiro nenhum. I

MRS. ROONEY - Não temos tro- Icada, Jerry. Lembre a Mr. Rooney ;na segunda.feira e ele lhe dará umagorjeta pelo trabalho que você teve.

JERRY - Certo.

JERRY ,.... Certo. (Jerry começa acorrer de voltapara a estação.)

MRs. ROONEY ,.... Jerry! (Jerryestaca.) Você sabe qu-al foi o pro­blema? (Pausa.) Você sabe o quereteve o trem por tanto tempo?

MR. ROONEY- Como é que elepoderia saber? Vamos.

MRS. ROONEY,.... Foi oquê, Jerry?JERRY,.... Foi uma ,....MR. ROONEY- Deixa o garoto

em paz, ele não sabe de nada. Va.mos!

JERRY,.... Foi uma criancinha, na­dame. (Mr. Rooney solta um ga­nido.)

MRS. ROONEY.- "Foi uma crían­cinha." O que é que você está que­rendo dizer com lsso?

JERRY .- Foi uma criancinha quecaiu do trem madame. Na linha, ma..dame. (Pausa.) Sob as rodas,madame. (Silêncio. ferry sai corren­do. Seus passos se perdem na dis..tância. Tempestade de vento e chu­pa. Ela abranda. Eles caminham.Passosarrastados etc. Eles estacam.Tempestade de chuva e vento.)

37.