19

Click here to load reader

BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

Embed Size (px)

DESCRIPTION

EISEGEL, Celso. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia de educação na USP

Citation preview

Page 1: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 1/19

589Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 3, p. 589-607, jul./set. 2013.

Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia daeducação na USP

Celso de Rui BeisiegelI

Resumo

O artigo fundamenta-se na participação do autor como aluno degraduação e pós-graduação no curso de Ciências Sociais da antigaFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de SãoPaulo (FFCL-USP). Considera também informações e experiênciaspor ele acumuladas como pesquisador do Centro Regional dePesquisas Educacionais (CRPE) de São Paulo (a partir de 1957) ecomo professor da disciplina Sociologia da Educação, após a criaçãoda Faculdade de Educação no âmbito da reforma universitária de1970. Situa a importância da visão de conjunto dos problemascolocados à disciplina no livro

 

Sociologia educacional , concluído em1940 por Fernando de Azevedo, e encontra em Florestan Fernandese, especialmente, em Antonio Candido os pontos de partida paraa investigação sistemática da educação sob uma perspectivasociológica. Nesse sentido, o autor apresenta os primeiros trabalhosde Luiz Pereira, hoje clássicos na disciplina, como admiravelmenteembasados nas orientações então encontradas em seus mestres Antonio Candido e Florestan Fernandes. Em seguida, examinaa crescente ampliação do número de pesquisadores e das basesinstitucionais de promoção da pesquisa em sociologia da educação,ampliação esta que sugere amplo elenco de questões sobre asituação atual da investigação sociológica no campo da educação.

Palavras-chave

Sociologia da educação — Origens da pesquisa — FFCL-USP eFEUSP.

I- Universidade de São Paulo,São Paulo, SP, Brasil.Contato: [email protected]

Page 2: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 2/19

590 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 3, p. 589-607, jul./set. 2013.

The early period of research in sociology of

education at USP 

Celso de Rui BeisiegelI

 Abstract 

The article draws from the author’s experience as an undergraduate

and later as a graduate student of the course on Social Sciences at

the old Faculty of Philosophy, Sciences and Letters of the University

of São Paulo (FFCL-USP). It also incorporates information and

experiences accumulated as a researcher at the Regional Center for

Education Research (CRPE) in São Paulo (from 1957 onwards) and

as a professor in the discipline of Sociology of Education after the

establishment of the Faculty of Education within the scope of the 1970

university reform. It situates the importance of the group overview

about the problems posed to this discipline by Fernando de Azevedo

in his 1940 book Sociologia Educacional (Educational Sociology),

and finds in Florestan Fernandes, and especially in Antonio Candido,

the starting points of the systematic investigation of education under

a sociological perspective. In this sense, the author describes the first

works by Luiz Pereira, today classics of the discipline, as admirably

grounded in the guidelines then found in his mentors Antonio Candido

and Florestan Fernandes. Next, the text examines the expansion in the

number of researchers and institutional support to the research in

the sociology of education, an expansion that raises a wide range of

issues on the current situation of the sociological investigation of the

 field of education.

Keywords 

Sociology of education — Origins of research — FFCL-USP and FEUSP.

I- Universidade de São Paulo, São Paulo,

SP, Brazil.

Contact: [email protected] 

Page 3: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 3/19

591Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 3, p. 589-607, jul./set. 2013.

 Apresentação

Kimi Aparecida TomizakiII

No ano de 2012, a área de Sociologia da Educação doPrograma de Pós-Graduação em Educação da Faculdade deEducação da Universidade de São Paulo (FEUSP), tendo em vis-ta adensar o debate acadêmico entre seus pesquisadores, tomou adecisão de iniciar uma série de seminários de pesquisa sobre dife-rentes temas a serem abordados por seus próprios docentes. Paradar início aos debates, pareceu-nos uma excelente opção abordar justamente o processo de constituição do campo da sociologia daeducação no Brasil, em especial, na Universidade de São Paulo.Certamente, ninguém poderia fazê-lo melhor do que o Prof. Celsode Rui Beisiegel – primeiro professor de Sociologia da Educação naFEUSP, logo após sua criação –, cuja trajetória poderia estabeleceras conexões, os encontros e os desencontros entre a consolidaçãoda disciplina na Faculdade de Educação e seu surgimento e desen- volvimento na Faculdade de Filosofia da USP.

Celso de Rui Beisiegel é professor emérito da USP, foi diretorda FEUSP e pró-reitor de graduação, além de ser autor de extensaobra sobre sociologia da educação. Graduado em Ciências Sociaispela USP (1958), na mesma Universidade concluiu mestrado emSociologia (1964), doutorado em Sociologia (1972) e livre-docên-cia em Educação (1981). Atuou na Secretaria de Educação e noConselho Estadual de Saúde do Estado de São Paulo, bem como noMinistério da Educação e na Fundação do Livro Escolar.

 Ao final do processo, o que inicialmente havia sido apenasum convite para um seminário de pesquisa transformou-se, nasmãos do Prof. Celso, em um belíssimo texto que analisa o surgi-mento da disciplina Sociologia da Educação e, mais do que isso,reflete de maneira crítica e lúcida sobre os principais impasses quea envolvem na atualidade. Restam-nos o aprendizado e o deleitecom a experiência desse mestre.

II- Professora de Sociologia na FEUSP, junto aoDepartamento de Filosofia e Ciências da Educação(EDF) e ao Programa de Pós-Graduação em Educação.Contato: [email protected]

Page 4: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 4/19

592592 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP

In 2012 the area of Sociology of Education of the Graduate

Program in Education of the Faculty of Education of the University of

São Paulo (FEUSP), with the purpose of strengthening the academic

debate among its researchers, decided to initiate a series of research

seminars on various themes to be conducted by its own faculty members.

It seemed to us an excellent choice to start the seminars by focusing

 precisely on the process of constitution of the field of sociology of

education in Brazil, and more specifically at the University of São Paulo.

Clearly, no one is in a better position to do it than Professor Celso

de Rui Beisiegel — first Professor of Sociology of Education at FEUSP,

shortly after its establishment —, whose trajectory brings together the

connections, the agreements and disagreements from the inception and

early development of this discipline in the Faculty of Philosophy of USP

until its consolidation at FEUSP.

Celso de Rui Beisiegel is Professor Emeritus of USP, was Dean of

FEUSP and Adjunct Rector of Undergraduate Studies of USP, and is the

author of numerous works on the sociology of education. A graduate in

Social Sciences from USP (1958), he obtained also from USP an MA in

Sociology (1964) , a PhD in Sociology (1972), and his livre-docência 

in Education (1981). He worked at the São Paulo State Secretary for

Education and at the São Paulo State Health Council, as well as at the

Ministry for Education and in the Fundação do Livro Escolar  (Schoolbook

Foundation).

By the end of the process, what had started as just an invitation to

give a research seminar had been transformed at the hands of Prof. Celso

into a beautiful text analyzing the creation of the discipline of Sociology

of Education and, more than that, reflecting critically and lucidly on the

main dilemmas confronting it today. It leaves to us the learning and the

delight with the experience of this master of his discipline.

Presentation

Kimi Aparecida TomizakiII

II-  Assistant Professor of Sociology at

Faculdade de Educação da Universidade

de São Paulo, Department of Philosophy

and Sciences of Education (EDF), and

Graduate Program in Education.

Contact: [email protected] 

Page 5: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 5/19

593Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 3, p. 589-607, jul./set. 2013.

Os primeiros tempos da

pesquisa em sociologia da

educação na USP

 Apresento, em seguida, algumas infor-mações e reflexões registradas a fim de atenderao convite das professoras Flávia Schilling eKimi Tomizaki para iniciar uma série de diálo-gos sobre a pesquisa em sociologia da educaçãona Faculdade de Educação da Universidade deSão Paulo (FEUSP). Começo pela delimitaçãoda abrangência destas observações. Não rea-lizei pesquisas sistemáticas sobre o objeto daexposição. Apresento somente resultados deimpressões colhidas ao longo de minha pas-sagem pela Faculdade de Filosofia, Ciênciase Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP) e pela Divisão de Estudos Sociais doCentro Regional de Pesquisas Educacionais deSão Paulo, nas décadas de 1950 e 1960. Fui alu-no de Fernando de Azevedo, Antonio Candidoe Florestan Fernandes no curso de graduaçãoem Ciências Sociais. Durante algum tempo,trabalhei como pesquisador junto ao Centro deSociologia Industrial e do Trabalho (CESIT), naCadeira de Sociologia I, e depois colaborei comFlorestan Fernandes no ensino de disciplinas desociologia da educação em cursos ministradosno Centro Regional de Pesquisas Educacionaisde São Paulo, nos primeiros anos da década de1960. Acompanhei as andanças de FlorestanFernandes na Campanha de Defesa da EscolaPública e participei de atividades de pesquisade Luiz Pereira na elaboração de seus estudosde mestrado e doutorado. Conversei com algunscolegas sobre os estudos de sociologia educa-cional nos primeiros tempos de seu ensino nocurso de Pedagogia da antiga FFCL.

Há algum tempo, diante de uma pergun-ta sobre os principais marcos de nossa discipli-na, afirmei ser difícil responder a uma questãoformulada assim, de modo tão amplo. Para es-treitar o campo de inevitáveis esquecimentos ouinjustiças, em resposta à questão, tomei comoponto de partida os primeiros tempos dos traba-lhos da disciplina na FFCL da USP. Afirmei en-

tão que, sob esse parâmetro, nenhuma reflexãosobre o desenvolvimento da disciplina poderiaignorar os estudos de Fernando de Azevedo ede seus primeiros assistentes, Antonio Candidoe Florestan Fernandes. Certamente se definem, já aqui, uma lacuna e um amplo elenco de te-mas para investigações sobre a influência dosprofessores estrangeiros contratados no pro-cesso de constituição da Faculdade de Filosofiaou mesmo na formação de outras escolas tra-dicionais, então envolvidas na criação daUniversidade de São Paulo. Convém observarainda que, no processo de fundamentação deposições, teóricas ou práticas, muitos de nos-sos antecessores atuaram como importantesprecursores da pesquisa no campo das ciênciasda educação, aí incluída a sociologia da edu-cação. O  Inquérito sobre a educação pública,realizado em 1926 por Fernando de Azevedopara o jornal O Estado de São Paulo, é um bomexemplo de investigação conduzida com vistasà formulação e à defesa de propostas de inter- venção na política educacional. Outro exemploé o Serviço de Medidas Educacionais criadopor Lourenço Filho na administração do ensi-no do Estado de São Paulo nos primeiros anosda década de 1930. Logo em seguida, em 1937e 1938, enquanto figura central nas iniciativasdo Ministério de Educação e Saúde no Governoda União, Lourenço Filho participou das gestões voltadas para a criação do INEP (Decreto_Leinº 580, de 30 de julho de 1938). Subdivididonas seções de documentação e intercâmbio, deinquéritos e pesquisas, de psicologia aplicada ede orientação e seleção profissional, o órgão foiimportante precursor da institucionalização dapesquisa educacional no país. Há muitos outrosexemplos nessa mesma direção. Mas, naquelesprimeiros tempos, nos estudos abrangidos nocampo da sociologia da educação, seguramentenão havia uma tradição de trabalhos que pu-dessem ser identificados como integrantes deuma prática sistemática de pesquisa científica.

Qualquer reflexão sobre as origens dapesquisa em sociologia da educação entre nósdeve considerar os trabalhos de Fernando de

Page 6: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 6/19

594594 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP

 Azevedo, Antonio Candido, Florestan Fernandese Luiz Pereira. Por seus estudos sobre a contri-buição de Mannheim para a análise sociológicada educação e, depois, sobre os estudantes e atransformação da realidade, bem como pelo tra-balho na organização da coletânea de leiturasEducação e sociedade   (PEREIRA; FORACCHI,1964), seria justo mencionar também MarialiceMencarini Foracchi. Outros nomes poderiam seracrescentados, mas, pelo menos sob meu pontode vista, sem igual contribuição para a confor-mação inicial dos estudos na área.

O livroSociologia educacional (AZEVEDO,1954), concluído em 1940 por Fernando de Azevedo, é um dos marcos significativos naafirmação da disciplina. Embora a obra já es-teja quase esquecida, a qualidade de suas dis-sertações, os desafios apresentados aos leitores,a bibliografia e a sistematização das questõesenvolvidas no estudo sociológico da educaçãomerecem a atenção dos pesquisadores. No iníciode sua atividade docente e de pesquisa na FFCLda USP, Florestan Fernandes não cuidava espe-cificamente das questões da educação escolar. Ébem verdade que em suas pesquisas sobre os tu-pinambás encontram-se importantes contribui-ções para o estudo da educação em sociedadesprimitivas. Ele também participou nas discus-sões sobre o ensino da sociologia e envolveu-senos debates concernentes à criação dos centrosde pesquisa educacional do INEP, examinando--os sob a perspectiva da intervenção na rea-lidade social do país. Nessa etapa, porém, suaprincipal contribuição para a conformação denosso campo de estudos estava na insistênciasobre a necessidade de se compreender a so-ciologia, aí incluída a sociologia da educação,como ciência a ser rigorosamente construída apartir da metodologia científica. Com Florestan,o discurso anterior sobre questões da educaçãocaminhava inequivocamente para a investi-gação sociológica empírica das realidades nocampo educacional. Naturalmente, a investi-gação empírica não prescindia da orientaçãoteórica sobre o que, por que e como pesquisarnas realidades sociais na educação. Nos meados

da década de 1950, Antonio Candido publicouo estudo intitulado As diferenças entre o cam-

 po e cidade e seu significado para a educação

(SOUZA, 1957) e o artigo A estrutura da escola

(SOUZA, 1964). As preocupações metodológi-cas de Florestan e as orientações presentes nes-ses estudos de Antonio Candido constituem-seem espinha dorsal dos primeiros trabalhos deLuiz Pereira. Embora editada alguns anos de-pois, a coletânea Educação e sociedade , orga-nizada por Luiz Pereira e Marialice MencariniForacchi, oferece ampla visão de conjunto so-bre questões então focalizadas no ensino e napesquisa na disciplina.

 Algumas lembranças de meus primei-ros anos na graduação em Ciências Sociaisajudam a conduzir essas reflexões. Ainda nãoera o tempo dos estudos em profundidade so-bre O capital , de Marx, iniciados após impor-tante seminário realizado por Gianotti, BentoPrado, Fernando Henrique Cardoso, OctavioIanni, Paul Singer, Roberto Schwarz, Weffort,Fernando Novaes e outros notáveis professo-res da Universidade. Logo no semestre inicialde meu primeiro ano no curso, em 1955, RuyGalvão de Andrada Coelho apresentou-noso livro La vocación actual de la sociologia,de Georges Gurvitch. Em seguida, com MariaIsaura Pereira de Queiroz, lemos Crítica da eco-

nomia política, de Marx, em edição de 1946da Editora Flama, com tradução e introdu-ção de Florestan Fernandes (1975). Circulavaentre nós a edição doméstica preparada por Aziz Simão (FERNANDES, 1954) das aulas deFlorestan sobre os problemas da indução nasociologia. Nas diversas disciplinas de socio-logia, antropologia, política, economia polí-tica, além de outras, éramos introduzidos aosestudos dos principais autores da sociologiana Europa e também nos Estados Unidos:Marx, Max Weber, Durkheim, Mannheim, Wright Mills, Znaniecki, entre muitos ou-tros. Esse equipamento intelectual marcavaas perspectivas de investigação sobre escola esociedade nos primeiros estudos de sociologiada educação.

Page 7: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 7/19

595Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 3, p. 589-607, jul./set. 2013.

 Ampliação dos recursos

institucionais da pesquisa em

sociologia da educação

Como será exposto logo em seguida,os primeiros estudos aqui mencionados foramproduzidos no âmbito da disciplina SociologiaEducacional, ministrada por professores daCadeira de Sociologia aos alunos de graduaçãoem Pedagogia. Já os primeiros estudos de LuizPereira e o próprio comprometimento maior deFlorestan Fernandes com as questões da edu-cação escolar evocam um quadro institucionalmais amplo, no âmbito da cooperação que en-tão se estabelecia entre departamentos da FFCLda USP e o INEP, do Ministério da Educação.

O Centro Regional de PesquisasEducacionais de São Paulo (CRPE/SP) foi cria-do em 1956, como parte de um ambicioso pro- jeto de Anísio Teixeira com a intenção explí-cita de colocar as ciências sociais a serviço dareconstrução educacional do país. Além de umCentro Brasileiro de Pesquisas Educacionais(CBPE), foram criados cinco centros regionais,nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul,Minas Gerais, Bahia e Pernambuco (FERREIRA,2001). O Centro de São Paulo foi instaladomediante convênio celebrado entre o INEP ea USP, representada pelos departamentos dePedagogia, Sociologia e Antropologia da FFCL.No âmbito do convênio, competia aos departa-mentos a indicação do diretor e dos membrosdo Conselho Administrativo. Na prática, quasetodos os pesquisadores eram ou haviam sido vinculados à Faculdade de Filosofia. Sob aperspectiva dos agentes e das instituições en-tão envolvidas, o Centro podia ser visto comouma extensão da Faculdade de Filosofia. Nessesentido, Márcia dos Santos Ferreira (2001, p.158) observa que

Florestan Fernandes, em um depoimentoem que faz referência à criação do CRPE/SP, afirma que o Centro “suplementou” aFaculdade de Filosofia e a Universidadenas áreas de atualização de professores

e pesquisa científica voltada para a re-construção educacional do país.

 A autora também afirma que, ao justifi-carem seus projetos de pesquisa, os pesquisado-res do Centro

[...] sempre enfatizavam o caráter científicode suas proposições, procurando estabelecercritérios considerados cientificamente váli-dos através do estudo das teorias psico-peda-gógicas e sociológicas em uso no meio aca-dêmico da época. Essa característica fez comque alguns trabalhos de pesquisa do Centroservissem de ponto de partida para teses aca-dêmicas que se desenvolveriam mais tarde,na USP. Os trabalhos de Luiz Pereira são umexemplo. (FERREIRA, 2001, p. 158)

Mas, a esse respeito, é importante obser- var que os trabalhos iniciados no período aten-diam a orientações propostas por Anísio Teixeirapara a pesquisa educacional na instituição.

O CRPE/SP contribuiu em muitos senti-dos para a expansão da pesquisa educacional:intensificou as relações entre os pesquisado-res de São Paulo e de outros estados, sobre-tudo aqueles igualmente contemplados com ainstalação dos centros regionais de pesquisa,ampliou o campo de atuação de intelectuais epesquisadores já então vinculados ao campoeducacional e, ao mesmo tempo, foi importantecanal de inserção das questões da educação en-tre os pesquisadores de outros departamentos daUniversidade. Um bom exemplo dessa afirma-ção está no próprio envolvimento de FlorestanFernandes com as questões da educação, expli-cável em grande parte pela intensa participaçãodo sociólogo nas discussões que precederam acriação dos centros de pesquisa educacional.Os trabalhos apresentados no Simpósio sobreProblemas Educacionais Brasileiros tambémexemplificam a afirmação: envolveu-se na dis-cussão sobre a educação e seus problemas nasociedade brasileira um expressivo contingen-te de intelectuais da Universidade (FERREIRA,

Page 8: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 8/19

596596 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP

2001). Naturalmente, nem todos os temas tra-balhados incluíam-se numa sociologia educa-cional, mas o evento atraiu a atenção de in- vestigadores de áreas diversas para a reflexãosobre questões de alguma forma pertinentes àinvestigação sociológica na educação (VIDAL,2000). Cabe ainda observar que, por ser ini-cialmente constituído por jovens, quase todosrecém-egressos ou ainda estudantes dos cur-sos de graduação em Pedagogia, Filosofia eCiências Sociais da FFCL, o CRPE funcionoucomo campo de formação e posterior recru-tamento de pesquisadores para outras escolasde ensino superior na área educacional. Em1962, o chefe do Departamento de Pedagogiada FFCL, Laerte Ramos de Carvalho, assumiuconcomitantemente a direção do CRPE/SP e,em seguida, promoveu a mudança do curso dePedagogia para as instalações do Centro, naCidade Universitária. A partir daí ampliou-se acolaboração entre as duas unidades: pesquisa-dores do CRPE foram recrutados por diversossetores do Departamento de Pedagogia; pro-fessores do Departamento passaram a atuar ematividades das divisões de pesquisa e de aper-feiçoamento do magistério do CRPE; ativida-des e relações institucionais antes restritas àatuação do CRPE estenderam-se naturalmenteaos âmbitos de atuação do pessoal dos departa-mentos envolvidos. Alguns estudos importan-tes datam desse período de maior colaboraçãoinstitucional. Encontra-se um bom exemplodisso nos estudos Educação e desenvolvimento (HAVIGHURST; GOUVEIA, 1969) e Ensino mé-

dio e estrutura socioeconômica (DIAS, 1967). Oposterior ingresso de Aparecida Joly Gouveiana Cadeira de Sociologia II do Departamento deCiências Sociais da FFCL contribuiu para essaampliação dos recursos da pesquisa em sociolo-gia da educação na USP.

Outras instituições colaboraram para aampliação e a diversificação dos estudos no cam-po da educação, aí incluída a sociologia da edu-cação. Em 1955 foi criado o Instituto Superiorde Estudos Brasileiros (ISEB). No desempenhode seu compromisso explícito com a elaboração

da ideologia do desenvolvimento nacional, ogrupo de intelectuais reunidos no ISEB exerceupapel significativo em estudos realizados nocampo educacional. Além de sua influência nosdebates sobre a educação, o Instituto promoveua edição de livros como Ideologia e desenvolvi-

mento nacional (PINTO, 1956),  Introdução aos

 problemas do Brasil   (RAMOS, 1956),  A redu-

ção sociológica (RAMOS, 1958) e Educação não

é privilégio  (TEIXEIRA, 1957). As construçõesde Vieira Pinto nessa publicação deram impor-tante contribuição aos primeiros ensaios de sis-tematização das ideias de Paulo Freire. Nessefinal dos anos 1950, a intensa interlocução dePaulo Freire com as análises de intelectuais doInstituto, especialmente Viera Pinto, GuerreiroRamos, Corbusier e Jaguaribe, chegou a identi-ficá-lo, em alguns círculos, como um educador

isebiano (PAIVA, 1973, 1980). A partir dos anos 1970, a Fundação Carlos

Chagas expandiu suas atividades no campo dapesquisa educacional: ampliou consideravel-mente as atividades de prestação de serviços naavaliação e na pesquisa, além de reunir um im-portante grupo de intelectuais e pesquisadores,alguns com passagem anterior ou concomitantena USP, outros contratados posteriormente pelaUSP ou por outras universidades.1 Certamente,a inclusão da FCC e, sobretudo, do ISEB entreos recursos que possibilitaram a expansão dapesquisa em sociologia da educação é aceitá- vel só até certo ponto, pois a própria naturezadessas instituições dificulta a classificação deseus trabalhos em um ou outro dos escaninhosdisciplinares vigentes no ensino universitário.Seus trabalhos, porém, enriqueceram o conhe-cimento disponível sobre a escola e a sociedade.

 A expansão do ensino superior am-pliou a base institucional de produção dapesquisa em sociologia da educação. Aos tra-balhos inicialmente limitados às faculdadesde filosofia da capital, especialmente na USP,

1- Mais diretamente vinculados ao campo destas reflexões estão, entreoutros, Lólio Lourenço de Oliveira, Vitor Henrique Paro, Maria Helena Souza

Patto, Marta Kohl de Oliveira, Claudia Vianna, Guiomar Namo de Mello,Teresa Neubauer da Silva, Celso João Ferretti.

Page 9: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 9/19

597Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 3, p. 589-607, jul./set. 2013.

na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP)e em suas instituições complementares, acres-centaram-se os estudos dos pesquisadores dasfaculdades de filosofia, ciências e letras pro-gressivamente instaladas no interior paulista apartir da segunda metade da década de 1950. Éimportante incluir neste item também a criaçãoda Universidade Nacional de Brasília (UnB), noDistrito Federal. Na sequência da interação es-tabelecida entre o CBPE e os centros regionais,Darcy Ribeiro procurou levar pesquisadores deSão Paulo para o corpo docente da Faculdade deEducação que então se constituía na UnB. Apósconvite não atendido por Luiz Pereira, umadas vagas disponíveis foi ocupada por Perseu Abramo, ex-pesquisador do CRPE. Um poucodepois, com a criação da Universidade Estadualde Campinas (UNICAMP), as possibilidades deestudos e pesquisas em sociologia da educaçãoforam significativamente ampliadas. Deve-seregistrar, ainda, os trabalhos efetuados por so-ciólogos na Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP).

No âmbito das mudanças observadas nosrecursos institucionais da realização de pesquisasem sociologia da educação é preciso mencionara reforma da USP em 1970, com a criação daFaculdade de Educação. A disciplina Sociologiada Educação do curso de Pedagogia passou a serministrada por docentes da nova unidade, reser- vando-se para a Faculdade de Filosofia, Letras eCiências Humanas somente um semestre de estu-dos em Sociologia Geral. Posteriormente, mesmoesse semestre foi transferido para a Faculdade deEducação. Tal ampliação das atribuições na gra-duação, somada às novas exigências dos cursos depós-graduação, explicam o progressivo aumentodo quadro de docentes da disciplina, bem comoa diversificação e o aprofundamento dos estudosno interior da área. Situação semelhante ocor-reu com outros setores da Faculdade, igualmentemarcados pela expansão do quadro de professorese pela diversificação dos trabalhos. Atualmente,encontram-se em diferentes setores da Faculdadepesquisadores com formação em Ciências Sociaisrealizando estudos e pesquisas perfeitamente en-quadráveis na área da sociologia da educação.

Cabe observar que, ao longo das últi-mas décadas, a demarcação de áreas de estudospelas respectivas disciplinas foi penetrada porrecortes alternativos motivados, entre outrosfatores, especialmente pelas exigências inter-disciplinares dos processos de intervenção narealidade educacional.

Os primeiros trabalhos

O ensaio de Antonio Candido sobre  As

diferenças entre o campo e cidade e o seu sig-

nificado para a educação remete à tese intitu-lada  Contribuição ao estudo de problemas do

ensino rural , apresentada em colaboração comJosé Querino Ribeiro (1952) ao IV CongressoNormalista de Educação Rural, realizado emSão Carlos, em 1951. Em sua versão mais elabo-rada, o texto foi publicado em 1957 no primei-ro número da revista Pesquisa e Planejamento,do Centro Regional de Pesquisas Educacionaisde São Paulo. Fundamentava-se, entre outrosestudos, em  A ideologia alemã, de Marx, emL’homme des révolutions politiques et sociales,de Lefebvre, bem como em análises de Sorokin,Zimmerman e Galpin sobre sociologia rural eurbana (SOUZA, 1957).

O ensaio começa por afirmar que o sécu-lo XX, ao contrário dos antecedentes, aceitavaas contradições da vida em sociedade.

Hoje sabemos que nem a natureza é umsistema harmônico, nem o homem podeesposar as supostas harmonias para setornar um ser magicamente adequado aomeio, à sociedade, aos outros homens e asi mesmo. (SOUZA, 1957, p. 52)

Era necessário dar ao educador a cons-ciência de uma realidade marcada por rupturase contradições, diferente do que afirmavam asteorias assentadas na visão de uma harmoniafundamental do mundo da natureza e de suaextensão ao mundo das normas. O processoeducativo não seria a promoção de um en-contro feliz entre a natureza harmoniosa e a

Page 10: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 10/19

598598 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP

razão dócil ao seu ensinamento. Era perigosodesconhecer desarmonias, algumas ligadas àconstituição biológica dos indivíduos, outrasdefinidas segundo as normas da vida em socie-dade: como exemplos, Antonio Candido apon-ta o choque entre a idade em que é necessárioestudar e os interesses que então predominamentre os estudantes, bem como a tensão entreas gerações e a necessidade de hierarquia na es-cola. Ele observa que, segundo Lefebvre, seriamtrês as desigualdades fundamentais no mundomoderno: entre o homem e a mulher; entre asclasses sociais (pobres e ricos); entre o citadinoe o camponês. Em seguida, identifica nessa últi-ma uma das desarmonias da sociedade modernaque necessariamente envolvem a educação:

[...] notadamente a oposição entre campo ecidade como universos culturais e sociaisdiferentes, gerando dois tipos contraditóriosde existência e repercutindo na esfera edu-cacional. (SOUZA, 1957, p. 55)

 Antonio Candido atribui a Marx, em A

ideologia alemã, a formulação moderna desseproblema nos termos do desenvolvimento téc-nico e dos recursos da análise social.

 A oposição entre cidade e campo só podeexistir no quadro da propriedade privada.É a mais grosseira expressão da subordina-ção do indivíduo à divisão do trabalho e auma atividade que lhe é imposta, uma su-bordinação que de um faz um animal limi-tado da cidade; do outro, um animal limi-tado do campo, reproduzindo diariamentea oposição de seus interesses. (SOUZA,1957, p. 56-57)

 Acompanhando essas indicações deMarx, ele parte da divisão social do trabalho,com a crescente especialização das ocupações eum tipo de ajustamento ecológico que se expri-mem na dicotomia campo-cidade como formasdiferentes de ocupação do meio e distribuiçãodos grupos no espaço, caracterizadas por uma

crescente diferenciação dos meios de produçãoe das necessidades. Ao definir as condições dedesigualdade na repartição social dos bens eserviços, a propriedade privada explicaria a di-cotomia entre campo e cidade: no sentido ver-tical, ao longo das diferenças de classe; e nosentido da cultura, considerando-se os tipos deocupação do solo.

Sem falar nas consequências espirituais,manifestas na forte diferença entre o ha-bitante da cidade, potencialmente apto aaproveitar imediatamente os benefícios dacivilização e o do campo voltado para for-mas retrógradas de cultura pelo isolamentoe a tradição. (SOUZA, 1957, p. 57-58)

Definem-se dois modos diferentes e con-traditórios de participação na vida cultural esocial. A sociedade brasileira apresentava for-te oposição entre a vida rural e a vida urbana.Essa polaridade era afirmada em termos tipoló-gicos, pois, na realidade, ocorria a interpenetra-ção de aspectos da vida rural nas cidades e umacrescente penetração do urbano na vida rural.Entretanto, o progresso técnico e as modifica-ções em curso na estrutura social indicavam apossibilidade de superar, em grande parte, essaoposição devido à supressão relativa de um dostermos. O crescente deslocamento de habitan-tes do campo para as cidades e a progressivadifusão de técnicas e modos de vida urbanosnas áreas rurais favorecia essa possibilidadede futuro. O estudo apontava para o irresis-tível sentido da urbanização e a consequentesupressão do rural. Não se tratava, porém, deuma supressão enquanto vida no campo, masde uma progressiva eliminação de formas rús-ticas de vida despojada do acesso aos recursosmateriais e culturais proporcionados pela so-ciedade moderna. Havia resistências à urbani-zação, expressas em movimentos ruralistas eideologias de defesa das condições de vida nocampo. Encontravam-se expressões dessas ide-ologias em posições defendidas para o ensinorural, por exemplo, em propostas de formação

Page 11: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 11/19

599Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 3, p. 589-607, jul./set. 2013.

específica do professor rural, vinculado à vidarural e comprometido com a busca de melhorajustamento dos trabalhadores ao meio. O autorconcluía perguntando aos educadores em qualsentido entendiam que deveria encaminhar-se aeducação do homem do campo.

O ensaio é admirável e tem contribuiçõessignificativas em muitos sentidos. Uma delasserá objeto de análise nas observações a propósi-to da comunicação apresentada por Luiz Pereirano Simpósio sobre Problemas EducacionaisBrasileiros, promovido pelo Centro Regional dePesquisas Educacionais de São Paulo.

O outro artigo já mencionado de Antonio Candido sobre A estrutura da escola também resultava do esforço de contribuiçãodo sociólogo para os trabalhos do educador. Otexto começava por assinalar a existência deduas ordens diversas de normas de comporta-mento na escola.

 A estrutura administrativa de uma escolaexprime a sua organização no plano cons-ciente, e corresponde a uma ordenaçãoracional, deliberada pelo Poder Público. Aestrutura total de uma escola é todavia algomais amplo, compreendendo não apenas as relações ordenadas conscientemente mas,

ainda, as que derivam da sua existência en-

quanto grupo social. (SOUZA, 1964, p. 107)

Embora deva sua existência à coopera-ção de seus membros, àqueles que aprendeme aos que ensinam, enquanto grupo social

instituído,2 a escola tem suas funções coleti- vas e posições ao menos parcialmente insti-tucionalizadas por outros grupos sociais. Os instituidores (associações religiosas, empresas,agentes particulares em geral, entidades públi-cas) estabelecem normas com vistas a adequara atuação das escolas aos seus interesses e àssuas finalidades. Antonio Candido adverte que,no Brasil, sobre todas as normas prevalecemas que foram estabelecidas pela legislação.

2 - Antonio Candido remete ao conceito de grupo social instituído na obrade Znaniecki (1947).

Encontram-se aí, nessa atuação dos poderespúblicos, os principais fatores de similaridadeentre as escolas de um mesmo tipo em todoo território nacional. Assim, sob a perspectivada racionalidade instituída pelo legislador, to-das as escolas de um mesmo tipo poderiam ser vistas como semelhantes. Essa identidade seriaainda reforçada pelas similaridades da própria vida social e pelas tendências comuns da so-ciabilidade infantil e juvenil. Mas, enquantoproduto da cooperação de seus membros, cadagrupo social escolar tem na própria dinâmicainterna os fatores de possibilidade de sua dife-renciação: “A sua dinâmica interna dá lugar aformações específicas, mantidas por um siste-ma de normas e valores também internamentedesenvolvidos” (SOUZA, 1964, p. 109).

O estudo da estrutura social da escoladeveria começar pela observação da sociabili-dade interna do agrupamento. Mas não basta- va “estudar o desenvolvimento da sociabilida-de, desde a formação do sentido do real, atéa aquisição de hábitos necessários à vida emsociedade”; era

[...] preciso dar atenção ao que há deespecífico na sociabilidade da criança e doadolescente em face do adulto; aos tiposde agrupamento por eles desenvolvidos;ao mecanismo de seleção dos líderes; aoconflito com os padrões sociais impostospela educação, etc. (SOUZA, 1964, p. 110)

Local de acomodação de tensões, espe-cialmente entre os imaturos e os membros adul-tos (professores e administradores) representan-tes dos padrões de conduta e expectativas dasociedade, a escola constituiria um ambientesocial peculiar: era evidente que as relações en-tre uma ordenação racional e uma populaçãoimatura com problemas específicos de condutaresultariam em diversificação de atitudes, com-portamentos, valores. A própria interação entreseus diferentes segmentos constituía-se em umdos fatores de possibilidade de diferenciaçãoentre os grupos sociais escolares.

Page 12: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 12/19

600600 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP

 Apresentadas essas diretrizes para o es-tudo da estrutura da escola, o texto avançavaem seguida para a análise dos subgrupos iden-tificáveis em seu interior e dos mecanismos desustentação dos agrupamentos. Propunha oestudo das formas e características dos agru-pamentos por idade, sexo, associações espon-tâneas,  status  e, enfim, por grupos de ensino,o elemento central na realização das principaisfinalidades declaradas da escola. Na sequên-cia, traçavam-se questões relevantes ao estudodos elementos de sustentação dos agrupamen-tos: a liderança exercida pelo educador e peloeducando; as normas de conduta que regem ocomportamento do educador e as que regem ocomportamento do educando; o elenco de san-ções administrativas, pedagógicas e grupais;e os símbolos, que completam o conjunto deelementos favoráveis à coesão do grupo so-cial. No seu todo, o artigo realmente ofereciaaos estudantes um roteiro seguro e fecundo deorientação das investigações sobre a estrutura eo funcionamento dos grupos sociais escolares. Assim como o anterior,  A estrutura da escola

também foi um texto decisivo na condução dasprimeiras investigações de Luiz Pereira na so-ciologia da educação.

Os estudos de Luiz Pereira

Luiz Pereira foi aluno do curso de gra-duação em Pedagogia da FFCL da USP entre1952 e 1955.

Iniciou suas atividades profissionaiscomo professor de sociologia, históriada educação, educação social e cívicae história da civilização brasileira emescolas normais particulares na cidade deSão Paulo. Entre agosto de1957 e maio de1959, foi assistente de pesquisa no CentroRegional de Pesquisas Educacionais deSão Paulo. Em 1958, iniciou o curso deespecialização (mestrado) em sociologia,sob a orientação de Florestan Fernandes.Em maio de 1959, por indicação de

Florestan Fernandes, assumiu a regênciada cadeira de Sociologia e FundamentosSociológicos da Educação da FaculdadeEstadual de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara. Em abril de 1963, transferiu-se para a cadeira de Sociologia I da FFCLda USP. (FÁVERO, 2002, p. 731)

É importante registrar que, logo no iní-cio de sua vida profissional, lecionou durantecerca de um ano numa escola primária da peri-feria do município de Santo André, na GrandeSão Paulo. Essa experiência teria participaçãodecisiva em seus trabalhos de pós-graduação,pois serviu como pesquisa exploratória no de-senvolvimento da investigação que apresentouao final dos estudos de especialização, em 1960,e na tese de doutorado, defendida em 1961.

O conhecimento proporcionado pela vivência da escola normal onde concluiuos estudos secundários e as atividades pro-fissionais na escola primária estadual emSanto André, bem como as orientações en-contradas em Antonio Candido e FlorestanFernandes, estão evidentes nos trabalhos pro-duzidos por Luiz Pereira nesses primeiros tem-pos de pesquisador.

Convém iniciar o exame dessas evidên-cias pelo estudo sobre Rendimento e deficiên-

cias do ensino primário brasileiro (PEREIRA,1968) relatado por Luiz Pereira no Simpósiosobre Problemas Educacionais Brasileiros.3 Na versão original da comunicação, ele organizouas informações disponíveis sobre evasão esco-lar e reprovação no Estado de São Paulo, noperíodo de 1935 a 1955, discriminando-as pelalocalização das escolas segundo áreas urbanas,rurais e distritais. A evasão escolar e a reprova-ção, entendidas como expressão de deficiênciasno rendimento do ensino, eram bem maiores nocampo do que nas cidades. Os distritos, peque-nos agrupamentos urbanos, em geral vincula-dos ao meio rural, apareciam em posição inter-

3- O Simpósio sobre Problemas Educacionais Brasileiros foi um encontro

de intelectuais e educadores organizado por Fernando de Azevedo epresidido por Anísio Teixeira no CRPE/SP, em setembro de 1959.

Page 13: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 13/19

601Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 3, p. 589-607, jul./set. 2013.

mediária. Tratava-se, em seguida, de explicaro melhor desempenho diferencial das escolasprimárias nas cidades, nos distritos e no campo.

Em fiel cumprimento do roteiro reco-mendado por Antonio Candido, o estudo co-meça pelo exame da escola como grupo socialinternamente diferenciado em subgrupos, comespecial atenção ao subgrupo de ensino. Aí,enquanto grupo social instituído, no exercícioda  função explícita do ensino primário, pro-fessores e alunos atuam como comunicadorese receptores de determinada parte da herançasociocultural, composta pelas técnicas elemen-tares da leitura, da escrita e do cálculo, bemcomo por elementos da chamada cultura geral– ciências físicas, higiene, história, preceitos e valores morais e cívicos, artes etc. Esse conte-údo cultural seria parte

[...] do patrimônio cultural de camadascitadinas sócio-econômicas não inferio-res, em estreita ligação com um estilourbano de vida, vivido especialmente portais camadas.

Nesse processo, ao mesmo tempo,realizaria também sua  função implícita,pois, ao transmitir os conteúdos de um estilourbano de vida, o subgrupo funcionaria, nascomunidades rurais e semirrurais, como agênciade desintegração de um estilo rústico de vida,como  agência de urbanização. Essa relaçãoestende-se também aos imensos contingentesda população rural deslocados para as periferiasurbanas em busca de empregos e melhorescondições de vida.

 A atuação do poder público na padro-nização da estrutura e do funcionamento dasescolas primárias está subjacente a toda aanálise. A atuação das escolas seria muito se-melhante em todos os meios devido às orien-tações padronizadoras expressas não somentenos conteúdos urbanos do setor do patrimô-nio sociocultural transmitido, mas tambémnas origens socioeconômicas dos candidatosao magistério, em sua formação em escolas

normais também padronizadas, na programa-ção dos conteúdos, no material didático, naprópria organização das atividades escolares.Se as variáveis intraescolares eram em grandeparte semelhantes, as diferenças de rendimen-to deveriam ser buscadas na maior ou menor variação das denominadas variáveis extraes-colares ou, mais precisamente, no maior oumenor grau de integração entre as variáveisintraescolares e as extraescolares.

 As deficiências de rendimento do ensi-no primário definiam-se, nesses termos, comoum problema social , como um estado de tensãointerna entre forças contrárias: fundamental-mente, o choque de forças urbanas com as con-dições não urbanas de vida econômica, sociale cultural das comunidades rurais e urbanas,bem como das camadas citadinas inferiores.Impunha-se atentar para o caráter inevitáveldessa oposição. Com maior ou menor rapidez eintensidade nas diferentes regiões, a sociedadecaminhava inevitavelmente para a urbanização,com a progressiva extinção do rural enquantomodalidade rústica de vida. Mas, na época, apopulação não urbanizada ou semiurbanizadaainda ultrapassava em muito a urbanizada. Aexpansão da rede de ensino primário estariaalcançando crescentes segmentos de imaturosdos meios rústicos e semiurbanos, reduzindorelativamente a participação dos alunos pro-cedentes dos meios socioculturais das camadasmédias e superiores das cidades. Ampliava-se,por conseguinte, o impacto da função urbani-zadora no funcionamento da escola.

 A fundamentação desse estudo nos tra-balhos de Antonio Candido é evidente. Em am-bos há a intenção de situar a pesquisa socioló-gica como subsídio para a atuação do educador.Tudo o que ocorre no processo educativo – nointerior da escola e de seus agrupamentos, naspráticas educativas e nas superestruturas ide-ológicas – é examinado sob a perspectiva dadinâmica da sociedade mais ampla. Ambos fo-calizam, com especial atenção, as contradiçõesda sociedade e suas decorrências para o pro-cesso educativo. Luiz Pereira acolhe as análises

Page 14: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 14/19

602602 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP

de Antonio Candido sobre as implicações dasdiferenças entre a cidade e o campo para a edu-cação. A invasão do rural pelos estilos de vidados setores urbanos dominantes fundamentasua explicação das deficiências do rendimentoescolar entre as populações rústicas.

Essa mesma adesão às análises e orien-tações de Antonio Candido está presente namonografia A escola numa área metropolitana (PEREIRA, 1967), apresentada como requisi-to à conclusão do curso de especialização emSociologia. Notam-se, aqui também, as expres-sões dos estudos então realizados sob a orienta-ção de Florestan Fernandes.4 Já na apresentaçãoda monografia, Florestan Fernandes assinalaque o aspecto mais importante do estudo estavano fato de

[...] traduzir uma mentalidade nova, cada vez mais arraigada nas preocupações doscientistas sociais brasileiros das geraçõesascendentes. Trata-se de delimitar bem umcampo de estudos e atacá-lo em profun-didade, para adquirir uma autêntica visãocientífica da realidade. (PEREIRA, 1967)

 A monografia continha uma significaçãopioneira.

Luiz Pereira conseguiu, com os recursoslimitados do investigador isolado, selecio-nar aspectos relevantes de nossa situaçãoeducacional, submetê-los a técnicas rigo-

rosas de observação e análise, e explicá-

-las à luz da teoria sociológica. Com issoofereceu-nos uma contribuição que faz dasociologia educacional uma disciplina em-

 pírica e que nos permite confiar com outroespírito na contribuição que os sociólogospodem dar, seja ao conhecimento positi- vo da situação educacional brasileira, sejaaos planos de reconstrução educacional.(FERNANDES, 1960, p. II)

4 - Ver, especialmente, a bibliografia mobilizada por Luiz Pereira na

exposição das características da área e das orientações da populaçãoatendida pela escola primária.

E convém atentar também para outro as-pecto valorizado nas observações do professororientador:

[...] sua contribuição toma como unidadede investigação uma comunidade ope-rária de áreas altamente industrializadasdo país. Podemos, por isso, contar comum sistema de referência empírica e prá-tica muito produtivo. Como opera a esco-la primária num bairro proletário? Comoé valorizada a educação escolarizada nohorizonte cultural de uma população hete-rogênea e em processo incipiente de clas-sificação profissional na sociedade indus-trial? Quais são os obstáculos psico-sociaise sócio-culturais que vêm impedindo, nointerior das próprias escolas, o ajustamen-to das instituições escolares às necessida-des educacionais do meio social ambiente?(FERNANDES, 1960, p. II)

 A monografia subdivide-se em uma in-trodução, quatro capítulos e as consideraçõesfinais. Nessa última parte, definem-se as orien-tações impressas pelo pesquisador ao estudoda escola. Trata-se, afirma ele, de um  estudo

de sociologia da educação, esta concebida comoo estudo propriamente sociológico do campoeducacional. Procurou, pois, evitar a consi-deração da vida social da escola destacada detodo o contexto que a envolve. E mesmo esseenvoltório local – a área servida pela escolae a comunidade metropolitana inclusiva – foiexaminado em termos de algumas transforma-ções atuais da comunidade nacional brasileira.Citando Florestan Fernandes, Luiz Pereira afir-ma, ainda, que:

[...] na tentativa de integrar os resultadosdesta pesquisa no sistema conceptual dasociologia em geral e no esforço de estudara escola como algo inserido no contextomais amplo, recorreu-se ao método deinterpretação funcionalista da realidadesocial. (PEREIRA, 1967, p. 142)

Page 15: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 15/19

603Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 3, p. 589-607, jul./set. 2013.

O capítulo inicial descreve a área ocupa-da pelas famílias dos alunos que frequentam aescola investigada. Setor periférico da RegiãoMetropolitana de São Paulo, a área apresenta--se como meio dinâmico de ajustamento de po-pulações migrantes do meio rural aos padrõessociais urbanos e de formação de nova concep-ção de vida. As características dos habitantessão discriminadas por procedências, experiên-cias profissionais pregressas, novas ocupações eperspectivas de ascensão social no meio urbano,condições de sobrevivência na área, trabalhodas mulheres e dos filhos, escolaridade e expec-tativas de futuro etc. O segundo capítulo, dedi-cado ao estudo da escola primária, acompanhafielmente as indicações de Antonio Candidono artigo sobre a estrutura da escola. A vidacoletiva do grupo social escolar é analisada apartir da distinção entre uma ordem de relações

institucionalizadas e outras relações espontâne-

as geradas na sociabilidade própria dos agru-pamentos e em boa parte vinculadas ao meioexterior. A ação institucionalizadora do poderpúblico – uma atuação racional legal, explicita-da no regimento interno dos grupos escolares –determina posições e papéis sociais articuladoscom vistas à realização dos objetivos estabeleci-dos para o grupo social escolar. Observa-se, po-rém, a persistência de concepções, motivações,atitudes e valores tradicionais. Esses compo-nentes motivam comportamentos de resistênciaà plena racionalização burocrática do agrupa-mento. O terceiro capítulo é dedicado ao estu-do das relações entre a escola e a área escolar.Estudam-se as representações da escola pelosseus diferentes segmentos, especialmente nassuas expressões na interação entre os docentese administradores da escola com os alunos e osmoradores. As percepções de moradores e alu-nos sobre a escola exprimiriam representaçõespatrimonialistas e paternalistas, que impedem a visão da escola como empresa pública de ser- viços e de seu pessoal docente-administrativocomo funcionários burocráticos. O mesmo teorde representações estaria presente também napercepção de professores e administradores da

escola. A participação numa camada socioeco-nômica superior à dos moradores favorecia apresença desse mesmo teor de representaçõesentre o pessoal docente e administrativo. O sis-tema idealizado sobre as relações entre a escolae a área escolar articulava-se com a concepçãoda escola primária como agência missionária ecom as representações paternalistas dos papéisdefinidos por funcionários e professores. Masessas representações estariam permeadas porpressões geradas nos processos de urbanização,secularização e democratização em curso naregião. A ruptura das expectativas tradicionaisseria maior por parte dos professores e admi-nistradores. O quarto capítulo focaliza questõessobre inovação pedagógica e burocratizaçãodo magistério. Observa o autor que a escolainvestigada não atende às expectativas moder-nizadoras expressas no Regimento Interno dosGrupos Escolares, representando um caso par-ticular de desintegração da escola tradicional,tanto na utilização do tempo, do espaço e doequipamento disponíveis, quanto nas concep-ções sobre a escola como um todo e sobre osdiversos papéis de seus membros.

O magistério primário numa sociedade

de classes  (PEREIRA, 1963b) dá continuidade,aprofunda e amplia o âmbito de questões jáexaminadas ou ao menos sugeridas no trabalhoanterior. Seleciona para o estudo da profissãodo magistério primário algumas característicasentendidas como especialmente relevantes emsua caracterização. Após um primeiro capítulointrodutório de considerações metodológicas,o segundo capítulo voltava-se para o estudodo magistério como uma ocupação femininae como um dos principais recursos de acessoda mulher ao mercado de trabalho. Atividadeentendida como respeitável em face dos códi-gos de conduta tradicionais que ainda pesavamsobre o sexo feminino, com duração da jornadadiária de trabalho compatível com as atribui-ções domésticas da mulher, o trabalho na escolapossibilitava acrescentar renda às famílias, emgeral pressionadas pelas exigências do consu-mo na sociedade urbana. O capítulo seguinte,

Page 16: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 16/19

604604 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP

sobre formação profissional e carreira no ma-gistério, descreve os aspectos estruturais doensino público estadual de São Paulo e, a par-tir deles, analisa a situação de trabalho entãooferecida aos professores primários estudadosno município da capital. Reunindo informaçõesestatísticas exaustivas à engenhosa elaboraçãodos dados disponíveis, o capítulo descreve eanalisa a estrutura e o funcionamento do ensi-no normal, a origens sociais de seus alunos e ospadrões de mobilidade dos quadros do magis-tério. Essa ampla visão panorâmica é aprofun-dada em seguida, no capítulo sobre a profissio-nalização do magistério primário. Construída apartir de formulações teóricas de Parsons (1958)sobre orientações societárias e individualistas, ede Mills (1951) sobre modelos artesanais e pro-fissionais de trabalho, uma escala de possíveisaspirações relacionadas ao magistério fornecepistas e oportunidade para fecundas reflexõesa propósito de problemas no funcionamento doensino primário. Os capítulos finais, sobre o ma-gistério primário como setor das classes médias esobre o magistério primário em São Paulo, com-pletam a monografia. Apoiado nas exaustivasanálises de Wright Mills, o texto situa os profes-sores primários nas novas classes médias assa-lariadas. Nessa época, os professores, na grandemaioria, já pertenciam a famílias de classe mé-dia. Persistiam nas ocupações do magistério

[...] traços ligados à ordem senhorial etradicionalista, em vias de desaparecimento,ao lado de outros ditados pela necessidadede ajustamento à ordem social de classesainda em consolidação. (PEREIRA, 1963a,p. 157)

Coincidia com a formação e o desenvol- vimento da sociedade de classes acentuada de-gradação da ocupação no magistério primário,tanto no plano econômico quanto no social. Oestudo fundamenta-se em extensa e adequadabibliografia sobre sociedades urbano-indus-triais; estratificação socioeconômica; mudan-ças sociais e formação da ordem de classes na

sociedade brasileira; situação social da mulher;ocupações e situação de trabalho profissional;magistério como ocupação profissional; fun-ções da educação escolar; e diagnóstico da si-tuação escolar brasileira. Foi concluído e apre-sentado como tese de doutorado em Sociologiana FFCL da USP, em 1961.

O livro Educação e sociedade: leituras desociologia da educação foi editado em 1964. Asquestões da educação continuariam presentesem publicações posteriores: em Trabalho e de-

senvolvimento no Brasil , concluído em 1965; nacoletânea de textos intitulada Desenvolvimento,

trabalho e educação, de 1967; e em  Estudos

sobre o Brasil contemporâneo, de 1971. A di-mensão educacional dos processos sociais con-tinuaria presente nos trabalhos de Luiz Pereiradurante toda sua atividade intelectual, mas ocentro de suas preocupações seria deslocado,primeiro, para o processo de desenvolvimentoe, depois, para as diversas faces do modo deprodução capitalista no Brasil. Após o ingressona Cadeira de Sociologia I, em 1963, o referen-cial teórico de Luiz Pereira apresenta mudan-ças significativas. O livro Trabalho e desenvol-

vimento no Brasil , publicado em dezembro de1965, é um seguro indicador dos novos cami-nhos de seu projeto intelectual. Sua produçãointelectual e os cursos de pós-graduação queministrou posteriormente confirmam as indi-cações de mudança apontadas nesse estudo. Ofoco das preocupações do pesquisador nos tra-balhos seguintes está centralizado nas questõesdo desenvolvimento. Posteriores reexames dasituação educacional contemplam suas leiturasde Althusser e, sobretudo, de Gramsci.

Diversificação e enriquecimento

do referencial teórico

 As análises de Althusser e de Gramsci,primeiro, e de Bourdieu, depois, tiveram pro-fundas repercussões na produção acadêmicabrasileira sobre educação, principalmente apartir de meados da década de 1970. Outros au-tores, sob diferentes perspectivas, contribuíram

Page 17: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 17/19

605Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 3, p. 589-607, jul./set. 2013.

para o progressivo enriquecimento dos referen-ciais teóricos da pesquisa em sociologia da edu-cação. Ampliou-se consideravelmente a relaçãobibliográfica mobilizada nos estudos de socio-logia da educação da juventude, dos direitoshumanos, da educação popular, dos gêneros,dos movimentos sociais, dos meios de comuni-cação de massas e de todas as demais especiali-dades focalizadas pela pesquisa na área.

Esta rápida passagem pelos percursos re-centes de nossa disciplina sugere muitas ques-tões para discussão.

 Acompanhando a expansão do númerode professores e a diversificação dos estudos,aprofundou-se a tendência à especializaçãoda pesquisa entre os integrantes da área. Daía sugestão de incluirmos nesta série de deba-tes5  uma exposição, de cada um dos colegas,sobre o histórico das respectivas especialidadesna Faculdade de Educação, o estado dos traba-lhos realizados ou em andamento nas diversasmodalidades temáticas e as perspectivas de de-senvolvimento de tais estudos. A discussão eas reflexões sobre as especialidades poderiamapontar possibilidades e implicações significa-tivas para a sociologia da educação na FEUSP:entre elas, uma possível diluição da discipli-na em estudos especializados; o progressivoabandono da escola e dos subgrupos de ensinocomo objetos de investigação; a dificuldade deinserção da escola e, especialmente, do proces-so de ensino-aprendizagem nas perspectivasde investigação de especialistas com formaçãonas ciências sociais; as perspectivas abertas àatuação interdisciplinar das diferentes especia-lidades etc.

5-  Referência aos seminários de pesquisa organizados pela área deSociologia da Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação daFEUSP, ocasião em que o presente texto foi apresentado.

Percebe-se que as perspectivas socio-lógicas de investigação das realidades sociaisalargaram-se e penetraram outros campos dashumanidades, inclusive o campo da educação.Como exemplo, encontram-se na FEUSP soció-logos atuando com notável contribuição em di-ferentes setores de todos os departamentos. Osestreitos limites dos estudos antes demarcadospelas disciplinas da graduação foram progressi- vamente esgarçados. A ordenação das áreas depesquisa na pós-graduação exprime bem esseprocesso. Fica a impressão, porém, de que al-guns campos de questões foram quase abando-nados em nossas pesquisas: o funcionamentodos subgrupos de ensino; os padrões de intera-ção no grupo social escolar; os valores, os pro- jetos e as expectativas dos agentes que atuamna escola etc. Parece que os caminhos abertospor Antonio Candido e Luiz Pereira não encon-traram continuidade em nossos estudos.

Há um bom número de anos, Luiz Antonio Cunha observou que, se no passadoo meio universitário foi dominado por umaquantidade relativamente restrita de indivíduostalentosos e, em muitos casos, eruditos, na atu-alidade essa excepcionalidade de nossos ante-cessores estaria sendo substituída e compensada(com vantagens?) por equipes de profissionaiscom formação especializada, trabalhando emgrupos, com melhores e maiores recursos. Masserá que estaríamos caminhando com seguran-ça em direção ao aprofundamento das especia-lidades e, ao mesmo tempo, a algo como umadesejável interdisciplinaridade dos estudos nocampo educacional? Será que nesse contexto,concomitantemente à especialização, ocorreriatambém algo como uma perda de identidadedos estudos antes seguramente identificadoscomo próprios da sociologia da educação?

Page 18: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 18/19

606606 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP

Referências

AZEVEDO, Fernando de. Sociologia educacional. 4. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1954.

BEISIEGEL, Celso de Rui. Política e educação popular. Brasília: Liber Livro, 2008.DIAS, José Augusto (Org.). Ensino médio e estrutura socioeconômica. Brasília: MEC, 1967.

FÁVERO, Maria de Lourdes; BRITTO, Jader de Medeiros (Orgs.). Luiz Pereira. In: ______. Dicionário de educadores no Brasil: da colônia aos dias atuais. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/MEC/INEP, 2002.

FERNANDES, Florestan. Apontamentos sobre os problemas da indução na Sociologia. São Paulo: FFCL/USP, 1954.

______. Prefácio. In: PEREIRA, Luiz. A escola numa área metropolitana. São Paulo: FFCL/USP, 1960.

______. Sobre o trabalho teórico. Transformação, Assis, n. 2, p. 11, 1975.

FERREIRA, Márcia dos Santos. O Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo (1956/1961). Dissertação(Mestrado) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.

GURVITCH, Georges. La vocación actual de la sociología. México: FCE, 1953.

HAVIGHURST, Robert James; GOUVEIA, Aparecida Joly. Ensino médio e desenvolvimento. São Paulo: Melhoramentos, 1969.

MARX, Karl. Crítica da economia política. São Paulo: Ed. Flama, 1946.

______. Idéologie Allemande (1e. partie). Paris: A. Costes, 1937. p. 201-202. (Oeuvres Philosophiques, v. VI)

MILLS, Charles Wright. White Collar: the American middle classes. New York: Oxford University Press, 1951.

PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1973.

______. Paulo Freire e o nacionalismo desenvolvimentista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

PARSONS, Talcott. Essays in sociological theory. Glencoe: The Free Press, 1958.

PEREIRA, Luiz. O magistério primário metropolitano. Rio de Janeiro: CBPE, 1963a.

______. O magistério primário numa sociedade de classes. Boletim FFLCH-USP, São Paulo, n. 27, 1963b.

______. A escola numa área metropolitana. São Paulo: Pioneira Editora, 1967.

______. Rendimento e deficiências do ensino primário brasileiro. In: Diagnóstico de uma situação educacional. São Paulo:CRPE “Prof. Queiroz Filho”, 1968. (Série Estudos e Documentos, v. 6)

PEREIRA, Luiz; FORACCHI, Marialice M. (Orgs.).  Educação e sociedade: leituras de sociologia da educação. São Paulo: Cia.Editora Nacional, 1964.

PINTO, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: ISEB, 1956.

RAMOS, Alberto Guerreiro. Introdução aos problemas do Brasil. Rio de Janeiro: ISEB, 1956.

______. A redução sociológica. Rio de Janeiro: ISEB, 1958.

RIBEIRO, José Querino. Pequenos estudos sobre grandes problemas educacionais. São Paulo: FFCL/USP, 1952.

Page 19: BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

7/18/2019 BEISEGEL, Celso. Os Primeiros Tempos Da Pesquisa Em Sociologia de Educação Na USP

http://slidepdf.com/reader/full/beisegel-celso-os-primeiros-tempos-da-pesquisa-em-sociologia-de-educacao 19/19

607Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 3, p. 589-607, jul./set. 2013.

SOUZA, Antonio Candido. As diferenças entre o campo e cidade e o seu significado para a educação. Pesquisa e Planejamento,São Paulo, n. 1, 1957.

______. A estrutura da escola. In: PEREIRA, Luiz; FORACCHI, Marialice M. (Orgs.). Educação e sociedade: leituras de sociologiada educação. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1964.

TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1957.

VIDAL, Diana Gonçalves (Org.). Na batalha da educação: correspondência entre Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo (1929-1971). Bragança Paulista: EDUSF, 2000.

ZNANIECKI, Florian. Organisation sociale et institutions. In: GURVITCH, Georges; MOORE, Wilbert (Orgs.). La sociologie au XXe

siècle. Paris: Presses Universitaires de France, 1947.

Recebido em: 11.10.2012 

 Aprovado em: 09.11.2012 

Celso de Rui Beisiegel  é professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Possui graduaçãoem Ciências Sociais (1958), mestrado em Sociologia (1964) e doutorado em Sociologia pela USP (1972). Também na USP,exerceu a chefia do Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação e a diretoria da Faculdade de Educação,além de ter sido pró-reitor de graduação entre 1990 e 1993.