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FICHAMENTO – BERGER, Peter L. Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística. Petrópolis: Vozes, 1986. Tradução de Donaldson M. Garschagen. “O sociólogo vive no mundo comum dos homens, perto daquilo que a maioria das pessoas chamaria de real. As categorias que ele utiliza em suas análises constituem apenas refinamentos das categorias em que os outros homens se baseiam – poder, classe, status, raça, etnia. Em consequência, algumas investigações sociológicas parecem – ilusoriamente – simples e óbvias”. (pg. 31). Sociedade é o objeto par excellence da sociologia. “Para o sociólogo, ‘sociedade’ designa um grande complexo de relações humanas ou, (...) um sistema de interação”. O termo grande em sociologia não pode ser especificado quantitativamente. Uma “sociedade” para o sociólogo pode compreender milhões de pessoas (uma nação), mas também se referir a uma coletividade muito menor (estudantes de uma universidade). Uma sociedade é compreendida quando um complexo de relações é suficientemente abstruso para ser analisado em si mesmo, entendido como uma entidade autônoma, comparada com outros da mesma espécie. (pg. 36). Para o sociólogo, o termo “social” refere-se à qualidade de interação, inter-relação, reciprocidade. “Assim, embora dois homens conversando numa esquina não componham uma ‘sociedade’, o que ocorrer entre eles será de certo ‘social’”. “A ‘sociedade’ consiste num complexo de tais fatos ‘sociais’”. Max Weber define uma situação “social” como “aquela em que as pessoas orientam suas ações umas para as outros; a trama de significados, expectativas e conduta que resulta dessa orientação mútua constitui o material de análise sociológica”. (pg. 37). “Sociedade” pode ser concebida como a estrutura oculta de um edifício, cuja fachada exterior oculta àquela estrutura. “A perspectiva sociológica pode então ser compreendida em termos de uma frase coloquial como ‘olhar por trás dos bastidores’”. (pg. 40). Um “problema social” é diferente de um “problema sociológico”. Um problema social geralmente é dito quando alguma coisa na sociedade não funciona como deveria, segundo interpretações oficiais. Numa sociedade, há dois lados de uma mesma história; o problema para um, torna-se a solução para outro. “O problema

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Page 1: BERGER, Peter L. - Perspectivas Sociológicas, uma visão humanística

FICHAMENTO – BERGER, Peter L. Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística. Petrópolis: Vozes, 1986. Tradução de Donaldson M. Garschagen.

“O sociólogo vive no mundo comum dos homens, perto daquilo que a maioria das pessoas chamaria de real. As categorias que ele utiliza em suas análises constituem apenas refinamentos das categorias em que os outros homens se baseiam – poder, classe, status, raça, etnia. Em consequência, algumas investigações sociológicas parecem – ilusoriamente – simples e óbvias”. (pg. 31).

Sociedade é o objeto par excellence da sociologia. “Para o sociólogo, ‘sociedade’ designa um grande complexo de relações humanas ou, (...) um sistema de interação”. O termo grande em sociologia não pode ser especificado quantitativamente. Uma “sociedade” para o sociólogo pode compreender milhões de pessoas (uma nação), mas também se referir a uma coletividade muito menor (estudantes de uma universidade). Uma sociedade é compreendida quando um complexo de relações é suficientemente abstruso para ser analisado em si mesmo, entendido como uma entidade autônoma, comparada com outros da mesma espécie. (pg. 36).

Para o sociólogo, o termo “social” refere-se à qualidade de interação, inter-relação, reciprocidade. “Assim, embora dois homens conversando numa esquina não componham uma ‘sociedade’, o que ocorrer entre eles será de certo ‘social’”. “A ‘sociedade’ consiste num complexo de tais fatos ‘sociais’”. Max Weber define uma situação “social” como “aquela em que as pessoas orientam suas ações umas para as outros; a trama de significados, expectativas e conduta que resulta dessa orientação mútua constitui o material de análise sociológica”. (pg. 37).

“Sociedade” pode ser concebida como a estrutura oculta de um edifício, cuja fachada exterior oculta àquela estrutura. “A perspectiva sociológica pode então ser compreendida em termos de uma frase coloquial como ‘olhar por trás dos bastidores’”. (pg. 40).

Um “problema social” é diferente de um “problema sociológico”. Um problema social geralmente é dito quando alguma coisa na sociedade não funciona como deveria, segundo interpretações oficiais. Numa sociedade, há dois lados de uma mesma história; o problema para um, torna-se a solução para outro. “O problema sociológico é sempre a compreensão do que acontece em termos de interação social. (...) o problema sociológico consiste menos em determinar por que algumas coisas ‘saem erradas’ do ponto de vista das autoridades do que conhecer como todo o sistema funciona, quais são seus pressupostos e como ele se mantém coeso. O problema sociológico fundamental não é o crime, e sim a lei, não é o divórcio, e sim o casamento, não é a discriminação racial, e sim a estratificação por critérios de raça, não é a revolução, e sim o governo”. (sic) (pg. 47).

“Aquilo que constitui um ‘problema’ para um sistema social é a ordem normal das coisas para outro, e vice-versa. Lealdade e deslealdade e traição são definidos em termos contraditórios pelos representantes dos dois sistemas” (sic). “Os ‘problemas’ que o sociólogo desejará resolver referem-se a uma compreensão da situação social em seu todo, aos valores e métodos de ação em ambos os sistemas e à maneira como os dois sistemas coexistem no tempo e no espaço”. (pg. 48).

“(...) as raízes da desmistificação na sociologia não são psicológicas e sim metodológicas. O quadro de referência sociológico, seu método inerente de procurar outros níveis de realidade além dos definidos pelas interpretações oficiais da sociedade, traz consigo um imperativo lógico de desmascarar suas ações recíprocas”. (pg. 49).

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“(...) viver em sociedade significa existir sob dominação da lógica da sociedade. (...) para descobrir essa dinâmica interna da sociedade, o sociólogo terá muitas vezes de desprezar as respostas que os próprios atores sociais dariam a suas perguntas e procurar as explicações de que eles próprios não se dão conta. Esta atitude essencialmente durkheimiana foi levada à abordagem teoria hoje chamada de funcionalismo”. (pgs. 50-51).

“Na análise funcional, a sociedade é analisada em termos de seus próprios mecanismos como sistema, e que muitas vezes se apresentam obscuros ou opacos àqueles que atuam dentro do sistema. O sociólogo americano contemporâneo Robert Merton expressou bem essa abordagem em seus conceitos de funções ‘manifestas’ e ‘latentes’”. “Manifestas” são funções conscientes e deliberadas dos processos sociais; “latentes” são funções inconscientes e involuntárias. Ex: a função manifesta da legislação anti jogo pode ser suprimir o jogo, e sua função latente criar um império ilegal para as organizações promoverem o jogo clandestino. Ideologia é dito pelos sociólogos ao se referirem a concepções que servem para justificar os privilégios de algum grupo. “(...) tais concepções distorcem sistematicamente a realidade social, da mesma forma como um indivíduo neurótico pode negar, deformar ou reinterpretar aspectos de sua vida que lhe sejam inconvenientes”. (pg. 51).

“(...) o conceito de ‘ideologia’ para a abordagem denominada ‘sociologia do conhecimento. Em tais análises, as ideias segundo as quais os homens explicam suas ações são desmascaradas como auto ilusão, técnica de vendas, o tipo de ‘insinceridade’ a que David Riesman se referiu como o estado de espírito de um homem que acredita habitualmente em sua própria propaganda. Destarte, podemos falar de ‘ideologia’ quando analisamos a crença de muitos médicos americanos de que os padrões de saúde declinarão se for abolido o método de pagamento direto cliente-profissional, ou o ponto de vista de muitos agentes funerários de que funerais baratos demonstram falta de afeto pelos entes que perderam, ou ainda o fato de muitos animadores de televisão definirem os testes de conhecimento como ‘educativos’”. “(...) todas essas ideias constituem não só abrandamentos individuais de culpa ou expressão de anseio de status, como representam também as auto interpretações oficiais de grupos sociais inteiros, a que seus membros estão obrigados sob pena de excomunhão”. (pg. 52).

O sociólogo tem como paradigma a não respeitabilidade da consciência sociológica; da consciência já presente na sociedade na qual o sociólogo deve questionar e investigar. A não respeitabilidade não implica necessariamente numa atitude revolucionária; “(...) a percepção sociológica é refratária a ideologias revolucionárias (...) ela enxerga não só através das ilusões do status quo atual como também através das expectativas ilusórias concernentes a possíveis futuros, sendo tais expectativas o costumeiro alimento espiritual dos revolucionários”. (pg. 58).

“(...) a respeitabilidade total de pensamento determinará invariavelmente a morte da sociologia. Esse é um dos motivos pelos quais a verdadeira sociologia desaparece imediatamente nos países totalitários, como bem exemplifica o caso da Alemanha nazista”. “(...) a compreensão sociológica é sempre potencialmente perigosa aos olhos de policiais e outros guardiães da ordem pública, uma vez que ela tenderá sempre a relativizar a pretensão de absoluta correção em que tais pessoas gostam de repousar o espírito”. (pg. 59).

“(...) as sociedades tradicionais conferem identidades definidas e permanentes a seus membros. Na sociedade moderna, a própria identidade é incerta e mercurial”. A sociedade moderna apresenta um aspecto típico – os peritos que resolvem questionamentos cotidianos em sociedade do que esperar dos entes sociais; viver em sociedade moderna significa viver em constante mutação dos papéis sociais. (pg. 60).

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“A mobilidade social, isto é, o movimento de uma camada social para outra, reforça esse tipo de efeito relativizador. Onde quer que ocorra um processo de industrialização, é injetado um novo dinamismo no sistema social. Grandes massas de pessoas começam a modificar sua posição social, em grupos ou como indivíduos. E geralmente essa modificação se dá num sentido ‘ascensional’”. (pg. 61).

“(...) a consciência da relatividade, que com toda probabilidade, em todas as épocas da História, foi monopólio de um pequeno grupo de intelectuais, hoje se apresenta como um amplo fato cultural, que se estende até as camadas inferiores do sistema social”. (pgs. 61-62).

“É impossível existir com plena consciência no mundo moderno sem perceber que os compromissos morais, políticos e filosóficos são relativos, que, como disse Pascal, o que é verdade de um lado dos Pireneus é mentira do outro”. (pg. 62).

Alternação, em sociologia, é a escolha de modo de vista que o indivíduo adotará para olhar sua própria biografia. “A cada alternação, o sistema de significados que ele adota proporciona-lhe uma explicação de sua própria existência e de seu mundo, incluindo-se nessa interpretação uma explicação do sistema de significados que ele abandonou. Além disso, o sistema de significados lhe oferece instrumentos para combater suas próprias dúvidas”. (pg. 63).