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..... João Bernardo na UFSC ..... 01/06/2005 - O polêmico pensador português João Bernardo esteve na UFSC ministrando o curso "Labirintos do Fascismo". Foram duas semanas de conversas e instigantes provocações. Durante esse período, Bruno Felipe Miranda- bolsista do CNPq/LASTRO realizou uma longa entrevista na qual João Bernardo fala sobre o movimento dos trabalhadores, a política internacional e o papel dos intelectuais. Apresentação Essa entrevista faz parte da coleta de dados para a pesquisa integrada desenvolvida no LASTRO (Laboratório de Sociologia do Trabalho), coordenada pelo Prof. Dr. Fernando Ponte de Sousa, entitulada “Brasil na Mundialização – trabalhadores, empresários e Estado no processo decisório”. Ela iniciou em 1998 e analisa a participação do sindicalismo, do empresariado e do governo, assim como o poder decisório de cada parte às ações referentes à consolidação do MERCOSUL e da ALCA. A entrevista a seguir abarca assuntos ligados ao movimento operário, à política internacional e blocos econômicos, à contemporaneidade sócio- política da América Latina e o papel do intelectual dentro e fora da universidade. Bruno: Gostaria que você falasse sobre a incorporação de Portugal à União Européia, levando em conta a situação periférica da economia de Portugal e fizesse um paralelo, se isto for possível, com a situação do México no NAFTA e do que muitos dizem que pode ocorrer com o Brasil na ALCA. A economia portuguesa dentro da União Européia obteve alguma vantagem econômica? João Bernardo: Minha primeira grande dificuldade é que muito correntemente vocês raciocinam em termos nacionalistas, em termos de blocos. Eu não faço isso. Hoje, e isso significa desde meados dos anos 70, o que se tornou dominante são as transnacionais. E as transnacionais não

BERNARDO, João. Entrevista de João Bernardo

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BERNARDO, João. Entrevista de João Bernardo

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.....Joo Bernardo na UFSC.....

01/06/2005 - O polmico pensador portugus Joo Bernardo esteve na UFSC ministrando o curso "Labirintos do Fascismo". Foram duas semanas de conversas e instigantes provocaes. Durante esse perodo, Bruno Felipe Miranda- bolsista do CNPq/LASTRO realizou uma longa entrevista na qual Joo Bernardo fala sobre o movimento dos trabalhadores, a poltica internacional e o papel dos intelectuais.

ApresentaoEssa entrevista faz parte da coleta de dados para a pesquisa integrada desenvolvida no LASTRO (Laboratrio de Sociologia do Trabalho), coordenada pelo Prof. Dr. Fernando Ponte de Sousa, entitulada Brasil na Mundializao trabalhadores, empresrios e Estado no processo decisrio. Ela iniciou em 1998 e analisa a participao do sindicalismo, do empresariado e do governo, assim como o poder decisrio de cada parte s aes referentes consolidao do MERCOSUL e da ALCA.A entrevista a seguir abarca assuntos ligados ao movimento operrio, poltica internacional e blocos econmicos, contemporaneidade scio-poltica da Amrica Latina e o papel do intelectual dentro e fora da universidade.

Bruno: Gostaria que voc falasse sobre a incorporao de Portugal Unio Europia, levando em conta a situao perifrica da economia de Portugal e fizesse um paralelo, se isto for possvel, com a situao do Mxico no NAFTA e do que muitos dizem que pode ocorrer com o Brasil na ALCA.A economia portuguesa dentro da Unio Europia obteve alguma vantagem econmica?Joo Bernardo: Minha primeira grande dificuldade que muito correntemente vocs raciocinam em termos nacionalistas, em termos de blocos. Eu no fao isso. Hoje, e isso significa desde meados dos anos 70, o que se tornou dominante so as transnacionais. E as transnacionais no so mais norte-americanas ou japonesas. Elas so transnacionais. Falar em termos de imperialismo norte-americano hoje totalmente errado na minha opinio. Se h um imperialismo hoje o das transnacionais, que constitui uma outra geopoltica. Eu no fao parte desta corrente, que analisa as coisas deste jeito, desta maneira. Esta corrente muito pouco estimada dentro da esquerda brasileira, que uma esquerda profundamente nacionalista. A nica parte da esquerda brasileira que era internacionalista, que nasceu em ruptura com o varguismo era o PT. Transformou este internacionalismo agora em partidrio das transnacionais. Ento no h muita gente aqui a ter este ponto de vista.O Brasil, engolido ou no engolido por este tipo de instituio que voc disse, no tem outro remdio seno entrar na rede das transnacionais. Os nicos pases que eu conheo que no esto dentro desta rede so o Haiti, o Congo, quer dizer, aqueles pases que esto num grau de infra-misria. Do outro lado o Brasil tem tambm transnacionais bastante fortes operativas no Terceiro Mundo. A poltica do Brasil do governo Lula que vem desde Fernando Henrique Cardoso muito interessante. A de tentar fazer um bloco com a ndia, a frica do Sul e a China. Uma poltica para desenvolver transnacionais de Terceiro Mundo, para empregar a expresso Terceiro Mundo.Bom, nesta perspectiva que eu veria as coisas. A economia mexicana engolida pela dos EUA?Por que que vocs nunca falam tambm da economia canadense? engolida pela dos EUA h mais tempo. S porque o Canad um pas mais prspero? Mas foi engolida. O Canad um apndice econmico dos EUA. Isto no significa politicamente que eu sou a favor da entrada do Brasil na ALCA. No, no estou. Mas s por razes polticas, no econmicas. Acho que tudo aquilo que pe em causa a fora do governo de Washington bem-vindo. Mas no me parece que este seja o grande centro das questes.Eu estou muito pouco ocorrente do que se passa em Portugal. Portanto, no sou capaz de fazer esta comparao. A entrada de Portugal na Unio Europia era inelutvel. Portugal era o pas com o maior nmero de emigrantes na Europa. Basta isto, pensar nisto. Se Portugal no entrasse na Unio Europia, esta legio de emigrantes estrangeiros ficaria numa situao muito difcil...embora a esquerda estivesse sempre oposta entrada na UE. A minha posio no era esta.Mais uma vez. Eu no raciocino em termos de naes, de blocos nacionais. Eu raciocino em termos de modos de explorao capitalista. O capitalismo no deixaria de existir em Portugal se ele no tivesse entrado na UE. As foras polticas que se opuseram entrada de Portugal na UE foram salazaristas. Portugal s entra na UE depois da queda do salazarismo. E depois da derrota do processo revolucionrio. Claro, se o processo revolucionrio tivesse triunfado em Portugal, teria sido outra coisa.Bom, piorou ou melhorou a situao portuguesa? Em certos aspectos melhorou. A situao geral portuguesa melhorou depois da queda do fascismo. A populao vivia numa misria abjeta. Hoje em dia tem acesso a uma quantidade de bens de consumo.Pases que antes, h no muitos anos atrs, tinham um grau de desenvolvimento inferior ao portugus, como a Irlanda, vai entrar na UE e ter um crescimento enorme. Duplicaram, mais que duplicaram o PIB per capta. Mas Portugal no. A indstria portuguesa acabou! Durante dcadas, o salazarismo construiu uma indstria inteiramente condicionada por pautas aduaneiras. O problema que a esquerda adoraria. Faz o mesmo. A, fez uma indstria incapaz de ser competitiva a nvel mundial. Ento acabou a indstria portuguesa. Portugal vive de vender coisas produzidas nos outros lados. Uma espcie de grande shopping center. Realmente comrcio e servio. Mas o servio no servio de ponta, eletrnico. Isso no, coisa arcaica.E a situao continua sendo a pior. o pas europeu com um dos menores ndices de crescimento. Voc ainda encontra alguns que esto abaixo. Portanto a sua posio relativa vai piorar ao longo do tempo.

Bruno: E o movimento operrio portugus? De que modo ele tem reagido a esta integrao?Joo Bernardo: O movimento operrio portugus tem sido derrotado. A grande derrota foi a do movimento revolucionrio de 1974/75. Se baseava em comisses de trabalhadores. Depois disso que vai surgir a institucionalizao dos sindicatos. Havia sindicatos antes, no mesmo. Sindicatos fascistas. Depois da queda do fascismo, os sindicatos ficaram livres. S que a base no se organizava em sindicatos, organizava-se em comisses de trabalhadores. A fora dos sindicatos vem com a derrota das comisses de trabalhadores. Os sindicatos portugueses tm muito pouca expresso. Talvez em profisses mais tradicionais. A esmagadora maioria dessas pessoas que trabalham nestes ofcios trabalha com contratos a prazo. Ento trabalha em situaes muito precrias.Depois voc tem o problema da enorme imigrao para Portugal. Portugal, at uma data recente, foi sempre um pas de emigrantes. Exportava gente para tudo que era lado. Como vocs sabem, desde as chamadas descobertas at os anos 70. Depois passou a ser um pas de imigrantes. Brasileiros, como voc sabe e os africanos vindos das ex-colnias portuguesas. E depois vindo da Europa do Leste. Ucrnia, Polnia e antiga Iugoslvia. Estas pessoas se dedicam a trabalhos mais ruins, so extremamente mal pagas, e s vezes nem sequer pagos so. E no podem recorrer Justia do Trabalho porque so ilegais. A esmagadora maioria. Se recorrem Justia do Trabalho so postos fora. Para os patres uma situao tima. No momento no esto interessados na legalizao.A economia portuguesa est muito mal. No est pior ainda do que est porque tem esta fora de trabalho mal paga, ultra-explorada. Quando estava agora vindo ao Brasil, havia um menino fazendo check-in atrs de mim, em Lisboa e tinha estado h trs meses a trabalhar em Portugal. E no recebeu nada. O patro no lhe pagou. Tinha o visto de turista para trs meses e tinha de renovar. Decidiu ento regressar. Com trs meses sem pagar ele no vai ter nenhuma garantia de ser pago alguma vez. Foi para Portugal, gastou o preo da ida e volta do bilete e l era um restaurante, dava para comer. O resto foi gratuito, o chamado trabalho escravo, no? Claro que no era escravo porque podia se mover, tinha mobilidade, podia ir para outro lugar que no pagasse tambm, no ???Mas isto um detalhe do que se passa com muita, muita gente.

Bruno: Voc se referiu s comisses de trabalhadores. No mbito do Mercosul tudo indica que os trabalhadores no participam do poder decisrio, o que d um carter economicista ao bloco. Suas reivindicaes, quando ocorrem, no tm carter deliberativo. So consultivas somente. O protagonismo fica por conta do empresariado, que se rene e se organiza paralelamente aos encontros oficiais. Possui vrios canais de abertura junto aos governos de cada pas.Existe uma central sindical do Cone Sul que abarca as outras centrais do demais pases, mas que se mostra pouco articulada e distante das bases. Em uma de suas obras, Capital, sindicatos, gestores, voc destaca o papel exercido pelos dirigentes sindicais no controle da fora de trabalho.Gostaria que voc fizesse uma avaliao sobre a relao cpula-base sindical e se j se pensa em alternativas para organizao dos trabalhadores.Joo Bernardo: Olha, escrevi um livro chamado Internacionalizao do Capital, Fragmentao dos Trabalhadores. Ento o que se sucede no Mercosul o mesmo caso da internacionalizao do capital e fragmentao dos trabalhadores.Quando trabalhava bastante na CUT, dava cursos, palestras, organizava de debates, coisas assim, tinha muito contato com dirigentes sindicais. E eles mostravam total inoperncia dos contatos intersindicais entres os pases do Mercosul. Davam casos de greves, no sei se na Ford ou na Volkswagen, em que, claro, o patronato autorizava as empresas de um pas para suprir as deficincias da produo nas outras e os sindicatos nem sequer contataram. Os sindicatos nem sequer passavam informao.Na UE, existe uma estrutura sindical supranacional, suponhamos, totalmente burocrtica, quer dizer, com uma formalidade, e mesmo nesta o patronato impede o seu desenvolvimento...os trabalhadores, ou seja, os dirigentes sindicais tambm no parecem interessados em prosseguir isso. No se verifica nenhuma forma de internacionalizao de sindicatos, por mais burocrtica que seja...que fosse, no se verifica nem isso. E do outro lado ns temos o capital. Totalmente internacionalizado! Mais, transnacionalizado. Como que os trabalhadores podem retorquir esta situao?Olha, a nica maneira internacionalizar-se, mas como? No h nada em vista! Nem haver proximamente. Vai continuar assim, porque se nem no interior dos pases a classe trabalhadora se reorganizou e se reunificou...os part-time continuam por um lado, os terceirizados por outro, os trabalhadores mais qualificados estveis por outro, quer dizer, a antiga solidariedade dos trabalhadores por unidade de produo hoje danou completamente. Os trabalhadores esto repartidos por categorias e pelas empresas que so as donas deles. Os terceirizados trabalham numa dada empresa, mas so pagos por uma outra. Os part-time so pagos pelas empresas part-time. Os que trabalham para subcontratantes a mesma coisa, na mesma linha de produo. E na mesma unidade de produo voc tem trabalhadores totalmente cortadas as suas possibilidades de solidariedade.Os sindicatos caminham neste sentido? No, no caminham. Quando eu sa da CUT, eles tentaram fazer federaes de sindicatos ligados telefonia para fazer contatos com outras fuses de outras empresas, mas no conseguiram. A coisa bsica isto: nenhum sindicato precisa do nmero de diretores que tem. Claro, quem que vai prescindir daquelas mordomias?Porque se fizesse o tal do sindicato unificado, ele iria ter, sei l, 118 diretores ou outro nmero assim grande, no ? Ou mais certamente ainda.Agora, haveria de estudar com mais detalhes. Estou a dar episdios pitorescos. Estudar com detalhes em que medida estas burocracias se opem unificao dos sindicatos. Isto a fcil de entender. Mas mesmo a criao de organismos de cpula, que d mais lugar para burocracias, que fizessem uma certa federao, um certo inter-relacionamento, eu no sei explicar por que razes as burocracias nem isto acertam. Ento isto significa que os trabalhadores esto desunidos perante os blocos e s transnacionais. Totalmente!Nem tm organizaes burocrticas que os defendam, nem eles mesmos a nvel mais autnomo, com comisses de trabalhadores ou o quer que seja conseguem fazer isto.

Bruno: A reforma sindical a ser votada pelo Congresso Brasileiro vai neste sentido, destituindo alguns direitos sindicais e tornando-os passveis de negociao direta empresa-sindicato. Assim, retira-se o intermdio do Estado. Esta uma tendncia reformista nos demais pases menos industrializados...Joo Bernardo: H muitos anos, h muitas dcadas. No se trata de dizer que est para ser concretizada. J foi, j foi h muito tempo. Em geral as reformas no mudam nada. O que eu acho que as reformas fazem reconhecer formalmente uma situao de fato. Se no, chamam-se revolues. As coisas j esto na prtica, mas ainda no est reconhecido.Se voc vai ver ponto a ponto a reforma sindical aqui prevista, as coisas j esto assim. O isolamento dos sindicatos relativamente aos trabalhadores no comeou...e eu digo isto quantas e quantas vezes, em livros, em aulas...mais uma vez. Na histria recente, o isolamento dos sindicatos no comeou com a ofensiva neoliberal. Ela comeou com a ao dos trabalhadores nos anos 60 e 70 desenvolvendo um movimento autnomo e as chamadas greves selvagens. Eram os dirigentes sindicais que chamavam estas greves de selvagens, porque ocorriam fora da gide dos sindicatos. Os sindicatos faziam aquelas greves habituais nos perodos da discusso para a contratao coletiva e com isso se mantinha o sistema keynesiano, social-democrata. Acertava-se em que porcentagem os salrios iam aumentar, em que porcentagem a emisso da massa monetria ia aumentar e corria assim a economia. Os trabalhadores comearam rompendo com isso, comearam recusando este sistema.O primeiro grande ataque contra o welfare state foi feito pelos trabalhadores do sistema autnomo por meios de ocupao de fbrica dos anos 60 e 70. A os capitalistas viram que o taylorismo j no dava resultados, que eles j no conseguiam conter os trabalhadores com o taylorismo. A funda-se o toyotismo. Agora, como que fica o sindicato? Que no estimula minimamente as opinies, a independncia crtica dos trabalhadores, perante uma empresa toyotista, que faz um estmulo enorme a que os trabalhadores digam a sua opinio???Ah! Mas muito condicionado! Claro que muito condicionado! Mas a sua opinio!E os sindicatos? Estimulam o trabalhador a dar sua opinio ao que quer que seja? Nunca!

Bruno: A prpria participao dos trabalhadores j muito pequena...Joo Bernardo: Claro! Ento por que h que ser mais? Quando os trabalhadores sentem que a empresa toyotista, pelo fato de os escutarem, se sentem um pouco mais democrticos, colocando aqui todas as aspas...Agora, o problema se eles pem as aspas ou no, entende?Portanto, se eles se sentem um pouco mais democrticos do que no sindicato, a, por que eles ho de estar contra?S mais um acrscimo: quando voc estuda a origem da CUT, por que que a CUT se pode agora queixar de falta de apoio da base, se quando a CUT se estruturou, se estruturou a partir do topo e no a partir da base, que era a outra alternativa proposta na altura pelas oposies?Esta era a linha das oposies nas empresas. A idia era fazer um novo sindicalismo, no era s o novo pelo fato de fazer as coisas iguais s outras, mas com outro nome. Era o novo na sua prpria concepo. Isso acabou! Eles acabaram com isto desde o comeo. Agora se queixam da base.

Bruno: A greve continua sendo a melhor forma de luta? No contexto brasileiro as conquistas por meio de greves tm sido insignificantes. Trazendo para um universo prximo, aqui, na prrpia universidade, os prprios alunos agem geralmente contra a deciso de greve dos servidores e docentes e os resultados das greves depois de passados vrios meses so muito poucos...Joo Bernardo: Olha, uma greve com ocupao e manuteno das empresas laborando alguma coisa de extremamente importante. Isto o comeo de uma afirmao de uma possvel sociedade diferente. Os trabalhadores tomando conta da economia.A forma como so conduzidas as greves na educao uma coisa lamentvel. Os professores limitam-se a no dar aulas. E como os governos no tm uma necessidade preeminente, no ... Educao uma coisa a longo prazo. No como fabricar automveis ou qualquer outra coisa assim. Para fabricar automveis com toyotismo ou com sistema just in time, voc tem a necessidade imediata daquela pecinha.No sistema educacional, no h necessidade. Qual o problema que atrase em dois meses ou trs meses o estudo do Kant? No causa perturbao nenhuma a ningum.Nunca, no entanto, os professores se lembraram de fazer greves por exemplo dando aulas. Simplesmente ao invs de darem aulas habituais, darem aulas de maneira crtica. Ou fazer de uma maneira diferente com os alunos. Mas claro, isto comprometeria a dignidade do professor. Alm do que, para fazer aula de uma maneira diferente preciso saber mais. E isso d mais trabalho.Eu vi uma coisa, observei h pouco tempo, no sei se foi o Garotinho ou se foi a esposa dele, que disse que se devia ensinar o Creacionismo nas escolas. Eu no sei se ensinar alm da teoria da evoluo ou se era s o Creacionismo. Ou seja, isto uma coisa de uma gravidade, para mim, incalculvel. Isto fazer no Brasil pela primeira vez o que se faz nos Estados Unidos, que corrente, o Creacionismo ensinado. Isto um ato de obscurantismo que pe em causa tudo o que atividade acadmica, dita por pessoas que tm uma importncia poltica muito considerada dentro do pas. Houve alguma greve de professores alertando para uma coisa destas? Houve alguma movimentao de professores alertando para uma coisa destas? No tenho conhecimento que tenha havido.Ento, h setores profissionais em que se no se repensa a greve, sobretudo todos aqueles setores que tem um grande contato com o pblico, ela no uma arma muito interessante.No salazarismo, em que eram proibidas as greves, uma greve das poucas assim que se conseguiu fazer nos meios do transportes pblicos urbanos, foi de no cobrana das passagens. Os transportes estavam funcionando. O governo teve de ceder. Eles tinham apoio enorme da populao, claro.Nos tempos do salazarismo houve greves de mdicos da seguinte maneira: os hospitais tratavam da mesma maneira dos doentes s que no cobravam. Hoje em dia as greves de mdicos em Portugal nos hospitais recusados a tratar dos doentes a no ser as urgncias. Conseguem ter contra eles a unidade dos doentes, como evidente. Este tipo de greves, assim desta maneira, parece-me francamente negativo. O outro tipo de greves, no! Continua sendo muito interessante. Mas como eu disse, greves com ocupao. Mas nenhum sindicato est interessado em fazer greves com ocupao. A no ser a CUT do princpio. Houve algumas mobilizaes muito boas, mas os que organizaram estao agora no governo sabendo como desorganiz-las, portanto...Um exemplo de luta eficaz a dos piqueteiros na Argentina, coisa deste tipo. Em Frana, por exemplo, o pas nico que tem tipo de lutas com xito, contra pacotes neoliberais, obrigando governos a recuar. Pergunta: voc sabe qual o pas europeu com menos taxa de sindicalizao? Resposta: a Frana, claro. precisamente por isso que ela pode fazer estas greves.Qual o pas europeu com maior taxa de sindicalizao? A Alemanha. A no se pode fazer porque os sindicatos esto controlando a fora de trabalho e no deixam fazer.

Bruno: A fragmentao da classe trabalhadora aliada ao individualismo burgus da classe mdia brasileira traz poucas perspectivas ao mundo do trabalho. No Brasil, mais da metade dos trabalhadores brasileiros est inserida no mercado informal, sem registo em carteira. Isto talvez possa indicar uma brecha, uma abertura para iniciativas de cooperativas autonmas, autogestionrias. Gostaria que voc comentasse sobre experincias recentes de cooperativas que possa ter acompanhado.At que ponto a independncia proporcionada por este tipo de organizao pode ser considerada um enfrentamento internacionalizao do capital?Joo Bernardo: Voc est falando da economia solidria do Paul Singer. Isso para mim um conjunto de demagogias, caquexias. Caquexia imaginando que aquelas cooperativas de velhinhas fazendo renda podem se opor s transnacionais, podem criar uma moeda que se oponha s transnacionais. realmente inimaginvel que algum com perfeito uso de suas faculdades mentais diga isso. Mas a questo que no um indivduo, um grupo de pessoas. Um nmero considervel que est em Braslia e que acha isso. Ento isto que o ponto. Que no uma questo individual.Aqui a questo bsica o que se chama de cooperativas. Nesta viso de economia solidria, os trabalhadores continuam sendo geridos por uma administrao que lhes exterior. A que o centro do capitalismo. O centro do capitalismo so as relaes sociais de trabalho. Quando as relaes sociais de trabalho no so alteradas, voc continua tendo capitalismo.

Bruno: S mudou o nome...Joo Bernardo: Em Portugal, 74/75, que a grande parte da economia acabou por ficar nas mos dos trabalhadores, em muitas empresas, continuavam pessoas da velha administrao administrando. Outras colocaram isto em causa. Faziam rotatividade de funes, votao em assemblias, etc. A comeam alterando as relaes de trabalho.Ento, toda uma parte considervel do trabalho que tem o esforo feito pelas pessoas da economia solidria a formao de tecnocratas de terceira ordem para dirigir estas empresas de terceira ordem. Estas incubadoras, este tipo de coisas. Trata-se de formar tecnocratas que vo dirigir aqueles trabalhadores. No vai alterar em nada as relaes de trabalho.Se fala muito em Mondragon...voc j ouviu falam em Mondragon? uma cooperativa espanhola que se transformou numa transnacional. H uns anos atrs, no Frum Social de Porto Alegre...o nico em que eu fui porque foi o nico em que eu fui convidado, estava na mesa, dentre vrias pessoas, uma senhora de Mondragon. Ela falou e depois durante o debate, eu coloquei a questo: em Mondragon houve alterao das estruturas administrativas? Quem administra so administradores profissionais? Existe rotativismo, etc?Ela pura e simplesmente no respondeu minha pergunta. Como habitual no se responder...o silncio dela era ele mesmo a resposta. Ento o nico interesse que estas empresas podem ter evitar que estes trabalhadores vo para o desemprego. o nico. Mas eles continuam sendo explorados, neste caso, estritamente pelos administradores, no pelo patro burgus. Mas explorados atravs da mais-valia, dos mecanismos habituais. Continua existindo da forma habitual. O que faz a economia solidria neste tipo de coisa o desenvolvimento deste tipo de coisas. a formao de pessoas numa sub-tecnocracia de terceira ordem para dirigir este tipo de coisas. Outra coisa muito diferente , num processo de luta crescente, os trabalhadores apropriarem-se da empresa e quando isto sucede, em processos gerais de luta, algo altera-se nas relaes sociais de trabalho. No tudo, claro.

Bruno: Ser anti-capitalista para a esquerda tradicional brasileira ser anti-estadunidense. O discurso anti-imperialista focaliza o confronto entre naes pobres e ricas e impede o debate sobre a necessidade do internacionalismo da luta de classes. A esquerda latino-americana tem de rever sua atuao?Com relao intelectualidade, h certa resistncia e retardo acadmico em analisar e discutir fenmenos recentes na Amrica Latina que se propem a criar algo novo, no anteriormente posto em prtica. O zapatismo se insere nestas prticas, dentre outras mobilizaes, e levanta a questo da disputa pelo poder. Sobre a tomada ou no do poder.A anlise intelectual de esquerda tambm precisa ser revista?

Joo Bernardo: Quando voc analisa em termos de naes, as aes so estruturadas em classes. Tem os governos, as classes dominantes, elites dentro das classes dominantes. Esta uma forma que agrada aos intelectuais porque tm a seu papel assegurado e perpetuado. Em geral no tm mostrado interesse ou no tm interesse nenhum pelas lutas da classe trabalhadora. analisado por estudantes em teses, dissertaes, estudantes mesmo. Da os professores orientam, claro. Na maioria dos livros que se v, o enfoque o enfoque dos confrontos nacionais. Sobretudo a Amrica Latina contra os EUA. Bom, uma forma dos intelectuais pretenderem reforar o seu papel, sua posio contra uma concorrncia de outros grupos da classe dominante centrados em outros pases.Bom ...mas parece que no seja por a que se pe em causa o capitalismo. Quando eu digo no parece a que eu tenho a certeza, no ?Os intelectuais, eles tm um grande fascnio pelo poder. Isto muito interessante. Eles no tm poder, mas analisam o poder. um pouco do complexo do bobo de corte. Ele gostava de estar na corte...Quando algum os convida para ir ao palcio presidencial dar sua opinio eles ficam como gatinho que voc possa varrer ...ficam num estado de satisfao enorme! Tm um completo desprezo por aquelas lutas comuns, aquelas lutas, enfim, que fazem o comum da populao. Por que que no haviam de ter? claro que no so todos os intelectuais. Mas a grande maioria.Eu no simpatizo com os norte-americanos. Agora, vamos ver. Existe uma cultura norte-americana? No existe. Foi destruda. Existe uma cultura das transnacionais que triunfou completamente nos EUA. Quase completamente no Japo. E ainda no nos outros pases. Pases que fazem resistncia a isto.Por que que o Brasil t cheio de botecos em vez de ter fast-foods ? Boteco no rentvel em termos capitalistas. ? Por resistncias das pessoas.Pode-se fazer forr e conversas de grupo nos botecos. Mas no McDonalds no pode. Nos botecos pode. So resistncias, a meu ver, exemplares. No so resistncias aos EUA. So resistncias uma cultura transnacional. Esta cultura transnacional destruiu a cultura dos EUA. As ltimas coisas da cultura dos EUA foram produzidas nos anos 30. Depois disto s marginais que a fazem. Kerouac, Bukowski, marginais mesmo. Vadios, vagabundos, malandros, marginais. O resto da cultura oficial ou est expatriada ou foi totalmente assimilada. Eu posso estar exagerando porque h sempre excees nestas coisas, mas esta a tendncia dominante.Ento a antipatia que eu tenho pelos EUA no a antipatia que eu tenho pela raa norte-americana. pela cultura das transnacionais. Pessoas dizem: aquele povo estpido! efetivamente estpido, estupidificado pela cultura das transnacionais. E o mesmo est se sucedendo a ns por aquilo que a gente est vivendo, essa proliferao de shopping centers, televises, etc. De tudo que tem de desestruturao, de futilidade, de fragilizao...H 21 anos que estou dando aulas no Brasil e h 21 anos os alunos no eram to ignorantes como so hoje. No conhecem nada! E por que que eles haviam de conhecer se ningum os pressiona nunca a ler ou mesmo a estar concentrado durante quinze minutos???Quem est nos cursos comuns no consegue ter esta concentrao. Isto esse mesmo tipo de cultura. Vocs esto caindo no mesmo tipo de estupidificao. Esta que uma grande questo. Isto no tem a ver com os Estados Unidos.Quando se fala em Hollywood exportar a sua cultura, ser que os intelectuais brasileiros se esquecem que a Rede Globo exporta telenovelas para tudo que pas do Terceiro Mundo? Ou ser que por ser brasileiras, elas so melhores?Portanto no globalmente. So pequenos grupos de capitalistas em cada pas. Portanto no o imperialismo norte-americano. outra coisa. Se pode muito bem falar em imperialismo ento brasileiro. Este tipo de coisa me parece que interessante.O capitalismo j tem duzentos anos. E a gente viu o mau resultado sistemtico de todas as tentativas de acabar com o capitalismo, ou de o renovar que foram feitas por elites dominantes. Vamos continuar insistindo, mas totalmente irracional. Voc pode negar a lei da gravidade dizendo que aconteceu at agora, mas talvez no acontea no futuro. Voc continua largando o copo e o copo continua partindo.Bom, estas correntes de intelectuais de esquerda tm uma espcie de ceticismo inverso. Todos os desastres anteriores no elucidam. Vamos continuar a apoiar, no caso da Amrica Latina, os mesmos populismos, continuar defendendo os mesmos nacionalismos, quando a gente j viu quais eram as consequncias dos populismos e dos nacionalismos. Se v agora que no h qualquer lugar para nacionalismos, por que as empresas no esto mais nacionalizadas. Nacionalismo hoje em dia representa enfraquecimento dos trabalhadores perante o capital que transnacional. Enquanto os trabalhadores forem nacionalistas e o capital transnacionalista, o capital est timo.

Bruno: Joo, para fechar. O processo bolivariano na Venezuela: trata-se da repetio do populismo to tradicional latino-americano ou algo que se prope como prtica poltica realmente alternativa?Joo Bernardo: Olha, o que eu tenho acompanhado uma repetio do populismo em condies mais graves ainda porque corresponde realmente a uma fratura de classes no pas. A grande fratura de ricos contra pobres.Os petroleiros fizeram greve? Sim, mas ao lado dos patres. Eram caras muito bem pagos.Bom, essencialmente uma luta de ricos contra pobres. Os habitantes dos condomnios armam-se e arrumam seguranas com medo de que o das favelas ataquem. O que eu digo que grave que este confronto de classes, enquanto ele passar atravs do populismo no estilo chavista no ser um confronto de classes que acaba com o capitalismo. Vai reforar a classe dominante, uma tecnocracia dominante, um aparelho de Estado. Vai reforar estruturas de poder. Ento a desenvolve-se o plebiscitarismo e outras formas semelhantes.Ento eu sou contra o Chavez? Sou, eu sou contra o Chavez. Em geral costumo ser sempre contra os governantes. Sou a favor dos outros? No, menos ainda. O grande problema que as lutas sociais no tm dois lados. No geral tm trs lados. E os intelectuais querem um tipo de simplificao. A funo deles reduzir a dois lados.

Bruno: Quais so os trs lados?Joo Bernardo: A classe trabalhadora. o terceiro lado. Seno a gente est na artimanha que sucedeu na Guerra Fria. Se voc ler Os mandarins, da Simone de Beauvoir, exatamente isso. Ela vai mostrar porque que o Sartre vai apoiar a Unio Sovitica embora saiba que tem campos de concentrao com trabalho escravo. Ele diz que de qualquer forma aqui que est o progresso e os EUA so o retrocesso. Mas no se lembrava que havia o terceiro lado. A classe trabalhadora que estava na Unio Sovitica. Claro, que lutava tambm e que vivia nos campos de concentrao tambm. Houve grandes greves nos campos de concentrao e que no estavam nos Estados Unidos. S podem existir dois lados com a condio de eliminar o terceiro. S pode por dois lados nas lutas sociais com a condio de eliminar a classe trabalhadora. E a voltamos a minha resposta pergunta anterior. Pouca ateno ao cotidiano dos trabalhadores.

Entrevistador: Bruno Felipe Miranda Bolsista CNPQ - LASTRO

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