Bertha Becker Pequenos empreendimentos

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    Pequenos Empreendimentos Alternativos naAmaznia

    Bertha K. Becker

    Philippe Lna

    Setembro, 2002

    Coordenao do Projeto:

    Helena M. M. Lastres, Jos Eduardo Cassiolato,

    Marina Szapiro, Sarita Albagli, Liz-Rejane Legey

    Cristina Lemos e Maria Lcia Maciel

    Apoio Financeiro

    RededeSistema

    sProdutivoseI

    novativosLocais

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    Pequenos Empreendimentos Alternativos Na Amaznia

    Bertha K. Becker1Philippe Lna

    As polticas visando o desenvolvimento sustentvel da Amaznia esto provocando o surgimentode mltiplos pequenos empreendimentos, ligados s caractersticas dos recursos naturais e dostraos culturais locais. Essas polticas apoiam-se em linhas de crdito especficas,descentralizadas, e redes de apoio internacionais que beneficiam associaes locais e pequenosprojetos, no intuito de difundir uma nova dinmica econmica no tecido social, beneficiar aspopulaes regionais e promover a melhoria de sua qualidade de vida. Esse processo tomouimpulso a partir de 1991 com a implantao do Programa Piloto para Proteo das FlorestasTropicais Brasileiras (PPG7), parceria entre o G7, a Unio Europia e o Governo Brasileiro,particularmente atravs do sub-programa Projetos Demonstrativos tipo A (PD/A), destinado aapoiar pequenas comunidades.

    Tais empreendimentos diferem em funo do tipo de sustentabilidade em questo:sustentabilidade dos ecosistemas naturais ou agrosistemas sustentveis. Sustentabilidadeperseguida por grupos sociais e culturais diversos. Na parte ocidental da Amaznia, onde soainda extensas as florestas habitadas por grupos indgenas, seringueiros e ribeirinhos, o desafiodo desenvolvimento sustentvel de conseguir obter benefcios econmicos atravs da gestodos ecosistemas naturais, transferindo para as geraes futuras um capital natural pouco alterado.As atividades compatveis com essa premissa so: o manejo florestal de baixo impacto, oextrativismo sustentvel, o beneficiamento dos produtos da floresta, o ecoturismo. Na Amazniaoriental e do sul chamada arco do fogo", mas que, na verdade, corresponde rea que j foiocupada e povoada por imigrantes recentes, onde a maior parte da floresta j foi removida e

    substituda por pastagens (cerca de 90% das reas desmatadas) e agricultura, o desafio dospequenos produtores que a habitam, reverter o processo de degradao para obter umaagricultura sustentvel, reforando a agricultura familiar, promovendo sua diversificao pelaadoo de sistemas agroflorestais (SAFs), a gesto dos recursos florestais remanescentes, alimitao da expanso da pecuria bovina, a intensificao das prticas em certos casos. Aproduo e beneficiamento de frutas regionais (polpa, iogurte, gelia...) e do palmito, a produode mel, a comercializao de leite e derivados, ressaltam entre as atividades incentivadas.

    Um novo fator de dinamismo tende a se sobrepor a esta diviso cultural/natural: o crescimentode ncleos urbanos, mercado local que comea a organizar a produo em seu entorno. Amultiplicao das pequenas concentraes urbanas e o crescimento das mdias responsvel

    pela difuso de novas relaes entre reas rurais e urbanas, contribuindo para criar um tecidoscio-econmico favorvel ao surgimento de sinergias e complementariedades.

    Esses pequenos empreendimentos visam diretamente o mercado e devem, portanto, adaptar-se ssuas exigncias: regularidade no fornecimento, quantidade e qualidade. Para poder concorrercom empreendimentos de mdio ou at grande porte que tentam entrar no mesmo ramo,enfrentam tambm dificuldades ligadas disperso dos lugares de produo, coleta etransporte, ao armazenamento, obteno de informaes sobre mercados, organizao emanuteno de circuitos comerciais, etc. Essas condies adversas exigem um grande esforo deracionalizao da produo-beneficiamento-comercializao que implica uma importante

    1 Respectivamente Pfa. Titular do Dep. de Geografia da UFRJ, e Directeur de Recherche do IRD (Instituto dePesquisa para o Desenvolvimento - Frana). O texto se fundamenta sobretudo em pesquisas de campo realizadas nombito do Convenio CNPq-LAGET/IRD.

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    articulao entre o rural e o urbano e a criao de redes, um alto nvel de organizao(sindicados, cooperativas, associaes) e de formao, bem como o apoio dos poderes pblicos(inclusive no que diz respeito s infraestruturas).

    Devido a essas dificuldades, um processo seletivo est em curso, que pode levar eliminao ou

    transformao de muitos pequenos projetos. , portanto, importante poder avaliar as condiesque parecem levar ao sucesso dos empreendimentos, atravs da observao de casospromissores. Os casos selecionados abrangero tanto a explorao sustentvel do ecosistemaflorestal como a agricultura sustentvel de empreendimentos consolidados, de modo a analisarsuas trajetrias e estratgias e extrair lies de experincias e proposies de polticas para suaconsolidao.

    1 - A especificidade dos pequenos empreendimentos na Amaznia

    Frente ao enfraquecimento dos mercados protegidos e s estratgias desterritorializadas dos

    grandes grupos, tendncias que acompanham o processo de globalizao, os tericos dodesenvolvimento esto redescobrindo a noo de desenvolvimento local. Essa redescoberta partede duas constataes feitas nos paises indutrializados e em vrias regies de paises emergentes.Por um lado, no so tanto as decises centralizadas e a implantao de indstrias pesadas asresponsveis pela criao da maior parte dos empregos; esses surgem em maioria nas micro epequenas empresas. Por outro lado, na fase atual de desenvolvimento da economia mundial, acapacidade dos mecanismos clssicos de gerao de empregos formais, em nmero suficientepara enfrentar uma forte demanda, parece esgotada. Da o interesse renovado pelos sistemasprodutivos locais e, de modo geral, pelos processos econmicos coletivos localizados2. Essesprocessos so muito mais difceis de se entender do que os efeitos dinamizadores da implantaode uma grande indstria numa regio; eles so heterogneos, plurisetoriais, multiescalares, e ascausas dos dinamismos assim gerados ainda no esto perfeitamente claras. Cada caso parece serum caso, e o papel da histria regional e local fundamental. Alguns traos mais gerais podem,no entanto, ser destacados.

    O desenvolvimento local insiste na noo de territrio, concebido como uma entidade scio-econmica construida. No se trata tanto de explorar vantagens comparativas preexistentes mas,sim, de construi-las. O territrio , portanto, um espao onde sinergias entre diferentes categoriasde atores so encorajadas com o intuito de encontrar solues adequadas para uma situao localespecfica. Nesse processo, o territrio refora sua especificidade e, de certa forma, seespecializa. Os territrios entram em concorrncia e devem, por conseguinte, ter alguma coisa

    original para oferecer. Mas o que entra em concorrncia so menos produtos do que formas deorganizao territorializadas e tecidos produtivos locais (Pecqueur, 2000). As dimenses nomercantis so to importantes como as atividades produtivas propriamente ditas, e permitem avalorizao das atividades econmicas. As solidariedades locais, por exemplo, podem ser fontesde economias externas. Nessa viso de desenvolvimento local (ou territorial) mais abrangente, ostrs setores (mercado, pblico e no lucrativo) tm um papel de igual importncia, cabendo aoEstado a funo de estimular as dinmicas locais atravs de polticas adequadas. So essassinergias, incluindo uma imensa variedade de trocas extra-mercado, que explicam hoje certosdinamismos regionais. As mltiplas interaes entre atores diversificados permite valorizarcomplementariedades at ento inesperadas, chegando a criar um verdadeiro tecido produtivo.As cidades, enquanto lugares de inovao e interao, continuam no centro dessa dinmica. Mas

    2 Cf. Por exemplo: Pecqueur, B. 2000: Le dveloppement local. Syros, Paris.

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    foi observada a dinamizao espectacular de regies basicamente rurais que apostaram emprodutos e tecnologias novas.

    Em que medida estas observaes podem ter alguma validade para a Amaznia? A regio estariniciando um processo do mesmo tipo ou trilhando um caminho original ? Para tentar responder

    essas perguntas, preciso avaliar as tendncias evolutivas do espao rural em geral eAmaznico em particular. A regio tem hoje uma elevada taxa de urbanizao (69,07 % nocenso de 2000) que continua crescendo, devido tanto ao abandono da zona rural por parte depopulaes tradicionais e de imigrantes recentes como instalao direta nas cidades dos novosimigrantes. Porm, como observou oportunamente Jos Eli da Veiga3, os critrios adotados parao clculo da populao urbana tendem a superestimar-la e, sobretudo, no mais se podeconfundir zona rural e agricultura, principalmente nas regies Sul e Sudeste. Tal como nasregies rurais dos paises ou regies mais desenvolvidas, no Sul e Sudeste a atividade agrcolapode em breve se tornar minoritria, e a maior parte da populao ativa se encontrar nos setoressecundrios e tercirios. Nesse processo, as regies que conservaram uma agricultura familiardiversificada ofereceram perspectivas de desenvolvimento muito mais favorveis que as regies

    de grandes monoculturas (frequentemente desertas e com nveis de servios muito baixos queno favorecem a instalao de outras atividades), podendo adaptar-se com mais flexibilidade ecriatividade s flutuaes imprevisveis do mercado globalizado. Esse desenvolvimento foiacompanhado por vrios fenmenos tais como: difuso da pluriatividade, agregao de valorgraas transformao de produtos agrcolas, criao de novas atividades nas reas rurais e naspequenas aglomeraes, residncia cada vez mais frequente dos agricultores na cidade, etc.

    No resta dvida que a Amaznia est ainda muito longe dessa descrio. A agropecuria e oextrativismo so at hoje amplamente dominantes na rea rural e no existe, a no ser emalgumas regies limitadas, um verdadeiro dinamismo da pequena agricultura familiar, capaz degerar ou atrair outras atividades em grande escala. Por outro lado, a pecuria extensiva praticadaem grandes propriedades e, mais recentemente, a monocultura da soja, continuam representandoum modelo de desenvolvimento rural dominante e concorrente com a produo familiar.Todavia, possvel frisar umas tendncias que podem significar mudanas significativas nopadro de desenvolvimento. o caso da multiplicao e disseminao de pequenos projetos emtoda a regio, acompanhados pela agregao de valor produo agropecuria e procura pornovos mercados. tambm o caso das relaes entre o campo e a cidade. Embora de difcilinterpretao, a multiplicao dos casos de dupla residncia e atividade foi observada tanto nasreas de floresta como de ocupao recente (Becker, 1979; Becker e Machado, 1982;Grandchamp Florentino, 2001). Cada vez mais, as estratgias familiares (no sentido da famliaampla) das populaes rurais incluem a cidade, tanto para a educao dos filhos como para a

    diversificao das atividades.A Amaznia, apesar da sua taxa de urbanizao elevada, a regio do Brasil onde se encontra amaior percentagem de populao rural, bem como a nica regio onde esta populao esteja emcrescimento absoluto. Devido histria e geografia peculiares da regio, existe um fortecontingente populacional que poderiamos chamar de excluidos ou marginalizados, e queest passando por um processo de reivindicao social e identitria. portanto na base de ummovimento social amplo e muito diversificado, que um modelo alternativo (chamadoscioambiental) de desenvolvimento est sendo conduzido, com a ajuda de projetos como oPPG7 e a interveno de ONGs diversas. O modelo scioambiental privilegia as comunidadeslocais e a utilizao dos recursos e conhecimentos por elas desenvolvidos. Para ter acesso a

    financiamentos, as populaes devem formar associaes registradas. Essas associaes, a

    3 J. E. Da Veiga: O Brasil rural precisa de uma estratgia de desenvolvimento. MDA-CNDRS/NEAD, 2001.

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    anos setenta, e mais tarde os Projetos Alternativos Comunitrios (PACs). O que novo asistematizao dessa abordagem descentralizada graas a programas pblicos (tal como o PPG7)- e por tanto seu carter mais universal e menos religioso; a cooperao de vrias entidades nomesmo projeto; a orientao claramente econmica dos projetos; a dimenso tcnico-cientfica eexperimental dos mesmos.

    O desenvolvimento local-associativo representa, potencialmente, na Amaznia, uma fora quepoderia servir de base para um desenvolvimento alternativo. A questo est no entanto aberta desaber se se trata de estratgias de sobrevivncia, de formas de integrao ao mercado ou ainda deuma verdadeira economia solidria, alternativa ao modelo dominante. As trs interpretaespodem hoje ser encontradas, e as observaes no permitem decidir, ja que os trs aspectos

    podem ser observados simultaneamente. Para muitos agentes externos e militantes que atuamnesses projetos, a finalidade dos empreendimentos a criao de uma economia alternativa(economia popular, economia solidria, cooperativismo...) s vezes chamada contra-hegemnica4, baseada nos valores de autonomia, democracia participativa, igualdade (inclusivenas relaes de gnero), equidade, solidariedade e respeito ao meio ambiente. Porm, para amaioria dentre eles, se a produo, os benefcios e os riscos podem ser at certo pontosocializados, uma boa integrao ao mercado por enquanto necessria para garantir o sucessodo empreendimento.

    Tendo em vista as dimenses polticas, sociais e culturais dessas iniciativas, os resultados dosempreendimentos no devem ser julgados unicamente do ponto de vista econmico. O essencialdos benefcios auferidos pelos associados se situam frequentemente em outra dimenso (op.cit.) :autoestima, cidadania, educao, sade, emancipao social, afirmao cultural, participao emnovas atividades ldicas e culturais, etc. No existem projetos econmicos puros , todosincorporam ao menos um programa de formao de lideranas (organizao social, gesto), decapacitao dos associados e de ajuda no campo da sade e da educao.

    Os diferentes projetos podem ser diferenciados em funo de caractersticas tais como o grau deiniciativa endgena, a orientao prioritria para o mercado (prximo ou distante) ou, aocontrrio, para a satisfao de necessidades bsicas da comunidade (caso muito mais raro), etc.Mas sua resistncia e crescimento so reconhecidamente ligados a sua capacidade de criar redes

    de apoio diversificadas, tanto horizontais (entre associaes do mesmo tipo ou complementares)como verticais (instituies governamentais e no governamentais, nacionais e estrangeiras).

    No se deve esquecer, tampouco, que as condies enfrentadas por essas iniciativas so muitoespecficas e pouco comparveis com as regies Sul e Sudeste (entre outras). As distncias e asinfraestruturas precrias constituem um grande empecilho que aumenta consideravelmente oscustos de transao. Por outro lado, os investimentos extra-econmicos (porm indispensveis)so pouco atraentes para o capital privado. Este, para compensar, conta com ganhos de imagem (ligados aos povos da floresta , ao fair trade, etc.) que no esto sempre alturade suas expectativas e representam um risco tanto para o investidor como para as populaeslocais envolvidas. Essa dimenso, contudo, no deve ser esquecida quando se quer entender o

    contexto dos pequenos empreendimentos na Amaznia.4 Sousa Santos, B. (org.) 2002 : Produzir para viver: os caminhos da produo no capitalista. Rio de Janeiro,Civilizao Brasileira.

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    de fato muito grande o nmero de pequenos projetos existentes atualmente na Amaznia.

    tambm fantstica a multiplicidade e a diversidade de redes de apoio associadas a esses projetos.Porm, vale ressaltar que na maioria dos casos o volume de recursos por projeto relativamentepequeno. Cabe distinguir, no entanto, duas escalas diferentes de interveno : a escala local,

    caracterizada pelo apoio a um projeto em particular, e uma escala mais geral, que visadesenvolver mecanismos que facilitem iniciativas e promovam pequenos empreendimentos,independentemente do lugar. A ao na escala local geralmente associada interveno deONGs de pequeno porte ou financiamentos modestos obtidos por redes de apoio pouco extensas.Em contrapartida, existem ONGs e redes de apoio fortes que, alm de ajudar muitos pequenosprojetos locais, visam influenciar as polticas pblicas. o caso do IPAM (Instituto de PesquisaAmbiental da Amaznia), por exemplo, que consegue financiamentos da USAID, WWF, DFID(Agncia de Cooperao Inglesa), PP-G7, Ford Foudation, LBA (Estudo da biosfera em grandeescala), Conservation International (ONG norteamericana), Fundao Avina (Suia), The NatureConservancy (ONG norteamericana), etc. (Buclet, no prelo). Alm de estudos puramentecientficos, o IPAM tenta realizar uma integrao dos conhecimentos locais e cientficos, ajuda

    na formulao e sntese das propostas oriundas dos movimentos sociais e oferece cursos deeducao ambiental nas comunidades. Recentemente, desenvolveu, junto com a FETAGRI e aFASE, uma proposta (Programa PROAMBIENTE) de crdito especial para os produtores quepraticam uma agricultura sustentvel, cujo retorno mais lento que a agricultura tradicional,destinado a compensar os custos adicionais de manuteno ambiental. Essa proposta foi aceitapelo Ministrio do Meio Ambiente e est se tornando uma poltica pblica.

    Vale tambm mencionar, na categoria de ONGs e redes que trabalham em grande escala, oPOEMA(R). A ONG nasceu em 1996 do Programa Pobreza e Meio-Ambiente criado numDepartamento da Universidade Federal do Par por professores e pesquisadores. A criao daONG representou a possibilidade de captar recursos para diferentes projetos. Recebefinanciamentos de empresas privadas (Daimler-Chrysler, Mercedes Benz, Body Shop...) deorganizaes internacionais (UNICEF, Banco Mundial, UNESCO, Fundao Henrich Bll, etc.)e de instituies pblicas brasileiras e estrangeiras (principalmente alemes). Atua no campo dainovao tecnolgica (tcnicas de saneamento bsico, sistemas de energia alternativa, sistemasagro-florestais, unidades de produo agro-industriais, etc.) voltada para as comunidades locais ea proteo do meio ambiente. Visa facilitar o desenvolvimento das iniciativas locais (criao demicro empresas) graas a sistemas tais como a Bolsa Amaznia e, em fase de criao, uma linhade microcrdito (POEMAINVEST) (Buclet, op.cit.). A ONG coloca o acento sobre a abertura demercados para os produtos que ajuda a promover, da sua insistncia no contato com o setorprivado e a recente criao de uma filial em Stuttgart, na Alemanha. Certos mecanismos

    desenvolvidos por POEMA tem vocao para se tornarem polticas pblicas, pois que atuamcomo tal em pequena escala.

    Muitas ONGs no tm esse porte mas contribuem para alimentar uma multiplicidade de cursosde capacitao (gesto, administrao de cooperativas, sindicalismo, tcnicas agrcolas diversas,etc) e projetos locais (artesanato, recuperao de reas degradadas, SAFs, etc.). Para tentaravaliar as consequncias exatas dessa multiplicao de iniciativas, saber se conseguem criar umamassa crtica capaz de mudar o perfil do desenvolvimento regional, a anlise de casosparticulares torna-se incontornvel.

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    2. Inovaes em reas Florestais

    Tais empreendimentos visam sobretudo o aproveitamento melhorado de recursos florestais nomadeireiros e da pesca. So implementados por seringueiros, castanheiros, ribeirinhos e gruposindgenas, os habitantes histricos da floresta. Tratam-se, via de regra, de projetos individuais

    isolados, embora envolvendo vrias pequenas comunidades locais. H uma ntida tendncia,contudo, agregao de valor aos produtos florestais sobretudo a borracha e a castanha e ampliao da escala da produo, principalmente nos Estados do Acre e Amap.

    Foi nesses Estados, e principalmente no Acre, que se deu o maior confronto entre a Amazniatradicional e o fluxo de migrantes e fazendeiros oriundos das outras regies do Brasil. Aresistncia dos seringueiros do Acre destruio da floresta e sua substituio por pastagens ouprojetos de colonizao, que estavam eliminando seus meios de existncia, est na origem deum movimento social amplo, que soube conquistar o apoio de vastos setores sociais graas aliana entre a luta pela defesa de minorias e do meio ambiente. Esse movimento socialfavoreceu a eleio de governadores comprometidos com os povos da floresta, que desde

    ento tentam desenvolver polticas pblicas promovendo essas populaes. o caso do projetode Florestania no Acre - ou cidadania dos povos da floresta, contrapondo-se cidadania,que denota um vis urbano na prpria palavra - ou do PDSA (Projeto de DesenvolvimentoSustentvel do Amap).

    No Estado do Acre, o governo resolveu subsidiar a produo quilo de borracha, ainda expressivano Estado, aumentando em 0,40 centavos o preo do de borracha pago ao produtor (chegandoassim a 1,30 R$). Segundo dados do governo, 800 seringueiros que abandonaram suas reas ouse tornaram agricultores (essencialmente vendedores de farinha de mandioca) devido aos preosbaixos dos ltimos anos, voltaram a explorar a borracha. Um amplo programa de incentivosfiscais foi tambm desenvolvido, destinado a facilitar a criao de micro e pequenas empresas.Esses incentivos podem beneficiar associaes de pequenos produtores e cooperativas que lidamcom o extrativismo vegetal. De modo geral, o governo tece um grande nmero de parcerias entreinstituies pblicas e cooperativas ou associaes. Porm, torna-se urgente encontrar produtosvalorizados no mercado que permitam fugir da dupla borracha-castanha. Da as numerosastentativas de diversificao e de pequena industrializao, bem como a procura por sistemastcnicos e de financiamento que permitam compensar os prazos de estabilizao dos sistemasagroflorestais (entre 12 e 40 anos) evitando a recaida dos produtores na criao extensiva degado e na explorao ilcita da madeira.

    A situao no Amap muito semelhante, mas o movimento social e as redes de apoio foram

    menos expressivos nesse ltimo Estado, recaindo nos poderes pblicos a tarefa de incentivar acriao de associaes e cooperativas. tambm muito recente a interveno de ONGs noEstado. Os projetos desenvolvidos no mbito do PDSA so extremamente diversos, desde oapoio s comunidades locais, o desenvolvimento de energia solar ou de microgeradoras, oecoturismo, at um projeto de assentamentos agroindustriais em torno da palma africana (dend)para produo de leo como fonte alternativa de energia, a ser realizado de forma cooperativa,com instalao de micro-usina e tanques de armazenagem. Embora promissor, esse projeto estpor enquanto parado por razes burocrticas, demonstrando as dificuldades enfrentadas porqualquer projeto na regio. Alm de promover um polo moveleiro e outro pesqueiro, de apoiar oartesanato e a explorao comercial do aa, uma das inovaes mais interessantes do governo,no apoio ao desenvolvimento econmico, foi a criao de uma Incubadeira de Empresas dentro

    do IEPA (Instituto de Pesquisas Cientficas e Tecnolgicas do Amap), que ministra cursos paraintegrantes de cooperativas e associaes desejosos de desenvolver um projeto, e repassa asinovaes tecnolgicas geradas dentro do Instituto.

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    2.1 Agregando valor aos produtos extrativistas no Acre

    Fbrica de preservativos (em fase de negociao).Esse projeto representa uma tentativa de industrializao na prpria regio. Trata-se de um

    convnio entre o Ministrio da Sade, a Fundao Oswaldo Cruz e uma empresa privada(Farmanguinha). O Estado do Acre oferece o terreno viabilizado, o saneamanto, a energiaeltrica e garante a viabilidade tcnica do latex (sendo mais heterogneo que o latex de cultivo,precisa de centrifugao). O latex natural excelente para uso como preservativo, e o da regio

    j foi testado por uma empresa de So Paulo que produziu camisinhas com latex do Acre. preciso garantir 17 Toneladas de latex por ms, o que envolveria a produo de 700 famlias paragarantir a regularidade do abastecimento. A produo seria de 95 milhes de unidades por ano. Oseringueiro receberia um kit com insumos para produzir esse latex especial, pago 40% a maisque o latex normal. Um acrscimo de 25% de investimentos permitiria multiplicar por dois aproduo ou/e de produzir luvas cirrgicas, setor em que o Brasil importador. A prpria fbricaoferecer em torno de 100 empregos.

    Produo de borracha para a fabricao de pneus (fase experimental).Nesse caso, um produto primrio seria exportado para ser industrializado fora da regio, mascom valor agregado localmente. A usina de Sena Madureira (AC) que processa a borrachatrazida pelos seringueiros da regio, deveria produzir para o fabricante de pneus Pirelli, sediadoem So Paulo. No ano 2000, o primeiro pneu (batizado Xapur) foi fabricado em So Paulo apartir da borracha de Sena Madureira. Os principais problemas sero a regularidade noabastecimento e na qualidade (a usina de Sena Madureira ficou parada durante meses por causade problemas de gesto, mas recomeou a produzir em ritmo satisfatrio, sua capacidade sendode 60 T/ms).

    Aumento da produo e diversificao dos usosOs produtos extrativos tradicionais mais comercializados so, sem dvida, a borracha e acastanha, porm, outros produtos esto entrando com fora no mercado, tal como o leo decopaiba. Sempre foi comercializado na regio amaznica, mas de forma artesanal e irregular. OGoverno do Acre est tentando iniciar uma verdadeira cadeia produtiva, procurando organizar asassociaes de produtores, favorecer a difuso de tcnicas de extrao desenvolvidas peloscientistas do Parque Zoobotnico e fazer a intermediao com o setor privado.

    Os necessrios aumentos de escala e controle de qualidade da produo extrativista exigem umareorganizao do setor. Uma cooperativa central, agrupando num primeiro tempo as cooperativas

    de Feij, Sena Madureira e Capixaba, mas com vocao para integrar tambm pouco a pouco asoutras cooperativas5, est sendo criada. A cooperativa central cuidar essencialmente dos trsprodutos principais (borracha, castanha e copaiba). Duas usinas esto sendo criadas paraaumentar a capacidade de produo da castanha, uma em Xapur (da cooperativa ACAEX) aoutra em Brasilia (cooperativa CAPEB). Estas usinas permitiro quadruplicar a produo atual.Esse aumento da oferta deve ser acompanhado por uma diversificao da demanda. AEMBRAPA ja identificou mais de 20 subprodutos da castanha, desde a farinha e o leitedesengordurados at o leo industrial para a fabricao de produtos cosmticos, sabes,shampoos, tintas, etc. Essa diversificao, favorvel na medida em que assegura um escoamentoregular, complica sensivelmente os problemas de gesto, exigindo uma profisionalizaocrescente das cooperativas.

    5 Por enquanto so 10 cooperativas e mais de 200 associaes que lidam com extrativismo no Acre.

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    No caso especfico da borracha, so aparentemente os subsdios federais e estaduais (Lei ChicoMends) que foram responsveis pelo aumento de produo. De fato, na falta de outras opes,os subsdios atingem um alto grau de eficincia. A produo passou de 962 T em 1998(envolvendo 1.480 famlias) para 4.000 T (6.154 famlias) em 2001. Espera-se superar as 5.000T em 20026 e envolver em torno de 7.700 famlias. O crescimento do retorno em termos de

    ICMS faz com que o subsdio seja cada vez menos pesado para o oramento estadual.

    2. 2 - O aprimoramento de uma prtica tradicional : o couro vegetal

    Os seringueiros costumavam emborrachar velhos sacos de acar para fazer bolsas maisresistentes. Essa prtica foi melhorada nos ltimos anos at alcanar o mercado externo. Esseexperimento interessante na medida em que ilustra vrios aspectos caractersticos dos pequenosempreendimentos amaznicos : potencial local ; processo inovador (com assistncia tcnico-cientfica); ajudas pblicas ; presena ativa do 3 setor ; interveno de empresas privadas ;dilema entre mercado local e os circuitos longos do mercado internacional, que podemresultar em dependncia, incertezas e enclaves , etc. De fato, o mercado externo, ou distante,

    no s implica um contrato de exclusividade (o mercado nacional tambm, mas com maioreschances de flexibilizao) freiando as economias de escala e a dinamizao local do setor, mas tambm mais aleatrio, comportando riscos maiores. Em contrapartida, a renda obtida em geralmais interessante. Esse exemplo coloca tambm a questo da generalizao de uma tcnica e deum produto de origem artesanal, bem como a da certificao. Acrescenta-se, no caso estudado,uma nota original : o turismo ecolgico-espiritual

    O couro vegetal produzido atualmente em 4 reas distintas da Amaznia ocidental: a FlorestaNacional Mapi-Inauini (Estado do Amazonas), a Reserva Extrativista do Alto Juru, a TerraIndgena Kaxinaw (Rio Jordo) e a Terra Indgena Yawanaw (Rio Gregrio), todas no Estadodo Acre. Existem tambm algumas outras experincias em outros Estados, dentro e fora daAmaznia (Silberling, & Franco, 1996). Mas essas so por enquanto as principais, e todas tmcontrato com a CVA (Couro Vegetal da Amaznia S.A.), empresa mais expressiva e pioneiraneste ramo. Escolheu-se, para anlise, a rea do Mapi-Inauini, cuja associao de produtorestem sua sede em Boca do Acre (AM), por ter sido pioneira no desenvolvimento do produto parao mercado, no aperfeioamento da tcnica e na capacitao de outras associaes.

    O atual dirigente da APAS (Associao dos Produtores de Artesanato e Seringa) de Boca doAcre - pequena cidade localizada no Estado do Amazonas mas somente acessvel por terra apartir de Rio Branco (capital do Acre) - chegou nos anos setenta de So Paulo atraido pela famado Santo Daime7 (ele confessa que era meio hyppie naquela poca). Chegou na Colnia 5.000

    (uma das igrejas do Daime) prxima capital Rio Branco, na poca em que a comunidade estavacrescendo com a vinda de gente de fora, de colonos e de ex-seringueiros. Incomodados com oaumento das pastagens em torno da colnia (era uma rea de colonizao) e em busca de umavida mais autntica, um grupo liderado pelo padrinho Sebastio resolveu se mudar, com a ajudado INCRA. Depois de algumas peripcias, 40 famlias foram assentadas, formando acomunidade Ceu do Mapi. Sua nica opo econmica era a extrao da borracha (cerca dedois teros dos integrantes tinham uma experincia com esse trabalho) no regime da colocao(embora tenham explorado seringa plantada no incio) mas com a prtica do mutiro e sem

    6 O Estado do Acre chegou a produzir 10.000 T de borracha em 1994, antes da queda dos preos.7 O Santo Daime um movimento religioso nascido no Acre h quase um sculo, que inclui nos seus ritos a ingesto

    de uma bebida possuindo propriedades allucingenas, composta de dois vegetais : um cip (Banisteriopsis caapi), euma folha (Psychotria viridis). Os adeptos desse culto pertencem a vrias igrejas que diferem na sua interpretaoda mensagem do fundador e na liturgia. A bebida era usada ritualmente pelos indios e conhecida como ayahuasca.O fundador do culto aprendeu o uso da bebida com os indios e resolveu criar sua igreja.

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    patro. Os que eram antigos hyppies e viviam anteriormente da venda de artesanato continuarama produzir colares, bolsas e sapatos.

    Tentando ampliar o mercado

    Muitas pessoas de fora visitavam a comunidade, e foi essa a razo que levou os moradores aproduzir pequenas bolsas de passaporte com tecido emborrachado (lminas) numa tentativa deagregar valor sua produo. Um deles (de origem carioca) teve a idia de propor uma amostrada produo da comunidade nas grandes cidades, e entrou em contato com a empresa Ecomercado , no Rio de Janeiro, um pouco antes da Rio 92, que ficou interessada nos tecidosemborrachados. Apesar do sucesso imediato, houve problemas de qualidade que impediram odesenvolvimento do negcio. Uma empresa norteamericana (Deja Shoe, inc.) encomendougrandes quantidades de lminas CVA, mas faliu em pouco tempo. Para conseguir maisinvestimentos, a Ecomercado criou em 1994 a empresa CVA (Couro Vegetal da Amaznia,S.A.), com uma ajuda do BNDES. A CVA patenteou o procedimento que ajudou a melhorar8 eregistrou o produto com o nome de treetap. As associaes das 4 reas envolvidas tinham, por

    contrato, acesso aos benefcios decorrentes do patenteamento. Os membros da comunidade doMapi resolveram criar a APAS para facilitar as transaes com empresas e instituies pblicas.A associao props aos seringueiros que haviam desistido de limpar suas estradas, por causa dobaixo preo do produto, de integrar a associao e produzir lminas para venda. Hoje a maioriados participantes no pertence ao Daime, mas o ncleo central continua afiliado a igreja doDaime.

    A partir de 1996, a empresa CVA, que at ento assumia os custos de desenvolvimento doproduto, incluindo os aspectos de formao-capacitao produo e ao gerenciamento, apromoo do produto, a procura de parcerias (etc.) resolveu se retirar dessas atividades nodiretamente econmicas, e que geravam mais custos que benefcios. Criou uma ONG, o InstitutoNawa, para encarregar-se dessas tarefas, que passaram ento a poder receber financiamentospblicos, de fundaes e de outras ONGs.

    O controle de qualidade foi, e continua sendo, o ponto mais importante. No incio, o controle erafeito pela CVA na chegada das lminas no Rio de Janeiro. Diante o grande nmero de lminasrecusadas, a empresa resolveu desenvolver o controle in loco, feito pelos prprios seringueiros.A APAS foi escolhida como centro de aprendizagem do controle de qualidade, formandosupervisores que prestavam assistncia s outras associaes. Como em muitos pequenosempreendimentos amaznicos, essa difuso dos conhecimentos tcnicos entre pares foi degrande relevncia. As principais dificuldades encontradas so sempre as grandes distncias, o

    tempo requerido para os deslocamentos e a dificuldade de comunicao decorrente dessasituao.

    A produo conheceu altos e baixos. Estava justamente numa fase difcil quando surgiu, em1998, a oportunidade para a APAS, devido justamente sua capacidade tcnica, de firmar umcontrato com a Herms, para produo de lminas de alta qualidade destinadas fabricao, naFrana, de bolsas de luxo. Para tanto, a empresa fornece o tecido de algodo (que vem de SoPaulo) e o kit de produtos qumicos necessrios (agente estabilizador, mistura com enxofre, etc.)para uma vulcanizao satisfatria. Tcnicos da Herms visitaram a rea e comunicaram APASsuas exigncias em termos de qualidade. Apesar dos aperfeioamentos da tcnica oriundos tantoda cooperao com o IPT-USP como das pequenas melhoras empricas desenvolvidas pelos

    prprios produtores no decorrer dos anos, resulta difcil satisfazer um mercado to exigente8 A Ecomercado havia solicitado a ajuda do Instituto de Pesquisas Tecnolgicas da USP em 1993, para superar osproblemas de qualidade encontrados.

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    como aquele dos artigos de luxo. No ano 2000 a Herms encomendou 60.000 lminas, massomente 35.000 foram aceitas. Em 2001, a empresa encomendou somente 20.000 lminas, masde acordo com o contrato, no pode haver mais de 8.000 lminas recusadas. provvel que aqualidade requerida somente possa ser alcanada num processo industrial de fabricao, o queseria contrrio filosofia do empreendimento e procura de uma imagen scio-ecolgica por

    parte das empresas interessadas.

    As dificuldades internas

    Essa dificuldade gera tambm problemas internos associao: a pior qualidade frequentemente encontrada entre as unidades mais afastadas, e o processo de formao atravsde cursos torna-se difcil tanto por causa da distncia como pelo fato de que mais de 90% dosassociados so totalmente analfabetos. Uma comunidade (So Jos) que participou da primeiraremessa para Herms e era considerada uma unidade forte , com mais ou menos 80 pessoas,no soube manter a qualidade (vale notar que tiveram problemas de doena e se endividaram). Oproduto dos 8 defumadores da comunidade era muito heterogneo mas a associao resolveu

    pagar um preo mdio para a totalidade. No houve, por tanto, premiao da qualidade. A lgicaempresarial foi superada por outras lgicas, levando a deteriorao contnua da qualidade.

    A racionalizao da produo enfrenta grandes dificuldades devido ao seu carter extremamentedifuso, correspondendo ao padro de distribuio espacial dos seringueiros. No por acaso, umincio de concentrao espontneo das moradias foi observado, numa tentativa de aproximaoda sede da associao ou dos defumadores, confirmando a dificuldade de manter um tecidoprodutivo to espalhado.

    So atualmente 29 unidades de produo (cada unidade converge em torno de um defumador),ou seja, cerca de 90 famlias esto envolvidas, cada participante precisando da ajuda de mais doispara realizar as diferentes tarefas necessrias (coleta e corte da madeira para os defumadores e aestufa, controle de temperatura, preparao da mistura, secagem, armazenamento, etc). Mas aparticipao e o grau de motivao so irregulares e variveis. Muitos seringueiros davizinhana, incluindo alguns que participam do empreendimento, continuam vendendo madeirapara madeireiros ou caando para obter dinheiro. De acordo com diferentes estudos (Franco &Saldanha, 2001 ; Silberling & Franco, 1996), a renda final para os participantes nitidamentesuperior (5,2 vezes maior na RESEX do Alto Juru) ao que um seringueiro poderia obter pelavenda da borracha. Mas a irregularidade da demanda, as exigncias de qualidade e o grandenmero de lminas recusadas desanimam muitos participantes. Seria tambm necessrio calculara renda obtida levando em conta as perdas : se a empresa perde tecido e produtos qumicos com

    as lminas recusadas, o seringueiro perde tempo de trabalho e a borracha que no vendeu.Existe tambm um problema de concorrncia potencial. Apesar de a APA ainda gozar um certoprivilgio devido a sua dimenso pioneira, a tcnica est se espalhando, alm das 4 associaesque mantm um contrato com a CVA. Diferenas nas escolhas de gesto da produo j soperceptveis. Por exemplo, a associao da RESEX do Alto Juru (ASAREAJ) integrou oPRODEX e recebeu financiamentos, enquanto os de Boca do Acre o recusaram, assim comorecusaram um PDA do PPG7 por medo de serem sobrecarregados pelas tarefas administrativas9.A CAPEB (Xapuri) produz tambm couro vegetal. Essas duas associaes produzemessencialmente para o Per, onde existe uma forte demanda. A Secretaria Estadual de Florestas eExtrativismo incentiva a difuso da tcnica, considerada uma oportunidade para os seringueiros.

    Por outro lado, j existem outros grupos produzindo em Rondnia, no Par e no Mato Grosso. A

    9 possvel que sua viso religiosa do mundo os tenha influenciado nessa escolha.

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    questo ento de saber se a demanda acompanha o crescimento potencial da oferta. Porenquanto a resposta negativa, mas difcil avaliar a evoluo futura do mercado. Este tambm ameaado por tcnicas mais simples que do um produto de qualidade inferior (o couro ecolgico ). Seria tempo de proteger, seno o grupo que primeiro aprimorou a tcnica ese lanou no mercado, ao menos suas tcnicas e suas modalidades de produo atravs de uma

    certificao que fixaria essas condies. A concorrncia crescente entre seringueiros (ouassimilados) pode ser muito negativo nesta fase do desenvolvimento do empreendimento.

    Diante da irregularidade do mercado (nacional e internacional) o presidente da associaoresolveu, com sua companheira (carioca) e duas empregadas, produzir suas prprias bolsas (umadzia de modelos) no que se caracteriza como produo caseira, realizada no seu prpriodomiclio em Boca do Acre. Estes produtos so vendidos em Rio Branco de maneira modesta.Mas o essencial das vendas ocorre na poca das festas do Daime. Nessa ocasio, turistas quevm tomar o Daime e participar das festas visitam a comunidade Ceu do Mapi ou a Colnia5000 (que ainda existe). Assim, o turismo ecolgico-espiritual participa do desenvolvimentolocal ! A exigncia de qualidade sendo bem menor, surge a possibilidade de utilizar o material

    que no passou pelo controle de qualidade local e criar assim algums empregos cujo nmerodepender da evoluo da demanda e da concorrncia.

    2.3 Reorganizando a produo de castanha na Amap

    Tal como em outras partes da Amaznia (principalmente o Par e o Acre), e semelhana daborracha, a castanha foi explorada no regime do aviamento durante sculos (mas principalmentea partir da queda dos preos da borracha em 1920) antes de os castanheiros conseguirem a suaprogressiva emancipao. A principal regio produtora situa-se em Laranjal do Jar, e l que foicriada, em 1986, a primeira cooperativa (Cooperativa Mista dos Produtores Extrativistas deLaranjal do Jar COMAJA). Era uma tentativa, concomitante com os movimentos sociaisequivalentes do Acre, de reter uma parte do valor apropriado pelas grandes famliascompradoras, que beneficiavam o produto em Belm. Porm, mesmo progressivamenteeliminadas da propriedade da terra e do aviamento propriamente dito, essas famliascontinuavam (e continuam em certa medida) a dominar o comrcio da castanha, comprando oproduto atravs de uma ampla rede de atravessadores e pequenos comerciantes, aproveitando aausncia de meios de transporte por parte dos castanheiros, bem como suas necessidades dedinheiro ou de adiantamentos feitos pelos comerciantes.

    Em 1991 surgiu uma nova cooperativa, mais militante, a Cooperativa Mista dos ProdutoresExtrativistas do Rio Iratapur (COMARU). Ela foi pioneira na fabricao e venda do biscoito de

    castanha (Rojanski & Vale 2001), consciente de que devia agregar valor sua produo. Ainstituio do PDSA em agosto de 1995, e seu incentivo explorao racional dos recursosnaturais em pequenos projetos voltados para as comunidades der um impulso cooperativa,facilitando a venda do seu biscoito para a merenda escolar das escolas do municpio de Macap.Para garantir o desenvolvimento sustentvel da rea dos castanhais do sul do Estado, comeandopor atender uma velha reivindicao dos moradores, a posse da terra ou segurana fundiria, semo que nada seria possvel, o governo criou em dezembro de 1997 a RDS (Reserva deDesenvolvimento Sustentvel) do Rio Iratapuru, numa rea de 806.184 ha que pertencia empresa Jar florestal e fora transferida para o domnio pblico. Administrada pela Secretaria doMeio Ambiente, a reserva inclui 6 comunidades, ou seja, em torno de 150 famlias, que colhem70 T de castanha por safra (op.cit.).

    Atravs do programa governamental Castanha-do-Brasil, criado em 1995, e da j mencionadaincubadora de empresas do IEPA, o governo desenvolveu um plano de capacitao dos

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    castanheiros, tanto para a extrao racional da castanha e a agregao de valor como para ocooperativismo e a gesto associativa.

    Precisava ainda aumentar a escala de produo, promover a transformao local do produto efacilitar a sua comercializao. Isto foi possvel graas ao crescimento das redes de apoio e das

    parcerias. A SEICOM (Secretaria de Estado de Indstria e Comrcio) investiu, s em 2001, cercade 250.000 R$ em equipamentos para a fabricao de biscoito e extrao de leo de castanha. ASecretaria de Estado de Educao incentivou a compra de produtos das cooperativas, a merendaescolar chegando a representar 30 T de farinha de castanha e 90 T de biscoito (a produo totalalcanando 180 T).

    Outras parcerias foram fundamentais. o caso do PD/A do PP-G7, com um valor de 290.000US$. Facilitou a compra de equipamentos, de barcos, caminhes e tratores, a construo debarraces, etc. Esse Projeto beneficiou as duas cooperativas de Comaja e Comaru. Doravante,podiam transportar a castanha at a sede da cooperativa e beneficiar a mesmo o produtoganhando muito em autonomia e tambm no plano financeiro : estima-se que fora os empregos

    criados pelas fbricas, o produto valorizou 112% (op.cit.).

    At o momento, portanto, ao contrrio do Acre, as inovaes no Amap tm como apoio produo o mercado local. Novos ganhos de escala e diversificao devem ser alcanadosbrevemente graas a novas parcerias : de um lado uma ajuda tcnica do CIRAD (instituio depesquisa agronmica da Frana) que ajudar na produo de leo em grande escala, instalandotambm uma unidade de extrao a frio na sede da Comaja, com capacidade de 240 quilos deleo por dia; por outro lado, as cooperativas vo ganhar uma ajuda financeira do FFM (FundoFrancs para o Meio Ambiente Mundial) para realizar esse projetos e diversificar sua produo.

    Embora os ganhos em termos sociais (emancipao, integrao, cidadania) e econmicos sejaminquestionveis, esses empreendimentos enfrentam uma srie de problemas devidos tanto aquestes internas como falta de formao dos associados. A capacitao, a interiorizao dosvalores e mecanismos da economia de mercado e da gesto cooperativa so processos lentos ; e ocrescimento dos empreendimentos rpido demais. Outro tipo de problema a flutuao dospreos. Em 2001 o preo da castanha baixou sensivelmente, causando problemas de caixa nascooperativas. A concorrncia com as famlias que dominam o mercado de exportao continuaviva ; essas tentam recuperar sua hegemonia e as cooperativas precisam pagar um preo alto(prejudicial ao seu equilbrio financeiro) para no perder seus scios. Os gerentes dascooperativas aguardam com muita esperana o incio da produo de leo em grande escala,nica soluo para enfrentar as flutuaes das colheitas e dos preos da castanha, atravs da

    gesto e valorizao dos estoques.2. 4 - Uma Gesto Cabocla do Ecoturismo na Vrzea: Silves

    Distante por rodovia cerca de 330 Km a leste de Manaus, a jusante do rio Amazonas, com umarea de 3.731 km2, 7.724 habitantes, segundo o Censo de 2000 (IBGE), dos quais 43% soresidentes na rea urbana, o municpio de Silves tem sua economia baseada na pesca e naagricultura de pequena escala. As comunidades so habitadas em mdia por 17 gruposdomsticos, em que predomina o tipo de famlia nuclear, composto, em mdia, por 7 moradores.A produo econmica tipicamente camponesa. Verifica-se uma base de produo domsticapara consumo direto, e para venda, principalmente de farinha de peixe, seguida da venda de

    madeira. O ecoturismo, contudo, a atividade que mais cresceu nos ltimos anos.

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    Trata-se de uma regio de grande diversidade biolgica, onde o sistema natural amaznico seencontra bastante preservado, integrado por terra-firme, vrzeas e igaps. A cidade de Silvesevoluiu sobre um stio peculiar: uma ilha fluvial, banhada pelo rio Urubu, onde so acentuadosos desnveis entre o centro do territrio uma baixada onde se concentra o ncleo urbano e o porto e sua orla, parte, por um mosaico de vegetao original. Prximo ilha de Silves, o Rio

    Urubu forma um dos maiores lagos da regio, o Lago Canaari, de importncia estratgica para areproduo de vrias espcies de peixes e principal base de recursos para a sustentao denumerosas comunidades ribeirinhas.

    A defesa dos recursos pesqueiros pelos ribeirinhos ameaados por pescadores profissionais,redes nacionais e internacionais de apoio, e os atrativos tursticos respondeu pelo processo deorganizao do pequeno empreendimento ecoturstico.

    O Conflito e os Atores da Resistncia

    semelhana do que ocorre em outras vrzeas da Amaznia, h mais de 20 anos a comunidade

    de Silves luta pela conservao de seus recursos pesqueiros por uma questo de sobrevivncia.Grandes barcos de pesca comercial da prpria regio os geleiros que arrastam enormesquantidades de pescado em qualquer poca do ano reduzem os estoques de peixe e pem emrisco a pesca artesanal. Ademais, vem sendo pressionada pelo avano das madeireiras da reade Itacoatiara, pelo exportador de soja.

    A liderana foi forjada em movimentos reivindicatrios de defesa dos recursos, como oMovimento do Peixe, Comits de Pesca e Movimento da Preservao dos Lagos. A partir desseltimo movimento fundaram uma ONG, a Associao de Silves para Preservao Ambiental eCultural (ASPAC), em 1993. Com a estruturao da ONG, a presso poltica exercida pelomovimento conseguiu obter amparo governamental para legalizar suas propostas, mediante leismunicipais que criam reas de reservas ecolgicas para proteo dos rios correspondentes aoslagos de comunidades, institucionalizam o seu uso hierarquizado em lagos de procriao e lagosde manuteno, bem como as modalidades de pesca permitidas. Institucionalizou-se tambmuma colnia de pescadores e a Prefeitura, com verbas federais, implantou um frigorfico pblicopara o pescado das comunidades locais (Santos Pinto, V. 2001).

    Finalmente, a ASPAC foi reconhecida como iniciativa promissora para o turismo ecolgico egesto participativa municipal como instrumentos de conservao dos recursos naturais davrzea, implicando em investimentos da ordem de US$ 370.000, pelo projeto Pr-Vrzea do PP-G7. A partir da mobilizao poltica local, portanto, a ordem jurdica, tcnica e econmica vai se

    consolidando.

    Tal esforo contou com o apoio de varias redes scio-polticas:

    O apoio bsico inicial, na dcada de 1980 foi dado pela Igreja Catlica atravsda Comisso Pastoral da Terra (CPI) e do Sindicato dos trabalhadores Rurais deSilves. Ainda hoje a Igreja parceira da ASPAC via o Movimento de Educaode Base;

    A prefeitura local, frente presso para a proteo dos lagos, criou uma reservaambiental municipal. Sem oferecer qualquer recurso para sua manuteno atrecentemente, estabeleceu agora um acordo para atuao e investimentos na

    reserva;

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    A WWF Fundo Mundial da Natureza viabilizou grande recursos financeirosatravs de doaes dos governos da ustria e da Sucia, apia projetos deEducao Ambiental e a capacitao de pessoal para a infraestrutura turstica;

    O IPAM Instituto de Pesquisa Ambiental da Amaznia, de Santarm (PA) transfere informaes e tcnicos para gesto dos recursos de vrzeas;

    O GTA Grupo de Trabalho da Amaznia colabora na capacitao de pessoalpara funes administrativas, recepo de turistas e gesto da infraestrutura;

    Instituto de Permacultura da Amaznia, tem transferido tecnologia para aproduo experimental de produtos agrcolas;

    Ibama, treinamento de 10 membros da comunidade para fiscalizao da pescailegal;

    PP-G7, tem sido importante apoio da ASPAC e de suas iniciativas, atravs derecursos para um Projeto Demonstrativo, investimentos no projeto Fiscalizao

    de Vrzeas e hoje, no ecoturismo.

    O Ecoturismo Caboclo

    Com o objetivo de agregar renda s comunidades, a ASPAC elegeu a prestao de servios aturistas. Fundou a Aldeia dos Lagos, uma pousada localizada em uma parte elevada da cidade deSilves onde a mata se encontra bem preservada. O empreendimento foi financiado pelosgovernos da ustria e da Sucia e conta com o apoio do WWF.

    O termo gesto cabocla utilizado para cunhar um tipo de gesto autenticamente local,amaznida, e tem uma conotao cultural. Os lderes comunitrios no rejetam o termo, pelocontrrio, se identificam como caboclos, utilizando essa identificao como estratgia parareforar a construo coletiva da sua identidade. Via de regra nasceram, e passaram a infncia navrzea e vivem hoje na cidade, - so professores, funcionrios pblicos e na iniciativa privada tendo um conhecimento slido, emprico, dos processos da vrzea e da dependncia aos seusrecursos, o que lhes deu a conscincia da necessidade de sua conservao. Ademais, mantm astradies culturais no vestir, no alimentar, nas regras sociais e na relao com a natureza.

    Trata-se de uma proposta original de ecoturismo, de base comunitria. Os servios da pousadaincluem desde passeios por diversas trilhas dentro das matas de terra firme com hospedagemcompleta nas casas dos prprios caboclos, at uma pescaria noturna, hbito tradicional dos

    ribeirinhos. Enquanto a maioria dos empreendimentos tursticos existentes se limita explorao do turismo da natureza, em Silves se tenta criar uma intimidade, mais pessoal, dosturistas com a populao local e com a natureza.

    Das 15 opes de roteiros tursticos, 5 envolvem diretamente comunidades e moradores daregio. So vrias as formas de participao dos moradores na recepo do turista : apresentamaos turistas suas moradias e suas formas de organizao e de produo (estrutura familiar,medicina natural, hbitos, costumes) ; contam histrias e lendas da Amaznia ; hospedam osturistas para pernoites em suas redes de dormir ; oferecem refeies ; guiam os turistas paravisitar a pomares, s reas de pasto, a casas de farinha ; promovem experimentao de chocolatescaseiros, de derivados de mandioca, bem como pescarias, cujo produto assado na brasa ao ar

    livre.

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    A estrutura de acolhimento de grupos de visitantes visa atender interessados em conhecerrealidades alternativas de promoo social e preservao ecolgica. No caso especfico, aquelesinteressados em conhecer a cultura ribeirinha e visitar os Lagos de Procriao e Manuteno.

    Numa primeira fase da construo da pousada iniciada em dezembro de 1994, implantou-se a

    infraestrutura bsica de hotelaria, e a comunidade recebeu treinamento para a sua operao. Apousada comeou a funcionar em julho de 1996, e a partir da se desenvolveram os roteirostursticos educativos de carter ambiental e cultural e a capacitao dos membros dascomunidades que recebeu os turistas. Ocupando uma rea de 5 hectares cedida pela Prefeitura, aaldeia dos Lagos tem 12 quartos para hspedes, administrao, cozinha e restaurante. O hotel constituido por uma construo principal, um chapu de palha de dois andares e um mirante,onde se encontra o restaurante, a cozinha, rea de servios e uma lojinha de artesanatos. Possuidois outros blocos em alvenaria, cada um com seis apartamentos, com banheiro e e arcondicionado. Conta com 5 funcionrios que trabalham o ano todo. Outros atuam apenas na altatemporada, entre maio e agosto, poca de cheia na regio do Cnaari, que coincide com o veroeuropeu.

    Uma empresa operadora foi criada pela ASPAC para se responsabilizar pela organizao dosroteiros e administrao da pousada: a Canaari Turismo. Um estudo de viabilidade econmicaapontou como pblico alvo prioritrio, os adeptos do turismo de aventura, estudantes epesquisadores. Os registros de hspedes no ano de 1998 confirmam este perfil, bem comopredomnio de turistas de origem italiana, seguidos de brasileiros de vrios estados, e denacionalidades variadas. O predomnio de italianos deve-se relao da ASPAC comprofissionais do turismo em Milo, que divulgam Silves com um tipo de turismo solidrio, emque se enfatiza a recepo do turista pelas comunidades das vrzeas, oferecendo a vivncia diretacom a cultura local e a natureza, ao mesmo tempo em que se colabora para gerar renda populao (Santos Pinto, V. 2001).

    O volume de visitao pequeno 200 visitantes em 1998 o que colocou em questo aefetividade da renda gerada.

    Uma Rentabilidade Promissora mas Incerta

    So sete as comunidades envolvidas na ASPAC, das quais apenas trs, esto mais envolvidas com oecoturismo. A pesquisa por amostragem realizada na rea de atuao da ASPAC com 30 famlias,dez famlias em cada uma das trs comunidades mais envolvidas diretamente no ecoturismo,verificou-se que em cada grupo de 10 famlias por comunidade, 5 estavam envolvidas nas

    atividades econmicas do turismo. A renda mdia anual das famlias no envolvidas com o turismoest em torno de U$ 830,00, enquanto que a renda mdia anual daquelas famlias que de algumaforma realizam atividades para os turistas sobe para de U$ 1.180,00. Um acrscimo bastantesignificativo considerando a realidade amaznica.

    A responsabilidade do Projeto, a gesto da estrutura e de todos os equipamentos est a cargo daAssociao de Silves pela Preservao Ambiental e Cultural. Para tanto, envolve diretamente 12pessoas, que se dedicam exclusivamente, durante todo o ano, ao funcionamento do hotel e dasatividades da ASPAC. Cinco pessoas vinculadas ao hotel, quatro fiscalizao dos lagos e trs aofuncionamento da ASPAC. A renda mdia anual destes funcionrios est em torno de trs a cincosalrios mnimos, bem acima do padro regional. importante ressaltar que durante a alta

    temporada, que coincide com os meses de inverno no hemisfrio norte, mais 17 funcionriostemporrios tambm trabalham nas atividades vinculadas ao turismo.

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    Atravs da operadora de turismo, pode-se avaliar a entrada de divisas a partir do turismo em funodo custo dos pacotes: 6 dias e 5 noites: U$ 483,00 ; 5 dias e 4 noites: U$ 430,00 ; 4 dias e 3 noites:U$ 378,00. A capacidade mxima atual de hospedagem de 60 pessoas.

    importante ressaltar que antes do segundo semestre de 2001, a capacidade de hospedagem era

    apenas de 30 pessoas. Este fato leva-nos a considerar que deve haver um aumento significativo emrelao a gerao de renda atualmente e ao pessoal envolvido com o trabalho turstico.

    3 - Empreendimentos em reas Recm Ocupadas

    Os pequenos empreendimentos nas reas recm povoadas so implementados sobretudo porpequenos produtores, que constituem uma categoria extrememente variada tanto em termostnicos como de organizao social. Envolvem populaes autctones mas, sobretudo, exmigrantes originrios do nordeste e do sul do pas que se deslocaram para a Amaznia em buscade acesso terra. Uma parcela desses migrantes conseguiu um trato de terra em projetos de

    colonizao ou a regularizao das posses efetuadas, enquanto outra permaneceu como pees,mo-de-obra mvel residente nos ncleos urbanos onde eram recrutados para abertura das matas.

    Apresentam assim expressiva mobilidade espacial, acompanhada de igualmente expressivodesmatamento, processo que continua at hoje em direo Roraima e ao Amap, e tambm nointerior de reas j povoadas. Vale a pena registrar que pequenos produtores imigrantes seendogeneizaram na Amaznia e dentre os grupos sociais que vm recebendo apoio por extensasredes scio-polticas com complexos mecanismos financeiros, eles so os menos contemplados,apresentando hoje piores condies de vida do que os grupos indgenas e seringueiros.

    A partir de 1991, contudo, foram tambm beneficiados no PPG7, mediante a criao dos ProjetosDemonstrativos de tipo A (PD/A) que, a partir de 1995, concede pequenos auxlios com vistas aestiular prticas de sustentabilidade, com a condio de se constituirem em associao eapresentarem um projeto (Becker, B.K.; Lna, P. et al. 2001).

    3.1 - O Projeto RECA

    A complexidade dos apoios e redes mobilizadas no decorrer da sua existncia por esse projeto,as flutuaes tanto do nmero de participantes como dos tipos e quantidades de produtoscomercializados tornam difcil sua anlise num espao limitado, mas a experincia merece serregistrada na medida em que, entre os pequenos empreendimentos associativos de algum porte, o

    RECA aparece como um dos raros que surgi a partir de uma iniciativa prpria dos associados e,apesar dos apoios externos, continua sendo mantida por seu esforo. Trata-se sem dvida de umavano marcante em relao aos projetos de colonizao estabelecidos pelo INCRA na dcada de1970 em Rondnia.

    A iniciativa de antigos colonos com larga experincia na agricultura, na sua origem sosobretudo migrantes do sul do pas e nos projetos de colonizao, e vrios j capitalizados. Emface do rpido esgotamento dos solos e da expanso dos pecuaristas que expulsavam oucompravam as terras dos colonos, muitos destes se envolveram em nova migrao ereassentamento em reas florestais mais distantes. o caso da Gleba Santa Clara, situada nadivisa entre Acre e Rondnia e disputada pelos dois estados, desapropriada pelo INCRA em

    1982 para fins de assentamento agrcola devido aos intensos conflitos entre seringueiros efazendeiros. Em 1984, criava-se o assentamento centrado no ncleo urbano de Nova Califrnia.

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    O objetivo do projeto, portanto, foi o da apropriao da terra para desenvolver produtos comvalor comercial, como meio de elevar o padro de vida. Mas havia uma dimenso militante forte,um desejo de encontrar caminhos alternativos atravs da cooperao, e tambm de lutar contra apecuarizao da pequena produo familiar. Logo se reconheceu a inadequao dos produtosconvencionais lavoura branca, caf e cacau para alcanar este objetivo, e a necessidade de

    buscar alternativas adequadas regio e de valor comercial. A associao de produtores, noRECA, antecipou muito a onda de criao de associaes ad hoc ps-Eco 92.

    Sua estratgia fundamentou-se no conhecimento cientfico-tecnolgico, configurando aexperincia como verdadeira incubadeira que resultou na implementao de um sistema agro-florestal (SAF) que vem sendo tomado como exemplo por vrios grupos (Becker, 1999). Com aajuda de um PD/A e de muitas outras parcerias internacionais (fequentemente mediadas pelaIgreja catlica, tal como o CCFD da Frana ou o CEBEMO, da Holanda, etc.) conseguiramconstruir uma sede ampla, com salas para cursos de formao e capacidade de hospedagem,comprar um caminho, um computador, um fax, uma mquina fotogrfica, etc.. Participou deprogramas tais como o PROINEX (Programa de Intercmbio e Experincias) e o PRODITEC

    (Programa de Disseminao de Tecnologia) e recebe coordenadores de outras associaeslocalizadas em vrios Estados da Amaznia, querendo aprender suas tcnicas de consrcio egesto. Isto representa um custo, em parte financiado por esses projetos. Um nmero jimportante de associaes tenta se inspirar do exemplo do RECA.

    No incio do empreendimento, a interveno de tcnicos externos foi limitada, e o levantamentode informao sobre os ecossistemas locais por todos os agricultores que plantavam suasprprias mudas foi central na experincia. Existiu desde o incio uma preocupao com asistematizao dos conhecimentos adquiridos e sua difuso a toda a comunidade. A pesquisa empequenos projetos sobre fruteiras, palmito e sade, envolvendo alimentao, ervas medicinaisnativas, e agentes de sade, compe o quadro da incubadeira. Atualmente, um engenheiroagrnomo do Acre presta uma assistncia ao Projeto10.

    A base tecno-cientfica se manifesta tambm na estratgia organizacional mediante um modelode gesto associativa, baseado em ampla discusso interna e em controle rgido. Quatorzencleos, cada um contendo entre 10 a 25 agricultores constituem a base do projeto, cada umdeles possuindo um representante eleito na Coordenao, constituda de quatro equipes detrabalho: de execuo, que acompanha as demais e responde pela socializao do saber, deimplantao das culturas, de beneficiamento e comercializao, e de educao e sade. Osresultados dos trabalhos individuais so controlados e a entrada e sada da cooperativa sodefinidas por regras rgidas.

    Se os colonos, com sua experincia agrcola, tem papel central nessa iniciativa, esta foi possvelgraas participao de vrios atores. Os seringueiros, moradores locais, foram parceirosfundamentais na sua origem, oferecendo o saber local no trato com a floresta. O Estadobrasileiro, atravs do INCRA, mas sobretudo atravs de suas instituies de pesquisa prestoucolaborao crucial. Na busca de alternativas de produo rentveis, os colonos visitaraminstituies de pesquisa em Rio Branco, Porto Velho e Manaus, e particularmente a Embrapa deRondnia lhes ofereceu sugestes por eles incorporadas.

    A Igreja Catlica foi a grande mediadora entre o local e o global, colaborando, atravs doCERES, na obteno de financiamentos do CEBEMO da Holanda, que viabilizaram o projeto em

    1989. A assistncia tcnica estrangeira expressa na presena de um padre francs que passou a10 Embora o Projeto esteja situado em Rondnia, o acesso capital do Acre (Rio Branco) continua mais rpido emais barato.

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    Devem enfrentar tambm problemas agronmicos tais como a broca e a vassoura de bruxa nocupuau, bem como a perda de produtividade. Esto desenvolvendo tcnicas de plantao deleguminosas e de adubo verde para manter um bom nvel de produtividade e at aumentar-la.

    A principal dificuldade de gesto vem no entanto da adequao no tempo entre os contratos decomercializao e os volumes produzidos. Exige um trabalho constante de pesquisa de mercadoque mobiliza demais as energias dos dirigentes e coordenadores, apesar da ampla rede de apoio.

    Tendo em vista que a associao responsvel pelos emprstimos feitos no BASA pelos scios,ela deve exercer um certo controle. At ento, o dinheiro emprestado, mesmo quando serviu paraa compra de bens de consumo, no impediu a realizao dos investimentos previstos, e por tantono gerou problemas de inadimplncia graves. Mas exige muitas reunies de maneira a manter oesprito cooperativo aceso. Outro comportamento difcil de controlar (mas culturalmenteprofundamente enraizado) a venda individual e direta no comrcio por parte de um scio. Avantagem para esse ltimo, de obter, junto ao comerciante, o dinheiro e/ou os bens necessrios

    imediatamente, engajando a futura colheita. O inconveniente de perder at 25% do valor emrelao venda atravs da associao. Dificulta tambm a avaliao da importncia da produocomercializvel pelos dirigentes e coordenadores de grupos ou associaes afiliadas.

    Esses descompassos provocaram um certo desnimo entre scios, levando alguns a seguir oexemplo mais difundido na regio: a adoo da pecuria extensiva. Neste caso, eles sam daassociao e voltam a ser pequenos produtores individuais. At agora, o modelo continuasuficientemente atraente para que as desistncias sejam compensadas por um nmero igual ousuperior de entradas. Porm, o futuro do empreendimento depender da sua capacidade emestabilizar produo e comercializao num patamar mais elevado, resolvendo seus problemasde gesto atravs de uma profissionalizao crescente. Somente uma renda raozavelmenteelevada e, sobretudo, regular garantir o futuro.

    3.2 - Uma Experincia em Rede Pr-Amaznia: o Projeto Frutos do Cerrado (PFC)

    So vrias as avaliaes que consideram este projeto como um dos mais bem sucedidos na regio(Santilli, M. et al. 1997; GTZ/Banco Mundial/PP-G7, 2000).

    Localizado em uma rea de trnsito entre a floresta amaznica e o cerrado, uma particularidadedeste projeto e, certamente, uma das razes do relativo sucesso que alcanou a sua organizaoem rede. Sua executora, a Rede Frutos do Cerrado, compe-se de 11 projetos implantados em

    vasta rea entre os estados do Maranho e do Tocantins. A maioria dos projetos est instalada noMaranho, em municpios onde domina a mata Carolina, So Raimundo das Mangabeiras,Montes Altos, Imperatriz. Neste estado, somente o municpio de Loreto est situado no cerrado,assim como o de Santa Maria do Tocantins, no estado do mesmo nome, que integra a Rede. Ascooperativas de Amarante e Loreto esto separadas por 715 km de estrada, e a distncia entreLoreto e Santa Maria do Tocantins de 600 km, parte sem asfalto (Leroy, J-P. & Toledo, G.T.,2001).

    Os municpios em que predominava a floresta tropical mida foram ocupados intensamentedesde a dcada de 1960, quando da construo da rodovia Belm-Braslia e a seguir, com oprojeto geoambiental de ocupao regional. Trata-se da rea por onde se iniciou o impacto da

    imigrao de pequenos produtores nordestinos e da expanso de pecuaristas provenientes,sobretudo, do Par, Gois, Minas Gerais e So Paulo. Intenso desmatamento e violentosconflitos marcaram essa ocupao, expressa na devastao da floresta sobretudo nos municpios

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    de Joo Lisboa e Imperatriz. J as regies de Cerrado tiveram ocupao mais antiga, baseada napecuria tradicional, e s recentemente comeam a sofrer agresso com a expanso das lavourasde soja e cana.

    Hoje, h poucas terras livres e a pobreza e as ms condies de vida caracterizam essa rea onde

    predominam a pecuria extensiva e a produo familiar de subsistncia. Em contraste, impem-se ao norte do PFC as plantaes de eucaliptos e, ao sul, a cultura de soja, apoiados nacirculao da Ferrovia Norte-Sul e no Terminal graneleiro da Companhia Vale do Rio Docelocalizado em Imperatriz, bem como nas rodovias TO-376/245 e MA-330 que esto sendopavimentadas para o escoamento da soja.

    A Rede: Atores e Estratgias

    Pequenos agricultores proprietrios, posseiros e assentados do INCRA, alm de grupos indgenasso os participantes do PFC.

    A maioria dos scios da AAPPC e das associaes de Santa Maria do Tocantins e dascooperativas de Montes Altos e Joo Lisboa proprietria, com reas em torno de 25 a 30hectares. Em Loreto e S. Raimundo das Mangabeiras, h minoria de proprietrios e, em geral, osassentados ainda no possuem o ttulo da terra.

    Todos os projetos realizam atividades de coleta, manejo do cerrado (enriquecimento decapoeira), plantio consorciado de rvores frutferas do cerrado e de floresta Amaznica,experimentos de Sistemas Agroflorestais (SAF), processamento e comercializao de polpa defrutas e seus subprodutos, de maneira semi-industrial (uma fbrica) e artesanal (nas entidades epropriedades).

    Iniciativas locais e redes scio-polticas tiveram papel central na RFC, semelhana de outrosprojetos alternativos. Mas a RFC original porque est estruturada em uma rede de projetos eno apenas de alianas. Foi constituda em parceria com grande esforo de entidades de apoio,em se destacam:

    a) as comunidades de base da Igreja Catlica nos anos 1980, cuja atuao se fez sentirna organizao das cooperativas, na participao ativa de seus membros nosSindicados de Trabalhadores Rurais (STR), na luta que levou constituio de vriostipos de assentamentos, e nos Grupos de Prestao de Base (GPB) que formam osubstrato social das cooperativas ;

    b) o Centro de Educao e Cultura do Trabalhador Rural (Centru), criado h quase 15anos em Imperatriz, dirigido por pequenos produtores que lideram at hoje ocooperativismo. O Centru, com o movimento sindical, foi o articulador da rede desde os GPB existentes em cada municpio, ao Frum das Organizaes Sindicais daregio;

    c) o Cebemo, agncia de financiamento holandesa que apoiou a criao de escola decapacitao agrcola em plantios permanentes pelo centru;

    d) o Centro Trabalho Indigenista (TI) que h anos desenvolve um trabalho compopulaes indgenas, apoiando a criao e manuteno da Associao Vyty-Cati,espcie de Central ou Federao de organizaes indgenas que congrega 10 aldeias

    pertencentes a cinco grupos indgenas diferentes.e) o PP-G7, atravs do subprograma Projetos Demonstrativos do tipo A (PDA), objeto

    de doao do G7, Unio Europia e Governo do Brasil.

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    A aliana entre as redes scio-polticas CTI e Centru possibilitou o fortalecimento da Redevisando um projeto de desenvolvimento sustentvel, valorizando as atividades extrativistas eagro-extrativistas e o enriquecimento do cerrado e das capoeiras para gerar renda para apopulao. O PD/A foi importante para implantao da infraestrutura. Anteriormente a ele, a

    maioria das entidades executou projetos diversificados, muitos pequenos ; hoje todas dispem deescritrio e armazm, equipamentos de escritrio, rdio, e um mnimo de equipamentos parabeneficiamento (despolpador e freezer), alm de veculos para o transporte. Por sua vez, ainfraestrutura permitiu ampliar a escala da produo.

    Uma complexa organizao sustenta a RFC. Os trabalhadores rurais esto hierarquizados emGrupos de Produo de Base, scios das sete cooperativas e/ou associaes (h duas associaesde municpios e uma indgena) coordenadores do Projeto e diretorias de cooperativas e/ouassociaes, a RFC onde se realizam encontros de coordenadores e o Conselho, dirigido pordois representantes de cada cooperativa e associao. exceo de Montes Altos, todas asentidades mantm vnculos estreitos e filiao obrigatria aos seus respectivos Sindicatos de

    Trabalhadores Rurais (Leroy, J-P. & Toledo, G.T., 2001).

    Por sua vez, os ndios esto organizados em aldeias, cuja autoridade mxima o cacique, aAssociao Vyty-Cati (com diretores indicados pelas aldeias) mantm representantes noConselho, que o lugar de encontro entre os povos indgenas e os trabalhadores rurais brancos.

    Ademais dessa estrutura, h trs subprojetos na Rede, (um deles de Acompanhamento eMonitoramento) que tambm participam do Conselho, onde tambm esto presentes o Centru eo CTI.Tal tipo de entrosamento garante a unidade poltica das instituies envolvidas, ancoradas emobjetivos comuns. A RFC fundamenta-se, assim, por um lado sobre um pacto poltico demilitantes e entidades e, de outro lado, na materialidade do Projeto. O nome de rede indicaflexibilidade e horizontalidade, com um certo grau de informalidade e de voluntarismo (Leroy,J-P. & Toledo, G.T., 2001).

    A Organizao da Produo

    As atividades do Projeto incluem coleta de frutos e sementes, produo de mudas, plantio,sistemas agroflorestais, manejo de capoeira, beneficiamento de frutas, polpas e subprodutos, ecomercializao.

    H que registrar uma certa diviso de trabalho. A Associao indgena, em lugar de culturaspermanentes, dedica-se proteo de lagos, nascentes, olhos dgua, fontes e recursos hdricos.

    Inicialmente efetuada com grande participao e entusiasmo, a coleta perdeu terreno para outrasatividades. Da mesma forma o plantio mostrou-se difcil para as famlias de pequenosprodutores que trabalham no limite de sua capacidade e no tem como pagar servios deterceiros. O que se imps foi o aproveitamento do roado das culturas de subsistncia paraplantao progressiva de frutferas e at de madeira de lei, com diminuio parcial doinvestimento em trabalho. Os viveiros comeam a se tornar estveis, a maioria sendotrabalhados por mulheres, que na maioria dos casos, no recebem remunerao pelo trabalho. OFundo Fixo da maioria das entidades est investido em polpas, na cmara frigorfica de Carolina

    ou nos freezers das cooperativas e associaes.

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    Na concepo inicial do projeto encaminhado ao PDA, o objetivo era produzir e coletar frutasnas entidades e envia-las at Carolina, onde seriam processadas para posterior comercializao.Esse objetivo no pde ser alcanado devido a:

    - falha na avaliao da logstica de transporte no que se refere s distncias a serem

    percorridas, perda de frutas durante o transporte, ramais de escoamento da produode m qualidade por vezes impedindo o acesso s concentradoras da produo,trechos danificados das principais estradas asfaltadas utilizadas para o transportefinal do produto;

    - incapacidade inicial da fbrica prevista para 200 kg/dia para absorver toda aproduo e falta de pessoal especializado para a comercializao;

    - escala de armazenamento inadequado para o tamanho do projeto, problema que foisolucionado em parte com a aquisio do container de armazenamento comcapacidade para 15 toneladas, ainda insuficiente.

    Em trs anos de experincia, novas estratgias para o processamento e a comercializao foramadotadas. A primeira se refere descentralizao do processamento para as cooperativas eassociaes. De forma artesanal, congelando e armazenando o produto final em freezers, j quea fbrica de Carolina no era capaz de processar toda a produo. A segunda se refere amelhorias na capacidade da fbrica, pela compra de um depolpador de melhor qualidade, docontainer e, finalmente, pela construo de uma nova fbrica em Carolina, mais moderna, parasubstituir a atual. A terceira estratgia foi a obteno de capacitao tcnica, com dois tcnicosencarregados da comercializao mediante convnio com o DAD, (Servio Alemo deCooperao Tcnica e Social), que em um ano aumentou substancialmente a produo (grfico 1e quadros 3 e 4)

    Grfico 1. Venda de Polpa de Frutas (em Kg) pela Fbrica de Carolina, entre os Mesesde Julho a Dezembro de 1998 e 1999.

    458

    217

    69 3

    44

    2225

    425

    491

    496

    686

    1058

    3853

    7009

    306 8

    31

    0

    1000

    2000

    3000

    4000

    5000

    6000

    7000

    8000

    7 8 9 10 11 12 Total

    Ms

    1998

    1999

    Fonte : Leroy, J-P. & Toledo, G.T., 2001.

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    Quadro 3. Resultado Operacional do Ano de 1999, com Base no Segundo Semestre,Segundo Dados Disponveis (em R$)

    Discriminao Meses TotalJul Ago Set Out Nov Dez

    RECEITASVenda de polpa 1.351.20 1.627.35 1.110.08 1.932.20 3.268.20 13.019.05 22.308.23Variao deexistncia de polpa

    nr nr nr nr nr 9.329.24 9.329.24

    Outras receitas 10.000.00 10.000.00Total de Receitas 1.351.20 1.627.35 1.110.08 1.932.35 13.268.20 22.348.29 41.637.47CUSTOSCustos variveis -310.18 -291.17 -889.52 -521.06 -4.491.80 -5.730.17 -

    12.233.89Custos fixos eoutros

    -1.791.81

    -2.358.75

    2.741.97 -4.879.13

    -5.145.83 -9.360.01 -26.277.50

    Subtotal de custos(fixos + variveis)

    -2.101.99

    -2.649.92

    -3.631.49

    -5.400.19

    -9.637.63 -15.090.18

    -38.511.39

    Variao deexistncia deinsumos

    nr nr nr nr nr nr -

    Custos Financeiros -150.00 -150.00 -300.00Total de Custos -

    2.101.99-2.649.92

    -3.631.49

    -5.400.19

    -9.787.63 -15.240.18

    -38.811.39

    ResultadoOperacional

    -750.79 -1.022.57

    -2.521.41

    -3.467.84

    3.480.57 7.108.11 2.826.08

    Fonte : Leroy, J-P. & Toledo, G.T., 2001.

    No momento, cogita-se de redesenhar o PFC com a incorporao de mais duas fbricas, uma emImperatriz e outra em So Raimundo das Mangabeiras para solucionar a dificuldade de entregada produo artesanal.

    Quadro 4. Estimativa de Produo de Fruta p Plo Regional para cada Fbrica deProcessamento de Polpa de Frutas, de Acordo com o Redesenho do PFC (em toneladas).

    Espcie Plo de Produo TotalImperatriz Carolina So

    RaimundoCaju 2.500.00 600.00 850.00 3.950.00

    Caj 300.00 750.00 180.00 1.230.00Bacuri (massa) 12.00 36.00 22.00 70.00Buriti 2.000.00 1.500.00 1.600.00 5.100.00Juara/Aa 300.00 150.00 - 450.00Bacaba 50.00 30.00 - 80.00Murici 110.00 140.00 - 250.00Ara 5.00 6.00 18.00 29.00Cupuau 5.00 3.00 - 8.00Mangaba 12.00 8.00 5.00 25.00Total 5.294.00 3.223.00 2.675.00 11.192.00

    Fonte : Leroy, J-P. & Toledo, G.T., 2001.

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    Em busca de uma avaliao

    A avaliao dos resultados do PFC depende da tica com que so encarados. Certamente seusucesso social, poltico e ambiental bem mais expressivo do que o econmico.

    O poder de influncia do Projeto significativo, relacionando-se com vrias pequenasassociaes e assentamentos. Est em processo de constituio a integrao de uma cooperativaem Balsas (MA) e a cooperativa de Joo Lisboa discute com entidades de base do municpiovizinho de Buritirana (MA), a possibilidade de sua integrao.

    Ao nvel econmico, os resultados so bem menos expressivos, como visto acima. Segundovrios depoimentos, o principal resultado do projeto a implantao dos Sistemas Agroflorestais(SAF) no cerrado, viabilizando sua conservao. Ademais os membros das cooperativas e osassociados, em geral, tm se mantido no campo e no so os mais pobres entre os produtoresrurais seja pela extenso de suas posses, seja por sua capacidade de produo ou ainda por suacapacidade de enfrentar a situao. A questo da propriedade da terra crucial para sua

    estabilidade. O Programa de Reforma Agrria do INCRA no d conta das necessidades, eenquanto isso, as terras devolutas e/ou abandonadas voltam a ser valorizadas e cobiadas pelaexpanso da soja e da cana.

    Desafios a serem enfrentados no faltam. A complexa organizao da RFC. Fundamentada numpacto, no pode enquadrar as entidades associadas e fazer valer o seu compromisso efetivocom as decises do Conselho, que vive uma contradio por ser poltico e ao mesmo tempogestionrio. A dificuldade de comunicao, pelas estradas e pela cultura, por sua vez, atrasasobremaneira o conhecimento das decises pelos Grupos de Base, situao melhorada com ordio. Rodzio excessivo de diretores, tcnicos incapazes, excesso de centralizao, e conflitocultural entre brancos e ndios, que obedecem ao cacique, foram e so episdios crticos na RFC(Leroy, J-P. & Toledo, G.T., 2001)Chama a ateno o pequeno nmero de scios nas cooperativas e associaes, como dito, entre

    30-60. Em municpios com importante populao rural, lcito cogitar que as entidades notenham impacto expressivo. O que sustenta o PFC, alm da influncia no entorno, o fato de serintegrado por um conjunto de organizaes, o que torna difcil ignorar o projeto criando, aocontrrio, uma atrao sobre outros pequenos produtores e aldeias, bem como sobre a populaolocal e o poder pblico.

    4 - Lies aprendidas: Implicaes Polticas

    Os resultados alcanados pelos microemprendimentos analisados, s podem ser entendidos nocontexto de experimentos na busca de um padro alternativo de desenvolvimento regional. Valelembrar ainda, que a seleo dos empreendimentos obedeceu a critrios de representatividadegeogrfica iniciativas em reas florestais e em reas povoadas e de grupos sociais diversos.O reconhecimento do relativo sucesso desses empreendimentos, foi tambm considerado na suaescolha.

    Apesar da grande diversidade dos casos analisados, inerente ao seu carter experimental, possvel extrair algumas lies comuns a todos, e implicaes polticas a elas vinculadas.

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    1. Uma sustentabilidade econmica incerta

    A multiplicao de microempreendimentos na Amaznia constitui, sem dvida um sucessopoltico. No estado atual, contudo, em que pese o curto tempo decorrido desde a sua implantaoe a positividade do esforo e da criatividade para alcanar melhores condies de vida de grupos

    sociais at ento marginalizados do processo econmico e poltico regional, a maioria dosempreendimentos no tem condies de consolidar economicamente suas inicativa (Becker,B.K.; Lna, P. et al. 2001)

    Uma significativa ao poltica governamental em vrias dimenses necessria para suacontinuidade e seu sucesso.

    2. De projeto a efetivo empreendimento

    Nascidas como projetos alternativos, as iniciativas enfrentam grandes desafios para se consolidarcomo verdadeiros empreendimentos e poder competir com empreendimentos mdios e/ou

    grandes que atuam no mesmo ramo. Polticas pblicas urgentes, em vrios escales do governo,so necessrias para permitir o seu acesso ao mercado em condies competitivas. Dentre elasressaltam:

    a) transporte adequado ao escoamento da produo. Em muitos microemprendimentos hdisperso dos lugares de produo, que so distantes dos stios de coleta e transporte; a soluodo problema implica em duas aes: assegurar a circulao da produo nos ramais queconduzem aos pontos de coleta mediante a construo e/ou reparao contnua das vicinais porvezes inutilizveis na estao chuvosa e manter as rodovias, que exportam o grosso daproduo, em condies adequadas.

    b) a comercializao um ponto de estrangulamento em todos os projetos. A partir do momentoem que h uma produo de certa escala, preciso assinar contratos com compradores de outrasregies. No caso da produo da pupunha (palmito) do RECA, algumas empresas secomprometem a comprar a produo, mas sem um compromisso estvel, pois que lhe maisfcil adquirir o produto em grandes plantaes que esto entrando no mercado. Uma polticaprotecionista torna-se necessria, talvez pela certificao, processo que exige, contudo, controlede qualidade e melhorias tcnicas (Becker, B.K.; Lna, P. et al. 2001);

    Em outros casos, a comercializao prejudicada pela falta de escala da produo. Foi o caso,no prprio Reca, da grande demanda por polpa de cupua pela Nestle, que o empreendimento

    no pde atender. o caso dos Frutos do Cerrado, cuja carncia reside no incapacidade dearmazenamento, um problema mais fcil de solucionar;

    c) a agregao de valor aos produtos um passo essencial no s para atenuar os problemasacima apontados, como para elevar os baixos preos alcanados no mercado externo, como ocaso da castanha e da borracha, e da busca de soluo que est ocorrendo em Xapur e Boca doAcre. A agregao de valor deveria tambm envolver todas as potencialidades locais, e noapenas a produo principal . Tratam-se, por exemplo de viveiros que so cuidados pelasmulheres sem remunerao, da intensificao das prticas habituais dos agricultores (culturasanuais e criao de gado), que ainda persistem, alm de trabalhos caseiros, no relacionados agricultura;

  • 8/7/2019 Bertha Becker Pequenos empreendimentos

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    Polticas para Promoo de Sistemas Produtivos Locais de MPME

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