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1 Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas neste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente. Autoria: Sociedade Brasileira de Urologia Elaboração Final: 28 de junho de 2006 Participantes: Damião R, Carrerette FB, Truzzi JCCI, Almeida FG Bexiga Hiperativa: Terapia Comportamental e Reabilitação do Assoalho Pélvico

Bexiga Hiperativa Terapia Comportamental e reabilitação do assoalho pélvico

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Projeto DiretrizesAssociação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federalde Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar

condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidasneste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta

a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente.

Autoria: Sociedade Brasileira de Urologia

Elaboração Final: 28 de junho de 2006

Participantes: Damião R, Carrerette FB, Truzzi JCCI, Almeida FG

Bexiga Hiperativa: Terapia Comportamentale Reabilitação do Assoalho Pélvico

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DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE COLETA DE EVIDÊNCIA:Revisão da literatura.

GRAU DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA:A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.C: Relatos de casos (estudos não controlados).D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos

fisiológicos ou modelos animais.

OBJETIVO:Descrever as principais recomendações no tratamento comportamental embexiga hiperativa e reabilitação do assoalho pélvico.

CONFLITO DE INTERESSE:Os conflitos de interesse declarados pelos participantes da elaboração destadiretriz estão detalhados na página 6.

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INTRODUÇÃO

Uma vez estabelecido o diagnóstico de bexiga hiperativa, tra-tamentos conservadores constituem a primeira linha de opçõesentre os quais estão incluídos a reabilitação do assoalho pélvico ea terapia comportamental. A combinação de drogas e terapiacomportamental em mulheres produz melhores resultados que oalcançado por ambas individualmente1(B). A grande maioria daspublicações inclui na sua avaliação pacientes com incontinênciaurinária de diversas etiologias. Limitaremos nossa análise aosresultados obtidos nos casos de bexiga hiperativa.

TERAPIA COMPORTAMENTAL

RE-EDUCAÇÃO HIGIÊNICO-DIETÉTICA

Recomendações sobre mudanças nos hábitos higiênico-dietéticos e nas atividades físicas têm sido preconizadas há muitotempo por profissionais da área da saúde para portadores dedisfunções miccionais. Mormente, os estudos até então realiza-dos com o intuito de estabelecer o real papel de cada uma destassituações na bexiga hiperativa são escassos.

O consumo de vegetais, pão e carne de frango diminui o riscode sintomas relacionados com bexiga hiperativa. Bebidasgaseificadas, obesidade, tabagismo e diminuição da atividade físi-ca são fatores de risco e devem ser evitados2(B).

A ingestão de cafeína foi maior em mulheres portadoras de be-xiga hiperativa do que no grupo controle em um estudo de coorte3(B).Em outro estudo semelhante, a pressão detrusora entre portadoresde hiperatividade foi maior que no grupo controle após a ingestãode café4(C). Por outro lado, num estudo prospectivo com 7.046mulheres não foi demonstrada associação positiva entre cafeína ebexiga hiperativa2(B). Como os resultados são controversos, outrosestudos se fazem necessários para se estabelecer a recomendação.

Não foi estabelecida correlação entre ingestão de álcool e amaior incidência de urgência ou perdas urinárias5(B). Não háassociação entre a maior ingestão de líquidos e a ocorrência debexiga hiperativa2(B).

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TREINAMENTO VESICAL

Dentre as medidas para o treinamento vesicalestão incluídas técnicas de micção programadae micção imediata (prompt voiding). O uso damicção imediata tem aplicação predominanteem portadores de déficit cognitivo e nos casosonde há assistência de cuidadores que dêem su-porte sempre que manifestado o desejo miccionalpelo paciente.

A base para o treinamento vesical é a uti-lização do diário miccional. Há relatos demelhora da incontinência urinária em até 15%dos casos e dos sintomas relacionados à bexigahiperativa de 50%6(D). A comparação entretreinamento vesical e ausência de tratamentoem mulheres com bexiga hiperativa demonstrouque o treinamento vesical foi efetivo na melho-ra dos sintomas7(B). Em pacientes do sexomasculino, não há dados que confirmem estesresultados.

Ao serem comparados os efeitos do treina-mento vesical e do uso de anticolinérgicos, oprimeiro promoveu efeitos, no mínimo, seme-lhantes e, em alguns estudos, melhores, alémde mais prolongados do que drogas comoflavoxato, imipramina e oxibutinina8(A)9(B).Quando comparada à eficácia do treinamentovesical com exercícios da musculatura doassoalho pélvico, ambos se mostraram comeficácia semelhante em mulheres portadoras debexiga hiperativa10(A).

Existe controvérsia quanto ao efeitosinérgico da associação do treinamento vesicalcom exercícios pélvicos10,11(A). Também hácontrovérsia a respeito do benefício existente daassociação de medicamentos ao treinamentovesical.

Há recomendação para treinamento vesicalno tratamento da bexiga hiperativa em mulhe-res e idosos e para pacientes do sexo masculino.

Os resultados de estudos sobre treinamentovesical associado a exercícios pélvicos ou amedicamentos são contraditórios, o que nãopermite determinar o grau de recomendação.

EXERCÍCIOS PÉLVICOS EELETROESTIMULAÇÃO PÉLVICA

EXERCÍCIOS DA MUSCULATURA

DO ASSOALHO PÉLVICO

O racional para este método vem daconstatação, desde a década de 70, de que aeletroestimulação da musculatura pélvica inibede modo reflexo a contração detrusora. Existeuma gama de protocolos de exercícios da mus-culatura do assoalho pélvico, sem que haja umadefinição a respeito da prática de exercícios idealpara essa musculatura. Foi preconizado, combase em publicações referentes a exercícios damusculatura esquelética de outras partes do cor-po, que devem ser executadas três seqüências deexercícios, com 8 a 12 contrações máximas debaixa velocidade, sustentadas por 6 a 8 segun-dos cada, 3 a 4 vezes por semana, por um períodode 15 a 20 semanas. Esse treinamento deve serassistido por um profissional com conhecimentoespecífico na área. Quando comparado à reali-zação de exercícios da musculatura do assoalhopélvico com um grupo controle sem qualquerintervenção terapêutica e com um grupoplacebo, os resultados foram muito favoráveispara o primeiro12,13(A). A comparação entreexercícios pélvicos e o uso de oxibutinina mos-trou uma tendência favorável à realização deexercícios, embora o resultado tenha sidoconflitante12,13(A). Em mulheres com bexiga

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hiperativa, os exercícios para assoalho pélvicodevem ser oferecidos em conjunto com outrasmodalidades de terapia comportamental, comoo treinamento vesical e orientações higiênico-dietéticas.

BIOFEEDBACK

Embora possa ser utilizado como recursoisolado, habitualmente, é aplicado em conjuntocom exercícios da musculatura do assoalhopélvico e treinamento vesical. No entanto,estudos comparativos não demonstraram haveruma melhora efetiva no desempenho dos exer-cícios da musculatura do assoalho pélvico apósa associação do biofeedback13,14(A).

Em pacientes idosos, a maior parte dos arti-gos publicados associa a realização de exercíciospélvicos com outras modalidades terapêuticas,o que dificulta a análise de eficácia individual.Ainda assim, a associação com biofeedback pro-duziu melhora da continência urinária, de modogeral, em pacientes com diversos graus de co-morbidade. Não se chegou, até o momento, auma conclusão se a idade mais avançada inter-fere nos resultados de biofeedback e exercíciospélvicos. As avaliações, em sua maioria, foramfeitas em termos de perdas urinárias, o que difi-culta a seleção de resultados especificamente parabexiga hiperativa.

Há recomendação para exercícios doassoalho pélvico no tratamento da bexigahiperativa em mulheres e idosos e para pacien-tes do sexo masculino.

ELETROESTIMULAÇÃO

A eletroestimulação no tratamento dahiperatividade vesical tem como objetivo redu-

zir a contratilidade detrusora por meio de estí-mulos elétricos aplicados via vaginal, anal ouperineal. Os estímulos variam de uma únicaaplicação a sessões diárias, em média, duas ve-zes ao dia, por até quatro meses. A freqüênciautilizada é 10 a 50 Hz, com duração de 0,1 a300 microsegundos. Não existe uma padroni-zação, nem tampouco evidências de que umadeterminada conduta seja ideal para todos oscasos15(A)16(D).

Em idosos, um único estudo com portado-res de hiperatividade detrusora mostrou haverum ganho de 50 ml na capacidade vesical apósa eletroestimulação. Faltam evidências de res-posta efetiva neste grupo etário. Quando anali-sados os resultados em termos de continênciaurinária, a eletroestimulação parece ser efetivaem idosos.

Em pacientes do sexo feminino, a compa-ração de estimulação elétrica com ausência detratamento não evidenciou melhora significati-va para qualquer modalidade, com tendência amelhores resultados para a eletroesti-mulação17,18(B). Estudos comparando eletroes-timulação com placebo não foram conclusivos,embora tenham demonstrado uma tendênciafavorável à primeira18,19(B). Não há, de modosemelhante, evidências suficientes que falem afavor da estimulação elétrica em comparação aouso de anticolinérgicos para bexiga hipe-rativa15(A). A associação de eletroestimulação eexercícios pélvicos não trouxe um benefíciocomplementar sobre a realização apenas de exer-cícios, quando estas modalidades foram compa-radas de modo individual e agrupadas20(A)16(D).

Há recomendação para eletroestimulação notratamento da bexiga hiperativa em mulheres,pacientes do sexo masculino e idosos.

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CONES VAGINAIS

O uso de cones vaginais tem por objetivofortalecer e melhorar o desempenho de exercí-cios pélvicos. Não há estudos envolvendo pacien-tes apenas com bexiga hiperativa. A totalidadedos trabalhos foi desenvolvida em portadoras deincontinência urinária de esforço ou de incon-tinência mista. Portanto, a eficácia do uso de

cones vaginais associada a exercícios pélvicos naobtenção de melhora da bexiga hiperativa nãopôde ser demonstrada21(A).

CONFLITO DE INTERESSE

Almeida FG: recebe esporadicamentehonorários por prestar consultoria às empresasAMS e Medtronic do Brasil.

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