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SALVADOR SÁBADO 8/3/2014 6 2 PAPILLON / HENRI CHARRIÈRE Publicado em 1969, o clássico chega às livrarias em nova edi- ção. No livro, Cherrièrre conta sua história: preso por um cri- me que não cometeu, foi um dos poucos que conseguiram fugir da Ilha do Diabo, prisão na Guiana Francesa. Até hoje há quem acredite que o depoimen- to é fruto de sua imaginação. Editora Bertrand/ 728 pág/ R$ 70/ bertrandbrasil.com.br ENTRE AMIGOS / AMÓS OZ O autor israelense Amós Oz re- cria a realidade de um kibutz nos anos 50, a partir de oito histórias interligadas. Em um cotidiano de trabalho, os per- sonagens de diferentes idades e origens são protagonistas e coadjuvantes que dividem com o leitor suas desilusões e so- nhos e dramas. Companhia das Letras/ 136 pág./ R$ 34/ com- panhiadasletras.com.br MEMÓRIAS DE UM CAÇADOR / IVAN TURGUÊNIEV Ivan Turguêniev (1818-1883) denunciou nestes contos os desmandos dos latifundiários russos. Ganhou do Czar prisão domiciliar e fama literária imor- redoura. Tão importante, a obra teve papel fundamental na emancipação dos servos. Al- ta literatura é isso aí. Traduzido direto do russo. Editora 34/ 488 p./ R$ 59/ editora34.com.br AS DIABRURAS DE QUICK E FLUPKE – VOLUME 1 / HERGÉ Criador do intrépido repórter Tintim, o belga Hergé (1907- 1983) não tinha nenhuma ou- tra obra no Brasil. A espera aca- bou com este Quick e Flupke, dois moleques travessos das ruas de Bruxelas, inspirados na infância do autor. Divertido e inocente, para todas as idades. Globo Livros/ R$ 39,90/ 184 p./ globolivros.globo.com MEMÓRIAS DO ESQUECIMENTO / FLÁVIO TAVARES O jornalista e professor da UnB Flávio Tavares desceu ao infer- no da ditadura e voltou para contar o que passou neste im- pressionante relato, que saiu em 1999 e volta ampliado. Elo- giado por Saramago e Ernesto Sábato, vem em boa hora, quando aquele golpe vergo- nhoso faz 50 anos. L&PM/ 272 p./ R$ 19,90/ lpm.com.br MAIS VENDIDOS / FICÇÃO 1 A Culpa É das Estrelas John Green 2 A Menina que Roubava Livros Markus Zusak 3 O Cavaleiro dos Sete Reinos George R. R. Martin 4 Quem É Você, Alasca? John Green 5 Fim Fernanda Torres MAIS VENDIDOS / NÃO FICÇÃO 1 Destrua este Diário Keri Smith 2 Assassinato de Reputações Romeu Tuma Junior e Claudio Tognolli 3 Sonho Grande Cristiane Correa 4 1889 Laurentino Gomes 5 O Mínimo que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota Olavo de Carvalho FONTE: Folhapress ARMÁRIO DE LETRAS LIVRO Em Homens e Mulheres da Idade Média, historiador francês Jacques Le Goff revela as figuras que fizeram história no período Obra destaca a influência e o papel da mulher na sociedade medieval REGINA DE SÁ Editora Em meados do século 9, existia na Europa uma aristocrata de nome Dhuoda. Esposa dedicada e mãe de dois filhos, o primo- gênito Guilherme e o mais novo de nome Bernardo, a culta Dhuoda preocupava-se com a educação e o futuro dos me- ninos. Quando o mais velho fez 16 anos, ela decidiu escrever um manual de conduta, saberes re- ligiosos e princípios morais, co- mo forma de preservar e do- cumentar a história da família e, entre 841 e 843 da era caro- língia, Dhuoda se debruça a es- crever o Manual Para Meu Filho, um dos estudos mais interes- santes sobre educação, mas que ficou por séculos completamen- te desconhecido, até que sua obra virasse tema de uma tese, em 1962. "Quem conhecia a aristocrata Dhuoda no fim da Idade Média? Ninguém. Nenhum historiador, nenhum cronista sequer mencio- na a nobre carolíngia", afirma o historiador especializado em as- suntos medievais, o francês Jac- ques Le Goff, no livro Homens e Mulheres da Idade Média. No século 15, um manuscrito da Biblioteca de Barcelona for- neceria o texto integral escrito por Dhuoda. “É o único livro de educação escrito por uma mãe para seu filho na alta Idade Mé- dia”, escreve Le Goff. Gênese da valorização Na obra, o historiador revela que o manual escrito pela fi- dalga francesa veio a público pela primeira vez em 1887, quando foi descoberto na Bi- blioteca de Nimes e parcialmen- te publicado. Esta é uma das mulheres do período medieval que Le Goff resgata no livro. Para Marcelo S. Berriel, pro- fessor adjunto do Departamen- to de História e Economia da UFRRJ e integrante do Labora- tório de Ensino e Pesquisa em Medievalística (Lepem), apesar da visão que inferiorizava a mu- lher, é neste período que se co- nhece a gênese de uma espécie de valorização da mulher. “Estas figuras que se desta- caram mostraram que a mulher podia também exercer um pa- pel de relevo e influência na so- ciedade”, diz Berriel. Tipos femininos No imaginário coletivo, a Idade Média foi um longo, assustador e temido período de trevas. San- tas, religiosas, políticas, aman- tes, cristãs, temidas e influentes mulheres conseguiram deixar uma marca mais do que evi- dente de que o papel de uma figura vil, que cedia ao pecado e levava o homem a cometê-lo também, transcendia a imagem obscura perpetuada no tempo ao longo de séculos. “A Idade Média foi um longo período criativo e dinâmico”, es- creve Le Goff, na publicação. O autor elenca 112 personagens, em sua maioria, homens. Den- tre as mulheres retratadas, a obra traz a francesa Joana d'Arc, a mais popular de todas, e as santas Clara e Radegunda. “Não é que as mulheres te- nham se destacado apenas co- mo santas, mas o modelo de mulher mais presente nas fon- tes da época é o da santa, o da castidade, das virtudes etc. É in- dispensável para o estudo de uma sociedade do passado lem- brarmos que a conhecemos através dos testemunhos que ela mesma nos legou (o que os historiadores chamam de ‘fon- tes’)”, afirma Marcelo Berriel. Segundo o professor, o tipo feminino ideal mais presente nos textos medievais é, certa- mente, o que inspira um modelo de santidade. “Pode-se resumir (muito superficialmente) os modelos femininos em dois: Maria e Eva (dois modelos bí- blicos antagônicos). A mulher comum, considerada inferior ao homem, era associada a Eva. E quando se queria enaltecer uma personagem, os textos a apro- ximavam de Maria. É um es- quema um pouco reducionista, mas é didático e ajuda a en- tender”, explica. Nascimento da Europa De acordo com o professor Ber- riel, da UFRRJ, a visão da Idade Média como idade das trevas (a dark age dos escritores de língua inglesa) tem origem no século 16. “Foram os humanistas do Renascimento que, renegando seu passado mais próximo e enaltecendo a Antiguidade clás- sica, classificaram o período co- mo uma época de trevas, no qual a cultura era dominada pe- la religião e o homem era des- valorizado”, afirma. Berriel diz também que a his- toriografia no século 20 contri- buiu para entendermos melhor o que foi este período. “Foi um período de guerras, de fome, de epidemias, mas, além da ‘Idade Média Má’, existiu a da arte, da cultura, das invenções“. Berriel diz que a visão de mun- do da Igreja determinou a vida das pessoas na Idade Média em vários sentidos. “O domínio da Igreja, sua tentativa de controle político, imposição de normas, ou seja, muito do que o senso comum repete com pouco cui- dado são afirmações que pos- suem algum sentido. Tor- nam-se, porém, afirmações um pouco irresponsáveis quando não são relativizadas com ou- tras informações que as fontes da época nos trazem”. “Hoje em dia, se uma pessoa afirmar que a Idade Média foi a ‘Idade das Trevas’, estará ad- mitindo sua ignorância a res- peito de estudos sobre história medieval que datam de décadas atrás”, diz Berriel. Explorar a Idade Média, dos séculos 4 ao 15, pode nos trazer um milênio todo de questiona- mentos e descobertas. Testemu- nhas de seu tempo, as mulheres no livro de Le Goff são a prova de que as condições reais de vida e pensamento ultrapassam o imaginário popular. Biblioteca Municipal de Grenoble / Divulgação Ilustração de Joana D’Arc extraída de A Campeã das Damas (1442), de Martin Le Franc “É na Idade Média que conhecemos a gênese de uma espécie de valorização da mulher” MARCELO S. BERRIEL, professor HOMENS E MULHERES DA IDADE MÉDIA / JACQUES LE GOFF Estação Liberdade / 448 p. / R$ 115 / estacaoliberdade.com.br Autor diz que culto a Santa Elizabeth da Hungria reuniu uma série de modelos da santidade feminina Museu Atger / Divulgação

Biblioteca Municipal de Grenoble / Divulgaç LIVRO Em Homens … · 2014-03-15 · chega às livrarias em nova edi-ção. No livro, Cherrièrreconta ... Olavo de Carvalho FONTE: Folhapress

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SALVADOR SÁBADO 8/3/20146 2

PAPILLON / HENRI CHARRIÈRE

Publicado em 1969, o clássicochega às livrarias em nova edi-ção. No livro, Cherrièrre contasua história: preso por um cri-me que não cometeu, foi umdos poucos que conseguiramfugir da Ilha do Diabo, prisão naGuiana Francesa. Até hoje háquemacreditequeodepoimen-to é fruto de sua imaginação.Editora Bertrand/ 728 pág/ R$70/ bertrandbrasil.com.br

ENTRE AMIGOS / AMÓS OZ

O autor israelense Amós Oz re-cria a realidade de um kibutznos anos 50, a partir de oitohistórias interligadas. Em umcotidiano de trabalho, os per-sonagens de diferentes idadese origens são protagonistas ecoadjuvantes que dividem como leitor suas desilusões e so-nhos e dramas. Companhia dasLetras/ 136 pág./ R$ 34/ com-panhiadasletras.com.br

MEMÓRIAS DE UM CAÇADOR / IVAN

TURGUÊNIEV

Ivan Turguêniev (1818-1883)denunciou nestes contos osdesmandos dos latifundiáriosrussos. Ganhou do Czar prisãodomiciliar e fama literária imor-redoura. Tão importante, aobra teve papel fundamentalna emancipação dos servos. Al-ta literatura é isso aí. Traduzidodiretodorusso.Editora34/488p./ R$ 59/ editora34.com.br

AS DIABRURAS DE QUICK E FLUPKE –

VOLUME 1 / HERGÉ

Criador do intrépido repórterTintim, o belga Hergé (1907-1983) não tinha nenhuma ou-tra obra no Brasil. A espera aca-bou com este Quick e Flupke,dois moleques travessos dasruas de Bruxelas, inspirados nainfância do autor. Divertido einocente, para todas as idades.GloboLivros/R$39,90/184p./globolivros.globo.com

MEMÓRIAS DO ESQUECIMENTO / FLÁVIO

TAVARES

O jornalista e professor da UnBFlávio Tavares desceu ao infer-no da ditadura e voltou paracontar o que passou neste im-pressionante relato, que saiuem 1999 e volta ampliado. Elo-giado por Saramago e ErnestoSábato, vem em boa hora,quando aquele golpe vergo-nhoso faz 50 anos. L&PM/ 272p./ R$ 19,90/ lpm.com.br

MAIS VENDIDOS / FICÇÃO

1 A Culpa É das EstrelasJohn Green

2 A Menina que Roubava LivrosMarkus Zusak

3 O Cavaleiro dos Sete ReinosGeorge R. R. Martin

4 Quem É Você, Alasca?John Green

5 FimFernanda Torres

MAIS VENDIDOS /NÃO FICÇÃO

1 Destrua este DiárioKeri Smith

2 Assassinato de ReputaçõesRomeu Tuma Junior eClaudio Tognolli

3 Sonho GrandeCristiane Correa

4 1889Laurentino Gomes

5 O Mínimo que Você PrecisaSaber Para Não Ser Um IdiotaOlavo de Carvalho

FONTE: Folhapress

ARMÁRIO DE LETRAS

LIVRO Em Homens e Mulheres da Idade Média, historiador francêsJacques Le Goff revela as figuras que fizeram história no período

Obra destaca a influênciae o papel da mulher nasociedade medievalREGINA DE SÁEditora

Em meados do século 9, existiana Europa uma aristocrata denome Dhuoda. Esposa dedicadae mãe de dois filhos, o primo-gênito Guilherme e o mais novode nome Bernardo, a cultaDhuoda preocupava-se com aeducação e o futuro dos me-ninos. Quando o mais velho fez16 anos, ela decidiu escrever ummanual de conduta, saberes re-ligiosos e princípios morais, co-mo forma de preservar e do-cumentar a história da família e,entre 841 e 843 da era caro-língia, Dhuoda se debruça a es-crever o Manual Para Meu Filho,um dos estudos mais interes-santes sobre educação, mas queficou por séculos completamen-te desconhecido, até que suaobra virasse tema de uma tese,em 1962.

"Quem conhecia a aristocrataDhuoda no fim da Idade Média?Ninguém. Nenhum historiador,nenhumcronistasequermencio-na a nobre carolíngia", afirma ohistoriador especializado em as-suntos medievais, o francês Jac-ques Le Goff, no livro Homens eMulheres da Idade Média.

No século 15, um manuscritoda Biblioteca de Barcelona for-neceria o texto integral escritopor Dhuoda. “É o único livro deeducação escrito por uma mãepara seu filho na alta Idade Mé-dia”, escreve Le Goff.

Gênese da valorizaçãoNa obra, o historiador revelaque o manual escrito pela fi-dalga francesa veio a públicopela primeira vez em 1887,quando foi descoberto na Bi-blioteca de Nimes e parcialmen-te publicado. Esta é uma dasmulheres do período medievalque Le Goff resgata no livro.

Para Marcelo S. Berriel, pro-fessor adjunto do Departamen-to de História e Economia daUFRRJ e integrante do Labora-tório de Ensino e Pesquisa emMedievalística (Lepem), apesarda visão que inferiorizava a mu-lher, é neste período que se co-nhece a gênese de uma espéciede valorização da mulher.

“Estas figuras que se desta-caram mostraram que a mulherpodia também exercer um pa-pel de relevo e influência na so-ciedade”, diz Berriel.

Tipos femininosNo imaginário coletivo, a IdadeMédia foi um longo, assustadore temido período de trevas. San-

tas, religiosas, políticas, aman-tes, cristãs, temidas e influentesmulheres conseguiram deixaruma marca mais do que evi-dente de que o papel de umafigura vil, que cedia ao pecado elevava o homem a cometê-lotambém, transcendia a imagemobscura perpetuada no tempoao longo de séculos.

“A Idade Média foi um longoperíodo criativo e dinâmico”, es-creve Le Goff, na publicação. Oautor elenca 112 personagens,em sua maioria, homens. Den-tre as mulheres retratadas, aobra traz a francesa Joana d'Arc,a mais popular de todas, e assantas Clara e Radegunda.

“Não é que as mulheres te-nham se destacado apenas co-mo santas, mas o modelo demulher mais presente nas fon-tes da época é o da santa, o dacastidade, das virtudes etc. É in-dispensável para o estudo deuma sociedade do passado lem-brarmos que a conhecemosatravés dos testemunhos queela mesma nos legou (o que oshistoriadores chamam de ‘fon-

tes’)”, afirma Marcelo Berriel.Segundo o professor, o tipo

feminino ideal mais presentenos textos medievais é, certa-mente,oqueinspiraummodelode santidade. “Pode-se resumir(muito superficialmente) osmodelos femininos em dois:Maria e Eva (dois modelos bí-blicos antagônicos). A mulhercomum, considerada inferior aohomem, era associada a Eva. Equando se queria enaltecer umapersonagem, os textos a apro-ximavam de Maria. É um es-quema um pouco reducionista,mas é didático e ajuda a en-tender”, explica.

Nascimento da EuropaDe acordo com o professor Ber-riel, da UFRRJ, a visão da IdadeMédia como idade das trevas (adarkagedosescritoresde línguainglesa) tem origem no século16. “Foram os humanistas doRenascimento que, renegandoseu passado mais próximo eenaltecendo a Antiguidade clás-sica, classificaram o período co-mo uma época de trevas, noqual a cultura era dominada pe-la religião e o homem era des-valorizado”, afirma.

Berriel diz também que a his-toriografia no século 20 contri-buiu para entendermos melhoro que foi este período. “Foi umperíodo de guerras, de fome, deepidemias, mas, além da ‘IdadeMédia Má’, existiu a da arte, dacultura, das invenções“.

Berrieldizqueavisãodemun-do da Igreja determinou a vidadas pessoas na Idade Média emvários sentidos. “O domínio daIgreja, sua tentativa de controlepolítico, imposição de normas,ou seja, muito do que o sensocomum repete com pouco cui-dado são afirmações que pos-suem algum sentido. Tor-nam-se, porém, afirmações umpouco irresponsáveis quandonão são relativizadas com ou-tras informações que as fontesda época nos trazem”.

“Hoje em dia, se uma pessoaafirmar que a Idade Média foi a‘Idade das Trevas’, estará ad-mitindo sua ignorância a res-peito de estudos sobre históriamedieval que datam de décadasatrás”, diz Berriel.

Explorar a Idade Média, dosséculos 4 ao 15, pode nos trazerum milênio todo de questiona-mentosedescobertas.Testemu-nhas de seu tempo, as mulheresno livro de Le Goff são a prova deque as condições reais de vida epensamento ultrapassam oimaginário popular.

Biblioteca Municipal de Grenoble / Divulgação

Ilustração de Joana D’Arc extraída de A Campeã das Damas (1442), de Martin Le Franc

“É na Idade Médiaque conhecemosa gênese deuma espéciede valorizaçãoda mulher”MARCELO S. BERRIEL, professor

HOMENS E MULHERES DA IDADE MÉDIA /

JACQUES LE GOFF

Estação Liberdade / 448 p./ R$ 115 /estacaoliberdade.com.br

Autor diz que culto a Santa Elizabeth da Hungria reuniu uma série de modelos da santidade feminina

Museu Atger / Divulgação