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HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL 1 Eixo temático: Educação do Campo, Trabalho e Movimentos Sociais. Por: Ramofly Bicalho dos Santos Instituição de origem: UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e-mail: [email protected] RESUMO Buscamos nesse trabalho discutir a breve história da educação do campo no Brasil, além das questões político-institucionais de formação universitária que se configuram das experiências entre os atores dos movimentos sociais e da universidade em meio às políticas públicas da década de 1990 até os dias de hoje. Diversos estudos e trabalhos originários de pesquisa e de atividades de extensão universitária são destacados com maior relevância, posto que estes traduzem a realidade social e os conhecimentos provenientes das relações intersubjetivas dos atores da educação do campo captadas pelo olhar desconfiado do institucionalizado. De tantas práticas pedagógicas que se configuram aquelas mais intensas e articuladas, nossa preocupação será com as relações que se sobressaem dos laços entre políticas públicas, instituições, diversidade cultural, identidades e memórias. Palavras-chaves: Educação do Campo; Movimentos Sociais e Formação política. O presente texto 2 busca fazer um resgate histórico da educação do campo no cenário brasileiro, compreendendo as principais mudanças e descrevendo aspectos relevantes na luta dos movimentos sociais 3 , das universidades, dos órgãos governamentais e da sociedade civil no que toca, por exemplo, a relação com a educação popular. A identidade da educação do campo, recentemente construída, reflete momentos de confluência, debates e conflitos de idéias entre os movimentos sociais, as políticas públicas e demais atores. Assim, torna-se relevante conhecer esse percurso, levantando os diálogos presentes e o seu envolvimento com as diversas áreas do conhecimento que retratam a temática e suas particularidades. 1 O conteúdo deste trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2 Este texto foi escrito a partir do trabalho final de monografia: A literatura da educação do campo no Brasil Contemporâneo, da aluna Rosilene Lima da Silva. Formada em Pedagogia pela UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro é professora do Instituto Federal do Maranhão IFMA. e-mail: [email protected] 3 MST Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; FETAG Federação dos Trabalhadores da Agricultura; CPT Comissão Pastoral da Terra; MPA Movimento dos Pequenos Agricultores; MAB Movimento dos Atingidos por Barragens; Quilombolas; Caiçaras; Ribeirinhos; Pescadores; Movimento Indígena, entre outros.

Bicalho Dos Santos

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  • HISTRICO DA EDUCAO DO CAMPO NO BRASIL1

    Eixo temtico: Educao do Campo, Trabalho e Movimentos Sociais.

    Por: Ramofly Bicalho dos Santos

    Instituio de origem: UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e-mail: [email protected]

    RESUMO

    Buscamos nesse trabalho discutir a breve histria da educao do campo no Brasil,

    alm das questes poltico-institucionais de formao universitria que se configuram das

    experincias entre os atores dos movimentos sociais e da universidade em meio s polticas

    pblicas da dcada de 1990 at os dias de hoje. Diversos estudos e trabalhos originrios de

    pesquisa e de atividades de extenso universitria so destacados com maior relevncia, posto

    que estes traduzem a realidade social e os conhecimentos provenientes das relaes

    intersubjetivas dos atores da educao do campo captadas pelo olhar desconfiado do

    institucionalizado. De tantas prticas pedaggicas que se configuram aquelas mais intensas e

    articuladas, nossa preocupao ser com as relaes que se sobressaem dos laos entre

    polticas pblicas, instituies, diversidade cultural, identidades e memrias.

    Palavras-chaves: Educao do Campo; Movimentos Sociais e Formao poltica.

    O presente texto2 busca fazer um resgate histrico da educao do campo no cenrio

    brasileiro, compreendendo as principais mudanas e descrevendo aspectos relevantes na luta

    dos movimentos sociais3, das universidades, dos rgos governamentais e da sociedade civil

    no que toca, por exemplo, a relao com a educao popular. A identidade da educao do

    campo, recentemente construda, reflete momentos de confluncia, debates e conflitos de

    idias entre os movimentos sociais, as polticas pblicas e demais atores. Assim, torna-se

    relevante conhecer esse percurso, levantando os dilogos presentes e o seu envolvimento com

    as diversas reas do conhecimento que retratam a temtica e suas particularidades.

    1 O contedo deste trabalho de inteira responsabilidade do autor.

    2 Este texto foi escrito a partir do trabalho final de monografia: A literatura da educao do campo no Brasil

    Contemporneo, da aluna Rosilene Lima da Silva. Formada em Pedagogia pela UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro professora do Instituto Federal do Maranho IFMA. e-mail: [email protected] 3 MST Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; FETAG Federao dos Trabalhadores da

    Agricultura; CPT Comisso Pastoral da Terra; MPA Movimento dos Pequenos Agricultores; MAB Movimento dos Atingidos por Barragens; Quilombolas; Caiaras; Ribeirinhos; Pescadores; Movimento

    Indgena, entre outros.

  • Durante dcadas a formao destinada s classes populares do campo, vinculou-se a

    um modelo importado da educao urbana. Esse tratamento teve um fundo de descaso e

    subordinao dos valores presentes no meio rural e marcava uma inferioridade quando

    comparado ao espao urbano. O campo encontrava-se estigmatizado na sociedade brasileira e

    os preconceitos, esteretipos e outras conotaes multiplicavam-se cotidianamente. Essa

    constatao foi mencionada por Leite (1999: 14) na seguinte observao:

    A educao rural no Brasil, por motivos scio-culturais, sempre foi relegada a

    planos inferiores e teve por retaguarda ideolgica o elitismo, acentuado no processo

    educacional aqui instalado pelos jesutas e a interpretao poltico-ideolgica da

    oligarquia agrria, conhecida popularmente na expresso: gente da roa no carece de estudos. Isso coisa de gente da cidade.

    Por outro lado, os movimentos sociais defendem que o campo mais que uma

    concentrao espacial geogrfica. o cenrio de uma srie de lutas e embates polticos.

    ponto de partida para uma srie de reflexes sociais. espao culturalmente prprio, detentor

    de tradies, msticas e costumes singulares. O homem e a mulher do campo, nesse contexto,

    so sujeitos historicamente construdos a partir de determinadas snteses sociais especficas e

    com dimenses diferenciadas em relao aos grandes centros urbanos. Assumir essa premissa

    pressupe corroborar com a afirmao da inadequao e insuficincia da extenso da escola

    urbana para o campo (MARTINS, 2009).

    Arroyo & Fernandes (1999) na Articulao Nacional Por Uma Educao Bsica do

    Campo, enfatizaram que o termo campo resultado de uma nomenclatura proclamada pelos

    movimentos sociais e deve ser adotada pelas instncias governamentais e suas polticas

    pblicas educacionais, mesmo quando ainda relutantemente pronunciada em alguns universos

    acadmicos de estudos rurais. Historicamente percebemos que a criao do conceito de

    educao escolar no meio rural esteve vinculada educao no campo, descontextualizada,

    elitista e oferecida para uma minoria da populao brasileira. Porm, na atual conjuntura, a

    educao do campo, estreita laos com inmeros projetos democrticos que contribuem

    para o fortalecimento da educao popular.

    A superao da educao rural vista apenas como uma formao mercadolgica e a

    recente concepo de educao do campo foram constitudas por uma longa trajetria de lutas

    e discusses no interior dos movimentos sociais, das entidades, representaes civis, sociais e

    dos sujeitos do campo. A mudana na compreenso desse conceito reflete muito mais do que

    uma simples nomenclatura. Ela inevitavelmente o resultado de um olhar politicamente

    referendado na busca pelos direitos sociais e na defesa da seguinte trilogia: educao,

  • sociedade e desenvolvimento, fatores indispensveis para a concretizao de projetos poltico-

    pedaggicos que busquem encarar a realidade e atender as necessidades das populaes do

    campo. Sendo assim, essas so aes que pressionam as lideranas governamentais na criao

    e organizao de polticas pblicas para os trabalhadores e trabalhadoras do campo.

    Fernandes & Molina, (2005) defendem o campo como espao de particularidades e

    matrizes culturais. Esse campo repleto de possibilidades polticas, formao crtica,

    resistncia, mstica, identidades, histrias e produo das condies de existncia social.

    Cabe, portanto, educao do campo, o papel de fomentar reflexes que acumulem foras e

    produo de saberes, no sentido de contribuir para a negao e/ou desconstruo do

    imaginrio coletivo acerca da viso hierrquica que h entre o campo e a cidade. Essas so

    aes que podem ajudar na superao da viso tradicional do imaginrio social do jeca-tatu e

    do campo como espao atrasado e pouco desenvolvido.

    A educao do campo tem sido historicamente marginalizada na construo de

    polticas pblicas, sendo inmeras vezes tratada como poltica compensatria. Suas demandas

    e especificidades raramente tm sido objeto de pesquisa no espao acadmico ou na

    formulao de currculos em diferentes nveis e modalidades de ensino. Neste cenrio de

    excluso, a educao para os povos do campo vem sendo trabalhada a partir de discursos,

    identidades, perfis e currculos essencialmente marcados por conotaes urbanas e,

    geralmente, deslocado das necessidades da realidade local e regional (SOUZA & REIS,

    2009).

    No mbito das polticas pblicas para a educao do campo existem inmeros

    problemas que precisam ser urgentemente encarados e resolvidos, como por exemplo, a

    localizao geogrca das escolas, gerando enormes distncias entre estas e a residncia do

    educando/a, os meios de transporte, as estradas, a baixa densidade populacional em alguns

    territrios rurais, o fechamento de escolas, a formao dos educadores/as, a organizao

    curricular, a pequena oferta de vagas para as sries finais do Ensino Fundamental e Mdio, os

    poucos recursos utilizados na construo e manuteno das escolas do campo. possvel

    ento perceber que diante deste cenrio de descomprometimento, as polticas pblicas para a

    chamada educao rural, historicamente, teve como objetivo principal, sua vinculao a

    projetos conservadores e tradicionais de ruralidade para o pas.

    Mesmo diante de avanos considerveis para o fortalecimento da concepo de

    educao do campo, podemos constatar que a educao rural ainda uma realidade.

    Permanece a servio do agronegcio, do latifndio, do agrotxico, dos transgnicos e da

    exportao. Sua prioridade o fortalecimento da mecanizao e a insero do controle

  • qumico das culturas, em detrimento das condies de vida do homem e da mulher no campo

    (MARTINS, 2009). Esses paradigmas orientam e direcionam polticas e prticas educativas

    efetuadas no meio rural. So agentes dessa tal excluso social e educacional. Por isso, quando

    pensamos e estudamos a educao para os povos do campo, possvel perceber uma face

    obscura que contribui para a negao dos direitos, das histrias, os sonhos, gestos,

    religiosidade e identidade desses sujeitos.

    Com a aprovao da Constituio de 1988 e do processo de redemocratizao do pas,

    um grande debate feito em torno dos direitos sociais da populao campesina, ao mesmo

    passo em que se consegue aprovar polticas de direitos educacionais bastante significativas,

    consolidando o compromisso do Estado e da sociedade brasileira em promover a educao

    para todos, respeitando suas singularidades culturais e regionais. Em sintonia com essas

    concepes foram elaboradas e implementadas reformas educacionais que desencadearam

    alguns documentos fundamentais, dentre eles: a Nova LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da

    Educao Nacional 9394/96.

    A partir da concepo de uma educao para todos e a implementao da nova Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao Nacional 9394/96, conquista-se o reconhecimento da

    diversidade e singularidade do campo, uma vez que vrios instrumentos legais estabelecem

    orientaes para atender esta realidade de modo a adequar as suas especificidades, como

    exemplificam os artigos 23, 26 e 28, que tratam tanto das questes de organizao escolar

    como de questes pedaggicas. A LDB 9.394/96 em seu artigo 28 estabelece as seguintes

    normas para a educao no meio rural:

    Na oferta da educao bsica para a populao rural, os sistemas de ensino

    provero as adaptaes necessrias sua adequao, s peculiaridades da

    vida rural e de cada regio, especialmente:

    I- contedos curriculares e metodologia apropriada s reais necessidades e

    interesses dos alunos da zona rural;

    II- organizao escolar prpria, incluindo a adequao do calendrio

    escolar s fases do ciclo agrcola e s condies climticas;

    III- adequao natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, 1996).

    Neste artigo, podemos observar avanos polticos, educacionais e culturais referentes

    educao no meio rural, com nfase na necessidade do Estado cumprir com alguns deveres,

    dentre eles: educao bsica para toda populao; contedos curriculares e metodologias

    integradas aos interesses e necessidades dos educandos, assim como, a autonomia dos espaos

    educativos, que podero organizar seu calendrio de acordo com as atividades e trabalhos

    desenvolvidos na comunidade.

  • Esta ltima orientao que visa flexibilizar o calendrio curricular nas escolas do

    campo, vem sendo realizada por algumas escolas que trabalham com a pedagogia da

    alternncia. Esta metodologia estabelece um currculo flexvel para atender aos objetivos de

    que, em tempos e espaos alternados Tempo Escola (TE) e Tempo Comunidade (TC) os

    jovens do campo tenham condies de acesso escolarizao, os conhecimentos cientficos,

    os valores produzidos em famlia, os comunitrios e os saberes da terra.

    Segundo Pinho (2008) ao alternar perodos na escola e na vivncia de sua comunidade,

    o jovem constri conhecimento no dilogo entre o saber cotidiano, fomentado na prtica e no

    trabalho passado de geraes a geraes e o saber escolarizado. Essa relao pode possibilitar

    a apropriao de saberes historicamente defendidos e o acesso s tcnicas cientificamente

    comprovadas. Assim, a pedagogia da alternncia pode contribuir com a formao dos jovens

    da seguinte maneira: desenvolvendo a reflexo crtica, a responsabilidade individual e

    coletiva e fortalecendo as famlias do campo na tentativa de envolver os sujeitos na busca de

    um mundo mais solidrio, justo, humano e tico. Esses avanos, retrocessos e reivindicaes

    histricas para a educao do campo presentes na Constituio de 1988, na LDB, em

    legislaes, decretos e pareceres, contribuem para o acmulo de foras e fortalecimento dos

    sujeitos envolvidos nesse processo de formao.

    Apesar dos avanos discutidos at aqui, um fato nos intriga: a referncia que o artigo

    28 da LDB 9394/96 faz a adaptao do sistema de ensino para a populao rural. Com este

    direcionamento podemos supor que a concepo predominante gira em torno de um modelo

    escolar urbano-cntrico. Por outro lado, fazendo uma autocrtica, em alguns espaos coletivos,

    ainda sentimos falta da to badalada conscientizao e participao da comunidade no mbito

    escolar. Sendo assim, possvel perceber que os currculos das escolas urbanas ainda servem

    de base e orientao para adaptaes dos contedos nas escolas no meio rural. Silva (2010)

    ressalta, por exemplo, que a municipalizao do ensino fundamental amentou o nus para as

    prefeituras. A manuteno das escolas em sua totalidade foi um fator de retrocesso para a

    populao do campo, pois muitos municpios no foram preparados para receber tal demanda

    poltica e econmica.

    No intuito de suprir algumas carncias, implementou-se nos municpios, recursos

    estaduais e federais que foram destinados, em sua grande maioria, para o transporte escolar.

    Surge ento mais um problema: a centralizao do ensino nos grandes centros urbanos. Os

    alunos que residem nas reas rurais so transportados at a cidade. Milhares de escolas do

    campo so consequentemente fechadas. Com essa frmula mgica e eficiente poucos

  • municpios mantiveram o funcionamento de escolas esparsas e a educao do campo, perde

    mais uma vez, os seus espaos de formao poltica, crtica e questionadora.

    Segundo Ramos (2004: 07), alguns erros foram cometidos, pois, historicamente as

    polticas voltadas para o sistema de educao do meio rural, no levaram em considerao os

    seguintes aspectos:

    Formulao de diretrizes polticas e pedaggicas especficas que regulamentassem

    como a escola deveria funcionar e se organizar.

    Dotao financeira que possibilitasse a institucionalizao e manuteno de uma

    escola em todos os nveis com qualidade.

    Como podemos perceber, a histria da educao do campo foi marcada profundamente

    pelo abandono e tropeos do poder pblico. Foi em oposio a esta situao que surgiram

    diversas iniciativas de movimentos sociais, sindicais e populares que paralelamente

    construram inmeras experincias educativas de reflexo acerca da realidade e interesses dos

    povos do campo. So iniciativas que defendem o meio rural como espao de diversidade

    cultural e identitria e, portanto, territrios que carecem de polticas direcionadas a essa

    realidade e no uma mera transposio do que elaborado no meio urbano.

    No final dos anos 90, presenciamos a criao de diversos espaos pblicos de debate

    sobre a educao do campo, como por exemplo: o I Encontro de Educadores e Educadoras da

    Reforma Agrria I ENERA, em 1997, organizado pelo MST e com o apoio da UnB

    Universidade de Braslia, entre outras entidades. Neste evento foi lanado um desafio: pensar

    a educao pblica para os povos do campo, levando em considerao o seu contexto em

    termos polticos, econmicos, sociais e culturais. Sua maneira de conceber o tempo, o espao,

    o meio ambiente e sua produo, alm da organizao coletiva, as questes familiares, o

    trabalho, entre outros aspectos.

    Segundo Caldart (2002) durante o I ENERA foram colocadas em pauta as reflexes e

    prticas pedaggicas possveis para o meio rural. Utilizava-se uma nova perspectiva de pensar

    a Educao do Campo, descentralizando as discusses nos estados e municpios. Nesse

    encontro surge a idia de uma Conferncia Nacional Por Uma Educao Bsica do Campo.

    Segundo a autora esse foi um grande avano, pois, permitiu a participao popular na

    construo de idias e discusses que influenciariam as polticas pblicas do pas.

    Toda vez que houve alguma sinalizao de poltica educacional ou de projeto

    pedaggico especfico, isto foi feito para o meio rural e muito poucas vezes

    com os sujeitos do campo. Alm, de no reconhecer o povo do campo como

    sujeito da poltica e da pedagogia, sucessivos governos tentaram sujeit-lo a

  • um tipo de educao domesticadora e atrelada a modelos econmicos

    perversos. (CALDART; 2002: p.28)

    Estes documentos pontuam em parte, os anseios da populao que questionam,

    sobretudo, a formao dos indivduos pautados apenas nos interesses econmicos e polticos

    da classe dominante brasileira. A crtica surge em funo da no considerao das histrias,

    sonhos, desejos, limites e possibilidades dos povos do campo. Contestavam ainda as

    dimenses do agronegcio que trabalha exclusivamente com a lgica da monocultura para

    exportao, em detrimento da agricultura familiar, de produo diversificada para o

    abastecimento do mercado nacional. Nesse contexto, as polticas pblicas de educao

    implementadas nas reas rurais, no tm dado conta de acompanhar as especificidades

    regionais, geogrficas e histricas do campo, alm da necessria formao que atenda s

    demandas desta realidade.

    Em 1998, foi criada a Articulao Nacional Por Uma Educao do Campo, entidade

    supra-organizacional que passou a promover e gerir as aes conjuntas pela escolarizao dos

    povos do campo em nvel nacional. Dentre as conquistas alcanadas por essa Articulao

    esto: a realizao de duas Conferncias Nacionais Por Uma Educao Bsica do Campo

    em 1998 e 2004; a instituio pelo CNE Conselho Nacional de Educao; as Diretrizes

    Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo, em 2002 e a instituio do

    Grupo Permanente de Trabalho de Educao do Campo (GPT), em 2003. (SECAD, 2004).

    Ainda, em 1998 foi realizada a I Conferncia Nacional Por Uma Educao Bsica do

    Campo, uma parceria entre o MST, UnB, UNICEF Fundo das Naes Unidas para a

    Infncia, UNESCO Organizao das Naes Unidas para a educao, a cincia e a cultura e

    CNBB Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil. Esta Conferncia considerada um

    marco para o reconhecimento do campo enquanto espao de vida e de sujeitos que

    reivindicam sua autonomia e emancipao. Nela foram debatidas as condies de

    escolarizao face aos problemas de acesso, manuteno e promoo dos alunos; a qualidade

    do ensino; as condies de trabalho e a formao do corpo docente, alm dos modelos

    pedaggicos de resistncia que se destacam enquanto experincias inovadoras no meio rural.

    A socializao desses modelos sinalizava a construo de uma proposta de educao do

    campo e no mais educao rural ou educao para o meio rural.

    Outro aspecto de tamanha relevncia se d em 16 de abril de 1998, por meio da

    Portaria n. 10/98. Foi criado o Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria

    PRONERA, vinculado ao gabinete do Ministrio Extraordinrio da Poltica Fundiria. Em

  • 2001, o Programa passa a fazer parte do INCRA Instituto Nacional de Colonizao e

    Reforma Agrria, no MDA Ministrio do Desenvolvimento Agrrio. Considerando a

    diversidade de atores sociais envolvidos no processo de luta pela terra no pas, o PRONERA

    uma expresso do compromisso firmado entre o Governo Federal, as instituies de ensino,

    os movimentos sociais, os sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, governos

    estaduais e municipais (Brasil, 2004).

    O PRONERA surgiu a partir de um debate coletivo efetuado no I ENERA. Esse

    debate contou com a parceria do grupo de trabalho de apoio a Reforma Agrria da

    Universidade de Braslia, o MST e organizaes nacionais e internacionais, tais como: CNBB,

    UNESCO E UNICEF. Aps um perodo de reunies e discusses sobre a temtica em pauta

    no ENERA e, em funo de um alto ndice de analfabetismo e baixos nveis de escolarizao

    entre os beneficirios do Programa de Reforma Agrria, decidiu-se dar prioridade questo

    da alfabetizao de jovens e adultos, sem deixar de contemplar as demais alternativas para a

    educao do campo. Segundo Silva (2010), o PRONERA fruto da incansvel luta dos

    movimentos sociais do campo que desponta no pas com a misso de ampliar os nveis de

    escolarizao formal dos trabalhadores rurais assentados; fortalecer o mundo rural como

    territrio da vida coletiva e suas dimenses econmicas, sociais, ambientais, culturais e ticas,

    alm de executar polticas de educao em todos os nveis da Reforma Agrria.

    Em 2002 foi aprovada a Resoluo CNE/CEB N. 01 de 03 de abril que instituiu as

    Diretrizes Operacionais da Educao do Campo, consolidando um importante marco para a

    histria da educao brasileira e, em especial, para a educao do campo. Todavia, a lentido

    fez com que as polticas de direito no alcanassem propores significativas e se efetivassem

    concretamente nas escolas do campo de toda a sociedade brasileira.

    Em 2004 foi criada a Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade

    SECAD no mbito do Ministrio da Educao. Nessa secretaria foi criada a Coordenao

    Geral da Educao do Campo. Este fato signicou a incluso na estrutura federal de uma

    instncia responsvel, especicamente, pelo atendimento das demandas do campo, a partir do

    reconhecimento de suas necessidades e singularidades. Sendo assim, podemos sinalizar com

    algumas iniciativas no mbito do governo federal quanto representao das identidades da

    escola do campo. Essa representatividade se d atravs de programas, projetos e aes de

    atendimento escolar idealizado pela SECAD. Vejamos alguns exemplos:

    O Programa de Apoio Formao Superior: Licenciatura em Educao do Campo

    Procampo. Este programa apoia a implementao de cursos regulares de licenciatura em

    educao do campo nas instituies pblicas de ensino superior de todo o pas, voltados

  • especificamente para a formao de educadores para a docncia nos anos finais do ensino

    fundamental e ensino mdio nas escolas rurais.

    O Programa Escola Ativa busca melhorar a qualidade do desempenho escolar em

    classes multisseriadas nas escolas do campo. Entre as principais estratgias esto: implantar

    nas escolas recursos pedaggicos que estimulem a construo do conhecimento do aluno e

    capacitar professores.

    O ProJovem Campo Saberes da Terra oferece qualificao profissional e

    escolarizao aos jovens agricultores familiares de 18 a 29 anos que no concluram o ensino

    fundamental, visando enfrentar as desigualdades educacionais existentes entre o campo e a

    cidade.

    Caldart (2004) chama a ateno para os desafios que perpassam as polticas de

    financiamento, a formao de educadores e a produo de materiais didticos. Essas questes

    so extremamente necessrias no processo de construo da educao do campo. Nesse

    sentido, a autora salienta que:

    No se trata de inventar um iderio para a Educao do Campo; isso no repercutiria na realidade concreta. O grande desafio abstrair das

    experincias e dos debates, um conjunto de idias que possam orientar o

    pensar sobre a prtica de educao da classe trabalhadora do campo; e,

    sobretudo, que possam orientar e projetar outras prticas e polticas de

    educao. CALDART (2004: p. 16)

    No governo Lula, o MEC Ministrio da Educao props a construo de uma

    poltica nacional de educao do campo, a partir do dilogo com as demais esferas da gesto

    do Estado e com os movimentos e organizaes sociais do campo brasileiro. Os eixos

    orientadores dessa poltica em construo seriam: a diversidade tnico-cultural como valor; o

    reconhecimento do direito diferena e a promoo da cidadania (BRASIL, 2006),

    merecendo destaque:

    a) A construo de uma base epistemolgica que busque a superao da dicotomia

    campo-cidade. Essas aes implicariam no fortalecimento e apoio pesquisa de base que

    tenham como temtica as questes que envolvem o campo, como por exemplo: educao,

    segurana alimentar, desenvolvimento sustentvel, agroecologia, entre outros.

    Vale destacar que mesmo com estes avanos e legislaes educacionais mais atentas e

    voltadas para a educao do campo, a realidade das escolas para a populao rural continua

    precria. As polticas e aes relatadas esto em diferentes patamares de desenvolvimento,

    uma vez que algumas dessas agendas j estavam includas, pelo menos nos instrumentos

  • normativos relacionados educao, como: Educao Escolar Indgena e Educao

    Ambiental, enquanto outras ainda estavam em estgio inicial de discusso e desenvolvimento

    terico-instrumental, como: Relaes tnico-Raciais e Educao do Campo.

    Pode-se dizer que a luta por uma educao do campo deve ir alm do que prescreve a

    Constituio de 1988, a LDB 9394/96, as diretrizes operacionais e o decreto presidencial4 no

    final do governo Lula, devendo se constituir fundamentalmente pelos atores que nela esto

    envolvidos atravs de suas prticas educativas cotidianas, suas experincias e reais

    necessidades. Faz-se necessrio materializar polticas e aes para a educao do campo que

    sejam realmente concretizadas e perspicazes nas inmeras localidades desse territrio

    nacional. Esse debate deve combater com urgncia o individualismo, o voluntarismo, as

    atitudes que geram apenas um amontoado de palavras boas e bonitas ou mesmo discursos e

    oratrias distantes das diversas realidades campesinas desse nosso Brasil.

    Referncias Bibliogrficas:

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