Bielschowsky (2002) O Velho e o Novo Desenvolvimentismo

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Bielschowsky (2002) O Velho e o Novo Desenvolvimentismo

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O velho e o novo desenvolvimentismoRicardo Bielschowsky

ter, 06/11/2012

A evoluo econmica e social dos ltimos oito anos tem sido favorvel populao. D esperana e alento na presso social por reduo nos nveis de pobreza e de concentrao de propriedade, renda, poder e acesso a direitos da cidadania que, a despeito dos importantes avanos recentes, persistem em forma acentuada na sociedade brasileira.A era da industrializao brasileira conduzida pelo Estado (1930-1980) produziu o pensamento desenvolvimentista, voltado ao projeto de transformao estrutural da economia, da base agrrio-exportadora urbano-industrial. O que est fazendo o pensamento desenvolvimentista atual?O contraponto ao velho desenvolvimentismo til para qualificarmos a pergunta. Com essa finalidade, resgato trs de suas caractersticas.Primeiro, defendia-se o principio de que o Estado necessrio para dar eficincia economia de mercado e para viabilizar uma estratgia de transformao estrutural. De forma simplificada, pode-se dizer que esse princpio , de um modo geral, compartilhado pelo desenvolvimentismo na etapa atual.Segundo, defendia-se uma estratgia econmica clara, a industrializao. Pergunta-se: qual a estratgia atual?Terceiro, duas correntes se enfrentavam no que se refere a transformaes no campo social: o desenvolvimentismo conservador e o progressista. A vitria da primeira foi sendo garantida por estruturas rgidas de poder e dominao, e foi consagrada pelo Golpe de 1964, tornando-se corrente hegemnica na conduo dos governos militares; a outra, que buscava incluso social pelo trabalho e pela participao popular nos frutos do progresso tcnico gerado pela industrializao, prosseguiu na luta poltica por uma sociedade mais justa, mesmo depois de 1964. Foi premiada com a redemocratizao e com a Carta Constitucional, que assegura amplos direitos cidadania. Pergunta-se: qual a estratgia desenvolvimentista atual, no que diz respeito ao campo social? No que se refere primeira das duas perguntas, ou seja, estratgia no campo econmico, meu diagnstico da evoluo recente e das perspectivas quanto ao futuro o de que, apesar de polticas macroeconmicas at aqui nem sempre favorveis ao crescimento, e quase sempre desfavorveis competitividade, o pas entrou desde meados dos anos 2000 numa nova etapa. Instalaram-se na lgica de expanso da economia brasileira trs frentes de expanso, ou trs motores do investimento, cuja combinao contm forte dinamismo potencial de longo prazo: mercado interno de produo e consumo de massa, infraestrutura (produtiva e social) e recursos naturais.No pouco. Se considerarmos que uma estratgia de desenvolvimento o desenho da conduo deliberada por governos e atores sociais de um padro de desenvolvimento vivel, pode-se dizer que estamos diante de possibilidades de definio de uma estratgia promissora no campo econmico que no se viam desde que, em 1980, terminou o meio sculo de crescimento e progresso tcnico pela via da industrializao. Depois de mais de duas dcadas de estagnao e falta de perspectivas, vem se configurando no perodo recente um padro vivel de transformaes estruturais condutoras do desenvolvimento, centrado na mencionada trade de motores de investimento.A potencia dos motores depende, no plano externo, dos desdobramentos da crise internacional; e, no plano interno, depende da estratgia e das polticas a serem seguidas, especialmente no que se refere adio aos motores de dois turbinadores - inovao tecnolgica e ampliao de encadeamentos produtivos internos - e ao aumento da taxa de investimento.Um tratamento inadequado desses motores levar ao desperdcio do enorme potencial de expanso da produtividade, renda e emprego por eles representado. H, por exemplo, os perigos de que se generalize o formato de enclave no agrobusiness exportador, de que os investimentos em infraestrutura se faam com bens de capital e componentes de alta densidade tecnolgica majoritariamente importados, e de que o crescimento se faa com continuidade da desindustrializao. A propsito, vale advertir que o modelo dificilmente se sustentar se for de consumo de massa no Brasil e de produo em massa na China - necessrio que seja de produo e consumo de massa no pas. O desempenho insatisfatrio da indstria manufatureira desperdia um espao nobre de produo e criao de renda e emprego, no qual no s se encontram potenciais ganhos de produtividade e competitividade oriundos da escala da produo em massa e da inovao, mas igualmente um potencial de gerao de divisas que permitiria contornar as restries de balano pagamentos ao crescimento, to recorrentes na histria econmica brasileira.O espao a ser ocupado por polticas governamentais que maximizem as potencialidades e se contraponham s obstrues ao desenvolvimento nacional enorme. O novo desenvolvimentismo, no campo da economia, deve ir muito alm da necessria macroeconomia para o crescimento e a competitividade que, erroneamente, vem monopolizando o debate sobre desenvolvimento e incluir a esfera da transformao produtiva pela via do investimento e da inovao.Passo, agora, a dois comentrios sobre a relao entre o campo econmico e o social. Eles tm o sentido de mostrar que, apesar do fato de que a assimilao dessa relao pelo novo desenvolvimentismo ainda requer muita elaborao, o contexto histrico para avanos frtil. Considero correta a afirmao de Eduardo Fagnani, coordenador da rede Plataforma Poltica Social, em mensagem recentemente dirigida aos participantes da rede: A principal hiptese com a qual tenho trabalhado que essa melhoria no bem-estar fruto dos ensaios de novo modelo de desenvolvimento que ampliou a convergncia entre objetivos econmicos e sociais. Os dois comentrios que se seguem mostram minha afinidade com essa proposio.O primeiro diz respeito a uma conexo relativamente obvia entre a dimenso econmica e a social do desenvolvimento, que as integra. Como vem sendo reconhecido, o consumo de massa tem sido elemento decisivo na expanso econmica recente, e foi produto de forte aumento da massa salarial e das transferncias (para os quais o aumento do salrio mnimo foi decisivo), de aumento do crdito popular e de queda nos preos relativos dos bens de salrio.Nem todos os estudiosos de polticas governamentais sabem que a estratgia de crescimento com redistribuio de renda pela via de produo e consumo de massa foi anunciada com todas as letras no Programa de campanha de Lula em 2002 e destacada pelo governo no Plano Plurianual 2004-2007, aprovado em 2003. Por suposto, o que ocorreu desde ento nada mais do que um primeiro passo num longo percurso na direo do atendimento, mais de quarenta anos depois, da proposta que Celso Furtado e outros intelectuais e polticos progressistas fizeram de mudana do modelo, de renda concentrada e consumo de elite para renda desconcentrada e consumo de massa.O segundo comentrio se dirige a um ponto talvez bem mais controvertido. Para alm do fato de que houve uma melhoria na distribuio da renda e uma queda substancial nos ndices de pobreza, e de que houve ademais um significativo aumento na ocupao e na formalizao nas relaes de trabalho, o que se pode dizer relativamente ao atendimento dos direitos da cidadania, expressos na Constituio de 1988?Tem razo Fagnani quando sintetiza a problemtica ao dizer que coexistem na sociedade brasileira, desde a promulgao da Constituio, duas tendncias de sentidos opostos, que expressam uma tenso entre os paradigmas do Estado Mnimo versus o do Estado de Bem-Estar social. A primeira ganhou impulso entre 1990 e 2002, com o neoliberalismo, e a segunda esboou reao num quadro de ambiguidades nos primeiros anos dos governos Lula, de 2003 a 2005, e parece ter conquistado espaos mais significativos desde ento.Por um lado, podem-se encontrar indicaes de que no se desfez a imensa concentrao de propriedade, aumentaram as presses e o avano da mercantilizao e privatizao das polticas sociais, bem como as restries e captura de fontes de financiamento, e o enfraquecimento do pacto federativo, por exemplo.Por outro, podem-se encontrar evidencias de avanos na direo do fortalecimento das polticas universais, da maior convergncia dessas aes com polticas voltadas para o combate da misria extrema, a consolidao dos avanos institucionais nas polticas de educao e Seguridade Social (sade, previdncia, assistncia Social, Segurana Alimentar e Seguro-Desemprego), do estabelecimento de uma poltica de valorizao do salrio mnimo, da formalizao no mercado de trabalho e da ampliao dos investimentos nas polticas urbanas.A coexistncia de tendncias contraditrias no deveria surpreender: o momento de embate entre a afirmao do individualismo de mercado, prprio do neoliberalismo, e a defesa dos princpios da solidariedade e dos direitos, expressos na Constituio de 1988. A clara identificao de uma estratgia de desenvolvimento desejvel e vivel, em que progressos na economia e na sociedade se faam de forma integrada, fortalece a disputa poltica e ideolgica em favor do projeto de cidadania plena.Ricardo Bielschowsky , economista, professor da UFRJ.