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BIOZEUS: MODELO DE NEGÓCIO E SUA INSERÇÃO NA INDÚSTRIA DE FÁRMACOS Carolina Vianna Correia da Silva Vicenzzo Fernandes de Melo Paiva Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia de Produção da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Engenheiro. Orientador: Adriano Proença Orientador: Vinícius Cardoso Rio de Janeiro Agosto de 2019

BIOZEUS: MODELO DE NEGÓCIO E SUA INSERÇÃO NA INDÚSTRIA DE …monografias.poli.ufrj.br/monografias/monopoli10029033.pdf · Modelos de Negócio I. Proença, Adriano II. Cardoso,

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  • BIOZEUS: MODELO DE NEGÓCIO E SUA INSERÇÃO NA INDÚSTRIA DE

    FÁRMACOS

    Carolina Vianna Correia da Silva

    Vicenzzo Fernandes de Melo Paiva

    Projeto de Graduação apresentado ao Curso

    de Engenharia de Produção da Escola

    Politécnica, Universidade Federal do Rio de

    Janeiro, como parte dos requisitos necessários

    à obtenção do título de Engenheiro.

    Orientador: Adriano Proença Orientador: Vinícius Cardoso

    Rio de Janeiro

    Agosto de 2019

  • 2

    BIOZEUS: MODELO DE NEGÓCIO E SUA INSERÇÃO NA INDÚSTRIA DE

    FÁRMACOS

    Carolina Vianna Correia da Silva

    Vicenzzo Fernandes de Melo Paiva

    PROJETO DE GRADUAÇÃO SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO CURSO DE

    ENGENHARIA DE PRODUÇÃO DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE

    FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS

    PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRO DE PRODUÇÃO.

    RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL

    Agosto de 2019

  • 3

    Silva, Carolina Vianna Correia da Paiva, Vicenzzo Fernandes de Melo Biozeus: Modelo de Negócio e sua Inserção na Indústria de Fármacos / Carolina Vianna Correia da Silva e Vicenzzo Fernandes de Melo Paiva – Rio de Janeiro: UFRJ/ Escola Politécnica, 2019-08-19.

    X, 82 p.: il.; 29,7 cm.

    Orientador: Adriano Proença, D. Sc Orientador: Vinícius Carvalho Cardoso, D. Sc

    Projeto de Graduação – UFRJ/ POLI/ Curso de Engenharia de Produção,

    2019.

    Referências Bibliográficas: p. 73-78

    1. Fármacos 2. Estratégia 3. Modelos de Negócio

    I. Proença, Adriano II. Cardoso, Vinícius Carvalho III. Universidade

    Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Curso de Engenharia de Produção. IV.

    Biozeus: Modelo de Negócio e sua Inserção na Indústria de Fármacos

  • 4

    AGRADECIMENTOS

    Agradecemos e dedicamos este trabalho aos nossos pais, que sempre nos

    apoiaram e nos deram a base familiar e educacional para chegarmos até aqui.

    Estiveram conosco durante toda a nossa jornada durante a graduação e nos

    ensinaram que a educação era o melhor investimento que poderia ser feito para o

    nosso futuro. Acreditaram desde o início em nosso potencial e nos colocaram sempre

    em primeiro lugar, e por isso, merecem todos os agradecimentos por esse momento

    especial.

    Agradecemos também aos professores, que muitas vezes superaram nossas

    expectativas e nos ensinaram muito mais do que apenas as disciplinas em sala de

    aula. Em especial, agradecemos aos nossos orientadores, Adriano Proença e

    Vinícius Cardoso, que aceitaram passar por essa experiência conosco, possibilitando

    o desenvolvimento desse trabalho, sendo ambos exemplos de dedicação e

    comprometimento com os alunos e com a instituição.

    Agradecemos aos nossos companheiros e companheiras de curso e de vida

    por compartilharem essa caminhada conosco, e a todos aqueles que trabalham na

    Universidade Federal do Rio de Janeiro diariamente e que tornam possível a

    existência desta instituição.

    Por fim, agradecemos ao gerente de projetos, que nos recebeu na Biozeus e

    teve toda a paciência, didática e boa vontade de compartilhar conosco seu

    conhecimento.

    A todos, nosso muito obrigado,

    Carolina Vianna Correia da Silva e Vicenzzo Fernandes de Melo Paiva

  • 5

    Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/ UFRJ como

    parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro de

    Produção.

    BIOZEUS: MODELO DE NEGÓCIO E SUA INSERÇÃO NA INDÚSTRIA DE

    FÁRMACOS

    Carolina Vianna Correia da Silva Vicenzzo Fernandes de Melo Paiva

    Agosto/2019

    Orientador: Adriano Proença Orientador: Vinícius Cardoso

    Curso: Engenharia de Produção

    Este trabalho de conclusão do curso de graduação de Engenharia de Produção da

    Universidade Federal do Rio de Janeiro possui como objetivo entender e descrever o

    modelo de negócios da Biozeus, uma empresa única no Brasil que atua no

    desenvolvimento de fármacos em estágios de pesquisa intermediários, realizando a

    ponte entre as universidades e as empresas farmacêuticas. Será estudada a indústria

    de fármacos do Brasil, buscando compreender suas características e processos, além

    de compará-la com a indústria mundial. Com isso, será possível entender a relação

    da Biozeus com os outros agentes da indústria e analisar pontos de atenção e

    oportunidades.

    Palavras-chave: Fármacos, Estratégia, Modelo de Negócio

  • 6

    Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial fulfillment of

    the requirements for the degree of Industrial Engineer.

    Biozeus: Business Model and its relation with the pharmaceutical industry

    Carolina Vianna Correia da Silva Vicenzzo Fernandes de Melo Paiva

    August/2019

    Advisor: Adriano Proença Advisor: Vinícius Cardoso

    Department: Industrial Engineering

    This graduation project of the Industrial Engineering course of the Federal University

    of Rio de Janeiro aims to understand and describe the business model of Biozeus,

    an unique company in Brazil that work in the development of new drugs in

    intermediate stages of research, acting as a bridge between universities and

    pharmaceutical companies. The pharmaceutical industry in Brazil will be studied,

    looking to understand its characteristics and processes, and compare it with the global

    industry. With that, it will be possible to understand the relationship between Biozeus

    and the other industry players and analyze attention points and opportunities.

    Keywords: Medicines, Strategy, Business Model

  • 7

    SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10

    1.1 APRESENTAÇÃO DA EMPRESA .............................................................. 10

    1.2 QUESTÃO-PROBLEMA .............................................................................. 11

    1.3 OBJETIVO .................................................................................................. 12

    1.4 METODOLOGIA ......................................................................................... 12

    1.5 LIMITAÇÃO DA PESQUISA ........................................................................ 13

    1.6 ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS DESTE TRABALHO ............................... 14

    2. BIOTECNOLOGIA NO BRASIL - A INDÚSTRIA .............................................. 14

    2.1 DESENVOLVIMENTO DE PROCESSOS NA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

    15

    2.2 FASES DO DESENVOLVIMENTO DE FÁRMACOS .................................. 18

    2.3 PATENTES E AGENTES REGULADORES ............................................... 20

    2.4 MOVIMENTAÇÕES NA INDÚSTRIA .......................................................... 29

    2.5 A INOVAÇÃO APLICADA AO DESENVOLVIMENTO DE FÁRMACOS ..... 31

    3. BIOZEUS - A EMPRESA ................................................................................... 33

    3.1 ORIGEM ...................................................................................................... 34

    3.2 DIFERENCIAL ............................................................................................ 34

    4. BIOZEUS - DESCRIÇÃO DO MODELO DE NEGÓCIO .................................... 35

    4.1 BUSINESS MODEL CANVAS ..................................................................... 35

    4.2 PORTFÓLIO DE PROJETOS ..................................................................... 39

    Bz043....................................................................................................... 40

    Bz068....................................................................................................... 40

    Bz371....................................................................................................... 41

    5. BIOZEUS - INSERÇÃO NO AMBIENTE DE NEGÓCIOS: REDE DE VALOR .. 43

    5.1 LOCALIZAÇÃO ........................................................................................... 44

    5.2 O ECOSSISTEMA DE NEGÓCIOS ............................................................ 46

    5.3 FORNECEDORES ...................................................................................... 48

    5.4 ENTRADA DE NOVOS CONCORRENTES ................................................ 51

    5.5 CONCORRENTES ...................................................................................... 52

    5.6 SUBSTITUTOS ........................................................................................... 52

    5.7 COMPLEMENTARES ................................................................................. 54

    5.8 PRODUTOS SUBSTITUTOS ...................................................................... 54

  • 8

    5.9 PRODUTOS COMPLEMENTARES ............................................................ 56

    5.10 PRODUTOS CONCORRENTES ................................................................ 56

    5.11 PONTOS DE DESTAQUE .......................................................................... 57

    6. ANÁLISES E CONCLUSÕES - ANÁLISE DA SELEÇÃO DE PROJETOS ...... 59

    6.1 TOMADA DE DECISÃO EM CENÁRIOS DE INCERTEZA ......................... 60

    6.2 CRITÉRIOS DE TRIAGEM DA INDÚSTRIA ............................................... 61

    6.3 MODELO BIOZEUS .................................................................................... 63

    6.4 MODELOS DE REFERÊNCIA PARA SELEÇÃO DE PROJETOS ............. 66

    6.5 SUGESTÕES DE MELHORIAS .................................................................. 69

    7. CONCLUSÕES .................................................................................................. 70

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 73

    ANEXOS .................................................................................................................. 79

    ANEXO A - Declaração de Entrevista para Projeto de Graduação ....................... 79

    ANEXO B – Art. 52 do capítulo VII das Normas de Pesquisa em Saúde .............. 80

  • 9

    ÍNDICE DE FIGURAS

    FIGURA 1 - RELAÇÃO ENTRE A CRIAÇÃO DE VALOR NO PROJETO E AS

    FASES DA PESQUISA CLÍNICA DE ACORDO COM O TEMPO ...................... 10

    FIGURA 2 - RELATIONSHIPS BETWEEN PRODUCT AND PROCESS

    INNOVATION ..................................................................................................... 16

    FIGURA 3 - PROCESSOS DO DESENVOLVIMENTO DE FÁRMACOS ................. 18

    FIGURA 4 - 152 ESTADOS PARTICIPANTES DO PCT EM 2019. ......................... 23

    FIGURA 5 - EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE APLICAÇÕES PENDENTES POR ANO

    NOS PRINCIPAIS ESCRITÓRIOS DA WIPO .................................................... 24

    FIGURA 6 - TEMPO MÉDIO PARA DECISÃO DE APROVAÇÃO DE UMA

    PATENTE PELOS PRINCIPAIS ESCRITÓRIOS DA WIPO ............................... 25

    FIGURA 7 - DISTRIBUIÇÃO DE STATUS DE APLICAÇÕES DE PATENTES NOS

    PRINCIPAIS ESCRITÓRIOS DA WIPO. ............................................................ 26

    FIGURA 8 - VOLUME MOVIMENTADO PELA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

    ENTRE OS ANOS DE 2013 E 2017 ................................................................... 29

    FIGURA 9 - BALANÇA COMERCIAL BRASILEIRA PARA PRODUTOS

    FARMACÊUTICOS DE 2006 A 2017 ................................................................. 30

    FIGURA 10 - INVESTIMENTOS EM P&D PELA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

    BRASILEIRA APÓS A LEI DE PATENTES. ....................................................... 31

    FIGURA 11 - PRODUTOS NO MERCADO BRASILEIRO COM PROTEÇÃO POR

    PATENTES CONCEDIDA. ................................................................................. 32

    FIGURA 12 - MODELO ORIGINAL DO BUSINESS MODEL CANVAS ................... 36

    FIGURA 13 - ADAPTAÇÃO DO MODELO DE NEGÓCIO DA BIOZEUS ................ 36

    FIGURA 14 - LISTA DE PROJETOS LICENCIADOS PELA BIOZEUS ................... 39

    FIGURA 15 - PROJETOS DA BIOZEUS EM ANDAMENTO EM 2019. ................... 42

    FIGURA 16 - VISUALIZAÇÃO DO CONCEITO DE REDE DE VALOR ................... 43

    FIGURA 17 - ETAPAS ENVOLVIDAS NO PROCESSO P&D DE FÁRMACOS

    (ADME - ABSORÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, METABOLISMO E EXCREÇÃO). ...... 61

    FIGURA 18 - CURVA DE DIFUSÃO DA INOVAÇÃO .............................................. 64

    FIGURA 19 - COMPETIÇÃO DESCOLADA POR PARADIGMAS ........................... 65

    FIGURA 20 - EXEMPLO DE APLICAÇÃO DO MODELO DE PONTUAÇÃO........... 68

  • 10

    1. INTRODUÇÃO

    1.1 APRESENTAÇÃO DA EMPRESA

    A Biozeus é uma empresa de desenvolvimento de novos fármacos no Brasil,

    tendo sido fundada em 2012. Sua proposta é identificar candidatos a fármacos em

    estágios iniciais de desenvolvimento, normalmente vindos de laboratórios de

    pesquisa de universidades, e transformá-los em novas terapias disponíveis para o

    mercado.

    A estratégia da empresa consiste em suprir um gap de financiamento no país

    no desenvolvimento pré-clínico de projetos de fármacos, conforme mostra a figura 1.

    Trata-se, assim, de apoiar financeira e conceitualmente o desenvolvimento do projeto

    até a fase 2 do desenvolvimento clínico.

    Figura 1 - Relação entre a criação de valor no projeto e as fases da pesquisa clínica de acordo com o tempo. Fonte: (BIOZEUS, 2019)

    Além de investir financeiramente nos projetos selecionados, a Biozeus também

    conta com a expertise em gestão de projetos e na tradução de conhecimento científico

    em novos fármacos para tratamento humano. Assim, além de financiar o

    desenvolvimento dos projetos, a empresa ajuda no seu planejamento e gestão,

    aumentando suas chances de sucesso.

  • 11

    Os recursos obtidos pela Biozeus podem vir de duas fontes. A primeira são

    agências de fomento ou outros órgãos públicos, que podem investir diretamente na

    Biozeus ou realizar parcerias para projetos específicos. A segunda, e principal, é a

    gestora de fundo de investimentos, FinHealth, especializada na área da saúde e

    detentora da Biozeus.

    A empresa possui um modelo de negócios único no Brasil, com potencial para

    alterar e revigorar a cadeia de desenvolvimento de fármacos do país. Neste trabalho,

    apresentaremos e discutiremos esse modelo de negócios, no contexto da indústria

    em que se insere.

    1.2 QUESTÃO-PROBLEMA

    Vemos no Brasil hoje um grande déficit na área de pesquisa e desenvolvimento

    de fármacos, com uma indústria voltada para a produção de genéricos, com baixo

    valor agregado e pouco foco em inovação. Nesse contexto, a Biozeus aparece

    fazendo a ponte entre a pesquisa desenvolvida nas universidades nacionais e a

    indústria farmacêutica nacional e internacional.

    Com foco no período entendido como “vale da morte” da pesquisa clínica

    (KALIL, 2015), a Biozeus possibilita o avanço das pesquisas existentes e sua

    conversão em novos fármacos comercializáveis. Por ser uma empresa única no país,

    a Biozeus não é comparável a outras empresas diretamente. Por isso, é difícil avaliar

    se os métodos e processos utilizados são os mais adequados, já que não é possível

    realizar um benchmark com outras empresas. Por outro lado, essa avaliação é

    fundamental, pois ter os processos corretos é o que permite que a empresa prospere

    em um ambiente tão incerto quanto o da biotecnologia.

    Logo, esperamos que as discussões e sugestões levantadas neste trabalho

    permitam uma compreensão melhor da empresa sobre seus próprios processos e

    contribuam para melhorias na organização.

  • 12

    1.3 OBJETIVO

    Este trabalho de conclusão do curso de graduação de Engenharia de Produção

    da Universidade Federal do Rio de Janeiro tem como objetivo descrever o modelo de

    negócios da Biozeus, identificar sua relação com a indústria de fármacos do Brasil

    para algum possível futuro estudo sobre a replicação do modelo em outras áreas de

    atuação e indústrias, e identificar possíveis pontos de melhoria nas atividades e

    processos correlacionados a temas abordados pela Engenharia de Produção,

    apresentando assim propostas de melhorias para o negócio.

    Para isso, será apresentado um estudo sobre a indústria de biotecnologia no

    Brasil e no mundo e uma descrição do modelo de negócios da Biozeus. Esperamos

    demonstrar a relação da empresa com o setor em que está inserida e o papel que

    desempenha nesse ecossistema.

    Ao entrar no detalhe de seu modelo de negócios, usando os conhecimentos

    adquiridos sobre a indústria de fármacos e conhecimentos sobre processos

    adquiridos durante o curso de Engenharia de Produção, serão desenvolvidas

    discussões e sugestões para o negócio no sentido de torná-lo mais consciente sobre

    seu posicionamento no mercado e eficiente em seus principais processos.

    1.4 METODOLOGIA

    Pelo olhar de Silva (SILVA, 2005), existem basicamente duas formas de

    abordagem a um problema, sendo elas a pesquisa qualitativa e a pesquisa

    quantitativa. A primeira considera que há uma ligação dinâmica entre o “mundo

    objetivo e a subjetividade do sujeito”, que impede que essa relação seja explicitada

    em forma de números. Sendo amplamente tratada como descritiva, o significado do

    processo acaba por se tornar o principal foco de abordagem deste tipo de pesquisa.

    A pesquisa quantitativa, por outro lado, tenta traduzir todas as inter-relações entre os

    sujeitos e objetos de estudo em forma de números e informações que ajudem a

    analisar o problema de uma maneira mais assertiva e estatisticamente válida.

    Ainda segundo Silva (2005, apud Gil, 1991), os objetivos da pesquisa podem

    se diferenciar entre três principais modos:

  • 13

    Pesquisa Descritiva: tenta descrever as características do fenômeno e

    a relação entre suas variáveis.

    Pesquisa Exploratória: com a principal finalidade de estabelecer,

    modificar, criticar e esclarecer conceitos, a pesquisa exploratória

    constantemente está ligada a formas de Pesquisas Bibliográficas e

    Estudos de Caso.

    Pesquisa Explicativa: visando identificar quais são os fatores que

    contribuem para o acontecimento de algum fenômeno, a pesquisa

    explicativa busca o porquê dos eventos.

    O presente trabalho foi desenvolvido através da revisão bibliográfica do setor

    e de pesquisa de campo, com uma entrevista realizada na empresa, com o gestor de

    projetos da Biozeus e um representante da FinHealth, e materiais compartilhados

    conosco pelos mesmos. Para estas informações e materiais cedidos na entrevista e

    por e-mail, encontra-se anexada ao final do documento uma declaração formal

    assinada pelo gestor de projetos, confirmando a veracidade dos dados informados.

    Desta forma, deveria ser classificado como uma pesquisa exploratória descritiva e

    qualitativa, e a partir dela serão desenvolvidas propostas de aperfeiçoamento para o

    negócio.

    1.5 LIMITAÇÃO DA PESQUISA

    Houve algumas restrições na elaboração deste trabalho que dificultaram a sua

    concepção e confecção. O tempo de desenvolvimento e a limitação de acesso a

    informações da empresa podem ter afetado as conclusões do trabalho. Apesar de

    termos tido acesso a informações da empresa passadas durante entrevista ou por

    materiais da empresa, todas as análises que basearam as conclusões deste trabalho

    foram embasadas também em informações públicas e oriundas de fontes que não a

    própria empresa. A responsabilidade pelas análises, portanto, é apenas dos autores

    e a empresa não apresentou parecer sobre as mesmas.

    Além disso, algumas das informações repassadas pela Biozeus foram tratadas

    como confidenciais e não foram expostas, a pedido a empresa, neste trabalho. Assim,

    o viés qualitativo das análises expostas é mais forte que o quantitativo.

  • 14

    1.6 ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS DESTE TRABALHO

    O trabalho se dividirá em três partes. A primeira se volta para a

    contextualização do cenário atual da indústria farmacêutica, em particular para a

    gestão da inovação neste setor. Em seguida, será apresentada a empresa estudada

    e como ela se insere na indústria abordada na primeira parte, entendendo seu modelo

    de negócios com ferramentas de análise de ambiente e estratégias. Por fim, serão

    consolidadas todas as análises realizadas e serão apresentadas possibilidades de

    melhorias identificadas para a empresa.

    2. BIOTECNOLOGIA NO BRASIL - A INDÚSTRIA

    A ideia de que o conhecimento é um recurso capaz de gerar vantagem

    competitiva de difícil imitação já era conhecido há muito tempo, mas foi na década de

    1990 que o conhecimento passou a ser considerado o recurso mais valioso das

    organizações (CHIAVENATO, 1999). Esse conceito é um ótimo exemplo de como a

    indústria farmacêutica se comporta, sendo uma indústria intensiva em conhecimento.

    Baseada principalmente na gestão de ativos intangíveis e de propriedade

    intelectual com a proteção de patentes, a gestão do conhecimento nesta indústria é

    de vital importância e sustenta a competição entre os players já consolidados, criando

    uma barreira forte de entrada para novas empresas que desejam entrar no segmento.

    Em seu estudo “Patents and innovation: an empirical study” (MANSFIELD,

    1986), Mansfield utiliza dados de uma pesquisa de mercado para testar a hipótese de

    Schumpeter, que diz que as patentes são um importante incentivo a inovação, na

    visão das empresas. Nos resultados da pesquisa, Mansfield conclui que na maioria

    das indústrias, a visão das empresas é de que quase todas as inovações alcançadas

    ainda teriam sido lançadas e descobertas mesmo sem a proteção oferecida pelas leis

    de patentes. Apesar disso, Mansfield lista somente duas indústrias que fogem à regra:

    a indústria química e a indústria farmacêutica. Para o desenvolvimento de um novo

    fármaco, são necessários vários anos e investimentos altos, quase sempre de alta

    incerteza. Sem a possibilidade de patentear esse fármaco, após a finalização do

    desenvolvimento qualquer laboratório com mínima qualificação consegue replicar o

    produto, reduzindo drasticamente o retorno desse investimento. Segundo Mansfield

  • 15

    então, o baixo custo de imitação e alto custo de desenvolvimento presente nessas

    duas indústrias são dois dos principais motivos para essa diferenciação no

    comportamento com relação a patentes.

    2.1 DESENVOLVIMENTO DE PROCESSOS NA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

    Segundo Pisano (PISANO, 1994), existem vantagens que podem ser obtidas

    com um bom desenvolvimento de processos nas indústrias de alta tecnologia,

    especialmente na indústria farmacêutica. Esta indústria pode ser considerada uma

    clássica indústria de alta tecnologia por uma série de fatores: investimentos altos em

    pesquisa e desenvolvimento (P&D); desenvolvimento de produtos longo, custoso e

    arriscado; lucratividade dependente do lançamento de novos produtos no momento

    certo. O foco do livro é esse tipo de indústria, ainda pouco estudado, por apresentar

    complexidades que indústrias maduras não enfrentam, como mudanças rápidas de

    fronteiras tecnológicas, grande incerteza no desenvolvimento e produtos tecnológicos

    altamente complexos.

    Os estudos do autor revelam que capacidades superiores de desenvolvimento

    de processos podem ser uma vantagem oculta para empresas competindo através

    da inovação de produtos. Além disso, através do desenvolvimento de processos, é

    possível estudar uma série de fatores relacionados à gestão e ao aprendizado

    organizacional, o que é uma grande fonte de conhecimento sobre a organização.

    Essas reflexões são pautadas em um tema central, de que uma capacidade de

    desenvolvimento de processos eficaz é baseada no modo com que a organização

    cria, gerencia e integra conhecimentos.

    O autor descreve a relação entre inovação de produtos e processos através da

    matriz da figura 2, em que são apresentados exemplos de indústrias que se encaixam

    em cada um dos quadrantes. A indústria de biotecnologia se encontra no quadrante

    “Process Enabling”, que é o foco do livro. Nesse quadrante, a capacidade de realizar

    um desenvolvimento de processos rápido, eficiente e de alta qualidade tem um

    impacto direto no sucesso comercial do lançamento de novos produtos. Por isso,

    neste tipo de indústria, o desenvolvimento de processos tem três focos de atuação:

    solução de problemas técnicos complexos, agilidade no tempo de mercado (tempo

  • 16

    para colocar o produto no mercado) e crescimento na fase do ramp-up (aceleração

    de vendas ou produção).

    Figura 2 - Relationships between Product and Process Innovation. Fonte:

    (PISANO, 2016, p. 10).

    Os três focos descritos são essenciais para o sucesso da empresa no contexto

    da indústria em que se encontra. A resolução de problemas técnicos é necessária e

    recorrente em um ambiente inovador em que o objetivo é criar novos produtos. No

    caso da indústria farmacêutica, procura-se a cura ou tratamento para uma doença até

    então não tratada, ou uma grande melhoria comparada aos tratamentos atuais, por

    isso, é natural que surjam questões complexas que nunca foram solucionadas.

    A agilidade no tempo de mercado é altamente valorizada atualmente e é um

    dos princípios das metodologias ágeis. Ao levar o produto para o mercado

    rapidamente, é possível obter feedbacks que auxiliam no desenvolvimento do próprio

    produto, identificando problemas e novas funcionalidades. A engenharia simultânea

    é uma das alternativas empregadas pelas empresas para reduzir esse tempo,

    sobrepondo os ciclos de desenvolvimento de produtos e processos. A grande

    vantagem desse desenvolvimento rápido é poder começar a desenvolver processos

    mais tarde, sem atrasar a entrega do produto. Assim, no momento da tomada de

  • 17

    decisão, a empresa já tem uma base maior de informações para embasar suas

    escolhas.

    Por fim, o ramp-up ocorre no momento em que se inicia a produção de um

    novo produto. Durante essa etapa inicial, a produtividade, a capacidade, a qualidade

    e as margens ainda não atingiram seus níveis ótimos e vão melhorando durante

    semanas ou meses até atingir uma estabilidade de longo prazo. Essas melhorias

    ocorrem por dois motivos. O primeiro é que os operadores se tornam mais familiares

    aos processos e, com isso, se tornam mais eficazes em suas tarefas. O segundo é

    que nesse período são identificados e corrigidos muitos problemas de processos,

    assim “limpando” a produção desses erros. A rapidez com que o ramp-up acontece é

    determinante para o sucesso do produto, pois é o que garante boa qualidade,

    disponibilidade de produtos e menor necessidade de investimentos em capacidade.

    O valor estratégico das capacidades de desenvolvimento de processos

    também pode ser percebido pelas forças que guiam sua necessidade. Em seu livro,

    Pisano descreve três forças e suas implicações competitivas:

    Paridade tecnológica crescente: gera dificuldade para sustentar uma

    vantagem competitiva baseada apenas na funcionalidade ou performance do

    produto. O desenvolvimento de processos rápido melhora o tempo de

    mercado, enquanto o ramp-up ágil aumenta a penetração no mercado. A

    proteção de tecnologias, através de patentes por exemplo, funciona como uma

    barreira para a imitação, que ajuda a reduzir esta força.

    Complexidade do produto: desenvolvimento é custoso e incerto. O

    desenvolvimento de processos rápido reduz riscos e complexidade de

    desenvolvimento por permitir início mais tarde. Uma capacidade forte de

    solução de problemas permite uma liberdade maior de desenvolvimento de

    produtos.

    Ciclo de vida de produtos mais curtos: rápida obsolescência de capital físico

    e intelectual. O desenvolvimento de processos rápido melhora o tempo de

    mercado, enquanto o ramp-up ágil aumenta a penetração no mercado. O

    desenvolvimento de processos eficiente aumenta o retorno de P&D e, quando

    são processos de redução de despesas, aumentam o retorno sobre o

    patrimônio líquido (ROE).

  • 18

    Por todas essas forças, entendemos a necessidade de se desenvolver e

    executar processos da melhor maneira possível. As empresas mais preparadas já

    estão tornando essas atividades prioritárias e utilizando os melhores recursos

    disponíveis para alcançar a excelência de seus processos, já que isso é o que

    pode garantir sua sobrevivência no longo prazo.

    2.2 FASES DO DESENVOLVIMENTO DE FÁRMACOS

    O desenvolvimento de fármacos segue uma série de etapas de P&D até ser

    validado e poder ser comercializado pela indústria farmacêutica. No livro de Pisano

    (PISANO, 2006) encontramos essas etapas de forma detalhada, conforme

    reprodução na figura 3:

    Figura 3 - Processos do desenvolvimento de fármacos. Fonte: Adaptação própria

    (PISANO, 2006, figura 3-1).

    Nesse fluxo, as primeiras quatro etapas correspondem ao estágio de pesquisa

    básica, normalmente realizado por laboratórios de pesquisa em universidades ou

    outros centros tecnológicos. Nesse estágio, acontece uma “descoberta” em que se

    identifica a possibilidade de uso de determinado ativo químico no tratamento de

    alguma doença. A pesquisa continua então com simulações e experimentos para

    validar essa aplicação e otimizar a molécula estudada.

    Essas etapas são usualmente custeadas através de investimentos públicos,

    em especial se ocorrem em universidades públicas, que dependem de recursos do

    governo.

  • 19

    Em seguida, com a pesquisa mais madura, se iniciam os testes com animais,

    avaliando as propriedades toxicológicas, farmacológicas e farmacocinéticas

    (“caminho” percorrido pelo medicamento no organismo) do ativo. Essa etapa é

    conhecida como desenvolvimento pré-clínico.

    Ao ter sucesso nas etapas anteriores, pode-se prosseguir para a etapa de

    desenvolvimento clínico, que é dividida nas fases 1, 2, 3. Nessa etapa são realizados

    os testes com humanos. De acordo com publicação da Faculdade de Ciências

    Médicas da Unicamp, essas fases têm os seguintes objetivos:

    Fase 1: o fármaco é utilizado pela primeira vez em seres humanos, em um

    grupo com cerca de 20 a 100 pessoas, em que normalmente os indivíduos

    selecionados são saudáveis e não possuem a doença alvo de estudo. Os

    testes têm como objetivo avaliar diferentes vias de administração e doses,

    realizar testes iniciais de segurança e de interação com outras drogas ou

    álcool.

    Fase 2: o fármaco é utilizado em cerca de 100 a 300 indivíduos com a doença

    alvo de tratamento. Nesta fase se iniciam as análises da eficácia do fármaco,

    além de mais testes de segurança, com diferentes dosagens e indicações.

    Fase 3: são selecionados cerca de 5 a 10 mil indivíduos com a doença alvo,

    que são acompanhados por um período de tempo. Nesta fase, parte dos

    pacientes são tratados utilizando o novo fármaco e outra parte utilizando o

    melhor tratamento já existente para a doença em questão ou placebo (caso

    não exista outra opção no mercado). Assim, pode-se obter mais informações

    sobre segurança, eficácia e interação de drogas, e comparar os diferentes tipos

    de tratamentos, determinando a superioridade de um sobre o outro. Os testes

    dessa fase devem fornecer todas as informações necessárias para a

    elaboração do rótulo e da bula do medicamento e são eles que serão

    analisados pelas autoridades sanitárias para que seja possível registrar e

    aprovar o novo fármaco.

    Após esses testes finalizados, o medicamento precisa então passar pelas

    agências reguladoras para que sua comercialização seja aprovada, na etapa de

    aprovações regulatórias.

  • 20

    Algumas literaturas, como a publicação utilizada da Unicamp, incluem ainda uma

    fase 4 de testes clínicos que acontece após a aprovação e início da comercialização.

    Nessa etapa, também chamada de farmacovigilância, alguns pacientes são

    monitorados para que se identifiquem novos efeitos colaterais desconhecidos e outros

    fatores de risco, assim como gerar mais dados sobre segurança e eficácia do

    fármaco.

    As fases compreendidas entre o desenvolvimento pré-clínico e a fase 2 do

    desenvolvimento clínico são as que têm maior dificuldade de obter recursos. Como

    falamos no capítulo 1.2, esse período é conhecimento como “vale da morte”,

    exatamente porque muitas pesquisas se encerram nessas fases devido à falta de

    financiamento. Isso ocorre porque nessas fases são necessários investimentos

    financeiros mais robustos e recursos mais sofisticados, que as universidades públicas

    já não têm capacidade de atender. Ao mesmo tempo, os laboratórios farmacêuticos

    ainda não têm interesse em desenvolver essas fases, porque o risco de fracasso é

    muito grande.

    Da fase 2 em diante, o desenvolvimento costuma ser realizado por indústrias

    farmacêuticas, que esperam levar o fármaco até a comercialização. Por atraírem o

    interesse de grandes empresas, as pesquisas que conseguem chegar até essa fase,

    ou seja, sobreviver ao “vale da morte”, são as que têm melhores chances de terem

    sucesso e chegarem ao mercado.

    2.3 PATENTES E AGENTES REGULADORES

    Advindo da expressão “litterae patentes”, em tradução literal do latim “carta

    aberta”, o conceito de patente implica em um contrato entre um órgão regulador, a

    sociedade e o dono da invenção. O dono da invenção publica abertamente sua

    propriedade ou modelo de utilidade e, em troca, recebe o direito de a explorar

    comercialmente, com total exclusividade, por certo período de tempo pré-

    determinado.

    Segundo relatório do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (PATENTES:

    História e Futuro, p.9), a primeira patente foi concedida em Veneza no ano de 1474,

    o conceito se tornou amplamente conhecido, mas começou a ser utilizado somente a

    partir de 1883, por meio da Convenção da União de Paris, em que a lei da propriedade

    intelectual (LPI) foi criada.

  • 21

    Segundo o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), existem 3

    principais tipos de patentes e cada um tem sua peculiaridade e prazo de validade,

    sendo eles:

    Patente de Invenção (PI) - Produtos ou processos que atendam aos

    requisitos de atividade inventiva, novidade e aplicação industrial. Sua

    validade é de 20 anos a partir da data do depósito.

    Patente de Modelo de Utilidade (MU) - Objeto de uso prático, ou parte

    deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou

    disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional

    no seu uso ou em sua fabricação. Sua validade é de 15 anos a partir da

    data do depósito.

    Certificado de Adição de Invenção (C) - Aperfeiçoamento ou

    desenvolvimento introduzido no objeto da invenção, mesmo que

    destituído de atividade inventiva, porém ainda dentro do mesmo

    conceito inventivo. O certificado será acessório à patente e com mesma

    data final de vigência desta.

    Pela definição da LPI, uma série de ações, criações, ideias abstratas, métodos

    e outras formas de inventos que não possam ser industrializados não são passíveis

    de patenteamento, sendo melhor cobertos e protegidos pela Lei do Direito Autoral,

    que não é ligada ao processo de patenteamento. Desta forma, segundo o INPI, órgão

    regulador atuante no Brasil, não podem ser patenteados:

    Técnicas cirúrgicas ou terapêuticas aplicadas sobre o corpo humano ou

    animal;

    Planos, esquemas ou técnicas comerciais de cálculos, de financiamento, de

    crédito, de sorteio, de especulação e propaganda;

    Planos de assistência médica, de seguros, esquema de descontos em lojas e

    também os métodos de ensino, regras de jogo, plantas de arquitetura;

    Obras de arte, músicas, livros e filmes, assim como apresentações de

    informações, tais como cartazes e etiquetas com o retrato do dono;

    Ideias abstratas, descobertas científicas, métodos matemáticos ou inventos

    que não possam ser industrializados;

  • 22

    Todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na

    natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de

    qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.

    Para a gestão do mecanismo de patenteamento e do banco de patentes,

    instituições regulatórias existem a nível nacional e mundial, como a World Intellectual

    Property Organization (WIPO), tornando possível depositar patentes em quase todos

    os países do mundo. Para isso, porém, deve ser feito um depósito em cada país ou

    região em que se deseja deter os direitos do invento. Realizando o pedido via WIPO,

    utilizando os benefícios do Tratado de Cooperação de Patentes (PCT), “O pedido de

    patente em cada país continuará sendo necessário, mas, ao invés de fazer cada um

    individualmente, [...] só precisará fazer um e futuramente apenas designar os países

    em que deseja proteção” (PATENTE: Como proteger no exterior?). De qualquer

    forma, para requerer proteção em outros países que não o Brasil, é preciso passar o

    pedido pelo INPI, que atua como escritório receptor e é responsável pela gestão do

    banco de patentes brasileiras no mundo e pelo exame preliminar internacional. O INPI

    assume essa responsabilidade através do PCT, firmado em Washington em 1970 e

    que teve sua última modificação no ano de 2001.

    O PCT tem como finalidade desenvolver o sistema de patentes e de

    transferência de tecnologia no mundo e prevê meios de cooperação entre os países.

    O PCT possui atualmente 152 países participantes, como vemos na figura 4, e o Brasil

    é signatário desde 1978.

    Com este tratado, o depósito de um pedido internacional se processa em duas

    fases, uma internacional e outra nacional. Na fase internacional é realizado o depósito

    do pedido internacional. Nessa fase é elaborado um relatório de busca internacional

    e um parecer de patenteabilidade, além de um relatório de exame preliminar

    internacional. A fase nacional é a confirmação do depósito internacional junto a cada

    estado contratante e deve ocorrer no prazo de 30 meses a partir da data da prioridade

    unionista ou do depósito.

  • 23

    Figura 4 - 152 Estados participantes do PCT em 2019. Fonte: (WIPO, 2019)

    Após o depósito do pedido, é concedida uma “expectativa de direito”, onde o

    depositante poderá contatar quem esteja se utilizando de sua invenção por

    concorrência desleal, notificando-o de que uma ação judicial de indenização por

    perdas e danos poderá ser aplicada e contabilizada a partir da data de publicação da

    patente. Após a concessão da patente então, o requisitante do pedido e o titular da

    patente estão sujeitos ao pagamento de uma taxa anual de retribuição ao órgão

    regulador responsável.

    Segundo a WIPO (WIPO, 2017), em 2016, os 152 países membros da WIPO

    solicitaram mais de 3.000.000 de pedidos de patentes, tendo sido concedidas pouco

    mais de 46% destes pedidos, segundo relatório elaborado pela organização. Olhando

    para a sessão do INPI, no mesmo período da análise do documento da WIPO, foram

    depositados somente 22 mil pedidos, com concessão de cerca de 18% no Brasil. Para

    comparação, o Japão teve 71% de concessão em seus pedidos.

    A nível de infraestrutura dos escritórios e suas eficiências, vimos, ainda em

    2016, 201 examinadores do INPI analisando estes 22 mil pedidos, porém concedendo

    somente pouco mais de 4200 e rejeitando pouco mais de 2300, enquanto o escritório

    dos Estados Unidos analisou 930 mil pedidos, concedendo mais de 300 mil e

    rejeitando 480 mil.

    Apesar do número parecer um pouco desanimador, o número de depósitos

    esperando análise no Brasil mais que duplicou entre 2005 e 2016, como vemos na

    figura 5 presente na próxima página, o que pode indicar que mais inovações estão

  • 24

    ocorrendo no país ou que mais inventores estão se preocupando em patentear suas

    inovações. Dentre os depósitos de patente de invenção, porém, apenas 20% são de

    origem brasileira, sendo a maioria dos depositantes (30%) de origem americana. Isso

    mostra o quanto o Brasil ainda é um país seguidor de tecnologia, com pouco

    desenvolvimento interno de novos produtos.

    Figura 5 - Evolução do número de aplicações pendentes por ano nos

    principais escritórios da WIPO. Fonte: (WIPO, 2017, p. 13)

    Além desta visão numérica das análises dos escritórios de patentes, uma

    análise complementar é a medida do tempo entre o depósito do pedido para análise

    e a primeira ação do escritório, e até a decisão final da concessão. Esses tempos

    podem ser vistos na figura 6, presente na próxima página.

  • 25

    Figura 6 - Tempo médio para decisão de aprovação de uma patente pelos principais

    escritórios da WIPO. Fonte: (WIPO, 2017, p. 19)

    O Brasil encontra-se na última posição no ranking, tendo o pior desempenho

    dentre os 76 principais escritórios do mundo. Em média, a solicitação de uma patente

    leva cerca de 20 a 22 meses para ser concluída, enquanto no Brasil o processo

    demora 95 meses, cerca de 8 anos.

    Apesar disso, um longo período no processo não necessariamente implica que

    o escritório é ineficiente. Entre outros fatores, os próprios depositantes podem

    retardar o processo de análise. Por exemplo, no escritório EPO (European Patent

    Office) os requerentes podem ainda alterar seus pedidos quando eles estão na fase

    de busca e exame. Da mesma forma, no USPTO (United States Patent and

  • 26

    Trademark Office), o requisitante tem diversas maneiras de atrasar o processo desde

    a primeira ação do escritório até a decisão final, segundo o relatório da WIPO. Por

    isso, o longo período do processo no escritório brasileiro não é necessariamente

    resultado apenas da ineficiência do mesmo.

    "É importante destacar ainda que, durante a análise no INPI, um pedido de

    patente pode ser concedido, indeferido ou arquivado. Ao considerar os três tipos de

    decisões possíveis, o total de pedidos decididos pelo Instituto em 2017 foi de 44.781,

    enquanto o número de novas solicitações foi de 28.667", responde oficialmente o INPI

    ao informe da WIPO” (CHADE, 2018). Com isso, o INPI busca demonstrar que vem

    trabalhando para reduzir a fila de pedidos em espera.

    O instituto vem tentando reverter o quadro desfavorável visto historicamente,

    onde vemos na figura 7 o resultado do ano de 2016 com um número

    desproporcionalmente maior de pedidos arquivados pelo escritório brasileiro do que

    de aprovados e rejeitados.

    Figura 7 - Distribuição de status de aplicações de patentes nos principais

    escritórios da WIPO. Fonte: (WIPO, 2017, p. 21)

    No setor farmacêutico, o cenário se complica ainda mais, contando com a

    fiscalização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para um parecer

  • 27

    complementar da validade ou não das aplicações para patentes de produtos e

    processos farmacêuticos.

    Por diversos anos os dois órgãos regulatórios (INPI e ANVISA) divergiram

    sobre a aplicação do artigo 229-C da Lei nº 9.279/1996, que diz que a concessão de

    patentes para produtos e processos farmacêuticos depende da prévia anuência da

    Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. Somente a partir de 2017 foi

    criada uma Portaria Conjunta INPI/ANVISA nº 01 para disciplinar com transparência

    a relação dos dois reguladores.

    De acordo com esta Portaria Conjunta, a ANVISA pode

    realizar a análise dos critérios de patenteabilidade dos pedidos de patente,

    sem com isso vincular a decisão técnica do INPI. O INPI considera o parecer técnico

    da ANVISA que aborda critérios de patenteabilidade, podendo acolhê-lo ou afastá-lo,

    desde que o faça com a exposição de fundamentos técnicos (INPI, 2018).

    Como a ANVISA no Brasil, a Agência Europeia de Medicamentos (EMEA)

    contribui para a proteção da saúde pública e animal na Europa, enquanto a Food and

    Drug Act (FDA) realiza este papel nos Estados Unidos.

    Baseado em uma publicação de (LIMA et al., 2003), NASCIUTTI (2012, pg 8)

    resume a história da regulação neste mercado:

    A partir 1951, o FDA passou a definir que alguns fármacos não atendiam a

    segurança necessária para uso humano, e estabeleceu que os medicamentos

    deveriam ser usados somente sob prescrição médica. Em 1962 a FDA estabeleceu

    que antes do uso clínico ou da realização de propaganda de um novo medicamento,

    o fabricante deveria provar, não somente a sua eficácia, mas principalmente a sua

    segurança. A partir dessa nova decisão da FDA, a maioria dos países passou a adotar

    esses mesmos critérios e os medicamentos passaram por um rigoroso processo de

    análise, antes da sua aprovação e posterior uso clínico. Na década de 1950 o dossiê

    de registro de um medicamento continha, em média, 60 páginas; já nos anos 80 os

    dossiês registravam, em média, 100.000 páginas e hoje atingem algo em torno de

    300.000 páginas.

    No estudo “Quanto custa o atraso na concessão de patentes de medicamentos

    para a saúde no Brasil? ”, Anna Jannuzzi e Alexandre Vasconcellos dissertam sobre

    a ineficiência do INPI desde 1996, quando as patentes para medicamentos voltaram

    a ser uma realidade no Brasil. De acordo com o estudo, por ano, são desperdiçados,

    por exemplo, cerca de R$14.000.000 pelo Governo Federal com apenas um fármaco

    para o tratamento de infecções por retrovírus. Este desperdício, atrelado ao longo e

    complicado processo de patenteamento e aos altos gastos necessários, podem

  • 28

    acabar por desanimar ainda mais os professores e pesquisadores das principais

    universidades do país a patentearem seus trabalhos.

    Além desses fatores, durante muito tempo foi discutido o dilema ético sobre o

    patenteamento de pesquisas financiadas por verbas do governo dentro das

    universidades públicas, fonte de discussão em boletins voltados para a comunidade

    científica, como Science Careers e outras revistas conhecidas no meio. Federman

    (FEDERMAN, 2009), examinadora de patentes do INPI, expõe sua visão sobre o

    dilema em um Boletim da UFMG:

    O prazer dos pais ao nascer o herdeiro é mostrá-lo ao mundo. Prazer e

    ansiedade também sentem o inventor quando soluciona um problema técnico ou

    desenvolve um medicamento para a cura do câncer. [...] O que o inventor deve fazer?

    Mais especificamente, o que o pesquisador de centros de pesquisa e universidades

    deve fazer? Publicar artigos? Depositar a patente? São questões que devem ser

    consideradas com muito bom senso. É notório que o cientista é avaliado pelo número

    de suas publicações. Quanto mais publicações, mais ele é reconhecido, mais

    facilmente conseguirá aprovar seus projetos em órgãos de fomento. Uma vez que o

    tema patente ainda é uma espécie de tabu para alguns pesquisadores, eles se

    desculpam alegando que patente é muito complicada e demorada, além de cara. Por

    outro lado, a publicação de artigos científicos é gratuita e rápida. Enquanto a

    publicação do artigo leva, no máximo, um ano para sair, a concessão da patente leva

    cerca de cinco a seis anos, dependendo da área tecnológica [...]. Se depois de todo o

    esforço aplicado na pesquisa for alcançado um resultado com potencial tecnológico,

    duas coisas podem acontecer: o pesquisador depositar a patente e uma empresa se

    interessar em implementá-la ou, se ele não depositar a patente, alguma empresa se

    aproveitar da sua pesquisa e redigir o pedido de patente, transformando--se em sua

    detentora. O pesquisador pode escolher o lugar que ocupará – no céu, com a patente

    utilizada e seus direitos preservados, ou no inferno da decepção, se ela for

    implementada por outro. (FEDERMAN, 2009)

    Este dilema deixou de ser um problema em 2018, com a revisão da Lei de

    Inovação Tecnológica, Lei 10.973, através do Decreto 9.283. Com essa revisão, o

    licenciamento e patenteamento de pesquisas de universidades públicas passou a ser

    flexível e definido através de acordos com os pesquisadores, universidades e

    “compradores”.

  • 29

    2.4 MOVIMENTAÇÕES NA INDÚSTRIA

    O mercado de fármacos no Brasil é pouco inovador, tendo como principal fonte

    de receita a venda de medicamentos genéricos (EXAME, 2016). No ano de 2014, a

    venda desse tipo de medicamento gerou um faturamento de R$13,7 bilhões para as

    indústrias do setor. Para a EMS, neste ano maior indústria farmacêutica do país, a

    venda dos genéricos representou 62% do faturamento total de medicamentos.

    Na figura 8 podemos ver o volume movimentado pela indústria entre os anos

    de 2013 e 2017 (considera 12 meses de maio a abril), assim como seu crescimento

    ano a ano e a participação do mercado institucional e de varejo. O mercado

    institucional é composto em sua maior parte por compras do governo, enquanto o

    varejo é constituído basicamente pelas vendas em farmácias (INTERFARMA, 2018).

    Figura 8 - Volume movimentado pela indústria farmacêutica entre os anos de 2013 e

    2017. Fonte: INTERFARMA, 2018.

    O Brasil representa o 8º maior mercado do mundo em faturamento, porém

    representa apenas 2% da fatia de mercado mundial, sendo os Estados Unidos o

    principal mercado, com aproximadamente 50% do volume de negócios. O segmento

  • 30

    no Brasil é quase que totalmente dependente de importações, como pode ser visto

    na figura 9, e utiliza a proteção de patentes como uma forma de segurança de retorno

    dos investimentos praticados.

    Figura 9 - Balança comercial brasileira para produtos farmacêuticos de 2006 a 2017.

    Fonte: INTERFARMA, 2018.

    Esse déficit constante observado na balança comercial de produtos

    farmacêuticos pode demonstrar duas coisas: ou os fármacos e terapias desenvolvidos

    no Brasil são insuficientes para suprir as necessidades da população, ou os produtos

    brasileiros não são competitivos com os medicamentos importados.

    Já no cenário mundial, as indústrias farmacêuticas vêm sendo forçadas a lidar

    com um ambiente menos permissivo de precificação, ao mesmo tempo em que forças

    regulatórias e tecnológicas aumentam a pressão pelo controle de custos de P&D e

    produção. Uma série de estudos sinalizam um aumento expressivo nos custos de

    descobrimento, desenvolvimento e aprovação regulatória nos últimos anos. Além

    disso, um estudo da Coopers and Lybrand com dezessete companhias farmacêuticas

    descobriu que os custos de produção passaram de 10% das vendas em 1980 para

    20% em 1990 (PISANO, 1994). Esses dois custos juntos (P&D e produção)

  • 31

    representam aproximadamente 40% dos custos de uma empresa farmacêutica, o que

    explica que sua atenção se volte para eles.

    2.5 A INOVAÇÃO APLICADA AO DESENVOLVIMENTO DE FÁRMACOS

    Correspondendo a cerca de 17% do investimento privado em P&D em todos

    os setores da indústria dos EUA em 2015, segundo um estudo da empresa PhRMA,

    o setor farmacêutico é um exemplo de inovação na indústria mundial (2016

    Biopharmaceutical Research Industry Profile, 2016).

    Apesar de estar longe deste patamar, os investimentos em P&D na indústria

    brasileira têm crescido ano após ano, como vemos na figura 10. Essa tendência teve

    um incentivo maior com a Lei de Propriedade Industrial, Lei nº 9.279 de 14 de maio

    de 1996, especificamente com a atualização do marco regulatório do “TÍTULO I –

    DAS PATENTES”, regulando os direitos e obrigações relativos à propriedade

    industrial no Brasil.

    Figura 10 - Investimentos em P&D pela indústria farmacêutica brasileira após a lei de patentes. Fonte: (RAIMUNDO, 2012)

    Até 2012 cerca de 1/5 dos produtos farmacêuticos no mercado brasileiro eram

    protegidos por patentes, como vemos na figura 11. Desses produtos patenteados,

    não sabemos o percentual que corresponde a produtos brasileiros, mas uma

    informação complementar do relatório é a de que 70% dos pedidos de patentes no

  • 32

    Brasil são estrangeiros, por isso é provável que a maioria desses produtos seja do

    exterior.

    Figura 11 - Produtos no mercado brasileiro com proteção por patentes concedida. Fonte: IMS / PMB – MAT ABRIL 2009

    Uma série de fatores explicam esse percentual tão baixo de produtos

    patenteados no Brasil e essas discrepâncias entre produtos brasileiros e estrangeiros:

    Forte investimento em P&D no mundo, porém não no Brasil;

    Dilemas éticos entre a publicação de artigos ou depósito de patentes com as

    pesquisas universitárias pelos pesquisadores e a publicação ou não de

    patentes geradas com pesquisa financiada por dinheiro público nas

    universidades públicas;

    Demora no processo de depósito das patentes e falta de garantia do monopólio

    daquele tratamento (mesmo após o patenteamento), já que a patente é

    concedida para um determinado produto e não para a cura de uma doença.

    Todos esses fatores apontam para um grande déficit de inovação no mercado

    brasileiro de fármacos, especialmente nas universidades, como aponta Raimundo

    (RAIMUNDO, 2012). Segundo Raimundo, 99 das 100 maiores drogas no mercado

    naquele ano eram provenientes da indústria privada e somente 1 de universidade

    pública. Isso reforça a dificuldade na transição entre a pesquisa nas universidades e

    a venda de fármacos no mercado. Este período de transição, como já mencionado, é

    extremamente extensivo em uso de capital e tempo e é conhecido como “vale-da-

  • 33

    morte”. A Biozeus entra no mercado para atuar nesse vale, buscando levar as

    pesquisas brasileiras à comercialização em nível global.

    3. BIOZEUS - A EMPRESA

    A Biozeus tem como objetivo realizar a conexão entre a pesquisa universitária

    e a indústria farmacêutica. A premissa de negócio da empresa é que existem muitos

    projetos promissores sendo pesquisados nas universidades de ponta do país, porém,

    alguns fatores, como a falta de investimentos, a falta de infraestrutura voltada para as

    fases mais avançadas e a falta de interesse comercial dos próprios pesquisadores,

    fazem com que esses projetos não avancem para se tornar produtos

    comercializáveis. Por outro lado, os grandes laboratórios e indústrias farmacêuticas

    não têm interesse em investir em projetos em estágios tão iniciais, pois as chances

    de sucesso ainda são muito pequenas.

    A Biozeus atua nesse estágio intermediário, selecionando fármacos em

    estágios iniciais de desenvolvimento, promissores científica e comercialmente,

    licenciando os ativos e os desenvolvendo até a fase clínica 2a, a prova de conceito

    em humanos. Após esta etapa, as chances de sucesso do ativo são muito maiores,

    sendo então possível vender o projeto de desenvolvimento para grandes indústrias

    farmacêuticas, através do processo conhecido como out-licensing.

    A partir do momento de licenciamento do ativo pela Biozeus, o projeto sai do

    laboratório de origem na universidade e a Biozeus ganha o direito de desenvolvê-lo.

    O planejamento das próximas etapas, desenhos e análises são então realizados pela

    equipe da Biozeus e a realização dos testes é terceirizada para ser realizada em

    algum laboratório com infraestrutura especializada. A Biozeus, portanto, não possui

    infraestrutura própria para utilizar na realização de testes, mas escolhe o melhor

    prestador possível para cada projeto. Essa escolha de não possuir infraestrutura

    própria foi feita porque a empresa não tem foco em uma doença específica, então os

    recursos necessários para cada projeto são diferentes e não faria sentido investir em

    equipamentos e materiais que ficariam ociosos.

  • 34

    3.1 ORIGEM

    Em 1994 foi fundada nos EUA a Burrill & Company, empresa de venture capital

    e private equity com investimentos em ciências da vida, biotecnologia e saúde. A

    empresa começou a investir no Brasil em 2010, montando uma equipe no Rio de

    Janeiro para analisar oportunidades de investimento.

    Mais tarde, a Burrill & Company saiu do Brasil, mas o fundo captado por ela

    permaneceu ativo sob a gestão de seu fundador João Paulo Poiares Baptista. A

    empresa nomeada FinHealth é até hoje uma gestora de recursos de private equity e

    venture capital focada exclusivamente em investimentos na área de saúde. A gestora

    controla o fundo BBI Financial e possui investimentos em cinco subáreas da saúde:

    Serviços de saúde (hospitais, clínicas especializadas e/ou empresas de

    serviço corporativo, dentre outras);

    Biofarmacêuticos para saúde humana e animal (incluindo desenvolvimento de

    novas drogas);

    Equipamentos médicos/diagnósticos;

    Serviços de diagnóstico

    Digital health e CROs

    A Biozeus foi fundada em 2012 pela FinHealth e todos os seus investimentos

    (não públicos) são financiados pelo fundo. As duas empresas também dividem o

    mesmo espaço de trabalho e possuem profissionais mistos atuando em ambas

    (especialmente o alto escalão, que compõe o Conselho da Biozeus).

    3.2 DIFERENCIAL

    O modelo de negócios da Biozeus apresenta dois diferenciais importantes em relação

    a outros tipos de investidores: o risco reduzido e o alto valor de seu portfólio de

    investimentos. O modelo de redução de risco da empresa é baseado em quatro

    pilares:

    Custo administrativo reduzido, por ser rateado por todo o portfólio;

    Portfólio diversificado, o que permite que projetos não promissores sejam

    descartados ao longo do desenvolvimento e que se dilua o risco, comparado

    com empresas de biotecnologia focadas em uma só tecnologia;

  • 35

    Desenvolvimento terceirizado, o que permite contratar os melhores

    prestadores para cada projeto e evita custos fixos com infraestrutura;

    Pioneirismo no acesso aos projetos, o que permite que os melhores projetos

    sejam selecionados para investimento.

    Já o valor do seu portfólio é um diferencial pela diferença de desenvolvimento

    entre compra e venda. Assim, o projeto é “comprado”, ou seja, seu desenvolvimento

    é licenciado pela Biozeus, em uma fase inicial por um valor relativamente baixo, e é

    “vendido”, ou seja, licenciado para uma empresa farmacêutica, com um valor mais

    alto, por já ter uma comprovação de uso muito maior. O portfólio atual da empresa

    possui produtos com alto valor agregado devido a alguns fatores como:

    Produtos voltados para doenças com alta necessidade médica;

    Patentes globais já obtidas;

    Custo de desenvolvimento relativamente baixo;

    Risco reduzido do projeto, pela seleção de projetos com este perfil.

    4. BIOZEUS - DESCRIÇÃO DO MODELO DE NEGÓCIO

    4.1 BUSINESS MODEL CANVAS

    O Business Model Canvas (BMC) foi criado pelo suíço Alexander Osterwalder

    baseado em seu livro Business Model Ontology. O modelo tem como objetivo ilustrar

    o modelo de negócios de uma empresa em uma única página organizada em blocos.

    Apesar de parecer um diagrama simples à primeira vista, o BMC carrega

    grande valor na possibilidade de visualização e análise de uma visão macro de um

    negócio em uma única página. A estruturação visual e o “encaixe estratégico” entre

    as diferentes áreas, além do processo de criação do Canvas, originalmente

    colaborativo por definição, são pontos-chave na sustentação do seu alto valor

    contributivo ao se pensar uma organização através dessa ferramenta. O modelo

    original do BMC tem a estrutura da figura 12.

  • 36

    Figura 12 - Modelo original do Business Model Canvas. Fonte:

    . Acesso em

    agosto de 2019.

    Buscando abordar os elementos do Modelo de Negócios da melhor forma

    possível para a realidade da Biozeus, adaptamos o BMC para a forma da figura 13,

    que terá seus elementos explicados mais adiante. As inter-relações entre os

    elementos foram representadas com setas, tornando a dinâmica de negócio da

    empresa mais visual.

    Figura 13 - Adaptação do modelo de negócio da Biozeus. Fonte: elaboração própria.

  • 37

    Conforme introduzido previamente, a atuação da Biozeus se dá em um

    momento da pesquisa em que os pesquisadores em universidades ou outros centros

    de pesquisa não podem mais atuar, por falta de recursos, conhecimento ou interesse,

    e empresas farmacêuticas ainda não tem interesse de atuar, por ser um estágio muito

    inicial para elas, com muitos riscos envolvidos.

    O foco da empresa é no desenvolvimento de fases da pesquisa de fármacos

    pouco exploradas comercialmente (como ilustrado na figura 1 e comentado

    previamente, o foco dos investimentos da Biozeus é no desenvolvimento pré-clínico

    de fármacos). Essa é uma etapa da pesquisa que possui uma lacuna de

    financiamento, pois as universidades já não são capazes de suprir as necessidades

    de recursos e as grandes farmacêuticas não se arriscam a investir na pesquisa ainda

    pelos altos riscos.

    O primeiro parceiro estratégico identificado para a empresa são as

    universidades, pois sem o seu apoio a Biozeus não consegue ter acesso às pesquisas

    promissoras em desenvolvimento para realizar novos investimentos. Nesse ponto, a

    atuação do gestor de projetos é de extrema importância. O ocupante atual do cargo

    veio do meio acadêmico e atuou como professor de medicina da Universidade do

    Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Isso o coloca numa posição privilegiada para

    estabelecer contato com pesquisadores e instituições de pesquisa, que costumam ter

    ressalvas com investidores e executivos de modo geral, o que o torna um recurso

    chave da empresa.

    Após a análise das pesquisas potenciais das universidades, a Biozeus pode

    licenciar as pesquisas que lhe interessem. Isso significa que ela compra o direito de

    continuar a pesquisa e estabelece um acordo com os pesquisadores originais sobre

    propriedade intelectual e royalties. Para isso, uma etapa fundamental é obter os

    recursos financeiros necessários para realizar o investimento. Atualmente, esses

    recursos vêm quase que exclusivamente da FinHealth, outro parceiro chave da

    empresa, o que significa que a Biozeus precisa convencê-la de que seus

    investimentos serão lucrativos.

    Uma alteração futura que poderá ocorrer no modelo de negócio da empresa é

    essa dependência financeira da FinHealth. A partir do momento em que a empresa

    tenha um projeto de sucesso, passará a ter receitas próprias, que poderão ser usadas

    para novos investimentos. Essas receitas podem vir do out-licensing de projetos, que

    caso tenham sido inicialmente licenciados com recursos da FinHealth também

  • 38

    deverão remunerar os acionistas. Também podem ser provenientes de royalties

    devido a direitos de patentes negociados no momento do out-licensing com os novos

    detentores da licença. Essa última fonte de receita deve demorar mais a acontecer,

    pois o fármaco já precisa estar sendo comercializado, o que exige que a farmacêutica

    termine todos os testes e passe pela etapa de aprovação do produto.

    Após licenciar um projeto, a Biozeus começa a realizar sua gestão para que se

    desenvolva até uma fase mais avançada (usualmente até a fase 2 da pesquisa

    clínica) e possa ser “vendido” para uma empresa farmacêutica. Dessa forma, a gestão

    de projetos é outra atividade central da empresa e é onde a experiência da Biozeus

    tem papel importante para aumentar as chances de sucesso do projeto.

    Como a FinHealth surgiu continuando o trabalho realizado pela Burrill &

    Company, que atua nos EUA desde 1994 especificamente no setor de saúde, tem um

    histórico longo de atuação nesse setor. Por isso, a empresa possui uma experiência

    e conhecimento do mercado muito amplos.

    Na etapa de desenvolvimento do projeto, é realizado todo o planejamento do

    projeto, desenho das próximas etapas e análises de resultados de pesquisas. Todas

    essas etapas são realizadas por uma equipe própria da Biozeus, que possuem

    experiência e conhecimento sobre esse tipo de projeto.

    Ainda nessa etapa de desenvolvimento, as pesquisas são realizadas em

    laboratórios terceirizados contratados pela Biozeus, que por isso são parceiros

    importantes. Os recursos e localização do laboratório são fatores relevantes que

    podem influenciar grandemente a agilidade e a qualidade da pesquisa. Existem,

    inclusive, casos em que algumas etapas da pesquisa são realizadas no exterior,

    devido a facilidades regulatórias que economizam o tempo gasto com burocracias ou

    devido aos custos e recursos disponíveis no local. Por essas vantagens potenciais, a

    seleção de laboratórios é mais uma atividade chave da empresa.

    Com o projeto avançando, sua expectativa de sucesso vai se tornando mais

    clara. Em alguns casos, pode-se perceber que o projeto não tem chances tão boas

    de sucesso, por se identificar uma restrição ou complicação nova que limite as

    vantagens clínicas do fármaco. Também pode acontecer de um concorrente lançar

    uma alternativa de tratamento para a mesma doença durante o desenvolvimento da

    pesquisa pela Biozeus. Nesse caso, a pesquisa pode ser interrompida ou pode

    continuar, caso se acredite que o fármaco sendo desenvolvido apresenta vantagens

    importantes sobre a alternativa lançada. Apesar disso, um concorrente a mais implica

  • 39

    em competição e algum nível de guerra de preços que reduz a lucratividade esperada

    do projeto.

    Caso esses problemas não ocorram e o projeto se mostre promissor, a Biozeus

    precisa escolher até que momento deseja continuar investida na pesquisa. O objetivo

    primário da empresa é realizar o out-licensing do projeto para uma grande indústria

    farmacêutica, de preferência internacional, por ser onde as etapas finais da pesquisa

    clínica têm mais chance de prosperar de forma ágil. Apesar disso, podem existir

    projetos em que a Biozeus prefira deixar o investimento antes dessa etapa, por

    entender que não tem os recursos, capacidades ou tempo necessários para levá-lo

    até a fase 2. Além disso, podem existir projetos em que a empresa prefira levar o

    investimento mais a frente, possivelmente até mesmo até a comercialização, por

    entender que seu retorno será maior nesse cenário e acreditar que é capaz de realizá-

    lo.

    4.2 PORTFÓLIO DE PROJETOS

    A Biozeus já licenciou oito projetos e possui atualmente cinco em andamento,

    sendo três deles provenientes do mesmo ativo biológico, conforme figura 14.

    Figura 14 - Lista de projetos licenciados pela Biozeus. Fonte: Material fornecido pela

    empresa.

  • 40

    Os projetos em andamento, marcados com * acima, são detalhados a seguir

    de acordo com seus ativos biológicos, segundo relatório compartilhado pela empresa.

    Bz043

    Indicações: Diabetes; Obesidade.

    O que é: Plataforma de novos amilinomiméticos com propriedades físico químicas e

    farmacocinéticas aperfeiçoadas, superando as limitações da amilina humana. BZ043

    permite o uso farmacológico de amilina humana, bem como combinações fixas com

    insulina de ação prolongada (BZ043A), com insulina de ação curta (BZ043D) e com

    análogos de GLP-1 (BZ043B), para o tratamento de diabetes e obesidade, ambas as

    áreas com alta necessidade médica e um crescente problema de saúde pública.

    Vantagens clínicas: Tanto a amilina como a insulina são importantes para a

    homeostase da glicose, mas atualmente só é possível realizar tratamentos com

    insulina, pois a não existem medicamentos para amilina. Espera-se que com a

    combinação desses dois fármacos seja possível controlar a diabetes usando menos

    insulina, reduzindo o ganho de peso e a hipoglicemia. No caso da obesidade, a

    amilina tem o papel de reduzir o consumo de calorias, por modificar as preferências

    de consumo por alimentos menos calóricos e reduzir o apetite. Além disso, a amilina

    restaura a sensibilidade à leptina, o que aumenta a saciedade e energia, e aumenta

    o uso de energia em repouso, impulsionando a perda de peso.

    Bz068

    Indicações: Imunologia; Artrite Reumatóide.

    O que é: Aborda as principais necessidades médicas da artrite reumatóide, ao

    modificar a história natural da doença, devido ao seu mecanismo de ação exclusivo

    e inovador. BZ068 atua inibindo a migração, invasão e ativação de fibroblastos

    sinoviais, bem como a proliferação de linfócitos T, sem causar imunossupressão. O

  • 41

    BZ068 possui um perfil farmacocinético favorável que possibilita sua administração

    oral. BZ068 adicionaria uma nova e excitante opção de tratamento para artrite

    reumatóide e outras possíveis indicações relacionadas.

    Vantagens clínicas: Indicação com alta necessidade médica, já que as opções atuais

    provocam efeitos colaterais severos e possuem formas de administração

    inconvenientes, além de serem caras no caso dos tratamentos biológicos. Não

    existem muitas drogas antirreumáticas modificadoras de doença (DMARDs) no

    mercado e faltam novos modos de ação, o que oferece um espaço para que o BZ068

    se posicione primeiro.

    Bz371

    Indicações: Disfunção sexual, com foco em disfunção erétil; Desordem de excitação

    feminina é um potencial de indicação futuro.

    O que é: Gel tópico que causa a ereção do pênis ao provocar o aumento da produção

    de óxido nítrico. BZ371 visa os 36% dos pacientes com disfunção erétil não atendidos

    por inibidores de PDE-5 (não respondedores, contraindicados, intolerantes) ou

    pacientes onde um aumento dos efeitos de inibidores de PDE5 é desejável. Devido à

    sua especificidade para o pênis e a permeação ideal, o BZ371 é considerado uma

    opção segura para o tratamento da disfunção erétil.

    Vantagens clínicas: Opção de tratamento envolvendo PDE-5, como o Viagra®, o que

    garantiria um efeito mais prolongado. A eficácia do PDE-5 depende de um endotélio

    intacto na vasculatura do pênis, o que não é a realidade em alguns casos de doenças

    específicas. Assim, o BZ371 atenderia aos pacientes que não respondem ao PDE-5,

    o que representa 36% dos pacientes com disfunção erétil, ou pacientes para os quais

    um aumento dos efeitos do PDE-5 é desejável. Para esses pacientes que não

    respondem ao PDE-5, as outras opções de tratamento existentes atualmente são

    pouco atrativas e pouco eficazes, como injeções dolorosas intracavernosas /

    intrauretrais com efeitos colaterais, ou como prótese peniana definitiva. Os efeitos do

  • 42

    BZ371 também podem ser aplicados em outras áreas terapêuticas, como a doença

    pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) ou a hipertensão pulmonar.

    Status: Esse é o projeto mais avançado em desenvolvimento. Já foi testado em um

    grupo de seis homens e seis mulheres e não causou os efeitos colaterais comuns em

    tratamentos para disfunção erétil. Já possui patente concedida nos EUA e Europa e

    aplicações pendentes no Japão, Coreia do Sul, México, Brasil e Chile.

    Os projetos em andamento se encontram nos estágios de desenvolvimento

    representados na figura 15.

    Figura 15 - Projetos da Biozeus em andamento em 2019. Fonte: Material fornecido

    pela empresa.

    Como vimos na descrição dos projetos, o projeto de tratamento para disfunção

    erétil é o mais avançado do portfólio da Biozeus e o único com as pesquisas da fase

    pré-clínica finalizadas. A expectativa de sucesso com o produto é alta, por apresentar

    vantagens importantes comparado às alternativas de tratamento existentes.

    O tratamento para a diabetes de ação prolongada também está adiantado em

    relação aos demais, mas continua na fase pré-clínica, por isso suas expectativas de

    sucesso ainda não são tão altas quanto as do projeto anterior.

    O sucesso de um desses projetos seria extremamente relevante para a

    Biozeus, pois poderia gerar uma fonte de receita com o out-licensing ou com a

  • 43

    comercialização do produto, além de representar um caso de sucesso que favorece

    a reputação da empresa.

    5. BIOZEUS - INSERÇÃO NO AMBIENTE DE NEGÓCIOS: REDE DE VALOR

    A rede de valor, proposta por (BRANDENBURGER E NALEBUFF, 1996), se

    propõe a mapear como os clientes, fornecedores, concorrentes e complementadores

    se relacionam com a empresa e as interdependências entre eles. Para a empresa, é

    possível visualizar maneiras de aprimorar os relacionamentos e ainda de propor

    novos relacionamentos estratégicos. Uma visualização do modelo é apresentada na

    figura 16.

    Figura 16 - Visualização do conceito de Rede de Valor. Fonte: (NABLEBUFF

    & BRANDENBURGER, 1996).

    Dentro desse mapa, também é possível identificar as cinco forças de mercado

    propostas por Porter. Embora não trate da cooperação como Brandenburger e

    Nalebuff, o estudo das forças de Porter também é muito importante para que a

    empresa visualize maneiras de obter vantagem competitiva em relação a outros

    players.

    Utilizamos essa ferramenta de forma adaptada como base para explicar o

    negócio da empresa, seus drivers de valor e o ecossistema no qual está inserida.

    Utilizando essa análise, podemos entender melhor como a empresa interage com os

    fatores que influenciam seu funcionamento e performance. Esta é uma etapa

    essencial do processo de diagnóstico do negócio estudado.

    Ao falar sobre concorrentes, substitutos e complementares, elaboramos duas

    análises: uma delas com foco nas empresas que concorrem/ substituem/

  • 44

    complementam a Biozeus e outra com foco nos produtos que concorrem/ substituem/

    complementam os fármacos resultantes de projetos que passaram pela Biozeus.

    5.1 LOCALIZAÇÃO

    A localização da Biozeus no Rio de Janeiro não é acidental. O estado possui

    um número considerável de empresas do setor e é considerado um cluster de

    biotecnologia no país. Para entender essa afirmação, precisamos primeiro definir o

    que são clusters.

    Clusters são concentrações de empresas de um mesmo setor ou relacionadas

    de alguma maneira em uma determinada área geográfica. Essas empresas podem

    colaborar umas com as outras ativamente ou podem até mesmo ser concorrentes,

    mas o fato de se agruparem dessa forma gera um ambiente favorável para os

    negócios. Isso ocorre porque o fato de estarem dividindo um mesmo ambiente faz

    com que naturalmente esse ambiente se torne mais qualificado, com o surgimento e

    especialização de universidades, centros de pesquisa, investidores e infraestruturas

    ao seu redor.

    Esse desenvolvimento conjunto fortalece cada vez mais a interação,

    colaboração e competição entre as diferentes empresas e outros atores do local. Por

    todas essas vantagens, é comum que governos queiram incentivar a formação e

    desenvolvimento desses clusters. Isso foi o que aconteceu a partir dos anos 2000 no

    Rio de Janeiro, quando o Estado começou a fomentar o desenvolvimento dessa

    indústria através de financiamentos, com a AgeRio como principal instituição, e

    investimentos.

    Apesar do crescimento da indústria e constituição de um polo relevante de

    biotecnologia no estado, o que percebemos com o nosso estudo da Biozeus é que o

    Rio de Janeiro não é um cluster no sentido clássico da expressão, capaz de suprir

    todas as suas necessidades internamente com a rede de organizações. Em vez disso,

    o estado poderia ser definido como um cluster local internacionalizado, em que as

    trocas com a rede local são fundamentais e relevantes, mas também em que outros

    clusters, empresas ou locais têm um papel significativo para suprir “buracos”

    existentes nessa área.

  • 45

    Nessa organização, a Biozeus atua como gestora de um portfólio de projetos,

    decidindo os melhores projetos e recursos (laboratórios, pesquisadores, materiais),

    assim como a localização desses recursos. Para realizar essas escolhas, a

    experiência e histórico da empresa são novamente diferenciais, pois os gestores já

    têm algum conhecimento prévio sobre legislações, recursos e procedimentos de

    diferentes países ou estados brasileiros.

    Com isso, a empresa consegue se aproveitar do ambiente em que está

    inserida para buscar profissionais e projetos de destaque, ao mesmo tempo em que

    mantém uma interação com o restante do mundo. Essa interação se manifesta na

    Biozeus em dois momentos distintos:

    Durante o desenvolvimento do projeto, a empresa pode optar por realizar parte

    da pesquisa ou mesmo em sua totalidade no exterior. Isso acontece porque

    outros países podem ter um acesso mais fácil a recursos, como materiais,

    pessoas qualificadas e infraestrutura, do que o Brasil. Essa facilidade torna o

    projeto mais ágil e mais barato, portanto é preciso analisar todos os custos

    envolvidos, assim como o custo de oportunidade dessa agilidade maior, para

    decidir o quanto é benéfico levar o projeto para o exterior. Além disso, a

    legislação de um país pode facilitar ou prejudicar o desenvolvimento das

    pesquisas, podendo causar atrasos ou mesmo inviabilizar o projeto. Como a

    legislação brasileira é normalmente burocrática e processos são demorados,

    levar a pesquisa ou parte dela para outro país pode ser uma vantagem não só

    pelos custos e agilidade da pesquisa, como também pelos custos e agilidade

    dos processos administrativos.

    Ao buscar grandes farmacêuticas para realizar o out-licensing de projetos, o

    foco da Biozeus é encontrar uma farmacêutica internacional interessada em

    continuar o desenvolvimento da pesquisa. Apesar de não ser uma limitação a

    empresa ser internacional, a Biozeus acredita que essas farmacêuticas terão

    chances de sucesso maiores com os projetos por todos os fatores descritos no

    tópico anterior. Além disso, empresas internacionais já atuam em muitos

    países, o que aumenta o mercado em potencial a ser alcançado após a

    comercialização dos fármacos.

  • 46

    Assim, vemos que apesar de estar em um cluster de biotecnologia, o contato

    com o mercado e empresas internacionais é extremamente relevante para o modelo

    de negócios da Biozeus funcionar.

    Os agentes regulatórios são uma importante dimensão não-mercado que

    circula a análise da rede de valor. Podemos interpretar essa internacionalização de

    algumas etapas do processo de desenvolvimento como estratégica por toda a

    temática tratada no segundo capítulo deste estudo, onde é explicada a dinâmica de

    regulação da indústria de fármacos e os conflitos entre diferentes órgãos reguladores.

    Em relação ao mercado nacional, é esperado um crescimento grande nos

    próximos anos com o rápido envelhecimento da população, o crescimento da classe

    média e a alta incidência de doenças crônicas no Brasil, o que torna o país cada vez

    mais atrativo para investimentos na área de saúde. Com isso, é esperado um

    interesse maior dos pesquisadores por esse tema, assim como por grandes

    farmacêuticas, o que é benéfico para todos os estágios da atuação da Biozeus.

    5.2 O ECOSSISTEMA DE NEGÓCIOS

    O termo “Ecossistema de Negócios” foi popularizado pelo livro “The Death of

    Competition: Leadership and Strategy in the Age of Business Ecosystems” (MOORE,

    1996). Ele se refere, em geral, a um grupo que contém empresas, clusters

    empresariais, profissionais do segmento e organizações governamentais ou não, com

    foco na interdependência e na cooperação entre essas entidades.

    “Os ecossistemas permitem às empresas não apenas a otimização dos seus

    processos de negócio, mas também enriquecem o processo de concepção e

    desenvolvimento de novos produtos e serviços. Esse fenômeno é chamado “Inovação

    Aberta” (Open Innovation) e foi descrito no livro “Open Innovation: The new imperative

    for creating and profiting from technology” (CHESBROUGH, 2003). No conceito

    “antigo”, de inovação fechada, todas as etapas para a criação de um novo produto e

    serviço aconteciam dentro da empresa (que ficava com todos os eventuais benefícios,

    mas também assumia sozinha os custos e os riscos dessas inovações). No modelo

    de inovação aberta, essas etapas de criação se comunicam com o ecossistema ao

    redor, podendo receber insumos gerados por outras empresas como também

    gerando resultados que podem ser aproveitados por outras empresas. O resultado

  • 47

    global desse processo é compartilhamento de conhecimento e também de riscos, e

    maior velocidade entre o início e o final do processo. ”

    Munroe e Westwind (2008) e Munroe (2016) olham para o ecossistema como

    um organismo dinâmico adaptativo onde um conjunto de elementos (humanos e

    materiais) se inter-relacionam em uma busca comum pela descoberta ou

    desenvolvimento de novos produtos, serviços e processos, assim como de

    empreendimentos que viabilizem sua introdução no mercado. Projetar ecossistemas

    é planejar ambientes que formem e atraiam pessoas com conhecimento, pessoas

    com talentos (criativos e empreendedores) e pessoas com capital, a fim de que se

    misturem e gerem, especialmente, empresas inovadoras com alto potencial de

    crescimento.

    No caso da Biozeus, podemos observar uma série de comportamentos e

    atitudes estratégicas que possibilitam e encorajam o enriquecimento do ecossistema

    de negócios que rodeia a empresa. Entre essas estratégias, destacam-se:

    Foco no core business: Diferente dos fundos de investimento tradicionais, a

    FinHealth é especializada na área de saúde e a Biozeus atua como um braço

    de maior risco focado no desenvolvimento de fármacos. Esse tipo de foco

    possibilita a geração de conhecimento útil e renovável para a empresa, que

    facilita a realização de sua principal atividade, a avaliação de projetos, já que

    o setor de forma geral já é bem conhecido pela empresa, assim como parceiros

    fundamentais para o desenvolvimento dos projetos escolhidos, como

    pesquisadores, entes governamentais e laboratórios;

    Pressões por novas vantagens competitivas: Ao avaliar os projetos para

    escolher prosseguir com seu desenvolvimento ou não, o que a Biozeus busca

    é uma vantagem competitiva do novo fármaco. Em alguns casos essa

    vantagem se dá pela inexistência de opções de tratamento para uma

    determinada doença, assim, o sucesso no desenvolvimento desse fármaco

    criaria uma possibilidade de cura única. Em outros casos, já existem

    alternativas de tratamento, então o novo fármaco deve apresentar alguma