8
VOL. 2 ABRIL/2013 Compartilhando cores, calendários e geografias A diretoria da AGB - Seção Local Curitiba, (gestão 2012-2014) apresenta neste mês de abril seu segundo boletim informativo. No calendário, abril. A cor escolhida, o vermelho. O Abril Vermelho simboliza a atualidade do cerne dos problemas de injustiça, violência e desigualdade no Brasil, a infindável Questão Agrária. Recordamos o Abril Vermelho para nunca nos esquecermos do evento que marca sua data e suas cores: 17 de abril de 1996, Massacre de Eldorado dos Carajás. Recordamos para denunciar a impunidade, e mais ainda, para descortinar a atualidade dos conflitos agrários, da concentração fundiária, das consequências do modelo extrativo primário exportador, do saqueio neocolonial. Recordamos também para mostrar a vivacidade das resistências, das cores do povo, seus calendários e suas geo- grafias, impressas nos territórios da luta pela vida e por um mundo mais humano. Boa Leitura! A Associação dos Geógrafos Brasileiros cobra anualmente uma taxa dos seus associados, que tem por finalidade financiar a entidade. A AGB não se configura como entidade sindical ou de fiscalização, tanto na sua disposição jurídica, quanto na sua prática de atuação. Essas duas naturezas jurídicas, têm por medida de lei, receita obrigatória proveniente de arrecadação junto aos seus representados. A busca por autonomia financeira coloca a AGB numa situação de luta constante por receita que proporcione as condições necessárias de funcionamento da entidade, através da realização de suas atividades e dos Grupos de Trabalho, representação nas Reuniões de Gestão Coletiva da AGB Nacional, manutenção dos meios de comunicação, etc. Essa mesma autonomia, garante à entidade que os membros de sua diretoria não recebam qualquer gratificação financeira por atuarem na AGB. A AGB existe enquanto entidade, pela vontade política de seus associados em defender a Geografia. A história da AGB se confunde com a própria história da Geografia brasileira. São os associados que materializam a entidade, não apenas financeiramente, mas principalmente, politicamente. A AGB é um instrumento de luta dos geógrafos, e com autonomia financeira, construímos todos os dias a autonomia política. Por quê associar-se à AGB? Novo site no ar! A AGB - Curitiba conta, desde o mês de março, com uma nova plataforma virtual. O novo endereço possui banco de dados próprio, e compõe o projeto de aproximação da entidade com a comunidade geográfica, profissionais, estudantes e professores. O site foi programado em software livre, e está hospedado em servidor público, o mesmo utilizado pela AGB Nacional. Acesse: www.agbcuritiba.org.br Acesse: www.agbcuritiba.org.br E siga os procedimentos! Estudantes de qualquer nível e Professores da Educação Básica: R$ 25,00 Professores do Ensino Superior e Profissionais Bacharéis: R$ 50,00

Boletim 02 - Abril/13 - AGB Curitiba

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Boletim informativo da AGB Curitiba (abril/2013)

Citation preview

Page 1: Boletim 02 - Abril/13 - AGB Curitiba

VOL. 2 ABRIL/2013

Compartilhando cores, calendários e geografias

A diretoria da AGB - Seção Local Curitiba, (gestão 2012-2014) apresenta neste mês de abril seu segundo boletim informativo. No calendário, abril. A cor escolhida, o vermelho. O Abril Vermelho simboliza a atualidade do cerne dos problemas de injustiça, violência e desigualdade no Brasil, a infindável Questão Agrária. Recordamos o Abril Vermelho para nunca nos esquecermos do evento que marca sua data e suas cores: 17 de abril de 1996, Massacre de Eldorado dos Carajás. Recordamos para denunciar a impunidade, e mais ainda, para descortinar a atualidade dos conflitos agrários, da concentração fundiária, das consequências do modelo extrativo primário exportador, do saqueio neocolonial. Recordamos também para mostrar a vivacidade das resistências, das cores do povo, seus calendários e suas geo-grafias, impressas nos territórios da luta pela vida e por um mundo mais humano. Boa Leitura!

A Associação dos Geógrafos Brasileiros cobra anualmente uma taxa dos seus associados, que tem por finalidade financiar a entidade. A AGB não se configura como entidade sindical ou de fiscalização, tanto na sua disposição jurídica, quanto na sua prática de atuação. Essas duas naturezas jurídicas, têm por medida de lei, receita obrigatória proveniente de arrecadação junto aos seus representados. A busca por autonomia financeira coloca a AGB numa situação de luta constante por receita que proporcione as condições necessárias de funcionamento da entidade, através da realização de suas atividades e dos Grupos de Trabalho, representação nas Reuniões de Gestão Coletiva da AGB Nacional, manutenção dos meios de comunicação, etc. Essa mesma autonomia, garante à entidade que os membros de sua diretoria não recebam qualquer gratificação financeira por atuarem na AGB. A AGB existe enquanto entidade, pela vontade política de seus associados em defender a Geografia. A história da AGB se confunde com a própria história da Geografia brasileira. São os associados que materializam a entidade, não apenas financeiramente, mas principalmente, politicamente. A AGB é um instrumento de luta dos geógrafos, e com autonomia financeira, construímos todos os dias a autonomia política.

Por quê associar-se à AGB?

Novo site no ar! A AGB - Curitiba conta, desde o mês de março, com uma nova plataforma virtual. O novo endereço possui banco de dados próprio, e compõe o projeto de aproximação da entidade com a comunidade geográfica, profissionais, estudantes e professores. O site foi programado em software livre, e está hospedado em servidor público, o mesmo utilizado pela AGB Nacional.

Acesse: www.agbcuritiba.org.br

Acesse:

www.agbcuritiba.org.br E siga os procedimentos!

Estudantes de qualquer nível e Professores da Educação Básica: R$ 25,00

Professores do Ensino Superior e Profissionais Bacharéis: R$ 50,00

Page 2: Boletim 02 - Abril/13 - AGB Curitiba

Compartilhando Cores, Calendários e Geografias

BOLETIM INFORMATIVO

2

Em 1721, fingindo uma ingenuidade que não ocultava a acidez do sarcasmo, Charles-Louis de Secondat nos perguntou: “Persas? Mas como é possível que alguém possa ser Persa? Há quase trezentos anos que o Barão de Monstesquieu escreveu suas famosas Cartas Persas (Lettres Persanes), e ainda não encontramos a forma de elaborar uma resposta inteligente à mais essencial das questões contidas no itinerário histórico das relações entre os seres humanos. De fato seguimos sem entender que alguém tenha querido ser “persa” e, sobretudo, como se não fosse desproporcional tal extravagância, que persista em sê-lo hoje, quando o espetáculo que o mundo oferece pretende convencer-nos de que somente é desejável e proveitoso ser aquilo que, em termos gerais e artificialmente conciliadores, se acostuma a designar “ocidental” (ocidental de mentalidade, de modas, de gostos, de hábitos, de interesses, de manias, de ideias...), ou, no caso demasiado frequente de não lograr tão sublimes alturas, que seja, pelo menos, bastardamente “ocidentalizado”, tanto faz se esse resultado foi alcançado pela força da persuasão, ou, de forma mais radical, se não houvesse outro remédio, pela persuasão da força. Ser “persa” é ser o estranho, é ser o diferente, em uma palavra, é ser “outro”. A simples existência do “persa” tem sido suficiente para incomodar, confundir, desorganizar, perturbar a mecânica das instituições, o “persa” pode chegar até o extremo inadmissível de desassossegar aquilo de que todos os governos do mundo são mais zelosos, a soberana tranquilidade do seu poder. Foram e são persas os índios do Brasil (aonde os Sem Terra representam agora outra modalidade de “persas”), foram ainda que quase tenham deixado de serem “persas” os índios dos EUA, foram “persas”, em seu tempo, os incas, os maias, os astecas, foram e são “persas” seus descendentes, lá onde viveram ou vivem agora. Existem “persas” na Guatemala, na Bolívia, na Colômbia, no Peru. Também são abundantes os “persas” na dolorida terra mexicana, que foi de onde a câmera interrogadora e rigorosa de Sebastião Salgado trouxe o estremecimento das comovedoras imagens que aqui frontalmente nos interpelam.

E que dizem: Como é possível que os falte, a vocês, “ocidentais” e “ocidentalizados” do Norte e do Sul, do Leste e do Oeste, tão cultos, tão civilizados, tão perfeitos, a pouca inteligência e sensibilidade necessária para compreender, a nós, os “persas” de Chiapas? Disso, realmente, se trataria: de compreender. Compreender a expressão desses olhares, a gravidade desses rostos, o simples modo de estar juntos, de sentir e de pensar juntos, de chorar em comum as mesmas lágrimas, de sorrir o mesmo sorriso, compreender as mãos do único sobrevivente de uma matança, colocadas como asas protetoras sobre as cabeças das filhas, compreender esse rio permanente de vivos e mortos, esse sangue perdido, essa esperança vencida, esse silêncio de quem leva séculos protestando por respeito e justiça, essa ira retida de quem finalmente se cansou de esperar. Quando, há seis anos, as alterações introduzidas na Constituição mexicana, em obediência à “revolução econômica” neoliberal, orientada a partir do exterior e impiedosamente aplicada pelo governo, puseram fim à distribuição agrária e reduziram a nada as possibilidades dos camponeses sem terra de disporem de um pedaço de terra para cultivar, os indígenas acreditaram que poderiam defender seus direitos históricos (ou simplesmente consuetudinários, no caso de se sustentar que as

Fo

to: Seb

asti

ão S

alga

do

Por José Saramago (*)

Page 3: Boletim 02 - Abril/13 - AGB Curitiba

AGB-CURITIBA

3

comunidades indígenas não ocupam lugar na História do México...), organizando-se em sociedades civis que se caracterizavam e continuam se caracterizando, singularmente, pelo repúdio a qualquer tipo de violência, começando pela própria. Essas comunidades tiveram, desde o início, o apoio da Igreja Católica, mas tal proteção de pouco adiantou: seus dirigentes e representantes foram sucessivamente presos, aumentou a perseguição sistemática, implacável, brutal pela parte dos poderes do Estado e dos grandes latifundiários, que mancomunados à sombra dos interesses e privilégios de uns e outros, prosseguiram as ações violentas de expulsão de suas terras ancestrais, e as montanhas e selvas, por vezes foram os únicos refúgios dos deslocados. Lá, entre a neblina mais densa dos cumes e dos vales, germinaria a semente da rebelião. Os indígenas de Chiapas não são os únicos humilhados e ofendidos deste mundo: em todas as partes e épocas, independente da raça, da cor, dos costumes, da cultura, da crença religiosa, o ser humano que nos orgulhamos de ser, soube sempre humilhar e ofender aqueles a quem, com triste ironia, continua chamando de seus semelhantes. Inventamos o que não existe na natureza, a crueldade, a tortura, o desprezo. Por um uso perverso da razão dividimos a humanidade em categorias irredutíveis entre si, os ricos e os pobres, os senhores e os escravos, os poderosos e os fracos, os sábios e os ignorantes, e em cada uma dessas divisões fizemos novas divisões, de forma que possamos variar e multiplicar sem esforço, incessantemente, os motivos para o desprezo, a humilhação e a ofensa.

Chiapas foi, nestes últimos anos, o lugar onde os mais desprezados, os mais humilhados e os mais ofendidos do México foram capazes de recuperar intacta uma dignidade e uma honra nunca definitivamente perdidas, o lugar onde a pesada carga da opressão que dura séculos se despedaçou para dar lugar à vanguarda de uma procissão interminável de assassinados, uma procissão de viventes novos e diferentes, estes homens, mulheres e crianças de agora, que estão reclamando nada mais que seus direitos, não só como seres humanos da humanidade, senão também como os indígenas que querem seguir sendo. Levantaram-se com algumas armas em punho, mas levantaram-se, sobretudo, com a força moral que unicamente a mesma honra e a mesma dignidade são capazes de fazer nascer e alimentar o espírito, ainda que o corpo esteja padecendo a fome e as misérias de sempre sempre.

Do outro lado dos Altos de Chiapas não está apenas o governo do México, está o mundo inteiro. Mesmo que se tenha tentado reduzir a questão de Chiapas a um mero conflito local, cuja solução só poderia ocorrer estritamente na aplicação das leis nacionais (hipocritamente modeláveis e ajustáveis, como se viu mais uma vez, à estratégias e às táticas do poder econômico e do poder político, seu servidor), o que está se julgando nas montanhas de Chiapas e na selva Lacandona ultrapassa as fronteiras mexicanas e alcança o coração daquela parte

Fo

to: Seb

asti

ão S

alga

do

parte da humanidade que não renunciou nem renunciará nunca ao sonho e à esperança, ao simples preceito de uma justiça igual para todos. Como escreveu certo dia essa figura, por muitos motivos excepcionais e exemplar, que conhecemos pelo nome de Subcomandante Marcos, “um mundo onde caibam muitos mundos, um mundo que seja único e diverso”, um mundo, me permito acrescentar, que, para sempre jamais, declara-se o direito inviolável de cada qual a ser “persa” durante o tempo que queira, e não obedecendo nada mais que suas próprias razões... Os maciços montanhosos de Chiapas são, sem dúvida, uma das mais assombrosas paisagens que meus olhos jamais viram, mas também é um lugar onde a violência e o crime protegido dominam.

VOL. 2 ABRIL/2013

Page 4: Boletim 02 - Abril/13 - AGB Curitiba

Fo

to: A

uto

r D

esco

nh

ecid

o

4

Milhares de indígenas, expulsos de suas casas e de suas terras pelo “imperdoável delito” de serem simpatizantes silenciosos ou confessos da Frente Zapatista de Libertação Nacional, estão em acampamentos improvisados onde falta comida, a pouca água disponível está quase sempre contaminada, onde enfermidades como tuberculose, cólera, sarampo, tétano, pneumonia, tifo, malária vão dizimando adultos e crianças, tudo isso perante a indiferença das autoridades e da medicina oficial. Cerca de sessenta mil soldados, nem mais nem menos que um terço dos efetivos permanentes do exército mexicano ocupa atualmente o estado de Chiapas, sob o pretexto de defender e assegurar a ordem pública.

Entretanto, a realidade dos fatos desmente tal justificativa. Se o Exército mexicano protege uma parte dos indígenas, também os arma, instrui, treina e municia. Esses indígenas, geralmente dependentes e subordinados do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que exerce há setenta anos, sem interrupção, um poder praticamente absoluto, são, ainda que não por uma coincidência extraordinária, aqueles que formam os diversos grupos paramilitares constituídos com o único objetivo de realizar o trabalho repressor mais sujo, ou seja, agredir, violar, assassinar aos seus próprios irmãos. Acteal (**) foi mais um episódio da terrível tragédia iniciada em 1492 com as invasões e a conquista. Ao longo de quinhentos anos, os indígenas da Ibero-américa (utilizo intencionalmente essa designação, para não deixar de fora do juízo os portugueses, e depois os brasileiros, seus continuadores no processo de genocídio, que reduziram os três ou quatro milhões de índios existentes no Brasil na época dos descobrimentos a pouco mais de duzentos mil em 1980), esses indígenas caminharam, por assim dizer, de mão em mão, da mão do soldado que os matava à mão do senhor que os explorava, tendo no meioa mão da Igreja Católica que lhes trocou uns deuses por outros, embora não tenha conseguido mudar-lhes o espírito. Quando depois da matança de Acteal começaram a se ouvir no rádio palavras que diziam “Estamos Vencendo”, qualquer pessoa desprevenida poderia pensar que se tratava de

de uma proclamação insolente e provocadora dos assassinos. Ledo engano: essas duas palavras eram uma mensagem de ânimo, um recado de coragem, que unia pelos ares, como um abraço, às comunidades indígenas. Enquanto choravam a seus mortos, outros quarenta e cinco a somar numa lista cinco vezes secular, as comunidades, estoicamente, erguiam a cabeça dizendo uns aos outros “Estamos Vencendo”, porque realmente só pode ter sido uma vitória, e imensa, a maior de todas, sobreviver assim à humilhação e à ofensa, ao desprezo, à crueldade e à tortura. Porque esta vitória é do espírito.

Conta Eduardo Galeano, o grande escritor uruguaio, que Rafael Guillén, antes de se converter em Marcos, veio a Chiapas e falou aos indígenas, mas eles não o compreenderam. “Então se embrenhou na neblina, aprendeu a escutar e foi capaz de falar”. A mesma neblina que impede ver é também a janela aberta ao mundo do outro, o mundo do indígena, o mundo do “persa”... Observemos em silêncio, aprendamos a ouvir, talvez depois, por fim, sejamos capazes de entender. (*) Publicação original: Saramago, José. Chiapas, nombre de dolor y de esperanza. In.: Marcos, Subcomandante. Nuestra Arma es Nuestra Palabra: escritos selectos. Editora Juana Ponce de León. Seven Stories Press: New York, 2001. (**) Localidade mexicana na região de Chiapas. Em 1997 ocorreu uma incursão paramilitar, provocando 45 mortes de indígenas da etnia tzotzil, entre eles crianças e mulheres grávidas.

Compartilhando Cores, Calendários e Geografias

BOLETIM INFORMATIVO

Page 5: Boletim 02 - Abril/13 - AGB Curitiba

5

AGB em MOVIMENTO A denúncia contundente de um processo generalizado de invasão territorial “legalizada” é o foco de três documentos produzidos nas AGB’s de Marechal Cândido Rondon, Rio de Janeiro/Niterói e Diretoria Executiva Nacional (DEN). São três casos que formam parte de um processo maior de apropriação espacial no qual confluem, como mínimo, três elementos: a expansão de um novo modelo extrativo primário exportador alentado pelas consequências da (des)regulação neoliberal; a conivência do Estado no financiamento e na adequação jurídica que permitem essa invasão; e a rearticulação social ao redor de novas e velhas lutas pela terra e pelo território. A AGB seção Marechal elaborou em março de 2013 um manifesto de apoio[*] aos indígenas Avá-Guarani acampados nas periferias da cidade fronteiriça de Guaíra/PR denunciando tanto a falta de compromisso público para resolver um problema de demarcação de terras que permita a esses indígenas voltar a seus territórios de vida, como a hostilidade dos proprietários de terra na região. Expulsos durante a modernização do campo paranaense nos anos 1950, hoje lhes são negados seus direitos territoriais por serem “forasteiros” vindos do Mato Grosso do Sul e Paraguai e por representarem o atraso para a região, segundo o discurso promovido pelas elites locais. Nesse impasse, os direitos sociais dos indígenas são desconsiderados e a tensão social não para de aumentar. A DEN organizou em 2012 uma nota de pesquisa[**] para a revista Terra Livre sobre a situação dos indígenas Kaiowas-Guaraní do Mato Grosso do Sul, após participar da Expedição “Marco Veron” em janeiro desse mesmo ano. A nota é um documento contundente nas informações e nas reflexões sobre a forma em que historicamente, mas com especial ênfase, atualmente, os Kaiowas são impedidos de ocupar suas terras tradicionais. A truculência dos fazendeiros locais e a lentidão conivente dos órgãos públicos reforçam a situação de violência que conforma o cotidiano dos indígenas das seis aldeias visitadas pela expedição. O progresso embutido na expansão da cana-de-açúcar e nas grandes áreas de pastagens serve como álibi de um processo de

expulsão e extermínio, onde os Kaiowás-Guarani são

criminalizados pela sua estratégia de retomada de terras diante da inoperância dos organismos públicos. O autêntico mundo de pernas pro ar. O GT de Assuntos Agrários das AGB’s Rio de Janeiro e Niterói elaborou no último março uma denúncia[***] sobre o processo de salinização das águas e do solo nas comunidades ao redor do Porto do Açu, município de São João da Barra/RJ. Esse megaempreendimento construído pela OBX do empresário Eike Batista omitiu nos seus estudos de impacto ambiental uma consequência das obras que pareceria óbvia e que agora começa a afetar à população local: a salinização. Mediante um estudo em campo, os participantes do GT pôde observar e documentar esses processos e levantar os efeitos na saúde e na redução nas lavouras dos teores elevados de salinidade apresentados nas águas e nas terras. Outra catástrofe não natural que não foi evitada, fruto da apropriação privada de espaços, relações e formas de vida marcadas pelo comunitário. O descaso contra o óbvio, a facilidade com que as leis são contornadas, a falta de informações e de salvaguarda dos direitos das populações que moram no entorno desses empreendimentos de infraestruturas, desses territórios das monoculturas, etc., fazem parte do quadro dos reais impactos provocados pelos projetos de desenvolvimento. Não se trata de uma má gestão ou de uma falha no processo. Os inúmeros atingidos pelo desenvolvimento não podem ser escondidos atrás de uma avaliação de impacto ambiental bem paga e mal feita ou de uma modificação de última hora de uma legislação restritiva. Os problemas do desenvolvimento são os problemas de um sistema social que não funciona. São problemas que se agravam pela voracidade com a qual os que se dizem donos da terra avançam sobre os que vivem plenamente os territórios. E alguém ainda terá o cinismo de vir a público para afirmar que a questão agrária foi superada nesse país!

[*] Disponível em: <http://agb-mcr.webnode.com.br/> [**] Disponível em: <http://www.agb.org.br/2012/documentos/2012/ GuaraniKaiowa.pdf> [***] Disponível em: <http://agb-niteroi.webnode.com.br/news/ saliniza%C3%A7%C3%A3o-das-aguas-e-do-solo-no-a%C3%A7u%3a-crime-ambiental-e-expuls%C3%A3o-da-terra/>

VOL. 2 ABRIL/2013

AGB-CURITIBA

Page 6: Boletim 02 - Abril/13 - AGB Curitiba

6

O Grupo de Trabalho de Educação da AGB Curitiba é aberto a toda comunidade e voltado aos temas relacionados ao ensino da Geografia na educação básica e superior. Está interessado nas discussões sobre políticas públicas, condições de trabalho dx profissional da educação, infra-estrutura, currículo, prática docente, entre outras pautas. O GT surgiu como um meio de articular ações locais em parceria com a população, instituições de ensino, movimentos sociais e outras entidades. Suas atividades iniciaram-se em dez/12 e desde então foram realizados encontros, que contaram com a participação de estudantes da graduação, pós-graduação e professorxs de ensino básico e superior. A pauta das primeiras reuniões esteve relacionada com as condições de trabalho e infra-estrutura nas escolas, a nova proposta de matriz curricular apresentada pela Secretaria de Educação do Paraná e a diminuição da carga horária da disciplina de Geografia no ensino fundamental.

A partir desses encontros xs participantes propuseram algumas ações, como a aproximação com estudantes e professorxs de graduação e pós-graduação em Geografia, aproximação com professorxs e estudantes de ensino básico da rede pública e particular, articulação com grupos de professorxs de outras áreas, construção de uma carta protesto sobre a nova matriz curricular de ensino básico a ser encaminhada à Secretaria de Educação do Paraná, e a produção de um vídeo com o objetivo de chamar a atenção da comunidade ligada à área de educação para as medidas tomadas pelo governo do estado. O vídeo contará com depoimentos de educadorxs e estudantes chamando a atenção para o processo de sucateamento da educação, desvalorização dos professores e a situação do ensino da Geografia no ensino básico e superior. O GT de Educação da AGB Curitiba é um espaço aberto a toda comunidade e se faz através da construção horizontal, por isso convidamos a todas as pessoas interessadas em um novo projeto de educação e na valorização do ensino de Geografia a participar deste movimento.

Fique atento ao site www.agbcuritiba.org.br Para as próximas atividades do GT!

Nas últimas décadas, diversos foram os terrenos onde se ouviu falar sobre o Desenvolvimento Sustentável, desde comerciais de televisão de empresas multinacionais, slogans de organizações ambientalistas e discursos de políticos em campanhas eleitorais, até programas governamentais, políticas ambientais e educacionais, convênios e acordos internacionais. Deste conceito, não existem dúvidas sobre sua popularidade e aceitação. Todavia, os debates e reflexões que o examinaram a partir de pontos de vista múltiplos e diversos não são acessíveis tanto quanto a propaganda que o sustenta. Assim, o Desenvolvimento Sustentável perpetuou-se através

dos anos, suportado pelo marketing ambiental e pela aparência de unir num objetivo comum de todos os seres humanos o interesse, quase celebratório, pelo destino da humanidade. Entretanto, há pouco tempo o termo “economia verde” se apresentou nos meios de comunicação, na academia e, principalmente, na agenda política. Timidamente, sem dizer muito a seu respeito, foi tomando espaço rapidamente, e situando-se ao lado daquelas palavras que já faziam parte do vocabulário do Desenvolvimento Sustentável, às vezes, até confundindo-se com elas. Aparentemente, a Economia Verde têm tomado cada vez mais no imaginário o espaço que pertencia ao Desenvolvimento Sustentável. A Economia Verde surge no contexto da previsão de um futuro pós-petróleo, imaginado desde as estratégias das maiores companhias do mundo dos setores energético, petroquímico, farmacêutico e de biologia sintética. A estratégia dessas corporações transnacionais baseia-se na substituição da extração

Por Otávio Rocha

Compartilhando Cores, Calendários e Geografias

BOLETIM INFORMATIVO

Page 7: Boletim 02 - Abril/13 - AGB Curitiba

Mas se a culpa dos problemas ambientais havia sido atribuída ao “desenvolvimento econômico a qualquer custo”, de que maneira eles serão solucionados com a intensificação da lógica econômica na relação da sociedade com a Natureza? Colocar preço na biodiversidade e nas funções dos ecossistemas, como propõe esta nova economia que se diz “verde”, é a saída para a proteção dos ambientes naturais e da vida das populações mais afetadas com sua degradação? Se a proposta da Economia Verde é transferir a responsabilidade ambiental do planeta para o mercado financeiro, poderemos confiar que este mercado irá regular a conservação das florestas e a redução dos gases de efeito estufa? A Economia Verde se apresenta como uma grande novidade, contudo ela repete, até com mais contundência, a mesma proposta que vem sendo apresentada há muito tempo. Devemos questionar se existe realmente algum interesse das grandes corporações transnacionais que estão nos bastidores da Economia

7

de petróleo pela exploração de biomassa (material biológico que pode servir de matéria-prima para fabricação de produtos de base biológica, ou seja: “cultivos de alimentos e de fibras, gramíneas, resíduos florestais, plantas oleaginosas, algas, etc.).”(*) A produção industrial, dentro do futuro previsto pela Economia Verde, transfere sua dependência dos combustíveis fósseis, para a matéria-prima biológica transformada através de plataformas de bioengenharia de alta tecnologia. O interesse eufórico em torno da exploração da biomassa é alavancado por sua suposta aptidão para solucionar os problemas associados aos câmbios climáticos e emissão de poluentes derivados do petróleo. Entretanto, estas propostas sustentam-se sobre outros interesses relacionados aos atores que as enxergam como o caminho para o controle total da produção energética: “um complemento “verde” para a produção baseada no petróleo ou, possivelmente, a sua substituição num futuro distante.” (*) Os mecanismos da Economia Verde funcionam mediante regulamentação legal, e está associado aos recentes processos de

De fato, a Economia Verde não substitui a ideia de Desenvolvimento Sustentável. Ao contrário, parece querer reanimar um conceito que quase não tem mais vida. Para entender as artimanhas do Desenvolvimento Sustentável enquanto discurso que dá suporte para mecanismos como a Economia Verde, é preciso refletir sobre a própria ideia de desenvolvimento. Aceitá-lo como verdade absoluta ou caminho único e inquestionável da humanidade significa nos posicionarmos de forma a concordar com todos os argumentos que o sustentam, muitas vezes sem compreendê-los inteiramente.

(*) ETC GROUP (Disponível em: http://www.centroecologico.org.br/economiaverde/economiaverde_1.pdf) (**) TERRA DE DIREITOS (Disponível em: http://terradedireitos.org.br/category/biblioteca/publicacoes/)

flexibilização do Código Florestal brasileiro. A demanda por serviços ambientais “será gerada por aqueles que não têm como (ou não querem) cumprir as obrigações de não poluir ou não degradar o meio ambiente, mas que podem “comprar” ou “recompensar” a-queles que contribuem para a preservação.” (**)

Economia Verde, em proteger os recursos naturais e solucionar os problemas ambientais que ameaçam a continuidade da vida humana na Terra, ou se apenas o que lhes interessam é a manutenção da lógica econômica que lhes garante os privilégios que detêm.

VOL. 2 ABRIL/2013

AGB-CURITIBA

Page 8: Boletim 02 - Abril/13 - AGB Curitiba

calendário de eventos geográficos (2013)

8

calendário de eventos geográficos (2013)

XV Encontro Nacional da ANPUR 20 a 24 de maio – Recife/PE

XV SBGFA - Simpósio Brasileiro de Geografia Física Aplicada

08 a 12 de julho - Vitória/ES

II Encontro Nacional e VII Fórum Estado, Capital, Trabalho

21 a 23 de agosto - Aracaju/SE

VI SEET - Seminário Estadual de Estudos Territoriais e I Jornada de Pesquisadores da Questão Agrária

no Paraná 26 e 27 de agosto - Curitiba/PR

XII ENPEG - Encontro Nacional de Práticas de Ensino de Geografia

15 a 19 de setembro -João Pessoa/PB

SINGA - VI Simpósio Internacional de Geografia Agrária e VII Simpósio

Nacional de Geografia Agrária 22 a 26 de setembro - João

Pessoa/PB

X ENANPEGE - Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-

Graduação e Pesquisa em Geografia

07 a 12 de outubro - Campinas/SP

VII Colóquio de Cartografia para Crianças e Escolares

14 a 17 de outubro – São João Del Rey/MG

XIII SIMPURB - Simpósio Nacional de Geografia Urbana

18 a 22 de novembro - Rio de Janeiro/RJ

V Colóquio Nacional do NEER - Núcleo de Estudos em Espaço e

Representações 26 a 30 de novembro - Cuiabá/MT

Por Angelo Menegatti e Otávio Rocha

Compartilhando Cores, Calendários e Geografias

BOLETIM INFORMATIVO

A região do Contestado foi o destino do trabalho de campo realizado pela turma de pós-graduação em Geografia em março desteano. Guiados pelo professor Nilson Fraga, que popularmente já está sendo chamado de quarto monge, adentramos num território silenciado. Silenciado pelas armas e pela história dos vencedores. A Guerra do Contestado, maior guerra civil da história deste país, palco do genocídio de milhares de camponeses, foi um episódio de causas multidimensionais, que pode ser analisado sob diversas perspectivas. Ocorreu nos anos de 1912 a 1916, numa região de disputa de fronteiras pelos estados do Paraná e Santa Catarina, estendendo suas ramificações até o Rio Grande do Sul. A Guerra, que iniciou seu centenário no ano passado, permanece viva na memória e no cotidiano daqueles que vivenciam seus resquícios, sejam eles materiais e simbólicos ou de ordem política, social e econômica.

Convivemos por três d ias com este povo. No passado eram tidos como uma horda de facínoras que ousaram insurgir contra o “progresso”, hoje continuam a serem vistos como atrasados que não “souberam” aproveitar o progresso. O conflito armado que mobilizou dois terços do exército nacional da época, se mantem vivo na saga de um povo que há mais de cem anos segue sendo massacrad o. A luta camponesa continua, enquanto a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande, o grande símbolo desse progresso e objeto da discórdia, continua lá, abandonada, assim como esse povo abandonado e esquecido. Saímos de Curitiba e no decorrer de três dias atravessamos o estado de Santa Catarina, parando em diversas localidades marcadas pela Guerra. Cruzamos o Rio Uruguai e chegamos ao Rio Grande do Sul. A história material do Contestado está desaparecendo, mas seus resquícios continuam vivos. E a nós? O que nos cabe fazer? Esses três dias nos fizeram, nas palavras de Eduardo Galeano, ativar uma glândula que na verdade é bem rara, que se chama consciência e é a que te atormenta todas as noites. A nós, cabe não esquecer a Guerra e principalmente essa gente que sofreu e sofre com ela. (*) Esta reflexão é referenciado pelas impressões de viagem, pelas discussões da disciplina Geografia, Território e Conflito do PPGEO/UFPR e pela vasta obra do Professor Nilson Cesar Fraga sobre o assunto.

Foto: Otávio Rocha