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AERUPÇÃO DOS CAPELINHOS E O VULCANISMO NOS AÇORES JOSÉ MADEIRA Madeira, J. (2007), A erupção dos Capelinhos e o vulcanismo nos Açores. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 16: 29-44. Sumário: As ilhas dos Açores formaram-se por efeito da actividade eruptiva que ocorre desde há cerca de 10 milhões de anos naquela região do Atlântico. A erupção dos Capelinhos, há 50 anos, é um exemplo do modo como a actividade vulcânica contribui para o crescimento das ilhas. Aquele evento vulcânico constitui, todavia, apenas um dos vários tipos de manifestações eruptivas reconhecidas no arquipélago, quer através das descrições coevas das 26 erupções históricas documentadas, quer pelo estudo do vulcanismo anterior ao povoamento preservado no registo geológico. No presente trabalho apresenta-se o enquadramento dos Açores no contexto da tectónica global. Descrevem-se, também, as características do vulcanismo que ocorre no arquipélago, os pro- cessos que controlam o estilo das erupções e a sua localização. Madeira, J. (2007), The Capelinhos eruption and the volcanism in Azores. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 16: 29-44. Summary: The Azores islands were formed by the eruptive activity that occurs in that region of the Atlantic since 10 millon years ago. The archipelago is located in a segment of the Azores- -Gibraltar plate boundary, oblique to the Mid Atlantic rift. The transtensional regime is probably responsible for the magmatism, although the contribution of a mantle plume is also invoked. The Capelinhos eruption, whose 50 th anniversary is commemorated in this issue of the Buletin, provides an example of how volcanism periodically contributes to the growth of the islands. However, the event constitutes just one type of eruptive manifestation among the many that have been documented in the archipelago either in contemporary accounts of the 26 docu- mented post-settlement eruptions, or in the geological record. Two major groups of magmatic events derive from the nature of the magmas. Basalts are related to smaller and mainly effusive eruptions. Hawaiian and strombolian eruptions characterize sub-aerial extrusions. However, the presence of water may increase the volcanic explosivity, with phreato-magmatic manifestations occurring when subterranean water tables intervene, or surtseyan events when the eruptions occur at shallow depths near the islands’ littoral. Trachyte magmas are related to larger eruptive events, with a predominantly explosive nature. Sub-plinian and Plinian magnitude events occur on active central volcanoes. These produce pumice and ash, often associated with or followed by lahars. Sometimes the presence of water generates phreato-plinian phases. Frequently the acidic events end with the formation of domes and thick trachyte coulées.

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A ERUPÇÃO DOS CAPELINHOS E O VULCANISMO NOS AÇORES

JOSÉ MADEIRA

Madeira, J. (2007), A erupção dos Capelinhos e o vulcanismo nos Açores.Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 16: 29-44.

Sumário: As ilhas dos Açores formaram-se por efeito da actividade eruptiva que ocorre desdehá cerca de 10 milhões de anos naquela região do Atlântico. A erupção dos Capelinhos, há 50anos, é um exemplo do modo como a actividade vulcânica contribui para o crescimento dasilhas. Aquele evento vulcânico constitui, todavia, apenas um dos vários tipos de manifestaçõeseruptivas reconhecidas no arquipélago, quer através das descrições coevas das 26 erupçõeshistóricas documentadas, quer pelo estudo do vulcanismo anterior ao povoamento preservadono registo geológico.No presente trabalho apresenta-se o enquadramento dos Açores no contexto da tectónica global.Descrevem-se, também, as características do vulcanismo que ocorre no arquipélago, os pro-cessos que controlam o estilo das erupções e a sua localização.

Madeira, J. (2007), The Capelinhos eruption and the volcanism in Azores.Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 16: 29-44.

Summary: The Azores islands were formed by the eruptive activity that occurs in that region ofthe Atlantic since 10 millon years ago. The archipelago is located in a segment of the Azores--Gibraltar plate boundary, oblique to the Mid Atlantic rift. The transtensional regime is probablyresponsible for the magmatism, although the contribution of a mantle plume is also invoked.The Capelinhos eruption, whose 50th anniversary is commemorated in this issue of the Buletin,provides an example of how volcanism periodically contributes to the growth of the islands.However, the event constitutes just one type of eruptive manifestation among the many thathave been documented in the archipelago either in contemporary accounts of the 26 docu-mented post-settlement eruptions, or in the geological record.Two major groups of magmatic events derive from the nature of the magmas. Basalts are relatedto smaller and mainly effusive eruptions. Hawaiian and strombolian eruptions characterizesub-aerial extrusions. However, the presence of water may increase the volcanic explosivity,with phreato-magmatic manifestations occurring when subterranean water tables intervene, orsurtseyan events when the eruptions occur at shallow depths near the islands’ littoral. Trachytemagmas are related to larger eruptive events, with a predominantly explosive nature. Sub-plinianand Plinian magnitude events occur on active central volcanoes. These produce pumice andash, often associated with or followed by lahars. Sometimes the presence of water generatesphreato-plinian phases. Frequently the acidic events end with the formation of domes and thicktrachyte coulées.

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Há cinquenta anos teve início ao largodo farol dos Capelinhos, a pouca dis-tância da costa, uma erupção subma-rina. Tratou-se da segunda erupçãoa atingir a ilha do Faial em temposhistóricos (neste contexto, conside-ram-se eventos históricos os que ocor-reram após o povoamento). Anterior-mente, em 1672 e 1673, uma erupçãoem terra havia já afectado a regiãoocidental do Faial. Como marcas des-se evento ficaram os cones edificados(Cabeço do Fogo e Picarito), os der-rames lávicos então emitidos (Misté-rios da Praia do Norte e do Capelo), ea mudança de localização das povoa-

ções do Capelo e Praia do Norte par-cialmente atingidas pelos produtosvulcânicos. Outra consequência doevento vulcânico foi um surto de emi-gração de parte da população afecta-da para o Brasil com o consequentedespovoamento daquela região dailha. Esta não era, contudo, a pri-meira erupção no arquipélago após opovoamento, nem seria a última.No presente trabalho trataremos dacaracterização destes eventos geoló-gicos e do modo como eles se enqua-dram nos processos da dinâmica geo-lógica que criou e modifica continua-mente o arquipélago dos Açores.

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José Madeira – Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade deLisboa e LATTEX – Laboratório de Tectonofísica e Tectónica Experimental. Edifício C6,Campo Grande, 1749-016 Lisboa.

Palavras-Chave: Tectónica Global, Açores, estilos eruptivos, erupções históricas.

Key-words: Plate Tectonics, Azores, eruptive styles, historic eruptions.

INTRODUÇÃO

O arquipélago dos Açores localiza-senuma situação geotectónica designa-da Junção Tripla. Nesta região encon-tram-se três das cerca de 15 placastectónicas em que a camada superfi-cial da Terra se encontra dividida: asplacas Norte-Americana, Eurasiáticae Africana.

As placas tectónicas encontram-selimitadas por grandes estruturas geo-lógicas chamadas Fronteiras de Placa.Estas podem ser de três tipos: osRiftes e zonas axiais das DorsaisOceânicas, as Falhas Transformantese Transcorrentes, as Zonas de Sub-ducção e as Zonas de Colisão. No pri-

ENQUADRAMENTO GEOTECTÓNICO DOS AÇORES

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meiro caso (riftes e dorsais oceâni-cas) as placas separadas por esse tipode fronteira afastam-se uma da outraem resultado da injecção de materialmagmático na sua zona axial. Forma--se, assim, nova crosta terrestre – aExpansão dos Fundos Oceânicos –naquelas que são chamadas Frontei-ras de Placa Construtivas ou Diver-gentes. Nas zonas de expansão maislenta, como as que geram os fundosdo Atlântico, as velocidades de expan-são são da ordem de 2 a 3 cm por ano,enquanto que no Oceano Pacíficoexistem dorsais onde é criado fundooceânico a taxas de cerca de 22 cmpor ano. No entanto, ao criar novacrosta terrestre no eixo das dorsaise riftes, é necessário destruir áreaequivalente de superfície terrestre,ou o nosso planeta teria que expandir.A destruição ocorre nas chamadasFronteiras de Placas Destrutivas ouConvergentes, onde o fundo oceânico(mais propriamente a camada externada Terra, com comportamento rígido,a que se chama Litosfera) mergulhasob a placa adjacente e é reciclado nointerior do Manto Terrestre. As estru-turas onde este mergulho se processasão as Zonas de Subducção. Quandoas duas placas em confronto contêmcrosta continental, menos densa e maisespessa que a oceânica, a subducçãodeixa de ser possível e as duas placasdeformam-se, enrugando e elevando--se para formar cadeias de monta-

nhas. É este o caso da cordilheira dosHimalaias resultante da colisão dasplacas Indiana e Eurasiática. Final-mente, o terceiro tipo de fronteirade placas é constituído pelas FalhasTransformantes e Transcorrentes, emque não existe criação nem destruiçãode litosfera. Ao longo destas estru-turas as duas placas deslizam lateral-mente uma pela outra (movimentodesignado desligamento); exemplode uma estrutura deste tipo é a Falhade Santo André na Califórnia.As principais manifestações geológi-cas associadas às fronteiras de placassão sismos e erupções. Nos riftes edorsais oceânicas nova crosta terres-tre é criada por processos vulcânicose sub-vulcânicos. Nestes locais amaior parte das erupções ocorre nofundo do mar e, consequentemente,não é observada. Contudo, esporadi-camente, como na Islândia, as dorsaisemergem e o vulcanismo associadopode ser visto. Outro caso em que istoacontece é dos riftes intra-continen-tais, estruturas que poderão evoluirpara um novo oceano. Tal é a situaçãodo Rifte Oeste-Africano (região dosGrandes Lagos da África Oriental),com todos os seus vulcões activos.Esta estrutura entronca a norte noMar Vermelho e Golfo de Adén (ondeexiste já fundo oceânico formado),constituindo, portanto uma junção tri-pla. Nas zonas de subducção, existetambém importante actividade vulcâ-

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nica. São exemplo deste facto as ca-deias de vulcões da costa oeste ameri-cana (nas cordilheiras dos Andes edas Cascades), ou os arquipélagos daIndonésia, Filipinas, Marianas, Japão,etc.. De facto, a maioria dos mais peri-gosos vulcões da Terra situa-se nestecontexto geotectónico. Nas fronteirastransformantes não existe vulcanismo.As manifestações sísmicas ocorremnos três tipos de fronteira de placa,com sismos superficiais nas fron-teiras construtivas e transformantese sismos superficiais, intermédios eprofundos associados às zonas desubducção e colisão.Na junção tripla dos Açores estão en-volvidas fronteiras de placa constru-tivas e transformantes. A placa Ame-ricana situa-se a oeste do Rifte MédioAtlântico, que a separa das placasEurasiática e Africana. Estas estão,por sua vez, divididas por uma im-portante falha transcorrente – a FalhaAçores-Gibraltar. O local onde estaestrutura encontra o rifte é o PontoTriplo dos Açores.Poderia, então, pensar-se que a acti-vidade vulcânica no arquipélago serelaciona com o Rifte Médio Atlân-tico. No entanto não parece ser este ocaso pois as ilhas não se situam sobreesta estrutura (cuja orientação nosector dos Açores é próxima de Nor-te-Sul), definindo, antes, um alinha-mento oblíquo ONO-ESE que cruza o

rifte. Até há cerca de 10 Ma (milhõesde anos) o troço açoriano da fronteirade placas entre a Eurásia e a Áfricasituava-se a sul da posição actual doarquipélago. As ilhas não existiamentão. Por essa altura o ponto triplocomeçou a migrar para norte, e afronteira entre a Eurásia e a Áfricatornou-se oblíqua à crista média e àdirecção de expansão dos fundosoceânicos (LUÍS et al., 1998). Estaobliquidade e a diferença das taxas deexpansão a norte e a sul do ponto tri-plo (ligeiramente superior a norte)originam um regime tectónico trans-tensivo neste segmento da fronteirade placas. A placa Eurasiática deslo-ca-se para Este, tal como a Africana,mas um pouco mais rapidamente(o movimento diferencial é de cercade 0,3 a 0,5 cm/ano; MADEIRA, 1998).A transtensão manifesta-se por umacomponente de abertura (associada adesligamento) que permite a ascen-são magmática e consequente activi-dade vulcânica no sector açoriano daFalha Transcorrente Açores-Gibraltar.Alguns autores consideram que a estequadro tectónico se junta a acção deuma pluma mantélica (estrutura con-vectiva sub-litosférica que transportamaterial do manto a elevada tempera-tura até zonas pouco profundas ondesofre fusão parcial) que justifica aelevada actividade magmática queaqui se observa.

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Em ambiente intra placa oceânica enas dorsais oceânicas os magmas sãogeralmente de natureza basáltica.Estes magmas caracterizam-se porteores em sílica baixos (40-50%)relativamente a outras composiçõesmagmáticas (designadas intermédiase ácidas). O teor em sílica está tam-bém relacionado com o volume devoláteis (água e gases) dissolvidos nomagma. As lavas mais básicas (basal-tos) são mais pobres em sílica e emfluidos, enquanto que as lavas inter-médias e ácidas apresentam teoresprogressivamente mais elevados desílica e de voláteis. Ambos os aspec-tos constituem os factores intrínsecosao magma mais importantes para ascaracterísticas das erupções. Quantomenor o teor em sílica, menos longase complexas são as moléculas que seformam no líquido magmático emprocesso de cristalização. Este factortorna os magmas básicos mais flui-dos. Pelo contrário, à medida que oteor em sílica aumenta mais comple-xas e longas são as moléculas de sili-catos (a maioria dos minerais queconstituem as rochas magmáticas sãosilicatos) que se formam no líquidomagmático. Por esta razão, os magmasintermédios e ácidos são tanto maisviscosos quanto maior for o teor emsílica. Os voláteis dissolvidos nomagma sofrem exsolução à medida

que o líquido ascende para a super-fície em resultado do decréscimo depressão. Contudo, as bolhas de gásque se formam têm maior dificuldadeem libertar-se quanto mais viscosofor o líquido em que estão contidas.Além disso, quanto mais viscoso foro magma maior o teor em voláteis.A dificuldade em libertar os gasestorna as erupções mais violentas poisa pressão dos gases é o principalmecanismo propulsor do processoeruptivo.Os magmas primários básicos po-dem, contudo, dar origem a líquidosmagmáticos mais ricos em sílica porum processo chamado CristalizaçãoFraccionada. Este mecanismo resultado facto de as rochas vulcânicas seremformadas por minerais com composi-ções variadas e que cristalizam a tem-peraturas diferentes. Os minerais quese formam primeiro, a temperaturasmais elevadas, são os que incluemquantidades menores de sílica na suacomposição e maior quantidade deelementos como magnésio e ferro(olivina e piroxena, por exemplo).Deste modo, ao cristalizar uma dadaquantidade desses minerais, que vãosendo extraídos por decantação gra-vítica, o líquido remanescente adqui-re composição diferente da original,aumentando a concentração dos com-postos e elementos que não são utili-

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MAGMAS, VULCANISMO E ESTILOS ERUPTIVOS

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zados ou que entram em menor pro-porção na composição dos primeirosminerais que se formam. Assim, apartir de um líquido inicial de com-posição basáltica podem produzir-sevolumes significativos de líquidosenriquecidos em sílica. Este processoocorre em câmaras magmáticas e bol-sadas onde os magmas estacionamantes de atingir a superfície. Nos Aço-res este processo é comum nos edifí-cios vulcânicos que atingiram umcerto grau de desenvolvimento. Estesvulcões, formados por numerosaserupções (vulcões poligénicos), de-senvolvem bolsadas pouco profundasonde se acumulam progressivamentelíquidos mais evoluídos, que atingema composição traquítica (um magmaácido).Outros mecanismos, extrínsecos àcomposição do magma, podem igual-mente contribuir para as caracterís-ticas eruptivas. Tal é o caso da pre-sença de água em contacto com omagma. Determinadas proporçõesmagma/água provocam significativoacréscimo de explosividade para umamesma composição magmática.Nas ilhas açorianas encontram-sedois grandes tipos de sistemas vulcâ-nicos: os sistemas fissurais, constituí-dos por pequenos edifícios vulcâ-nicos monogenéticos (formados poruma só erupção) alinhados sobrefracturas ou falhas, e os vulcões dotipo central, poligénicos, construídos

pela acumulação dos produtos vulcâ-nicos de sucessivas erupções.Os sistemas fissurais caracterizam-sepela erupção de magmas básicos. Osvulcões centrais, contudo, apresentamuma evolução das composições dosmagmas ao longo do tempo, desdemagmas básicos numa fase inicial,passando a líquidos magmáticos pro-gressivamente mais evoluídos atéatingir composição traquítica. Duran-te a fase de erupção de magmas áci-dos formam-se caldeiras no topo dosvulcões centrais. Este processo resul-ta do esvaziamento parcial de bolsa-das magmáticas superficiais e do aba-timento da parte central do vulcão,criando uma depressão no cume doedifício. De todos os edifícios cen-trais dos Açores, apenas o vulcão doPico não atingiu ainda este estádio.Quase todas as ilhas do arquipélagoapresentam os dois tipos de sistemasvulcânicos. Em S. Miguel existemquatro vulcões centrais (o conjuntoPovoação/Nordeste, inactivo, e osvulcões activos de Furnas, Fogo eSete Cidades) e um sistema fissuralactivo a ligar os maciços do Fogo aodas Sete Cidades. Na Terceira há omesmo número de sistemas vulcâ-nicos: os vulcões centrais da Serra doCume, Guilherme Moniz (inactivos),Pico Alto e Santa Bárbara (activos),atravessados por um sistema fissuralactivo. A ilha Graciosa é constituídapelo vulcão central da Caldeira, a

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sueste, e por um sistema fissural anoroeste, ambos activos. S. Jorge é aúnica ilha onde não existe um vulcãocentral, sendo formada apenas porum sistema fissural a todo o seucomprimento. O Pico possui o vulcãocentral activo da Montanha do Pico aoeste, o vulcão central inactivo doTopo na região central, e um sistemafissural activo a oriente. No Faialreconheceram-se dois edifícios cen-trais, o vulcão da Ribeirinha, inactivo,e o vulcão da Caldeira ainda activo, edois sistemas fissurais, um na regiãoda Horta, provavelmente activo, eoutro activo na Península do Capelo.A ilha das Flores é um grande maciçovulcânico poligénico com algumaactividade vulcânica pré-histórica,enquanto que a do Corvo é formadapor um único vulcão central prova-velmente inactivo.A erupção de lava de composiçãobasáltica, em ambiente sub-aéreo,caracteriza-se por apresentar baixaexplosividade, sendo o volume prin-cipal dos produtos extruídos consti-tuído por derrames lávicos. Os estiloseruptivos característicos destes even-tos são os que se designam comohavaiano e estromboliano. As erup-ções iniciam-se por fissuras mais oumenos longas, fixando-se, ao fim dealgum tempo, num sector restrito.A acumulação, em torno do centroeruptivo, dos produtos fragmentados(piroclastos) mais grosseiros edifica

um cone. A forma e o número de cra-teras dependem do número de bocascom actividade explosiva. Destasbocas elevam-se jactos de lava geral-mente com algumas dezenas a cente-nas de metros de altura (estilo havaia-no), ou colunas eruptivas mais desen-volvidas que podem atingir 3-4 km dealtura (estilo estromboliano).Os derrames lávicos são geralmenteemitidos por bocas laterais junto àbase do cone e raramente pela cratera.Dada a dimensão das ilhas, os decli-ves geralmente fortes e as elevadastaxas iniciais de efusão da lava, osderrames atingem frequentemente acosta, na maioria das vezes em pou-cas horas.Contudo, estas características alteram--se quanto existe água disponível parainteragir com o magma. As erupçõesem que isto sucede são chamadashidromagmáticas. Estas condiçõesocorrem quer com corpos de águalivre (lagos, mar), quer com águasubterrânea (aquíferos), ou mesmosob calotes glaciares (como na Islân-dia ou na Antártida). Em qualquer doscasos a explosividade aumenta. A va-porização da água em contacto com alava, associada à fragmentação dalava cuja superfície é arrefecida pelocontacto com a água, produzem umamistura de vapor sob pressão e frag-mentos de lava ou de rocha preexis-tente, que origina colunas eruptivascaracterísticas. Estas são marcadas

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pela existência de nuvens convolutasde vapor branco e jactos negros defragmentos rochosos. No caso deocorrer interacção com água subter-rânea, a rocha que separa a zona decontacto da superfície pode ser frag-mentada e os fragmentos projectados,criando uma cratera no chão e umanel de fragmentos rochosos acumu-lados em torno desta. Estes centroseruptivos são designados «maares» econtêm geralmente lagos. As erupçõescom estas características são chama-das freato-magmáticas. Quando ocor-rem a profundidades inferiores a cercade 400 m, as erupções subaquáticas(nos Açores predominantemente sub-marinas) apresentam manifestações àsuperfície. A coluna eruptiva chega àsuperfície e frequentemente a acumu-lação de material piroclástico, maisabundante que nas erupções sub--aéreas, forma um cone que podeemergir originando uma ilha. Esteestilo eruptivo foi consagrado na lite-ratura científica com a designação deerupção surtsiana (do vulcão Surtsey,na Islândia). A erupção dos Capeli-nhos foi deste tipo; Victor HugoForjaz defende que deveria ter dadoorigem à designação de «erupçãocapeliniana» pois antecedeu a doSurtsey e foi estudada por cientistasportugueses e estrangeiros (RIBEIRO

& BRITO, 1957/58; TAZIEFF, 1959;ZBYSZEWKI & VEIGA-FERREIRA, 1959,1962).

A emissão de magmas de composiçãomais evoluída (mugearitos, traquitos)origina, geralmente, erupções alta-mente explosivas. Formam-se colunaseruptivas que atingem altitudes daordem das dezenas de quilómetros, apartir das quais «chove» cinza e lapili(normalmente de pedra-pomes). Estesprodutos de queda podem atapetaráreas extensas com espessuras consi-deráveis de depósitos. Estas são aserupções designadas como plinianas.Frequentemente ocorrem, em asso-ciação, episódios de fluxo piroclás-tico em que materiais piroclásticos egases a elevada temperatura se deslo-cam rente ao solo a grande velocida-de. A interferência com água (subter-rânea ou superficial) incrementa tam-bém a explosividade. São comuns osepisódios hidromagmáticos neste tipode erupção, gerando depósitos de ma-teriais piroclásticos mais finos e ricosem fragmentos de rochas preexisten-tes (fragmentos líticos). Na sequênciade chuvas intensas, potenciadas pelacondensação em torno das partículasfinas que ficam em suspensão naatmosfera, durante e/ou após estaserupções e em resultado da destruiçãoda cobertura vegetal e presença dosprodutos piroclásticos disponíveis àsuperfície, são desencadeadas enxur-radas com elevada viscosidade e capa-cidade de transporte (lahares). Na faseterminal, quando a maior parte dosgases foi consumida, a lava já bastan-

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te desgaseificada perde a sua explo-sividade e origina derrames. Estes,dada a elevada viscosidade destas la-vas, constituem domas (relevos hemi-

esféricos resultantes da acumulaçãode lava sobre a conduta) ou escoadasespessas e curtas (coulées).

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ERUPÇÕES HISTÓRICAS E PRÉ-HISTÓRICAS NOS AÇORES

Desde que se iniciou o povoamentodo arquipélago no século XV, regista-ram-se numerosas erupções nas ilhase na região imersa em torno delas.Foram referenciadas erupções nasilhas de S. Miguel, Terceira, S. Jorge,Pico e Faial e no mar junto ao litoraldestas ilhas ou sobre relevos submari-nos pouco profundos (bancos subma-rinos) na área dos grupos central eoriental. O número de eventos con-siderados tem variado de autor paraautor de acordo com a interpretaçãoque é feita dos documentos coevos,conforme os critérios utilizados nacontabilização e à medida que ocor-rem novas erupções ou são adquiri-dos novos dados.As primeiras publicações indicam en-tre 18 (MACHADO, 1958; ZBYSZEWSKI,1963) e 32 eventos (WESTON, 1963/64). As análises mais recentes(MADEIRA, 1998; 2005) apontam paraa ocorrência registada de 26 erupções(TABELA I). Na realidade muitas ou-tras deverão ter ocorrido, mas asgrandes profundidades existentes emáreas significativas da região dosAçores impedem que as manifesta-ções atinjam a superfície.

Das TABELA I e FIGURA 1, verifica-seque 15 daquelas erupções ocorreramno mar e apenas 11 em terra.Algumas erupções submarinas sãopouco profundas e idênticas à dosCapelinhos. Podem incluir-se nestegrupo as de 1638, 1682, 1720, 1800,1811, 1867 e 1957/58. Estes eventosocorreram junto ao litoral ou no cumede bancos submarinos pouco profun-dos. Tratam-se de erupções surtsianas,caracterizadas pela emissão de jactosde piroclastos e nuvens de vapor, comedificação rápida de cones submari-nos que, ao emergirem, constituemilhas. Estas ilhas são frequentementeefémeras, como sucedeu com as quese formaram em 1638, na erupção de1720 no Banco D. João de Castro, oua que deu origem ao episódio da ilhaSabrina em 1811. Muitas vezes a ero-são marinha arrasa a ilha rapidamente.Note-se que o topo do Banco D. Joãode Castro se encontra actualmente acerca de 10 m de profundidade, o quecorresponde aproximadamente aolimite inferior da acção da ondulaçãomais forte. Noutros casos, o novo edi-fício resiste e origina uma ilha quepermanece durante alguns milhares

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TABELA IERUPÇÕES HISTÓRICAS NOS AÇORES

n.º Ano Localização Estrutura

01 1439/43 S. Miguel Pico do Gaspar – Furnas02 1562/63 Pico Pico do Cavaleiro (actualmente Cabeços do Fogo)03 1563/64 S. Miguel Lagoa do Fogo e Pico do Sapateiro (Pico Queimado)04 1580 S. Jorge Ribeira do Almeida, Queimada e Ribeira do Nabo05 1630 S. Miguel Lagoa Seca – Furnas06 1638 no mar Ao largo da Ponta da Candelária (S. Miguel)07 1652 S. Miguel Picos de João Ramos e do Paio (Pico do Fogo)08 1672/73 Faial Cabeço do Rilha Boi (Cabeço do Fogo) e Pincarito09 1682 no mar Ao largo de Mosteiros (S. Miguel)10 1718 Pico Lomba de Fogo, Cabeço de Cima e Cabeço de Baixo11 1720 Pico Cabeço do Soldão (actualmente Cabeços do Fogo)12 1720 no mar Formou uma ilha no Banco D. João de Castro13 1761 Terceira Pico das Caldeirinhas e Mistério Negro14 1800 no mar Ao largo da Ponta do Topo (S. Jorge)15 1808 S. Jorge Pico do Pedro, Entre Ribeiras e Areias de Santo Amaro16 1811 no mar Ao largo da Ponta da Ferraria (S. Miguel), Ilha Sabrina17 1867 no mar Ao largo da Ponta da Serreta (Terceira)18 1902 no mar Ao largo da Ponta do Topo (S. Jorge)19 1904 no mar A sul da Ponta da Ferraria (S. Miguel)20 1907 no mar Junto à costa sul de S. Miguel21 1911 no mar Banco do Mónaco22 1957/58 Faial Capelinhos e explosões freáticas na Caldeira23 1963 no mar Ao largo do Cachorro (Pico)24 1964 no mar Ao largo a Oeste das Velas (S. Jorge)25 1981 no mar Banco do Mónaco26 1998/01 no mar A WNW da Ponta da Serreta (Terceira)

Retirado de MADEIRA (2005): baseado em MACHADO (1958), ZBYSZEWSKI (1963), WESTON

(1963/64), FORJAZ (1992), QUEIROZ et al. (1995), e relatos coevos (ARAÚJO, 1801; AVELLAR,1902; CANTO, 2001; CORDEIRO, 1981 [1717]; DIAS, 1936; DRUMMOND, 1981 [1846-1864];MACEDO, 1871; MALDONADO, 1989 [1711]; MONTE ALVERNE, 1988 [ca. 1700]; FRUTUOSO, 1978[1583?]; 1981[1583?]; 1987[1583?], 1991 [1583?]).

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de anos; exemplos pré-históricos sãoos cones surtsianos do Ilhéu de VilaFranca do Campo, Ilhéu das Cabrasou Ilhéus da Madalena. Sucede tam-bém a erupção ocorrer tão perto dacosta que o cone recém-formadoacaba por encostar à ilha principal.Exemplos desta situação são os conesdos Capelinhos e Monte da Guia(Faial), Monte Brasil (Terceira),Morro Grande das Velas e Morrodo Lemos (S. Jorge) ou o Morro deCapelas (S. Miguel).Nalgumas situações, como sucedeunos eventos de 1867, 1911 e 1964,apesar de ocorrerem a profundidadesreduzidas (~200 m), as erupções ma-nifestam-se apenas por jactos de águae/ou cheiros sulfurosos.Se as erupções submarinas têm lugara profundidades um pouco superiores

(em torno dos 400 m) as manifes-tações que atingem a superfície sãomuito menos evidentes, podendo facil-mente passar despercebidas. Tal foi ocaso da erupção da Serreta em 1998.Neste evento chegaram à superfícienumerosos blocos ocos de basaltoque flutuavam durante alguns minu-tos, originando plumas de vapor comalguns metros de altura (GASPAR etal., 2000; MADEIRA, 2000). Por vezes,em períodos de maior intensidade, apluma eruptiva submarina, constituí-da por minúsculas partículas de vidrovulcânico e bolhas de gás, afloravadando origem a manchas e descolo-rações à superfície do mar. Relatosde erupções anteriores (ZBYSZEWSKI,1963; WESTON, 1963/64; FORJAZ,1992) são similares às observaçõesfeitas na Serreta o que sugere ter-se

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FIGURA 1 – Localização das erupções históricas no arquipélago dos Açores(numeração de acordo com a da TABELA I); modificado de MADEIRA, 2005.

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tratado de eventos do mesmo tipo.Nestes incluem-se as manifestaçõesde 1800, 1963 e 1981.Quando a profundidade é superior,apenas por métodos indirectos sepode inferir a ocorrência de umaerupção. No caso dos Açores existemtrês relatos de cortes de cabos subma-rinos em 1902, 1904 e 1907; nos trêscasos a recuperação dos cabos parareparação revelou que estes se encon-travam queimados, com a borrachado isolamento derretida ou com mate-rial piroclástico colado, confirmandoas manifestações eruptivas. Segundoo Coronel Afonso Chaves (in ZBYS-ZEWSKI, 1963), nenhuma sismicidadefoi registada durante o evento de1902. Situação parecida ocorreu em1998, quando a rede sísmica, muitomais sensível e numerosa, registouapenas micro-sismicidade ligeira naárea da erupção da Serreta.As erupções basálticas sub-aéreas ca-racterizam-se por manifestações quese enquadram nos estilos havaiano eestromboliano. Normalmente formam--se fontes de lava ou pequenas plumaseruptivas, e derrame de lava. Erup-ções deste tipo constituem a maioriados eventos associados aos sistemasfissurais basálticos nas áreas emersasdas ilhas. Em tempos históricos ocor-reram erupções com estas caracterís-ticas em 1562/63, 1718 e 1720 noPico, 1564 em S. Miguel, 1580 e 1808em S. Jorge, 1672/73 no Faial, e 1761

na Terceira. Tratam-se de eventos queraramente provocam vítimas, emboraexistam registos de mortes na erup-ção de 1672/73 no Faial, onde pelomenos três pessoas pereceram porterem ficado encurraladas pelos der-rames lávicos; há também relatos demortes causadas por asfixia por dió-xido de carbono em zonas deprimidas(depressões naturais ou poços) ondeaquele gás, mais denso que o ar, seacumula; casos destes ocorreram naserupções de 1718 (2 vítimas) e 1808(3 vítimas).No entanto, existem situações em quemesmo as erupções basálticas sub--aéreas podem gerar manifestaçõesmuito perigosas. É o caso de várioseventos que estão documentadosna ilha de S. Jorge, com a formaçãode escoadas piroclásticas basálticas.Eventos deste tipo ocorreram naserupções de 1580 e 1808, tendo pro-vocado mais de duas dezenas de mor-tos. Também se encontram na ilhadepósitos de fluxos piroclásticos deerupções pré-históricas, mostrandoque estas são manifestações recorren-tes na ilha. Uma parte destes eventosdeve-se a actividade freato-magmá-tica (nuvens de surge) ou a colapsogravítico de cones em crescimentoou de escoadas lávicas espessas nasíngremes vertentes da ilha (nuvensardentes).Outro tipo de manifestações está re-presentado por eventos pré-históricos

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que ainda não ocorreram após opovoamento. Trata-se de erupçõesbasálticas freato-magmáticas que ori-ginaram crateras do tipo «maar», fre-quentes na ilha das Flores e emS. Miguel.As erupções associadas a magmas decomposição intermédia encontram-segeralmente associadas a vulcões dotipo central. Em tempos históricosapenas uma erupção envolvendomagmas intermédios foi registada emS. Miguel, mas curiosamente na zonafissural dos Picos. Trata-se do eventode 1652 nos Picos do Paio e JoãoRamos onde uma erupção de curtaduração emitiu bombas, lapili e cin-zas e edificou dois domas de lava vis-cosa (FERREIRA, 2000). Numerosaserupções deste tipo ocorreram na ilhaTerceira, originando os numerososdomas que cobrem as vertentes e in-terior das caldeiras dos vulcões deSanta Bárbara e Pico Alto.As erupções envolvendo magmasácidos são menos frequentes mas demagnitude muito superior. Para alémdos eventos reconhecidos no registogeológico (nos vulcões centrais dasFurnas, Fogo, Sete Cidades, SantaBárbara, Pico Alto, Guilherme Moniz,Graciosa, Faial e Flores), ocorreramjá três eventos em período histórico.Destas erupções, duas tiveram lugarno interior da Caldeira das Furnas(1439/43 e 1630) e outra no vulcãodo Fogo (1563) em S. Miguel.

A primeira, reconhecida com base emtrabalho de campo (QUEIROZ et al.,1995), deu origem ao Pico do Gaspar,localizado entre a lagoa e a povoaçãodas Furnas. Este evento coincidiu como início do povoamento de S. Miguele apenas foi observado na sua fasefinal, durante a qual se formou odoma localizado no interior do conede pedra-pomes. Em 1563 aconteceuoutra erupção traquítica, desta vez noVulcão do Fogo. A erupção originouuma coluna eruptiva de grande dimen-são e, por acção de ventos de oeste,cobriu de cinzas e pedra-pomes todaa região oriental da ilha. Durante seisdias toda a área ficou imersa emescuridão. Registaram-se espessurasde depósitos de 5 m nas áreas maispróximas do centro eruptivo. A erup-ção formou uma cratera com 2 km deperímetro e 400 m de profundidadeque se pensa corresponder à enseadaleste da Lagoa do Fogo. As manifes-tações eruptivas apresentaram carac-terísticas plinianas e freato-plinianas.Em 1630 deu-se a erupção da LagoaSeca, a sul da Lagoa das Furnas.Sismicidade intensa precedeu em seishoras o início da erupção. A explosãoinicial despoletou um escorregamen-to nas arribas de Ponta Garça (COLE

et al., 1995). A emissão de cinzascausou escuridão nos dias que seseguiram ao início da erupção. Osdepósitos de pedra-pomes e cinzascobriram os terrenos com espessuras

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superiores a meio metro para leste deVila Franca. Na região mais próximado centro eruptivo acumularam-secinco a seis metros de espessura.Existem relatos de queda de cinzasdesde Santa Maria às Flores e Corvo.Tal como na primeira erupção, oevento terminou com a edificação deum doma traquítico. As explosõesiniciais, os escorregamentos nas arri-bas litorais da costa sul e algumas es-coadas piroclásticas causaram 150 a300 vítimas na Caldeira das Furnas e

em Ponta Garça. Tratou-se da erupçãomais mortífera nos Açores; contudo,o número elevado de vítimas advémdo facto de haver muita gente acam-pada em torno da Lagoa das Furnaspor se tratar da época de colher a bagade loureiro.Todavia, erupções muito maioresocorreram nas ilhas em tempos pré--históricos e são essas que devem serconsideradas na avaliação do riscovulcânico associado aos vulcões cen-trais dos Açores.

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SÍNTESE

A erupção dos Capelinhos correspon-deu a um dos vários tipos de erupçõesque se conhecem nos Açores. Esseconhecimento advém das descriçõescoevas dos eventos registados desdeo povoamento do arquipélago, mastambém de erupções recentes pré--povoamento que deixaram o seu tes-temunho no registo geológico. Verifi-ca-se que as manifestações de maiormagnitude e perigosidade são as queestão associadas aos vulcões centraiscom emissão de magmas traquíticos.

Estas apresentam a potencialidade deafectar toda uma ilha como se verifi-cou em algumas das erupções histó-ricas de S. Miguel, mas também emerupções pré-históricas no Faial ou nailha Terceira. As manifestações basál-ticas, para além de prejuízos mate-riais e da perturbação temporária dasactividades socioeconómicas, apre-sentam menor perigosidade, emborapossam gerar perigosas e mortíferasescoadas piroclásticas como está do-cumentado em erupções de S. Jorge.

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