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Boletim INFORMATIVO ORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE Gilberto Correia Edição 05 | Setembro 2012 O VETO DE UMA LEI POR INCONSTITUCIONALIDADE PAG 6 DA INADMISSIBILIDADE DE LIBERDADE PROVISÓRIA PAG 7 O PROCESSO-CRIME DE HOMICÍDIO INVOLUNTÁRIO PAG 9 BASTONÁRIO DA ORDEM DOS ADVOGADOS ELEITO VICE-PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE ÁFRICA AUSTRAL PAG 5

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Boletim INFORMATIVOORDEM DOS ADVOGADOS DE MOÇAMBIQUE

Gilberto Correia

Edição 05 | Setembro 2012

O VETO DE UMA LEI POR INCONSTITUCIONALIDADE

PAG 6

DA INADMISSIBILIDADE DE LIBERDADE PROVISÓRIA

PAG 7

O PROCESSO-CRIME DE HOMICÍDIO INVOLUNTÁRIO

PAG 9

BASTONÁRIO DA ORDEM DOS ADVOGADOS ELEITO VICE-PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE ÁFRICA AUSTRAL

PAG 5

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É público que desde princípios de Fevereiro deste ano de 2012 que os conhecidos irmãos Satar (Nini e Ayob) e Vicente Ramaya foram transferidos da Cadeia da BO, onde cumpriam as respectivas penas, para as celas do Comando Polícia da República de Moçambique (PRM) na cidade de Maputo.

Desde então, o que se sabe é que estes (e outros) reclusos estão submetidos a condições de encarceramento cruéis, desumanas e degradantes. Fala-se de maus tratos, de tortura, da privação da assistência familiar, de banhos de sol. Diz-se ainda que são obrigados a dormir no chão húmido e frio ou em jornais. Em adição, estão proibidas visitas familiares (incluindo fornecimento de alimentação, roupas, artigos de higiene, entre outros), o benefício de assistência médica e medicamentosa e a comunicação com os respectivos advogados.

Perante esta situação prisional de horror, o advogado do recluso Vicente Ramaya escreveu ao Procurador-Geral da República (PGR), no dia 10 de Fevereiro de 2012, a solicitar a sua intervenção para que a legalidade fosse resposta. Este pedido não obteve qualquer resposta do ilustre destinatário.

No dia 1 de Março de 2012, o Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique teve uma conversa privada com o PGR na qual solicitou a sua intervenção nesta inaceitável situação Na ocasião, recebeu tendo deste dignitário a garantia de que o assunto já lhe tinha chegado, tinha sido enviado para parecer jurídico do órgão técnico da instituição e que em breve teria uma resposta.

A 27 de Junho de 2012, o mesmo advogado do réu Vicente Ramaya, desesperando por uma resposta ao seu pedido anterior insistiu por escrito junto do PGR, solicitando uma vez mais que se dignasse intervir na reposição da legalidade.

Depois destas insistentes solicitações, eis que o PGR através do seu despacho de 24 de Julho de 2012 determinou que a maior parte das preocupações que lhe foram presente eram da competência do juiz de execução de penas e, na sua falta, do juiz da causa, abstendo-se de intervir naquelas matérias. No que dizia respeito à falta de assistência médica e de acesso a advogados, o PGR orientou a magistrada do Ministério Público (MP) junto da 10ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM) para "promover junto ao Meritíssimo Juiz o que achar conveniente em vista aos direitos dos reclusos".

Foi em face desta promoção do MP, genericamente orientada pelo PGR, que o juiz Dimas Marôa, reconhecendo que um réu em situação de cumprimento de pena não podem pretender ter acesso ao seus advogado como se estivesse em liberdade, determinou que "o réu deve ter acesso ao seu advogado sempre que tal se justifique". Este juiz foi mais longe e recusou-se a aceitar a promoção da magistrada do MP que propunha contactos trimestrais entre réus e seus advogados; esclarecendo a propósito que "a experiência da vida nos ensina que podem ocorrer situações imprevistas que exijam o contacto". O juiz Dimas ordenou ainda, no mesmo despacho, que os reclusos deveriam ter acesso à assistência médica.

Por outro lado, a cidadã Farida Satar, provavelmente cansada da inacção de quem de direito, efectuou uma queixa (n° 16/GPJ/2012) ao Provedor da Justiça. Em face dos indícios de graves ilegalidades nesta contidos, o Provedor decidiu efectuar uma visita de inspecção às celas do Comando da PRM na Cidade de Maputo, acompanhado de um médico legista, onde constatou o seguinte:· Que os reclusos foram alegadamente transferidos por razões de segurança, de ordem pública e por necessidade de reabilitação das celas da BO onde se encontravam.· Que os mesmos não conferenciavam com os seus advogados há mais de 5 meses.· Que não beneficiavam de banhos de sol.

de Direito sem garantir primeiro que a lei, os direitos e os deveres sejam iguais para todos"

" Não há como inibir a extrema violência policial e o aviltamento do Estado

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OAM | EDIÇÃO 5 | SETEMBRO 2012

Autor desconhecido

EDITORIAL BOLETIM INFORMATIVO N° 5

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· Que tinham uma assistência médica deficiente prestada por um técnico de medicina.· Que havia falta absoluta de assistência médica especializada.· Que havia deficiente fornecimento de águas às celas.· Que as mesmas celas tinha condições de arejamento deficientes.· Que alguns reclusos dormiam directamente no soalho frio ou em jornais, para evitarem contacto directo com o chão.

Neste contexto, depois de ouvido o médico que o acompanhou na visita, o Provedor da Justiça concedeu o prazo de 60 dias para as suas recomendações serem cumpridas, a saber: (i) garantir o exercício do direito à assistência jurídica, (ii) garantir assistência médica especializada, pelo menos uma vez por mês, (iii) restabelecer os banhos de sol diários, em período não inferior a uma hora por dia, (iv) garantir a existência de colchões, esponjas ou outro material para permitir que os reclusos não durmam em contacto directo com o chão frio, (v) garantir a melhoria do arejamento das celas e (vi)garantir o melhoria do fornecimento de águas às celas.

Assim, volvidos que foram mais de 7 meses em que os citados arguidos (e outros menos mediáticos num total de 40) estiveram submetidos a estas condições cruéis, desumanas e indignas da pessoa humana, e s depois das intervenções do PGR, do Juiz da 10ª Secção do TJCM e do Provedor da Justiça, a situação no terreno sofreu alguma melhoria. Neste momento, temos informações de que os reclusos adquiriram o direito a ter assistência familiar, banhos de sol, visita médica e visitas familiares de 3 em 3 semanas. Continuam, contudo, privados de acesso ao direito de comunicação com os seus advogados, não obstante as intervenções, recomendações e ordens dos altos dignitários atrás referenciados.

Aqui chegados, e depois deste enquadramento factual, 3 questões clamam pela nossa análise mais aprofundada. Designadamente, a violação dos direitos fundamentais, a privação do direito de comunicação com advogado e, por último, as sistemáticas e impunes violações dos direitos constitucionais dos cidadãos por parte do alto comando da PRM.

Começamos pelas condições prisionais dos reclusos transferidos ou mantidos nas celas do Comando da PRM da Cidade de Maputo. Ninguém ignora que um recluso é um cidadão que está privado de alguns direitos, com especial destaque para a liberdade, em função da pena prisional que cumpre. Mas não lhe está vedado o gozo dos demais direitos fundamentais ou direitos e liberdades que a lei lhe assegura e que não estejam limitados pela própria natureza da pena que cumpre.

Encarcerar um ser humano num local sem arejamento suficiente, privando-o de tomar banhos de sol, colocando-o a dormir no chão frio de uma cela com acesso deficiente à água, mantendo-o lá sem assistência e visitas familiares e, a acrescer a tudo isto, prestar-lhe uma assistência médica altamente deficiente é, previsivelmente, condená-lo a uma morte lenta. Nenhuma pessoa de diligência mediana pode invocar que desconhece que a sujeição da pessoa humana a tão bárbaras e extremas condições de reclusão pode causar graves sequelas físicas e psicológicas, quando não a própria morte.

O horror deste relato das condições impiedosas em que os reclusos se encontram nestas famigeradas celas do Comando da PRM da Cidade de Maputo apontam para a consolidação de uma unidade prisional de extermínio lento dos seus habitantes.

Nesta situação prisional de uma crueldade impressionante estão a ser grosseiramente violados os direitos à vida e à não sujeição a tratamentos cruéis ou desumanos [art. 40°/1 da Constituição da República de Moçambique (CRM)] e o direito à assistência médica e sanitária (art. 89° CRM). E que ninguém nos venha dizer que o facto de alguém estar sujeito a uma pena de prisão arrasta consigo a possibilidade da privação do direito à vida, do direito à saúde e/ou do direito a um tratamento digno de um ser humano.

Ademais, a nossa Constituição impõe que os preceitos constitucionais relativos a direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (art. 43° CRM). Neste domínio, não é preciso ser especialista em direitos humanos para chegar à triste e lamentável conclusão que este tratamento de prisioneiros esbarra com os direitos do Homem consagrados nestes dois importantes instrumentos internacionais, a cuja obediência, a nível dos direitos fundamentais, o Estado moçambicano vinculou-se por via constitucional.

A situação descrita, que atenta contra o próprio Princípio do Estado de Direito (art. 3 CRM), não têm, e nem pode ter, qualquer justificação ou explicação minimamente aceitável num Estado moderno. Constitui um retrocesso civilizacional na forma como o Estado moçambicano trata os seus cidadãos, mormente na forma como tutela o respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos mesmos. Tudo isto é ainda agravado pela sujeição dos reclusos a tão bárbaras condições não resultar de desconhecimento, falta

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de condições ou negligência. Estamos claramente em face de uma actuação voluntária, consciente, dolosa e premeditada dos agentes do Estado envolvidos neste flagelo.

Quanto a nós, só existe um caminho para que o nosso Estado se possa redimir da forma manifestamente violenta como neste caso profanou a Constituição da República: ordenar o imediato encerramento e consequente desmantelamento do "Corredor da Morte" instalado no Comando da PRM da Cidade de Maputo.

Num outro plano, os reclusos continuam a ser impunemente impedidos de terem acesso aos respectivos advogados.

A CRM estabelece a propósito que o patrocínio forense é elemento necessário à administração da justiça (art. 63°/1). Que o Estado garante o direito à assistência jurídica (art. 62°/1) e que o advogado tem o direito de comunicar pessoal e reservadamente com o seu patrocinado, mesmo quando este se encontre preso em estabelecimento civil ou militar (art. 63°/4). Esta ultima norma constitucional está igualmente plasmada ipsis verbis no artigo 64° do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n° 28/2009 de 29 de Setembro.

Mostra-se inequívoco que os réus detidos nas celas do Comando da PRM da Cidade de Maputo estão a sofrer uma grave e prolongada extirpação do direito constitucional de comunicação com os respectivos advogados.

Aliás, o Juiz Dimas Marôa foi peremptório ao determinar que os mesmos réus tivessem acesso aos seus advogados sempre que se justificasse, sem impor limitações de periodicidade.

No mesmo sentido foi o Provedor da Justiça, que nas suas recomendações concedeu um prazo de 60 dias para o Comando da PRM garantir aos reclusos o exercício do direito à assistência jurídica.

Uma nota merecedora de reparo (embora já sem qualquer surpresa do nosso lado) foi o facto do PGR ter levado mais de 5 meses a "analisar tecnicamente" se perante tão clamorosa realidade havia ou não violação dos direitos dos reclusos. Mais custoso ainda foi observar que, depois de tanto tempo de análise técnica, o PGR ao invés de tomar uma decisão pessoal e directa, decidiu instruir a magistrada do MP junto da 10ª Secção do TJCM para promover junto do juiz da mesma secção "o que achar pertinente". Este despacho tímido e tardio é bem demonstrativo da postura receosa que o PGR vêm assumindo em relação aos actos ilegais praticados pelo Comando-Geral da PRM.

Por isso, é de elogiar e aplaudir a postura frontal, directa e de defesa sem hesitações da Constituição da República assumida pelo Provedor da Justiça e pelo juiz Dimas Marôa. Postura profissional assumida em condições tão adversas como parecem ser as que rodeiam este caso.

Não seria de esperar, por exemplo, que o Provedor da República interviesse de forma tão proactiva, rápida e corajosa numa situação tão melindrosa que levou o próprio PGR a protelar ao máximo o cumprimento do seu dever de intervir na reposição da legalidade. E, quando interveio, fê-lo através de orientações genéricas dadas à magistrada do MP junto duma Secção Criminal do TJCM.Nesta linha, está de parabéns o Dr. Ibraimo Abudo. Pois começa bem o seu mandato.

Por último, debruçar-nos-emos sobre as sistemáticas actuações ilícitas do Comando Geral da PRM.Há indícios claros de que se começa a desenhar, no combate a certo tipo de crimes graves ou

julgados graves, uma postura de que esse combate deve ser feito à custa da amputação dos direitos fundamentais e individuais dos cidadãos. Executa-se aqui, na esteira do famoso pensamento de Nicolau Maquiavel, a teoria de que os fins justificam os meios. Dito de outro modo, os fins nobres de combate à criminalidade justificam a excisão de direitos fundamentais e dos direitos humanos dos cidadãos moçambicanos.

Tudo parece indicar que a entidade responsável pela execução desta nova abordagem de combate à criminalidade é o Comando-Geral da PRM, superiormente dirigido pelo Comandante-Geral Jorge Khálau. Enquanto o Comando-Geral da PRM vai-se assumindo casuísticamente como uma entidade supra constitucional, o seu Comandante-Geral vai paralelamente demonstrando que não deve obediência a nada e nem a ninguém - nem à Constituição da República, nem aos juízes, nem ao PGR, nem ao Provedor da Justiça e assim sucessivamente.

Já numa outra ocasião dissemos que haviam indícios que, por força da actuação deste Comandante-Geral da Polícia, estávamos a resvalar de um Estado de Direito para um Estado policial, donde emerge um Comandante-Geral da PRM que ninguém sabe ao certo quais são os limites materiais dos seus superpoderes e nem quem os pode escrutinar ou fiscalizar.

Num curto espaço de tempo, a maior parte dos poderes formais deste país passou a temer opor-se aos actos ilegais do senhor Comandante-Geral da PRM e já quase nenhum destes mesmos poderes consegue impor-lhe o cumprimento da Constituição, da lei ou até impedir que cometa mais ilegalidades e

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SANTO IVO

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violações. Veja-se o que acontece, no caso em apreço, em que um juiz determinou, e o Provedor da Justiça recomendou, que os reclusos tivessem acesso aos seus advogados. Contudo, a privação ilícita desta comunicação mantém-se, impunemente, à semelhança de outros casos recentes, e de má memória, em que estavam envolvidos os mesmos protagonismos.A dicotomia parece ser sempre a mesma: dum lado o alto comando da PRM e doutro a Constituição da República.

Este Comandante-Geral da PRM age a seu livre alvedrio fora do quadro constitucional e reúne poderes de facto para suspender temporariamente direitos constitucionais de certos cidadãos, sem que ninguém eficazmente o possa parar ou exigir-lhe uma actuação condizente com a normalidade constitucional.

O que é facto indesmentível é que num Estado de Direito (que a nossa Constituição da República diz que somos) o combate à criminalidade não pode ser feito à custa da excisão dos direitos fundamentais dos cidadãos - mesmo quando se tratem de cidadãos que prestam contas à justiça. Aliás, a nossa Lei-mãe não abre qualquer possibilidade desta importante função do Estado ser exercida desta forma juridicamente reprovável. Deve ser por isso que o artigo 254°/1 e 3 da CRM impõe que a Polícia, no exercício das suas funções, obedeça escrupulosamente a lei e respeite e proteja os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. Não é o amiúde que acontece. De facto, algo anda mal. Mesmo muito mal!

Olhando para os poderes formais existentes no nosso país, e sobretudo pesquisando aqueles que ainda não foram directa ou indirectamente desafiados ou ignorados pelo Comandante-Geral da PRM, a esperança duma intervenção firme para pôr cobro a esta lamentável e perigosa situação para o Estado de Direito reside no mais alto magistrado da nação: no Chefe de Estado, que é igualmente o garante da Constituição.

Mas o tempo passa, as situações anómalas promovidas pelo Comando-Geral da PRM agravam-se. Entretanto, o Chefe do Estado mantêm-se, em relação a esta factualidade crítica, no mais absoluto silêncio.

É caso para questionar: será esta mais uma daquelas situações em que quem cala consente?

O BastonárioGilberto Correia

Por uma Ordem empreendedora

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ESTADO ACTUAL DAS OBRAS

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A Associação dos Advogados da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC Lawyer's Association) realizou, no dia 25 de Agosto corrente no Hotel Royal Swazi Spa em Ezulwini na Suazilândia, à margem da reunião anual do órgão, a eleição do seu Comité Executivo para o período que vai de Agosto de 2012 a Agosto de 2014. Neste acto, o Bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Gilberto Correia, foi eleito Vice-Presidente desta organização regional de advogados. Gilberto Correia disputou a eleição para o cargo de Vice-Presidente da SADC Lawyer's Association com a Vice-Presidente em funções, a zimbabweana Beatrice Mtetwa; tendo obtido 8 votos favoráveis de entre os 12 países membros que participaram no acto eleitoral.

Com efeito, para o próximo biénio 2012-2014, o Comité Executivo da SADC Lawyer's Association ficará assim composto:

Presidente: Kondwa Chibya (Zâmbia). Vice-Presidente: Gilberto Correia (Moçambique). Tesoureiro: Max Boqwana (África do Sul). 1° Vogal: Maureen Kondowe (Malawi). 2° Vogal: Patrick Mulowayi (República Democrática do Congo).

A SADC Lawyer's Association é uma agremiação regional que congrega a advocacia institucional e individual de 14 países da África Austral e têm como prinicipais atribuições, entre outras, a seguintes: (i) A promoção do Estado de Direito na região da SADC; (ii) A promoção e defesa dos direitos humanos na região, incluindo os direitos de pessoas deficientes, da mulher e da criança; (iii) A garantia que a região é servida por uma advocacia profissional, independente e eficiente e (iv) A promoção da honra e integridade da profissão e da uniformização dos padrões de ética profissional.

BASTONÁRIO DA ORDEM DOS ADVOGADOS ELEITO VICE-PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE ÁFRICA AUSTRAL

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Advogado

Se a lei reexaminada for aprovada por maioria de dois terços, o Presidente da República deve promulga-la e manda-la publicar, ainda que o veto tiver sido por inconstitucionalidade

Se a lei reexaminada for aprovada por maioria dedois terços, o Presidente da República deve promulga-la e manda-la publicar, excepto se o veto tiver sido por inconstitucionalidade

OAM | EDIÇÃO 5 | SETEMBRO 2012

Quando uma lei é aprovada pela Assembleia da República (AR) é enviada ao Presidente da República (PR) para promulgação. O PR pode promulgar ou veta-la. Sendo promulgada a lei está em condições de, após publicação e decurso da vacatio legis, produzir os seus efeitos na ordem jurídica. No caso de veto a lei é devolvida à AR para reexame. Sendo a mesma lei, sem rectificação, aprovada por uma maioria de 2/3 o PR deve promulga-la.O PR pode antes da promulgar ou vetar uma lei s o l i c i t a r a f i s c a l i z a ç ã o p r e v e n t i v a d e constitucionalidade (competência que lhe é exclusiva no ordenamento jurídico moçambicano) ao Conselho Constitucional (CC) havendo suspeita de inconstitucionalidade de uma norma contida na lei.Sendo a norma objecto de apreciação julgada inconstitucional o PR, na sua qualidade de garante da constituição, deve vetar e devolver a lei para o exame da AR. O referido veto visa impedir que normas julgadas inconstitucionais entrem em vigor no ordenamento e produzam os seus efeitos nefastos. Questões que julgamos ser de grande importância s e l e v a n t a m n o â m b i t o d o v e t o p o r inconstitucionalidade e consequente envio para reexame da AR, tendo em atenção que os acórdãos do CC são de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos, instituições e demais pessoas jurídicas, não são passíveis de recurso e prevalecem sobre outras decisões:1. A AR é obrigada a expurgar a norma considerada inconstitucional, ou seja, pode a AR, após o reexame, manter a norma inconstitucional? 2. Qual a posição do PR em caso da lei reexaminada ser aprovada por maioria de 2/3? Deve o PR promulga-la?

Na verdade estamos perante duas normas

O VETO DE UMA LEI POR INCONSTITUCIONALIDADE

constitucionais contrapostas: uma que impõe o dever do PR promulgar uma lei reexaminada e aprovada por maioria de 2/3 e outra que impõe a obrigatoriedade de cumprimento das decisões do CC por todas as pessoas e entidades jurídicas.A questão podia ser tão simples e optarmos pela norma que impõe o cumprimento obrigatório das decisões do CC. Porém ao analisarmos outros ordenamentos jurídicos similares ao nosso, nomeadamente o português onde a situação verifica-se de modo diverso, concluímos que o n.º 04 do artigo 163 da CRM não está devidamente claro.Com efeito, prevê a Constituição da República Portuguesa(http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/home.html) no artigo 279 que a AR pode expurgar ou confirmar uma norma julgada inconstitucional. No caso de confirmação, mediante aprovação por maioria de 2/3 o PR deve promulgá-la.Tal não significa uma perda total. Na verdade perde-se a batalha, não a guerra, pois pode se atacar a posterior a constitucionalidade da norma em causa através da fiscalização sucessiva cujas entidades com legitimidade para solicitá-la são diversas.Oportuno seria no âmbito da revisão constitucional em curso o legislador constituinte clarificar esta situação, mormente rectificando a redacção do n.º 4 do artigo 163 que passaria a ter, segundo a sua opção, uma das seguintes redacções:

ou

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A matéria da liberdade provisória não tem merecido o devido consenso unânime dos juristas em Moçambique. São vários os casos de arguidos libertados provisoriamente, embora indiciados de prática de crimes puníveis com penas superiores a oito anos de prisão maior. São igualmente incontáveis os casos de arguidos aos quais é negada liberdade provisória, embora sejam indiciados de prática de crimes puníveis com pena inferior a oito anos de prisão maior. O artigo 291º do Código de Processo Penal, no seu parágrafo 2º, estabelece que não é admissível a liberdade provisória, devendo efectuar-se a captura daqueles que forem indiciados de terem cometido crime punível com pena superior a oito anos de prisão maior, ou quando, ao crime seja aplicável pena superior a um ano e tiver sido cometido por reincidentes, vadios ou equiparados. Isto é, de acordo com esta disposição do CPP, só é admissível a liberdade provisória nos casos em que ao crime de que o indivíduo vem indiciado for aplicável pena de prisão não superior a oito anos. O p ro b l e m a d a co n s t i t u c i o n a l i d a d e o u inconstitucionalidade do artigo 291º do Código de Processo Penal surgiu com a aprovação da Constituição da República de 1990, onde, pela primeira vez, foi consagrado constitucionalmente o direito de presunção de inocência dos arguidos. A Constituição até então vigente só estabelecia que “na República de Moçambique ninguém pode ser preso e submetido a julgamento senão nos termos da lei” e que “o Estado garante aos arguidos o direito de defesa”. Não havia qualquer referência directa à presunção de inocência. Sobre isto importa referir que duas correntes têm se gladiado num rotativismo cíclico sem que alguma se sobreponha, definitivamente, à outra. Uns entendem que em Moçambique todos os crimes admitem liberdade provisória. Outros partilham da ideia de que há crimes que não admitem liberdade

DA INADMISSIBILIDADE DE LIBERDADE PROVISÓRIA

provisória. Os primeiros sustentam a sua posição baseando-se na ideia de que se alguma lei estabelecer que certo crime não admite liberdade provisória, tal facto constituirá uma violação ao princípio constitucional da presunção de inocência, estabelecido no n.º 2 do artigo 59 da Constituição da República de Moçambique aprovada no ano de 2004 (que corresponde ao número 2 do artigo 98 da já revogada Constituição da República de 1990). Isso porque, segundo o princípio da presunção de inocência, todo o arguido deve ser considerado e tratado como inocente até que ele seja condenado por sentença que já não admita recurso. Se a Constituição da República, que é a lei suprema do Estado, estabelece que os arguidos devem ser considerados e tratados como inocentes até decisão judicial definitiva, será considerada inconstitucional (e por via disso, inaplicável) qualquer norma que contrarie este imperativo constitucional. Entendem estes juristas que ao não se admitir liberdade provisória ao arguido estar-se-á a contrariar o princípio da presunção de inocência, logo, a violar a Constituição. Para estes, a recusa de liberdade provisória, com fundamento na inadmissibilidade desta, equipara-se à presunção de culpa, o que contraria o princípio constitucional da presunção de inocência. Por via disso, qualquer norma que estabeleça que certa infracção não admite liberdade provisória será inconstitucional e os órgãos de justiça devem abster-se de aplicá-la. Esta é, aliás, a posição tomada pela 2ª Secção Criminal do Tribunal Supremo (não temos conhecimento se há juízes deste Tribunal que tenham entendimento diverso), através do Acórdão datado de 23 de Fevereiro de 2000, proferido no processo n.º 214/99 – C, como decisão de um recurso interposto pelo Maulana Shafik Kadiwala, no então afamado processo da “cabeça cortada” de Gonçalves Mpoto, em que inocentou o Maulana com base na insuficiência de indícios sobre a participação deste no crime de que vinha acusado, e, também, por ter considerado inconstitucional o parágrafo 2º do artigo 291º do Código de Processo Penal. Assim, tendo o Tribunal Supremo, por Acórdão, considerado esta norma inconstitucional, os tribunais inferiores deveriam seguir a doutrina do

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Acórdão do Tribunal Supremo. Os segundos, que entendem que há crimes que não admitem liberdade provisória, fundam a sua posição no facto de a inadmissibilidade da liberdade provisória resultar da lei. Isto é, é a própria lei que estabelece que não é admissível liberdade provisória, devendo efectuar-se a captura nos casos de cometimento de crime punível com pena superior a oito anos de prisão maior, ou quando, ao crime seja aplicável pena superior a um ano e tiver sido cometido por reincidentes, vadios ou equiparados.Continuam, dizendo que, o Acórdão do Tribunal Supremo não tem força vobrigatória sobre os demais tribunais inferiores. Estes, com base no princípio da independência, podem proferir decisões contrárias à posição do Tribunal Supremo quanto à matéria da admissibilidade ou não da liberdade provisória. E assim têm feito. A sentença do Tribunal Supremo só seria vinculativa para os tribunais inferiores se assumisse a forma de Assento, que é uma decisão que o Tribunal Supremo toma quando duas ou mais secções deste tribunal proferem decisões díspares sobre a mesma questão de direito. Não é o caso. Ora, o que dizer de tudo isto? A solução não é matemática. Qualquer tribunal

pode recusar a concessão da liberdade provisória com fundamento no parágrafo 2º do artigo 291º do Código de Processo Penal. Nos termos da Constituição da República de Moçambique, no seu artigo 244º, uma lei só pode ser considerada inconstitucional e, por via disso, tornar-se inaplicável, se o Conselho Constitucional assim o declarar. Entendemos que a presunção de inocência, por ser um princípio constitucional, deve ser sempre respeitado pelas normas infra-constitucionais. Isto é, a recusa de concessão de liberdade provisória só será constitucional se o fundamento for comprovado receio de fuga, comprovado perigo de perturbação da instrução do processo caso o arguido esteja em liberdade ou quando, em razão da natureza e circunstâncias do crime, ou da personalidade do delinquente, houver receio fundado de perturbação da ordem pública ou da continuação criminosa. Não havendo qualquer um dos perigos aqui descr i tos, o arguido deve ser l iber tado provisoriamente, porque a liberdade é regra e a prisão excepção, de acordo com a Constituição da República.

Advogado CP n° 460

CONFERÊNCIA OS DESAFIOS DA DE ARBITRAGEM EM MOÇAMBIQUE

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Surge o presente texto na sequência de decisões proferidas pelos nossos tribunais à luz de processos que se debruçam sobre o crime de homicídio involuntário resultantes de acidente estradal, relativamente aos quais o autor, na qualidade de advogado, já teve a oportunidade de, neles, intervir.Realça-se que tudo quanto for objecto de análise, diz respeito a processos que já conhecem o respectivo trânsito em julgado, de tal sorte que o mérito das respectivas decisões é passível de tecedura de comentários, traduzindo-se, dessa forma, tal aspecto insusceptível de censura nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 80 do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), concernente a proibição de pronunciamento público a que o advogado está adstrito “sobre questões profissionais pendentes ou a instaurar perante tribunais”.O cancro da questão principia com os momentos imediatamente a seguir ao acidente estradal nas condições plasmadas no título do presente artigo. Os agentes da PRM agem como se estivessem formatados para efectuarem a detenção do condutor do veículo envolvido no acidente (sublinha-se: envolvido e não causador), i n d e p e n d e n t e m e n t e d o p r o c e d i m e n t o comportamental que a vítima tenha (in)observado, uma coisa é certa e de argumentação inderrubável: o condutor “in casu” não será “exonerado” do respectivo encaminhamento às esquadras policiais, pesem embora relatos de testemunhas que tivessem assistido o embate e transmitido aos agentes da PRM de que, efectivamente, o único culpado da ocorrência do acidente mortal fora o próprio sinistrado transeunte, que, para ulteriores efeitos do presente texto, assumamos que irrompeu inadvertida e imprevidentemente na faixa de rodagem não dando a ínfima possibilidade do condutor do veículo estabelecer uma frenagem no intuito de evitar o embate mortal.

O PROCESSO-CRIME DE HOMICÍDIO INVOLUNTÁRIO POR ACIDENTE DE VIAÇÃO, EM CASO DE CULPA DO SINISTRADO

Mau grado e imaginando-se que o acidente ocorra numa sex ta- fe i ra , depois das 15 :30h, o d e s a fo r t u n a d o d o c o n d u t o r a g u a rd a r á , irremediavelmente, até, na melhor das hipóteses, segunda-feira subsequente para ser “apresentado” ao juiz da instrução criminal (melhor das hipóteses, pois é consabido que o prazo de 48 horas preconizado no corpo do artigo 311 do Código de Processo Penal costuma ser clamorosamente procrastinado em flagrante violação dos direitos e liberdades dos cidadãos, direitos esses merecedores de dignidade constitucional em consonância com o grafado no n.º 2 do artigo 64 da Constituição da República).O aspecto anteriormente salientado, constitui, apenas, o início de um processo que, variadíssimas vezes é deficientemente conduzido, quer na instrução, quer na acusação, quer no despacho equivalente à pronúncia, bem como no julgamento e correspectiva sentença, como adiante iremos demonstrar. E a razão desse desastre jurídico prende-se, unicamente, com um motivo: a superveniência do resultado morte em virtude do acidente estradal causado por veículo.E sequer pode proceder o inconsequente fundamento defendido por alguma Doutrina de que a prisão preventiva, por vezes, tem por finalidade proteger a integridade física do detido. Com todo o respeito por opinião convincente em contrário, aquela acepção é manifestamente contrária à lógica natural das coisas, principalmente no nosso país onde são sobejamente conhecidas as deploravelmente inóspitas condições das nossas Esquadras. Inútil se tornará discutir se uma pessoa, em pleno juízo e gozo das suas faculdades psíquicas e mentais teria predilecção por decidir “alojar-se” nas instalações duma esquadra em detrimento da companhia e afecto do respectivo seio familiar, em razão, imagine-se, dum pretenso perigo à que estaria sujeito por eventuais actos a serem perpetrados por parte dos familiares da vítima, em vir tude de poderem estar animados por sentimentos de vingança e eivados de desejos draconianos.

OÇUMAHC

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T

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Por isso, a detenção do condutor do veículo nas condições descritas no nosso exemplo, constitui, inelutavelmente, uma violência injustificável e, inclusivamente, ignominiosa.É largamente sabido e impassível de controvérsia que a vida do ser humano constitui o bem mais precioso e supremo prevalecente no globo terrestre. Nada se lhe assemelha. Por isso é que, atrelado à perda da vida do sinistrado do acidente estradal sobre o qual se detém o presente artigo, emerge o sofrimento inquantificável dos respectivos familiares e amigos.É justamente a carga emocional que rodeia aquela factologia que, não raras vezes, provoca e estimula o lado sentimental dos tribunais [nas suas faces visíveis que são os juízes], conferindo-lhes um sentimento enternecedor e solidário que lhes orienta para a necessidade de decretar uma sentença que compense, por um lado, a perda da vida humana e, consequentemente por outro, a inconsolável dor, a tor tuosa angústia, a desanimadora tristeza e a dilacerante consternação da família enlutada, arrastando irresistivelmente os juízes a subjugarem o primado da lei em razão de juízos seduzidos por valores “humanísticos”.Ora, nada mais ilegal! O juiz penal deve estrita e escrupulosa obediência a lei, no sentido de que deve a lei traduzir-se no “alfa e o ómega”, na fonte e limite do seu poder de julgar, com vista a almejar-se uma sentença consentânea com o primado da lei, desacompanhada de sentimentos de compaixão.A propósito do que acima se expôs, vale a pena rememorar os sempre actuais ensinamentos do insigne CESARE BECCARIA que verbalizava que “cada homem tem sua maneira própria de ver, e o m e s m o h o m e m , e m d i f e re n t e s é p o ca s, vê diversamente os mesmos objectos. O espírito de uma lei seria, pois, o resultado da boa ou má lógica de um juiz, de uma digestão fácil ou penosa, da fraqueza do acusado, da violência das paixões do magistrado, de suas relações com o ofendido, enfim, de todas as pequenas causas que mudam as aparências e desnaturam os objectos no espírito inconstante do homem. Veríamos assim, a sorte de um cidadão mudar de face ao passar para outro tribunal, e a vida dos infelizes estaria a mercê dum falso raciocínio, ou do mau humor do juiz. Veríamos o magistrado interpretar apressadamente as leis segundo as ideias vagas e confusas que se apresentassem ao seu espírito. Veríamos os mesmos delitos punidos diferentemente, em diferentes tempos, pelo mesmo tribunal, porque, em lugar de escutar a voz constante e invariável das leis, ele se entregaria à instabilidade enganosa das interpretações arbitrárias” (CESARE BECCARIA, Dos Delitos e das Penas, 1764).Significa isto dizer que deve o juiz penal colocar-se

como figura isenta, imparcial, equidistante, devidamente apartado e distanciado dos factos em disputa, de tal sorte que, predominando matéria probatória que, concludentemente assegura que o acidente estradal teve a respectiva causa devido ao compor tamento temerário, displ icente e desprecatado exclusivos do sinistrado, impõe-se que o juiz lance mãos ao manancial de cânones legais que versam sobre a matéria, salvaguardando a bondade e justeza da sentença, totalmente arredada de sentimentos de comiseração e solidariedade para com a tristeza que invadirá a família enlutada – este é o espírito reinante do texto da al. b) do n.º 2 do art. 39 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 11 de Março. Com efeito, no exemplo hipotético que no início fizemos referência (do sinistrado que irrompeu inadvertida e imprevidentemente na faixa de rodagem não dando a ínfima possibilidade do condutor do veículo estabelecer uma frenagem no intuito de evitar o embate mortal), esse factualismo em torno do qual decorreu o acidente faz, indubitavelmente, que se tenha observado o instituto de concurso de culpa do lesado e exclusão da responsabilidade do condutor, nos termos delineados nos artigos 505 e 570 do Código Civil, bem como constituem cláusulas excluidoras da culpa e da ilicitude, nos termos do n.º 6 e 7 do artigo 44 do Código Penal.Refere o n.º 1 do artigo 570 CC que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.E reforçando a ideia vertida no articulado precedente, nos termos do art. 505 do mesmo diploma legal “sem prejuízo do disposto no art. 570, a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do art. 503 só é excluída quando o acidente foi imputável ao próprio lesado ou a terceiro”.Nos termos do n.º 6 do art. 44 do CP “justificam o facto os que praticam um facto cuja criminalidade provem das circunstâncias especiais, que concorrem no ofendido ou no acto…” e o n.º 7 do mesmo artigo estabelece que justificam o facto, em geral, os que tiverem procedido sem intenção criminosa e sem culpa.Como refere STAYLEIR MARROQUIM: culpa é a “omissão de diligência que seria exigível ao agente de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe” (MENEZES LEITÃO, apud STAYLEIR MARROQUIM, A Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais em Moçambique, Almedina,

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Coimbra, p. 91) Vistas as coisas neste prisma – o da ausência da culpa - pois é assim como deve ser visto, o condutor nem chegou a cometer o crime de que é muitas vezes acusado, “pronunciado”, julgado e condenado, pois os elementos tipificadores do crime de homicídio involuntário p.p. pelo art. 368 do C. Penal traduzem-se, indeclinavelmente, na “imperícia, inconsideração, negligência, falta de destreza ou falta de observância de algum regulamento” por parte, in casu, do condutor.Não restam dúvidas de que esses elementos descritos no corpo do artigo 368 do CP, no exemplo ilustrado, não contribuíram para a ocorrência do acidente e consequente resultado mortal. Como se avançou no exemplo “in casu”, o malogrado intromete-se na faixa de rodagem de tal forma que não permite com que o condutor trave a tempo de evitar o acidente, dada a proximidade reflectida entre aquele e a viatura do condutor.Sendo que o crime traduz-se numa acção (ou omissão) típica, ilícita e culposa e definida por lei como tal, não havendo “imperícia, inconsideração, negligencia, falta de destreza ou falta de observância de algum regulamento”, não há crime de homicídio involuntário em virtude de ausência da TIPICIDADE que fixa que só haja um tipo legal de crime se os seus elementos essencialmente constitutivos estiverem preenchidos. Acerca da tipicidade, em anotações ao art. 1 do C. Penal colhe -se que “ é n e c e s s á r i o q u e o comportamento humano coincida formalmente com a descrição feita em norma incriminadora, para que possa integrar uma infracção criminal. A lei formula o quadro de situações da vida real que considera deverem ser incriminadas, assim criando os tipos legais de crime. Adentro deste quadro se manterá o julgador, sem possibilidade de interpretação analógica ou mesmo extensiva, no domínio da incriminação” (MAIA GONÇALVES, Código Penal Português, 2.ª Edição, 1984, p. 7).Infelizmente, vezes há (e não são tão escassas quanto isso) em que falta a necessária coragem ao juiz, em face da visualização de rostos consternados e olhos marejados de lágrimas por parte da família do perecido, de sentenciar a causa de acordo com os ditames propugnados na lei. Há que salientar que o processo penal não é um processo de jurisdição voluntária, pelo que o preceituado na lei deve ser aplicado da forma mais restrita que, ao caso, disser respeito.É, outrossim, curial sublinhar de forma frisante que não se trata de desprezar ou postergar o carácter impar, inigualável, incomparável, único e supremo do bem jurídico VIDA, e tampouco criticar gratuitamente ou deslustrar a magistratura judicial

no que concerne ao tratamento dos crimes aqui objecto de dissertação.Trata-se, isso sim, sob a égide do nosso dever entanto que advogados (enformadores da magistratura cívica), na qualidade de servidores da justiça e do direito (n.º 1 do art. 74 do EOA), proporcionarmos todos os meios ao nosso dispor com o fito de garantir a respeitabilidade do cumprimento das leis e pugnar pela concretização da supremacia das leis sobre quaisquer que sejam postulados de índole social ou cultural que, com aquela, estejam em dissonância.Aliás, como referiu, e bem, MARINHO PINTO, Bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal, no seu discurso solene de abertura do ano judicial de 2011 daquele país, “os advogados defendem os direitos e os interesses legítimos dos cidadãos, dignificam o estado de direito e prestigiam a justiça e os tribunais de que, aliás, são um elemento essencial” (In Revista da Ordem dos Advogados, ano 71, Jan./Mar., 2011, Lisboa, p-7).Portanto, é irreplicável, que o advogado deva agir, sempre, do princípio ao fim, animado por um espírito insaciável no sentido de “pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento das instituições jurídicas”em homenagem aos seus deveres para com a comunidade, estabelecidos na alínea d), do art. 76 do EOA. E, por seu turno,Cabe aos tribunais “administrar a justiça em nome do povo” (art. 1 da Lei n.º 24/2007, de 20 de Agosto – Lei da Organização Judiciária), bem como “garantir e reforçar a legalidade como factor da estabilidade jurídica, garantir o respeito pelas leis, assegurar os direitos e liberdades dos cidadãos…” (n.º 1 do art. 3 da retro citada lei).Por tudo quanto se transvazou no presente texto, reitera-se que, não estando o julgador amparado pela órbita dos processos de jurisdição voluntária, ele é irrecusavelmente compelido a obedecer o cravado na lei, obediência da qual não se deve desarmar. Pois, de modo contrário, enfraquecer-se-á o Estado de direito democrático, amolecer-se-á a estrutura da justiça, descredibilizar-se-ão os tribunais e sepultar-se-á o Direito que tanto se pretende com que enrije e se fortifique com robustez de aço.Não se pode, com o recurso a arbitrariedade contra legem, abreviar o direito do cidadão legalmente estabelecido.

Advogado CP n° 460

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PALESTRA FDUEM

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INHAMBANEPALESTRA ADVOCACIA PARA O AMBIENTE NO DISTRITO DE MABOTETERÇA

PALESTRA NA POLITÉCNICA

PALESTRA CADEIA DE NDJAVELA

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MESAS REDONDAS – PARA AFIRMAÇÃO DA MULHER NA ADVOCACIA

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JOGO DE FUTEBOL

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MAPUTOQUARTA PALESTRA ISCTEM/UDM

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CRIAÇÃO DO GRUPO DE TRABALHO DOS JOVENS ADVOGADOS

MESAS REDONDAS – PARA AFIRMAÇÃO DA JOVEM ADVOCACIA

JOGO DE FUTEBOL: FINAL

QUINTA CONGRESSO PARA A JUSTIÇA

JANTAR DE GALA: 18 ANOS DA OAM E ENTREGA DE CARTEIRAS PROFISSIONAIS

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MAPUTOSÁBADO ASSEMBLEIA GERAL DA UALP

13.09.12

12.09.12

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SOFALA & MANICA JANTARES DE CONFRATERNIZAÇÃO

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PROGRAMA09 A 15 DE SETEMBRO DE 09.12

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13 a 14DE

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Não recebe informação electrónica da OrdemPor favor envie o seu email para:

[email protected] ? FICHA TÉCNICAEdição: OAMDirector: Gilberto CorreiaDirector Adjunto: Laurindo SaraivaCoordenação: Vânia Xavier e Tânia WatyMaquetização: Ramalho Nhacubangane

PARA MAIS INFORMAÇÕES CONTACTE:Av.: Vladimir Lenine, nr 1935 R/C

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BREVES

SEMANA DO ADVOGADODecorrem os preparativos da realização da Semana do Advogado, que promete ser um evento de interesse e impacto, não somente para os membros da Ordem, mas também para todos os actores da administração da justiça.

CURSO DE ENERGIA E DE GESTÃO DE TEMPOEm breve a abertura de duas formações em áreas de grande interesse na actual advocacia, o CURSO DE GESTÃO DE TEMPO E O CURSO DE ENERGIA, ministrado por consultores e professores brasileiros.

Fique atento!

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