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Favorável Veículo: Veja - Caderno: Entrevista - Seção: Não Especificado - Assunto: Política - Página: 13 a 15 - Publicação: 17/04/20 URL Original: Equívocos fatais Equívocos fatais O presidente da Câmara critica duramente o governo, diz que o presidente da república erra feio ao minimizar a pandemia e afirma que o ministro da economia, Paulo Guedes, não é sério. Bolsonaro minimiza a pandemia e Guedes ‘não é sério’, diz Rodrigo Maia O presidente da Câmara critica duramente o governo e ataca o ministro da Economia por 'misturar a cabeça das pessoas' Por Cássio Bruno, Daniel Pereira - 17 abr 2020, 06h00 Cristiano Mariz/. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), está em rota de colisão com o chefe da equipe econômica, Paulo Guedes. O motivo é o seguinte: em meio à pandemia de coronavírus, o “primeiro-ministro”, como o deputado é chamado por colegas, está prevalecendo sobre o “Posto Ipiranga” de Jair Bolsonaro na elaboração de medidas destinadas a atenuar os efeitos econômicos da crise. O mais recente embate entre os dois envolve o projeto de socorro financeiro a estados e municípios. Guedes tachou a proposta defendida pelo parlamentar de bomba fiscal e disse que, se aprovada, teria um impacto de 285 bilhões de reais. Deixando o tom moderado de lado, Maia afirma que o ministro está distribuindo informação falsa à sociedade. E emenda, num ataque frontal: “Ele não é sério. Se fosse sério, não tentaria misturar a cabeça das pessoas”. O deputado também critica o presidente da República, que estaria empenhado em segurar a ajuda financeira a governadores como forma de enfraquecê-los, especialmente aqueles que podem disputar com ele o Planalto em 2022. A seguir os principais trechos da entrevista, concedida por videoconferência, como manda a cartilha em tempos de distanciamento social. Como o senhor avalia a atuação do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia de coronavírus? O presidente minimiza o problema, o que pode ter consequências enormes num país continental como o Brasil. Outro dia, ele disse numa live que teríamos menos mortes com o novo coronavírus do que com a H1N1, o que, em poucas semanas, foi desmentido pelos dados oficiais. O presidente segue a linha daqueles que, em outros países, entenderam que o custo do não isolamento era menor que o custo do isolamento. A diferença é que a maioria dos governantes que seguiram esse caminho já recuou. A postura de Bolsonaro de minimizar a pandemia levou a equipe econômica a demorar muito tempo para se convencer de que o impacto seria grande. Essa postura também provoca conflitos. Que tipos de conflito? Todos os problemas enfrentados pelo presidente são resultado de seu diagnóstico errado. Todos os conflitos partem de uma divergência dele com a maioria da sociedade brasileira. É uma coisa estranha porque parece que o Bolsonaro sai da posição de presidente e fica sendo o comentarista e crítico, como se não tivesse responsabilidade sobre determinada decisão ministerial. Outro dia, a esposa do ministro Sergio Moro postou um apoio a Mandetta e, depois, o apagou. Há um mal-estar não só com o Ministério da Saúde, mas com o segmento mais racional do governo. O senhor disse recentemente que o governo dá coice. Toda vez que você diverge, como ocorreu em relação ao Ministério da Economia, o governo parte para o ataque. Em vez de fazerem um debate transparente e sério, o ministro (Paulo Guedes) e sua equipe passam informações falsas à sociedade em relação ao que deve ser a crise de estados e municípios nos próximos meses. Da forma como Guedes faz, a impressão que dá é que ele quer impor a posição dele — e, numa democracia, isso não existe. Tínhamos uma proposta de como ajudar estados e municípios, fomos convencidos de que parte dela estava equivocada, mudamos o texto e aprovamos uma versão muito equilibrada. Chegou a ponto de ele dizer que o impacto do projeto pode ser de 285 bilhões de reais. Sabe o que significa? Queda de 100% na arrecadação do ICMS e do ISS. Se ele acha que pode ser isso, o que não será nunca, está dizendo que a crise é muito mais grave do que estamos imaginando. Ou seja: ele não é sério. Se fosse sério, não tentaria misturar a cabeça das pessoas. “O ministro Paulo Guedes passa informações falsas em relação à crise de estados e municípios. Ele não é sério. Se fosse sério, não tentaria misturar a cabeça das pessoas”

Bolsonaro minimiza a pandemia e Guedes ‘não é sério’, diz … · foi contra, o presidente não se manifestou e o ministro Paulo Guedes disse que não precisava cortar salários,

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Page 1: Bolsonaro minimiza a pandemia e Guedes ‘não é sério’, diz … · foi contra, o presidente não se manifestou e o ministro Paulo Guedes disse que não precisava cortar salários,

Favorável

Veículo: Veja - Caderno: Entrevista - Seção: Não Especificado - Assunto: Política- Página: 13 a 15 - Publicação: 17/04/20URL Original:

Equívocos fataisEquívocos fataisO presidente da Câmara critica duramente o governo, diz que o presidente da república erra feio ao minimizar apandemia e afirma que o ministro da economia, Paulo Guedes, não é sério.

Bolsonaro minimiza a pandemia e Guedes ‘não é sério’,diz Rodrigo MaiaO presidente da Câmara critica duramente o governo e ataca o ministro daEconomia por 'misturar a cabeça das pessoas'Por Cássio Bruno, Daniel Pereira - 17 abr 2020, 06h00 Cristiano Mariz/.O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), está em rota de colisão com o chefe da equipe econômica, Paulo Guedes. Omotivo é o seguinte: em meio à pandemia de coronavírus, o “primeiro-ministro”, como o deputado é chamado por colegas, estáprevalecendo sobre o “Posto Ipiranga” de Jair Bolsonaro na elaboração de medidas destinadas a atenuar os efeitos econômicosda crise. O mais recente embate entre os dois envolve o projeto de socorro financeiro a estados e municípios. Guedes tachou aproposta defendida pelo parlamentar de bomba fiscal e disse que, se aprovada, teria um impacto de 285 bilhões de reais.Deixando o tom moderado de lado, Maia afirma que o ministro está distribuindo informação falsa à sociedade. E emenda, numataque frontal: “Ele não é sério. Se fosse sério, não tentaria misturar a cabeça das pessoas”. O deputado também critica opresidente da República, que estaria empenhado em segurar a ajuda financeira a governadores como forma de enfraquecê-los,especialmente aqueles que podem disputar com ele o Planalto em 2022. A seguir os principais trechos da entrevista, concedidapor videoconferência, como manda a cartilha em tempos de distanciamento social.Como o senhor avalia a atuação do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia de coronavírus? O presidenteminimiza o problema, o que pode ter consequências enormes num país continental como o Brasil. Outro dia, ele disse numa liveque teríamos menos mortes com o novo coronavírus do que com a H1N1, o que, em poucas semanas, foi desmentido pelosdados oficiais. O presidente segue a linha daqueles que, em outros países, entenderam que o custo do não isolamento eramenor que o custo do isolamento. A diferença é que a maioria dos governantes que seguiram esse caminho já recuou. A posturade Bolsonaro de minimizar a pandemia levou a equipe econômica a demorar muito tempo para se convencer de que o impactoseria grande. Essa postura também provoca conflitos.Que tipos de conflito? Todos os problemas enfrentados pelo presidente são resultado de seu diagnóstico errado. Todos osconflitos partem de uma divergência dele com a maioria da sociedade brasileira. É uma coisa estranha porque parece que oBolsonaro sai da posição de presidente e fica sendo o comentarista e crítico, como se não tivesse responsabilidade sobredeterminada decisão ministerial. Outro dia, a esposa do ministro Sergio Moro postou um apoio a Mandetta e, depois, o apagou.Há um mal-estar não só com o Ministério da Saúde, mas com o segmento mais racional do governo. O senhor disse recentemente que o governo dá coice. Toda vez que você diverge, como ocorreu em relação ao Ministérioda Economia, o governo parte para o ataque. Em vez de fazerem um debate transparente e sério, o ministro (Paulo Guedes) esua equipe passam informações falsas à sociedade em relação ao que deve ser a crise de estados e municípios nos próximosmeses. Da forma como Guedes faz, a impressão que dá é que ele quer impor a posição dele — e, numa democracia, isso nãoexiste. Tínhamos uma proposta de como ajudar estados e municípios, fomos convencidos de que parte dela estava equivocada,mudamos o texto e aprovamos uma versão muito equilibrada. Chegou a ponto de ele dizer que o impacto do projeto pode ser de285 bilhões de reais. Sabe o que significa? Queda de 100% na arrecadação do ICMS e do ISS. Se ele acha que pode ser isso, oque não será nunca, está dizendo que a crise é muito mais grave do que estamos imaginando. Ou seja: ele não é sério. Se fossesério, não tentaria misturar a cabeça das pessoas.

“O ministro Paulo Guedes passa informações falsas em relação à crise de estados e municípios. Ele não é sério.Se fosse sério, não tentaria misturar a cabeça das pessoas”

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O senhor ainda conversa com o ministro Paulo Guedes? O ministro minimizou demais a crise. Em entrevista a VEJA, disseque com 5 bilhões de reais aniquilava o vírus. Eu converso com todos que querem dialogar comigo. É claro que ninguém ficasatisfeito quando diz que diverge da posição do Planalto para votar um projeto e o governo parte para o ataque como se tivessepoder de impor posições, de agredir o Parlamento. Quando você não faz o que o governo quer, é agredido. Há de fato umambiente em torno do presidente que viraliza informações distorcidas e, muitas vezes, ataques morais. Enquanto o Mandettaera querido, ele não tinha adversários, inimigos ou rejeição nas redes sociais. A partir do momento em que passou a enfrentar ogoverno, apareceu uma artilharia de informações distorcidas a respeito dele, ataques organizados.O senhor, que é alvo recorrente dessa artilharia, especialmente do vereador Carlos Bolsonaro, já conversou com opresidente a respeito? Uma vez eu discuti esse assunto com o presidente. Ele disse que não participava disso. Mas o fato éque há uma estrutura organizada de pessoas próximas a ele que desqualifica quem diverge do governo, que não quer ganhar odebate pelas ideias, mas pela imposição da força. A estratégia é a intimidação, para que as pessoas fiquem com medo e seomitam do debate. Mas nos últimos meses, ao contrário de antes, as pessoas estão se manifestando muito mais. A impressãoque tenho é que o presidente vem perdendo apoio porque o diagnóstico dele sobre a pandemia diverge do da maior parte dasociedade.A postura do presidente fez reaparecer nas conversas políticas a palavra impeachment. O senhor é a favor de umprocesso desse tipo? Não posso falar em tese, já que essa é uma decisão que passa pela presidência da Câmara, mas achoque esse assunto não está na ordem do dia. A ordem do dia é resolver os problemas. Se focarmos o impeachment, estaremosatendendo ao interesse do próprio presidente, que quer levar a discussão para o ringue da política, e não para o caminho dasdecisões que vão salvar a vida, o emprego e a renda dos brasileiros mais vulneráveis. O que ele quer é o campo político deconflito.Essa posição será mantida mesmo se o presidente radicalizar ainda mais o discurso? O presidente até agora nãoassinou nenhum documento divergente da posição do Ministério da Saúde. A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou comrecurso contra a decisão do ministro do Supremo Alexandre de Moraes (que reconheceu a autonomia de estados e municípiospara baixar medidas restritivas). O recurso da AGU está no mundo da legalidade, de respeito às instituições. Do ponto de vistaformal, pelo menos por enquanto, não há ato do presidente que divirja do ministério e da Organização Mundial da Saúde. Agora,é um dado da realidade que as idas dele às ruas têm estimulado as pessoas a participar de aglomerações. Só o tempo dirá asconsequências disso.CONTINUA APÓS PUBLICIDADE Qual a opinião do senhor sobre as carreatas de bolsonaristas pela flexibilização do isolamento? Isso é a politizaçãoda crise. Quando o presidente estimula manifestações contra governadores, contra políticos, quer estar no ringue político.Bolsonaro prefere criticar aqueles que divergem dele a tentar encontrar um denominador comum. Eu disse a ministros dogoverno que a crise do coronavírus era uma ótima oportunidade para o governo reconstruir suas pontes com o Parlamento. Nãopodemos esquecer que um pouquinho antes o Congresso derrubou um veto presidencial com impacto fiscal de 20 bilhões dereais. Aquilo demonstrava que, depois de sofrer tantos ataques, o Parlamento reagia. O governo precisa sempre de umadversário ou um inimigo, porque, caso contrário, não consegue estimular suas bases a defender sua posição.Nesse clima, ainda há chance de aprovação da agenda de reformas neste ano? Há espaço para avançar na reformatributária a partir da segunda quinzena de maio, início de junho. Não posso dar uma previsão sobre a reforma administrativaporque o governo ainda não encaminhou a proposta e, com a chegada da pandemia, não encaminhará nas próximas semanas.Mas o mais importante é a gente ter conseguido, e foi o Congresso que tomou a iniciativa, separar o orçamento da crise doorçamento fiscal do governo. Ficou claro que não podemos misturar gasto emergencial de curto prazo com os permanentes.Foi dada uma autorização para que a iniciativa privada corte o salário de seus trabalhadores. Por que não há umamobilização dos três poderes para que ocorra o mesmo com os servidores públicos? Eu fiz essa proposta. O Judiciáriofoi contra, o presidente não se manifestou e o ministro Paulo Guedes disse que não precisava cortar salários, mas apenascongelá-los. Não faz sentido levar adiante esse debate se não houver entendimento dos três poderes. As pressões corporativastambém são muito grandes. Agora, em algum momento esse debate será retomado. Quando todas as ações de enfrentamentoda crise estiverem colocadas, haverá um volume de dívida a ser paga e teremos de discutir como ela será quitada.

“Quando você não faz o que o governo quer, é agredido. Há um ambiente em torno do presidente que viralizainformações distorcidas e, muitas vezes, ataques morais”

O entorno do presidente costuma dizer que o senhor critica o governo porque pretende participar da sucessãopresidencial em 2022. Quem politiza e antecipa a eleição de 2022 é o presidente da República. Se eu estivesse com umaagenda eleitoral na cabeça, não teria ficado até as 2 da manhã votando uma medida provisória que é importante para o Brasil,mas também terá um impacto positivo para o governo. A PEC do Orçamento de Guerra dá condições muito fortes ao governopara intervir na crise. Se eu não tivesse comandado a reforma da Previdência, talvez ela não tivesse sido votada até hoje. Quemacusa é exatamente quem tem apenas as eleições como o objetivo permanente.A resistência do governo ao projeto de socorro financeiro a estados e municípios faz parte desse contexto? Essabriga com a federação é em virtude de 2022. O governo usa este momento de crise para tentar enfraquecer aqueles que

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considera adversários. Um ministro disse a um líder de partido que o presidente e a equipe econômica iam trabalhar para nãodar dinheiro aos estados de São Paulo e do Rio (cujos governadores, João Doria e Wilson Witzel, são cotados como candidatos àPresidência). Os fluminenses e os paulistas votaram maciçamente no Bolsonaro. Independentemente de quem for o governador,se não houver a reposição da receita dos estados, haverá colapso.O senhor é a favor do adiamento das eleições municipais? A questão da prorrogação de mandatos é muito perigosa. Aúltima vez que adiamos uma eleição foi na ditadura militar. Qualquer brecha aberta agora pode gerar no futuro as condiçõespara alguém se perpetuar no poder no Brasil. A prorrogação de um dia que seja vai criar no futuro as condições para quequalquer um invente uma crise e prorrogue o próprio mandato.Publicado em VEJA de 22 de abril de 2020, edição nº 2683

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