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Dados versão impressa ISSN 0011-5258 Dados v. 39 n. 3 Rio de Janeiro 1996 http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52581996000300002 Brasil e Mundo na Virada do Século* Helio Jaguaribe INTRODUÇÃO O presente estudo constitui um breve intento de estimar as mais prováveis macrotendências do mundo contemporâneo e do Brasil no horizonte da virada do século. Contém, inicialmente, algumas considerações a respeito do problema da previsibilidade e das possibilidades de uma prospectiva razoavelmente dotada de capacidade elucidatória de futuros mais prováveis. Depois, uma seção em que tento analisar como provavelmente se delineará o quadro do mundo na virada do século, e na verdade a virada do século é amanhã, é algo que quase não é mais futuro. Por último, farei uma análise das prováveis posições do Brasil nesse futuro tão próximo. INTERESSE PELO FUTURO O interesse pelo futuro tem um grande passado e está ligado às mais antigas civilizações. Entre as características que marcam a emergência da

Brasil e Mundo Na Irada Do Século

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DadosversoimpressaISSN0011-5258

Dadosv. 39n. 3Rio de Janeiro1996

http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52581996000300002

Brasil e Mundo na Virada do Sculo*Helio Jaguaribe

INTRODUOO presente estudo constitui um breve intento de estimar as mais provveis macrotendncias do mundo contemporneo e do Brasil no horizonte da virada do sculo. Contm, inicialmente, algumas consideraes a respeito do problema da previsibilidade e das possibilidades de uma prospectiva razoavelmente dotada de capacidade elucidatria de futuros mais provveis. Depois, uma seo em que tento analisar como provavelmente se delinear o quadro do mundo na virada do sculo, e na verdade a virada do sculo amanh, algo que quase no mais futuro. Por ltimo, farei uma anlise das provveis posies do Brasil nesse futuro to prximo.

INTERESSE PELO FUTUROO interesse pelo futuro tem um grande passado e est ligado s mais antigas civilizaes. Entre as caractersticas que marcam a emergncia da civilizao no mundo, no trnsito do Neoltico para a Revoluo Urbana e os assentamentos civilizatrios da Mesopotmia e do Egito, est a obsesso do homem, desde aquele primeiro momento, de tentar desvendar o futuro, atravs de processos que, segundo a poca histrica e a cultura, pareciam adequados.

No vou fazer uma histria da prospectiva pr-cientfica, o que seria interessante, mas estranho ao objeto imediato deste estudo. Mas, lembrando a fase relativamente mais recente, que a romana, chamaria a ateno para o fato de que aquele povo, extremamente prtico, que deu a mais extraordinria demonstrao de capacidade organizatria e administrativa de toda a histria da Humanidade os imprios contemporneos ficam infantis comparados ao Imprio Romano , tinha a obsesso da previso do futuro atravs de processos que eram praticados at j avanada a Repblica. Vem a prtica divinatria, portanto, desde o perodo da Roma monrquica at, digamos, o tempo de Ccero, quando essa prtica comea a ser objeto de crtica. O prprio Ccero diz que um Augrio no podia olhar para o outro sem ambos rirem, porque ele j se dava conta de que havia uma total impostura na idia de augrios. A verdade, entretanto, que o Colgio dos Augrios era uma instituio fundamental, a ser consultada para o comeo de qualquer coisa. A palavra "inaugurar" significa que o augrio inicialmente justifica o incio de uma ao"in augurius".

Os romanos tinham dois grandes tipos de adivinhao do futuro supostamente vlidos: aquele que eles herdaram dos etruscos, que era o haruspicius o exame das entranhas de certos animais , e aquele que era dotado de mais credibilidade e qual se dedicava particularmente o Colgio dos Augrios, que eram os vriosauspicia. O principal deles eram osauspicia avibus, forma pela qual, em determinado momento, se observava o vo de pssaros, com toda uma codificao do que significava, se o bando ia para um lado ou para o outro. Oauspiciusromano no era, como um pouco a nossa prospectiva, voltado para cenrios macroscpicos, de relativo longo prazo. Ele se voltava para o provvel resultado de uma certa ao:" vamos comear uma guerra, vamos ganhar ou perder?" Assim como osauspicia avibus, havia vrios outrosauspiciaatravs das estrelas:auspicius coelo; atravs das galinhas sagradas:auspicius pullarisetc.

Havia, finalmente, outro tipo de capacidade de previso, que era o da Pitonisa. A idia de que o grande deus do futuro, Apolo, atravs dos seus orculos, o mais clebre dos quais era o de Delfos, iluminava a Pitonisa e permitia que ela predissesse o que ia acontecer. surpreendente como a Pitonisa tinha uma extraordinria lucidez analtica. Hoje ela seria, obviamente, uma excelente cientista poltica. Ela tinha a linguagem suficientemente elptica para servir para vrias alternativas.

interessante referir tambm os Livros Sibilinos, que tinham uma antiguidade mal conhecida. Supe-se que viessem de Cuna e que continham, de uma forma muito mais crtica do que a da Pitonisa de Delos, indicaes sobre o futuro romano.

FUTURO E PROSPECTIVAEssas formas antigas de prospectiva esto substitudas, em nosso tempo, por uma prospectiva com aspiraes cientficas. Uma prospectiva razovel costuma limitar seu horizonte de previsibilidade a 20, 25 anos. Acima disso, a prospectiva comea a no ter possibilidades de fundamentao razovel. Isto porque as variveis como a seguir terei a oportunidade de mencionar esto submetidas a rupturas parametrais, de sorte que toda projeo a muito longo prazo inevitavelmente encontra, na sua efetiva realizao, obstculos totalmente distintos daqueles que se supunham na ocasio da prospectiva.

O que me parece interessante considerar um conceito que eu j venho formulando h algum tempo, a respeito da estrutura da Histria e da formao do futuro, apresentando este ltimo como resultado da interveno de quatro fatores: dois de carter estrutural e dois de carter conjuntural.

O que que tende a acontecer no momento subseqente quele em que nos encontramos? Tende a acontecer algo que decorre, em primeiro lugar, da continuidade das grandes tendncias estruturais, algumas delas dotadas de elevada taxa de previsibilidade. Talvez a mais previsvel dentre elas seja a demogrfica, em que as curvas obedecem no somente a uma certa taxa, mas tambm a uma modificao de taxa razoavelmente previsvel, desde que no se extrapole a prazo demasiado longo.

As tendncias estruturais compreendem outros aspectos daquilo que eu chamaria de seqncias suscetveis de serem observadas no espao, seqncias tangveis e mensurveis: demografia, PIB e fatores semelhantes. Esses so os fatores reais.

Outros fatores estruturais que configuram o futuro so os fatores ideais, aquilo que Ortega chamava de idias e crenas, ou seja, em um determinado momento, o conjunto de concepes do mundo de uma determinada cultura e, dentro dessas concepes, as idias especficas a respeito de toda sorte de coisas. A tambm observaremos que a estrutura das crenas e das idias se modifica com uma certa lentido: ela no contnua, mas submetida a modificaes paradigmticas. Isso, no obstante, tem prazos de validade razoavelmente longos. Assim sendo, os fatores estruturais, de carter real e ideal, permitem projees quantitativas no-arbitrrias dotadas de certa significao.

Entretanto, tudo o que ocorre no mundo e no tempo est submetido a uma outra ordem de fatores, que so os fatores conjunturais. E a entram a liberdade humana e o acaso. Dadas uma certa tendncia econmica e uma certa tendncia ideolgica, os indivduos tm, diante das mesmas, atuaes distintas. Eventualmente a ao individual, contrariando essas tendncias, pode alterar a marcha das mesmas. A liberdade humana tem, assim, uma importncia conjunturalmente grande relativamente s tendncias estruturais.

H um outro fator, entretanto, que complica ainda mais a possibilidade de previso especfica do futuro: o acaso. Este o quarto fator que eu mencionaria. Consiste na disposio aleatria em que, em determinado momento e lugar, os outros trs fatores esto se inter-relacionando. Os fatores estruturais so previsveis, mas entra a liberdade humana que altera, dentro de certa margem, a marcha das coisas. E intervm o acaso, pela presena ou no de certas pessoas em determinado lugar, pelo fato ou no de as pessoas estarem ou no com determinada disposio. H muitos analistas que consideram que uma das causas da derrota de Waterloo que Napoleo estava com uma extraordinria clica naquele momento e no dispunha de sua usual capacidade ttica. Isto pertence exatamente ordem do acaso, da imprevisibilidade de como fatores se combinam em um determinado momento e lugar.

em virtude disso que as possibilidades da prospectiva so sempre de carter tendencial e estrutural, ou seja, no possvel prever nada especfico, mesmo no curtssimo prazo. O superespecfico completamente imprevisvel, mas o tendencial e estrutural suscetvel de certa previso, dentro de um horizonte temporal no muito remoto.

Dado o fato de que nenhuma varivel tem crescimento ou decrscimo constante, porque existem fatores que interferem no desenho das curvas, estas no so extrapolveis de uma forma indefinida. Isto torna as previses suscetveis de interrupes extremamente grandes. E as grandes interrupes, alm das que decorrem do conjuntural e que afetam o especfico, so aquelas que atuam sobre as prprias caractersticas estruturais dos fatores reais e ideais, que so as rupturas parametrais.

PRESENTES TENDNCIASCreio que se pode, em relao a este momento da Histria, estimar que as projees razoveis, em matria de fatores reais e ideais, esto submetidas a uma alta probabilidade de se defrontarem, dentro de um prazo no excessivamente longo, ou seja, no curso do sculo XXI, com provveis rupturas estruturais, das quais posso discernir quatro. A primeira a que diz respeito ao equilbrio da biosfera. Como do conhecimento de todos, a sociedade industrial foi incrementando sua capacidade de interferncia na natureza e, a partir de um certo momento, o impacto do Homem sobre o meio ambiente tornou-se mais rpido e mais profundo que a capacidade de recomposio do equilbrio natural. As florestas renascem por conta prpria, as guas se clareiam por conta prpria etc., mas tudo depende da velocidade e da intensidade da agresso sobre a Natureza.

O mundo contemporneo exerce uma agresso sobre a Natureza absolutamente superior capacidade de recomposio espontnea do equilbrio da biosfera. Portanto, h absoluto consenso dos analistas a respeito da relao entre a sociedade industrial e a ecologia no sentido de que, se determinadas medidas extremamente importantes no forem adotadas a relativamente curto prazo, o desequilbrio da biosfera provocar degradaes de suprema gravidade, afetando significativa e, talvez, at decisivamente a habitabilidade do planeta.

Estudos que eu tive a oportunidade de consultar, apresentados ao Clube de Roma, de pessoas extremamente competentes em matria de previso climtica, asseguravam que o prazo de ruptura parametral quanto ao clima, por causa do efeito estufa e do crescimento da taxa de CO2 na atmosfera, da ordem de 40 a 50 anos, o que historicamente um instante. Por isso mesmo, como ficou claro na recente reunio internacional Rio-92, providncias srias precisam ser adotadas por todos os pases, notadamente os grandes poluidores, que so os pases de maior capacidade industrial, em um prazo da ordem de 5 a 10 anos no mximo. A verdade que se existe um discurso unnime a favor do controle da poluio, no se verifica uma prtica consentnea. Assim sendo, a continuar esse estado de coisas, teremos rupturas parametrais na biosfera, de conseqncias gravssimas, em algum momento de meados do sculo entrante.

A segunda ruptura parametral que estou prevendo diz respeito ao processo de globalizao econmica e tecnolgica do mundo. Sem maiores elaboraes sobre esta questo, mencionarei apenas o fato de que a caracterstica atual do mundo, em virtude do progresso tecnolgico, da instantaneidade das comunicaes e rapidez dos transportes, a emergncia de um mercado mundial, com uma atuao econmica planetria. Ao mesmo tempo que isso ocorre, entretanto, no existe uma atuao correlata do ponto de vista da institucionalizao e da normatizao desse processo.

Creio ser interessante apelarmos para uma analogia histrica que ajuda a compreender o problema: quando, a partir do sculo XIV, a Europa Medieval comeou a encontrar conexes, feitas por uma nova classe emergente, entre a capacidade produtiva de cada aldeia e de cada pequeno setor com um mercado mais extenso, portanto, quando se processa em escala mais aprecivel a revoluo mercantil, os pases europeus foram compelidos a submeter esse mercado mais amplo a uma norma regulatria adequada, o que levou a se converter a estrutura medieval feudal na dos Estados nacionais. Vrias outras circunstncias militaram para o aparecimento do Estado nacional, mas certamente uma delas, provavelmente a mais importante, foi a necessidade de um ajuste entre a "transaldeao" da economia, portanto, a nacionalizao da economia, no sentido em que essa palavra se pudesse aplicar aos sculos XV, XVI e XVII, e a formao de uma estrutura institucional regulatria que correspondesse s dimenses desse mercado.

Presentemente, estamos saindo de uma espcie de neofeudalismo, que seria o feudalismo dos Estados-nao, para uma economia mundializada, mas no logramos ainda um sistema de regulao internacional adequado a essa economia. Se no o lograrmos, haver certamente uma ruptura parametral entre a globalizao, de um lado, como processo factual, e as crises decorrentes da inadequada institucionalizao do processo, por outro.

Isso tem como correlato uma terceira ruptura parametral, cuja visibilidade mais imediata do que esta que acabei de mencionar, que o desequilbrio Norte-Sul. No escapa mais a ningum que a relao Norte-Sul atingiu um grau de desequilbrio absolutamente intolervel e que, independentemente de consideraes ticas, esse desequilbrio est gerando efeitos perniciosos para o conjunto da sociedade humana, que so as migraes incontrolveis, o terrorismo e a emergncia de novas formas de fanatismo religioso-poltico, como se observa no fundamentalismo islmico e em alguns outros fundamentalismos. bastante claro, portanto, que, se no se logra, dentro de um prazo razovel, uma relao mais equilibrada entre o Norte e o Sul o que tambm corresponde a uma relao mais institucionalizada entre a globalizao da economia e as normas regulatrias da economia mundial , vamos ter uma ruptura parametral muito grave.

Finalmente,last but not least, mencionaria que me parece extremamente grave, talvez a mais grave de todas, a perspectiva de uma ruptura parametral no que se refere ao universo dos valores. Estamos desenvolvendo uma civilizao planetria, marcada pelo descrdito das religies tradicionais, ainda que em parte substitudas por religies de carter semimgico, mas que so religies que dizem respeito emoo, no razo e que, portanto, no geram um correlato adequado entre a postura religiosa e a postura tica. Ocorre, assim, uma eroso dos valores ticos tradicionais, com a emergncia de condutas crescentemente determinadas pelo consumismo e pela vontade de maximizar as oportunidades que este oferece. Esse consumismo, entretanto, d uma clara indicao de no ser suficiente para sustentar um modo civilizado de vida no mundo.

Creio, assim, que estamos nos deparando com, talvez, a mais grave das possveis rupturas parametrais, que a que diz respeito ao mundo dos valores. Torna-se assim, a meu ver, absolutamente clara a necessidade da restaurao de valores transcendentes, no necessariamente de uma restaurao religiosa embora pessoalmente agnstico, no descarto tal possibilidade, mas no me parece a mais provvel , mas sim a emergncia de um sistema tico dotado de suficiente universalidade e internalidade, em relao aos agentes atuantes no mundo, para imprimir uma correlao mnima entre as condutas e valores transcendentes.

Na minha viso das coisas no necessariamente a nica possvel isso conduziria demanda por um novo Humanismo, e este novo Humanismo, a meu ver, s vivel se for um neo-Humanismo Social. Entendo, por essa razo, que est em jogo o risco de uma ruptura parametral muito severa que conduziria o mundo ou implantao de um novo Humanismo Social ou a um neobarbarismo tecnolgico. Indubitavelmente, a curto prazo, as tendncias para o neobarbarismo tecnolgico so claramente predominantes.

PERSPECTIVAS PARA 2000Feito este pequeno exerccio sobre o tipo de rupturas parametrais que provavelmente tendero a ocorrer, mencionaria, em relao ao mundo na virada do sculo o segundo aspecto deste estudo que algo bastante previsvel a respeito do universo 2000. De acordo com as Naes Unidas, o mundo dever ter pouco mais de seis bilhes de habitantes no horizonte 2000. O equilbrio demogrfico j atingido por um pequeno nmero de pases Gergia, Nova Zelndia e Sua, que atingiram ozero growthdemogrfico em 1995 s dever se verificar para as naes de mais alta taxa demogrfica em torno de 2055. Ento, a populao mundial continuar, embora com grandes desigualdades nas reas em que isso ocorre, tendo expanses demogrficas em pases sobretudo do Terceiro Mundo at meados do sculo entrante. Tudo indica que as ltimas dcadas do prximo sculo sero de estabilidade demogrfica, o mundo se estabilizando provavelmente em torno de doze bilhes de habitantes a partir da quinta dcada do sculo XXI.

Em matria econmica, o intervalo que nos separa do ano 2000 demasiado curto para se poder supor que nesse pequeno nmero de anos modificaes muito importantes venham a ocorrer com relao estrutura das economias internacionais. Creio que, em todo caso, dever continuar, salvo uma crise cuja ocorrncia no pode ser excluda, o crescimento da influncia da China. Tudo indica que este pas ser o principal protagonista mundial da segunda metade do prximo sculo. E essa emergncia da China para um superprotagonismo j comea a ser visvel pelas excepcionais taxas de crescimento sustentado que vem acusando, e que dever manter at o ano 2000, ao qual poder eventualmente se seguir um perodo de crise.

Dentro desse quadro, a tendncia parece-me ser no sentido de que os atuais grandes problemas do mundo devero estar ainda um pouco agravados no fim do sculo, mas no alcanaro o seu momento de ruptura. No se pode prever uma ruptura da biosfera, do processo de globalizao, das relaes Norte-Sul, da prpria questo dos valores, nos quatro anos que nos separam do ano 2000. Mas as tenses, de forma mais ou menos sensvel, tendero a se tornar mais graves.

NOVA POLARIZAOQue mundo tender a resultar desse agravamento? Prevejo certas alternativas de cenrios. Creio, em primeiro lugar, que j se pode observar a dificuldade que as lideranas dos EUA esto encontrando para formular um projeto dotado de razovel compatibilidade entre o interesse nacional americano e o interesse mundial. Os EUA tm dificuldade em conceber uma forma que ajuste o interesse americano ao interesse mundial porque pensam, um pouco ao revs, no sentido de que o interesse americano universalizvelper se,que o mundo adotarthe American way of lifeporself interest, como se, por um lado, isso fosse culturalmente provvel e, por outro, factvel do ponto de vista operacional.

A inexistncia de uma viso globalizante dos EUA e, ao mesmo tempo, o agravamento de suas dissenses internas, com o desaparecimento do consenso bipartidrio a respeito da poltica internacional e do consenso da maioria das camadas, classes e regies dos EUA a respeito dos interesses fundamentais do pas, rupturas que ocorreram a partir da grave crise gerada pela Guerra do Vietn, esto gerando, de forma cada vez mais ntida, uma grande fragmentao a respeito do que convm aos EUA. Acentuam-se, assim, as diferenciaes tnicas existem hoje oMexican American, oItalian American, oNegro Americanetc. e cada uma dessas vrias modalidades deAmericantem uma viso muito diferente daquilo que convm ao pas, com graus de compatibilidade nitidamente declinantes. Em um quadro de divisionismo tnico-regional, e com a incapacidade que a cultura poltica americana vem demonstrando para formular um projeto nacional compatvel com o projeto mundial, de se estimar um provvel declnio da influncia mundial dos EUA.

Os EUA, me permitiria fazer esta breve digresso, com o colapso militar e econmico da URSS e a decorrente dissoluo do sistema integrado do comunismo mundial, adquiriram caractersticas de ser a nica potncia com capacidade de oferecer uma proposta para o mundo. Sem querer desenvolver esta temtica, creio que se pode constatar o seguinte: a incapacidade, por parte dos EUA, de propor um projeto que compatibilize, razoavelmente, seu interesse nacional com o interesse mundial, vai gerar a tendncia a uma nova polarizao. A permanncia dos EUA como o nico centro irradiador de influncias, de certa maneira regulador do mundo, tende a decrescer e a suscitar uma nova forma de equilbrio mundial que constitua, em termos distintos daquele que resultava da polaridade americano-sovitica, uma nova polaridade.

Qual poder ser essa nova polaridade? ainda prematuro enfatizar essa tendncia, mas creio que j se pode vislumbrar a propenso a uma crescente independncia da Unio Europia relativamente a posies americanas. E, por outro lado, na medida em que estou prevendo uma crescente influncia da China no cenrio mundial, parece-me dotada de significativa possibilidade que haja uma aproximao, em matria de poltica internacional, entre as posies chinesas e as posies europias, gerando um plo euro-asitico de equilbrio ao plo americano. Tenho a impresso de que isto tender a se configurar at meados do sculo XXI.

O CASO DA CHINACertamente, no se poder desenhar essa alternativa no curtssimo prazo que nos separa do ano 2000. No entanto, h um problema com a China que merece reflexo. A surpreendente capacidade que a China vem demonstrando, para uma populao de 1,2 bilho de habitantes, de crescer a taxas que nos ltimos quinze anos tm variado de 10% a 13%, duplicando vrias vezes a capacidade daquele povo, est submetida a uma certa incgnita em virtude do que possa acontecer com o falecimento de Deng Xiaoping o que, como se sabe, objeto de permanente cogitao.

Pensou-se, h algum tempo atrs, que esse falecimento geraria uma crise de poder. Tudo indica que atualmente j se pode supor que no: o presidente Gi Yang Zening e opremierLi Peng esto com claro controle do sistema de poder na China. Um interessante artigo publicado noJornal do Brasil, de 10/8/1996, menciona que Deng Xiaoping est praticamente descartado como presena operacional da poltica chinesa. Reserva-se-lhe apenas uma presena simblica, mas ele no mais detentor de poder real, que est com o presidente e com opremier. Dois aspectos da matria merecem uma rpida referncia. De um lado, a questo relacionada com a legitimidade: o poder do presidente Gi Yang e dopremierLi Peng um poder efetivo sem, entretanto, ter uma aurola nacional de legitimidade, como a que detida por Deng Xiaoping. Ser que eles conseguiro agregar ao controle da mquina a aceitao generalizada do pas na hora em que exercerem o poder sem a sombra protetora de Deng Xiaoping?

De outro, como do conhecimento geral, a poltica que est sendo seguida pela nova direo chinesa a de continuar combinando uma forte tendncia ao desenvolvimento econmico com a descentralizao de decises na rea da economia, mantendo-se o poder central e a conseqente centralizao na rea da poltica.

Deng Xiaoping, observando a crise da URSS, constatava, a meu ver com toda razo, que um pas comunista, de administrao centralizada, no pode, simultaneamente, fazer a liberalizao econmica e a liberalizao poltica. A dupla liberalizao causou a dissoluo da capacidade ordenatria do poder russo, naquilo que sobrou da antiga Unio Sovitica. Deng ento espera, atravs de um processo de crescimento gradual de reas de prosperidade, modernizadas, gerando elites empreendedoras locais, atingir um certo patamar em que o desenvolvimento mdio e a existncia de uma elite moderna permitiriam uma democratizao gradual do processo ou conduziriam cooptao da elite econmica pela elite partidria. Este um problema em aberto. A questo est em saber se otimingadotado pelo oficialismo realista.

No sou umChina Watcher, mas tive a oportunidade de estar algumas vezes na China e observei, realmente, a extraordinria velocidade das mudanas, desde uma Beijing que inicialmente conheci, onde s havia bicicletas, at a Beijing de hoje, que tem engarrafamentos de automveis. A impresso que se tem que a velocidade de formao da elite econmica muito superior quela que estava prevista pela elite poltica, e que a morte de Deng pode gerar, em nome de um conflito de legitimidade, um conflito de poder entre as elites econmica e poltica. Isto poderia ter conseqncias muito negativas para a prosperidade chinesa. Mas no ocultarei minha impresso de que, de uma forma mais ou menos harmoniosa, o mais provvel que se encontre ummodus vivendientre a elite poltica e a econmica e que a China marche, de maneira espetacular, para ser a maior potncia do mundo a partir de meados do sculo XXI.

O HORIZONTE 2000Neste quadro, em um prazo mais restrito, que o do ano 2000, prevejo que continue discretamente a reduo da influncia japonesa, em virtude do fato de que o Japo depende excessivamente de mercados externos e estes esto comeando a se defender da supercompetitividade japonesa. Por outro lado, como j mencionei, observa-se uma dificuldade muito grande, por parte da Unio Europia, de conseguir que sua razovel unidade econmica se transforme em uma equivalente unidade poltica.

Todos os aspectos do passo adiante, em funo do Acordo de Maastricht, que envolvem mudanas econmicas, implicando uma taxa significativamente mais alta de unidade poltica, esto se revelando extremamente difceis de serem adotados. de se supor, por isso, que a Unio Europia continuar acusando um acentuado desequilbrio entre sua extraordinria importncia econmica e uma certa debilidade poltica.

Eventualmente, esse desequilbrio poder ser reduzido se os interesses entre a Unio Europia e os EUA continuarem caminhando no sentido de uma certa divergncia. As divergncias relativas aos Estados Unidos tendem a gerar na Unio Europia condies para uma unificao de poltica externa. Por outro lado, na medida em que se verifique uma aproximao maior entre China e Europa, tambm tenderia a aumentar o nvel de consenso europeu em poltica externa.

Assim, no horizonte muito prximo de 2000, deve-se supor que a poltica externa europia ainda continue muito vaga, mas que se manifestem indcios da medida em que as divergncias com os EUA e a influncia da China caminhem para reduzir as diferenas polticas entre os europeus. Contrariamente, pode ocorrer que a Europa continue, no fim do sculo, apresentando um intervalo considervel entre sua unidade econmica e sua unidade poltica.

Uma ltima palavra. Um pas como o Brasil poder eventualmente, no ano 2000, comear a ter, de acordo com alternativas que explorarei no final deste artigo, um pouco mais de influncia internacional ou, ao contrrio, poder perder a pouca que j alcanou.

TENSES PREVISVEISIsso me leva ao final da segunda parte deste trabalho, que seria uma anlise das principais tenses que tendem a ser observveis neste relativamente curto prazo que o ano 2000.

Desde logo, creio que o principal agravamento se far em relao ao desequilbrio Norte-Sul, com o aumento das presses migratrias de populaes desvalidas que desesperadamente vo se infiltrar nas reas de maior oportunidade econmica, e com o recrudescimento, em grande parte motivado por razes econmico-polticas, do fundamentalismo islmico.

Ademais, mencionaria que me parece que vai ficar cada vez mais ntida a necessidade de um equilbrio entre a globalizao econmico-tecnolgica do mundo e a instituio de normas e agncias regulatrias, dentro de uma forma racional e satisfatoriamente eqitativa dessa gigantesca transnacionalizao que est se fazendo revelia de qualquer norma.

Presses para que as agncias das Naes Unidas tenham mais interferncia, modificaes provveis no Conselho de Segurana, eventualmente maior influncia da Assemblia Geral, em suma, tudo vai depender muito, no quadro das Naes Unidas, da medida em que se v configurando uma propenso a uma nova polaridade entre os EUA e o sistema euro-asitico. Se esta polaridade se acentuar, as Naes Unidas vo ser chamadas a funcionar como agncia-ponte entre os dois plos. Se ela no se acentuar, elas continuaro sob o franco predomnio dos EUA.

BRASIL 2000Para encerrar este estudo, algumas idias a respeito do Brasil. Algumas coisas so muito previsveis para o Brasil 2000. Como sempre, o lado demogrfico o mais previsvel o Brasil 2000 dever ter uma populao da ordem de cento e setenta e poucos milhes de habitantes; tambm razoavelmente previsvel que o Brasil 2000 ter um PIB que poder se situar em torno de 700 bilhes de dlares.

previsvel o aumento da integrao do Brasil no sistema Mercosul, que dever no ano 2000 compreender Chile e Bolvia, e a articulao de um mercado comum com a Amrica do Sul em geral, ou ento com alguns pases especficos, a comear provavelmente pela Venezuela.

provvel, por outro lado, a ampliao de nossas exportaes, concomitantemente a uma maior insero do Brasil no Mercosul, que j est atualmente absorvendo 14% das mesmas e vai absorver ainda mais. H uma tendncia de o crescimento das exportaes para o Mercosul ser quase o dobro da taxa de crescimento geral das nossas exportaes. Assim mesmo o Brasil manter sua posio deglobal tradere ter ativas relaes com os Estados Unidos, Unio Europia, Japo e China.

Dependendo das alternativas que marquem a sucesso do presidente Fernando Henrique Cardoso, o Brasil poder ter um realinhamento significativo com os EUA ou, ao contrrio, manter a poltica atual de cooperao seletiva, em que o Brasil intervm como o pas que busca retardar, para perodo mais conveniente, a proposta americana de um mercado comum pan-americano. A atual liderana brasileira entende que s conveniente para o Brasil uma ampla negociao de livre mercado com os Estados Unidos depois que o nvel de competitividade da produo brasileira for significativamente superior e que a condio para elevar a nossa competitividade operar no plano mais restrito do Mercosul, eventualmente em uma esfera um pouco mais ampla do mercado sul-americano, e somente em uma terceira etapa, nos convindo entrar em uma relao pan-americana.

Esta a perspectiva de uma corrente, atualmente predominante, mas no necessariamente a de todas as correntes, nem a que prevalecer, necessariamente.

ALTERNATIVAS DO BRASILE com isso me aproximaria da ltima parte deste artigo sobre as mais provveis alternativas do Brasil no ano 2000, que, creio, sero decisivamente influenciadas pelo que venha a acontecer com o governo Cardoso, que vai entrar agora na sua segunda etapa final, notadamente depois das eleies municipais de outubro de 1996.

O governo Cardoso, neste segundo perodo do seu mandato quadrienal, defronta-se claramente com a opo entre conseguir ou no ultimar as reformas constitucionais que esto na sua agenda e realizar o Plano de Metas recentemente anunciado, em relao ao perodo final de seu governo, atravs de especificaes quantitativa e qualitativamente precisas de algumas das indicaes genricas constantes do chamado Plano Plurianual. Se essas coisas se realizarem, o que perfeitamente possvel que ocorra, indubitavelmente o prestgio de Cardoso voltar a estar em alta ele est, no momento, em uma posio de relativa baixa , sendo em tal caso possvel que se aprove a reeleio do presidente como norma constitucional e, neste quadro, igualmente elevada a probabilidade de que venha a ser reeleito.

Considerando que d certo o fundamental da proposta de Cardoso, no final de seu governo, em matria de reformas constitucionais, de metas e do incio de um importante programa social, sua reelegibilidade altamente provvel e sua reeleio tambm.

Nesse quadro, seria levado a ter uma perspectiva muito otimista sobre um segundo mandato de Cardoso, porque veria esse governo dotado de um maquinrio estatal mais eficiente, em uma sociedade mais aberta, em condies, portanto, de pr em marcha um grande programa de desenvolvimento econmico-social. Vejo esse segundo mandato marcado por um imenso afluxo de capitais e de tecnologia estrangeiros, agilizando o projeto de modernizao e, na medida em que haja um programa social srio em matria de educao, sade, habitao etc., vejo uma significativa melhora do quadro social brasileiro, indicando, em todas as direes, algo de extremamente positivo.

Por outro lado, vejo que essa perspectiva de um segundo governo Cardoso, apoiada nos xitos finais do seu governo, conduzir o Brasil a uma posio internacional bem mais marcante, mediante uma maior aproximao do Brasil, no mbito do Mercosul, com a Unio Europia, a China e outras potncias emergentes, conduzindo a uma relao de cooperao seletiva com os Estados Unidos e o Japo.

A hiptese de xito do governo Cardoso, entretanto, uma entre outras possveis. Alternativamente, deve-se contemplar a hiptese de um malogro de maiores ou menores propores desse governo na sua segunda etapa. Este malogro seria representado pela no-aprovao das grandes reformas, sobretudo aquela reforma-chave que a Fiscal que vai permitir restaurar o equilbrio das contas da Unio, incluindo a reforma da Previdncia e a reforma Administrativa, que possibilitaro um melhor comando da mquina pblica. Caso essas reformas no sejam aprovadas, o governo ficar extremamente debilitado, no poder realizar o seu programa de metas, o qual implica a formao de supervits da Unio que, ao contrrio, continuar sendo deficitria. Vai obrigar o governo a macias emisses de papel para poder manter, pelo menos at o fim do seu mandato, a razovel estabilidade do Real e uma razovel relao cambial com o dlar.

Em um quadro desses, as tenses sociais vo se tornar muito mais agudas. A procrastinao de uma reforma social palpvel e, sobretudo, de uma expectativa de resultados previsveis a prazos no excessivamente remotos, vai aumentar enormemente a agitao social brasileira.

Em tal quadro considero que no somente Cardoso no obter o direito de se reeleger, como no seria reeleito, se acaso pudesse se candidatar, e no teria condies de fazer seu sucessor. O relativo malogro de Cardoso no s inviabiliza a reelegibilidade, como a prpria possibilidade de um continuador razoavelmente fiel s propostas do seu primeiro mandato.

Que alternativas parecem razoavelmente previsveis na hiptese do malogro de Cardoso? Creio que a esse respeito j se pode chegar a certos cenrios probabilsticos. Um deles seria a polarizao entre uma alternativa que eu chamaria de populista-clientelista e outra que designaria de modernizao conservadora.

H indicaes bastante claras de que Lula que uma pessoa excepcionalmente inteligente, sensvel e com qualidades que no podemos deixar de reconhecer se deu conta de que um PT isolado, dogmtico, cerrado, no tem a menor condio de ganhar no segundo turno. O PT comanda, de uma forma mais ou menos tranqila, um tero do eleitorado e fica nisto. Quando h um segundo turno, a taxa de rejeio superior taxa de adeso, e o candidato do PT, mesmo o Lula, que possivelmente o melhor dos candidatos possveis, no consegue se eleger.

Consciente disso e h claras demonstraes de que est consciente disso , Lula est tentando armar uma aliana entre o petismo e a grande e velha poltica de clientela, que a do PMDB de Itamar, de Sarney. Uma poltica que tem uma presena importante no cenrio poltico brasileiro. A conjugao entre um projeto petista com o respaldo clientelista de importantes foras do PMDB e de outros setores gera uma situao eleitoral extremamente forte. E perfeitamente possvel conceber uma vitria de Lula nas condies que estou indicando.

A segunda alternativa, que eu designaria de hiptese de modernizao conservadora, gira em torno do antigo prefeito de So Paulo que logrou fazer seu sucessor. Esta sucesso tem mais valor simblico do que operacional, mas um valor simblico importante que vai gerar nas elites polticas a noo de que a est uma fora a contar e que suscitar para muitos a idia de que uma adeso rpida a melhor maneira de garantir um espao no novo sistema de poder que se est configurando.

O que tende a acontecer na hiptese populista-clientelista? A meu ver ela ser compelida, pela presso eleitoral das foras que conduziriam eleio de Lula, a adotar inicialmente uma poltica consentnea com tal tendncia. Uma poltica, portanto, clientelista-populista que geraria rapidamente um retorno da inflao, uma perda de controle sobre a mquina pblica, uma suspenso das privatizaes que ainda restassem por fazer, um afastamento significativo do apoio internacional e uma certa fuga de capitais, criando uma situao extremamente difcil.

Sem embargo, h poucos anos, estava com a impresso de que uma hiptese dessas poderia ter efeitos catastrficos. Atualmente, sou levado a uma atitude bem mais moderada a respeito do que provavelmente poderia suceder com uma alternativa populista-clientelista. A principal razo consiste no fato de que, independentemente de ele ter ou no xito final, o governo Cardoso conseguiu uma coisa muito importante, por alguns anos pelo menos, para a conscincia pblica brasileira, que foi marcar as classes de baixo rendimento com a percepo de que a estabilidade da moeda fundamental para a sustentao do seu poder aquisitivo. Essa conscincia de que a defesa da estabilidade monetria que era uma noo prpria de economistas e de setores afluentes da sociedade se transferiu para as classes de baixo rendimento, que se deram conta de que tiveram um incremento de poder aquisitivo da ordem de 30% simplesmente por causa da estabilidade, constitui um freio possibilidade de excessiva expanso de uma poltica clientelista-populista, em um possvel governo Lula.

Algo, guardadas as propores, como aconteceu com Franois Miterrand, na Frana, que comeou fazendo uma poltica ideolgica de acordo com as normas do partido, mas logo se deu conta de que estava desestabilizando a sociedade e a economia e recuou para uma poltica clssica, fazendo com que o Partido Socialista francs sustentasse posies no muito diferentes da direita francesa. Creio que algo semelhante tenderia a acontecer na hiptese de um governo Lula e toda a questo est em saber se o intervalo entre a aventura eleitoreira inicial e o recuo prudencial ser pequeno ou grande e qual a margem de desgaste que ocorrer durante o mesmo.

Se o intervalo for um pouco longo e as fugas de capital forem muito grandes, a capacidade de reconstituio de um sistema estvel poder demorar muito e se tornar pouco vivel, pelo menos durante o mandato de Lula. Se, ao contrrio, o intervalo entre o Lula eleitoreiro e o Lula reprudencializado for pequeno, as possibilidades de se retomar, a partir de um governo de bandeira de esquerda, as linhas fundamentais do governo Cardoso so boas. Podero at ser excelentes, porque a Histria mostra que freqentemente a forma mais bem-sucedida de se realizar determinadas transformaes quando elas so feitas por um partido que em princpio tinha uma bandeira de sinal contrrio. Pode se dar, assim, que um governo Lula reprudencializado venha a executar precisamente aquilo que Cardoso estimaria fazer se tivesse um segundo mandato.

A outra hiptese, da modernizao conservadora, parece levar a um destino bastante diferente. Uma presidncia Maluf tender a ser marcada por um propsito modernizante e americanizante da sociedade e da economia, alargando a brecha entre o setor moderno e o setor no-moderno da nossa sociedade. Um homem com a habilidade de Maluf procurar, provavelmente, corrigir os efeitos sociais de tal poltica atravs de uma aspirina para os desvalidos e de uma propaganda inteligente para mostrar que o governo tem conscincia social. A verdade, porm, que a brecha social tender a se aprofundar. Por outro lado, para sustentar a modernizao apenas de um setor do pas, em detrimento da massa, uma poltica Maluf de modernizao conservadora seria provavelmente conduzida a uma grande reaproximao com os Estados Unidos. A reintroduo da influncia americana na nossa poltica externa conduziria a uma correspondente reduo da importncia internacional brasileira.

Creio, para finalizar, ser possvel afirmar que os pases subdesenvolvidos ainda no podem, talvez com a exceo provvel da China, pretender um futuro promissor no sculo XXI. Mas observaria que, para um analista do Brasil, as hipteses negativas contempladas h uns cinco anos atrs apresentavam caractersticas mais catastrficas do que as hipteses negativas contempladas hoje. Atualmente creio que o pas, precisamente e sobretudo por causa dessa revoluo da capacidade de consumo dos setores de baixa renda, dispe de certas ncoras para evitar processos excessivamente desestabilizadores. Razo pela qual me parece que se pode ter um certo otimismo em relao ao futuro brasileiro, que tenderia a ser brilhante em um segundo governo Cardoso, poder ser brilhante em um governo Lula reprudencializado, e um pouco mais imprevisvel em um governo Maluf, assim mesmo apresentando condies de uma modernidade que, em algum momento, forar a reincorporao das massas no processo.

Nenhuma modernizao conservadora pode pretender manter a prazo, j no digo longo, mas simplesmente mdio, o abismo entre as grandes massas e os setores modernos do pas. Assim sendo, a demanda de reincorporao que se far sentir, atravs de tenses sociais de vrias naturezas, tender a corrigir o vis ideolgico que possa marcar excessivamente o governo Maluf.

(Recebido para publicao em outubro de 1996)

ABSTRACTBrazil and the World at the Turn of the CenturyThis brief endeavor to appraise the contemporary world's and Brazil's most likely macrotrends at the run of the century starts with some considerations on the problems of predictability and the possibilities for arriving at a forecast endowed with a reasonable capacity to shed light on the most likely future scenarios. The next section analyses how the world's political picture will probably look at the turn of the century, with special note made of China's emergence as superpower. The article concludes with an analysis of Brazilian alternatives at the dawn of the new century, depending upon whether Fernando Henrique Cardoso is re-elected or candidates such as Lula or Maluf end up in front.

Keywords:Political macrotrends; Brazil 21st century; parametral ruptures

RSUMLe Brsil et le Monde au Tournant du SicleCette tude cherche estimer quelles seront les macrotendances du monde contemporain et celles du Brsil, l'horizon du nouveau sicle. Tout d'abord on prsente quelques considrations sur la question de la prvisibilit et des possibilits d'une vue prospective relativement capable d'avancer des hypothses pour l'avenir. Ensuite on analyse le profil probable du cadre mondial politique au tournant du sicle, en soulignant l'mergence de la Chine comme super-puissance. Enfin on examine les possibles situations pour le Brsil au XXI sicle, selon qu'on soit confront la rlection de Fernando Henrique Cardoso ou qu'on ait l'alternative d'autres noms la succession prsidentielle, tels que ceux de Lula ou Maluf.

Mots-cl: Macrotendances politiques; rupture de paramtres; Brsil _ XXI sicle

*Este artigo baseado na conferncia pronunciada no Ciclo de Conferncias" Alternativas e Dilemas do Brasil no Fim do Sculo", organizado pelo IUPERJ, Rio de Janeiro 12-16 de agosto de 1996.

Todo o contedo deste peridico, exceto onde est identificado, est licenciado sob umaLicena Creative CommonsInstituto de Estudos Sociais e Polticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)R. da Matriz, 82, Botafogo22260-100 Rio de Janeiro RJ BrazilTel. (55 21) 2266-8300Fax: (55 21) 2266-8345

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