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MULTICULTURAL Tecendo redes de amizade e problematizando as questões do nosso tempo Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado Felipe Venâncio Barboza Vanessa Regina de Oliveira Martins Organizadores

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Praticamente do amanhecer ao

anoitecer, pesquisadores recen-

tes e veteranos compartilharam

experiências e pensamentos so-

bre seus estudos, iniciaram novos

projetos com alegria, olhos aten-

tos e mentes curiosas. Em uma

“caixa de areia” especial, multilín-

gue e multimodal, pesquisado-

res Surdos e ouvintes estavam lá

para ensinar, aprender, partilhar

e crescer. Fronteiras linguísticas

sendo constantemente ultrapas-

sadas com a ajuda da Língua de

Sinais, tornando a comunicação

mais transparente e acessível a

todos os participantes, inclusive

a mim. Imediatamente senti-me

acolhida à caixa de areia, na qual

fui solicitada a acrescentar minha

contribuição ao que estava sendo

construído: o castelo de conheci-

mento em torno da Língua de Si-

nais e da Surdez. Sobre os ombros

daqueles que vieram antes de

nós, estávamos lá para adicionar

nosso grão de areia a uma mag-

nífica construção, cada um com

suas próprias aptidões, sem ex-

clusões.

MULTICULTURALMULTICULTURAL

É um prazer abrir este livro sobre as atividades do I Colóquio Inter-nacional de Grupos de Pesquisa: Educação de Surdos, Tradução, Inter-pretação e Linguística de Língua de Sinais, com uma reflexão sobre os sentimentos e impressões que tive como professora e pesquisadora estrangeira hospedada em Vitória, no Brasil. O que encontrei po-deria ser uma boa base para um estudo sociolinguístico acerca de alternância ou sobreposição de línguas entre Surdos e ouvintes em ambientes internacionais, que pode alimentar ideias para futuras publicações. Entretanto, prefiro compartilhar os aspectos humanos da minha experiência, pois acredito ser também algo importante a se considerar ao ler uma coletânea de trabalhos sobre Língua de Sinais e Surdez.

Maria Tagarelli de Monte

MULTICULTURAL

MULTICULTURAL

Acolhemos, com entusiasmo, a publicação da obra Pesquisas em educação de surdos, tradu-ção, interpretação e linguística de línguas de sinais: tecendo redes de amizade e problemati-zando as questões do nosso tem-po, motivados pela relevância e amplitude do tema desenvolvi-do. O presente trabalho renova a parceria acadêmica dos orga-nizadores e autores com a nossa editora. Desejamos a todos uma exce-lente leitura.

Décio Nascimento GuimarãesEditor Responsável

Tecendo redes de amizade e problematizando as questões do nosso tempo

Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Lucyenne Matos da Costa Vieira-MachadoFelipe Venâncio BarbozaVanessa Regina de Oliveira MartinsOrganizadores

Lucyenne Matos da Costa Vieira-MachadoFelipe Venâncio Barboza

Vanessa Regina de Oliveira MartinsOrganizadores

Capa Pesquisas em Educacao de Surdos_tecendo redes-op-02.indd 1 18/12/2018 14:31:19

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Campos dos Goytacazes - RJ2018

MULTICULTURAL

Lucyenne Matos da Costa Vieira-MachadoFelipe Venâncio BarbozaVanessa Regina de Oliveira Martins

Organizadores

Tecendo redes de amizade e problematizando as questões do nosso tempo

Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

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Copyright © 2018 Brasil Multicultural Editora

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem a expressa autorização dos autores e/ou organizadores.

Diretor editorialDécio Nascimento Guimarães

Diretora adjunta Milena Ferreira Hygino Nunes

Coordenadoria científica Gisele PessinFernanda Castro Manhães

DesignFernando Dias

Ilustração de capaDon

RevisãoJosé Carlos Alves de Azeredo Júnior

Gestão logísticaNataniel Carvalho Fortunato

BibliotecáriaAna Paula Tavares Braga – CRB 4931

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P474 Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais : tecendo redes de amizade e problematizando as questões do nosso tempo / organizadores Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado, Felipe Venâncio Barboza e Vanessa Regina de Oliveira Martins. -- Campos dos Goytacazes, RJ : Brasil Multicultural, 2018. 360 p.

ISBN 978-85-5635-073-2

1. SURDOS – EDUCAÇÃO – PESQUISA 2. LÍNGUAS DE SINAIS 3. LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS 4. EDUCAÇÃO INCLUSIVA 5. ENSINO PROFISSIONAL 6. EDUCAÇÃO BILÍNGUE 7. SURDOS – MEIOS DE COMUNICAÇÃO 8. EJA I. Vieira-Machado, Lucyenne Matos da Costa (org.) II. Barboza, Felipe Venâncio (org.) III.Martins, Vanessa Regina de Oliveira (org.) IV. Título.

CDD 371.912

Instituto Brasil Multicultural de Educação e Pesquisa - IBRAMEPAv. Alberto Torres, 371 - Sala 1101 - Centro Campos dos Goytacazes - RJ28035-581 - Tel: (22) 2030-7746 Email: [email protected]

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Comitê científico/editorial

Prof. Dr. Antonio Hernández Fernández - UNIVERSIDAD DE JAÉN (ESPANHA)

Prof. Dr. Carlos Henrique Medeiros de Souza – UENF (BRASIL)

Prof. Dr. Casimiro M. Marques Balsa – UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA (PORTUGAL)

Prof. Dr. Cássius Guimarães Chai – MPMA (BRASIL)

Prof. Dr. Daniel González - UNIVERSIDAD DE GRANADA – (ESPANHA)

Prof. Dr. Douglas Christian Ferrari de Melo – UFES (BRASIL)

Profa. Dra. Ediclea Mascarenhas Fernandes – UERJ (BRASIL)

Prof. Dr. Eduardo Shimoda – UCAM (BRASIL)

Profa. Dra. Fabiana Alvarenga Rangel - UFES (BRASIL)

Prof. Dr. Fabrício Moraes de Almeida - UNIR (BRASIL)

Prof. Dr. Francisco Antonio Pereira Fialho - UFSC (BRASIL)

Prof. Dr. Francisco Elias Simão Merçon - FAFIA (BRASIL)

Prof. Dr. Helio Ferreira Orrico - UNESP (BRASIL)

Prof. Dr. Iêdo de Oliveira Paes - UFRPE (BRASIL)

Prof. Dr. Javier Vergara Núñez - UNIVERSIDAD DE PLAYA ANCHA (CHILE)

Prof. Dr. José Antonio Torres González - UNIVERSIDAD DE JAÉN (ESPANHA)

Prof. Dr. José Pereira da Silva - UERJ (BRASIL)

Profa. Dra. Magda Bahia Schlee - UERJ (BRASIL)

Profa. Dra. Margareth Vetis Zaganelli – UFES (BRASIL)

Profa. Dra. Marilia Gouvea de Miranda - UFG (BRASIL)

Profa. Dra. Martha Vergara Fregoso – UNIVERSIDAD DE GUADALAJARA (MÉXICO)

Profa. Dra. Patricia Teles Alvaro – IFRJ (BRASIL)

Prof. Dr. Rogério Drago - UFES (BRASIL)

Profa. Dra. Shirlena Campos de Souza Amaral – UENF (BRASIL)

Prof. Dr. Wilson Madeira Filho – UFF (BRASIL)

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Sharing knowledge, building castles 10Maria Tagarelli De Monte, PhD

Compartilhando conhecimento, construindo castelos 14Maria Tagarelli De Monte

1A reminiscência: narrativa sobre as redes tecidas em grupo de pesquisa 18

Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado2Formação docente dos surdos no sul do Espírito Santo 23

Adília Alves Pereira, Andreia Weiss3Projetos de vida a partir do retorno à escola – a EJA e a educação profissional como possibilidades para a formação dos surdos trabalhadores 29

Aline de Menezes Bregonci4O ensino de libras no contexto da educação inclusiva: a emergência das práticas de subjetivação dos professores surdos pelo foco na "docência" 44

Daniel Junqueira Carvalho, Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado5A língua própria do surdo - entre a defesa da língua e a subjetividade para resistência 52

Gabriel Silva Nascimento, Lucyenne Matos da Costa Vieira Machado6A participação da Sociedade de Formação de Professores para Surdos e Difusão do Sistema “Alemão” no Congresso de Milão (1880) 61

José Raimundo Rodrigues, Lucyenne M. da C. Vieira-Machado7Modos de resistência Surda: quando os TILSP nos contam as histórias 71

Josué Rego da Silva, Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado8Educação bilíngue num movimento heterotópico: práticas constituídas na educação dos surdos no município de Linhares - ES 75

Katiuscia Gomes Barbosa Olmo, Lucyenne M. da C. Vieira-Machado

Sumário

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9A educação bilíngue para crianças surdas: práticas em uma instituição de educação infantil de Vitória – ES 86

Keila Cardoso Teixeira10Atualidades em educação: formação e atuação de pedagogos surdos em contextos educacionais bilíngues 94

Leila Couto Mattos11Contribuições da línguística cognitiva: particularidades lexicais, semântica-pragmáticas de conceitos abstratos na interpretação de Língua Portuguesa para Libras 100

Flávia Medeiros Álvaro Machado12Língua maior ou menor? Reflexões em torno da Língua Brasileira de Sinais – Libras no Ensino Superior 112

Euluze Rodrigues da Costa Júnior, Reginaldo Célio Sobrinho, Edson Pantaleão13A Performance do tradutor-intérprete em canções cristãs 122

Arlene Batista da Silva, Amábele Cristine Miranda Azevedo de Araújo14O contexto da educação escolar bilíngue/cultural de surdos no Rio Grande do Sul 128

Márcia Lise Lunardi-Lazzarin15Por uma história social da língua de sinais: a presença do gesto na educação de surdos no contexto brasileiro do século XX 138

Pedro Henrique Witchs16A constituição do sujeito surdo na escola inclusiva pelo viés da sociedade de aprendizagem 144

Camila Righi Medeiros Camillo17O sujeito surdo em situações diglóssicas: efeitos dos discursos sobre língua e cultura na produção da subjetividade 152

Anie Pereira Goularte Gomes18O currículo da escola de surdos: práticas discursivas na perspectiva da educação bilíngue 159

Júlia Jost Beras19CINELIBRAS: discussões sobre o cinema como dispositivo de aprendizagem da cultura surda 164

Mayara B. Raugust, Karina Ávila Pereira20Glossário interativo para a disciplina de Libras da UFPEL para uso em smartphone: Sinalibras 174

Tatiana Lebedeff, Alysson Nogueira Rodrigues, Bruna Ferreira Gugliano, Fabiano Souto Rosa,Ivana Gomes da Silva, Angela Nediane dos Santos, Aline Kaster

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21Spread the sign - Brasil - Contribuições para o registro e a divulgação da Libras 182

Angela Nediane dos Santos, Karina Ávila Pereira, Luis Felipe Freitas Becker,Tatiana Bolívar Lebedeff, Vitória Tassara Costa Silva

22Produção de vídeos para o ensino de Libras: Projeto Obalibras 189

Tatiana Bolivar Lebedeff, Bianca Langhinrichs Cunha, Daiana San Martins Goulart,Daniel Lopes Romeu, Ivana Gomes da Silva, Joseane Maciel Viana, Kevin Veloso Almeida, Rúbia Denise Islabão Aires

23Língua de sinais e cognição: interfaces entre linguística, educação e tradução 198

Felipe Venâncio Barbosa24Expressões faciais e linguagem corporal em Libras: aspectos multimodais na construção, apreensão e compreensão de sentido 207

Marcelo Antoni Enderson Almeida de Oliveira, Felipe Venâncio Barbosa25A influência da aquisição da língua brasileira de sinais no processamento cerebral do indivíduo surdo: um estudo com ressonância magnética funcional 217

Sylvia Lia Grespan Neves26A interpretação de Libras à luz da teoria interpretativa da tradução 223

Edílson de Andrade, Luciana Carvalho Fonseca27Educação de surdos e políticas bilíngues à luz das filosofias da diferença 229

Vanessa Regina de Oliveira Martins28Implicações da formação continuada na prática de intérpretes educacionais 239

Lara Ferreira dos Santos29Aquisição da língua de sinais através de jogos e brincadeiras 248

Milena Maria Pinto, Lara Ferreira dos Santos30Produções discursivas sobre a surdez e a educação infantil: diálogo com familiares 255

Bianca Salles Conceição, Vanessa Regina de Oliveira Martins31Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Inclusiva – GEPEI/UESC: formando pesquisadores e construindo conhecimentos 264

Wolney Gomes Almeida32Desafios e possibilidades da prática pedagógica dos professores da área de linguagens e dos intérpretes de Libras no contexto da escola regular 269

Larissa Café de Oliveira e Lacerda, Cristiano de Sant’Anna Bahia,Wolney Gomes Almeida

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33Tabela periódica dos elementos químicos sinalizados em Libras 279

Roberta Alena de Alcântara Brandão, Wolney Gomes Almeida34Compostos simultâneos e sinais boca na Libras 287

Mirella de Oliveira Pena Araújo, Aline Garcia Rodero-Takahira35Morfologia da língua de sinais brasileira: descrição e caminhos de análise 299

Aline Garcia Rodero-Takahira36História da alfabetização de surdos no triângulo mineiro – 1960 - 1980 308

Kleyver Tavares Duarte, Sônia Maria dos Santos37Adaptação e tradução de L1 para L2 com material visual de Escrita de Língua de Sinais (ELS): para surdos e/ou ouvintes bilíngues em LIBRAS 317

Kleyver Tavares Duarte38Artes e Educação de surdos: reflexões sobre o ensino de balé para surdos 327

Karina Ávila Pereira, Fernanda Caroline Silveira Peretta,Otávio Ávila Pereira, Victor Techera Silveira

Sobre os autores 336

Sumário

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Sharing knowledge, building castles

Maria Tagarelli De Monte, PhD1

1. Referent for the Research and Project Department of the State Institute for the Deaf in Rome (ISSR) and Adjunct professor of Italian Sign Language at Università degli Studi Internazionali di Roma (UNINT).

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It is my pleasure to open this volume related to the activities of the I Colóquio Internacional de Grupos de Pesquisa: Educação de Surd-os, Tradução, Interpretação e Linguística de Língua de Sinais with a re-flection on the feelings and impressions I received as a foreigner re-searcher and teacher being hosted in Vitória, Brazil. What I found would have made a good basis for a sociolinguistic study on code mix-ing and code switching among Deaf and hearing people in internation-al settings, and this might be food for thoughts for future publications. However, I would rather share the human aspects of my experience, as I believe this is also important to consider when reading a collec-tion of works about Sign Language and Deafness.

The city that I found was the home for a meeting of brilliant minds, eager to exchange ideas, knowledge and studies around Sign Language and Deafness studies. Landing in Brazil to share my experience with the Italian education system for the D/deaf and Sign Language, I felt like Tommaso Silvestri must have when he landed to Paris to learn about De l’Épée’s methodology in D/deaf education. As Silvestri did in the late seventh century, I found open doors to enter, curious and generous minds to talk with and the will to grow and learn from each other as our former teachers did.

From nearly dawn to dusk, young and senior researchers were sharing experiences and thoughts about their studies, starting new projects with joy, eyes wide-open and curious minds. In a special multilingual and multimodal “sandbox”, Deaf and hearing research-ers were there to teach, to learn, to exchange, and to grow. Linguistic borders were continuously crossed with the help of Sign Language, making communication more transparent and accessible for all par-ticipants, myself included. I immediately felt welcomed to the sand-box, where I was asked to add my contribution to what was being built: the castle of knowledge around Sign Language and deafness. Standing on the shoulders of those who came before us, we were there to add our grain of sand to a magnificent building, each with our own capabilities, no one excluded.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Having raised in a Deaf family and working in the field for 10 years, I know how difficult it is to build these kinds of inclu-sive environments for ideas exchange between D/deaf and hear-ing people. Miscommunication often leads to misunderstandings, hurt feelings, contrasts, not to mention the prejudiced attitudes and stereotypic beliefs that D/deaf and hearing people could have about each other. However, what I felt during my stay was that an ideal of inclusiveness is within our reach.

I observed young researchers and students switching with ease from spoken to sign language, confronting their Deaf teachers, or peers, in a natural way. Despite of my null knowledge in spoken Portuguese and Libras, I have learned and exchanged so much with the people I met, regardless of them being Deaf or hearing. Sign language has acted as a great interlingua, as well as keeping a wider perspective on what was happening.

Whenever Sign Language was not enough, the help of occa-sional mediation from English to Portuguese helped in making communication clearer. I have seen, and felt, the effort of making communication among people easier, qualified, and complete. Of course, there is still a lot of work to do, and there is where a vol-ume like this finds its place. Every contribution is an extra grain of sand to improve knowledge around deafness and to provide basis for the improvement of the quality of services in Sign Language, in Brazil as well as in the rest of the world.

Wrapping up, I would like to address a thought to the student who will hold this book in his/her hands to learn from it. My friendship with Brazil begun when I was a junior researcher look-ing for a partner in South America for an international project. I had only 2 weeks of time to find a partner and to write the project and I was extremely anxious about it. With the only help of Google Translator and a dose of courage, I went online looking for people who were willing to work with me, writing emails in both English and a badly translated Portuguese. I’ve sent dozens of emails but

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only a few received an answer; one of these came from professor Fernando Capovilla, who immediately activated a contact between myself and one of his PhD students, Janice Gonçalves Temoteo.

That was the beginning of a chain of contacts, friends and peo-ple that I hold in my greatest esteem and that I am glad to share my professional life with. Among them, I am happy to enlist pro-fessor Felipe Venâncio Barbosa and, more recently, Sylvia Lia, Lu-cyenne Matos da Costa Vieira Machado, Keila Cardoso Teixeira, Leonardo Lúcio Vieira Machado, Pedro Henrique Witchs and Ga-briel Silva Nascimento. From a far moment of crisis in my past, came a present of collaboration, professionalism, and friendship. Keeping this in mind, my wish to you as a student is for you to keep your mind open, and always look for new ways to stretch it a little further; learn from whatever life will bring on your way. Open your doors question a stranger, be bold enough to express your ideas, be humble to accept they may be wrong and be smart and creative to change them to the better.

I thank the people I met for their boldness, their intelligence and their kindness, for all they have shared to me and for all I have learned from them.

Enjoy your reading.

Maria.

Sharing knowledge, building castles

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Compartilhando conhecimento, construindo castelos

Maria Tagarelli de Monte2

2. Vinculada ao Departamento de Pesquisa e Projetos do Instituto Estatal para Sur-dos de Roma (ISSR) e Professora Adjunta de Língua de Sinais Italiana na Universi-dade de Estudos Internacionais de Roma (UNINT).

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É um prazer abrir este livro sobre as atividades do I Colóquio Internacional de Grupos de Pesquisa: Educação de Surdos, Tradução, Interpretação e Linguística de Língua de Sinais com uma reflexão sobre os sentimentos e impressões que tive como professora e pesquisadora estrangeira hospedada em Vitória, no Brasil. O que encontrei poderia ser uma boa base para um estudo sociolinguísti-co acerca de alternância ou sobreposição de línguas entre Surdos e ouvintes em ambientes internacionais, que pode alimentar ideias para futuras publicações. Entretanto, prefiro compartilhar os as-pectos humanos da minha experiência, pois acredito ser também algo importante a se considerar ao ler uma coletânea de trabalhos sobre Língua de Sinais e Surdez.

A cidade que encontrei foi lar de um encontro de mentes bri-lhantes, ávidas para partilhar ideias, conhecimento e pesquisas envolvendo estudos sobre Língua de Sinais e Surdez. Ao chegar ao Brasil para compartilhar minha experiência com o sistema educa-cional italiano para S/surdos e com a Língua de Sinais, senti-me como Tommaso Silvestri deve ter se sentido ao chegar em Paris para aprender sobre a metodologia de De l’Épée na educação de S/surdos. Assim como Silvestri no final do século XVII, encontrei portas abertas para entrar, mentes curiosas e generosas para con-versar e a vontade de crescer e aprender uns com os outros, como fizeram nossos antigos professores.

Praticamente do amanhecer ao anoitecer, pesquisadores re-centes e veteranos compartilharam experiências e pensamentos sobre seus estudos, iniciaram novos projetos com alegria, olhos atentos e mentes curiosas. Em uma “caixa de areia” especial, mul-tilíngue e multimodal, pesquisadores Surdos e ouvintes estavam lá para ensinar, aprender, partilhar e crescer. Fronteiras linguísti-cas sendo constantemente ultrapassadas com a ajuda da Língua de Sinais, tornando a comunicação mais transparente e acessível a todos os participantes, inclusive a mim. Imediatamente senti--me acolhida à caixa de areia, na qual fui solicitada a acrescentar minha contribuição ao que estava sendo construído: o castelo de

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

conhecimento em torno da Língua de Sinais e da Surdez. Sobre os ombros daqueles que vieram antes de nós, estávamos lá para adi-cionar nosso grão de areia a uma magnífica construção, cada um com suas próprias aptidões, sem exclusões.

Tendo crescido em uma família Surda e trabalhado neste cam-po por 10 anos, sei como é difícil construir esses tipos de am-bientes inclusivos para troca de ideias entre S/surdos e ouvintes. Falhas na comunicação frequentemente levam a mal-entendidos, a sentimentos feridos, distinções, sem mencionar as atitudes pre-conceituosas e as crenças estereotipadas que S/surdos e ouvintes poderiam ter uns sobre os outros. Contudo, o que senti durante a minha estadia foi que um ideal de inclusão está ao nosso alcance.

Observei jovens pesquisadores e estudantes alternarem com facilidade entre língua oral e língua de sinais, discutirem com seus professores Surdos ou com seus pares de modo natural. Apesar do meu conhecimento nulo do Português falado e da Libras, aprendi e troquei muito com as pessoas que conheci, independentemente de serem Surdas ou ouvintes. A língua de sinais agiu como uma ótima interlíngua, além de possibilitar uma ampla perspectiva so-bre o que estava acontecendo.

Quando a língua de sinais não era suficiente, mediações oca-sionais entre Inglês e Português serviram de ajuda para tornar a comunicação mais compreensível. Notei e senti o esforço para fazer a comunicação entre as pessoas ser mais fácil, qualificada e completa. É claro que ainda há muito trabalho a ser feito, e é aí que este livro encontra seu lugar. Cada contribuição é um grão extra de areia para aperfeiçoar o conhecimento acerca da Surdez e fornecer uma base para melhorar a qualidade de serviços em Língua de Sinais no Brasil e no mundo.

Para finalizar, gostaria de dirigir um pensamento ao estudante que irá segurar este livro em suas mãos para com ele aprender. Minha amizade com o Brasil começou quando era uma pesquisadora ini-ciante, a procura de uma parceria na América do Sul para um projeto

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internacional. Eu tinha apenas duas semanas para encontrá-la e es-crever o projeto, e estava extremamente ansiosa com isso. Contando apenas com a ajuda do Google Tradutor e uma dose de coragem, pro-curei online por pessoas que estivessem dispostas a trabalhar comigo, escrevendo e-mails tanto em Inglês quanto em uma tradução ruim para o Português. Enviei dezenas de mensagens, mas apenas algu-mas foram respondidas; uma delas veio do professor Fernando Capo-villa, que imediatamente estabeleceu um contato entre mim e uma de suas alunas de doutorado, Janice Gonçalves Temoteo.

Este foi o começo de uma cadeia de contatos, amigos e pessoas por quem tenho grande estima, com quem me alegro por com-partilhar minha vida profissional. Dentre eles, fico feliz em listar o professor Felipe Venâncio Barbosa e, mais recentemente, Sylvia Lia, Lucyenne Matos da Costa Vieira Machado, Keila Cardoso Tei-xeira, Leonardo Lúcio Vieira Machado, Pedro Henrique Witchs e Gabriel Silva Nascimento.

De um momento de crise distante no passado, veio um presente de colaboração, profissionalismo e amizade. Tendo isso em mente, meu desejo para você, estudante, é que mantenha sua mente aber-ta e procure sempre novas maneiras de ampliá-la um pouco mais; aprenda com qualquer coisa que a vida traga para o seu caminho, abra suas portas, questione um estranho, seja ousado o suficiente para expressar suas ideias, humilde para aceitar que elas podem estar erradas, inteligente e criativo para mudá-las para melhor.

Agradeço às pessoas que conheci por sua ousadia, inteligência e gentileza, por tudo que compartilharam comigo e por tudo que aprendi com elas.

Aproveite sua leitura.

Maria.

Tradução de Gabriel Silva Nascimento e Pedro Henrique Witchs.

Compartilhando conhecimento, construindo castelos

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A reminiscência: narrativa sobre as redes tecidas em grupo de pesquisa

Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado

E aí... como é que foi?

Num sei. Só sei que foi assim.

(João Grilo e Chicó, O auto da Compadecida)

A reminiscência... acreditamos que a experiência se dá, também, a partir dela. Ela pode ser evocada sob a forma da narrativa e, por isso, retomando a epígrafe. Ela tece a rede que é constituída por todas as histórias que atravessam o narrador, e as histórias dos outros narrado-res também são ali envolvidas. Ela é personificada no narrador.

Assim, recorro a Mnemósine, deusa da reminiscência, para contar um pouco da trajetória do nosso grupo de pesquisa completamente focado nas questões da educação de surdos. Focado, dedicado, com-prometido e militante.

Pensar a educação de surdos é o compromisso deste grupo. Partin-do da linguagem como criação de sentidos (e não apenas representa-ção, como se os problemas fossem quadros prontos), compreendemos

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a surdez como uma invenção do nosso tempo (LOPES, 2007),1 pois na contemporaneidade pensamos os sujeitos surdos a partir das marcas culturais que se entrecruzam na constituição dos sujeitos desse grupo e a Língua de Sinais como a língua que os constitui como comunidade.

É a essa perspectiva que nos filiamos e assim produzimos pesquisas que olham as subjetividades surdas constituídas em nosso presente. Vale ressaltar que não negamos a marca no corpo. Ela está presente, porém não recorremos a ela para narrar a surdez.

Como parte deste grupo, olho para ele com muita paixão. E, por isso, peço licença para narrar/contar/tecer um pouco sobre como nos tornamos o que somos. Recorro a Benjamin, com seu texto belíssimo intitulado “O Narrador”, para narrar comigo na tessitura da minha paixão por este grupo.

Benjamin afirma que as pessoas que sabem narrar devidamente estão cada vez mais raras, pois a experiência e a arte de narrar estão em vias de extinção. “Quando se pede num grupo que alguém nar-re alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências” (BENJAMIN, 1994, p. 198).

Ao compartilhar suas histórias, o narrador não está interessado em passar a experiência pura em si como uma informação ou relatório. A experiência narrada mergulha na vida do narrador para, em seguida, re-tirá-la dele. “Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso” (BENJAMIN, 1994, p. 205). E “[...] quem escuta uma história está em companhia do narrador; mesmo quem lê, partilha dessa companhia” (BENJAMIN, 1994, p. 213). Ao compartilhar histórias, ler histórias uns dos outros, podemos intercambiar experiên-cias no sentido mais denotativo da palavra, gravar histórias, fundir com nossas experiências, criando, assim, uma rede de conversações.

1. LOPES, Maura Corcini. Surdez & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Éramos alunos, éramos jovens. Sonhadores e muito ativos, o que nos movia era a certeza de que poderíamos colocar a educação de surdos na pauta do dia! Atentos a como as ques-tões vinham acontecendo no Brasil, nos mobilizávamos para que a Ufes acrescentasse essas questões em suas discussões inclusivas às quais sempre foi atenta.

Éramos (e somos, cada um a seu modo) militantes e trabalhá-vamos como intérpretes de Libras em espaços onde os surdos pre-cisavam estar. Organizamo-nos e tornamo-nos o Grupo de Estudos Surdos (GES), inspirados em outros GES de outras universidades (na época, no ano de 2006, conheci e me aproximei sobremaneira do GES da Universidade Federal de Santa Catarina). Criamos re-des com esses grupos e, como éramos alunos, duas professores da Ufes (Sonia, que foi minha orientadora de mestrado e doutorado, e a saudosa Cida, que foi professora de coração) acreditaram em nós e transformaram nosso grupo em um Projeto de Extensão ligado à universidade e registrado no sistema. Assim pudemos fazer efeti-vamente ações que contribuíssem para a formação de professores das redes municipais e estaduais, nessa perspectiva.

Éramos três. Tornamo-nos seis, nove... muitos!

Várias ações foram realizadas no ano de 2007 visando à questão que agora ia calcando as nossas discussões: a formação dos pro-fessores.

Iniciamos com um Ciclo de Estudos Surdos em Educação com pesquisadoras na perspectiva dos Estudos Surdos em Educação e que eram e são nossas referências. Grandes narrativas tecemos juntas. E também cursos de extensão: um de Formação de Profes-sores Bilíngues e outro de Libras para a comunidade acadêmica. Sem contar que a Ufes sediou o II Seminário Nacional de Pedagogia Surda, que contou com pesquisadores que inspiram o trabalho e a teoria que estávamos encampando.

Além de tudo, atuamos ativamente na construção de políticas

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educacionais para alunos surdos em diferentes redes públicas de educação no Estado. Todos esses movimentos no processo de cons-tituição de uma proposta educacional bilíngue, de uma pedagogia em que a diferença surda seja centro das discussões, instiga-nos a refazer as nossas perguntas, outrora tão comuns, sobre a educação dos surdos, sobre o currículo, sobre as identidades, sobre a lín-gua, sobre as práticas pedagógicas. Atravessando essas questões, a formação dos professores de surdos e, mais recentemente, de professores surdos entram como prioridade nas discussões desses processos.

Hoje somos oito professores (dentre outros professores) da uni-versidade em diferentes campi alcançando o estado do Espírito Santo de norte a sul. Militantes em diferentes cidades. E, assim, somamos ao nosso grupo alunos e outros parceiros, mestrandos e doutorandos.

Além de nos envolvermos com ações de formação para a comu-nidade, começamos a nos formar como mestres e doutores, apri-morando nossos estudos e pesquisas. Tornamo-nos assim Grupo Interinstitucional de Pesquisas em Libras e Educação de Surdos (Giples/CNPq/Ufes). E, com a entrada no Programa de Pós-Gradu-ação em Educação, tornamo-nos mais, tornamo-nos maiores, com-prometidos em produzir conhecimento e contribuir para pensar de outros modos a educação de surdos.

E, por fim, encerrando a nossa história, conto ao leitor que este livro apresenta pesquisas com diferentes leituras sobre a surdez. Diferentes bases teóricas e metodológicas. Essa é a marca do gru-po: o que nos une é a temática. Mas o que caracteriza a diversida-de das pesquisas é que trabalhamos nossas temáticas com diferen-tes abordagens, trazendo leituras diversas para compreendermos a surdez.

Este grupo é composto por professores mestres e doutores; por mestrandos, doutorandos envolvidos de diferentes modos com a temática.

1 - A reminiscência: narrativa sobre as redes tecidas em grupo de pesquisa

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Quero aqui citar algumas bases que temos neste grupo... temos estudos com Boaventura de Souza Santos com a professora Ali-ne Bregonci; estudos com o Norbert Elias com o professor Euluze Costa-Junior; estudos com o materialismo histórico-dialético com as professoras Keila Teixeira e Keli Silva. Estudos com a Linguísti-ca com o professor Leonardo Vieira-Machado.

E temos estudos com o Michel Foucault, orientados por mim neste momento no Programa de Pós Graduação em Educação da Ufes (Lucyenne Vieira-Machado).

E no grupo dos orientandos apresento rapidamente estudos so-bre professores surdos, processos de formação e subjetivação em instituições escolares; formação ética de intérpretes de Libras.

Neste momento, temos nos debruçado na história quando dis-cutimos e analisamos os documentos históricos como as atas e os anais de congressos consagrados historicamente, como o Congres-so de Milão (1880) e o Congresso Internacional para o Estudo das Questões de Educação e de Assistência de Surdos Mudos (1900), porque acreditamos que retornar a história, é reviver nós mesmos.

Agradeço ao leitor a paciência de compartilhar esta narrativa comigo, de intercambiar esta experiência. Agradeço também a Mnemósine por permitir que na reminiscência eu encarnasse uma Sherazade por algum tempo. Não com seu brilhantismo, mas para garantir a minha vida após este processo narrativo de morte de mim mesma para viver num grupo de pesquisa.

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Formação docente dos surdos no sul do Espírito Santo

Adília Alves Pereira

Andreia Weiss

Introdução

O presente trabalho é um recorte de uma pesquisa de mestrado em andamento que tem como principal indagação: como se dá o processo de subjetivação docente dos surdos que se tornaram professores na região sul do Espírito Santo?

O estudo em questão inspira-se na noção de experiência apresenta-da por Michel Foucault (2010). No curso o “Governo de si dos outros”, ministrado em 1982-1983, Foucault apresenta a matriz ou foco de ex-periência, tomando a loucura como ponto central e apontando três eixos que constituem a experiência. O primeiro eixo é o da formação dos saberes, o segundo é o eixo da normatividade e o terceiro é o eixo da constituição dos modos de ser do sujeito.

Larrosa (2011) realiza um diálogo com o filósofo buscando de-monstrar que a experiência é o que nos acontece na singularidade, sendo constituída por processos históricos e sociais que produzem subjetividades.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

A formação que buscamos discutir não está relacionada aos tí-tulos que os sujeitos obtêm, mas à experiência que os transformam e produz subjetividades. Esta experiência não significa o acúmulo de informações e anos de trabalho, mas sim como esse sujeito busca dar sentido ao que vai acontecendo em sua vida. De acordo com Larrosa (2002) a experiência não está relacionada apenas ao tempo em que se exerce uma profissão, pois uma pessoa pode ficar muitos anos fazendo um trabalho de forma mecânica sem que esse a afete ou a toque, e sem que ela exerça seu pensamento sobre si mesma nesse trabalho.

Neste sentido, Larrosa (2010, p.43) nos apresenta a ideia de ex-periência de si que nos ajuda a olhar para as narrativas dos surdos que se tornaram professores e observar como é que eles “[...] se observam, se decifram, se interpretam, se descrevem, se julgam, se narram, se dominam, quando fazem determinadas coisas con-sigo mesmos [...]”.

A partir dessa perspectiva e através da pesquisa que está ocor-rendo na região sul, mais especificamente na região do Caparaó, identificamos que o aprendizado de Libras é muito recente, e há uma carência de profissionais com formação adequada para atu-arem nas escolas de ensino básico, fazendo com que as pessoas tenham acesso a apenas cursos básicos de Libras, formação insu-ficiente para que assumam o ensino de alunos surdos seja como professores de atendimento educacional especializado ou como intérprete de Libras. Entretanto, tal formação é aceita pelas insti-tuições sem considerar sua precariedade.

Diante dessa realidade, buscamos conhecer como os surdos professores dessa região se tornaram professores, visto que a for-mação para atuação com surdos nessa região é de difícil acesso.

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Metodologia

Participaram da pesquisa 10 surdos professores que atuaram nas escolas estaduais e municipais em 2017 como contratados em designação temporária pela Superintendência de Educação (SEDU). A entrevista narrativa foi utilizada para a produção de dados, tendo sido filmadas com consentimento dos sujeitos da pesquisa.

De acordo com Zago (2003, p. 295) “[...] o pesquisador se apro-pria da entrevista não como uma técnica que transpõe mecani-camente para uma situação de coleta de dados, mas como parte integrante da construção sociológica do objeto em estudo [...]”.

Após o processo de tradução, as entrevistas foram transcritas a partir da observação atenta das sinalizações gravadas em vídeo. Nenhum programa de transcrição foi utilizado, apenas o auxílio de um profissional intérprete tradutor de Libras.

Com as entrevistas transcritas temos então o texto e as informa-ções a serem lapidadas e tratadas, fazendo os recortes de acordo com a base teórica deste trabalho (ANDRADE, 2011).

Buscaremos, por meio das narrativas, conhecer os desafios, as lutas e também as conquistas que os surdos tiveram ao longo de suas trajetórias; as relações com os outros e consigo mesmo que os foram moldando e os subjetivando a ser quem são. Walter Ben-jamim (1994) define o sujeito que narra como fonte fundamental de experiências.

Ao narrar, os sujeitos realizam um recorte de suas vidas, con-tando aquilo que faz sentido para eles. O sentido que cada um dá ao que lhes acontece se diferencia, pois a experiência é individu-al. Os sujeitos dão sentido à vida, ao ser e existir no mundo, de acordo com as relações que estabelecem com os outros e consigo mesmos.

2 - Formação docente dos surdos no sul do Espírito Santo

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Discussão

A partir das histórias de vida narradas por tais indivíduos, foi possível estabelecer um perfil de formação docente; então, esta-belecemos as categorias de análise: a surdez como experiência, a escola como produtora de subjetividades e os caminhos de subje-tivação docente dos surdos professores.

Quanto à surdez como experiência, pudemos observar nas fa-las dos sujeitos que o “ser surdo” trouxe mudanças no modo de vida de suas famílias que, mesmo morando em lugares longín-quos no interior do estado, tiveram a preocupação de se mudar das suas cidades para locais onde houvessem escolas de surdos. Por outro lado, também houve preocupação de familiares para que os seus filhos não tivessem contato com outros surdos que eram usuários da Língua de Sinais. Nessa época, na escola de sur-dos, o método utilizado era a oralização, e os sujeitos tiveram ex-periências diferentes dentro dessa educação que receberam. Para alguns, a oralização aconteceu de forma tranquila, sem sofrimen-to, enquanto para outros foi uma experiência de sofrimento. Os sujeitos narram também suas experiências com a aprendizagem da Libras, seus primeiros contatos com surdos e como se reconhe-ceram como surdos.

Em relação à escola como produtora de subjetividades, pude-mos observar que os surdos narram como era a escola e como foram sendo subjetivados. Eles nos contam sobre o desejo que ti-nham de estudarem com seus pares linguísticos mesmo na época em que o uso de sinais era proibido. Outros já apresentam em suas histórias o desejo de estudarem junto com ouvintes, pois julgavam que na escola de ouvintes havia mais conteúdo do que na de sur-dos, em que se percebia uma repetição dos mesmos temas.

Quanto aos caminhos que subjetivaram na escolha da docên-cia, alguns fatores foram apresentados nas narrativas como: a in-fluência da família, principalmente da mãe, e a necessidade de

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conseguir um trabalho. Os sujeitos iniciaram seu trabalho como instrutores de Libras e, consequentemente, ingressaram no curso de pedagogia na modalidade à distancia, uma formação aligeirada.

Considerações

Os resultados aqui apresentados são iniciais, visto que se trata de uma pesquisa em desenvolvimento.

Pensando e escrevendo sobre a história dos surdos, é possível perceber que os desafios que estes enfrentam em relação à educa-ção atravessam os séculos e que a luta continua, mesmo depois de resistirem a proibições nos congressos. Os surdos lutam por uma educação bilíngue e os professores buscam formação.

Notamos que o processo de ingresso na profissão está relacio-nado a questões familiares, como influencia da mãe e também das professoras; entretanto, um ponto que chama atenção é que todos buscaram formação superior após ter ingressado no ensino como instrutores de Libras.

Por meio desta pesquisa podemos ver que, mesmo sendo educa-dos numa perspectiva oralista, as experiências dos sujeitos foram diferentes, pois a experiência é singular. Por meio das narrativas percebemos que nos locais bem longínquos há histórias interes-santes de pessoas que viveram e experienciaram o oralismo de outra forma, desfazendo o mito de que todos os surdos sofreram com a oralização. Há também outras histórias de resistência ao oralismo que mostram o quanto eles sofreram nesse período.

Ainda podemos perceber que os surdos professores, apesar de estarem num local de difícil acesso aos cursos, têm buscado uma formação acadêmica e têm superado os desafios.

2 - Formação docente dos surdos no sul do Espírito Santo

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Referências

ANDRADE, Sandra dos Santos. A entrevista narrativa ressignificada nas pesquisas educacionais pós-estruturalistas. In: Dagmar Estermann Meyer, Marlucy Alves Pa-raíso. (Org.) Metodologias de Pesquisas Pós-críticas em Educação. 2. ed. Belo Horizonte, 2014, v. 1, p. 175-196.

BENJAMIN, Walter. O Narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: BENJAMIN, Walter (org). Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre lite-ratura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 197-232.

FOUCAULT, M. O governo de si e dos outros: cursos no Collège de France, 1982-1983. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

LARROSA, Jorge. Tecnologias do eu e educação. O sujeito da educação: estudos foucaultianos. 8. ed. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2011.

ZAGO, Nadir. A entrevista e seu processo de construção: reflexões com base na ex-periência prática de pesquisa. In: ZAGO, Nadir; CARVALHO, Marília Pinto de; VILELA, Rita Amélia Teixeira (org.). Itinerários de pesquisa: perspectivas qua-litativas em sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 287-309.

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Projetos de vida a partir do retorno à escola – a EJA e a educação profissional como possibilidades para a formação dos surdos trabalhadores

Aline de Menezes Bregonci

Introdução

A EJA – Educação de Jovens e Adultos da Garoto, foi uma iniciativa da fábrica de chocolates Garoto, situada em Vila Velha, no estado do Espírito Santo1. Na perspectiva dessa empresa, os funcionários que ainda não possuem o ensino fundamental e o médio devem ser aten-didos por essa iniciativa a fim de que eles possam concluir o ensino.

Como esta fábrica possui um grande número de funcionários sur-dos, foram destinadas duas turmas específicas para os alunos surdos. Nessas turmas, todos os professores são informados sobre as especi-ficidades dos surdos por meio de uma assessoria pedagógica e pelo acompanhamento da intérprete da fábrica.

1. Neste contexto, conhecemos esta experiência durante o trabalho de Mestrado – Estu-dantes surdos no Proeja: o que nos contam as narrativas sobre os seus percursos (2012)

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

O nosso objetivo ao conhecer este espaço e dialogar com as pessoas que ali participam é de, em primeiro lugar, conhecer a realidade dos surdos que retornam aos bancos escolares e de, em segundo lugar, “ouvir os surdos” sobre os seus projetos de cursar o ensino técnico profissionalizante; por último, também temos a intenção de conhecer um espaço que precisa ser repensado a cada dia para oferecer aos surdos um ensino de qualidade e acessível, através de aulas traduzidas para a língua de sinais e materiais visu-ais. Assim, em nosso percurso, conhecemos a EJA da Garoto, seu cotidiano de trabalho e seus estudantes surdos.

As aulas acontecem nas dependências da Faculdade Estácio de Sá, onde os professores dispõem de equipamentos para trabalhar com materiais visuais, a fim de responder a esta demanda dos estudantes. Os professores trabalham em conjunto com intérpre-tes contratados de uma empresa de assessoria em interpretação e tradução – a Caesar Libras.

Como todos os alunos são adultos e possuem fluência em Li-bras, a presença do intérprete torna-se significativa neste espaço, pois o mesmo, em parceria com o professor, consegue desenvolver o trabalho de viabilizar o acesso aos conteúdos para os estudantes.

Nos dias em que ali estivemos, foi possível verificar inúmeros momentos nos quais os estudantes sentavam em conjunto para discutir a matéria, ou ensinavam um ao outro no trabalho de troca.

É importante destacar esta parceria entre eles; na EJA da Garo-to, percebemos que isso acontece pois todos que estão ali passam pela mesma experiência surda de mundo.

Metodologia

Este trabalho dedicou-se a “ouvir” os narradores surdos. Nas quatro semanas em que nos envolvemos naquele espaço, foi pos-sível conversar com professores, intérpretes e educandos sobre

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3 - Projetos de vida a partir do retorno à escola – a eja e a educação profissional como possibilidades para a formação dos surdos trabalhadores

o que eles vivem e, a partir de suas falas, chegar a alguns pontos interessantes sobre este processo de formação.

Foi realizado um momento de conversa com os estudantes, com o objetivo de saber por que eles estavam ali, uma vez que eles não se encontram fora do que chamam de “mercado de trabalho”. Nes-ta conversa, foi possível verificar dois objetivos comuns entre os educandos: concluir os estudos por conta da exigência da empresa e concluir os estudos para dar prosseguimento em outros níveis2.

O objetivo dessa conversa foi constatar como os surdos adultos tecem a caminhada de retorno à escola, a fim de entender se o motivo eram exigências atuais ou também seus projetos pessoais de vida.

Assim, para construir este texto, reunimos as narrativas de cin-co estudantes surdos foram captadas durante nossas visitas. Para analisarmos as falas dos estudantes surdos lançamos mão das ideias de Benjamin, contidas no texto “O Narrador” (1994).

Observando os narradores

Dedicaremo-nos a apresentar as falas que evidenciam as duas preocupações assinaladas: a conclusão dos estudos e o prossegui-mento deste em outros níveis. Para começar, traremos os depoi-mentos dos estudantes que entraram na EJA da Garoto com o ob-jetivo de concluir os estudos.

A primeira fala é a do estudante Celso. Ele destaca que na sua história de vida, passou pelo INES – Instituto Nacional de Educa-ção de Surdos, onde aprendeu a língua de sinais. Entretanto, ele se mudou para o Espírito Santo aos 13 anos de idade, e a escola de surdos que existia aqui seguia a metodologia oralista. Segun-

2. Educação Profissional e Tecnológica

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

do o estudante, as dificuldades pelas quais passou fizeram com que ele desistisse da escola. Os anos se passaram e ele começou a trabalhar na Garoto; dentro da empresa, surgiu a necessidade de conclusão do ensino médio.

Eu comecei a trabalhar na Garoto. Eu gosto de trabalhar aqui. Então, a empresa começou a cobrar que seus funcionários terminassem o ensino médio. A empresa organizou uma tur-ma e como eu queria voltar a estudar eu resol-vi entrar. Lá me explicaram que eu teria um professor e um intérprete. Assim, eu aceitei e voltei a estudar. Comecei a estudar. Estudar é muito bom, porque nos dá oportunidade de mudanças, passamos a conhecer coisas novas, tecnologias, ou seja, vamos nos desenvolven-do. Agora, no futuro eu quero continuar a estu-dar, mas só se tiver intérpretes, se não tiver eu não vou, porque eu não vou aprender nada e não vai adiantar em nada para mim.

Pelo depoimento de Celso é possível verificar que embora o seu retorno à escola tenha sido por exigência da empresa, ele se satisfez porque naquele espaço lhe foi garantida a presença do in-térprete de Libras – Língua Brasileira de Sinais. Deste modo, fica claro que este estudante é motivado a estudar pelos fatores que tornam aquele espaço positivo para a sua diferença linguística.

Percebemos aqui a importância que Celso atribui ao ambiente linguístico favorável ao seu processo educativo. É o que Bakhtin (2006, p. 93) nos diz quando ele afirma que a língua é uma neces-sidade enunciativa, ou seja, a forma que esta adquire num dado contexto, que no caso de Celso, sendo ele um surdo, é motivado pela Língua de sinais.

Outra fala que nos chama muito a atenção é que muitos surdos naquele espaço possuem vergonha de estar ali e de suas dificulda-des com os estudos. Em vários momentos, muitos deles destaca-ram esse sentimento, pois o fato de já serem adultos e não terem

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concluído o ensino médio traz um peso muito grande para eles. Para exemplificar este sentimento, destacamos a fala de Laura.

Já tem oito anos que estou aqui trabalhando direto. Há um tempo, a intérprete da empresa me apresentou o projeto EJA da Garoto, uma oportunidade para voltar a estudar. Ela me ex-plicou que teríamos professores e intérpretes, eu gostei da novidade, mas no começo tive vergonha. Agora, que eu estou com 38 anos, a intérprete voltou a entrar em contato comigo, me explicou que eu deveria voltar a estudar, para evitar uma possível demissão, mas eu não queria. Cheguei em casa e expliquei para mi-nha família. Eles me incentivaram, disseram que eu deveria voltar a estudar. Assim, pro-curei a intérprete e disse que eu aceitava, ela ficou toda feliz, mas eu continuava com ver-gonha e achando que seria muito difícil. Mas, ela me acalmou dizendo para eu ir devagar, se tivesse alguma dúvida, perguntar ao professor, interagir com os outros alunos, aí eu entendi. Levei meus documentos, fiz minha inscrição e comecei a estudar. Agora que estou aqui, estou gostando, está sendo bom.

A partir da fala de Laura, é possível constatar que esse sen-timento tem desestimulado a estudante durante o seu percurso escolar. Entretanto, também podemos perceber que ela vem ven-cendo este sentimento no cotidiano das aulas e no contato com os colegas de sala.

No documento do MEC (Ministério da Educação) – Trabalhan-do com Educação de Jovens e Adultos: alunos e alunas da EJA, esse sentimento de vergonha é sinalizado como o medo de errar que estes educandos têm, por conta de já serem maduros e não dominarem os conteúdos escolares.

O que se sabe, ao certo, é que o fracasso escolar tece uma espécie de teia, onde o(a) aluno(a) se enreda e custa a sair. Na maioria dos casos, a

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

teia torna-se tão emaranhada que não oferece saída e o desfecho dessa situação, tão comum na realidade brasileira, é o abandono da escola. Mais tarde, quando retornam aos bancos esco-lares, os jovens e adultos ficam extremamente suscetíveis a enredarem-se novamente, a vi-venciarem outro fracasso escolar (MEC/BRA-SIL, 2006, p. 17).

A marca do fracasso escolar tem acompanhado os surdos ao longo dos anos, e isso pode ser percebido na trajetória dos estu-dantes da EJA da Garoto aqui destacados, que tem nos mostrado suas dificuldades devido a uma má formação de base. Muitos sur-dos chegam ao ensino médio sem saber ler e escrever, o que nos indica a possibilidade da existência desse sentimento de incapaci-dade destacado como a “vergonha” que Laura nos apresenta.

Mas, mesmo com todas essas dificuldades, eles estão aí, dese-josos por continuar os seus estudos, mesmo que seja para manter o seu trabalho. Afinal, como pessoas que possuem família, estes precisam trabalhar.

Para finalizar, gostaríamos de destacar os depoimentos dos sur-dos que possuem outras perspectivas de formação. Vamos iniciar pelo depoimento de Maria:

Eu já concluí o Ensino Médio, mas no passado, como não havia intérpretes, eu aprendi muito pouco do que deveria ter aprendido, não con-seguia entender quase nada. Por isso, hoje es-tou frequentando a sala de ensino semestral da empresa onde trabalho, cursando novamente o ensino médio, pois como lá tem intérpretes de Língua de Sinais, eu consigo entender tudo mais claro. Eu fui a primeira surda da fábrica a ser credenciada em uma empresa de segurança do trabalho, isso me deixou muito feliz e eu te-nho esperança. No futuro, quero fazer o curso de segurança do trabalho.

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Maria é uma surda militante dos movimentos surdos. Em seu depoimento, ela gesticula com muita garra, tentando demonstrar os seus sentimentos, e procura também apresentar os seus proje-tos de vida fundamentados na continuidade dos estudos.

Além de nos contar sobre seus projetos futuros e evidenciar a conquista de seu credenciamento, Maria resgata um momento crucial de sua trajetória profissional, quando ela precisava traba-lhar mas não sabia por onde iniciar sua procura, por falta de in-formação e por conhecer a dificuldade que os surdos enfrentam para conseguir uma vaga de emprego. A forma enfática que ela utiliza para afirmar que já possui o ensino médio, mas que para ela ainda falta aprender mais, é uma marca muito significativa em seu depoimento, aparecendo algumas vezes durante a conversa que tivemos.

Essa dificuldade é enfrentada por diversos surdos, qualificados ou não: onde trabalhar? Qual empresa contrata pessoas surdas? Afinal, todos os seres humanos necessitam, por meio do trabalho, adquirir seu sustento e de sua família. Sobre essa dificuldade Ma-ria nos diz:

Surgiu a vontade de trabalhar, mas onde traba-lhar? Aí eu encontrei a intérprete de uma fá-brica que me disse que estavam acontecendo seleções para contratos temporários. Eu me animei e consegui um contrato. Fiquei um tempo como contratada. Quando o contrato acabou, tive que sair do emprego. Entretanto, mas tarde, participei de um processo seletivo para uma vaga de efetiva e consegui. Assim minha vida seguiu, minha filha na escola e eu trabalhando, até que um dia me veio a mente a vontade de voltar a estudar. Mesmo sendo já adulta eu queria voltar a estudar. Depois de um tempo, a intérprete da fábrica me disse que iria abrir uma turma de EJA para os surdos que tra-balhavam na fábrica. Eu conversei com ela que mesmo eu já sendo formada no ensino médio eu queria estudar mais. A intérprete pediu para

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

que eu aguardasse enquanto a fábrica estava re-alizando os procedimentos de organização das turmas. Quando tudo ficou pronto eu corri e fiz minha matrícula. Assim eu voltei a estudar.

Quando eu cheguei na sala, tive uma surpre-sa, tinha língua de sinais, havia uma intérpre-te que traduzia a aula do professor. Eu fiquei admirada, consegui compreender melhor os conteúdos de matemática, português, inglês, eu gostei muito, fiquei muito interessada em aprender, passei a gostar muito de estudar. Eu peço ajuda aos professores e eles me au-xiliam, falam pra mim que eu sou inteligen-te, contudo eu explico que eu já fiz o ensino médio, mas que eu tenho muita vontade de aprender mais, isso porque depois de estudar bastante eu tenho vontade de fazer um curso tecnólogo de segurança do trabalho, eu quero, tenho muita vontade. Os professores sabendo disso, tem me incentivado bastante. Assim, te-nho caminhado passo a passo e em novembro quando o módulo acabar eu gostaria de pro-curar um lugar para continuar a estudar, mas onde tem intérpretes? Eu fico pensando se terei recursos, em qual escola estudar. Ai, eu fui conversar com a intérprete da fábrica e ela me explicou que existem várias instituições conveniadas que podem me garantir isso, Eu fiquei muito aliviada. Eu gostei muito de vol-tar a estudar, os surdos precisam ter coragem, não devem abaixar suas cabeças, pensando que os ouvintes são superiores, pelo contrário, surdos e ouvintes possuem capacidade para conseguir o que almejam. Os surdos precisam esperar mudanças para o seu futuro, melhores formações, melhores salários. Não devem pa-rar de estudar e se apoiarem na condição de deficiente, pois os surdos são normais, assim como os ouvintes. Os surdos de todo o Brasil precisam desta perspectiva. Hoje eu sou mui-to feliz estudando com a interpretação em LI-BRAS nas aulas. Graças a Deus.

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Retomando o ponto do depoimento em que Maria discorre so-bre o fato de possuir o ensino médio e estar repetindo o processo, é possível relacioná-lo a uma leitura que ela faz de quando, no passado, aprendeu pouco por não ter tido acesso aos conteúdos na íntegra. Sabemos que há alguns anos, por conta da falta de estrutura, as escolas não possuíam intérpretes de língua de sinais e profissionais qualificados; portanto, ela não teve nenhum intér-prete para traduzir o que era dado na sala de aula.

Por esse motivo, ela entende que é necessário aprender mais e matricular-se na EJA da Garoto, mesmo sem precisar, objetivando melhorar o seu padrão acadêmico, podendo assim contribuir para que, no futuro, ela possa tentar o curso técnico e superior.

Dando continuidade, além de Maria, outros surdos também de-monstraram o desejo em dar continuidade aos estudos em outros níveis. Esta é uma constatação interessante, levando em conside-ração que muitos nos revelaram ter o interesse em apenas con-cluir o ensino médio. Assim, é de suma importância destacar que existe uma contrapartida, e que muitos estão em um movimento de buscar formação para o mundo do trabalho.

Deste modo, destacamos também a fala de Mário, um surdo que veio de outro estado em busca de trabalho e que, ao chegar aqui, encontrou oportunidade de emprego na fábrica de Chocola-tes Garoto. Sua trajetória é um tanto interessante, pois ele também é um estudante que veio do INES, ou seja, já tinha uma convivên-cia com a língua de sinais.

Eu estudei todo o meu ensino fundamental e médio no INES. Quando terminei, estava de férias da escola, mas trabalhando em uma em-presa, quando de repente fui demitido, devido a problemas na empresa. Fiquei muito triste e voltei para casa. Depois disso, meu amigo An-dré veio a minha casa e me convidou para mu-dar para Vitória, para vir trabalhar em uma fá-brica de chocolates. Eu pensei, conversei com a minha mãe, ela me incentivou, eu arrumei

3 - Projetos de vida a partir do retorno à escola – a eja e a educação profissional como possibilidades para a formação dos surdos trabalhadores

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

as minhas coisas e vim para Vitória. Cheguei aqui, não conhecia ninguém, com o passar do tempo, conheci alguns surdos, fiquei aqui um tempo, depois fui ao Rio de Janeiro visitar mi-nha família. Quando voltei, aluguei uma casa aqui em Vitória e comecei a trabalhar na fábri-ca de chocolates. Depois de um tempo, vários surdos vieram me chamar para voltar a estu-dar na sala de EJA da fábrica, a princípio eu fiquei resistente, não quis, mas os surdos me incentivaram, me dizendo que voltar a estudar me daria uma projeção para uma possível fa-culdade no futuro. Eu pensei, pensei e decidi aceitar. Fui até a intérprete da fábrica e disse que eu gostaria de voltar a estudar. Comecei a estudar, gostei muito, na sala tem intérprete de LIBRAS. No futuro, eu pretendo fazer uma fa-culdade. Ter voltado a estudar fez com que eu me sentisse muito bem. Mas, eu fiquei triste que muitos surdos desistiram e o número de alunos da sala diminuiu, eu sei que cada um tem os seus problemas particulares, eu respei-to, mas eu vou continuar a seguir o caminho dos meus estudos.

Outro estudante que também nos revelou esta intenção foi Pau-lo. O caso dele é muito interessante porque, quando chegou para trabalhar na fábrica, ele conhecia apenas o básico da língua de sinais. Ele nos conta a sua trajetória:

Meu nome é Paulo, este é meu nome visual. Eu nasci em Colatina e mudei junto com minha família para Vitória porque onde eu morava não tinha escola para surdos. Assim, comecei a estudar na escola de surdos de Vitória. Lá eu comecei a aprender língua de sinais com os ou-tros surdos. Mas, a escola era longe da minha casa, eu ficava muito cansado, então, mudei para uma escola de ouvintes perto da minha casa. Eu ia para as aulas, mas eu não entendia nada, porque as pessoas só conversavam oral-mente. Ficava sozinho, tinha muita vergonha,

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as pessoas me ofereciam ajuda, mas eu não en-tendia, então ficava sentado sozinho, tentando entender. Eu sofria muito, estava com 10 anos, mas eu continuei a tentar e consegui evoluir em alguns aspectos. Com a idade de 17 anos, eu ainda tentava aprender algumas coisas, a partir de um esforço individual, porque eu não tinha intérprete e as pessoas só falavam oralmente ao meu redor. Aprendi muitas coisas sozinho: matemática e português, com o tempo, minha cabeça se abriu para algumas coisas. Depois de um tempo, ligaram para minha casa e disseram que havia vagas para surdos na Garoto. Con-segui passar no processo seletivo. Lá, passei a gostar do meu trabalho, da interação em língua de sinais com os meus colegas. Depois de um tempo, me falaram sobre a importância de es-tudar e que a fábrica estava organizando duas turmas de ensino fundamental e médio. Eu en-tendi que precisava voltar a estudar e aceitei entrar. Chegando, percebi que as aulas eram traduzidas, achei isso muito legal, me senti emocionado, porque pela primeira vez eu con-seguia compreender o que me ensinavam de forma clara. No futuro eu pretendo fazer uma faculdade ou um curso técnico.

As questões por ele enfrentadas ficam claras em seu depoimen-to: solidão, dificuldade de aprendizagem e de comunicação. En-tretanto, ele se mostra aberto à nova experiência de trabalhar em uma fábrica onde seus colegas de trabalho são surdos e, inclusive, ele demonstra em sua fala que se sente bem em interagir através da língua de sinais e de estudar em um ambiente que o favorece nesse quesito.

O que Paulo vivenciou através da sua entrada na fábrica é o que Bakhtin (2010) aponta como sendo o confronto entre dois mundos – o mundo da cultura e o mundo da vida, no sentido de que antes incomunicáveis e mutuamente impenetráveis, a partir desse en-contro, é onde as coisas irrepetivelmente ocorrem (p. 43).

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Nesse sentido, também podemos compreender o espaço da EJA da Garoto como um espaço de sociabilidade entre os educan-dos surdos, um momento onde os surdos que sinalizam podem auxiliar àqueles que ainda estão conhecendo a língua de sinais de forma tímida e projetando seus planos para o futuro.

Outra coisa muito importante que observamos foi que, quando chegamos ao espaço da EJA da Garoto, foi possível constatar, ao realizarmos nossa primeira conversa, que muitos surdos tinham a ideia de continuar a estudar, porém a maioria não sabia em quais escolas eles poderiam tentar e não sabiam nem ao menos que os surdos também podem fazer cursos técnicos e superior.

No momento em que os sites das instituições foram socializados com eles, ficou evidente o desconhecimento dos surdos em relação a estas escolas e seus cursos. Este fato evidencia a falta de informa-ção que muitos surdos têm, devido às barreiras linguísticas. Assim, como os surdos conseguirão tentar as provas de seleção, se a infor-mação sobre os cursos não chega até eles? Aqui, chegamos a um ponto onde fica claro que não bastam as ações internas nas escolas, pois os surdos estão na sociedade e precisam de informação.

Considerações finais

As narrativas dos estudantes da EJA da Garoto, enquanto nar-rativas de um processo, dão conta do que Benjamin (1994) trata como uma transmissão do vivido, da vontade de trazer à tona es-sas lembranças e, a partir de sua exposição, aconselhar, comparti-lhar e transmitir conhecimento, o que fica claro a partir das falas dos estudantes.

O que nos motivou a trazer o exemplo deste trabalho foi o fato de que compreendemos que experiências como a da EJA da Garo-to são exemplos de caminhos possíveis para a formação do surdo trabalhador. Assim, cabem aqui algumas reflexões necessárias e urgentes.

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O primeiro ponto que gostaríamos de abordar está ligado ao retorno à escola. Esse movimento se dá por um conjunto de exclu-sões sociais que estes educandos surdos viveram ao longo de suas trajetórias estudantis. Sabemos que hoje existem movimentos em todos os setores da sociedade em prol da inclusão; no entanto, a ló-gica da exclusão ainda é presente em vários setores da sociedade. E essa resistência em incluir, em termos liberdade em relação as nossas concepções e nossa alteridade, de modo geral, afeta vários grupos sociais, dentre eles, os surdos. Sobre isso, Geraldi (2007) nos aponta que

Depredação e recusa na relação com a alteri-dade produziram desigualdades, e muitas das que denominamos “diferenças sociais” são pro-duções destas desigualdades, já que diferenças apenas podem emergir entre semelhantes ou entre iguais (p. 50).

O fato de os surdos e os demais grupos socialmente excluídos não terem sido historicamente tratados como iguais gerou um pas-sado de exclusão e, até hoje, essas desigualdades ecoam através dos tempos. Por isso há a necessidade de problematizar a existên-cia de espaços formativos que atendam as especificidades linguís-ticas dos surdos.

Assim, como vamos construir um futuro que seja distinto ao passado que excluiu essas pessoas, privando-as de serem iguais, no sentido do direito e da cidadania?

Não objetivamos fazer previsões, contudo, no pensamento bakhtiniano existe a ideia de que “no mundo da vida calculamos, a todos instantes, com base na memória do futuro desejado, as possibilidades de ação no presente” (Geraldi, 2007, p.50). Assim, não podemos deixar de nos preocupar com o que o futuro reserva a esses surdos enquanto estudantes e enquanto pessoas capacita-das para permanecer no mercado de trabalho.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Buscamos, aqui, registrar possibilidades que construíram ou-tros caminhos possíveis para que os surdos estudem e alcancem outros níveis de ensino, em nosso caso especificamente o ensino médio e profissionalizante. No entanto, são possíveis outras ações e, segundo Geraldi, precisamos nos ater em “calcular”.

Deste modo, não podemos deixar de nos preocupar ou de pensar que talvez os surdos não alcancem determinado espaço e que, por isso, a acessibilidade não deve estar presente ali, ou que as políticas bilíngues não devam ser implementadas em dadas situações por-que não existem estudantes surdos naquele espaço. Ao contrário disso, só poderemos vislumbrar os educandos surdos ocupando os espaços depois que essas condições forem estabelecidas.

Geraldi (2007) faz uma reflexão que complementa o nosso pen-samento sobre projetarmos as ações para uma dimensão futura, o autor nos diz que

Trata-se de pensar que a todo momento, a todo acontecimento, o futuro é repensado, refeito e deste lugar desterritorializado, sempre mutá-vel, o sujeito se situa para analisar o presente vivido e, nos limites de suas condições e dos instrumentos disponíveis, construídos pela he-rança cultural e reconstruídos, modificados, abandonados, ou recriados pelo presente, uma das possibilidades de ação é selecionada (p. 51).

Assim, esta preocupação deve estar presente nas políticas, pois tudo o que construímos e pensamos está em uma dimensão histó-rica, que acompanha não só os limites temporais, como também os acontecimentos políticos e sociais. Assim, a preocupação com a consolidação das políticas bilíngues, o acesso e a permanência dos surdos na escola deve ser uma questão presente em nossas articu-lações dentro dos espaços que envolvem a educação.

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Referências

BAKHTIN, Mikhail Mikhalovitch. Para uma filosofia do ato responsável. São Car-los: Pedro & João Editores. 2010.

BENJAMIN, WALTER. O Narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: BENJAMIN, Walter (org). Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre litera-tura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 197-232.

DOCUMENTO do MEC: Trabalhando com educação de Jovens e Adultos: alunos e alunas da EJA. Brasília, 2006, disponível em: www. portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/eja_caderno1.pdf.

GERALDI, João Wanderley. A diferença identifica. A desigualdade deforma. Percur-sos bakhtinianos de construção ética e estética. In: FREITAS, Maria Teresa et al. (orgs). Ciências humanas e pesquisa: Leituras de Mikhail Bakhtin. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007, p. 39-56.

3 - Projetos de vida a partir do retorno à escola – a eja e a educação profissional como possibilidades para a formação dos surdos trabalhadores

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O ensino de libras no contexto da educação inclusiva: a emergência das práticas de subjetivação dos professores surdos pelo foco na “docência“

Daniel Junqueira Carvalho

Lucyenne Matos da Costa Vieira-Machado

Este trabalho é um recorte da pesquisa que relata sobre as produ-

ções de práticas de subjetividades dos docentes surdos governados

pela contratação compulsória nas escolas para formas de regulação

e de controle dos corpos surdos - deficientes auditivos - matriculados

nos espaços escolares1.

Para construção política no cenário educacional brasileiro, a inclu-

são passa em ocupar o “[…] status de imperativo de Estado” e torna-se

“[…] uma das estratégias contemporâneas mais potentes para que o

ideal da universalização dos direitos individuais seja visto como uma

possibilidade” (Lopes; Fabris, 2013, p. 7).

Segundo as autoras, o contexto da inclusão se

1. A escola é uma das instituições de sequestro, um conceito de Michel Foucault citado por Veiga-Neto (2013, p. 76) que são “capazes de capturar nossos corpos por tempos variáveis e submetê-los a variadas tecnologias de poder nos espaços como prisão, manicômio, fábrica, o quartel, e principalmente nas escolas pela qual todos passam (ou deveriam passar...) o maior tempo de suas vidas, no período da infância e da juventude”.

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[…] insere dentro da grade de inteligibilidade2 que promove, entre outras, a ampla circulação das pes-soas, os fluxos internos nos organismos de Estado, a diversidade, a diferenciação entre coisas com-paráveis e visíveis, o borramento de fronteiras, o consumo, a produção cultural, a concorrência e a competição entre indivíduos, a autonomia, o em-preendedorismo, a caridade, a solidariedade, etc. (LOPES; FABRIS, 2013, p. 8).

A inclusão, portanto, é uma construção política do imperativo do Estado. Sob a ótica foucaultiana, governar um Estado “[…] significa portanto esclarecer a econômica no nível geral do Estado, isto é, ter relação aos habitantes, às riquezas, aos comportamentos individuais e coletivos, uma forma de vigilância, de controle tão atenta quanto a do pai da família” (FOUCAULT, 2015, p. 413).

Segundo CARVALHO (2016)

[…] a inclusão trata de uma estratégia política de investimento do Estado na regulação de sujeitos “anormais” e, no caso desta pesquisa, sujeitos sur-dos, por meio de práticas de governamento especí-ficas, inclusive sobre a Língua desses sujeitos [...], as práticas de subjetivação3 nas grelhas da inclusão, práticas que constituem as condutas pela verdade emergida como política de investimento do Estado, especificamente, do ser professor surdo nas insti-tuições de ensino (CARVALHO, 2016, p. 59, grifo nosso).

2. Masschelein e Simons (2014, p. 34) entendem que a inteligibilidade é “[…] tudo que o representa na ordem da realidade e da compreensão”.

3. Michel Foucault (2004, p. 291) cita: “[…] efetivamente que não há um sujeito sobera-no, fundador, uma forma universal de sujeito que poderíamos encontrar em todos os lugares. Sou muito cético e hostil em relação a essa concepção do sujeito. Penso, ao contrário, que o sujeito se constitui através das práticas de sujeição ou, de maneira mais autônoma, através de práticas de liberação, de liberdade, [...] de um certo número de regras, de estilos, de convenções que podemos encontrar no meio cultural” (FOU-CAULT, 2004, p. 291).

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Logo, as práticas de governamento e de subjetivação, ação do sujeito sobre ele mesmo, “[…] são modificadas e/ou deslocadas de foco fazendo emergir outras formas de governamentalidades4, dadas pelas contingências políticas, sociais, econômicas, educa-cionais, etc” (Lopes; Fabris, 2013, p. 24).

Assim, as narrativas dos professores surdos que atuam nas ins-tituições de ensino na prefeitura de Vitória e no Estado do Espírito Santo tratam de experiências narradas pelas práticas que se sub-metem e constituem-se como “ser professor surdo” do nosso tem-po. Para tanto, as subjetividades dos docentes surdos emergem em três formas: i) subjetividade resistente; ii) subjetividade salva-cionista; e iii) subjetividade docente, cujas descrições se seguem.

Encontro, a partir dessas práticas de governa-mento pela criação do cargo e a inclusão do “Professor Surdo” na escola, três formas que subjetivam esses sujeitos: a) Subjetividade re-sistente: subjetividade constituída pelo ‘foco da identidade’ do sujeito surdo como uma identi-dade governada; b) Subjetividade salvacionista: subjetividade constituída pelo ‘salvamento’ do sujeito surdo pelo ‘futuro’, pelo ‘mundo dos surdos’, pelos ‘cuidados paternos’; e, c) Subjeti-vidade docente: subjetividade constituída pela ‘docência’ do sujeito surdo, não por Ser Surdo, não pela identidade, cultura e comunidade, mas como modo de olhar fora da necessidade do Ser Surdo (CARVALHO, 2016, p. 82).

Dessa maneira, uma das três formas de subjetividade será dis-cutida como espaço analítico neste texto: a subjetividade docente.

4. Veiga-Neto (2002) propõe como conjunto de práticas de “governamento” com as práticas de “subjetivação”, como um ato de governar a tudo (a todos e a si mesmo).

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4 - O ensino de libras no contexto da educação inclusiva: a emergência das práticas de subjetivação dos professores surdos pelo foco na “docência”

Subjetividade docente

Várias narrativas dos professores surdos relatam sobre assumir a responsabilidade do papel da docência, e, por conseguinte, vá-rias práticas produzidas se vinculam com outros surdos discentes. Experiências docentes que transitam por outras experiências de si e de outros sujeitos surdos. Práticas que produzem nos sujeitos surdos uma subjetividade docente, que transitam por uma respon-sabilidade dos docentes cumprirem o papel definido pelo Esta-do, junto ao cumprimento de seu papel com a comunidade surda. Transformam, assim, os outros indivíduos surdos em sujeitos de conhecimento ou produtos de conhecimento. Observemos o pen-samento da professora surda, aqui chamada de Z:

A escola é responsável por ensinar a base do co-nhecimento sobre o mundo e das coisas que como elas acontecem nele, como na política da presi-dente Dilma, globalização, crise, inflação, custo de vida, falta de água, e essas coisas acontecem porque, como, o que, esses problemas que os surdos alunos não conhecem (Informação ver-bal de Z, grifo nosso).

A professora surda Z afirma um posicionamento da escola como responsável por ensinar a base de conhecimentos de e sobre o mundo: o que acontece nele? Como? Por quê? Assuntos que não são ensinados para alunos surdos nas escolas e são, então, assum-idos por essa professor supracitada. Mas a professora surda Z de-veria se responsabilizar-se por ensinar conhecimentos de mundo, tais como a globalização, a crise, o custo de vida, a falta de água, a inflação, a política da presidente Dilma, por exemplo? Mas ela, por acaso, é professora de quê? Qual é - ou seria - a função dela? Digo que é professora. Focando na sua docência, enfim.

É interessante refletir que, talvez, impele-se ao professor as-sumir uma responsabilidade de ensinar tudo de que um aluno pre-cisa. Deslocando uma profissão assumida, desviando a sua função,

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

para que o aluno aprenda alguma coisa além da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Verifica-se o complemento ao comentário do instrutor surdo E:

Conversei com a pedagoga que não vou ensinar só libras [...]. Pensa que surdos só sabem libras? Surdos precisam ter vários acessos a comuni-cação, só libras não! SÓ LIBRAS? Assim os sur-dos não vão conseguir sobreviver fora. Eu tenho experiência disso! Por exemplo, preocupo com surdos também com o ensino de aritmética e álgebra, ensinando libras também acrescento a matemática para eles aprenderem com op-erações matemáticas. [...] mas quero também é ensinar palavras e vocabulário do português. (In-formação verbal de E, grifo nosso).

Assim, do comentário do instrutor surdo E – “Tenho experiên-cia disso!” - se impõe o desafio de ensinar também outras coisas que sabe e aprendeu para si, para que os outros surdos as apren-dam e saibam como sobreviver fora da escola. Fora da escola, é necessário caminhar a sua vida com conhecimentos de mundo adquiridos por experiências passadas pelo instrutor surdo E, ex-periências tais como o acesso aos cálculos para compras, vendas e trocos, bem como o acesso a bancos, a hospitais, a supermercados, a lojas e a vários outros espaços.

Há narrativas também que mostram quando os professores sur-dos focam mais no trabalho de ‘docência’. O comentário grande e interessante pelo exemplo do professor surdo W:

Eu ensino para as crianças surdas, só ensina? Mas sinto que existe a falta da produção do co-nhecimento absorvido. Só eu ensino e os sur-dos não produzem? Eu percebo isso, uma coisa que me incomoda. Isto me fez pensar bastante e... e senti que eles precisam mesmo de ma-nifestar o conhecimento aprendido. [...] Um exemplo de ‘árvore’, [...] Para que? Para a vida, para viver. Porque? Não lembro muito bem,

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mas tenho nos meus planejamentos para ensi-nar esse conteúdo para surdos, ensino para eles aprenderem e depois os faço para eles explora-rem o significado para produzirem a opinião de-les em torno da temática apresentada. [...] Quero conversar e perceber a manifestação deles, per-gunto sobre a ‘árvore’ e os surdos podem con-versar comigo sem precisar responder, exemplo: os surdos mostram o sinal de árvore, mas quero saber o que mais eles sabem sobre a árvore e os questiono. (Informação verbal de W).

Observa-se um comentário profissional e que demonstra dedi-cação pelo seu papel de professor, assumindo uma função de en-sinar para que os alunos produzam. É o que todo professor surdo deveria fazer? Só ensinar Libras? Só Libras? Por que não outras coisas? O professores surdos conseguem confiar na família, na es-cola, nos professores, que estão ensinando essas coisas? O que é ensinar só Libras?

Vejamos, por um e outro lado: os professores surdos são con-tratados pelo sistema educacional para conduzir o trabalho nas escolas, digo “conduzir” no sentido de conduzir no interesse do Es-tado. O trabalho de “professor surdo” teria como foco nos procedi-mentos educacionais, que indicam como será atuado o “professor surdo” nas escolas (o que fazer e como fazer), para que assumam a sua própria função pelo sistema educacional e não por si mesmos. Por outro lado, nem todos os professores surdos conduzem da for-ma que é ditado pelo sistema educacional. Como nas narrativas mencionadas acimas pelos professores surdos explicita-se que

O professor deve ir à busca da atenção dos seus estudantes, sair ao encontro dessa atenção para seduzi-la, perturbá-la e convidá-la a se repousar sobre o que é preciso questionar, compreender, pensar e inventar, isto é, para que se ponha a atender o que permitirá dar-lhe o que necessita para viver como é preciso viver (KOHAN, 2013, p. 88).

4 - O ensino de libras no contexto da educação inclusiva: a emergência das práticas de subjetivação dos professores surdos pelo foco na “docência”

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Dessa forma, a ação é feita pelo professor surdo W leva a um objetivo para que os alunos surdos sejam pesquisadores e tenham interesse no assunto ou matéria posta na mesa. Kohan (2013) ex-plicita que o professor

[...] é um inspirador, um excitador de saber. Ele também é um estimulador da vontade, do querer. O que primeiro exorta saber e querer é a força da própria capacidade de saber e de pensar: o perceber-se como alguém igualmente capaz de saber e pensar como todos os outros seres humanos. [...] É também um professor que ajuda a entender e compreender o que é ensinado com prazer, com alegria, entretenimento (idem, 2013, p. 90).

Portanto, os comentários dos docentes surdos focam na for-mação de professor que assume um papel de responsabilidade com a sua função de ensinar. Masschelein e Simons (2013) explici-tam que o professor busca a “formação” por meio do estudo e da prática, o que não é feito para que esse professor seja uma pessoa bem-formada, mas com uma preparação. Preparação não no sen-tido de empregabilidade ou de algum propósito pré-determinado, relacionado a algo fora da escola, para um destino ou fim, mas sim no sentido de fazerem e buscarem exercícios e estudos que preparem e ajudem a ficar em forma.

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Referências

CARVALHO, Daniel Junqueira. Não basta Ser Surdo para ser professor: as práticas que constituem o Ser Professor Surdo no espaço da inclusão. 2016, 149 folhas. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória/ES, 2016.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Organização, introdução e revisão técni-ca de Roberto Machado. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.

_______. Ditos e Escritos V: Ética, Sexualidade, Política. Tradução de Elisa Mon-teiro e Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

KOHAN, Walter Omar. O mestre inventor: Relatos de um viajante educador. Tradução de Hélia Freitas. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

LOPES, Maura Corcini; FABRIS, Eli Henn. Inclusão & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

MASSCHELEIN, Jan. SIMONS, Maarten. A pedagogia, a democracia, a escola. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.

VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

_______. Coisas do governo... In: RAGO, M; ORLANDI, L. B. VEIGA-NETO, S. (Orgs.) Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias nietzschianas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

4 - O ensino de libras no contexto da educação inclusiva: a emergência das práticas de subjetivação dos professores surdos pelo foco na “docência”

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A língua própria do surdo - entre a defesa da língua e a subjetividade para resistência

Gabriel Silva NascimentoLucyenne Matos da Costa Vieira Machado

Por uma breve incursão histórica

À medida em que as discussões avançam no campo da educação de surdos, alguns discursos ganham força especialmente nas duas últimas décadas, no que diz respeito a Língua Brasileira de Sinais, a Língua Portuguesa, a defesa de políticas de acessibilidade e escolas bilíngues. Curiosamente, o modo como eles se reproduzem pode, a partir de de-terminadas perspectivas, fomentar ideias que por vezes vão de encon-tro às reivindicações da Comunidade Surda em seus movimentos.

Assim objetivamos ao longo dessa pesquisa de cunho histórico do-cumental, sinalizar questões pouco exploradas nas pesquisas atuais acerca dos efeitos discursivos produzidos em consonância com o que se têm por evidencia em documentos históricos e o contexto sócio--político que permeou a Educação de Surdos no último século.

Historicamente, as pesquisas na Educação de Surdos apontam para eventos em cadeia linear que atravessaram desde o processo

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de reconhecimento do potencial linguístico da comunicação en-tre surdos por meio de línguas de sinais até filosofias educacionais amplamente discutidas ao longo da escolarização dos surdos e que substanciam os discursos atuais em prol de escolas bilíngues.

Nesse contexto, as narrativas sobre sujeitos surdos assassinados em razão de sua condição em tempos de antigas civilizações, acompa-nham o desenvolvimento das sociedades, retirando-os da condenação à morte e direcionando-os para o contexto de salvação pela confis-são religiosa e concomitantemente para relações de bens e posses de herança, que eventualmente dão abertura para uma “escolarização” mínima para os surdos no mundo.

Ao longo dessa pesquisa, não temos a intenção de refutar essa narrativa histórica que se constitui hoje em bibliografia básica nas produções relacionadas à surdez e línguas de sinais. Objetivamos, ao nos aproximar de uma perspectiva foucaultiana, colocar em suspen-so, determinadas práticas discursivas que se solidificaram em ver-dades, propondo uma incursão pelos aspectos teóricos e contextuais que possam ter orientado para o surgimento desses discursos sem, no entanto, historicizá-los, mas, problematizar a partir da matriz de expe-riência em Foucault, possíveis implicações oriundas dessas verdades instituídas.

Percurso e reconhecimento linguístico das línguas de sinais

No Brasil, os movimentos das Comunidades Surdas nas duas úl-timas décadas obtiveram conquistas históricas partindo do reconhe-cimento legal da Libras como meio de comunicação e expressão à criação de cursos de formação superior para tradução, interpretação e ensino da Libras. Dentre os fatores que fomentaram esses avan-ços, podemos apontar os estudos linguísticos realizados no Brasil, especialmente a partir da década de 1990 encabeçados por linguis-tas como Lucinda Ferreira Brito, Ronice Quadros e Lodenir Karno-pp. Estes estudos por sua vez, são motivados pela efervescência de

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pesquisas realizadas em diversos países perpassando as diferentes filosofias educacionais empregadas na educação de surdos e tendo como ponto de partida os estudos realizados por pesquisadores a partir de William Stokoe na década de 1960 e cujos trabalhos são hoje referências internacionais nas pesquisas linguísticas das lín-guas de sinais, como Ted Suppala, Ursula Bellugi, Edward Klima, Harlan Lane e Oliver Sacks.

É perceptível que o eixo comum das pesquisas linguísticas apli-cadas às línguas de sinais consiste em sua sistematização estrutu-ral apresentando as unidades mínimas e demais parâmetros bem como os universais linguísticos que possibilitam que elas sejam classificadas como línguas naturais. Uma vez que as evidências em torno dessa prática discursiva se consolidam na Linguística, as questões culturais e identitárias reforçam a noção de língua como instrumento através da qual os sujeitos surdos se constituem, nes-se contexto a surdez se ressignifica como marca da diferença, as-sumindo a questão visual inerente aos surdos como uma potência de aprendizagem e consolidando em uma nova forma de se rela-cionar com o mundo.

Essa marca da diferença emerge num contexto em que se fazia necessário pensar, a partir dos novos estudos, caminhos que se-guissem noutra direção em relação ao discurso comum da surdez como falha biológica, assim, a presença de uma língua validada es-truturalmente pelos estudos linguísticos, orienta novas formas de perceber a surdez e a partir disso retoma as discussões sobre me-todologias de ensino para surdos e acessibilidade comunicacional.

Retomando ainda a questão linguística, notamos na bibliogra-fia um intenso esforço em esmiuçar os aspectos mínimos das lín-guas de sinais, contudo, pouco se oferece de informações acerca das motivações que fomentaram o reconhecimento linguístico das línguas de sinais, isto é, a quem interessa evidenciar, por exemplo, a Libras como língua? E principalmente, o que tomam como língua aqueles que integram a Comunidade Surda e são

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falantes da Libras sem necessariamente terem uma noção básica de tais estudos linguísticos e nuances estruturais da língua?

Da mesma forma, seguindo pela perspectiva cultural atrelada a língua, de que modo o discurso “A Libras é a língua própria do surdo” encontra forças para se sustentar dentro dos movimentos que propõe uma educação bilíngue através da qual os surdos e ouvintes seriam capazes de se comunicar tanto em Libras quanto em Língua Portuguesa?

A ideia de matriz de experiência trazida por Foucault em “O go-verno de si e dos outros” como uma crítica a seus usos anteriores da noção da experiência, abarca três eixos: saber, poder e ética. Tomando essa ferramenta teórico-metodológica como instrumen-to de análise dessas práticas discursivas que se consolidaram em verdades instituídas nos é possível refletir criticamente sobre al-guns fatores que se evidenciam a partir da noção da experiência como algo não somente experimentado numa linha cronológica, mas que atravessa e modifica de modo significativo os sujeitos.

Pelo eixo do saber nos arriscamos a lidar com práticas discur-sivas que definem, delimitam e restringem determinados com-portamentos em relação aos surdos a partir da produção de de-terminados saberes. Nisso, as noções de filosofias educacionais empregadas na Educação de Surdos e que ainda hoje de alguma forma se sustentam subsistindo, abarcariam questões políticas e sociais de controle e regulação a partir da ideia de saber associado a aspectos da língua oral. Assim o que se produz na e por meio da língua de sinais encontra ainda intensas barreiras de reconheci-mento em relação ao que se produz na e por meio da língua oral.

No eixo do poder avançamos ainda mais para considerar criti-camente as relações que se estabelecem entre surdos e ouvintes, hierarquia linguística, proteção da Libras e distinção entre “nós e eles” que em determinados momentos situam os ouvintes usu-ários da língua de sinais como membros da Comunidade Surda e em outros momentos os marcam como outsiders, concorrentes.

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Por fim, no eixo da ética é possível refletirmos acerca dos efeitos desses discursos sobre a própria Comunidade Surda e das formas desviantes do comportamento normativo que constituem diferen-tes formas de ser surdo para si mesmo e para os outros. Nesse caso algumas formas de ser surdo acabam sendo mais valorizadas que outras deixando de lado o aspecto heterogênico intrínseco à Comunidade Surda e instigando categorizações entrelaçadas nos discursos de identidades (FOUCAULT, 2010).

Embora a ideia de delimitar uma língua como propriedade ex-clusiva de determinado grupo, possa em certo ponto se despren-der das propostas bilíngues tão intensamente defendidas pelos movimentos surdos, é possível compreender, através do contexto histórico brasileiro determinadas engrenagens que colocam em movimento esse discurso que pode sugerir uma experiência de vida monolíngue.

Historicamente, a sobrevivência das línguas esteve condiciona-da não somente a quantidade de falantes, mas também ao poder detido pelos grupos que delas utilizam. No Brasil, Quadros e Cam-pello (2010) nos remontam às políticas de extermínio linguístico empregadas com a chegada dos Portugueses ao continente e as estratégias políticas e sociais cunhadas na experiência eurocên-trica de vida que instituíram gradativamente a Língua Portuguesa como única no país, sobrepujando milhares de línguas nativas e outras variantes trazidas por colonizadores. Assim é possível com-preender as dificuldades em consolidar o bilinguismo como práti-ca comum no Brasil.

Ainda sobre este termo, faz-se necessário refletir com cautela, o que se toma por bilíngue em diferentes momentos históricos que nos levaram à concepção mais atual. Nos relatos acerca da Educação de Surdos, o Congresso Realizado em Milão em 1880, é narrado como o mais grave marco negativo que impactou os sur-dos de todo o mundo ao instituir o método de ensino oral como obrigatório e combater arduamente o uso de outros mecanismos

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de comunicação, essencialmente o uso das línguas de sinais (MI-LÃO, 2011).

No entanto, partindo por uma investigação acerca do contexto histórico, político e social europeu nas duas últimas décadas do século XVIII, é possível perceber que o chamado Congresso de Mi-lão não se resumiu a um episódio isolado, mas em sequências de outros eventos que almejavam debater os sucessos e insucessos de diferentes métodos empregados na escolarização de surdos ao redor do mundo.

Sendo mais preciso, buscavam especialmente evidenciar o su-cesso do método alemão preconizando a fala oral e o domínio do idioma inscrito como caminho ideal para escolarização dos surdos, assumindo uma perspectiva clínico-terapêutica em que a surdez se apresentava como uma ameaça a ser combatida e que o acesso ao pensamento e a ao desenvolvimento psicossocial estaria ligado diretamente a capacidade de se expressar pela língua oral.

Dentre esses eventos, destacamos outro de grande importância que curiosamente acaba frequentemente não sendo evidenciado na literatura, o Congresso de Paris, ocorrido 20 anos após o evento italiano (PARIS, 2013). Ao realizarmos a leitura das atas do evento, os relatos nos permitem novas reflexões. Não se trata apenas de completar referências e menções de outros pesquisadores, mas revisitar historicamente aquele contexto a partir das falas, da or-ganização e dos discursos ali produzidos.

As narrativas acerca da escolarização de surdos em pelo me-nos 16 países parecem ir na contramão da ideia de submissão dos países na escolha de métodos para o ensino de surdos a partir do que foi decidido em Milão. Além disso, as línguas de sinais se fazem presentes na sessão coordenada pelos surdos participantes do evento, sendo assim tratadas como línguas 60 anos antes dos postulados linguísticos de Stokoe. A referência às então chamadas linguagem de sinais reconhecidas como forma alternativa de comu-nicação e expressão não se davam por meio de um documento ofi-

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cial com força de lei, mas pelo uso corrente no espaço percebido socialmente e por aqueles envolvidos na escolarização de surdos.

Este fenômeno nos leva a refletir acerca de outra prática dis-cursiva comum atualmente. Por diversas vezes, a frase “A Libras não tem o mesmo status de língua que o Português” aparece para endossar o não reconhecimento social da Libras pela grande maio-ria dos brasileiros que a veem como um sistema simplificado de comunicação gestual que se vale da mímica e pantomima. Nesse contexto, vale a pena problematizar: o que se pretende afirmar com os dizeres “status de língua”? Ou ainda, até que ponto a ten-são ocasionada pelo uso dos termos língua e linguagem reflete a informação que a população tem sobre a língua de sinais?

Por esse viés, é possível iniciar uma reflexão sobre os fatores que motivam o reconhecimento ou a recusa da Libras como uma segunda possibilidade de língua em território nacional. A hipótese é de que tais práticas discursivas não se constituem necessaria-mente em formas conscientes de exclusão dos surdos da socie-dade, mas relações que se estabelecem entre línguas maiores e menores.

Um indicador disso, é que em determinado momento do Con-gresso de 1900, um dos membros debatedores não somente men-ciona o uso comum de uma língua de sinais entre os surdos como a compara com outros dialetos menos populares em seu país, como o basco e bretão e línguas de imigrantes.

Outro fator extremamente relevante, é o posicionamento do acadêmico surdo que presidiu a Sessão de Surdos do evento, quan-do em seu discurso na abertura geral anuncia:

A fala seria evidentemente para nós o maior de todos os bens, para nós que não escutamos! Nós não pedimos senão uma coisa: que a nossa língua natural, a linguagem dos sinais, não seja sacrificada pela linguagem articulada (PARIS, 2013, p. 18).

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Tendo em mente o contexto pós-Milão, recebemos com surpresa o fato de que um acadêmico surdo não se oponha ao método oralis-ta prontamente, considerando a possibilidade do uso da língua oral desde que a “linguagem de sinais” não fosse por ela sacrificada. A presença de ambas as línguas em uso pode neste caso representar indícios de políticas bilíngues, mesmo que naquele momento este termo específico ainda não tivesse sido cunhado. Esse, “protótipo” de bilinguismo excedia o uso social, estando presente também em alguns espaços acadêmicos, como é o caso da Gallaudet University, em que o delegado americano narra que o ensino da língua articu-lada era oferecido nos Estados Unidos e que ambas as línguas con-viviam entre os alunos de modo harmonioso. Essas observações são possíveis a partir do momento em que nos dedicamos a revisitar esses documentos históricos, não como fontes isoladas, mas situadas em determinados contextos sociais e políticos que direcionavam as práticas discursivas e trazem à tona questões de dominância associa-das a potência de uma língua e o poder detido pelos seus falantes.

Pensando futuras possibilidades investigativas

Assim, consideramos que os dados dessa incursão histórica são potentes ao nos permitir experimentar novas reflexões que podem contribuir para pensar determinadas práticas discursivas corren-tes nos movimentos das Comunidades Surdas e que constituem verdades instituídas, pois nas palavras de Veiga-Neto “a verdade é histórica, e em consequência, é função daquilo que se passa com nós mesmos” (2003, p.40).

Não pensamos ao longo dessa pesquisa em refutar o processo histórico evidenciado nas produções acerca da surdez, língua de sinais e Educação de Surdos, mas encontrar nele novas possibili-dades de enxergar a Educação de Surdos como um processo não inteiramente demonizado pela exclusão em relação a surdez, mas também associado à questão linguística e cultural em dominância.

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Nesse sentido, as narrativas históricas podem desviar da noção exclusiva da surdez como deficiência versus surdez como diferen-ça; e da tensão surdos versus ouvintes, para pensar as relações de poder atrelados à língua e ao grupo dominante em diferentes momentos históricos.

Essas reflexões podem contribuir para entendermos as barrei-ras que se solidificam nas lutas por movimentos bilíngues e pelo almejado reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais não so-mente como uma forma natural de comunicação e expressão das comunidades surdas brasileiras, mas de fato como uma língua ofi-cial em equidade com a Língua Portuguesa como se pretende na consolidação de uma nação bilíngue.

Referências

FOUCAULT, M. O governo de si e dos outros. (E. Brandão, Trad.) São Paulo: Martins Fontes, 2010.

MILÃO. Atas do congresso de 1880. Rio de Janeiro: Ines, 2011.

PARIS. Congresso Internacional para o estudo das questões de educação e de assistência de surdos-mudos. Rio de Janeiro: INES, 2013.

QUADROS, R. M. de; CAMPELLO, A. R. Educação de Surdos: Políticas, Língua de Sinais, Comunidade e Cultura Surda. VIEIRA-MACHADO, Lucyenne M. C; CORCINI, Maura. (Org). Edunisc. Rio Grande do Sul, 2010.

VEIGA-NETO, A. Coisas do governo. In: RAGO, Margareth; ORLANDI, Luiz B. Lacer-da; VEIGA-NETO, Alfredo (Org.). Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias nietzschianas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

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A participação da Sociedade de Formação de Professores para Surdos e Difusão do Sistema “Alemão” no Congresso de Milão (1880)

José Raimundo Rodrigues

Lucyenne M. da C. Vieira-Machado

Uma aproximação histórica

O Congresso de Milão (1880) é um monumento na história da edu-cação dos surdos, inevitável remeter-se a ele ao tratar das questões que ainda hoje se colocam em relação aos métodos utilizados na for-mação dos surdos. Deseja-se neste texto refletir sobre alguns relató-rios apresentados durante o Congresso de Milão. Trata-se de uma pes-quisa de cunho documental, que procura ao retomar fontes históricas sobre a educação de surdos, discutir como se constituiu uma forma de educá-los que repercute atualmente.

Os antecedentes do Congresso de Milão apontam para movimen-tos de surdos que tinham por finalidade debater a formação que lhes era destinada e como na Europa do século XIX foi se configurando uma escolarização destinada a este grupo de pessoas. Os congressos, ação comum a outras áreas do saber, foram ocasiões propícias para congregar estudiosos, apresentar estudos, debater ideias e definir prá-

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ticas. O Congresso de Milão é o segundo congresso organizado por professores que atuavam junto a alunos surdos.

Considerando que o Congresso de Paris (1878) já prefigurava uma preferência para o método oral puro ou “método alemão”, conforme se lê na resolução que trata sobre os métodos, e que, noutra resolução do mesmo congresso, se aborda a realização de congressos trianuais com representantes dos diversos países, a or-ganização do Congresso de Milão terá ampla participação de sim-patizantes do método oralista desde o financiamento de passagens para professores que atuavam em colégios oralistas, apresentação de trabalhos que confirmavam a excelência do método e, por fim, visitas a institutos italianos que o utilizavam.

Queremos nos deter nas temáticas apresentadas pela Socieda-de de formação de professores para surdos e difusão do sistema “alemão” no Reino Unido. Esta sociedade, datada de 1878, foi “fun-dada para promoção da educação do surdo, com base no sistema ‘alemão’, visando ao treinamento de professores, governantas e pessoas relacionadas com o surdo, para interar-se com o sistema tanto na teoria como na prática” (MILÃO, 2011, p. 304).

Os propósitos de expansão do oralismo são apresentados como forma de torná-lo acessível a todas as classes sociais. Duas insti-tuições eram ofertadas pela Sociedade de formação de professo-res: a) Instituto de formação – destinado à formação de professo-res, governantas e pessoas relacionadas com o surdo, admitindo somente estudantes do sexo feminino; b) Escola – destinada a alunos de pais instruídos. Embora se definisse como instituição não confessional, a escola vinculada à Sociedade de formação para professores de surdos seguia os princípios da Igreja na In-glaterra, associando à formação instruções morais e religiosas. O método utilizado na escola se baseava na articulação da leitura labial, da leitura e da escrita, sendo proibido o alfabeto manual e o uso de sinais.

Profissionais da Sociedade de formação de professores para

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surdos foram convidados pelos organizadores do Congresso de Milão para elaborar trabalhos temáticos a partir do programa de questões distribuído ainda em janeiro de 1880 com o objetivo de fundamentar futuras resoluções. Durante o Congresso de Milão, tais profissionais tiveram um tempo determinado para apresentar seus estudos e terem suas abordagens debatidas. O quadro abaixo mostra as temáticas dos relatórios e seus autores.

Quadro 1 – Textos apresentados no Congresso de Milão

Relatórios Autores

Desenvolvimento mental dos surdos com base no sistema "alemão"

Sra. John Ackers

Minha experiência com diversos métodos educacionais para crianças surdas de nascença

Susanna E. Hull

A educação dos surdos Arthur A. Kinsey

Os surdos e os benefícios do sistema "alemão" na vida posterior

J. Ackers

A saúde dos surdos-mudos E. Symes-Thompson

Fala e leitura labial para surdos: testemunho de um professor sobre o sistema "alemão"

David Buxton

Fonte: própria.

Adentrando nos trabalhos apresentados em Milão (1880)

De forma panorâmica retomaremos os seis estudos propostos em Milão, procurando apresentar suas características principais. Não nos deteremos numa análise de discurso, mas tão somente queremos fazer realçar aspectos que consideramos importantes e que nem sempre são contemplados ao se abordar o Congresso de Milão (1880). O primeiro estudo, apresentado pela senhora St. John Ackers, evidenciava que fora solicitada a escrever sobre as vantagens do método articulatório em contraposição ao de sinais. A autora retoma a trajetória pessoal de busca por uma escola para

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a filha surda, critica o desconhecimento e superficialidade de mui-tos em relação ao sistema “alemão”. Os argumentos utilizados se baseiam no valor do uso da palavra como forma de acesso aos di-versos conhecimentos escolares, aprimoramento do uso da escri-ta, possibilitando um melhor desenvolvimento mental dos surdos. A senhora St. John Ackers finaliza sua reflexão invocando o suces-so obtido no uso do sistema “alemão” com sua filha, assegurando que o acesso à linguagem era uma dádiva não só para os surdos como também para os ouvintes (MILÃO, 2011).

Nota-se neste estudo uma forte afirmação do valor da pesquisa, demonstrando certa pretensão de cientificidade na argumentação. Além disso, a autora se detém na descrição da metodologia usada na pesquisa. Parece-nos que essa nova forma de se argumentar traz consigo elementos positivistas bem como aponta para ques-tões de uma mudança social no que diz respeito ao próprio sentido das ciências. Ao se buscar o argumento científico está se rompen-do com uma forma de conhecimento e inaugurando no contexto da educação de surdos a prática de validação pela razão moderna. Câmara considera relevante o relatório da senhora Ackers por ela argumentar que “a língua de sinais era uma forma incompleta ou menos desenvolvida que a fala articulada. Assim, a única forma efetiva da inserção social dos surdos era abandonando o uso de sinais em favor da fala” (CÂMARA, 2018, p. 277).

O estudo Minha experiência com diversos métodos educacionais para crianças surdas de nascença, apresentado por Susanna E. Hull, relata sua preferência pelo método oral após 17 anos de tra-balho na educação de surdos. Susanna Hull sugeria que o uso de sinais conduz ao “surdo-mutismo” e considerava que a oralidade era tão natural aos surdos quanto aos ouvintes. No estudo dessa professora se apresentava a influência do contato com Melville Bell, professor universitário que anos antes havia publicado “Fala visível”, e com Graham Bell, personagens com quem rompe pos-teriormente (MILÃO, 2011).

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O aspecto da experimentação está presente. É no exercício jun-to aos surdos, numa procura pelo melhor método, procurando re-gistrar avanços e retrocessos que são construídos os argumentos favoráveis ao método oral. Explicita-se em sua fala uma valoriza-ção dos aspectos anatômicos e das informações sobre fonética. Sua crítica ao método combinado se sustenta, principalmente, sobre a demora no aprendizado, ao mesmo tempo, em que valoriza o mé-todo oral por considerá-lo o único que possibilita o acesso ao pen-samento. Desta forma, se configura na argumentação da professo-ra que somente os que falam podem pensar. Essa associação entre oralidade e possibilidade de abstração foi utilizada como maneira de se reduzir o valor e o sentido do uso de sinais na comunicação e educação de surdos.

A ênfase na perseverança do professor ganha sentido quase ca-ritativo quando associada à necessidade de se privilegiar o ensino dos surdos pobres. Mas é o treino e a qualificação dos professores de surdos que guia a fala de Susanna Hull. O treino não se restringe ao professor, pois a professora assevera que é necessário um ano de treinamento do aluno no método oral para que possa dar continui-dade aos estudos. No estudo dessa autora se realça o trânsito pelos diversos métodos (sinais; combinado; símbolos vocais;) culminando numa preferência pelo método oral. Há, portanto, um vínculo tam-bém com as questões de currículo e formação de professores.

Arthur A. Kinsey, diretor do Instituto da Sociedade de formação de professores para surdos, apresentou o trabalho A educação dos surdos. Seu estudo parte de uma compreensão de certa igualdade de ouvintes e surdos e “mudos” quanto à capacidade de realizar algumas tarefas. O autor distingue surdez e mutismo, surdos co-muns de surdos doentes, demonstrando conhecimentos também de ordem médica. Aos surdos comuns, Kinsey recorda que se cos-tuma aplicar o sistema “alemão” e aos demais o uso do sistema “francês”; critica o desconhecimento do método oral por parte dos favoráveis ao método de sinais, enfatiza a centenária experiência e os benefícios do método “alemão” (MILÃO, 2011).

6 - A participação da Sociedade de Formação de Professores para Surdos e Difusão do Sistema “Alemão” no Congresso de Milão (1880)

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Mais uma vez se toca na formação de professores para a educa-ção de surdos, realçando que a articulação deve ser ensinada na escola e não pelos familiares e que o processo de aprendizagem se dá pela “observação do aluno, a sensibilidade e a imitação dos mo-vimentos feitos pelos órgãos vocais e articulatórios do professor” (MILÃO, 2011, p. 96). Kinsey vê a língua de sinais como artificial e arbitrária. A postura do autor é a de que os surdos precisam, desde o início, ser considerados como se fossem ouvintes, valorizando neles as habilidades visual e dos órgãos vocais. O aprendizado da escrita dá continuidade à oralização, ocupando as mãos dos estu-dantes, impedindo-os de sinalizar.

De acordo com Kinsey, o sistema “alemão” asseguraria o domí-nio do idioma e da escrita, bem como prepararia os surdos para fu-turos estudos. Parte de seu estudo é dedicada à organização da edu-cação de surdos, discorrendo sobre os conteúdos e metodologias, uso de livros e manuais, a importância de contato com diversos professores. A conclusão de Kinsey realça a compreensão da surdez como doença e conclama à solidariedade como ação própria diante dos surdos. A visão médico-terapêutica presente no relatório revela sinais de uma época em que tanto a biologia quanto a psicologia es-tão no seu nascedouro, mas já marcam a compreensão do humano de forma muito distinta das anteriores em que os aspectos religiosos se sobrepunham ao uso da racionalidade. Todavia, ao conclamar à solidariedade, Kinsey nos coloca em contato com um mundo que ainda transita do pastorado cristão para uma biopolítica.

O quarto estudo, Os surdos e os benefícios do sistema “alemão” na vida posterior, apresentado por Benjamin St. J. Ackers, secretário da Sociedade de formação de professores para surdos, inicia men-cionando a rivalidade entre os defensores do método oral e os do método de sinais e relata sua visita a diversos países no intuito de avaliar o melhor método. O autor insiste que a língua natural dos surdos é a leitura labial e a fala. Assim, o autor afirma que teve dificuldades em se comunicar com alunos educados pelo sistema “francês” por desconhecer os seus sinais (MILÃO, 2011).

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A partir de vários exemplos, Benjamin St. J. Ackers ilustra o su-cesso do uso do método “alemão”, concluindo que mesmo os sur-dos congênitos demonstravam consolidação do aprendizado; que os surdos preferem a oralização no contato com ouvintes e que o método “alemão” teria um valor prático para os mais necessitados progredirem após a escolarização. O autor finaliza sua apresenta-ção recordando que fora tal pesquisa sobre o melhor método para educar sua filha que o fez fundar a Sociedade para a formação de professores para surdos e difusão do sistema “alemão”, consi-derando este como uma bênção a ser propagada por toda parte (MILÃO, 2011).

O discurso de Ackers se ajunta ao de sua esposa, cuja primeira apresentação já lançava as bases para a futura argumentação e orientação de uma decisão. A discussão sobre qual a língua natu-ral dos surdos se polariza, não permitindo compreender a espe-cificidade de cada surdo, mas tratando-o num conjunto que, ao mesmo tempo em que o visibiliza, também o anula pelo anonima-to. A crítica aos métodos que utilizavam sinais tem por objetivo preparar os congressistas para uma adesão ímpar ao método oral puro. Ainda cabe ressaltar o uso do argumento da pesquisa feita por Ackers. Ao mencionar a visita aos diversos países e a busca pelo melhor método, Benjamin Ackers está fazendo uso de uma argumentação que se sustenta sob uma áurea de cientificidade.

O quinto estudo A saúde dos surdos-mudos, de autoria do Dr. E. Symes Thompson, membro do Instituto Real dos Médicos e médi-co do Hospital de Consumpção e Doenças Torácicas de Londres, é caracterizado por uma compreensão da surdez como sofrimento a ser atenuado. O autor busca explicitar as causas da surdez para sugerir distinção entre a saúde dos ouvintes e dos surdos e ela-borar sugestões de melhoras na saúde dos surdos (MILÃO, 2011). Sua análise serve-se dos conhecimentos da biologia e da medicina, considerando os surdos mais propensos a uma série de doenças.

Além disso, utiliza de dados de recenseamentos para comprovar seus argumentos e afirma que os alunos ensinados pelo sistema

6 - A participação da Sociedade de Formação de Professores para Surdos e Difusão do Sistema “Alemão” no Congresso de Milão (1880)

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

“alemão” desenvolvem menos doenças que os outros, pois a articu-lação permitiria maior higienização dos pulmões e a libertação da mente. Certa eugenia está presente no estudo de Symes Thompson que por fim sugere a extinção do mutismo (SILVA, 2015). A preo-cupação de Thompson em extinguir o mutismo está associada a uma possível extinção do uso dos sinais pelos surdos. Ao se frisar a importância da oralização, Thompson, imbuído de argumentos médicos, propõe certa estratégia de “cura” para os surdos.

O último texto proposto foi o estudo Fala e leitura labial para surdos: testemunho de um professor sobre o sistema “alemão”. O autor, David Buxton, fazendo uso de recenseamentos, retoma a situa-ção dos surdos e considera que os educados pelo sistema “alemão” não são mais considerados mudos enquanto que os educados por outros métodos conservam a condição de surdos-mudos. Buxton redigiu o texto para o congresso procurando responder as questões do programa, desta forma, detalha como deveriam ser as escolas para surdos, justifica o uso do sistema “alemão”; sugere a idade ideal para escolarização; a necessidade de alternância de professo-res; a preparação de atividades que ocupem os surdos e garantam sua concentração; a formação cidadã dos surdos; critica o uso de sinais (MILÃO, 2011).

Buxton encerra seu texto com um apelo religioso a que os con-gressistas escolhessem o melhor método como maneira de se con-cretizar a prática do Senhor de curar os surdos e conduzi-los ao Reino. Parece-nos muito peculiar essa evocação religiosa ao final da apresentação. Ela nos coloca diante de um relatório que, apesar de ter feito uso de argumentos científicos, baseado em recensea-mentos, ou seja, instrumentos bem próprios de uma biopolítica (FOUCAULT, 2008b); retoma a questão do sagrado como forma primeira e mais eficaz de se garantir a adesão dos congressistas a uma determinada proposta. Associar o surdo como aquele que precisa de redenção e de cura, certamente, é uma das marcas que tem acompanhado os processos de educação de surdos ao longo da história.

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Essa rápida passagem pelos textos apresentados no Congresso de Milão (1880) nos ajuda a compreender que não se estava em jogo a decisão entre um ou outro método, mas sim um processo argumentativo que tinha por finalidade encaminhar uma resolu-ção que assegurasse a supremacia do método oral puro.

Abrindo novas investigações

Pode-se, portanto, considerar que a contribuição da Sociedade para a formação de professores para surdos e difusão do sistema “alemão” durante o Congresso de Milão (1880) tinha claro objetivo de refutar o sistema “francês” e qualquer outra forma de se edu-car os surdos. A opção dos organizadores do evento de convidar os membros de tal sociedade para apresentarem seus estudos demons-tra já na origem do Congresso uma opção que se confirmará nas resoluções votadas pela maioria de favoráveis ao sistema “alemão”.

Nota-se nos seis textos uma argumentação que conjuga o uso das novas ciências bem como a manutenção de práticas de cunho religioso. Ao se contemplar o conteúdo das apresentações é possí-vel delinear um movimento que tem por objetivo conduzir a vida dos surdos, oscilando entre pastorado e biopolítica. Os surdos pas-sam de pessoas necessitadas que precisam de amparo, devido à deficiência auditiva, para a condição de pessoas a serem devida-mente educadas para conviver na sociedade (FOUCAULT, 2008). De objeto da comiseração humana a possíveis membros da socie-dade, os surdos não são ouvidos nem convidados a se pronunciar. São os ouvintes da Sociedade de formação para professores de sur-dos aqueles que se dispõem a orientar, a partir de suas diversas pesquisas, qual o melhor método para os surdos.

Um estudo mais aprofundado dos relatórios apresentados em Milão pode oferecer novos elementos para uma discussão acerca dos antecedentes do Congresso e dos impactos posteriores a ele nas instituições que educavam surdos. Em futuras investidas, a

6 - A participação da Sociedade de Formação de Professores para Surdos e Difusão do Sistema “Alemão” no Congresso de Milão (1880)

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

análise de cada um dos relatórios pode nos propiciar uma leitu-ra investigativa daquele momento que tanto marcou a história da educação de surdos.

Também consideramos como oportuna essa retomada por per-mitir refletir sobre questões que afetam diretamente aos surdos na atualidade e nem sempre são tratadas considerando-se esse liame histórico. Há pois uma tarefa em aberto no Brasil que diz respeito a retomar os documentos históricos sobre a educação de surdos - muitos deles bem discutidos no exterior - com a finalidade de assegurar debates menos polarizados, mais complexos e em busca de novas problematizações.

Referências

BENVENUTO, A.; SÉGUILLON, D. Primeiros banquetes dos surdos-mudos no surgi-mento do esporte silencioso 1834-1924: por uma história política das mobilizações coletivas dos surdos. Revista Moara, 45. ed. pp. 60-78, jan./jun. 2016.

CÂMARA, L. C. A invenção da educação dos surdos: escolarização e governo dos surdos na França de meados do século XVIII a meados do século XIX. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Campinas. Programa de Pós-gradua-ção em Educação, Campinas, 2018.

DORES, Clarissa F. das. A escolarização de surdos e o congresso de Milão [ma-nuscrito]: eclosão da normalização para oralidade. Dissertação (Mestrado) – Uni-versidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Depar-tamento de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação, Mariana, 2017.

FOUCAULT, M. Segurança, território, população: curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008.

_______. O nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008b.

MILÃO, Atas do congresso de 1880. Rio de Janeiro: INES, 2011. (Histórica, 2).

SILVA, Morena D. P. da. Marcas eugênicas na educação de surdos no século XIX. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Edu-cação. Programa de Pós-Graduação em Educação, Campinas, 2015.

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Modos de resistência Surda: quando os TILSP nos contam as histórias

Josué Rego da SilvaLucyenne Matos da Costa Vieira-Machado

Este trabalho é um recorte de uma pesquisa de Mestrado que vem sendo realizada no Departamento de Educação da Universidade Fede-ral do Espírito Santo – UFES, intitulada “Modos de resistência Surda: quando os TILSP nos contam as histórias”. Importante frisar que a pesquisa conta com o apoio do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Libras e Estudos Surdos – GIPLES/UFES.

Pretendo neste trabalho, problematizar alguns dados que foram produzidos através de narrativas afim de melhor compreender emer-gência, constituição e institucionalização dos tradutores e intérpretes de Libras/Português educacional. As narrativas dos TILSP apresenta-das no trabalho foram produzidas através de aplicativo de mensagens (texto e áudio) e também por e-mail.

Foram entrevistados TILSP das décadas de 80 e 90 e dos dias atu-ais, onde os mesmos registraram suas histórias e trajetórias em rela-ção aos Surdos e a Língua de Sinais, a aquisição da Libras e a sua pro-fissionalização de TILSP. Uso nomes fictícios e as idades para ajudar a compreender que as práticas, discursos e verdades parecem ser bem comum nas gerações dos TILSP selecionados, tanto no Brasil quanto no Espírito Santo.

Como fundamentação teórica, inicialmente me inspiro em Fou-

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

cault (1979), a partir de sua análise do poder, entende as relações como “[...] a forma, variável e instável, do jogo de forças que de-finem as relações sociais de cada momento histórico concreto, e que se define através de práticas e discursos específicos”. (PASSOS, 2013, p. 11). Na esteira desta discussão, também problematizo as atitudes dos indivíduos perante essas práticas que emergem, as possiblidades de resistência.

A noção de resistência definida por Foucault (2004) e que uti-lizo nesta dissertação, consiste em fazer com que os extratos do saber se voltem contra os poderes, entendendo que os explorados não apenas sabem e dizem qual o seu espaço o sistema, como também são capazes de questionar e não aceitar o que lhes são in-toleráveis, rejeitar o jogo que é imposto, enfrentar todas as formas de relação de poder, para enfrentar de forma adequada.

Através das narrativas, percebemos que os sujeitos em suas trajetórias combateram normas institucionais, administrativas e pedagógicas, além dos saberes e verdades que circulam nos mais diversos espaços, que tem como objetivo aperfeiçoar as tecnolo-gias de vigilância, e porque não de exploração no ambiente ao qual faz parte.

Percebe-se nas falas uma resistência, uma estratégia que luta e tenta inverter os poderes e saberes já estabelecidos. Podemos compreender esses gestos como uma busca de legitimidade profis-sional, sendo os TILSP um foco de resistência da comunidade sur-da. As resistências devem ser entendidas como uma atitude em defesa da liberdade, por meio das histórias, das lutas que emer-gem quando os sujeitos se apropriam das suas práticas ou recusam as imposições quanto às suas práticas.

Entender a resistência como luta, combate as relações de po-der, sem nenhuma articulação com políticas ou instituições que permanecem e que são imanentes ao nosso tempo, se torna uma prática necessária e constante. Para Foucault (2011), o indivíduo na modernidade tem a necessidade de construir uma possibilida-

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de de constituição diferente daquela que o faz um objeto e sujeito.

As lutas, sugeridas por Foucault não seriam propriamente para atacar as instituições ou a grupos específicos, mas de uma forma a se opor ao poder que subjetiva os indivíduos, transformando-os em sujeitos. Portanto, o teórico defende que é necessário “ima-ginar e construir o que poderíamos ser para nos livrarmos deste ‘duplo constrangimento’ político, que é a simultânea individuali-zação e totalização própria às estruturas do poder moderno” (FOU-CAULT, 2010, p. 283).

Quando problematizamos os saberes e poderes constituídos so-bre a profissão de TILSP em nossa atualidade, podemos afirmar que esse profissional tem uma posição de um modo de resistência surda. Percebe-se que cada narrador nos apresenta diferentes prá-ticas de resistências que naquele momento histórico circulavam como verdades.

Em algum momento da sua história, cada sujeito com sua subjetividade, de alguma forma fugia do controle que era exerci-do naquele espaço/ambiente. Portanto, podemos afirmar que as narrativas que fazem parte deste trabalho, podem sim, contribuir para pensarmos em novas formas de inclusão do sujeito surdo, diferente do que está colocado pelas políticas atuais de inclusão e acessibilidade.

7 – Modos de resistência Surda: quando os TILSP nos contam as histórias

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Referências

FOUCAULT, Poder e Saber. In: MOTTA, Manoel de Barros de (Org). Michel Foucault: estratégia, poder-saber. Ditos & Escritos. IV. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

FOUCAULT, Michel. Segurança, território e população. Tradução de Eduardo Bran-dão. Curso no Collège de France: 1977-1978. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

_______. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 23. ed. São Paulo: Loyola, 2013.

GADELHA, Sylvio. Biopolítica, governamentalidade e educação. Introdução a co-nexões a partir de Michel Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

GARCIA, Célio. Resistência a partir de Foucault. In: PASSOS, I.C.F (Org.). Poder, nor-malização e violência: incursões foucaultianas para a atualidade. Belo Horizon-te: Autentica, 2013.

KOTAKI, C. S; LACERDA, C. B. F. o intérprete de Libras o contexto da escola inclusiva: focalizando sua atuação na segunda etapa do ensino fundamental. In: LACERDA, C. B. F. de; SANTOS, L. F. dos (Org.). Tenho um aluno surdo, e agora? Introdu-ção a Libras e Educação de surdos. São Carlos: EDUFSCar, 2013. p. 201-218.

LACERDA, Cristina B. F. Intérprete de LIBRAS: em atuação na educação infantil e no ensino fundamental. Porto Alegre: Mediação, 2010.

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Educação bilíngue num movimento heterotópico: práticas constituídas na educação dos surdos no município de Linhares - ES

Katiuscia Gomes Barbosa Olmo Lucyenne M. da C. Vieira-Machado

Introdução

O presente trabalho é um recorte de minha pesquisa de disserta-ção que trata das políticas e práticas da educação bilíngue no ensino de surdos no município de Linhares, no estado do Espírito Santo. O projeto Escola Polo Bilíngue: Direito à Igualdade1 é, desde o ano de 2008, um acontecimento em duas escolas regulares do município. Vale ressaltar que o formato é diferente de outras escolas nomeadas como bilíngues, pois é um modelo que segue os moldes ‘inclusivos’, em que os escolares surdos não têm salas diferenciadas para alfabeti-zação ou para aprendizagem do Português como segunda língua. Sen-do assim, faz-se necessário analisar como as práticas tem sido consti-tuídas nestes espaços que, a princípio, fogem do discurso apregoado sobre escolas Bilíngues para surdos.

1. Autores: Ademilson Dias Ferreira e Katiuscia Gomes Barbosa Olmo (2008)

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Para isso, é necessário analisar a projeção da política da educa-ção especial do município de Linhares/ES, bem como o contexto atual em que ela se encontra, sua materialização e desdobramen-tos nas políticas locais.

Esta produção não tem, portanto, a intenção de olhar para edu-cação bilíngue como um ‘ponto de partida’ - no sentido de des-crever suas práticas, seus métodos e, então, celebrar ou lamentar sua existência. Ela também não tem a intenção de olhar para a educação bilíngue como um ‘ponto de chegada’, no sentido de tê--la como a solução para todos os males, a salvação almejada e a sua busca constantemente, de alimentar a sua permanência no plano utópico2.

Gallo (2015), com base Foucaultiana, apresenta as utopias como “posicionamento sem lugar real” ou, dito de outra forma, lugares irreais. Elas são “espaços outros, mas da ordem do irreal”, representando uma ideia ou imagem aperfeiçoada de algo; nesse caso, de uma tão sonhada educação bilíngue, melhor do que está aqui, aquela que se busca, aquela que se sonha. Faz-se neces-sário olhar para a sua existência, como tem sido alimentada e habitada na escola.

Os acontecimentos de uma educação bilíngue em um espaço escolar que foi eleito como ambiente de educação de surdos fo-menta possibilidades outras, que não as mesmas de antes, poten-cializa o emergir de novas práticas, cria brechas na educação para que ‘a educação’ aconteça.

Não buscamos origens mesmo perdidas ou ra-suradas, mas pegaríamos as coisas onde elas crescem, pelo meio: rachar, as coisas, rachar as palavras. Não buscaríamos o eterno, ainda que fosse a eternidade de nosso tempo, mas

2. A Utopia para Foucault representa uma ideia ou uma imagem que não é verdadei-ra, representa uma versão aperfeiçoada. “[...] É preciso reservar esse nome para o que verdadeiramente não tem lugar algum”. (FOUCAULT, 2013 p. 12)

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8 – Educação bilíngue num movimento heterotópico: práticas constituídas na educação dos surdos no município de Linhares - ES

a formação do novo, a emergência ou o que Foucault chamou de “atualidade” (DELEUZE, 1992, p. 109).

Ousar as ferramentas de análise a partir de uma inspiração fou-caultiana me sugere ir para além do lugar que me posiciono, sobre as obsessões sobre o espaço, como diz Foucault (2013) “[...] através destas obsessões cheguei ao que é fundamental para mim, as rela-ções que são possíveis entre o poder e o saber...” (p. 51).

Considero as intenções desse projeto de pesquisa ousadas e de-safiadoras para meu exercício, pelo fato de que, a partir do mo-mento em que elejo como meu objeto de estudo a educação bi-língue para surdos no município de Linhares/ES, me coloco em risco; a tão sonhada e almejada educação bilíngue para surdos é fruto de lutas históricas da comunidade surda em nível nacional, estadual e então municipal.

Colocá-la sob suspeita, como sugere Lopes (2011), pode desper-tar o levante daqueles que considerarem tal atitude uma ameaça. Por isso, destaco a minha pretensão de ensaiar nos moldes fou-caultianos o exercício da crítica radical, no sentido de “[...] conhe-cer, analisar e problematizar as condições para a sua emergência. Significa também problematizar as diversas práticas discursivas que determinam verdades sobre a inclusão (educação bilíngue)” (LOPES; FABRIS, 2013, p. 13).

O projeto de pesquisa visa contribuir com a educação bilíngue para surdos, sob a perspectiva da educação inclusiva, evidencian-do suas práticas, seus modos de existência nesse espaço e afastan-do-se da postura de juízo de valor, embora com o intuito de visibi-lizar a formação do novo por meio das lentes de Foucault.

Então, me dedicarei em “ [...] desentocar o pensamento e em ensaiar a mudança; mostrar que as coisas não são tão evidentes quanto se crê, fazer de forma que isso que se aceita como vigente em si não o seja mais em si” (LOPES; FABRIS, 2013, p. 13).

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Por meio dessa pesquisa, tenho a oportunidade de olhar para a ‘invenção’ de uma educação bilíngue no município de Linhares, por meio do projeto escola polo bilíngue: direito a igualdade, visto de outros ângulos e de outros ‘lugares’ que não o mesmo ‘lugar’ que eu me encontrava no processo da sua idealização.

Esse exercício de ‘olhar para trás’ é importante para o sonho e para a realização de um projeto que, com seus méritos e deméri-tos, intencionou movimento, mudança, sair do lugar. É, portanto, um exercício de visitação e revisitação, que impulsiona o pesqui-sador a criar novas formas, novos jeitos e novos ‘lugares’ a serem desejados, ou seja, o surgimento de novas utopias.

Considero esse movimento utópico necessário e fundamental para a vida do sujeito, pois é a partir da utopia que se sonha com novos lugares, novos espaços, novos fazeres. A utopia é a máquina que impulsiona e alavanca o sujeito, é aquilo que ‘está sempre adiante’ de nós, que nos movimenta em direção a ele, que nos tira do lugar inicial em que nos encontrávamos.

A utopia é insaciável, ela não deve se esgotar, não deve se es-vair. É o alimento que dá energia à máquina para que esta funcio-ne. Quando o idealizado é alcançado, novas utopias surgem e se quer ainda mais. Esses sonhos e idealizações são aperfeiçoados e se deseja um ‘outro lugar’, que não mais esse que se desejava antes.

Muitas são as questões que têm me inquietado e fomentado a necessidade de olhar novamente, de olhar o posto, a educação bi-língue ofertada no município de Linhares, levando meu olhar em direção a outras experiências de educação bilíngue. Questões so-bre currículo, profissionais, utilização do tempo e espaço escolar, formação, dentre outras, são fatores que considero como pontos vulneráveis no contexto bilíngue e que têm sido orquestrados no processo inclusivo aos surdos.

Não tenho a intenção de me colocar ‘contra’ ou ‘a favor’, nem mesmo de ignorar a importância dos avanços e conquistas nesse

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âmbito; todavia, busco ‘por sob suspeita’, questionar, problemati-zar, refletir sobre as nossas práticas, como contribui Veiga-Neto e Lopes (2010) para nos arriscarmos a “pensar de outro modo”.

A crítica consiste em desentocar o pensamento e em ensaiar a mudança; mostrar que as coi-sas não são tão evidentes quanto se crê, fazer de forma que isso que se aceita como vigente em si não o seja mais em si. Fazer a crítica é tornar difíceis os gestos fáceis demais. Nessas condições, a crítica – e a crítica radical – é abso-lutamente indispensável para qualquer trans-formação (FOUCAULT, 2006, p. 180).

Sendo uma escola em que, por meio desse tipo de educação, se situam práticas bilíngues, surgem questões como: *há possibilida-des de escapes? *esse espaço escolar é um espaço único ou um es-paço de muitos espaços? *seria possível governar-se a si mesmo?

Heterotopia: atitude de liberdade

Foucault apresenta a possibilidade da liberdade pelo exercício. Dentro desse jogo, dos jogos de verdade, há sim a possibilidade de escapar, pois “A liberdade é o que se deve exercer, a garantia da liberdade é a liberdade” (FOUCAULT, 2013, p. 52), o que eviden-cia a liberdade como algo imanente, como ‘presente’ e não como ‘futuro’.

Nesse sentido, o autor apresenta a noção de heterotopia, utili-zada como ferramenta em minha pesquisa como um espaço em que, mesmo que você faça parte do sistema e esteja sujeito a ele e seus jogos de verdades, há a possibilidade de liberdade, por meio de práticas outras.

As práticas outras, criam um parêntese no tempo e no lugar onde se está. De certa forma outro tipo de espaço/tempo. “Em geral, a heterotopia tem como regra justapor em um lugar real,

8 – Educação bilíngue num movimento heterotópico: práticas constituídas na educação dos surdos no município de Linhares - ES

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

vários espaços que, normalmente, seriam ou deveriam ser incom-patíveis” (FOUCAULT, 2013, 24).

“Não se trata de reivindicar uma outra escola; noutra direção, trata-se de fazer uma escola outra no interior da escola mesma. Trata-se de impor, ao tempo cronológico da educação dis-ciplinar, o tempo aiônico do aprender como acontecimento. Fazer a escola outra na escola mesma (FILORD, 2015, p. 447).

O conceito ferramenta de heterotopia é de fundamental im-portância para identificar, na pesquisa, como outros espaços tem-pos são construídos dentro de uma política de escola bilíngue que se localiza em um sistema municipal específico. Ou seja, como tornar as práticas bilíngues um acontecimento de aprendizagem dentro de um sistema disciplinar ao construir espaços bilíngues dentro de uma escola ‘ouvinte’.

Ele não tem a intenção de criar ‘a escola bilíngue’, mas sim de pensar sobre ações bilíngues e possibilidades passíveis de serem criadas dentro de escolas regulares localizadas no espaço cronoló-gico regular, que são monolíngues. Assim, cria-se a possibilidade de exercer a liberdade por meio de práticas bilíngues - práticas heterotópicas.

Para Foucault, a heterotopia não existe sem a utopia. Foucault (2013) utiliza a noção de utopia para conceber sobre o que ’ainda não é’, ‘aquilo que se deseja que seja’, um sonho, o ‘lugar ideal’ ‘sem lugar nenhum’. Ou seja, o autor se refere aquilo que se lo-caliza e que se espera no tempo futuro, que ainda não é ou não pertence a este tempo – hoje – mas que se deseja para este tempo.

Para o autor, a heterotopia é o momento e o espaço onde a uto-pia se concretiza – criando assim, o “lugar outro” dentro do mesmo lugar, um “espaço outro”, dentro do mesmo espaço. Sobre essa he-terotopia inspirada por Foucault, Filord (2015) aponta:

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Penso que Foucault nos convida – ou melhor, nos impõe – a pensar de outros modos: a pos-sibilidade de fazer uma escola outra na escola estabelecida. O posicionamento do “fora” da es-cola (a escola outra) na escola mesma (p. 442).

A ocupação do espaço escolar pelo movimento surdo, por meio da educação bilíngue, é uma conquista da luta histórica cravada pelos surdos pelo direito de circulação de sua língua no ambiente de ensino. Houve uma ruptura nos moldes tradicionais de inclu-são, no momento em que no espaço escolar passa a habitar uma ‘escola outra’ que, por meio da língua de sinais, traz consigo outras propostas, outras práticas, outras culturas, outros profissionais, outros alunos.

Pensando a educação bilíngue de outros modos

A construção dessa política bilíngue é o lugar desejável, que pode ser alcançado de modo utópico. Uma visão que temos adiante de nós, a nossa frente – aquela de uma educação melhor, de uma versão melhor do contexto atual, a essa projeção que Foucault denomina por utopias “[...] essas coisas que entram den-tro da minha cabeça permanecem no exterior, pois vejo-as diante de mim e eu, por minha vez, devo me adiantar para alcançá-las”. (2013, p. 10).

Foucault (2013), em O Corpo Utópico, As Heterotopias, reúne duas conferências de 1966, em que utiliza a palavra ‘ideal’, para se referir ‘a um lugar outro’ que não se refere àquele que nos encon-tramos no momento. Por ‘um outro lugar’ pode-se entender ‘um lugar melhor’, que o autor nomeia como utópico.

Foucault apresenta a utopia como um desejo de estarmos numa posição melhorada de nós mesmos, ou seja, seria o lu-gar que almejamos estar e chegar, embora ainda não estejamos.

8 – Educação bilíngue num movimento heterotópico: práticas constituídas na educação dos surdos no município de Linhares - ES

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Utilizo-me da definição de utopia que Foucault (2013) apresenta para compreender a educação bilíngue no município de Linha-res, por meio do projeto “escola polo bilíngue: direito a igualda-de”, numa perspectiva utópica a partir de uma realidade em que não havia a língua de sinais nas instituições de ensino, além da ausência de recursos que promovesse a sua acessibilidade, para um plano utópico, em que subentende-se uma busca de condi-ções melhores do que as disponíveis para aquele momento. Ter alunos surdos matriculados nas escolas polo bilíngues significa-va chegar ao ‘lugar almejado’.

Os entraves e as dificuldades do dia a dia de uma escola po-dem desmotivar o avanço no que se refere às práticas, princi-palmente quando se trata de uma escola bilíngue. A Intérprete do segundo ano do ensino fundamental, Ciclo de Alfabetização, Meme (2017) narra abaixo a situação que vivencia na escola pólo bilíngue inclusiva.

A professora usa metodologia de alfabetização fonética, não condiz com a realidade do aluno surdo. Nesse momento o que a gente faz!? Faz de conta? A escola não entende o surdo, ele está ali e só. E, ainda nem temos planejamento.

A prática não condiz com o que almejamos ser uma Educação Bilíngue, contudo, continuamos lutando para que este ‘sonho’ se torne uma re-alidade.

Sonho porque quanto mais nos aprofundamos no assunto, parece que na realidade ficamos mais distantes.

Meme apresenta a educação bilíngue no plano utópico com seu olhar voltado sempre para aquilo que deveria ter sido, aquilo que poderia ter sido.

A educação bilíngue foi sonhada, idealizada e colocada no papel por gestores que seguindo o fluxo, pensam e projetam o

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movimento de educação de surdos a nível nacional. Por parte dos profissionais que enfrentam os desafios do cotidiano desta escola, há a tendência de entender a educação bilíngue como um tipo de educação presa em seu projeto, no papel. E, nem mesmo percebe que é ela... a educação bilíngue é essa... essa que ta aí... está acontecendo... mesmo sem ser a do papel, mesmo sem ser a do sonho, a idealizada. Ela tem sido forjada no pátio, nos corre-dores, na sala de aula, na escola inclusiva...

É possível vê-la na fala da mesma intérprete.

No meu trabalho quando eu vejo que o conte-údo não tem nada haver com o aluno surdo, por exemplo, para alfabetizar o professor fica explicando a aula inteira sobre os sons das pa-lavras, usa cantigas e parlendas para identificar os sons, e, nessa hora tento usar essa mesma cantiga para aproveitar palavras que são im-portantes para o surdo conhecer, faço seu sinal e ele faz a dactilologia e também a desenha. Depois ele registra a palavra e o desenho no caderninho (tipo um dicionário visual que cria-mos). Depois penso em criar frases com ele... (MEME, 2017).

Embora a profissional não reconheça que a ‘educação bilín-gue’ esteja acontecendo em sua materialidade, ela a forja todos os dias, ela arrasta a ‘utopia’ transcendendo-a, sobrepondo-a, criando práticas heterotópicas. E, essa atitude só é possível porque houve uma projeção, um desejo que a move, que traz de ‘lá’ (utopia) para ‘cá’ (heterotopia).

Esse movimento efetiva o acontecimento de uma educação bi-língue que tem sido criada, reinventada e efetivada todos os dias por espaços que são sobrepostos a outros espaços.

Olhar para a educação bilíngue no contexto atual é olhar a ma-terialidade dela, lembrando sempre que, para que as heterotopias aconteçam, é importante a relação que o autor cria com a utopia.

8 – Educação bilíngue num movimento heterotópico: práticas constituídas na educação dos surdos no município de Linhares - ES

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Considero esse movimento utópico necessário e fundamental para a vida do sujeito, pois é a partir da utopia que se sonha com novos lugares, novos espaços, novos fazeres. A utopia é a máquina que impulsiona e alavanca o sujeito, é aquilo que ‘está sempre adiante’ de nós, que nos movimenta em direção a ele, que nos tira do lugar inicial em que nos encontrávamos.

As utopias são necessárias, é o desejo de haver sempre de uma versão melhorada daquilo que somos ou que temos, pois somente por meio das utopias é possível haver as heterotopias: “... lugares que se opõem a todos os outros, destinados, de certo modo, a apa-gá-los, neutralizá-los ou purificá-los; são como que contraespaços” (FOUCAULT, 2013, p.20).

Não há a intenção de criar ‘A’ escola bilíngue, mas de pensar sobre ações bilíngues por meio de possibilidades passíveis de se-rem criadas dentro de escolas regulares que estão localizadas no espaço cronológico regular, que são monolíngues. A intenção é de pensar de maneira diferente daquela que já se vinha pensando, de pensar na possibilidade de exercer a liberdade por meio de práti-cas bilíngues - práticas heterotópicas.

Essas práticas potencializam atravessar o tempo e o espaço, atravessar esse tempo (hoje) ‘desta educação bilíngue’ que temos e, ao mesmo tempo, atravessar o espaço quando se consegue ‘ir adiante’ em sua projeção e sobrepô-la ‘aqui’ nesse espaço, nesse tempo.

Esse movimento efetiva o acontecimento de uma educação bi-língue. A educação bilíngue tem sido criada, reinventada e efetiva-da todos os dias por espaços que são sobrepostos a outros espaços. Esses são os chamados espaços heterotópicos.

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8 – Educação bilíngue num movimento heterotópico: práticas constituídas na educação dos surdos no município de Linhares - ES

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A educação bilíngue para crianças surdas: práticas em uma instituição de educação infantil de Vitória – ES

Keila Cardoso Teixeira

Iniciamos nosso texto esclarecendo nosso olhar e fazendo uma aposta: a de que a apropriação do conhecimento de crianças surdas na educação infantil pela via da linguagem, tomando por referência os trabalhos realizados na sala de atividade e no AEE, em um proces-so contínuo de colaboração entre escola, instâncias administrativas locais e famílias.

Conforme as percepções das vivências durante a pesquisa de cam-po e as leituras das observações e entrevistas realizadas, de modo geral, tecemos considerações acerca do cotidiano e da rotina da escola em relação à proposta inclusiva; discutimos como os planejamentos e práticas pedagógicas são constituídos e desenvolvidos por professores regentes e professores especialistas em relação à educação bilíngue; e por fim, problematizamos sobre qual é o papel da instituição no trabalho colaborativo junto aos pais das crianças surdas, professores e instâncias administrativas.

Diante do exposto, verificamos a necessidade de uma reflexão so-bre a importância e os ganhos quando a LIBRAS realmente faz parte do cotidiano da escola.

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Contribuições da abordagem histórico-cultural para a educação de surdos

A partir da problematização de Lacerda sobre as atribuições do AEE e os processos de escolarização do aluno, buscamos na perspecti-va histórico-cultural, especificamente em Vygotsky (1996), elementos que pudessem ajudar no entendimento da aprendizagem e desenvol-vimento na infância. Compartilhamos a ideia de que o desenvolvi-mento do ser humano é cultural, concebido como resultado de um processo através do qual se relacionam, dialeticamente, quatro planos genéticos que articulam diferentes fatores implicados, a saber, a filo-gênese, ontogênese, sociogênese e microgênese.

Vygotsky (1988) propõe pensarmos que é pela mediação que o in-divíduo se relaciona com o ambiente, pois, enquanto sujeito do co-nhecimento, ele não tem acesso direto aos objetos, mas apenas, a sis-temas simbólicos que representam a realidade. É por meio dos signos e do significado dos instrumentos que ocorre o contato com a cultura. Sob esse ponto de vista, a linguagem é o principal mediador na for-mação e no desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Ela constitui um sistema simbólico, elaborado no andamento da história social do homem, que organiza os signos em estruturas complexas permitindo, por exemplo, nomear objetos, destacar suas qualidades e estabelecer relações entre os próprios objetos.

Para Vygostky (1988), a linguagem constitui o sistema de mediação simbólica que funciona como instrumento de comunicação, planeja-mento e autorregulação. Entendemos que o autor quer dizer que ela permite consolidar, organizar e sistematizar as significações construí-das no processo sócio-histórico. Ao interiorizarmos a linguagem, pas-samos a ter acesso as significações que, por sua vez, fornecerão uma base para que possamos significar nossas experiências. As significa-ções resultantes constituirão nossas consciências, mediando, desse modo, nossas formas de sentir, pensar e agir. Como Vygotsky (1988), Bakhtin (1999), também identifica o papel da linguagem nos proces-sos mentais e reforça o seu caráter contextual e social.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Para este último, a língua e a fala não podem ser pensadas se-paradamente, pois estão indissoluvelmente  ligadas.  Fundamen-tado nisto, quando se analisa que o atraso da linguagem que o surdo experimenta causa danos sociais, emocionais e cognitivos, observa se que a linguagem não possui apenas a função comuni-cativa, mas também a função de organização do pensamento, de-sempenhando um papel essencial no desenvolvimento cognitivo dos surdos, conforme os autores citados. A partir dessa perspec-tiva, torna-se possível entender que não é apenas a fala o único meio que o surdo possui para criar significado, mas toda e qual-quer forma que envolve significação.

Para desenvolvermos nossa análise sobre a educação bilíngue para crianças surdas matriculadas em uma instituição de educa-ção infantil, elegemos como lócus o CMEI Mafalda, situada em Vitória/ES, referência na educação bilíngue. Participaram desta investigação uma professora bilíngue, uma professora surda e duas professoras regentes. Como instrumento metodológico, re-corremos a observações participantes e entrevistas abertas com os participantes. Suas narrativas foram importantes para compre-endermos como entendem e realizam a educação bilíngue para as crianças surdas na referida instituição.

A instituição atende crianças de 01 a 05 anos de idade, no perí-odo da investigação, estavam matriculados 2 crianças surdas, com idades 2 e 4 anos. As crianças surdas matriculadas frequentavam a sala de atividade regular em um turno e apenas uma frequentava o AEE no contraturno. Dessa forma, uma permanecia na institui-ção até às 17 horas.

Para compreender de que forma a inclusão da criança surda na instituição ocorria, optamos por detalhar a organização da institui-ção de educação infantil, para nela identificarmos pistas de uma proposta inclusiva. Definimos alguns pontos relevantes, a saber: a linguagem visual do espaço, a aspectos cronológicos, a aspec-tos pedagógicos e as atividades especializadas.

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Inicialmente, chamou-nos a atenção a linguagem visual na identificação dos espaços escolares. Lembramos que a instituição tem essa organização haja vista que é uma instituição referência em educação bilíngue no município.

Quanto aos aspectos cronológicos da instituição, observamos um cuidado na distribuição das práticas entre cuidar e educar. Os tempos de alimentação, higienização e descanso não se sobrepu-nham aos tempos de atividades lúdicas e pedagógicas cujos objeti-vos pareciam estar alinhados com o planejamento pedagógico da instituição.

No período em que a pesquisa foi realizada, a instituição aten-dia duas crianças com idades diferentes e o contato com a língua de sinais também era diferente. Essa rotina parecia indicar o res-peito a essas especificidades ao não se concentrar somente no cuidar, preocupando-se, sobretudo com o educar e a apropriação do conhecimento.

Sobre os aspectos pedagógicos, observamos uma preocupação em se garantir a participação e aprendizagem das crianças sur-das. Para tanto, as atividades planejadas das professoras regentes eram discutidas com a equipe bilíngue, com o objetivo que as crianças acompanhem de acordo com seus ritmos, condições, conhecimentos e desenvolvimento das situações pedagógicas vi-venciadas por elas na sala de atividades, no trabalho conjunto em algumas das atividades do AEE e nos momentos de oficina de Libras com toda turma.

A educação bilíngue convida os profissionais da área para ocu-par um espaço instituído pela própria Secretaria de Educação. Exi-ge dessas profissionais estratégias de adaptação e de resistência, pois deles é esperado o êxito da proposta. A possibilidade de aces-so do surdo ao saber sistematizado, garantir o conhecimento do mundo e o reconhecimento do outro.

Já nas atividades especializadas, podemos afirmar enquanto uma nova configuração de rotina na vida escolar da criança surda.

9 – A educação bilíngue para crianças surdas: práticas em uma instituição de educação infantil de Vitória – ES

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Esse foi um espaço onde constatamos a presença mais efetiva das profissionais bilíngues, com a instrutora surda e a professora bilín-gue no processo educacional do estudante. Elas são responsáveis nesse momento, as propostas de confeccionar materiais didáticos e pedagógicos acessíveis, levando em conta as necessidades edu-cacionais específicas dos estudantes surdos, público-alvo da Edu-cação Especial e os desafios que eles vivenciam no ensino comum, a partir dos objetivos e das atividades propostas no currículo.

Nesse sentido, ressalto que tanto um conhecimento quanto o outro, apesar de pertencerem à mesma classe de desenvolvimen-to da linguagem, mantém profunda diferença, quanto à sua moti-vação e apropriação, e se constituem nas relações entre sujeitos. Em se tratando de crianças surdas, que não se apropriaram da língua de sinais nas relações cotidianas e começam a frequentar a instituição, que é o lugar do aprendizado sistemático e intencio-nal, o ensino e a aprendizagem dessas duas línguas se confundem. Ora acontece nas conversas espontâneas ora nos momentos de ensino. O fato é que o caráter mediado dessas relações está sem-pre presente.

Assim, podemos inferir que toda criança surda, independen-temente da idade e do grau de domínio da língua de sinais pode ser sujeito das suas experiências e produtora de conversas em lín-gua de sinais, desde que haja uma mediação de qualidade e que sejam criadas as condições necessárias para essa produção, reco-nhecendo que a possibilidade de comunicação não está no apara-to biológico e nem depende da idade, mas funda-se nas relações dialógicas entre os seres humanos e deve fazer parte do processo de ensino e aprendizagem.

Consideraçoes finais

Não podemos afirmar que chegamos a conclusões, que sabemos definitivamente algo sobre a surdez porque “cada sujeito entra no

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fluxo das enunciações do grupo social a que pertence, se apropria e transforma a voz do outro (negando-a, subvertendo-a, assumindo-a, reproduzindo-a)” (SOUZA, 1998, p. 206). Tentamos compreender as políticas que instituíram esse espaço e, para isso, questionamos o que tem sido proposto. Juntamos a outros saberes e práticas, algu-mas práticas que nos interpelam, que interpelam o que vem acon-tecendo, de modo a nos fazer parar e refletir sobre o instituído e o idealizado.

A leitura e a reflexões sobre as produções científicas, na área, nos fazem concordar com Lopes (2007), de que não é negar a falta de audição do corpo surdo, mas deslocar o olhar para que os próprios surdos digam de si quando articulados e engajados na luta por seus direitos de se verem e de querer serem vistos como sujeitos surdos, e não como sujeitos com surdez. Assumi-mos aqui a surdez como elemento diferenciador capaz de apro-ximar e mobilizar aqueles que a possuem em prol de causas e lutas comuns.

Destacamos, neste estudo, em especial, as discussões e refle-xões sobre o papel das relações sociais, da linguagem na consti-tuição da subjetividade, tomando esses elementos como desen-cadeadores e indicativos da aprendizagem e do desenvolvimento infantil.

Não temos a pretensão de resolver problemas, tampouco pos-tular verdades e apontar responsáveis, mas analisar o presente, destrinchar o que está posto, identificar possibilidades e trazer as tensões presentes nesse processo. Repensar esse espaço é ressig-nificá-lo como possibilidade de encontro da comunidade linguís-tica, de discussão curricular, especialmente no que se refere à in-clusão da criança surda na instituição de educação infantil.

Uma educação escolar bilíngue sem ser pensada e determinada a partir de um único modelo, exigem mudanças contínuas para produzir alguns significados e pontuar algumas diferenças, a mu-dança não se reduz ao uso de língua somente.

9 – A educação bilíngue para crianças surdas: práticas em uma instituição de educação infantil de Vitória – ES

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Se uma das funções da escola é atuar nessa tensão e multiplici-dade, levar em conta as diferenças combatendo a desigualdade e assegurar a apropriação do conhecimento, pois o que singulariza o ser humano e social é sua pluralidade, e o que favorece superar a particularidade é o conhecimento universal, sobretudo a dimen-são da história.

Referências

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9 – A educação bilíngue para crianças surdas: práticas em uma instituição de educação infantil de Vitória – ES

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Atualidades em educação: formação e atuação de pedagogos surdos em contextos educacionais bilíngues

Leila Couto Mattos

Este trabalho é parte de uma pesquisa de pós-doutorado realizada no Departamento de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), intitulada “Formação de Pedagogos Bilíngues: um de-safio ao nosso tempo”. Conta com o apoio do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Libras e Estudos Surdos (GIPLES/UFES) e com a par-ceria, como campo de pesquisa e coleta de dados, do Instituto Nacio-nal de Educação de Surdos (INES/RJ), no seu Departamento de Ensi-no Superior (DESU/INES/RJ), no Curso Bilíngue de Pedagogia (CBP).

Pretendemos, neste encontro, problematizar alguns dados já cole-tados em nossa pesquisa, afim de melhor compreender a formação e a atuação de pedagogos surdos em contextos educacionais bilíngues. A pesquisa pós-doutoral fez a análise dos documentos que tratam dos princípios norteadores que fundamentam e estruturam o currículo do CBP (BRASIL, 2006; 2013) considerando as especificidades linguís-ticas da surdez e a proposta bilíngue de formação de professores sur-dos e ouvintes. Pela aplicação de questionários, buscou-se identificar práticas pedagógicas cotidianas do CBP que de fato considerem as diferenças próprias de um contexto educacional bilíngue para surdos em formação pedagógica, e identificar e problematizar o lócus das práticas docentes dos egressos do referido curso.

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Como fundamentação teórica, buscamos contribuições de autores como Michel Foucault (2015), Roberto Machado (2017), Alfredo Vei-ga-Neto (2007), Maura Corcini Lopes (2007 , 2011; 2016), Gert Bies-ta (2013); Agustín Escolano Benito (2017), Orquidea Coelho (2007); Alfredo Veiga-Neto e Maura C. Lopes (2017), Eliane Vieira (2016) e outros autores que sabemos estar comprometidos não somente com questões que, de alguma forma, estão na base dos processos educacio-nais, como também com questões relacionadas à educação bilíngue e a surdez, os quais julgamos trazer valiosas pistas e direcionamentos em relação aos nossos interesses e às nossas discussões, apontando caminhos, possibilidades, brechas e rupturas.

Os dados que pretendemos problematizar referem-se ao CBP, ins-tituído em 2006 como “Graduação em Pedagogia com Licenciatura Plena em Educação Infantil; Anos Iniciais do Ensino Fundamental, contemplando inclusive a Educação de Jovens e Adultos (EJA); e Magistério das Disciplinas Pedagógicas do Ensino Médio” (BRASIL, p.10, 2006). Ressaltamos que, desde então, o CBP vem aprimorando seu projeto pedagógico (BRASIL, 2006; 2013), na busca de melhor atender aos seus propósitos educacionais bilíngues em ambientes inclusivos.

Considerando o aspecto pioneiro e inovador do CBP, não só no Brasil mas em toda América Latina, acreditamos que todas as infor-mações, estudos e pesquisas em relação ao referido curso são de ex-trema importância para a construção de novos olhares e entendimen-tos sobre uma proposta tão inovadora e necessária neste momento de reconhecimento, respeito e acolhimento às diferenças.

A coleta e organização de dados ocorreu em três etapas: análise do Projeto Pedagógico do CBP (BRASIL, 2006; 2013), onde destacamos os objetivos, a qualificação esperada dos futuros egressos, os princí-pios curriculares apresentados nos referidos documentos, os aspectos linguísticos – Libras como língua de instrução e a língua portuguesa escrita como segunda língua, além dos critérios de avaliação do curso; aplicação de questionários à coordenação, aos professores, aos alunos e aos egressos do CBP com questões fechadas acerca do bilinguismo

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

e em especial, a Libras como língua de instrução e a língua por-tuguesa escrita como segunda língua, a avaliação, a docência e as práticas pedagógicas bilíngues; e a aplicação de questionários aos egressos do CBP com o intuito de conhecer o lócus das práticas docentes dos egressos e relacioná-las a formação pedagógica bilín-gue construída no processo de formação. Entretanto, pelo redu-zido número de retorno dos questionários enviados aos egressos, decidimos considerar também a expectativa dos atuais alunos do CBP quanto às suas futuras atuações, no âmbito da educação in-clusiva, ao término do curso.

A realização da coleta e da análise preliminar dos dados cole-tados nos permitiu compreender a importância da formação para atuação dos pedagogos surdos e ouvintes, em contextos educacio-nais bilíngues e inclusivos, determinados pelas atuais políticas públicas educacionais do nosso país. Com este propósito, o curso vai se constituindo pouco a pouco, em sua prática docente diária, buscando acertos, caminhos e possibilidades. A cada momento são traçadas novas alternativas para uma formação pedagógica bilín-gue que de fato forme “um profissional da educação, intelectual, investigador, capaz de intervir, de forma crítica, dialógica, criativa, construtiva e responsável, nas práticas educativas que ocorrem na escola e em outros contextos” (BRASIL, 2013).

Segundo o Projeto Pedagógico do CBP, os egressos deverão es-tar aptos a intervir pedagogicamente de forma prática e direta em todas as habilitações pedagógicas da formação. Na área da surdez em específico, deverão atuar na avaliação e na formulação e im-plementação de práticas pedagógicas voltadas para surdos em ar-ticulação com as políticas públicas existentes na área; contribuir para o avanço científico da área; oportunizar reflexões sobre bilin-guismo, letramento e surdez; desenvolver estratégias de ensino fundadas na visualidade; prevenir dificuldades e melhorar o de-sempenho dos aprendizes surdos nas atividades educacionais em espaços formais e não formais, dos mais variados níveis, aumen-tando suas potencialidades de aprendizagem.

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10 – Atualidades em educação: formação e atuação de pedagogos surdos em contextos educacionais bilíngues

Os egressos surdos poderão optar por atuar de forma integra-da com intérpretes de Libras / Língua Portuguesa, em quaisquer futuras funções de cunho pedagógico que porventura assumam, o que ampliará igualmente suas oportunidades de inserção no mundo do trabalho; quando lotados em instituições de Educação Formal, ou não Formal, deverão estar devidamente livres para tra-balhar em parceria com colegas ouvintes em atividades pedagó-gicas particularmente relacionadas com ensinos formalizados da modalidade escrita de nosso português.

Os dados coletados através dos questionários aplicados ao cor-po docente e discente nos mostraram um curso bilíngue de forma-ção de pedagogos surdos e ouvintes em pleno processo de cons-trução e desenvolvimento. Longe de ser um curso pronto, vem caminhando nas especificidades bilíngues, de modo a oferecer alternativas ao cumprimento de seus propósitos. Como sujeitos de seu tempo (VEIGA-NETO; LOPES, 2017), todos os alunos do CBP, surdos e ouvintes, dividem um mesmo espaço onde ambas as línguas naturais transitam todo o tempo. Há professores ouvintes bilíngues e outros em processo de construção da Libras, além de professores surdos que usam bem a língua portuguesa escrita. Há intérpretes em todas as atividades do curso. Estamos, portanto, em um modelo de inclusão onde não há dominação de uma língua sobre outra e nem tão pouco rituais de verdades. Ambas as lín-guas vão sendo construídas a seu tempo em ambientes onde são valorizadas. Tanto a Libras quanto a língua portuguesa escrita têm sua importância reconhecida pelos discentes e pelos docentes no processo de formação de uma licenciatura em pedagogia.

No que diz respeito aos egressos, a grande maioria trabalha em ambientes educacionais inclusivos, com pessoas surdas e mesmo com outras especificidades. Os atuais alunos pretendem, em sua grande maioria, atuar nas áreas vinculadas à educação, a educação bilíngue, na área da surdez, continuando seus estudos de forma-ção na área para atuar em questões sociais inclusivas com surdos e outras ações sempre vinculadas à educação e a surdez.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Concluímos que o CBP vem buscando, de forma consciente, caminhos diversos, inovativos e que de fato favorecem o processo de formação de seus alunos. Os desafios linguísticos instigam e geram buscas, novas possibilidades que possibilitam a formação de pedagogos, na perspectiva bilíngue enquanto que, ao mesmo tempo, congrega alunos e professores em um constante movimen-to de quebra de barreiras linguísticas. Seu quadro docente vem se constituindo, pouco a pouco, de uma equipe bilíngue, e tanto a Li-bras quanto a língua portuguesa vêm sendo melhor adquirida pe-los discentes e assim, pouco a pouco, vamos formando, pedagogos surdos e ouvintes, em iguais condições, ou seja, todos bilíngues. É sem dúvida uma importante vitória.

A respeito do ensino superior para surdos, já em 2007, Coelho (2007) afirmava que “[...] a tendência evolutiva parece-nos apon-tar no sentido do aumento da procura, pois cada vez mais surdos dizem sentir-se motivados, e estando mais esclarecidos acerca dos seus direitos, procuram prosseguir os seus estudos e reclamam os apoios necessários”, o que hoje se traduz como nossa realidade, pelo menos nos grandes centros. Foi isso que percebemos durante nossa pesquisa. Os surdos não só estão a reclamar pelos apoios ne-cessários, mas principalmente, pelo direito ao acesso de qualidade e equitativamente relevante a cada contexto didático pedagógico que se apresente.

Como nos aponta Veiga-Neto e Lopes (2017), devemos enten-der que “[...] priorizar discursos que apontam a tarefa da escola de criar as condições necessárias para que o ato pedagógico se constitua entre discentes e docentes” é condição de base para o processo de formação acadêmica. “Para tanto, duas condições de partida são fundamentais e devem ser garantidas para os envolvi-dos em tal ato: a comunicação e a confiança naquele responsável pela condução pedagógica”. E foram exatamente essas as condi-ções que encontramos em nossa pesquisa no CBP. A presença de docentes e discentes surdos e ouvintes transitando, coordenando, participando e construindo uma licenciatura plena em pedagogia

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a partir de um contexto bilíngue para surdos e ouvintes, possibi-litando uma livre comunicação entre discentes e docentes e um ambiente acadêmico de confiança.

Referências

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10 – Atualidades em educação: formação e atuação de pedagogos surdos em contextos educacionais bilíngues

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Contribuições da línguística cognitiva: particularidades lexicais, semântica-pragmáticas de conceitos abstratos na interpretação de Língua Portuguesa para Libras

Flávia Medeiros Álvaro Machado

Introdução

A presente proposta visa analisar o processo de interpretação-tra-dução de conceitos abstratos de língua portuguesa para Libras, por parte de TILS, de Libras para Libras e de Libras para língua portugue-sa (LP) escrita por parte de sujeitos surdos. O objetivo da pesquisa é o de analisar as particularidades lexicais e semânticas dos conceitos abstratos da LP nos processos tradutórios da língua de sinais (LS). A pesquisa, de caráter empírico, em situação controlada, envolve sujei-tos oriundos de duas regiões do Sul – RS e SC, com a participação de seis tradutores intérpretes graduando e graduados, que atuam com acadêmicos universitários surdos do ensino superior. O processo de pesquisa implica em: identificar os processos cognitivos da LS atra-vés da ação mediada do tradutor intérprete; transcrever a LS para a LP, usando o software ELAN; verificar, através da análise linguístico--cognitiva, as competências necessárias para a tradução bilíngue do

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tradutor intérprete da LS e LP; analisar as disposições da prática re-gional do ato tradutório na mediação do intérprete da LS; identificar aspectos interlinguísticos intervenientes na ação do tradutor intér-prete da LS e da língua portuguesa e na interpretação apresentada em Libras pelo sujeito surdo; avaliar a competência pragmática nos processos de compreensão e interpretação da intenção comunicativa do locutor, que mantém a lógica de seu discurso, e a competência semântica a partir das marcas linguísticas do discurso do locutor e do interlocutor, ao elaborarem construções que expressem conceitos abstratos que possuem correspondentes lexicais na língua portugue-sa, mas não, necessariamente, em Libras.

Esta investigação caracteriza-se como um estudo empírico em am-biente controlado, ao mesmo tempo em que se serve do que a lite-ratura teórica e aplicada disponibiliza sobre os aspectos linguísticos e cognitivos (de linguagem em uso) do referido sistema de comunicação.

Para a transcrição e análise do corpus obtido do processo utilizará o ELAN – Eudico Language Annotator – que é um software de transcri-ção de vídeo e áudio de LS – destacando-se trilhas e glosas com ênfase nas particularidades lexicais dos conceitos abstratos da semântica, no ato da tradução e interpretação Libras.

Com essa análise visa-se responder às seguintes questões: (1) Como se dá a tradução de conceitos abstratos para Libras? (2) Como as escolhas no ato de interpretar e traduzir conceitos abstratos infere na interpretação do sujeito surdo? Das respostas (1) e (2), que com-petências e habilidades os TILS devem desenvolver para tornar mais eficaz sua atividade?

Para o estudo proposto, examinam-se aspectos da LS e sua estru-tura. Segundo Quadros (1997, p.119), “as língua de sinais [sic] envol-ve movimentos que podem parecer sem sentido para muitos”, mas que, para os surdos, “significam a possibilidade de organizar idéias, estruturar pensamentos e manifestar o significado da vida [...]”. Dessa forma, os sujeitos surdos poderão estabelecer uma forma de comu-nicação mediante a aquisição da LS. Como as línguas orais, a LS se

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

constitui distintamente conforme suas culturas nacionais, permi-tindo a construção natural das identidades culturais que as co-munidades surdas estabelecem. Os pesquisadores diagnosticaram “que uma língua de sinais não é transparentemente inteligível por surdos monolíngues de outra língua de sinais” (QUADROS; KAR-NOPP, 2004, p. 32), isto é: cada região tem a sua língua construída culturalmente.

Sabe-se que a LS exerce forte influência sobre a construção da identidade surda. Entre os membros da comunidade existe a consciência de que o sinal deve evocar a ideia ou representar um significado cultural em sua comunidade. A língua traz a marca da identidade de seus falantes e representa elemento fundamen-tal de coesão na construção intersubjetiva de traços identitários. Nesse sentido, a Libras tem um papel fundamental na comunida-de surda, como uma comunidade linguística. Segundo Gumperz (1984, p. 269) “a comunidade linguística é todo aglomerado hu-mano caracterizado por uma integração regular e frequente por meio de um conjunto de signos verbais compartilhado por todos os indivíduos desse aglomerado, distinto de outros aglomerados semelhantes por causa de diferenças no uso na linguagem”.

Assim, há uma gama de variedades linguísticas na Libras. O usuário dessas variedades compreende os significados de cada si-nal, de forma a contextualizar o que a comunidade surda manifes-ta em sua cultura. Já uma língua oficial é uma entre as variedades linguísticas de uma nação. Segundo Heredia (1989, p. 179), “numa comunidade linguística seus membros têm em comum ao menos uma variedade de língua e também normas de uso correto, uma comunicação intensiva entre eles, repertórios verbais ligados a pa-peis e unificados por normas, enfim, uma integração simbólica no interior do grupo ou do subgrupo de referência”.

Essas normas constituem um sistema de convenções que se representam por “glosas com palavras do português nas transcri-ções” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 37-8). No sistema de trans-crição da LS, em alguns casos, é utilizada uma notação: quando

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são “antecedidos de um asterisco, a sentença ou o sinal é agramati-cal, ou seja, não é possível de ser gerada/o na língua de sinais[...]”, sendo representados de uma forma simplificada na Libras.

As autoras ressaltam que “o movimento, a mudança da expres-são facial e a mudança na direção do olhar” dificultam a precisão da transcrição. Por isso, criaram-se convenções específicas para a Libras associadas ao uso das expressões, configurações de mãos, movimentos e orientações das mãos na tentativa de identificar a glosa de sinal manual que possuíam traços semelhantes. A cons-trução das sentenças possui regras próprias, seguindo representa-ções mentais das percepções visual e espacial.

A aquisição de um sistema linguístico supõe a organização/re-organização de todos os processos mentais do sujeito. Como afir-mam Quadros (1997) e Góes (2002), a linguagem constitui-se em instrumento fundamental para o conhecimento humano, e com isso o homem pode superar o limite da experiência sensorial, in-dividual, e formular generalizações ou categorias. Pode-se dizer que, sem a linguagem, o homem não terá formado o pensamento abstrato. A linguagem, na sua forma estruturada de língua, apre-senta-se, assim, como fator de formação da consciência, permitin-do pelo menos três mudanças essenciais à criatividade consciente do homem: ser capaz de duplicar o mundo perceptível, assegurar o processo de abstração e generalização, e ser veículo fundamen-tal de transição e informação (BERNARDINO, 2000; BRITO, 1995).

Conceitos como FRUTA, MESA, LIVRO envolvem processos de categorização que são resultado da interação de nossa percepção, conhecimentos socioculturais e situacionais (de uso). Embora pare-çam menos problemáticos, eles implicam, em sua construção e uso, em uma série de operações cognitivas e acordos com a comunidade de fala. Outros conceitos como VIOLÊNCIA, LIBERDADE, AMOR, VIDA, JUSTIÇA (cf. FELTES, 2007) são mais complexos em sua construção e aplicações a contextos de fala, pois são afetados pela natureza das instituições sociais, jurídicas, religiosas, entre outras, as quais variam sobremaneira de cultura para cultura e de subcultu-

11 – Contribuições da línguística cognitiva: particularidades lexicais, semântica-pragmáticas de conceitos abstratos na interpretação de Língua Portuguesa para Libras

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

ra para subcultura em uma mesma comunidade. São considerados abstratos à medida que implicam mais operações de abstração, em que crenças e valores introduzem não apenas maior variação, mas também mais negociações de sentido em eventos de fala.

Seguindo a proposta da Teoria dos Modelos Cognitivos Idealiza-dos - TMC (LAKOFF, 1987), conceitos e categorias têm sua estrutura motivada por modelos cognitivos e culturais. Estes são construções que organizam o pensamento através das relações humanas e cul-turais, porque temos o corpo que temos e interagimos no mundo de modo a compartilhar certas experiências. Como construtos, são idealizados porque não “representam” o mundo de forma objetiva, são relativamente estáveis, mas sujeitos à variação em função da dinâmica das relações socioculturais historicamente determinadas. Ou seja, “[o]s modelos, portanto, são o resultado da atividade hu-mana, cognitivo-experiencialmente determinada, são resultado da capacidade de categorização humana” (FELTES, 2007, p. 89).

As categorias conceptuais, por sua vez, ao inscreverem-se na língua tornam-se categorias linguísticas, de modo que, conforme Delbecque (2008, p. 35) “a comunidade “tradu-las” em signos lin-guísticos. Uma visão mais abrangente da língua como sistema de signos ultrapassa o tipo de ligação entre a forma e o significado de um signo linguístico”.

Essa interligação é mais complexa quando se examinam con-ceitos abstratos. Mais ainda quando se colocam em contato sis-temas linguísticos, por processos tradutórios. Isso porque se as categorias linguísticas de um sistema e outro estão afetas aos pro-cessos de conceptualização/categorização cognitiva e sociocultu-ralmente orientados e, ainda, pela hipótese Sapir-Whorf, sistemas linguísticos influenciam a forma como o “mundo” é organizado, há que se colocarem em relevo as negociações que têm lugar quando sujeitos que têm Libras como L1 são introduzidos num universo de significações que parte da LP, reorganizando-as de acordo com as categorias conceptuais e linguísticas dessa L1.

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Segundo a semântica experiencialista, que é o fundamento da TMCI: “[o] significado não é uma coisa; ele envolve o que é sig-nificativo para nós. Nada é significativo em si mesmo. A signifi-catividade deriva da experiência da atuação como um ser de um certo tipo em um ambiente de um certo tipo.” (LAKOFF, 1987, apud FELTES, 2007, p. 126). Nos estudos sobre a significação, destaca-se o fenômeno da polissemia: um item lexical pode ter vários significados.

Silva (2006, p. 26) esclarece que “[a] polissemia é o fenômeno típico, a estruturação principal da dimensão semasiológica das pa-lavras, isto é, a dimensão que parte da componente formal da pa-lavra ou, em termos de Saussure, do significante para os sentidos e referentes que podem estar associados a essa forma e, logo, a essa palavra ou item lexical.”

Para Taylor (2002, p. 471) “[u]ma língua sem polissemia seria útil apenas num mundo sem variação ou inovação, em que os falantes não tivessem de responder a novas experiências nem en-contrar símbolos para novas conceptualizações.” Assim, o autor enfatiza a LC como uma das linhas a se debruçar sobre os estudos da polissemia, com o propósito de encontrar, nos níveis mais gerais ou de abstração, os sentidos de ocorrências polissêmicas que se re-presentam na mente do sujeito, no uso de expressões linguísticas. Conforme Silva (2006, p. 55), a “A polissemia é foco de atenção também nos muitos estudos de semanticistas cognitivistas sobre metáforas e metonímias conceptuais, integração conceptual (blen-ding), protótipos, enquadramentos (frames) semânticos, redes (ne-tworks) semânticas”.

Silva (2006) resume a abordagem da LC/Semântica Cognitiva para a polissemia como relacionada à categorização prototípica, estabelecendo diferentes graus de representações mentais entre as conceptualizações intuitiva e analítica. Constrói-se uma rede de sentidos que se interligam por diferentes tipos de relações. Com as palavras do autor:

11 – Contribuições da línguística cognitiva: particularidades lexicais, semântica-pragmáticas de conceitos abstratos na interpretação de Língua Portuguesa para Libras

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Método

A interpretação consiste em encontrar ‘pistas’ de significados im-plícitos, em atentar para a polissemia dos itens lexicais que expres-sam conceitos abstratos e em determinar, em cada enunciado, o que expressam em função do contexto linguístico-situacional. Além disso, há uma capacidade individual de estruturar conhecimentos, uma habilidade própria de organizar as experiências cognitivas. Bernardino (2000, p. 66) ressalta que “a linguística cognitiva tem-se dedicado ultimamente [...] [a] produção linguística com relação aos aspectos processuais ou representações mentais da mente”.

Quando o tradutor/intérprete de Libras e LP se depara com a tarefa de sinalizar conceitos abstratos pode surgir uma variedade de problemas, tais como: (a) para certos conceitos lexicalizados em LP não há sinais equivalentes em Libras; e (b) há a dependên-cia estrita a contextos específicos em que o TILS atua como, por exemplo: jurídicos, clínicos, pedagógicos e entre outros. Assim, numa tradução, encontram-se conceitos abstratos que recebem diferentes interpretações, como é o caso de REFLETIR, cujo signi-ficado depende dos contextos de uso.

A pesquisa caracteriza-se como estudo empírico por meio de um experimento em situação controlada, com projeto aprovado por Comitê de Ética. Como não se trata de testar métodos de tra-dução, mas de verificar quais são os recursos explorados na tradu-ção, por tradutores-intérpretes proficientes, de textos originalmen-te elaborados em LP para o sistema da Libras numa situação de comunicação com surdos, não se lança mão de grupo de controle e grupo experimental, nem de etapas pré e pós-teste. As etapas do procedimento empírico estão organizadas da seguinte forma:

(1) Elaboração de textos pragmaticamente contextuali-zados: envolveu a construção de um conjunto de textos contextualizados com condições mínimas, necessárias e suficientes, para que fossem compreendidos pelo tradutor-

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-intérprete, interpretados e, então, traduzidos para Libras. Em sua constituição semântico-lexical há conceitos abstra-tos (em rede polissêmica) que possuem, em LP, um lexema estabelecido. O sentido do lexema varia em cada contexto linguístico imediato. Os conceitos CRÍTICO (‘crítico’) foi o candidato para o experimento.

(2) Seleção dos sujeitos participantes do experimento: participaram do experimento dois grupos de tradutores-in-térpretes de Libras, proficientes, graduandos ou graduados em nível acadêmico superior, habilitados conforme a legis-lação 5.6.26 de 20 de dezembro de 2005, sendo, cada grupo, provenientes de regiões diferentes: RS/Caxias do Sul e SC/Florianópolis. Os sujeitos surdos, em número de seis, têm como L1 Libras e, como L2, LP (modalidade escrita) e são provenientes, como os TILS, das regiões referidas. Todos são graduandos ou graduados em nível acadêmico superior.

(3) Condução do procedimento de tradução: os procedi-mentos foram executados em seis etapas durante o experi-mento. Primeira versão: os TILS e os surdos não tiveram o conhecimento prévio do microtexto: (1ª) Em uma 1ª versão os TILS realizaram a interpretação dos textos ela-borados em sintaxe da LP para a sintaxe da Libras. (2ª) O sujeito surdo, ao final de cada interpretação, expressou em Libras o que compreendeu da interpretação do ILS. (3ª) O sujeito surdo, em seguida, expressou em modalidade es-crita da LP o que compreendeu da interpretação. Segun-da versão: os TILS tiveram acesso da modalidade escrita do microtexto: (4ª) Em uma 2ª versão os TILS realizaram novamente a interpretação dos textos elaborados em sin-taxe da LP para a sintaxe de Libras. (5ª) O sujeito surdo, ao final de cada interpretação, expressou em Libras o que compreendeu da interpretação do ILS. (6ª) O sujeito sur-do, em seguida, expressou em modalidade escrita da LP o que compreendeu da interpretação.

11 – Contribuições da línguística cognitiva: particularidades lexicais, semântica-pragmáticas de conceitos abstratos na interpretação de Língua Portuguesa para Libras

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(4) Registro do processo descrito: o experimento foi fil-mado utilizando-se três câmeras digitais, sendo: uma com ângulo direcionado para o surdo; outra, com ângulo dire-cionado para o TILS, e a terceira capturando a imagem dos interlocutores simultaneamente.

(5) Transcrições de LP e Libras: dentre os softwares dispo-níveis, escolhemos para esta pesquisa o ELAN que permite “inserir vocabulário controlado, tipos lingüísticos [e] trilhas de transcrição”.

Essas anotações permitem que sejam geradas trilhas de acordo com as próprias anotações e os tempos dos vídeos. Assim, “[t]odas as trilhas são indicadas na linha do tempo e no visor interlinear, mas três destas trilhas podem ser indicadas adicionalmente no visor do subtítulo (QUADROS; PIZZIO, 2009, p. 25).

No sistema de transcrição da Libras, é necessário adicionar ‘trilhas’ que definem os atributos com que se irá trabalhar. Nesta pesquisa focalizam-se os sinais empregados pelos TILS para tra-duzir e interpretar os conceitos abstratos a partir dos microtextos elaborados e aqueles empregados pelos sujeitos surdos em sua compreensão expressada em Libras. A linha das glosas foi seguida pelos sinais regionais do RS e de SC, visando à comparação das va-riedades linguísticas que há na Libras. Registram-se em trilhas as informações das particularidades lexicais na expressão de concei-tos abstratos. Isso permite uma sistematização dos registros e das análises naquilo que é objeto de investigação. Tendo como base o microtexto para os procedimentos metodológicos desta pesqui-sa, apresenta-se uma síntese do recorte dos resultados realizados para este experimento de pesquisa. Em cada conceito abstrato, expresso linguisticamente no microtexto, têm-se os seguintes sig-nificados para cada ocorrência do lexema ‘crítico’: CRÍTICO1 – v.i. Refletir/pensar - reflita antes de decidir; CRÍTICO2 - s.f. Opinião - modo de ver, pensar, deliberar, parecer e outros; CRÍTICO3 – v.t.

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Observar/avaliar/reclamar – cumprir, respeitar, obedecer, exa-minar, analisar, verificar e outros; CRÍTICO4– s.f. Opinião - segue os mesmos significados do conceito CRÍTICO2; CRÍTICO5 – adj. Incômodo - que causa mal-estar, que causa inquietação, impor-tuno, que causa dificuldade, embaraço, estorvo. Essas escolhas lexemática de tradução-cognitiva a partir da interpretação do mi-crotexto que fora escolhida pelo TILS, em cada etapa, sejam na 1ª e 2ª versões, é que identificou-se as ocorrências lexemáticas de TILS para TILS, ou seja, o resultado da interpretação demonstra que numa primeira versão as escolhas lexemáticas encontram-se conforme o dispositivo de armanezamento das informações so-bre o sentido dos lexemas, e após uma segunda versão o processo cognitivo explorar a ferramentas das informações armazenadas e passa a refinar suas escolhas interpretativas de uma língua para outra, do sujeito surdo, expressa em Libras.

A partir da transcrição, realizaram-se as etapas da transcrição em libras, com os registros selecionados em cada trilha, sendo eles seguidos da definição das glosas que foram escolhidas durante a interpretação; as ocorrências analisadas em relação às expressões não-manuais e por fim, as escolhas lexemáticas do conceitos abs-tratos que foram utilizados nos microtextos. Após o registro das transcrições, forma realizada as análises dos dados coletados, a partir dos registros observados, em relação direta do processo de interpretação das particularidades lexemáticas e da construção semântica-pragmática escolhida pelo TILS, durante a tarefa do ato de ouvir, assimilar e compreender cognitivamente o processo lin-guístico das línguas em uso.

Considerações finais

As escolhas lexicais para a interpretação simultânea são esco-lhas que acontecem com base única em um enunciado, ou seja, in-formações obtidas na língua de partida, traduzida cognitivamente, e interpretada para a língua de chegada, nos aspectos linguísticos

11 – Contribuições da línguística cognitiva: particularidades lexicais, semântica-pragmáticas de conceitos abstratos na interpretação de Língua Portuguesa para Libras

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e culturais. Esse processo ocorre quando as competências linguís-ticas e tradutórias desenvolvidas pelos TILS no ato interpretativo são adequadas, ou seja, envolve a posição e a postura que o TILS assume no ato do no momento da interpretação; referenciar os su-jeitos do discurso durante o ato da interpretação; armazenar as in-formações do enunciado; incorporar na ação o sujeito do discurso quando necessário; resgatar pistas metalinguísticas durante suas escolhas de lexemas numa construção lexemática; ter o domínio e o autocontrole linguístico em situações que o TILS não possui conhecimentos prévios de contexto, de discurso e de posiciona-mento (cenário) em uma situação de interpretação simultânea; trabalhar em parceria com um ou mais colegas de atuação, ou seja, trabalhar com interpretação de apoio; manter-se alinhado ao enunciado e ao contexto de atuação; transmitir as informações que ocorrerem no ato de fala atenta para a percepção linguística--visual, no que tange aos aspectos gramaticais da LS e o conheci-mento linguístico, ou seja, a capacidade de tradução e interpreta-ção da língua fonte para a língua meta e vice-versa.

Esta pesquisa tem contribuído para aspectos fundamentais da competência linguística-tradutória, especificamente nas particu-laridades da tradução-interpretação de conceitos abstratos, cuja expressão em língua portuguesa e Libras é tão variada quanto complexa, dadas as diferenças linguísticas nos níveis lexicais, sin-táticos e semânticos-pragmáticos entre os dois sistemas. Observa--se que a prática do TILS envolve várias competências e, entre elas, algumas específicas que podem ser compreendidas e desen-volvidas a partir das contribuições da Linguística Cognitiva e, mais estritamente, da Semântica Cognitiva.

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Referências

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SAPIR, Edward. Selected writings of Edward Sapir in language, culture and per-sonality. David Mandelbaum (Ed.) Berkeley: University of California Press, 1958.

11 – Contribuições da línguística cognitiva: particularidades lexicais, semântica-pragmáticas de conceitos abstratos na interpretação de Língua Portuguesa para Libras

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Língua maior ou menor? Reflexões em torno da Língua Brasileira de Sinais – Libras no Ensino Superior1

Euluze Rodrigues da Costa JúniorReginaldo Célio SobrinhoEdson Pantaleão

Introdução

Pretendemos, neste texto, promover um exercício de reflexão so-bre o conceito de literatura menor e operá-lo a partir de uma noção de uma língua menor. Nesse contexto, optamos por fazer uma refle-xão sobre a formação de estudantes surdos matriculados nas turmas do curso de Letras Libras da Ufes que se relacionam com outros in-divíduos ouvintes a partir da Língua Portuguesa e da Libras. Nossas

1. Este artigo é resultante de reflexões iniciais do projeto de pesquisa intitulado “A forma-ção de surdos no Ensino Superior como controle social: um estudo comparado interna-cional”, com o registro de nº 8211/2017 (PRPPG/UFES) coordenado pelo professor Ms. Euluze Rodrigues da Costa Junior. Este projeto é vinculado ao projeto “Estudo compa-rado internacional em Educação Especial: o ensino superior em foco” com registro de nº7528/2016 coordenado pelos professores Dr. Edson Pantaleão e Dr. Reginaldo Célio Sobrinho. Ambos projetos são desenvolvidos no Grupo de Pesquisa Políticas, Gestão e Inclusão Escolar: contextos e processos sociais (CNPq).

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problematizações emergem de uma pesquisa mais ampla intitulada A formação de surdos no Ensino Superior como controle social: um es-tudo comparado internacional, desenvolvida no âmbito do grupo de pesquisa Políticas, Gestão e Inclusão Escolar: contextos e processos sociais (CNPq 2016 - 2019).

Ocorre que a Ufes iniciou, a partir do ano de 2014, a oferta a oferta do curso de Letras Libras na modalidade de bacharelado de modo pre-sencial. Desse modo, a universidade tem como objetivo, pelo menos inicialmente, a formação de TILS. Entretanto, nos chamou a aten-ção a presença de surdos nesse curso e nessa modalidade de ensino, que contraria o pensamento comum de que somente o ouvinte está apto para ser e atuar como TILS. Porém, sendo estudantes surdos ou ouvintes, são fundamentalmente, humanos, dessa maneira, “[...] não apenas podem aprender mais que qualquer outra espécie, eles também devem aprender mais” (ELIAS, 2012, p. 26 – grifo nosso).

Além disso, os estudantes surdos, diferentemente dos demais cursos do Ensino Superior, passam a conviver com a formação tanto na Libras, quanto na Língua Portuguesa, tratando-se de uma formação específica e do nosso tempo. Desse modo, compreendemos que, processualmen-te, à medida que aumenta o número de acessos de estudantes surdos nesse nível de ensino, proporcionalmente emergem tensões tanto en-tre os indivíduos quanto na comunidade universitária.

Desse modo, buscamos nos apropriar das noções de literatura me-nor trabalhados por Deleuze e Guatarri (2015). A partir dos autores compreendemos que “[...] é somente a possibilidade de instaurar de dentro um exercício menor de uma língua mesmo maior que permite definir literatura popular, literatura marginal, etc. É somente a esse preço que a literatura se torna realmente máquina coletiva de ex-pressão [...]” (DELEUZE; GUATARRI, 2015, p. 34). No entendimento dos autores, ao trabalharmos com as multiplicidades potências, outras emergem nos contextos em que os indivíduos estão inseridos.

Em termos metodológicos, destacamos que o trabalho se configura como um estudo de caso de natureza qualitativa. Como instrumentos

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

para recolha dos dados elegemos a análise documental e a entre-vista semi-estruturada. Os sujeitos de nossa pesquisa foram um professor ouvinte e um professor surdo do curso de Letras Libras da Ufes.

Observamos que alguns estudantes surdos passaram a compor as turmas do curso de Libras bacharel quando o mesmo foi institu-ído, visando a formação de TILS. Este movimento contribui para o surgimento de tensões que balizarão os processos de ensino e aprendizagem para que o aluno se aproprie de experiências espe-cíficas que a profissão de TILS demanda e exige. Nesse movimen-to, observamos que a formação de surdos em Letras Libras em nível de bacharelado problematiza as afirmativas do senso comum que idealizam uma língua maior do que a outra e nos permite pensar que a Libras não é “[...] somente uma nova língua nesses contextos formativos ou que vive de vocábulos roubados, mobili-zados, emigrados, tornados nômades interiorizando ‘relações de forças’[...]” (DELEUZE; GUATARRI, 2015, p. 48).

Língua maior e menor no Ensino Superior: Libras e Língua Portuguesa na formação de estudantes surdos

Assim como Gallo (2008), em sua proposição em pensar uma “educação menor”, nos exercitamos em refletir a partir desse dis-positivo sobre a Língua Brasileira de Sinais e a Língua Portuguesa nos processos formativos de estudantes surdos em turmas do En-sino Superior, especialmente em turmas do curso de Letras Libras na modalidade bacharelado da Ufes, a partir das reflexões feitas por Deleuze e Guatarri (2015) sobre a obra de Franz Kafka.

Nesse sentido, parece-nos importante destacarmos, nos termos de Deleuze e Guatarri (2015, p. 35) que “uma literatura menor não é a de uma língua menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua maior”. Para os autores, existem três características funda-mentais que devem ser observadas antes de identificarmos as obras

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como literatura menor. A primeira é a desterritorialização, a segun-da é a ramificação política e a terceira é o valor coletivo.

A partir dessas características e do exercício feito por Gallo (2008) para pensar uma “educação menor”, podemos pensar a Li-bras no âmbito da educação e, em especial, na formação de es-tudantes surdos no Ensino Superior. Mais do que isso, queremos refletir a formação desses indivíduos em classes de nível superior que contam com duas línguas, no nosso caso, a Libras e a Língua Portuguesa no curso de Letras Libras na modalidade bacharelado que visa a formação de futuros TILS.

A partir desse contexto, como podemos identificar uma “língua maior” instituída e uma “língua menor” resistente? Considerando as relações de poder básicas que podem ser constituíntes no proces-so formativo tanto de estudantes surdos quanto ouvintes, a partir de Foucault (2013), entendemos que, para resistir, é preciso que a resistência seja tão inventiva, tão móvel e tão produtiva quanto o poder e que, assim como ele, venha de “baixo” e se distribua estrate-gicamente. A partir do momento em que há uma relação de poder, existe a possibilidade de resistência. Jamais somos aprisionados pelo poder, mas podemos modificar sua dominação em condições determinadas e segundo uma estratégia precisa. Destarte, destaca-mos que nossa reflexão comparativa foge dos modelos propostos para pensar e descrever apenas a comparação entre as línguas.

Na perspectiva dos autores, concordamos que existe uma potên-cia quando das trocas entre as línguas, pois “[...] o que pode ser dito em uma língua não pode ser dito em outra, e o conjunto do que pode ser dito e do que não pode sê-lo varia necessariamente de acordo com cada língua e as relações entre essas línguas” (DE-LEUZE; GUATARRI, 2015, p.44). De modo análogo, quando pergun-tamos aos professores do curso de Letras Libras da Ufes sobre as avaliações de aprendizagem, conhecimento e pensamento dos alu-nos surdos matriculados nesse curso, percebemos que existe uma preocupação comum para que o aluno se mova para buscar ampliar o léxico, apropriando-se de determinadas formas e de palavras para

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

procurar um contato com outros alunos que tenham um maior do-mínio. Em relação ao contato com os outros alunos, um professor afirmou nos seguintes termos:

Minha avaliação é sempre por etapas, eu tô indo para a terceira etapa agora, uma das eta-pas a participação em sala de aula sempre três atividades individuais, uma atividade em grupo que é essa participação toda e uma au-toavaliação eu dou pra ele situações para ele mesmo se analisar e como foi o desempenho dele em sala de aula na disciplina desde a par-ticipação com contribuição, com outros livros, com outras pesquisas independentes que ele tenha feito em sala de aula, até mesmo ter o material trouxe o texto, caneta caderno note-book, o envolvimento com a disciplina, mas ele se auto avalia tem a pontuação em grupo de participação em grupo e têm os três trabalhos individuais que todos eles fazem (PROFESSOR OUVINTE – ENTREVISTA – julho 2017).

Percebemos que os professores procuram promover uma inte-ração geral entre os alunos para a procura de informações. Nessa direção, entendemos que “não há emancipação individual, sem a emancipação social” (BIESTA, 2013, p. 30). O aluno surdo aprende a ampliar o Português escrito não pelo julgamento de um pro-fessor, dizendo que certa oração está de modo inadequado, mas sim pela integração e explicação de outros professores e alunos que estão numa ação colaborativa, onde todos naquele meio estão imersos no mesmo currículo. Tanto o emissor quanto o receptor da informação aprendem colaborativamente. Independente do ní-vel de formação, todos conseguem compreender-se por Libras ou pela Língua Portuguesa escrita de forma a adquirirem um sentido comum para aqueles símbolos.

Tal engajamento ocorre tanto para os textos genéricos quanto aqueles voltados para a área da linguística ou textos literários, que também tem seu enfoque específico no curso. Desse modo, a partir

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de Deleuze e Guatarri (1992), refletimos quais seriam os problemas marcantes nesse campo da arte da tradução e interpretação. Em ou-tros termos, como interpretar ou fazer ouvir o tempo, que é insono-ro e invisível? Outrossim, ao inverso, como a força insensível pode fazer parte dos “elementos” de uma outra arte? Como traduzir os sentidos das palavras e conceitos? A partir dos autores, chamamos atenção para a consciência da ação de um TILS acerca dessas ten-sões comuns que se apresentam em diferentes campos “artísticos” independentemente de suas singularidades.

Na perspectiva de Deleuze e Guatarri (1992), entendemos a tra-dução e/ou interpretação da Língua Portuguesa para a Libras ou vice e versa como uma arte. Assim como na música, na pintura ou na literatura, nos expressamos através de sensações. Além disso, esses processos entre as duas línguas envolvem, também, uma dimensão estética. Existe uma força no ato tradutório ou interpre-tativo que possibilita a sensação na relação com o outro. Porém, essas sensações, assim como os perceptos, não são percepções que se relacionam diretamente a determinado objeto, visto que esta-belecem com este outra forma de relação. Sendo assim, de modo análogo, a tradução ou a interpretação não se tratam apenas de re-produzir ou inventar formas, mas de captar forças. Nesse sentido, cabe ao tradutor tornar visíveis forças não visíveis, já que a força tem uma relação íntima com a sensação. Ela é desencadeadora do devir sensível nas artes.

Assim, compreendemos que tanto alunos ouvintes quanto os alunos surdos sentem dificuldades em entender quando são utili-zados alguns sinais novos ou a explicação de algum conceito que eles não estão acostumados. Dessa maneira, “[...] uma língua pode cumprir tal função em tal matéria, uma outra, em outra matéria. Cada função de linguagem divide-se, por seu turno, e comporta centros de poder múltiplos” (DELEUZE; GUATARRI, 2015, p. 44).

Um aspecto interessante que ocorre nas disciplinas do curso de Letras Libras Bacharelado na Ufes é quando surge um termo cienti-fico que não tem um sinal conhecido pelo professor e pelos alunos.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Dessa maneira, concordamos com Deleuze e Guatarri (2015, p. 49) quando afirmam que:

Mesmo maior, uma língua é suscetível de um uso intensivo que a faz escoar seguindo linhas de fuga criadoras, e que, ainda que lento, cau-teloso, forma uma desterritorialização absolu-ta, desta vez. Quanta invenção, e não somente lexical, o léxico conta pouco, mas sóbria inven-ção sintática [...]

É que, a partir das entrevistas, percebemos que tal impasse é comum e, portanto, alunos e professores procuram convencionar entre si um sinal e seu conceito em Libras e, a partir desse momen-to, os alunos entendem que eles também têm o direito de, como grupo, convencionar um sinal comum. Em termos teóricos, essa é a emancipação simbólica de um grupo ou, em outras palavras,

Servir-se do polilinguismo em sua própria lín-gua, fazer desta um uso menor ou intensivo, opor o caráter oprimido dessa língua a seu ca-ráter opressivo, achar os pontos de não cultura e de subdesenvolvimento, as zonas de terceiro mundo linguísticas por onde uma língua esca-pa, um animal se enxerta, um agenciamento se instala (DELEUZE; GUATARRI, 2015, p. 50)

Desse modo, se retornarmos às três características da literatu-ra menor e observarmos as práticas dos professores no curso de Letras Libras da Ufes, percebemos a proposta de desterritorializar práticas educacionais “maiores”. É que, a partir do momento em que os professores fogem das práticas voltadas apenas para a tra-dução, por exemplo, e propõem que estudantes surdos e ouvintes, em igualdade de condições, tenham acesso aos mesmos conteúdos seja pela Libras ou pela Língua Portuguesa na modalidade escri-ta, automaticamente pensamos em “[...] sala como trincheira, do professor militante, militante dos devires das práticas cotidianas” (VIEIRA-MACHADO, 2010, p. 63).

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Considerando a ramificação política proposta por Deleuze e Guatarri (2015) como a segunda característica de uma literatura menor, podemos associar a Libras nesse aspecto de modo análogo, pois seu reconhecimento (BRASIL, 2002; 2005) foi consequência direta de resistências e ações de revolta que ocorreram por todo o país. Quando anunciamos que vivenciamos um tempo em que surdos e ouvintes se relacionam em um curso do Ensino Superior onde as duas línguas são consideradas de instrução, pode-se per-ceber um certo processo de desterritorialização das “políticas e práticas maiores” nesse nível de ensino. Portanto, os professores desses espaços ganham novos sentidos nos seus fazeres cotidianos e nas relações com os alunos surdos e ouvintes. A partir disso, compreendemos que emerge uma “política do cotidiano, das rela-ções diretas entre os indivíduos, que por sua vez exercem efeitos sobre as macro relações sociais” (GALLO, 2013, p. 67).

Sem esgotar nossas reflexões, a partir da terceira característi-ca de uma literatura menor, entendemos que a Libras ganha um valor coletivo que é produzido nas interdependências entre os indivíduos das turmas do curso de Letras Libras da Ufes. Nesse sentido, consideramos que não existe uma ação isolada e solitá-ria nos processos formativos dos indivíduos surdos. Nas relações estabelecidas, tanto os professores surdos ou ouvintes quanto os alunos, também surdos ou ouvintes, paulatinamente redimensio-nam, produzem e dão múltiplos significados para os processos for-mativos, de modo compartilhado e coletivo.

Considerações finais

Nesta seção de considerações finais nos debruçaremos no res-gate de aspectos que trabalhamos ao longo deste estudo, pontuan-do o que pode contribuir para a reflexão a respeito da formação de estudantes surdos em classes do Ensino Superior em que a Libras e a Língua Portuguesa são línguas de instrução. Se pontuarmos que os surdos passam a integrar essas classes, acreditamos que

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

seja necessário a sistematização de processos que garantam não apenas a comunicação, mas também o acesso à cultura universi-tária e aos conhecimentos necessários para exercer a profissão de TILS.

Não descolados dos movimentos que ocorrem para além das instituições de ensino superior e, em especial, às universidades públicas, vivenciamos um momento em que a escolarização dos indivíduos surdos é pautada pela via do ensino bilíngue – e suas diversas interpretações e sistematizações por todo o Brasil – ou em salas comuns com a presença de um TILS educacional ouvinte. Também vivenciamos essas figurações em classes do Ensino Supe-rior. Entretanto, buscamos refletir sobre a formação do indivíduo surdo que está matriculado em um curso que tem por objetivo a capacitação de futuros TILS, que é historicamente frequentado, em sua maioria, por estudantes ouvintes.

Esse tipo de figuração nos faz pensar nos processos formati-vos que esses indivíduos são submetidos, pois, diferentemente da educação básica e de outros cursos do Ensino Superior, nesse curso eles promovem a ação tradutória e/ou interpretativa. Nesse caso, vivem imersos nas duas línguas durante todo o processo for-mativo e precisam exercitar a negociação das traduções.

Por fim, sem querer esgotar nossas reflexões, este estudo deixa pistas de possíveis potencialidades e multiplicidades nos proces-sos de aprendizagem, conhecimento e pensamento em que estu-dantes surdos e ouvintes estão inseridos no contexto do Ensino Superior. O fato de vivenciarem duas ou mais línguas é um forte aspecto delineador de futuras sistematizações de diversos outros cursos desse nível de ensino.

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FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2013.

GALLO, Sílvio. Deleuze & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

VIEIRA-MACHADO, Lucyenne Matos da Costa. Ser bilíngue: estratégias de sobrevi-vência dos sujeitos surdos na sociedade contemporânea. In: VIEIRA-MACHADO, Lucyenne Matos da Costa; LOPES, Maura Corcini. Educação de surdos: políti-cas, língua de sinais, comunidade e cultura surda. Santa Cruz do Sul: EDU-NISC, 2010. p. 48-67.

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A Performance do tradutor-intérprete em canções cristãs

Arlene Batista da Silva

Amábele Cristine Miranda Azevedo de Araújo

Apresentaremos neste estudo a performance do tradutor/intérpre-te na atuação de canções cristãs. Há um rótulo de que os surdos não gostam de músicas, por isso não têm contato com as mesmas, porém tivemos interesse de explorar esse campo e compreender por meio da pesquisa científica aspectos da tradução de músicas para Libras. Temos como objetivo conhecer as estratégias utilizadas pelos traduto-res/intérpretes no processo de atuação em canções, bem como suas construções performáticas na Libras. Assim investigamos as escolhas lexicais escolhidas por dois que atuam nessa área.

Como aporte teórico, recorreremos aos estudos de Stuart Hall (2005), o qual afirma que as identidades são construídas ao longo do tempo através de vozes que nos perpassam. Somos perpassados por vá-rios discursos, ideologias e culturas de outras pessoas que influenciam em nossas decisões. Por isso acreditamos que o tradutor/intérprete na condição de mediador cultural pode apresentar ao sujeito surdo perfor-mances da canção cristã, permitindo que seu público alvo construa per-cepções emotivas a partir do contato continuo com o gênero musical.

De acordo com Zumthor (2007), a performance está ligada às ações do corpo que constituem o discurso poético oral. Os estudos desse autor sobre a performance poética em línguas orais, contribuiu para

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entendermos que a performance na tradução/interpretação de poe-sias – e de músicas - em Libras desconstrói a linguagem verbal, para reconstruí-la em um sistema de signos imagéticos que se materializa por meio do corpo na incorporação de personagens, que ganham exis-tência em meio a criação de cenas e ações produzidas pelo intérprete.

Recorreremos, ainda, às contribuições de Plaza (1987) que dis-corre sobre o conceito de tradução intersemiótica. Essa tradução é passada de um signo linguístico para o outro, para uma outra mo-dalidade de linguagem. Neste trabalho, defendemos a ideia de que a tradução/interpretação de canções é intersemiótica, pois é trans-formada de uma linguagem verbal para uma não verbal, levando em conta a cultura da época em que o texto fonte foi criado. O profissio-nal transforma o texto em imagens, reconstruindo os sentidos para que o público alvo perceba os múltiplos efeitos de sentido presentes na música.

Ancorados nos estudos de Britto (2012), entendemos que na tra-dução poética o profissional precisa fazer escolhas, como optar pela tradução estrangerizadora, que favorece a língua fonte, como o portu-guês sinalizado ou a segunda opção que se denomina como tradução domesticadora, a qual favorece a língua alvo, pois a mesma descons-trói a estrutura da língua oral e (re)constrói a mensagem, pro meio da tradução de sentido.

Este estudo ainda permitiu-nos compreender o conceito de can-ção como um texto hibrido (COSTA 2003) que se apresenta por meio da melodia e a linguagem verbal. Assim, acreditamos que as recria-ções envolvem diferentes tipos de linguagem: poética, dramática e visual.

Ainda abordaremos, aqui, os apontamentos de Bakhtin que foi um importante filósofo e pensador sobre a linguagem humana. De acor-do com o teórico: “a língua escrita corresponde ao conjunto dinâmico e complexo constituído pelos estilos da língua, cujo peso respectivo e a correlação, dentro do sistema da língua escrita, se encontram num estado de contínua mudança” (BAKHTIN, 1992 p. 285). Para o autor,

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

os gêneros discursivos foram criados na sociedade para que o in-divíduo tenha diferentes maneiras de interagir por meio “formas relativamente estáveis” de comunicação.

Segundo Bakhtin (1992), a linguagem literária é ainda mais complexa, pois estão ali especificidades também de uma forma comunicativa utilizada num contexto bastante específico. Basea-dos por esses estudos teóricos, podemos inferir que a tradução/interpretação de canção em Libras pode estar atrelada à lingua-gem literária, pois há uma simbiose entre imagem-corpo-expres-sividade-criatividade para a produção de sentidos. Entendemos também que a língua acompanha a história da sociedade sofrendo alterações em diversos níveis: fonético, sintático, lexical e semân-tico. Por isso, o tradutor/intérprete necessita estudar com afinco a língua alvo como um todo e o modo como os discursos são cons-truídos, as finalidades, os interlocutores envolvidos e o contexto de enunciação em que os discursos são produzidos.

Como objeto de pesquisa, escolhemos duas produções audiovi-suais disponibilizadas na plataforma Youtube. Assim, este trabalho é de cunho exploratório e descritivo, pois são investigações empí-ricas que têm como alvo conhecer as estratégias realizadas pelos profissionais entrevistados.

Para descrever os vídeos, baseamo-nos nos procedimentos me-todológicos e nas categorias produzidas por Rigo (2013), que traba-lhou, também, com a análise de canções do Youtube. Percebemos que as canções cristãs abordam diferentes temáticas para produzir efeitos de sentido ao leitor: consolo, exaltação a Deus x inferiori-dade do homem.

A primeira canção intitulada “Pai nosso”, canção na voz de João Alexandre (versão oral) e traduzida para Libras por Valdir Balbueno, remete ao leitor a uma oração/conversa com Deus. Podemos observar que as expressões do intérprete são de súplica e exaltação a Deus, colocando de forma a sugerir que ele próprio esteja fazendo essa oração. Compreendemos que a performan-

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13 – A Performance do tradutor-intérprete em canções cristãs

ce corporal entra em contexto com os sinais manuais e com a desenvoltura do intérprete, de modo a evidenciar o sentido e a mensagem que a canção traz.

Ainda importa ressaltarmos no texto em voga a presença de elementos poéticos, como o uso do morfismo; ou seja, sinais que se misturam e formam outro sinal, como, por exemplo, quando o intérprete faz o sinal de EXALTAR e o finaliza sinalizando REI. Essa estratégia é considerada primordial para a construção poética da canção, para dar a ela um ritmo visual. Outro dado que merece enfoque é a simetria, que incide, nesse caso, sobre as mãos espe-lhadas, quando o tradutor se refere ao céu e quando faz referência à terra. No momento dos instrumentos musicais, o tradutor opta por continuar a interpretação e fazer uma referência já à próxima estrofe que seria cantada, no que pudemos perceber a contextua-lização entre as duas estrofes.

Chamamos atenção também para o olhar do intérprete quan-do o mesmo está se referindo a Deus, o céu e as bênçãos, ou em alguma petição. Ele eleva o seu olhar ao alto, fazendo com que o espectador também direcione o seu olhar, mesmo antes de fa-zer algum sinal manual indicando que é algo que vem do céu, somente como a direção do olhar já nos remete a perceber que é algo do alto. O intérprete modaliza sua performance em dois eixos discursivos: em um momento remete à submissão do ho-mem, e, em outro momento, exalta a soberania de Deus. Assim, ele também faz a mesma indicação quando se refere ao mundo, ao dar as bênçãos às pessoas da terra. No mesmo instante, ele abaixa o olhar e, em alguns momentos, olha até mesmo para a câmera.

O segundo vídeo está disponível no Youtube, no canal: Hélio Surdos. Trata-se da canção “Quando o mundo cai ao meu redor”, cantada por Juliano Son e traduzida por por Hélio Fonseca.

Na canção o eu lírico relata suas angústias por meio de uma conversa com Deus. Ele cita momentos em que Deus disse que

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

não o abandonaria; também comenta sobre suas experiências da vida no mundo, ainda assim, ele segue confiando em Deus. Per-cebe-se que o tradutor-intérprete incorpora o eu lírico que está conversando com Deus e demonstra com movimentos do corpo e expressões faciais o sofrimento vivido. Na primeira estrofe, o tradutor usa a estratégia de olhar sempre para o alto, usando os sinais que comumente tem o sentido de estar falando com alguém soberano.

No trecho “Quando eu vejo a escuridão da noite, quando eu vejo a tragédia vindo sobre mim”, momento em que sinaliza OPRES-SÃO, ele intensifica a expressão facial, movimenta o sinal para o lado direto e carrega a expressão, como se fosse algo ruim. Ainda na primeira estrofe, utiliza elementos poéticos que expressam que o texto interpretado é uma canção, como a rima, na qual ele usa o sinal de mundo e com a mesma configuração de mão, imedia-tamente faz o sinal de angústia, apropriando-se do morfismo e causando efeitos imagéticos que tocam o leitor, que o faz lembrar o seu cotidiano.

Na segunda estrofe, o intérprete ainda utiliza a estratégia das mãos assimétricas: usa o classificador de pessoa com mão direita, e com a mão esquerda constrói a imagem de adversidades que in-vestem contra o eu lírico, intensificados pelas expressões faciais. No final da estrofe, o tradutor continua com o classificador de pes-soa com a direita, e com a esquerda faz a configuração de mão de pessoa em D; o que nos remete a Deus. A mão direita vai até a esquerda e se apoia nela, sugerindo a ideia de que o eu lírico vai até Deus e “descansa”, ou confia nele.

À luz desse breve recorte das análises, podemos concluir que a tradução de canções em Libras guarda aproximações com a poe-sia, pois utiliza os mesmos recursos estéticos que conferem beleza e emoção ao texto traduzido, podendo suscitar sensações emotivas no leitor. Na descrição das canções, entendemos que o domínio da língua extrapola o uso dos sinais, pois os tradutores/intérpretes

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usam elementos estéticos e criativos no campo poético das can-ções. Como recurso tradutório, usam, ainda, a incorporação do eu lírico, pois confere maior emoção à mensagem. Assim, os recursos utilizados permitiram a recriação das canções por meio de perfor-mances artísticas.

13 – A Performance do tradutor-intérprete em canções cristãs

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O contexto da educação escolar bilíngue/cultural de surdos no Rio Grande do Sul1

Márcia Lise Lunardi-Lazzarin

O presente texto cumpre a função de socializar algumas das pro-duções de pesquisas desenvolvidas pelo Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Educação de Surdos – GIPES/UFRGS2. Ao tomar a edu-cação de surdos e seus contornos como objeto e foco de nossas inves-tigações, compreendemo-la como um campo discursivo que mobiliza diferentes significações em torno de temáticas: cultura surda, produ-ção de subjetividades surdas, experiência visual, artefatos da cultura surda, currículo escolar, espaços de ensino-aprendizagem e língua de

1. Partes dos dados e discussões apresentados nesse texto compõem o relatório técni-co do Projeto “Produções Culturais Surdas no Contexto da Educação Bilingue”. Edital Universal 2014 – Projeto CNPq 454906/2014-5, produzido por: KARNOPP, L.; KLEIN, M.; LUNARDI-LAZZARIN, M. L. Produções Culturais Surdas no Contexto da Educação Bilíngue. Relatório de Pesquisa. Edital Universal 2014, CNPq. Porto Alegre, 2018. 51p. (Texto digitado).

2. Grupo criado no ano de 2006, reunindo pesquisadores de diferentes instituições de En-sino Superior gaúchas que mantêm em comum a Educação de Surdos como campo de investigação. Atualmente, a vasta produtividade em ações de pesquisa e de extensão pode ser acessada por meio dos currículos dos pesquisadores e estudantes cadastrados na página do grupo no Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil. Por ser um Grupo Interinstitucional a liderança do mesmo é itinerante, nesse momento a líder do grupo é a Professora Dr. Lodenir Becker Karnopp, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS.

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sinais. O que tentamos reforçar na mobilização dessas temáticas é a necessidade de mantermos nossos discursos sempre em suspeita.

Significar a educação de surdos como um campo discursivo é dizer que a situamos como um conjunto de forças que produzem, valoram e determinam as condições dos sujeitos surdos de estar no mundo. A significação da diferença se dá nesse campo conflituoso de forças que envolvem culturas e relações indissociáveis de poder-saber que pas-sam inevitavelmente por relações de atribuição de sentido. Portanto, pensar sobre essas questões implica inevitavelmente lançar um olhar crítico não apenas para o sujeito surdo em questão, mas também para a comunidade e para os espaços escolares no que concerne às possibi-lidades de existência e seus efeitos, entre outros elementos.

Nesse contexto, entendemos que a cultura opera como fator deci-sivo para o agrupamento dos surdos nesse território, chamado escola, uma vez que os denominados artefatos culturais do povo surdo têm servido à comunidade surda como fator determinante para reforçar a segurança do território comunitário e as lutas políticas pelo direito à diferença. Não haveria como evitar essa abordagem uma vez que a comunidade surda se articula sobretudo em torno de toda uma retóri-ca sobre sua cultura.

Diante dessa perspectiva, entendemos que a cultura, historica-mente, também é fator de ordenamento, de classificação, de forma-ção de grupos sociais. Isso ocorre a partir do momento em que cada grupo significa com mais ou menos relevância determinados artefa-tos (VEIGA-NETO, 2004; 2006). Tais significações são produzidas na ambivalência da linguagem, que embasa o movimento de tensão en-tre as culturas, dando sustentação para o processo de ordenamento da sociedade e aproximando, definitivamente, a cultura das relações de poder. Ao entendermos que a educação de surdos é interpelada por contornos linguísticos, culturais e identitários, fazemos um exercício constante para não tomá-la como algo natural, mas que se relaciona a forças discursivas tensionadoras de movimentos impregnados de poder e de significação.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

O que passa a ser produzido e consumido como cultura surda potencializa aquilo que é entendido pelos membros das comuni-dades surdas como artefatos culturais surdos. Nesse sentido, ao olhar para circulação e o consumo da produção cultural surda no contexto escolar e seu funcionamento nos diferentes dispositivos pedagógicos, a entendemos enquanto um recurso de produção de significados de políticas bilíngues. Pensar a cultura funcionando como recurso nos aproxima de Yúdice (2004, p. 43), quando afir-ma que “o conteúdo da cultura diminui em importância à medida que a utilidade da reivindicação da diferença como garantia ganha legitimidade. O resultado é que a política vence o conteúdo da cultura”.

As discussões acerca da temática cultural e sua relação com as práticas pedagógicas vêm sendo cada vez mais recorrentes com o processo de globalização. Para Lopes (2005, p. 105), as mudanças globais vêm instigando cada vez mais “pesquisadores a pensar na educação, nos novos parâmetros curriculares, nas identidades cul-turais, na escola, em relações de poder que se estabelecem entre e nos grupos sociais, na educação e integração de “excluídos” so-ciais, laborais, etc”. A tendência educacional de se trazer artefatos e elementos culturais do alunado nas práticas cotidianas do con-texto escolar vem sendo exaustivamente estimulada. Nesse senti-do, consideramos pertinente entender como a noção de cultura surda vem sendo narrada nos contextos educacionais.

Ao entendermos que a educação de surdos é interpelada por contornos linguísticos, culturais e identitários, fazemos um exer-cício constante para não tomá-la como algo natural, mas que se relaciona a forças discursivas tensionadoras de movimentos im-pregnados de poder e de significação. Além disso, numa época marcada pela liquidez das coisas no mundo, não há medidas ou técnicas que solucionem de uma vez por todas as demandas so-ciais. Nessa lógica, questões que foram durante décadas as causas que mobilizavam a militância surda – como a luta pelo espaço es-colar específico para surdos, sob a égide da importância do ensino

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14 – O contexto da educação escolar bilíngue/cultural de surdos no Rio Grande do Sul

em língua de sinais e do contato entre os pares – e as pesquisas referentes a esses assuntos não encerraram em si a necessidade de discussões sobre a questão da educação de surdos.

Desse modo, propomos com a pesquisa “Produções Culturais Surdas no Contexto da Educação Bilíngue” ampliar as discussões em torno de temáticas que envolvem o contexto da educação de surdos no cenário da educação básica, enfocando a circulação e consumo da cultura surda no contexto da educação escolar bilín-gue para surdos. A referida pesquisa foi desenvolvida por pesqui-sadoras de três universidades federais do Estado do Rio Grande do Sul: Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (coorde-nadora geral – Profª. Drª.Lodenir Becker Karnopp); Universidade Federal de Pelotas – UFPel (coordenadora local – Profª. Drª. Ma-dalena Klein); e a Universidade Federal de Santa Maria – UFSM (coordenadora local – Profª. Drª. Márcia Lise Lunardi-Lazzarin).

O objetivo geral do estudo foi analisar a circulação e o consu-mo de artefatos culturais em contextos da educação bilíngue para surdos, nos espaços da educação básica. Tal discussão procurou compreender o consumo da cultura surda na comunidade escolar, considerando-se o entendimento de cultura surda e os argumen-tos que a faz tomar parte na composição do contexto escolar e o da escola como instituição forjada na Modernidade. Interessou-nos olhar para a Educação Básica no que se refere ao trabalho docente (professores surdos e ouvintes) e ao currículo (o que vem sendo ensinado) no sentido de um dispositivo pedagógico que organiza os espaços/tempos escolares e hierarquiza os saberes.

Para cumprimento dos objetivos da pesquisa, mencionados an-teriormente, estabelecemos diferentes procedimentos metodoló-gicos divididos em três etapas: 1ª Etapa – Sistematização e aná-lise dos dados produzidos nas pesquisas “Educação de surdos no Estado do RS” (GIPES/CNPq) e “Produção, circulação e consumo da cultura surda brasileira” (GIPES/CAPES e MinC). 2º etapa – A circulação e consumo dos artefatos culturais surdos no cotidiano escolar. 3ª Etapa: Efeitos das recorrências do cotidiano escolar no

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

contexto da educação bilíngue e possibilidades da construção de políticas curriculares bilíngues para surdos, em uma perspectiva intercultural.

O lócus investigativo da presente pesquisa ocorreu no espaço escolar, para isso foram priorizadas escolas específicas de surdos do Estado do Rio Grande do Sul, pois consideramos que, nesses es-paços, artefatos culturais surdos vêm sendo produzidos, circulam e geram efeitos entre alunos e professores. Para tanto foram um total de treze escolas investigadas , assim distribuídas: quatro (4) escolas na capital; quatro (4) escolas da região metropolitana de Porto Alegre; e cinco (5) escolas do interior do estado, sendo elas de diferentes esferas: particular (quatro), pública estadual (qua-tro), e pública municipal (cinco). Um critério que consideramos significativo para a delimitação das escolas pesquisadas foi o de estarem localizadas em cidades em que a comunidade surda esti-vesse organizada e desenvolvendo movimentos no sentido da ga-rantia da educação bilíngue para surdos. Além disso, que nas Uni-versidades do entorno, houvesse a presença de professores surdos desenvolvendo atividade docente. E, por fim, critério definitivo, de que a escola concordasse em participar da pesquisa. Assim, considerando a localização e a presença das universidades, e o aceite do convite para participação da pesquisa, foram seleciona-das as seguintes escolas:

Tabela 1 – Quadro das escolas participantes da pesquisa

Instituição responsável

Nome da escola Localização Esfera

UFRGSEscola Estadual de Ensino Fundamental e Médio para Surdos Professora. Lilia Mazeron

Porto Alegre Estadual

UFRGSEscola Municipal de Ensino Fundamen-tal de Surdos Bilíngue Salomão Watnick

Porto Alegre Municipal

UFRGSEscola de Ensino Fundamental para Surdos Frei Pacífico

Porto Alegre Particular

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UFRGS Colégio Especial Concórdia – ULBRA Porto Alegre Particular

UFRGSEscola Municipal de Ensino Fundamen-tal para Surdos Vitória

Canoas Municipal

UFRGS Escola Estadual Especial Padre Réus Esteio Estadual

UFRGSEscola Municipal de Ensino Fundamen-tal Especial para Surdos

Gravataí Municipal

UFPelEscola Estadual Especial Keli Meise Machado

Novo Ham-burgo

Estadual

UFPelEscola Municipal de Educação Bilíngue Professora Carmen Regina Teixeira Baldino

Rio Grande Municipal

UFPel Escola Especial Professor Alfredo Dub Pelotas Particular

UFSM

Escola Municipal Especial de Ensino Fundamental Helen Keller e Escola Estadual Especial de Ensino Médio Helen Keller

Caxias do SulMunici-pal/Est.

UFSMEscola Estadual de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Coser

Santa Maria Estadual

UFSMEscola de Ensino Médio Concórdia para Surdos

Santa Rosa Particular

Fonte: Relatório da Pesquisa: (KARNOPP; KLEIN; LUNARDI-LAZZARIN, 2018).

As fontes para a coleta de dados se deram a partir das seguin-tes empirias: questionário para escola, entrevistas semiestrutura-das com alunos e professores, observações do cotidiano escolar registrados em diário de campo, análise dos documentos escolares - Projetos Pedagógicos, Regimento Escolar, Plano de Aula, Plano de Curso, Fotografias - e documentos oficiais como leis, decretos, diretrizes que orientam a educação de surdos no nosso País.

As entrevistas semiestruturadas e a técnica de observação atenderam as exigências do Comitê de Ética. Nesse sentido, os procedimentos adotados na técnica de observação foram para a observação ao cotidiano escolar dos materiais e recursos utiliza-dos, da organização dos tempos e espaços escolares, das dinâmicas comunicacionais e da utilização das línguas no contexto bilíngue

14 – O contexto da educação escolar bilíngue/cultural de surdos no Rio Grande do Sul

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

em sala de aula. O roteiro de observação acertado/combinado en-tre os pesquisadores incluía um protocolo básico, para registrar em diário de campo, vídeos ou fotos os espaços escolares (salas de aula, bibliotecas, laboratórios, pátio, ginásio, auditório, entre outros). Especificamente, os principais itens observados incluíam aspectos do cotidiano escolar, tais como a distribuição dos tempos e rotinas escolares; a organização e utilização dos espaços escola-res; o uso das línguas (Libras e Língua Portuguesa — escrita, oral) nas dinâmicas escolares; os materiais e recursos utilizados pelo professor; os materiais e recursos compartilhados entre os alunos.

A realização das entrevistas com alunos e professores, aconteceu em cada uma das 13 escolas e foram, em média, entrevistados 10 alunos e 2 professores, totalizando 130 alunos e 26 professores (pre-visão de 156 no total). A participação dos professores levou em con-sideração o protocolo básico de entrevista, a livre adesão, disponibi-lidade para participar, tempo de docência na escola. A participação dos alunos considerou: livre adesão, disponibilidade para participar, ter acima de 8 anos, fluência em língua de sinais. Na realização das entrevistas com os alunos utilizou-se um protocolo básico de perguntas abertas, com a devida mediação linguística atendendo os diferentes níveis de aquisição em língua de sinais. Para isso foi fundamental a participação dos pesquisadores surdos e intérpretes para adequação linguística/cultural das questões.

Por meio do cruzamento dos dados produzidos a partir das di-ferentes etapas da pesquisa, quais sejam: coleta do conjunto dos materiais (impressos ou digitais) que circulam e que são consu-midos nas escolas investigadas; das observações registradas nos diários de campo; e das entrevistas com professores e alunos, obtivemos uma transcrição densa do cotidiano escolar. A partir desse registro foi agrupado um conjunto de recorrências discursi-vas acerca dos elementos da cultura surda, da língua de sinais, da língua portuguesa e seus usos no contexto da educação bilíngue. Esses elementos serviram de base para a elaboração das categorias que subsidiaram o aprofundamento das análises da investigação:

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representações sobre surdos e surdez; bilinguismo: o espaço das línguas na escola/educação de surdos e marcadores da cultura surda no contexto escolar.

Dessa forma, do resultado das análises dos documentos, das ob-servações e das entrevistas realizadas nas 13 escolas investigadas, pode-se inferir sobre o contexto da educação bilíngue para surdos no Rio Grande do Sul o que segue: ‘Ser surdo’ é o que condiciona a matrícula dos estudantes nas escolas; ‘alunos surdos com alguma deficiência’ compõem a trama que tece os cenários bilíngues; es-cola como lugar de compartilhamento de diálogo sobre ‘coisas do mundo’; as escolas de surdos estão marcadas pelo uso da visualida-de, pela interação em Libras e pela vivência da cultura surda; pou-cos estudantes nas turmas possibilita a comunicação em Libras e a experiência visual; a defesa desse ensino bilíngue está no desejo da comunidade educativa dessas escolas; o significado da relação escola e comunidade surda ainda é um ponto a ser debatido em função das diversas interpretações que essa relação implica;

Aproximando-se mais ao tema do bilinguismo, foi possível per-ceber que: a educação de alunos surdos é eficaz quando parte de um ensino bilíngue; é recorrente o discurso que a Língua de Sinais é a primeira língua do surdo e deve contemplar o ensino escolar em todas as esferas, enquanto que a Língua Portuguesa (LP) escri-ta opera como segunda língua; a LP é assumida como útil e neces-sária na sociedade, e não como uma língua estrangeira; pressupõe que as línguas podem ser ensinadas de modo concomitante na es-cola, considerando-se as condições linguísticas dos estudantes; ao encontro da perspectiva aditiva de bilinguismo (uma língua possi-bilita a aprendizagem de outra), desconstrói-se um modo único de educar os surdos.

Como desafios, evidenciaram-se questões referentes à formação docente e à qualificação das propostas educacionais, como segue: a construção das propostas pedagógicas bilíngues ainda necessi-ta de uma discussão teórica/metodológica mais aprofundada; as

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

propostas político-pedagógicas estão discursivamente amarradas às suas mantenedoras; também são atravessadas por outros docu-mentos oficiais e teorizações no campo da Educação; as práticas cotidianas nesses contextos educacionais ainda não conseguem responder efetivamente a proposição do ensino bilíngue, seja pela dificuldade de construção de espaços de leitura e estudo por parte do corpo docente, pela falta de materiais didáticos bilíngues; há necessidade de formação de professoras bilíngues para atuarem em contextos escolares de educação de surdos; poucas professoras se consideram fluentes em Libras; carência de profissionais sur-dos (professores e instrutores); a tarefa de tradutor e intérpretes de Libras / Português (TILS) é uma função geralmente assumida por professores bilíngues, sobretudo em reuniões, palestras e con-versas com os familiares.

Estes tópicos, com certeza, são evidências, mas também se constituem em pauta para aprofundamentos e para debates no campo das políticas educacionais. Assim, pode-se afirmar que a presente pesquisa cumpre com o propósito de subsidiar discus-sões de propostas curriculares no âmbito da educação básica para alunos surdos na perspectiva da educação bilíngue, atendendo as atuais prerrogativas da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva.

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Referências

KARNOPP, L.; KLEIN, M.; LUNARDI-LAZZARIN, M. L. Produções Culturais Sur-das no Contexto da Educação Bilíngue. Relatório de Pesquisa. Edital Universal 2014, CNPq. Porto Alegre, 2018. 51 p. (Texto digitado).

LOPES, Maura. C. Relações de poderes no espaço multicultural da escola para surdos. In: LOPES, Maura. C. Surdez e Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

VEIGA-NETO, Alfredo. Michel Foucault e os Estudos Culturais. In: COSTA, M. V. (Org.). Estudos Culturais em educação: mídia, arquitetura, brinquedo, biologia, literatura e cinema. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2004. p. 37-72.

_______. Cultura e Natureza; cultura e civilização: precauções quase metodológicas. In: SOMMER, L. H.; BUJES, M. I. E. (Orgs.). Educação e cultura contempo-rânea: articulações, provocações e transgressões em novas paisagens. Canoas: Editora da Ulbra, 2006. p. 305-315.

YÚDICE, George. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.

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Por uma história social da língua de sinais: a presença do gesto na educação de surdos no contexto brasileiro do século XX

Pedro Henrique Witchs

Introdução

No âmbito da história da educação de surdos, o século XX é mar-cado pela maior parte de um longo período em que o uso das línguas de sinais constituiu uma conduta linguística abjeta. Neste trabalho, opera-se com a noção de gesto para denominar a materialização des-sa conduta linguística, uma vez que o estatuto de língua conferido aos sistemas de comunicação gesto-visual utilizados por surdos, em-bora tenha emergido no contexto estadunidense da década de 1960 (STOKOE, 1960), consolidou-se, no Brasil, apenas no início do sécu-lo XXI. Considerando esses aspectos, objetiva-se desenvolver uma discussão sobre a presença do gesto na educação de surdos no con-texto brasileiro do século XX, de modo que seja possível identificar recorrências e rupturas na condução das condutas linguísticas dos surdos.

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Aspectos teórico-metodológicos

O trabalho está alicerçado na articulação de concepções de dois campos teóricos: a História Social da Língua, também conhecida como linguística sócio-histórica, sociolinguística histórica ou pragmática histórica; e os Estudos Foucaultianos em Educação. O primeiro cam-po permite destacar funções da língua “na expressão ou construção de uma variedade de relacionamentos sociais, incluindo dominância e subordinação, amizade e fraternidade, tolerância e preconceito, a manutenção e a subversão de uma ordem social” (BURKE, 2010, p. 19). O segundo campo, além de centralizar o a priori histórico para pensar a Educação desde a perspectiva da obra de Michel Foucault e autores que se vinculam a ela, dispõe o conceito de governamento como uma ferramenta analítica para pensar a condução das condutas (FOUCAULT, 2008), uma ação cujo privilégio de desempenhar se atri-bui, não exclusivamente, à instituição escolar.

A materialidade analisada compreendeu um conjunto de documen-tos mantidos pelo Acervo Histórico do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Tais documentos são: os sete primeiros números da revista Ephphtha (1914-1915), que foi uma publicação da Associação Brasileira de Surdos-Mudos; o relatório de Atividades e documentos es-tatísticos do Instituto Nacional de Surdos-Mudos (1937); a reportagem so-bre o INES publicada na Revista do Serviço Público (1942); o Compêndio de Educação da Criança Surdo-Muda (1958); os Anais da 1ª Conferência Nacional de Professores de Surdos (1959); o livro Até onde vai o surdo (1961); o material do Curso de Formação de Professores de Deficientes da Audição (1970); e o manual Linguagem de Sinais - “As mãos também falam” (1989).

O gesto como prática de resistência linguística

A partir da análise, foi possível observar que, no decorrer do sé-culo XX, o gesto aparece constantemente no material, ainda que, na maioria das vezes, como um elemento indesejado à educação

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

de surdos. Na condição de linguagem mímica, alfabeto manual, datilologia, sinais manuais, sinais digitais, dentre outros, a língua de sinais é evocada nos documentos, às vezes como prática pe-dagógica, às vezes como conduta linguística abjeta, mas também como um meio inevitável de comunicação.

Embora proibido ou não-recomendado na escolarização de sur-dos, o gesto permaneceu utilizado por surdos e por ouvintes no período analisado. No início do século XX, ele aparece na divul-gação do alfabeto manual como um elemento exótico. Entretanto, na descrição de uma reunião da Associação Brasileira de Surdos--Mudos no mesmo período, a linguagem mímica ou os sinais, como também era chamada, foi utilizada para que surdos e ouvintes se expressassem, e inclusive, observa-se a prática da tradução e da in-terpretação simultânea para os sinais e para a língua portuguesa. Ao mesmo tempo, o uso do gesto, seja na forma da datilologia ou da linguagem mímica, foi constantemente recriminado no ensino de surdos. A possibilidade de voltar a fazer uso destes, apesar dis-so, é cogitada como uma vantagem aos surdos após o término do seu processo de escolarização.

Em 1930, com o avanço dos planos de modernização do Insti-tuto Nacional de Surdos-Mudos, concomitantes aos planos de mo-dernização do Brasil e ao fortalecimento da unificação linguística, que possibilitaria a constituição de uma identidade nacional forte, destaca-se a expressa recomendação para o uso restrito da língua nacional falada e escrita por parte de todos os funcionários da ins-tituição. As argumentações para essa recomendação se estendem pela década de 1940, sugerindo que a mímica limitava a comunica-ção entre surdos e ouvintes que desconhecessem essa linguagem. Observa-se, nesse caso, o funcionamento de uma prática pedagógi-ca que buscava conduzir uma conduta linguística abjeta na direção da formação de uma subjetividade conveniente ao Estado-nação.

No final da década de 1950, entretanto, a linguagem mímica é destacada como possibilitadora do desenvolvimento da inteligência na criança surda, do mesmo modo que a linguagem oral.

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15 – Por uma história social da língua de sinais: a presença do gesto na educação de surdos no contexto brasileiro do século XX

O fortalecimento dos saberes psi na educação abre espaço para a compreensão de que qualquer forma de linguagem passe a ser considerada como fundamental para o desenvolvimento de outras habilidades cognitivas. Aparecem também, no mesmo período, as preocupações institucionais com a falta de intérpretes que possam traduzir a comunicação entre ouvintes e surdos não usuários da língua nacional. É possível perceber, nessa questão, uma modifica-ção das práticas de condução da conduta linguística dos surdos, que passam a considerar a tradução como uma forma de incluir, nos processos de governamento, os sujeitos surdos que mantinha uma conduta linguística a caminho de se tornar aceitável para o Estado.

Na década de 1960, a linguagem manual permanece considera-da, até mesmo por surdos oralizados, um retrocesso para a forma-ção do surdo. Entretanto, é mencionado que a maioria dos surdos adultos continua a utilizá-la como principal forma de comunica-ção. Esse comportamento linguístico pode ser associado a uma prática de resistência (FOUCAULT, 2008). A permanência do uso da língua de sinais em um período em que ela sofreu grandes ten-tativas institucionais de erradicação — um forte movimento gloto-fágico, como pensado por Calvet (1981) e por Karacostas (1993) no caso do movimento surdo francês —, denotam como os surdos, na condição de um grupo social, mantiveram a produtividade dessa forma de existência de maneira sólida e consistente.

A potencialização da ideia de desenvolvimento da linguagem nos anos de 1970, entretanto, possibilitou uma abertura ao gesto nas práticas pedagógicas da educação de surdos. Apesar disso, ele aparece na forma de recurso auxiliar para possibilitar um pleno desenvolvimento linguístico aos surdos. Na década de 1980, contu-do, acontece o desbloqueio institucional do gesto, agora já tratado como linguagem de sinais. A transformação do que era considerado mímica como uma conduta linguística abjeta no uso da linguagem de sinais como uma prática pedagógica aceitável, no decorrer do século XX, a partir de diferentes abordagens e no seu uso como uma prática de resistência linguística, permite que seja pensada

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

como uma das condições de possibilidade para que, duas décadas mais tarde, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) seja reconhecida, em termos legislativos, como uma língua nacional.

Considerações possíveis

As discussões possibilitadas pela análise permitiram conside-rar que a presença do gesto na educação de surdos no contexto brasileiro do século XX se configurou, em grande parte, com uma prática de resistência linguística dos surdos diante de estratégias de glotofagia direcionadas a esses sujeitos. Compreender a língua de sinais, para além de sua função linguística de comunicação, possibilita perceber que as práticas historicamente relacionadas a ela, seja no desincentivo de seu uso ou na adoção de recursos a ela associados como se fossem ferramentas de apoio pedagógico, colocam em operação a condução das condutas de um grupo em específico, para fins de seu governamento e da constituição da for-ma de ser dos sujeitos que a ele pertencem. Com essa discussão, espera-se incentivar o desenvolvimento de investigações sobre a Libras no âmbito da História Social da Língua, a fim de contribuir com o conhecimento sobre os processos políticos e educacionais que envolvem os surdos.

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Referências

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15 – Por uma história social da língua de sinais: a presença do gesto na educação de surdos no contexto brasileiro do século XX

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A constituição do sujeito surdo na escola inclusiva pelo viés da sociedade de aprendizagem1

Camila Righi Medeiros Camillo

“A escola confere um selo de qualidade; é uma ins-tituição de reconhecimento e validação. Dito em outras palavras, a escola confere uma prova de cer-tificação de qualificação dos resultados de aprendi-zagem e das competências adquiridas (MASSCHE-LEIN; SIMONS, 2015, p. 20)”.

Ao escolher essa citação, gostaria de dar visibilidade a dois elemen-tos muito potentes neste texto, os quais compõem a minha pesquisa de Doutorado em Educação: a escola e a aprendizagem. Com igual impor-tância, para situar o leitor e localizar a Linha de Pesquisa da qual faço parte – e que é meu campo de formação e atuação como professora do Ensino Superior – dou ênfase a área de Educação Especial ao eleger os sujeitos da pesquisa: alunos surdos. Contudo ao destacar escola, apren-dizagem e sujeitos surdos é preciso fazer algumas ressalvas quanto a seus usos e entendimentos neste trabalho, o que farei logo a seguir.

1. Este trabalho é composto por partes de minha pesquisa de Doutorado em Educação (em andamento), desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Uni-versidade Federal de Santa Maria/RS, sob orientação da Profª. Drª. Márcia Lise Lunar-di-Lazzarin.

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Neste sentido, este trabalho se propõe a apresentar a proposta de Tese de Doutorado que tem com o objetivo principal compreender como o aluno surdo se constitui sujeito de aprendizagem [para a vida] na escola inclusiva. E como objetivos específicos: - Analisar as condições de possibilidade para a emergência da aprendizagem [para a vida] na lógica neoliberal; - Identificar quais investimentos estão sen-do feitos na escola regular em relação à aprendizagem dos alunos sur-dos; - Compreender que subjetividades surdas vêm sendo produzidas na escola regular; e - Examinar de que maneira a educação bilíngue é contemplada nas experiências pedagógicas da escola regular.

Como mencionei anteriormente, algumas advertências precisam ser feitas quanto alguns elementos chaves em operação no trabalho. Primeiro, a noção de aprendizagem, que neste estudo, não será toma-da a partir dos processos pelos quais os alunos aprendem na escola, ou seja, sobre o desenvolvimento cognitivo ou as questões ligadas à maturação do sujeito. Numa perspectiva pós-estruturalista, ao qual me filio para discutir a educação e a escola contemporânea, as proble-matizações não se encerram em questões como: “O que é aprendiza-gem?”, “O que mesmo aprendemos?” ou “Como aprendemos?”.

Ao propor outro olhar para as questões do aprender, escolho sair da zona de conforto e fazer um deslocamento na noção de aprendizagem tratada pelas Teorias da Aprendizagem em Educação, que explicam, por exemplo, a aprendizagem pelo viés do desenvolvimento cogniti-vo e aquisição de conhecimento. Interessa-me tensioná-la de outros modos, entendendo a aprendizagem no sentido daquilo que podemos nos tornar - e não o que se é desde sempre como resultado do que se aprende em termos de conteúdo escolar, mas o que fazemos com o que se aprende, como uma exigência interminável de acesso e perma-nência na organização social do mundo.

Nesse sentido, intento avançar a outros campos do pensamento, ou pelo menos exercitá-lo, aproximando-me de discussões que fazem sentido para meu exercício de escrita e análise da escola no presente. Para isso, aproximo-me da obra Gert Biesta como possibilidade para

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

estabelecer algumas relações e empreender movimentos do pensar sobre a educação e a aprendizagem, pois segundo ele:

A aprendizagem que está em jogo é a apren-dizagem que resulta de ter sido ou, como tam-bém sugeri, de não ter sido um sujeito. É uma aprendizagem sobre as frágeis condições para que a ação e a subjetividade sejam possíveis – tanto a minha subjetividade como a subjetivi-dade de todos os outros (2013, p. 189).

Nesse panorama, a escola inclusiva e os sujeitos surdos são res-pectivamente espaço e sujeitos desta pesquisa que se encontram alojados numa rede discursiva chamada inclusão. Portanto aqui se encontra a segunda ressalva a que me referi no começo do texto – dizer que escola é essa (escola inclusiva) e quem são os sujeitos (surdos). Considerando esse cenário, onde estão imbricados alu-nos surdos e escola regular desejo compreender como a aprendi-zagem [para a vida] emerge como uma preocupação no contexto de inclusão, como condição de possibilidade para pensar nas for-mas de ser sujeito na contemporaneidade e estar neste mundo, especialmente, na possibilidade de problematizar isso que chama-mos de sociedade de aprendizagem.

Assim, acredito que aqui reside a problematização no que se re-fere a subjetivação do aluno surdo como sujeito de aprendizagem, como esse sujeito deste tempo, que produz formas de vida singular. Para isso, filio-me a noção de ‘experiência de si’ desenvolvida por Larrosa (2002). Parafraseando o autor, analisar as práticas pedagógi-cas que constroem e medeiam a relação do sujeito consigo mesmo, na esteira do pensamento foucaultiano, possibilita compreender os processos pelos quais os alunos surdos incluídos se regulam, se mo-dificam ou permanecem os mesmos e constroem suas experiências educacionais, nessa complexa rede de saber, poder e subjetivação. Portanto, questiono: Quais experiências pedagógicas os constituem, e de que forma? Quais ‘verdades’ sobre si, sobre sua escolarização

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lhes são ‘impostas’? Quais ‘verdades’ sobre si mesmo e sobre sua educação os próprios sujeitos contribuem para produzir?

Nesse sentido, o problema de pesquisa que apresento para essa Tese consiste na seguinte formulação: Como os alunos surdos inclu-ídos na escola regular se constituem sujeitos de aprendizagem [para a vida]?

A partir dessa problemática e dos objetivos já sinalizados, o tra-balho deverá ser estruturado de acordo com as vontades de sa-ber-poder de cada um dos objetivos indicados, a fim desenvolver capítulos que permitam articular tais proposições de estudo com uma discussão teórico-metodológica afinada a perspectiva pós-es-truturalista em educação.

Para empreender tal estudo de inspiração genealógica, até esse momento da tessitura do projeto para a qualificação, assumo três conceitos que fazem sentido quando penso no objetivo da Tese e ambos podem colocar em funcionamento o desejo de compreen-der a constituição dos alunos surdos na escola inclusiva - o con-ceito de subjetivação e matriz de experiência, ambos com base nos escritos de Michel Foucault e a noção de experiência desenvolvi-da por Jorge Larrosa. Para isso, cabe considerar a provisoriedade de alguns elementos metodológicos apresentado neste texto, pois entendo que ainda não há como delimitar de maneira tão fixa al-gumas ferramentas analíticas sem antes ter em mãos a materiali-dade pesquisada, ou seja, os dados com os quais tais ferramentas irão operar.

Em relação ao contexto e aos sujeitos de pesquisa, pretendo desenvolver esse estudo em escolas de ensino regular que tenham alunos surdos incluídos, na cidade de Santa Maria, no estado do Rio Grande do Sul. Portanto, após um levantamento de dados jun-to a Secretaria Municipal de Educação (SMEd) e a Coordenadoria Regional de Educação (CRE) poderei ter acesso aos alunos surdos que estejam matriculados na rede municipal e estadual.

16 – A constituição do sujeito surdo na escola inclusiva pelo viés da sociedade de aprendizagem

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Dependendo do número de alunos surdos incluídos pode-se de-senvolver a pesquisa de duas maneiras: se houver surdos maiores (no Ensino Fundamental e/ou Médio) opta-se por esses, na medi-da em que possam responder aos questionários e participar mais efetivamente da coleta de dados. Porém, caso haja apenas crianças surdas incluídas a pesquisa precisará contar com a participação de pais e/ou responsáveis a fim de dar sequência ao estudo.

Para o levantamento dos dados pretendo realizar observações nos contextos das escolas selecionadas, aplicação de questionários com os alunos surdos, professores, gestores, tradutores/intérpre-tes de Libras/Língua Portuguesa (se houver) e análise de docu-mentos oficiais da escola como, por exemplo, o Projeto Político Pe-dagógico e o Regimento Escolar. Após a coleta dos dados, análise se dará por meio de análise do discurso (Michel Foucault).

Para fins de encaminhamento metodológico deste projeto gos-taria de ressaltar o que me parece compreender dois momentos de análise da pesquisa. Primeiro, este descrito acima que se dará após a conferência dos dados fornecidos pela SMEd e CRE sobre números de alunos surdos incluídos e quais escolas estão frequen-tando, para o posterior andamento do estudo com as observações, entrevistas e análise documental da instituição.

Já um segundo momento (que na verdade se torna o primeiro, pois já estou finalizando) é a análise de documentos que tratam ou fomentam a noção de aprendizagem pela vertente da sociedade educativa e/ou de aprendizagem. Dentre os materiais até então analisados encontram-se alguns com maior abrangência quanto ao público da educação, tais como: 1. Relatório Educação para Todos no Brasil: 2000-2015 (2014); 2. Educação para a Ci-dadania global: preparando alunos para o desafio do século XXI (2015); 3. Programa Mais Educação (2010) e Programa Novo Mais Educação (2016). E outros que atentam para um público alvo mais específico, da Educação Especial: 1. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação

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inclusiva (2008); 2. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001); 3. Lei Brasileira de In-clusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência, 2015) e alguns Decretos na área que atentam para um público alvo mais específico, da Educação Especial, com re-corte para a educação das pessoas surdas. Dentre eles, o Decreto nº 5.626, de dezembro de 2005 que trata da inclusão da LIBRAS como disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores e Fonoaudiologia e o Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 que promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

Assim, com a intenção de entender em que medida o concei-to de sociedade educativa e/ou de aprendizagem vem ganhando espaço no cenário mundial nas últimas décadas, selecionei estes documentos na área da educação e da Educação Especial como superfície de análise. Neles procuro visualizar recorrências e/ou singularidades quanto à temática da aprendizagem como condição de possibilidade para pensar sobre as possíveis verdades produ-zidas na materialidade manuseada, principalmente na condução de certas formas de subjetivação dos sujeitos escolares, dentre os quais estão os surdos.

A partir desses documentos podemos observar que alguns têm uma abrangência ampliada, ou seja, extrapolam a condução de condutas especificamente surdas, e assim se apresentam analiti-camente tão importantes quanto os mais direcionados às questões da educação de surdos, pois nos diz de uma regulação que preten-de dar conta de um fenômeno chamado globalização.

Em um mundo globalizado, a educação vem en-fatizando a importância de equipar indivíduos desde cedo e por toda a vida, com conhecimen-tos, habilidades, atitudes e comportamentos de que necessitam para serem cidadãos informa-dos, engajados e com empatia (UNESCO, 2015, p. 11).

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Assim, nesses modos de vida contemporâneos em que a escola e o sujeito estão no centro dos pensamentos e das problematiza-ções sobre suas responsabilidades e posições, operam-se práticas de subjetivação que conduzem a existência da instituição escolar e do homem como duas instâncias produzidas e imanentes.

Neste contexto, entendo que subjetivamo-nos e nos constituí-mos sujeitos naquilo que experienciamos e vivemos, nas relações com os outros e com nós mesmos. E nesta trama discursiva em que se engendram saberes e poderes, ideias são colocadas em fun-cionamento, principalmente a partir de documentos oficiais, nos tornando ‘objetos’, por exemplo, do aprender e do incluir para ser melhor; do aprender e incluir para ser alguém na vida; do apren-der e do incluir porque aprender e incluir é preciso.

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O sujeito surdo em situações diglóssicas: efeitos dos discursos sobre língua e cultura na produção da subjetividade1

Anie Pereira Goularte Gomes

No contexto contemporâneo, sobre o sujeito da educação, há de se pensar no papel que a escola constituí na produção do mesmo. Os binarismos que habitam o campo educacional implicam no cotidiano sistemático e pragmático da escola e estão imbricadas nas práticas discursivas. Práticas discursivas essas, como o currículo, a didática, o conteúdo e as relações sociais que ocupam centralidade na condu-ção das condutas dos sujeitos envolvidos. Em se tratando de espaços específicos para surdos, esse binarismo é apresentado com oposições identitárias, culturais e linguísticas.

Sendo assim, a presente discussão versa sobre os efeitos dos discur-sos de língua e cultura nos processos de subjetivação do sujeito surdo e é fruto de minha proposta de tese ainda em andamento intitulada: “O sujeito surdo diglóssico: efeitos e contingências da relação língua e cultura nos modos de existência”. Alguns direcionamentos desse texto foram ainda brotados em minha dissertação de mestrado que teve como cerne investigar a emergência do conceito de cultura surda.

1. Este artigo é composto por partes de minha pesquisa de Doutorado em Educação, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM, sob orientação Profª. Drª. Márcia Lise Lunardi-Lazzarin.

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É importante destacar que nesse trabalho a cultura é entendida como uma produção discursiva e que as representações de cultura são significadas a partir dos jogos de linguagem.

Nessa conversa inicial, pontuo que esse estudo vai além de enten-der a cultura como um fator etnográfico, mas se aproxima da ideia de cultura como conceito antropológico produzido discursivamente. Discuto ainda as relações de poder entre línguas e culturas no con-texto escolar. Seguindo as discussões de Woodward (2000), entendo que a cultura não existe por si só, nem mesmo é necessário “negar a outra” para delineá-la, mas “afirmar-se em relação a”. Dessa forma essas nominações identitárias e linguísticas da comunidade surda são imbricadas nas relações com sujeitos ouvintes.

Na procura pela definição de cultura recorri a diferentes dicioná-rios, local onde tradicionalmente se busca o conceito das palavras e percebi na maioria deles sua definição está ligada ao conjunto de operações necessárias para que o terreno produza, ligado ao cultivo da terra. Porém em outros já vemos uma aproximação de caráter social como por exemplo sendo o conjunto dos hábitos sociais e re-ligiosos, das manifestações intelectuais e artísticas que caracteriza uma sociedade ou normas de comportamento, saberes, hábitos ou crenças que diferenciam um grupo de outro ou ainda expressão ou estágio evolutivo das tradições e valores de uma região, num perío-do determinado.

Porém, essas definições categorizam a cultura como um conceito fechado, de um sujeito que à priori já possui possíveis características que em comunidade vão “aflorando”, vulgo: essência. Nesse sentido, a centralidade da linguagem nesse estudo é fundamental para entender que qualquer conceito é produzido discursivamente. Para melhor en-tender utilizo-me dos estudos foucaultianos para compreender o dis-curso numa perspectiva pós-estruturalista. Nele, o caráter atributivo que é conferido a linguagem faz-se pertinente no sentido que ela – a linguagem – é constitutiva do nosso pensamento atribuindo o sentido a que damos as coisas.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Aqui não vale a máxima do pensamento iluminista de entender “o que é realmente isso?” ou “o que é essa cultura?” mas adentrar nas práticas discursivas que nos fazem problematizar de outra ma-neira, como talvez “de que maneira essa cultura funciona?”. Dessa forma não busco essencializar cultura alguma ou buscar exausti-vamente seu caráter categorizante, nem ao menos descrever os sujeitos que dela partilham valores e experiências, mas entender como o conceito de cultura foi sendo produzido e potencialmente consumido pelos seus partícipes a partir de suas identificações linguísticas ao ponto de produzir modos de vida.

Diante desse entendimento de como opera a relação língua e cultura a partir da linguagem é que este estudo se engaja nos Estu-dos Culturais movido por uma proposta pós-critica filiada ao pós--estruturalismo. Trata-se, assim, de um estudo armado no campo da cultura. A escrita da proposta de tese é proveniente de muitos encontros [Deleuzeanos] com o tema. É um texto orgânico, uma vez que vem marcado por experiências e acontecimentos [Larrosa] com a cultura e que nesse trabalho vem adjetivada a uma “nature-za” surda: a cultura surda.

Desses encontros, experiências e acontecimentos fui levada ao exercício filosófico de materializar essa tríade em minha disserta-ção de mestrado (GOMES, 2011) que buscou entender a arena de significados e sentidos de cultura surda. Ao analisar o imperativo conceitual de cultura surda explorando a emergência, conservação e estratégias nos enunciados discursivos pude sistematizar esses sentidos de cultura a partir de algumas significações da mesma.

Em torno da temática inacabada e pensando nas possibilida-des de pesquisa faço um breve resgate desses sentidos de cultu-ra surda capturadas pelas narrativas de sujeitos surdos as quais denominei saberes sujeitados. Pode-se assim, entendê-la [cultura surda] sobre sete aspectos. São eles, a cultura surda como exclusi-va e privada da comunidade surda (1), território partilhado com família e intérpretes (2), como fator transcendente e inerente ao

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surdo (3), como necessária nos contatos surdo-surdo para que se efetive (4), como sinônimo de experiência visual (5), como re-duzida a diferença linguística (6), e como lógica salvacionista da deficiência (7).

Sob essas duas últimas categorias – cultura surda reduzida a diferença linguística e cultura surda como lógica salvacionista da deficiência – é que se potencializa a presente pesquisa. Elas foram abordadas ainda na dissertação, mas merecem um fôlego maior de análise.

Essa lógica salvacionista da deficiência pela via cultural emer-ge na comunidade surda e é consumida por ela produzindo modos de vida. Da mesma forma a redução do caráter cultural apenas na língua tangencia os processos educacionais produzindo a verda-de que o bilinguismo centrado na língua daria conta da educação desse sujeito. Verdade essa que vem crescendo exponencialmen-te, haja vista as políticas de educação bilingue vigentes no país. Todavia, pensar a língua é pensar o sujeito que dela faz uso, e consequentemente, a forma de seus usos: a cultura.

No âmbito dessa discussão, interessa-me estudar o conceito de cultura tomado como sinônimo de língua e que vem em oposição à cultura ouvinte e automaticamente à pessoa ouvinte e à Língua Portuguesa. Esse paradoxo de não pertencimento a cultura do su-jeito ouvinte cria elementos que correspondem a um estrangeiris-mo na língua portuguesa, para não dizer um turista. Para Bauman (1998, p. 114) “A peculiaridade da vida turística é estar em movi-mento, não chegar”.

Essa cadeia concludente de dicotomia entre sujeitos e línguas reflete muitas vezes no aprendizado dessas línguas. Essa não apropriação linguística da língua portuguesa muitas vezes pau-tadas em traços identitários e não metodológicos por parte dos surdos desafia qualquer sistema de ensino que tem como prer-rogativa o bilinguismo. O “Bi” do bilinguismo vem carregado de significações.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Nesse sentido o que ocorre é que o sujeito surdo é centrado na língua -Libras- e na cultura- cultura surda- e essas verdades supõe uma essência que lhes está subjacente. Nessas oposições geralmente um termo aparece como positivo, reprimindo o outro como raso e periférico. Portanto ao falarmos em bilinguismo, fa-lamos em duas línguas, mas que não estão na mesma esteira de significação.

Diante desse cenário, é impossível dissociar língua e cultura nos modos de vida do sujeito surdo, principalmente na escola que é lócus privilegiado de produção de sentidos. Sendo assim pre-tendo analisar o efeito e contingências da relação língua e cultura nos modos de existência do sujeito surdo, a partir de situações diglóssicas no bilinguismo escolar.

Trazer o conceito de diglossia para as questões do bilinguismo na educação de surdos é uma ferramenta metodológica e peça chave para possibilitar algumas fissuras propositais nessa discus-são tão naturalizada. Que a Língua de Sinais e Língua oral do país na modalidade escrita é o que baliza a educação bilíngue, isso já sabemos. Mas em que medida essas línguas são consumidas e sig-nificadas na escola? São elas, articuladas aos processos culturais? O intérprete é também um produtor de significados nesse con-texto? Existe um sentimento de pertença as duas línguas? Que efeitos a relação de língua e cultura produz nos modos de exis-tência do sujeito surdo? Essas entre outras inquietações é que fo-mentam a necessidade de estudar os conflitos de nominação em situação diglóssica, uma vez que a diglossia é a diferença de sta-tus sociopolítico entre duas línguas ou dialetos.

O sujeito surdo na educação é visto como sujeito bilíngue, mas nas minudências e entranhas dessas línguas em contato é que se instauram situações conflitantes. Esse homo surdus proclamado pela comunidade surda, não se faz só de língua, mas de cultura. E esse é o discurso aclamado pela vívida efervescência militante da comunidade surda que vai produzindo verdades de vida e instau-rando formas de vivê-la.

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Portanto, tecida no campo culturalista, atrevo-me nessa aventura de pesquisa com um olhar de dentro e de fora. Localizo essa prática dubiamente, consciente que ela tanto encaminha para preciosas mi-núcias, mas que também pode em outros momentos causar ceguei-ra. Nesse exercício de escrita orgânica, mas não menos acadêmica ou científica é que a pesquisa está organizada de modo a promover três movimentos que talvez possam contribuir, em alguma medida, para pensarmos nas imbricações entre língua, cultura e subjetiva-ção e/ou modos de vida. A seguir descrevo os possíveis desdobra-mentos teóricos que compõe a pesquisa. Na primeira seção focalizo as questões das práticas bilíngues e situações diglóssicas na educa-ção de surdos discutindo as questões de língua e pertencimento. Nela faço alusão aos conflitos linguísticos tangenciando a aborda-gem sociolinguística. Em seguida como segundo movimento desta-co o conceito de cultura. Para tanto, mobilizo discussões de sujeito na contemporaneidade destrinchando a noção de estrangeirismo, povo e turismo cultural. Nesse mesmo capítulo no que concerne a relação língua e cultura, meu olhar é depositado nos efeitos da mes-ma nos processos de subjetivação e modos de vida do sujeito surdo.

O terceiro capítulo abarca os encaminhamentos metodológicos para articulação dos conceitos língua e cultura afim de investigar os modos de vida do sujeito surdo em situação diglóssica. Para tan-to, exercícios de bricolagem auto narrativa serão propostos para produzir a materialidade analítica. Nesse sentido entendo a ideia de bricolagem como uma ação espontânea e baseada na experi-ência pessoal gerada pelo surgimento de coisas pré-existentes na mente do imaginador. Assim descrevo com detalhes as proposi-ções do exercício de auto narração e produções culturais que com-porão o corpus analítico da pesquisa.

Por fim, apresento algumas possibilidades de análise que com-preendem a possível de tese de que sujeitos surdos diglóssicos ao se identificarem com uma das línguas em contato, conferem cará-ter cultural a ela (língua constitutiva) consumindo o discurso que dela se faz, produzindo assim, modos de vida.

17 – O sujeito surdo em situações diglóssicas: efeitos dos discursos sobre língua e cultura na produção da subjetividade

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Referências

BAUMAN, Z. O Mal estar da pós-modernidade. São Paulo: Zahar, 1998.

GOMES, A. P. G. O imperativo da cultura surda no plano conceitual: emergên-cia, preservação e estratégias nos enunciados discursivos. 2011. 101 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universida-de Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2011.

WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórico e conceitual. In: SILVA, T. T. da. Identidade e Diferença: A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.

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O currículo da escola de surdos: práticas discursivas na perspectiva da educação bilíngue

Júlia Jost Beras1

Esse texto tem por finalidade apresentar um breve recorte de uma pesquisa de mestrado em andamento, que está sendo desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universi-dade Federal de Santa Maria - UFSM. A presente pesquisa começou a ser planejada quando a autora ainda estava na graduação e atuava como bolsista do projeto de pesquisa “Produções Culturais Surdas no Contexto da Educação Bilíngue”,2 vinculado ao GIPES3. Contudo, foi com o ingresso no mestrado em Educação que iniciei as discussões mais voltadas às questões do currículo das escolas de surdos.

1. Este artigo é composto por partes de minha pesquisa de Mestrado em Educação, de-senvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM, sob orientação Profª. Drª. Márcia Lise Lunardi-Lazzarin.

2. Seu objetivo tem sido analisar de que modos a circulação e o consumo dos artefatos culturais surdos, no contexto da educação escolar bilíngue para surdos, vêm se confi-gurando nos espaços da educação básica.

3. O Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Educação de Surdos (GIPES/CNPq) tem sua história de pesquisa fortemente relacionada às investigações desenvolvidas no âm-bito do extinto Núcleo de Pesquisas em Políticas Educacionais para Surdos (NUPPES), que funcionou até o ano de 2004, sob a coordenação do Prof. Dr. Carlos Skliar junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). As pesquisas do GIPES se desdobraram em trabalhos investigativos que aprofundaram diferentes discussões relacionadas à educação de surdos.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

A partir disso, o estudo aqui apresentado começou a ser deline-ado e minha intenção é compreender de que forma os currículos pensados para as escolas de surdos são produzidos a partir de uma determinada ordem discursiva. Para isso, a pergunta que mobiliza essa pesquisa é “O que as escolas de surdos dizem sobre os currí-culos na educação de surdos?”.

Tendo como base essa problematização em torno dos discursos curriculares da escola de surdos meu objetivo geral é “Investigar como o currículo vem se constituído dentro dos espaços educa-cionais específicos para surdos”. Também foram formulados dois objetivos específicos: 1) Conhecer e problematizar como os cur-rículos são pensados para a educação de surdos; 2) Analisar os discursos curriculares a partir do cotidiano das escolas de surdos.

Para a coleta de dados da referida da pesquisa demarcou-se como lócus investigativo três escolas de surdos que fazem parte da pesquisa guarda-chuva “Produções Culturais Surdas no Contexto da Educação Bilíngue”. Optou-se por essas escolas por uma ques-tão geográfica e também por estas estarem sob a responsabilidade da UFSM, entre as escolas estão: a Escola Municipal Especial de Ensino Fundamental Helen Keller e Escola Especial de Ensino Médio Helen Keller, de Caxias do Sul - RS; a Escola Especial de Educação Especial Dr. Reinaldo Fernando Coser, situada na cidade de Santa Maria - RS e a Escola de Ensino Médio Concórdia para Surdos, que está na cidade de Santa Rosa - RS.

Nesse sentido, a partir do contato com as escolas, toma-se como corpus empírico da pesquisa os Projetos Políticos Pedagó-gicos (PPPs), Regimentos Escolares, os registros das entrevistas realizadas com professores e alunos e as observações do cotidia-no escolar registradas nos diários de campo da pesquisa guarda--chuva, citada anteriormente. Para fins de organização analítica e problematização do referido estudo elejo as perspectivas teórico/metodológicas dos Estudos Culturais em Educação e dos Estudos Surdos procurando articular as noções de práticas discursivas na matriz da educação bilíngue.

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Para iniciar as problematizações que pretendo realizar a res-peito da escola especifica de surdos, tomo a escola como uma in-venção da modernidade, entendendo este período como um “con-junto de transformações culturais, econômicas, sociais e políticas que tiveram início nos séculos XVI e XVII” (NOGUERA-RAMÍREZ, 2011, p. 20), ou seja, a escola moderna precisa se adequar as neces-sidades do homem moderno que possui diferentes configurações culturais, idenitárias entre outras.

Tendo em vista as discussões referentes à educação de surdos e os artefatos que compõe esse grupo de pessoas, a escola se cons-titui como um local privilegiado de circulação e consumo cultural sendo importante destacar o papel da linguagem na constituição dos sujeitos produzidos nesse espaço escolar/cultural. Ao definir-mos uma forma para a educação os sujeitos surdos, necessaria-mente estamos produzindo formas dos sujeitos surdos se inscre-verem nesse espaço.

A partir do campo dos Estudos Culturais em Educação e dos Estudos Surdos, pode-se compreender que as questões culturais estão no centro das discussões quando o assunto é referente à educação de surdos. No sentido de observar a importância da cul-tura, Hall (1997, p. 22) enfatiza que “a expressão ‘centralidade da cultura’ indica aqui a forma como a cultura penetra em cada re-canto da vida social contemporânea, fazendo proliferar ambientes secundários, mediando tudo”.

Reconhecer a centralidade da cultura surda como um impor-tante artefato nos processos educacionais das pessoas surdas, sig-nifica dizer que “essa cultura produz identidades surdas e os mem-bros dessas comunidades constroem seus significados a respeito de mundo” (KLEIN, FORMOZZO, 2009, p. 214). Portanto, é neces-sário compreender que os sujeitos surdos defendem uma cultura própria, cultura essa onde a língua de sinais se caracteriza como principal artefato cultural, sendo a Libras uma língua visual-espa-cial. Nesse sentido, destaco as ideias de Peluso e Lodi (2015, p. 69)

18 – O currículo da escola de surdos: práticas discursivas na perspectiva da educação bilíngue

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Se levarmos em conta então, que a língua de si-nais organizam uma materialidade visual-espa-cial no plano do significante, o que por sua vez determina os modos de dizer, é claro que seguin-do esses hipóteses da relação entre pensamento e linguagem, a ideia de visualidade dos surdos as-sume uma clara nova dimensão. A partir dessas sinalizações, os surdos são visuais, não porque tenham amplificado esse sentido ou porque, ao não ter audição desenvolveram uma cultura cen-tradamente visual, enunciam seus textos no pla-no espacial e o seu pensamento tem sido afetado por categorias de uma língua cujo significante organiza uma materialidade visual-espacial.

Outro fator que contribui para o reconhecimento da Libras foi a sua oficialização, onde entende-se que é através dessa língua que os sujeitos surdos organizam seus saberes, construindo suas subjetividades e as características culturais da comunidade surda. Sendo assim, a cultura surda se manifesta nos diferentes espa-ços de formação dos sujeitos surdos, no entanto, me interesse no contexto dessa pesquisa, analisar de que forma a cultura surda vem exercendo importantes efeitos no espaço da escola de surdos, ou melhor, no currículo dessas escolas. Tomando a cultura surda como elemento central nessa discussão, problematizo a constitui-ção dos currículos das escolas de surdos e as estratégias colocadas e funcionamento para inserir os artefatos da cultura surda nesse dispositivo pedagógico, sendo o currículo é uma prática discursiva que produz formas de ser surdo no contexto da escola de surdos.

Com ênfase no currículo escolar e às suas problematizações dentro dos espaços de ensino, diretamente o mesmo é tomado como um instrumento teórico que vem sendo modificado e am-pliado de acordo com as transformações sociais e culturais de cada época histórica. Nesse sentido o currículo é “o conjunto de todas as experiências de conhecimento proporcionadas aos/as estudan-tes” (SILVA, 1996, p.1). E ao “falarmos sobre currículo, sempre nos situarmos nos cenários sociais em que o campo está imerso e a

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partir dos quais tudo o que é pensado, dito e feito adquire determi-nados sentidos e produz determinados resultados” (VEIGA-NETO, 2014, p. 02). Com essa ideia, entendo que o dispositivo curricular assume essa potência de produção de sentidos e significados por-que está imerso em determinados jogos de força, ou seja, não pode ser analisado fora das relações de poder a que está enredado.

No sentido de querer conhecer os discursos presente nos cur-rículos das escolas de surdos é que a presente pesquisa se desen-volverá. Sendo assim, as considerações possíveis para essa inves-tigação ainda estão em andamento, porém o que se pode inferir até o momento é que o currículo é um produtor de subjetividades, um dispositivo que gera efeitos em uma determinada cultura, no caso a cultura surda e uma pratica discursiva que coloca em movi-mento um conjunto de forças capaz de potencializar mudanças no cenário escolar da educação de surdos.

Referências

HALL, Stuart. A Centralidade da Cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade. v. 22 n. 2, 1997.

KARNOPP, L.; KLEIN, M.; LUNARDI-LAZZARIN, M. L. Produções Culturais Sur-das no Contexto da Educação Bilíngue. Relatório de Pesquisa. Edital Universal 2014, CNPq. Porto Alegre, 2018. 51 p. (Texto digitado).

KLEIN, Madalena. FORMOZZO, Daniele de Paula. Impossibilidades na educação de surdos: discussões sobre currículo e diferença. Revista Currículo sem frontei-ras. v. 9, n. 2, p. 212-225. Jul/Dez, 2009.

NOGUERA-RAMÍREZ, Carlos Ernesto. Pedagogia e governamentalidade ou Da Modernidade como uma sociedade educativa. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. 268 p. (Coleção Estudos Foucaultianos)

PELUSO, Leonardo; LODI, Ana Claudia Balieiro. La experiencia visual de los sordos. Consideraciones políticas, lingüísticas y epistemológicas. Pro-Posições, Campi-nas, v. 26, n. 3, p. 59-81, set./dez. 2015.

SILVA, T. T. Identidades terminais: As transformações na política da pedagogia e na pedagogia da política. Petrópolis: Vozes, 1996.

VEIGA-NETO. Currículo na Contemporaneidade: Internacionalização e Contextos Locais. In XI Colóquio sobre Questões Curriculares, VI Colóquio Luso-Brasileiro, I Colóquio Luso-Afro-Brasileiro sobre Questões Curriculares, 2014, Braga, Portugal.

18 – O currículo da escola de surdos: práticas discursivas na perspectiva da educação bilíngue

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CINELIBRAS: discussões sobre o cinema como dispositivo de aprendizagem da cultura surda

Mayara B. Raugust

Karina Ávila Pereira

Introdução

O presente artigo parte de indagações feitas pelos professores de Libras da Universidade Federal de Pelotas - UFPEL, a partir da percep-ção da importância das disciplinas de Libras ofertadas aos cursos de graduação. Como professores de uma língua viva, somos atravessados por uma enorme lista de conteúdos, tanto teóricos quanto práticos, que devem ser ensinados para os acadêmicos.

Muitos professores relatam que seu ensino se dá, principalmente, por conteúdos práticos, ou seja, o ensino da língua em detrimento das questões teóricas que a envolvem como cultura, identidade, co-munidade etc. Em consonância, muitos dos acadêmicos poderão, ao concluir a graduação, atuar em escolas e locais que atualmente já têm incorporado em seu contexto sujeitos surdos e, por não terem conhe-cimento a respeito dos aspectos relatados, é possível que encontrem dificuldades ao atender esses alunos em suas salas de aula.

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Levando-se em conta as considerações acima expostas e tendo como objetivo uma mudança da atual realidade acadêmica, o Projeto de Ensino CineLibras surge com o intuito de possibilitar uma alterna-tiva para que os discentes que já cursaram ou estão cursando a dis-ciplina de Libras possam aprender e problematizar sobre os aspectos a ela relacionados. O projeto objetiva, também, levantar discussões sobre os temas abordados nos filmes e documentários, a fim de criar um momento de trocas entre os participantes e, consequentemente, refletir sobre o papel dos futuros professores de alunos surdos e sobre a especificidade linguística que esses sujeitos possuem.

O reconhecimento da Libras como língua se constitui através da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Por meio dessa lei, os surdos tiveram a oficialização de sua língua como “meio legal de comunica-ção e expressão” (Lei nº 10.436, de 24 de abril) e, posteriormente, sua regulamentação através do Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Além desse reconhecimento da Libras como língua pela lei de 2002, o Decreto nº 5.626 surge com o intuito de regularizá-la.

Embora esse decreto fale sobre a obrigatoriedade da disciplina de Li-bras, ele não prevê a forma como ela deve ser ensinada, possibilitando às Instituições de Ensino uma flexibilidade no momento de estrutu-ração da disciplina. Percebemos, a partir da análise das grades curri-culares da disciplina de Libras, que esta é constituída por conteúdos teóricos e práticos e, na maioria das vezes, há um excesso de conteúdo a ser ensinado. Em decorrência da volumosa quantidade de conteúdos e da pouca carga horária, os conteúdos teóricos são ensinados super-ficialmente, focando-se no ensino da língua. O que ocorre é a falta de conhecimento teórico dos acadêmicos em relação à Libras e demais assuntos que a englobam e, consequentemente, o despreparo do futu-ro acadêmico licenciado no momento de receber um aluno surdo no espaço escolar.

Ao analisar as questões apresentadas neste texto, passamos a rea-lizar indagações que potencializaram o desenvolvimento deste pro-jeto. Dentre elas: os alunos conseguem aprender de fato a língua em apenas um semestre? Os conteúdos teóricos são abordados de forma

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

satisfatória durante a disciplina? Com que base teórico-metodoló-gicas os futuros licenciados atuarão no espaço escolar, se na dis-ciplina de Libras nem sempre é possível abordá-los plenamente?

Tais questões foram fundamentais para a elaboração desse proje-to, que tem como objetivo problematizar o ensino de Libras para os alunos de graduação das Instituições de Ensino Superior, mas, além disso, possibilitar novas experiências com a Libras e com o contexto da surdez, despertando nos alunos interesse em se envolver cada vez mais com essa temática. Para isso, surge o projeto CineLibras, com sessões de filmes que tratam da temática da surdez e da língua de sinais e que, principalmente, buscam desenvolver com os alunos um aprofundamento teórico e uma consciência cada vez maior em relação ao ensino de Libras e à educação de surdos.

O dispositivo e a cultura surda na perspectiva do CINELIBRAS

Os surdos são entendidos como um grupo organizado tanto cul-tural quanto linguisticamente; um grupo que possui suas próprias experiências de ser surdo e que, desse modo, constrói suas identi-dades; grupo que se constitui enquanto comunidade, com cultura, identidade e línguas próprias. Trata-se de um grupo que percebe o mundo à sua volta e se relaciona com ele por meio de experiên-cias visuais e de uma língua de modalidade visioespacial, a Língua de Sinais. Ela está imbricada na cultura surda e é considerada pela comunidade surda um marco da diferença, da representação des-se grupo.

Ao conceituar a Língua de Sinais observamos que, assim como outras línguas, ela está inserida numa cultura, a cultura surda. Mas, o que seria essa cultura surda? A intenção de conceituar tal cultura tem como principal intenção não criar essencialismos ou fixidez para tal termo, pois o que temos visto, como afirma Gomes (2011, p. 26) é que a cultura surda “constitui-se em uma recorrên-cia discursiva em diferentes espaços e vem sendo tão frequente

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que este tema tem sido naturalizado ao invés de problematizado, a ponto de em alguns momentos, engessar-se e produzir uma es-crita fixa sobre o sujeito”.

Nos últimos anos, alguns surdos têm se movimentado e luta-do pelo reconhecimento de uma cultura surda, afirmando que a existência desta é fator fundamental para sua constituição como sujeitos. Mas, buscando um constante deslocamento em relação a um conceito fixo de cultura surda, é possível pensá-la como es-tando imbricada nas relações de poder/saber, não havendo uma essência da cultura surda em oposição a essência de outras cul-turas. Porém, existem elementos que se constituem na cultura surda assim como nas demais culturas. Mais que isso, existem elementos que são produzidos nessas relações entre culturas di-ferentes e que são sempre conflituosos, por serem constituídos em um campo de forças onde alguns significados estão lutando para se impor.

O termo cultura surda emerge como força discursiva nos mais diferentes lugares, e os discursos sobre ela se constituem por meio do saber dos sujeitos surdos, saberes estes produzidos pelos pró-prios surdos e que são constituídos e legitimados, tomando um status de verdade no cotidiano dos sujeitos. Assim, há vários dis-cursos a respeito da cultura surda. Esses discursos constituem-se como saberes, os quais são postos em movimento cotidianamente, sendo constantemente renegociados. Ela é constituída nos “pro-cessos de significação, e não são os sujeitos surdos que carregam a cultura surda, são os discursos que produzem tais representações, ou seja, existem tantas realidades quantas nosso discurso pode in-ventar” (PINHEIRO, 2012, p. 61). Os saberes constituídos sobre a cultura surda promovem a subjetivação de muitos surdos por meio dos discursos produzidos e legitimados sobre essa cultura, moldando as formas de constituir o sujeito. Os modos de vida dos sujeitos surdos de diferentes localidades são diferentes, pois de-correm dos entrecruzamentos culturais.

19 – CINELIBRAS: discussões sobre o cinema como dispositivo de aprendizagem da cultura surda

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Não há, portanto, como estancar um conceito único para cultu-ra surda aqui, uma vez que há diferentes conceitos que constituem tal cultura e que são legitimados há bastante tempo pela comuni-dade surda, de diferentes maneiras e em diferentes lugares, e se apropriando de determinadas práticas, entendidas como práticas culturais surdas. Essas práticas são constituídas nas relações de poder/saber, instituindo novas formas de técnicas, de estratégias de negociação e de controle da cultura surda.

Entre essas técnicas e estratégias de negociação da cultura sur-da, o projeto destaca o dispositivo pedagógico do cinema. O termo dispositivo aqui é proposto a partir da concepção foucaultiana. O conceito de dispositivo é constituído por Foucault como:

Uma rede tecida por um conjunto heterogêneo de discursos, instituições, formas arquitetô-nicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, pro-posições filosóficas, morais, filantrópicas; a na-tureza da relação que pode existir entre esse conjunto de elementos heterogêneos; o tipo de formação resultante da relação entre esses ele-mentos, em um determinado momento históri-co (1999, p. 20).

Foucault explicita que o dispositivo se estabelece como um con-junto de práticas e ferramentas, estratégias linguísticas, não lin-guísticas, jurídicas e técnicas que se relacionam ao mesmo tempo com o objetivo de produzir efeito sobre algo/alguém. Ele se confi-gura como uma “máquina que governa” por meio de suas práticas e ferramentas, possuindo em si uma relação de forças, uma produ-ção de saberes, estando saber e poder relacionados. O dispositivo está sempre nessas relações de poder e nos inscritos do saber.

Nesse projeto, entendemos o cinema como um dispositivo que, ao produzir formas de subjetivação no sujeito que está ali assistindo ao filme, pode fazer com que ele se volte para si e subjetive a si próprio. Esses modos de subjetivação operam na

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dimensão da subjetividade do sujeito e criam novos modos, no-vos jeitos de constituir-se sujeito e de constituir a surdez e a Libras na contemporaneidade, por meio do dispositivo do cine-ma. Através desse dispositivo há uma relação estabelecida entre os filmes e os espectadores, podendo haver exercícios e práticas de elaboração do que os espectadores entendem por e nas ima-gens e, a partir dessas imagens, uma elaboração de si mesmos. O dispositivo cinema emerge, nesse contexto, como uma função estratégica dominante a fim de estabelecer outra relação entre os sujeitos participantes e a área da educação de surdos.

Contribuções para os futuros professores

O projeto teve início no segundo semestre de 2016 e seu obje-tivo foi exibir filmes que apresentem sujeitos surdos e o cotidiano de suas vidas, oportunizando momentos de discussão e a troca de experiências entre alunos e entre estes e os professores, assim como um aprofundamento teórico sobre diversos temas da atuali-dade no contexto da educação de surdos.

Nesse sentido, o projeto desenvolveu-se com encontros quin-zenais, presenciais, em que os alunos assistiam aos filmes sobre a temática da surdez para depois discutir e problematizar a respeito dos temas empreendidos no filme em questão. Os encontros tive-ram duração de aproximadamente três horas, ou seja, em torno de duas horas para que os filmes fossem assistidos e mais uma hora de debate e discussões sobre os temas abordados no mesmo, além do tempo para a escrita dos alunos sobre suas impressões a respei-to do filme assistido.

O projeto se desenvolveu em quatro encontros, e em cada um deles, um filme ou documentário foi apresentado. O primeiro fil-me escolhido para o encontro é o filme “The Hammer”, que re-trata a trajetória de um menino que nasceu surdo e que superou vários preconceitos e dificuldades por meio da luta greco-romana,

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até se tornar um lutador de UFC1. No filme são abordados assuntos como: preconceito da família e amigos por não conhecerem a cul-tura e comunidade surda; a luta até hoje vista pelas famílias que desconhecem a Língua de Sinais, em optar que seu filho oralize, buscando uma normalização do sujeito, para que ele se pareça o mais próximo possível com o ouvinte; a experiência visual, marca-dor cultural que está presente no cotidiano da comunidade surda.

O segundo filme do projeto foi o documentário “Sou Surda e Não Sabia”, que conta a história de Sandrine, uma moça que por vários anos não sabia que era surda. Surda de nascença, ela é filha de pais ouvintes, e frequentou a escola regular durante anos sem entender o que a professora ensinava. Um de seus maiores ques-tionamentos era como as demais crianças compreendiam o que a professora transmitia e ela não; para que as pessoas mexem a boca; o que significa, qual é o sentido do som.

O terceiro filme foi “A Família Bélier”, uma comédia dramática que conta a história de Paula e sua família. Seu pai, mãe e irmão são surdos e Paula é ouvinte. No filme, Paula é a porta-voz da fa-mília Bélier desde pequena, ou seja, ela interpreta para seus pais os discursos em diferentes lugares, como a feira em que vendem seus queijos, as consultas ao ginecologista para sua mãe, a campa-nha para prefeito, etc. Na escola em que frequenta, ela descobre que possui um dom para o canto e é convidada a ir para Paris, a fim de participar de uma seleção para uma das melhores escolas de canto do país. Isso gera dilemas entre a menina e sua família.

No último encontro do projeto foi trazido o filme “Black”, que conta a história de uma menina surdocega, Michelle, que não con-segue nem se comunicar com sua família, nem se expressar. Seus pais, desesperados por não conseguirem estabelecer nenhuma

1. UFC a sigla de Ultimate Fighting Championship, uma organização americana de ar-tes marciais mistas. As lutas deste campeonato envolvem uma mistura de estilos, como o Jiu-Jitsu, Boxe, Wrestling, Muay Thay etc.

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comunicação com ela, ficam indecisos se a levam para um ma-nicômio ou contratam um professor (Debraj) de surdocegos para ensiná-la. Ao optarem pelo professor, deparam-se com seus méto-dos de ensino pouco convencionais, mas que levam Michelle a um aprendizado a longo prazo. Com o tempo, Michelle passa a com-preender o mundo a sua volta por meio tátil, se alfabetiza, termina seus estudos e consegue, por meio de seu tutor Debraj, uma vaga na Universidade. Ela consegue se formar e, em seu discurso final, dá uma lição de perseverança. Durante os quatro encontros foi possível trabalhar com vários assuntos, vários contextos e temas que, embora atuais, ainda geram desconforto, preconceito e certo desconhecimento por parte de quem não convive com a surdez de perto. Nesse sentido, em cada sessão abriu-se a oportunidade de novos conhecimentos, teóricos e práticos, a fim de que os partici-pantes pudessem ser levados a pensar, a questionar e a experien-ciar o filme e as questões trazidas no mesmo, de modo que ao final de cada encontro, nunca saiam os mesmos.

A experiência aqui é entendida como nos mostra Foucault, como uma “correlação [...] entre campos de saber, tipos de norma-lidade e formas de subjetivação” (2006, p. 193). Ou seja, a noção de experiência é entendida como o sair de si e mover-se em direção ao outro, experimentar outro e, nessa experiência, não há como sermos outros ou sermos assujeitados sem que estejamos disponí-veis para tal. Desse modo, o sujeito tem a possibilidade de um novo encontro com ele mesmo, de uma forma diferentemente outra. Essa transformação é possível através das viagens que o filme nos oferece, em que há uma suspensão e uma projeção do sujeito em relação à outra coisa, fazendo com que ele possa transformar-se.

Conclusões

O presente artigo apresentou um projeto de ensino que se carac-terizou por possibilidades de discussões, sem encontrar uma ver-dade ou fórmula absoluta de conduzir as sessões e as discussões a

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respeito dos filmes. Assim, as balizas metodológicas desse projeto se deram sob o enfoque de possibilidades e descobertas ao longo dos encontros.

A intenção do projeto foi investir em discussões binárias entre os modos de ser sujeito surdo no contexto atual, as melhores pos-sibilidades de ensino para esses sujeitos e as formas de aquisição linguística e cultural desse grupo. O que esteve em jogo a todo o momento no projeto foi a tentativa de conduzir os participantes a pensar a alteridade, ou seja, o outro que é surdo.

A alteridade nesse sentido é a qualidade, a característica do que é do outro, ou seja, o que é diferente, distinto no outro. Se-gundo Skliar (1999, p. 18), a alteridade “resulta de uma produção histórica e linguística, da invenção desses Outros que não somos, em aparência, nós mesmos”. A alteridade, a partir desses novos delineamentos, constitui e é constituída por discursos que lhe dão novos significados e perspectivas. Em um mundo onde tudo acon-tece tão rápido e tão naturalmente, as identidades são criadas e fragmentadas sem que possamos perceber ou sem que haja tempo de aceitar ou não essa fragmentação. Na perspectiva de alteridade focada no surdo, Skliar (1999) diz que

[...] a alteridade surda pode ser melhor compre-endida a partir da ruptura de significados refe-ridos à deficiência auditiva e suas ramificações e rarificações discursivas. Ao compreender os surdos como sujeitos visuais, nenhuma das narrativas habituais sobre os surdos permane-ce encerrada na tradição dos ouvidos incom-pletos e limitados (p. 24).

Trazer essas nuances e esse olhar em relação ao surdo e à alteri-dade surda foi a tentativa de proposta durante os desenvolvimen-tos do projeto. Potencializar diferentes formas de pensar as rela-ções do surdo com a sociedade ouvinte, de desmistificar conceitos e verdades absolutas constituídas pelo senso comum, e colocar-se

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no lugar do outro, na busca de tentar tornar a comunicação aces-sível tanto para ouvintes quanto para surdos.

Finalizamos o projeto com a primeira turma, mas temos a in-tenção de continuarmos com as sessões, oportunizando aos demais discentes a experiência com esses encontros. Pudemos perceber, através das discussões feitas após a exibição dos filmes, que os alu-nos conseguiram refletir sobre os deslocamentos conceituais e as diversas formas possíveis de compreender a cultura surda e a lín-gua de sinais. Esperamos que o projeto tenha colaborado na for-mação de futuros professores, através das discussões sobre alguns temas relativos à surdez, como a importância da língua de sinais para o seu desenvolvimento e apreensão de mundo; as diferenças existentes entre ensinar alunos ouvintes e alunos surdos; a inserção dos alunos surdos não somente no ambiente escolar, mas sua efe-tiva inclusão por meio da aprendizagem da Libras como primeira língua, além de outras estratégias para que se garanta essa inclusão.

Referências

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19 – CINELIBRAS: discussões sobre o cinema como dispositivo de aprendizagem da cultura surda

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Glossário interativo para a disciplina de Libras da UFPEL para uso em smartphone: Sinalibras

Tatiana Lebedeff

Alysson Nogueira Rodrigues

Bruna Ferreira Gugliano

Fabiano Souto Rosa

Ivana Gomes da Silva

Angela Nediane dos Santos

Aline Kaster

Introdução

Este trabalho apresenta o desenvolvimento de um aplicativo que tem o objetivo de apoiar o ensino e a aprendizagem de Língua Bra-sileira de Sinais (LIBRAS), denominado Sinalibras. A Libras é uma disciplina obrigatória para todos os cursos de Licenciatura, deman-dando a produção de materiais didáticos e de apoio para seu estudo. Como esta é uma língua viso-espacial, os dicionários impressos não são adequados para seu estudo, tanto pelo volume como pela dificul-dade de visualizar parâmetros como movimento, expressão facial, direção dos movimentos, entre outras características linguísticas da Libras.

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Estão disponíveis, na web, diversos glossários temáticos em vídeo e há, no mercado brasileiro, aplicativos móveis como Prodeaf, VLi-bras e HandTalk, entre outros, que são ferramentas importantes para facilitar a comunicação entre surdos e ouvintes. Entretanto, esses aplicativos utilizam avatares como sinalizadores. É nesse contexto e com o objetivo de atender a essa demanda que este aplicativo foi de-senvolvido.

Optou-se pelo uso do celular e não do computador pela facilida-de tanto de mobilidade quanto de acesso. Os dados da pesquisa “TIC Educação 2016” (COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL, 2017) confirmam a tendência de aumento do uso de telefone celular para a realização de atividades gerais e também de atividades pedagógicas nas escolas. De acordo com a pesquisa, em 2016, 51% dos alunos da rede pública e 60% dos estudantes da rede particular afirmaram uti-lizar o celular em atividades para a escola, a pedido dos professores. Além disso, de modo geral, a pesquisa indica que o celular pode ser considerado o principal meio de acesso aos recursos da cultura digital para o aluno de escola pública, tendo em vista que o dispositivo tem sido disseminado nos últimos anos nos diversos segmentos da popula-ção brasileira, especialmente entre crianças e adolescentes de classes mais baixas. Entre os alunos de escolas particulares, os percentuais mostram um contexto de maior diversificação de dispositivos para acesso à Internet, como tablets e outros.

Levando em consideração tais dados, o Sinalibras foi projetado para ser um aplicativo para uso em celular com interface dinâmica e de fácil aprendizado. O aplicativo é composto por imagens e vídeos, que compõe os conteúdos mínimos da disciplina de Libras na Univer-sidade Federal de Pelotas (UFPEL). Este projeto foi desenvolvido em parceria entre a Área de Libras e a Empresa Júnior da computação, ambos UFPEL.

A Hut8 foi fundada em 2014, sendo considerada uma Empresa Jú-nior (EJ) de acordo com o Conceito Nacional de Empresas Juniores, o qual define que empresas juniores são constituídas pela união de alu-nos matriculados em cursos de graduação em instituições de ensino

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

superior, de forma que um professor, denominado como professor elo, seja o meio campo entre a instituição de ensino e a EJ. São organizadas por meio de uma associação civil cujo intuito é reali-zar projetos e serviços que contribuam para formar profissionais capacitados e comprometidos com o propósito de transformar o Brasil.

A parceria entre a Área de Libras e a Hut8 possibilitou, portan-to, o desenvolvimento de um Recurso Educacional Aberto para ser utilizado não apenas pelos alunos UFPEL, mas também por qual-quer usuário que queira estudar Libras. O conteúdo do aplicativo é organizado em Unidades que são subdividas em Módulos sepa-rados por assuntos; cada módulo conta com diversas imagens em que se dispõe botões no qual o usuário pode clicar para assistir a um vídeo que irá ensiná-lo a sinalizar a palavra em Libras. As uni-dades apresentam o vocabulário mínimo trabalhado na disciplina de Libras dos professores da UFPEL.

Existem aplicativos similares, tais como o LibrasTI, que é uma ferramenta acessível baseada em computação móvel que visa fa-cilitar o processo ensino-aprendizagem de sinais da LIBRAS es-pecíficas para a área da Computação. O LibrasTI possui mais de 70 vídeo-termos LIBRAS subdivididos em quatro categorias fun-cionais. Ele é livre, gratuito e foi desenvolvido para smartphones equipados com sistema Android (CRUZ et al, 2017). O LibrasTI tem, portanto, o objetivo específico de atender à demanda de um glossário na área da Computação, utilizando a relação texto em português – vídeo em Libras.

O grande desafio inicial do Sinalibras foi o de dispensar ao má-ximo o uso da língua escrita. Havia a necessidade do desenvolvi-mento de uma linguagem visual que pudesse guiar intuitivamen-te o estudo do aluno (ROSA; LEBEDEFF; SANTOS e SILVA, 2016, pg.7). Assim, o Sinalibras apresenta a relação imagem – vídeo em Libras. O conteúdo do aplicativo móvel também está disponível offline, sem a necessidade de conexão com a internet, para que os usuários possam usufruir desta ferramenta em qualquer lugar e

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visualizar os vídeos com facilidade. Além disso, o aplicativo conta com uma plataforma web para a realização de inclusão e manu-tenção de novos recursos e conteúdos.

Metodologia

As metodologias ágeis têm o objetivo de acelerar o desenvol-vimento do software visando a melhoria contínua do processo, gerando benefícios tais como: 1. Aumento da comunicação e in-teração da equipe, 2. Organização diária para o alcance da meta definida, 3. Redução de falhas na elaboração, 4. Respostas rápidas às mudanças e 5. Aumento significativo da produtividade. Este projeto utilizou o processo Scrum de metodologia ágil.

Scrum é um processo de desenvolvimento iterativo e incre-mental para gerenciamento de projetos e desenvolvimento ágil de software. É utilizado para trabalhos complexos nos quais é im-possível predizer tudo o que irá ocorrer. No Scrum, os projetos são divididos em ciclos chamados de Sprints. O Sprint representa o tempo pré-definido em que um conjunto de atividades deve ser executado; geralmente dura de duas a quatro semanas. As fun-cionalidades a serem implementadas no projeto são mantidas em uma lista que é conhecida como Product Backlog. No início de cada Sprint, faz-se uma reunião de planejamento, na qual o clien-te prioriza todos os itens do Product Backlog e a equipe seleciona as funcionalidades que ela será capaz de implementar durante o Sprint que se inicia. As funcionalidades alocadas em um Sprint são transferidas do Product Backlog para o Sprint Backlog.

O time também utilizou, em conjunto com o Scrum um “quadro de trabalho”, também chamado de Kanban Board, para organizar as atividades dos itens de Backlog da Sprint, separando-as basica-mente em quatro estados: 1. a fazer, 2. em andamento, 3. em testes e, 4. concluído. A equipe realizou breves reuniões diariamente, em um Sprint, de no máximo 15 minutos com todos os participantes,

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

normalmente em pé, chamada Daily Scrum. O objetivo é que cada integrante diga o que fez no dia anterior, o que pretende fazer no dia que se inicia e se existe algum impedimento que está atrapa-lhando o seu trabalho. Ao final de um Sprint, a equipe se reúne e apresenta ao cliente as funcionalidades implementadas naquele período. Finalmente, faz-se uma Sprint Retrospective para identifi-car o que funcionou bem e o que pode ser melhorado e, por fim, a equipe inicia o planejamento do próximo Sprint.

O aplicativo Sinalibras foi desenvolvido para dispositivos mó-veis com o sistema operacional Android, utilizando o padrão de design desenvolvido pelo Google, o Material Design; a linguagem utilizada foi o Java e também foi utilizado a tecnologia Realm fra-mework para Sqlite. A plataforma web foi desenvolvida utilizando as tecnologias Ruby on Rails, Polymer e Mysql.

Funcionamento do Sinalibras

Ao abrir o aplicativo, o usuário vê os módulos que foram divi-didos em unidades, de modo que os módulos em comum fiquem agregados a uma mesma unidade. Ao clicar em um deles uma nova tela se abrirá e uma imagem aparecerá ao fundo identifi-cando uma cena, além de botões laterais para mudar a imagem e botões sobre a imagem que irão disparar um vídeo que irá mostrar como tal objeto na cena é representado em Libras.

O conteúdo dos módulos foi elaborado a partir de discussões dos professores de Libras da UFPEL. Os módulos são formados por famílias semânticas. Por exemplo, o módulo intitulado “Família e ambiente doméstico” compreende as seguintes unidades: 1. famí-lia e relacionamento, 2. ambiente doméstico, 3. animais domésti-cos e 4. alimentação.

Dentro de cada unidade aparecem novas telas com desenhos de grupos específicos dentro de uma família semântica, com flechas de navegação à direita. Por exemplo, dentro da unidade

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alimentação, aparecem as seguintes telas: 1. frutas; 2. mesa de café da manhã, 3. mesa de almoço e 4. opções de lanches. Cabe salientar que apenas as telas iniciais de módulos e de unidades apresentam texto para identificação e, mesmo assim, possuem imagens que as identificam. O intuito é que o aplicativo possa ser utilizado por crianças e adultos ouvintes e surdos não alfa-betizados, tanto para a aprendizagem da Libras como enquanto tecnologia assistida para comunicação com ouvintes.

O usuário tem, ainda, a possibilidade de reproduzir o vídeo quantas vezes quiser. Sempre que houver uma atualização, o apli-cativo receberá uma notificação quando estiver aberto e será re-alizado o download dos novos conteúdos. Estes conteúdos ficam listados em uma outra tela (acessível pelo menu lateral), para que o usuário possa conferir o conteúdo novo que foi adicionado ao aplicativo. O usuário ainda tem a possibilidade de listar todos os vídeos que existem no aplicativo e pesquisar o vídeo que lhe inte-ressa reproduzir sem ter que buscar em meio aos módulos.

O sistema web desenvolvido para atualizar e gerar novos con-teúdos torna o aplicativo extremamente dinâmico e flexível, dan-do a possibilidade de atualizá-lo e/ou modificar quase todo o seu conteúdo. Esse sistema possui uma interface intuitiva e muito pa-recida com a do aplicativo, o que facilita muito para que qualquer pessoa envolvida com o projeto possa aprender como atualizar a aplicação.

Considerações finais

O Sinalibras tenta responder às demandas de características dos materiais de Libras discutidas no âmbito da UFPEL, tais como: 1. o uso de uma linguagem visual capaz de prescindir, ao máximo, da linguagem escrita; 2. potencial comunicativo e 3. tecnologia de fácil manuseio (ROSA; LEBEDEFF; SANTOS e SILVA, 2016).

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

O próximo passo da pesquisa será pautado pelos feedbacks oriundos de usuários do aplicativo, tendo em vista a possibilidade de envio de mensagens para o administrador por meio do celular. Além disso, um aluno de Mestrado do PPGL UFPEL realizará sua pesquisa de Dissertação sobre a funcionalidade do Sinalibras com crianças surdas, em uma Escola Bilíngue.

Finalizando, salienta-se que o Sinalibras busca cumprir com a função social da Universidade Pública, ao possibilitar o acesso a um aplicativo gratuito que possibilitará aos usuários um glossário que auxilia no ensino e aprendizagem de Libras. O aplicativo pode ser baixado gratuitamente na Play Store para smartphones que uti-lizam o sistema operacional Android.

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Referências

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Spread the sign - Brasil - Contribuições para o registro e a divulgação da Libras

Angela Nediane dos SantosKarina Ávila PereiraLuis Felipe Freitas BeckerTatiana Bolívar LebedeffVitória Tassara Costa Silva

A possibilidade de produção e disponibilização de vídeos na Rede Internacional de Computadores permite, atualmente, a produção de uma série de artefatos culturais em Línguas de Sinais, chamada no Brasil de Língua Brasileira de Sinais (Libras); há, por exemplo, trabalhos em áreas como Literatura1, Monografias2 de Final de Curso, Periódicos Científicos3, Cursos de Língua Online4, programas de tele-visão na WEB5, entre outros.

1. A Editora Arara Azul possui uma produção significativa de Livros tanto no formato e-book como formato digital em DVD: http://editora-arara-azul.com.br/site/catalogo_completo. Outro exemplo é o site http://literaturasurda.com.br, que se destaca pela disponibilização de inúmeros vídeos de literatura surda em Libras.

2. O Grupo de Pesquisa Educação, Mídias e Comunidade Surda do Departamento de Ensino Superior do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) desenvolveu um manual para produção de Monografias em Libras, e também disponibiliza as Monogra-fias em vídeo: https://edumidiascomunidadesurda.wordpress.com/producoes-acade-micas/nossas-producoes.

3. Revista Brasileira de Vídeos Registros em Libras: http://revistabrasileiravrlibras.pagi-nas.ufsc.br.

4. A Universidade de São Paulo (USP) disponibiliza, gratuitamente, um curso de Libras totalmente on-line: http://eaulas.usp.br/portal/course.action?course=6085.

5. A TVINES é a primeira WEBTV Bilíngue Estatal (Libras-Português) brasileira, disponí-vel em: http://tvines.ines.gov.br.

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Além de facilitar a comunicação entre surdos, as TICs – Tecnolo-gias de Informação e Comunicação entraram no dia-a-dia da escola e da universidade para dar conta da demanda de dispositivos e estra-tégias visuais para o ensino e produção do conhecimento. Até pouco tempo atrás, as tecnologias de captura e compartilhamento de vídeos eram caras e de difícil utilização. Atualmente, qualquer smartphone é capaz de capturar e compartilhar vídeos em tempo real.

São inúmeros os softwares bilíngues (Língua de Sinais - Língua Oral) disponibilizados para o ensino de pessoas surdas e para a apren-dizagem de Línguas de Sinais. Dentre os artefatos desenvolvidos, este texto se ocupará de discutir o processo de produção e as possibilida-des de uso de um dicionário virtual específico, a saber, o Spread the Sign (STS).

A importância do uso de dicionários tanto no ensino de língua ma-terna como no de língua estrangeira tem sido enfatizada por diversos autores (BINON; VERLINDE, 2000; COURA SOBRINHO, 2000; LEFFA, 2000; PEREIRA, 2017; entre outros). Entretanto, o uso de dicionários em sala de aula ainda não recebeu ou recebe um papel de destaque. O descaso com o uso de dicionários pode se dar por diversas causas: pelo mau estado,  pela defasagem dos exemplares impressos ou, ain-da, pelo número reduzido de exemplares em sala de aula (PEREIRA, 2017); pelo fato de que os professores não tiveram, em sua forma-ção, conteúdos sobre o uso de dicionário em sala de aula (DURAN; XATARA, 2007); ou, também, porque os dicionários disponíveis não correspondem ao nível de proficiência do aprendiz (COURA SOBRI-NHO, 2000), além de outros motivos.O que vemos atualmente é a proliferação de vídeos na internet, especialmente no YouTube, que variam desde a produção livre em Libras até a produção de pequenos glossários de Libras elaborados a partir de temas específicos. A utiliza-ção de CDs como meio de divulgação da Libras está cada vez menor, em decorrência das inovações tecnológicas e do rápido e fácil acesso à internet. Utilizamos o celular para fazermos diversas atividades e, entre elas, os aplicativos de busca por palavras são muito utilizados para uma comunicação rápida.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Existem aplicativos nacionais, tais como PRODEAF, HAND TALK, VLIBRAS, que utilizam avatares para a produção de sinais. Entretanto, como salientam Amorim, Souza e Gomes (2016), os avatares pecam pela falta de naturalidade na execução de movi-mentos. De acordo com os autores, os sinais são definidos utili-zando-se pontos fixos de linguagens de programação, o que de-sencadeia um aspecto artificial de falta de continuidade entre os movimentos.

Neste trabalho, apresentamos os procedimentos metodológicos do Spread the Sign, um dicionário de línguas de sinais que, ao con-trário dos aplicativos acima apresentados, não utiliza avatares para a produção de sinais. Em vez disso, este dicionário apresenta víde-os em que pessoas surdas sinalizam. Acreditamos que este é um dos diferenciais do Spread the Sign, que será melhor apresentado a seguir.

Metodologia

O Spread the Sign (STS) é um dicionário multilíngue de línguas de sinais. Trata-se de uma ferramenta online que possibilita a di-vulgação e o aprendizado de línguas de sinais nacionais por meio da tradução de palavras escritas para várias línguas de sinais. O principal objetivo do STS é divulgar e tornar as línguas de sinais nacionais acessíveis às pessoas surdas, bem como a todos os inte-ressados de um modo mais geral. É uma ferramenta de autoapren-dizagem, de uso livre e sem limitações de uso. Assim, o STS tem sido utilizado para disponibilizar uma grande quantidade de sinais online, servindo de apoio aos surdos ou àqueles que se interessam pelas línguas de sinais, por exemplo, quando vão ao exterior, seja a trabalho ou a passeio.

No âmbito da educação, o STS tem sido utilizado como instru-mento pedagógico para tornar as línguas de sinais acessíveis a to-dos os estudantes, para busca de informações, desenvolvimento

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21 – Spread the sign - Brasil - Contribuições para o registro e a divulgação da Libras

de pesquisas, consultas, comparações, documentação das línguas de sinais nacionais, entre outras possibilidades.

O projeto Spread the Sign é administrado pelo European Sign Language Center (Centro de Línguas de Sinais Europeias), uma or-ganização não-governamental sem fins lucrativos. Na Europa, o projeto conta com financiamento da União Europeia, sendo que entre 2006 e 2010, vários países europeus inseriram vocábulos das línguas de sinais relacionados a diferentes áreas profissionais. Desde 2012, novas funções foram inseridas ou melhoradas no sis-tema, e o STS pode ser acessado a partir de diferentes dispositivos, tais como computadores, tablets e smartphones.

O dicionário pode ser acessado pelo endereço https://www.spreadthesign.com, bem como via aplicativo móvel, através da busca pelas palavras Spread Sign nos locais de download de aplica-tivos. A busca de palavras pode ser realizada por grupos (famílias semânticas, como cores ou emoções, por exemplo) ou, digitando--se uma palavra na caixa de busca. O consulente pode optar pela Língua de Sinais de diferentes países cujas traduções foram dispo-nibilizadas, identificados pelo ícone da bandeira nacional.

O trabalho desenvolvido no projeto STS inclui produção de da-dos, tradução, revisão, pesquisa e colaboração de surdos, intér-pretes e pesquisadores bilíngues com conhecimento da língua de sinais do país, da língua nacional e do inglês. No caso do Brasil, a equipe conta com surdos usuários da Libras, profissionais traduto-res-intérpretes da Libras, da língua portuguesa e da língua inglesa.

A execução do STS-BRASIL segue as orientações fornecidas a to-das as equipes dos diferentes países que são colaboradores neste projeto. O grupo de trabalho é composto por professores, alunos e técnicos da UFRGS, UFPel, UFSM, UNISINOS (instituições cujos pesquisadores fazem parte do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Educação de Surdos) e UFF, todos fluentes na Libras e na língua inglesa. A seguir, apresentamos os procedimentos e materiais que estão sendo utilizados no desenvolvimento do projeto no Brasil:

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

(1) tradução das listas de palavras e sentenças do Inglês para o Português Brasileiro (PB), a ser feita pela equipe brasilei-ra composta por: professores-pesquisadores, doutorandos, mestrandos, tradutores-intérpretes de Libras e graduandos usuários de Libras, PB e Inglês (surdos e ouvintes);  

(2) após a tradução da lista em Inglês para PB, é realizada a verificação da dicionarização da Libras e de variantes lexi-cais dos sinais, para que sinais variantes possam também serem inclusos no dicionário. Nesta etapa, será convidada a participar e colaborar no registro e documentação dos sinais uma rede de colaboração de voluntários surdos e usuários de Libras, que atuam em universidades com o en-sino ou tradução da Libras ou de surdos usuários da Libras, vinculados às associações ou federação de surdos;

(3) filmagens dos sinais e sentenças em Libras (sempre reali-zadas por pessoas surdas);

(4) verificação da qualidade das filmagens; (reunião coletiva)

(5) refilmagem dos sinais e sentenças quando necessário;

(6) edição das filmagens conforme guia disponibilizado pelo Projeto Spread the Sign;

(7) envio das filmagens para postagem na página spreadthe-sign.com; na área do administrador do projeto Spread the-Sign - Brasil.

Cabe ressaltar que há a participação de pessoas surdas usuá-rias da Libras em todas as etapas do processo. Essa participação tem grande importância para a validação das traduções realiza-das para a Libras, tendo em vista que conta com nativos na lín-gua. Além disso, outro destaque a ser feito refere-se à apresenta-ção dos sinais das línguas de sinais sempre ser feita por pessoas surdas. Nesse sentido, quando uma pessoa procura por um sinal no aplicativo do seu celular ou smartphone, ou mesmo no seu

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computador, encontrará vídeos de pessoas surdas sinalizando em vez de avatares.

O registro dos sinais encontrados segue uma série de regras de edição e cenarização. Os vídeos são gravados com uma câmera Canon DSRL, a edição e finalização dos arquivos selecionados é realizada no software Adobe Premier Pro CC 2017, seguindo estri-tamente (por se tratar de um projeto internacional) as orientações de padronização para os arquivos.

Resultados parciais

Obviamente, sabe-se das limitações que a plataforma Spread the Sign ainda apresenta, como exemplos: a) os sinais carecem de des-crição em Línguas de Sinais; b) a consulta e busca é feita a partir de entrada de língua escrita e não por parâmetros das Línguas de Sinais, como por exemplo a configuração de mão6; c) as variações não apresentam informações sobre a origem do sinal, por exem-plo, em qual região do Brasil um dado sinal é usado, como aparece no Dicionário da Língua de Sinais do Brasil (CAPOVILLA et al., 2017); d) existem limites apresentados por aplicativos de celula-res, por exemplo, um turista provavelmente gostaria de encontrar dez variações de um mesmo item lexical. Entretanto, a plataforma na web poderia apresentar as variações, tantas quanto possíveis, tendo em vista o papel de registro de patrimônio linguístico que um dicionário tem.

Cabe ressaltar, finalmente, que o processo de tradução e o pro-cesso de produção dos vídeos que alimentam a plataforma do STS não envolvem apenas a busca e encontro de sinônimos entre as línguas e, a simples captura de imagem. O processo de tradução

6. O Dicionário de Língua de Sinais da Nova Zelândia permite consulta por configuração de mão e ponto de articulação. Este dicionário está disponível em: https://nzsl.vuw.ac.nz/topics.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

e o processo de produção de vídeos são, em realidade, momentos de negociação entre três culturas, para além de três línguas, que merecem muita atenção dos pesquisadores. Trata-se, portanto, de um processo ético de pesquisa.

Referências

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Produção de vídeos para o ensino de Libras: Projeto Obalibras

Tatiana Bolivar Lebedeff Bianca Langhinrichs CunhaDaiana San Martins GoulartDaniel Lopes RomeuIvana Gomes da SilvaJoseane Maciel VianaKevin Veloso AlmeidaRúbia Denise Islabão Aires

Introdução

A entrada em massa da disciplina de Libras e de novos professores nas universidades, a partir do Decreto nº 5626/2005 foi acompanhada de uma necessidade: material didático. Os cursos de Libras, até então, eram oferecidos por associações de surdos e de familiares de surdos em igrejas e, algumas vezes, como cursos de extensão em institui-ções de ensino superior. Durante muito tempo, o material didático disponível era em cartilhas, primeiramente mimeografadas e, poste-riormente, fotocopiadas, com os desenhos dos sinais e, fitas VHS com narrativas em libras, produzidas pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), na década de 1980.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

A Libras com status de disciplina obrigatória na graduação exi-giu uma melhoria na oferta de materiais didáticos, as cartilhas em papel já não davam mais conta tanto das demandas docentes como discentes. Os docentes necessitavam de materiais didáticos para o ensino de língua em nível de graduação. Já os alunos solicitavam recursos para estudo em casa. Além do mais, com a expansão da Universidade Aberta do Brasil (UAB), as disciplinas de Libras tam-bém precisavam ser ofertadas a distância. Ocorreu, então, uma expansão da produção de materiais didáticos em vídeo, tanto para uso on-line como em DVDs.

Entretanto, muitos dos materiais produzidos em vídeo não avançaram em sua proposta didática. A cartilha, antes em papel, agora apresentava-se em DVD. O ensino via glossário, pautado na apresentação do vocabulário em famílias semânticas permaneceu nos vídeos. Fourie (2000, p. 46) comenta que o mesmo processo ocorreu nos Estados Unidos.

As tecnologias de comunicação ficaram mais acessíveis para a aquisição e mais amigáveis e intuitivas para o uso por amado-res, o que levou os profissionais da área da surdez a produzirem vídeos do vocabulário em sinais organizados em temas semânti-cos para os pais de crianças surdas aprenderem a American Sign Language (ASL).

No Brasil, diversos profissionais da Linguística começaram a perceber a limitação das cartilhas em vídeo, sendo iniciado um processo de produção de materiais de apoio para as aulas de Libras. Dentre eles pode-se citar: Pimenta e Quadros (2006), Felipe (2007), o programa de vídeo-aulas produzidas pela TV Campus da Universidade Federal de Santa Maria, o Libras TRI1 desenvolvido em 2012, as aulas de Libras disponíveis na TV

1. Os programas do Libras TRI estão disponíveis no canal Youtube da TV Campus da UFSM. https://www.youtube.com/results?q=tv+campus+libras+tri.

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22 – Produção de vídeos para o ensino de Libras: Projeto Obalibras

INES2 e, mais recentemente, as vídeo-aulas de Libras da USP3, entre outros.

Os vídeos acima citados são de qualidade reconhecida. Entre-tanto, o grupo de professores de Libras da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) sentiu necessidade de um material didático mais customizado às demandas do ensino de Libras 1 e, que atendesse as características de Objetos de Aprendizagem (LEBEDEFF, 2017).

Este trabalho sugere, portanto, que vídeos podem ser com-preendidos como objetos de aprendizagem (OAs) para o ensino de Línguas de Sinais (CONCEIÇÃO; LEHMAN, 2002, LEBEDE-FF; SANTOS, 2014) e, apresenta o projeto Obalibras – Objetos de Aprendizagem para o ensino de Libras, que busca produzir mate-riais didáticos para o ensino de Libras pautado no Ensino Comu-nicativo de Línguas.

Vídeos como objetos de aprendizagem

Para McNulty e Lazarevic (2012, p. 51), a evolução do vídeo é onipresente na vida do estudante do século XXI. O avanço da tecnologia permitiu o acesso a diferentes dispositivos digitais. A maioria dos alunos de ensino médio ou graduação possui hoje equipamentos tais como smartphones, e-books, ipods, tablets, en-tre outros.

Além disso, os vídeos digitais permitem ao internauta controlar sua apresentação, ou seja, é possível retornar e ver tantas vezes quanto sejam necessárias o mesmo trecho. Merkt et al (2011, p. 688), descrevem esse tipo de controle como atividades de micro-

2. As aulas de Libras da TV INES estão disponíveis em: http://tvines.com.br/?pa-ge_id=14.

3. As aulas de Libras da USP estão disponíveis no site: http://eaulas.usp.br/portal/course.action?course=6085

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

nível, pois são utilizadas pelo aprendiz para releituras e confirma-ções. As atividades de micronível, realizadas através de controles como play/stop e forward/rewind, de acordo com Merkt et al (2011, p. 700), são usadas espontaneamente quando os usuários buscam conhecimento declarativo.

South, Gabbitas e Merrill (2008, p. 241), em seu trabalho so-bre o desenvolvimento de narrativas em vídeo para ensino de inglês como L2, notam que os estudantes acham mais fácil in-terpretar narrativas dramáticas do que textos descontextualiza-dos. A importância da narrativa em vídeo como oportunidade de aprender língua de forma contextualizada também é defendida por Berret (2012, p. 34) para o ensino de Língua Americana de Sinais como L2.

Uma das possibilidades para investigar, discutir e buscar in-ferências sobre a produção e a utilização de vídeos para o ensi-no de Libras é analisá-los pelo viés de Objetos de Aprendizagem (OAs). Os OAs podem ser compreendidos como materiais digitais que possuem objetivos de ensino. Cabe salientar, conforme Lima, Falkembach e Tarouco (2014, p. 433, que o conceito de OAs tem sofrido alterações:

A partir das definições técnicas vinculadas ao seu uso na área educacional, pode-se dizer que são unidades formadas por um conteúdo didático como: um vídeo, uma animação, um texto; uma gravação ou uma imagem, e podem ainda ser formados por uma unidade, que agregada à outra, forma um novo objeto, ou seja: objeto de aprendizagem é qualquer material digital com fins edu-cacionais. Portanto, são recursos que oportunizam inovações pe-dagógicas visando a ensejar melhores condições para o processo de ensinar e aprender da geração do século XXI.

Os OAs podem ser compreendidos por meio de suas caracterís-ticas, que são, de acordo com Mendes, Souza e Caregnato (2015, p. 3): a) Reusabilidade; b) Adaptabilidade; c) Granularidade; d) Aces-sibilidade; e) Durabilidade e f) Interoperabilidade.

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No Obalibras, dá-se especial atenção às características de Reu-sabilidade (reutilizável diversas vezes em diversos ambientes de aprendizagem), Granularidade (conteúdo em pedaços, para faci-litar sua reusabilidade) e Acessibilidade (acessível facilmente via internet para ser usado em diferentes locais).

Metodologia

O processo de produção de vídeos iniciou com pesquisa teórica sobre ensino de Libras e sobre produção de vídeos para ensino de língua estrangeira e, paralelamente foi realizada prospecção e análise de vídeos já produzidos, disponibilizados na Internet. Como não existem parâmetros para o ensino de Libras como L2 nas disciplinas dos Cursos de Graduação, a proposta do Obalibras foi baseada nos cursos de British Sign Language (BSL). Os cursos de BSL seguem um currículo comum determinado pelo UK Occu-pational Language Standards (CILT, 2010, p. 4). Esse currículo foi desenvolvido para ensinar habilidades e conhecimentos de língua necessários em ambientes de trabalho, e possui uma equivalência com o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (MEC/PORTUGAL, 2001). Em função disso, em BSL Introduction desenvolvem-se habilidades equivalentes ao aprendiz A1, Utiliza-dor Elementar, para o referido Quadro.

A Signature4 (antiga Council for the Advancement of Commu-nication with Deaf People) é a instituição responsável pelas qua-lificações em BSL. De acordo com a Signature, os resultados da aprendizagem a serem esperados no BSL Introduction são os apre-sentados no Quadro 1:

4. Mais informações sobre a Signature podem ser encontradas na página: http://www.signature.org.uk.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Quadro 1 – Tradução do quadro dos resultados de aprendizagem esperados e critérios de avalia em Bristol, a formação desenvolvida pela Signature. Criação para o

ensino de BSL desenvolvido pela Signature.

Resultados de aprendizagem Ao final da unidade o aluno vai:

Critérios de avaliaçãoAo final da unidade o aluno poderá:

1. Compreender e participar de uma conversa básica ao encon-trar pessoas.

1.1 Dirigir-se, cumprimentar e se despedir de outro usuário de BSL1.2 Compreender e produzir nomes de pessoas e de lugares com o alfabeto manual. 1.3 Utilizar e reconhecer estratégias para pedir esclarecimentos1.4 Utilizar e reconhecer perguntas simples. 1.5 Solicitar e fornecer informações pessoais rele-vantes sobre si próprio ou sobre outras pessoas.

2. Conhecer números. 2.1 Reconhecer e usar números para: a. pessoas b. horas c. dinheiro d. datas.

3. Conhecer diferentes condi-ções climáticas e responder a perguntas sobre o clima.

3.1 Descrever uma variedade de condições climá-ticas.3.2 Perguntar sobre o clima usando uma varieda-de de vocabulário.

4. Conhecer diferentes meios de transporte.

4.1 Dar e receber informações sobre diferentes modos de deslocamento.

5. Comunicar uma série de direções.

5.1 Fornecer direções simples sobre lugares ou edifícios. 5.2 Pedir instruções para chegar a um local.

Os roteiros para o projeto Obalibras foram, portanto, produzi-dos a partir de três parâmetros: a) as habilidades comunicativas descritas acima, que trazem, em sua base, uma proposta de Ensino Comunicativo de Línguas; b) as características de OAs e, c) as su-gestões para produção de vídeos para o ensino de Libras discutidas por Lebedeff (2017).

Sobre o Ensino Comunicativo de Línguas, Leffa (1988: 223) dis-cute a grande preocupação com o uso de linguagem apropriada, adequada à situação em que ocorre o ato da fala e ao papel desem-penhado pelos participantes. Os diálogos artificiais, elaborados

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para apresentarem pontos gramaticais são rejeitados, além disso, a ênfase da aprendizagem não está na forma linguística, mas na comunicação. Leffa (1988: 224) comenta que o desenvolvimento de uma competência estratégica - saber como usar a língua para se comunicar - pode ser tão ou mais importante do que a competên-cia gramatical e, sugere que o material usado para a aprendizagem da língua deve ser autêntico. Os diálogos, por exemplo, devem apresentar personagens em situações reais de uso da língua, in-cluindo até os ruídos que normalmente interferem no enunciado (conversas de fundo, vozes distorcidas no telefone, dicções imper-feitas, sotaques, etc.). No caso da Libras, foram inseridas estraté-gias culturais de comunicação entre surdos e, devido à ausência de som, os ambientes são contextualizados em diversos planos.

Foram produzidos 12 roteiros nos quais apresenta-se a rotina de um estudante universitário, tais como: matrícula, transporte para a Universidade, uso de Biblioteca, busca por sala de aula, comentários acerca de disciplina e professor, entre outros temas. Esses temas criam condições narrativas para que sejam utilizadas as habilidades comunicativas apresentadas no quadro 1, tais como apresentar-se, solicitar informações pessoais, utilizar números para conhecer datas e números de documentos, trocar informa-ções sobre clima, alimentação, transporte urbano, entre outros.

Os vídeos produzidos não ultrapassam o tempo de dois minu-tos e estão disponibilizados em uma página pública no Youtube (https://www.youtube.com/channel/UCvd4qQ4_OR3w7kIgUSO--UpA), para dar conta das características de Recuperabilidade, Acessibilidade e Interoperabilidades dos OAs. Um playlist de glos-sário (sinais independentes) acompanha cada vídeo de diálogo, atendendo, portanto, as características de Granularidade e Reu-sabilidade dos OAs. Cabe salientar que os vídeos produzidos não trazem, em seu cerne, a proposta de vídeo-aula, ou seja, não são vídeos para estudo independente. Os vídeos configuram-se como material didático para o professor, que pode utilizá-los na perspec-tiva de preteaching (SEILSTAD, 2012) ou, em sala de aula.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Os roteiristas e atores dos vídeos são professores surdos de Libras, professores ouvintes de Libras e, Tradutores e Intérpretes de Libras. Os vídeos não apresentam nem áudio nem legendas, por uma opção didática. Os enquadramentos mais utilizados são o Plano Médio e o Plano Americano e, utiliza-se, para facilitar a edição do diálogo, a gravação em contra-plano (EDGAR-HUNT; MARLAND; RAWLE, 2013). A maior parte das filmagens foi reali-zada dentro das dependências da UFPEL, para facilitar o proces-so de locação e, dar maior realismo aos vídeos.

Considerações finais

A produção dos vídeos suscitou uma série de discussões, tais como: carência de um currículo-base comum para o Ensino de Li-bras na Graduação; necessidade de ampliação de discussão sobre a produção de materiais didáticos nos cursos de formação de pro-fessores e, a compreensão de que a produção de material didático é sim, uma ação investigativa e, não apenas uma produção voltada para a inovação.

Além disso, como todos os colaboradores do projeto são inician-tes na produção audiovisual, percebeu-se a necessidade de forma-ção continuada para o grupo. Deste modo, será realizado um curso de extensão para capacitar atores e equipe técnica na produção de vídeos. O próximo passo do projeto Obalibras é divulgar os ma-teriais produzidos nas redes sociais, incentivando seu consumo e, solicitar aos professores e alunos de Libras, que utilizem esses materiais, um feedback para avaliação e reconfigurações (se ne-cessárias), dos vídeos.

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22 – Produção de vídeos para o ensino de Libras: Projeto Obalibras

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Língua de sinais e cognição: interfaces entre linguística, educação e tradução

Felipe Venâncio Barbosa

Os Estudos Surdos convergem diversas áreas de conhecimento e, por isso, as temáticas relacionadas às comunidades surdas e suas lín-guas evocam análises e ações de interfaces com frequência. Diversos pontos de vista sobre um objeto estipulado e diversos recortes de um mesmo objeto são colocados em cena. É uma área de pluralidades e, portanto, de diferenças, de linhas que podem se cruzar e estabelecer redes. Isso é reiterado pelas comunidades surdas, pela forma como se organizam, como pensam o mundo, como se comunicam, como adquirem e como produzem conhecimento, porque apresentam um grande número de possibilidades de atuação e a participação de mui-tos e diferentes atores. São diversos olhares para um mesmo ponto, com contribuições relevantes e que vão, no decorrer do tempo, to-mando maior ou menor vulto, a depender do estado da arte, das polí-ticas e da própria atuação das comunidades surdas.

Nessa diversidade, há estudiosos que optam por uma abordagem clí-nica da surdez, observando o funcionamento do aparelho auditivo e o desenvolvimento da segunda língua na modalidade oral; há estudiosos que optam por observar aspectos sociais das comunidades surdas, sua organização e seu funcionamento; há pesquisadores que se interessam pelo estudo das línguas de sinais, sua aquisição, desenvolvimento e

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uso; há aqueles que estudam a Educação de Surdos e se preocupam com o desenvolvimento e integração das comunidades surdas. São di-versas áreas. E de fato, então, pensar nas interfaces entre Educação de Surdos, Estudos da Tradução e Linguística da Língua de Sinais é um exercício que precisa ser feito constantemente por aqueles que se pro-põem a estudar a comunidade surda.

Mas, embora tenhamos essa rica e benéfica diversidade, há uma li-nha que acredito ter destaque em relação a todas as outras áreas e talvez seja o cerne da rede entre pesquisadores e interessados pelos estudos das comunidades Surdas: a língua de sinais. Mesmo que o interesse não seja a língua em si, ela será o ponto de partida para os Estudos Surdos. Isto vem do fato de que, a meu ver, o indivíduo surdo que constitui a comunidade em questão possui, como característica principal e deter-minante para sua inclusão nessa comunidade, não o status auditivo, diagnosticado clinicamente, mas uma identidade linguística que passa por um paradigma sensorial fixado na visualidade. A comunidade sur-da é uma comunidade surda não porque seus componentes têm perda auditiva, mas porque possuem uma língua natural, de modalidade vi-sioespacial, usada para construir suas percepções de mundo, para sua instrução e para a produção de conhecimento.

Há um relato que fiz na apresentação de um livro que organizei com uma colega surda (BARBOSA; NEVES, 2017) sobre uma conver-sa que tive com um jovem surdo. Gosto de usar este relato como exemplo porque, embora eu conhecesse bem a teoria a respeito da comunidade surda, aquela foi a primeira que vi o conceito de surdez materializado na fala de uma pessoa surda, jovem, afásico e sem participação em movimentos políticos. Eu perguntei para ele por que ele era surdo e esperava que ele me respondesse com alguma explicação etiológica da perda auditiva como “Eu nasci surdo” ou “Sou surdo porque tive meningite na minha infância”. A resposta que veio foi muito clara, objetiva, simples e quase ingênua, mas de uma profundidade que me impactou. Ele disse: “Eu sou surdo porque eu uso Língua de Sinais”. Naquele momento eu percebi que, para aquele jovem (e pra comunidade surda de forma geral), o fator

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

determinante para caracterizar a individualidade e a identidade surda não é o status auditivo, mas sim o uso da língua de sinais como filtro e marcador cultural.

Então, tomando a língua das comunidades surdas como ponto de partida, a Linguística é colocada como uma área cujas interfaces for-necem contribuições determinantes para a Educação de Surdos e os Estudos da Tradução. O próprio caráter interdisciplinar dos estudos da linguagem permite que as relações da Linguística com outras áreas de estudos se desenvolvam de forma harmônica, provendo e recebendo benefício das áreas com que compartilha o interesse de estudo. Gostaria de enfatizar as interfaces que temos construído com a Educação de Surdos e com os Estudos da Tradução e, para isso, apresento algumas das pesquisas desenvolvidas e em desen-volvimento pelo Grupo de Pesquisa Língua de Sinais e Cognição – LiSCo – do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

O LiSCo é um grupo de pesquisa formado em 2014 e registrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil. Conta com a parti-cipação de professores da Universidade de São Paulo (USP), Facul-dade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Istituto Statale per Sordi di Roma (ISSR), alunos de graduação, mestrado e doutorado, colegas em estágio de pós--doutorado, além de profissionais de diversas áreas interessados nos estudos desenvolvidos pelo grupo.

Seu objetivo geral é o de estudar o processamento da lingua-gem e as funções cognitivas em indivíduos que usam línguas de sinais, estabelecendo relações com as áreas da educação, saúde e estudos da linguagem. O grupo realiza encontros para discussões de assuntos relacionados ao tema, estudos de textos específicos da área e apresentação das pesquisas em desenvolvimento por seus componentes e por pesquisadores convidados. Eu passo a apre-sentar, de forma panorâmica, algumas das pesquisas que foram

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23 – Língua de sinais e cognição: interfaces entre linguística, educação e tradução

desenvolvidas ou estão em desenvolvimento por mim e por cole-gas e alunos no nosso grupo.

O estudo inicial que inaugurou as discussões do LiSCo foi de-senvolvido com a parceria da Professora Bencie Woll, do Deaf-ness, Cognition and Language Centre (DCAL), da University Col-lege London (UCL) (BARBOSA; WOLL, 2014). Trata-se da análise da produção e compreensão de língua de sinais em três casos de jovens surdos com lesão cerebral, com expressões de língua de sinais atípica – distúrbios de linguagem expressos na língua de sinais – em diversos e diferentes níveis do processamento da lin-guagem. É um estudo neurolinguístico que gerou discussões para o grupo que, de certa forma, direcionaram parte das decisões nas escolhas dos temas por mim e pelos alunos que nos procuraram para desenvolver iniciação científica, mestrado, doutorado e pós--doutorado.

O primeiro desses trabalhos, ponte entre a Neurolinguística e a Linguística Clínica, foi a continuação de uma iniciação científica que orientei quando era professor do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa casa de São Paulo, publi-cado no ano passado com o apoio de uma equipe maior (ANDRA-DE et al., 2017). O escopo desta pesquisa é a fluência de sinaliza-ção, observada não como proficiência, mas sim como o fluxo da produção sinalizada, observando quais são as características ex-pressas por surdos fluentes na língua de sinais em contraposição às características expressas na sinalização de surdos que apresen-tam rupturas no fluxo da produção da língua de sinais.

O protocolo desenvolvido por Andrade et al. (2017) foi, então, aplicado em crianças surdas do município de São Paulo, e os re-sultados indicam características relevantes para a análise do fluxo da sinalização. Algumas dessas características são a velocidade de sinalização, o fluxo de sinais por minutos, a proposição de tipolo-gia específica de rupturas para a análise da língua de sinais, com suas respectivas definições como a hesitação, o prolongamento, pausas, dentre outras. A presença desses eventos na sinalização

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

de pessoas surdas é percebida pelos usuários de língua de sinais como características que indicam fluência de sinalização. Amos-tras de crianças com velocidade de sinalização diferente e com taxas diferentes de rupturas em suas produções foram exibidas para participantes adultos fluentes em Libras e os resultados mos-tram relação entre as características indicadas pelo protocolo e a percepção do grau de fluência pelos examinadores.

O nosso interesse pela avaliação de linguagem baseada na lín-gua de sinais teve como produto a organização de um livro com seis trabalhos sobre avaliação de linguagem baseada na língua de sinais, organizado por mim e pela colega surda Sylvia Lia Grespan Neves. Nesta obra, são apresentados três protocolos de avaliação, um deles já apresentado acima (ANDRADE et al.,2017), um de ava-liação de memória operacional (BAIO et al., 2017) e um protocolo de triagem (BARBOSA, 2017), também influenciado pelo estudo inicial (BARBOSA; WOLL, 2013).

O protocolo proposto por Barbosa (2017) foi aplicado em crian-ças surdas das Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Sur-dos (EMEBS) do Município de São Paulo. Foi realizado um mutirão de triagem com alunos e professores do LiSCo, além de um curso sobre a extensão do processamento de linguagem e funções cog-nitivas, oferecido para professores e instrutores de duas EMEBS. Com a triagem, foi possível apresentar às escolas uma devolutiva sobre os alunos que não obtiveram resultado satisfatório, com o objetivo de prover ao professor elementos que pudessem colabo-rar com sua prática em sala de aula.

A observação de diversas manifestações atípicas, tanto no mo-mento do desenvolvimento e aplicação da triagem quanto nos pro-tocolos de avaliação de linguagem baseados na língua de sinais, gerou o estudo e desenvolvimento de um modelo de descrição fonético-fonológico dos articuladores da língua de sinais. É um es-tudo que tem por objetivo apresentar um modelo de análise an-tropométrica da sinalização tendo em vista o estudo de padrões de sinalização (BARBOSA; TEMOTEO; RIZZO, 2014).

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O modelo consiste na descrição de medidas de ângulos forma-dos pelas juntas dos articuladores (quadril, tronco, braço, ante-braço, punho), que teve motivação nos resultados de triagem e avaliação de pessoas surdas com Encefalopatia Crônica Não Evo-lutiva (ECNE), que exibem padrões de postura de tronco, braço e antebraço que não podem ser descritos pelos modelos de descri-ção fonética de língua de sinais existentes.

Com este modelo, temos desenvolvido estudos de um sistema de Captura de Movimento, a fim de possibilitar o registro e análise tridimensional e online dos movimentos realizados por sinalizado-res surdos. Nosso laboratório utiliza atualmente o Sistema Vicon, que possibilita a análise dos ângulos propostos no modelo sobre o qual estamos trabalhando e, além da análise da postura dos articu-ladores, é possível observar, por meio da variação da abertura dos ângulos em períodos de tempo, o comportamento prosódico (do movimento) da sinalização.

O modelo e o sistema de captura de movimento nos permiti-ram iniciar um estudo sociolinguístico interessante: a análise lin-guística da sinalização de surdos gays e de surdos heterossexuais. O estudo, desenvolvido por Oliveira (2017) sob minha orientação, produziu um corpus de dados de captura de movimento, com par-ticipantes surdos gays e heterossexuais produzindo sinais isolados, frases e narrativas para futura análise das medidas fornecidas pelo sistema. Na mesma pesquisa, foi realizado também um estudo de percepção em que participantes observavam o modelo sintético de participantes gays e heterossexuais e diziam suas impressões sobre a sinalização, com base em um questionário. O estudo su-gere que existem características peculiares na sinalização gay que podem ser percebidas pelos observadores.

Até aqui, vimos as relações que o LiSCo estabelece entre a Lin-guística e a Educação de Surdos. O que se percebe é que o inte-resse pelos estudos do processamento da língua e a relação com a cognição costuma ser recorrente. Este interesse também se mani-festa na interface com os Estudos da Tradução.

23 – Língua de sinais e cognição: interfaces entre linguística, educação e tradução

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

A recuperação lexical e a memória operacional tem sido parte de nosso interesse. Além dos trabalhos envolvendo esses proces-samentos no uso exclusivo da lingual de sinais (BAIO et al. 2017; ARNONE, 2018), observamos seus funcionamentos em um estu-do piloto (BARBOSA et al., 2012), na interpretação de palavras do português. Os resultados iniciais mostram uma diferença estatis-ticamente significante entre o tempo de reação (latência) para re-cuperação do item lexical na língua alvo e o tempo de espera (lag time) para substantivos e números, assim como fraca correlação negativa entre o tempo de reação e o tempo de espera. A compre-ensão desses processos cognitivos é útil para entender o processo de interpretação e para a formação de intérpretes, por exemplo, com proposições de treinos específicos das funções cognitivas e da acurácia e velocidade da recuperação lexical.

Atualmente, estamos desenvolvendo um trabalho que tem como alvo a interpretação em ambientes clínicos. Ele está sendo realizado em parceria com o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e, no momento, estamos observando o comportamento dos pacientes, médicos e intérpretes na interpretação simultânea de consultas médicas em ambulatórios de saúde mental. Temos visto pontos muito interessantes sobre a postura dos intérpretes, sobre as escolhas interpretativas e sobre as informações que são veicu-ladas principalmente na interpretação da Libras para o português.

Na nossa experiência com os estudos da língua de sinais atípi-ca, percebemos que muito do funcionamento das funções cogni-tivas é expresso na língua. No caso de uma avaliação médica em psiquiatria, aquilo que é dito pelo paciente é imprescindível para que o clínico tome suas decisões de diagnóstico e de terapia. Com isso, aquilo que o intérprete revela ao medico sobre as característi-cas da sinalização do paciente surdo é imprescindível para decidir o diagnóstico e procedimentos a serem tomados. Características discursivas, pragmáticas, itens suprassegmentais, por exemplo, são importantes pistas que os intérpretes, ao interpretar da língua

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de sinais para o português, precisam deixar transparecer no por-tuguês ou precisam, em momento oportuno, informar ao médico, para que ele possa tomar as decisões necessárias baseadas no seu conhecimento.

Em novembro de 2017, o ISSR, na pessoa da Professora Doutora Maria Tagarelli De Monte e o LiSCo, organizaram um workshop, como desdobramento do convênio que vimos estabelecendo des-de 2014 e subsidiado pela European Association of Language Testing and Assessment (EALTA), de avaliação de linguagem em ambiente clínico e educacional, com o apoio e participação dos professores Doutor Tobias Haug e da Doutora Beppie Van Den Bogaerde, de Zurique e de Amsterdã respectivamente. Além da discussão sobre protocolos de avaliação das línguas de sinais, pudemos conversar sobre a avaliação da língua de sinais atípica e a interpretação em ambientes clínicos. Os intérpretes de língua de sinais presentes no workshop se interessaram muito pelo assunto e, para este ano, estamos organizando um minicurso sobre a interpretação clínica e a interpretação na língua de sinais atípica, mais um vento do convênio entre o ISSR e o LiSCo.

Essas interfaces são algumas das que cultivamos com a Educa-ção de Surdos e com os Estudos da Tradução. As redes que se esta-belecem nessas fronteiras, que muitas vezes se apresentam de for-ma fundida, são essenciais para que o objetivo primeiro do nosso trabalho seja alcançado: servir às comunidades surdas a partir da produção de conhecimento pertinente, promovendo o desenvol-vimento humano pleno das pessoas surdas. Com essas redes, não apenas o objetivo final se torna relevante, mas também o proces-so, a caminhada que nos leva a alcançar aquilo que nos propomos.

23 – Língua de sinais e cognição: interfaces entre linguística, educação e tradução

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Referências

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ARNONE, J. F. O fenômeno ponta de lingual na língua de sinais. Relatório de qualificação de Mestrado: Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Le-tras e Ciências Humanas, 2017.

BAIO, A. B.; NAVAS, A. L. G. P.; BARBOSA, F. V.; NEVES, S. L. G. Avaliação de Memória Operacional em Surdos Usuários de Libras com e sem Atraso na Aquisição de Lin-guagem. In: Felipe Venâncio Barbosa, Sylvia Lia Grespan Neves. (Org.). Língua de Sinais e Cognição - LiSCo: estudos em avaliação fonoaudiológica baseada na Língua Brasileira de Sinais. 1. ed. Barueri: Pró-Fono, 2017, v. 1, p. 25-44.

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_______. Triagem de Habilidades Linguísticas da Língua Brasileira de Sinais. In: Felipe Venâncio Barbosa, Sylvia Lia Grespan Neves. (Org.). Língua de Sinais e Cogni-ção - LiSCo: estudos em avaliação fonoaudiológica baseada na Língua Brasileira de Sinais. 1. ed. Barueri: Pró-Fono, 2017, v. 1, p. 1-24.

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OLIVEIRA, R. G. A Variação articulatória em libras e a orientação sexual do surdo: Estudo sobre captura de movimentos e percepção linguística. Dis-sertação de Mestrado: Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2017.

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Expressões faciais e linguagem corporal em Libras: aspectos multimodais na construção, apreensão e compreensão de sentido

Marcelo Antoni Enderson Almeida de Oliveira Felipe Venâncio Barbosa

Introdução

O presente estudo visa analisar a influência da linguagem cor-poral e expressões faciais nos processos discursivos de produção e compreensão da língua brasileira de sinais (LIBRAS), pela pers-pectiva enunciativa do Círculo de Bakhtin (2003), e do Reconheci-mento Gramatical da Expressão Facial no discurso da Língua de Sinais de Freitas (2017), na qual o estudo de interpretação da língua de sinais ganhou um caráter multimodal, devido à consideração da simultaneidade entre sinais, linguagem corporal e expressões faciais. Os dados foram obtidos através da seleção de enunciados concretos de diferentes gêneros, no qual focou-se na análise das expressões faciais e linguagem corporal cujos enunciados foram transcritos para o Português no software ELAN (EUDICO Langua-ge Annotator), seguindo a proposta de McCleary, Viotti & Leite (2010). Procederemos com a análise de uma narrativa de um conto infantil em Libras. A pesquisa aponta para alguns aspectos dis-

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

cursivos predominantes nas línguas de sinais, principalmente no que se refere à dinâmica discursiva entre sinais manuais, lingua-gem corporal e expressões faciais na composição de sentido nos enunciados, bem como na formação de modelos de padrões tanto das expressões faciais e na linguagem corporal da LIBRAS. Outro aspecto observado no corpus é o uso de um mecanismo discursi-vo quando não há uma marca temporal específica no enunciado, permite que, por meio de uma neutralização de alguns elementos da enunciação, o tempo seja construído espacialmente por meio da linguagem corporal.

Aportes teóricos

A transmissão do conhecimento humano é uma das caracte-rísticas que nos diferenciam da maioria das espécies dos animais. Ao contrário do que muitos pensam, a transmissão desse conheci-mento não ocorre por meio das palavras, mas pelo discurso. Os discursos podem ser verbais, visuais ou verbo-visuais.

Compreenderemos o termo discurso através da perspectiva te-órica do grupo conhecido como “Círculo de Bakhtin”, que se dedi-cou a estudar o discurso como prática social de produção enuncia-dos. Isto significa que todo discurso é uma construção social, não individual, e que só pode ser analisado considerando seu contexto histórico-social, suas condições de produção; e a relação do enun-ciado com seus produtores e a sociedade em que vive(m). O Círculo de Bakhtin é uma nomenclatura posterior, na qual privilegia como representante deste grupo o filósofo russo Mikhail Mikhailovich Bakhtin. Porém os textos e pensamentos deste grupo têm uma grande participação de Volóchinov e Medviédev. O grupo foi res-ponsável pelos principais conceitos que embasaram a Teoria Dia-lógica do Discurso Russa.

Os pressupostos teóricos criados pelo Círculo de Bakhtin apli-cam-se a todas as formas de linguagem, manifestada nas línguas

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pelo signo, um fato social, cujo produto advém das necessidades humanas de comunicação. Bakhtin vai se interessar pela língua enquanto fenômeno social e histórico, não individual, na qual a fala é o motor das transformações linguísticas. Como a Linguística formal analisa o abstrato das formas do sistema linguístico, isolan-do essas formas de seu contexto sócio-histórico, que é concreto e mutável, ela não analisa o enunciado. A enunciação é de natureza social e implica uma atividade semântica-axiológica realizada por um eu em relação ao outro. Esta concepção permite incluir a lín-gua em uma visão mais ampla de linguagem, englobando tanto as línguas orais quanto as línguas de sinais, apesar desta última não ser analisada pelo Círculo. Entretanto, as Língua de Sinais se ma-nifestam concretamente por meio de signos ideológicos, e sobre estes Bakhtin afirma: “Todo fenômeno que funciona como signo ideológico tem uma encarnação material, seja como som, como massa física, como cor, como movimento do corpo ou como outra coisa qualquer”.(Bakhtin, 2010, p.33).

Segundo esta perspectiva, a materialização do signo pela lingua-gem de sinais, o torna elemento de estudo discursivo. As Línguas de Sinais constituem um sistema linguístico com características próprias, sendo a principal delas ser uma Língua gestual-visual capaz de expressar ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas. Dessa forma, diferencia-se da Língua Oral, que utiliza o canal da audição e da fala como recursos comunicativos. É através da linguagem que o pensamento se organiza, se estrutu-ra e a expressão humana acontece. Usar a língua de sinais é falar com as mãos e ouvir com olhos, é interagir com uma cultura que percebe o mundo através dos sinais.

Os sinais e expressões faciais e corporais das línguas de sinais são signos linguísticos os quais tomam o status de signo ideológico, pois toda palavra carrega consigo deferentes significados e valores semióticos, os quais estão em constantes conflitos no jogo das rela-ções sociais de um determinado sistema em um determinado gru-po social. De acordo com Lucinda Ferreira Brito (1993), as Línguas

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

de Sinais surgiram de maneira espontânea, desenvolvidas pelas relações sociais entre indivíduos, assim como as Línguas Orais. A autora ressalta que aquelas são consideradas naturais e capazes de transmitir quaisquer conceitos, seja eles: emotivos, racionais, con-cretos, abstratos, dentre outros. São línguas com mecanismos “fo-nológicos”, morfológicos, sintáticos, semânticos e discursivos para veicular significados, os quais são percebidos pelos seus usuários através das dimensões espaciais.

Estudar os discursos na perspectiva discursiva presume consi-derar a multimodalidade de sua transmissão, bem como levar em consideração os enunciadores que produzem os discursos e toda a situação em que a comunicação se passa, ou seja, seu momento his-tórico. Para Hutchins (2010), deve-se observar os seguintes aspectos Corpo/Fala/Mundo, como se pode observar na figura abaixo

Figura 1 – Sistema de interação multimodal (retirado de Hutchins, 2010)

Como sugere esse esquema, em uma situação de interação verbal, há um sistema complexo de ações simultâneas que são desempenhadas dentro do discurso. Dentro desse esquema, dois elementos importante presente na “fala” (enunciado) são as ex-pressões verbais e linguagem corporal. Segundo Freitas (2013), as expressões faciais ganham uma importância ainda maior, por serem parâmetros próprio desta modalidade de língua, colabo-ram tanto para formar a estrutura gramatical da língua, quanto

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para produção de sentidos nos enunciados.

Metodologia

A pesquisa situa-se no campo das investigações qualitativas da linguagem, portanto, configura-se como uma pesquisa de nature-za analítico- descritiva. Selecionamos um trecho de vídeo do conto “Guilherme Augusto Araujo Fernandes” de autoria de Mem Fox, traduzida para a Libras por Neiva de Aquino Albres. Depois da de-limitação do corpus, a transcrição foi realizada por meio do softwa-re de transcrição de vídeo ELAN (EUDICO Linguistic Annotator), criado pelo Laboratório de Psicolinguística do Instituto Max Plan-ck. Nesse software, é possível incluir um ou mais vídeos e criar trilhas, nas quais as anotações podem ser feitas em sincronia com o vídeo. Por meio dessa ferramenta, é possível fazer anotações e acessá-las facilmente durante a análise através de uma lista gerada pelo software. Além disso, o ELAN dispõe de diversas funcionali-dades que facilitam a operação do material, como, por exemplo, ferramentas de controle de velocidade do vídeo, o que possibilita a observação da narrativa em velocidade reduzida. Seguiu-se o o modelo abaixo para transcrição dos dados.

Tabela 1 – Trilhas utilizadas do sistema de transcrição proposto por McCleary, Viotti & Leite (2010)

TrilhasVocabulárioControlado

Descrição

IU Registro das unidades ideacionais/entoacionais

Body • Registro de movimentos do tronco

Shoulders • Registro de movimentos dos ombros

Head • Registro de movimentos da cabeça

Eyebrow • Registro de movimentos das sobrancelhas

Eyelids • Registro de movimentos das pálpebras

Eyegaze • Registro da direção do olhar

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Mouth gestures

•Registro de movimentos bucais sem relação com a língua portuguesa

H-location •Registro da localização das mãos no espaço de sinalização

Mouth pictures Registro de visemas

CommentsRegistro de comentários de qualquer naturezasurgidos durante a transcrição

Análise dos dados

Organizamos a análise em duas categorias: a) Uso da lingua-gem corporal pelo enunciador para a criação de referências no discurso, e b) Expressões faciais em colaboração com a sinalização e linguagem corporal no processo de geração de sentidos. Na pri-meira categoria, analisamos um enunciado em línguas de sinais correspondentes ao texto escrito presente nas duas primeiras pá-ginas do livro que revelam o processo de geração de sentidos a partir do texto verbo-visual. Já na segunda categoria, analisamos a compreensão e tradução de uma página do livro para a discussão da visualização do material digital em Libras. No discurso analisa-do (imagem 2), é apresentado o seguinte texto escrito: “Sua casa era ao lado de um asilo de velhos e ele conhecia todo mundo que vivia lá.” No que diz respeito à linguagem do texto em português, predomina o registro coloquial comum em narrativas. É comum o gênero conto infantil ser elaborado a partir daquilo que Bakhtin vai chamar de discurso do cotidiano, correspondente a enuncia-dos comuns nas interações cotidianas.

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Tabela 2 – Sequência da sinalização apresentada na tradução (figura 2)

Podemos observar que a marcação não-manual co-ocorre com os sinais manuais nas sentenças. Para a construção do efeito de es-pacialidade e temporalidade na enunciação em Libras, o enuncia-dor usa o movimento do corpo, o local de sinalização no espaço, o apontamento e a direção do olhar. Barbosa (2011) menciona que a referenciação em Libras faz uso de sinais manuais e pronomes, de marcas não manuais como posição da cabeça e do tronco e ex-pressões faciais específicas, sendo estas referenciações relevantes na introdução e retomada de referentes do discurso.

No início da enunciação, o enunciador tende o corpo para o lado direito com leve inclinação para trás como marca temporal de passado e, ao final, para o lado esquerdo (na perspectiva do sina-lizador), e ao meio demarca a fronteira entre os dois espaços; no qual a direção do olhar se volta para o espaço do asilo.

Para melhor organização da análise, dividimo-la em duas par-tes. Primeiro, discorremos sobre a introdução (figura 2), e de-pois, analisamos o diálogo entre os personagens (figura 3). No conto, o menino (Guilherme) soube que a Dona Antonia, a idosa que ele mais gostava, perdera a memória, ele quis saber o que

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isso significava e foi perguntar aos outros moradores do asilo e por último vai perguntar a própria Dona Maria.

Tabela 3 – Sequência da sinalização apresentada na tradução (figura 3)

No trecho acima, os referenciais de lugar e tempo são nova-mente expressos pela linguagem corporal e movimento. O enun-ciador opta por um enunciado em Libras diferente do texto em Português, naquele ela acrescenta uma negação para informar que o personagem não sabia o significado de memória. Em mui-tas línguas de sinais a negação pode ser realizada tanto no com-ponente manual, quanto no componente não-manual (Zeshan 2004). Na LIBRAS não é uma exceção: Brito (1995) e Quadros (1999) identifica alguns sinais com valor negativo, como NÃO, NUNCA e NADA. No entanto, os dados que apresento a seguir evidenciam a necessidade da decomposição da marcação não--manual em duas partes: por um lado, a negação facial, que se refere a modificações na negação facial; por outro lado, o hea-dshake, que se refere ao movimento lateral de cabeça. No campo das expressões faciais, caracteriza-se como negação facial o abai-xamento das sobrancelhas, a modificação no contorno da boca seja apenas abaixamento dos cantos da boca ou arredondamento

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dos lábios, numa configuração que lembra um ‘O’, e leve abaixa-mento da cabeça, como apresentado no corpus. Já o termo hea-dshake corresponde ao balanceamento de cabeça repetitivo para um lado e para outro, num eixo horizontal.

Conclusão

O presente trabalho teve por objetivo investigar padrões na re-lação entre linguagem corporal e expressões faciais na construção, apreensão e compreensão de sentido em LIBRAS. Para atingir este objetivo, foram realizados estudos tanto na área das expressões fa-ciais e linguagem corporal por uma perspectiva dialógica, quanto na tradução e transcrição de diferentes parâmetros linguísticos . Um fato observado no corpus é o uso de um mecanismo discursivo quando não há uma marca temporal específica no enunciado, per-mite que, por meio de uma neutralização de alguns elementos da enunciação, o tempo seja construído espacialmente por meio da linguagem corporal, tais como inclinação para trás em enunciados referentes ao tempo passado, movimentos para frente relativos ao tempo futuro.

A análise das expressões faciais comprovou que elas servem para expressar a avaliação do enunciador sobre o que está sendo dito, amparam os sentidos dentro do enunciado junto com outros parâmetros e exercerem funções independentes da sinalização em alguns contextos. Não há uma uniformidade de sentidos para a maioria das expressões faciais, sendo que assim como nas línguas orais, seu sentido depende muito do contexto no qual é produzido, logo é importante analisa-las em conjunção com outros elementos linguísticos.

Por fim, vale ressaltar que este estudo pode contribuir para outras pesquisas, bem como para auxiliar o desenvolvimento de tradutores automáticos mais eficientes, tornando a transmissão de informações em língua de sinais mais fidedigna e acessível.

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Referências:

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BAKHTIN, M. M.; VOLOCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 1992.

_______. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

FERREIRA-BRITO, L. Por uma Gramática de Língua de Sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.

FREITAS, F. A. Reconhecimento automático de expressões faciais gramaticais na língua brasileira de sinais. 2015. Dissertação (Mestrado em Sistemas de In-formação). Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

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MCCLEARY, Leland; VIOTTI, Evani; LEITE, Tarcísio de Arantes. Descrição das lín-guas sinalizadas: a questão da transcrição dos dados. Alfa Revista de Linguística. São Paulo: n. 54, 2010. pp. 265-289.

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A influência da aquisição da língua brasileira de sinais no processamento cerebral do indivíduo surdo: um estudo com ressonância magnética funcional

Sylvia Lia Grespan Neves

Introdução

O presente projeto de pesquisa tem por objetivo analisar pos-síveis diferenças no processamento cerebral de acordo com as ca-racterísticas de sinalização em língua brasileira de sinais (Libras) de dois grupos, ambos formados por indivíduos surdos com a di-ferença de que no primeiro a aquisição de língua de sinais se deu no período ideal e, no segundo, não.As crianças tendem a adquirir uma língua ao serem expostas a ela, seja ela de modalidade oral ou visual, o que torna o processo de aquisição de língua universal Além disso, tal processo também é rápido uma vez que quase toda a complexidade de uma língua é adquirida por volta dos quatro anos de idade. Isso não ocorre por meio de instrução ou por meio de uma fala dirigida à criança que gradativamente vai aumentan-do sua complexidade estrutural (GROLLA, 2006).

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Crianças numa mesma comunidade têm experiências linguís-ticas bastante diversas (com inputs diferentes), e os dados linguís-ticos primários que cada criança recebe são diferentes entre si. Mesmo com essa diversidade, todas elas acabam aprendendo a mesma língua.

Outra propriedade importante do processo de aquisição de língua é a sequência de estágios pelos quais as crianças passam. Crianças seguem um padrão quase idêntico ao aprender uma lín-gua. Elas progridem através dos mesmos estágios de aquisição e na mesma ordem, embora a rapidez com que uma criança muda de um estágio para outro seja variável. Esses estágios são iguais, segundo Lillo-Martin (2008), inclusive para línguas de modalida-des distintas. Segundo a autora, tanto crianças surdas como ouvin-tes, expostas a uma determinada língua, passam pelos mesmos estágios de aquisição, no mesmo período. O estágio do balbucio, por exemplo, ocorre por volta dos 7-12 meses de idade, ou, então, o período de uma palavra, que ocorre por volta dos 11-14 meses.

Pensando nas línguas de sinais e levando em consideração que muitas crianças surdas são filhas de pais ouvintes, faz-se necessá-rio a imersão da criança o quanto antes em ambientes em que se utiliza a língua de sinais (como escolas bilíngues com professores surdos, por exemplo) e que os pais aprendam a se comunicar em língua de sinais para não prejudicar o processo de aquisição de lín-gua por parte da criança surda. Infelizmente, muitos pais ouvintes relutam em aceitar a língua de sinais, priorizando o implante co-clear e a fala. Muitas dessas crianças fracassam em seu processo educacional, levando os pais a colocarem seus filhos na escola de surdos; entretanto, esse processo ocorre tardiamente, por volta dos sete a nove anos, o que acarreta prejuízo no processo de aqui-sição da Libras e do seu desenvolvimento estudantil.

Assim, a presente proposta é investigar a compreensão da Libras em indivíduos surdos com aquisição em tempo adequado e aquisi-ção tardia por meio da análise de suas atividades neuronais e de tes-tes de linguagem. Pretende-se coletar dados de processamento de

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linguagem, bem como de imagens de ressonância magnética fun-cional, a fim de analisá-los à luz de trabalhos relacionados, levan-tados na fase inicial do doutorado. Com isso, objetiva-se contribuir para uma melhor compreensão dos efeitos da aquisição tardia sobre o processamento de uma língua sinalizada.

O objetivo geral deste trabalho é analisar como ocorre a ativa-ção cortical envolvendo tarefas de recepção e produção da língua de sinais de dois grupos de sinalizadores surdos distintos: o pri-meiro com aquisição de língua em período ideal e o segundo com aquisição tardia da língua. São objetivos específicos deste projeto: 1. comparar o comportamento cerebral (ou cortical) durante o exa-me de imagem dos dois grupos de surdos; 2. comparar o compor-tamento cerebral (ou cortical) durante o exame de imagem para os diferentes tipos de estímulo e tarefa; 3. comparar os resultados de imagem com a avaliação das habilidades linguísticas aplicada em cada indivíduo.

Farão parte desta pesquisa 20 participantes surdos, separados em dois grupos. O primeiro, com dez sujeitos, será composto por surdos de até 15 anos, usuários da Libras e que adquiriram a língua no pe-ríodo ideal. O segundo grupo, também com dez participantes, será composto por surdos de até 15 anos que não adquiriram a Libras no período ideal. São surdos que utilizam língua de sinais caseira e que tiveram aquisição tardia da Libras, após os sete anos de idade.

Os participantes do primeiro grupo serão selecionados na Esco-la Rio Branco, escola bilíngue para surdos no município de Cotia, São Paulo, que oferece um programa de estimulação do desen-volvimento para que crianças surdas entrem em contato com a língua desde cedo. Os participantes do segundo grupo serão se-lecionados na Escola Municipal de Ensino Bilíngue para Surdos (EMEBS) Helen Keller, em São Paulo.

Os participantes serão informados sobre os procedimentos da pesquisa e seus responsáveis assinarão o Termo de Consentimen-to Livre e Esclarecido (TCLE) antes do início da coleta de dados.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

A coleta de dados será realizada da seguinte forma:

a) Apresentação das informações sobre o protocolo de pesqui-sa aos responsáveis pelos indivíduos surdos;

b) Aplicação de anamnese;

c) Aplicação de uma bateria de testes para avaliação das ha-bilidades linguísticas, compostas por teste de linguagem: Triagem das Habilidades Linguísticas da Libras (BARBOSA, 2017); e

d) Exame de Ressonância Magnética Funcional com uso de ABFW: teste de linguagem infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática.

A coleta será realizada no Instituto de Psiquiatria da Faculda-de de Medicina da Universidade de São Paulo. Os sujeitos serão submetidos ao exame de Ressonância Magnética Funcional com equipamento usado pelo serviço e administrado pela equipe mé-dica do local. Os estímulos usados para a realização do exame de imagem serão elaborados pela pesquisadora. Para a tarefa de com-preensão, será elaborado um vídeo que consistirá em uma história em Libras. Os sujeitos serão instruídos a ficarem atentos e busca-rem compreender o conteúdo da história.

Para a tarefa de produção, serão apresentadas 20 figuras sele-cionadas do Teste de Vocabulário de Befi-Lopes (2001). Os sujeitos serão instruídos a ficarem atentos e produzirem os sinais solicita-dos sem movimentar os braços.

O método usado para esta coleta será o descrito no estudo de Valadão et al (2014): o sujeito ficará deitado em posição dorsal no scanner e o vídeo será projetado por meio de um projetor digital em uma tela translúcida, colocada verticalmente em posição pró-xima aos pés dos participantes. Os sujeitos assistirão ao vídeo por meio de um espelho acoplado à sua cabeça.

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Os dados dos testes de linguagem serão tabulados e analisados em conjunto com os laudos emitidos pela equipe médica a respei-to do exame de Ressonância Magnética Funcional.

Referências

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A interpretação de Libras à luz da teoria interpretativa da tradução1

Edílson de AndradeLuciana Carvalho Fonseca

Introdução

O campo dos Estudos da Interpretação tem feito grandes con-tribuições nas reflexões sobre os processos interpretativos utiliza-dos no momento da interpretação simultânea, porém grande par-te dessas reflexões é feita sob a ótica das línguas orais.

Este trabalho se propõe a fazer uma ponte que ligue os proces-sos interpretativos utilizados pelos TILS a uma das teorias desen-volvidas nos Estudos da Interpretação, a Teoria Interpretativa da Tradução (TIT), também conhecida como Théorie Du Sens (Teoria do Sentido). Ela foi criada por Danika Seleskovitch na década de 1960, a quem se juntou, em seguida, Marianne Lederer.

1. Este trabalho é parte reduzida da dissertação de mestrado em desenvolvimen-to pelo programa de Estudos da Tradução do Departamento de Letras Modernas (DLM) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Univer-sidade de São Paulo (USP).

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

A princípio, a teoria foi desenvolvida com base em estudos em-píricos da tradução consecutiva de conferências e posteriormente tomou proporções maiores.

Dentro dos estudos desenvolvidos por Seleskovitch e Lederer, um dos pontos centrais é o conceito de desverbalização, que é considerado fundamental para a apreensão do sentido. A desver-balização é resultante da associação do significado linguístico das palavras com conhecimentos não verbais anteriores e com o con-texto de situação.

A TIT é produzida a partir de quarto pilares: 1) Domínio da língua materna, 2) Domínio da língua de partida, 3) Domínio do mundo pertinente e de conhecimentos prévios e 4) Domínio da metodologia da interpretação (JUNGWHA, 2003).

O primeiro pilar é o domínio de sua própria língua nativa. É inegável que tradutores e intérpretes devem ser aptos a usarem sua língua materna com todas as suas nuances e sutilezas. O segundo pilar, o domínio de uma segunda língua, tem um grau de dificuldade maior para ser avaliado precisamente. Há de se ter o domínio dos sistemas fonológicos e gramaticais, enquanto que a gama ilimitada de itens lexicais está sujeita a um processo de aprendizagem ao longo da vida. O mesmo é verdadeiro tanto para o conhecimento de mundo e o conhecimento prévio, que não são estáticos. Em vez disso, eles são o resultado de um pro-cesso contínuo e dinâmico de aquisição. O quarto pilar é a meto-dologia. Neste sentido, a Teoria Interpretativa difere da maioria das outras teorias, uma vez que postula que, metodologicamen-te, o processo de tradução requer uma compreensão do sentido (significados do idioma + complementos cognitivos) e uma for-mulação da tradução com base no princípio da sinédoque (JUN-GWHA, 2003).

Seleskovitch resumiu o processo interpretativo da seguinte maneira:

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1. Percepção auditiva de um enunciado linguístico que é por-tador de significado. Apreensão da língua e compreensão da mensagem por meio de um processo de análise e exegese;

2. Abandono imediato e intencional das palavras e retenção da representação mental da mensagem (conceitos, ideias, etc.);

3. Produção de um novo enunciado na língua-alvo, que deve atender a dois requisitos: expressar a mensagem original completa e ser voltado para o destinatário (PAGURA, 2012, p. 97).

A manutenção de sentido é possível através do que foi cha-mado pelas autoras de desverbalização, e esta constitui a essência da teoria. A desverbalização consiste na memorização do sentido transmitido por um emissor sem superestimar as palavras que fo-ram usadas para isso. “Independente da língua, todo discurso é en-tendido como uma função não somente de valor intrínseco as pa-lavras proferidas, mas também de conhecimento associado a cada palavra, que chamados de complementos cognitivos” (SELESKOVI-TCH; LEDERER, 1989, p. 21. Grifo das autoras).

A Teoria do Sentido visa fazer com que o intérprete tente dis-sociar as palavras empregadas em um discurso das ideias que elas carregam, pois a intenção da interpretação é captar o que foi dito em uma língua e transmitir a mesma realidade, ou sentido, da for-ma mais fiel possível em outra língua, e a transmissão do sentido não necessariamente inclui as palavras que possam ser considera-das como “equivalentes” em línguas distintas.

Tendo em vista esse pano de fundo teórico, este trabalho se propõe a fazer uma aproximação dos pressupostos teóricos com os processos interpretativos utilizados pelos TILS na prática de seu oficio. O objetivo é verificar em quais pontos há convergência na aproximação e em quais há divergência.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Metodologia

Com objetivo de analisar os processos interpretativos utilizados pelos TILS de forma substancial e não apenas baseando-se em ex-periências do pesquisador ou observações de TILS no momento da interpretação, o presente trabalho está em processo de criação de um corpus de pesquisa que poderá ser explorado das mais di-versas maneiras.

O corpus é composto por entrevistas feitas com intérpretes de Libras profissionais e atuantes na área, nessas entrevistas foram discutidos os processos que eles utilizam quando executam a in-terpretação de Libras para a língua portuguesa, e vice-versa, assim como outros aspectos envolvidos no momento da interpretação, tais como restrições linguísticas, envolvimento com o interlocutor, condições sociais, entre outros.

A metodologia de análise desse corpus é centrada na Lin-guística de Corpus, e a abordagem será no modelo corpus-based, baseada no corpus, abordagem essa normalmente utilizada para a validação de hipóteses. Depois dos dados coletados, eles serão analisados segundo as teorias escolhidas, na tentativa de compro-var que os processos descritos na teoria são também aplicados na prática dos intérpretes de língua de sinais.

No atual estágio da pesquisa foram realizadas três entrevistas com TILS da cidade de São Paulo, todas as entrevistas foram trans-critas e os textos foram submetidos à ferramenta AntConc, que fornece uma série de dados para análise.

Resultados

Em uma primeira análise macro, foi possível observar que gran-de parte dos intérpretes atuantes não possui formação específica na área, o que justifica a dificuldade que encontraram ao tentar sistematizar o processo utilizado ao realizar a interpretação, todos

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relatam que a interpretação acontece de maneira “automática” ou “natural” devido à prática e o tempo de atuação na profissão.

A automatização, ou naturalização, do processo de interpreta-ção revela o quanto esse procedimento não é refletido pelos intér-pretes em sua totalidade, pois todos encontraram dificuldade para descrever o processo e recorreram aos termos citados acima, isso justifica surgimento dos sistemas como as palavras mais frequen-tes nas entrevistas. Segundo uma lista de termos mais recorrentes fornecida pelo software AntConc, os termos “Língua Portuguesa” e “Língua de Sinais” apareceram encabeçando a lista, os intérpre-tes demonstram entender que parte dos processos interpretativos acontece no plano do sistema, diferente do que a TIT propõe: uma correspondência no plano do sentido.

Conclusões

Embora os TILS entrevistados tenham encontrado dificuldade em sistematizar o processo de interpretação que utilizam, isso não implica que os processos descritos por Seleskovitch não estejam presentes em suas práticas. O conceito de desverbalização, ponto alto da teoria, mostra um processo que muitos TILS já executam mesmo sem conhecer sua definição. É certo que esse processo não é tão fechado de forma a apenas enxergar as línguas como sistemas isolados, são considerados também aspectos extralinguís-ticos, denominados na TIT como complementos cognitivos, eles contextualizam o intérprete dentro de uma situação específica de comunicação e servem como fonte para que o intérprete acesse conhecimentos prévios.

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Referências

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PAGURA, R. J. Teoria Interpretativa da Tradução (Théorie Du Sens) revisitada: um novo olhar sobre a desverbalização. Trad Term. São Paulo. v. 19. 2012. p. 92-108.

SARDINHA, T. B. Linguística de Corpus. Barueri, SP: Manole, 2004.

SELESKOVITCH, D. Fundamentals of the Interpretive Theory of Translation. Keynote Speech. Proceedings of the Twenth National Convention of the Registry of Interpreter for the Deaf. Edited by Jean Plant-Moeller. 1991.

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Educação de surdos e políticas bilíngues à luz das filosofias da diferença

Vanessa Regina de Oliveira Martins

Resumo expandido

Este trabalho objetiva apresentar resultados de pesquisas, algu-mas já finalizadas e outras em desenvolvimento, realizadas dentro do Grupo de Estudo em Educação e Filosofias da Diferença (GE-EFiDi), na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sob mi-nha supervisão. Destaca-se, como uma das propostas deste grupo, o movimento de problematizar as tensões políticas educacionais atuais e as ações que pleiteiam a construção de propostas curricu-lares bilíngues para surdos.

Tais processos investigativos têm sido realizados pelas lentes teóricas propostas pelas filosofias da diferença, sobretudo nos es-tudos de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Félix Guattari. Temos proposto uma aproximação entre os estudos filosóficos e os estu-dos surdos. No campo da surdez, partimos do constructo teórico da diferença surda, olhando-a pelas marcas culturais, linguísticas e subjetivas.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Nas pesquisas desenvolvidas neste grupo, temos utilizado a genealogia e a arqueogenealogia como percursos metodológicos de investigação, com apoio nos estudos foulcatianos para analisar sobretudo de que modo, em suas pesquisas, o autor faz uso da his-tória e dos acontecimentos sociais como ponto de clivagem para pensar as emergências e proveniências de saberes, produtores de realidades e subjetividades, para com isso produzir um movimen-to parecido nas pesquisas por nós empreendidas.

Portanto, As relações sociais têm sido analisadas, nos estudos sobre a surdez e na educação de surdos, como efeito das relações de saber-poder e de construções de verdades sobre os sujeitos sur-dos e suas práticas (tanto sobre o sujeito enquanto individualidade como nas instituições escolares as quais estes estão submetidos), a saber, uma questão de ordem ética, a qual se produz modos de vida: ou seja, uma bioética como efeito das malhas do biopoder e da biopolítica.

Por biopolítica entende-se a ação de condução e criação de po-líticas públicas para sustentar um tipo de vida que se permite ser vivida, ou seja, uma política sobre a vida que favoreça a articula-ção de redes institucionais tecidas pelo Estado no agenciamento e orquestramento da vida possível para o indivíduo e (a partir de uma normativa) direcionada (como forma de conduta) para a po-pulação (FOUCAULT, 2010, 2011b).

Partindo da ótica da diferença linguística nos estudos surdos em direção a uma estética de si, produzida na singularidade e que repense as amarras biopolíticas, pressupõe-se a necessidade de alterações no ambiente escolar e nas práticas de ensino como propostas significativas para um processo de fato inclusivo e que favoreça a aprendizagem destes sujeitos, tomado pelo víeis ético, estético e plural (LOPES, 2007).

Ao tomar a surdez como um campo de saber faz-se necessário alçar o conceito de matriz ou foco de experiência desenvolvido por Michel Foucault (2010) e apresentado na obra “O governo de

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si e dos outros”. Nesta direção, a partir do constructo foucaultia-no, apresentam-se as pesquisas de Morgenstern e Witch (2015), as quais afirmaram a surdez como uma invenção social cuja signi-ficação resulta na fabricação de tipos de sujeitos, a depender das verdades, das relações de poder, e experiências éticas das quais o sujeito surdo passa a ser forjado.

Os autores apontam que a surdez - enquanto campo de saber e produtora de verdades – pode ser entendida negativamente, pela falta e necessidade de reparo do corpo deficiente, numa perspec-tiva biológica; ou ainda, pela positividade que a concebe, também apontando a falta de audição como aspecto orgânico; entretanto, não se visa o conserto do corpo surdo nessa abordagem.

Portanto, as duas posições são produtos culturais, um de matriz e saber clínico e o outro de saber antropológico (LOPES, 2007). A segunda concepção, a antropológica, emerge por entender que a falta de audição produz uma relação visual distinta para o surdo e, com ela, a aparição de uma experiência linguística que concebe a surdez em uma lógica sociolinguística e não clínica.

Ainda nesta direção, Morgenstern e Witch (2015), a partir do conceito de experiência de Foucault (2010), evidenciam práticas discursivas e não discursivas que possibilitaram a emergência de políticas educacionais para os surdos, também em duas pautas distintas, da deficiência ou da pluralidade cultural. Tais saberes são elementos-chave para pensar as construções atuais de polí-ticas públicas, linguísticas e educacionais: se fixados na nega-tividade, ou seja, na correção, ou na positividade, ou seja, na diferença.

Portanto, há variação nas concepções do sujeito surdo, da sur-dez, da sua língua e das formas de ensino direcionadas a estes sujeitos. Essas variações produzem realidades possíveis e é por meio delas e da forma como elas se dão que investimos nossas reflexões e ações de militância acadêmica, nos estudos que temos desenvolvido enquanto grupo.

27 – Educação de surdos e políticas bilíngues à luz das filosofias da diferença

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Os autores mencionados acima (MORGENSTERN; WITCH, 2015) usaram, em suas análises, documentos legais contendo dis-cursos de surdos referentes à surdez e a relação de práticas de dis-ciplinamentos pelo olhar biológico e pela vertente antropológica. Anunciações distintas conduzem formas de vida também distintas e, desse modo, “a surdez se constitui como uma forma de existir no entrecruzamento de saber, poder e ética” (MORGENSTERN; WITCHS, 2015, p. 3) – portanto, nos três eixos estudados por Fou-cault (2010), sendo eles arqueologia, genealogia e ética. Os autores afirmam que mesmo com o engessamento ou a normalização que ambos os campos investem sobre o corpo surdo, há sempre a pos-sibilidade de fugas em direção a singularizações de novas experi-ências de vidas surdas.

Especificamente, identificou-se que uma for-te ênfase em subjetividades deficientes pauta as formas de ser surdo na metade do século, enquanto que, na outra metade, a ênfase se desloca para a produção de subjetividades plu-rais, marcadas por uma forma culturalista de ser surdo. Mesmo que essas formas subjetivas sejam capturadas por mecanismos de poder e ressignificadas no registro de novas normaliza-ções, fica a possibilidade de haver espaço para a criação de outros modos de existência (MOR-GENSTERN; WITCHS, 2015, p. 1 – grifos dos autores).

A produção de subjetividades só se afirma pelas experiências possíveis. A noção de foco ou matriz de experiência, desenvolvida por Michel Foucault (2010, 2011a, 2011b) emerge do entrelaçamento de dispositivos que interpenetram em distintas frentes e em amplas atuações e, ao mesmo tempo, consubstanciam as condições histó-ricas responsáveis pelo nascimento de uma experiência possível.

Sexualidade, loucura e anormalidade, por exemplo, são ex-periências variáveis conforme os intensificadores discursivos e práticos arranjados em um feixe de saber, alçando diversos

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dispositivos que os solidificam. Desse modo, toda experiência é imanente ao seu campo histórico de emersão e é, ao mesmo tempo, a visível materialidade virtualizada em ação, em prática e em discursividades igualmente históricas cujos acentos variam conforme “o eixo da formação dos saberes, o eixo da normativi-dade dos comportamentos, e enfim, o eixo da constituição dos modos de ser do sujeito” (FOUCAULT, 2010, p. 41).

A luta para a aparição “de outros modos de existências” (MOR-GENSTERN; WITCHS, 2015, p. 1) na escola, a saber, as existências surdas na versatilidade do ensino pela língua de sinais, reflete a necessidade de expansão de práticas educacionais voltadas às diferenças e pensadas para a proliferação da singularidade de cada um – fora das amarras já capturadas e que sistematizam um único perfil de estudante e sujeito “escolar” esperado.

Tais reflexões parecem profícuas para os estudos com aportes conceituais nas filosofias da diferença, conforme os estudos e pes-quisas que temos tecido e que tomam a multiplicidade e o “pen-samento que atravessa o campo das variações” (BRITTO; GALLO, 2016, p. 11) como potência para pensar a escola e as ações de pro-postas bilíngues para surdos.

É a variação e não a unidade ou mesmo o elemento fulcral para este processo; é dele e nele que pontuamos as problematiza-ções em torno das práticas escolares voltadas ao público surdo e à discussão no âmbito da inclusão visando outra lógica, a bilíngue. Propõe-se, com isso, fazer da inclusão um ensino singular, pelas variações sejam elas de vida, de ensino, de aprendizagem ou in-dividuais. Esse é um desafio interessante e que deve ser pauta de incômodo para as políticas educacionais voltadas para toda e qualquer diferença.

Com base no referencial anunciado acima, discorre-se agora para algumas das pesquisas desenvolvidas no GEEFiDi, entre 2017 e 2018, às quais fazem interlocução com os estudos filosóficos pau-tando temas da surdez e da educação de surdos.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Martins (2017) desenvolveu uma pesquisa na qual observou a atuação de tradutores e intérpretes de língua de sinais educacio-nais (TILSE) em salas de aula do ensino fundamental II. Na ob-servação cotidiana, percebeu a diferença significativa na relação entre surdos e TILSE quando os primeiros passaram por experiên-cias bilíngues nos anos iniciais.

Reforça-se, assim, a necessidade de consolidação de docências bilíngues em salas para surdos no processo de alfabetização para uma qualidade no processo tradutório em anos posteriores. Outro dado relevante foi a aparição de espaço de parceria pedagógica entre professores regentes e intérpretes educacionais, ampliando aspectos da função do TILSE em sala de aula. Esses fatores favo-receram o processo de aprendizagem dos alunos surdos nas situ-ações analisadas. A mobilidade de uso do espaço e dos recursos, como lousa e materiais imagéticos, foi observada como um dado positivo para a aprendizagem dos estudantes surdos. Destaca-se que a unidade educacional observada se refere a uma escola polo municipal inclusiva com proposta bilíngue que conta com o apoio de uma universidade pública na formação continuada dos profis-sionais do quadro bilíngue (intérpretes educacionais, professores bilíngues, instrutores surdos). Esse envolvimento entre universi-dade e escola favoreceu, inclusive, as trocas entre a equipe bilín-gue e os demais profissionais da escola, como visto na relação parceira entre TILSE e professores regentes – essa parceria deve ser construída e negociada.

Almeida (2017), também usando a lente filosófica da diferença, apresentou em sua pesquisa de mestrado ações criativas realizadas por docentes bilíngues em salas multisseriadas de surdos nos anos iniciais, ensino fundamental I. Observou-se a relação heterotópica destas salas, conforme conceito foucaultiano marcado pela apari-ção de lugares outros (ações de resistências) no uso de um mesmo espaço. Ao promover tal relação heterotópica, as escolas inclusivas bilíngues com polo de educação de surdos produzem espaços ou-tros, para surdos, que facilitam a criatividade e aparição dos surdos

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pela língua de sinais. Tais espaços e fazeres movem aprendizados singulares não na língua majoritária, a língua portuguesa. As expe-riências narradas na observação de duas salas multisseriadas apon-tam para o melhor desempenho dos alunos surdos, a presença da produção e do ensino curricular esperado, guardando, contudo, as especificidades linguísticas, tal qual direcionam os documentos le-gais (BRASIL, 2005).

Ramos (2017) analisou de que modo os documentos que nor-teiam a educação básica e orientam a formação docente, referen-tes aos processos metodológicos e práticas curriculares de alfabe-tização e letramento, possibilitam o ensino de alunos surdos numa proposta bilíngue de letramento tal qual está posto no Decreto nº 5.626/05. O objeto documental de estudo analisado foi a Base Na-cional Comum Curricular (BNCC) de 2016.

Dentre os resultados, percebeu-se que a legislação educacional, neste caso a BNCC, é pensada em uma lógica que prioriza, acima de tudo, a Língua Portuguesa (oral e escrita) e os métodos fonoló-gicos de ensino e, desse modo, se fecha às minorias linguísticas, entre elas a surda, e suas especificidades. Além disso, o âmbito escolar ainda é marcado por sérias limitações e grandes dissonân-cias em relação à educação bilíngue de surdos, a qual pouco se aproxima com o que está estabelecido no Decreto nº 5.626/05. Para uma mudança de ensino, é preciso investir em novos saberes e paradigmas que fortaleçam e constituam políticas educacionais.

Moraes (2018) analisou experiências de escolas polos bilíngue de surdos, apontando as trajetórias e lutas para a promoção de outras formas de discurso da surdez no âmbito da educação, numa ótica da diferença. A produção de uma arqueogenealogia das rela-ções de saber-poder possibilitou, por meio de arquivos legais e vo-zes das militâncias, a aparição de programas bilíngues em sistemas inclusivos. As lutas ainda travadas e os silenciamentos constantes das pluralidades na direção da homogeneização de ensino tam-bém são analisados. Essa arena política educacional para surdos

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

que interessou a pesquisadora: as capturas do sistema maior e os fluxos de desterritorialização rumo a novas produções discursivas.

Iriarte (2018), ao refletir sobre a qualidade das interações em língua de sinais em uma escola municipal com proposta bilíngue, verifica que, mesmo com a inserção da língua de sinais no currí-culo escolar, os espaços de trocas e “amizade” entre surdos e ou-vintes são bem restritos. Os surdos buscam outros surdos para a interação em espaços fora da sala de aula e limitam-se às trocas escolares (de trabalhos) com os pares ouvintes. Esse dado mostra a importância de rever o conceito do que seja o bilinguismo para não produzirmos apenas experiências escolares em Libras, mas possibilidades de ampliação do repertório nesta língua, para sur-dos e ouvintes, bem como o empoderamento da mesma no inte-rior da escola.

Embora a escola observada conte com uma estrutura significa-tiva adequada para a promoção de práticas bilíngues, o resultado da pesquisa mostra a importância de investimento da língua de sinais como língua possível de instrução para surdos e ouvintes, de modo que a apropriação da mesma favoreça as relações sociais para além das amarras da sala de aula: laços que se estendem em intervalos e em espaços informais da escola.

Tais pesquisas apresentadas mostram as tensões e as lutas ne-cessárias no âmbito da educação de surdos; porém, elas também apontam a possibilidade de intervenção de propostas de educação como pluralidade e variações, como resistências às planificações, dissociando da perspectiva do ensino na e pela forma: ensino como forma(ta)ção – na ação de formar para o mesmo. Sobre o ensino-forma, Carvalho (2012) teceu algumas considerações:

Na mesma proporção, é assim que o campo da educação, inevitavelmente relacionada à his-tória de suas empiricidades, alojará na escola toda forma de saber possível, como condição normativa para se educar, e desqualificará ou-tros tipos de saberes. As constantes reformas

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empreendidas neste amplo domínio, das polí-ticas às pedagógicas, testemunham a dinâmica reguladora do saber que avaliza como caduca uma prática e a outra como inovadora, desqua-lificando aquela e enaltecendo esta. Educar torna-se, com efeito, um ato condicionado às seleções de sabres que chancelarão o seu ato, ao mesmo tempo, como adequado e pertinente ou como inadequado, ultrapassado e errôneo (CARVALHO, 2012, p. 134).

E é contra o modelo hegemônico que paralisa a diferença que acreditamos ser necessário apontar outros caminhos e pesquisas, mantendo a constante reflexão para vias plurais. Diante deste pa-norama exposto, seguimos no GEEFiDi com pesquisas nas quais os participantes interessam-se pela articulação entre a filosofia e a educação de surdos, tomando as resistências e as lutas cotidianas como espaço possível de narrativas mais plurais e, ao mesmo tem-po, singulares, nas quais a educação pode ser potência de criação e não de conformação para um pensamento que forja o mesmo.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Referências

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FOUCAULT, Michel. O governo de si e dos outros. Curso no Collège de France (1982-1983). São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

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LOPES, Maura Corcini. Surdez e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

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Implicações da formação continuada na prática de intérpretes educacionais

Lara Ferreira dos Santos

Este trabalho objetiva apresentar algumas pesquisas em desen-volvimento no Grupo Surdez e Abordagem Bilíngue, do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) sob minha orientação, bem como indicar os resultados parciais de minha pesquisa atual, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Inicio este texto com a apresentação do grupo de pesquisa do qual faço parte como pesquisadora desde o ano de 2005. O Grupo Surdez e Abordagem Bilíngue é coordenado pela Professora Cris-tina Broglia Feitosa de Lacerda e foi criado no ano de 2000, tendo como Instituição sede a Universidade Federal de São Carlos – UFS-Car. Apresenta, como proposta, a promoção de pesquisas sobre a surdez e, principalmente, sobre a educação de surdos em uma perspectiva bilíngue. O grupo assume como perspectiva a matriz histórico-cultural e estudos a partir da teoria marxista, trazendo como referência teórica autores como Lev S. Vigotski e Mikhail Bakhtin. Diante desta perspectiva, alguns alunos, de graduação e pós-graduação em Educação Especial, têm desenvolvido pes-quisas em que buscam promover o ensino gratuito de qualidade a pessoas surdas, acreditando que, para tal, este sujeito deve ter

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

acesso à Língua Brasileira de Sinais – Libras como primeira língua e à Língua Portuguesa, na modalidade escrita, como segunda lín-gua (LACERDA; LODI, 2009).

Michele Toso, mestranda em Educação especial, vem desen-volvendo um estudo acerca das interações comunicativas entre familiares ouvintes e filhos surdos. A partir de videogravações de situações de diálogo no espaço familiar e assessoramento diante das barreiras comunicacionais encontradas, a mestranda trará à discussão a relevância da mediação e do outro para a internali-zação da língua e da linguagem (VYGOTSKY, 2007). Deste modo, visa colaborar para a difusão da relevância do aprendizado/desen-volvimento da Libras por aqueles que são a base de todas as rela-ções sociais: os familiares.

Já a mestranda Eduarda Megumi Kawase visa a realização de uma revisão sistemática de videoaulas em Libras para alunos sur-dos, com o intuito de encontrar, nas publicações científicas, indícios do tipo de produção atual para alunos surdos, bem como estabele-cer como estes são propostos e utilizados por esses alunos. Com sua pesquisa, a estudante deseja contribuir para as discussões e refle-xões sobre materiais que promovam a autonomia ao aluno surdo, sem que para isto ele dependa exclusivamente de livros e textos em língua portuguesa, como se observa nas escolas atualmente.

Este grupo de pesquisa tem participantes que finalizaram suas pesquisas (sob orientação de outros docentes) e que muito cola-boram para a área da surdez, como Djair Lázaro de Almeida (AL-MEIDA, 2016), com sua tese intitulada “Português como segunda língua para surdos: a escrita construída em situações de interação mediadas pela Libras”, Luiz Renato Martins da Rocha (ROCHA, 2015), com a pesquisa “O que dizem surdos e gestores sobre vesti-bulares em Libras para ingresso em Universidades Federais”, den-tre muitos outros.

Diante das discussões advindas do Grupo de Pesquisa, de mi-nha área de formação e atuação, e das inquietações provenientes

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dos muitos trabalhos e pesquisas desenvolvidos em escolas públi-cas – em Programas de Educação Inclusiva e Bilíngue para alunos surdos (SANTOS, 2007; SANTOS; GURGEL, 2009; SANTOS, 2014; SANTOS; DINIZ; LACERDA, 2016) – surgiu o presente estudo. Tra-ta-se de um recorte da pesquisa (em andamento) intitulada “Intér-pretes Educacionais: reflexos da formação continuada nas práticas cotidianas1”, que será apresentada a seguir, após uma breve intro-dução à temática.

A inclusão escolar de alunos surdos vem sendo discutida há al-gumas décadas e, recentemente, ganhou evidência em virtude de alguns documentos legais que oferecem serviços de atendimento a este público, tais como a Lei no 10.436 (BRASIL, 2002), que ofi-cializou a Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comu-nicação das comunidades surdas brasileiras, e o Decreto no 5.626 (BRASIL, 2005), que definiu atribuições e previu a inserção de pro-fissionais específicos para atuarem junto à educação de surdos.

Começou-se, então, e discutir a Educação Bilíngue como mode-lo de atendimento mais adequado, sendo esta concebida confor-me os princípios apresentados por Skliar (1997) e reafirmados por Lacerda e Lodi (2009): este tipo de educação visa oferecer ao alu-nado surdo as condições necessárias de aprendizagem, por meio da Libras – língua esta que deve ser oferecida desde a mais tenra idade por meio do contato com interlocutores surdos e usuários desta. De acordo com o Decreto no 5.626 (BRASIL, 2005), uma das condições necessárias para garantir a educação bilíngue para sur-dos é a contratação de profissionais Tradutores e Intérpretes de Libras – TILS, que devem atuar a partir dos anos finais do Ensino Fundamental, em parceria com professores regentes cientes da singularidade linguística do aluno surdo. O TILS, neste contexto, pode ser referido como Intérprete Educacional - IE (LACERDA,

1. Projeto de Pesquisa financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, processo no 2017/16776-9, com vigência de 01 de novembro de 2017 a 31 de outubro de 2019.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

2009; SANTOS, 2014), termo que marca, nas práticas educacio-nais, a identidade do intérprete que está envolvido e o processo tradutório e que, devido a isso, constitui habilidades específicas a serem desenvolvidas nesse espaço.

Vivemos um período importante, em que práticas de tradução e interpretação estão se consolidando, bem como aspectos legais da profissão. Portanto, o trabalho do IE precisa ser pensado de forma cuidadosa, com atenção para as dificuldades e formas de superá--las, estratégias e recursos possíveis ao profissional, aspectos forma-tivos que contribuam para a sua atuação – temática que somente nos últimos anos vem sendo discutida de forma mais aprofunda-da. No Brasil, a profissionalização, formação e atuação de TILS/IE mostram-se muito recentes. As discussões sobre a presença deste profissional nos diversos espaços sociais (e, especialmente, no edu-cacional ) surgiram em decorrência do Decreto no 5.626 (BRASIL, 2005). O exercício do profissional Tradutor e Intérprete de Libras/Língua Portuguesa foi regulamentado somente no ano de 2010, a partir da Lei no 12.319 (BRASIL, 2010). O texto da lei reforça a impor-tância da formação específica deste profissional, bem como destaca a relevância de sua presença no âmbito escolar.

Com relação à formação acadêmica existem, atualmente, de acordo com informações do site do MEC2, sete cursos de graduação para formação de Tradutores e Intérpretes de Libras/Língua Por-tuguesa em Universidades Públicas no Brasil. Tais cursos, criados a partir do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limite3, em 2011, passaram a formar TILS para atu-ar nos diversos espaços sociais; todavia, preocupa-nos a pequena

2. A partir de uma busca avançada, capturamos as informações necessárias, que foram extraídas no site: http://emec.mec.gov.br/ .

3. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) / Secreta-ria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD). Defici-ência, Viver sem Limite – Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. SDH-PR/SNPD, 2013.

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abrangência deste curso, diante das demandas e necessidades da presença deste profissional em nosso país. Para além da quantida-de de profissionais TILS que têm chegado ao mercado de trabalho – o que por si só já se mostra um obstáculo à formação acadêmica de pessoas surdas -, considera-se ainda que tipo de formação subsi-dia as práticas deste profissional, quando opta por atuar no contex-to educacional. Alguns pesquisadores (MARTINS, 2013; SANTOS, 2014; LACERDA, 2010) apontam que, comumente, a formação do TILS mostra-se generalista, ou seja, visa o profissional que possa atuar em diversos contextos sociais. Considerando-se as especifi-cidades e conhecimentos exigidos no/pelo contexto educacional, pode-se afirmar que as práticas atuais de Intérpretes Educacionais em muito têm deixado a desejar (LACERDA, 2010; ANTONIO et al., 2015). Faz-se necessário, portanto, repensar as formas de atua-ção no espaço educacional – onde tal profissional assume, inevita-velmente, a posição de educador (MARTINS, 2013; SANTOS, 2014) -, e maneiras de propiciar sua formação continuada.

Acredita-se, com embasamento em algumas pesquisas já reali-zadas no campo da educação de surdos (SANTOS, 2007; SANTOS; LACERDA, 2008), que a formação continuada ou “em serviço” nesta área – por contar com profissionais com recente reconheci-mento legal e advindos de formação mais prática - mostra-se um exercício adequado e que traz resultados positivos. Por se tratar de um campo de saber e de uma profissão recentes, acompanhar as práticas e intervir no momento em que elas estão em curso pode colaborar para o desenvolvimento e melhor desempenho do IE em sala de aula. Este é um desafio posto e que instiga o desejo por este estudo.

Assim sendo, esta pesquisa objetiva acompanhar Intérpretes Educacionais em atuação em um Programa Educacional inclusivo e bilíngue para surdos, em reuniões periódicas de formação con-tinuada, a fim de identificar e analisar necessidades e aspectos formativos urgentes que venham a colaborar para sua prática em sala de aula. Trata-se de pesquisa desenvolvida em uma Escola

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Municipal de Ensino Fundamental, em um município de médio porte do interior de São Paulo; a referida escola é assessorada por um grupo de pesquisadores vinculados a uma Universidade.

As reuniões em grupo tiveram início no ano de 2015, a partir da necessidade frequentemente relatada pelos IE da referida es-cola; neste período foi criado um espaço para as discussões sobre práticas de atuação em sala de aula, dúvidas, orientações e trocas de experiência entre profissionais. Das angústias e reflexões sobre esta prática surgiu a presente pesquisa; assim sendo, desde feve-reiro de 2018, vêm sendo realizadas videogravações das reuniões de formação e produção de relatórios quinzenais pelos IE, com o objetivo de captar, em seus depoimentos e nas discussões promo-vidas, indícios e fatos que possam colaborar para sua prática. As práticas desenvolvidas junto ao grupo de IE atuantes nessa escola têm bastante dinâmica, variando entre leitura de textos de apoio, práticas de interpretação coletiva, videogravação da própria atua-ção e posterior análise coletiva, relatos da prática, dentre outras.

Participam deste grupo um IE efetivo e outros dois contrata-dos por prazo determinado, além do profissional responsável pela coordenação do Programa Educacional, que também têm expe-riência como IE e traz ricas contribuições para as discussões. Os participantes têm idades entre 20 e 35 anos, e nenhum deles reali-zou curso de formação/graduação específica na área de Tradução e Interpretação em Libras/Língua Portuguesa. Com exceção de um dos sujeitos, que é filho de pais surdos, todos iniciaram sua prática de interpretação no contexto religioso e, posteriormente, passaram a atuar no espaço educacional.

Pretende-se, a partir dessa proposta, e em consonância com as proposições de Vygotsky (2007, p. 68) aprofundar o olhar para a formação continuada desses profissionais, bem como para os processos de desenvolvimento/aprendizagem em curso, pois se considera que “...estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança”. Todo movimento e processo

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de mudança que possam influenciar de alguma maneira a prática do IE em sala de aula, mostra-se de grande relevância.

A coleta de dados vem acontecendo há três meses e dar-se-á de forma longitudinal (até meados de julho de 2019); as videogra-vações coletadas serão transcritas e alguns episódios de interesse serão selecionados para análise, em conjunto com trechos de rela-tórios. Os resultados preliminares apontam para alguns aspectos de maior destaque nos relatos dos IEs: conhecimento precário de assuntos específicos trabalhados em sala de aula, especialmente na Libras; questões positivas e negativas no relacionamento en-tre intérprete-professor regente; necessidade constante de produ-ção de material didático. Pode-se observar, a título de ilustração a grande dificuldade de relacionamento com um dos professores narrada em um depoimento em relatório de um dos IE, referido aqui como Am.: “Fiz duas gravações da aula de Ciências e Histó-ria4, com a professora de história não consegui ao menos tocar no assunto: metodologia de ensino (leitura), com a professora, todas as vezes que penso e tento me aproximar com esse propósito ela sai de cena e não retorna”.

Conforme aponta Martins (2013) o IE conhece mais dos proces-sos educacionais e de aprendizagem do aluno surdo que o próprio professor regente, pelo contato próximo com as comunidades sur-das e por sua formação. Todavia, para impulsionar o aprender faz--se necessária a relação de parceria entre professor e IE (SANTOS, 2014), objetivando uma atuação conjunta e em prol do aluno. O professor, ao negar essa proximidade com o IE, acaba por afastar possibilidades de um melhor desempenho por todos – profissio-nais e alunos. Tratar de relações humanas mostra-se uma tarefa delicada e complexa; este é um dos aspectos mais abordados nas reuniões de formação. A partir das orientações, discussões em

4. Neste momento o IE refere-se à videogravação como recurso a ser discutido nas formações; os profissionais se filmavam em atuação e posteriormente era realiza-da a discussão coletiva sobre esta prática.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

grupo, leitura de textos dirigidas e estratégias propostas para uma reaproximação entre os profissionais, notou-se uma mudança de postura do IE e, consequentemente, do referido docente, que pas-sou a aceitar algumas sugestões para melhoria da prática em sala de aula. Questões como esta podem interferir profundamente na prática e necessitam de maior reflexão.

Deste modo pretende-se, ao expor temas emergentes da prática de IEs demonstrando o que se mostra, de fato, necessário à sua formação, contribuir com as recentes discussões acerca da forma-ção profissional e acadêmica do Tradutor e Intérprete de Libras/Língua Portuguesa.

Referências

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_______; LODI, A. C. B. A inclusão escolar bilíngue de alunos surdos: princípios, breve histórico e perspectivas. In: LODI, A. C. B; LACERDA, C. B. F. Uma escola duas línguas: letramento em língua portuguesa e língua de sinais nas etapas iniciais de escolarização. Porto Alegre: Mediação, 2009. p. 11-32.

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VYGOTSKY, L. S. [1930]. A formação social da mente. Trad. José Cipola Neto (et al.). 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

28 – Implicações da formação continuada na prática de intérpretes educacionais

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Aquisição da língua de sinais através de jogos e brincadeiras

Milena Maria Pinto

Lara Ferreira dos Santos

O presente estudo trata-se de um recorte de meu trabalho de con-clusão de curso de Licenciatura em Educação Especial; neste resumo, pretende-se apresentar alguns dos caminhos já trilhados com relação ao constructo teórico e aos indícios encontrados nos dados em análise no momento atual.

Faço parte do Grupo de Pesquisa Surdez e Abordagem Bilíngue, sob orientação da Professora Dra. Lara Ferreira dos Santos, e temos como referencial teórico a matriz histórico-cultural; encontramos em Lev S. Vygotsky nossa principal fonte para a construção/elaboração da pesquisa, bem como outros autores que trazem estudos nesta mes-ma perspectiva. Apresentarei, a seguir, a temática de minha pesquisa.

A linguagem é um dos principais pilares do desenvolvimento humano. Diretamente relacionada à comunicação, ela faz parte do processo de formação social do indivíduo, além de ser desenvolvida biologicamente durante o crescimento. Desde pequenas, as crianças recebem um conjunto de estímulos que contribui para o processo de auto reconhecimento enquanto indivíduo e enquanto parte de um coletivo. Ou seja, a importância da língua para a construção da aprendizagem vai além da construção do aspecto social do indivíduo; ela é constitutiva dos sujeitos. Há ainda uma relevância biológica,

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diretamente relacionada às funções psíquicas do sujeito; sua estrutu-ração cognitiva depende do desenvolvimento de diferentes áreas do pensamento, em virtude da linguagem (VYGOTSKY, 2007).

Em seus trabalhos, Vygotsky (2007) reflete sobre as funções do pensamento e da fala, estreitamente relacionados ao desenvolvimen-to. Por meio das vivências de linguagem proporcionadas pelo ambien-te social da criança, o sujeito terá possibilidades de desenvolvimento que poderão ser consideradas ou mais ou menos positivas. Portanto o meio social, a partir das interações com o outro, proporciona o de-senvolvimento e constituição do indivíduo; a partir da mediação e das relações com o outro, a linguagem emerge e o pensamento se desenvolve.

Consideramos aqui a surdez sob a perspectiva socioantropológica, que segundo Skliar (1998) refere-se ao modo de compreende-la en-quanto diferença linguística e cultural, não como limitação. A crian-ça surda, portanto, deve ser exposta o mais precocemente possível a língua de sinais, identificada como sua língua natural (nascida na co-munidade surda), passível de ser adquirida sem condições especiais de aprendizagem (CAMPOS; LACERDA, 2010). Assim, o contato da criança o quanto antes com uma língua que lhe seja acessível - neste caso, a língua de sinais - promove o desenvolvimento, favorecendo a aprendizagem, assim como qualquer outro sujeito. A exposição à lín-gua possibilita o acesso aos conhecimentos de mundo e, consequente-mente, aos processos de ensino e aprendizagem no ambiente escolar.

Em se tratando da questão escolar, as brincadeiras são um dos pro-cessos mais valorizados e incentivados durante este período inicial de desenvolvimento; geralmente está relacionado a um momento de lazer, e não de aprendizado que busca níveis graduais de dificuldade. Associando o brincar, como um momento de interação e consequente aprendizagem, com o desenvolvimento e aquisição de língua, volta-mos nossos olhares para a educação infantil, que têm, nesse ato, a proposta inicial para os processos de ensino e promoção de desenvol-vimento, bem como para a aquisição da linguagem de crianças surdas (ROCHA, 2000).

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Com relação à escolarização de crianças surdas, a partir da pu-blicação do Decreto no 5.626 (BRASIL, 2005), acredita-se que a pro-posta mais adequada às especificidades linguísticas deste alunado seja a educação bilíngue. Esta visa garantir a inclusão educacional de surdos sem proposições de adaptações ou adequações, mas com uma estrutura diferenciada, que considera a Libras como primeira língua ou língua de instrução e a língua portuguesa como segunda língua. Sendo assim, todo sujeito surdo tem direito a aprendiza-gem em sua língua natural, que lhe garanta a aquisição da lingua-gem, fundamental para os processos de ensino-aprendizagem.

O referido documento, além de orientar os modos de oferta da educação bilíngue para surdos, aponta os quesitos necessários para uma educação bilíngue adequada, a saber: o reconhecimento da Libras como primeira língua e língua de instrução no proces-so educacional, além dos profissionais necessários neste modelo educacional – professor bilíngue, instrutor surdo e o tradutor e in-térprete de Libras/Língua Portuguesa. Assim, o ambiente escolar bilíngue torna-se o local que, preferencialmente, tem a possibili-dade de proporcionar o contato da criança surda com a língua de sinais desde seu ingresso, promovendo a construção de linguagem e, consequentemente, condições de acesso igualitárias nos proces-sos de ensino e aprendizagem.

Tomando como perspectiva o brincar como fator fundamen-tal para o desenvolvimento infantil e a necessidade da interação social como essencial para o processo de desenvolvimento de lin-guagem, esta pesquisa emergiu com o intuito de investigar como se dá o processo de aquisição e desenvolvimento da língua de si-nais - Libras - por crianças surdas na educação infantil, em um espaço lúdico. Buscaremos identificar a relação do brincar com a língua, nas mediações e relações sociais, considerando que os estudos voltados à compreensão do desenvolvimento de lingua-gem em Libras por crianças surdas (LODI; LACERDA, 2009) são escassos, justificando-se, assim, a relevância do presente estudo cujo objetivo, portanto é compreender o processo de aquisição da

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29 – Aquisição da língua de sinais através de jogos e brincadeiras

língua de sinais por crianças surdas por meio de jogos e brincadei-ras na educação infantil.

Sendo assim, o espaço escolhido para observação é uma brin-quedoteca, localizada numa Escola Municipal de Educação Infan-til, em uma cidade de médio porte do interior de São Paulo, que acolheu um Programa Educacional Inclusivo e Bilíngue para sur-dos. O espaço, que conta com diversos brinquedos, livros, fanto-ches, dentre outros, recebe alunos surdos com diferentes idades, configurando-se como sala multisseriada. Os participantes são os alunos surdos, a professora bilíngue, responsável por conduzir as atividades neste espaço, e a estagiária que atuou no período, a saber, a pesquisadora proponente do presente estudo. Interessa--nos observar as relações, interações e a promoção da Libras no momento do brincar.

O lócus deste estudo, por se tratar de um espaço que abriga diversas pesquisas, conta com um banco de dados das atividades realizadas na educação infantil desde o ano de 2012. Assim, obje-tiva-se fazer um recorte deste banco, analisando videogravações no período de um ano (2017) de forma cronológica. De acordo com Vygotsky (2007) o processo dialético consiste em observar e analisar os fenômenos historicamente, considerando os proces-sos em curso, e não apenas o produto. Deste modo, nosso olhar volta-se para esta finalidade. Trata-se, portanto, de uma pesquisa qualitativa, pois para Minayo (2001) esta trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à opera-cionalização de variáveis.

Foram selecionados episódios de interesse presentes no ban-co de dados, a partir dos objetivos apresentados, e realizou-se a transcrição de tais episódios. A apresentação e análise dos dados deram-se a partir da perspectiva de análise microgenética, propos-ta por Goés (2000); este método tem como embasamento a matriz

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

histórico-cultural, dando enfoque aos detalhes dos processos e da constituição do sujeito no contexto social.

As discussões dos resultados preliminares estão amparadas nos pressupostos de Vygostky (2007), quanto ao desenvolvimento da linguagem, constituição do sujeito e desenvolvimento das funções psíquicas superiores, bem como por autores da área da surdez (LACERDA, 1996; TURETTA, 2006;) que abordam o brincar como caminho para o desenvolvimento linguístico (LODI; LUCIANO, 2009; SANTOS; GIL, 2012).

A análise inicial dos dados possibilitou a observação de alguns aspectos relevantes ao desenvolvimento da linguagem, com rela-ção ao brincar, que abordaremos a seguir.

A criança surda inicia sua escolarização com pouca ou nenhuma língua, uma vez que no ambiente familiar comumente não se faz uso da Libras; ao brincar, ela inevitavelmente sente a necessidade de dar significado aos objetos e às situações. Durante a brincadei-ra, a criança busca esta significação e emerge a necessidade da lín-gua, para consequentemente relacionar o objeto com sua função/significação. Assim, em muitas situações foi possível observar nas crianças sujeitos deste estudo a necessidade de conhecer não ape-nas a finalidade do objeto, mas nomeá-lo, o que só foi possível por meio do sinal (em Libras) referente. Vygotsky (2007) afirma que, ao significar/nomear, inicia-se o processo de desenvolvimento da linguagem, por meio da palavra, que será uma importante forma de organizar o pensamento. Assim, ao encadear tais processos, a criança passa a vivenciar experiências cujos sentidos passam a compor seu repertório linguístico, organizando suas ações. Para as crianças surdas, isto se torna possível somente através da Libras, língua esta que é adquirida no espaço escolar.

O ensino da Libras como primeira língua da criança surda, por-tanto, deve acontecer de modo mais natural possível, visto que este conhecimento não foi propiciado no ambiente familiar. Por-tanto o ato de brincar mostra-se fundamental para assegurar que

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a criança tenha acesso à língua. Estes momentos são proporcio-nados pelo outro (VYGOTSKY, 2007), que assume o papel de me-diador entre signo e objeto, enriquecendo o momento. Através deste outro, neste o caso o professor bilíngue, a significação se dá durante um jogo, uma brincadeira, e promove o desenvolvimen-to de língua e linguagem. Quando há a participação do adulto, fluente na língua, a criança tem possibilidade do contato diário com a sua língua de compreensão, vialibizando seu acesso aos conhecimentos. Ao nomear e promover os sentidos pretendidos durante as brincadeiras, o professor propicia a internalização de diversos conceitos que poderão ser generalizados posteriormente pela criança, passando a fazer parte de sua “bagagem” conceitual.

Pretendeu-se, a partir deste estudo em andamento, apontar a relevância do brincar e do interlocutor usuário de Libras na Edu-cação Infantil, como base para o desenvolvimento da língua e da linguagem - funções que possibilitarão o acesso aos conhecimen-tos tanto de mundo quanto acadêmicos -, e assim, contribuir para as discussões da área da Educação de surdos.

Referências

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29 – Aquisição da língua de sinais através de jogos e brincadeiras

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

LODI, A. C. B; LACERDA, C. B. F. Uma escola duas línguas: letramento em língua portuguesa e língua de sinais nas etapas iniciais de escolarização. Porto Alegre: Mediação, 2009.

MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2001.

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TURETTA, B. A. R. A criança surda e seus interlocutores num programa de escola inclusiva com abordagem bilíngue. 2006. 90f. Dissertação de Mestrado em Educação. Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2006.

VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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Produções discursivas sobre a surdez e a educação infantil: diálogo com familiares

Bianca Salles Conceição

Vanessa Regina de Oliveira Martins

Resumo expandido

O presente trabalho trata-se de uma dissertação de mestrado em desenvolvimento, intitulada “Produções Discursivas sobre a surdez e a educação infantil: Diálogo com familiares”, cujo re-sumo tem como objetivo apresentar todo o caminho que já foi percorrido ao longo da escrita, das coletas de dados desenvolvi-das e os resultados parciais esperados. Faço parte do Grupo de Estudo em Educação e Filosofias da Diferença, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Vanessa Regina de Oliveira Martins, e temos como nosso referencial teórico as filosofias da diferença desenvolvi-das por Michel Foucault; assim, as contribuições desse autor são base de meus capítulos teóricos e futuras analises a serem desenvolvidas.

Primeiramente, o objetivo geral da minha pesquisa é analisar marcas de representações da surdez a partir dos discursos de pais

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

e responsáveis pelas crianças surdas, apontando as relações de saber/poder na construção de verdades sobre a aprendizagem na Educação Infantil de alunos surdos.

É importante salientar as duas visões existentes nos campos de saberes da área da surdez sendo essas: 1. perspectiva clínica e 2. socioantropológica. Assim, sob a luz do referencial teórico propos-to acima, fazemos o movimento de trazer essas duas concepções para um conceito desenvolvido por Foucault (1983), chamado de matriz ou focos de experiência, observando a surdez como expe-riência possível.

É sobre as filosofias da diferença e sobre a historicidade construída ao longo dos anos de lutas e conquistas dos surdos na sociedade em sua educação que desenvolvo o meu primeiro capí-tulo teórico desta dissertação de mestrado. A primeira parte con-siste em trazer conceitos desenvolvidos por Michel Foucault ao longo de sua vida para adensar os estudos relacionados a surdez. Neste momento, o conteúdo principal abordado foi o da matriz de experiência que, segundo Foucault:

[...] poderia chamar de focos de experiência, nos quais se articulam uns sobre os outros: primei-ro, as formas de um saber possível; segundo as matrizes normativas de comportamento para os indivíduos; e enfim os modos de existência virtuais para sujeitos possíveis. Esses três ele-mentos - formas de um saber possível, matri-zes normativas de comportamento, modos de existência virtuais para sujeitos possíveis -, são essas três coisas, ou antes, é a articulação des-sas três coisas que podemos chamar, creio, de “foco de experiência” (FOUCAULT, 1983, p. 4-5 – grifo do autor)

Antes de focarmos no que ela se relaciona com a surdez, po-demos explica-la a partir da formação do sujeito pela própria ex-periência; justifica-se assim ser uma matriz, por terem três eixos

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distintos, sendo esses: 1. o campo de saber como um pilar na cons-trução de verdades, 2. o do poder e a produção de normas e com-portamentos, 3. e o efeito dessa relação para a produção da ética. Dessa associação se constrói o eu-sujeito. Podemos nomear esse produto como uma subjetividade, ou seja, a relação que o sujeito faz consigo mesmo, sendo efeito final de uma matriz de experiên-cia, produzido a partir da articulação desses três eixos.

A matriz de experiência da constituição do sujeito deficiente auditivo perpassa, então, por esses três pilares, estando primeira-mente dentro de um campo de saber clínico, que constrói verda-des a partir de um saber médico, onde a surdez deve ser reparada, enxergando o sujeito a partir dos decibéis em que se escuta.

Assim, a partir desses saberes relacionados ao poder criam-se normas e comportamentos que englobam, por exemplo, o uso de aparelhos auditivos, implantes cocleares, a negação da língua de sinais e o acompanhamento de fonoaudiólogos para desenvolvi-mento da fala e oralização. Dessa forma, como produto dessa ma-triz, tem-se o sujeito deficiente auditivo, que se identifica com os ouvintes ao tentar se aproximar dessa realidade.

Já na construção do sujeito surdo, a matriz de experiência pela qual ele perpassa se trata de outra construção. Witchs e Lopes (2016), também fizeram o movimento de aproximar a perspectiva socioantropológica da surdez como foco de experiência em seu trabalho. Assim, essa matriz parte do saber em que a surdez é uma diferença linguística e não uma deficiência, levando em con-ta o discurso cultural e a identidade criada. Dessa forma, também geram comportamentos e normas que podem englobar o uso da língua de sinais, a não oralização e a utilização de aparelhos ou im-plantes cocleares, frequentar a comunidade e ser membro de as-sociações de surdos. A relação entre esses dois campos ger,a nessa experiência, o sujeito surdo. Vale salientar que eu, pesquisadora deste trabalho defendo e acredito nessa concepção cultural desen-volvida para a vida e educação desses indivíduos.

30 – Produções discursivas sobre a surdez e a educação infantil: diálogo com familiares

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Além disso, este capítulo também traz a historicidade de lutas e conquistas dos surdos. Como chegamos até aqui, como a proposta bilíngue (Libras como primeira língua e português na modalidade escrita como segunda), defendida hoje como sendo a melhor al-ternativa para educação e desenvolvimento dos surdos, foi sendo construída, as leis desenvolvidas ao longo desse percurso dando enfoque para a Lei nº 10.436/02 conhecida como a lei de Libras que consiste:

Art. 1º: É reconhecida como meio legal de co-municação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados.

Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasi-leira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramati-cal própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil (BRA-SIL, 2002, p. 1).

E o caminho para a criação do Decreto nº 5.626/05 que regula-menta essa Lei e que surge de uma inquietação frente às propos-tas de ensino para surdos e o fechamento de escolas com esse en-foque em todo o território nacional. Tal documento induziu várias ações vistas hoje nas universidades, por exemplo a contratação de professores de Libras para atender as disciplinas exigidas e novos cursos voltados à formação de docentes em língua de sinais. Em suma, o primeiro capítulo já concluído desta dissertação de mes-trado aborda de maneira resumida os pontos trazidos acima.

O segundo capítulo teórico, dividido em dois subitens, tem foco na educação tanto de uma forma geral quanto especificamente na de surdos. Na primeira parte, traço um percurso histórico abordan-do questões dos primórdios da educação, de como foi sendo cons-truída ao longo dos anos e se transformando no modelo vigente

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presente. Além disso, também percorremos, a partir da tese defen-dida por Câmara (2018), um caminho especificamente voltado para a educação de surdos. Um outro olhar para essa historicidade nos faz perceber que, mesmo com toda a influência da língua de sinais ao longo dos anos, por um longo período o produto da instrução por trás do discurso gestualista ainda era o aprendizado da língua oral por parte dos estudantes surdos da época.

Câmara (2018) também apresenta a perspectiva oralista, os principais pensadores dessa corrente e, dentre diversos congres-sos, o Congresso de Milão, marco histórico da proibição da língua de sinais com método baseado somente na oralidade. Vale salien-tar que, além de todo esse retomado histórico, o pesquisador traz grandes contribuições a partir das filosofias da diferença, tendo como base de suas análises e conceitos o filósofo Michel Foucault, o que também contribuiu enormemente para a profundidade des-ta discussão. Após o marco do congresso de Milão, continuei o ca-pítulo apresentando os fracassos desse método oralista e as resis-tências que surgiram para que outra forma de pensar a educação de surdos surgisse: a bilíngue, com base legal na Declaração de Salamanca e ainda no Decreto nº 5.626/05. Aponto grandes con-tribuições dessa abordagem para crianças surdas e os empasses que a abordagem enfrentou ao longo dos anos até que começasse a ser aceita e compreendida, além dos embates que enfrentaram e enfrentam em relação a sua implementação a partir de políticas nacionais vigentes, como por exemplo o Plano Nacional de Educa-ção Especial na Perspectiva Inclusiva.

Na segunda parte deste capítulo, afunilamos a discussão para a educação infantil em específico, etapa de educação básica escolhi-da para enfoque desta pesquisa, analisando também a relação que os pais possuem com ela. Desta forma, fizemos também um breve levantamento histórico deste modelo atual, pontos e contrapontos desta educação, a partir de pesquisas segundo Gurgel et al. (2016), Martins e Lacerda (2016), para verificar como ocorre a proposta de educação infantil bilíngue de surdos em alguns municípios no

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

interior do estado de São Paulo. Para nos basearmos nessa fase de ensino e sua relação com os pais de uma maneira geral, buscamos os estudos de Ciríaco e Roman (2016) que fazem exatamente esse movimento, com uma pesquisa de campo desenvolvida no Mato Grosso do Sul que busca analisar como as famílias enxergam a Educação Infantil no desenvolvimento de seus filhos. Indo de en-contro com nosso objeto de estudo, Rodriguero e Yaegashi (2013) também pesquisam essa relação, mas especificamente entre a ins-tituição familiar e a criança surda, na importância da língua de sinais e da comunicação entre esses pais, que fazem parte de uma maioria ouvinte, e seus filhos surdos.

No terceiro capítulo, trouxe os procedimentos metodológicos de minha pesquisa. Primeiramente foi desenvolvida a leitura de referenciais teóricos como alguns livros de Michel Foucault, entre eles, o Governo de Si e dos Outros (1983), Microfísica do Poder (1979), Foucault e a Educação (2016) do autor Alfredo Vei-ga-Neto, além de pesquisas em bancos de dados como Scielo, Google Acadêmico e Portal da Capes, que usam o mesmo refe-rencial teórico baseado nas palavras-chave selecionadas: Educa-ção Bilingue, Surdez, Educação Infantil e Família. Além disso, apresentei neste espaço os objetivos gerais e específicos de mi-nha dissertação e os instrumentos de coleta selecionados, sendo esses questionários relacionados a idade, profissão, escolaridade, se os participantes eram surdos ou ouvintes e, também, o roteiro de entrevista semiestruturada com quinze questões relacionadas a descoberta do diagnóstico da surdez de seus filhos e os motivos que levaram a família a escolher determinados tipos de educação infantil.

Posteriormente a elaboração desses instrumentos e aprovação do projeto pelo comitê de ética da Universidade Federal de São Carlos, dei início as minhas coletas de dados que foram feitas em três municípios no interior do estado de São Paulo, com cinco fa-mílias que se dispuseram a participar dessa pesquisa. As entre-vistas e os questionários foram respondidos por quatro mães e

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um pai que tinham seus filhos matriculados nas escolas da rede pública de educação infantil. Neste momento, pude descrever um pouco de como foi experiência de ir a campo, coletar os dados e ter a oportunidade de me aproximar um pouco das vivências e realidades dessas famílias.

Ainda não dei início as análises, mas a partir das respostas que esses pais e responsáveis me concederam já pude perceber vários pontos em comum. Primeiramente que, a partir dos locais que pesquisei, a Libras tem ganhado cada vez mais força nas institui-ções familiares e escolares. Logicamente esse ainda é o início de um logo processo de aceitação das diferenças e reconhecimento da língua de sinais, mas com todos os participantes em que tive contato, os pais e responsáveis usavam a Libras com seus filhos e reconheciam a importância da mesma para o desenvolvimento da criança, aquisição de língua, identidade surda, reconhecimento e significação de mundo, entre diversos outros aspectos.

Mas, mesmo com essa aceitação, o campo de saber clínico e o discurso produzido a partir da construção dessa verdade ain-da é muito presente. Todos os pais faziam questão que seus fi-lhos fossem oralizados. Das cinco famílias entrevistadas, três das crianças tinham aparelho auditivo ou implante coclear, sendo que uma delas estava à espera de um aparelho pelo SUS. Além dis-so, das cinco crianças, quatro já faziam sessões de fonoaudiologia para oralização, e uma das mães estava em dúvida em relação aos atendimentos, mas tentava oralizar seu filho por conta própria em casa. Podemos claramente ver as relações de poder presente nesses comportamentos de pais e responsáveis e o quanto o saber clínico e o discurso de normalidade ouvinte ainda é relevante para essas famílias.

Além disso, todas as crianças estavam em classes bilíngues ou salas Língua de Instrução Libras, em que as aulas são todas ministradas em língua de sinais ou ainda em salas de aula com maioria ouvinte, mas com a presença de professoras bilíngues em

30 – Produções discursivas sobre a surdez e a educação infantil: diálogo com familiares

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

co-docência. Nesse caso, todos os alunos estavam com pares sur-dos em sala de aula, o que facilita e aprimora muito o desenvolvi-mento subjetivo, identitário e escolar das crianças surdas.

Podemos ainda observar uma necessidade pela norma ouvinte de escutar a voz de seus filhos no discurso dos pais, exigência essa que vem em conjunto com verdades construídas na sociedade onde a norma é ouvir, e que a surdez ainda é vista, na maioria dos casos, como uma deficiência e não como uma diferença linguísti-ca, ponto também presente na fala desses pais.

O caminho a ser percorrido ainda é longo, e muitos outros da-dos serão descobertos quando eu tiver contato com essas entrevis-tas novamente, durante o período de análise. Agora o movimento a favor da socioantropologia planta sementes, mas o que me deixa satisfeita é ver o início de uma mudança de verdades instituídas na sociedade e que as lutas contra as normalizações dos sujeitos de alguma forma começam a fazer sentido. O discurso de defi-ciência ainda é extremamente presente, mas começamos a ver mudanças nas matrizes existentes com a esperança de que, fu-turamente, pais e responsáveis percebam e aceitem que a língua natural dos surdos é a língua gesto-visual e que, a partir disso, os surdos possam posteriormente escolher qual caminho querem e podem seguir.

Referências

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30 – Produções discursivas sobre a surdez e a educação infantil: diálogo com familiares

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Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Inclusiva – GEPEI/UESC: formando pesquisadores e construindo conhecimentos

Wolney Gomes Almeida

De certo, vivenciamos um momento de grandes inquietações e questionamentos sobre a forma pela qual a produção de conhecimen-tos e dos ditos “tradicionais paradigmas” têm orientado à investigação científica. Deparamo-nos, a cada dia, com a máxima de que o mundo tem se tornado mais complexo e que, individualmente é mais difícil construir e sistematizar o conhecimento. Com isso, vêm-se, por parte das universidades e órgãos de fomento, atestando o estímulo à forma-ção de grupos de pesquisa.

Miorin (2005) demonstrou que a institucionalização dos grupos de pesquisa no Brasil, através do CNPq, com a ampliação e atualização dos mesmos, é uma prática que tem consolidado a pesquisa no país. Esses grupos são responsáveis por grande parte das investigações rea-lizadas na atualidade e também pela formação de inúmeros pesquisa-dores (MARAFON, 2006). Daí, apontados a importância da nucleação de Grupos de Pesquisa (GP) para o desenvolvimento científico e da formação acadêmica no universo da produção da ciência.

Os GP’s, e aqui, vamos pontuar a constituição e atuação do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Inclusiva – GEPEI, da Universi-dade Estadual de Santa Cruz –UESC, tornam-se um grande diferencial na formação dos acadêmicos que se interessam pela cientificidade

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das investigações, tanto para os estudantes quanto para os docentes ali envolvidos em uma educação de qualidade.

O GEPEI deriva do interesse no estudo do conceito de Educação Inclusiva a partir da dimensão dos processos educacionais, visando desenvolver estratégias para superar o distanciamento entre as políti-cas e as práticas de educação formal para alunos com deficiências. O grupo espera, a partir das pesquisas desenvolvidas, apresentar estra-tégias para aproximar o que está apregoado na legislação educacional brasileira, numa ótica inclusiva, às práticas educacionais que acon-tecem na educação básica e no ensino superior. Como impacto, es-peramos que estudos contribuam com a inclusão de estudantes com deficiência no ensino regular com qualidade e efetividade.

O GEPEI é coordenado atualmente por dois professores doutores que atuam na universidade com o ensino de componentes curricula-res voltados à formação e ao atendimento à pessoas com deficiências, e, motivados pela pesquisa, objetivaram reunir outros professores pesquisadores e discentes que, em suas áreas de formação, também desenvolvam investigações sobre inclusão, tanto em atividades que envolvam o nível de Graduação quanto os níveis de Pós-Graduação (Latu sensu e Strictu sensu).

Para melhor articulação das atividades do grupo, foram organiza-das as seguintes linhas de pesquisas que objetivam, respectivamente:

• Deficiências Múltiplas e Educação Inclusiva – Discutir sobre a inclusão de pessoas com deficiências múltiplas, associadas às condições físicas, intelectuais e sensoriais, em espaços escolares e ambientes educacionais, visando o conhecimento acerca deste universo e das potencialidades para a inclusão social.

• Educação de Surdos na Educação Especial/Inclusiva – Com-preender o processo de educação de suros na perspectiva in-clusiva, contextualizando os estudos da Língua Brasileira de Sinais na mediação da comunicação, metodologias de ensino,

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

aspectos linguísticos e processos de aprendizagem por es-tudantes surdos e surdocegos;

• Educação Física Especial – Identificar, desenvolver e anali-sar estratégias de ensino que contribuam na efetiva partici-pação do estudante com deficiência nas aulas de educação física;

• Educação Matemática Inclusiva – Compreender os meca-nismos de ensino e de aprendizagem na área da matemá-tica, considerando as especificidades dos alunos com de-ficiências e as instrumentalizações necessárias para o seu atendimento educacional.

• Formação de professores, políticas, práticas pedagógicas da educação especial e inclusiva – Investigar os processos das políticas públicas da formação docente à educação espe-cial, os saberes pedagógicos da organização da escola regu-lar e especial (planejamento, currículo e avaliação educa-cional) para educação inclusiva;

• Formação inicial e continuada de professores de ciências para educação inclusiva – Discutir os caminhos pedagógi-cos para o ensino de ciências aos educandos público-alvo da educação especial na perspectiva inclusiva, reconhe-cendo os espaços escolares enquanto lugares de diferen-ças, e de diferentes aprendizagens.

As atividades de pesquisa atualmente desenvolvidas investi-gam, no campo da educação inclusiva, ações no campo das prá-ticas docentes e da formação docentes, bem como políticas edu-cacionais que relacionam a instrumentalização do atendimento educacional, e a compreensão dos aspectos de especificidade lin-guística e comunicacional no universo das diferenças existentes entre os sujeitos com deficiência, conforme quadro a seguir:

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31 – Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Inclusiva – GEPEI/UESC: formando pesquisadores e construindo conhecimentos

Quadro 1 – Pesquisas em andamento

Nível da pesquisa Título da pesquisa

Iniciação científicaEfeitos de modalidade de Língua: um olhar para a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e suas implicações linguísticas

Iniciação científicaO conhecimento a respeito da prevenção do HIV/AIDS em pessoas com deficiência auditiva no município de Itabuna-Ba

Projeto de pesquisa interdisciplinar

O processo de produção bilíngue de vídeo-aulas de Matemá-tica para estudantes surdos sinalizadores.

Mestrado O MUNDO DA SOFIA: Uma criança com síndrome Cri-Du--Chat nas aulas de língua portuguesa em uma escola pública - um estudo de caso

MestradoWhatsapp como ferramenta de apoio ao aprendizado do português escrito por estudantes surdos

MestradoLetramento de alunos surdos: por uma prática pedagógica que forme e transforme

MestradoProfessores da área de linguagens e intérpretes de Libras - desafios e (im)possibilidades para a prática pedagógica no contexto da escola regular

MestradoO atendimento educacional especializado em Itabuna: um estudo de caso sobre a Educação Física adaptada ILHÉUS

Especialização A cultura surda e a tabela periódica sinalizada

Fonte: Diretório Grupo de pesquisa, CNPQ, dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/0835386080859461

Todas essas pesquisas têm contribuído para a formação de profissionais responsáveis pela causa da inclusão, e, nesse sentido, acreditamos na importância dos grupos de pesquisa na formação de futuros profissionais engajados socialmente e nas inúmeras possibilidades que os grupos podem proporcionar aos mesmos. Defendemos assim, que a prática de pesquisa

[...] tem demonstrado não só a importância de se fazer ciência, como igualmente sua face for-mativa, educativa e emancipatória. A arte de saber pensar é, em grande parte, a arte da cida-dania. Cuidado metodológico não se encerra na lide científica, mas se constitui profundamente o processo formativo de alunos e professores (DEMO, 2002, p. 366).

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Além da consolidação do Grupo de Pesquisa junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), são metas para o grupo: compartilhar conhecimentos teóricos e práticos, através da promoção de encontros, oficinas e rodas de conversa durante as reuniões do Grupo e nos eventos produzi-dos pelo Curso/Campus; Estimular a participação voluntária dos alunos de graduação nas atividades de pesquisa e extensão desen-volvidas; Incitar estudantes e docentes à criação e aos estudos; e Impulsionar a produção acadêmica com orientação para o en-frentamento das práticas de exclusão social a que as pessoas com deficiências estão sujeitas.

Assim, mais que um espaço institucionalizado, os grupos de pesquisa devem estar comprometidos com a formação de educa-dores e profissionais que desenvolvam sua criatividade e auxiliem no avanço da construção do conhecimento e na construção de um espaço social mais solidário e inclusivo.

Referências

DEMO, P. Cuidado metodológico: signo crucial da qualidade. Sociedade e Estado, Rio de Janeiro: v. 17, n. 2, p. 349-373, jul./dez. 2002.

MARAFON, G. J. Grupos de pesquisa e a formação de profissionais em geografia agrá-ria. In: Encontro de Grupos de Pesquisa: agricultura, desenvolvimento regional e transformações socioespaciais, II.,2006. Uberlândia. Anais... Uberlândia: UFU, 2006. CD-ROM.

MIORIN, V. F. Novas motivações na formação de profissionais em geografia agrária proveniente de grupos de pesquisa e do comprometimento das IES no desen-volvimento regional. In: Encontro de Grupos de Pesquisa: agricultura, desenvol-vimento regional e transformações socioespaciais, II.,2006. Uberlândia. Anais. Uberlândia: UFU, 2006. CD-ROM.

YÁZIGI, E. Deixe sua estrela brilhar. Criatividade nas ciências humanas e no plane-jamento. São Paulo: CNPq/Plêiade, 2005.

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Desafios e possibilidades da prática pedagógica dos professores da área de linguagens e dos intérpretes de Libras no contexto da escola regular

Larissa Café de Oliveira e Lacerda

Cristiano de Sant’Anna Bahia

Wolney Gomes Almeida

Introdução

Este texto refere-se às considerações iniciais a respeito do pro-jeto de pesquisa que está sendo desenvolvido no âmbito do Pro-grama de Pós-graduação em Formação de Professores da Educação Básica – PPGE, Mestrado Profissional da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus-BA. O principal objetivo do programa é compreender e colaborar com a gestão escolar no que se refe-re a formação do professor visando a qualidade da educação, as práticas pedagógicas e a implementação de políticas públicas da educação municipal.

Neste sentido, o mestrado profissional valoriza o desenvolvi-mento de sujeitos que sejam críticos e criativos a partir da refle-xão da prática profissional e, além disso, possibilita a partilha de

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

conhecimento e a sua construção conjunta a partir de pesquisas desenvolvidas no contexto educacional. Entendemos que esta modalidade de mestrado, além de cuidar dos rigores teóricos e metodológicos exigidos pela pesquisa científica, possibilita que o pesquisador, investigue as práticas que permeiam o ambiente edu-cacional e aponte possíveis soluções para os problemas apontados (ANDRÉ, 2017).

É neste cenário acadêmico, científico e profissional que a pre-sente pesquisa vem sendo construída, considerando que os alunos surdos estão inseridos no ensino regular e devem ter seus direitos assegurados. Para tanto, é necessário que no ambiente escolar haja profissionais capacitados para atender às demandas deste grupo de alunos. É direito do estudante surdo se comunicar utilizando a Língua brasileira de sinais - Libras, língua utilizada pelas pessoas surdas para se comunicarem com surdos e ouvintes, constituída histórica e socialmente como um meio de comunicação utilizado pela comunidade surda (LEITE, 2005).

Por outro lado, o professor que tem um aluno surdo na classe regular precisa assumir a responsabilidade de garantir que o seu direito a uma educação de qualidade seja atendido, oportunizando condições que favoreçam a aprendizagem significativa. Levando em conta tal contexto, surgiu a seguinte problemática: Quais são os desafios didáticos e pedagógicos enfrentados nas relações entre os professores da área de Linguagens das classes regulares e os intérpretes de Libras, nas aulas em escolas públicas de uma cidade do Sul da Bahia?

Tendo isso em mente, este estudo buscará construir coletiva-mente (pesquisadora, professores e intérpretes) orientações didáti-cas que colaborem com a prática pedagógica e o planejamento dos professores da área de Linguagens das classes regulares e os intér-pretes de Libras das escolas públicas de uma cidade do Sul da Bahia.

Além disso, ele buscará: investigar as relações didáticas e pe-dagógicas, no contexto do planejamento e da prática pedagógica,

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32 – Desafios e possibilidades da prática pedagógica dos professores da área de linguagens e dos intérpretes de Libras no contexto da escola regular

existentes entre os professores das classes regulares e os intér-pretes de Libras; examinar os desafios pedagógicos na percepção dos professores da área de Linguagens das classes regulares que tenham alunos surdos em suas classes; observar e compreender a função dos intérpretes de Libras que atuam na escola regular bem como os desafios enfrentados por eles na sala de aula; e compre-ender como têm ocorrido as articulações entre os professores da área de Linguagens e os intérpretes de Libras a fim de garantir a participação dos estudantes surdos nas práticas realizadas no am-biente escolar.

Educação inclusiva, prática pedagógica e o intérprete de Libras

A educação é marcada por um público variado e por profis-sionais que trabalham com diferentes concepções para atende-lo. Ao buscar reduzir as injustiças e desigualdades e ao promover le-gitimidades políticas, históricas e culturais, ela é capaz de gerar grandes transformações na sociedade. É válido dizer que na in-clusão é importante que todos estejam juntos no mesmo espaço, ou seja, na escola, independente de suas diferenças físicas e/ou linguísticas. Indo além, é importante que estes alunos com defici-ência estejam em igualdade de condições com os estudantes ditos normais. A inclusão não é um processo fácil, é consideravelmente complexo e suas especificidades devem ser respeitadas e atendi-das (MARTINS, 2012).

Falar sobre inclusão escolar é também direcionar o olhar para a profissão docente e para suas práticas, que são dinâmicas e desa-fiadoras. Pensar sobre a prática pedagógica é refletir sobre o coti-diano na sala de aula, o planejamento, a avaliação, ação e reflexão constante; é saber se responsabilizar por tornar a escola um am-biente atrativo, que esteja além da mera reprodução de conteúdos, pois tal profissão tem o conhecimento como elemento legitimador e os professores devem assumir o compromisso de transformar

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

esse conhecimento em aprendizagens relevantes para os alunos (GARCIA, 2009).

O professor é cada vez mais necessário na sociedade atual, e sobre tal profissional recai a tarefa de contribuir com a constitui-ção da cidadania dos alunos. Ao refletir sobre natureza do trabalho docente, o que se espera é que o professor saiba articular o co-nhecimento teórico construído ao longo da sua carreira de modo a conceber o ensino como uma realidade social, e seja capaz de analisar a sua própria prática, refletindo sobre ela de modo a bus-car meios para transformá-la (PIMENTA, 2009).

Em se tratando dos processos formativos dos professores, An-dré (2016, p. 18) afirma que é necessário que “o docente tenha a oportunidade de refletir criticamente sobre a sua prática, analisar seus propósitos, suas ações e seus resultados positivos e o que é preciso melhorar, de modo a se obter sucesso em seu ensino”. Diante disto, apreende-se que uma prática pedagógica eficaz, está relacionada com o exercício da autoanálise. Faz-se necessário que o professor tome consciência dos resultados das ações que estão sendo praticadas em sua sala de aula e busque meios de aprimorá--las constantemente. O professor que faz reflexões sobre si mesmo e sua trajetória profissional, práticas pedagógicas, valores e cren-ças é capaz de compreender e modificar suas práticas pedagógicas (CUNHA, 2012).

Profissionais de todas as áreas que almejam sucesso estão cons-tantemente se aperfeiçoando, e acredita-se que com o professor não pode ser diferente, pois “na leitura crítica da profissão diante das realidades sociais que se buscam referenciais para modificá--la” (PIMENTA, 2009, p. 19). Em se tratando da educação de alu-nos surdos, professores e intérpretes de Libras podem trabalhar juntos para que a inclusão alcance êxito no ambiente escolar, “o IE conhece bem os alunos surdos e a surdez e pode colaborar com o professor sugerindo atividades, indicando processos que forem mais complicados, trabalhando em parceria, visando uma inclu-são mais harmoniosa dos alunos surdos” (LACERDA, 2009, p. 35).

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Diante disto, acreditamos que o papel do intérprete está muito além da mera tradução; ele deve buscar manter uma relação com o professor e, caso seja necessário, poderá solicitar que este faça adaptações em suas aulas com a intenção de favorecer a aprendi-zagem do aluno surdo, pois o professor nem sempre se dá conta das dificuldades que podem incorrer na aquisição do conhecimen-to decorrentes das diferenças linguísticas entre os alunos surdos e ouvintes (LACERDA, 2009).

Deste modo, o intérprete conhece bem o aluno surdo; portanto suas proposições são tão importantes para a escola quanto as de qualquer outro profissional. Além do mais, ele poderá contribuir para a construção de práticas pedagógicas adequadas para atender as necessidades deste público específico (LACERDA, 2009). Com a pretensão de promover momentos em que professores e intérpre-tes possam construir, em conjunto com a pesquisadora, práticas pedagógicas que beneficiem a aprendizagem e a inclusão dos alu-nos surdos, é que a presente pesquisa foi desenvolvida.

Caminho metodológico

A presente pesquisa, que já está aprovada pelo Comitê de Ética da UESC mediante o parecer número 2.658.375, terá uma aborda-gem metodológica qualitativa, visto que os estudos que empregam esta metodologia descrevem as especificidades de determinado problema e buscam analisar a interação de certas variáveis, a fim de compreender e classificar a dinâmica vivida por determina-dos grupos sociais e contribuir para um processo de mudança que possibilite uma compreensão mais profunda das particularidades do comportamento daquele grupo de indivíduos (RICHARDSON, 2012). Este estudo se preocupará em entender a natureza de um fenômeno social; sendo assim, a pesquisa é de caráter qualitativo porque pretende analisar as interações entre professores e intér-pretes que atuam junto aos alunos surdos nas escolas municipais e estaduais do local escolhido.

32 – Desafios e possibilidades da prática pedagógica dos professores da área de linguagens e dos intérpretes de Libras no contexto da escola regular

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

O contexto de investigação da pesquisa será uma cidade locali-zada no Sul do estado da Bahia. A a área territorial deste municí-pio é composta por 280,454 km² e sua população é estimada em 47.704 pessoas de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2017). Os sujeitos envolvidos na pesquisa se-rão os profissionais da educação que trabalham nas escolas esta-duais e/ou municipais da cidade de Ipiaú- BA, docentes da área de Linguagens (Língua Portuguesa, Artes, Língua Estrangeira e Educação Física) e os intérpretes de Libras (que estejam ou não trabalhando com alunos surdos).

O foco da pesquisa é entender como tem ocorrido as interações entre os professores da área de Linguagens com os intérpretes de Libras. Para tanto, o instrumento de coleta de dados selecionado na pesquisa foi o grupo focal. No grupo focal, os participantes pre-cisam ter algumas características em comum para que haja quali-dade nas discussões a respeito do objeto de estudo definido. É de suma importância que os participantes tenham experiência com o assunto estudado, para que elas possam servir de suporte para as suas contribuições (GATTI, 2012).

A opção pela utilização do grupo focal ocorreu em virtude dos objetivos estabelecidos neste estudo, uma vez que a técnica su-pracitada é a que melhor atende ao que pretendemos analisar. Se as interações entre professores e interpretes já existem fora do momento da aula, serão ainda mais estreitadas no decorrer deste processo; se não há, estes encontros objetivam mostrar sua impor-tância. No grupo focal serão problematizados assuntos que giram em torno do problema de estudo no intuito de buscar soluções, o que também faz com que a presente pesquisa se caracterize como pesquisa-ação.

Uma das principais características da pesquisa-ação, e que a torna diferente da pesquisa convencional, é o fato de que na pes-quisa-ação os sujeitos exercem participação ativa durante todo o processo. Nesta modalidade, distinta de outros métodos de pesqui-sa, é possível ter uma visão dinâmica da realidade analisada, bem

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como transformar situações de modo ativo e coletivo. Existe a ne-cessidade de produzir conhecimento e participar das discussões que façam avançar o debate a respeito do problema existente, vi-sando à transformação da realidade de maneira positiva (THIOL-LENT, 2011).

Para definir melhor as etapas da pesquisa, partiremos de al-gumas questões norteadoras que serão a base dos encontros do grupo focal, sendo que novas questões poderão surgir ao longo da pesquisa, bem como novos encontros emanados a partir das dis-cussões em grupo. A priori estão planejados quatro encontros que deverão se desenvolver a partir das questões, a saber: 1. Quais os desafios pedagógicos que você enfrenta atualmente com relação à inclusão? 2. Como você considera que a escola deve agir para que ela seja considerada uma escola inclusiva? 3. O que muda na sua prática pedagógica ao se deparar com um aluno surdo na classe? 4. Como é a relação entre professores e intérpretes? 5. Como vocês avaliam o desempenho do aluno surdo?

As informações coletadas mediante gravação de áudio e poste-riormente transcritas serão analisadas exaustivamente, por meio da análise qualitativa de conteúdo explicitada por Flick (2013). Primeiramente serão selecionadas as partes mais pertinentes para responder à questão de pesquisa proposta por este trabalho, utilizando o critério de codificação e categorização. A relação de correspondência entre as falas dos envolvidos será utilizada, com base em teorias referentes à questão de pesquisa. Posteriormente será analisada a situação da coleta de dados e a interpretação. A análise de conteúdo se pautará também em Bardin (2016), que ressalta a importância do processo classificatório em toda e qual-quer atividade científica.

As categorias de análise emergirão dos dados coletados e trans-critos. A partir de então será feita a exploração do material e, na sequência, ocorrerá o tratamento dos resultados obtidos e a inter-pretação. Nesta fase será utilizada a inferência e a interpretação para efetivar as análises.

32 – Desafios e possibilidades da prática pedagógica dos professores da área de linguagens e dos intérpretes de Libras no contexto da escola regular

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Resultados esperados

Esperamos, ao final desta pesquisa, oferecer um produto pe-dagógico que auxilie na atuação dos professores e dos interpre-tes, de modo a contribuir com a melhora da prática pedagógica de docentes que venham atuar com alunos surdos para que eles possam ofertar um ensino de qualidade. Este produto poderá ser construído em conjunto com os sujeitos envolvidos na pesquisa.

Deste modo, o interesse deste estudo está relacionado, em pri-meiro lugar, com uma inquietação em conhecer, enquanto educa-dora, a respeito das relações entre professores e intérpretes. Neste sentido, durante sua experiência profissional, o docente se depara com diversos desafios que vão aprimorando as suas práticas peda-gógicas; o entendimento de que a presença de um sujeito surdo em sala de aula pode ser um destes desafios torna esta pesquisa de grande relevância para os professores na atualidade.

Considera-se importante desenvolver também estudos relacio-nados à educação inclusiva, já que o contexto educacional atual demonstra a necessidade de um preparo maior por parte dos pro-fissionais da educação para trabalhar com alunos com necessida-des educacionais especiais. São muitas as especificidades que o professor encontra em suas classes, e é justamente na intenção de contribuir com o aperfeiçoamento profissional docente que esta pesquisa se faz relevante.

Também é de nosso interesse buscar situar o intérprete de Li-bras no ambiente educacional, procurando entender quais são suas atribuições em sala de aula e em que medida ele pode contri-buir com o aprimoramento da prática pedagógica dos professores uma vez que, diante dos estudos até então realizados, são escassas as publicações que tratam deste assunto. Tal constatação foi feita mediante uma busca de artigos publicados entre os anos de 2013 e 2017 na plataforma Scielo sobre intérpretes de Libras no contexto escolar, em que apenas nove trabalhos foram encontrados. Diante

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disto, verifica-se a necessidade de mais discussões a este respeito no ambiente acadêmico.

No Programa de Pós-graduação em Educação – PPGE não hou-ve, além do presente trabalho, nenhum outro que tratasse do ob-jeto de estudo deste projeto, desde 2013 (ano de ingresso da pri-meira turma) até a presente data. Isto demonstra, mais uma vez, a relevância temática do presente estudo e suas contribuições so-ciais e acadêmicas.

Desta forma, a pesquisa se propõe a pensar em um modelo de educação na perspectiva da inclusão, uma vez que entende que esta proposta de educação não trará benefícios apenas para o am-biente escolar. É importante refletir sobre a educação de alunos surdos com a intenção de possibilitar a estes discentes a compre-ensão de conteúdos que resultarão em sua inserção social, para que saibam atuar ativamente e sejam conscientes dos direitos so-ciais e políticos.1

Ainda tratando dos benefícios profissionais que a pesquisa pode trazer, leva-se em consideração a reflexão sobre a prática pe-dagógica e o interesse em buscar meios para melhorar o processo educativo de maneira a atender o público recebido pela escola no contexto atual, em que a inclusão está posta e a busca por meios de viabilizá-la da maneira mais adequada possível se faz urgente.

Referências

ANDRÉ. Marli. Formar o professor pesquisador para um novo desenvolvimento pro-fissional. In: _______. (Org.). Práticas inovadoras na formação de professores. São Paulo: Papirus, 2016.

ANDRÉ, M.; PRINCEPE, L. O lugar da pesquisa no Mestrado Profissional em Educação. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 63, p. 103-117, jan./mar. 2017.

1. De acordo com o Art. 1º da Lei nº 9394/96, em seu § 2º, A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.

32 – Desafios e possibilidades da prática pedagógica dos professores da área de linguagens e dos intérpretes de Libras no contexto da escola regular

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. 3ª imp. da 1ª edição, São Paulo: Edições 70, 2016.

CUNHA, Maria Isabel da. O bom professor e sua prática. 24. Ed, Campinas, SP: Papirus, 2012.

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Tabela periódica dos elementos químicos sinalizados em Libras

Roberta Alena de Alcântara BrandãoWolney Gomes Almeida

A Criação da Tabela Periódica dos Elementos Químicos Sinali-zados (TPEQS) em Libras é uma ferramenta didática que auxilia-rá o aluno surdo no processo de aquisição de conhecimentos em química. Dada a dificuldade que o aluno surdo encontra na refe-rida disciplina, a TPEQS vem contribuir substancialmente para o trabalho do tripé professor-intérprete-aluno surdo. A confecção da tabela dar-se-á em quatro etapas: a transcrição do conteúdo para a Língua Brasileira de Sinais, a criação dos sinais para os elementos químicos que ainda não os possuem e a apresentação visual dinâ-mica na forma de pôster e, posteriormente, de GIF.

Este trabalho está sendo desenvolvido no Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães, na cidade de Canavieiras, na Bahia, território Litoral Sul, desde 2013. A contribuição da profissional Ana Mara Costa de Melo, licenciada em química, foi essencial para o estudo e desenvolvimento da pesquisa. Não menos importante, mas com um trabalho de excelência em criatividade, a Roberta Oliveira de Souza, surda, participou ativamente de todos os processos, desde os estudos à criação e edição da TPEQS, de forma analítica e com um nível de criticidade admirável.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Os encontros para o estudo aconteceram quinzenalmente nos dois primeiros anos; os momentos eram de reflexão e amadureci-mento sobre o que, como, para quem e por que produzir a TPE-QS. Passamos por situações de desânimo, frustrações quando não tínhamos todos os recursos que precisávamos e emoções quando o conteúdo era compreendido pela aluna surda, quando percebí-amos que ela era capaz de transformar a informação em conheci-mento com uma propriedade e facilidade espetacular. As expecta-tivas de avanço e conclusão deste projeto jamais saíram de nosso foco porque sabíamos da necessidade dessa ferramenta didática. Nos últimos três anos, a produção ganhou ritmo e se tornou cada vez mais efetiva no campo metodológico.

O processo de criação dos sinais da TPEQ passava por algumas etapas sequenciais: primeiramente fazia-se necessária a explicação interpretada em sinais sobre o que é o determinado elemento; em segundo lugar, era necessário apresentar visualmente o que era este elemento in natura e sua aplicação, ou seja, onde este elemento está presente no nosso cotidiano; e, por último, o processo criativo, da morfologia. Este passo a passo foi seguido para todos os elemen-tos. A maior dificuldade enfrentada foi já no final das criações, na série dos lantanídeos, uma vez que estes elementos são produzidos geralmente em laboratórios e não tínhamos como explorar dos re-cursos visuais para a conceituação, aplicação e criação.

A quantidade inicial de sinais produzidos por encontro era em torno de dois ou três e, conforme as habilidades eram sendo de-senvolvidas pela aluna, este número foi aumentando até chegar a dez sinais por encontro. Julgou-se que mais do que isso se seria exaustivo. Hoje, 90% dos elementos químicos já possuem o seu si-nal. O presente trabalho de pesquisa-colaborativa foi desenvolvido em constante reflexão acerca dos métodos que mais se adequem à proposta, com muito respeito à língua de sinais e à cultura surda.

Fazer uma transposição didática da TPEQ para a aluna surda tem sido uma atividade laboral, artesanal e produtiva. Explicar algo tão complexo, transitar entre dois universos linguísticos e

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33 – Tabela periódica dos elementos químicos sinalizados em Libras

atingir o objetivo em frações de segundos é uma tarefa árdua que encarei como desafio a ser superado. As publicações científicas sobre a importância de se ensinar a TPEQ para este público alvo ainda são bastante teóricas. Urge, então, a necessidade de se pro-duzir um novo material didático que colabore com a prática do professor de química, facilite a compreensão do aluno surdo e pos-sibilite ao intérprete o exercício de sua função de maneira satisfa-tória, plena e íntegra.

A TPEQ traz codificações, conceitos e representações que, por estarem em uma língua diferente, não são acessados pelo surdo. A presente proposta se dá numa reconfiguração linguística e estética da tabela, tornando-a acessível para a pessoa surda e buscando promover a autonomia na aquisição deste conhecimento.

O projeto conta também com um diário de bordo do estudante surdo. Nesse diário, o aluno faz suas anotações pessoais acerca do que aprende e produz, das dificuldades e superações. Ver anexo.

A educação inclusiva

Na perspectiva de uma Educação Inclusiva, nunca foi fácil ade-quar as metodologias educacionais aos indivíduos pertencentes à cultura surda. Não se têm uma receita pronta de como fazer essa inclusão acontecer; o que temos como certeza é que a modalidade de aprendizagem é visioespacial e que esta especificidade é quem vai nortear os modos de fazer. Um jeito surdo de aprender requer um jeito surdo de ensinar (PERLIN, 2006).

Inquietas, nós três precisávamos sair da acomodação e do con-forto para poder propor à comunidade surda e aos docentes da Unidade Escolar em que atuamos a possibilidade de um novo for-mato de ensino-aprendizagem. A pedagogia da diferença propõe outras leituras sobre a surdez e a pessoa surda, com base nas dife-renças culturais. Ao ressignificar a surdez como uma marca cultu-ral e não como uma patologia, a pedagogia da diferença necessita

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

de uma postura educacional que assuma seu papel emancipató-rio e transformador que veja o surdo como uma pessoa completa (RANGEL; STUMPF, 2004).

Na contemporaneidade, os conceitos de surdo e surdez vão se reconfigurando e assumindo uma nova roupagem: saímos do ter-mo “deficiência”, como aquele que é incapaz patologicamente, e adotamos o termo “diferença”, como aquele que tudo pode, num compasso diferente, adequado às suas necessidades e considerando os contextos sócio culturais em que esse indivíduo está inserido.

A história da educação de surdos é marcada por segregação, discriminação, negação de direitos e muitos preconceitos. Ao ana-lisar de maneira breve como os surdos eram vistos pelas socieda-des, temos a clara compreensão de como foi difícil enfrentar os obstáculos e superar as desigualdades.

As afirmações Aristotélicas consideravam o ouvido como ór-gão mais importante para a educação, o que contribuiu para que o surdo fosse visto como incapacitado para receber qualquer ins-trução naquela época. A Igreja Católica Medieval também mar-cou forte presença negativa, afirmando através das escrituras que “a fé vem pelo ouvir, ouvir da palavra de Deus”, ou que os seres humanos são feitos à imagem e semelhança de Deus. Logo, qualquer indivíduo que fosse diferente dos padrões convencio-nais da época deveria ser suprimido da sociedade. No Egito, as leis que regiam a sociedade asseguravam ao surdo apenas o di-reito à vida, mas não à educação ou integração social. Muitos foram os desafios para que a cultura surda tivesse a língua de sinais reconhecida e para que o sujeito surdo fosse respeitado em sua particularidade de aprendizagem e comunicação (HONORA; FRIZANCO, 2009).

O Congresso de Milão, evento que marcou história da Educação de Surdos em 1800, interrompeu o prosseguimento dos avanços educacionais conseguidos por professores de surdos. Neste even-to, onde a maioria dos profissionais presentes eram ouvintes, ficou

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decidido que a comunicação oral deveria ser preferida à Língua de Sinais. Com isso, a partir daquele momento, os surdos estavam proibidos de usar as suas mãos em quaisquer ambientes escolares ou familiar para se comunicarem, sob alegação de que o uso das mãos atrapalharia o oralismo. Foram cem anos de resistência, até que surgisse uma nova corrente teórica no cenário sustentando a teoria do Bilinguismo, método reivindicado até os dias atuais (HO-NORA; FRIZANCO, 2009).

No Brasil, ao longo dessa trajetória, desde a implantação do Ins-tituto Nacional da Educação de Surdos em 1857 até os dias atuais, conquistas e perdas se somaram a essa memória. As lutas e mo-vimentos sociais promovidos e protagonizados pelos surdos nos trazem algumas vitórias substanciais, como nas políticas públicas.

No âmbito educacional a LDB, Nº 9394/96 – LEI DE DIRETRI-ZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL - 1996 CAPITULO V DA EDUCAÇÃO ESPECIAL afirma, em seu artigo Art. 59, que “Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específica, para atender às suas necessidades”. Ainda que não tenhamos um currículo oficial do ensino da Libras, temos a referida lei como base mínima para a garantia do Atendimento Educacional Especializado.

Dezesseis anos após à LDB/96, os surdos tiveram a sua língua materna reconhecida com a Lei nº 10.436, de 24 de ABRIL de 2002. Bem como, com o Decreto nº 5.626 de 2005, que regula-menta esta lei, marco importantíssimo para a comunidade surda brasileira.

Mais recentemente, a Lei Brasileira de Inclusão, Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que trata sobre os direitos da pessoa com de-ficiência, assegura inclusive o direito à comunicação, a educação, à cultura, entre tantos outros princípios. Mesmo com um arsenal de leis que amparam e asseguram os direitos da pessoa surda ou deficiente auditiva, ainda falta a efetivação plena dessas leis.

33 – Tabela periódica dos elementos químicos sinalizados em Libras

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Do envolvimento com a cultura surda à produção do conhecimento científico

O meu primeiro contato com a Língua Brasileira de Sinais se deu por meio de um curso de capacitação de 20 horas, enquanto estudava o 2° Ano Normal em 2006. A experiência visual e o acesso à comunidade surda local me proporcionaram a percep-ção de um outro universo fantástico: o mundo visual, da língua de sinais, dos surdos. Foi quando me dediquei à causa dos direi-tos da pessoa surda, a fim de contribuir de alguma forma para estas comunidades e para o “povo surdo”, como se refere Strobel (2009).

Em 2013, fundamos a Associação de Surdos de Canavieiras (AS-SUC), na qual interpreto e sou membro. Esta associação, no mu-nicípio de Canavieiras, tem parceria com a Creche Giardino Degli Angeli, uma ONG italiana. Lá, ofertamos cursos de capacitação em Libras para os educadores desta rede desde 2016, com edições de nível básico, intermediário e avançado. Além das conquistas nas políticas públicas locais, dediquei-me aos estudos e pesquisa--ação no campo científico da educação de surdos.

É no espaço da associação que as experiências de vida e conhe-cimentos são partilhados na singularidade de sua língua. Como afirma DALCIN (2006):

O encontro com a comunidade surda permiti--lhes sair do lugar do diferente, do excluído, do estranho, para o de “pertencimento”, um lugar em que se encontram como iguais, sentem-se entendidos e efetivamente conseguem estabe-lecer uma relação de troca.

Nas reuniões da ASSUC, a aluna surda atuante no projeto da TPEQS ocupa posição de destaque como presidente; e, na condu-ção de suas falas, sempre suscita a importância dos estudos na vida do surdo, bem como a protagonização desses indivíduos em todo

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o processo de luta, empoderamento, afirmação e disseminação da Língua Brasileira de Sinais. Ao compartilhar a experiência que vivia com a construção da TPEQS, observou o desconhecimento do con-teúdo por parte de seus pares, aumentando assim a preocupação com a aquisição deste conhecimento.

Ao atuar como intérprete educacional do Ensino Médio, adotei uma postura pedagógica e propus aos docentes métodos de ensino aprendizagem adequadas ao aluno surdo. Os que se demonstra-ram abertos à essa proposta foram os professores da área de ciên-cias da natureza.

Como nós três integrávamos a ASSUC, nossos encontros e afi-nidade eram cada vez maiores e, ao refletirmos sobre o nosso co-tidiano com a química, algo nos chamou a atenção: como ensinar a tabela periódica dos elementos químicos para os surdos? Como estes surdos compreendem a química? E os que já concluíram o Ensino Médio, que tipo de experiência assimilaram, vivenciaram sobre os estudos da TPEQ?

Essas provocações me acompanharam e permanecem a cada dia em que evoluímos nos estudos voltados para a temática. Ao longo da jornada como intérprete, pude vivenciar os mais com-plexos desafios e expectativas sobre o processo de aquisição de conhecimento pelo surdo. O ato de interpretar envolve o conhe-cimento e domínio sobre as duas línguas, da origem ao destino. Entretanto, a compreensão do conteúdo é por vezes interceptada por lacunas das experiências visuais, linguísticas e cotidianas.

A responsabilidade de mediar essa comunicação entre surdos e ouvintes é do intérprete, e deve ser feita de maneira plena, con-templando todos os recursos linguísticos que a Libras dispõe a fim de não comprometer o conteúdo a ser passado para o sujeito surdo e vice-versa. Ao me deparar, há cinco anos, com a necessidade de interpretar a disciplina de química para um outro aluno surdo com um raso nível de conhecimento da sua língua mãe, a Libras, decidi me debruçar sobre a temática.

33 – Tabela periódica dos elementos químicos sinalizados em Libras

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

O que caracteriza a seriedade deste projeto não diz respeito apenas à titulação de especialista em libras e educação de surdos, mas a bagagem e a vivência respeitosa e colaborativas que tive todos esses anos com a cultura surda.

Referências

BRASIL, Lei de Diretrizes e B. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996.

_______. Ministério da Educação e Cultura. Parecer CNE/CEB nº 4, de 2002. Reco-mendação ao Conselho Nacional de Educação tendo por objeto a educação inclu-siva de pessoas portadoras de deficiência. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB004%202002.pdf. Acesso em: 07 out. 2017.

_______. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Dispõe sobre a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm. Acesso em: 03 out. 2017.

DALCIN, Gladis. Um estranho no ninho: um estudo psicanalítico sobre a constituição da subjetividade do sujeito surdo. In: QUADROS, Ronice(Org.). Estudos Surdos I. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2006

HONORA, M.; FRIZANCO, M. L. E. Livro Ilustrado de Língua Brasileira de Sinais – Desvendando a comunicação usada pelas pessoas com surdez. São Paulo: Ciranda Cultural, 2009.

PERLIN, Gládis; STUMPF, Marianne. (Orgs.). Um olhar sobre nós surdos: leituras contemporâneas. Curitiba-PR: CRV, 2012, p. 213-226.

STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. 2. ed. rev. Florianó-polis: Ed. da UFSC, 2009.

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Compostos simultâneos e sinais boca na Libras

Mirella de Oliveira Pena AraújoAline Garcia Rodero-Takahira

Composição é um fenômeno morfológico que vem sendo obser-vado em pesquisas sobre as línguas de sinais nas últimas décadas. Mais recentemente, alguns trabalhos se debruçaram sobre o estudo dos compostos da Libras (Língua Brasileira de Sinais) (Cf. QUADROS; KARNOPP, 2004; FELIPE, 2006; e FIGUEIREDO-SILVA; SELL, 2009). Os compostos simultâneos ganharam destaque em Brennan (1990, so-bre a BSL – Língua de Sinais Britânica) e Rodero-Takahira (2015, sobre a libras). Rodero-Takahira (2015) apresenta nove tipos de compostos na Libras, dividindo-os em três grandes grupos, a saber: 1. sequencias; 2. simultâneos; e, 3. simultâneo-sequencias.

Em relação aos compostos simultâneos, que são os que nos inte-ressam nesta pesquisa, a autora destaca que eles podem ser forma-dos por:

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

1. Sinal boca e sinal simples

SEXOb||VIAJAR “Lua de mel”

SEXOb||VIAJARmd --------------------------------------------------------------------

(RODERO-TAKAHIRA, 2015, p. 29).

2. Sinal boca e sinal classificador

SEXOb||CAMACL-BALANÇAR(M) “relação sexual”

SEXOb||CAMACL-BALANÇAR(M) --------------------------------------

(RODERO-TAKAHIRA, 2015, p. 29).

3. Sinal classificador e sinal classificador

CARRO1CL-BATER(M)||ENTIDADE-RETA1CL “acidente (de carro)”

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CARRO1CLmd-BATER(M)||ENTIDADE-RETA1CLme --------

(RODERO-TAKAHIRA, 2015, p. 30).

A autora também propõe que a Libras apresenta um uso das expressões não-manuais (ENMs) boca com valor lexical, o que ela chama de “sinal boca”, que é “a boca como articulador, formando sinais independentes e simples. Mais precisamente, são sinais for-mados por língua, bochecha e lábios”, como SEXO ou LADRÃO/ROUBAR.

4.

(RODERO-TAKAHIRA, 2015, p. 136 e 137).  

 

34 – Compostos simultâneos e sinais boca na Libras

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Ela mostra que existem compostos simultâneos de diferentes tipos na Libras, inclusive formados com sinais boca, como nos exemplos 1. e 2. acima, embora a autora não apresente um vasto número de dados.

Nesta pesquisa, buscamos comprovar a produtividade ou não produtividade dos compostos simultâneos e dos sinais boca na Li-bras, através da investigação dos dados anotados em Capovilla et al. (2017), que foram coletados em conversas com sinalizantes fluentes na libras e em vídeos disponibilizados no YouTube ou Facebook.

Buscamos, principalmente, investigar realizações com dois ou mais sinais que formam compostos simultâneos. A pesquisa é im-portante para buscarmos novos sinais já dicionarizados ou regis-trados em vídeo e para investigarmos os processos de formação de sinais em Libras.

Na nova versão do DEIT Libras (CAPOVILLA et al., 2017), en-contramos vários sinais compostos simultâneos, como “pintar”, em que cada mão contribui um valor para a composição, uma vez que cada mão é um sinal classificador:

5. Pintar

(CAPOVILLA et al., 2017, p. 316).

Encontramos, também, diversos compostos simultâneo-sequen-ciais, como “atropelar”, onde a simultaneidade está, por exemplo,

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na primeira parte do sinal: PESSOACL>>CARROCL-BATER(M)1:

6. Atropelar

(CAPOVILLA et al., 2017, p. 316).

Além de suas possíveis variações linguísticas, como:

7. Acidente de carro (1)

(CAPOVILLA et al., 2017, p. 85).

1. O símbolo >> é usado para indicar simultaneidade e > indica sequencialidade.

34 – Compostos simultâneos e sinais boca na Libras

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

8. acidente de carro (2)

(CAPOVILLA et al.., 2017, p. 85).

Os sinais em 7. e em 8. são compostos simultâneo-sequen-ciais. A simultaneidade aparece na segunda parte do sinal: EN-TIDADE-PLANACL>>CARROCL-BATER(M) e ENTIDADE--CURVACL>>CARROCL-BATER(M), respectivamente, que são sinalizadas simultaneamente logo após o sinal CARRO.

Já os sinais boca aparecem em poucas ocorrências dicionariza-das. Além disso, na maior parte dos registros de ENM boca, não observamos, de fato, a ocorrência do sinal boca. Observe as se-guintes figuras. Elas apresentam simultaneidade dos sinais manu-ais e um tipo de marcação de boca:

9. Abelha

(CAPOVILLA et al., 2017, p. 57).

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10. Banana-da-terra

(CAPOVILLA et al., 2017, p. 364).

11. Balão (3)

(CAPOVILLA et al., 2017, p. 359).

12. Balão (4)

(CAPOVILLA et al., 2017, p. 360).

34 – Compostos simultâneos e sinais boca na Libras

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Em todos esses sinais, a marcação de boca que aparece diciona-rizada não se trata de um sinal boca, que poderia aparecer livre-mente em uma sentença, sem realização manual e com o mesmo significado de um sinal; em vez disso, se trata de uma ENM boca que acompanha comumente a sinalização manual.

A questão que permanece é se os compostos simultâneos com sinal boca estão limitados àqueles apresentados com o sinal boca SEXOb ou LADRÃO/ROUBARb (Cf. RODERO-TAKAHIRA, 2015). Observemos os dados abaixo:

13. Ato sexual (1)

(CAPOVILLA et al., 2017, p. 311).

14. Ato sexual (2)

(CAPOVILLA et al., 2017, p. 312).

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15. Doença venérea

(CAPOVILLA et al., 2017, p. 995).

Nos sinais em 13. e 14., o sinal boca SEXOb ocorre simultane-amente com sinais manuais, em 13. FAZER; e, em 14., um sinal classificador possivelmente relacionado a duas pessoas, o que de-monstra como esses dados são compostos de forma simultânea. Já em 15. temos a ocorrência do sinal boca realizado sequencialmen-te, formando um composto sequencial.

Após a análise de dados dicionarizados, buscamos vídeos no YouTube, sendo este uma das principais ferramentas de intera-ção entre os surdos, para procurar por mais exemplos de compos-tos simultâneos e sinais boca na Libras. Os vídeos que compõem os dados considerados nesse estudo foram sinalizados por surdos fluentes usuários da lIBRAS, em apresentações espontâneas ou narrativas.

Um dos exemplos encontrados foi o sinal “pornografia”. Esse sinal apareceu tanto no YouTube quanto no dicionário Capovilla et al. (2017).

34 – Compostos simultâneos e sinais boca na Libras

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

16. Pornografia

(CAPOVILLA et al., 2017, p. 2233).

17. Pornografia (YouTube)2

No DEIT libras, em 16., observamos a ENM de sobrancelha e de boca junto com o sinal simples “MATERIAL”. No vídeo do YouTube, com foto reproduzida em 17., é possível perceber uma diferença ao observarmos o sinal boca SEXOb e o sinal simples MATERIAL, formando um composto simultâneo. Outro dado encontrado em gravações do YouTube com o sinal boca ROUBARb foi “lava-jato”:

2. Os sinais encontrados no YouTube foram reproduzidos em foto por uma das auto-ras para preservarmos a imagem dos sinalizantes que disponibilizaram os vídeos.

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18. Lava-jato

Nesse sinal em 18. temos o sinal boca SEXOb realizado simulta-neamente com um sinal manual, formando também um compos-to simultâneo.

Com base nos dados apontados acima, essa pesquisa consegue perceber uma certa produtividade de compostos simultâneos na Libras, e seu desdobramento em compostos simultâneo-sequen-ciais, além da ocorrência de sinais boca em dados que parecem apontar para o uso cada vez mais comum desses tipos de sinais. Entretanto, não observamos uma alta produtividade de sinais boca para além daqueles já encontrados em trabalho anterior, ou seja, SEXOb e LADRÃO/ROUBARb.

Em trabalho futuro, pretendemos olhar para um corpus maior e investigar os valores da ENM boca que aparecem na sinalização em sinais compostos e em outros sinais.

34 – Compostos simultâneos e sinais boca na Libras

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Referências

BRENNAN, Mary. Word formation in British Sign Language. Stockholm: Sto-ckholm University Press, 1990.

CAPOVILLA, Fernando Cesar; RAPHAEL, Walkiria Duarte; TEMOTEO, Janice Gon-çalves; MARTINS, Antonielle Cantarelli. Dicionário da Língua de Sinais do Brasil: a Libras em suas mãos. 3 volumes. 2017.

FELIPE, Tanya Amara. Os processos de formação de palavras na LIBRAS. ETD – Edu-cação Temática Digital, Campinas, v. 7, n. 2, p. 200-217, jun. 2006.

FIGUEIREDO SILVA, Maria Cristina; SELL, Fabíola Ferreira Sucupira. Algumas no-tas sobre os compostos em português brasileiro e em LIBRAS. Comunicação apresentada na Universidade de São Paulo. São Paulo: 2009. Disponibilizado, na forma de artigo, através do link: http://linguistica.fflch.usp.br/sites/linguistica.fflch.usp.br/files/FIGUEIREDOSILVA-SELL.pdf. Acesso em: 30/06/2015.

QUADROS, Ronice Muller; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de sinais brasileira: estudos lingüísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.

RODERO-TAKAHIRA, Aline Garcia. Compostos na língua de sinais brasileira. Dis-sertação de Doutorado. 2015.

YOUTUBE. Vídeos diversos.

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Morfologia da língua de sinais brasileira: descrição e caminhos de análise

Aline Garcia Rodero-Takahira

O presente trabalho objetiva apresentar as pesquisas desenvolvi-das e em andamento sob minha supervisão no Grupo de Estudos Lin-guísticos da Libras (GELLI) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). O GELLI teve início em agosto de 2014 com encontros quin-zenais e já visitou temas que abrangem alguns dos níveis de análise linguística, a saber, fonologia, morfologia e sintaxe da libras (Língua Brasileira de Sinais), passando por discussões sobre os classificadores nas línguas naturais; documentação e anotação da libras; e, composi-ção nas línguas de sinais (LSs), de modo geral.

Pelo fato de a libras ser uma língua de modalidade vísuo-espacial, há a possibilidade de realizações simultâneas que refletem tanto no nível fonológico, quanto nos níveis morfológico e sintático. O foco principal das pesquisas desenvolvidas no GELLI tem morado no âmbito dos estudos morfológicos da libras, tanto descritivos quanto analíticos. A possibilidade de realizações morfológicas simultâneas traz um desafio para modelos que trazem análises pela morfologia concatenativa. Enquanto alguns pesquisadores apresentam dados simultâneos como parte da morfologia não-concatenativa e como um efeito de modalidade, buscamos mostrar como a morfologia con-catenativa pode dar conta dos diversos dados observados e como o

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

chamado efeito de modalidade se apresenta apenas na estrutura superficial da língua.

Os fenômenos morfofonológicos nas LSs, em especial na libras, ainda são muito pouco detalhados e, apesar de alguns autores afir-marem que as LSs sejam línguas que apresentam sinais mono-morfêmicos, a riqueza morfológica dessas línguas vem se estabe-lecendo em pesquisas realizadas nas últimas décadas.

Dentre os fenômenos morfológicos observados nas línguas de sinais, a composição é o fenômeno mais produtivo (Cf. KLIMA; BELLUGI, 1979, LIDDELL, 1984, sobre a ASL – Língua de Sinais Americana, QUADROS; KARNOPP, 2004, FELIPE, 2006, FIGUEI-REDO-SILVA; SELL, 2009, sobre a libras). Os compostos podem ser divididos em três grandes grupos, a saber, sequencial, simul-tâneo e simultâneo-sequencial (Cf. BRENNAN, 1990, sobre a BSL – Língua de Sinais Britânica, RODERO-TAKAHIRA, 2015, sobre a libras), conforme os exemplos abaixo:

1) Sequencial

(RODERO-TAKAHIRA, 2015).

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2) Simultâneo

(RODERO-TAKAHIRA, 2015).

3) simultâneo-sequencial

(RODERO-TAKAHIRA, 2015)

Klima e Bellugi (1979) encontram propriedades rítmicas na si-nalização. Eles fazem uma analogia entre as características vísuo--gestual da ASL com os padrões entonacionais do inglês oral para distinguir compostos da ASL de frases. Os autores mostram que a redução que ocorre nos morfemas raiz quando eles são com-binados para formar compostos acontece por conta de uma ou mais dessas estratégias: a. Redução da pausa no seguimento; b. Redução ou perda do movimento em uma das raízes do sinal; c.

35 – Morfologia da língua de sinais brasileira: descrição e caminhos de análise

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Apagamento da reduplicação do morfema raiz (geralmente a raiz do primeiro sinal); e, d. Redução do movimento de transição en-tre os dois sinais (KLIMA; BELLUGI, 1979). No mesmo sentido de depreender as características dos compostos na ASL, Lidell (1984) apresenta três regras morfológicas para a criação de compostos nessa língua: 1- Regra do contato; 2- Regra da sequência única; e, 3- Regra da antecipação da mão não-dominante.

Outro fenômeno produtivo e que vem sendo bastante estudado em línguas orais é o cruzamento vocabular (também conhecido por Blend, Lexical blending, Palavra-Valise, Mistura, Amálgama, Fusão vocabular e Portmanteau). Segundo Andrade e Rondinini (2016), esse fenômeno é parecido com a composição, porém se diferencia por fundir duas palavras pertencentes ou não à mesma classe gramatical em um todo fonético, com um único acento, com perda ou compartilhamento de elementos em um ponto de fusão, sendo regido pela semelhança fônica entre as duas palavras. Dois exemplos do português brasileiro são: “namorido” (namorado + marido) e “boadrasta” (boa + madrasta).

Xavier e Neves (2016) exemplificam o fenômeno de fusão na libras com os seguintes dados: “pronome” – formado pelo sinal “NOME” e parte do sinal “SUBSTITUIR”; “Letras-Libras” – forma-do por parte do sinal “LETRA” e parte do sinal “LIBRAS”; “Letras--Libras: bacharelado em tradução” – formado por parte do sinal “LETRA” e parte do sinal “TRADUÇÃO”; e, “Letras-Libras: licen-ciatura” – formado por parte do sinal “LETRA” e parte do sinal “ENSINAR”.

Com exceção do sinal “NOME”, que é realizado com uma única mão, todos os outros sinais apresentam duas mãos idênticas, como em “SUBSTITUIR”, “LETRA”, “LIBRAS” e “ENSINAR” e a perda se refere à eliminação de uma das mãos na sinalização, de forma que no sinal fundido cada mão realiza parte de um sinal diferente (como “LETRAS-LIBRAS”); ou uma mão dominante e uma mão não-dominante, como acontece com o sinal “TRADUÇÃO”, que ao se fundir com “LETRA”, perde a mão de apoio.

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Feitas as considerações iniciais acima, o meu projeto atrelado ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da UFJF é intitu-lado “Aquisição (a)típica da libras: avaliação de efeitos morfofono-lógicos em compostos (2018-2021)”. Esse projeto visa, em um pri-meiro momento, descrever e analisar as peças morfológicas que fazem parte do processo de composição na libras, abrangendo si-nais classificadores (sinais formados por uma raiz e um morfema classificador; Cf. RODERO-TAKAHIRA, 2015; RODERO-TAKAHI-RA, manuscritoa), sinais simples (sinais manuais) e sinais boca (sinais simples realizados sem o componente manual, apenas com movimento de língua, bochecha e lábios; Cf. RODERO-TAKAHI-RA, 2015), buscando uma análise considerando a morfologia con-catenativa e trazendo à tona uma discussão sobre a sequencia-lidade e a simultaneidade, bem como a iconicidade em línguas de sinais, e os efeitos de modalidade. Em um segundo momen-to, essa pesquisa trata da aquisição atípica da libras por surdos. Em decorrência dessa aquisição tardia, os sujeitos surdos podem apresentar desordens de desenvolvimento de comunicação que se manifestam nos diversos níveis de processamento da linguagem, podendo apresentar um comprometimento na compreensão e/ou na produção da língua de sinais (LSs) (Cf. BARBOSA, 2016, p. 749). O processo de aquisição de compostos será observado, pois além de eles apresentarem vários tipos de peças morfológicas dispo-níveis na libras, eles envolvem padrões fonológicos específicos, como apontei acima. Assim, os compostos serão dados muito ricos para observarmos efeitos morfofonológicos específicos e a com-preensão e expressão desses dados por sinalizantes surdos com aquisição tardia.

A primeira parte desse projeto abarca questões mais específicas que concernem: i) a descrição dos compostos da libras; ii) a inves-tigação da natureza dos classificadores envolvidos na composição; iii) a investigação da natureza e da produtividade dos sinais boca; e, iv) uma proposta de adequação e padronização de anotação de dados da libras. Essa parte da pesquisa está em desenvolvimento

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

e abriga uma orientação de mestrado em andamento que proble-matiza as noções de arbitrariedade e de iconicidade, bem como os conceitos de motivado e de imotivado nas línguas de sinais, de modo geral, e na libras, de modo específico, trazendo em tela sinais classificadores com diversos tipos de morfemas classificado-res e uma proposta de anotação para tais dados (MEDEIROS, em andamento).

Anterior a esse projeto maior, alguns subprojetos já foram, ou ainda vêm sendo, desenvolvidos nesse mesmo sentido. O projeto “Ferramentas de anotação para a Libras (02/2015 – 02/2016)” trouxe uma proposta de padronização para anotação de dados da libras em trabalhos acadêmicos (MEDEIROS; RODERO-TAKAHIRA, no pre-lo), bem como uma proposta de anotação para as expressões não--manuais boca (DE PAULA; RODERO-TAKAHIRA, manuscrito).

O projeto “Composição na língua de sinais brasileira (04/2017 – 04/2018)” desenvolveu uma pesquisa com foco principal na ve-rificação da ocorrência, do registro e da produtividade de compos-tos simultâneos com sinal boca na libras (Cf. ARAÚJO; RODERO--TAKAHIRA neste livro).

O projeto “Evolução da produção de compostos na língua de si-nais brasileira (01/09/2017 – 31/07/2018)” traz duas pesquisas em andamento que verificam a evolução dos compostos em glossários e em dicionários, analisando o tipo de apagamento algumas vezes observado nos compostos, bem como as possíveis flutuações e mu-danças encontradas. Uma delas (Cf. ALVES, manuscrito) verifica o tipo de deletação que vem ocorrendo em sinais compostos da li-bras a partir de um corpus revisto e atualizado em um intervalo de 48 anos – considerando os sinais compostos presentes na primeira publicação do livro “Linguagem das Mãos” (1969) em comparação com a edição revista e ampliada do livro publicada em 2017 com o título “Língua das Mãos”. A pesquisa busca mostrar, morfologi-camente, como a Libras vem caminhando do uso de compostos com dois ou três sinais para construções menores, algumas vezes

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observando a coexistência de sinais compostos e construções me-nores e, outras vezes, ocorrendo de fato à mudança linguística, ou seja, observando-se apenas o uso da construção menor. A outra pesquisa (PIRES, manuscrito) verifica se os sinais compostos re-gistrados no período compreendido entre 2001 e 2017 nos dicioná-rios da libras Capovilla et al. (2001, 2010 e 2017) sofreram alguma alteração significativa em sua formação, como o acréscimo ou a redução dos mesmos, ou se permaneceram da mesma forma.

Ainda, Rodero-Takahira (manuscritob)) considera dados obser-vados em sinalizações naturais, em conversas entre e com sinali-zantes fluentes da libras, e observa alguns dados que apresentam características diferentes daquelas dos compostos apresentados e que são ligeiramente diferentes dos casos de fusão expostos mais acima, no entanto, também parecem se tratar de casos de cruza-mento vocabular (ou fusão). Tais dados são, por exemplo, i) “En-sino a distância” – formado pela junção da configuração de mão (CM) e movimento (M) interno das mãos do sinal “ENSINAR” e a localização (L) e o M espacial do sinal “DISTÂNCIA”; e, ii) “Três Rios (nome de cidade)” – formado pela junção da CM do sinal “TRÊS” e a L e o M espacial de “CAMINHOCL”, o segundo sinal que compões “rio” (ÁGUA>CAMINHOCL). Considerando as ca-racterísticas morfofonológicas que marcam o processo de compo-sição na libras, os dados em tela parecem ter características dife-rentes daquelas observadas no processo de composição. A saber, há um corte inicial na formação de dois sinais que então se unem formando uma única palavra. Esse trabalho estuda a natureza des-sas formações respondendo as seguintes questões: a) qual é a na-tureza do corte observado nesse sinais? É um corte morfológico ou fonológico?; b) tais sinais formam um subtipo de compostos na libras? Se sim, qual?; c) tais sinais indicam o fenômeno do cruzamento vocabular na libras? Se sim, de que tipo?; e, d) qual é a produtividade desse grupo de sinais na libras?

Para finalizar, Rodero-Takahira (no prelo) traz uma descrição detalhada e caminhos de análise à luz da teoria gerativa para

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

diversos fenômenos morfológicos da libras, dentre eles compo-sição (sequencial, simultânea e simultâneo-sequencial), cruza-mento vocabular, incorporação de numeral, derivação de pares nome-verbo, dentre outros.

Em suma, as pesquisas desenvolvidas no âmbito do GELLI, buscam trazer avanços nos estudos linguísticos da libras no que concerne à descrição (dos compostos e elementos envolvidos na composição); à anotação (dos dados em tela); à aquisição (típica e tardia dos dados em tela); e à teoria (que será repensada frente a dados de modalidade vísuo-espacial); podendo servir como fonte de análise e estudo para professores, pesquisadores e interessados em pesquisas sobre a libras, de modo geral.

Referências

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BARBOSA, Felipe Venâncio. A Clínica Fonoaudiológica Bilíngue e a Escola de Surdos na Identificação da Língua de Sinais Atípica. Educ. Real, Porto Alegre, v. 41, n. 3, p. 731-754, Set. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script= sci_arttext&pid=S2175-62362016000300731&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 02 de maio de 2017.

BRENNAN, Mary. Word formation in British Sign Language. Stockholm: Sto-ckholm University Press, 1990.

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CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D.; TEMOTEO, J. G.; MARTINS, A. C. Dicionário da Língua de Sinais do Brasil – a Libras em suas mãos. v. 1, 2 e 3. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2017.

CAPOVILLA, Fernando César; RAPHAEL, Walkiria Duarte; MAURÍCIO, Aline Lofre-se. Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da Língua de Sinais Brasi-leira – Libras. v. I e II. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ Impren-sa Oficial do Estado, 2010.

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CAPOVILLA, Fernando César; RAPHAEL, Walkiria Duarte. Dicionário enciclopédi-co ilustrado trilíngue da Língua de Sinais Brasileira – Libras. v. I e II. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ Imprensa Oficial do Estado, 2001.

DE PAULA, Fábio Cristiano; RODERO-TAKAHIRA, Aline Garcia. (manuscrito). Ano-tando expressões não-manuais boca na libras.

FELIPE, Tanya Amara. Os processos de formação de palavras na LIBRAS. ETD – Edu-cação Temática Digital, Campinas, v. 7, n. 2, p. 200-217, jun. 2006.

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LIDELL, Scott K. Think and believe: sequentiality in American Sign Language. Lan-guage, v. 60, n. 2, p. 372-399, 1984.

MEDEIROS, Davi Vieira. Icônico ou Arbitrário? Motivado ou Imotivado? Uma proposta de (re)discussão e de problematização dessas noções na Libras. Dissertação de Mestrado em andamento. Universidade Federal de Juiz de Fora.

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PIRES, Míriam Aparecida. Evolução dos compostos da língua de sinais brasileira. Manuscrito apresentado na “I Semana de Estudos Linguísticos da UFJF”.

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XAVIER, André Nogueira; NEVE, Sylvia Lia Grespan. Descrição de aspectos morfoló-gicos da libras. Revista Sinalizar, v. 1, n. 2, p. 130-151, jul./dez. 2016.

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História da alfabetização de surdos no triângulo mineiro – 1960 - 1980

Kleyver Tavares DuarteSônia Maria dos Santos

O problema e sua justificativa

Este estudo insere-se no campo da pesquisa historiográfica em edu-cação, cujo objetivo é investigar a História da alfabetização de surdos no Triângulo Mineiro – MG, entre os anos de 1960 a 1980. A educação de surdos é um tema inquietante, principalmente pelas dificuldades que impõe e por suas limitações. As propostas educacionais direcionadas para o aluno surdo têm como objetivo proporcionar o desenvolvimento pleno de suas capacidades; contudo, não é isso que se observa na prá-tica. Diferentes práticas pedagógicas envolvem esses sujeitos surdos que apresentam uma série de limitações, que ao final da escolarização básica, não são capazes de ler e escrever satisfatoriamente ou ter um domínio adequado dos conteúdos escolares. Esses problemas têm sido abordados por uma série de autores que, preocupados com a realidade escolar do surdo no Brasil, procuram identificar tais problemas (FER-NANDES, 1989, TRENCHE, 1995, e MÉLO, 1995) e apontar caminhos possíveis para a prática pedagógica (GÓES, 1996, e LACERDA, 1996).

Foi no início do século XVI que se começa a admitir que os surdos podem aprender através de procedimentos pedagógicos sem que haja

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interferências sobrenaturais. Surgem relatos de diversos pedagogos que se dispuseram a trabalhar com surdos, apresentando diferentes resultados obtidos com essa prática pedagógica. O propósito da educa-ção dos surdos, então, era que estes pudessem desenvolver seu pensa-mento, adquirir conhecimentos e se comunicar com o mundo ouvin-te. Para tal, procurava-se ensiná-los a falar e a compreender a língua falada, mas a fala era considerada uma estratégia, em meio a outras, de se alcançar tais objetivos.

L’Epée havia renomados pedagogos oralistas que o criticavam e que desenvolviam outro modo de trabalhar com os surdos, como, por exemplo, Pereira, em Portugal, e Heinicke, na Alemanha. Heinicke é considerado o fundador do oralismo e de uma metodologia que ficou conhecida como o “método alemão”. Para ele, o pensamento só é pos-sível através da língua oral, e depende dela. A língua escrita teria uma importância secundária, devendo seguir a língua oral e não precedê--la. O ensinamento através da linguagem de sinais significava ir para o contrário ao avanço dos alunos (MOORES, 1978). Os pressupostos de Heinicke têm até hoje adeptos e defensores.

Nesse processo histórico o descontentamento com o oralismo e as pesquisas sobre línguas de sinais deram origem a novas propostas pedagógico-educacionais em relação à educação da pessoa surda, e a tendência que ganhou impulso nos anos 70 foi a chamada comunica-ção total.

A Comunicação Total é a prática de usar sinais, lei-tura orofacial, amplificação e alfabeto digital para fornecer inputs linguísticos para estudantes surdos, ao passo que eles podem expressar-se nas modali-dades preferidas (STEWART, 1993, p. 118).

O objetivo é fornecer à criança a possibilidade de desenvolver uma comunicação real com seus familiares, professores e coetâneos, para que possa construir seu mundo interno. A oralização não é o objeti-vo em si da comunicação total, mas uma das áreas trabalhadas para possibilitar a integração social do indivíduo surdo. A comunicação

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

total pode utilizar tanto sinais retirados da língua de sinais usada pela comunidade surda quantos sinais gramaticais modificados e marcadores para elementos presentes na língua falada, mas não na língua de sinais. Dessa forma, tudo o que é falado pode ser acompanhado por elementos visuais que o representam, o que facilitaria a aquisição da língua oral e posteriormente da leitura e da escrita (MOURA, 1993).

O objetivo da educação bilíngüe é que a criança surda possa ter um desenvolvimento cognitivo-lingüístico equivalente ao ve-rificado na criança ouvinte, e que possa desenvolver uma relação harmoniosa também com ouvintes, tendo acesso às duas línguas: a língua de sinais e a língua majoritária.

A abordagem bilíngüe possibilita também que, dada à relação entre o adulto surdo e a criança, esta possa construir uma autoi-magem positiva como sujeito surdo, sem perder a possibilidade de se integrar numa comunidade de ouvintes. A língua de sinais poderia ser introjetada pela criança surda como uma língua valo-rizada, coisa que até hoje tem sido bastante difícil apesar de esta ocupar um lugar central na configuração das comunidades sur-das. O fato é que tais línguas foram sistematicamente rejeitadas e só recentemente têm sido valorizadas pelos meios acadêmicos e pelos próprios surdos (MOURA 1993).

Propor-se a discutir a educação de surdos, significa investigar na história e nos movimentos sociais construídos, as rupturas que evidenciam as relações de poder, que interpretam o significado do outro no discurso dominante, ou seja, uma investigação epistemo-lógica.

Para que a atual situação da educação dos surdos seja compre-endida nas suas raízes históricas e políticas e para que as decisões derivadas dessa análise possam contribuir para uma mudança da realidade educacional, se faz necessário discutir, largamente, sobre o lugar que ocupam na educação dos surdos, as transformações so-ciais de cada momento histórico e a lógica da ideologia dominante.

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36 – História da alfabetização de surdos no triângulo mineiro – 1960 - 1980

A pesquisa e a reflexão a partir da perspectiva que foram apre-sentados os dois fatos determinantes para educação dos surdos, a saber: a criação da primeira Escola Pública de Paris para Jo-vens e Adultos Surdos de Paris e o Congresso de Milão, trouxe das subjacências as atuais discussões das concepções da surdez e dos surdos pelo ouvinte e suas conseqüências na organização política, social e educacional para a comunidade surda.

Entre as contribuições que geram essas mudanças, é impres-cindível a divulgação das recentes vivências educacionais deno-minadas de educação bilíngüe, em nosso País (Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e o português), e o aprofundamento teórico acerca das concepções sociais, culturais e antropológica da sur-dez e do surdo, e principalmente, o reconhecimento da diferença – não da deficiência – como mais um exemplo da diferença hu-mana, para construção da cidadania e, conseqüentemente, de um verdadeiro processo educativo.

A pergunta que não quer calar para realizar esta investigação é analisar como foi o processo de alfabetização dos surdos no perío-do de 1960 a 1980.

Objetivos

O objetivo geral deste estudo será, investigar a história da al-fabetização de surdos do Triângulo Mineiro, no período de 1960 a 1980, analisando os modos como foram alfabetizados, bem como os lugares e materiais utilizados pelos professores da APAE e AFADA.

Os objetivos específicos são:

• Analisar as fontes documentais encontradas sobre os alu-nos matriculados;

• Mapear a quantidade de alunos alfabetizados;

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

• Coletar junto aos pais e professores os possíveis cadernos e ou materiais pedagógicos;

• Analisar as narrativas das professoras e dos pais.

Procedimentos metodológicos

Para fazer essa pesquisa sobre a história da alfabetização dos surdos no Triângulo Mineiro, sabemos que os mesmos não fre-quentavam escola regular, somente escola especial, tais como: APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, AFADA - Associação Filantrópica de Assistência ao deficiente auditivo ou instituições filantrópicas de pessoas surdas e alguns não foram es-colarizados, pois, eram considerados “doentes” e superprotegidos pela família e, também, porque a escola comum diz nunca estar preparada para recebê-los.

Como recurso metodológico, adotaremos o cruzamento de fon-tes orais, documentais e impressas que podem ter sido utilizadas tais como: cartilhas, folhas mimeografadas e fontes iconográficas, de forma que os documentos encontrados e os sujeitos possam ser abordados não só como parte de um sistema social que, até certo ponto, o determina, mas por meio das experiências subjetivas e individuais narradas pelos professores e pais que vivenciaram o processo de alfabetização no período de 1960 a 1980.

É preciso considerar que a metodologia escolhida, para coletar as narrativas por meio de entrevistas gravadas poderá documen-tar uma outra versão do passado, dita pelos próprios professores e pais dos alunos. Ao captar múltiplas versões, a história apresenta--se como um campo de possibilidades e uma diversidade de abor-dagens pouco explorada nessa área.

Acredito que o trabalho com fontes iconográficas pode possibi-litar um caráter dialógico, uma vez que podem existir traços co-muns de interesses em um dialogo infindável entre o entrevista-

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dor e o entrevistado. O pesquisador que trabalha com memória e fontes iconográficas deve estar aberto as reinterpretações e ter um olhar cuidadoso para os passos que devem ser percorridos.

O trabalho do pesquisador que faz opção pela fonte iconográ-fica deve ter, sobretudo, uma profunda dimensão ética, traduzida na sua capacidade de desvendar relações humanas, guardando um grande respeito ao indivíduo que é, ao mesmo tempo, objeto e su-jeito de seu trabalho. Neste estudo a Fonte Iconográfica é definida como sendo: “Gênero documental integrado por documentos que contêm imagens fixas, impressas, desenhadas ou fotografadas, como fotografias e gravuras. Neste caso, o Dicionário privilegia o documento fotográfico ao destacar, em verbete à parte: “Fotografia em positivo ou negativo” (p. 76).

O mérito dessa pesquisa está no fato e na possibilidade cons-truir como afirma Thompson (1998), em torno de indivíduos que lançam vida para dentro da própria história e com isso alargam seu campo de ação. A questão da identidade nos parece funda-mental quando indagamos sobre a história, a vida e a pessoa que é o surdo, ou seja, quando queremos saber como e em que lugares cada um foi alfabetizado. Por essas e tantas outras questões apre-sentadas neste projeto, a metodologia escolhida para realizar este estudo, apesar de sua complexidade poderá nos proporcionar de forma mais clara e por que não justa, a compreensão da história da alfabetização de surdos no Triângulo Mineiro. Analisando como foi o processo de alfabetização em que o surdo foi inserido? En-tendendo como processo, o conceito de alfabetização, os materiais escolhidos, a metodologia, e a concepção de surdez dos professo-res e pais.

Quando nós queremos investigar a história da alfabetização de surdos no Triângulo Mineiro, estamos de certa forma desejando reconstruir o passado, para obter o tempo coletivo, fora de nós e de todas as memórias individuais as quais trabalharemos. Não é na história aprendida, mas na história vivenciada que se apóia a nossa memória. As lembranças, em larga medida, são uma recons-

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

trução do passado, com a ajuda de dados emprestados do presente. (HALBWACHS, 1990).

Se memória e história se identificam na medida em que evo-cam o passado; a história é um quadro de acontecimentos; as memórias, centros de tradições. Para Halbwachs “único meio de salvar tais lembranças é fixá-las por escrito em uma narrativa se-guida uma vez que as palavras e os pensamentos morrem, mas os escritos permanecem”. (1990, p. 81).

A partir das considerações que teci inicialmente, alguns aspec-tos da história da alfabetização dos surdos da região do Triângulo Mineiro são, a seguir, destacados, tomando como indicadores de sua trajetória pessoal e social, as transformações ocorridas no pe-ríodo de 1960 a 1980, são vinte anos de ditadura e início da abertu-ra política chamada de democracia.

Referências

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36 – História da alfabetização de surdos no triângulo mineiro – 1960 - 1980

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

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Adaptação e tradução de L1 para L2 com material visual de Escrita de Língua de Sinais (ELS): para surdos e/ou ouvintes bilíngues em LIBRAS

Kleyver Tavares Duarte

O problema e sua justificativa

Reconhecer a importância da literatura infantil e incentivar a formação do hábito de leitura na idade em que todos os hábitos se formam, isto é, na infância, é o que este artigo vem propor. Neste sentido, a literatura infantil é um caminho que leva a criança a desenvolver a imaginação, emoções e sentimentos de forma pra-zerosa e significativa. O presente estudo inicia com uma breve construção da tradução e interpretação da Escrita de Sinais para a literatura infantil, apresenta conceitos de linguagem e leitura, enfoca a importância de ver histórias e do contato da criança des-de cedo com o livro e finalmente esboça algumas estratégias para desenvolver o hábito de ler e escrever o seu processamento até a formação acadêmica.

Na sociedade, a escrita desempenha um papel fundamental. Está em toda parte, e precisamos dela nas mais diferentes situações da

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

vida. Além disso, numa sociedade em que quase tudo passa pela escrita, a alfabetização é essencial para uma melhor compreensão da realidade. E na educação de surdos que não possuem um escrita própria da língua de sinais e existem conflitos e a falta de compre-ensão na sociedade majoritária.

Na aprendizagem da leitura e da escrita, a criança percorre um caminho individual e próprio. À medida em que está em contato com materiais de leitura, tais como rótulos, embalagens, cartazes, livros, revistas, etc, ela está, sobretudo, iniciando o seu processo de descoberta do código escrito e dos sujeitos surdos?

Segundo a forma, quando a criança entra na escola, traz uma série de experiências e conhecimentos sobre a leitura e a escrita. Porém, sua compreensão é ainda muito restrita, necessitando da intervenção do professor para que possa ampliar seu universo em torno do símbolo escrito para a compreensão e entendimentos e dos surdos quais são elas?

No decorrer do processo de alfabetização, a criança escreve, lê e constrói seus conhecimentos. Enquanto aprende, testa suas hipóteses ora arriscando, ora errando ou acertando. Deve-se co-nhecer e respeitar o desenvolvimento da criança oferecendo-lhe ajuda, explicitando informações desconhecidas, valorizando seus conhecimentos e favorecendo deduções pertinentes. Enfim, o im-portante é não inibi-la em seu processo de descoberta e dos surdos quais são?

Segundo Burke (2003), o domínio da escrita é um pré-requisito para as aprendizagens das disciplinas escolares nas séries finais do Ensino Fundamental. Ou seja, depois de aprender a ler e escrever nas séries iniciais, o aluno deve aprender o conhecimento existen-te por meio da escrita. Os professores, como letrados, comparti-lham essa expectativa construída ao longo da história da educação no mundo ocidental, em que, paralelamente ao crescimento expo-nencial de conhecimentos registrados em forma escrita, a escola recebeu a tarefa inicial de ensinar a ler e escrever para o acesso

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posterior dos alunos que pudessem fazê-lo aos conhecimentos das diferentes áreas de conhecimento.

Pesquisa em andamento de traduções de materiais (livros didá-ticos, gibis e etc) de escrita da língua de sinais (ELS) um privilégio para as reflexões em torno de uma boa forma de tratar melhor um tipo de escrever e ler com clareza a partir do modo de esquerda para a direita e de baixo para cima. Constituindo uma boa leitu-ra aos públicos sujeitos surdos e/ou ouvintes usuários de LIBRAS com facilidade. Tradução, revisão e adaptação com os cuidados para uma boa qualidade e qualitativa na leitura visual escrita de sinais na educação bilíngüe para surdos.

Objetivo Geral

• Extrair livro de literatura na educação de surdos, livros di-dáticos, revistas, gibis e etc;

• Possibilitar tradução para a escrita da língua de sinais (ELS).

Objetivo Especifico

• Traduzir para a escrita da língua de sinais (ELS) livros didá-tico de geografia, leitura na educação de surdos e etc;

• Reconhecer através na leitura visual de escrita da língua de sinais (ELS);

• Distinguir novos sinais através da leitura extraída.

• Aprofundar o conhecimento lingüístico e cognitivo.

• Manusear a escrever.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Metodologia

Para leitores surdos e/ou ouvintes usuários da LIBRAS que aproveite e vivencie atividades que estimulem o uso da lingua-gem visual escrito para que possam desenvolver a cada etapa de conhecimentos lingüísticos e cognitivo. Também identificar novos vocabulários da LIBRAS.

Conclusão

Antes do surgimento da escrita, os gregos antigos encarrega-vam um mensageiro, que ia, de navio ou a cavalo, levar a notícia desejada. A comunicação só acontecia cara a cara. Passados mais de 3.000 anos , como você fica sabendo das notícias de guerra que acontecem no mundo hoje? A velocidade de informação que temos hoje só foi possível graças ao desenvolvimento da escrita.

Espero que essas traduções possam crescer e ajude a tornar-se um marco do desenvolvimento da escrita para a educação bilín-güe para surdos a importância na formação de leitores de sujeitos surdos e/ou ouvintes usuários de LIBRAS ser critico e reflexivo. Também aos pesquisadores lingüísticos e para os intérpretes apro-veitando e explorando a experiência visual do pensamento lin-güístico dos sujeitos surdos através nas traduções aprofundando o seu conhecimento com eficaz.

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Material visual escrita da língua de sinais (els) - produzidos

Fonte da imagem original: http://dragonfall.blogspot.com/2012/05/turma-da-monica.html

 

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Imagem com tradução da escrita de sinais

Fonte: Maurício de Sousa Produções Ltda.

 

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Fonte: tradução por mim – gravuras dos mapas no livro didático de Geografia do 8º ano, livro: Geografia – o espaço geográfico da américa, oceania e regioes polares. 7ª série / Garavello & Garcia, Editora Scipione – ISBN 8526243055 / ISBN 13 9788526243057. Edição – 10/2003, 240 páginas.

 

37 – Adaptação e tradução de L1 para L2 com material visual de Escrita de Língua de Sinais (ELS): para surdos e/ou ouvintes bilíngues em LIBRAS

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Gravuras contidas no CD Expert Multimidia Pack

Fonte: criado por mim – material elaborado de atividades para alunos de diversos cursos de graduação na Universidade Federal de Uberlãndia – UFU, 2017/2018.

 

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37 – Adaptação e tradução de L1 para L2 com material visual de Escrita de Língua de Sinais (ELS): para surdos e/ou ouvintes bilíngues em LIBRAS

Referências

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

RAMAL, Andréa Cecília. Educação e cibercultura: hipertextualidade, leitura, escri-ta e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002.

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Anexos

Fonte da imagem original: http://dragonfall.blogspot.com/2012/05/turma-da-moni-ca.html

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Artes e Educação de surdos: reflexões sobre o ensino de balé para surdos

Karina Ávila PereiraFernanda Caroline Silveira PerettaOtávio Ávila PereiraVictor Techera Silveira

Este artigo tem como objetivo apresentar o projeto de extensão “A comunidade surda reinventando a arte do balé”, promovido pela Uni-versidade Federal de Pelotas (UFPEL), o qual surge da necessidade do acesso das pessoas surdas à cultura e às artes, uma vez que fazem parte de uma minoria social que historicamente sofreu e ainda sofre preconceito e exclusão na sociedade (SANTANA; BERGAMO, 2005).

Partimos do pressuposto de que a dança e mais especificamente o balé podem trazer benefícios aos seus praticantes, pois, segundo Kassing (2016, p. 1):

O ballet é uma dança clássica ocidental e uma arte performática que data de mais de quatro séculos. Seu coração é a técnica que evoluiu com a contri-buição de dançarinos e coreógrafos ao redor do mundo. Com o passar do tempo, o ballet absor-veu princípios do movimento e desenvolveu vá-rios estilos ligados a períodos históricos, escolas e métodos que sustentam sua estética como arte performática.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Dessa forma, nos propomos a responder a seguinte questão: as pessoas surdas podem encontrar na dança uma forma de acesso à cultura? Posto isso, pensamos que através de um projeto de exten-são, com aulas semanais, para ensinar à comunidade surda passos básicos dessa técnica tão antiga e muitas vezes inalcançável à po-pulação em geral, poderíamos contribuir com o acesso à cultura para a comunidade surda.

Uma das metas desse projeto é permitir a exploração de signi-ficado através de obras clássicas do balé, que contam histórias na forma visual, como “O Quebra-nozes”, “O lago dos cisnes” e “A bela adormecida”. Além de abordarmos essas obras na sua visualida-de, indo ao encontro do conceito de Pedagogia Visual (LACERDA; SANTOS, 2013), pretendemos também a utilização das mesmas na sua forma escrita, em português, fazendo sempre menção ao fato de que a língua portuguesa para surdos constitui-se como segunda língua (KARNOPP; QUADROS, 2004).

O referido projeto também tem como finalidade aproximar e incentivar a comunidade surda de Pelotas e região para a prática de atividade física através da aprendizagem de passos básicos do balé clássico, de danças e exercícios de força, resistência e flexibi-lidade. O projeto também prevê a elaboração de uma apostila ou glossário com sinais em Libras (Língua Brasileira de Sinais), espe-cíficos da área da dança, contribuindo para a difusão e ampliação do léxico da Libras.

Neste artigo, daremos enfoque à utilização da dança pela comu-nidade surda a partir da corrente teórica dos Estudos Surdos que se aproximam dos Estudos Culturais, nos quais se pretende des-locar e problematizar a compreensão sobre o problema do sujeito surdo. Os Estudos Culturais, área de estudo que vem estimulando pesquisadores dos Estudos Surdos (ES) no Brasil, formam um cam-po de pesquisas de caráter interdisciplinar na área da cultura, gê-nero, sexualidade, identidades nacionais, pós-colonialismo, etnia, políticas de identidade, discurso, textualidade e pós-modernidade. Essas constituem as temáticas abordadas por esses estudos. Nos

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38 – Artes e Educação de surdos: reflexões sobre o ensino de balé para surdos

ES, as referidas questões dão vitalidade para as discussões sobre cultu-ra, identidade e as diferenças surdas. Strobel (2008, p. 25) argumenta:

O essencial é entendermos que a cultura surda é como algo que penetra na pele do povo surdo, que participa das comunidades surdas, que partilha algo que tem em comum, seu conjunto de normas, valores e comportamentos.

Quando se trata de cultura surda, é indispensável apontar o con-ceito de surdez. De acordo com o decreto nº 5.626, que regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, a qual dispõe sobre a Libras:

Considera-se pessoa surda aquela que, por ter per-da auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras (BRASIL, 2005, p. 1 – Grifo nosso).

Nesse sentido, a experiência visual das pessoas surdas perpassa toda sua trajetória de vida, pois é o meio pelo qual esses indivíduos apreendem as informações do mundo. Podemos pensar que a cultura das pessoas surdas é também visual, pois se manifesta na sua produ-ção linguística (Libras é uma língua visual), artística e social. Sendo assim, procuraremos, neste espaço, enfatizar a experiência visual e artística, pois acreditamos que a dança é uma forma de expressar com o corpo os sentimentos e emoções das pessoas surdas. Em termos de artes surdas, podemos mencionar a produção da surda Betty Miller, a qual teve seu trabalho artístico reconhecido por produzir “Arte surda”. Suas pinturas mostram a experiência de ser surda a partir do olhar de um sujeito surdo.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Figura 1 – Obra de Betty Miller

Fonte: https://ifmyhandscouldspeak.wordpress.com/2011/09/06/betty-g-miller-art-pioneer/.

Em relação à Dança Surda, Lebedeff (2016, p. 12) destaca que:

Os surdos dançam e buscam formas diferen-tes de se expressar através da dança. As core-ografias podem tanto espelhar as experiências surdas, como o faz o grupo Deaf Can Dance, da Austrália, como podem ser coreografias que não remetam às questões da surdez, a exemplo do corpo de dança da Universidade de Gallau-det, em Washington. O que marca a experiên-cia visual na dança é a necessidade de buscar pistas não auditivas para marcar o ritmo, para se desenvolver consciência de tempo para cada tipo de dança, entre outras questões.

É nesse sentido, o de buscar outras pistas que não as auditivas, que estamos trabalhando para pensar em estratégias de ensino de dança, e, neste trabalho, em específico, o balé para surdos. Não

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obstante, a metodologia de trabalho para a execução desse projeto está embasada no conceito de Pedagogia Visual, ou seja, utilizar elementos visuais, como imagens, filmes e projeção para atender as especificidades de aprendizagem da comunidade surda.

As aulas são ofertadas à comunidade surda uma vez por sema-na, com duração de uma hora. As mesmas acontecem nas depen-dências da UFPEL, na Escola Superior de Educação Física, vis-to que precisamos de uma sala com piso específico para dança e barra. Alunos da graduação, em específico a de alunos do curso de Licenciatura em Dança da UFPEL, que já tenham cursado a disciplina de Libras I ou que estejam cursando são convidados a colaborar no projeto. Dessa forma, estaremos contribuindo para formação de futuros professores, para que, desde a graduação, possam pensar e construir estratégias metodológicas para ensinar alunos surdos.

Figura 2 – Sala de dança da ESEF (Escola Superior de Educação Física) / UFPEL

38 – Artes e Educação de surdos: reflexões sobre o ensino de balé para surdos

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Fonte: https://wp.ufpel.edu.br/nulab/danca-e-ginastica/.

Projetos que envolvam minorias linguísticas e culturais, como a comunidade surda, são importantes e justificam-se por contemplarem uma pequena parcela da população que, na maioria das vezes, possui pouco acesso à cultura e às artes em geral. A comunidade surda se apresenta como grupo em que identidades e culturas são produzidas a partir da experiência visual e do com-partilhamento de uma língua viso-gestual. A língua de sinais para os surdos é uma marca de suas identidades e o papel das escolas bilíngues para surdos, como também o das universidades públicas, é incentivar essa marca, ou seja, valorizar o ensino e difusão dessa língua como elemento característico de uma cultura e propiciador de comunicação entre seus pares e com o mundo ouvinte.

No entanto, a comunidade dos ouvintes, que representa a maior parte da população, tem pouco ou nenhum conhecimento sobre a Libras e sobre as especificidades linguísticas e culturais da co-munidade surda. A área de Libras da UFPEL participa ativamente das ações que envolvem a comunidade surda de Pelotas, sendo

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compromisso de nossa instituição dar retorno de nossos estudos e nossas pesquisas para esse grupo, através da criação de projetos de extensão, de pesquisa e de ensino.

Dessa forma, justificamos o presente projeto devido à falta de acesso das pessoas surdas à dança e à cultura em geral, conside-rando que muitas vezes essa comunidade não dispõe das mesmas condições para que possam prestigiar espetáculos culturais em teatros, por exemplo, uma vez que esses espaços, muitas vezes, não oferecem acessibilidade por meio de tradutores-intérpretes da Libras. Além disso, há a necessidade de elaboração de um glos-sário que contemple os sinais da dança, especificamente o balé, tendo como ponto de partida sinais já existentes relacionados à dança.

Primeiros dados

Até esse ponto do projeto foi possível perceber o quanto os mo-mentos de prática com a dança podem ser benéficos para os alu-nos. Estamos aprendendo a cada aula como ensinar aos surdos a contagem do tempo das músicas do balé, por meio de outras pistas que não sejam as auditivas. Vibração, toque e o olhar são elemen-tos fundamentais para alcançar esse objetivo.

Essa experiência tem nos mostrado que a dança, para ser re-alizada, não precisa ser necessariamente ouvida, porém, sentida de várias formas e, no caso de alunos surdos, precisa ser sentida e visualizada por meio de expressão corporal. Sendo assim, ela pode ser realizada através do amor pela dança, do esforço e pela dedica-ção dos alunos surdos.

Além de percebermos, nas aulas, a satisfação dos alunos em es-tarem praticando uma atividade física em que o professor conhece sua língua de instrução, é também possível notar alguma resistên-cia em relação ao balé, pois há um grande preconceito relacionado à prática da dança por pessoas surdas. Contudo, por se tratar de

38 – Artes e Educação de surdos: reflexões sobre o ensino de balé para surdos

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

um espaço aberto que permite a reflexão sobre determinados pre-conceitos e estereótipos acerca de quem pratica a dança, tem-se um ambiente acolhedor que estimula o entendimento e a possível quebra de paradigmas.

O que consideramos extremamente relevante nessa ação edu-cacional de dança para surdos é trabalhar a partir da concepção de que as pessoas surdas são capazes de fazer o que elas desejarem, desde que haja esforço e dedicação para alcançarem os objetivos. É importante também destacar que em Pelotas-RS não há lugares para a prática de atividade física em que as aulas sejam ministradas na língua nativa dessas pessoas, ou seja, a Libras. Reforçando a im-portância do envolvimento dos sujeitos com atividades artísticas e culturais, Cuypers et al. (2011, p. 7) comenta que: “O envolvimento dos sujeitos com artes e atividades culturais, tanto como partici-pante ou mero espectador, tem sido apontado como um elemento que eleva os índices de saúde física e emocional, como também de bem-estar”.

Com esse projeto, esperamos contribuir para a inclusão das pessoas surdas através do acesso ao conhecimento de uma técnica consolidada como o balé, ou seja, acesso aos conhecimentos de grandes obras da literatura estrangeira e de balés de repertório, trabalhando conjuntamente com a obra na sua forma visual (espe-táculo e teatro) e também com a sua forma escrita em português.

Também esperamos contribuir para uma melhora na saúde das pessoas surdas e na sua autoestima, uma vez que a técnica do balé auxilia na flexibilidade, tonicidade, força muscular, equilí-brio, coordenação motora e concentração dos alunos (BAMBIRRA, 1993). Além disso, a prática do balé exige posturas corporais que estimulam a modificação e desenvolvimento de diversos grupa-mentos musculares (THIESEN; SUMYIA, 2011).

Nesse sentido, o balé estimula de forma simultânea um com-prometimento físico e mental e pode propiciar, de forma agra-dável, experiências em que mente e corpo estejam envolvidos

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(KASSING, 2016). Por fim, esperamos contribuir para a difusão da Libras, uma vez que serão necessárias pesquisas para conhecer sinais específicos para a dança, se estes já existem e se estão incor-porados ao léxico da Libras.

Referências

BAMBIRRA, Wanda. Dançar e sonhar: a didática do ballet infantil. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.

BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-006/2005/decreto/ d5626.htm. Acesso em: 15 fev. 2018.

_______. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm. Acesso em: 15 fev. 2018.

CUYPERS, Koenraad; KROKSTAD, Steinar; LINGAAS-HOLMEN, Turid; KNUDTSEN, Margunn Skjei; BYGREN, Lars Olov; HOLMEN, Jostein. Patterns of receptive and creative cultural activities and their association with perceived health, anxiety, depression and satisfaction with life among adults: the HUNT study, Norway. Journal of Epidemiology & Community Health, p. jech, 2011.

KASSING, Gayle. Ballet. Fundamentos e técnicas. Tradução de Nilce Xavier. Barue-ri, São Paulo: Manole. 2016.

LACERDA, Cristina Broglia Feitosa; SANTOS, Lara Ferreira dos (org). Tenho um alu-no surdo, e agora? Introdução à Libras e educação de surdos. EDUFSCAR: São Carlos, 2013.

LEBEDEFF, Tatiana. Língua de sinais e cultura surda. Qual o seu lugar na escola? In: AQUINO, Ivânia; CRESTANI, Luciana; DIAS, Luis; DIETRICH. (org). Língua, literatura, cultura e identidade. Entrelaçando conceitos. Passo Fundo: Passo Fundo, 2016.

KARNOPP, Lodenir Becker; QUADROS, Ronice Müller de. Língua de sinais brasilei-ra: estudos lingüísticos. 1. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2004.

STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.

SANTANA, Ana Paula; BERGAMO, Alexandre. Cultura e identidade surdas: encruzi-lhada de lutas sociais e teóricas. Educação & Sociedade, p. 565-582, 2005.

THIESEN, Tatiana; SUMIYA, Alberto. Equilíbrio e arco plantar no balé clássico. Cons-cientiae Saúde, v. 10, n. 1, p. 138-142, 2011.

38 – Artes e Educação de surdos: reflexões sobre o ensino de balé para surdos

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Adília Alves Pereira

Possui graduação em Letras Português/Inglês (2010), especialização em Literatura Brasileira (2012), Especialização em Libras (2015) pela Fa-culdade de Filosofia, Ciências e Letras de Alegre-FAFIA. Mestrado em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores (2018) pela Universi-dade Federal do Espírito Santo – UFES. Professora de Língua Portuguesa da rede básica de ensino do estado do Espírito Santo.

Aline de Castro e Kaster

Professora de Libras do Centro de Letras e Comunicação na Univer-sidade Federal de Pelotas. Graduada em Letras/Libras pela Universida-de Federal de Santa Catarina. Especialista em Educação dos Surdos pela Universidade Federal de Pelotas. Diretora do Departamento Cultural da Associação dos Surdos de Pelotas.

Aline de Menezes Bregonci

Possui graduação em Licenciatura Plena em História pela Universida-de Federal do Espírito Santo (2003), Bacharelado em História pela Uni-versidade Federal do Espírito Santo (2003), mestrado em Educação pela

Sobre os autores

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Universidade Federal do Espírito Santo (2012) e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente é professora adjunto I da Universidade Federal do Espírito Santo. Tem experiência na área de educação, com ênfase em Ensino da Língua Brasileira de Sinais e Educação e Inclusão, atuando principalmente nos seguintes temas: edu-cação de surdos, língua brasileira de sinais, educação de jovens e adultos, educação especial, educação inclusiva, diversidade, direitos humanos e cidadania.

Aline Garcia Rodero-Takahira

Professora Adjunta no Departamento de Letras Estrangeiras Moder-nas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), atuando no curso de Letras-Libras desde 2014 e no Programa de Pós-Graduação em Linguística desde 2016. É Doutora em Linguística pelo Programa de Pós-graduação do Departamento de Linguística da Universidade de São Paulo (USP) (2015) e Mestre em Linguística pelo mesmo programa (2010). Possui ba-charelado em Letras com habilitação em Tradutor e Intérprete Inglês/Português e Licenciatura Plena Inglês/Português pelo Centro Universi-tário Ibero-Americano (UNIBERO) (2004). É membro do Grupo de Estu-dos em Morfologia Distribuída (GREMD) da USP desde 2006. Coordena o Grupo de Estudos Linguísticos da Libras (GELLI) na UFJF desde 2014. É membro Núcleo de Estudos em Aquisição da Linguagem e Psicolinguísti-ca (NEALP) na UFJF desde 2017. Atua nas áreas de Morfologia e Sintaxe em uma abordagem gerativista atuando principalmente nos seguintes te-mas: formação de palavras, composição, incorporação e classificadores. Também tem interesse nas áreas de ensino de Língua Portuguesa como L2 para Surdos e Aquisição de L1 por Surdos.

Alysson Nogueira Rodrigues

Graduado em Ciência da Computação na Universidade Federal de Pelotas - RS; Desenvolvedor I na Empresa DBServer; Com experiência na área de TI, ênfase em Sistemas de Computação; Programação: C++, Java, Ruby on Rails, ECMAScript, Kotlin; Banco de dados: SQL e NOSQL; Programas e Frameworks adicionais: Android Studio, NodeJS, Angular e Flutter. Conhecimentos em métodos ageis como Scrum e XP.

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Andreia Weiss

Possui graduação em Pedagogia Magistério das Séries Iniciais – Li-cenciatura Plena (2001), Mestrado em Educação (2004) pela Univer-sidade Federal de Santa Maria. Doutorado em Educação (2013) pela Universidade Federal do Espírito Santo. (UFES) Professora Adjunta do DMVET/CCAE da UFES. Professora do Programa de Pós Gradua-ção em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores (PPGEE-DUC) do Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde.

Angela Neidiane dos Santos

Graduada em Educação Especial (2003), com especialização em Educação Especial (2005) e Mestrado em Educação pela Universi-dade Federal de Santa Maria (2007). É Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas. Possui Certificado de Proficiência no uso e no ensino da Libras - nível superior, emitido pelo MEC - INEP / UFSC. É pesquisadora do GIPES - Grupo Interinstitucional de Educação de Surdos. A ênfase das pesquisas que realiza se dá princi-palmente nos seguintes temas: língua e educação de surdos; cultura surda; currículo e ensino de Libras. É Professora Adjunta da Univer-sidade Federal de Pelotas, lotada no Centro de Letras e Comunica-ção, atuando no ensino das disciplinas de Libras. Realizou o Douto-rado Sanduíche(bolsista CAPES) no Programa Doutoral em Ciências da Educação, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade do Porto, sob orientação da Professora Drª Orquídea Coelho, no período de setembro/2014 à maio/2015.

Anie Pereira Goularte Gomes

Graduada em Educação Especial, especialista em Educação Espe-cial e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Atualmente é professora assistente do Departamento de Edu-cação Especial/EDE da UFSM e Doutoranda no Programa de Pós-Gra-duação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Tem experiência na área da docência e tradução/interpretação de LI-BRAS com ênfase em Educação de surdos e processos tradutórios, atua e pesquisa principalmente nos seguintes temas: educação, tradução/interpretação de LIBRAS, cultura surda e processos de subjetivação.

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Sobre os autores

Arlene Batista da Silva

Possui graduação em Língua Portuguesa (2005), mestrado em Es-tudos Linguísticos (2010) e Doutorado em Letras (2015) pela Univer-sidade Federal do Espirito Santo – UFES, onde atualmente trabalha como professora do curso Letras-Libras Bacharelado e coordena o Pro-grama de Pós-Graduação em Letras. Seus atuais temas de interesse e pesquisa são a Tradução e o Ensino de Português para surdos, Ensino de língua e literatura para surdos e Literatura em língua de sinais. Integra o grupo interinstitucional de pesquisa Literatura e Educação e coordena o Grupo de Estudos em Língua de Sinais, Interpretação e Tradução (LISIT/Ufes).

Bianca Langhinrichs Cunha

Graduada em História bacharelado com ênfase em patrimônio artístico e cultural pela Universidade Federal do Rio Grande - Furg, pós-graduada em Libras com ênfase em educação bilíngue para Sur-dos pela faculdade de educação Signorelli e Mestre em História pela Universidade Federal do Rio Grande - Furg. Atualmente é tradutora/intérprete de libras/português na Furg. Tem experiência na área de História e ensino. Abordando principalmente temas relacionados à Cultura, identidade, comunidade, Surdos e língua de sinais.

Bianca Salles Conceição

Graduada em Licenciatura em Pedagogia na Universidade Federal de São Carlos - Campus São Carlos. Cargo de docente na escola bilín-gue de Educação Infantil Tic Tac Toe do ano de 2015 até 2017. Tem ex-periência na área de Educação, com ênfase em Educação Especial de surdos. Experiências com estágio extracurricular na Unidade Atendi-mento à Criança (UAC) 2013-2014 localizada na Universidade Fede-ral de São Carlos - Campus São Carlos. Bolsista do Programa Institu-cional de Bolsa de Iniciação à docência (PIBID) 2014-2015. Interesse em pesquisas relacionadas a surdez. Cursando o quarto semestre de Bacharelado em Tradução e Interpretação de Libras/ Língua Portu-guesa pela Universidade Federal de São Carlos - Campus São Carlos. Segundo ano de Pós Graduação em Educação Especial em nível de

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Mestrado pela Universidade Federal de São Carlos - Campus São Car-los, com pesquisas referentes a surdez. Conclusão prevista para 2019.

Bruna Ferreira Gugliano

Mestre em Design pelo Programa de Pós-Graduação em Design com ênfase em Tecnologia da UFRGS (2018) e graduada em Bacha-relado em Design Digital na Universidade Federal de Pelotas (2013). Na UFRGS, fui bolsista CAPES e pesquisadora do grupo de pesquisa Virtual Design, realizando estágio docente na disciplina de Design Instrucional do curso de Design Visual da Universidade. Na UFPel, fui uma das fundadoras da Empresa Júnior de Design da UFPel, a Designeria, e Coordenadora Geral do Centro Acadêmico do Design entre os anos de 2010 e 2013. Também atuei como bolsista de exten-são na Produção de Material Didático de LIBRAS. Realizei estágio em animação na Coordenadoria de Produção e Tecnologia Educacional - CPTE, no IFSUL. Trabalhei como Gestora de Design também no CPTE, gerenciando demandas de diagramação, ilustração e conteúdo multimídia para material didático de ensino de Espanhol e Inglês, realizado por uma equipe interdisciplinar. Atualmente, trabalho na CPTE como designer instrucional e estou atuando como docente nos cursos de Pós-Graduação em Comunicação e Marketing Estratégico (Mídias Digitais) e Pós-Graduação em Desenvolvimento de Aplica-ções Web e Mobile (User Experience) na Faculdade de Tecnologia SENAC Pelotas.

Camila Righi Medeiros Camillo

Doutoranda no Programa de Pós-Graduação da Universidade Fede-ral de Santa Maria; mestrado em Educação; especialização em Edu-cação Especial e graduação em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria. Docente do Departamento de Educação Es-pecial da Universidade Federal de Santa Maria.

Cristiano de Sant Anna Bahia

Possui graduação em Educação Física pela Faculdade de Educação Física Montenegro (1996), graduação em Economia pela Universida-de Estadual de Santa Cruz (2002), mestrado em Cultura & Turismo

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pela Universidade Estadual de Santa Cruz (2009) e doutorado em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina (2016). Atuou como professor de Educação Física Escolar na rede estadual da Bahia durante 14 anos e coordenador de Educação Física Escolar e Esporte da Diretoria Regional durante 04 anos. Atualmente é pro-fessor adjunto da Universidade Estadual de Santa Cruz, Diretor do Departamento de Saúde e Professor orientador do Mestrado Profissio-nal em Educação. Coordenou o curso de Especialização em Educação Física e Esporte da UESC em parceria com a Secretaria de Educação Estadual da Bahia. Atua como coordenador do Projeto de extensão Pintando o Esporte de iniciação esportiva, desde 2007. Pesquisador da rede CEDES (Projeto aprovado no Ministério do Esporte/Secreta-ria Nacional de Esporte, Educação, Lazer e Inclusão Social).

Daiana San Martins Goulart

Graduada em Pedagogia pela Universidade Luterana do Brasil - ULBRA, Pós-Graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Portal Faculdades de Passo Fundo, Especialista em Educação: Ênfase em Educação de Surdos pela Universidade Federal de Pelotas - UFPEL e mestre em Educação pela ULBRA. Atualmente é Tradutora/Intér-prete de Língua Brasileira de Sinais na UFPEL. Atuou como professo-ra itinerante nas escolas da região de abrangência da 5ª Coordenado-ria Regional de Educação, prestando apoio pedagógico na inclusão de alunos surdos e como professora de Libras no curso de Licenciatura em Filosofia a distância CLFD/UAB/UFPEL. Tem experiência na área da educação, atuando nos seguintes temas: Tradução/Interpretação, Língua Brasileira de Sinais e Educação de Surdos.

Daniel Junqueira

Mestre em Educação na Universidade Federal do Espírito Santo - PPGE/CE/UFES (2016), Graduado em Licenciatura de Letras Libras na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC/ Polo UFES - Uni-versidade Federal do Espírito Santo (2012), Graduado em Licencia-tura em Pedagogia na Faculdade São Geraldo - FSG em Cariacica/ES (2011). Docente de Libras, Educação: Bilíngue, Especial e Inclusão no Departamento de Educação e Ciências Humanas - DECH/CEUNES -

Sobre os autores

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Universitário Norte do Espírito Santo (UFES do Campi São Mateus/ES). Presidente da Comissão Permanente de Apoio para Acessibili-dade do Ceunes - CPAA. Suplente do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de São Mateus/ES - COMDPED. Membro do GIPLES - Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Libras e Educação de Sur-dos (CNPq/UFES). Atuei como Instrutor e Professor de Libras no ano 2006 a 2015, em órgãos públicos e privados. ex-Suplente da Associação dos Profissionais Intérpretes de Libras do Espírito Santo - APILES no ano 2012 a 2014, e ex-Conselho Fiscal da APILES no ano 2009 a 2011.

Daniel Lopes Romeu

Possui graduação em Licenciatura em Letras (Habilitação Libras) pela Universidade Federal de Santa Catarina (2010). Especialista em Libras pela Universidade Cidade de São Paulo e já foi professor de Libras da Unipampa - Campus Jaguarão e atualmente é professor da área de Libras na UFPel . Atuando principalmente nos seguintes temas: Libras, classificadores, expressão facial e corporal, ensino e aprendizagem da Libras.

Edílson de Andrade

Tradutor e Intérprete de Libras - Português – Inglês, Certificado no Exame de Proficiência na Tradução e Interpretação da Libras/Língua Portuguesa - PROLIBRAS. Possui graduação em Letras - Tradução pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC- SP.Mestrando do Programa de Estudos da Tradução da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - USP.

Edson Pantaleão

Possui graduação em Pedagogia e Psicologia pela UFES (1990 e 1993), especialização em educação (Administração, Supervisão e Ori-entação Educacional) pela UFES, Mestrado e Doutorado em Educação (1999 e 2009, respectivamente), pela UFES/PPGE, e Pós-doutorado em Educação pela UFRGS. É membro do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Ex-tensão em Educação Especial (NEESP) e do Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo (LAGEBES) do Centro de Educação/

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UFES. É líder do grupo de pesquisa (CNPq): Políticas, Gestão e Inclusão Escolar: contextos e processos sociais (UFES); e membro dos Grupos de Pesquisa (CNPq): Educação Especial: formação de profissionais, práticas pedagógicas e políticas e inclusão escolar (UFES); Processos Civilizadores (UEL). Desenvolve pesquisas com os seguintes temas: políticas de educação especial; formação continuada de profissionais para a Educação Especial; gestão da Educação Especial, e; gestão es-colar no contexto da escolarização do aluno com deficiência. É profes-sor Adjunto IV da Universidade Federal do Espírito Santo/Centro de Educação/Departamento de Educação, Política e Sociedade, atuando na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Educação. Tem ex-periência na área de Educação, com ênfase em Administração Escolar e Coordenação Pedagógica, atuando principalmente nos seguintes te-mas: prática pedagógica, didática, avaliação escolar, projeto pedagógi-co curricular, educação especial na perspectiva da educação inclusiva, formação continuada de profissionais da educação e gestão escolar.

Euluze Rodrigues da Costa Junior

Doutorando (2017) em Educação (PPGE/UFES). Mestre (2015) em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação da Univer-sidade Federal do Espírito Santo (PPGE- UFES), onde atualmente é professor Assistente A da disciplina Fundamentos da Língua Brasilei-ra de Sinais, lotado no Departamento de Linguagens, Cultura e Edu-cação (DLCE) do Centro de Educação. Pós Graduado em Educação Especial (Centro de Estudos Avançados em Pós Graduação e Pesqui-sa - CESAP) e em Qualidade e Produtividade (FUCAPE). Graduado em Gestão em Petróleo e Gás (Faculdade de Tecnologia FAESA) e com Complementação Pedagógica em Matemática (Centro de Ensino Superior Alternativo). Membro e pesquisador dos grupos de pesqui-sa: Políticas, Gestão e Inclusão Escolar: contextos e processos sociais (CNPq), Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Libras e Educação de Surdos (GIPLES/CNPq) e do Grupo de Pesquisa Processos Civiliza-dores (Universidade Estadual de Londrina? UEL/CNPq). Desenvolve pesquisas e estudos no campo da Sociologia da Educação, tendo como temas de interesse: Políticas de Acesso e Permanência, Ensino Supe-rior, Surdos, Libras, Inclusão, Norbert Elias.

Sobre os autores

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Fabiano Souto Rosa

Doutor e Mestre em Educação, Professor Adjunto de Língua Bra-sileira de Sinais. Formado especialização da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), formado Graduação em Licenciatura Plena Pedagogia pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Grupo In-terinstitucional de Pesquisa em Educação de Surdos / GIPES da UNI-SINOS (CNPq).

Felipe Venâncio Barbosa

Professor Doutor do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo – USP. Possui graduação em Fonoaudiologia e doutorado em Ciências da Reabilitação Humana pela Faculdade de Medicina da USP. Coor-denador do Grupo de Pesquisa Língua de Sinais e Cognição (LiSCo). Atua em ensino, pesquisa e extensão na área de Ciências Cognitivas, Linguística Clínica e Neurolinguística, com foco nos estudos da Lín-gua Brasileira de Sinais e no processamento atípico da linguagem.

Fernanda Caroline Silveira Peretta

Acadêmica do curso Bacharelado em Letras Tradução em Espa-nhol/Português, na Universidade Federal de Pelotas. Atua em pesqui-sas relacionadas à Educação de surdos.

Flávia Medeiros Álvaro Machado

Doutora em Letras (UCS/UniRitter); Mestre em Letras, Cultura e Regionalidade (UCS); Especialista em Educação Especial: deficiências Múltiplas (FSG). Atuou como professora/tutora no Curso de modali-dade a distância do Bacharelado em Letras/Libras (UFSC/2009-2012). Experiência profissional na formação de Tradutores e intérpretes de Libras/Português (TILSP), e também na formação de professores (do-centes) de Libras. Atualmente exerce o cargo de Professora Adjun-ta do Magistério Superior no Quadro Permanente da Universidade Federal Espirito Santo (UFES), no Departamento de Línguas e Le-tras (DLL), do Centro de Ciências Humanas e Naturais (CCHN), em regime de Dedicação Exclusiva (DE), com aprovação em primeiro

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lugar no concurso público federal de linguística (subárea Línguística Aplicada). Pesquisadora dos Estudos da Tradução, Interpretação (si-multânea) e Estudos Transnacionais em Políticas Linguísticas para Surdo (PPGELT/UFES), sendo pesquisadora-integrante do Grupo de Pesquisas em Estudos da Linguagem, Libras, Educação Especial e a Distância e Tecnologias (GPELET/UFU) e coordenadora do Projeto de Pesquisa Linguística Cognitiva - escolhas interpretativas de Língua Portuguesa/Libras (LINCognit/UFES/CCHN/DLL). Escritora da obra ?Conceitos Abstratos: Escolhas Interpretativas de Português para Li-bras? - Editora Appris Ltda. (2ª edição).

Gabriel Silva Nascimento

Possui graduação em Letras - Português e Inglês pela Universidade de Uberaba (2010), Especialização em Educação Especial Inclusiva pela Faculdade do Noroeste de Minas (2014), Especialização em Li-bras pela Universidade Cândido Mendes (2015). Atualmente é Mes-trando em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (2018) e atua como Profes-sor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico na área de Letras - Lín-gua Portuguesa e Libras no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo. Tem experiência na área da Educação, com ênfase no ensino de Língua Portuguesa como segunda língua, Língua Inglesa e Língua Brasileira de Sinais atuando principalmente nos seguintes eixos: acessibilidade para surdos, tradução audiovisual, Linguística e formação de tradutores e intérpretes.

Ivana Gomes da Silva

Professora Auxiliar efetiva da Universidade Federal de Pelotas, mi-nistrando a disciplina de Língua Brasileira de Sinais - Libras. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Católica de Pelotas (2003) e graduação em Pedagogia - Supervisão Escolar pela Universidade Federal de Pelotas (2003) Possui graduação em Letras Libras pela Universidade de Santa Catarina (2010) Especialista em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (2010). foi Bolsista Professora Pesqui-sadora. Atua principalmente nos seguintes temas: língua de sinais, identidade, movimentos, mulheres surdas e inclusão.

Sobre os autores

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

José Raimundo Rodrigues

Licenciado em Filosofia, Doutor em Teologia Sistemática - FAJE - BH, mestrando em Educação -PPGE – UFES

Joseane Maciel Viana

Atua como Tradutora Intérprete da Língua Brasileira de Sinais na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e como Professora de Lín-gua Portuguesa para alunos surdos de Nível Fundamental na Escola Especial Professor Alfredo Dub. Possui graduação no Curso de Letras Português e Inglês e respectivas literaturas pelo Centro de Letras e Comunicação - CLC (UFPel) e, ainda, Especialização em Educação - Ênfase em Educação de Surdos pela Faculdade de Educação, na mes-ma instituição. Proficiente no Uso, Tradução, Interpretação e Ensino da Libras pelo MEC. Mestranda no Programa de pós Graduação em Letras pelo CLC da UFPel.

Josué Rego da Silva

Possui graduação em Letras - Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012). Pós Graduado em Libras. Mestrando em Edu-cação PPGE/UFES. Bolsista CAPES/DS. Membro do Grupo de Pesqui-sa em Libras e Educação de Surdos (GIPLES/CNPq-UFES).

Júlia Jost Beras

Possui graduação em Educação Especial pela Universidade Fe-deral de Santa Maria (UFSM). Atualmente é acadêmica do Curso de Pedagogia/ UFSM e do Curso Pós-Graduação em Educação nível de Mestrado – Linha de Educação Especial - na mesma instituição. Pes-quisadora do GIPES – Grupo de Interinstitucional de Pesquisa em Educação de Surdos. Desenvolve pesquisas no campo dos Estudos Surdos, com ênfase no tema de: currículo.

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Karina Ávila Pereira

Professora de Língua Brasileira de Sinais na Universidade Federal de Pelotas. Graduada em Licenciatura em Letras- Língua Inglesa e Literaturas de Língua Inglesa/ Universidade Federal de Pelotas. Pos-sui Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional/Institu-to Educar Brasil. Mestre e Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas. Atua em pesquisas relacionadas à Educação de surdos e Linguística da Libras.

Katiuscia Gomes Barbosa Olmo

Katiuscia tem formação em Bacharelado Letras/Libras (UFSC), Pe-dagogia/Supervisão e Normal Superior (Unilinhares), Especialização em Educação Especial Inclusiva (FIJ) e Mestre em Educação na linha de Diversidades e Práticas Educacionais Inclusivas (UFES). Atua como Tradutora/Interprete da Libras há 27 anos, sendo os últimos 16 anos na educação de surdos, nas formações de cursos de Libras, em assessorias Pedagógica, no Ensino Superior e em Pós-Graduação.Como militante foi Pedagoga do IMQF - Instituto Mãos Que Falam(2007); Membro fun-dadora da APILES (Associação dos Profissionais Tradutores, Intérpre-tes e Guia Intérpretes da Língua Brasileira de Sinais do Espírito Santo - 2007); Co-autora do Projeto ‘Escola Polo Bilíngue: Direito a Igualdade’ em Linhares (2009); Foi Co-autora do Projeto do Curso Técnico de tra-dutor /intérprete da Libras em Linhares (2014), sendo ainda professora e Coordenadora do mesmo. Recebeu uma homenagem, em 2015, da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito santo em por ser um dos 18 destaques na Luta da Pessoa com Deficiência.

Keila Cardoso Teixeira

Possui Doutorado em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo. Graduada em Pedagogia. Professora adjunta do Departamento de Linguagens, Cultura e Educação (DLCE/CE) da UFES. Membro do Núcleo de Pes-quisa e Extensão em Educação Especial (NEESP), do Centro de Edu-cação da UFES e membro do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Libras e Educação de Surdos (GIPLES/CNPq), tendo como interesse os estudos surdos, educação bilíngue, educação inclusiva, Libras.

Sobre os autores

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Keli Simões Xavier Silva

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uni-versidade Federal do Espírito Santo; Mestre em Educação pela Uni-versidade Federal do Espírito Santo (2012); Especialista em Infância e Educação Inclusiva Educação pela Universidade Federal do Espírito (2010); Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Espírito Santo (2005). É professora assistente do Departamento de Educação e Ciências Humanas (DECH) da Universidade Federal do Espírito San-to. Integra o Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Libras e Edu-cação de Surdos (GIPLES) e o Grupo de pesquisa Desenvolvimento Humano e Práticas Educativas em espaços escolares e não escolares. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação In-clusiva, Educação Especial e Educação de Surdos. Atuou principal-mente nos seguintes temas: Inclusão, Educação Bilíngue para Surdos e Tradutores Intérpretes de Libras.

Kevin Veloso Almeida

Nascido em São Paulo, estuda cinema de animação na Universida-de Federal de Pelotas, já organizou mostras com tecnologia assistiva para pessoas com deficiência visual e auditiva e busca relacionar sua experiência profissional mesclando o cinema e a acessibilidade. Atu-almente, além de participar de produções de curtas independentes como animador, editor e diretor, desenvolve academicamente uma pesquisa envolvendo novas técnicas de audiovisual para aprimorar a acessibilidade em produtos fílmicos.”

Kleyver Tavares Duarte

Doutorando Historia e Historiografia da Educação de Surdos-UFU. Mestre em Educação-Educação de Surdos/UFU. Especialização em Educação Especial pela Universidade Federal de Uberlândia/UFU. Graduado em Educação Física pelo Centro Universitário do Triângu-lo/UNITRI. Graduado em Letras/LIBRAS, EaD - pela Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC. Atualmente é docente na Univer-sidade Federal de Uberlândia (UFU) da disciplina de LIBRAS - Lín-gua Brasileira de Sinais.Tem experiência na área de Educação, com

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ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: língua brasileira de sinais, intérprete de língua de sinais, surdez, LI-BRAS, inclusão e Educação Jovens e Adultos - EJA.

Lara Ferreira dos Santos

Graduada em Fonoaudiologia pela Universidade Metodista de Pi-racicaba (2003), Mestre em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (2007) e Doutora em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar (2014). Atualmente é Professora Ad-junta da UFSCar, ministrando a disciplina “Introdução a Língua Bra-sileira de Sinais” aos diversos cursos de licenciatura, docente do Cur-so de Bacharelado em Tradução e Interpretação em Libras/Língua Portuguesa, e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial. Atuou como Intérprete de Libras em diversos espaços. Tem experiência na área de Surdez e na área educacional de atendimento bilíngue a alunos surdos, atuando principalmente nos seguintes te-mas: educação bilíngue, intérprete de Libras, instrutor surdo. Vence-dora (1º lugar) do 56º Prêmio Jabuti -2014 - pela obra “Tenho um aluno surdo. E agora?”.

Larissa Café de Oliveira e Lacerda

Graduada em Letras pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Especialista em Educação Infantil pela Universidade Positi-vo, Mestranda do curso de Pós-graduação em Educação – PPGE da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Inclusiva-GEPEI. Tem experiência como professora da Educação Básica, atua como Intérprete de Libras no contexto educacional e com o Atendimento Educacional Especia-lizado para alunos surdos.

Sobre os autores

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Luciana Carvalho Fonseca

Professora doutora do Departamento de Letras Modernas da Uni-versidade de São Paulo. Possui experiência na área de Ensino Supe-rior, Linguística, Tradução e Direito, com ênfase em linguagem jurí-dica, análise crítica do discurso e linguística de corpus. Fundou e foi diretora executiva da TradJuris - Law, Language & Culture de 2007 a 2018. Professora Visitante (2016) e Professora Orientador Pleno na linha de pesquisa Tradução e Corpora (2017 a 2018) do programa de Pós-Graduação em Tradução (TRADUSP) da FFLCH/USP (2016). Autora dos livros: Inglês Jurídico: Tradução e Terminologia (2014) e "Eu não quero outra cesárea: ideologia, relações de poder e empoderamento feminino nos relatos de parto após cesárea" (2015). Professora dos programas de Pós-graduação em Estudos de Tradução (TRADUSP) e em Estudos Linguísticos e Literários em In-glês do Departamento de Letras Modernas, FFLCH, USP. É coordena-dora da área de inglês do Centro Interdepartamental de Linguas (CIL) da FFLCH USP.

Lucyenne Matos da Costa Vieira Machado

Doutora (2012) e Mestre (2007) em Educação pelo Programa de Pós graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito San-to (PPGE- UFES). Fez estágio pós-doutoral, em Educação (2015) pelo Programa de Pós graduação em Educação da Universidade Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), financiado pela bolsa PNPD/CAPES. Gradu-ada em Pedagogia pela Universidade Federal do Espírito Santo, onde atualmente é professora Adjunta III do curso Letras Libras, lotada no Departamento de Línguas e Letras (DLL), no Centro de Ciências Humanas e Naturais (CCHN). Professora e orientadora de mestrado e doutorado do curso de Pós-graduação em Educação (PPGE/UFES) na linha Educação Especial e práticas inclusivas e professora colabora-dora no programa de pós Graduação em Linguística (PPGEL) na linha de Linguística Aplicada. Já atuou como professora Assistente I da dis-ciplina de Educação Especial na Universidade Federal do Mato Gros-so do Sul (UFMS). Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Libras e Educação de Surdos (GIPLES/CNPq-UFES) e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Inclusão (GEPI/CNPq-UNISINOS). Tem

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experiência na área de Educação e Educação Especial (com ênfase em Educação de Surdos), estudos da tradução e interpretação, atu-ando principalmente nos seguintes temas: Inclusão, Acessibilidade, Subjetivação, Libras, Surdos, Estudos Surdos, formação de tradutores e intérpretes de Lbras e didática da tradução.

Marcelo Antoni Enderson Almeida de Oliveira

Mestrando em Linguística pela Faculdade de Letras, Filosofia e Ci-ências Sociais da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Graduado e licenciado em Letras com habilitação em Português e Latim tam-bém pela Faculdade de Letras, Filosofia e Ciências Sociais da Univer-sidade de São Paulo (FFLCH-USP). Trabalha com descrição da Língua de Sinais Brasileira (Libras) e tem como interesse específico o estudo dos aspectos dialógicos da sinalização nesta língua, assim como sua produção típica e atípica.

Márcia Lise Lunardi-Lazzarin

Licenciada em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria, Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Associada do Departamento de Edu-cação Especial, do Centro de Educação, da Universidade Federal de Santa Maria. Atualmente é professora credenciada no Programa de Pós-Graduação em Educação, na Linha de Pesquisa: Educação Espe-cial. Líder do Grupo de Pesquisa Diferença, Educação e Cultura –DEC/UFSM. E membro do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Educação de Surdos-GIPES/UFRGS. Desenvolve pesquisa na área de Educação, com ênfase na Educação de Surdos, Educação Especial e Educação Inclusiva nos seguintes temas: currículo, políticas de in-clusão/exclusão, filosofia da diferença.

Sobre os autores

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Milena Maria Pinto

Graduanda do Curso de Licenciatura em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, com prática de monito-ria, estágio e pesquisa na área da Surdez, atuando principalmente nos seguintes temas: educação bilíngue, desenvolvimento de linguagem de crianças surdas, ensino de Libras.

Mirella de Oliveira Pena Araujo

Graduanda do curso Letras-Libras da Universidade Federal Juiz de Fora (UFJF). Participou do projeto de treinamento profissional “Com-posição na língua de sinais brasileira”, na UFJF, entre 2017 e 2018. Par-ticipa do projeto “Consolidação das atividades de formação inicial e continuada de professores e de divulgação e popularização da ciência e tecnologia em Juiz de Fora e região”, como bolsista, no centro de ci-ências da UFJF em 2018. É monitora das disciplinas de “Fonologia das línguas de sinais” e “Morfossintaxe das línguas de sinais” no Departa-mento de Letras Estrangeiras Modernas da UFJF em 2018. Participa do projeto “IF Libras: Glossário on-line de termos de Informática e Física em Libras” do Instituto Federal de Educação, ciência e tecnologia do Sudeste de Minas Gerais, Campus Juiz de Fora, desde 2016. Integrante do Grupo de Estudo Linguísticos da Libras (GELLI), desde 2015.

Otávio Ávila Pereira

Graduado em Educação Física (Licenciatura) pela Universidade Federal de Pelotas. Membro do Grupo de Pesquisa em Educação Fí-sica e Educação (GPEFE) na Universidade Federal de Pelotas. Atual-mente mestrando em Educação Física na área de formação profissio-nal e prática pedagógica na escola e graduando no curso de Educação Física (Bacharelado) pela Universidade Federal de Pelotas.

Pedro Henrique Witchs

Doutor em Educação (2018), mestre em Educação (2014) e licencia-do em Ciências Biológicas (2012) pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Realizou estágio de doutorado sanduíche (2017) na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do

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Porto. Possui formação complementar em Tradução e Interpretação de Língua de Sinais (2011) pela Universidade Luterana do Brasil - ULBRA. É professor adjunto do Departamento de Línguas e Letras da Universi-dade Federal do Espírito Santo (UFES). Integra o Grupo Interinstitucio-nal de Pesquisa em Educação de Surdos (GIPES) e o Grupo de Estudo e Pesquisa em Inclusão (GEPI). Desenvolve trabalhos relacionados à educação de surdos, às políticas linguísticas de línguas de sinais e à tradução especializada. Tem experiência docente em escola de surdos como educador ambiental e no ensino de Ciências e Biologia, bem como no ensino de Língua Brasileira de Sinais (Libras) como segunda língua em escola de idiomas e no ensino superior.

Reginaldo Célio Sobrinho

Professor Associado do Departamento de "Educação po-litica e Sociedade". Líder do grupo de pesquisa "Políti-cas, Gestão e Inclusão Escolar: contextos e processos sociais" (CNPQ). Gestor do termo de cooperação internacional acadêmica e científica entre a UFES - BRA e a Universidad Veracruzana - MEX e gestor do termo de cooperação internacional acadêmica e científica entre a UFES - BRA e a Universidad de Guadalajara - MEX. Docente do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE/UFES, linha de pesquisa "Educação Especial e proces-sos inclusivos". Membro do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Ex-tensão em Educação Especial (NEESP) e do Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo (LAGEBES) do Centro de Edu-cação -UFES.Graduado em Pedagogia com habilitação em Educação Especial (UFES, 1998), mestrado em Educação (2004) e doutorado em Educação (2009) pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFES).Pós-Doutorado em Educação, pela Universidade Fed-eral da Grande Dourados/MS (UFGD). Foi professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental, de 1990 à 2010. Atuou como professor de Ensino Superior em Instituições Particulares de 2004 à 2010/01. Foi coordenador Geral do XVI SIMPÓSIO INTERNACIONAL PROCESSOS CIVILIZADORES (SIPCs) Diálogos Interdisciplinares: Política, Con-textos e Processos Sociais" (CAPES). Atuou na função de co-ordenador do curso de Pedagogia do Centro de Educação/UFES de 30/10/2011 até 30/10/2013. Coordenou o Núcleo de Acessibilidade

Sobre os autores

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

da Universidade Federal do Espírito Santo (NAUFES) até maio de 2014. "Desenvolve pesquisas e estudos no campo da sociologia da educação e politicas educacionais, tendo como temas de interes-se: família e infância, relação familia e escola, Politicas de acesso e permanencia de estudantes com deficiencia e/ou com transtornos globais do desenvolvimento no ensino comum.

Roberta Alena de Alcântara Brandão

Licenciada em História e Especialista em Libras e Educação de Surdos pela Unopar. Pós graduanda em Gestão Cultural _UESC .Pós graduanda em Interpretaçao/traduçao/ docência da libras_ Uninte-se. Integra o grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Inclusiva_ GEPEI UESC.Atua como intérprete educacional de Libras; Professora Orientadora do Núcleo de Iniciação Científica Júnior do Colégio Mo-delo de Canavieiras com o projeto: Alfabetização científica Via Libras. Milita sobre os direitos da Pessoa surda com a Associacao de surdos de Canavieiras_ASSUC e têm experiência em ministrar cursos de ca-pacitaçao em Libras para ouvintes.

Rubia Denise Islabão Aires

Possui graduação em pedagogia pela Universidade Norte do Pa-raná (2010), Pós-Graduação em Metodologia e Gestão para EAD pela Faculdade Anhanguera de Pelotas, Especialização em Educação com Ênfase em Educação de Surdos pela Universidade Federal de Pelo-tas e mestrado em educação pela Universidade Federal de Pelotas - UFPEL. Atualmente atua tradutor/intérprete de Libras/Português (TILSP) no Instituto Federal Sul Rio-Grandense Campus Pelotas. Atuou como Tradutora/Intérprete de Libras/Português na Univer-sidade Federal do Rio Grande (FURG), como professora assistente na Faculdade Anhanguera de Pelotas e Tutora de Libras na UFPEL/CEAD/CLMD. Atua nos seguintes temas: Tradução e interpretação da Língua Brasileira de Sinais - Libras, educação de surdos na perspecti-va bilíngue e trabalho docente.

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Sônia Maria dos Santos

É graduada em Educação Artística (1983) e Pedagogia (1987) na Universidade Federal de Uberlândia. Fez Mestrado em Educação na Universidade Federal de Uberlândia (1995) e Doutorado em Edu-cação: História, Política, Sociedade na Pontifícia Universidade Católi-ca de São Paulo (2001). Fez pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (2012). Atualmente é Professora de EJA - Educação de Jovens e Adultos, no Curso de Pedagogia da Faculdade de Edu-cação da Universidade Federal de Uberlândia. É docente permanente do curso de Mestrado e Doutorado da FACED\UFU. Tem experiência na área de Educação, com ênfase na formação de professores das áreas de Alfabetização de crianças e EJA. Pesquisa e estuda principal-mente os seguintes temas: História e Memória da Alfabetização, EJA, Grupos Escolares, Formação de Alfabetizadoras Brasileiras. Coorde-na o COMFOR/REDE/UFU de formação de professores na região do Triângulo Mineiro. Coordenou o Pacto do Ensino Médio nos polos da UFU e UNIMONTES. Coordena cursos de pós-graduação, com ênfase na Diversidade e EJA, Na Juventude e EJA e no Ensino médio e EJA. Há dez anos coordena o grupo de pesquisa do CNPQ "História, cultura e memória de professoras alfabetizadoras". Coordenou a coletânea EJA na Diversidade, 2010, 2013, 2015 e o livro História Alfabetização e suas Fontes, 2018, ambos da EDUFU. Coordenou o TRIEJA - Fórum de EJA do Triângulo Mineiro. Coordenou o Fórum Mineiro de EJA. É Conselheira da EDUFU. É Conselheira do CON-SEX. É professora Titular da Faculdade de Educação.

Sylvia Lia Grespan Neves

Paulo, graduação em Pedagogia - Faculdades Integradas Rio Bran-co, especialização em educação da pessoa com deficiência da au-diocomunicaçao pelo centro universitário UNIFMU, graduação em Letras-Libras pela UFSC - polo USP e mestrado em educação pela UNIMEP (2011). Atualmente é doutoranda do Porgrama de Semióti-ca e Linguística Geral, do Departamento de Linguística da USP. Tem experiência na área de educação, com ênfase no ensino-aprendiza-gem e com o ensino de LIBRAS para ouvintes. Também tem ex-periência na formação de professores e instrutores de Libras e no

Sobre os autores

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

desenvolvimento de material didático dessa língua (FENEIS/SP). Atualmente é professora instrutora na Faculdade de Ciências Médi-cas da Santa Casa de São Paulo, ministrando a disciplina de Libras no curso de graduação de Fonoaudiologia e disciplina optativa para os cursos de Medicina e Enfermagem.

Tatiana Bolivar Lebedeff

Possui graduação em Educação Especial pela Universidade Fede-ral de Santa Maria (1989), Especialização em Formação de Professo-res em Educação a Distância pela Universidade Federal do Paraná (2002), Mestrado em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1993) e Doutorado em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2002). Atualmente é professora da Área de Libras do Centro de Letras e Comunicação da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). É Professor Efetivo do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPEL.

Vanessa Martins

Doutora e Mestra em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Graduada em Pedagogia com habilitação em Educação Especial pela PUCCAMP (2004). Especialista em psi-copedagogia institucional e clínica - Atualize/Unibem (2007). Pro-fessora do curso de Bacharelado em Tradução e Interpretação em Li-bras e Língua Portuguesa do Departamento de Psicologia (Dpsi) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Pesquisadora vincu-lada ao grupo de pesquisa Surdez e Abordagem Bilíngue (UFSCar). Professora do Programa de Pós-graduação em Educação Especial (PPGEEs/UFSCar). Coordenadora do Grupo de Estudos sobre Edu-cação e Filosofia da Diferença (GEEFiDi)/UFSCar. Possui experiên-cia docente na educação bilíngue de surdos (educação infantil e en-sino fundamental I); na formação na área da surdez, em nível de graduação e pós-graduação; na formação de tradutores intérpretes de língua de sinais; na formação para educadores bilíngues de surdos e professores de Libras em cursos de graduação, pós-graduação lato sensu e extensão universitária. Possui experiências como tradutora e intérprete de língua de sinais em diferentes esferas discursivas

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(interprete generalista e educacional), todavia, com maior ênfase na interpretação em contexto de ensino superior. Áreas específicas de estudos e pesquisas (Filosofia Francesa, Educação, Surdez): edu-cação de surdos e educação inclusiva; intérprete de língua de sinais em contexto de ensino; educação bilíngue; relações de poder e sa-ber; diferenças; práticas pedagógicas; letramento e surdez.

Victor Techera Silveira

Bolsista do projeto de extensão “A Comunidade Surda Reinventan-do a Arte do Balé”. Cursando 6º semestre do curso de Dança da UFPel (Universidade Federal de Pelotas).

Vitória Tassara Costa Silva

É formada em Letras Bacharelado - Tradução Português Inglês pela Universidade Federal de Pelotas. Participa como integrante do grupo de pesquisa Spread the Sign - Brasil, na Universidade Federal de Pelotas. Participa também como integrante do GIPES - Grupo In-terinstitucional de Pesquisa em Educação de Surdos. Teve experiên-cia prévia em Projeto de Iniciação Científica na área de Linguística Aplicada, no Projeto Processos de Inferência Lexical em Língua Es-trangeira, de 2014 a 2015. Foi bolsista remunerada do Projeto William Blake em tradução: The Four Zoas, de agosto de 2015 à julho de 2016. Foi monitora de Libras da Universidade Federal de Pelotas de 2015 à 2016. Atualmente cursa Mestrado na Pós Graduação em Estudos da Tradução (PGET) na Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Tradução Inglês/Português, na área de Libras e de Línguas Estrangeiras Modernas.

Wolney Gomes Almeida

Doutor em Educação (Linha de pesquisa: Educação e Diversida-de) pela Universidade Federal da Bahia - UFBA; Mestre em Cultura e Turismo pela Universidade Estadual de Santa Cruz -UESC. Especia-lista em Língua Brasileira de Sinais pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá (RJ); Especialista em Ciências neurológicas, Deficiên-cias Múltiplas e Surdocegueira pela Universidade Cândido Mendes

Sobre os autores

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Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

(MG); Licenciado em Letras pela Universidade Paulista; Bacharel em Comunicação Social pela UESC. Atualmente é professor Adjunto da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC, ministrando a discipli-na Libras; docente do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Mestrado Profissional em Letras- ProfLetras; Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Inclusiva (GEPEI); É intérpre-te e professor de Libras, possuindo certificação de proficiência na tradução e interpretação da Libras/LP e proficiência na docência de Libras - PROLIBRAS. Autor do livro O Guia-intérprete e a Inclusão da Pessoa com Surdocegueira; autor do livro didático - Introdução à Língua Brasileira de Sinais (Editus) -, organizador do livro Educação e Inclusão: Desafios Possibilidades para a pessoa Surda; e do livro Edu-cação de Surdos: Formação, Estratégias e Prática Docente. Tem expe-riência na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: inclusão social, Libras, educação de surdos e surdocegos, e guia-interpretação.

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Esta obra foi composta nas tipologias ITC Veljovic/Corbel e foi impressa em papel off-white® 80 grs./m2, na primavera de 2018.

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Praticamente do amanhecer ao

anoitecer, pesquisadores recen-

tes e veteranos compartilharam

experiências e pensamentos so-

bre seus estudos, iniciaram novos

projetos com alegria, olhos aten-

tos e mentes curiosas. Em uma

“caixa de areia” especial, multilín-

gue e multimodal, pesquisado-

res Surdos e ouvintes estavam lá

para ensinar, aprender, partilhar

e crescer. Fronteiras linguísticas

sendo constantemente ultrapas-

sadas com a ajuda da Língua de

Sinais, tornando a comunicação

mais transparente e acessível a

todos os participantes, inclusive

a mim. Imediatamente senti-me

acolhida à caixa de areia, na qual

fui solicitada a acrescentar minha

contribuição ao que estava sendo

construído: o castelo de conheci-

mento em torno da Língua de Si-

nais e da Surdez. Sobre os ombros

daqueles que vieram antes de

nós, estávamos lá para adicionar

nosso grão de areia a uma mag-

nífica construção, cada um com

suas próprias aptidões, sem ex-

clusões.

MULTICULTURALMULTICULTURAL

É um prazer abrir este livro sobre as atividades do I Colóquio Inter-nacional de Grupos de Pesquisa: Educação de Surdos, Tradução, Inter-pretação e Linguística de Língua de Sinais, com uma reflexão sobre os sentimentos e impressões que tive como professora e pesquisadora estrangeira hospedada em Vitória, no Brasil. O que encontrei po-deria ser uma boa base para um estudo sociolinguístico acerca de alternância ou sobreposição de línguas entre Surdos e ouvintes em ambientes internacionais, que pode alimentar ideias para futuras publicações. Entretanto, prefiro compartilhar os aspectos humanos da minha experiência, pois acredito ser também algo importante a se considerar ao ler uma coletânea de trabalhos sobre Língua de Sinais e Surdez.

Maria Tagarelli de Monte

MULTICULTURAL

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Acolhemos, com entusiasmo, a publicação da obra Pesquisas em educação de surdos, tradu-ção, interpretação e linguística de línguas de sinais: tecendo redes de amizade e problemati-zando as questões do nosso tem-po, motivados pela relevância e amplitude do tema desenvolvi-do. O presente trabalho renova a parceria acadêmica dos orga-nizadores e autores com a nossa editora. Desejamos a todos uma exce-lente leitura.

Décio Nascimento GuimarãesEditor Responsável

Tecendo redes de amizade e problematizando as questões do nosso tempo

Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Pesquisas em educação de surdos, tradução, interpretação e linguística de línguas de sinais

Lucyenne Matos da Costa Vieira-MachadoFelipe Venâncio BarbozaVanessa Regina de Oliveira MartinsOrganizadores

Lucyenne Matos da Costa Vieira-MachadoFelipe Venâncio Barboza

Vanessa Regina de Oliveira MartinsOrganizadores

Capa Pesquisas em Educacao de Surdos_tecendo redes-op-02.indd 1 18/12/2018 14:31:19