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Brasília, setembro de 2011 - portal.uneb.br · Maria Joselma do Nascimento Franco Maria Manuela Alves Garcia Marta Wolak Grosbaum Neide Arrias Bittencourt Sofia Lerche Viera Revisão

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Braslia, setembro de 2011

politica_docente_APRES_2pags:Miolo_Jornalismo_Cidadao 9/23/11 11:47 AM Page 1

Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos nestelivro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as daUNESCO, nem comprometem a Organizao. As indicaes de nomes e a apre-sentao do material ao longo deste livro no implicam a manifestao de qualqueropinio por parte da UNESCO a respeito da condio jurdica de qualquer pas,territrio, cidade, regio ou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suasfronteiras ou limites.

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Publicado pela Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura(UNESCO). Esta publicao fruto de uma parceria entre a Representao da UNESCO no Brasil e oMinistrio da Educao (MEC).

UNESCO 2011Todos os direitos reservados.

Reviso Tcnica: Setor de Educao da Representao da UNESCO no BrasilPesquisadores responsveis pelos estudos de campo:Ana Cldina Rodrigues Gomes Ana Maria Gimenes Correa Calil Eleny Mitrulis Eloisa Maia Vidal Evandro Luiz Ghedin Laurizete Ferragut Passos Maria Bethania Sardeiro dos Santos Maria Joselma do Nascimento Franco Maria Manuela Alves Garcia Marta Wolak Grosbaum Neide Arrias Bittencourt Sofia Lerche Viera Reviso gramatical: Unidade de Publicaes da Representao da UNESCO no Brasil Projeto Grfico e Diagramao: Unidade de Comunicao Visual da Representao daUNESCO no Brasil

Gatti, Bernardete AngelinaPolticas docentes no Brasil: um estado da arte / Bernardete Angelina Gatti, Elba

Siqueira de S Barretto e Marli Eliza Dalmazo de Afonso Andr. Braslia: UNESCO, 2011.

300 p.

ISBN: 978-85-7652-151-8

1. Professores 2. Condio do Professor 3. Condies de Emprego do Professor 4. Formao de Professor 5. Polticas Educacionais 6. Polticas Governamentais 7. Brasil I. Barreto, Elba Siqueira de S II. Andr, Marli Eliza Dalmazo de Afonso III.

UNESCO IV. Ttulo

Representao no BrasilSAUS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar 70070-912 - Braslia - DF Brasil Tel.: (55 61) 2106-3500 Fax: (55 61) 2106-3967 Site: www.unesco.org/brasiliaE-mail: [email protected]/unesconaredetwitter: @unescobrasil

Ministrio da EducaoEsplanada dos Ministrios, Bloco LEd. Sede e Anexos70047-900 Braslia DF Brasil Tel.: (55 61) 0800-616161Site : http://www.mec.gov.br/

Impresso no Brasil

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http://www.unesco.org/brasiliamailto:[email protected]://www.mec.gov.br

Ao Ministrio da Educao (MEC) e, em especial, secretria deEducao Bsica, professora Maria do Pilar Lacerda, pela parceria nestapublicao.

Ao Conselho Nacional dos Secretrios Estaduais de Educao (CONSED)e Unio Nacional dos Dirigentes Nacionais de Educao (UNDIME), peloimprescindvel apoio dado pesquisa.

s secretarias de Educao que abriram suas portas e forneceram adocumentao necessria ao estudo.

professora doutora Helena Freitas, pela confiana e pelo inestimvelapoio durante todo o desenvolvimento deste trabalho.

Fundao Carlos Chagas, pelo apoio e pela infraestrutura oferecidos,sem os quais no teria sido possvel a realizao desta pesquisa.

AGRADECIMENTOS

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APRESENTAO............................................................................11

1. ESCOPO DO TRABALHO, ABRANGNCIAE ABORDAGEM .............................................................................13

Considerando a perspectiva das polticas ............................................13O que dizem as pesquisas sobre formao e polticas docentes ............15Foco do estado da arte e fontes de informao ....................................20

2. CONTEXTO CONTEMPORNEO, CULTURA, EDUCAOE POLTICAS VOLTADAS AOS DOCENTES ..............................23

Novas exigncias ao trabalho docente .................................................25Esforos empreendidos e permanncia de desafios ..............................27

3. POLTICA EDUCACIONAL EPOLTICAS DOCENTES ...............................................................31

Algumas questes de financiamento e sua relaocom as polticas docentes....................................................................31Formas de regulao do currculo e implicaes na formaoe no trabalho dos professores ..............................................................35O sistema de avaliao........................................................................39As polticas de currculo em estados e municpios esuas repercusses no trabalho docente ................................................42

4. POLTICAS DOCENTES NO NVEL FEDERAL:A PERSPECTIVA DE UM SISTEMANACIONAL DE EDUCAO ........................................................49

A Universidade Aberta do Brasil (UAB)..............................................50As novas atribuies da Capes na formao de profissionaisdo magistrio da educao bsica........................................................51A Poltica Nacional de Formao e os Fruns EstaduaisPermanentes de Apoio Formao Docente .......................................53

SUMRIO

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O Plano Nacional de Formao de Professores daEducao Bsica (PARFOR) ..............................................................54A Rede Nacional de Formao Continuada deProfissionais da Educao Bsica ........................................................55Programa Pr-Letramento..................................................................57Programa Gesto da Aprendizagem Escolar (Gestar II) .......................60Curso de Especializao em Educao Infantil....................................62Programa Proinfantil ..........................................................................62Abrangncia da Rede Nacional de Formao Continuadae alguma apreciao sobre os cursos referentes s aes estratgicas .....62Cursos oferecidos pela Universidade Aberta do Brasil (UAB)..............64Polticas da diversidade, polticas da igualdade....................................77Os questionamentos...........................................................................80Dos avanos e dos novos percursos em direoao sistema nacional de educao .........................................................85

5. AS POLTICAS DE FORMAO INICIALDE PROFESSORES.........................................................................89

Licenciaturas e profissionalizao docente ..........................................92Legislao federal e formao inicial, presenciale a distncia, de professores no Brasil..................................................95Contexto dos cursos formadores de professores ................................102Currculo real das licenciaturas e polticas norteadoras......................113Aes polticas em formao inicial de docentes ...............................118

Programas federais e suas extenses ................................................118Programa de Apoio a Planos de Reestruturaoe Expanso das Universidades Federais (REUNI) ..................................118Universidade Aberta do Brasil (UAB) e Pr-Licenciatura.......................119Programa Universidade para Todos (ProUni).........................................120Plano Nacional de Formao de Professores daEducao Bsica (PARFOR) .................................................................121Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia (PIBID).........129

Iniciativas recentes em estados..........................................................130Algumas sinalizaes ........................................................................134

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6. PERSPECTIVAS DE CARREIRA EPROFISSIONALISMO DOCENTE .............................................137

Uma perspectiva para a discusso de carreira de professores ..............138Remunerao do trabalho docente e financiamento da educao ......139Remunerao, carreira docente e qualidade da educao...................143A remunerao de docentes da educao bsica ................................145Jornada de trabalho dos professores ..................................................148Diretrizes nacionais para a carreira e a remunerao do magistrio....150Levantamento de polticas de carreira e salrios de docentesem estados e municpios...................................................................154

Ingresso na carreira, contratos de trabalho e precariedades..............156Secretarias estaduais de Educao: remunerao e carreira ..............160

Regio Norte.........................................................................................161Regio Centro-Oeste.............................................................................162Regio Nordeste....................................................................................162Regio Sudeste ......................................................................................164Regio Sul.............................................................................................167

Municpios e seus planos de carreira e remunerao de professores ......171Destacando alguns aspectos..............................................................174

7. POLTICAS DOCENTES EM ESTADOS E MUNICPIOS:O QUE DIZEM OS ESTUDOS DE CAMPO? .............................177

Trabalho de campo, instrumentos e procedimentos ..........................179Caracterizao das secretarias estaduais de Educao.........................181Caracterizao das secretarias municipais de Educao .....................183Apoio ao trabalho docente................................................................185Processos de formao continuada....................................................195Polticas de valorizao do magistrio ...............................................204

Socializao de prticas exitosas em eventos ...................................207Prmios ou bnus por desempenho................................................209Licenas, bolsas, afastamentos, incentivos qualificao docente....211

Polticas de apoio aos professores iniciantes ......................................213Sntese dos achados dos estudos de campo........................................217

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8. CAMINHOS MLTIPLOS NAS POLTICAS DOS ESTADOSE QUESTES COMUNS A ESTADOS E MUNICPIOS ...........221

Diferentes percursos das polticas docentes nos estados.....................222Secretaria de Estado de Educao de So Paulo (SEE/SP) regio Sudeste ..................................................................................227Programa Letra e Vida......................................................................229Secretaria de Estado de Educao de Minas Gerais (SEE/MG) regio Sudeste ..................................................................................232Programa de Desenvolvimento Profissional (PDP) ...........................232Secretaria de Estado de Educao de Mato Grosso (SEDUC/MT) regio Centro-Oeste .........................................................................235Projeto Sala de Professor...................................................................235Secretaria de Estado da Educao do Paran (SEED/PR) regio Sul .........................................................................................238Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE)..........................238Secretaria da Educao do Governo do Estado do Cear (SEDUC/CE) regio Nordeste ................................................................................242Programa Alfabetizao na Idade Certa (Paic)...................................242Secretaria de Estado de Educao do Acre (SEE/AC) regio Norte.....................................................................................245A implementao dos programas federais nos estadose municpios: consideraes..............................................................248

9. SNTESE E DISCUSSO FINAL .................................................251

A poltica nacional de formao de professores em servio ................252Formao inicial pr-servio.............................................................258Planos de carreira .............................................................................260Polticas docentes nos estados: tendncias e percursos inovadores......261Aes regionais e locais: os exemplos ................................................264Para concluir ....................................................................................266

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................269

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APRESENTAO

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A importncia dos professores para a oferta de uma educao de qualidadepara todos amplamente reconhecida. A formao inicial e continuada, osplanos de carreira, as condies de trabalho e a valorizao desses profissionais,entre outros aspectos, ainda so desafios para as polticas educacionais noBrasil. No entanto, as condies de trabalho, a carreira e os salrios que recebemnas escolas de educao bsica no so atraentes nem recompensadores, e asua formao est longe de atender s suas necessidades de atuao. Consi-derando o papel dos professores na qualidade da educao, preciso noapenas garantir a formao adequada desses profissionais, mas tambmoferecer-lhes condies de trabalho adequadas e valoriz-los, para atrair emanter, em sala de aula, esses profissionais.

Esta publicao, resultado de um trabalho desenvolvido em parceria entrea Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura(UNESCO) e o Ministrio da Educao (MEC), com apoio do ConselhoNacional de Secretrios de Educao (CONSED) e da Unio Nacional dosDirigentes Municipais de Educao (UNDIME), revela a dinmica daspolticas docentes no Brasil, onde a autonomia dos entes federados, naelaborao e na implementao de leis em nvel local, e das universidades, naformulao de cursos de formao de professores, impacta diretamente sobreo trabalho cotidiano nas escolas de todo o pas.

Para atender a esses objetivos, foram identificadas e analisadas polticaseducativas relativas formao inicial e continuada de professores; carreiradocente, incluindo aspectos relacionados a formas de ingresso no magistrio,progresso na carreira e avaliao de docentes; s formas de recepo eacompanhamento dos professores iniciantes, ao ingressar na escola; e asubsdios ao trabalho docente, visando melhoria do desempenho escolardos alunos.

O livro inicia-se com a apresentao da pesquisa desenvolvida pelas autoras,detalhando a inteno do estudo, a sua abordagem e a sua abrangncia. Parafundamentar o debate sobre as polticas educacionais e as problemticas

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relacionadas formao e ao trabalho docente, o contexto social contem-porneo abordado com base em algumas perspectivas sociolgicas, demodo a inseri-los na dinmica dos movimentos da sociedade. Da mesmamaneira, as polticas docentes so relacionadas s demais polticas pblicaseducacionais e, em especial, s polticas de financiamento da educao.

A discusso sobre a Poltica Nacional de Formao de Profissionais doMagistrio da Educao Bsica e o delineamento de um sistema nacional deeducao so elementos importantes das polticas federais que impactamdiretamente sobre as polticas de formao e profissionalizao dos profes-sores em todo o pas. Assim, surgem subsdios para o debate sobre a formaoinicial e continuada desses profissionais, o trabalho que vem sendo realizadonas instituies formadoras, pblicas e privadas, e os currculos dos cursosofertados.

Alm disso, a carreira e a remunerao dos professores da educao bsica um tema que merece ateno, na medida em que, alm de tratar-se de umtrabalho que exige alto grau de especializao e subjetividade sem garantiade seus resultados , os modos de contratao e a distribuio de sua jornadadiria de trabalho fazem que essa profisso tenha tenso maior do que outras.

Para uma compreenso mais aprofundada das polticas, foram realizadosestudos de caso em cinco secretarias estaduais de Educao e dez secretariasmunicipais de Educao distribudas por todo o pas. Tais estudos permitiramuma viso mais prxima e compreensiva de como essas polticas vm sendoimplementadas pelos rgos executores em nvel estadual e municipal.

Espera-se, com esta publicao, contribuir para os debates sobre as polticasdocentes e subsidiar aes mais integradas que contribuam para superarentraves que vm sendo identificados, com vistas valorizao dessa cate-goria profissional e melhoria da qualidade da educao e da condio deexerccio de cidadania das populaes de crianas, jovens e adultos em processode formao nas redes de ensino do pas.

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A preocupao com a educao e, em decorrncia, com a formao deprofessores e as suas condies de trabalho aparece como uma questoimportante na sociedade, em razo das demandas e das presses de variadosgrupos sociais, considerando os novos ordenamentos estruturais no mundocontemporneo. Neste contexto, decises de governo relativas educaopodem sinalizar sobre a importncia poltica real atribuda a esse setor daao governamental. O modo como essas decises so formuladas e imple-mentadas em determinados contextos a maneira como so propostas ecolocadas em ao; a sua articulao, ou no, entre si e com polticas maisamplas, com metas claras, ou no; o seu financiamento; o seu gerenciamentoetc. oferece indcios da sua adequao e informa sobre o tipo de impacto quepodero ter, luz do conhecimento j acumulado sobre o desenvolvimentode polticas e programas governamentais, em determinadas condies.

CONSIDERANDO A PERSPECTIVA DAS POLTICAS

O olhar sobre as polticas implica pensar em governo da educao,como afirma Tedesco (2010, p. 20), o que supe, segundo o autor, umamudana conceitual respeitvel, colocando as polticas relativas aos docentesem um marco de governo, ou de governos que se sucedem em uma socie-dade, e no as tratando como programas esparsos ou de forma genrica, semancoragem. Considerando que o sistema educativo e seus problemas degovernabilidade no so mais que reflexo dos problemas de governabilidadeque existem na sociedade em seu conjunto1, tem-se, como decorrncia, queas linhas de ao governamental implementadas na direo das redes escolaresadquirem significado especfico, a depender do contexto sociopoltico e do

1. ESCOPO DO TRABALHO, ABRANGNCIA E ABORDAGEM

1. Traduo das autoras.

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momento em que so desenvolvidas. Questes de gesto, centralizao,descentralizao, financiamento, autonomia, nfases curriculares, avaliaoetc. adquirem sentidos diferentes em situaes sociais e polticas diversas.O autor exemplifica bem a questo:

No a mesma coisa dar autonomia para as escolas quando temos escolascom alto nvel de profissionalismo em seu trabalho, com projetos, comparticipao comunitria, que lhes dar autonomia como uma forma de sedesresponsabilizar pelo estabelecimento escolar (TEDESCO, 2010, p. 20).2

Desse ponto de vista, cabe perguntar, luz das polticas postas em aopelas diferentes instncias de governo no Brasil pas federativo que , seelas traduzem uma posio de governo articulada com clareza de direo,com metas integradas e compreensivas, com balizas sobre onde se pretendechegar ou que processos e dinmicas educacionais se pretendem desencadear.

O contexto societrio mais amplo em que as polticas se realizam, por suavez, cria sentidos e demandas que, em perodos anteriores, no estavampostas. Nas ltimas dcadas, a Amrica Latina viveu um paradoxo, pois, se,por um lado, as ameaas antidemocrticas diminuram sensivelmente, poroutro lado, a democracia no conseguiu ainda dar sentido maioria dasdemandas da cidadania, em especial no que respeita aos setores mais empo-brecidos, o que coloca mais desafios aos sentidos de um governo da educaoe do seu papel para amplas camadas sociais (CAVAROZZI, 2010).

Tedesco (2010) que lembra que, h algumas dcadas, a educao, ogoverno da educao, o trabalho dos professores, os currculos, entre outrosaspectos relativos escolarizao, se definiam dentro de um projeto deconstruo de um Estado-nao a finalidade das redes educacionais. Hoje,a finalidade est situada, em tese, na construo de uma sociedade maisjusta. O contexto atual o da incluso de todos no que diz respeito aos benspblicos educacionais e sociais, e isso no estava posto anteriormente nosprojetos de Estado como nao. Em decorrncia, precisamos de uma escolajusta e para ter uma escola justa precisamos de professores que assumam essecompromisso (TEDESCO, 2010, p.21 e 24).

H, ento, duas vertentes analticas a considerar na discusso de um governoda educao: o cenrio sociocultural mais amplo em que nos movemos nasociedade globalizada e as polticas para a educao e para os docentes, emparticular, colocadas pelos diferentes nveis de gesto educacional no Brasil.

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2. Traduo das autoras.

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O QUE DIZEM AS PESQUISAS SOBRE FORMAOE POLTICAS DOCENTES

As pesquisas sobre formao de professores cresceram muito nos ltimosanos. O mapeamento da produo acadmica dos ps-graduandos na rea deeducao, realizado por Andr (2009) mostra que, na dcada de 1990, ovolume proporcional de dissertaes e teses da rea de educao que tinhamcomo foco a formao de professores girava em torno de 7%; j no incio dosanos de 2000, esse percentual cresce rapidamente, atingindo 22%, em 2007.A mudana no ocorreu apenas no volume de pesquisas, mas tambm nos objetosde estudo: nos anos de 1990, a grande maioria das investigaes cientficasnessa subrea centrava-se nos cursos de formao inicial (75%); nos anosde 2000, o foco dirige-se ao() professor(a), aos seus saberes, s suas prticas,s suas opinies e s suas representaes, chegando a 53% do total de estudos.

A inteno de ouvir os professores para conhecer o que dizem, pensam,sentem e fazem nos parece muito positiva, se o que se pretende descobrir,com eles, quais os caminhos mais efetivos para alcanar um ensino de quali-dade que se reverta em uma aprendizagem significativa para todos os alunos.No entanto, essa mudana de foco das pesquisas provoca dois tipos depreocupao: por um lado, que no se deixe de investigar a formao inicial,que ainda carece de muito conhecimento sobre como formar professorescompetentes para atuar no mundo atual; por outro lado, as pesquisas nopodem correr o risco de reforar uma ideia, corrente no senso comum, deque o(a) professor(a) o nico elemento no qual se deve investir para melhorara qualidade da educao. H outros elementos igualmente importantes como a valorizao social da profisso, os salrios, as condies de trabalho,a infraestrutura das escolas, as formas de organizao do trabalho escolar, acarreira que devem fazer parte de uma poltica geral de apoio aos docentes.So mltiplos os fatores que no podem ser esquecidos, nem desconsideradosno delineamento de polticas para os professores.

Mapeamento recente das pesquisas dos ps-graduandos brasileiros(ANDR, 2010) mostrou que as polticas docentes no eram objeto deinteresse dos pesquisadores nos anos de 1990 e continuam sendo muitopouco investigadas. No perodo de 1999 a 2003, de um total de 1.184pesquisas, apenas 53 (4%) se voltavam para esse tema. Da a importncia defazer um balano das polticas voltadas aos docentes no Brasil e discuti-las.

No mbito internacional, as discusses sobre polticas docentes tm sidoalvo de eventos e publicaes. Destacam-se aqui os artigos que compem otexto Comentrios sobre os informes Eurodyce e da Organizao para

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Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) sobre a questodocente, publicados na Revista de Educacin, n. 340 (2006). Especialistasde grande renome, e que citamos genericamente, como Zarazaga, Enguita,Montero, Zabalza Beraza e Imbernn, foram convidados para fazer umaanlise dos informes de diferentes pases da Europa publicados no RelatrioEurydice: A profisso docente na Europa: perfil, tendncias e problem-ticas, de 2004, assim como o Relatrio da OCDE sobre A questo doprofessorado: atrair, capacitar e conservar professores eficientes, de 2005.Dos cinco artigos que comentam os relatrios, selecionamos o de Imbernn(2006), que volta sua anlise mais diretamente para as polticas docentes docontexto europeu. Esse autor assinala que, embora os pases sejam muitoprximos geograficamente, no se pode esquecer de suas diferenas histricasem termos de estruturas polticas, econmicas, sociais e educacionais. Noentanto, tais diferenas no obscurecem o esforo positivo que todos fazempara mudar as polticas docentes. Entre os aspectos comuns dos informes dosdiferentes pases, Imbernn destaca os seguintes: 1) a escassez de professores,indicada por vrios pases como resultado de uma profisso pouco atrativa;essa questo surge com maior gravidade nos Pases Baixos, na Blgica e naSucia, ainda que esteja presente em outros pases europeus, em menor grau;2) esforos para implementar polticas que contemplem a participao dosprofessores na sua formulao, que promovam redes de aprendizagem entreeles, que aumentem o gasto pblico em educao (embora haja uma tendnciapara diminu-lo em todos os pases), e que seja profundamente revisto oconhecimento acadmico e prtico que os docentes devem possuir para res-ponder aos desafios atuais; 3) formao permanente do professorado, consi-derando suas necessidades prticas e contextuais, assim como as temticasatuais; 4) instaurao de carreira docente ao longo da vida e verdadeiroprocesso de avaliao da formao; 5) melhoria dos critrios para seleo doprofessorado (sobretudo da entrada na universidade); 6) programas sistmicosde integrao de professores principiantes.

Imbernn (2006) conclui o artigo, destacando polticas comuns aosdiversos pases. Todos os pases defendem a ideia de que se deve dar priori-dade qualidade, e no quantidade, embora todos concordem que isso sejadifcil, porque a docncia um trabalho com muita demanda. Para aumentara qualidade, so necessrios melhores critrios de seleo, tanto para oingresso dos estudos, quanto no posto de trabalho, introduzindo uma avaliaoao longo da carreira docente e apoiando o professorado com maiores recursos.Outro ponto de destaque a necessidade de novo perfil profissional para

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enfrentar os desafios de ensino e de aprendizagem no momento atual e nofuturo. Isso requer que os docentes adquiram maior competncia pedaggica,capacidade de trabalhar com os colegas e que seja dada s escolas maiorresponsabilidade com maior descentralizao da gesto de seu pessoal. Oautor acrescenta ainda um aspecto que tambm est presente nos relatrios:a ateno que deve ser dada aos novos docentes em sua insero profissional.Menciona que alguns pases esto introduzindo ps-graduao especfica emmagistrio para os que tm experincia prtica em escolas, mas no tmtitulao na rea da educao, para dotar a profisso de uma entrada maisflexvel. Para finalizar, o autor aponta os trs vetores que cruzam os discursosde todas as comisses e todos os informes internacionais analisados: Estudar as novas competncias que o professorado deve adquirir na

sociedade atual. Tornar a profisso mais atrativa, seja na entrada, seja no seu percurso,

para reduzir a escassez de professores em muitos pases (melhorar osalrio, a imagem e o prestgio social, a carga de trabalho, a segurana notrabalho e a carreira).

Tornar a instituio educativa mais autnoma, mais responsvel pela suagesto pedaggica, organizativa e de pessoal (IMBERNN, 2006, p.48).Outra fonte de referncia a que recorremos para uma viso das polticas

docentes foi um trabalho de Denise Vaillant (2006), no qual ela discute aprofisso docente no contexto da Amrica Latina. A autora toma como basepara suas reflexes o projeto Professores na Amrica Latina: Radiografia deuma Profisso, que analisa informes de diferentes pases. Adverte que no sepode esquecer das significativas variaes existentes entre os diferentes pasesdo contexto latino-americano, mas possvel identificar alguns pontos comuns: Um entorno profissional que dificulta reter os bons professores na docn-

cia. H poucos estmulos para que a profisso seja a primeira opo nacarreira. Acrescente-se a isso condies de trabalho inadequadas, problemassrios na remunerao e na carreira.

Muitos professores esto muito mal preparados, o que requer esforomassivo de formao em servio.

A gesto institucional e a avaliao dos docentes, em geral, no tmatuado como mecanismo bsico de melhoria dos sistemas educativos.Vaillant (2006) insiste que os dados de perfil dos docentes latino-ame-

ricanos revelados pela pesquisa devem ser levados em considerao, aopensar-se nas polticas educativas. A grande maioria do professorado dosexo feminino, tende a ser mais jovem que nos pases desenvolvidos, provm,

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em geral, de setores e famlias com menor capital cultural e econmico emtermos relativos e cujo salrio contribui com poro significativa da rendafamiliar, correspondendo, em alguns pases, a 45% da renda total familiar.Outro ponto de destaque nesse perfil que o preparo e os anos de escolari-dade dos docentes latino-americanos (12 anos) significativamente menordo que no grupo formado por Estados Unidos, Japo e pases da OCDE(16 anos), o que resulta em um comprometimento da educao recebida porcrianas e jovens latino-americanos, em especial de contextos socioeconmicosdesfavorecidos.

No que se refere carreira docente, Vaillant (2006) mostra que, em geral,a antiguidade o principal componente para que o(a) docente possa avanarna carreira profissional, que finaliza com uma posio fora da sala de aula.O(a) docente s consegue melhoria salarial, quando passa a ser diretor(a) deescola e, da, a supervisor(a). Isso quer dizer, enfatiza a autora, que, para subirde posto, o(a) docente tem de afastar-se da sala de aula, o que traz, comoconsequncia perversa, o abandono do ensino por parte dos que so bonsprofessores.

A avaliao dos docentes ao longo da carreira quase inexistente, e no hincentivos para que os bons professores trabalhem em escolas de contextossocioeconmico mais desfavorecidos. A autora conclui que essa situaoconfirma a existncia de um crculo negativo que afasta os docentes maisexperientes e bem formados daquelas zonas em que mais so necessrios(VAILLANT, 2006, p.125).

Quanto aos salrios, a autora assinala que h variaes importantes nosdiversos pases: Chile e El Salvador tm as melhores mdias salariais,enquanto Uruguai, Honduras e Colmbia tm nvel intermedirio, ao passoque, na Nicargua e na Repblica Dominicana, esto os mais baixos. De modogeral, os nveis salariais dos pases latino-americanos so muito mais baixosdo que os dos pases desenvolvidos, conclui a autora. Chama ainda a atenopara o fato de que, nos ltimos anos, o salrio real dos professores caiu noto-riamente.

H ainda um importante aspecto a considerar: a formao inicial devemerecer ateno especial nas polticas docentes, porque o primeiro pontode acesso ao desenvolvimento profissional contnuo e tem um papel funda-mental na qualidade dos docentes que passam por esse processo, diz a autora.Ao analisar a situao das instituies formadoras na Amrica Latina,Vaillant (2006) destaca algumas preocupaes, como heterogeneidade ediversidade das instituies formativas: os docentes formam-se em escolas

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normais superiores, institutos superiores de educao, instituies provinciaisou municipais, institutos superiores de ensino tcnico, universidades, facul-dades. A proliferao e a disperso das instituies fato em muitos pasesda Amrica Latina, o que atenta contra a sua qualidade. Muitas no tmequipamento adequado (como laboratrios e bibliotecas) para manter umaformao de qualidade.

Quanto s propostas curriculares dos cursos de formao inicial, Vaillant(2006) salienta que o exame dos casos do projeto Docentes na AmricaLatina em Direo a uma Radiografia da Profisso mostra um deficit dequalidade nos conhecimentos disciplinares ensinados nas instituies deformao docente, assim como escassa articulao com o conhecimentopedaggico e a prtica docente (p. 129). Concluso similar teve a pesquisarealizada no Brasil por Gatti e Nunes (2009) e que ser discutida com maisdetalhe no captulo sobre formao inicial de professores.

Um ponto adicional de destaque no artigo de Vaillant (2006) aavaliao dos docentes, que, segundo a autora, no tem sido tema prioritriona Amrica Latina, pelo menos em termos de polticas e prticas institu-cionalizadas.

Aps examinar outros aspetos ligados profisso docente como a faltade valorizao social, os fatores que geram satisfao e insatisfao profis-sional , a autora seleciona quatro grupos de fatores-chave para pensarpolticas docentes a fim de atrair e manter bons professores: Valorizao social. Entorno profissional facilitador, com condies adequadas de trabalho e

estrutura apropriada de remunerao e de incentivos na carreira. Formao inicial e continuada de qualidade. Avaliao que retroalimente a tarefa de ensinar. Os marcos referenciais

para a docncia e a sua avaliao deveriam constituir a base para os pro-gramas de formao inicial e para a construo das etapas e dos requisitosda carreira docente.As anlises sobre as condies de formao e de trabalho docente na Europa

e na Amrica Latina mostram pontos de convergncia com a situao dadocncia no Brasil, como se ver nas anlises procedidas neste estudo. Asreflexes trazidas pem em perspectiva mais ampla a problemtica relativas polticas voltadas aos docentes da educao bsica e oferecem fundoreferencial para as anlises que faremos com base em documentos e dadoscoletados junto ao Ministrio da Educao (MEC) e s secretarias de Educaode estados e municpios brasileiros.

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FOCO DO ESTADO DA ARTE E FONTES DE INFORMAO

Os problemas ligados docncia na educao bsica tm sido estudadospor variados grupos de pesquisadores, sob prismas diversos. Recente estudopublicado pela UNESCO (GATTI; BARRETTO, 2009) permite que setenha um panorama geral sobre o cenrio da profisso docente no Brasil,tratando-a como setor nevrlgico nas sociedades contemporneas, sendo aadministrao pblica a grande empregadora (80%). As autoras mostramque, no Brasil, a importncia dos professores, no cmputo geral dos empregosformais, no menor do que nos pases avanados, assim como tambm no menor sua importncia social e poltica. Com essa concepo, vrias facetasque se entrecruzam na constituio da profissionalizao docente so exami-nadas no estudo citado: legislao, caractersticas da formao inicial presen-cial e a distncia, modelos especiais de formao implementados poradministraes pblicas, perfil dos professores e dos licenciandos, aspectosrelativos educao continuada nas redes de ensino, dados gerais sobresalrio e carreira. Em suas reflexes finais, destacam que salta vista a neces-sidade de adoo de uma estratgia de ao articulada entre as diferentesinstncias que formam professores e as que os admitem como docentes,bem como a necessidade de conseguir-se consensos quanto aos rumos daeducao nacional, das estruturas formativas de docentes para a educaobsica e dos currculos respectivos (GATTI; BARRETTO, 2009, p. 255).Essas observaes remetem diretamente questo das polticas educacionaise, dentro destas, s polticas voltadas aos docentes.

Embora o estudo citado seja um dos mais amplos encontrados, algunsaspectos relativos profissionalizao docente no foram tratados, e algunsdos temas analisados mereceriam desdobramento analtico e maior aprofun-damento para sua melhor configurao dentro de uma perspectiva depolticas de ao, portanto de definies polticas. O presente trabalho pre-tende caminhar nessa direo, tendo por objetivo levantar e analisar compre-ensiva e integradamente polticas voltadas aos docentes no Brasil. Buscou-seelaborar uma viso crtica-construtiva relativa a essas polticas a qual permitasustentar, de modo mais fundamentado, aes integradas e aes maisarticuladas constitutivas de polticas futuras.

Objetiva-se com este estudo mapear e analisar as polticas relativas formao inicial e continuada; a carreira e a avaliao de docentes; e ossubsdios ao trabalho docente, visando melhoria do desempenho escolardos alunos.

As redes municipais consideradas para efeito de coleta de dados nesteprojeto se circunscrevem ao universo de municpios que compem o Grupo

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de Trabalho das Grandes Cidades no MEC (GT), que rene os que possuem150 mil habitantes ou mais. O GT composto por 178 municpios, nmeroreduzido diante dos 5.563 que fazem parte da Federao brasileira, masmuito representativo, porque neles se concentra o maior nmero de matrculasda educao bsica no pas.

Este estado da arte baseou-se em informaes e documentos provenientesdas seguintes fontes: rgos gestores das polticas educacionais na esferafederal, nos estados e nos municpios; instituies de ensino superior (IESs)e outras entidades ou rgos de pesquisa. Para compreenso mais aprofun-dada das polticas, foram realizados 15 estudos de caso, cinco em secretariasestaduais de Educao e dez em secretarias municipais, distribudas pelo pas.Esses estudos permitiram fazer um recorte vertical de algumas dessas polticas,aprofundando, sempre que possvel, as anlises no que se refere suaimplementao.

Com a colaborao dos rgos centrais do governo federal, do ConselhoNacional de Secretrios Estaduais (CONSED) e da Unio Nacional dosDirigentes Municipais de Educao (UNDIME), foram coletadas informaesdocumentais sobre polticas docentes produzidas nos diferentes mbitos,tendo como foco: formao inicial e continuada de professores; carreiradocente (ingresso e progresso) e avaliao de professores; formas deacompanhamento dos professores iniciantes pelas redes de ensino; subsdiosao trabalho do(a) professor(a), visando melhoria do desempenho escolar dosalunos (aportes de material, formao continuada, apoio didtico-peda-ggico, parcerias); polticas de valorizao do magistrio. Parte das informa-es de carter documental foi obtida por meio de vrias buscas nos stioseletrnicos alimentados pelas secretarias e pelas instituies universitrias.Trata-se, na maioria dos casos, de informaes de domnio pblico que nemsempre permitem recuperar totalmente a cronologia das aes de fatodesenvolvidas na ltima gesto dos respectivos governos. No obstante, buscasmais detalhadas em alguns desses stios possibilitaram conhecer melhorvrios programas e aes desenvolvidos por alguns desses rgos. A documen-tao mais abundante acerca de programas e aes de governo encontradanos rgos da esfera federal, especialmente nos stios do MEC e das suasrespectivas secretarias: da Educao Bsica (SEB) e de Educao Continuada,Alfabetizao e Diversidade e Incluso (Secadi), bem como no stio daCoordenadoria de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes).3

3. NT: A documentao tambm se encontrava na Secretaria de Educao Especial (Seesp) e na Secretaria deEducao a Distncia (SEED), as quais foram extintas em 2011.

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As IESs tambm constituram fontes de informao para este estudo,uma vez que so responsveis pela formao inicial para o magistrio e, emgrande parte, pelas aes de formao continuada que atendem s demandasdas redes de ensino. Alguns dos estudos realizados nessas instituies pude-ram tambm oferecer um olhar mais distante e crtico sobre as aes dosrgos executivos encarregados da formulao das polticas docentes e dosprprios programas de formao de professores, sobretudo quando asprprias IESs ou os pesquisadores no esto diretamente envolvidos comessas aes. Para tanto, a busca no banco de dissertaes e teses da Capesconstituiu recurso valioso.

Investigaes realizadas por outras instituies ou rgos de pesquisasobre o tema constituram subsdios para a anlise dessas polticas, as quaispodem ser encontradas em publicaes cientficas da rea ou sob a forma derelatrios de pesquisa. O exame do material incluiu ainda, como fontes dereferncia, estudos realizados no exterior sobre as questes em foco.

Obteve-se um quadro sinttico do material documental coletado nassecretarias de Educao de estados brasileiros, do Distrito Federal e de muni-cpios, distribudos pelas cinco regies do pas. Embora esse quadro nocubra a totalidade das redes de ensino que seria desejvel retratar, isso noimpediu que, ao processarem-se as anlises de modo mais detido, as informa-es obtidas oferecessem um panorama da diversidade das polticas docentesno pas, sinalizando algumas tendncias das orientaes polticas adotadaspelos entes federados, quer nas suas especificidades, quer como parte dearticulaes mais amplas que resultam da colaborao entre as instnciasde governo.

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2. CONTEXTO CONTEMPORNEO, CULTURA, EDUCAO E POLTICAS VOLTADAS AOS DOCENTES

Abordaremos algumas perspectivas sociolgicas relativas ao contextosocial contemporneo, como forma de ancorar as questes de polticaseducacionais e a problemtica da formao e do trabalho dos professores nadinmica dos movimentos da sociedade, para depois adentrar em aspectosrelativos s polticas especficas voltadas aos docentes no Brasil, tanto emmbito federal quanto estadual e municipal.

Um dos olhares que pode caracterizar a sociedade na contemporaneidade aquele que trata da luta pelo reconhecimento social, em sua dimensopoltica, que, conforme coloca Paiva

pode ser interpretada como sinnimo da histria das demandas porincluso na esfera pblica das sociedades ocidentais, momento novo, emque vrios segmentos da sociedade, antes invisveis na organizao socio-poltica, passaram a demandar seus direitos, ou seja, seu reconhecimentocom base na formao de identidades especficas (PAIVA, 2006, p. 11).

Como decorrncia, nas sociedades contemporneas, o indivduo elemento considerado como essencial para a organizao sociopoltica, e arealizao dessa condio funda-se na ideia dos direitos humanos. A educaoconsagrada como direito subjetivo inalienvel das pessoas encontra, nessecenrio, seu grande suporte, e as fortes reivindicaes e as lutas por umaeducao de qualidade para todos a expresso da busca por esse direito.A anlise e o questionamento de polticas implementadas por diferentesnveis de governo, em um pas de constituio federativa como o Brasil,por diferentes grupos sociais com seus especficos interesses e necessidadestraduzem nova perspectiva de vida e demandas sociais. Paralelamente, a lutapelo reconhecimento tambm uma afirmao da diferena, uma vez que

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ela pede o reconhecimento da identidade especfica de grupos (PAIVA,2006, p.11).

O direito diferena vem sendo fortemente afirmado por diferentesmovimentos na sociedade contempornea. Estes movimentos trazem impac-tos na educao, especialmente nas disputas relativas aos currculos escolares,portanto, na formao dos professores. Ambas as tendncias so foras sociaisque se avolumam e colocam novas condies para a concepo e a conse-cuo de polticas pblicas voltadas ao social e, mais enfaticamente, para asredes educacionais. Aqui, o fator humano quem ensina, quem aprende,quem faz a gesto do sistema e da escola e de que forma destaca-se comopolo de ateno dos vrios grupos envolvidos na busca de nova posio sociale de novas condies para suas relaes sociais, de convivncia e de trabalho.

As novas abordagens sobre a questo de justia social, redistribuio debens materiais e culturais e demandas por reconhecimento trazem perspec-tivas que avanam em relao discusso unilateral da economia como nicae central questo dos conflitos sociais, e nica questo a resolver. ConformeMattos (2006), o economicismo tende a propagar a ideia de que a soluopara os problemas da realidade social pode ser dada pela economia: seriamexplicaes que afirmam, por exemplo, que, se o PIB de um pas crescertantos por cento, possvel que se reduza a pobreza, se distribua renda etc.(MATTOS, 2006, p.152). A cultura, aqui, questo adjacente ou decorrente.J a posio oposta, na esteira dos culturalismos, defende a ideia de quemudanas na cultura que podem alterar aspectos, ou toda a ordem social.Fraser (2001), ao desenvolver suas anlises sobre os dilemas da justia na eraps-socialista, postula que a injustia econmica est ligada injustiacultural e vice-versa (FRASER, 2001, p.252). E, se avanarmos na perspectivadas subjetividades, por exemplo, desponta a questo do senso de injustia,segundo alguns analistas, como fator mobilizador, sendo que, o conheci-mento de suas causas importante para a compreenso dos conflitos sociaisemergentes e das necessidades que provocam movimentos de determinadosgrupos (HONNETH, 2003).

Os desafios candentes que so colocados ao governo da educao e s suaspolticas, em particular s questes da formao de docentes e de seu traba-lho, tm-se originado dos desconfortos anunciados por diferentes grupossociais, em diferentes condies, que expem suas necessidades e demandase geram suas reivindicaes expressas por vrios meios (associaes diversas,mdias, movimentos por mais e melhor educao etc.). Esses desconfortosrelacionam-se a novas posturas ante as injustias sociais, marcadamente as

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injustias de status social, que esto relacionadas com a ordem cultural emnossa sociedade, aliada s possibilidades de sobrevivncia digna.

Nesse cenrio, a educao ocupa lugar importante, e a questo de quemfaz educao e em quais condies se torna central. Assim, compreender aspolticas governamentais em relao aos docentes pode iluminar aspectosda relao opaca entre legisladores e gestores dessas polticas e as novaspostulaes de grupos sociais que reivindicam para si, de diferentes formas,equidade, reconhecimento social e dignidade humana.

NOVAS EXIGNCIAS AO TRABALHO DOCENTE

Considerando as novas condies de permeabilidade social das mdias eda informtica, dos meios de comunicao e das redes de relaes presenciaisou virtuais , das novas posturas na moralidade e nas relaes interpessoais,nas famlias e nos grupos de referncia, impactos na socializao das pessoasso visveis. As crianas ingressam nas escolas com vivncias cotidianas eaprendizagens sociais prvias ou paralelas heterogneas, com expectativasbem diferenciadas de como ocorria dcadas atrs. Dois fatores podem serconsiderados aqui: primeiro, nem sempre h congruncia entre valores,atitudes e comportamentos que circulam nos meios de comunicao, emdada comunidade, famlia e escola, podendo os mesmos trazer profundascontradies entre si; segundo, os estudantes, seres em desenvolvimento, sofortemente afetados por modismos ou simbolismos criados e disseminadosintensamente por diferentes formas sociais de comunicao. Os professorestrabalham na confluncia dessas contradies e simbolizaes, o quecaracteriza, com mais ou menos intensidade, uma situao tensional. Almdisso, so instados a compreender essas crianas e jovens, motiv-los, form--los e ensin-los. Cada vez mais, os professores trabalham em uma situaoem que a distncia entre a idealizao da profisso e a realidade de trabalhotende a aumentar, em razo da complexidade e da multiplicidade de tarefasque so chamados a cumprir nas escolas. A nova situao solicita, cada vezmais, que esse(a) profissional esteja preparado(a) para exercer uma prticacontextualizada, atenta s especificidades do momento, cultura local, aoalunado diverso em sua trajetria de vida e expectativas escolares. Uma prticaque depende no apenas de conhecimentos e de competncias cognitivasno ato de ensinar, mas tambm de valores e atitudes favorveis a uma posturaprofissional aberta, capaz de criar e ensaiar alternativas para os desafios quese apresentam (TEDESCO, 1995; TEDESCO, 2006; TEDESCO; FANFANI,2006; GATTI, 2007). So disposies subjetivas que, porm, se constroem

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nas experincias formativas e profissionais concretamente vivenciadas einterpretadas de forma representativa com base em um dado contexto socio-profissional significativo por cada educador(a). Com respeito dimensosubjetiva do desenvolvimento profissional do(a) professor(a), Tedesco (2005)lembra que o sentido tico e a dimenso poltica do trabalho docente so osdois pilares da identidade do(a) professor(a): acreditar no projeto da educaoe acreditar na capacidade do(a) aluno(a).

Nos processos educacionais, no possvel descartar as questes dasubjetividade. Elas colocam-se inicialmente na relao educacional: sereshumanos aprendendo com seres humanos, em condies sociais e psicos-sociais em uma dinmica prpria. Severino chama ateno para o fato de quea educao no pode ser vista apenas como um processo institucional(SEVERINO, 2009, p.160). preciso ter presente que ela uma inter-veno na direo formativa do ser humano, quer pela relao pedaggicapessoal, quer no mbito da relao social coletiva. Conforme afirma esseautor, espera-se que a educao, que prtica institucionalizada em nossasociedade, contribua com as aes que constituem a existncia histrica daspessoas e da sociedade humana, em seus trs ngulos:

no universo do trabalho, da produo material e das relaes econmicas;no universo da sociabilidade, mbito das relaes polticas, e no universoda cultura simblica, mbito da conscincia pessoal, da subjetividade edas relaes intencionais (SEVERINO, 2009, p. 161).

O(a) professor(a) o(a) ator(atriz) que est no centro do trabalho educa-cional institucionalizado, envolvido indissoluvelmente nas relaes educativas.Os processos amplos de reconhecimento social fazem-se presentes nessasrelaes, quer nas perspectivas e nas expectativas dos professores, quer nasdos alunos, assim como os aspectos estruturantes das sociedades em certotempo. O cenrio no qual os professores atuam e o foco e as suas formas deatuao tm demandado complexidade crescente. A essa complexificaoda condio docente aliam-se a precarizao de suas condies de trabalhono contexto comparativo do exerccio de outras profisses e as dificuldadesde manter condies favorveis para autoestima e, em sua representao,criar estima social (GATTI; BARRETTO, 2009; MARIN, 2004; IMBERNN,2000). Nessa complexidade, a prpria constituio identitria dos docentesda educao bsica coloca-se em tenso.

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ESFOROS EMPREENDIDOS E PERMANNCIA DE DESAFIOS

Nas duas ltimas dcadas no Brasil, esforos foram concentrados na reaeducacional, tendo no seu horizonte os desafios postos pelas demandas epelas necessidades que emergiram na sociedade brasileira: necessidades deordem social, econmica e cultural no contexto dos direitos humanos. Comobjetivos prprios provocados por movimentos internos pela atuao deorganizaes civis, universidades e sindicatos, como tambm aliando-se siniciativas internacionais da UNESCO na busca de propiciar educao paratodos1, o pas, por meio de sucessivas gestes e em seus trs nveis de governo,procurou aumentar os anos de escolaridade da populao, investir na infra-estrutura, orientar os currculos da educao bsica, ampliar as oportuni-dades na educao superior, formar os docentes por diversos meios, deslocara formao dos professores da educao bsica do nvel mdio para o nvelsuperior, desenvolver os programas de formao continuada, melhorar oslivros didticos e a sua distribuio, entre tantas outras aes polticas.Porm, o Brasil ainda est distante de uma qualidade educacional consi-derada razovel, sobretudo no que se refere s redes pblicas de ensino, queatendem maioria das crianas e dos jovens brasileiros. Vrios so os fatoresintervenientes nessa situao, entre eles a questo dos docentes, sua formaoe suas condies de trabalho.

Para a UNESCO, levar em conta a educao como direito humano ebem pblico permite s pessoas exercer os outros direitos humanos. Por essarazo ningum deve ficar excludo dela (UNESCO, 2007, p.12). Issoimplica garantir acesso escolarizao, uma escolarizao que revele boaqualidade formativa, que pratique a no discriminao, que trabalhe com oparadigma da progresso dos estudantes, que desenvolva atitudes coope-rativas e participativas, que tenha finalidades claras no geral e para cada umde seus nveis, que cuide dos processos de ensino e de aprendizagem, que osprocessos educacionais escolares tenham pertinncia, que sejam significativos

para todas as pessoas de diferentes estratos sociais e culturais, e com dife-rentes capacidades e interesses, de forma que possam apropriar-se da culturamundial e local e construir-se como sujeitos, desenvolvendo sua auto-nomia, autogoverno e sua prpria identidade (UNESCO, 2007, p. 14).

Essas posturas colocam responsabilidades novas aos docentes da educaobsica e desafios para as polticas relativas sua formao e s condies de

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1. Conferncia de Jomtien, Tailndia, sobre Educao para Todos, 1990; Marco de Ao de Dakar. (UNESCO.Educao para Todos: cumprindo nossos compromissos coletivos. Braslia: UNESCO, 2000).

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trabalho. No documento citado, trata-se dos docentes como pessoas que serelacionam com a garantia do direito educao. No entanto, isso s poderter sentido com polticas incisivas e coerentes relativas a eles:

A qualidade dos docentes e o ambiente que criam na sala de aula, exclu-das as variveis extraescolares, so fatores decisivos que explicam osresultados de aprendizagem dos alunos, o que significa que as polticasorientadas a melhorar a qualidade da educao s podem ser viveis, se osesforos se concentrarem em transformar com os docentes, a cultura dainstituio escolar. Por sua vez, sem o concurso dos professores, nenhumareforma da educao ter sucesso. (UNESCO, 2007, p. 15)

Ao falar de qualidade dos professores da educao bsica, tambm se estindiretamente referindo aos gestores de escolas que, de origem, so profes-sores. No de hoje que pesquisas apontam que as formas de atuao dosdiretores de escola esto relacionadas s condies de um funcionamentomais efetivo das escolas (CASTRO, 1985). Isso mostra que a formaoinicial dos docentes tem implicaes amplas para as escolas, na medida emque tambm esses profissionais podero ser convocados a exercer a funo decoordenadores pedaggicos, supervisores educacionais ou diretores de escola,ou outras atividades nas redes de ensino. A compreenso desse quadroformativo pode orientar caminhos em polticas pblicas dirigidas a essesegmento profissional e s instituies formadoras. Os aspectos relativos sua formao continuada, em seus diferentes ciclos de atividade profissional,merecem cuidados especficos ante as realidades comunitrias e sociaisemergentes. Disso trataremos mais adiante.

No que diz respeito atuao dos professores na educao bsica para asuperao de condies produtoras de marginalizao e excluso dentro efora das redes de ensino, seu papel, no intuito de oferecer s crianas e aosjovens aprendizagens significativas para superar desvantagens sociais, semdvida, importante. Porm, esse papel est atrelado s suas prprias condi-es sociais e de trabalho, a, includas suas caractersticas socioeconmicas eculturais, estruturas de carreira e salrios, e sua formao bsica e continuada.H uma coincidncia, que acaba em redundncia, que se refere condiosociocultural dos professores e s condies de vida dos alunos das redespblicas de ensino, que, muitas vezes, apresentam alguma desvantagemsocial. Atualmente, no Brasil, os prprios professores so provenientes decamadas sociais menos favorecidas, com menor favorecimento educacional,especialmente os que lecionam na educao infantil e nos primeiros anos doensino fundamental, justamente no perodo de alfabetizao (ALTOBELLI,

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2008; GATTI, 2010). Essas condies comprometem o seu repertrioeducacional e limitam as possibilidades de criao de alternativas para lidarcom os fatores de diversidade cultural. So questes que se ligam formaoinicial, formao continuada, necessidade de planos de carreira maisdignos e perspectivas de trabalho mais motivadoras. H condies a superar,mesmo considerando que essas vm sendo examinadas e discutidas maisfortemente na ltima dcada, tendo gerado polticas regionais e projetosespeciais de formao docente desenvolvidos por alguns estados brasileiros.Os efeitos dessas medidas s podero ser avaliados depois de decorridoalgum tempo. So, no entanto, sinalizaes positivas na direo de equalizaroportunidades formativas, de carreira e salrio para esses profissionais, bemcomo de oferecer a eles melhor qualificao profissional, esperando-se efeitospositivos na qualidade da educao oferecida pelas escolas pblicas e naateno s crianas e aos jovens. No entanto, faz-se necessrio verificar comoessas iniciativas que agora se implementam so postas em ao, com o obje-tivo de prover continuidades ou redirecionamentos. Sua eficcia como polticasocial e educacional necessita de anlise mais acurada.

Outro aspecto a ser considerado cuidadosamente nas perspectivas forma-tivas de professores o discurso da competncia: competncia do(a) professor(a)e competncias a desenvolver nos alunos. Retomando Severino (2009), seeducao institucionalizada deve ter como horizonte formao humana demodo integrado, ela transcende, embora no despreze, as questes ligadas acompetncias, tal como essas vm sendo postas nas polticas pblicas atuais.Porm, de acordo com Souza e Pestana (2009), o discurso, nessas polticasem que a questo de competncia analisada, subordina a educao somente

s demandas socioeconmicas dos novos modelos de articulao produtiva,alm de revelar uma compreenso do sujeito de forma idealizada e nosituada, camuflando as contradies e desafios a serem enfrentadospelo setor educacional, especialmente na formao docente (SOUZA;PESTANA, 2009, p.133).

Segundo essas autoras, o termo polissmico e presta-se a proposies emeducao as mais contraditrias ou reducionistas, havendo negao dadimenso social e relacional da competncia. A atuao de professores no seutrabalho, em situaes em que determinadas competncias so requeridas,se d em um determinado contexto sociocultural, histrico e relacionalinterpessoal. As situaes escolares no so descoladas das circunstnciasque as constituem especificamente. A crtica que Souza e Pestana fazem que, com apoio

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no pressuposto desse sujeito descolado de suas circunstncias, os sistemaseducativos e as instituies educacionais, tendem a comprometer-seexclusivamente com a capacitao de pessoas isoladas, sem se responsa-bilizar pelas condies que os constituem como professor e como sujeitos(SOUZA; PESTANA, 2009, p. 147).

E o fazem numa viso de competncia descontextualizada. Consequente-mente, tal viso incide na responsabilizao individual do docente pelaqualidade do ensino e pela educao nacional (SOUZA; PESTANA, 2009,p. 147). No s processos de formao inicial ou continuada tm tomadoesse pressuposto como base, como tambm os processos de avaliao docente,inclusive os de carreira docente, as polticas de abono salarial e os prmios.A discusso sobre essas polticas e seus efeitos precisa ser posta, demandandouma reflexo sobre esses efeitos e sobre as propostas implementadas.

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Para melhor entender as polticas docentes preciso consider-las no bojodas polticas educacionais que as configuram. O carter histrico das polticaseducacionais remete, por sua vez, necessidade de analis-las com base nocontexto nacional e internacional em que se inserem, s demandas dediferentes mbitos a que procuram responder e prpria evoluo dastradies educativas em que elas so desenhadas e postas em prtica.

Como argumenta Lessard (2010), as formas de financiamento da educaoe os modos de gesto do currculo so aspectos das polticas educativas emque a interseco com as polticas docentes se torna particularmente evidente.Uma breve incurso nessas duas vertentes permite situar as polticas relativasaos docentes em ngulo mais amplo.

ALGUMAS QUESTES DE FINANCIAMENTOE SUA RELAO COM AS POLTICAS DOCENTES

Acompanhando a tendncia de crescimento do setor tercirio nas socie-dades contemporneas em razo dos processos de reestruturao produtiva,no Brasil, em 2006, os docentes representavam o terceiro maior agrupa-mento profissional do pas, menor apenas que o dos escriturrios e o dosempregados no setor de servios1. Diferentemente, porm, dessas duas cate-gorias profissionais mais numerosas, os professores trabalham, em sua maioria,no setor pblico. A enorme massa de empregos por eles representada envolvemovimentao de recursos de elevada monta por parte do Estado o quetem considervel impacto na economia nacional e impe constrangi-

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3. POLTICA EDUCACIONALE POLTICAS DOCENTES

1. Segundo dados da Relao Anual de Informaes Sociais (RAIS) do Ministrio do Trabalho e Emprego, citadospor Gatti e Barretto (2009), do total de postos de trabalho no pas em 2006, 8,6% pertenciam aos professores,que eram, por sua vez, apenas precedidos pelos escriturrios (15,2%) e pelos trabalhadores do setor de servios(14,9%). Entre os docentes, 82,6% provinham do setor pblico.

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mentos sua expanso, em razo do peso relativo que possuem as polticassociais no conjunto das polticas pblicas. A questo remete discusso dopercentual do Produto Interno Bruto (PIB) destinado ao financiamento dosetor educacional, da vinculao de recursos rea da educao e de seusrebatimentos nas condies de trabalho, formao, remunerao e carreiradocente, que ser examinada mais pormenorizadamente em captulos sub-sequentes.

Cabe, de incio, apenas destacar que, aps a promulgao da Lei n9.394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB)2, a prin-cipal forma de regulao dos recursos destinados aos docentes da educaobsica passou a ser feita pelo Fundo de Manuteno e Desenvolvimento doEnsino Fundamental e de Valorizao do Magistrio (Fundef ), institudopela Emenda Constitucional n 14/1996 e regulamentado pela Lei n9.424/1996, assim como pelo Decreto n 2.264/1997. Tratava-se de umfundo contbil de mbito estadual, que abrangia todos os estados brasileirose o Distrito Federal, composto basicamente por recursos provenientes doprprio estado e de seus municpios, originrios de fontes pr-existentes ej vinculadas educao, por fora de determinaes constitucionais. semelhana dos fundos de participao dos estados e dos municpios, osrecursos do Fundef eram automaticamente repassados a estados e municpios,de acordo com a distribuio proporcional de matrculas do ensino funda-mental nas respectivas redes de ensino de cada unidade federada. Esses recursospoderiam ser complementados com parcelas provenientes da esfera federal,caso o montante no atingisse o valor mnimo a ser investido por aluno(a)/ano estipulado pela Unio (BRASIL. MEC, 1998). O mecanismo de financia-mento do Fundef visava a assegurar os insumos bsicos necessrios a umpadro de qualidade indispensvel a todas as escolas brasileiras.

Segundo a legislao, 60% dos recursos desse fundo deviam ser utilizadospara a remunerao dos quadros do magistrio do ensino fundamental dasredes estaduais e municipais de ensino, permitindo igualmente a coberturade despesas relacionadas formao dos professores inclusive as de forma-o inicial em carter emergencial , com o intuito de tornar esses profis-sionais habilitados ao exerccio regular da docncia ou propiciar a sua capaci-tao mediante cursos de aperfeioamento e reciclagem. Os 40% restantes,seriam utilizados na cobertura das demais despesas com manuteno edesenvolvimento do ensino.

2. Todas as referncias completas das legislaes citadas nesta publicao esto includas na bibliografia.

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Em substituio ao Fundef, dez anos aps a sua criao, foi institudo oFundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e deValorizao dos Profissionais da Educao (Fundeb), por meio da MedidaProvisria n 339/2006, posteriormente sancionado pela Lei n 11.494/2007. Tal como o primeiro, no mbito de cada estado, o Fundeb abrange ogoverno do estado e de todos os seus municpios na condio de provedorese beneficirios de seus recursos, os quais so distribudos proporcionalmentes matrculas das suas respectivas redes na educao bsica. A distribuioobserva o estabelecido pela Constituio Federal (BRASIL, 1988) quanto aoseu atendimento: a atuao prioritria dos estados, no ensino fundamental emdio, e dos municpios, no ensino fundamental e na educao infantil.O Funbeb opera basicamente com os mesmos mecanismos redistributivosdo Fundef, mas a cesta de impostos que o compem foi ampliada, assimcomo o montante alocado a cada uma delas, uma vez que o fundo passa acontemplar os diferentes nveis e modalidades da educao bsica. Cabeigualmente Unio complementar os recursos do fundo de cada estado, namedida em que o valor mdio ponderado por aluno no alcanar o mnimodefinido pelo governo federal, assim como permanece a subvinculao de60% dos seus recursos para a remunerao e o aperfeioamento do pessoaldocente e dos demais profissionais da educao em efetivo exerccio no setorpblico. Segundo estimativas de Callegari (2009), no terceiro ano de suaimplementao, em 2009, o Fundeb teria movimentado mais de 80 bilhesde reais. Nesse mesmo ano, de acordo com o Censo Escolar 3, dos 1.977.978docentes da educao bsica no pas, 82,2% deles, ou seja, 1.627.707, eramempregados pelo setor pblico.

O Fundef e, posteriormente, o Fundeb instituram mecanismo regular,sustentvel e mais equitativo de manuteno e desenvolvimento do ensino,primeiramente, do ensino fundamental ainda responsvel, uma dcadaantes da virada do sculo XX, por cerca de 75% das matrculas da totalidadeda populao que estudava no pas nos diferentes nveis educacionais ,depois, com o Fundeb, de toda a educao bsica, que inclui a educaoinfantil, o ensino fundamental e o mdio. Em razo de sua concepo eracionalidade, esses fundos tambm foram responsveis pela criao decondies institucionais bsicas para a construo de polticas mais equ-nimes de valorizao do magistrio, ao potencializar o provimento derecursos de que essas necessitam para a sua concretizao e contribuir para a

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3. BRASIL. MEC/Inep/Deed, 2009.

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prpria estruturao do espao poltico requerido nas redes de ensino para odesenvolvimento profissional dos docentes.

Esses fundos tambm aliceraram nos estados e nos municpios as basespara o incremento de polticas de ampla envergadura de formao em serviode docentes, entendidas como um direito dos profissionais da educao ecomo uma condio indispensvel ao exerccio da profisso.

O Fundef tornou possvel que, aps a elevao da obrigatoriedade deformao em nvel superior para todos os docentes, determinada pela Lei n9.394/1996, novas articulaes fossem estabelecidas entre as administraesmantenedoras da educao bsica e as instituies formadoras de professores.Vrios governos dos estados e dos municpios passaram a trabalhar emparceria, mediante convnios com universidades federais, estaduais e, porvezes, algumas comunitrias dos respectivos estados, para o desenvolvimentode programas especiais de licenciatura voltados aos professores em exerccionas redes pblicas que possuam apenas formao em nvel mdio, conformerequeria a legislao anterior. Os programas eram semipresenciais e utiliza-vam recursos miditicos diversos, uma vez que havia necessidade de certificargrande nmero de professores, gerando uma demanda de larga escala que oscursos regulares da educao superior, no seu formato clssico, no tinhamcondies de atender a curto ou mdio prazo. Com o Fundeb, alarga-se oescopo desses programas.

Juntamente com os fundos estaduais, ao longo da dcada de 2000, oFundo Nacional de Desenvolvimento da Educao (FNDE) foi fortalecido,visto que ele passou a constituir importante instncia de financiamento daeducao nacional, no que se refere s aes desencadeadas pelo MEC),particularmente no que concerne formao docente em articulao com osentes federados (DOURADO, 2008; FREITAS, 2007).

Em 2007, a Presidncia da Repblica lana o Plano de Metas Compro-misso Todos pela Educao por meio do Decreto n 6.094/2007; e o MEC,o Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE) (BRASIL. MEC, 2007).Este consiste em um conjunto de aes estruturadas com base nos princpiosda educao sistmica com ordenao territorial, objetivando reduzir desi-gualdades sociais e regionais em torno de quatro eixos articuladores: educa-o bsica, alfabetizao, educao continuada e diversidade, educaotecnolgica e profissional e educao superior.

Um de seus desdobramentos o Plano de Aes Articuladas (PAR), quepermite ao MEC oferecer apoio tcnico e financeiro aos municpios comndices insuficientes de qualidade do ensino. O PAR est estruturado em

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quatro dimenses: gesto educacional, formao de professores e dos profis-sionais de servio e apoio escolar, prticas pedaggicas e avaliao, infra-estrutura fsica e recursos pedaggicos.

Considerado fundamental pelo MEC para a melhoria da educao bsica,o PAR acentua o carter centralizador das polticas educativas na esferafederal. Uma vez que todas as transferncias voluntrias e a assistnciatcnica do governo federal passam a ser vinculadas adeso ao Plano deMetas Compromisso Todos pela Educao e elaborao do PAR, esteconstitui um instrumento adicional de regulao financeira das polticasdocentes.

Em 2010, os 26 estados, o Distrito Federal e os 5.565 municpios assi-naram o Termo de Adeso ao Plano de Metas do PDE. A partir dessa adeso,so elaborados os respectivos Planos de Aes Articuladas, contendo odiagnstico dos sistemas locais e as demandas de formao de professores.

Tendo em conta as persistentes desigualdades regionais, interestaduais eintermunicipais, segundo argumenta Costa (2010), uma efetiva transfor-mao da educao pblica ter, entretanto, de passar por grande melhoriado padro de remunerao e qualificao do magistrio, alm da permanentecapacitao das redes estaduais e municipais. Essa transformao impe aconstruo de um sistema nacional de educao e um papel mais robusto eincisivo do governo federal na redistribuio dos recursos fiscais e na conso-lidao de um Fundo Nacional de Educao capaz de suprir as demandas daeducao bsica que o conjunto de fundos estaduais representados peloFundeb no consegue contemplar devidamente.

FORMAS DE REGULAO DO CURRCULO E IMPLICAES NAFORMAO E NO TRABALHO DOS PROFESSORES

As polticas de currculo esto diretamente relacionadas com a maneiracomo o sistema educacional concebe a funo social da escola, sendo o(a)professor(a) a pessoa a quem atribuda a autoridade institucional para darcumprimento a ela. No s o que se entende como o que deve ser ensinadoe aprendido na educao infantil e no ensino fundamental e mdio confere,em princpio, feio prpria aos cursos que habilitam os docentes aoexerccio da profisso, como as polticas de formao continuada se ocupambasicamente da implementao do currculo nessas etapas da escolarizao.

Com a Constituio de 1988 e a Lei n 9.394/1996 (LDB), o governofederal chamou para si a incumbncia de formular referenciais curricularescapazes de consolidar a concepo da educao bsica como um processo

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contnuo, regido pelos mesmos princpios educacionais e voltado paraatender a populao desde os primeiros meses de vida at os 17 anos. Foramento elaborados os chamados Referenciais Curriculares Nacionais para aEducao Infantil (RCN) e os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN)para o ensino fundamental e mdio entre 1997 e 1998.

Nos parmetros nacionais, a concepo de currculo estrutura-se emtorno das reas de conhecimento. Elas comportam no apenas os conheci-mentos que derivam das disciplinas de referncia, mas tambm os saberes denatureza diversa, como os do cotidiano, dos discentes e dos professores.Tambm foram introduzidos temas transversais, admitindo que o currculodeveria ser transpassado por questes importantes do ponto de vista social,sobre as quais no h uma organizao sistematizada de conhecimentos maneira das disciplinas escolares tradicionais, e que, no entanto, no pode-riam ser deixadas de lado em um projeto educacional que se pretendecontemporneo. Cria-se, assim, em mbito nacional, um espao para abordarmais amplamente, nos sistemas de ensino, questes como as suscitadas peladiversidade cultural, gnero, sexualidade, preservao do meio ambiente,tica e cidadania, bem como se ensejam o desenvolvimento de estudos e aproduo de materiais que possam ser utilizados na educao bsica sobreessas questes.

Outra caracterstica presente nas reformas curriculares dos anos de 1990 a educao orientada pela noo de competncia. A proposta que oensino deixe de promover a mera reproduo de um saber letrado e leve o(a)aluno(a) a mobilizar conhecimentos, habilidades, atitudes, para responder auma dada situao de modo satisfatrio, tendo em conta o contexto em queest inserido.

A nova concepo de currculo, ao propor o ensino por competncia e anfase diversidade e insistir no carter transversal e interdisciplinar doconhecimento veiculado nas escolas e na necessidade da sua contextua-lizao, anuncia uma guinada basilar nas polticas da rea. Acompanhando oque ocorre tambm nas reformas educativas dos pases desenvolvidos e daAmrica Latina, a reforma do currculo uma pea fundamental na mudanade eixo das polticas da igualdade, voltadas para todos, que informaram aexpanso dos sistemas educacionais no sculo XX, para as polticas daequidade, focalizadas em grupos especficos do incio do sculo XXI.

Os parmetros nacionais, ou referenciais curriculares bsicos, ainda queoficiais, no se revestem de carter de obrigatoriedade. Os sistemas estaduaise municipais de ensino, inclusive as escolas, possuem, em princpio, consi-

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dervel margem de autonomia para tom-los em conta e deles fazerem umareleitura, elaborando as prprias orientaes curriculares de acordo com assuas demandas especficas. Da, o carter aberto e flexvel das orientaescurriculares brasileiras.

As novas formas de regulao assumidas pelo Estado tm contribudopara ampliar o carter centralizador do currculo nacional, conquanto oformato de currculo baseado em uma parte comum e obrigatria, comple-mentada por uma parte diversificada, consolidado pela legislao h muitasdcadas com vistas a contemplar a questo regional e local, as diferenas doalunado e o pluralismo de ideias e de orientaes. Os livros didticosadotados pelas escolas bsicas, um dos principais recursos utilizados pelosprofessores no desenvolvimento do currculo, passam a ser apreciados porcomisso nacional de especialistas nas diferentes reas do conhecimentoescolar, a fim de assegurar a adequao aos princpios e s orientaes nacionais.Com isso, garante-se tambm que todos os livros-texto distribudos gratui-tamente s escolas das redes pblicas pelo Plano Nacional do Livro Didticoestejam afinados com as prescries do governo federal.

Os referenciais curriculares nacionais so disseminados tambm por meiodos cursos de formao docente. Em pesquisa realizada sobre os currculosdos cursos de licenciatura que formam os professores no Brasil (GATTI;NUNES, 1998), verificou-se que eles estavam entre os textos que mais figu-ravam na sua bibliografia. As polticas de formao continuada de docentesgravitam, por sua vez, em torno da implementao do currculo da educaobsica.

Nas gestes 2003-2010, os referenciais nacionais de currculo da educaobsica foram mantidos, mas novas nfases e novos significados so atribudoss polticas de currculo pelas redes de ensino e pelos programas do governofederal que com elas interagem.

O direito educao, que fora, at os anos de 1990, traduzido pelosmarcos normativos do setor fundamentalmente como imprescindvel aopleno exerccio dos direitos individuais, polticos e sociais, incorpora, comdecidida nfase, a sua dimenso mais ampla, associada aos direitos humanos.

O direito educao, como um direito humano inalienvel e como o seufundamento maior, contempla os direitos individuais, polticos e sociais esobrepassa o prprio Estado-nao, para fazer face aos processos de desterri-torializao do mundo contemporneo. A educao como direito humanose impe tambm como direito diferena, o que demanda profundastransformaes no conjunto dos padres de relacionamento da sociedade,

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para que o pleito de reconhecimento de novos atores sociais que passam a tervoz na arena poltica ganhe concretude.

O direito educao como direito humano , ademais, qualificado comodireito educao de qualidade para todos. A qualidade social da educao advogada para as polticas educativas como um conceito associado sexigncias de participao, democratizao e incluso, bem como supe-rao das desigualdades e das injustias.

A ateno s diferenas ganha centralidade na pauta da educao, e asdesigualdades de origem socioeconmica passam a ser ombreadas comoutras, como as de gnero, tnico-raciais, de idade, orientao sexual, daspessoas deficientes. As prprias desigualdades socioeconmicas e culturaisdos alunos passam tambm, por sua vez, a requerer polticas de currculo queno mascarem, sob o vu da igualdade de oportunidades, a falta de condiesde acesso aos bens sociais e culturais. Da, resultam programas voltados scaractersticas especficas dos estudantes pertencentes a grupos de risco, dosjovens e dos adultos que no tiveram oportunidade de estudar na idadeprpria, das populaes do campo, dos encarcerados.

A diversidade impregna aes do MEC e de redes estaduais e municipaisde ensino, assim como as prprias diretrizes curriculares nacionais, que asincorporam como uma de suas matrizes, conforme Pareceres CNE/CEBn 20/2009, n 7/2010 e n 10/2010, bem como o projeto do Plano Nacionalde Educao 2011-2020, ora em discusso no Congresso Nacional.

No sem tenses e contradies, o MEC tenta conciliar as polticasuniversais, dirigidas a todos, sem requisito de seleo como a que estendeo ensino fundamental faixa dos 6 anos de idade, aumentando a sua duraopara nove anos, pela Lei n 11.274/2006, e a que amplia a obrigatoriedadeescolar para a faixa dos 4 a 17 anos, determinada pela Emenda Constitu-cional n 49/2009 com as reparadoras, que visam a oferecer maior apoio agrupos sociais em desvantagem. Por intermdio da Secretaria da EducaoContinuada, Alfabetizao e Diversidade e Incluso (Secadi) do MEC, sodesenvolvidos inmeros programas dirigidos a grupos especficos, a maioriadeles voltada formao de docentes em servio para atender a essas demandas.

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O SISTEMA DE AVALIAO

Outro fator que contribui para o processo de centralizao das polticasde currculo a introduo das avaliaes de sistema.

Em 1990, foi criado pelo MEC o Sistema de Avaliao da EducaoBsica (Saeb), que afere o rendimento dos alunos, por meio de uma matrizde referncia curricular, formulada com base no ensino por competncia.A existncia de referenciais nacionais para o currculo facilita esse trabalho,e, de acordo com vrios analistas, a sua proposio teria sido motivada pelanecessidade de incrementar o controle da educao nacional por parte dogoverno central, mediante a criao de um sistema de avaliao que introduznova lgica de operar no sistema pblico, tal como ocorreu na maior partedos pases desenvolvidos e em toda a Amrica Latina (AFONSO 2000;RAVELA, 2000).

Outras modalidades de avaliao em larga escala foram tambm criadaspelo MEC no bojo da reforma educativa dos anos de 1990, com continui-dade na dcada de 2000, como o Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem)e o Exame Nacional de Cursos (Enade), includo no Sistema Nacional deAvaliao da Educao Superior (Sinaes) e aplicado a iniciantes e concluintesdos cursos de licenciatura e pedagogia, como parte dos processos de creden-ciamento de cursos e de certificao de professores. O Instituto Nacional deEstudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep), rgo do MEC epromotor dessas avaliaes, assume importncia crescente como agncia deacompanhamento e avaliao das polticas de currculo da educao bsica esuperior, da formao docente e, em ltima instncia, do prprio trabalhodo(a) professor(a).

Segundo o modelo gerencialista que passa a informar as reformas educa-cionais no mundo globalizado, a ateno tambm se volta, no Brasil, para osresultados de rendimento dos alunos obtidos pelos estabelecimentos escolares,e acentuam-se as preocupaes com a eficcia e a eficincia das escolas nomanejo das polticas de currculo. Contudo, como a busca pela qualidade doensino equacionada nesses termos ocorre principalmente no interior dasprprias redes pblicas de ensino, responsveis majoritrias pelas matrculasda educao bsica no pas, essas polticas tendem a assumir carter maiscompensatrio do que concorrencial.4

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4. Diferentemente do que ocorre em outros pases, em que o embate se d, de forma geral, entre escolas estatais,subvencionadas e particulares. Na Amrica Latina, considere-se particularmente o caso emblemtico do Chile(CARNOY, 1994).

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Os dados do Saeb so de base amostral e propem-se a fornecer informaesaos sistemas de ensino para subsidiar as polticas pblicas. O formato ado-tado dificulta a identificao das escolas com seus resultados. Alm disso, entremais de uma dezena de programas federais dirigidos ao ensino fundamentalna gesto 1995-2002, apenas um estava expressamente ligado implemen-tao de currculo, guardando, em princpio, uma relao mais direta com osdados do Saeb. Trata-se do Programa de Formao de Professores Alfabetiza-dores (Profa),implantado em 2001.

Sob a urgncia de melhoria da qualidade da educao bsica, a polticanacional de avaliao sofre incrementos considerveis, no decorrer da pri-meira dcada dos anos de 2000, do que certamente decorrem repercussesnos currculos, na formao docente e na prpria avaliao do desempenhodos professores, concebida, sobretudo, em funo dos resultados de rendi-mento dos alunos. Alm das avaliaes do Saeb, realizadas a cada dois anoscom amostras bem delineadas e passveis de generalizao das escolas detodas as dependncias administrativas de cada estado, instituda peloMEC, em 2005, a Prova Brasil, uma avaliao censitria do rendimento dosalunos que passa a ser aplicada simultaneamente, mediante adeso das redesde ensino. Focalizada na escola, a Prova Brasil possibilita situar os resultadosdos alunos obtidos em relao rede estadual ou municipal a que pertenceme mdia nacional.

Em 2007, o governo federal criou o ndice de Desenvolvimento daEducao Bsica (Ideb), um indicador utilizado para medir a qualidade doensino de cada escola e de cada rede escolar, calculado com base no rendimentodo(a) aluno(a) auferido por testes de larga escala e em taxas de aprovao.Com o propsito de agregar qualidade social s medidas de desempenho,para que o Ideb de uma escola ou de uma rede cresa, preciso que o conjuntodos alunos adquira aprendizagens significativas, frequente as aulas assiduamentee no repita o ano. Busca-se, assim, combinar as evidncias de rendimentodos alunos com a capacidade da escola de manter o conjunto do alunadoestudando e com bom aproveitamento. O Ideb coloca, desse modo, umdesafio s redes, que a obrigao de se empenharem para que todos, indiscri-minadamente, aprendam aquilo que a prova mede. Estabelece tambmmetas de rendimento e estipula prazo, at 2021, para que os estudantes dasescolas brasileiras atinjam os padres de desempenho apresentados pelossistemas escolares dos pases desenvolvidos, referenciando-se nos resultadosdo Programa Internacional de Avaliao da Aprendizagem (PISA).5

5. OECD Programme for International Student Assessment (PISA).Disponvel em: .

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http://www.pisa.oecd.org/pages/0,2987

Estados e municpios, diretamente responsveis pela manuteno e pelodesenvolvimento da educao bsica, passam, com isso, a ser mais incisiva-mente submetidos a uma forma de obrigao de resultados, baseada emindicadores padronizados de rendimento, induzindo a uma progressoorientada por metas quantitativas, com vistas ao alcance de determinadopadro de qualidade. O grande desafio da educao no pas a melhoria daqualidade do ensino tende, portanto, a traduzir-se fundamentalmente noseu equacionamento em termos da capacidade de alcanar um bom resulta-do na pontuao do Ideb.

Mais do que o Saeb, a criao da Prova Brasil, em alguma medida, e,sobretudo, a instituio do Ideb tm dado indcios de alteraes bem maissubstantivas no manejo do currculo no cmputo nacional e nas polticas enas prticas docentes.

Se, por um lado, o discurso pedaggico focalizava a avaliao do ponto devista dos processos de ensino-aprendizagem; por outro lado, o modelo degesto das polticas de currculo centrado nos resultados no se mostraparticularmente preocupado com os processos. Em princpio, as redes e asescolas podem escolher o caminho que quiserem, mas tm de chegar aosresultados esperados. A tradicional autonomia do(a) professor(a) para manejaro currculo estaria garantida dessa forma, no fosse a enorme presso dosistema educacional para o cumprimento das metas e o alcance dos resulta-dos de rendimento do(a) aluno(a) dentro dos quesitos definidos pela matrizdo Saeb. Com metas pr-determinadas a atingir, a postura mais flexvel eaberta em relao aos currculos comea a fechar-se e chega, em alguns casos,a fechar-se seriamente.

O estabelecimento das metas de rendimento e o seu forte poder indutortm desencadeado presses de conselhos e secretarias estaduais e muni-cipais de Educao para que o MEC estabelea expectativas de aprendizagemem mbito nacional, com o propsito de orientar mais diretamente o traba-lho das redes de ensino e das escolas sobre o currculo. Tem sido significativatambm a demanda de professores para terem mais clareza do que fazer paraatingir as metas do Ideb. Os prprios anseios mais gerais da populao emrelao melhoria da qualidade da educao tm-se expressado, entre outrasvias, pelo projeto de lei que tramita no Congresso Nacional que prope oestabelecimento de expectativas anuais de aprendizagem.

Em decorrncia disso que surgiram mudanas importantes de posturaem relao ao currculo e ao trabalho do(a) professor(a) e uma clara sinalizao tendncia de vincular as prticas docentes a modelos muito mais detalha-dos e diretivos de currculo.

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AS POLTICAS DE CURRCULO EM ESTADOS E MUNICPIOS ESUAS REPERCUSSES NO TRABALHO DOCENTE

Com a ajuda do esquema utilizado por Lessard (2010), possvel imaginarque as inmeras combinaes das polticas de currculo nos estados e nosmunicpios brasileiros podem ser ordenadas em torno de dois polos para finsde anlise.

Em um deles se encontram as iniciativas de governo que introduziram osciclos com progresso plurianual dos alunos e se expandiram em estados emunicpios, a partir de meados de 1980 at os dias atuais. As polticas deciclos partem de um pressuposto bsico: assegurar o direto de todos osalunos educao, indiscriminadamente. A ideia flexibilizar os tempos e osespaos do currculo, para que a populao que passou a frequentar a escola,representada por todos os segmentos sociais, tenha melhores oportunidadesde aprender e de nela permanecer com aproveitamento por perodos maislongos.

As reformas que introduziram os ciclos de progresso plurianual noocorreram apenas no Brasil. Vrios pases da Europa, como Sua, Frana,Espanha, Portugal, e da Amrica, como Canad e Argentina, os adotar