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BRAZIL, M. C. Brasil e Portugal no período Pombalino: ocupação geoestratégica de Mato Grosso. In: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESTUDOS IBERO-AMERICANOS, 2000, Porto Alegre IV Congresso Internacional de Estudos Ibero-Amencanos, Porto Alegre-PUC, 2000, v. CD ROM. BRASIL E PORTUGAL NO PERÍODO POMBALINO: OCUPAÇÃO GEOESTRATÉGICA DE MATO GROSSO MARIA DO CARMO BRAZIL IV Congresso Internacional de Estudos Ibero- Americanos

BRAZIL, M. C. Brasil e Portugal no período Pombalino ... · importante da política metropolitana porque se consolidou, na vontade das monarquias ibéricas, a necessidade de configuração

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BRAZIL, M. C. Brasil e Portugal no período Pombalino: ocupação geoestratégica de Mato Grosso. In: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESTUDOS IBERO-AMERICANOS, 2000, Porto Alegre IV Congresso Internacional de Estudos Ibero-Amencanos, Porto Alegre-PUC, 2000, v. CD ROM.

BRASIL E PORTUGAL NO PERÍODO POMBALINO:

OCUPAÇÃO GEOESTRATÉGICA DE MATO GROSSO

MARIA DO CARMO BRAZIL

IV Congresso Internacional de Estudos Ibero-Americanos

IV Congresso Internacional

de Estudos Ibero-Americanos

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BRASIL E PORTUGAL NO PERÍODO POMBALINO: OCUPAÇÃO

GEOESTRATÉGICA DE MATO GROSSO

MARIA DO CARMO BRAZIL1

Pretendo discutir o processo de reconhecimento da soberania portuguesa

sobre os territórios conquistados pelo avanço bandeirante, pelos religiosos a

serviço de Portugal e pelos contigentes militares que ocuparam as áreas do

interior, sobretudo o sul, o norte e o extremo oeste da colônia. Faço uma

reflexão sobre os 25 anos (1750- 1775) em que Pombal dirigiu os destinos

portugueses e coloniais, preocupado em redefinir a base territorial ao norte do

Brasil guarnecida pela presença de uma série de fortalezas militares que

cingiram as terras sulinas e ocidentais de Mato Grosso. Este foi um período

importante da política metropolitana porque se consolidou, na vontade das

monarquias ibéricas, a necessidade de configuração e harmonização das

fronteiras no domínios coloniais. As Instruções ditadas pelo Rei de Portugal,

através dos órgãos administrativos coloniais, como o Conselho Ultramarino,

imprimiram o caráter da política oficial e, sobretudo, a forma como foi orientada

a questão do povoamento da Capitania de Mato Grosso, depois de definido o

Tratado de Limites de 1750. A documentação oficial evidencia as

preocupações básicas da Metrópole Portuguesa com a neutralização da ação

jesuítica no extremo oeste da Colônia e a implementação de uma política

capaz de conciliar os interesse ibéricos.

1 Professora de Pesquisa Histórica da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Pesquisadora Associada do Núcleo de Análise Interdisciplinar de Políticas e Estratégias – NAIPPE/USP. Doutora em Ciências: História Social pela FFLCH/USP.

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Desde a conquista das Américas, as terras que vieram a constituir-se no Brasil

se dividiram entre os dois imperialismos peninsulares de Portugal e Espanha,

através da intermediação da Igreja Católica. A diplomacia ajustada no

meridiano lindeiro de Tordesilha e assinada em 7 de junho de 1494, dividia o

desconhecido entre Portugal e Espanha, ficando a faixa litorânea,

relativamente extensa, para o primeiro, e o restante caberia a Espanha. Com o

estabelecimento de uma linha imaginária a 370 léguas das ilhas de Cabo

Verde, as terras a oeste desta linha pertenceriam a Espanha, enquanto que a

leste ficariam com Portugal.

O Tratado de Tordesilhas excluiu as demais nações européias, as quais

passaram a disputar, sobretudo, as áreas que hoje correspondem ao México e

ao Peru. Com o acirramento das disputas entre as nações européias pela

posse das áreas americanas, Portugal decidiu-se pela política de colonização

de suas terras que segundo Caio Prado Júnior, tomou o aspecto de uma “vasta

empresa comercial, destinada a explorar os recursos naturais de um território

virgem em proveito do comércio europeu”2. A colonização imprimiu novas

feições ao cenário graças às decisões do Tratado de Tordesilhas. As irrupções

bandeirantes, sertão adentro, constituíram-se num dos aspectos peculiares da

evolução histórica brasileira. Ninguém podia supor que as decisões do Tratado

tornar-se-iam nulas, com a ocupação, com o povoamento e com as

penetrações bandeirantes. Estes propiciaram a conquista dos territórios do

Solimões, Cuiabá e Mato Grosso, convertendo-os em possessões portuguesas

ilegítimas nos termos do Tratado de Tordesilhas. Portanto, a ficção geográfica

do meridiano de Tordesilhas sustentou, na América do Sul, a secular rivalidade

entre Portugal e Espanha. Apesar do acordo entre as duas coroas, cada uma

se empenhava em ampliar seu domínio territorial.

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As condições do relevo sul americano, em especial do Chaco e do Pantanal,

tiveram importantes papéis na evolução política de povoamento e de conquista

do sudoeste de Mato Grosso e vale do Paraguai. Os conquistadores do rio, ao

lançarem-se à exploração de seu curso, esbarraram, ao norte, nos tropeços

peculiares das planícies do Grã Chaco e do Pantanal3. Nesse sentido, o

Pantanal representou uma barreira quase intransponível e um desalento para o

avanço rumo ao centro e noroeste de Mato Grosso. O Chaco, por sua vez,

apresentou-se como o grande adversário natural às intenções expansionistas,

barrando a penetração que levava ao Peru.

A luta contra os índios guaicurus e paiaguás, senhores daquelas paragens,

também permeou a trajetória de conquista do grande rio. As inserções dos

desbravadores pelo rio sempre encontravam a tenaz reação do gentio. Daí a

violência entre os conquistadores e as tribos guerreiras: de um lado as

incursões dos aventureiros em território indígena e de outro a resistência feroz

do inimigo.

A União Ibérica ocorrida entre 1580 e 1640 permitiu o alargamento das terras

portuguesas para além das Tordesilhas. Diante dessa circunstância o

“bandeirismo oficial” pôde transpor o meridiano determinado pela intervenção

papal de 1494. Na trilha de Gabriel Soares de Sousa, uma das primeiras

expedições que partiu da Bahia, as bandeiras de João Pereira de Sousa, André

de Leão e Nicolau Barreto penetraram e atingiram o eixo do rio São Francisco

2 Prado Júnior, Caio – Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1979, p. 31-2. 3Com base nos dados do geólogo Herbert Smith, o engenheiro do Conselho Nacional do Petróleo acentuou a distinção entre Chaco e Pantanal: Pantanal[ conhecido também por Mar de Xaraiés] é zona de erosão, fenômeno que se processou pelo principal agente – O rio Paraguai. É portanto, uma área que não esteve coberta pelo mar, senão que foi profundamente erodida pelo mar. O Chaco e planícies do rio da Prata são áreas de acumulação de detritos carreados do antigo planalto que cobria o atual Pantanal. Estevão de Mendonça caracteriza e distingue os dois elementos naturais: “O revestimento vegetal vai sofrendo modificações, que se tornam pronunciadas à proporção que entra nas vizinhanças do Chaco

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e Tocantins. Ainda durante o domínio ibérico, os paulistas, em expedições não

oficiais, enveredaram sertão adentro em busca de ouro e do apresamento de

índios destinados ao cativeiro. As primeiras investidas luso-brasileiras para o

interior da América do Sul, em especial no vale do Guaporé, só foram

empreendidas a partir do século XVII ( 1648-1651) com a penetração do

bandeirante Antônio Raposo Tavares, sob o auspício régio.

Algumas dessas bandeiras atingiram a região andina através do rio Solimões e

do Maranõn, como a bandeira fluvial de Pedro Teixeira ( 1637-1639),

explorando o vale amazônico e a de Antônio Raposo Tavares( 1648-1651) que,

percorrendo os vales do Tietê, Paraná e Paraguai, arranhou as costas do

Pacífico, perambulou pelas encostas andinas e, por fim retornou pelos rios

Mamoré, Madeira e Amazonas. Nessa notável epopéia, Tavares remontou o

Paraguai, arrasando os povoados castelhanos de Xerez4. Depois do

esfacelamento da povoação de Xerez, a região mato-grossense passou a ser

devastada constantemente pelos paulistas que vinham seguindo a rota de

Antônio Raposo Tavares: São Paulo, Sorocaba, rio Paranapanema, rio Paraná,

rio Ivinhema, Campos das Vacarias, Santo Inácio e vale do Paraguai. Além de

Xerez, Raposo Tavares arrasou os povoados Santa Cruz de Bollanos e de Na.

Sa da Fé.

As adversidades e contestações entre as possessões lusas e espanholas

acentuaram-se com o fim da união das duas Coroas5. A separação dos dois

reinos não determinou o fim das penetração bandeirante. Outras expedições

continuaram transpondo a linha do Tratado de Tordesilhas.

paraguaio, com o qual por fim se confunde junto à baia Negra”. Cf. Moura, Pedro – “Bacia do Alto Paraguai”. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: CNG, jan./mar./ 1943. P.18-23. 4 Corrêa Filho, Virgílio – As raias de Mato Grosso – Fronteira Meridional, v.III. São Paulo: Legião Cívica 5 de julho/Secção de obras do Estado de São Paulo, 1926. 5Accioly, Hildebrando – “Os primitivos tratados” In: Limites do Brasil – A Fronteira com o Paraguai. São Paulo/Rio de Janeiro/Recife/Porto Alegre: Companhia Editora Nacional. 1938, p. 3.

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As razões oficiais luso-brasileiras em avançar a linha raiana de Tordesilhas

vinham revestidas pela idéia de encontrar metais preciosos, que segundo as

lendas estariam nos montes refulgentes do Peru. Como lembra o Sérgio

Buarque de Holanda, em Visões do Paraíso, “o que saiam a buscar em

nossos sertões tantas expedições custosamente organizadas, não era tanto o

ouro como a prata. E nem eram diamantes, senão esmeraldas. Em outras

palavras: o que no Brasil se queria encontrar era o Peru, não era o Brasil”6.

Corria o ano de 1718 quando Antônio Pires de Campos e seus companheiros

transpondo os vastos sertões da capitania de São Paulo e terras de Minas

Gerais em conquista dos índios coxiponés percorreram diversos rios, sobretudo

o Cuiabá, e fundaram a capela e o arraial de São Gonçalo. Concluída esta

diligência desceram o Cuiabá e comunicaram a notícia a outros sertanistas que

voltaram a cursar pelas imensas baias do rio Paraguai.

À esteira de Raposo Tavares, diferentes sertanistas seguiram em busca do

índio, do ouro e da pedras, seguindo todos a rota histórica Tietê, Paraná-

Pardo-Anhanduí-Aquidauana-Miranda-Paraguai. Conforme as Memórias

cronológicas de Felipe José Nogueira Coelho, foi nesse quadro que, em 1719,

a bandeira de Pascoal Moreira Cabral, dirigindo-se para a região do rio Cuiabá,

com o mesmo objetivo de Antônio Pires de Campos, acabou encontrando

depósitos auríferos no leito do rio Coxipó-Mirim7..

A partir da descoberta de Pascoal Moreira Cabral nasceu, a 8 de abril de 1719,

o arraial de Miguel Sutil, onde se verificou a extração de grande quantidade de

ouro. Cuiabá, além de transformar-se num expressivo polo de atração da gente

6 Holanda, Sérgio Buarque de – Visões do Paraíso. Os motivos edênicos no descobrimento e colonização

do Brasil. 2ª edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969, p. 99. 7 Coelho, Felipe José Nogueira Coelho –" Memórias Cronológicas da Capitania de Mato Grosso, principalmente da Provedoria da Fazenda Real e Intendência”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, l972, p., 140, v. 13.

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de Piratininga, converteu-se também numa sólida baliza de posse lusitana:

“uma das pedras angulares da unidade nacional”, nas palavras de Pedro

Moura8.

Ao abordar as questões dos Rios Guaporé e Paraguai – Primeiras fronteiras

definitivas do Brasil, Marcos Carneiro de Mendonça analisou as décadas que

antecederam o Tratado de Limites, cuja situação caracterizou-se pelo

permanente clima de tensão na região do Prata em função da Colônia do

Sacramento, “espinho desde logo enterrado na carne de espanhóis e jesuítas

do rio da Prata”.9 Nesse aspecto, Ribeirão do Ouro, Madeira, ‘Paso’ do

Paraguai10 e Colônia do Sacramento são apontados por Cortesão, como as

quatro balizas naturais fundamentais para a configuração dos limites coloniais,

capazes de possibilitar o traçado dos limites expandidos para oeste, sul e norte

do Brasil.

Assim, ao caminhar rumo às fronteiras castelhanas, no extremo oeste

continental os bandeirantes puderam garantir a ampliação da colônia

portuguesa em cerca de mais de dois terços do território brasileiro. A epopéia

de Pascoal Moreira Cabral teve um significado mais amplo porque, ao partir do

ponto básico de Xerez do Paraguai, o bandeirante subiu o rio Paraguai e

remontou o São Lourenço e o Cuiabá, abrindo acesso ao estratégico lugar

onde se assentou Cuiabá, possibilitando também a ocupação e o povoamento

rápido de Mato Grosso. A área ocupada por Moreira Cabral foi tão importante,

enquanto “centro formador de fronteira”, que Alexandre Gusmão, ao negociar o

8 Moura, Pedro - “Bacia do Alto Paraguai”. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: CNG, jan/mar, 1943, p. 29. 9 Cf. Mendonça, Marcos Carneiro de – . Op. cit., p.5 10 A expressão paso do Paraguai era a denominação dada nas cartas jesuíticas ao vale do rio Paraguai nas cercanias de Corumbá. Cf. Cortesão, J. – Op. Cit., Tomo III, p. 652.

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Tratado de Madri, a tomou como principal eixo das balizas naturais e como a

chave geopolítica dos acordos11.

José Barboza de Sá conta que depois de descoberto o filão inicial de ouro, a

área territorial mato-grossense alargou-se rapidamente e as tarefas de

garimpagem tornaram-se intensas. Fundou-se em 1719 o Arraial de Forquilha

às margens de um dos rios formadores do rio Paraguai, o Coxipó do Ouro, e

logo em seguida ( 1720), foi aberta a mina de Forquilha. Narra, ainda, o

cronista, que em 1722 Miguel Sutil descobriu ouro na proximidade do Cuiabá

onde erigiu-se a primeira Vila da região, Senhor Bom Jesus de Cuiabá.

Essa descoberta deu início à primeira fase aurífera de Mato Grosso, e fez

deslocar contínuas levas de aventureiros ávidos da nova riqueza. Em 1732,

em busca dos índios Parecis, outra alternativa para o possível enriquecimento,

os irmãos sorocabanos Fernando e Arthur Paes de Barros tomaram

conhecimento das jazidas da chapada de São Francisco Xavier, região do rio

Galera, afluente do Guaporé. Freqüentado desde o século XVII pelos

bandeirantes, só com a descoberta do ouro nesse rio foi efetuada a ocupação

da margem esquerda do rio Guaporé. O novo descobrimento deu início a

segunda fase de exploração aurífera na região e estimulou a avidez dos

sorocabanos que acabaram encontrando as minas dos ribeirões de Santana e

Brumado, onde mais tarde se ergueu Vila Bela da Santíssima Trindade.

Três grupos de índios ribeirinhos ameaçavam o percurso monçoeiro e

perturbaram o processo de colonização no Pantanal e áreas circundantes: os

guaicurus, os paiaguás e os caiapós. Eram índios que atacavam os viajantes e

se apoderavam do gado que acompanhavam os primeiros colonizadores. No

relato de Gervásio Leite Rebelo, citado por Alfredo de E. Taunay em História

11 Ibid., p. 653.

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das Bandeiras Paulistas12, consta que o caiapó ocupavam a margem direita

do Paraná e era “o gentio daqueles sertões”. Para João Antônio Cabral

Camelo13, que à época não conhecia os paiaguás, o grupo caiapós eram “o

mais traidor de todos”. Segundo Taunay, estes índios navegavam em jangadas

e transitavam pelo imenso percurso do Paraná. Preferiam o trecho da barra do

Verde e freqüentavam assiduamente o curso do rio Pardo, ameaçando

Camapuã. Entre suas práticas mais comum figuravam o incêndio da macega e

a utilização do fogo como instrumento de defesa.

O ponto onde os caiapós e o guaicurus costumavam atacar era um sítio

chamado Prensa, a três dias antes do Taquari. A Prensa é uma das várias ilhas

que divide o Taquari em duas partes: a da direita , apesar de ser mais limpa,

era um terra assolada por onças e bichos do mato. Abaixo da Prensa, segundo

as Notícias Práticas das Minas do Cuiabá e Goiás14, transcrita por Taunay,

principiam os Pantanais, áreas singulares por seus campos alagados, por seus

vários sangradouros e lagoas repletas de peixe e caça. Por ali, segundo as

crônicas, “passavam os guaicurus para o Pantanal em suas correrias” e “ali

esperavam as monções. Eram numerosos, formando às vezes troços de

quinhentos a mil cavaleiros. Constava que os seus ‘reinos’ seriam muitos e que

cada uma de suas tribos dispunha de mais de nove mil cavalos”15. Ao

atravessar as planícies do rio Paraguai, as bandeiras registravam a presença

de gado assenhoreado pelos guaicurus. Antônio Raposo Tavares, por exemplo,

registrou, em 1648, a presença de uma grande quantidade rebanhos,

envolvendo bois, cavalos e ovelhas, sob o domínio dos guaicurus. Taunay 12 Taunay, Alfredo de E. – História das Bandeiras Paulistas. São Paulo: Edições Melhoramento/Instituto Nacional do Livro( Ministério da Educação e Cultura), 1975, t. III. (Coleção Memória brasileira). 13 Cabral Camelo, João Antônio –. Notícia que dá ao Reverendo Padre Diogo Soares o Capitão João Antônio Cabral Camelo sobre a viagem que fez às minas do Cuiabá no ano de 1727. In: Taunay, Alfredo de E. – História das Bandeiras Paulistas. Op. cit., p. 190. ( Manuscrito oferecido ao Instituto Histórico Brasileiro por Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro). 14 Ibid., 191.

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informa que estes índios estendiam suas correrias até ao rio Taquari, tornando-

se ameaçadores nos baixios deste rio. A partir desse trecho do rio emerge a

imagem do paiaguá ou do gentio.

A grande preocupação, portanto, ligava-se às áreas do extremo-oeste. Estes

sertões ocidentais estiveram ligados à história da construção territorial do

Brasil. Ultrapassada a linha raiana de Tordesilhas, com a penetração lusitana

nos domínios castelhanos, apesar do “front” indígena existente, sobretudo, no

paso do Paraguai, cabia aos portugueses assegurar a posse das terras

conquistadas, para que Alexandre de Gusmão pudesse invocar o princípio do

uti possidetis, consagrado nas decisões do Tratado das Cortes em Madri.

Durante as negociações diplomáticas que redundaram no referido Tratado, em

1750, foram criadas, por ordem de D. João V, no vale do Guaporé, algumas

jurisdições religiosas com o objetivo dissimulado de reconhecimento da Igreja

Católica em favor do domínio português, sobretudo as minas existentes nas

áreas oeste de Tordesilhas. Para que Gusmão pudesse defender a

legitimidade das fronteiras conquistadas, o governo determinou a organização

de expedições de reconhecimento com o encargo de explorar os rios e de

reconhecer os acidentes naturais estratégicos, além de efetuar registros

potamográficos e de produzir mapas e informações sobre a região. As

correspondências oficiais mantidas entre o Secretário de Estado, Marco

Antônio de Azevedo Coutinho e o negociador luso Visconde Tomás da Silva

Teles, em 1733, possibilitavam que Gusmão, enquanto secretário particular de

D. João V, pudesse receber as informações sobre as condições geográficas do

interior brasileiro. Entre os anos de 1733 e 1737 acentuaram-se as funções e o

prestígio de Gusmão junto ao monarca. Como despachante dos negócios do

Brasil, sobretudo as questões de capitação, Alexandre de Gusmão já vinha,

portanto, se inteirando das geografia dos possíveis traçados do Brasil enviando 15 Ibid., p. 87.

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instruções régias que determinavam os registros minuciosos da geografia

colonial16:

O expansionismo português nas Américas já buscava, então, muito antes do

Tratado de Madri, a delimitação do território colonial pela noção das “fronteiras

naturais”, contrariando os princípios do Tratado de Tordesilhas e determinando

os signos da soberania portuguesa. As análises de Teixeira Soares sobre a

política pombalina no Brasil esclarecem que Portugal considerava os rios

Amazonas, Paraguai e Prata como “três imponentes fronteiras naturais”

indispensáveis para a configuração do território brasileiro17.

Assim sendo, a definição dos rios como raias limítrofes entre as nações

confinantes, contou com o trabalho dos agentes administrativos da Coroa na

Colônia os quais deviam apresentar variados informes geográficos para a

orientação e defesa dos planos de divisas naturais junto à Corte de Madri.

O interesse em reunir uma vasta documentação sobre os rios do extremo oeste

colonial lhe daria elementos para as negociações de 1750 em Madri.18

Recorde-se que os entendimentos diplomáticos foram negociados desde 1746

e se baseava no estabelecimento de fronteiras reconhecidas pelos reinos de

Portugal e Espanha na América. Foram três anos de negociações para que,

finalmente, pudesse ocorrer o estabelecimento do corpo diplomático que iria

traçar os preceitos do Tratado.

Para facilitar o trabalho de Gusmão, a região guaporeana estabeleceu-se como

faixa de fronteira no norte da Colônia; e Mato Grosso e Goiás foram

16 Cortesão, Jaime –. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid. Lisboa: Livros Horizontes, Ltda, 1984, Tomo III, p. 578-9. 17 Soares, T. - Diplomacia do Império no Rio da Prata ( até 1865). Rio de Janeiro: Brand, 1955, p.8. 18 Ibid., p. 659.

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desmembradas de São Paulo pelo alvará de 9 de maio de 1748. A recém-

criada Capitania de Mato Grosso ficou sob a jurisdição direta da Coroa

Portuguesa até a chegada de seu 1º Capitão General D. Antônio Rolim de

Moura, em 1751.

Cabe enfatizar que, até 1750, os espanhóis, representados por D. José de

Carvajal e apoiados pelos ingleses, desejavam, por razões estratégicas e

econômicas, manter os lusos distantes da região do Prata. Os portugueses, por

sua vez, defendidos por Alexandre de Gusmão, pretendiam, baseado no

princípio do uti possidetis, a preservação das terras ocupadas.

Nesse quadro, com base nas conquistas geográficas portuguesas, Alexandre

de Gusmão marcou sua notável participação na efetivação do pacto

diplomático pautando-se pela defesa da fronteira colonial, cujos agentes

diplomáticos deveriam neutralizar o Tratado de Tordesilhas, acolhendo

incondicionalmente o princípio do uti possidetis e das “balizas naturais”. Ao

defender essa política, o articulador luso sustentou incontáveis controvérsias,

apresentando ilações capazes de equacionar as mais diversas transgressões.

Quanto à Espanha, sua intenção, no acordo, era conter a expansão portuguesa

e reservar para a Espanha a soberania política sobre o estuário da Prata, e as

vias terrestres e fluviais, sobretudo as províncias platinas que se comunicavam

com o Peru.

Os faustos bandeirantes foram reconhecidos pela metrópole portuguesa e

estampados no Tratado de 1750, que afinal permitiu a homologação da

conquista sertaneja encetada rumo ao extremo-oeste do continente. Mas cabe

enfatizar que a construção do conhecimento histórico sobre as bandeiras, teve

início no século XVIII com o objetivo pragmático de apresentar suporte para a

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administração portuguesa que sempre quis ter o controle das regiões onde os

colonos haviam descoberto metais preciosos.

A partir de 1750, os governos ibéricos colocaram em prática os termos do

tratado que iriam definir as terras coloniais. O reconhecimento da soberania

portuguesa sobre os territórios conquistados pelo avanço bandeirante, pelos

religiosos a serviço de Portugal e pelos contigentes militares que ocuparam as

áreas do interior, sobretudo ao sul e ao norte da colônia, passou a ser o objeto

central do Tratado de Madri. Com relação a área platina, o Tratado

determinava a troca da Colônia do Sacramento pela área dos Sete Povos das

Missões, no sul da América. As populações indígenas seriam transferidas para

outra localidade do território colonial espanhol.

Com a morte de Dom João V, em 1750, o novo rei de Portugal, D. José I,

juntamente com seu primeiro-ministro, Marquês de Pombal, traçou um projeto

para incentivar o povoamento e a defesa das áreas meridionais do Brasil. O

período de 1750 a 1777, conhecido como fase da política pombalina, foi

marcado pela reorganização administrativa envolvendo uma série de medidas

para ampliar a eficiência na exploração colonial. O programa de Pombal foi

também responsável pela ampliação da jurisdição do Maranhão com a

anexação do Pará, com sede do governo em Belém. Nesse período foi criada

também, em 1755, a Capitania de São José do Javari, mais tarde Rio Negro –

hoje o Estado do Amazonas.

Durante o período pombalino as operações de limites enfrentaram poderosas

resistências. Os jesuítas espanhóis não aceitavam a transferência das missões

para o lugar definido pelo Tratado de Madri. Para neutralizar os efeitos do

Tratado os jesuítas incitavam os guaranis a resistir às ordens do Rei da

Espanha, agredindo as comissões de limites. Diante desse quadro foi

IV Congresso Internacional

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necessário encetar uma guerra para efetivar a posse do território conhecido

como as Missões Orientais do Uruguai ( 1754-1756). Graças a essa guerra,

conhecida como “guerra guaranítica”, D. José I, sob a orientação de Pombal,

determinou a expulsão dos missionários de Loiola da Colônia em 1759. Vários

acordos diplomáticos foram tentados entre Portugal e Espanha, mas não houve

entendimento entre os comissários ibéricos para demarcar as fronteiras

determinando a anulação do Tratado em 12 de fevereiro de 1761.19

Apesar da dúvida em relação à existência do rio Igurei ou Iguerey e a oposição

das missões jesuíticas foi realizada a demarcação no sul desde Castilhos-

Grandes até o Jauru, afluente do Paraguai. No Norte os embaraços de ordem

natural e a resistência dos jesuítas espanhóis às ordens do Rei da Espanha

não permitiram que a demarcação se realizasse. Portugal e Espanha também

contestavam o destino da Colônia de Sacramento e dos Sete Povos das

Missões optando pela assinatura do Tratado do Rio Pardo de 12 de fevereiro

de 1761, conhecido como “pacto familiar”. Apesar desse novo acordo as

divisas continuaram indeterminadas e as colônias americanas estiveram

envolvidas em novas desavenças no Sul do Brasil. Para resolver estas

questões Portugal e Espanha concluíram em Santo Ildefonso, a 1º de outubro

de 1777 um Tratado Preliminar de Limites de 1777, que trazia como preâmbulo

a intenção de servir “de base e fundamento ao Tratado definitivo de Limites”20.

Nos 25 anos que dirigiu os destinos portugueses e coloniais, Pombal

preocupou-se em redefinir a base territorial ao norte do Brasil guarnecida pela

presença de uma série de fortalezas militares que cingiram as terras sulinas e

19 Paranhos, José Maria da Silva, Barão do Rio Branco - Esboço da História do Brasil. Trad. De Sérgio F. G. Bath. Paris: F.J.de Santa-Anna Nery; 1889; Brasília: MRE-FUNAG, 1912, p. 73. (Coletânea de artigos sobre o Brasil organizada pelo Comitê Franco-Brasileiro para a Exposição Universal de Paris). 20 Pereira, Renato Barboza Rodrigues - “O barão do Rio Branco e o Traçado das Fronteiras do Brasil”. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: CNG, abr./jun de 1945, p. 187.

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ocidentais de Mato Grosso. Quatro capitães-generais fizeram parte do governo

de Mato Grosso, sob o comando administrativo de Pombal: Antônio Rolim de

Moura (1751-1765), João Pedro Câmara ( 1765-1767), Luís Pinto de Souza

Coutinho (1767-1769) e Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres (1772-

1789), sendo que este último administrou a Capitania na vigência de Pombal e

de seu substituto o Ministro Martinho de Mello.

Este foi um período importante da política metropolitana porque se consolidou,

na vontade das monarquias ibéricas, a necessidade de configuração e

harmonização das fronteiras no domínios coloniais. As Instruções ditadas pelo

Rei de Portugal, através dos órgãos administrativos coloniais, como o Conselho

Ultramarino, imprimiram o caráter da política oficial e, sobretudo, a forma como

foi orientada a questão do povoamento da Capitania de Mato Grosso, depois

de definido o Tratado de Limites de 1750. A documentação oficial evidencia as

preocupações básicas da Metrópole Portuguesa com a neutralização da ação

jesuítica no extremo oeste da Colônia e a implementação de uma política

capaz de conciliar os interesse ibéricos.

No ano de 1751, a Capitania de Mato Grosso passou a ser governada por

Antônio Rolim de Moura, ilustre membro da nobreza lusa, para ocupar o cargo,

cuja missão política era promover a expansão e montar a estrutura de

ocupação para garantir a posse territorial. O sentido colonizador fica explícito

nesta carta Rolim de Moura à Coroa portuguesa:

(...) depois que aqui cheguei[ 12 de janeiro de 1751] mandei ordem para que da

mesma vila [Cuiabá] marchassem para esta vila [ Vila Bela] o furriel, com oito

Dragões, a que (...) à sombra dos Dragões viessem algumas famílias, e oficiais

de que há tanta falta nestas Minas. (...) porque os soldados ordinariamente

dispendem tudo quanto vencem nas terras onde assistem o que é certo há de

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puxar algumas pessoas para a Vila como vendilhões, mercadores, e oficiais,

pois estes costumam ir aonde poder ter que vender, e que fazer. Mas o

principal motivo foi que fizessem respeito à vila, que como Vossa Excelência,

me adverte, se deve reputar, e tratar como terra fronteira” 21.

Firmado o Tratado de Limites de 1750, Rolim de Moura passou a atender às

Instruções pombalinas, fundando, em 1752, às margens do Guaporé, Vila Bela

da Santíssima Trindade como sede da Capitania de Mato Grosso. Conforme as

Memórias de Felipe José Nogueira Coelho, uma das primeiras providências do

novo governo foi também determinar o exame dos arredores das minas e

reconhecer os rios “daqueles confins”.22.

A despeito dos problemas econômicos, a Metrópole mantinha incólume a

política expansionista. A decisão expontânea do padre Nicolao de Medenilha

em mudar a Missão espanhola de Santa Rosa para a margem esquerda do

Guaporé facilitou os intentos da Coroa lusa, conforme relata o Provedor da

Fazenda Real Nogueira Coelho: “Receando que na execução do tratado de

limites quisessem os índios ficar naquela mesma paragem,... a ação do inimigo

aplainou as dificuldades que podiam ter os comerciantes navegando por um

rio, que de ambas as margens tinha missões da Coroa de Espanha”23.

Segundo as informações de Felipe José Nogueira Coelho a construção do

presídio de Nossa Senhora da Conceição concorreu para facilitar os interesses

da Coroa portuguesa, a qual dependia das circunstâncias impostas pelas

missões da Coroa da Espanha. Assim, a fundação, em 1760, do Forte Nossa

Senhora da Conceição na faixa de fronteira, representou o primeiro passo do

21 Rolim de Moura, D. Antônio - Correspondências. Cuiabá: Fundação Universidade Federal de Mato Grosso - Imprensa Universitária/NDIHR, 1982. p. 77. (Coleção Documentos Ibéricos). 22 Coelho, Felipe José Nogueira Coelho - Op. Cit. p., 174. 23 Coelho, F. J. N. - Op. cit., p. 174.

IV Congresso Internacional

de Estudos Ibero-Americanos

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processo político de consolidação do governo luso no extremo-oeste da

Colônia. É evidente que esse feito também provocou a forte reação dos

missionários e os intensos “ralhos castelhanos” no sentido de recuperar a

posse antiga de “el rei católico” na margem do Guaporé. Os portugueses

rebatiam as queixas apontando “a expontânea deixação, o tratado de limites, e

sobretudo a ...antiga posse de navegação”24.

Os sucessores de Rolim de Moura, ao ocupar em definitivo a área fronteiriça,

deram prosseguimento às Instruções pombalinas ou às ordens da Coroa lusa.

A política de ocupação envolvia a obstrução violenta das tentativas de inserção

de missões religiosas na margem direita do rio, e o estímulo ao “êxodo de

índios das missões espanholas para margem portuguesa”.25 Durante o século

XVIII o governo português lançou mão de criativos mecanismos para atrair,

fixar colonos e consolidar uma poderosa força de defesa na vasta área colonial

de Mato Grosso. Pela lógica da colonização lusa, a ocupação do interior

significava povoamento e defesa. Vale lembrar que a política de povoamento

exprimia o mecanismo de ocupação das áreas estratégicas, em que o governo

da Capitania devia oferecer aos colonos as condições necessárias para fixá-

los, integrá-los à realidade da Colônia e convencê-los da necessidade de

defender a fronteira. Estes aspectos evidenciam-se na Instrução de D. Luís

Pinto de Souza ao capitão-general Luís de Albuquerque, em 176926: As

Instruções enviadas por Luiz Pinto de Souza a Luiz de Albuquerque

expressavam-se como uma verdadeira “plataforma de governo”27 e

evidenciavam a racionalidade e a coerência administrativa da Metrópole em

24 Ibid. p. 174-5. 25 Rolim de Moura - Op. cit., p. 77. 26 Souza, Luiz Pinto de. Instrução que o Il.mo. e Ex.mo. Sr. Governador Luiz Pinto de Souza, deixou ao seu sucessor, o Il.mo. Sr. Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. In: Mendonça, Marcos Carneiro de - Rios Guaporé e Paraguai – primeiras fronteiras definitivas do Brasil. Rio de Janeiro: Xerox, 1985, p. 109-121. 27 Ibid., p. 3.

IV Congresso Internacional

de Estudos Ibero-Americanos

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relação aos domínios ultramarinos, sobretudo, em defesa da soberania lusa

sobre o extremo oeste colonial. As Instruções do antecessor de Luiz de

Albuquerque, formavam um dossiê que reunia desde as orientações originais

dadas a Rolim de Moura, primeiro capitão-general de Mato Grosso até os

esclarecimentos enviados por seus predecessores. A reunião desses

documentos ressalta a preocupação portuguesa com o comércio, com a

produção agrícola, com a extração mineral e com o”28.

As orientações aos capitães-generais refletem a forma como a Coroa lusa

pretendia ocupar, defender e dinamizar a faixa de fronteira, nos anos

posteriores ao Tratado de Madri, considerando que o procedimento de

aguardar as demarcações imprimiam a necessária habilidade na delimitação de

limites, a tática em relação ao front missionário e a prudência em relação às

correrias indígenas.

Povoar a Capitania constituiu-se na lógica de consolidação da soberania lusa,

cujas atividades apareciam encadeadas sistematicamente entre um agente

administrativo colonial e outro. Os pontos lindeiros a serem ocupados, deviam

ser os vales dos rios, patenteando a projeção de uma fortaleza na “margem

oriental do Paraguai, no sítio denominado ‘Fecho dos Morros’”, onde pudesse o

governo estabelecer uma defesa eficaz em relação aos vizinhos castelhanos e

conter o constante assalto dos paiaguás. Era vital defender a “margem oriental

do Guaporé” e o ‘paso’ do Paraguai. Daí o surgimento, desde os primeiros

tempos da história de Mato Grosso, de importantes núcleos populacionais

ribeirinhos, como Cuiabá, às margens do rio homônimo, Vila Bela, às margens

do Guaporé, Vila Maria e Albuquerque, depois Corumbá, à margem direita do

Paraguai. Enquanto as Instruções a Rolim de Moura tinham uma projeção

essencialmente amazônica, onde a linha de fronteira vinha riscar o Alto 28 Ibid.

IV Congresso Internacional

de Estudos Ibero-Americanos

19

Guaporé, o Madeira e o Mamoré, as Instruções a Luiz de Albuquerque

projetavam a ocupação da margem oriental do rio Paraguai e a fortificação das

margens dos rios, concretizada na construção do Forte Príncipe da Beira, no

médio Guaporé, e dos Fortes de Nova Coimbra e Miranda no Alto e médio

Paraguai. Emergiu nessa galeria de capitães-generais a imagem de Luiz de

Albuquerque, como um agente administrativo, cujas ações ultrapassaram as

minuciosas Instruções da Metrópole na defesa da soberania lusitana.

Lembrado pelo historiador Virgílio Corrêa Filho como “o fronteiro insigne”, Luís

de Albuquerque tomou posse em 1772 revelando-se como diplomata

consumado capaz de efetivar os anseios políticos de povoar a Capitania e de

conduzir com desvelo as questões de Limites, que desde 1761 permaneciam

indefinidas.

Assim, em fins do século XVIII, quando os paulistas já haviam avançado o

meridiano de Tordesilhas, e Luiz de Albuquerque já concretizava os planos de

domínio luso nos rios Paraguai e Guaporé, pontilhando de fortificações a larga

faixa da fronteira do Brasil, a Província de Chiquitos foi novamente anexada ao

Vice-Reinado da Prata. 29 Era tarde para os espanhóis tentarem a reconquista

do rio, pois Luiz de Albuquerque firmava, em ritmo acelerado, o domínio

português em Mato Grosso começando pelo reconhecimento dos rios e pelas

precauções militares. Para executar as instruções de ordens reais ergueu no

ano de 1776, em plena selva, o Forte Príncipe da Beira, um poderoso

monumento militar que assinalou de forma definitiva a presença lusa no

extremo oeste brasileiro. A política de fortificação projetava a revalidação, por

decalque das balizas naturais, uma das principais estipulações portuguesas no

Tratado de Madri. As fortificações, segundo Gilberto Freire, criavam sobre os

29 Cf. Azevedo, Gregório Thaumaturgo de - “História do Rio Paraguai”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1927, v. 5, p117-190. (Tomo especial: Congresso Internacional de História da América).

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de Estudos Ibero-Americanos

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espanhóis um efeito psicológico, expressando a nítida presença lusitana

“naquelas importantes ainda que remotas paragens”30.

Segundo Raul Silveira de Melo, foi assim que o capitão-general de Mato

Grosso, no afã de conquistar terras nesses pontos e garantir espaço para a

frente de ocupação, resolveu dinamizar o vale do rio Paraguai, ligando o norte

e o sul de Mato Grosso 31. Era o início da fundação dos povoados

albuquerquinos com a intenção de impedir o acesso dos castelhanos às partes

vulneráveis da fronteira e de consolidar a posse lusitana na Colônia. De acordo

com Virgílio Corrêa Filho, o capitão-general Luiz de Albuquerque “forcejava por

dilatar a margem direita do rio Paraguai”32 para permitir a segurança na longa

via de comunicação estendida de Cuiabá à barra do Taquari, trecho onde

transitavam as monções paulistas.

Em l778, portanto, para completar a política de consolidação portuguesa, Luís

de Albuquerque fundou estrategicamente as povoações de Albuquerque

(Corumbá) e Vila Maria (Cáceres) 33. Além de garantir a posse territorial, de

dominar as hordas de índios bravios e de conter as investidas castelhanas,

esta iniciativa governamental acabou franqueando o sul de Mato Grosso aos

interesses dos proprietários de terras que, inicialmente, limitavam suas

propriedades às proximidades de Cuiabá.

30 “Carta de Luiz Albuquerque para a Metrópole”, datada de 4 de janeiro de 1785. In: Freire, G. - “Documentário”. Op. Cit., p. 139. 31 Melo, Raul Silveira – História do Forte de Coimbra. Rio de Janeiro: Bibliex, 1959, p. 52. 32Corrêa Filho, Virgílio. - “O Porto de Corumbá”. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro: Mensário do Jornal o Comércio, 1945. 33 Mello, Raul Silveira de - Corumbá, Albuquerque e Ladário. Rio de Janeiro, Bibliex, 1966

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Consolidava-se com Luiz de Albuquerque, “o semeador de povoados”34, a

posse e o real domínio português nas terras de Mato Grosso. Cabe explicar

que, em 1777, depois da morte de D. José I e da queda de Pombal, foram

assinados os termos do Tratado de Santo Ildefonso. Os negociadores do

acordo foram D. Francisco de Sousa Coutinho, por parte de Portugal e D.

Joseph Moñino, por parte da Espanha. Neste Tratado, repetia-se

integralmente, em seu artigo 9º, os termos do Tratado de 1750. Esse artigo

determinava que a linha divisória devia correr pelo Igurey “até chegar à

cabeceira e vertente principal do rio mais vizinho à dita linha, e que deságua no

Paraguai pela sua margem oriental, que talvez será o que chamam Corrientes”.

Deste rio a linha devia alcançar a sua foz no rio Paraguai.

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