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Bruce Rosenblum e Fred Kuttner · 2018-12-18 · Dedicamos nosso livro à memória de John Bell, talvez o mais importante teórico quântico da segunda metade do século XX. Seus

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BruceRosenblumeFredKuttner

Oenigmaquântico

Oencontrodafísicacomaconsciência

Tradução:GeorgeSchlesinger

Revisãotécnica:AlexandreChermanAstrônomodaFundaçãoPlanetário/RJ

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Dedicamosnosso livroàmemóriadeJohnBell, talvezomais importanteteóricoquânticodasegundametadedoséculoXX.Seustextos,palestraseconversaspessoaisnosinspiraram.

“Não é bom saber o que vem depois do quê, mesmo que nãonecessariamenteFapp?[FappéasugestãodeBellparaabreviaturade‘forallpracticalpurposes’–‘paratodosospropósitospráticos’.]Suponha,porexemplo, que se descobrisse que a mecânica quântica resiste a umaformulaçãoprecisa.Suponhaque,aotentarumaformulaçãoalémdeFapp,encontrássemosumdedoimovívelapontandoobstinadamenteparaforadotema,paraamentedoobservador,paraasescriturashindus,paraDeusoumesmo apenas para a Gravitação? Isso não seria muito, muitointeressante?”

JOHNBELL

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Sumário

Prefácio

1.Einsteinochamoude“fantasmagórico”–Eeugostariadetersabido

2.AvisitaaEugAhnePoc:Umaparábolaquântica

3.Nossavisãodemundonewtoniana:Umaleiuniversaldomovimento

4.Todoorestodafísicaclássica

Olá,mecânicaquântica

5.Comooquantumfoiforçadoparadentrodafísica

6.AequaçãodeSchrödinger:Anovaleiuniversaldomovimento

7.Oexperimentodaduplafenda:Oproblemadoobservador

8.Nossoesqueletonoarmário

9.Umterçodanossaeconomia

10.Maravilhosa,maravilhosaCopenhague

11.OcontroversogatodeSchrödinger

12.Buscandoummundoreal:EPR

13.Açõesfantasmagóricas:TeoremadeBell

14.Metafísicaexperimental

15.Oqueestáacontecendo?Interpretandooenigmaquântico

16.Omistériodaconsciência

17.Oencontrodomistériocomoenigma

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18.Consciênciaeocosmoquântico

Leiturassugeridas

Agradecimentos

Índiceremissivo

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Prefácio

AMECÂNICAQUÂNTICATEMumsucessoimpressionante.Nemumaúnicaprevisãodateoriajamaisesteveerrada.Umterçodanossaeconomiadependedeprodutosbaseadosnela.Noentanto,amecânicaquânticatambémexibeumenigma.Elanos diz que a realidade física é criada pela observação, e que tem “açõesfantasmagóricas”queinfluenciaminstantaneamenteeventosdistantesentresi–semnenhuma força físicaenvolvida.Vistadaperspectivahumana,amecânicaquânticaéafísicaencontrandoaconsciência.

Nossolivrodescreveosfatosexperimentaisabsolutamenteinquestionáveisea explicação aceita desses fatos pela teoria quântica. Discutimos asinterpretações rivaishoje existentes, e comocadaumaencontra a consciência.Felizmente,oenigmaquânticopodeserexploradoprofundamenteemlinguagemnão técnica. O mistério apresentado pela mecânica quântica, que os físicoschamam de “problema quântico da medição”, aparece de imediato noexperimentoquânticomaissimples.

Nosúltimosanos,investigaçõesnosalicerces,enosmistérios,damecânicaquânticasemultiplicaram.Fenômenosquânticossãocadavezmaisvisíveisemcamposquevãodaengenhariadecomputaçãoàbiologiaeàcosmologia.Estasegundaediçãoincluiavançosrecentestantoemtermosdecompreensãoquantodeaplicações.Ousodo livroemgrandes salasdeaulaepequenos semináriosnos deu a possibilidade de aprimorar o texto – um benefício que também sevaleudasrespostasdosleitores,deoutrosinstrutoresqueutilizaramaobraedecomentários de resenhistas. Pretendemos expandir e atualizar a cobertura decertostópicosnositedolivro:www.quantumenigma.com.

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1.Einsteinochamoude“fantasmagórico”Eeugostariadetersabido

Penseisobreoproblemaquânticocemvezesmaisdoquesobreateoriadarelatividadegeral.

ALBERTEINSTEIN

Nãopossoacreditarseriamente[nateoriaquântica]porque…afísicadeverepresentarumarealidadenotempoenoespaço,livredequaisqueraçõesfantasmagóricasadistância.

ALBERTEINSTEIN

NUM SÁBADO NA DÉCADA de 1950 eu estava visitando amigos em Princeton, enosso anfitrião perguntou a seu genro, Bill Bennett, e a mim (Bruce) segostaríamos de fazer uma visita a seu amigoAlbert Einstein.Dois fascinadosestudantesdepós-graduaçãoemfísicalogoestavamesperandonasaladeestardeEinsteinquandoeledesceudechinelosemoletom.Lembro-medochácombiscoitos,masnãodecomoaconversacomeçou.

Logo Einstein perguntou sobre nosso curso de mecânica quântica. Eleaprovouo fato de nossoprofessor ter escolhidoo livro deDavidBohmcomotexto básico e nos perguntou se estávamos gostando do tratamento dado porBohm à estranheza que a teoria quântica implicava. Não fomos capazes deresponder.Tinhamnosditoparapularessapartedolivroenosconcentrarmosnaseção intitulada “A formulação matemática da teoria”. Einstein persistiu emexplorarnossospensamentossobreoqueateoriarealmentesignificava.Masosassuntos que lhe interessavam não nos eram familiares. Nossos cursosfocalizavam o uso da teoria, não seu significado. Nossas respostas à suasondagemdecepcionaramEinstein,eessapartedanossaconversaterminouaí.

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MuitosanossepassariamatéqueeuentendesseapreocupaçãodeEinsteincomasmisteriosasimplicaçõesdateoriaquântica.Eunãosabiaquenosidosde1935elehaviasurpreendidoosresponsáveispelodesenvolvimentodateoriaaoassinalar que ela requeria que uma observação num local influenciasseinstantaneamenteoqueaconteciaaolongesemenvolvernenhumaforçafísica.Ezombavadissocomosendouma“açãofantasmagórica”quenãopodiarealmenteexistir.

Einstein sentia-se incomodado pela alegação da teoria de que, se vocêobservasseumpequenoobjeto, digamos, umátomo, presente emalgum lugar,era o fato de você olhar que fazia com que ele estivesse lá. Será que isso seaplica a coisas grandes? Em princípio, sim.Ridicularizando a teoria quântica,Einsteinperguntoucertavezaumcolegafísico,apenasparcialmenteemtomdebrincadeira, se ele acreditava que a Lua estava lá só quando olhava para ela.SegundoEinstein,sevocêlevasseateoriaquânticaasério,negariaaexistênciadeummundofísicorealindependentedasuaobservação.Essaéumaacusaçãoséria.Ateoriaquânticanãoésimplesmenteumaentremuitasteoriasnafísica.Éoarcabouçosobreoqualtodaafísicaemúltimaanáliseseassenta.

NOSSO LIVRO se concentra nas misteriosas implicações da teoria quântica queincomodaramEinstein,desdesuapropostainicialdoquantum,em1905,atésuamorte meio século mais tarde. Porém, durante anos após aquela noite comEinsteinpoucopenseisobreaesquisiticequântica,aquiloqueosfísicoschamamde“oproblemadamedição”.Comoestudantedepós-graduação,ficavaintrigadocom a correlata “dualidade onda-partícula”. Trata-se do paradoxo de que,olhando de uma maneira, podia-se demonstrar que um átomo é um objetocompacto, concentrado em um único lugar. No entanto, olhando de maneiradiferente,podia-sedemonstrarexatamenteocontrário.Podia-semostrarqueoátomonão éumobjetocompacto,queéumaondaespalhada sobreuma largaregião.Essacontradiçãomeintrigava,maseuassumiaquesepassassealgumashoras pensando no assunto veria tudo com clareza – da maneira como meusprofessores pareciam ver. Como aluno de pós-graduação, tinha coisas mais

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urgentes a fazer.Minha tese de doutorado envolviamontes de teoria quântica,mas, como a maioria dos físicos, eu tinha pouca preocupação com seusignificadomaisprofundo.Naépoca,eunãopercebiaqueelaiamuitoalémdamera“dualidadeonda-partícula”.

Depois de uma década como pesquisador de física industrial e gerente depesquisa,entreinocorpodocentedaUniversidadedaCalifórniaemSantaCruz(UCSC).Lecionandonumcursodefísicadirigidoaalunosdeartesliberais,osmistériosdamecânicaquânticameintrigaram.Umaconferênciadeumasemanana Itália sobre os fundamentos da mecânica quântica me fisgou para o temasobreoqualeuestavadespreparadoparaconversarnaquelalongínquanoiteemPrinceton.

QUANDOEU(FRED)meencontreicomamecânicaquânticanomeupenúltimoanono Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), escrevi a equação deSchrödinger ocupando toda a página domeu caderno, empolgado com aquelafórmula que governava tudo no Universo. Mais tarde fiquei intrigado com aafirmaçãoquânticadequeopolonortedeumátomopodeapontaremmaisdeumadireçãoaomesmotempo.Depoisdemedebatercomissoporalgumtempo,desisti,imaginandoqueentenderiaquandoaprendessemais.

Paraminha dissertação de doutorado fiz uma análise quântica de sistemasmagnéticos. Eu tinha ficado à vontade no uso da teoria quântica, mas nãodispunha de tempo para pensar sobre o que ela significava. Estava ocupadodemais tentando publicar trabalhos acadêmicos e conseguir meu doutorado.Depoisdetrabalharemalgumasempresasdealtatecnologia,entreiparaocorpodocentedefísicadaUCSC.

QUANDONÓSDOIS começamos a explorar a fronteira onde a física se encontracom a filosofia especulativa, nossos colegas físicos ficaram surpresos.Nossasáreas de pesquisa anteriores erambastante convencionais, atémesmo práticas.(Há mais informações sobre nossos históricos em pesquisa industrial e

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acadêmica, bem como dados para contato, no site do nosso livro:www.quantumenigma.com.)

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Oesqueletonoarmáriodafísica

A teoria quântica tem um sucesso impressionante. Nem uma única de suasprevisões jamais semostrou errada.Um terço da nossa economia depende deprodutos baseados nela. No entanto, a visão de mundo exigida pela teoriaquânticaénãosómaisestranhadoquepoderíamossupor,masmaisestranhadoqueconseguimossupor.Vamosverporquê.

Amaioriadenóscompartilhacertas intuiçõesdo sensocomum.Umúnicoobjeto não pode estar aomesmo tempo em dois lugares distantes entre si. E,seguramente,oquealguémdecidefazeraquinãopodeafetarinstantaneamenteoqueaconteceemalgumlugardistante.Eseráqueéprecisodizerqueexisteummundo real “lá fora”, quer olhemos para ele ou não? A mecânica quânticadesafiacadaumadessasintuições.J.M.Jauchnosdiz:“Paramuitosfísicosmaiscuidadosos, [o significado mais profundo da mecânica quântica] tempermanecidoumaespéciedeesqueletonoarmário.”

COMEÇAMOS ESTE CAPÍTULO falando sobre a preocupada inquietude deEinsteincomateoriaquântica.Oqueéessateoria?Ateoriaquânticafoidesenvolvidanocomeçodo séculoXXpara explicar amecânica, omecanismo,quegovernaocomportamentodosátomos.Antesdisso,haviasidodescobertoqueaenergiadeumobjetosópodiavariarnumaquantidadediscreta,umquantum,daío termo“mecânicadoquantum”,ou“mecânicaquântica”,queabrangetantoasefetivasobservaçõesexperimentaiscomoateoriaquânticaqueasexplica.

Ateoriaquânticaestánabasedetodaciêncianatural,desdeaquímicaatéacosmologia. Precisamos dela para entender por que o Sol brilha, comotelevisoresproduzemimagens,porqueagramaéverdeecomooUniversosedesenvolveu a partir do Big Bang. A tecnologia moderna baseia-se emdispositivosprojetadoscomateoriaquântica.

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A física pré-quântica, a “mecânica clássica” ou “física clássica”, às vezeschamadade“físicanewtoniana”,geralmenteéumaexcelenteaproximaçãoparaobjetosmuitomaioresquemoléculasecostumasermaissimplesdeusardoquea teoria quântica. Mas é apenas uma aproximação e não funciona,absolutamente, para os átomos dos quais tudo é feito.Mesmo assim, a físicaclássica é básica para nosso saber convencional, nossa visão de mundonewtoniana. No entanto, sabemos agora, essa visão de mundo clássica éfundamentalmentefalha.

Desde tempos antigos os filósofos apresentaram especulações esotéricassobre a natureza da realidade física. Antes da mecânica quântica as pessoastinham a opção lógica de rejeitar tais teorias e ater-se a uma visão demundoclara e direta, própria do senso comum. Hoje, porém, à luz dos fatosdemonstradosemexperimentosquânticos,avisãodesensocomumjánãoémaisumaopçãológica.

Pode uma visão de mundo sugerida pela mecânica quântica ter umarelevânciaqueváalémdaciência?Consideremosoutrasperguntas.Seráqueofato de Copérnico ter negado que a Terra fosse o centro do cosmo teve umarelevânciaqueultrapassouaciência?EquantoàteoriadaevoluçãodeDarwin?Arelevânciadamecânicaquânticaé,numcertosentido,maisimediataqueadasideiasdeCopérnicooudeDarwin,quelidamcomomuitodistantenoespaçoounotempo.Ateoriaquânticatratadoaquieagoraeencontra-seatémesmocomaessênciadahumanidade,anossaconsciência.

Porque,então,ateoriaquânticanãoteveoimpactointelectualesocialdasoutras duas? Talvez porque elas sejammais fáceis de compreender – emuitomais fáceis de acreditar. Pode-se resumir grosseiramente as implicações deCopérnicoeDarwinempoucasfrases.Pelomenosparaamentemoderna,essasideiasparecem razoáveis.Tente resumir as implicaçõesda teoriaquântica, eoquevocêobtémsoamístico.

Dequalquermaneira,arriscamo-nosafazerumresumoaproximado.Ateoriaquântica nos diz que a observação de um objeto pode influenciarinstantaneamente o comportamento de outro objeto a uma enorme distância –

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mesmoquenãohajaforçafísicaligandoosdois.SãoasinfluênciasqueEinsteinrejeitou como “ações fantasmagóricas”, mas que agora foi demonstrado queexistem.A teoria quântica tambémnos diz que umobjeto pode estar emdoislugares ao mesmo tempo. Sua existência num lugar determinado onde éencontrado torna-se realidade apenas com sua observação. A teoria quânticanega a existência de um mundo fisicamente real independente da suaobservação.(Veremosque“observação”éumconceitotraiçoeiroecontroverso.)

Estranhosfenômenosquânticospodemserdemonstradosdiretamenteapenasparaobjetospequenos.Afísicaclássicadescreveocomportamentorazoáveldecoisasgrandescomumaaproximaçãoextremamenteboa.Masascoisasgrandessão compostas de coisas pequenas. Como visão de mundo, a física clássicasimplesmentenãofunciona.

Afísicaclássicaexplicaomundobastantebem;éapenascomos“detalhes”que ela não consegue lidar. A física quântica lida com os “detalhes”perfeitamente;ésóomundoqueelanãoconsegueexplicar.DáparaentenderporqueEinsteinestavaperturbado.

ERWINSCHRÖDINGER,umdosfundadoresdateoriaquânticamoderna,contousuaagora famosa história do gato para enfatizar que a teoria quântica diz algo“absurdo”.OgatonãoobservadodeSchrödinger,segundoateoriaquântica,estásimultaneamentemortoevivo–atéqueobservá-lofaçacomqueestejaoumortoouvivo.Eaqui está algoaindamaisdifícil de aceitar: encontrarogatomortocriaria a história de ele desenvolver rigor mortis; achá-lo vivo criaria umahistóriadeeledesenvolverfome.Recuandonotempo.

Oenigmaapresentadopela teoriaquântica temdesafiadoos físicosháoitodécadas.Talvezoconhecimentoeostalentosdefísicosnãonosqualifiquemcomexclusividadeparasuacompreensão.Nós,físicos,poderíamosportantoabordaroproblemacommodéstia,aindaqueachemosissodifícil.

Notavelmente,aessênciadoenigmaquânticopodeserapresentadaemsuatotalidade sem envolver muito conhecimento de física. Poderia alguém não

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sobrecarregadocomanosdetreinamentonousodateoriaquânticaterumanovacompreensão?Afinal,foiumacriançaquemostrouqueoimperadorestavasemroupas.

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Controvérsia

Nosso livro teveorigememumcursode físicaamploparaestudantesdeartesliberais que em suas últimas semanas focalizava os mistérios da mecânicaquântica.Quando eu (Bruce) propus inicialmente essas aulas numa reuniãodedepartamento,ofocofinallevouummembrodocorpodocenteaobjetar:

Emboraoquevocêestádizendosejacorreto,apresentaressematerialanãocientistaséoequivalenteintelectualdepermitirquecriançasbrinquemcomarmascarregadas.

O professor que fez a objeção, um bom amigo, tinha uma preocupaçãoválida:algumaspessoas,vendoa sólidaciênciada física ligadaaomistériodamente consciente, poderiam ficar suscetíveis a todo tipo de absurdospseudocientíficos.Minharespostafoiqueensinaríamos“segurançacomarmas”:enfatizaríamos o método científico. O curso foi aprovado. Atualmente Fredlecionaessasaulas,quesetornaramasmaispopularesdenossodepartamento.

VAMOSDEIXARCLAROdesaídaqueareferênciaao“encontrocomaconsciência”notítulonãoimplicanenhumtipode“controledamente”;queseuspensamentossozinhospossamcontrolardiretamente omundo físico.Seráqueos resultadosindiscutíveisdeexperimentosquânticosquedescrevemosdãoaentenderalgummisterioso papel para a consciência no mundo físico? Essa é uma questãocalorosamentedebatidaquesurgenumafronteiradadisciplinadafísica.

Como nosso livro se concentra nessa fronteira, onde surge o enigmaquântico, trata-se de uma obra necessariamente controversa. No entanto,absolutamente nada do que dizemos sobre a mecânica quântica em si édiscutível.Éomistérioqueesses resultados implicamparaalém da físicaquesuscita controvérsia. Paramuitos físicos, émelhor que não se fale sobre essadesconcertante estranheza. Físicos (inclusive nós mesmos) podem se sentirdesconfortáveis com sua disciplina ao encontrar algo tão “não físico” como a

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consciência.Emboraosfatosquânticosnãoestejamemdiscussão,osignificadopor trás desses fatos, aquilo que a mecânica quântica nos conta sobre nossomundo, é calorosamente discutido. Abordá-lo num departamento de física,especialmente num curso de física para uma plateia não técnica, incorrerá nadesaprovaçãodealgunsprofessores.(Osfísicos,éclaro,nãoestãosozinhosemseu desconforto com a questão da consciência surgindo misteriosamente nadiscussãodefenômenosfísicos.Elapodedesafiaravisãodemundodequalquerumdenós.)

UmbiógrafodeEinstein nos conta quenos idos de 1950umprofessor dodepartamento de física que não tivesse estabilidade acadêmica colocaria suacarreira em risco semostrassequalquer interessenas estranhas implicaçõesdateoria quântica. Os tempos estão mudando. A exploração das questõesfundamentais da mecânica quântica, que não podem evitar o encontro com aconsciência,estáaumentandonosdiasdehojeeseestendealémdafísicaparaapsicologia,afilosofiaeatémesmoaengenhariadecomputação.

Como a teoria quântica funciona perfeitamente para todos os propósitospráticos, alguns físicos negam que exista algum problema. Tal negativa deixapara os fornecedores de pseudociência os aspectos da mecânica quântica quecompreensivelmentemaisintrigamosnãofísicos.OfilmeQuemsomosnós?éumexemplodepseudociênciaquelamentamos.(Sevocênãoestáfamiliarizadocom o filme, veja nosso comentário no capítulo 15.) O verdadeiro enigmaquântico é mais bizarro e mais profundo do que as “filosofias” que taistratamentos apoiam. Compreensivelmente, o real mistério quântico requer umpoucomaisdeesforçomental,masvaleapena.

NUMA CONFERÊNCIA DE FÍSICA à qual compareceram várias centenas de físicos(inclusive nós dois), uma discussão irrompeu durante o debate após uma daspalestras.(OacaloradodebatequetomoucontadoauditóriofoirelatadonoNewYorkTimes emdezembrode2005.)Umdosparticipantesargumentouque,porcausa da sua estranheza, a teoria quântica tinha um problema. Outro negouvigorosamente que houvesse um problema, acusando o primeiro de “não ter

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entendidoaquestão”.Umterceiroseintrometeuparadizer:“Nóssimplesmentesomos jovensdemais.Devemosesperaraté2200,quandoamecânicaquânticaforensinadanojardimdeinfância.”Umquartoresumiuadiscussãodizendo:“Omundonãoétãorealquantopensamos.”TrêsdessesparticipantesdadiscussãotêmprêmioNobeldeFísicaeoquartoéumbomcandidatoaganhar.

Essa discussão lembra uma analogia que reflete nossa própria inclinação.Um casal está fazendo terapia conjugal. A esposa diz: “Há um problema nonossocasamento.”Omaridodiscorda,dizendo:“Nãohánenhum problemanonossocasamento.”Oterapeutasabequemtemrazão.

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Interpretandoateoriaquântica

Nos últimos vinte anos de sua vida, o questionamento contínuo de Einstein àteoria quântica frequentemente foi desconsiderado como falta de contato seucomafísicamoderna.Eledefatoestavaerradoemnegararealidadeda“açãofantasmagórica” que descobrira estar sorrateiramente à espreita na teoriaquântica.Suaexistência,agorachamadade“emaranhamento”,foidemonstrada.Não obstante, Einstein hoje é reconhecido como o crítico mais presciente dateoria.Suaconstantealegaçãodequeaestranhezanãodeveserdeixadadeladoérefletidapelaatualproliferaçãodeloucasinterpretaçõesdateoriaquântica.

No capítulo 15 descrevemos várias visões e interpretações rivais do que amecânicaquânticaestánosdizendoacercadomundofísico–e,talvez,acercadenós mesmos. São todas propostas sérias desenvolvidas com extensiva análisematemática. Sugerem alternadamente a criação da realidade física pelaobservação, a existênciademuitosmundosparalelos comcadaumdenós emcadaumdeles,ainterconectividadeuniversal,ofuturoafetandoopassado,umarealidade além da realidade física e até mesmo um questionamento do livre-arbítrio.

Nafronteiraondeafísicanãoobrigamaisaumconsenso,osignificadodateoria quântica é controverso. A maioria das interpretações do que está sepassandomostracomoaquestãodaconsciênciapodeserignoradaparatodosospropósitospráticos.Entretanto,aoexplorarosalicercesdateoria,amaioriadosespecialistas contemporâneos admite um mistério, que geralmente encontra aconsciência. Embora seja nossa experiência mais íntima, a consciência é maldefinida.Éalgocomqueafísicanãoconseguelidar,masquenãopodeignorar.

FrankWilczek,laureadocomoNobeldeFísica,recentementecomentou:

Aliteraturarelevante[sobreosignificadoda teoriaquântica]éfamosaporsercontenciosaeobscura.Acreditoqueassimpermaneceráatéquealguémelabore,dentrodoformalismodamecânicaquântica,um “observador”, isto é, uma entidade-modelo cujos estados correspondam a uma caricatura

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reconhecíveldaconsciênciaquântica.…Esseéumprojetoformidável,queseestendeparabemalémdoqueéconvencionalmenteconsideradofísica.

Aoapresentaros fatos indiscutíveiseenfatizaroenigmacomqueelesnosdesafiam, não propomos uma solução para esse enigma. Em vez disso,oferecemos aos leitores uma base para suas próprias ponderações.Singularmente, essa questão controversa pode ser entendida com poucoconhecimentopréviodefísica.

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2.AvisitaaEugAhnePocUmaparábolaquântica

Sevocêestáquerendoexagerar,entãoseempanturredeumavez.

G.I.GURDJIEFF

ALGUNSCAPÍTULOSVÃO sepassar antesde encontrarmoso enigmaapresentadopela mecânica quântica. Mas comecemos dando uma olhada no paradoxo. Atecnologiadehojenos limitaaexibiroenigmaquânticoemobjetospequenos.Noentanto,supostamente,amecânicaquânticaseaplicaatudo.

Assim,começamoscontandoumahistórianaqualumfísicovisitaEugAhnePoc, uma terra com tecnologia mágica que permite a demonstração de algoparecidocomoenigmaquântico,mascomobjetosgrandes–umhomemeumamulher,emvezdeátomos.Nossaparábolacontaalgoimpossívelnomundoreal,mas observe o que deixa perplexo nosso visitante em Eug Ahne Poc. Suaperplexidade é o sentido da nossa parábola. Em capítulos posteriores vocêdeveráexperimentarumaperplexidadesemelhante.

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PrólogodonossovisitantemuitosegurodesiaEugAhnePoc

Deixem-me contar por que estoume arrastandopesadamente para subirestatrilhaíngreme.Comoamecânicaquânticapodefazeranaturezaparecerquase mística, algumas pessoas podem ser erroneamente levadas a aceitartolicessobrenaturais.

Ummês atrás eu estavanaCalifórnia comamigosgeralmente sensatos.As pessoas ali, no entanto, parecemmais suscetíveis a absurdos quânticos.MeusamigosfalaramdeRhob,emEugAhnePoc,umaaldeianasmontanhasHima-Urais.Elesalegaramqueessexamãeracapazdeexibirfenômenosdotipoquânticocomobjetosgrandes.Issoéridículo,éclaro!

Quando lhes expliquei que essa demonstração é impossível, eles meacusaramdeserumcientistadementefechada.Fuidesafiadoainvestigar,eumdeles,umbilionáriodaáreade informática,ofereceu-separafinanciaraminha viagem. Embora meus colegas do departamento de física tenhaminsistido comigopara que não perdesse temponuma caçada inútil, acreditoque cientistas de espírito público devam despender algum esforçoinvestigandonoções injustificadaspara impedirsuapropagação.Então,aquiestou.

Vou olhar essa coisa toda com a mente completamente aberta. Entãoderrubo todo esse absurdo quando voltar para a Califórnia. Mas enquantoestiveremEugAhnePocsereidiscreto.Essetruquedoxamãprovavelmenteépartedareligiãolocal.

A trilha vai ficando menos íngreme e se alarga, terminando repentinamentenumamodestapraça.NossovisitantechegouaEugAhnePoc.Estáaliviadoemverqueosarranjosdeviagemfeitospelosamigosderamcerto.Suachegadaé

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esperada. Ele é calorosamente recebido por Rhob e um pequeno grupo dealdeões.

Saudações, Curioso Questionador, Cuidadoso Experimentador. Você é umvisitantebem-vindoànossaaldeia.

Obrigado,muitoobrigado.Agradeçoacalorosarecepção.

Estamos felizesem tê-loconosco.Entendoquevocêveionumamissãodebusca da verdade. Como é americano, tenho certeza de que a querrapidamente. Tentaremos satisfazê-lo, mas, por favor, tenha compreensãocomosnossosmodospoucoapressados.

Oh,eurealmenteagradeço.Esperoqueeunãosejaumproblema.

Demaneiranenhuma.Entendoquevocês,físicos,apenasrecentemente–noséculo passado, para sermais preciso – aprenderam algumas das verdadesmaisprofundasdonossoUniverso.Masasuatecnologiaoslimitaatrabalharcomobjetospequenos e simples.Anossa “tecnologia”, sequiser chamá-laassim,podefornecerumademonstraçãocomasentidadesmaiscomplexas.

(COMENTUSIASMOMASDESCONFIANÇA)Estouansiosoparaverisso.

Eu fiz os arranjos necessários. Você fará uma pergunta apropriada, e arespostaàsuaperguntalheseráentãorevelada.Acreditoqueoprocedimentodefazerumaperguntae terumarespostareveladaémuitoparecidocomoque vocês, cientistas, chamamde “fazer um experimento”.Deseja ter essaexperiência?

(COMARINTRIGADO)Bem,sim,quero…

Vouprepararasituaçãoparapermitiroexperimento.

Rhob se move em direção a duas pequenas choupanas separadas por umadistânciademaisoumenosdezmetros.Entreas choupanas se encontramumrapazeumamoçademãosdadas.

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Arrumarasituação,“prepararoexperimento”comovocêsdiriam,deveserfeitosemobservação.Porfavor,ponhaestecapuz.

Nossovisitantecobreacabeçacomomaciocapuznegro.Apósalgunsinstantes,Rhobcontinua:

O experimento está agora preparado. Por favor, remova o capuz. Numadessas choupanas há um casal, um homem e umamulher juntos. A outrachoupana está vazia. O seu primeiro “experimento” é determinar qualchoupana contém o casal e qual está vazia. Faça isso com uma perguntaapropriada.

Tudobem,emqualchoupanaestáocasalequalchoupanaestávazia?

Ótimo,perfeito!

Rhobfazumsinalaumaprendiz,queabreaportadachoupanadadireitapararevelarorapazeamoçadebraçosdados,sorrindotimidamente.Emseguida,abreaportadaoutrachoupana,mostrandoqueestávazia.

Note, meu amigo, que você recebeu uma resposta apropriada para a suapergunta.O casal de fato estava numa das choupanas. E a outra estava, éclaro,vazia.

(NÃOIMPRESSIONADO,MASTENTANDOSERPOLIDO)Hã,hã,sim.Percebo.

Maseuentendoquea reprodutibilidadeécrucialparaoscientistas.Então,repetiremosoexperimento.

Oprocedimentoérepetidomaisseisvezesparanossovisitante.Àsvezesocasalestánachoupanadadireita,àsvezesnadaesquerda.Comonossovisitanteestáclaramenteficandoentediado,Rhobinterrompeasdemonstraçõeseexplica:

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(UM TANTO ALEGRE) Note, meu amigo! O fato de você perguntar sobre oparadeirodocasalfezcomqueohomemeamulherficassemjuntos,numaúnicachoupana.

(ABORRECIDOPORTERVIAJADOPARATÃOLONGEPARAVERUMADEMONSTRAÇÃO

APARENTEMENTE TRIVIAL, NOSSO VISITANTE ESTÁ ACHANDO DIFÍCIL NÃO

OFENDER) Minhas perguntas fizeram o casal estar numa choupana ou naoutra?Bobagem!Olugarondevocêoscolocouenquantoeuestavadecapuzéqueprovocouisso.Ah,maspeçodesculpas,issonãovemaocaso.Muitoobrigado pela sua demonstração.Mas está ficando tarde; preciso descer amontanha.

Não,soueuquemdevepedirdesculpas.Devomelembrardequeointervalodeatençãodosamericanosémuitocurto.Ouvidizerquenaverdadevocêsescolhemoslíderesdesuanaçãocombaseemumasériedeapresentaçõesdetrintasegundosnumapequenaparededevidro.

Porfavor,temosagoraumsegundoexperimento.Vocêfaráumaperguntadiferente.Faráumaperguntaquefaçacomqueohomemeamulherestejamemchoupanasseparadas.

Bem,sim,maseurealmenteprecisodescer…

Semesperarquenossovisitantetermine,Rhoblheentregaocapuze,dandodeombros,nossovisitantecobreacabeça.ERhobfala.

Por favor, tire o capuz. Faça uma nova pergunta, que determine em qualchoupanaestáohomemeemqualestáamulher.

Tudo bem, tudo bem, em qual choupana está o homem e em qual está amulher?

DestavezRhob fazumsinalaosaprendizesparaqueabramaschoupanasaomesmo tempo. Elas revelam o rapaz na choupana da direita e amoça na da

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esquerda,sorrindoumparaooutroatravésdapraça.

Perceba!Você recebeu uma resposta apropriada para a nova pergunta quefez, um resultado apropriadopara o experimentodiferente que foi feito.Asuapergunta fez comqueo casal se distribuísse em ambas as choupanas.Agoramostraremosareprodutibilidaderepetindoesseexperimento.

Por favor, preciso ir embora. (AGORA NUM TOM DE VOZ SARCÁSTICO)Reconheço que os seus “experimentos” são todos replicáveis tantas vezesquantassequeira,comresultadosigualmenteimpressionantes.

Oh,realmentesintomuito.

(DESCONCERTADO POR SUA PRÓPRIA DESCORTESIA) Oh, não. Sou eu que peçodesculpas.Ficariaencantadoemverumarepetiçãodesseexperimento.

Bem,quemsabeapenasduasoutrêsvezes?

Eademonstraçãoérepetidatrêsvezes.

Você parece impaciente. Então talvez três vezes seja o suficiente parademonstrarqueofatodevocêperguntarsobreoparadeirodohomemedamulher separadamente fez com que o casal se distribuísse nas duaschoupanas.Estamosdeacordo?

(ENTEDIADOEDECEPCIONADO,MASUMTANTOAFETADO)Seguramenteconcordoque você pode distribuir o casal nas choupanas do jeito que quiser. Noentanto,agorarealmenteprecisoirdescendoamontanha.Masmuito,muitoobrigadopela…

(INTERROMPENDO)Vocênãoviuaindaaversãofinaldestesexperimentos.Éaparte crucial que completa a nossa demonstração. Deixe-me mostrar paravocê–sóduasvezes.Sóduasvezes.

(CONDESCENDENDO)Ok,tudobem,duasvezes.

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Nossovisitantevestenovamenteocapuz.

Porfavor,tireocapuzefaçasuapergunta.

Qualperguntadevofazer?

Ah,meuamigo,agoravocê temexperiênciaemambasasperguntas.Podefazerqualquerumadelas.Podeescolherqualquerumdosexperimentos.

(SEMPENSARMUITO)Tudobem,emquechoupanaestáocasal?

Rhobmandaabriraportadachoupanadadireitaerevelaohomemeamulherdemãosdadas.Mandaabrirentãoaportadaoutrachoupana,mostrandoqueestávazia.

(UMPOUCOINTRIGADO,MASNÃOREALMENTESURPRESO)Hummm…

Perceba que a pergunta que você fez, o experimento que você escolheu,levouocasalaestarjuntonamesmachoupana.Agoravamostentardenovo–pelasegundavez–,jáquevocêconcordou.

(BASTANTEDISPOSTO)Claro,vamostentardenovo.

Nossovisitantevestenovamenteocapuz.

Porfavor,tireocapuzefaçaqualquerumadasperguntas.

(COMUMTOQUEDECETICISMO)Ok,destavezresolvifazeraoutrapergunta:emquechoupanaestáohomemeemquechoupanaestáamulher?

Rhobmanda seus aprendizes abrirem ambas as choupanas ao mesmo tempo,revelandoohomemnadadireitaeamulhernadaesquerda.

Hummm…(ÀPARTE–UMPENSAMENTOEMVOZALTA)Gozado,elefoicapazderesponderàminhaperguntatambémdestavez.Duasvezesseguidas.Elenão

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podiasaberqualdasduaseufaria.

Perceba,meuamigo,qualquerque seja aperguntaquevocêescolha fazer,ela é sempre respondida da maneira apropriada. E agora você deseja nosdeixar.

Bem,hã…naverdade,eunãomeimportarianemumpoucodetentarmaisumavezesteúltimoexperimento.

Comcerteza.Fico encantadocomo seu interessenademonstraçãodequenão importa que pergunta você resolva fazer, ela sempre é respondida damaneiraapropriada.

Nossovisitantevestenovamenteocapuz.

Porfavor,tireocapuzefaçaqualquerumadasperguntas.

Ok.Destavez,emquechoupanaestáocasal?

Rhobmandaabriraportadachoupanadaesquerda, revelandoohomemeamulher juntos.Depois,manda abrir a porta da outra choupana paramostrarqueestávazia.

Vocêdeuarespostaapropriadaàperguntaqueescolhitrêsvezesseguidas.Asuasorteéimpressionante!

Nãofoisorte,meuamigo.Aobservaçãoquevocêescolheudelivrevontadedeterminouseocasalestariajuntonumachoupanaouseparadoemduas.

(INTRIGADO) Como é possível? (AGORA ANSIOSO) Podemos tentar mais umavez?

Claro,sequiser.

Ademonstraçãoérepetida,enossovisitante,cadavezmaisintrigado,pedemaisemaisrepetições.Oitovezeselevêumresultadocondizentecomaperguntaque

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fez,masinapropriadoàoutraperguntaquepoderiaterfeito.

(NUMAPARTEAGITADO)Nãoconsigoacreditarnisso!Porfavor,eugostariadetentarmaisumavez!

Receioqueestejaescurecendo,eéumadescida íngreme.Tenhacertezadeque sempre vai obter a resposta apropriada para a pergunta que fizer –apropriadaparaasituaçãoqueasuaperguntafezexistir.

(RESMUNGA,PARECENDOINCOMODADO)

Algumacoisaoestáperturbando,meuamigo?

Como você sabia que pergunta eu ia fazer quando colocou as pessoas naschoupanas?

Eunãosabia.Vocêpodiafazerqualquerumadasperguntas.

(AGITADO)Mas,mas…sejamosrazoáveis!Eseeutivessefeitoaperguntanãocorrespondenteaondeohomemeamulherdefatoestavam?

Meuamigo,ograndefísicodinamarquêsdevocês,BohrdeCopenhague,nãoensina que a ciência não precisa fornecer respostas a experimentos nãoefetivamenterealizados?

Ah,sim,masvamos lá–assuasduaspessoas teriamdeestarou juntasouseparadasimediatamenteantesdeeufazerapergunta.

Vejooqueoestáperturbando.Apesardoseutreinamentocomofísico,edasua experiência com mecânica quântica no laboratório, você ainda estáimbuídodanoçãodequeumarealidadefísicaemparticularexisteantesdesua escolha do que observar, e antes de sua experiência consciente disso.Aparentemente os físicos acham difícil compreender totalmente a grandeverdade que tão recentemente vislumbraram. Mas boa noite, meu amigo.Vocêviuoqueveiover.Agoradevenosdeixar.Tenhaumaviagemdevoltaemsegurançamontanhaabaixo.

(OBVIAMENTE PERPLEXO, AO VIRAR-SE PARA PARTIR) Hã, sim, vou, hã, muitoobrigado,muito,muitoobrigado,eu,hã,bem…obrigado…

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(FALANDO CONSIGO MESMO, ENQUANTO PEGA O RUMO DESCENDO A ÍNGREME

TRILHAROCHOSA)Agoravejamos,devehaverumaexplicaçãorazoável.Seeuperguntasseondeocasal estava, ele imediatamentemostravaocasalnumaúnicachoupana.Mas,seeuescolhesseperguntarondeestavamohomemeamulher separadamente, elede imediatomostravacadaumnumachoupana.Masantesdeeuperguntarelesdeviamestaremumaouemoutrasituação?Aschoupanaserambemdistantes.Comoéqueelefaziaisso?!

Será que eu era induzido a fazer a pergunta que se encaixasse nadistribuição que ele tinha arranjado? Não, eu sei que as minhas escolhasforamfeitaslivremente.

É impossível! Mas eu vi! É mais ou menos como um experimentoquântico em que ambas as situações existem aomesmo tempo, até você irolhareversóuma.Rhobdisse:“Experiênciaconsciente.”Mascoisascomoaconsciêncianãodeveriamentrarnafísica.Emtodocaso,amecânicaquânticanão se aplica a coisas grandes como pessoas. Bem, é claro que isso não émuitocorreto.Emprincípio,afísicaquânticaseaplicaatudo.Massósepodedemonstrar esse tipo de coisa com um experimento de interferência. Eexperimentos de interferência são impossíveis com coisas grandes – paratodosospropósitospráticos.Seráqueeuestavaalucinando?

ComoéquedesmascaroesseRhobquandochegardevoltaàCalifórnia?E, ai, meu Deus! Os caras do departamento de física vão fazer perguntassobreaminhaviagem.Ui!

Nãoexiste,éclaro,nenhumaEugAhnePoc.Oquenossovisitanteviuénaverdadeimpossível.Masemcapítulosposterioresveremosqueumobjetopodeserevelar totalmentenumlugarou,porumaescolhadiferentedeexperimento,distribuído em dois locais, como o casal em Eug Ahne Poc. Você deveráexperimentaramesmaperplexidadequenossovisitante.

Demonstrarqueuma realidade física é causadapelaobservaçãoé limitadopela tecnologia atual a coisasmuito pequenas.Mas está sendo demonstrado o

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tempo todopara objetos cadavezmaiores.Dedicaremosumcapítulo inteiro àresolução “ortodoxa”da físicadesseparadoxo, a interpretaçãodeCopenhagueda mecânica quântica, com Niels Bohr como seu principal arquiteto. AexplicaçãodadaporBohrnãoédiferentedaqueladadaporRhobemEugAhnePoc(“Rhob”éBohraocontrário).PosteriormentediscutiremosquestionamentosmodernosàinterpretaçãodeCopenhague.

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3.NossavisãodemundonewtonianaUmaleiuniversaldomovimento

Anaturezaesuasleisjaziamocultasnanoite:Deusdisse:Faça-seNewton!Ealuzsefez.

ALEXANDERPOPE

ATEORIAQUÂNTICAentraemviolentoconflitocomnossaintuição.Nãoobstante,osfísicosaceitamprontamenteamecânicaquânticacomoabasesubjacentedetodaafísicae,portanto,detodaaciência.Paraentenderporquê,consideremosahistória.

Apostura arrojadadeGalileuno séculoXVIIcriou a ciência em todos ossentidosmodernosdotermo.E,emalgumasdécadas,adescobertadeNewtondeuma lei universal do movimento tornou-se o modelo para toda explicaçãoracional. A física de Newton levou a uma visão demundo que hojemolda aformadepensardecadaumdenós.Amecânicaquântica,aomesmotempoqueseassentasobreessaformadepensar,éumdesafioparaela.

Galileu insistia que as teorias científicas deviam ser aceitas ou rejeitadassomente com base em testes experimentais. Se a teoria se encaixa ou não naintuição de alguém deve ser irrelevante. Essa máxima desafiava a concepçãocientíficadaRenascença,quenaverdadeeradaGréciaantiga.Vamosexaminaro problemaqueGalileu enfrentou na Itália renascentista: a herança da ciênciagrega.

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Ciênciagrega:suascontribuiçõesesuafalhafatal

Devemos crédito aos filósofos da Grécia antiga por montar o palco para aciência ao ver a natureza como explicável. Quando os textos de AristótelesforamredescobertosnoséculoXIII,foramveneradoscomoasabedoriadeuma“IdadedeOuro”.

Aristótelesobservouque tudooqueaconteceéessencialmentemovimentode matéria – mesmo, digamos, o brotar de sementes para se transformar emcarvalhos. Assim, começou examinando omovimento de objetos simples, emquepodiainiciarcomumpequenonúmerodeprincípiosfundamentais.Essaédefato a maneira como fazemos física hoje. Buscamos princípios fundamentais.Porém,ométododeAristótelesparaescolherprincípiosfundamentaistornouoprogresso impossível. Ele assumia que tais princípios podiam ser percebidosintuitivamentecomoverdadesautoevidentes.

Eisalgunsdeles.Umobjetomaterialbuscavarepousoemrelaçãoaocentrocósmico,queera“claramente”aTerra.Umobjetocaíaporcausadeseudesejoporessecentrocósmico.Umobjetopesado,comdesejomaior,cairiaportanto,sem dúvida,mais depressa que um objeto leve. Nos céus perfeitos, por outrolado, os objetos celestes se moviam segundo a mais perfeita das figuras, ocírculo.Essescírculosestariamemesferassituadasnoprópriocentrocósmico,aTerra.

Aciênciagregatinhaumafalhafatal:nãopossuíamecanismoparaobrigaroconsenso. Os gregos viam os testes experimentais de conclusões científicascomoalgonãomaisrelevantequetestesexperimentaisdeposiçõespolíticasouestéticas.Opiniõesconflitantespodiamsermotivodediscussõesintermináveis.

OspensadoresdaIdadedeOurolançaramaempreitadacientífica,mas,semummétodopara estabelecer algumaconcordância, oprogresso era impossível.Embora em seu tempoAristóteles não tenha estabelecido consenso, no fimda

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IdadeMédia suasopiniões tornaram-seodogmaoficialda Igreja,basicamentepeloempenhodeTomásdeAquino.

Tomás de Aquino encaixou a cosmologia e a física de Aristóteles nasdoutrinasmoraiseespirituaisdaIgreja,criandoumasínteseobrigatória.ATerra,onde as coisas caíam, também era o reino do homemmoralmente “caído”. OCéu,ondeascoisassemoviamemcírculosperfeitos,eraoreinodeDeusedeSeus anjos. No ponto mais baixo do Universo, no centro da Terra, estava oInferno.Quando,nocomeçodaRenascença,foiusadoporDantenasuaDivinacomédia, esse esquema cosmológico se tornou uma visão que influenciariaprofundamenteopensamentoocidental.

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Astronomiamedievalerenascentista

Aposiçãodasestrelasnocéuprediziaamudançadasestações.Qualera,então,osignificado dos cinco objetos brilhantes que vagavam através do fundoestrelado? Uma conclusão “óbvia” era que o movimento desses planetas(“planeta” significa errante) predizia questões humanas erráticas e, portanto,exigiasériaatenção.Asraízesdaastronomiaestãonaastrologia.

No século II, Ptolomeu de Alexandria descreveu matematicamente osmovimentos celestes tão bem que calendários e navegação baseados em seumodelo funcionavam lindamente. As predições do astrólogo – pelo menosreferentesàsposiçõesdosplanetas–eramigualmenteacuradas.AastronomiadePtolomeu, com uma Terra estacionária como centro cósmico, requeria que osplanetas se movessem em “epiciclos”, complicadas laçadas compostas decírculosenroladosemcírculosdentrodecírculosadicionais.OreiAfonsoXdeCastela,quandolhefoiexplicadoosistemaptolomaico,teriacomentado:“SeoSenhorDeusOnipotentetivessemeconsultadoantesdeembarcarnaCriação,euteria recomendado algomais simples.”No entanto, a combinação da física deAristótelescomaastronomiadePtolomeueraaceitatantocomoverdadepráticaquantocomodoutrinareligiosa,efoiimpostaàforçapelaSantaInquisição.

ENTÃO,NOSÉCULOXVI,umanovapercepçãoquecolocavaemquestãotudoissosurgiu dentro da própria Igreja. O clérigo e astrônomo polonês NicolauCopérnicosentiuqueanaturezadeviasermaissimplesdoqueacosmologiadePtolomeu. Ele sugeriu que a Terra e cinco outros planetas orbitavam um Solcentral, estacionário.Osmovimentospara a frente epara trásdosplanetas emrelaçãoao fundoestreladoeram resultadodaobservaçãoque fazíamosdeles apartir de uma Terra também em órbita. Nosso planeta era simplesmente oterceiro,contandoapartirdoSol.Eraumquadromaissimples.

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Simplicidade dificilmente era um argumento convincente. A Terra“obviamente” estava parada.Ninguém sentia nenhummovimento.Uma pedracaindoficariaparatrásnumaTerraemmovimento.SeaTerrasemovesse,umavezquesepresumiaqueoarocupavatodooespaço,deveriaprovocarumventofortíssimo!E,maisainda,umaTerraemmovimentoconflitavacomasabedoriadaIdadedeOuro.Taisargumentoseramdifíceisderefutar.E,maisperturbador,considerava-se que o sistema copernicano contradizia a Bíblia, e duvidar daBíbliaameaçavaasalvação.

OtrabalhodeCopérnico,publicadopoucodepoisdesuamorte, incluíaumprefácio,provavelmenteadicionadoporumeditor,queanunciavasuadescriçãocomo apenas uma conveniência matemática – ela não correspondia amovimentos reais. Qualquer contradição com os ensinamentos da Igreja erarepudiada.

UmaanálisebrilhantefeitaalgumasdécadasmaistardeporJohannesKeplermostrou que novos e acurados dados sobre o movimento dos planetasencaixavam-se perfeitamente se se admitisse que os planetas se moviam emórbitaselípticas,comoSolemumdosfocos.Eletambémdescobriuumaregrasimples que dava o tempo exato que cada planeta levava para completar umaórbita,dependendodesuadistânciadoSol.Keplernãopodiaexplicarsuaregrae não gostava de elipses, “círculos imperfeitos”, mas, erguendo-se acima dopreconceito,aceitavaoquevia.

Keplerfezgrandeastronomia,masnãoeraaciênciaqueguiavasuavisãodemundo.Inicialmente,considerouqueosplanetaseramempurradosaolongodasórbitas por anjos e, como ocupação secundária, traçava horóscopos, nos quaisprovavelmenteacreditava.Etambémprecisoucederumtempodesuaatividadeastronômicaparadefenderamãedeacusaçõesdebruxaria.

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AsnovasideiasdeGalileusobreomovimento

Em 1591, com apenas 27 anos de idade, Galileu tornou-se professor daUniversidadedePádua,maslogoseafastouparaassumirumpostoemFlorença.Ocorpodocentedeumafaculdadeatualentenderiaomotivo:maistempoparapesquisaemenosdandoaulas.Seustalentosincluíammúsicaearte,tantoquantociência.Brilhante,espirituosoecharmoso,Galileutambémsabiaserarrogante,impertinente e mesquinho. Sua habilidade com as palavras era invejável. Elegostavademulheres,eelasgostavamdele.

Galileu era um copernicano convicto. Aquele modelo mais simples faziasentidoparaele.Mas,aocontráriodeCopérnico,Galileunãoalegavaqueessaerameramenteumanovatécnicaparacálculo,eleargumentavaemproldeumanovavisãodemundo.Umaabordagemhumildenãoeraseuestilo.

A Igreja tinha de impedir a inclinação de Galileu para um pensamentoindependente – o negócio da Igreja era salvar almas, não validade científica.Julgado culpado pela Santa Inquisição e levado a um breve passeio pelascâmarasdetortura,GalileurenegousuaheresiadeumaTerraquesemoviaemtorno do Sol. Durante seus últimos anos, viveu em prisão domiciliar – umapuniçãomenorqueadeoutrocopernicano,GiordanoBruno,quefoiqueimadonafogueira.

Apesar de ter renegado, Galileu sabia que a Terra se movia. Mais ainda,percebeu que a explicação deAristóteles domovimento não podia sobrevivernumaTerraquenãoestivesseparada.Atrito,enãodesejoderepousonocentrocósmico, fazia comqueumbloco escorregandoparasse.A resistênciado ar, enãoumdesejomenorpelocentrocósmico,faziacomqueumapenacaíssemaisdevagarqueumapedra.

ContradizendoasalegaçõesdeAristóteles,Galileuafirmou:“Naausênciadeatrito ou de outra força atuante, um objeto continuará a se mover

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horizontalmentenumarapidezconstante.”E:“Naausênciadaresistênciadoarobjetospesadoseobjetoslevescairãocomamesmarapidez.”

As ideias de Galileu eram óbvias – para ele. Como poderia convencer osoutros?RejeitarosensinamentosdeAristóteles sobreomovimentodamatérianão era pouca coisa. A filosofia de Aristóteles era uma visão de mundototalmenteabrangente,consagradapelaIgreja.Rejeiteumaparteepareceráquevocêestárejeitandotudo.

FIGURA3.1GalileuGalilei.©NationalMaritimeMuseum,Greenwich,Londres.

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Ométodoexperimental

Para levaràconcordânciacomsuas ideias,Galileuprecisavadeexemplosqueentrassem em conflito com a mecânica aristotélica – mas que estivessem emconformidadecomassuasprópriasconcepções.Olhandoaoredor,elepodiaverpouquíssimosdessescasos.Suasolução:criá-los!

Galileuinventousituaçõesespeciais:“experimentos”.Umexperimentotestauma predição teórica. Essa pode parecer hoje uma abordagem óbvia, masnaqueletempofoiumaideiaoriginaleprofunda.

Em seu experimentomais famoso,Galileu teria deixado cair uma bola dechumboeumabolademadeiradainclinadaTorredePisa.Osomsimultâneodamadeira e do chumbo tocando o chão provava que a madeira leve caía tãodepressaquantoochumbopesado.Taisdemonstraçõesdavamrazãosuficiente,argumentouele,paraabandonarateoriadeAristóteleseaceitarasua.

AlgunspuseramdefeitonométodoexperimentaldeGalileu.Emboraosfatosexpostosnãopudessemsernegados,asdemonstraçõesdeGalileueramsituaçõesinventadas, portanto insignificantes, porque conflitavam com a naturezaintuitivamenteóbviadamatéria.Alémdisso,as ideiasdeGalileudeviamestarerradas,afinal,entravamemconflitocomafilosofiadeAristóteles.

Galileutinhaumarespostadelongoalcance:aciênciadevelidarapenascomquestõesquepossamserdemonstradas. Intuiçãoeautoridadenãotêmlugarnaciência.Oúnicocritériodejuízoemciênciaéademonstraçãoexperimental.

Empoucasdécadas,aabordagemdeGalileuerafortementeaceita.Aciênciapassouaprogredircomumvigornuncavistoantes.

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Ciênciaconfiável

Estabeleçamos um acordo quanto a algumas regras de evidência para aceitaruma teoria como ciência confiável. Elas serão de grande proveito na hora deconsideraracontraintuitivateoriaquântica.

Mas antes uma observação sobre a palavra “teoria”. Falamos em teoriaquântica, mas em leis de Newton. “Teoria” é a palavra moderna. Nãoconseguimospensarnumaúnica“lei”emfísicanoséculoXXouXXI.Embora“teoria”seja,àsvezes,umtermousadoparaumaideiaespeculativa,nãoimplicanecessariamente incerteza. A teoria quântica é, até onde se saiba,completamentecorreta.AsleisdeNewtonsãoumaaproximação.

Paralevaraoconsenso,umateoriadeve,antesdetudo,fazerprevisõesquesejam testáveis, com resultados que possam ser expostos objetivamente. Eladeve se manter em equilíbrio em situações instáveis, desafiando possíveisrefutadores.

“Sevocêforbonzinho,iráparaoCéu.”Essaprevisãopodemuitobemestarcorreta, mas não é objetivamente testável. Religiões, posições políticas oufilosofias em geral não são teorias científicas.A teoria testável aristotélica daqueda–quepredizqueumapedradeumquilocairácomodobrodarapidezqueumapedrademeioquilo–éumateoriacientífica,emboraerrada.

Umateoriaquefazprevisõestestáveiséumacandidataaciênciaconfiável.Suas previsões devem ser testadas por experimentos que a desafiem, tentandorefutá-la.Eosexperimentosdevemserconvincentesmesmoparaoscéticos.Porexemplo, teorias que sugerem a existência de percepção extrassensorial (PES)fazemprevisões,mas,atéomomento,ostestesnãotêmsidoconvincentesparaoscéticos.

Para qualificar-se como ciência confiável, uma teoria deve ter muitas dassuas previsões confirmadas sem uma única contestação. Uma única previsão

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incorreta força amodificação ou o abandono da teoria.Ométodo científico érigoroso – um erro e você está fora!Na verdade, nenhuma teoria científica étotalmenteconfiável–sempreépossívelqueelavenhaafalharemalgumtestefuturo. Uma teoria científica é, na melhor das hipóteses, tentativamenteconfiável.

O método científico, estabelecendo padrões elevados de verificaçãoexperimental, é duro com as teorias.Mas também pode ser duro conosco. Seuma teoriaatendeaessespadrõeselevados, somosobrigadosaaceitá-lacomociênciaconfiável–nãoimportaquãoviolentamenteentreemconflitocomnossaintuição.Ateoriaquânticaseránossorelevantecasoemfoco.

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Avisãodemundonewtoniana

Isaac Newton nasceu em 1642, ano em que Galileu morreu. Com a largaaceitaçãodométodoexperimental,haviaumsentimentodeprogressocientífico,emboraafísicaerrôneadeAristótelesaindafosseensinada.ARealSociedadedeLondres,hojeumaimportanteorganizaçãocientífica,foifundadaem1660.Seulema,Nullisinverba,podesertraduzidolivrementecomo“Nãoaceiteapalavradeninguém”.Galileuteriaficadodeliciado.

Newton, um sujeito habilidoso, devia supostamente assumir a fazenda dafamília.Porém,mais interessadoem livrosqueemarados,conseguiu irparaaUniversidade de Cambridge, fazendo serviços subalternos para ajudar a pagarsua permanência. Não brilhou como estudante,mas a ciência o fascinava – a“filosofianatural”, comoera então chamada.Quando aGrandePeste forçou auniversidadeafechar,Newtonretornouàfazendaporumanoemeio.

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FIGURA3.2IsaacNewton(1642-1727),1702.FotodesirGodfreyKneller,cortesiaGettyImages.

O jovem Newton compreendeu o ensinamento de Galileu de que, numasuperfície horizontal perfeitamente lisa, um bloco, uma vez em movimento,deslizariaparasempre.Énecessáriaapenasumaforçaparasuperaroatrito.Comumaforçamaior,oblocoaumentariaavelocidade;aceleraria.

Galileu, porém, havia aceitado o conceito aristotélico de que a queda era“natural”enãonecessitavadeforça.Tambémtinhaconsideradoqueosplanetasse moviam “naturalmente” em círculos sem nenhuma força. Galileusimplesmente ignorou as elipses descobertas por seu contemporâneo, Kepler.Paraconcebersuasleisuniversaisdemovimentoegravidade,NewtontevedeiralémdaaceitaçãodeGalileuda“naturalidade”aristotélica.

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Newton conta que teve uma inspiração ao observar uma maçã cair.Provavelmente perguntou a si mesmo: como era necessária uma força para aaceleraçãohorizontal,porquenãoumaforçaparaaaceleraçãovertical?Eseháumaforçaparabaixosobreamaçã,porquenãosobreaLua?E,seassimfor,porqueaLuanãocaisobreaTerracomoamaçã?

FIGURA3.3DesenhodeNewtondeumcanhãosobreumamontanha.

No famoso desenho de Newton do canhão sobre a montanha, uma balalargadadocanhãovaidiretoparabaixo,enquantoasdisparadascomvelocidadescadavezmaioresaterrissamcadavezmaislonge.Seumabalafordisparadacomvelocidadesuficiente,nãoatingiráoplaneta.Noentanto,elacontinuaa“cair”.Continua a acelerar em direção ao centro daTerra enquanto também semove“horizontalmente”.Ela,portanto,orbitaaTerra.Quandoabaladáavoltainteira,émelhorocanhoneiroseabaixar!

ALuasónãocainaTerraporque,comoessabaladecanhãorápida,temumavelocidade perpendicular ao raio da Terra. Newton percebeu o que ninguémtinhanotadoantes:aLuaestácaindo.

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Aleiuniversaldomovimentoe,simultaneamente,aforçadagravidade

Galileupensavaqueomovimentouniformesemforçaseaplicavaapenasàqueleque fosse paralelo à superfície da Terra, num círculo em torno do centro daTerra.Newtoncorrigiu issoaodizerqueénecessáriaumaforçapara fazerumcorpodesviardeumavelocidadeconstanteemlinhareta.

Quantaforçaénecessária?Quantomaioramassadocorpo,maiordeveseraforça necessária para acelerá-lo.Newton especulou que a força necessária eraexatamente amassa do corpomultiplicada pela aceleração produzida, ouF=Ma.ÉaleiuniversaldomovimentodeNewton.

NaépocadeNewton,porém,pareciahaverumcontraexemplo.Caireraumaaceleraçãoparabaixo,masaparentementesemforçaaplicada.OjovemNewtontevedeconceberduasideiasprofundassimultaneamente:sualeidomovimentoeaforçadagravidade.

QUANDO A PESTE CEDEU, Newton retornou a Cambridge. Isaac Barrow, entãoprofessorlucasianodematemática,logoficoutãoimpressionadocomseualunoquerenunciouparapermitirqueNewtonassumisseessacadeira.Orapazquietotornou-seumsolteirãorecluso.(Ocelibatoeraentãoumaexigênciaparaocorpodocente de Cambridge.) Newton era reservado e temperamental, efrequentementeseirritavacomcríticasbem-intencionadas.EramelhorpassaranoiteconversandocomGalileu.

As ideias de Newton precisavam ser testadas. No entanto, a força dagravidadeentreobjetosqueelapodiamoversobreaTerraerapequenademaisparaquepudessesermedida.Entãoeleolhouparaocéu.Usandosuaequaçãodomovimento e sua lei da gravidade, deduziu uma fórmula simples. Semdúvidaum arrepio deve ter percorrido sua espinha quando a viu. Sua fórmula era

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precisamentearegrainexplicadaqueKepleranotaradécadasantesparaotempoexatoquecadaplanetalevavaparaorbitaroSol.

NewtonpôdetambémcalcularqueoperíodoorbitaldaLua,de27dias,erajustamenteoqueseesperariaseumobjetoemquedaadquirisseumavelocidadededezmetrosporsegundoacadasegundodequeda–exatamenteaaceleraçãoexperimentalmente demonstrada porGalileu.As equações domovimento e dagravidade de Newton governavam maçãs bem como a Lua – tanto na Terraquantonocéu.AsequaçõesdeNewtoneramuniversais.

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Principia

Newtonpercebeuaimportânciadesuasdescobertas,masacontrovérsiasobreoprimeiro artigoque escreveuo havia aborrecido seriamente.Agora, a ideia depublicarodeixavaaterrorizado.

Cerca de vinte anos depois de seus insights ainda na fazenda, Newtonrecebeu a visita do jovem astrônomo Edmund Halley. Sabendo que outrosestavam especulando sobre uma lei da gravidade que explicasse as órbitaselípticasdeKeplerparaosplanetas,HalleyperguntouaNewtonqueórbitassualei da gravidade prediria. Newton respondeu imediatamente: “Elipses.”Impressionadocomarápidaresposta,Halleypediuparaveroscálculos.Newtonnãoconseguiuacharsuasanotações.Umhistoriadorcomenta:“Enquantooutrosbuscavamumaleidagravidade,Newtonjáatinhaperdido.”

Depois que Halley o alertou de que outros poderiam passar-lhe à frente,Newton passou dezoito furiosos meses produzindo Philosophiae naturalisprincipiamathematica.AquiloqueagoraécitadomeramentecomoPrincipiafoipublicadoem1687comHalleypagandoaconta.OsreceiosdeNewtonquantoàs críticas se concretizaram; alguns chegaram a alegar que ele havia roubadoseustrabalhos.

Emboratenhasidoamplamentereconhecidocomoarevelaçãoprofundadasleisdanatureza,olivro,sendomatematicamenterigorosoeemlatim,foipoucolido. Porém, logo apareceramversões popularizadas.Newtonianism for Ladiesfoi um best-seller. Voltaire, auxiliado pela sua companheira de maior talentocientífico,madameduChâtelet,emseuÉlémentsde laphilosophiedeNewtonalegou“reduziressegiganteparaamedidadospalermasquesãomeuscolegas”.

A racionalidade revelada da natureza era revolucionária. Implicava, aomenos em princípio, que o mundo devia ser tão compreensível como omecanismo dos relógios. Isso seria depois espetacularmente demonstrado pela

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exata predição de Halley do retorno de um cometa. Até então, costumava-sepensarqueumcometapressagiavaamortedeumrei.

O Principia deflagrou um movimento intelectual conhecido comoIluminismo.Asociedadenãoolhariamaisparaa IdadedeOurodaGréciaembuscadesabedoria.AlexanderPopecaptouesseestadodeespírito:“Anaturezaesuasleisjaziamocultasnanoite:/Deusdisse:Faça-seNewton!Ealuzsefez.”

Quando precisou de umamatemática melhor, Newton inventou o cálculo.Seusestudosdaluztransformaramocampodaóptica.EleassumiuacadeiranoParlamento então reservada para Cambridge. Tornou-se diretor da Casa daMoeda, e levou o cargo a sério.Em seus últimos anos, sir Isaac – o primeirocientistaaserconsagradocavaleiro–talveztenhasidoapessoamaisrespeitadanomundoocidental.Paradoxalmente,Newtontambémeramístico,dedicando-seaalquimiasobrenaturaleinterpretaçãodeprofeciasbíblicas.

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OlegadodeNewton

Oimpactomaisimediatodavisãodemundonewtonianafoiquebrarasíntesedofísico com o espiritual do final da Idade Média. Enquanto Copérnico tinha,talveznãointencionalmente,dadoinícioàdestruiçãodessarelaçãopatrocinadapelaIgrejanegandoaTerracomocentrocósmico,Newtoncompletouoserviçomostrando que amesma lei física valia tanto para o domínio terrestre quantoparaocelestial.Sobessainspiração,geólogos,presumindoqueasmesmasleistambémseaplicavamaolongodotempo,mostraramqueaTerraerabemmaisvelhaqueos6milanosbíblicos.IssolevoudiretamenteàteoriadaevoluçãodeDarwin,aideiamaissocialmenteperturbadoradaciênciamoderna.

EmboraaspectosdolegadodeNewtondevampermanecerparasempre,suavisãodemundomecanicista–eoquehojechamamosde“físicaclássica”–équestionada pela física moderna. Mesmo assim, a herança newtoniana aindamoldaavisãodomundofísicodenossosensocomum,bemcomonossomododepensaremtodaesferaintelectual.

Vamos focalizar agora cinco posturas newtonianas de “senso comum”,porquelogomostraremoscomoamecânicaquânticadesafiacadaumadelas.

Determinismo

Bolasdebilharidealizadassãooadoradomodelodofísicoparaodeterminismo.Sevocêsabeaposiçãoeavelocidadedeumparprestesasechocar,comafísicadeNewtonpodepredizersuaposiçãoevelocidadeemqualquermomentofuturoque queira. Computadores podem calcular as posições futuras de um grandenúmerodebolascolidindo.

Omesmosepoderiadizer,emprincípio,deátomosqueseagitamdentrodeumacaixadegás.Levandoessaideiaaoextremo,paraum“olhoquetudovê”

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queconhecesseaposiçãoeavelocidadedecadaátomonoUniversonumdadomomento, todo o futuro do Universo seria visível. O futuro de tal Universonewtoniano é, em princípio,determinado – quer alguém conheça ou não essefuturo. O Universo determinista newtoniano é a Grande Máquina. Asengrenagensdeseumecanismo,comoasdeumrelógio,movem-senumcursopredeterminado.

Deus torna-se então o Mestre Relojoeiro, o Grande Engenheiro. Algunsforammais longe.Depois de fazer umamáquina completamente determinista,Deusficousemfunção–passouaserumengenheiroaposentado.Epassardaaposentadoriaparaainexistênciaeraumpassopequeno.

O determinismo torna-se pessoal: serão as nossas escolhas aparentementelivresnarealidadepredeterminadas?SegundoIsaacBashevisSinger,“éprecisoacreditar no livre-arbítrio.Você não tem escolha”.Temos umparadoxo: nossapercepção do livre-arbítrio entra em conflito com o determinismo da físicanewtoniana.

E quanto ao livre-arbítrioantes deNewton? Sem problemas. Na física deAristóteles,mesmoumapedra seguia sua inclinação individual ao rolarmorroabaixo do seu modo particular. É o determinismo da física newtoniana queapresentaoparadoxo.

Trata-se,porém,deumparadoxobenigno.Emboraafetemosomundofísicopormeiodenossolivre-arbítrioconsciente,osefeitosexternamenteobserváveisdo livre-arbítrio sobre o mundo físico manifestam-se indiretamente, por meiodosnossosmúsculos,quemovemascoisasfisicamente.Aconsciênciapodeservistacomoconfinadanonossocorpo.

Afísicaclássicapermiteassimoisolamentotácitodaconsciênciaedolivre-arbítrio a ela associado em relação aos domínios da preocupação do físico.Existeamenteeexisteamatéria.Afísicalidacomamatéria.Comesseuniversodividido,osfísicospré-quânticospodiamevitarlogicamenteoparadoxo.Podiamevitá-loporqueelesurgiuapenasmediantea teoriadeterminista,nãopormeiodequalquerdemonstraçãoexperimental.Logo, limitandooescopodateoriade

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modo a excluir o observador, os físicos puderam relegar o livre-arbítrio e orestante da consciência à psicologia, à filosofia e à teologia. E essa era suainclinação.

Odeterminismofoidesafiadonacriaçãodamecânicaquântica,quandoMaxPlanckfezelétronssecomportaremaleatoriamente.Umdesafioposterior,maisprofundo, foi a intrusãodoobservadornoexperimentoquântico.Aquestãodolivre-arbítrionãopoderiamaisser simplesmenteexcluídada física limitandooescopo da teoria. Ela surge na demonstração experimental. Com a mecânicaquântica,oparadoxodolivre-arbítrioconscientedeixadeserbenigno.

Realidadefísica

AntesdeNewton,asexplicaçõeserammísticas–eemgrandeparteinúteis.Seos planetas eram empurrados por anjos e as pedras caíam por causa do seudesejoinatopelocentrocósmico,sesementesbrotavambuscandoimitarplantasmaduras,quempoderianegara influênciadeoutras forçasocultas?Ouqueasfases da Lua, ou encantações, podiam ser relevantes?A gripe, cujo nome eminglês é “flu”, abreviação de “influenza”, tem esse nome porque eraoriginalmenteexplicadaemtermosdeinfluênciasobrenatural.

Emcontraste,navisãodemundonewtoniana,anaturezaeraumamáquinacujo funcionamento, embora não completamente entendido, não precisava sermaismisteriosoqueodorelógiocujasengrenagensnãosãovistas.Aaceitaçãode tal mundo fisicamente real tornou-se nosso saber convencional. Emborapossamosdizerqueocarro“nãoquerpegar”,esperamosqueomecânicoacheumaexplicaçãofísica.

Levantamosaquestãoda“realidade”porqueamecânicaquânticadesafiaavisão clássica que temos dela.Mas evitemosmal-entendidos semânticos.Nãoestamosfalandoderealidadesubjetiva,umarealidadequepodediferirdeumapessoaaoutra.Porexemplo,podemosdizer:“Vocêcriasuaprópriarealidade”,referindo-nos a uma realidade psicológica. Aqui, porém, estamos falando de

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realidadeobjetiva, uma realidade em relação àqual podemos todos concordar,comoadaposiçãodeumapedra.

Durantemilênios,os filósofos têmassumidoposturasamplamentevariadassobre a natureza da realidade. Uma postura filosófica convencional chamada“realismo” afirma que a existência do mundo físico é independente de suaobservação.Umaversãomaisdrásticanegaaexistênciadequalquercoisaalémdeobjetosfísicos.Nessaconcepção“materialista”,aconsciência,porexemplo,deveriaser totalmentecompreensível,pelomenosemprincípio,emtermosdaspropriedades eletroquímicas do cérebro. A aceitação tácita de tal visãomaterialista,emesmosuadefesaexplícita,nãoéincomumnosdiasdehoje.

Contrastando com a atitude realista newtoniana ou a materialista está aposiçãofilosóficado“idealismo”,aqualsustentaqueomundoquepercebemosnãoéomundoreal.Noentanto,omundorealpodesercaptadocomamente.

Umaposiçãoidealistaextremaéosolipsismo.Eissuaessência: tudooquevivenciosãoasminhasprópriassensações.Tudooquepossosaberdomeulápis,porexemplo,éasensaçãodesualuzrefletidanaminharetinaeapressãocontrameusdedos.Nãopossodemonstrarqueexistaalgode“real”emrelaçãoaesselápis, nem em relação a nada, alémdas sensações que vivencio. (Perceba queeste parágrafo está na primeira pessoa do singular. O resto de vocês são,solipsisticamentefalando,sósensaçõesnomeumundomental.)

“Seumaárvorecainaflorestaeninguémouve,háalgumruído?”Orealistaresponde: “Sim. Mesmo que as variações de pressão do ar queexperimentaríamoscomosomnão fossemouvidasporninguém,elasexistiramcomo fenômeno fisicamente real.” O solipsista diz: “Não. Nemmesmo haviauma árvore, a não ser que eu a vivenciasse. Mesmo então, só as minhassensações conscientes realmente existiam.” Quanto a isso, citamos o filósofoWoodyAllen:“Esetudoéumailusãoenadaexiste?Nessecaso,decididamentepagueidemaispelotapete.”

Veremosquea intrusãodoobservadorconscientenoexperimentoquânticoabala tão drasticamente nossa visão de mundo newtoniana que as questões

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filosóficas do realismo, do materialismo, do idealismo – mesmo do tolosolipsismo!–vêmàtonaparadiscussão.

Separabilidade

A ciência renascentista, com sua base aristotélica, estava repleta deconectividadesmisteriosas.Pedrastinhamavidezpelocentrocósmico.Sementesbuscavam imitar carvalhos próximos.Alquimistas acreditavamque sua purezapessoalinfluenciavaasreaçõesquímicasemseustubos.Emcontraste,navisãodemundonewtonianaumnacodematéria,umplanetaouumapessoainteragecomorestodomundoapenaspormeiodeforçasfisicamentereaisaplicadasporoutrosobjetos.Deoutramaneira,éseparáveldorestodoUniverso.Excetopelasforças físicas aplicadas, um objeto não tem “conectividade” com o resto doUniverso.

Forçasfísicaspodemsersutis.Porexemplo,quandoumsujeito,vendoumaamiga,ajustaseumovimentoparaencontrar-secomela,aforçadeinfluênciaétransmitidapelaluzrefletidaporelaeéexercidaemmoléculasderodopsinanaretina dele. Por outro lado, teríamos uma violação da separabilidade se umsacerdotedevodupudesseenfiarumaagulhanumabonecaepormeiodesseato,semumaforçafísicadeconexão,causardor.

Violando nossa intuição clássica, a mecânica quântica inclui influênciasinstantâneasqueviolamaseparabilidade.Einsteinasridicularizava,chamando-as de “ações fantasmagóricas”. No entanto, experimentos reais demonstramagoraqueelasdefatoexistem.

Redução

Muitasvezesimplícitanavisãodemundocomoalgoabrangenteestáahipótesereducionistadequeumsistemacomplexopode–aomenosemprincípio–serexplicado em termos de, ou “reduzido” a, suas partes mais simples. O

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funcionamentodeummotordeautomóvel,porexemplo,podeserexplicadoemtermosdapressãodagasolinaemcombustãoempurrandoospistões.

Explicarumfenômenopsicológicoemtermosdesuabasebiológicaseriaareduçãodeumaspectodapsicologiaàbiologia.(“Háemvocêmaismolhoquemorte”,dizScroogeaofantasmadeMarleyaaoreduzirseusonhoaumproblemadigestivo.)

Um químico poderia explicar uma reação química em termos depropriedades físicas dos átomos envolvidos, algo atualmente viável em casossimples.Issoseriareduzirumfenômenoquímicoàfísica.

Podemos pensar numa pirâmide reducionista, uma hierarquia que fosse dapsicologia à física, com a física firmemente baseada em fatos empíricos.Explicações científicas geralmente são reducionistas, movendo-se rumo aosprincípiosmaisbásicos.Emboraomovimentosejanessadireção,elegeralmentesó ocorre em passos pequenos. Sempre necessitaremos de princípios geraisespecíficosemcadanível.

O exemplo clássico de uma violação do reducionismo é a “força vital”propostacertavezparaexplicarprocessosdavida.Avida,deacordocomessaconcepção,surgiunonívelbiológico,semumaorigemnaquímicaounafísica.Esse pensar vitalista não leva a lugar nenhum e, é claro, não tem lugar nabiologiadehoje.

FIGURA3.4Hierarquiadaexplicaçãocientífica.

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Em estudos da consciência, atualmente a redução deflagra controvérsias.Alguns argumentamque, umavezqueos correlatos neurais eletroquímicosdaconsciência sejam compreendidos, nada restará para ser explicado. Outrosinsistemquea“luzinterior”danossaexperiênciaconscienteescaparádasgarrasreducionistas, que a consciência é primária e que novos “princípiospsicológicos” serão necessários. A mecânica quântica é reivindicada comoevidência,apoiandoessaconcepçãonãoreducionista.

Umaexplicaçãosuficiente

Newtonfoidesafiadoaexplicarsuaforçadagravidade.Umaforçatransmitidaatravés do espaço vazio, através donada, era uma pílula amarga demais paraengolir.

Newtontinhaumarespostasucinta:“Hypothesesnonfingo” (“Eunãofaçohipóteses”).Assim, ele alegava que uma teoria não precisava fazer nadamaisque prover previsões consistentemente corretas. A atitude de hypotheses nonfingo volta a surgir com a mecânica quântica. Porém, a negação de umarealidade física direta pela teoria quântica é uma pílula aindamais amarga deengolirdoqueumaforçatransmitidaatravésdonada.

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Alémdafísicaporanalogia

NasdécadasqueseseguiramaNewton,osengenheirosaprenderamaconstruirasmáquinasque lançaramaRevoluçãoIndustrial.Osquímicosforamalémdamística da alquimia, que durante séculos não havia conseguido praticamentenada.A agricultura tornou-se científica, conforme o entendimento substituiu ofolclore. Embora as primeiras pessoas que trabalharam com tecnologia quasenão usassem física, os avanços rápidos que fizeram exigiram a perspectivanewtonianasegundoaqualleisdiscerníveisgovernamomundofísico.

AfísicadeNewtontornou-seumparadigmaparatodososempreendimentosintelectuais.Analogias coma física eramgrandes e arrojadas.AugustoComteinventouotermo“sociologia”ereferia-seaelacomo“físicasocial”,naqualaspessoas eram“átomos sociais”motivadospor forças.Umestudoda sociedadejamaisforaantesencaradocomocientífico.

Forçandoaanalogiacomafísicanewtoniana,AdamSmithargumentavaemfavor do capitalismo do laissez-faire, alegando que, se as pessoas tivessempermissão de perseguir seus próprios interesses, uma “mão invisível”, uma leifundamentaldeeconomiapolítica,regulariaasociedadeparaobemgeral.

Analogiassãoflexíveis.KarlMarxsentiuqueele,enãoAdamSmith,haviadescoberto a lei correta. Marx alegava ter “desnudado a lei do movimentoeconômico”.Comessaleieleprediziaofuturocomunista.Poranalogiacomosistemamecânico,somenteprecisavasaberacondiçãoinicial,que,pensavaele,eraocapitalismodoseu tempo.Assim,aprincipalobradeMarx,Ocapital,éumestudodocapitalismo.

Analogias também surgiram na psicologia. Sigmund Freud escreveu: “Éintençãodesteprojeto aparelhar-nos comumapsicologiaque sejaumaciêncianatural. Seu objetivo é representar processos psíquicos como estadosquantitativamente determinados de partículas materiais específicas …”

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Suficientemente newtoniano?Como exemplo posterior, considere a declaraçãode B.F. Skinner: “A hipótese de que o homem não é livre é essencial para aaplicaçãodométodocientíficoaoestudodocomportamentohumano.”Elenegaexplicitamente o livre-arbítrio, adotando polemicamente o materialismo e odeterminismonewtoniano.

O apelo de tais abordagens nas ciências sociais tem esfriado. Gente quetrabalha em áreas tão complexas está mais ciente hoje das limitações de ummétodoquefuncionabemparasituaçõesfísicasmaissimples.Masaperspectivanewtonianamaisampla,abuscadeprincípiosgeraisquesejamentãosujeitosatestesempíricos,éomodoaceito.

Aperspectivanewtonianaénossaherançaintelectual.Dificilmentepodemosescapar disso. É a base para o senso comumdo dia a dia.Atémesmo para osensocomumcientífico.Serexplícitosquantoaissopodenosajudaraapreciarodesafioqueamecânicaquânticaapresentaaessavisãodemundoclássica.

aPersonagensdeCharlesDickens.(N.T.)

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4.Todoorestodafísicaclássica

Nãohánadadenovoaserdescobertonafísicaagora.Tudooquerestasãomediçõesmaisemaisprecisas.

LORDEKELVIN(em1894)

EM1900,seisanosdepoisdeterfeitoessadeclaração,Kelvindetalhou:“Afísicaestáessencialmentecompleta:háapenasduasnuvensescurasnohorizonte.”Eleescolheu as nuvens certas: uma ocultava a relatividade; a outra, a mecânicaquântica.Mas,antesdeolharmosatrásdessasnuvens,vamoscontarumpoucomais sobre a física do século XIX, que hoje chamamos de “clássica”.Descreveremoso fenômenoda “interferência”, quedemonstra que algo é umaondaespalhada.Desenvolveremosoconceitodecampoelétrico,poisaluzéumcampo elétrico que varia com rapidez e foi com a luz que o enigma quânticosurgiupelaprimeiravez.Falaremostambémdeenergiaesua“conservação”,suatotalidadeinvariável.E,porfim,contaremosbrevementeateoriadarelatividadedeEinstein.Suasprevisões,bemconfirmadasmasdifíceisdeacreditar,sãoumbom exercício psicológico para as implicações “impossíveis de acreditar” dateoriaquântica.Estecapítuloéumaboabasesobreoquevocêrealmenteprecisasaberparacompreenderoenigmaquântico.Masháneleumpoucomais.

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Ahistóriadaluz

Newtonconcluiuquealuzeraumfluxodeminúsculaspartículas.Eletinhabonsargumentos:talqualobjetosobedecendoasuaequaçãouniversaldomovimento,a luzviajaemlinha retaamenosqueencontrealgoquepossaexerceralgumaforça sobre ela. Nas palavras de Newton: “Não são os Raios de Luz Corposmuito pequenos emitidos deSubstâncias brilhantes?Pois taisCorpos passarãoatravésdeMeiosuniformesemLinhasretassemsecurvarparaaSombra,queéaNaturezadosRaiosdeLuz.”

Naverdade,Newtonestavaemconflito.Eleinvestigouapropriedadedaluzque agora conhecemos como “interferência”, um fenômeno especialmentecaracterísticodeondasespalhadas.Noentanto,acabouoptandoveementementeem favor de partículas. As ondas pareciam requerer um meio no qual sepropagar,eessemeioimpediriaomovimentodosplanetas,algoquesuaequaçãouniversaldomovimentopareciacontrariar.Nassuaspalavras:

EcontrapreencherosCéuscomMeiosfluidos,amenosquesejamexcepcionalmenterarefeitos,umagrandeObjeçãosurgedosMovimentosregularesemuitoduradourosdosPlanetaseCometasemtodotipo de Percursos através dos Céus… [O]s Movimentos dos Planetas e Cometas sendo mais bemexplicadossemeles…[E]ntãonãoháevidênciaparasuaExistência,eportantodevemserrejeitados.E,seforemrejeitados,asHipótesesdequeaLuzconsisteemPressãoouMovimento,propagadoatravésdetalMeio,sãorejeitadascomeles.

Outros cientistas propuseram teorias ondulatórias da luz,mas a gigantescaautoridadedeNewton significavaque sua“teoria corpuscular”,dequea luzéuma saraivada de pequenos corpos, dominaria por mais de cem anos. OsnewtonianosnarealidadeestavammaissegurosdoscorpúsculosdeNewtonqueo próprioNewton – até cerca de 1800, quando ThomasYoungmostrou outracoisa.

Young foi um garoto precoce que, segundo se conta, lia fluentemente aosdois anosde idade.Estudoumedicina, ganhava avida comomédico e eraum

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excepcionaltradutordehieróglifos.Masseuprincipalinteresseeraafísica.Nocomeçodo séculoXIX,Young forneceuademonstraçãoconvincentedequealuzeraumaonda.

Numaplacadevidrotornadaopacacomfuligem,Youngriscouduaslinhasparalelas muito próximas uma da outra. A luz irradiando através dessas duasfendas sobre uma parede produziu faixas claras e escuras que chamamos de“padrãodeinterferência”.Veremosqueessepadrãodemonstraquealuzéumaondaespalhada.

Podemosvisualizaruma“onda”comoumasequênciadepicos,oucristas,evalesemmovimento.Taiscristasevalespodemservistos,porexemplo,atravésdoladoplanodeumaquáriocomoasondulaçõesnasuperfíciedaágua.Outraforma de descrever ondas é a visão do alto, em que desenhamos linhas paraindicar as cristas. Ondas no oceano vistas de um avião têm essa aparência.Vamosmostrarasondasdeambasasmaneiras,comonafigura4.1.

FIGURA4.1Imagensdeondas.

ONDASPROVENIENTES deuma fontepequena, comoumapedra jogadanaágua,porexemplo,espalham-seemtodasasdireções.Domesmomodo,aluzquevemdeumobjeto luminosopequenosepropagaemtodasasdireções.Pelomesmomotivo, a luz proveniente de uma fonte pequena, digamos, passando por uma

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fendaestreita,seespalharáemtodasasdireçõese,incidindosobreumatela,iráiluminá-la de forma bastante uniforme. (O último diagrama mostra a fendalateralmente.)

Seriadeesperarquealuzpassandoatravésdeduasfendasmuitopróximasiluminasseatelacomodobrodaclaridade.Essadefatoseriaaexpectativacasoa luz fosse feita de um fluxo de pequenas partículas. Mas, quando ThomasYoung projetou a luz através das duas fendas, viu faixas mais claras e maisescuras. E, importantíssimo, a distância entre as faixas claras e escurasdependia do espaçamento das fendas. Um fluxo de partículas independentes,passandoporcadaumadasfendas,nãopodiaexplicaressecomportamento.

A interferência é central para a teoriaquântica eo enigmaquântico, e nospróximos parágrafos iremos explicá-la emmaiores detalhes. A interferência éaceita em física como a demonstração conclusiva do comportamento de umaonda espalhada. Se você está disposto a aceitar isso e simplesmente pular ospróximos parágrafos – ou até saltar até a próxima seção, “A forçaeletromagnética”–,aindaassimpoderáapreciaroenigmaquântico.

EIS COMOA INTERFERÊNCIA ocorre: no ponto central da tela (pontoA na figura4.2), as ondas de luz provenientes da fenda superior percorrem exatamente amesmadistânciaqueasondasdeluzvindasdafendainferior.Portanto,ascristasdeumafendachegamjuntocomascristasdaoutra.EosvalesdasduasfendaschegamaomesmotempoemA.Ondas idênticasprovenientesdasduasfendaschegando em A somam-se para produzir mais claridade do que existiria sehouvesseapenasumafendaaberta.

FIGURA4.2Interferêncianoexperimentodaduplafenda.

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Mas,parachegaraumpontoacimadaposiçãocentralda tela (digamos,oponto B na figura 4.2), as ondas da fenda inferior precisam percorrer umadistância um poucomaior que as da fenda superior. Portanto, no ponto B, ascristas da fenda inferior chegam depois das cristas da fenda superior. Emparticular,nopontoBascristasdafendainferiorchegamaomesmotempoqueos vales da fenda superior. Essas cristas e vales chegando juntos anulam-semutuamente.NopontoBasondasdasduasfendassesubtraem,produzindoumaregiãoescura.Aluzcombinadacomoutraluzpodeproduzirescuridão.

Numponto aindamais distante tela acima (pontoC na figura4.2), haveráoutra faixa clara, porque nesse local, mais uma vez, as cristas de uma fendachegamjuntocomascristasdaoutra.Continuandoasubirpelatela,faixasclarase escuras irão alternar-se, na medida em que as ondas das duas fendasalternadamente se reforçam e se anulam, de modo a formar o padrão deinterferência.“Interferência”énaverdadeumnomeinadequado.Asondasdasduas fendas não interferem umas com as outras, simplesmente se somame sesubtraem,comodepósitoseretiradasdeumacontabancária.

Estamosassumindoqueasondasvindasdasfendas tenhamtodasamesmafrequência,amesmadistânciaentrecristas,omesmocomprimentodeonda.Ouseja, assumimos que a luz é toda de uma única cor. Não fosse assim, coresdiferentes teriam faixas claras em locais diferentes, resultando numpadrão deinterferênciaborrado.

Sevocêpensarnageometria,poderáverque,quantomaioroespaçamentoentreas fendas,menor seráoespaçamentoentre as faixasclarasdopadrãodeinterferência.Aquiosdetalhesnãosãoessenciais.Oimportantealembraréqueo espaçamento do padrão depende do espaçamento das fendas. Youngargumentou que, se a quantidade de luz em cada ponto da tela dependesse doespaçamento entre as fendas, cada ponto da tela receberia luz de ambas asfendas.

Sealuzfosseumfluxodepartículas,édesesuporquenãohaveriapadrãodeinterferência.Pequenasbalasindependentesentresi,cadaumapassandopor

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umafendaouporoutra,nãopoderiamanular-semutuamenteparaproduzirumpadrãoquedependedaseparaçãoentreasfendas.

Será que o argumento de Young é infalível? Provavelmente não. QuandoYoungoapresentou,foifervorosamentediscutido.OscolegasinglesesdeYoungeram fortes adeptos da escola de pensamento newtoniana, que favorecia aspartículas. Como as ideias ondulatórias eram favorecidas pelos cientistasfranceses,eramrejeitadaspelosinglesesemparteporessaexclusivarazão.Masnãodemoroumuitoparaexperimentosadicionaissuperaremasobjeçõesealuzseraceitacomoonda.

Descrevemos a interferência em termos de ondas de luz. Mas nossadiscussãoseaplicaaondasdetodosostipos.Opontocentralé:ainterferênciademonstraqueumaentidadeéumaondaespalhada.Ainterferêncianãopodeserexplicadaporumfluxodeobjetoscompactosindependentes.

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Aforçaeletromagnética

Um pedaço de seda esfregado sobre um vidro é atraído para o vidro, masrepelido por outro pedaço de seda esfregado sobre esse vidro. Tal “cargaelétrica”, constatadaquandodiferentesmateriais sãoesfregadosentre si, jáeraconhecidahaviamuitotempo.Opassocrucialparacompreendê-lafoiumaideiabrilhante deBenjamin Franklin. Ele notou que, quando dois corpos quaisquereletricamente carregadosque se atraem entram em contato, a atração diminui.Compreendeuentãoqueoscorposqueseatraemmutuamentecancelamacargaumdooutro.

O cancelamento é uma propriedade dos números positivos e negativos.Franklin atribuiu, assim, sinais algébricos, positivo (+) e negativo (–), paraobjetoscarregados.Corposcomcargasdesinaisopostosseatraem.Corposcomcargasdemesmosinalserepelem.

(O trabalhodeFranklin sobreeletricidadeéemboaparte responsávelpelaexistênciadosEstadosUnidos.ComoembaixadornaFrança,nãoforamsomentesuaespirituosidade,charmeeargúciapolítica,massuaestaturacomocientista,oque lhe permitiu recrutar a ajuda francesa tão crucial para o sucesso daRevoluçãoAmericana.)

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FIGURA4.3Cargaspositivasenegativas.

Sabemos agora que os átomos têm um núcleo carregado positivamentecomposto de prótons de carga positiva (e nêutrons sem carga elétrica). Oselétrons,quepossuemcarganegativadeigualmagnitudeàdopróton,cercamonúcleo.O número de elétrons de um átomo é igual ao número de prótons, demodoqueoátomocomoum todonão temcargaelétrica.Quandodoiscorpossãofriccionadosentresi,sãooselétronsquepassamdeumparaooutro.

Umbastãodevidrofriccionadocomumpanodeseda,porexemplo,adquirecargapositivaporqueoselétronsdovidroestãopresoscommenosforçaqueosda seda. Portanto, alguns elétrons passamdo vidro para a seda.A seda, tendoagoramais elétrons que prótons, adquire carga negativa e é atraída pelo vidrocarregadopositivamente.Doispedaçosdesedacomcarganegativahaveriamderepelir-semutuamente.

Umafórmulasimples,aleideCoulomb,nosinformaaintensidadedaforçaelétrica que um corpo carregado (ou “carga”) exerce sobre outro. Com elacalculam-seasforçasdequalquerarranjodecargas.Essaeraahistóriainteiradaforça elétrica – nada mais havia a ser dito, ou assim pensava a maioria dosfísicosnocomeçodoséculoXIX.

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FIGURA4.4MichaelFaraday.CortesiaStocktonPress.

MICHAELFARADAY,porém,achavaaforçaelétricaintrigante.Vamoscontarumpoucomaisdehistória.Em1805,aoscatorzeanos,Faraday,filhodeumferreiro,eraaprendizdeumencadernadordelivros.Rapazcurioso,eleerafascinadoporalgumas palestras de ciência popular dadas por sir Humphrey Davy. Fezanotações cuidadosas, encadernou-as formando um livro, apresentou-as a sirHumphrey e pediu um emprego em seu laboratório. Embora contratado comoassistente subalterno, Faraday logo obteve permissão para tentar algunsexperimentospróprios.

Como, perguntava-se Faraday, um corpo pode exercer força sobre outroatravés do espaço vazio?O fato de amatemática da lei deCoulomb predizercorretamenteoqueerapossívelobservarnãoosatisfazia.(Nadade“Hypothesis

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nonfingo”paraele.)Assim,postulouqueumacargacriaum“campo”elétricono espaço ao seu redor, e é esse campo físico que exerce forças sobre outrascargas.Faradayrepresentouseucampoporlinhascontínuasquesaíamdacargapositiva e chegavam à carga negativa. Na região onde as linhas eram maisdensas,aforçaexercidapelocampoeramaior.

A maioria dos cientistas, alegando que a lei de Coulomb já dizia tudo,considerouoconceitodecamposupérfluo.AignorânciamatemáticadeFaraday,observaram, exigia que ele pensasse em imagens; o pensamento abstrato semdúvidaeradifícilparaessejovemdas“classesinferiores”.Oconceitodecampofoiridicularizadocomo“muletamentaldeFaraday”.

FIGURA4.5Campoelétricoemvoltadeduascargas.

Naverdade,Faradayfoialém,eassumiuqueocampodevidoaumacargaleva tempo para se propagar. Se, por exemplo, uma carga positiva e umanegativapróximade igualvalor fossemjuntadasparaseanularmutuamente,ocampo desapareceria na sua vizinhança imediata. Mas parecia improvável aFaradayqueocampodesaparecesseimediatamenteemtodaparte.

Ocamporemotoexistiria,pensouele,poralgumtempomesmodepoisqueas cargas que o criaram tivessem se cancelado mutuamente e não maisexistissem.Seissofosseverdade,ocamposeriaumacoisafisicamenterealporsisó.

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Além disso, raciocinou Faraday, se duas cargas iguais e opostas fossemjuntadaseseparadasrepetidamente,umcampoelétricoalternadosepropagariaapartir do par oscilante. Mesmo se parassem de oscilar e simplesmente seanulassem,ocampooscilantecontinuariasepropagandoparalonge.

FIGURA4.6Umcampoelétricooscilante.

A intuição de Faraday era acertada. Alguns anos depois James ClerkMaxwell, pegando a ideia de campo de Faraday, concebeu um conjunto dequatro equações envolvendo campos que abrangiam todos os fenômenoselétricos e magnéticos. Nós as chamamos de “equações de Maxwell”. Elaspreviam a existência de ondas de campo elétrico e magnético – “ondaseletromagnéticas”.Maxwellnotouqueavelocidadedetaisondaseraexatamentea velocidade medida para a luz. Portanto, propôs que a luz era uma ondaeletromagnética.Issofoilogodemonstrado,infelizmenteapóssuamorte.

ConformeFaradayprevira,omovimentoparaafrenteeparatrásdecargasiguais e opostas, na verdade qualquer aceleração de carga elétrica, produzradiaçãoeletromagnética.Afrequênciadomovimentodascargas(asrepetiçõesporsegundo)éafrequênciadaondaproduzida.Movimentodefrequênciamaisalta produz luz violeta e ultravioleta; frequências mais baixas produzemvermelho e infravermelho. Frequências ainda mais altas produzem raios X,frequênciasmuitomaisbaixasproduzemondasderádio.

HOJE AS TEORIAS FUNDAMENTAIS da física são todas formuladas em termos decampos.A“muletamental”deFaradayéumpilar sobreoqual repousaagoratodaafísica.

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Aforçaelétrica–umdosdoisaspectosdaforçaeletromagnética–éaúnicasobreaqualprecisamosfalarnestelivro.Juntocomagravidade,éaúnicaforçaque normalmente experimentamos. (Embora todos os corpos exerçam forçasgravitacionais uns sobre os outros, a gravidade só é significativa quando pelomenosumdelestemmassamuitogrande,talcomoumplaneta.)Asforçasentreátomossãoelétricas.

Quandotocamosalguém,apressãodonossotoqueéumaforçaelétrica.Oselétrons nos átomos da nossa mão repelem os elétrons nos átomos da outrapessoa.Pegueotelefoneeligueparaalguém,eéaforçaelétricaquetransmiteamensagempelosfios,emfibrasópticas,epeloespaço.Osátomosquecompõemmatéria sólida são mantidos coesos por forças elétricas. Forças elétricas sãoresponsáveisportodaaquímicaeportantosãoabasedetodaabiologia.Vemos,ouvimos,cheiramos, saboreamose tocamoscomforçaselétricas.Osprocessosneurológicos em nosso cérebro são eletroquímicos, portanto, em últimainstância,elétricos.

Seráquenossopensamento,nossaconsciência,podeseremúltimainstânciaexplicado totalmente em termos da eletroquímica que tem lugar em nossocérebro? Será que nossa sensação de estar consciente é “meramente” umamanifestaçãodeforçaselétricas?Algunsacreditamquesim.Outrosalegamquehá na consciência algo a mais que eletroquímica. Esse é um assunto queexploramosadiante,eamecânicaquânticaérelevante.

Háforçasnanaturezaalémdagravidadeedaforçaeletromagnética.Mas,aoque parece, apenas outras duas: as chamadas “força forte” e “força fraca”.Ambas envolvem interações das partículas que formam o núcleo atômico (eobjetos criados por um instante em colisões de partículas com altas energias).Elas essencialmentenão exercemefeito alémdadimensãodonúcleo atômico.Nãoserãoimportantesnestelivro.

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Energia

Energiaéumconceitoquepermeiaafísica,aquímica,abiologiaeageologia,bemcomo a tecnologia e a economia.Guerras têm sido travadas em torno daenergiaquímicaarmazenadanosolo.Oaspectocrucialéque,emborasuaformapossamudar,aquantidadetotaldeenergiapermanececonstante.Issoéchamadode“conservaçãodaenergia”.Masoqueéenergia?Vamosdefini-laapontandováriasdesuasdiferentesformas.

Antes de tudo, há a energia do movimento. Quanto maior a massa e avelocidade de um objeto emmovimento, maior é a sua “energia cinética”. Aenergiadevidaaomovimentodeobjetoséaenergiacinética.

Quantomaiscaiumapedra,maisdepressaelasemoveemaiorasuaenergiacinética. Uma pedra sustentada a certa altura tem potencial para ganhar certavelocidade,certaenergiacinética.Elatem“energiapotencial”gravitacional,queémaiorparaumamassamaiorouumaalturamaiselevada.Asomadaenergiacinética e da energia potencial da pedra é sua energia total, que permanececonstante à medida que a pedra cai. Esse é um exemplo de conservação deenergia.

Éclaroque,depoisqueapedraatingeochão,elatemenergiacinéticazeroeenergiapotencialzero.Quandoelafazcontatocomosolo,aenergiadapedraemsinãoéconservada.Masaenergiatotaléconservada.Noimpacto,aenergiadapedra é passada para omovimento aleatório interno dos átomos do solo e daprópria pedra. Esses átomos agora oscilam com uma agitação maior. Omovimento aleatório desses átomos é a descrição microscópica da energiatérmica(calor).Nopontoatingidopelapedra,ochãoficamaisquente.Aenergiatransmitida aos átomos oscilantes é exatamente igual à energia perdida pelapedranoimpacto.

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Embora a energia total seja conservada quando a pedra para, a energiadisponível parauso diminui.A energia cinética de pedras em queda, ou águacaindo,pode,porexemplo,serusadaparagirarumaroda.Mas,quandoaenergiapassaparaomovimentoaleatóriodosátomos,ficaindisponívelparanós,exceto,possivelmente, como energia térmica. Em qualquer processo físico, algumaenergiasetornaindisponível.Quandoporrazõesambientaissomosintimadosa“poupar”energia,estamossendosolicitadosausarmenosenergiadisponível.

Existe apenas um tipo de energia cinética,mas hámuitos tipos de energiapotencial.Aenergiadaquelapedrasustentadaacertaalturaéenergiapotencialgravitacional. Uma mola comprimida ou um elástico esticado têm energiapotencialelástica.Aenergiaelásticadamolapode,porexemplo,serconvertidaemenergiacinéticaseamolalançarumapedraparacima.

Quando objetos de carga elétrica positiva e negativa sãomantidos a certadistânciaumdooutro,elestêmenergiapotencialelétrica.Seforemsoltos,voamumemdireçãoaooutrocomvelocidadeeenergiacinéticacrescentes.Planetasgirando ao redor do Sol ou elétrons orbitando um núcleo atômico têm tantoenergiacinéticaquantopotencial.

Aenergiaquímicadeumfrascocommoléculasdehidrogênioeoxigênioémaiorqueaenergiaqueessasmoléculas teriamseestivessemunidasnaformadeáguaàmesmatemperatura.Seumafaíscaatingisseessamisturahidrogênio-oxigênio, a energia maior apareceria como energia cinética das moléculas deágua resultantes. O vapor de água seria portanto quente. A energia químicaarmazenadanamisturahidrogênio-oxigêniosetransformariaemenergiatérmica.

A energia nuclear é análoga à energia química, com a exceção de que asforçasenvolvidasnosprótonsenêutronsque formamonúcleo incluemforçasnucleares além das elétricas.Um núcleo de urânio tem uma energia potencialmaiorqueosprodutosdafissãoemqueelesedecompõe.Talenergiapotencialmaior se transforma na energia cinética dos produtos da fissão. Essa energiacinéticaéenergiatérmicaepodeserusadaparafazervaporcomafinalidadedegirar turbinas que movem geradores para produzir energia elétrica. A energiapotencialdourâniopodetambémserliberadarapidamentecomoumabomba.

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Quandoluzéemitidadeumcorpoquenteincandescente,aenergiavaiparaocampoderadiaçãoeletromagnética,eocorpoincandescenteesfria,amenosquelhesejafornecidaenergiaadicional.Quandoumúnicoátomoemiteluz,elevaiparaumestadodeenergiamaisbaixa.

Quantas formas de energia existem? Isso depende de como se conta. Aenergiaquímica,porexemplo,éemúltimaanáliseenergiaelétrica,emboracomfrequência seja conveniente classificá-la em separado. Pode haver formas deenergia que ainda não conhecemos. Alguns anos atrás descobriu-se que aexpansão do Universo não está ficando mais lenta, como geralmente seacreditava–estáacelerando.Aenergiaquecausaessaaceleraçãotemumnome,“energiaescura”,masaindaháemtornodelamaismistérioquecompreensão.

E quanto à “energia psíquica”?A física não pode reivindicar a patente dapalavra “energia”. Ela foi usada muito antes de ser introduzida na física nocomeço do séculoXIX. Se a “energia psíquica” pudesse ser convertida numaenergiatratadapelafísica,seriaumaformadaenergiadaqualestamosfalando.Nãoexiste,éclaro,nenhumaevidênciadeaceitaçãogeralparaisso.

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Relatividade

Aliceriu.“Nãoadiantatentar”,disseela.“Nãosepodeacreditaremcoisasimpossíveis.”

“Ousodizerquevocênãotemmuitaprática”,disseaRainha.“Quandoeutinhaasuaidade,semprefaziaissodurantemeiahorapordia.Porqueàsvezes cheguei a acreditar em seis coisas impossíveis antes do café damanhã.”

LEWISCARROLL,AtravésdoEspelhoeoqueAliceencontrouporlá

QUANDO A LUZ se tornou aceita como onda, assumiu-se que algo devia estarondulando. Campos elétricos e magnéticos seriam portanto distorções nessemeioondulatório.Umavezqueoscorposmateriaissemoviamatravésdelesemresistência, eraummeioetéreoe foi chamadode“éter”.Como recebemos luzdas estrelas, o éter presumivelmente permeava o Universo. Omovimento emrelaçãoaesseéterdefiniriaumavelocidadeabsoluta,algosemsignificadosemuméterqueestabelecesseum“pontodeamarração”noUniverso.

Na década de 1890, AlbertMichelson e EdwardMorley se propuseram adeterminar a velocidade do nosso planeta através do éter universal.Umbarcoquesemovenomesmosentidodasondasasvêpassarmaislentamentedoquequando se move no sentido oposto a elas. Pela diferença entre as duasvelocidadesdasondas,pode-sedeterminaravelocidadedomovimentodobarconaágua.EssefoiessencialmenteoexperimentoqueMichelsoneMorleyfizeramcomasondasdeluz.

Parasuasurpresa,aTerraparecianãosemoveremabsoluto.Pelomenos,avelocidade da luz quemediram era amesma em todas as direções. Tentativasengenhosas de desvendar esse resultado usando a teoria eletromagnéticafracassaram.

Albert Einstein adotou outra postura e cortou o nó górdio da questão.Arrojadamentepostulou o fato observado: que a velocidadeda luz é amesma

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não importando a velocidade com que o observador semova. Ele considerouesse estranho resultadoumanovapropriedadedanatureza.Dois observadores,emboramovendo-secomvelocidadesdiferentes,mediriamamesmavelocidadeparaummesmofeixedeluzpassandoporeles.Avelocidadedaluz(novácuo)éportantoumaconstanteuniversal,chamada“c”.

Com a velocidade do feixe de luz sendo a mesma para todos osobservadores,nãoexistevelocidadeabsolutaasermedida.Qualquerobservador,qualquer que seja sua velocidade constante, podia se considerar em repouso.Então não existe velocidade absoluta; apenas velocidades relativas têmsignificado. Por essa razão, chamamos a teoria de Einstein de “teoria darelatividade”.

Usandoapenasálgebrasimples,Einsteindeduziuoutrasprevisõestestáveisapartirde seupostulado.Aprevisãomais importanteparanósneste livroéquenenhum objeto, nenhum sinal, nenhuma informação, pode viajar a umavelocidademaior que ada luz.Outraprevisão éque amassa é uma formadeenergia que pode ser convertida em outras formas de energia. Isso pode serresumido comoE=mc2.Ambas as previsões foramconfirmadas, às vezes deformaespetacular.

A previsão da teoria da relatividade mais difícil de acreditar é que apassagemdotempoérelativa:vemosotempopassandomaisdevagarparaumobjetomovendo-serapidamentedoqueparaoutroqueestejaemrepouso.

Suponha que uma mulher de vinte anos viaje a uma estrela distante numfoguete espacial super-rápido, deixando seu irmão gêmeo na Terra por trintaanos.Quando ela volta, seu irmão, tendo envelhecido trinta anos, é agora umhomemdemeia-idade,comcinquentaanos.Ela,paraquemotempopassoumaisdevagar por causa da sua velocidade de, digamos, 95% da velocidade da luz,envelheceu apenas dez anos. Seria relativamente jovem, com trinta anos. Aviajante seria vinte anosmais nova, em todosos sentidos físicos e biológicos,queseugêmeoqueficouemcasa.

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Esse “paradoxo dos gêmeos” foi levantado bem cedo como uma supostarefutaçãodateoriadeEinstein.Elanãopoderiaterconsideradoasiprópriaemrepouso,enquantoseuirmãofaziaaviagemcomenormevelocidade?Então,eleseria mais novo que ela. A teoria, alegava-se, era inconsistente. Não é bemassim. A situação não é simétrica. Somente observadores movendo-se comvelocidade constante (velocidade constante num sentido constante) podem seconsiderar em repouso. Isso não valia para a viajante, que precisou darmeia-volta e acelerarnaestreladistanteparavoltarpara casa. (Pelas forças atuandosobreelaaoacelerar,elapodiasaberquenãoestavaemrepouso.)

Emboranãosejatecnicamenteplausívelconstruirfoguetesquecarreguemaspessoas numa velocidade próxima à da luz, a teoria da relatividade tem sidoextensivamente testada e confirmada. Amaioria dos testes tem sido realizadacom partículas subatômicas. Mas a teoria também foi checada comparandorelógiosprecisoscarregadosemviagensaéreasaoredordomundocomoutrosque ficaram em casa. Na volta, os relógios viajantes eram “mais novos”.Registravamumpoucomenosdetempo–exatamentenaquantidadeprevista.Avalidade da teoria da relatividade está tão bem estabelecida atualmente queapenasumtesteextremamentedesafiadorteriaautoridadeparaquestioná-la.Sevocêleracercadeumtestede“relatividade”,éprovávelqueeleserelacioneàteoriadarelatividadegeral,ateoriadagravidadedeEinstein.Onomecompletodateoriadaqualestamosfalandoéteoriadarelatividadeespecial.

É difícil acreditar nas coisas estranhas que a teoria da relatividade deEinsteinnosconta.Dequealguémpoderia,emprincípio, ficarmaisvelhoquesua mãe. Mas aceitar o fato, hoje experimentalmente estabelecido, de quesistemasemmovimentoenvelhecemmenoséumaboapráticaparaacreditarnascoisasbemmaisestranhasqueamecânicaquânticanosconta.

Agoraestamosprontosparacomeçarafalardessascoisasestranhas.

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Olá,mecânicaquântica

OUniverso começa a parecer mais um grande pensamento do que umagrandemáquina.

SIRJAMESJEANS

NOFIMDOSÉCULOXIX,abuscapelas leisbásicasdanaturezapareciapróximado seuobjetivo.Havia uma sensaçãode dever cumprido.A física apresentavauma cena ordenada que se encaixava apropriadamente no estado de espíritovitorianodaépoca.

ObjetostantosobreaTerraquantonoscéuscomportavam-sedeacordocomas leis de Newton. Assim, presumivelmente, comportavam-se também osátomos. A natureza dos átomos não estava clara. Mas para a maioria doscientistasorestodoserviçodedescriçãodoUniversopareciaumpreenchimentodedetalhesdaGrandeMáquina.

Será que o determinismo newtoniano contrariava o livre-arbítrio? A físicadeixaria tais perguntas para a filosofia. Definir o território que os físicosconsideravamseupareciaalgodireto.Poucohaviaparamotivarumabuscadesignificado mais profundo por trás das leis da natureza. Mas essa visão demundointuitivamentesensatanãopodiaexplicaralgunsenigmasqueosfísicosacabavamvendoemseus laboratórios.Aprincípio, pareciammerosdetalhes aser explorados e resolvidos. Logo, porém, a exploração desafiou aquelaconfortável visão de mundo. Mas hoje, um século depois, a visão de mundoaindaéquestionada.

A física quântica não substitui a física clássica do mesmo modo que osistemacentradonoSolsubstituiuaconcepçãoanteriorcomaTerracomocentrocósmico.Maiscorretamente,afísicaquânticaabarcaafísicaclássicacomoumcaso especial. A física clássica geralmente é uma aproximação extremamente

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boaparaocomportamentodeobjetosquesãomuitomaioresqueátomos.Massevocêescavarfundoosuficientequalquerfenômenonatural,sejafísico,químico,biológicooucosmológico,darádeencontrocomamecânicaquântica.Asteoriasfundamentaisdafísica,desdeateoriadascordasatéoBigBang,começamtodascomateoriaquântica.

A teoriaquântica temsido sujeita a testesque adesafiamháoitodécadas.Nenhumaprevisãofeitapelateoriajamaisserevelouerrada.Elaéateoriamaistestadade todaaciência–quantoa issonão temconcorrentes.Noentanto, sevocêlevarasimplicaçõesdateoriaasério,confrontaráumenigma.Ateorianosdizquearealidadedomundofísicodependedanossaobservaçãodessemundo.Issoédifícildeacreditar.

Ser difícil de acreditar apresenta um problema: se lhe dizem algo em quevocênãoconsegueacreditar,umarespostaprovávelé:“Eunãoentendo.”Nessecaso, pode ser que você na verdade entenda mais do que pensa. Estamosconfrontandoumenigma.

Há tambémuma tendênciade reinterpretaroqueéditodemodoaparecerrazoável.Nãousearazoabilidadecomotestedecompreensão.Masaquiestáumteste: Niels Bohr, um dos fundadores da mecânica quântica, advertiu que, amenosquefiquechocadocomamecânicaquântica,vocênãoacompreendeu.

Emboranossaapresentaçãopossa sernovidade,os fatosexperimentaisquedescrevemos e as explicações da teoria quântica que damos para eles sãocompletamente inquestionáveis. Pisamos além desse terreno firme quandoexploramos a interpretação da teoria e, portanto, o encontro da física com aconsciência.Osentidomaisprofundodamecânicaquânticaestácadavezmaisemdiscussão.

Não é necessário um conhecimento técnico para chegar à fronteira onde afísicareúnequestõesqueparecemestaralémdaprópriafísicaeondeosfísicosnãopodemalegarcompetênciaexclusiva.Umavezlá,vocêpodetomarpartidonodebate.

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5.Comooquantumfoiforçadoparadentrodafísica

Foiumatodedesespero.

MAXPLANCK

OS CURSOS DE FÍSICA raramente são apresentados historicamente. A disciplinaintrodutóriademecânicaquânticaéaexceção.Paraqueosestudantesvejamporqueaceitamosuma teoriaqueconflita tãoviolentamentecomosensocomum,eles precisam saber como os físicos foram arrastados da sua complacência doséculoXIXpelosfatosbrutaisobservadosemseuslaboratórios.

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Orevolucionáriorelutante

NasemanafinaldoséculoXIX,MaxPlancksugeriualgoultrajante:asleismaisfundamentais da física estavam sendo violadas. Era o primeiro indício darevoluçãoquântica,dequeavisãodemundoqueagorachamamosde“clássica”tinhadeserabandonada.

Max Planck, filho de um distinto professor de direito, era cuidadoso,respeitávelereservado.Vestiaroupasescurasesuascamisaseramrigidamenteengomadas.Criadonaestritatradiçãoprussiana,Planckrespeitavaaautoridade,tanto na sociedade quanto na ciência. Não só as pessoas deviam seguirrigorosamenteasleis.Amatériafísicatambémdevia.Nãoeraorevolucionáriotípico.

Em1875,quandoo jovemMaxPlanckanunciouseu interesseemfísica,ochefe do seu departamento de física sugeriu que ele estudasse algo maisempolgante. A física, disse ele, estava praticamente completa: “Todas asdescobertas importantes já foram feitas.” Resoluto, Planck completou seusestudos em física e atuou por alguns anos como Privatdozent, um professoraprendiz que recebia apenas a pequena remuneração paga pelos alunos quefrequentavamsuasaulas.

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FIGURA5.1MaxPlanck.

Planck optou por trabalhar na área mais comportada da física, atermodinâmica,oestudodocaloresuainteraçãocomoutrasformasdeenergia.Seutrabalhosólido,maspoucoespetacular,valeu-lheoprofessorado.Conta-sequeainfluênciadeseupaipodeterajudado.

Um fenômeno incômodo inexplicado em termodinâmica era a radiaçãotérmica:oespectro,ascoresdaluzemitidaporcorposquentes.Oproblemaerauma das duas “nuvens escuras no horizonte” de Kelvin. Planck se propôs aresolvê-lo.

PRIMEIROVAMOSDARumaolhadaemalgunsaspectosquepareciamrazoáveis,eentão passar ao problema. Que um atiçador quente deva incandescer parece

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óbvio. Na virada do século, embora a natureza dos átomos, e até mesmo aexistência deles, fosse pouco clara, os elétrons tinham acabado de serdescobertos. Presumivelmente, essas pequenas partículas carregadas oscilavamnum corpo quente e portanto emitiam radiação eletromagnética. Como aradiação era amesma, não importando de quematerial proviesse, parecia umaspectofundamentaldanaturezae,porconseguinte,importantedeentender.

Pareciarazoávelque,àmedidaqueumpedaçodeferroficassemaisquente,seuselétronsoscilassemcommais intensidadee,presumivelmente,commaiorvelocidade,significandoumafrequênciamaisalta.Portanto,quantomaisquenteometal,maisintensoobrilhoemaisaltaafrequência.Àmedidaqueoferroficamaisquente,suacorpassadoinfravermelhoinvisívelparaumvermelhovisível,laranja,eometalacabaficandobrancoquandoaluzemitidacobretodaagamadefrequênciasvisíveis.

Como nossos olhos não enxergam frequências acima do violeta, objetossuperquentes,queemitembasicamentenoultravioleta,apareceriamazulados.Narealidade,osmateriaisnaTerrasevaporizamantesde ficarquentesobastantepara atingir uma incandescência azul, mas podemos olhar para o alto e verestrelasquentesazuis.Mesmoobjetosfrios“incandescem”,emborafracamenteecomfrequênciasbaixas.Tragaapalmadamãoparapertodasuabochechaesintaocalorda luz infravermelhaqueasuamãoemite.Océulançasobrenósumaradiaçãoinvisíveldemicro-ondasquerestoudaexplosãodoBigBang.

Na figura 5.2 esboçamos a intensidade real de radiação dos 6 mil grausCelsius da superfície do Sol em diferentes frequências, que simplesmenterotulamos como cores. Um objeto mais quente emite mais luz em todas asfrequências,esuaintensidademáximaestánumafrequênciamaiselevada.Masaintensidadesemprecaiemfrequênciasmuitoaltas.

Alinhatracejadamostraoproblema.Éaintensidadeteóricacalculadacomas leis da física aceitas em 1900. Observe que a teoria e as observaçõesexperimentais estavam de acordo no infravermelho.Mas em frequênciasmaisaltasafísicaclássicanãosódavaarespostaerrada,davaumarespostaridícula.

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Elaprediziaumaintensidadeluminosasemprecrescenteemfrequênciasalémdoultravioleta.

FIGURA5.2Radiaçãotérmicaa6milgrausCelsius(linhacheia)comparadacomaprevisãoclássica(linhatracejada).

Se isso fosse verdade, todo objeto perderia instantaneamente seu calorirradiandouma explosão de energia em frequências alémdo ultravioleta.Essadedução constrangedora era ridicularizada como a “catástrofe do ultravioleta”.Mas ninguém era capaz de dizer onde o raciocínio aparentemente correto quelevavaaelaestavaerrado.

PLANCKLUTOUDURANTEanosparadeduzirumafórmulaapartirdafísicaclássicaque se encaixasse nos dados experimentais. Frustrado, resolveu trabalhar noproblema de trás para a frente. Primeiro tentaria adivinhar uma fórmula queestivesse de acordo com os dados e então, tendo-a como pista, tentariadesenvolver uma teoria adequada. Numa única noite, estudando os dados queoutros lhe haviam dado, encontrou uma fórmula relativamente simples quefuncionavaperfeitamente.

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SePlanckcolocasseatemperaturadocorpo,suafórmuladavaaintensidadederadiaçãocorretaemtodasasfrequências.Suafórmulaprecisavadeum“fatorde correção” para se encaixar nos dados, um número que ele chamou de “h”.Atualmenteochamamosde“constantedePlanck”eoreconhecemoscomoumapropriedadefundamentaldanatureza,comoavelocidadedaluz.

Tendosuafórmulacomopista,Planckbuscouexplicararadiaçãotérmicaemtermos dos princípios básicos da física: nos modelos diretos da época, umelétron começaria a vibrar se fosse atingido por um átomo vizinho oscilandonum metal quente. A pequena partícula carregada passaria então a perdergradualmente sua energia emitindo luz. Traçamos um gráfico dessa perda deenergianafigura5.3.Damesmamaneira,umpênduloformadoporumamassapresa a um fio, ou uma criança num balanço, depois de receber um impulso,perdecontinuamenteenergiadevidoaoatritoeàresistênciadoar.

FIGURA5.3Perdadeenergiadeumapartículacarregadasegundoafísicaclássica.

Noentanto,todadescriçãodeelétronsirradiandoenergiasegundoafísicadaépocalevavaàmesmaprediçãomaluca,acatástrofedoultravioleta.Apósumalongabatalha,Planckaventouumapremissaqueviolavaosprincípiosdafísicauniversalmenteaceitos.Deinício,elenãoalevouasério.Maistardeachamoude“atodedesespero”.

MaxPlanckassumiuqueumelétronpodiairradiarenergiaapenasemnacos,em“quanta”(pluraldequantum).Maisainda,cadaquantumteriaumaenergia

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igualaonúmerohdesuafórmulamultiplicadopela frequênciadevibraçãodoelétron.

Comportando-se dessa maneira, o elétron vibraria por algum tempo semperder energia para a radiação. Então, aleatoriamente, e sem causa, sem umaforça aplicada, subitamente irradiaria umquantumde energia na formade umpulsodeluz.(Elétronstambémganhariamenergiadeátomosquentespormeiodesses“saltosquânticos”.)Nafigura5.4traçamosumgráficocomoexemplodetal perda de energia em passos súbitos. A linha tracejada repete a perda deenergiagradual,preditapelafísicaclássica,dafigura5.3.

Planck estava permitindo que os elétrons violassem tanto as leis doeletromagnetismo como as equações universais do movimento de Newton.Somente comessa tresloucadapremissa conseguia chegar à fórmulaque tinhaadivinhado,afórmulaquedescreviacorretamentearadiaçãotérmica.

FIGURA5.4PerdadeenergiadeumapartículacarregadasegundoPlanck.

Se esse comportamento de saltos quânticos é de fato uma lei da natureza,deveria aplicar-se a tudo. Por que, então, vemos as coisas ao nosso redorcomportando-se de forma suave e gradativa? Por que não vemos crianças embalançosmudaremderepenteomovimentodebalançaremsaltosquânticos?Éumaquestãodenúmeros,ehéumnúmeroextremamentepequeno.

Nãosóhépequeno,comoafrequênciadeumacriançamovendo-separaafrente e para trás num balanço é muito mais baixa que aquela com que umelétronvibra; ospassosquânticosde energia (h vezes a frequência) sãomuitomenoresparaacriança.E,éclaro,aenergiatotaldeumacriançabalançandoé

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muitomaiorqueadeumelétron.Portanto,onúmerodequantaenvolvidosnomovimentodacriançaémuito,muitomaiorquenomovimentodoelétron.Umsaltoquântico,amudançadeenergianovalordeumúnicoquantum,éportantopequenodemaisparaservistonumacriançabrincandonumbalanço.

MASVOLTEMOSAOSTEMPOSdePlanckeàreaçãoàsoluçãopropostaporeleparao problema da radiação térmica. Sua fórmula encaixava-se bem nos dadosexperimentais, mas sua explicação parecia gerar mais confusão do que oproblemaquesepropunhaaresolver.AteoriadePlanckpareciatola.Ninguémriu,pelomenosempúblico–HerrProfessorPlanckeraumhomemimportantedemaisparaisso.Suasugestãodesaltosquânticosfoisimplesmenteignorada.

Os físicos não estavam dispostos a questionar as leis fundamentais damecânicaedoeletromagnetismo.Mesmoqueasleisclássicasfornecessemumaprevisãoridículaparaaluzemitidaporcorposincandescentes,essesprincípiosbásicospareciamfuncionaremtodasasoutrascircunstâncias.Efaziamsentido.Os colegas de Planck sentiam que uma solução razoável acabaria por serencontrada.O próprio Planck concordou e prometeu buscar uma.A revoluçãoquânticachegoucomumpedidodedesculpas,equasedespercebida.

Em anos posteriores, Planck chegou mesmo a recear as consequênciassociaisnegativasdamecânicaquântica.Liberarosconstituintesfundamentaisdamatéria das regras de um comportamento adequado poderia parecer liberar aspessoasdaresponsabilidadeedodever.Orevolucionáriorelutanteteriagostadodecancelararevoluçãoquedeflagrara.

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Operitotécnicodeterceiraclasse

OspaisdopequenoAlbertEinsteinficarampreocupadoscomapossibilidadederetardomentalquandoeledemorouacomeçarafalar.Maistarde,porém,elesetornouumestudiosoávidoeindependentedetemasqueointeressavam.Apesardisso,suaaversãopordecoraramatérianoGymnasium(ensinomédio)fezcomque não se saísse bem. Solicitado a sugerir uma profissão queAlbert pudesseseguir, o diretor-geral predisse confiantemente: “Não faz diferença; ele nuncaseráumsucessoemnada.”

Os pais de Einstein mudaram da Alemanha para a Itália depois que osnegócios eletroquímicosda família foramà falência.Onovonegóciona Itálianão foi muito melhor. O jovem Einstein logo ficou por conta própria. Fez oexame de ingresso ao Instituto Politécnico de Zurique, mas não passou.Finalmentefoiadmitidonoanoseguinte.Aograduar-se,nãoteveêxitoaotentarumpostocomoPrivatdozent.Teveamesmasorteaocandidatar-seaum lugarcomoprofessornoGymnasium. Por algum tempo,Einstein se sustentou comotutordealunoscomproblemasnoensinomédio.Porfim,medianteainfluênciadeumamigo,conseguiuumempregonoescritóriodepatentessuíço.

Seusdeverescomoperitotécnicodeterceiraclasseeramescreversumáriosdos pedidos de patente para que seus superiores os usassem ao tomar umadecisão. Einstein gostava do trabalho, que não ocupava todo o seu tempo.Deolhonaportaparaocasodeumsuperiorentrar,eletambémtrabalhavanosseusprópriosprojetos.

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FIGURA5.5AlbertEinstein.CortesiaInstitutodeTecnologiadaCalifórnia(Caltech)eUniversidadeHebraicadeJerusalém.

Inicialmente, Einstein continuou a se dedicar ao tema de sua tese dedoutorado,aestatísticadeátomosagitando-senumlíquido.Essetrabalhologosetornou amelhor evidência da natureza atômica damatéria, algo que ainda eradiscutidonaépoca.Einsteinficousurpresocomasemelhançamatemáticaentrea equação para o movimento dos átomos e a lei de radiação de Planck. Eperguntou-se:seráquealuzpoderiasernãosómatematicamenteparecidacomosátomos,mastambémfisicamenteparecidacomeles?

Seassimfosse,poderiaa luz,comoamatéria,virempedaçoscompactos?Talvez os pulsos de energia luminosa emitidos num dos saltos quânticos dePlancknãosepropagassememtodasasdireçõescomoPlanckpresumia.Poderia

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essaenergiaficarconfinadaaumaregiãopequena?Poderiahaverátomosdeluzassimcomoátomosdematéria?

Einsteinespeculouquealuzéumfluxodebocadoscompactos,“fótons”(umtermoqueveiomais tarde).Cadafóton teriaumaenergia igualaoquantumdePlanck, hf (a constante de Planck, h,multiplicada pela frequência da luz).Osfótons seriam criados quando os elétrons emitissem luz. Os fótonsdesapareceriamquandoaluzfosseabsorvida.

Embuscadeumaevidênciadequeessaespeculaçãopudesseestarcorreta,Einsteinprocuroualgoquepudesseexibirumaspectogranularda luz.Nãofoidifícilachar.O“efeitofotoelétrico”jáeraconhecidohaviaquasevinteanos.Luzincidindosobreummetalpodiafazercomqueelétronspulassemforadele.

Era uma situação confusa. Ao contrário da radiação térmica, em que umaregrauniversalvaliapara todososmateriais,oefeito fotoelétricoeradiferentepara cada substância. Além disso, os dados eram imprecisos e nãoparticularmentereprodutíveis.

Masquesedanassemosdadosruins.Ondasluminosasdifusasnãodeveriamejetarelétronsdometaldejeitonenhum.Oselétronssãofortementecoesos.Aomesmo tempo que são livres para se mover dentro do metal, não podemrealmenteescapardele.Podemos“ferver”elétrons,tirando-osdeummetal,masé necessária uma temperatura muito alta. Podemos arrancar elétrons de ummetal,masénecessárioumcampoelétricomuitointenso.Noentanto,umaluztênue, correspondente a um campo elétrico extremamente fraco, ainda assimexpulsaelétrons.Quantomais tênuea luz,menoselétrons.Masnão importavaquãotênuefosse,algunselétronssempreeramejetados.

Einsteincolheuaindamaisinformaçãoapartirdosdadosruins.Oselétronssaltavam com alta energia quando a luz era ultravioleta ou azul. Com a luzamarela, de frequência mais baixa, sua energia era menor. A luz vermelhageralmentenãoejetavaelétrons.Quantomaisaltaa frequênciada luz,maioraenergiadoselétronsemitidos.

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OefeitofotoelétricoerajustamenteaquilodequeEinsteinprecisava.Aleideradiação de Planck implicava que a luz era emitida em pulsos, quanta, cujaenergia era maior para luz de frequência mais alta. Se os quanta fossemrealmente bocados compactos, toda a energia de cada fóton podia serconcentrada num único elétron. Um único elétron absorvendo todo um fótonganhariaumquantuminteirodeenergiahf.

A luz, especialmente a luz de alta frequência, com seus fótons de altaenergia, poderia então dar aos elétrons energia suficiente para saltar fora dometal. Quanto mais alta a energia de um fóton, maior a energia do elétronejetado. Para luz abaixo de certa frequência, seus fótons teriam energiainsuficientepararemoverumelétrondometal,enenhumelétronseriaejetado.

Einsteindisseissoclaramenteem1905:

Segundo a premissa presentemente proposta, a energia num feixe de luz emanando de uma fontepuntiformenãoédistribuídacontinuamenteporvolumescadavezmaioresdeespaço,masconsisteemum número finito de quanta de energia, localizados em pontos do espaço, que se movem sem sesubdividirequesãoabsorvidoseemitidosapenascomounidades.

Supondo que a luz vem na forma de um fluxo de fótons e que um únicoelétron absorve toda a energia de um fóton, Einstein usou a conservação daenergia para deduzir uma fórmula simples que relaciona a frequência da luz àenergiadoselétronsejetados.Colocamosissosobaformadegráficonafigura5.6.Fótonscomenergiamenorqueaenergiaqueuneoselétronsaomaterialnãoconseguemejetarnenhumelétron.

FIGURA5.6Energiadeelétronsejetadosversusfrequênciadaluz.

Um aspecto surpreendente da hipótese do fóton de Einstein é que ainclinação da reta neste gráfico é simplesmente a constante de Planck,h. Até

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esse momento, a constante de Planck era apenas um número necessário paraajustar a fórmula de Planck à radiação térmica observada. Não aparecia emnenhumoutrolugarnafísica.AntesdahipótesedofótondeEinstein,nãohaviamotivoparapensarqueaejeçãodeelétronspelaluztivessequalquercoisaavercom a radiação emitida por corpos quentes. Essa inclinação foi o primeiroindíciodequeoquantumerauniversal.

DEZ ANOS DEPOIS do trabalho de Einstein com o efeito fotoelétrico, o físicoamericanoRobertMillikandescobriuqueafórmuladeEinsteinpreviaemcadacaso “exatamente os resultados observados”.No entanto,Millikan chamou de“totalmente insustentável” a hipótese do fóton de Einstein que levava àquelafórmulaede“temerária”asugestãodeEinsteindequealuzvinhaempartículascompactas.

Millikan não estava sozinho.A comunidade física recebeu o postulado dofóton“comdescrençaeceticismobeirandooescárnio”.Nãoobstante,oitoanosdepoisdeproporofóton,Einsteinadquiriraconsiderávelreputaçãocomofísicoteórico pormuitas outras realizações e foi indicado para integrar a AcademiaPrussiana de Ciência. Planck, em sua carta de apoio à indicação, sentiu queprecisavadefenderEinstein:“[Q]ueelepodeàsvezestererradooalvoemsuasespeculações,como,porexemplo,emsuahipótesedosquantadeluz,nãopoderealmentesignificarmuitocontraele.”

Mesmo quando Einstein recebeu o prêmio Nobel em 1922 pelo efeitofotoelétrico,otextodacomendaevitavamençãoexplícitaaofóton,quejátinhadezesseteanosmasaindanãoeraaceito.UmbiógrafodeEinsteinescreve:“De1905a1923,[Einstein]eraumhomemisoladopelofatodeseroúnico,ouquaseo único, a levar a sério o quantum de luz.” (Mais adiante neste capítulocontaremosoqueaconteceuem1923.)

EMBORAAREAÇÃO da comunidade física aos fótonsdeEinstein fosse, emumapalavra,derejeição,nãosetratavadepurateimosia.Haviasidoprovadoquea

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luzeraumaondaespalhada.Aluzexibia interferência.Umfluxodepartículasdiscretasnãopodiafazerisso.

Vamos recordar nossa análise de interferência no capítulo 4. A luzatravessando uma única fenda ilumina uma tela de maneira mais ou menosuniforme.Abraumasegundafenda,esurgiráumpadrãodefaixasescurascujoespaçamentodependedadistânciadeseparaçãoentreasduasfendas.Nospontosescuros, cristas de ondas de uma fenda chegam junto com vales de ondas daoutra. Ondas de uma fenda, portanto, anulam ondas da outra. A interferênciamostraquealuzéumaondaespalhadaporambasasfendas.

FIGURA5.7Umpadrãodeinterferênciaformadoporluzpassandoatravésdeduasfendasestreitas.

No capítulo 4 mencionamos que o argumento de que pequenas balas nãopodem causar interferência não era totalmente seguro. Não poderiam elas, dealgummodo,desviar-semutuamentedemodoaformarfaixasclaraseescuras?Essefuronoargumentofoi resolvido.Agoraquesabemosquantaenergiacadafóton carrega, podemos saber quantos fótons existem num feixe de dadaintensidade.Vemos interferêncianuma luz tão tênue, de tãobaixa intensidade,quenoaparatosóháumfótonpresentedecadavez.

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Aoescolherdemonstrarainterferência,algoexplicávelapenasemtermosdeondas, você pode provar que a luz é uma onda espalhada. No entanto, aoescolherumademonstraçãofotoelétrica,vocêpodedemonstrarooposto:quealuznãoéumaondaespalhada,masumfluxodeminúsculosobjetoscompactos.Parecehaverumainconsistência.(Lembre-sedequealgodessetipofoivistoemEugAhnePoc.Nossovisitantepodiaescolherprovarqueocasalsedistribuíranasduaschoupanas,umapessoaemcadaumadelas,ouqueestavaconcentradodemodocompactonumachoupanaúnica.)

EmboraanaturezaparadoxaldaluzperturbasseEinstein,eleseapegouàsuahipótesedofóton.Declarouqueexistiaummistérionanaturezaequedevíamosconfrontá-lo. Não pretendeu resolver o problema. E nós não pretendemosresolvê-lonestelivro.Omistérioaindaestáconoscocemanosdepois.Capítulosposterioresfocalizamasimplicaçõesdepodermosescolherprovarqualquerumade duas coisas contraditórias. O mistério se estende além da física para anaturezadaobservação.Esseéoenigmaquântico.Veremosespeculaçõesmuitodoidassendoatualmentepropostascomseriedadepordistintosespecialistasemfísicaquântica.

Num único ano, 1905, Einstein descobriu a natureza quântica da luz,estabeleceu firmemente a natureza atômica damatéria e formulou a teoria darelatividade.Noanoseguinteoescritóriosuíçodepatentespromoveu-o:aperitotécnicodesegundaclasse.

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Opós-doc

Niels Bohr cresceu numa família afluente e respeitada que alimentava opensamento independente. Seu pai, um eminente professor de fisiologia daUniversidadedeCopenhague,interessava-seporfilosofiaeciência,eestimulouesses interesses em seus dois filhos. O irmão de Niels, Harald, acabou setornandoumexcepcionalmatemático.Osprimeiros anosdeNielsBohr foramestimulantes.AocontráriodeEinstein,elejamaisfoirebelde.

Na faculdade na Dinamarca, Bohr ganhou uma medalha por algunsexperimentos inteligentes com fluidos.Mas pulamos para 1912, quando, comseurecentedoutorado,BohrfoiparaaInglaterracomo“pós-doc”,estudantedepós-doutorado.

Nessa época a natureza atômica da matéria tinha se tornado aceita pelamaioria,masaestruturainternadoátomoeradesconhecida.Naverdade,estavaem discussão. Os elétrons, partículas negativamente carregadas milhares devezesmaislevesquequalquerátomo,haviamsidodescobertosumadécadaantesporJ.J.Thompson.Umátomo,sendoeletricamenteneutro,deviateremalgumlugarumacargapositivaigualàqueladosseuselétronsnegativos,epresumia-seque essa carga positiva contivesse a maior parte da massa do átomo. Comoestariamdistribuídososelétronseacargapositivadoátomo?

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FIGURA5.8NielsBohr.CortesiaInstitutoAmericanodeFísica.

Thompson fizera a suposição mais simples: a massiva carga positivapreenchiauniformementeovolumeatômico,eoselétrons–umnohidrogênioequasecemnosátomosmaispesadosconhecidos–estavamdistribuídosportodoesse recheio positivo, como passas num pudim. Os teóricos tentaram calcularcomo várias distribuições de elétrons podiam dar a cada elemento suaspropriedadescaracterísticas.

FIGURA5.9OmodeloatômicodopudimdepassasdeThompson.

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Havia um modelo concorrente para o átomo. Ernest Rutherford, naUniversidade de Manchester, na Inglaterra, explorou o átomo disparandopartículasalfa(átomosdehéliodespidosdeseuselétrons)atravésdeumalâminade ouro. E viu algo inconsistente com a massa positiva uniformementedistribuída deThompson.Cerca de uma partícula alfa em10mil era refletidanumângulogrande,àsvezesatémesmoparatrás.Oexperimentofoicomparadoadispararameixasatravésdopudim.Colisõescomaspequenaspassas(elétrons)nãopodiamdesviarmuitoumaameixa(umapartículaalfa)emaltavelocidade.Rutherfordconcluiuquesuaspartículasalfaestavamcolidindocomumacargapositivadoátomo,queestariaconcentradanumpequenoaglomeradonocentrodoátomo,um“núcleo”.

FIGURA5.10OexperimentodeRutherfordcompartículasalfa.

FIGURA5.11InstabilidadedomodeloatômicodeRutherford.

Por que, no entanto, os elétrons negativos, atraídos pelo núcleo positivo,simplesmente não caíam nesse núcleo? Presumivelmente, pelomesmomotivoqueosplanetasnão seespatifamcontraoSol.Elesorbitam oSol.Rutherfordconcluiuqueoselétronsorbitavamopequeno,massivoepositivonúcleo.

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HaviaumproblemacomomodeloplanetáriodeRutherford: instabilidade.Como o elétron tem carga, deveria emitir radiação àmedida que percorre suaórbita.Cálculosmostraramqueumelétrondeviaperdersuaenergianaformadeluzecairemespiral,colidindocomonúcleoemmenosdeummilionésimodesegundo.

Amaiorpartedacomunidade físicaconsideravaa instabilidadedomodeloplanetárioumproblemamaissériodoqueaincapacidadedomodelodopudimdepassasparaexplicarosrarosdesviosdeângulograndedaspartículasalfadeRutherford.Mas Rutherford, um sujeito extremamente confiante, sabia que oseumodeloplanetárioestavabasicamentecerto.

QUANDOOJOVEMPÓS-DOCBohrchegouaManchester,Rutherfordoencarregoudatarefadeexplicarcomooátomoplanetáriopodiaserestável.Apermanênciade Bohr em Manchester durou apenas seis meses, supostamente porque seudinheiroacabou.MasaansiedadederetornaràDinamarcaparasecasarcomalinda Margrethe provavelmente reduziu sua estada. Enquanto lecionava naUniversidadedeCopenhague,em1913,Bohrcontinuouatrabalharnoproblemadaestabilidade.

Como ele chegou à sua ideia bem-sucedida não está claro.Mas, enquantooutros físicos tentavamentender comoo quantumde energia e a constante dePlanck, h, brotavam a partir das leis clássicas da física, Bohr assumiu umaatitude de “tudo bem com h!”. Simplesmente aceitou a quantização comofundamental.Afinal,deracertocomPlanckederacertocomEinstein.

Bohr escreveu uma fórmula muito simples que dizia que “o momentoangular”, omovimento rotacional de um objeto, só podia existir em unidadesquânticas.Assimsendo, só certasórbitasde elétrons erampermitidas.E,maisimportante,escreveusuasfórmulasdemodoahaverumamenorórbitapossível.Por decreto, a fórmula de Bohr “proibia” um elétron de despencar sobre onúcleo.Sesuafórmulaadhocestivessecorreta,oátomoplanetárioseriaestável.

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Sem mais evidências, a ideia quântica de Bohr seria rejeitada comodespropositada.MascomsuafórmulaBohrpôdecalcularprontamentetodasasenergiaspermitidasparaumúnicoelétronorbitandoumnúcleo,ouseja,paraoátomodehidrogênio.Apartirdessasenergiaselepôdecalcularasfrequênciasdeluz particulares, ou cores, que seriam emitidas de átomos de hidrogênioeletricamenteexcitadosnuma“descarga”,algocomoumluminosodeneon,sóquecomhidrogênioemvezdeneon.

Essas frequências haviam sido cuidadosamente estudadas durante anos,emboraBohr inicialmente não estivesse ciente desse trabalho. Por que apenascertas frequências eram emitidas era um completo mistério. O espectro defrequências,exclusivodecadaelemento,apresentavaumbeloconjuntodecores.Maseramelasmaissignificativasqueospadrõesparticularesdasasasdeumaborboleta?Agora,porém,aregraquânticadeBohrpreviaasfrequênciasparaohidrogênio com impressionante exatidão – com precisão de partes em 10mil.Embora nessa época a teoria de Bohr sustentasse que a luz era emitida porátomos em quanta de energia, ele, junto com essencialmente todos os outrosfísicos,aindarejeitavaofótoncompactodeEinstein.

Alguns físicos desprezaram a teoria deBohr considerando-a “malabarismocomnúmeros”.Einstein,porém,achamoude“umadasmaioresdescobertas”.Eoutros logo vieram a concordar. A ideia básica de Bohr foi logo aplicadaamplamente em física e química.Ninguém entendiapor que funcionava.Masfuncionava.EparaBohreraissooqueimportava.AatitudepragmáticadeBohremrelaçãoaoquantum–“tudobemcomh!”–trouxe-lherápidosucesso.

Compare o triunfo inicial de Bohr e suas ideias quânticas com a longapermanênciacomoum“homemisolado”deEinstein,comsuacrençanofóton,quase universalmente rejeitado. Perceba, em capítulos posteriores, como asexperiênciasiniciaisdessesdoishomenssãorefletidasemseudebateamigávelevitalíciosobremecânicaquântica.

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Opríncipe

Louis de Broglie era o príncipe Louis de Broglie. Sua família aristocráticaplanejara uma carreira no serviço diplomático francês para ele, e o jovempríncipeLouis estudou história na Sorbonne. Porém, depois de se graduar emarte,elepassouparafísicateórica.Antesdepoderfazermuitacoisaemfísica,aPrimeiraGuerraMundial irrompeueDeBroglieserviuoexércitofrancêsnumpostotelegráficonaTorreEiffel.

Findaaguerra,DeBrogliecomeçouatrabalharnoseudoutoradoemfísica,atraído, diz ele, “pelo estranho conceito do quantum”.Depois de três anos deestudos,leuotrabalhorecentedofísicoamericanoArthurCompton.Umaideiaestalounasuacabeça,levandoaumabrevetesededoutoradoemaistardeaumprêmioNobel.

Parasuasurpresa,Comptonhaviadescobertoem1923,quaseduasdécadasdepois que Einstein propôs o fóton, que quando a luz ejetava elétrons suafrequênciasemodificava.Essenãoéumcomportamentodeonda.Quandoumaondaérefletidanumobjetoestacionário,cadacristaincidenteproduzoutracristadeonda.A frequência da onda, portanto, nãomuda coma reflexão.Por outrolado,seComptonadmitissequealuzeraumfluxodepartículas,cadaumacomaenergiadeumfótondeEinstein,obteriaumencaixeperfeitocomseusdados.

O “efeito Compton” conseguiu a proeza! Os físicos agora aceitavam osfótons.Seguramente,emcertosexperimentosaluzexibiapropriedadesdeondaespalhada,eemoutros,propriedadesdepartículascompactas.Contantoquesesoubesseemquecondiçõescadapropriedadeseriavista,aideiadofótonpareciamenos problemática do que achar alguma outra explicação para o efeitoCompton.Einstein,porém,aindaum“homemisolado”,insistiaqueummistériosemantinha,edissecertavez:“TodoTom,DickeHarryachaquesabeoqueéofóton,masestãoenganados.”

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FIGURA5.12LouisdeBroglie.CortesiaInstitutoAmericanodeFísica.

O ESTUDANTE DE pós-graduação De Broglie compartilhava o sentimento deEinsteindequehaviaumsignificadoprofundoparaadualidadedaluz,sendoouumaondaespalhadaouumfluxodepartículascompactas.Eleseperguntavasepoderiahaverumasimetriananatureza.Sealuzeraouondaoupartícula,talveza matéria também fosse ou partícula ou onda. Ele escreveu uma expressãosimplesparaocomprimentodeondadeumapartículadematéria.Essafórmulapara o “comprimento de onda de De Broglie” de uma partícula é algo quequalqueralunoprincipiantedemecânicaquânticarapidamenteaprende.

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FIGURA5.13AideiadesimetriadeDeBroglie.

FIGURA5.14Comprimentosdeondaemtornodaórbitadeumelétron.

Oprimeiro testedessa fórmulaveiodeumquebra-cabeçaque estimulou aideiadeondadeDeBroglie:seumelétronnumátomodehidrogêniofosseumapartículacompacta,comopoderia“saber”otamanhodaórbitaemquedeveriasemoverparaexistirapenasnasórbitaspermitidaspelaagorajáfamosafórmuladeBohr?

Os comprimentos de uma corda de violino requeridos para produzir certotomsãodeterminadospelonúmerodemeioscomprimentosdeondadavibraçãoqueseencaixamao longodocomprimentodacorda.Damesmamaneira, seoelétron fosse uma onda, as órbitas permitidas poderiam ser determinadas pelonúmero de comprimentos de onda do elétron que se encaixam em torno dacircunferênciadaórbita.Aplicandoessaideia,DeBrogliefoicapazdededuziraregraquânticaanteriormenteadhocdeBohr.(Noviolino,éomaterialdacordaquevibra.Nocasoda“onda”doelétron,oquevibraeranaépocaummistério.Eaindaé.)

Não está claro o quanto De Broglie levou essa conjectura a sério. Comcerteza não a reconheceu comoumavisãodemundo revolucionária.Nas suasprópriaspalavras:

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[A]quelequeapresentaasideiasfundamentaisdeumanovadoutrinafrequentementefalhaemperceberde início todas as consequências; guiado por intuições pessoais, compelido pela força interna deanalogiasmatemáticas,eleétransportado,quaseadespeitodesimesmo,paraumcaminhocujodestinofinalelepróprioignora.

DeBroglie levou suaespeculaçãoa seuorientadorde tese,PaulLangevin,famoso por seu trabalho com magnetismo. Langevin não se impressionou.Observouque,aodeduzirafórmuladeBohr,DeBrogliemeramentesubstituírauma premissaad hoc por outra. E a premissa deDeBroglie, de que elétronspodiamserondas,pareciaridícula.

FosseDeBroglieumalunodepós-graduaçãocomum,Langevinpoderiatersumariamentejogadosuaideiafora.MaseleeraopríncipeLouisdeBroglie.Aaristocracia era significativa,mesmona república francesa.Então, semdúvidaparasegarantir,LangevinpediuumcomentáriosobreaideiadeDeBroglieaomais eminente físico do mundo. Einstein replicou que aquele rapaz tinha“erguidoumapontadovéuqueocultaoVelho”.

NESSEMEIO-TEMPO,ocorreuumpequenoacidentenoslaboratóriosdacompanhiatelefônicadeNovaYork.ClintonDavissonfaziaexperimentoscomadispersãodeelétronsemsuperfíciesmetálicas.EmboraosinteressesdeDavissonfossemlargamente científicos, a companhia telefônica estava desenvolvendoamplificadores a válvula (tubo de vácuo) para transmissões telefônicas, e paraissoocomportamentodoselétronsgolpeandometaleraimportante.

Os elétrons geralmente eram ejetados numa superfíciemetálica áspera emtodasasdireções.Mas,apósoacidente,noqualumvazamentopermitiuentradadearnosistemaavácuo,oxidandoumasuperfíciedeníquel,Davissonaqueceuometalparaexpulsarooxigênio.Oníquelcristalizou,formandoessencialmenteum arranjo de fendas. Os elétrons agora eram ejetados apenas em algumaspoucasdireçõesbemdefinidas.Eraumpadrãodeinterferênciaquedemonstravaanaturezaondulatóriadoelétron.AdescobertaconfirmavaaespeculaçãodeDeBrogliedequeobjetosmateriaistambémpodiamserondas.

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COMEÇAMOS ESTE CAPÍTULO comoprimeiro indíciodoquantum, em1900.Foiumindíciolargamenteignorado.Encerramosocapítulocomosfísicosem1923finalmenteforçadosaaceitaradualidadeonda-partícula.Umfóton,umelétron,umátomo,umamolécula,emprincípioqualquerobjetopodeseroucompactooulargamenteespalhado.Pode-sedemonstrarquealgoéoumaiorqueumabisnagade pão ou menor que um átomo. Pode-se escolher qual dessas duascaracterísticas contraditórias demonstrar. A realidade física de um objetodependedecomovocêescolheolharparaele.

A física encontrou a consciênciamasnão se deu conta disso.Apercepçãodesse contato veio alguns anos mais tarde, depois que Erwin Schrödingerdescobriuanovaleiuniversaldomovimento.Essadescobertaéotemadonossopróximocapítulo.

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6.AequaçãodeSchrödingerAnovaleiuniversaldomovimento

Seaindavamos ter de aturar essesmalditos saltosquânticos, lamento tertidoalgumdiaalgoavercomateoriaquântica.

ERWINSCHRÖDINGER

NO COMEÇO DA DÉCADA de 1920 os físicos haviam aceitado o fato de que oselétrons, e presumivelmente outras matérias, bem como a luz, podiam serexibidosoucomobocadoscompactosoucomoondasespalhadas.Dependiadoexperimentoqueseescolhiafazer.

Desde a explicação do efeito fotoelétrico dada por Einstein em 1905envolvendoofóton,osfatosexperimentaisindiscutíveisestavambemalidiantedos físicos.Mas as implicações desses fatos foram largamente ignoradas. Em1909Einsteinenfatizouqueoquantumdeluzseapresentavacomoumproblemasério. Mas, como “um homem isolado”, era praticamente o único a levar oquantum de luz a sério. Em 1913,Bohr falou da luz sendo emitida em saltosquânticos,masnãoaceitouofótoncompacto.Em1915Millikanhaviachamadode“temerária”apropostadofótondeEinstein.Entretanto,comoexperimentode Compton em 1923, desviando fótons individuais com elétrons, os físicosrapidamenteaceitaramofóton.Contudo,ignoraramapersistentepreocupaçãodeEinstein. Por quê? Sem dúvida esperavam que uma teoria fundamental, aindapor vir, resolvesse o problemático paradoxo da “dualidade onda-partícula”. Ateoriafundamentalveiologo,masnãotrouxeumasolução–bemaocontrário.

O reconhecimento de que o paradoxo é um problema sério veio três anosdepois,em1926,comaequaçãodeSchrödinger.ErwinSchrödingernãoestavaprocurandoresolveroparadoxoonda-partícula.Eleviaasondasdematériade

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DeBroglie comoumamaneirade se livrardos “malditos saltosquânticos”deBohr.Eleexplicariaasondasdematéria.

ERWINSCHRÖDINGER,filhoúnicodeumaprósperafamíliavienense,foiumalunoexcepcional.Quando adolescente interessou-se por teatro e arte. Rebelando-secontra a sociedade burguesa da Viena do fim do século XIX, Schrödingerrejeitavaamoralvitorianadesuacriação.Aolongodetodasuavidacanalizoumuita energia em intensos romances, sem levar em conta seu casamentovitalício.

FIGURA6.1ErwinSchrödinger.CortesiaInstitutoAmericanodeFísica.

Depois de servir na Primeira Guerra Mundial como tenente do exércitoaustríaconafrenteitaliana,SchrödingercomeçoualecionarnaUniversidadede

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Viena. Mais ou menos nessa época abraçou a doutrina mística indiana dovedanta,masparecetermantidoessatendênciafilosóficaseparadadasuafísica.Em 1927, logo após seu trabalho espetacular em mecânica quântica, foiconvidado a assumir um posto na Universidade de Berlim como sucessor dePlanck.ComaascensãodeHitleraopoderem1933,Schrödinger,emboranãofossejudeu,deixouaAlemanha.ApósvisitasàInglaterraeaosEstadosUnidos,retornouincautoàsuaÁustrianatalparaaceitarumaposiçãonaUniversidadedeGraz. Com a anexação da Áustria por Hitler, ficou em apuros. Ao deixar aAlemanha estabelecera sua oposição ao nazismo. Fugindo através da Itália,passouorestodasuacarreiranaEscoladeFísicaTeóricadeDublin,naIrlanda.

Nameia-idadeospensamentosdeSchrödingerpassarama incluirquestõessobreasimplicaçõesdamecânicaquânticaalémdafísica.Escreveudois livrospequenos,mas extremamente influentes. EmO que é vida? sugeria razões demecânicaquânticaparaafontedeherançagenéticaserum“cristalaperiódico”.Francis Crick, codescobridor da estrutura do DNA, credita sua inspiração aolivrodeSchrödinger.Oprimeiro capítulodooutro livrodeSchrödinger,MindandMatter,intitula-se“Abasefísicadaconsciência”.

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Umaequaçãodeonda

Apesardossucessos iniciaisda teoriaquântica,combasena regraquânticadeBohr,Schrödingerrejeitavaumafísicaemqueoselétronssemoviamapenasem“órbitas permitidas” e então, sem causa nenhuma, abruptamente saltavam deumaórbitaparaoutra.Elenãotinhapapasnalíngua:

Seguramentevocêdeveentender,Bohr,quetodaaideiadesaltosquânticosnecessariamenteconduzaumabsurdo.Alega-sequeoelétronnumestadoestacionáriodeumátomoprimeirogiraperiodicamenteemalgum tipodeórbita sememitir radiação.Nãoháexplicaçãoparaqueelenão irradie; segundoateoriadeMaxwell,eledeveirradiar.Entãooelétronsaltadeumaórbitaparaoutrae,comessesalto,emite radiação. Essa transição ocorre de forma gradual ou súbita? … E que leis determinam seumovimentonumsalto?Bem,aideiatodadesaltosquânticosdevesersimplesmenteabsurda.

Schrödingercreditaa“comentáriosbrevesmasinfinitamenteperspicazes”deEinsteinofatodetertidosuaatençãochamadaparaaespeculaçãodeDeBrogliedequeobjetosmateriaispodiamexibirumanaturezaondulatória.AideiaatraíaSchrödinger. Ondas podiam evoluir suavemente de um estado para outro.Elétronscomoondasnãoprecisariamorbitarsememitirradiação.Elepoderiaselivrardos“malditossaltosquânticos”deBohr.

Perfeitamente disposto a emendar as leis de Newton para explicar ocomportamento quântico, Schrödinger não obstante queria uma descrição domundo em que elétrons e átomos se comportassem de forma razoável. Elebuscariaumaequaçãoquegovernasseondasdematéria.Seriaumanovafísica,um palpite que precisaria ser testado. Schrödinger buscaria a nova equaçãouniversaldomovimento.

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FIGURA6.2Atrajetóriadeumapedraeasondasdeáguaseespalhando.

Uma equação universal teria de funcionar também para objetos grandes,alémdepequenos.Apartir daposiçãoedomovimentodeumapedra lançadanumdadomomento,aleideNewtonpredizaposiçãoeomovimentofuturodapedra.Damesmamaneira,daformainicialdeumaonda,umaequaçãodeondaprediz a forma da onda em qualquer instante posterior. Ela descreve como asondulaçõesseespalhamapartirdopontoondeumapedraatingeaáguaoucomoasondassepropagamnumacordaesticada.

Haviaumproblema:aequaçãodeondaquefuncionaparaondasdeágua,luze somnão funcionaparaondasdematéria.Ondasde luz e som semovemnavelocidade única determinada pelo meio no qual se propagam. O som, porexemplo, move-se a 330 metros por segundo no ar. A equação de onda queSchrödinger buscava teria de permitir que ondas dematéria semovessem emqualquer velocidade porque os elétrons, os átomos – e bolas de beisebol – semovememqualquervelocidade.

Agrandesacadaveioduranteumasfériasnamontanhacomumanamoradaem 1925. Sua esposa ficou em casa. Para ajudar a concentrar-se, Schrödingerlevouconsigoduaspérolas,paraevitarruídonosouvidos.Exatamentequetipoderuídoelequeriaevitarnãoestáclaro.Tampoucoconhecemosaidentidadedanamorada, nem se ela era uma inspiração ou distração. Schrödingermantinhadiáriosdiscretamentecodificados,masodesseexatoperíodosumiu.

Em quatro artigos publicados nos seis meses seguintes, Schrödingerapresentou a base da moderna mecânica quântica com uma equação quedescreviaondasdematéria.Otrabalhofoiimediatamentereconhecidocomoum

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triunfo.Einsteindissequeelebrotoude“puragenialidade”.Planckochamoude“marcodeumaépoca”.OpróprioSchrödinger ficouencantadoempensarquehaviaselivradodossaltosquânticos.Eleescreveu:

Malénecessárioressaltaroquantomaisgratificanteseriaconceberumatransiçãoquânticacomoumamudançadeenergiadeummodovibracionalparaoutrodoqueencará-lacomoumsaltodeelétrons.Avariaçãodemodosvibracionaispodesertratadacomoumprocessocontínuonoespaçoenotempo,epresenteenquantopersisteoprocessodeemissão.

(A equação deSchrödinger é na verdade uma aproximaçãonão relativista.Querdizer,valeapenasquandoasvelocidadesnãosãopróximasdavelocidadeda luz.Asquestões conceituais deque tratamos aindaperduramno casomaisgeral. É mais simples, mais claro e também costumeiro tratar do enigmaquânticoemtermosdaequaçãodeSchrödinger.E,emboraosfótonssemovamnavelocidadedaluz,essencialmentetudooquedissermosseaplicaaeles.)

Os eventos foram mais complicados que a historinha que acabamos decontar, com um pouco mais de confrontos. Quase simultaneamente com adescobertadeSchrödinger,umjovempós-docdeBohr,WernerHeisenberg(dequem ouviremos mais posteriormente) apresentou sua própria versão damecânica quântica. Era ummétodomatemático abstrato para obter resultadosnuméricos.Negavaqualquerdescriçãopictóricadoquesepassava.SchrödingercriticouaabordagemdeHeisenberg:“Sentidesânimo,senãoaversão,diantedoquemepareceubasicamenteummétododifícil de álgebra transcendental, quedesafiava qualquer visualização.” Heisenberg tampouco ficou impressionadocomaimagemdeondadeSchrödinger.Numacartaaumcolega:“Quantomaispondero sobre a parte física da teoria de Schrödinger, mais repulsiva ela meparece.”

Por algum tempo pareceu que duas teorias intrinsecamente diferentesexplicavamosmesmosfenômenosfísicos,umapossibilidadeinquietanteacercadaqualosfilósofoshaviamespeculadopormuitotempo.Mas,emalgunsmeses,Schrödingerprovouquea teoriadeHeisenbergera logicamente idênticaàsua,apenas com uma representaçãomatemática distinta. A versão de Schrödinger,maistratávelmatematicamente,geralmenteéausadahoje.

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Afunçãodeonda

Heisenbergtinha,porém,umpontodignodenotaarespeitodoaspectofísicodateoria de Schrödinger. O que é que está ondulando na onda de matéria deSchrödinger? A representação matemática da onda é chamada de “função deonda”.Numcertosentido,afunçãodeondadeumobjetoéopróprioobjeto.Nateoriaquânticapadrãonãoexisteátomoalémdafunçãodeondadoátomo.Masoqueé,exatamente,afunçãodeondadeSchrödingerfisicamente?Aprincípio,Schrödinger não sabia, e quando especulou, enganou-se. Por enquanto, vamossimplesmenteseguiradianteeobservaralgumasfunçõesdeondaqueaequaçãonosdizquepodemexistir.FoioqueSchrödingerfez.

VAMOSCONSIDERAR PRIMEIRO a funçãode ondade umobjeto pequeno simplesmovendo-se ao longo de uma linha reta. Pode ser um elétron ou átomo, porexemplo.Parasermosgenéricos,geralmentenosreferimosaum“objeto”,masàsvezes revertemospara“átomo”.Maisadiantediscutiremos funçõesdeondaparacoisasmaiores–umamolécula,umaboladebeisebol,umgato,atémesmoafunçãodeondadeumamigo.OscosmólogoscontemplamafunçãodeondadoUniverso,enóstambémofaremos.

AlgunsanosantesdasfériasinspiradorasdeSchrödinger,Comptonmostrouquefótonsdisparavamelétronscomoseelétronsefótonsfossemsemelhantesaminúsculas e compactas bolas de bilhar. Por outro lado, para mostrarinterferência, todo e cada fóton ou elétron tinha de ser uma onda espalhadaproveniente de duas trajetórias. Como é que um único objeto pode ser tantocompacto quanto espalhado? Uma onda pode ser ou compacta ou espalhada.Mas não compacta e espalhada ao mesmo tempo. Como era na verdade umátomo, um elétron ou um fóton? Seria o átomo um objeto compacto ou umespalhado?Aindahaviaumproblema.

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FIGURA6.3Funçãodeondacomoumasériedecristasouumacristaúnica.

Masumacoisafuncionavabastantebem:paracoisasgrandes,objetosmuitomaiores que átomos, a equação de Schrödinger essencialmente se torna aequaçãouniversaldomovimentodeNewton.AequaçãodeSchrödingergovernaportanto não só o comportamento de elétrons e átomos, mas também ocomportamentodetudooqueéfeitodeátomos–moléculas,bolasdebeiseboleplanetas.A equação deSchrödinger nos diz qual será a função de onda numadadasituaçãoecomoelasemodificarácomotempo.Elaéanovaleiuniversaldomovimento.A equação deNewton é apenas a aproximação excelente paracoisasgrandes.

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Ondulatoriedade

A equação de Schrödinger diz que um objeto emmovimento é um pacote deondasemmovimento.Porém,maisumavez,oqueéqueestáondulando?Pensenestasanalogias–Schrödingersemdúvidapensou:

Numpontotempestuosodooceano,asondassãograndes.Vamosdizerqueessaregiãotem“ondulatoriedade”grande.Oressoardeumtambor,chegandoavocêdeumtambordistante,éondeaondulatoriedadedapressãodoarégrande;é onde está o som. Amancha luminosa onde a luz do sol atinge a parede, aregiãodegrandeondulatoriedadedocampoelétrico,éondea luzestá.Nessescasos, aondulatoriedadenos contaonde algoestá.Parece razoável transportaressanoçãoparaocasoquântico.

A ondulatoriedade de um pacote de ondas quânticas é grande onde aamplitudedasondaségrande,ondeascristassãoaltaseosvalesprofundos.Aondulatoriedade pode ser fácil de desenhar se tivermos a função de onda.Indicaremosaondulatoriedadepormeiodesombreado.Quantomaissombreado,maior a ondulatoriedade. (O termo matemático para ondulatoriedade é“quadradoabsolutodafunçãodeonda”,eháumprocedimentomatemáticoparaobtê-la apartirda funçãodeonda.Mencionamoso termoapenasporquevocêpoderávê-loemalgumoutrolugar.“Ondulatoriedade”émaisdescritivo.)

FIGURA6.4Umafunçãodeondaesuaondulatoriedade.

QUANDOCONSIDERAMOSumátomosimplesmentecomoumobjetoquesemoveemumadireção, ignoramos suaestrutura interna.Existem,éclaro, funçõesde

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ondadeelétronsdentrodoátomo.Nosprimeirostempos,Schrödingercalculouafunçãodeondadeumúnicoelétrondentrodoátomodehidrogênio,repetindoosresultadosdeBohrparaníveisdeenergiaeoespectrodohidrogênioobservadoexperimentalmente. Como foi capaz de fazer isso sem precisar das premissasarbitráriasdeBohr,Schrödingertevecertezadequeestavacerto.Elepensouquetinhaselivradodossaltosquânticos.Masnãofoibemassim,comoveremos.

Nafigura6.5esboçamosaondulatoriedadedostrêsestadosenergéticosmaisbaixos do elétron de hidrogênio como seções transversais da ondulatoriedadetridimensional do elétron. Você pode visualizar a ondulatoriedade comochumaçosdenévoa.Anévoaémaisdensaondeaondulatoriedadeémaior.Oformato do chumaço de névoa é, num certo sentido, o formato do átomo.Imagenscalculadascomoessasfornecemaosquímicosapercepçãodecomoosátomosemoléculasseligamentresi.

FIGURA6.5Aondulatoriedadedostrêsestadosmaisbaixosdeumátomodehidrogênio.

Poucosdenóspensavamqueaondulatoriedadedeelétronsdentrodeátomosfosse algum dia ser exibida diretamente, da maneira que um padrão deinterferênciamostra a ondulatoriedade largamente espalhada de elétrons livresou átomos. Os padrões da figura 6.5 são calculados a partir da equação deSchrödinger e sãoentãoconfirmados indiretamentepelos comportamentosquepressupõem.Em2009,físicosucranianos,usandoumavelhatécnicadeimagens,a “microscopia de emissão de campo”, arrancaram elétrons de átomos decarbono isolados com um grande campo elétrico. Observando numa tela dedetecção onde pousavam os elétrons, puderam rastrear a posição dentro doátomo do qual os elétrons emergiam. Assim confirmaram diretamente osfamiliarespadrõesdeondulatoriedadedoslivros-texto.

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Por acaso sugerimos que a ondulatoriedade nos conta onde o objetorealmenteestá?Nãoébemassim.

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Ainterpretaçãoinicial(errada)daondulatoriedadefeitaporSchrödinger

Schrödingerespeculouqueaondulatoriedadedeumobjetoeraopróprioobjetoespalhado.Onde,porexemplo,anévoadoelétronémaisdensa,omaterialdoelétronseriamaisconcentrado.Oelétronestariaportantoespalhadoem todaaextensão da sua ondulatoriedade. A ondulatoriedade de um dos estados doelétrondehidrogênioretratadaacimapoderiaentãose transformarsuavementeemoutroestadosemosaltoquânticoqueSchrödingerdetestava.

Essa interpretação aparentemente razoável da ondulatoriedade está errada.Eisporquê:emboraaondulatoriedadedeumobjetopossaestarespalhadasobreumaregiãoextremamenteampla,quandoseolhaumpontoparticular,encontra-seimediatamenteouumobjetointeiroaliouobjetonenhumnaqueleponto.

Por exemplo, uma partícula alfa emitida de um núcleo poderia ter umaondulatoriedadeestendendo-seporquilômetros.Mas,assimqueseouveocliquedeumcontadorGeiger,pode-seencontrarumapartículaalfainteiraexatamentedentro do contador. Ou consideremos a ondulatoriedade de um único elétrondirigidoaumateladecintilação,noexperimentodeinterferênciaqueconfirmouaideiadeondadeDeBroglie.Suaondulatoriedadeseriaemdiversasporções,separadasporcentímetros.Masuminstantedepoissevêumcintilarnumpontoúnico da tela, onde o elétron a atinge. O elétron inteiro pode então serencontrado ali. A ondulatoriedade anteriormente espalhada do elétron ficasubitamenteconcentradanaqueleúnicoponto.Se,poroutrolado,oelétronfossedetectado enquanto em trânsito para a tela, seria encontrado concentrado emalgumpontoúnicoemumadasdiversasporçõesdesuaondulatoriedade.

Se um objeto físico real fosse espalhado sobre a extensão de suaondulatoriedade, como Schrödinger inicialmente pensou, suas partes remotasteriam de coalescer instantaneamente para o lugar onde o objeto inteiro se

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encontrava,afimdeseajustaraosfatosobservados.Amatériafísicateriadesemovercomvelocidademaiorqueadaluz.Issoéimpossível.

Ao tentar se livrar dos “malditos saltos quânticos”, Schrödinger fracassou.Mais adiante vamos encontrá-lo objetando a algo muito mais ultrajante queelétronssaltandodeórbita.

FIGURA6.6Noalto:OndulatoriedadedeumapartículaalfaantesedepoisdeserdetectadaporumcontadorGeiger.Embaixo:Ondulatoriedadedeumúnicoelétron

antesedepoisdeserdetectadonumatela.

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Ainterpretaçãoaceitadeondulatoriedade

Apartirdaposiçãoedomovimentodeobjetosnumdadomomento,as leisdomovimentodeNewtondãosuaposiçãoeomovimentoparatodososmomentosfuturosepassados.Apartirdafunçãodeondanumdadomomento,aequaçãodeSchrödinger dá a função de onda para todo o tempo futuro e passado. Nessesentido,ateoriaquânticaétãodeterministaquantoafísicaclássica.Amecânicaquântica, a teoria mais as observações experimentais, tem uma aleatoriedadeintrínseca.Essaaleatoriedadesurgecoma“observação”,algo inexplicadopelateoria.

Oquedescrevemosnaspróximaspáginaspodeserconfuso.Éconfusoporser difícil de acreditar. A interpretação aceita da ondulatoriedade desafiaqualquervisãodesensocomumdarealidadefísica.Elanosapresentaoenigmaquântico.

Aondulatoriedadenumaregiãoéaprobabilidadedeencontraroobjetonumlugar determinado. Devemos ter cuidado: a ondulatoriedade não é aprobabilidadedeoobjetoestarnumlugarespecífico.Háumadiferençacrucial!O objeto não estava lá antes de você tê-lo encontrado lá. Você poderia terescolhido um experimento de interferência, demonstrando que ele estavaespalhadoporumavastaregião.Vocêsabequepoderiaterfeitoumexperimentode interferência porque foi o que de fato fez com outros objetos preparadosexatamentedamesmamaneira.Vocêpoderiaterfeitoessaescolhatambémnestecaso.Dealgummodo,ofatodevocêterolhadoéquecausouqueeleestivessenum lugar específico. Em nossa visão padronizada da mecânica quântica – ainterpretaçãodeCopenhague(abordadanocapítulo10)–,“observações”nãosóperturbamoquedevesermedido,observaçõesnaverdadeproduzemoresultadomedido. Mais adiante falaremos sobre o que poderia ser considerado uma“observação”.

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Ondulatoriedade é probabilidade,mas devemos contrastar ondulatoriedade,ou probabilidade quântica, com probabilidade clássica, algo similar masintrinsecamente diferente. Comecemos com um exemplo de probabilidadeclássica.

NUMAQUERMESSE,umsujeitoquefalarápido,commãosaindamaisrápidas,fazabrincadeiradascascasdenoz.Elecolocaumfeijãodebaixodeumadeduascascasviradasparabaixo.Depoisdeelemexê-laseembaralhá-lasrapidamente,seus olhos deixam de acompanhar qual das cascas contém o feijão. Há umaprobabilidade igualdeofeijãoestaremumdosdois lugares.Associamosumaprobabilidadedeummeioparacadacascadenoz,oque significaquemetadedasvezesqueolharmosencontraremosofeijãosob,digamos,acascadadireita.Asomadasprobabilidadesparaasduascascasé1(½+½=1).Issocorrespondeàcertezadequeofeijãoestádebaixodeumadasduascascas.

Apósumpoucode falatório, enquanto recebe algumasapostas, ooperadorergue,digamos,acascadadireita,evocêvêofeijão.Instantaneamente,torna-secertezaqueofeijãoestádebaixodacascadadireitaenãoestádebaixodacascada esquerda. A probabilidade de o feijão estar sob a casca da esquerda“colapsou” para zero e a de estar sob a casca da direita subiu para 1, umacerteza.Mesmoqueacascadaesquerdafossemovidaportodaacidadeantesdese levantar a casca da direita, o colapso da probabilidade ainda assim seriainstantâneo.Grandesdistâncias não afetama rapidez comque a probabilidadepodemudar.

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FIGURA6.7

JOGOS DE AZAR TORNAM quase óbvio o que a ondulatoriedade quântica deverepresentar. (Óbvio pelo menos para aqueles de nós que anteriormente foraminformados da resposta.) Na verdade, foi apenas alguns meses depois deSchrödinger anunciar sua equação que Max Born percebeu que aondulatoriedade numa região era probabilidade, a probabilidade de o objetointeiro ser encontradonaquela região.EssepostuladodeBorn relacionaoquerealmenteobservamos,umobjetointeironumlugarespecífico,comaexpressãomatemáticadaondulatoriedadedadapelateoriaquântica.Comoaprobabilidadeno jogo de cascas de noz, quando descobrimos onde o objeto está, suaondulatoriedade instantaneamente “colapsa” para 1 na região em que oencontramos,eparazeroemtodososoutroslugares.

Existe,porém,umadiferençacrucialentreaprobabilidadeclássicailustradapelo jogo das cascas de noz e a probabilidade quântica representada pelaondulatoriedade.Aprobabilidadeclássicaéumadeclaraçãodeconhecimentodapessoa.Nojogodecascasdenoz,vocênãosaberabsolutamentesobquecascaofeijão está significa que para você a probabilidade de ele estar sob cada umadelasera½.Ooperadordojogoprovavelmentetinhaumconhecimentomelhor.Paraeleaprobabilidadeeradiferente.

Aprobabilidadeclássicarepresentaoconhecimentoqueumapessoatemdeuma situação. Não nos conta toda a história. Presume-se a existência de algo

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físicoalémdesseconhecimento,algoaqueessaprobabilidadeserefere.Existia,por exemplo, um feijãode verdade sobumadas cascas.Se alguémespiasse evisseofeijãosobacascadaesquerda,aprobabilidadecolapsariaparacerteza,passariaa1,paraessapessoa.Maspoderiacontinuarsendo½paracadacascaparasuaamigaquenãoespiou.Aprobabilidadeclássicaésubjetiva.

FIGURA6.8

APROBABILIDADEquântica,aondulatoriedade,poroutrolado,émisteriosamenteobjetiva; é amesma para todomundo.A função de onda é a história toda: adescriçãoquânticapadrãonão temnenhumátomoalémda funçãodeondadoátomo.Conformedizumimportantetextodefísicaquântica,otermo“afunçãodeondadoátomo”ésinônimode“oátomo”.

Se alguémolhasse numponto particular e acontecesse de ver o átomo ali,esse olhar “colapsaria” a função de onda espalhada daquele átomo para queficasse inteiramente naquele ponto específico. Ou seja, o átomo estaria entãonaquelepontoparatodomundo.(Seolhasseenãoencontrasseoátomoali,elenão estaria ali para todo mundo.) Se alguém observasse o átomo num pontoespecífico,umsegundoobservadorolhandoumpontodiferenteseguramentenãoencontraria o átomo nesse outro ponto. No entanto, a ondulatoriedade desseátomo existiria naquele ponto diferente imediatamente antes de o primeiroobservador colapsá-lo. A teoria quântica insiste que isso é assim porque umexperimento de inferência poderia ter estabelecido a ondulatoriedade desse

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átomocomoali existente. (Issoé reconhecidamenteconfuso.Asituação ficarámaisclaraquandodescrevermososexperimentosquelevamaessasconclusões.Masoenigmapermanecerá.)

Observar que um átomo está num lugar específico cria sua existência ali?Sim. Mas precisamos tomar cuidado aqui. Estamos tocando em algocontroverso:“observação”.Avisãopadrão(ouinterpretaçãodeCopenhague,àsvezes chamadavisão “ortodoxa”da física) consideraqueumaobservação temlugar sempre que um objeto pequeno, microscópico, afeta um objeto grande,macroscópico.Seumátomoproduzirumbrilhoemalgumpontodeumateladecintilação, por exemplo, essa tela macroscópica, na interpretação deCopenhague, “colapsa” a função de onda largamente espalhada do átomo,levando-aaconcentrar-senaquelepontodatela.

Entretanto, exatamente antes de atingir a tela, o átomo era uma ondaespalhada. Ao atingir a tela, de algum modo ele se tornou uma partículaconcentrada num ponto específico. Pudemos olhar e encontrá-lo ali. Podemosportantodizerqueatela“observou”oátomo.Esseéumbomcaminhoaseguir,pelomenosparatodosospropósitospráticos.Contudo,vamosnosinteressarporaquiloqueocorrealémdemerospropósitospráticos.

Temosfaladosobreumátomoporqueateoriaquânticafoidesenvolvidaparalidar com objetos microscópicos. Mas a teoria quântica é básica para toda afísica, toda a ciência, e é aplicada a entidades grandes como o Universo, eíntimascomoamente,emborafazê-losejacontroverso.

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Intrinsecamenteprobabilístico

Uma teoria em física prediz o que você verá num experimento, onde“experimento” é qualquer situação bem especificada. Para uma bolaarremessada,porexemplo,ouumplaneta,afísicaclássicanosdizaposiçãorealda bola ou do planeta em qualquer momento,mesmo que não estejam sendoobservados.Podehaverincertezaemtaisprevisões,quepodemespecificarumagama de posições possíveis. Embora as previsões possam ser probabilísticas,presume-se que o objeto exista realmente num lugar específico. Em físicaclássica,probabilidadeéaincertezasubjetivadonossoconhecimento.

A mecânica quântica, por outro lado, é intrinsecamente probabilística.Probabilidade é tudo o que há. A física quântica não nos diz a probabilidaderelativa a onde o objeto está, e sim a probabilidade de que, se você olhar,observeoobjetonumlugarespecífico.Oobjetonãotem“posiçãoreal”antesdeessaposiçãoserobservada.Emmecânicaquânticaaposiçãodeumobjetonãoéindependente de sua observação nessa posição. O observado não pode serseparadodoobservador.

VAMOSDARUMAolhadaemduasabordagensrelativasàprobabilidadequântica.

Existe a abordagem “Está tudo bem!”: ondulatoriedade é a probabilidadedaquiloquevocêobservará. Sim, ela depende de comovocê olha.Você podeolhar diretamente para umobjeto e demonstrar que ele é uma coisa compactanum lugar específico. Ou pode fazer um experimento de interferência edemonstrar que ele era uma coisa espalhada. Em qualquer um dos casos, amecânicaquânticaprevêoresultadocorretoparaoexperimentoquevocêdefatofizer. Como predições corretas são tudo de que se necessita, para todos ospropósitos práticos não existe problema. Nós defendemos essa atitudepragmáticaútil,ainterpretaçãodeCopenhague,nocapítulo10.

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De outro lado, há a abordagem “Estou perplexo!”: a teoria só dáondulatoriedade.EssaéumapremissaquevaialémdaequaçãodeSchrödinger.ÉopostuladodeBornquenosdizqueaobservaçãocolapsaaondulatoriedadeespalhadaparaolugarespecíficoondeacontecedeencontrarmosoobjeto.

Seráquea lei fundamentaldanatureza, a equaçãodeSchrödinger, forneceapenas probabilidade? Einstein sentia que devia haver uma explicaçãodeterministaparaumaposiçãoparticularnaqualoobjetoeraencontrado:“Deusnãojogadados.”(BohrsugeriuqueEinsteinnãodissesseaDeuscomodirigiroUniverso.)

A aleatoriedade não era o problema sério de Einstein com a mecânicaquântica, apesar desse comentário teológico muito citado. O que perturbavaEinstein, e Schrödinger, e mais especialistas nos dias de hoje, é a aparentenegaçãoda realidade físicapelamecânicaquântica.Ou, talvezamesmacoisa,que a escolha do observador quanto a como observar afete a situação físicaanterior. Segundo a teoria quântica, não havia um átomo real num lugarespecíficoantesdeolharmos,“colapsarmosa funçãodeonda”eencontrarmosum átomo ali.Mas existem átomos reais, e coisas reais feitas de átomos.Nãoexistem?

NOCOMEÇODOSanos1920,antesdaequaçãodeSchrödinger,ofatodealguémpoderconsiderarluzematériatantocomoondaespalhadaquantocomocoleçãode partículas compactas era um quebra-cabeça perturbador. No entanto,esperava-sequealgumateoriafundamentalaindaporserencontradapudessedarumaexplicaçãorazoável.Nofimdosanos1920,comaequaçãodeSchrödinger,a teoria fundamentalpareciaestaràmão.Masoquebra-cabeçaeraaindamaisperturbador.

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7.OexperimentodaduplafendaOproblemadoobservador

[O experimento da dupla fenda] contém o únicomistério. Não podemosfazer omistério sumir “explicando” como funciona…Ao contar a vocêcomofuncionateremoslhefaladoacercadaspeculiaridadesbásicasdetodaamecânicaquântica.

RICHARDFEYNMAN

NESTECAPÍTULO,buscamosrigornaapresentaçãodoenigmaquântico.Norestodo livro, ponderaremos de modo mais relaxado sobre o que tudo isso podesignificar.

O experimento da dupla fenda, a demonstração arquetípica dos fenômenosquânticos, revela o encontro da física com a consciência. Citando Feynmanacima: “Não podemos fazer o mistério sumir…” Mas contaremos comofunciona.

Oexperimentodaduplafendaé,emparte,umexperimentodeinterferência.Descrevemos interferênciaparaondas luminosasnocapítulo4.A interferênciafoidemonstradacomfótons,elétrons,átomosemoléculasgrandes,eestásendotentadacomcoisasaindamaiores.Demonstrarainterferênciacomfótonséumaatividade fácil de sala de aula.As fendas podem ser dois traços riscados numfilme opaco. Fazendo incidir um apontador laser através das fendas, pode-seexibirumclaropadrãode interferência.A interferênciacomelétronsnãoé tãofácil,maspode-secomprarumequipamentoimpressionanteparademonstraçãoem sala de aula por algunsmilhares de dólares.Demonstrar interferência comátomos ou moléculas é mais complicado e muito mais caro. Mas a ideia ébasicamente amesma.Comoelétronsou átomoscolidiriamcommoléculasdear, a interferência com objetos diferentes de fótons precisa ser exibida num

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recipiente de onde o ar é retirado, mas não nos preocuparemos com tais“detalhes”técnicos.

Comoomistérioquânticoéomesmoemtodososcasos,ecomofalarnãoapresenta problemas de orçamento, vamos discorrer sobre átomos. Hojepodemosverátomosindividuais,atémesmopegá-losesoltá-losumdecadavez.Vamosprimeirodescreverbrevementeaversãopadrãodoexperimentodaduplafenda. Então seguiremos com uma versão completamente equivalente quecontrastamuitobemcomojogodecascasdenozdocapítulo6.

QUANDO DESCREVEMOS a interferência de ondas luminosas no capítulo 4,comentamosque,paraobterumpadrãodeinterferênciabemdefinido,aluzdeveserdeumaúnicacor. Isso significa luzdeumagamaestreitade frequênciasecomprimentos de onda.Omesmo se aplica aos átomos.Os átomos devem teressencialmente o mesmo comprimento de onda de De Broglie, o quesimplesmentesignificaquedevemvirnamesmavelocidade.

NOSSASFENDASSÃOduasaberturas,conformeémostradonafigura7.1.Enviam-seosátomosapartirdaesquerda.Passandopelasfendas,elesatingemumatelaàdireita,quemostramosna figura7.2. (Nãonos incomodamoscomátomosquedeixemdepassarpelasfendas.)

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FIGURA7.1Noalto:Odiafragmadeduplafenda.Embaixo:Vistalateraldefontedeátomos,diafragmadeduplafendaeteladedetecçãocomátomosempadrãode

interferência.

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FIGURA7.2Padrãodeinterferênciaformadoporátomosquepassaramporduasfendasestreitas.

Registram-se os pontos da tela onde os átomos pousaram. Eles atingemapenascertas regiões.Adistribuiçãodosátomosproduzopadrãomostradonafigura7.2.(Éomesmopadrãodasondasluminosasdafigura5.7.)

Opadrão,umpadrãodeinterferência,ocorre,comoacontececomqualqueronda,porquea funçãodeondadecadaátomopassaporambasas fendas.Emalgumas regiõesda tela,cristasda fendasuperiorchegamjuntocomcristasdafendainferior.Ondasdeambasasfendasentãosesomamparaproduzirregiõesdegrandecomprimentodeonda.Emoutraspartes,cristasdeumafendachegamjuntocomvalesdaoutraesecancelam,produzindoregiõescomondulatoriedadezero. A ondulatoriedade numa região é a probabilidade de encontrar ali umátomo. Logo, você encontra regiões atingidas por muitos átomos e regiõesatingidas por poucos átomos. Na interpretação “ortodoxa” de Copenhague doque está se passando, a função de onda de cada átomo colapsou no pontoparticularatingido,ondefoi“observado”pelatelamacroscópica.

Como a função de onda de cada átomo seguiu uma regra que depende doespaçamento entre as fendas, alguma coisa de cada átomo deve ter passado

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atravésdeambasas fendas.A teoriaquânticanão temnenhumátomoalémdafunçãodeondado átomo.Consequentemente, cada átomoem si deve ter sidoalgumacoisaespalhadapassandoatravésdeambasasfendasbemseparadas.

Entretanto, poderíamos ter feito esse experimento com apenas uma fendaaberta.A função de onda de cada átomo poderia então ter passado através deumaúnicafendaestreita.Continuamosencontrandoátomosqueatingematela.Nãopoderiahaver,éclaro,nenhumainterferênciaporquea funçãodeondadecadaátomopassouporumafendaapenas.Mas,comoafunçãodeondadecadaátomo passou por uma única fenda estreita, cada átomo é estabelecido comosendo uma coisa compacta, uma partícula. Os átomos caem na distribuiçãouniformemostradanafigura7.3.

FIGURA7.3Distribuiçãodeátomospassandoatravésdeumaúnicafendaestreita.

Pudemos assim escolher demonstrar, com ambas as fendas abertas, que osátomos são coisas espalhadas.Ou, comuma única fenda aberta, demonstrar ocontrário, que os átomos são partículas compactas. Esse é, obviamente, oparadoxo onda-partícula discutido para as ondas deDeBroglie no capítulo 5.

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Simplesmente contamos a história para átomos em termos da teoria quânticaatual.

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Nossaversãocomparesdecaixasdoexperimentodaduplafenda

Eisaquiumaversãocompletamenteequivalentedoexperimentodaduplafenda,naqualsepodeescolhermostrarqueumobjeto,umátomo,porexemplo,estavainteiramentedentrodeumacaixasó.Maspoderíamosterescolhidomostrarqueomesmoátomonãoestavainteiramentenumacaixasó.Contandoahistóriacomátomoscapturadosemcaixas,vocêpodedecidiraseubel-prazerqualsituaçãocontraditória deseja demonstrar. Essa maneira de contar a história mostra demodomaisimpressionanteodesafioquânticoànossaintuiçãodesensocomumsegundoaqualexiste“láfora”umarealidadefísicaindependentedoobservador.Vamosnos referir aonossopardecaixasdenovo–edenovo – emcapítulosfuturos.Portanto,nósacontamoscuidadosamenteaqui.

ARISTÓTELESENSINAVAqueparadescobrir as leisdanaturezadevia-secomeçarcom os exemplos mais simples e a partir deles passar a generalizações maisamplas. Galileu aceitou essa injunção, mas advertiu que devemos nos basearapenasnaquiloqueéexperimentalmentedemonstrável,mesmoseosresultadosviolarem nossas intuições mais profundas. Considerando o comportamentoidealizadodeobjetosisolados,aLua,osplanetasemaçãs,Newtonformulousuaequação universal do movimento. O experimento da dupla fenda, ademonstração mais simples de fenômenos quânticos, segue esse caminho.Tratamosnossaversãodeparesdecaixascomátomoscomomáximocuidado.Posteriormente,vamosgeneralizá-laparagatos,aconsciênciaeocosmo.

NOJOGODASCASCASdenozdocapítulo6,ofeijãotinhaigualprobabilidadedeestar debaixo de cada casca. Probabilidade não era a descrição completa dasituação física. Decididamente havia também um feijão real debaixo de uma

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cascaoudeoutra.Aobservaçãonãomudavaessasituaçãofísica.Colocaremospartes iguais da ondulatoriedade de um único átomo em cada uma das duascaixas,demodoqueoátomotenhaigualprobabilidadedeestaremcadacaixa.Mas,aocontráriodoqueacontecenojogodecascasdenoz,nãoexistenenhum“átomoreal”numacaixaemparticular.Afunçãodeondadivididaemambasascaixas é a descrição completa da situação física. E aqui, ao contrário do queocorrenojogodecascasdenoz,aobservaçãomudasimasituaçãofísica.

Paramostraroenigmaquântico,nãoénecessáriodizercomoosnossosparesde caixas são preparados. Entretanto, uma vez que já falamos de funções deonda,descreveremosapreparação.Depoisdisso,porém,mostraremosoenigmaquântico dizendo apenas o que você realmente veria. Descreveremos oexperimentodosparesdecaixas,semmencionarateoriaquântica,oufunçõesdeonda,semmencionarnemmesmoondas.

EISCOMOOSÁTOMOSforamcolocadosnosparesdecaixas.Qualquerondapodeserrefletida.Umespelhosemitransparenterefletepartedeumaondaepermitequeorestooatravesse.Umpaineldevidro,porexemplo,permitequealgumaluzpasseeoutrotantosejarefletido.Novidro,afunçãodeondadecadafótonindividual se divide. Uma parte é refletida e outra transmitida. Podemos tertambémumespelhosemitransparenteparaátomos.Eledivideafunçãodeondadeumátomoemdoispacotesdeondas,umpacotequeoatravessaeoutroqueérefletido.

Oarranjodeespelhosecaixasdafigura7.4permitecapturarasduaspartesdafunçãodeondadeumátomonumpardecaixas.Mandamosumátomoúniconumavelocidadeconhecidae fechamosasportasdas caixasquandoambosospacotesde funçãodeondaestiveremdentrodelas.Depoisdisso,cadapartedafunção de onda é refletida de um lado a outro na sua caixa. Na figura 7.4mostramosafunçãodeondaeaondulatoriedadeemtrêsmomentossucessivos.

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FIGURA7.4Disposiçãodeespelhoepardecaixasdemodoapermitiracapturadeumafunçãodeondanumpardecaixas.Afunçãodeondadeumátomoémostradaem

trêsinstantesdiferentes.

Sabemos que há um, e apenas um, átomo em cada par de caixas porqueobservamosumátomoeoenviamosparadentrodecadapardecaixas.Nosdiasde hoje, com as ferramentas adequadas, podemos ver e lidar com átomos emoléculasindividuais.Comummicroscópiodetunelamentocomvarredura,porexemplo,podemospegaresoltarátomosindividuais.

Reter um átomo numa caixa sem perturbar sua função de onda seriacomplicado,mascertamenteé factível.Dividira funçãodeondadeumátomoemduasregiõesbemseparadaséalgoqueseconsegueemtodoexperimentorealdeinterferênciacomátomos.Capturarosátomosemcaixasfísicasnarealidadenão é necessário para nossa demonstração. Uma região definida do espaçobastaria.Gostamosdepensaremcadaregiãodefinidaporumacaixaporqueseparece mais com o jogo das cascas de noz. Podemos então considerar que oátomoestáali, àesperadedecidirmosoque fazercomele, emvezde fazê-loatravessarumdiafragmadeduasfendasacaminhodeumateladedetecção.

Daquipordiante,adescriçãodonossoexperimentodeparesdecaixasnãomencionará funçõesdeonda,nemmesmoondas.Simplesmentediremosoquevocê de fato veria. Descrevemos observações neutras em termos de teoriaquântica.Fazendoisso,enfatizamosqueoenigmaquânticosurgediretamentedeobservações experimentais. A existência do enigma quântico não depende dateoriaquântica!

O“experimentodeinterferência”

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Você é apresentado a um grande número de pares de caixas. (Elas forampreparadasconforme foidescritoacima,mas,paraademonstraçãodoenigma,vocênãoprecisasabernadasobreapreparação.)Posicioneumpardecaixasnafrentedeumatelanaqualumátomofiquegrudadoapósoimpacto.Abraumapequena fresta em cada caixa, mais ou menos ao mesmo tempo. Um átomoatinge a tela. Repita isso com muitos pares de caixas identicamenteposicionadas.Vocêdescobrequeosátomosseagrupamemalgumasregiõesdatela, mas evitam outras regiões. O padrão é o mesmo que foi mostradoanteriormentenafigura7.2paraopardefendas.Cadaátomoseguiuumaregraquelhepermitiapousaremcertasregiõeselheproibiapousaremoutras.

Agora repita o procedimento com um novo conjunto de pares de caixas.Desta vez deixe um espaçamento diferente entre as caixas de cada par. Vocêdescobrequeasregiõesondeosátomosseagrupamestãoespaçadasde formadiferente. Quanto maior o espaçamento entre as caixas de um par, menor oespaçamentoentreasregiõesondeosátomospousam.Ilustramosissonafigura7.5.Todoecadaátomoseguiuumaregraquedependedoespaçamentodoseupardecaixas.Cadaátomo,portanto,tinhade“saber”oespaçamentodopar.

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FIGURA7.5Padrõesdeinterferênciaformadosporátomosquepassaramporduasfrestasestreitascomdiferentesseparaçõesentreelas.

Estáclaroqueoexperimentoqueacabamosdedescreveréumexperimentodeinterferência,comooexperimentodaduplafenda,eapartirdeagoravamoschamá-lo de “experimento de interferência”. Mas não usamos nenhumapropriedadedasondas.Algumacoisadecadaátomotinhadevirdecadacaixa,porque o local onde os átomos pousavam dependia do espaçamento entre ascaixasdopar.Esseexperimentodeinterferênciaestabelecequecadaátomoeraumacoisadifusa,espalhadaemambasascaixasdopar.(Nadaqueéfeitoforadascaixasenquantooátomoaindaestáládentrotemnenhumefeito.)

Oqueexplicaqueumátomo inteiroapareçanatelaquandopartedeletevede vir de cada caixa do par? Não faria sentido dizer que uma parte de cadaátomoestavaemcadacaixa?Nessecaso,partedoátomoemergiudecadacaixadopar,eentãoconsolidou-senopontoda telaonde foiencontrado.Essa ideiaquesoarazoávelnãofunciona.Eisporquê:

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Oexperimento“qualcaixa?”

Emvezdefazeroexperimentoabrindofrestasnascaixasdeumparaomesmotempo, escolha um experimento diferente: abra uma fresta numa das caixas edepoisfaçaomesmonaoutra.Aoabrirumadascaixas,àsvezesvocêdescobrequeumátomo inteiroatingea tela.Se issoacontece,aoabriraoutracaixadopar,nãosainada.Sevocêabrirumacaixaenãoaparecernadana tela,então,com toda a certeza, um átomo aparecerá na tela quando você abrir a segundacaixa. Abrindo repetidamente uma caixa de cada vez num conjunto de pares,vocêdeterminaemqualcaixaestáoátomo inteiro.Vocêdemonstraquehaviaumátomointeironumadascaixas,equeaoutracaixadoparnãocontinhanada.Comátomosestando inteiramentenumaúnicacaixa,oespaçamentoentreelasnãoseriarelevante.Defato,vocêdescobreumadistribuiçãouniformedeátomosatingindo a tela, como vimos anteriormente na figura 7.3 para o caso de serabertaumaúnicafenda.

Háummeiomaisdiretodeestabelecerquecadaátomoestavainteiramentenumacaixaúnica.Simplesmenteolheparaverqualcaixacontinhaoátomo.Nãoimportacomovocêolhe.Vocêpode,porexemplo,fazerincidirumfeixedeluzapropriadodentrodacaixaeverumacintilaçãodoátomo.Cercademetadedasvezesvocêencontraráumátomointeironacaixaemcujointeriorespiou;cercademetadedasvezesvocêacharáacaixavazia.Senãohouverátomonacaixaespiada primeiro, ele sempre estará na outra. Se achar o átomonuma caixa, aoutra do par estará totalmente vazia. Nenhuma observação, de nenhum tipo,acharianadanessacaixavazia.Oexperimento“qualcaixa?”ou“olhardentrodacaixa”estabelecequecadaátomoestavaconcentradonumaúnicacaixadopar,quenãoestavaespalhadoemambasascaixas.

MAS, ANTES DE olhar, você poderia ter feito um experimento de interferênciaestabelecendo que havia algo de cada átomo em ambas as caixas. Portanto,poderia ter escolhido provar que cada átomo estava inteiramente numa única

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caixaouprovarquecadaátomonãoestavainteiramentenumaúnicacaixa.Vocêpodeoptarporprovarqualquerumadessasduassituaçõescontraditórias.

Apossibilidadedeprovarqualquerumdosdois resultadoscontraditórioséintrigante.Querendoexploraralém,alguns indagaram:“Esevocê fizerambosos experimentos com os mesmos átomos? E se abrir os pares de caixas aomesmotempoparaobterumpadrãodeinterferência,mastambémolharparaverdequalcaixacadaátomosaiu?”Essaolhadaéessencialmenteumexperimento“qual caixa?”. Absolutamente qualquer coisa que você fizer que lhe permitasaberemqualcaixaoátomoestavaanulaacapacidadedoátomodeobedeceràregraquedáopadrãodeinterferência.

Buscando um furo, um lógico poderia comentar que o experimento deinterferência se baseia em evidência circunstancial. Que utiliza um fato, opadrãode interferência,paraestabeleceroutro fato–quecadaátomoveiodasduas caixas. Isso é verdade em qualquer experimento de interferência. Nãoencontrandonenhumaoutraexplicação razoável,a físicaaceitauniversalmentequeainterferênciaestabeleceumaondulatoriedadeespalhada.Comonosistemalegalamericano,umaevidênciacircunstancialpodeestabelecerumaconclusãoalémdequalquerdúvidarazoável.

Uma teoria que conduz a uma contradição lógica é necessariamenteincorreta.Seráqueapossibilidadededemonstrarqualquerumadeduascoisascontraditórias acerca dos átomos (e outros objetos) invalida a teoria quântica?Não. Você não demonstrou a contradição com exatamente as mesmas coisas.Vocêfezdoisexperimentoscomátomosdiferentes.

Oenigmaquântico

Eisaquiumaexplicaçãologicamenteconcebívelparaapossibilidadedeprovarqualquer uma de duas coisas contraditórias: os pares de caixas para os quaisvocê escolheu o experimento de interferência realmente continham objetosextensosespalhadospelasduascaixas,nãointeirosnumacaixasó.Eosparesdecaixas para os quais você escolheu o experimento “qual caixa?” realmente

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continhamobjetoscompactosinteirosnumacaixasó.Dequeoutramaneiraissopoderiaserestabelecido?

Você rejeita essa explicação. Você a rejeita porque sabe que, dado umconjuntodeparesdecaixas,poderiaterfeitoqualquerumadasopções.Escolheulivrementequalexperimentofazer.Você temlivre-arbítrio.Pelomenosassuasescolhas não foram predeterminadas por uma situação física externa ao seucorpo,peloquesupostamenteestaria“defato”nosparesdecaixas.

Teria a sua livre escolha determinado a situação física externa?Ou teria asituação física externapredeterminadoa suaescolha?Sejaoque for, qualquerumadasduasalternativasnãofazsentido.Éoenigmaquânticonãoresolvido.

Um ponto importante: vivenciamos um enigma porque acreditamos quepoderíamos ter feito algo diferente do que de fato fizemos. A negação dessaliberdade de escolha requer que nosso comportamento seja programado demaneira a correlacionar omundo exterior ao nosso corpo.O enigma quânticosurgedanossapercepçãoconsciente do livre-arbítrio.Essemistérioque ligaaconsciênciaaomundofísicorevelaoencontrodafísicacomaconsciência.

Criaçãodahistória

Pelomenosemcertamedida,nossasaçõespresentesobviamentedeterminamofuturo. Mas, obviamente, nossas ações presentes não podem determinar opassado.Opassadoéa“verdadeimutáveldahistória”.Seráqueémesmo?

Acharumátomonumacaixaúnica significaqueo átomo inteiro chegouaessa caixa percorrendo um único caminho após seu encontro anterior com oespelho semitransparente. Escolher um experimento de interferênciaestabeleceriaumahistóriadiferente,emqueaspectosdoátomopercorreramdoiscaminhos paraas duas caixas depois do seu encontro anterior com o espelhosemitransparente.

Acriaçãodahistóriapassadaéaindamaiscontraintuitivaqueacriaçãodasituação presente. Não obstante, é isso o que implica o experimento com os

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pares de caixas, ou qualquer versão do experimento da dupla fenda. A teoriaquântica faz com que qualquer observação crie seu histórico. (Veremos issoapresentadodemodoimpressionantecomahistóriadogatodeSchrödinger.)

EM1984,ocosmólogoquânticoJohnWheelersugeriuqueacriaçãodahistóriadateoria quântica sofresse um teste direto. Ele retardaria a escolha de qualexperimento fazer até depois que o objeto tomasse sua “decisão” no espelhosemitransparente:seseguiriaumúnicocaminhoousepercorreriaosdois.Seriadifícil demais fazer um experimento prático com átomos em pares de caixas,entãoforamutilizadosfótonseumarranjodeespelhomuitoparecidocomodafigura 7.4. A obtenção dos mesmos resultados alcançados no experimentoquânticousual implicariaqueohistórico teria sidode fatocriadopelaescolhaposteriordequalexperimentofazer.

Umserhumanolevatalvezumsegundoparatomarumadecisãoconscientedequalexperimentofazer.Masemumsegundoumfótonpercorrequase300milquilômetros.Nãopodemos construir umequipamento tãogrande, nem fazer ofótonricocheteardeumladoaoutronumacaixaduranteumsegundo.Notestereal, a “escolha” do experimento foi portanto feita por um rápido interruptoreletrônico comandado por um gerador de números aleatórios. A versão maisrigorosadoexperimentosófoifeitaem2007,quandopulsosconfiáveisdefótonúnicopuderamsergeradosejáestavadisponívelumaeletrônicasuficientementerápida. O resultado foi (é claro?) que as predições da teoria quântica foramconfirmadas.Aobservaçãocriavaohistórico.NaspalavrasdeWheeler:“Temosumaestranhainversãodaordemnormaldotempo…umefeitoinevitávelsobreoquetemosodireitodedizersobreahistóriajápassadadessefóton.”

Oenigmaémostradoexperimentalmente

Emnossoexperimentodosparesdecaixas,descrevemossomenteoquevocêdefato veria. Nunca nos referimos à teoria quântica. Compare esse enigmaquântico comoenigmadodeterminismonewtoniano.Levadoà suaconclusão

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lógica extrema (como às vezes se faz), o determinismo newtoniano nega apossibilidadedolivre-arbítrio.Noentanto,esseenigmanewtonianosurgeapenasda teoria determinista newtoniana. A física clássica não prediz nenhumaconsequênciaexperimentalquedesafieacrençadequenossalivreescolhapossasurgirinteiramentedentrodonossocorpo.

O enigma quântico, por outro lado, surge diretamente do experimento. Émais difícil ignorar um enigma que nasce diretamente da observaçãoexperimentaldoqueumquederivaapenasdateoria.

Se o enigma quântico é independente da teoria quântica, por que ochamamos de “enigmaquântico”?Porque experimentos neutros em termos deteoria,comooexperimentodaduplafenda,formamabasedateoriaquântica.Ateoria quântica fornece a descrição matemática que prediz corretamente osresultadosdosexperimentos,dasobservaçõesqueescolhemosfazer.

Adescriçãodateoriaquântica

Agora que estabelecemos a base experimental do enigma, vamos oferecer aexplicaçãodateoriaquântica.Jáquepodemosescolherobservarumátomoemqualquerumadeduassituaçõescontraditórias,comoateoriaquânticadescreveoestadodoátomoantesdeoobservarmos?Ateoriadescreveomundoemtermosmatemáticos.Nessestermos,quandoumátomopodeserobservadoemqualqueruma de duas situações – ou “estados” – contraditórias, a função de onda dasituação física total é escrita como a soma das funções de onda desses doisestadosseparadamente.Expressandoessamatemáticaempalavras,afunçãodeondadeumdessesestadosé“oátomoestá inteiramentenacaixadecima”.Afunçãodeondadooutroestadoé“oátomoestáinteiramentenacaixadebaixo”.Afunçãodeondadoátomonãoobservadoé“oátomoestáinteiramentenacaixade cima” mais “o átomo está inteiramente na caixa de baixo”. Diz-se que oátomoestánuma“superposição”dessesdoisestados.Eleestásimultaneamenteemambososestados.Aoolharumacaixa,essasoma,ousuperposição,colapsaaleatoriamenteparaumououtrotermodasuperposição.Mas,antesdeolharmos,

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oátomoestásimultaneamenteemambasascaixas.Oátomoestáemdoislugaresaomesmotempo.

A OBSERVAÇÃO FAZ colapsar a ondulatoriedade, a probabilidade, para umarealidadeespecífica.Masoqueconstituiuma“observação”?Emúltimaanálise,a observação não é explicada dentro da teoria quântica. O que constituiobservação é controverso. A pragmática interpretação de Copenhague damecânicaquântica, aposição“ortodoxa”da física (discutidamais amplamenteno capítulo 10), define como observação qualquer registro de um eventomicroscópico por um instrumento de medição macroscópico. Ou, maisestritamente,qualquer interação de um sistemamicroscópico comum sistemamacroscópico constitui uma observação se tornar essencialmente impossíveluma demonstração de interferência. Nem todos os físicos aceitam essainterpretação“para todosospropósitospráticos”deobservação.Porenquanto,deixaremosoassuntode lado.Podemos,noentanto,dizeraquiloque todososfísicosconcordamquenãoconstituiumaobservação.

Quandoumobjetomicroscópicoencontraumsegundoobjetomicroscópico,o primeiro objeto “observa” o segundo? Não. Como exemplo, considere umátomononossopardecaixas, simultaneamentenasduascaixas.Digamosqueumfótonsejaenviadoatravésdotampo(transparente)dacaixadecima.Casooátomoestejarealmente nessa caixa, o fóton será desviado. Se, ao contrário, oátomoestivernacaixainferior,ofótonatravessarádiretoacaixadecima.Seráque o fóton “observou” se o átomo estava ou não na caixa de cima?Não. Ofóton entrou em estado de superposição com o átomo. Dizemos que se“emaranhou” com o átomo. Um experimento de interferência bastantecomplicadopoderianaverdadeestabelecerqueessesistemaemaranhadoátomo-fótonestavanumestadonoqualofótonera igualmentedesviadopeloátomoenãodesviadopeloátomo.

Quando esse fóton simultaneamente desviado e não desviado mais tardeencontrasseoutrosobjetos,qualquercoisamacroscópica,digamosumcontadorGeiger,nãoseriapossívelnenhumademonstraçãodeinterferência,paratodosos

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propósitospráticos.Podemosentãoconsiderarqueumaobservação foi feita, equeafunçãodeondacolapsou.VendoseocontadorGeigerfoiounãoacionado,poderíamos seguramente dizer se o fóton ricocheteou ou não no átomo, eportantoseoátomoestavaounãonacaixadecima.

TEMOS ENFATIZADO UM enigma quântico surgindo a partir de observaçõesexperimentais neutras em termos de teoria quântica. Pode-se ver um enigmadiferentesurgindoapartirdateoriaquântica.Ateoriacolocaoátomononossopar de caixas num estado de superposição, com a ondulatoriedade igualmentedistribuídaemambasascaixas.Mas,aoolharmos,descobrimosoátomointeironuma caixa só. Como é que a natureza decide um resultado particular, umacaixa particular, quando a teoria quântica, a nossa descrição mais básica danatureza,sónosdáprobabilidade?

É inexplicável. Há uma aleatoriedade intrínseca associada com asobservações. Escolhendo observar o átomo inteiramente numa só caixa, nãopodemosescolheremqualcaixaeleaparecerá.Ou,aoescolherumexperimentodeinterferência,nãopodemosescolheremqualdasregiõespermitidasoátomoaparecerá.Podemosescolherojogo,masnãooresultadoespecífico.Asfunçõesdeondacolapsamcomaleatoriedade.(Invocaçõespseudocientíficasdemecânicaquântica podem ignorar essa aleatoriedade para concluir que a escolha depensamentos que alguém faz, sozinha, pode provocar um resultado desejadoespecífico.)

MOSTRAMOS A posição de um objeto sendo criada pela observação. A criaçãopelaobservaçãoaplica-setambématodasasoutraspropriedades.Porexemplo,muitosátomossãominúsculosímãscompolonorteepolosul.Oátomopodesercolocado em estado de superposição com seu polo norte apontandosimultaneamenteparacimaeparabaixo.Masumaobservaçãodessaorientaçãosempreresultaemparacimaouparabaixo.

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Embora tenhamos falado apenas sobre o átomo, presume-se que a teoriaquânticaseapliquea tudo.MaisadiantechegaremosàhistóriadeSchrödingerestendendo esse raciocínio para o impossível na prática, mas logicamenteconsistente com a teoria quântica – a situação de um gato em dois estadoscontraditórios,vivoemortoaomesmotempo.Algoqueestejaaomesmotempoem dois estados mutuamente excludentes é confuso. Alguma confusão seráesclarecidaemcapítulosposteriores.Masnãotodaela!Acabamosdeconfrontaroaindanãoresolvido,edecididamentecontroverso,enigmaquântico.Contudo,osresultadosexperimentaisquedescrevemossãototalmenteinquestionáveis.

NOPRÓXIMOCAPÍTULO,vamosconsiderarasmesmasideiasnumtommaisleve.

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8.Nossoesqueletonoarmário

Ainterpretação[damecânicaquântica]temsemantidocomoumafontedeconflitodesdesuacriação.…Paramuitosfísicosponderados,elacontinuasendoumaespéciede“esqueletonoarmário”.

J.M.JAUCH

EM SEU LIVRODreams of a Final Theory, o prêmio Nobel Steven Weinbergescreve:“Aúnicapartedafísicaatualquemepareceprovávelquepermaneceráinalterada emuma teoria final é amecânica quântica.”Nós compartilhamos aintuiçãodeWeinbergsobreocarátercorretofinaldamecânicaquântica.

John Bell, figura importante nos capítulos finais deste livro e queprovavelmente teria ganhado o prêmio Nobel se este fosse concedidopostumamente,sentiaque“adescriçãodamecânicaquânticaserásuplantada.…Ela transporta em si as sementes de sua própria destruição”.Bell na realidadenãodiscordadeWeinberg.Suapreocupaçãocomamecânicaquânticanãoéqueseja encontradoumerro emqualquerumade suasprevisões,masque elanãoseja a história inteira. Para ele, amecânica quântica revela a incompletude denossa visão demundo.Ele sente que é provável “que o novomodode ver ascoisas envolva um salto imaginativo que nos deixará estarrecidos”.(Incidentalmente,BellcontaquefoiumaauladeJauch–quecitamosacima–queinspirousuasinvestigaçõessobreosfundamentosdamecânicaquântica.)

JuntocomBell,desconfiamosquealgoalémdafísicacomumestáàesperade uma descoberta. Nem todos os físicos concordariam. Muitos, se não amaioria, preferem minimizar o enigma, como algo a que simplesmentedeveríamosnosacostumar.Éonosso“esqueletonoarmário”.

No entanto, a existência de um enigma não é uma questão física. Émetafísica no sentido original da palavra. (Metafísica é o nome da obra deAristóteles que se seguiu ao texto científico Física e que trata de questões

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filosóficasmaisgerais.)Quandooassuntoémetafísica,osnãofísicoscomumacompreensão geral de fatos experimentais – fatos sobre os quais não hádiscussão–podemterumaopiniãocujavalidadeseequiparaàdosfísicos.

Ilustramosessepontocomumahistórianaqualumaprofessoradefísicadementalidadeortodoxademonstraalgunsfatosexperimentaisbásicosdamecânicaquântica(descritosnocapítuloanterior)paraumGrupodePessoasRacionaisedeMenteAberta(Gruprama)quenuncaentrouemcontatocomateoriaquânticaque explica tais fatos. O que nossa professora demonstra para o Gruprama éanálogo à experiência do visitante a Eug Ahne Poc. Embora aquilo que foiexibido em Eug Ahne Poc não seja realmente possível, a perplexidade dovisitanteéamesmaqueoGrupramaexperimentaapartirdeumademonstraçãodo que é realmente possível. Você pode participar dessa perplexidade; nósparticipamos–éoenigmaquântico.

Após sua demonstração, nossa professora de física oferece a explicaçãopadrão da teoria quântica para o que foi visto, a explicação que geralmentesatisfazosalunosnosnossoscursosdemecânicaquântica.Apreocupaçãodelescomoscálculosdefísicaqueenfrentarãoemseusexamessuperaointeressenosignificado do que estão calculando. O Gruprama, por outro lado, estápreocupado com o que tudo isso pode significar. Ao discutir o enigma,esperamos que você possa se identificar com o Gruprama. Nós nosidentificamos.

O“APARATO”QUEnossaprofessoradefísicausaéacaricaturadeumamontagemreal de laboratório. Mas os fenômenos quânticos que ela demonstra são bemestabelecidos para objetos pequenos. Esses fenômenos atualmente estão sendoexibidos com objetos cada vez maiores. Proteínas de tamanho médio, e atémesmo vírus, são objeto de experimentos atuais.A teoria quântica não impõelimites.Otamanhodosobjetosmostradosparaexibir taisfenômenosquânticosparecerestritoapenaspelatecnologiaepeloorçamento.

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Poderíamos ser absolutamente genéricos em nossa história e falar doexperimentosendofeitocom“objetos”.Issosoavago.Nãohámotivoparanãopodermos pensar nos nossos objetos como bolinhas de gude verdes. Oexperimento poderia na realidade ser feito com “bolinhas de gude verdes”,contanto que fossemmuito pequenas, do tamanho de, digamos, umamoléculagrande.Então,paranossahistória,falaremosemtermosdebolinhas.

Nossa professora de física recebe calorosamente o Gruprama, dizendo:“Pediram-mequedemonstrasseavocêsaestranhanaturezada‘observação’elhescontasseaexplicaçãodateoriaquânticaparaaquiloquevocêsverão.Àsvezesnós, físicos,hesitamosemchamaraatençãoparaessaestranhezaporqueissopodefazerafísicaparecermística.Masmegarantiramquevocêssãoumgrupodepessoas racionais,dementeaberta,paraquem issonãoéproblema.Acreditopoderlhesmostraralgorealmenteextraordinário.”

OprimeiroexperimentodanossaprofessoradevelembraravocêovisitanteaEugAhnePocperguntando:“Emqualchoupanaestáocasal?”Arespostaqueele sempre obtinha demonstrava que o casal estava inteiramente em umachoupanaounaoutra.

Nossaprofessoraapontaumconjuntodecaixas,cadaumaformandoparcomalguma outra. Ela explica que seu aparato introduz uma única bolinha emcadapardecaixas.“Osdetalhesdecomomeuequipamentofunciona”,dizela, “não têm importância.” OGruprama aceita isso. Eles veem como elacolocaumpardecaixasnaextremidadedireitadoequipamento,deixacairumabolinhanumpequenofunilàesquerdaeentãoremoveopardecaixas.Elarepeteoprocedimento,acumulandoalgumasdúziasdepares.

Ao contrário do pessoal do Gruprama, você já travou contato com a teoriaquântica. Portanto, chamamos atenção para o fato de que o equipamento danossa professora de física envolve um conjunto de espelhos apropriado para

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dividiraondulatoriedadedecada“bolinhadegude”igualmenteemambasascaixasdecadapar.

FIGURA8.1

“Meu primeiro experimento”, explica nossa professora, “determinará qualcaixadecadaparcontémabolinha.”Apontandoparaumpar,ela fazsinalpara ummembro doGruprama que parece bastante ansioso e pede: “Vocêpode,porfavor,abrircadacaixaeverqualdelascontémabolinha?”

Abrindoaprimeiracaixa,orapazanuncia:“Aquiestáela.”

“Certifique-se de que a outra caixa está completamente vazia”, solicita anossaprofessoradefísica.

Olhando cuidadosamente, ele afirma com segurança: “Estácompletamentevazia.Nãohánadadentrodela.”

Após ele terminar de examinar as caixas, nossa professora pede a umamoçaatentaquerepitaoprocedimentodedescobrirqualcaixadeumoutroparcontémabolinha.Abrindoaprimeiracaixa,amoçacomenta:“Estávazia.Abolinhadeveestarnaoutracaixa.”E,defato,aliestáela.

Nossaprofessoradefísicarepeteoprocedimentodiversasoutrasvezes.Abolinhadegudeaparecealeatoriamenteounaprimeiraounasegundacaixaaseraberta.Ela logonotaqueosmembrosdoGrupramanãoestãoprestandomuitaatençãoecochichandoentresi.Ouveentãoumsujeitodizeràmulheraoseulado:“Qualéosentidodisso?Nãotemnadaavercomademonstraçãoextraordináriaquenosprometeram.”

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Apesar de o comentário não ser dirigido a ela, nossa professora responde:“Sintomuito,sóqueroconvencê-losdeque,quandoolhamosparadescobrirqualcaixadeumparcontémabolinha,demonstramosqueháumabolinhainteira numa caixa e que a outra está completamente vazia. Por favor,acompanhem-me, porque agora eu gostaria de mostrar a vocês que nãoimportacomodescobrimosemqualcaixaanossabolinhaestá.Eisumoutrojeitodedescobrir.”

Elacolocaumpardecaixasdiantedeumatelaaderenteeabreumacaixa.Não é possível ver a rápida bolinha, mas ouve-se um “plink”, e a bolinhagruda na tela. “Ah, a bolinha estava na primeira caixa”, diz ela. “Portanto,nenhumabolinhaatingiráatelaquandoeuabrirasegundacaixa.”

“Éóbvio”,ouve-seomurmúriodealguémaofundodoGruprama.

FIGURA8.2Ascaixassãoabertasemsequência,comosresultadosnatela.

Embora volte a ficar difícil manter a atenção do Gruprama, nossaprofessora de física repete a demonstração com outros pares de caixas. Seumabolinhaatingeatelaquandoelaabreaprimeiracaixa,nadasurgequandoela abre a segunda. Se não aparece nenhuma bolinha na tela ao abrir aprimeira,hásempreumabolinhanasegunda.Atelavaificandogradualmentesalpicada de bolinhas, distribuídasmais oumenos uniformemente pela suasuperfície.

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“Vocês conseguem perceber”, pergunta ela, “que esta também é umademonstraçãodequeháumabolinhanumadascaixasdecadaparequeaoutraestávazia?”

“Claroque sim,masondeestáaextraordinária demonstração que vocêprometeu?”,resmungaumsujeito.“Éclaroquenãoimportacomovocêolha.Oseuequipamentopôsumabolinhaemumadascaixasdecadapar.Edaí?”Vários colegas assentem.E umamulher sempapas na língua declara: “Eleestácerto!”

“Naverdade”,diznossaprofessora,hesitante,“acoisaextraordinária,queeuesperodemonstrar,équeoqueeleacaboudedizernãoestátãocertoassim.Masdeixem-metentarprimeirooutroexperimento.”

O experimento seguinte feito por nossa professora deve lembrar a você ovisitanteaEugAhnePocperguntando:“Emqualchoupanaestáohomemeemqual está a mulher?” A resposta que ele sempre recebia demonstrava que ocasalestavadistribuídonasduaschoupanas.

OGrupramaeducadamenteseacalmaparaassistiraonovoexperimento.

Nossa professora posiciona um novo conjunto de caixas na frente na telaaderente e rapidamente abre ambas as caixas do par. “A diferença nestepróximoexperimento”, ressaltaela,“équeestouabrindoasduascaixasaomesmo tempo.” Um “plink” indica o impacto da bolinha na tela.Descartandoessepar,nossaprofessoraposicionacuidadosamenteoutroparnomesmolocaleabrenovamenteasduascaixasaomesmotempo.Ouve-seoutro“plink”quandoabolinhaatingeatela.

Bolinhas vão se acumulando na tela àmedida que ela abremais paressimultaneamente.Umsujeitodecamisavermelhaperguntapreguiçosamente:“Esteexperimentonãodemonstraaindamenosqueoprimeiro?Comoagora

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você está abrindo as duas caixas aomesmo tempo, para este conjunto nãopodemossequerdizerdequecaixaabolinhasaiu.”

Mas, antes que esse comentário seja levado a sério, uma mulher naprimeira fila que tinha se mantido em silêncio diz: “Os pontos onde asbolinhasatingematelaparecemformarumdesenhoregular.”

Agora todos observam atentamente. À medida que mais bolinhas vãoatingindo a tela, o padrão emerge distintamente. As bolinhas só caem emcertoslugares.Emoutrospontosdatelanãohábolinhas.Cadabolinhasegueumaregraquelhepermiteatingirapenascertoslugareseaproíbedeatingiroutros.

FIGURA8.3Resultadosnateladecaixasabertassimultaneamente.

Amulherqueprimeironotouopadrãopareceintrigadaeagorapergunta:“No seuprimeiro experimento,quandoas caixasde cadapar foramabertasseparadamente, as bolinhas estavam uniformemente distribuídas na tela.Como é que abrir a caixavazia junto com a que contém a bolinha afeta opontoemquebolinhacai?”

Nossa professora, encantada com a pergunta, responde prontamente: “Vocêestá certa! Abrir a caixa que estava realmente vazia não poderia afetar abolinha.Eu lhesdissequehaviaumabolinha emcadapar de caixas.Masnão está realmente certo dizer que uma caixa continha a bolinha e a outraestava vazia. Cada e toda bolinha estava simultaneamente em ambas ascaixasdopar.”

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Reagindo ao olhar de dúvida na expressão de diversos membros doGruprama, nossa professora de física continua: “Eu sei que é difícil deacreditar,masháummeiobastanteconvincentededemonstrarisso.Sólevaumpouquinhodetempo.”

O Gruprama bate papo e relaxa enquanto nossa professora e seuassistente,umalunodepós-graduação,preparamrapidamentetrêsconjuntosdeparesdecaixas,cadaumcomdozeoumaispares.Agora,recuperandoaatençãodogrupo,ela repeteoabrir simultâneodeambasascaixasdecadapar.Mas,dessavez,comcadaumdostrêsconjuntoselausaumespaçamentodiferenteparaosparesdecaixas.

FIGURA8.4Resultadosdecaixascomespaçamentosdiferentesabertassimultaneamente.

“Notemque,quantomaisseparadasestãoascaixasdopar,maispróximoéopadrãodeespaçamentodasbolinhasnatela.Aregraquecadaetodabolinhaobedece–quediz a cadabolinhaos pontos onde tempermissãode cair –dependedoespaçamentodoseupardecaixas.Portanto,cadabolinha‘sabe’qualéesseespaçamento.Cadabolinhadeveterocupado,portanto,ambasascaixasdoseupar.”

“Espereumsegundo,professora”,umjovemseintrometenaexplicação.

“Você está dizendo que a bolinha estava em dois lugares ao mesmotempo,queelasaiudeambasascaixas.Issoébobagem!…Ups,hã,desculpe,professora.”

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“Nãotemproblema,meujovem”,respondenossaprofessoradefísica.“Vocêtem razão. A bolinha estava simultaneamente em dois lugares. Estava nasduascaixas.Aabordagemcientíficaconsisteemaceitaroqueanaturezanosdiz independentemente das nossas intuições.Uma única bolinha saindo deduas caixas pode parecer bobagem,mas demonstrações experimentais nãonosdeixamalternativa.”

Issorequerumpoucodeponderação.Porém,apenasumoudoisminutosdepois,osujeitodecamisavermelhavoltaafalar:“Háumaalternativa,umaalternativaóbvia.Noseuprimeiroexperimento,emqueabriuascaixasumadecadavez,vimosqueumacaixadecadaparestavacompletamentevazia.Mas, como você acabou de dizer, nesses outros conjuntos de caixas, asbolinhasestavamdivididasdemodoquealgodecadaumadelasestavaemambas as caixas do par. Está claro que esses conjuntos de caixas forampreparadosdeformadiferente.”

Nossaprofessoradefísicaparacomasmãosnosquadrisparapermitirqueaideiasejaabsorvidaantesdecomentar:“Essaéumahipóteserazoável.Masnaverdade todososparesdecaixas forampreparadosdemaneira idêntica.Vouconvencervocêsdequeessanãoéaquestãousandoalgunsconjuntosdeparesdecaixasquevamospreparar.”

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FIGURA8.5DesenhodeCharlesAddams.©TeeandCharlesAddamsFoundation.

FIGURA8.6

O terceiro experimento da nossa professora de física deve lembrar a você ovisitante a Eug Ahne Poc fazendo qualquer uma das perguntas. Ele podiaescolher livremente demonstrar que o casal estava numa choupana só oudistribuídonasduaschoupanas.Issoodeixouperplexo.

Depois do intervalo para o café, durante o qual nossa professora e seuassistenteprepararameempilharamdiversosconjuntosdeparesdecaixas,oGruprama volta a se reunir. Um homem intrigado diz: “Estivemosconversando sobre o que você disse, e pelo menos alguns de nós estãoconfusos.Algunsacharamquevocêalegoudemonstrarqueumadascaixasdecadaparestavavazia.Então,depoisvocêafirmouquenenhumaestavavazia.Sãoduassituaçõescontraditórias.Elesentenderammal,nãofoi?”

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“Bem, entenderam quase certo. Que situação você gostaria de demonstrarcomestegrupodeparesdecaixas?”

Tomadodesurpresa,oautordaperguntahesita,masamulheraseuladorapidamenteseapresenta:“Tudobem,mostre-nosqueparaesteconjuntoumacaixadecadaparestávazia.”

Nossaprofessorarepeteoprimeiroexperimento,abrindoascaixasdeumadúziadeparesumaporvez.Emcadapar,elarevelaumabolinhadegudeemumadascaixasemostraqueaoutraestávazia.Elacomenta:“Elhesasseguroquenãoimportacomoascaixasvaziassejaminvestigadas,nadajamaisseriaencontradonelas.”

Umsujeitocooperativoapontaentãooutroconjuntodeparesdecaixasepede: “Pode nos mostrar que para este outro conjunto de pares de caixasnenhumaestávazia?”

“Claro, posso fazer isso.” E nossa professora, abrindo ambas as caixas decadapar simultaneamente, executaoexperimentocomumadúziade paresdecaixas,demonstrandoquecadabolinhadeveterocupadoambasascaixasdeseupar.

Váriasvezesnossaprofessoradefísicademonstraumaououtradasduassituaçõesaparentementecontraditórias,conformeescolhidoporummembrodoGruprama.

Um sujeito na primeira fila exclama bruscamente, nomeio de uma dasdemonstrações: “O que você está nos dizendo – e admito que parece estardemonstrando–nãofazsentido.Élogicamenteinconsistente…Ah,eupeçodesculpas,nãotiveaintençãodeinterromper.”

“Não,não,tudobem”,nossaprofessoraotranquiliza.“Vocêestálevantandoumpontoimportante.”

Assim,elecontinua:“Vocêalegademonstrarqueambasascaixasdecadaparcontêmpelomenosalgumacoisadabolinha,massupostamentetambém

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mostraqueumacaixadecadaparestá totalmentevazia. Issoé logicamenteinconsistente.”

“Você teria razão”, retruca nossa professora, “se mostrássemos esses doisresultadosparaomesmoconjuntodecaixas.Mas,comonarealidadefizemosasduasdemonstraçõescomdoisconjuntosdiferentesdeparesdecaixas,nãoháinconsistêncialógica.”

Umamulherlevantaumaobjeção:“Mas,paraosparesdecaixascomquevocê demonstrou uma coisa, nós poderíamos ter pedido que vocêdemonstrasseocontrário.”

“Masnãopediram”,éarespostaquasecasualdanossaprofessora.“Previsõesparaexperimentosnãofeitosnãopodemsertestadas.Portanto,logicamente,nãohánecessidadedeconsiderá-los.”

“Ah,não,aíjáéforçarabarra”,contrapõeoquestionadororiginal.“Nóssomossereshumanosconscientes,temoslivre-arbítrio.Poderíamosterfeitoaoutraescolha.”

Nossaprofessorasecontorceumpouco:“Consciênciaelivre-arbítriosãonaverdadequestõesparaafilosofia.Admitoqueessesassuntossãolevantadospelamecânicaquântica,masamaioriadenós,amaioriadosfísicos,prefereevitartaldiscussão.”

Um questionador anterior está insatisfeito: “Tudo bem”, reclama ele,“mas você concorda que, antes de olharmos, uma caixa de cada par narealidade tinha uma bolinha ou estava vazia.Vocês, físicos, acreditamnummundofisicamentereal,não?”

Eleconsiderava suapergunta retórica.Pelomenosesperavaum“Sim,éclaro”comoresposta.

Masnossaprofessoradefísicahesita,emaisumavezpareceevasiva:“Oqueexistia antes de olharmos, aquilo que você chama de ‘mundo fisicamente

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real’, é outra questão que a maioria dos físicos prefere deixar para osfilósofos. Para todos os propósitos práticos, basta que lidemos com o quevemosquandodefatoolhamos.”

“Mas você está dizendo uma coisa louca sobre o mundo!”, exclama oquestionador. “Está dizendo que aquilo que existia anteriormente é criadopela forma como olhamos alguma coisa.”Amaioria dos presentes assente;outrosparecemperplexos.

“Ei,prometiquemostrariaavocêsalgoextraordinário.Emostrei,nãofoi?”Reagindo a alguns assentimentos e cenhos franzidos, ela prossegue:“Descobrimosqueomundoémaisestranhodoqueumdia imaginávamos,talvezmaisestranhodoquepossamos imaginar.Maséassimqueascoisassão.”

“Espereaí!”,umamulherantescaladadizcomfirmeza.“Vocênãopodese safar evitando as questões que a sua demonstração levanta. Deve haveruma explicação.Por exemplo, emvezde estar nas duas caixas, talvez todabolinha tenhaumtipode radar indetectávelque lhe informeaseparaçãodoseupardecaixas.”

“Nunca podemos desconsiderar coisas ‘indetectáveis’”, admite nossaprofessora. “Mas uma teoria sem consequências testáveis além do que foiinventadoparaexplicarnãoécientífica.Igualmenteútilcomoasuateoriade‘radar indetectável’ seria suporqueuma fada invisível cavalgaeguiacadabolinha.”Percebendoterconstrangidoaproponentedateoriadoradar,nossaprofessoraseretrata:“Desculpe,fuiinjusta.Especulaçõescomoasuapodemserúteiscomopontosdepartidaparadesenvolverteoriastestáveis.”

“Tudobem,nãofiqueiofendida.”

“Na verdade, já temos uma teoria que explica tudo o que demonstrei”,continua nossa professora de física, “e muito, muito mais. É a teoriaquântica. Ela é básica para toda a física e a química, e grande parte da

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tecnologia moderna. Mesmo teorias do Big Bang baseiam-se na teoriaquântica.”

“Por que você não a usou para explicar as suas demonstrações?”,questionaumamulhersentadacomoqueixoapoiadonasmãos.

“Eupoderiaterfeitoisso”,replicanossaprofessora,“masqueriamostrarumponto importante: que a coisa extraordinária que demonstrei – que acondição física da bolinha depende da livre escolha que você faz doexperimento – surge diretamente dos fatos experimentais. O enigma éapresentadopeloexperimento quântico; elenãoémeramente teórico.Mas,agoraquevocêsviramademonstração,deixem-mecontar-lhesaexplicaçãodateoriaquânticaparaoquevimos.

“Meu equipamento”, prossegue ela, “põe uma bolinha em cada par decaixas,mas não a coloca numa caixaúnica.A teoria quântica nos diz que,antesdevocêolhar,abolinhaestavanaquiloquesechama‘superposiçãodeestados’, simultaneamentenasduascaixas.Tomarconhecimentodequeelaestavanumacaixaemparticularcausouofatodeelaestartotalmentenaquelacaixa.Mesmoquevocê tomasse esse conhecimento descobrindouma caixavazia,semverabolinha,osimplesfatodeganharoconhecimentodequeelaestavanaoutra caixa faria comqueela estivesse totalmentenaoutra caixa.Tomarconhecimento,qualquerquesejaamaneira,jáésuficiente.”

OGruprama(sendoumGrupodePessoasRacionaisedeMenteAberta)escuta educadamente. Mas o que nossa professora de física disse não éprontamenteaceito.

Um homem subitamente explode: “Você está afirmando que, antes deolharmosedescobrirmosabolinhanumadascaixas,elanãoestavalá,queofatodeolharmoscriouabolinhaali?Issoétolice.”

“Espere,achoqueentendooqueelaestádizendo”,amulhersentadapertodele se interpõe. “Eu já li sobre mecânica quântica. Penso que ela estásimplesmente querendo dizer que a função de onda da bolinha, que é a

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probabilidadedeondeabolinhaestá,estavanasduascaixas.Abolinharealestava,éclaro,numacaixaounaoutra.”

“A primeira parte do que você disse está certa”, diz a nossa professora defísicaemtomdeincentivo.“Oqueestavaemcadacaixaeradefatometadedafunçãodeondadabolinhadegude.Aondulatoriedadeéaprobabilidadede encontrar uma bolinha na caixa.Mas não existe ‘bolinha real’ além dafunçãode ondada bolinha.A funçãode onda é aúnica coisa que a físicadescreve–éportantoaúnicacoisafísica.”

FIGURA8.7Reforçoecancelamentodeondasdeambasascaixas.

Nossaprofessoravêtestasfranzidaseolhosreviradosparacima.Elaestácontente por eles terem (supostamente) amente aberta. “Observem como ateoriaquânticaexplicadeumjeitobacanaopadrãoqueobtemosquandoabroascaixasaomesmotempo”,continuaela.“Aspartesdafunçãodeondaqueestavamemcadacaixasepropagamespalhando-sepelateladetectora.”

Movendoasduasmãoscomoondaselavai falando:“Asduaspartesdafunçãodeondasãoondasmovendo-separa foradecadacaixa rumoà tela.Emalgunspontosdatela,ascristasdeondadeumacaixachegamjuntocomascristasdeondadaoutra,easfunçõesdeondadasduascaixassesomamnesselugardatela.

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“É um ponto de grande ondulatoriedade, com alta probabilidade deencontrar uma bolinha. Em outros pontos da tela, as cristas de uma caixachegamaomesmotempoqueosvalesdaoutra,easfunçõesdeondadasduascaixassecancelam.Éumlocaldeondulatoriedadezero,comprobabilidadezerodeseencontrarumabolinha.Éassimquecadabolinhaseguearegraquelhe diz onde pode pousar. Essa soma e cancelamento de ondas é chamada‘interferência’eexplicaoconhecido‘padrãodeinterferência’quevemos.”

Satisfeitaporterconseguidodemonstraresseponto,nossaprofessoraficaparadasorrindocomasmãosnosquadris.

Uma mulher com ar pensativo responde lentamente: “Eu compreendocomoondas–vocêaschamadefunçõesdeonda–podemcriarpadrõesdeondulatoriedade.Chegamosaverissoemondasdeágua.Masprobabilidadetem de ser probabilidade de alguma coisa. A ondulatoriedade não é aprobabilidadedeumabolinharealestaremalgumlugar?

“Afunçãodeondadabolinhaemalgunslugaresdáaprobabilidadedevocêencontrarabolinhaali”,enfatizanossaprofessora.“Nãohaviabolinharealaliantesdevocêolhareachá-lanaquelelugar.

“Eu sei que isso não é fácil de aceitar”, prossegue ela em tomcompreensivo. “Vou colocar em outras palavras.Considere uma bolinha degudecujafunçãodeondaestejadistribuídaigualmentepelasduascaixas.Sevocê olhar em qualquer uma das caixas, descobrirá onde a bolinha está.Aprobabilidade torna-se igual a 1 numa das caixas e zero na outra. Aondulatoriedade colapsa totalmentenumaúnica caixa.Essaondulatoriedadeconcentrada,queasuaobservaçãocriou,éoquevocêchamadebolinhareal.Masofatodepodermosverumpadrãodeinterferênciaprovaquenãohaviabolinharealnumacaixasóantesdevocêolhar.”

“Espere aí um instante!”, diz um sujeito que há algum tempo vinhabalançando a cabeça. “Você colocou emoutras palavras, então vou colocaremoutraspalavras:seateoriaquânticadizque,aoobservaralgoemalgumlugar,eucrioessacoisalá,elaestádizendoalgoridículo!”

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“Quemsabevocêpudessedizer‘chocante’?”,retrucanossaprofessora.“NielsBohr,umdosfundadoresdateoriaquântica,dissecertavezquequalquerumque não fique chocado com a mecânica quântica não a entendeu. Masnenhumaprevisãoda teoria jáesteveerrada.Vocêconcorda,nãoémesmo,que fazer previsões consistentemente corretas é o único critério que umateoriacientíficaprecisasatisfazer?EssetemsidoométododaciênciadesdeGalileu. Se se encaixa ou não na nossa intuição é algo que deve serconsideradoirrelevante.”

Aessaaltura,outramoçadoGrupramanãoconseguemaisseconter:“Sevocêestádizendoquecoisasnãoobservadassãoapenasprobabilidades,quenada é real até que observemos, está dizendo que vivemos nummundo desonho.Estátentandonosimpingiralgumsolipsismotolo.”

“Bem”,retrucanossaprofessoradefísicacalmamente,“háumaconsolação.As coisas grandes com as quais lidamos na verdade são bastante reais.Lembrem-se, é preciso fazer um experimento de interferência paraefetivamentedemonstrar a criaçãopor observação.E não é prático fazê-locomcoisasgrandes.Nossasbolinhassãomuitopequenas.Então,paratodosospropósitospráticos,nãoháporquesepreocupar.”

Enquanto, abalada, essa moça ferve em silêncio, outra erguehesitantemente a mão e diz: “Se coisas pequenas não são reais, como asgrandes podem ser? Afinal, coisas grandes são apenas conjuntos de coisaspequenas.Umamoléculadeáguaésimplesmenteumátomodeoxigêniocomdoisdehidrogênio,eumcubodegeloéapenasumconjuntodemoléculasdeágua, eumageleira é apenasumenormecubodegelo.Seráquecriamosageleiraolhandoparaela?”

Nossa professora agora está visivelmente constrangida. “Bem, num certosentido…émeiocomplicado…mas,comoeudisse,paratodosospropósitospráticos realmente não importa, então…” Então, notando um membro doGrupramacomexpressãoamigável,nossaprofessoraoconvidaafalarcom

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umsorriso.

Tentando ser conciliador, ele se manifesta: “Talvez você esteja nosconduzindopara anoçãodeque ‘Nós criamosnossaprópria realidade’.Àsvezesmesintoexatamenteassim.”

“Oh, eu posso concordar com isso”, assente a nossa professora. “Mas essetipo de ‘realidade’ é um pouco diferente. Quando digo: ‘Eu crio a minhaprópriarealidade’,estoufalandodeumarealidadesubjetiva.Estoudizendoqueaceitoaresponsabilidadepelasminhaspercepçõespessoaisepelaminhasituaçãosocial–pelomenosalgoassim.Arealidadedaqualestamosfalandoaqui é a realidade objetiva, a realidade física. Uma observação cria umasituaçãoobjetiva,queéamesmaparatodomundo.Depoisquevocêolhaemumadascaixasecolapsatotalmenteafunçãodeondadabolinhanumacaixaespecífica,qualqueroutrapessoaacharáabolinhaali–mesmoquepossamosterdemonstradoquenãoestavatotalmenteláantesdevocêolhar.”

A moça do Gruprama que vinha fervendo em silêncio agora fala, umpouco alto demais: “Essa criação da realidade da qual você está falando émaluca!Asuateoriaquânticapodefuncionarperfeitamente,maséabsurda!Aspessoasestãodeixandovocês,físicos,sesafaremcomesseabsurdo?”

“Suponhoquesim”,retrucanossaprofessoradefísica.

“Então,vocêsestãoassassinandoaracionalidade!”

“Bem,geralmentedeixamosoesqueletonoarmário.”

IMAGINAMOS QUE VOCÊ possa se identificar com o Gruprama. Nós nosidentificamos,pelomenosquandotentamosentendercomamenteabertaoqueestá realmente se passando.Amelhor coisa a fazer quando se fica perplexo évoltar e ponderar sobre a demonstração dos fatos brutos, a nossa versão dosparesdecaixasdoexperimentoquânticoarquetípico.

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Agoravamosvercomoparardenospreocupareamaramecânicaquântica,pelomenospragmaticamente,voltando-nosparaainterpretaçãodeCopenhaguenocapítulo10.

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9.Umterçodanossaeconomia

O desenvolvimento da teoria quântica foi “a coroação das conquistasintelectuaisdoséculopassado”,dizo físicoJohnPreskill,do InstitutodeTecnologiadaCalifórnia (Caltech).Elaéoprincípio subjacenteamuitosdos aparelhos de hoje, desde lasers até equipamentos de imagens porressonânciamagnética.Eessespodemserapenasosfrutosnosgalhosmaisbaixos.Muitoscientistaspreveemtecnologiasrevolucionáriasbaseadasempropriedadesverdadeiramenteestranhasdomundoquântico.

BusinessWeek,15demarçode2004

ESTÁVAMOS PROFUNDAMENTE mergulhados nos mistérios quânticos, em nossocurso “Enigma quântico”, dirigido a estudantes que não vão se formar emciências(emboraalgunsalunosdefísicasempreparticipem).Umamoçaergueuamãoeperguntou:“Amecânicaquânticaéútilparaalgumacoisaprática?”Eu(Bruce) fiquei mudo pelo menos por dez segundos. Na estreiteza da minhaperspectivadefísico,eusimplesmentepresumiaquetodomundocompreendiaabasequântica danossa tecnologia.Deixei de ladominhas anotaçõesde aula edurante o resto do tempo fiz um desvio no curso para falar das aplicaçõespráticasdamecânicaquântica.

Estebrevecapítulonosconduzpelomesmodesvio.Otemadolivrosãoosfatosquânticosindiscutíveisquerevelamoencontrodafísicacomaconsciência.Masosmesmosfatosquânticossãobásicostantoparaaciênciamodernaquantopara a tecnologia atual. Após flertar com a consciência e o livre-arbítrio nocapítulo anterior, é bom fazer um pouco de contato com o terreno sólido dasaplicaçõespráticasantesdedecolarnovamente.

A mecânica quântica é essencial para toda ciência natural. Quando osquímicos fazem mais que seguir regras empíricas, suas teorias sãofundamentalmentemecânicaquântica.Porqueagramaéverde,oquefazoSolbrilhar,oucomoosquarkssecomportamdentrodosprótonssãotodasperguntas

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queprecisamserrespondidascomousodamecânicaquântica.Anaturezadosburacosnegros,queaindaestáparasercompreendida,oudoBigBangébuscadaem termos quânticos. As teorias das cordas, que poderão conter a pista paraessascoisas,começamtodascomamecânicaquântica.

A mecânica quântica é a teoria mais precisa de toda a ciência. Um testeextremoéocálculoda“razãogiromagnéticadoelétron”comumaprecisãodeumaparteem1trilhão.(Nãoimportaaquioqueérazãogiromagnética.)Mediralgo com tamanha exatidão é comomedir a distância de um ponto emNovaYorkaumponto emSãoFrancisco comprecisão igual àdeum fiode cabelohumano.Masissofoifeito,eaprevisãodateoriaacertoubemnoalvo.

Embora a mecânica quântica funcione bem na ciência, qual é a suaimportânciaprática?Naverdade,umterçodanossaeconomiaenvolveprodutosbaseados em mecânica quântica. Aqui descrevemos quatro tecnologias ondeaspectosquânticosestãoemprimeiroplano:olaser,otransístor,osdispositivosde carga acoplada (CCDs, na sigla em inglês) e as imagens por ressonânciamagnética (IRM). Não entraremos em detalhes – nosso objetivo é apenasmostrar como os fenômenos quânticos entram em cena e como físicos eengenheiros lidam com as propriedades aparentemente contraditórias deentidadesmicroscópicas.

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Olaser

Háumaamplavariedadedelasers.Algunstêmmuitosmetrosdecomprimentoepesam toneladas. Outros se estendem por distâncias muito menores que ummilímetro. O feixe de luz vermelha que varre códigos de barras no caixa dosupermercadovemdeumlaser.UmlaserlêDVDseescreveemimpressorasalaser. Um laser poderoso pode perfurar concreto. Lasers produzem a luz paracomunicação por fibras ópticas, tornando possível a internet. Forneceminformações para levantamentos geográficos e guiam “bombas inteligentes”.Usando um laser meticulosamente focalizado, um cirurgião pode reparar umdescolamento de retina. Novas aplicações aparecem continuamente emmedicina,comunicações,computação,indústria,entretenimento,materialbélicoeciênciafundamental.

Afísicabásicaparaolasersurgiuem1917(umadécadaantesdaequaçãodeSchrödinger). Einstein predisse que fótons incidindo sobre átomos em estadoexcitado estimulariam a emissão de fótons subsequentes idênticos. Quasequarentaanosdepois,CharlesTownes,buscandoummeiodegerarmicro-ondasde comprimento de ondamuito curto, percebeu uma solução no fenômeno daemissãoestimulada.Aprimeiraaplicaçãousavamoléculasdeamôniaemestadoexcitadoparaamplificarmicro-ondas.

Townes, é claro, percebeu que o processo físico envolvido era aplicável atodas as frequências, emparticular, às frequências da luz. Sugeriu o acrônimo“laser” para light amplification by stimulated emission of radiation[amplificação luminosaporemissãoestimuladaderadiação]. (Odispositivodemicro-ondasoriginalchamava-se“maser”.)Apenasalgunsanosdepois,aaçãodolaserfoidemonstradafazendoincidirumaluzintensasobreumcristalderubisintético, excitandoos átomosde crômionocristal paraumestadoapartir doqualirradiavamentãofótonsidênticosporemissãoestimulada.Orelatóriodesseresultado surpreendentemente rápido foi na verdade rejeitado como

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provavelmenteequivocadopelaprestigiosarevistadefísicaamericanaàqualfoisubmetido.MaslogofoipublicadopelarevistabritânicaNature.

UMLASERPRODUZ um feixe estreitode luzdeuma só frequênciaquepode serfocadonumpontominúsculo.Dentrodeumtipodelaser,ofótondafrequênciaapropriada,atingindoumátomoemestadoexcitado,estimulaaemissãodeumsegundofótonexatamentedemesmafrequênciaviajandoexatamentenamesmadireção–umclone.Ondetínhamosumfóton,temosagoradois.Semantivermosmuitos átomos emestado excitado, esse processopode continuar numa reaçãoemcadeia,produzindomuitosfótonsidênticos.

Umproblemaqueoprojetistadolaserprecisasuperaréqueaprobabilidadedeumfótonatingirumátomonumaúnicapassagematravésdomaterialusadono processo é pequena.A luz é portanto passada repetidamente de um lado aoutro do material, refletindo-se num par de espelhos. Uma corda de violãoressoandoprecisavibrarnumnúmero inteirodemeioscomprimentosdeonda.Damesmamaneira,espelhosdelaserprecisamestardistanciadosdeumnúmerointeirodemeioscomprimentosdeondadaluz.Umdosespelhoséligeiramentetransparente, permitindo que um pouco do feixe abandone o laser a cadareflexão.

FIGURA9.1Noalto:Ondasdeluzrefletidasdeumladoaoutroentredoisespelhos.Centro:Umacordadeviolãoressoando.Embaixo:Umaondadeluzressoandoentre

doisespelhosdelaser.

Note comopassamosde falar da luz comoum fluxode fótons compactos,cadaumatingindoumúnicoátomo,paraaluzcomoumaondaespalhadaquese

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propagaentredoisespelhosmacroscópicos.Issoéanálogoaonossoátomo,quepodia estar compactamente concentrado numa caixa única ou ser uma ondaespalhadapelasduas caixas.Projetistas de laser precisampensar emambas asformascontraditórias,masnãoaomesmotempo.

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Otransístor

O transístor é seguramente a invenção mais importante do século XX. Atecnologia moderna nada seria sem ele. O transístor controla o fluxo de umacorrenteelétrica.Antesdeotransístorserdesenvolvidonadécadade1950,taisoperaçõeseramfeitasusandotubosdevácuo–válvulaselétricas.Cadaválvulatinha a largura de um punho, dissipando tanto calor quanto uma lâmpadaincandescente,ecustavaváriosdólares.

Hoje, bilhões de transistores num único chip custam menos de ummilionésimo de centavo cada, e cada um tem apenas milionésimos decentímetros de espessura. Um computador pessoal tem bilhões deles. Com asantigas válvulas, um computador com a potência de um laptopmoderno seriaridiculamente caro, ocuparia uma área enorme e exigiria a energia elétrica dausinageradoradeumagrandecidade.

Ostransistoresestãoemtodaparte:emcomputadores,TVs,carros,telefonescelulares, fornos de micro-ondas e no seu relógio de pulso. A vida modernacontinuaamudarporcausadocrescentenúmerodetransistoresquepodemsercolocados num único chip. Em 1965, Gordon Moore, cofundador da Intel, amaiorfabricantedomundodechipssemicondutores,predissequeonúmerodetransistoresquepodiamser colocadosnumúnicochipdobraria a cadadezoitomeses. A “lei de Moore” provou-se excepcionalmente correta durante quatrodécadas.Indodemilharesdetransistoresporchipnosanos1970amilhõesnosanos1990,agorapassamosabilhões.

Em 2009, pesquisadores foram capazes de mudar o estado de uma únicamolécula de benzeno aplicando a ela uma voltagem e, fazendo isso, puderamcontrolar a corrente que fluía através dela. A molécula única de benzenocomportou-secomoostransistoresmacroscópicos.

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Parece que estamos chegando a alguns limites físicos fundamentais emrelaçãoaotamanhomínimodostransistores.PodeserqueofimdaleideMooreestejanohorizonte,emboraissojátenhasidoditoanteseestivesseerrado.Comapossibilidadedoscomputadoresquânticosquediscutimosabaixo,olimitedoquepodeserconseguidonumchipaindapodeestarbemalémdoqueestimamos.

COMO OS TRANSISTORES envolvem fenômenos quânticos? A maioria dostransistores tem base de silício, cujo átomo tem catorze elétrons. Desses, dezelétrons sãopresos ao seunúcleo.Osoutrosquatro são“elétronsdevalência”que ligam cada átomo de silício a seus vizinhos. Os elétrons de valência nãoestão presos ao núcleo, estendendo-se pelo cristal de silício. Cada elétron devalênciaestásimultaneamenteemtodolugardentrodocristal.

Os elétrons diretamente envolvidos no fluxo da corrente do transístor sãooutraquestão.Elespodemser liberadospordiferentesátomos,de fósforo,porexemplo, adicionados ao cristal de silício. Projetistas de transistores precisampreocupar-secomesses“elétronscondutores”liberadosperdendovelocidadeaodaremdeencontrocomátomosindividuaisdeimpurezasouficandopresosportais impurezas. Precisam tratar esses elétrons condutores como objetoscompactosnaescalaatômica.

Comoéqueosengenheirosefísicosqueprojetamlasersetransistoreslidamcom fótons e elétrons que às vezes são compactos,menores que átomos, e àsvezes se estendem por distâncias macroscópicas? Eles cultivam umaesquizofreniabenigna.Simplesmenteaprendemquandopensardeumjeitoedeoutro.E,paratodosospropósitospráticos,issobasta.

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Dispositivosdecargaacoplada(CCDs)

Os prêmios Nobel de Física geralmente são concedidos por descobertasfundamentais distantes de qualquer aplicação prática. Em 2009, porém, duasimportantes façanhas tecnológicas foram contempladas: a fibra óptica e osCCDs. Cada uma delas teve grande impacto tanto na ciência quanto naeconomia.

Os CCDs, convertendo luz incidente em sinal elétrico, tomaram conta dafotografiapessoaleaexpandiramenormemente,revolucionaramaastronomiaeestão continuamente melhorando a medicina diagnóstica. Uma câmera digitaltípicatemumchipsemicondutorcommuitosmilhõesdeCCDs.

UmCCDusadoopticamente é integrado comumelemento fotoelétrico.OfenômenoqueinspirouEinsteinapostularofótonem1905dáinícioaoprocessonumCCD.Noefeitofotoelétricooriginal,fótonsejetamelétronsdasuperfíciedeummetal no vácuo, onde podem ser controlados por um campo elétrico. NoCCD, os fótons excitam um aglomerado de elétrons em silício a estados nosquaispodemsermovidosporumcampoelétrico.

Um eletrodo metálico próximo recebe uma carga positiva para atrair oaglomeradodeelétrons.Subsequentemente,essacargapositivaédesligadaeumeletrodovizinhoécarregadopositivamenteparaatrairesseaglomerado(àdireitana figura 9.2). O processo é repetido por um sinal programado para trazer oaglomerado de elétrons aos transistores que registram a carga. O tempo dechegada de um aglomerado particular dá a posição de fótons específicos naimagem.

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FIGURA9.2DiagramaesquemáticodeumCCDcomregiãofotoativaàesquerda.Umgrupodeelétronssendotransportadosémostradoabaixodoeletrodocentral.

OsCCDspodemdetectaratémesmoumúnicofóton,oquelhesconfereumasensibilidadeàluzmuitomaiorqueadofilmefotográfico.Alémdisso,umavezque o número de elétrons excitados é diretamente proporcional ao de fótonsincidentes,umagrandeprecisãodeimagemépossível.Maisainda,comCCDsaimagem, ou outros dados, é apresentada em forma digital, acessível aprocessamentoouanálise.

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Imagemporressonânciamagnética(IRM)

A ressonância magnética produz imagens surpreendentemente claras edetalhadas de qualquer tecido do corpo que se deseje. Está a caminho de setornaraferramentadediagnósticomaisimportantedamedicina.Atualmente,osequipamentos de IRM são grandes e caros, custando mais de 1 milhão dedólares, e um exame de IRM pode chegar amais demil dólares. Felizmente,tamanho e custos estão caindo, aomesmo tempo que o potencial diagnósticoaumenta.

Uma imagem por ressonância magnética determina a distribuição de umdado elemento, geralmente hidrogênio, num material específico na região docorpoexaminada.Tecidosdiferentes,ossooucarne,comtumorounormais,sãoretratadospelasconcentraçõesdiferentesdeumasubstânciaquímicaparticular.

Os detalhes da IRM são complicados, mas o único ponto que queremosdestacaréque,comonocasodolaseredotransístor,físicoseengenheirosquedesenvolvem IRM precisam usar explicitamente amecânica quântica. A ideiabásica é a ressonância magnética dos núcleos atômicos. (A IRM foioriginalmentechamadade“imagemporressonânciamagnéticanuclear”,masaansiedadecausadaporessaúltimapalavrafezcomquefosseretirada.)

OS NÚCLEOS ATÔMICOS SÃO pequenos ímãs com polo norte e polo sul. Numcampo magnético, o núcleo de hidrogênio, que é um próton, é “quantizadoespacialmente”. Isso quer dizer que ele temdois estados: numdeles, seu polonorteapontanosentidocoincidentecomocampomagnético;nooutro,opolonorteapontaemsentidocontrárioaocampo.NumamáquinadeIRM,umaondaeletromagnéticadefrequênciaadequadacolocaosnúcleosdehidrogênioqueseencontram no local particular do corpo cuja imagem está sendo feita naqueleinstantenumestadodesuperposiçãoquântica,noqualospolosnorteapontam

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simultaneamente para cima e para baixo. Esses núcleos irradiam ondaseletromagnéticas ao retornarem ao seu estado de energia mais baixo, e aquantidade dessa radiação revela sua concentração numa região particular. Éprecisoentãoumcomputadorparaproduziraimagemapartirdessesdados.

Crucialparaviabilizara IRMfoiovastoaumentodepodercomputacionalpossibilitadopelocrescentenúmerodetransistoresnumsóchip.QuandoaideiabásicadaIRMfoiproposta,suaimportâncianãofoireconhecida,provavelmenteporquenãoseanteviaopodercomputacionalrequerido.Oartigoqueopropunhafoiassiminicialmenterejeitadopelapublicaçãoàqualfoisubmetido.

AmaioriadasmáquinasdeIRMconsisteemumímãsupercondutordeváriastoneladas,mantidoaumatemperaturadepoucosgrausacimadozeroabsoluto.Nummetal supercondutor, os elétrons se condensam num estado quântico noqualtodossemovemcomoumaunidade.Cadaelétronestásimultaneamenteemtodolugarnumaenormemassademetal.Éprecisoumquantumsubstancialdeenergia para remover um elétron dessa unidade interligada em movimento.Portanto,umavezqueoselétronssupercondutoresrecebamumimpulsoinicial,nenhumaenergiaelétricaénecessáriaparamanterfluindoacorrentedeelétronseocampomagnético.

AIRMépossibilitadapelauniãodosfenômenosquânticosresponsáveispelaressonânciamagnéticanuclear, pela supercondutividadeepelo transístor.Cadaumadessastecnologias,bemcomoolasereoCCD,levouaumprêmioNobeldeFísica,sendoosmaisrecentesaIRMem2004eoCCDem2009.

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Ofuturo

Pontosquânticos

Oenvolvimentodamecânicaquânticaemtecnologiaebiotecnologiaseexpanderapidamente. Em 2003, a revista Science considerou a pesquisa do “pontoquântico” um dos avanços científicos mais importantes do ano. Os pontosquânticos, cada um feito de algumas centenas de átomos ou menos, sãoestruturas artificiais com as propriedades quânticas de um único átomo, umasérie de níveis de energia discretos, por exemplo. Pontos quânticos têm sidoprojetadospararevelarofuncionamentodosistemanervosooucomodetectoresultrassensíveisdecâncerdemama,ouaindaparaproduzirpigmentosversáteis.Quando eletrodos são ligados a pontos quânticos, podem ser usados paracontrolar fluxo de correntes como transistores ultrarrápidos ou para processarsinaisópticos.Em2009,pesquisadoresdoInstitutoNacionaldeNanotecnologiadoCanadáproduzirampontosquânticosdeumsóátomoemqueumpontopodiacontrolaromovimentodeelétronsnumpardepontosvizinhos.Comoissopodiaserfeitoemtemperaturaambiente,ousopráticonãodeveestarmuitodistante.Em 2010, trabalhos com pontos quânticos indicaram que seu uso poderiaaumentar a eficiência de células solares para mais de 60% a partir do limiteteórico atual de 30%. Você pode esperar ouvir muita coisa sobre pontosquânticosnofuturo.

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Computadoresquânticos

Umelementooperacionalnumcomputador clássicodeveestar emumdedoisestados: ou “zero” ou “1”. Um elemento “não observado” num computadorquânticopodeestarnumestadodesuperposição,simultaneamenteem“zero”e“1”.Essa é uma situaçãomuito parecida coma quedescrevemos, emqueumúnico átomo não observado estava num estado de superposição,simultaneamenteemcadaumadeduascaixas.

Enquanto cada elemento num computador clássico pode lidar apenas comuma única operação computacional de cada vez, a superposição permite quecada elemento num computador quântico lide com muitas operaçõessimultaneamente. Esse vasto paralelismo possibilitaria a um computadorquântico solucionar em minutos certos problemas que ocupariam umcomputador clássico por 1 bilhão de anos. Antes, pensava-se que o tipo deoperaçãoquecomputadoresquânticospodiamfazerbemmaisdepressaqueoscomputadoresclássicosfossemuitorestrito,masoslimitesestãoseexpandindo.Em particular, computadores quânticos devem ser excelentes na busca emgrandesbasesdedados.

Aplicações comerciais estão sendo buscadas, e resultados promissores sãoconstantemente reportados.Mas você não poderá comprar um laptop quânticotãocedo.Computadoresquânticos enfrentamsériosproblemas técnicos.Comoumátomonumparde caixas, as funçõesdeondadasunidades lógicasdeumcomputador quântico são excessivamente frágeis. Quando objetos interagem,suasfunçõesdeondaficam“emaranhadas”,eoemaranhamentoébásicoparaaoperação de um computador quântico. As unidades lógicas do computadorprecisam ser adequadamente isoladas do ambiente térmico aleatório, que, deoutra forma, perturbaria rapidamente os emaranhamentos pretendidos. Éanimador o desenvolvimento recente de técnicas de codificação que vêmaumentando, por um fator de cem, o tempo que os estados quânticos podem

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tolerar talperturbação.AIBM,levandoacomputaçãoquânticaasério, fundouhápoucotempoumgrandegrupodepesquisaparacomeçarumprojetodecincoanos.

ENGENHEIROS E FÍSICOS que trabalham commodernas tecnologias podem lidarcotidianamentecommecânicaquântica,masnãoprecisamenfrentarasquestõeslevantadas pelosmistérios quânticos.Muitos nemmesmo estão cientes dessasquestões. Ao ensinar mecânica quântica, os físicos, inclusive nós mesmos,dedicampoucotempo,seéquededicamalgum,aosaspectosenigmáticos.Nósnos concentramos nos tópicos práticos que os estudantes vão precisar usar.Poderíamos também estar evitando o enigma porque nosso “esqueleto noarmário” pode ser um pouco constrangedor? Nosso próximo capítulo sobre ainterpretaçãodeCopenhaguedamecânicaquânticaapresentaamaneirapadrãocom que nossa disciplina deixa o enigma de lado, pelo menos para todos ospropósitospráticos.

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10.Maravilhosa,maravilhosaCopenhague

Maravilhosa,maravilhosaCopenhague…SalgadavelhadamadomarUmdianavegueiparalongeMashojeestoudevoltaCantandoCopenhague,maravilhosa,maravilhosaCopenhagueparamim.

FRANKLOESSER,“MaravilhosaCopenhague”

O SIGNIFICADO DA MECÂNICA newtoniana era claro. Descrevia um mundorazoável, um “Universo com mecanismo de relógio”. A física clássica nãonecessitava de interpretação. A relatividade de Einstein seguramente écontraintuitiva,masnãoprecisamosde“interpretações”darelatividade.Depoisde trabalharcomrelatividadeporalgum tempo,aceitamosprontamentea ideiade que relógios em movimento se movem devagar. A afirmação da teoriaquânticadequeaobservaçãocriaarealidadeobservadaémaisdifícildeaceitar–elaprecisadeinterpretação.

Os estudantes entram na física para estudar o mundo físico. O OxfordEnglishDictionary define bem esse sentido de “físico”: “De ou pertencente ànaturezamaterial,emoposiçãoapsíquico,mentalouespiritual”(grifonosso).ONew York Times citou em 2002 o historiador da ciência Jed Buchwald: “Osfísicos … há muito têm uma especial aversão a admitir em seu trabalhoprofissionalquestõescomomaisleveconteúdoemocional.”Defato,amaioriados físicos procura evitar lidar com esse esqueleto que temos no armário, oencontrodafísicacomoobservadorconsciente.AinterpretaçãodeCopenhaguedamecânicaquânticapermitequeissosejaevitado.Éaposição“ortodoxa”danossadisciplina.

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AinterpretaçãodeCopenhague

NielsBohrreconheceucedoqueafísicatinhasedeparadocomoobservadorequeoassuntotinhadeserabordado:

Adescoberta do quantum de ação não só nosmostra, de fato, a limitação natural da física clássica,como,aolançarumaluznovasobreovelhoproblemafilosóficodaexistênciaobjetivadefenômenosindependentementedanossaobservação, nos confronta comuma situação até agoradesconhecidanaciêncianatural.

Menos de um ano após a equação de Schrödinger, a interpretação deCopenhague foi desenvolvida no Instituto Bohr, em Copenhague, com NielsBohr como seu principal arquiteto.WernerHeisenberg, seu colegamais novo,foiooutrocolaboradorprincipal.NãoexisteumainterpretaçãodeCopenhague“oficial”. Mas toda versão agarra o touro pelos chifres e declara que umaobservação produz a propriedade observada. A palavra capciosa aqui é“observação”. Será que “observação” significa necessariamente observaçãoconsciente? Depende do contexto. (Quando nos referirmos especificamente aobservaçãoconsciente,tentaremosdeixarissoexplícito.)

Copenhagueampliaaafirmaçãodequeaobservaçãoproduzaspropriedadesobservadas ao definir que uma observação tem lugar sempre que um objetomicroscópico, de escala atômica, interage com um objeto macroscópico, deescalagrande.Quandoumpedaçodefilmefotográficoéatingidoporumfótoneassim registra onde o fóton pousou, o filme “observa” o fóton. Quando umcontadorGeigerestalacomoreaçãoaumelétronentrandonotubodedescarga,ocontador“observa”oelétron.

A interpretação de Copenhague considera portanto dois reinos: o reinoclássico, macroscópico, dos nossos instrumentos de medida, governado pelafísica clássica; e o reino quântico, microscópico, de átomos e outras coisaspequenas, governado pela equação de Schrödinger. A interpretação argumenta

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que jamais lidamosdiretamente comobjetos quânticos do reinomicroscópico.Logo,nãoprecisamosnospreocuparcomsuarealidadefísica–ouafaltadela.Uma “existência” que permite calcular seus efeitos sobre nossos instrumentosmacroscópicoséperfeitamentesuficiente.Afinal,oqueregistramoséapenasocomportamentodessesequipamentosclássicos.Comoadiferençadeescalaentreátomos e contadores Geiger é tão grande, Copenhague trata os reinosmicroscópicoemacroscópicoseparadamente.

Frequentemente falamos do comportamento de elétrons, átomos e outrosobjetosmicroscópicoscomoseosobservássemosdiretamente,comosefossemreaiscomobolinhasdegude.(Podemos,porexemplo,dizer:“Umapartículaalfaricocheteounumnúcleodeouro.”)Nãoobstante,éapenasarespostadosnossosinstrumentosdelaboratórioqueprecisamosconsiderarreal.

FIGURA10.1DesenhodeMichaelRamus,1991.©InstitutoAmericanodeFísica.

EM 1932, apenas alguns anos depois da interpretação de Copenhague de Bohr,John von Neumann apresentou um tratamento rigoroso ao qual também nosreferimos como interpretação de Copenhague. Ele demonstrou que se amecânica quântica se aplica universalmente – como se afirma – em última

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instância é inevitável um encontro com a consciência. No entanto, VonNeumann demonstrou que, para todos os propósitos práticos, podemosconsiderarequipamentosmacroscópicosdemaneiraclássica.Issoenfatizaqueaseparação de Bohr entre o microscópico e o macroscópico é apenas umaaproximaçãomuitoboa.DiscutiremosaconclusãodeVonNeumannnocapítulo17. Ela alerta que, sempre que nos referimos a “observação”, a questão daconsciênciaestáespreitando,escondida.

A maioria dos físicos, desejando evitar problemas filosóficos, aceitaprontamente a versão de Bohr da interpretação de Copenhague. Nós, físicos,podemos ocasionalmente navegar rumo amargens especulativas,mas, quandorealmente fazemos físicaouensinamosfísica, todosvoltamosparacasa,paraamaravilhosaCopenhague.

Os físicosdehojemostrammaisdesconfortocomosátomos seremmenosque reais, àmedida que a tecnologia invade omal definido território entre osreinos clássico e quântico. Portanto, exploraremos criticamente a interpretaçãodeCopenhague,aposiçãotacitamenteaceitadosfísicosematividade.

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OqueCopenhagueprecisatornaraceitável

Emboratenhamosapresentadonocapítulo8o“esqueletonoarmário”dafísicaem forma de uma história, versões reais daqueles experimentos são feitas otempo todo. Mostramos esses resultados contraditórios (usando fótons ouelétrons)atécomodemonstraçõesdeaula.

FIGURA10.2Ademonstração“átomosnumpardecaixas”.

Nahistóriadocapítulo8,umobjetopequenoéenviadoparadentrodeumpar de caixas bem separadas.Olhando dentro das caixas, você sempre acha oobjetointeironumaúnicacaixa,eaoutracaixavazia.Segundoateoriaquântica,porém, antes de ser observado, o objeto estava simultaneamente emambasascaixas,não inteiramentenumacaixa só.Umexperimentode interferência,quevocêpoderiaterescolhido,estabeleceriaessefato.Logo,pelasualivreescolha,você poderia demonstrar qualquer uma das duas realidades anteriorescontraditórias.Mesmo que a tecnologia atual limite a exibição de fenômenosquânticosacoisasmuitopequenas,ateoriaquânticapresumivelmenteseaplicaatudo–debolasdebeisebolaátomos.Copenhagueprecisatornaressaestranhezaaceitável.

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TrêspilaresdeCopenhague

AinterpretaçãodeCopenhaguerepousasobretrêsideiasbásicas:ainterpretaçãoprobabilística da função de onda, o princípio da incerteza de Heisenberg e acomplementaridade.Vamosexaminarumadecadavez.

Ainterpretaçãoprobabilísticadafunçãodeonda

Estamosusandotodoestetempoaideiadequeaondulatoriedadenumaregião(tecnicamente,oquadradoabsolutodafunçãodeonda)éaprobabilidadedequeo objeto seja encontrado nessa região. Essa interpretação probabilística daondulatoriedadeécentralparaainterpretaçãodeCopenhague.

Enquantoa física clássicaé estritamentedeterminista, amecânicaquânticafala de uma aleatoriedade intrínseca à natureza. No nível atômico, Deus jogadados,nãoimportaaopiniãodeEinstein.(Einsteinenfatizavarepetidamentequearealidadecriadapeloobservador,enãoaaleatoriedade,eraoseurealproblemacom a teoria quântica.) Não é difícil aceitar que a natureza seja, em últimainstância,estatística.Afinal,muitodoqueacontecenavidacotidianaéaleatório.Fosseessa todaahistória,haveriamuitomenospreocupaçãocomum“enigmaquântico”. A probabilidade em mecânica quântica implica algo mais quealeatoriedade.

A probabilidade clássica no jogo das cascas de noz, digamos, é aprobabilidadesubjetiva (paravocê)deonde estáo feijão.Mashá tambémumfeijão real sob alguma das cascas de noz. A probabilidade quântica não é aprobabilidadedeondeoátomoestá.Éaprobabilidadeobjetivadeondevocê(ouqualquerpessoa)poderáencontrá-lo.Oátomonãoestavaemcertolugaratéserobservadolá.

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Comoateoriaquânticanãotemnenhumátomoalémdafunçãodeondadoátomo, se a função de onda do átomo ocupa duas caixas, o átomo em si estásimultaneamente em ambas as caixas. Sua observação posterior numa únicacaixafazcomqueeleestejainteiramentenessacaixa(ounãoestejanessacaixa).

Aideiadoparágrafoanteriorédifícildeaceitar.Éporissoquearepetimosinsistentemente. Mesmo estudantes que completam um curso de mecânicaquântica, quando indagados sobre o que a função de onda representa,frequentementerespondemincorretamentequeelaforneceaprobabilidadedeoobjetoestarnumlugarparticular.Errado.Afunçãodeondadáaprobabilidadedeencontraroobjetonumlugarparticular.Otextoapartirdoquallecionamos(deGriffiths,elistadonas“Leiturassugeridas”)enfatizaaideiacorretacitandoPascual Jordan, um dos fundadores da teoria quântica: “Observações não sóperturbam o que está sendomedido; elas oproduzem.”Mas somos solidárioscomnossosalunos.Calcularfunçõesdeondajáédifícilobastantesemterdesepreocuparcomseusignificadomaisprofundo.

EMBORA VENHAMOS FALANDO de “observação”, não dissemos realmente o queconstituiumaobservação.Emúltimaanáliseéumaquestãocontroversa.Mashácasosmuitonítidos.

Paraumfótonricocheteandonumátomo,existeumarespostaclara:ofótonnão observa o átomo. Após o encontro, o fóton e o átomo estão juntos numestado de superposição que inclui todas as posições possíveis do fóton e doátomo. Isso pode ser confirmado com um complexo experimento deinterferênciadedoiscorpos.Nooutroextremo,quandoouvimosocliquedeumcontadorGeiger emcontato como restodomundo registrando esse fóton, foifeitaumaobservaçãodaposiçãodofótoneportantodoátomo.

Assituações intermediáriaséquesãocontroversas.Falandoestritamente,éclaro, o contador Geiger precisa obedecer à mecânica quântica. Se estivesseisoladodorestodomundo,simplesmentesejuntariaaoestadodesuperposiçãodoobjetomicroscópicoqueoatingiu.Portanto,elenão“observaria”.Mas,por

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razõespráticas, é essencialmente impossíveldemonstrarqueumobjetograndeestáemestadode superposição,porqueéessencialmente impossível isolarumobjeto grande do resto do mundo. Falaremos mais sobre essa dificuldade nopróximocapítulo.

FIGURA10.3Oricocheteardeumfótonnumátomonãocriaaposiçãodoátomoatéqueofótonsejadetectado.

SEJAMOSCUIDADOSOSEMrelaçãoaoquesignificaser“nãoobservado”.Considerenosso átomo em seu par de caixas. Até que a posição do átomo numa caixaespecífica seja observada, o átomo não existe numa caixa específica. Nãoobstante,“observamos”inicialmenteoátomoquandoopegamoseomandamospara um par de caixas.A posição do átomo nopar de caixas é portanto umarealidade observada. No entanto, tomando o caso extremo de caixas muitograndes,podemos simplesmentedizerqueoátomonão temposiçãonenhuma.Elenãotemapropriedadedeposição.Omesmoargumentopodeserdadoparaqualqueroutrapropriedadedeumobjeto.

A interpretação de Copenhague geralmente adota o ponto de vista de queexistem somente as propriedades observadas dos objetosmicroscópicos. JohnWheeler afirmou concisamente: “Nenhuma propriedade microscópica é umapropriedadeatéquesejaumapropriedadeobservada.”

Selevarmosissoàsuaconclusãológica,osobjetosmicroscópicosemsinãosãocoisasreais.EisoquedizHeisenbergsobreisso:

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Nosexperimentossobreeventosatômicosquetemosdefazercomcoisasefatos,osfenômenossãotãoreaisquantoqualquerfenômenodavidacotidiana.Masosátomosoupartículaselementaresemsinãosãoreais;elesformamummundodepotencialidadesoupossibilidadesemvezdeummundodecoisasoufatos[grifonosso].

Deacordocomessavisão,objetosdeescalaatômicasóexistememalgumreino abstrato, não no mundo físico. Se é assim, tudo bem que não “façamsentido”.Ésuficientequeelesafetemnossosinstrumentosdemediçãosegundoateoria quântica. Coisas grandes, por outro lado, são reais, para todos ospropósitos práticos. É claro que sua descrição clássica é apenas umaaproximação das leis quânticas corretas da física. Sendo assim, em algumsentido,oreinomicroscópico,oreinonãoobservado,éomaisreal.Platãoteriaadorado.

SEOREINOMICROSCÓPICOconsistemeramenteempossibilidades,comoéqueafísica explica as coisas pequenas das quais as coisas grandes são feitas? OenunciadomaisfamosoéfrequentementeatribuídoaBohr:

Nãoexistemundoquântico.Existeapenasumadescriçãoquânticaabstrata.Éerradopensarqueatarefadafísicaédescobrircomoanaturezaé.Afísicadizrespeitoaoquepodemosdizersobreanatureza.

Naverdade,essaéprovavelmenteumasíntesedopensamentodeBohrfeitapor umde seus colegas.Mas ela se ajusta àquilo queBohr disse demaneirasmaiscomplicadas.AinterpretaçãodeCopenhagueevitaenvolverafísicacomoobservador consciente redefinindo o que tem sido a meta da ciência desde aGréciaantiga:explicaromundoreal.

Einstein rejeitou a atitude deBohr como derrotista, dizendo ter chegado àfísica para descobrir o que realmente acontece, aprender “os pensamentos deDeus”. Schrödinger rejeitou a interpretação de Copenhague nos termos maisamplos:

AposiçãodeBohr,dequeumadescriçãoespaçotemporal[ondeumobjetoestánumdadomomento]éimpossível, eu rejeito jáde início.A físicanãoconsiste somenteempesquisa atômica, a ciêncianãoconsistesomenteemfísicaeavidanãoconsisteapenasemciência.Oobjetivodapesquisaatômicaéadequaroconhecimentoempíricoreferenteaelaanossooutropensamento.Todoessepensar,noque

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concerneaomundoexterior,éativonoespaçoenotempo.Senãopuderserencaixadonoespaçoenotempo,entãofracassaemseuobjetivo,enãosesaberealmenteaquepropósitoserve.

SeráqueBohrdefatonegariaqueumobjetivodaciênciaéexplicaromundonatural?Talveznão.Certavezeledisse:“Ocontráriodeumaafirmaçãocorretaéumaafirmaçãoincorreta,masocontráriodeumagrandeverdadepodeseroutragrandeverdade.”OpensamentodeBohrénotoriamentedifícildeapreender.

UMCOLEGADEHEISENBERG sugeriu certa vez que o problemaonda-partícula émeramentesemânticoepoderiaserresolvidonãochamandooselétronsnemdeondas nem de partículas, e sim de “ondículas”. Heisenberg, insistindo que asquestõesfilosóficas levantadaspelamecânicaquântica incluíamograndetantoquantoopequeno,replicou:

Não, essa solução é um pouco simples demais para mim. Afinal, não estamos lidando com umapropriedadeespecialdoselétrons,mascomumapropriedadede todaamatéria ede todaa radiação.Querpeguemoselétrons,quantadeluz,moléculasdebenzoloupedras,sempreiremosnosdepararcomessasduascaracterísticas,acorpusculareaondulatória[grifonosso].

Eleestánosdizendoque,emprincípio(eé issoqueé importanteparanósaqui),tudoémecânico-quânticoe,emúltimaanálise,sujeitoaoenigma.IssonoslevaaosegundopilardainterpretaçãodeCopenhague,oprincípiodaincerteza,aideiapelaqualHeisenbergémaisconhecido.

OprincípiodaincertezadeHeisenberg

Heisenberg mostrou que qualquer demonstração para refutar a alegação darealidadecriadapeloobservadorseriafrustrada.Eisumexemplo:

Aofazerumexperimentode interferência,olheparaverdequecaixacadaátomorealmenteveio.Verqueoátomoveiodeumacaixaúnica demonstrariaque o átomo de fato estava realmente naquela caixa única. Se ele seguisse aregradeinterferência,aqualimplicaquesaiudasduascaixas,ateoriaquânticaserevelariainconsistente,eportantoerrada.Paramostrarquetaldemonstração

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deviafracassar,Heisenbergcriouoexperimentomentalquehojeéchamadode“microscópiodeHeisenberg”.

Paraverdequecaixaoátomosaiu,vocêpoderiafazerincidirluzsobreele.Refletiraluzemalgoénossomodohabitualdeverascoisas.Paranão“chutar”o átomo com força demais e desviá-lo de seguir unicamente rumo a um localpermitidopelopadrãodeinterferência,vamosatingi-locomamaiordelicadeza,usandoomínimodeluzpossível,umúnicofóton.

FIGURA10.4OmicroscópiodeHeisenberg.

Emgeral, seduascoisas estãomaispróximasqueocomprimentodeondadas ondas provenientes delas, sua separação não pode ser estabelecida. Isso éilustradonafigura10.5.Nafigura10.5A,ocomprimentodeonda,adistânciaentre as cristas, é menor que a separação das fontes de ondas. As cristaschegando ao “olho” que observa estão vindo claramente de duas direçõesdiferentes,dois lugaresdiferentes.Nafigura10.5B,ocomprimentodeondaémaiorqueaseparaçãodasfontesdeondas.Ascristaschegandoao“olho”queobserva não são claramente distinguíveis como vindo de duas direçõesdiferentes, dois lugares diferentes. Portanto, para saber de que caixa o átomoveio,ocomprimentodeondadaluzrefletidadoátomoprecisasermenor,maiscurto,queaseparaçãoentreascaixas.

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FIGURA10.5A.Fontesdeondasseparadaspormaisdeumcomprimentodeonda.B.Fontesdeondasseparadaspormenosdeumcomprimentodeonda.

Mas um comprimento de onda pequeno significa um grande número decristas chegando por segundo.Essa é uma frequência alta, e um fóton de altafrequência tem alta energia. Ele daria um “chute” forte no átomo.Heisenbergcalculou com facilidade que um fóton com comprimento de ondasuficientemente pequeno paradistinguir as duas fontes chutaria o átomo comforçabastanteparaborrarqualquerpadrãodeinterferência.Efariacomqueosátomos fossem para lugares proibidos pela regra da interferência. A linhatracejadanafigura10.4mostraatrajetóriaqueoátomoteriapercorridosenãofosseatingidopelofóton.

AhistóriadomicroscópiodeHeisenbergmostraque,sevocêviucadaátomovindo de uma caixa única específica, não poderia ver também um padrão deinterferência quemostrasse que cada átomohavia estado em ambas as caixas.Portanto,nessecaso,nãopoderiarefutaracriaçãodarealidadepeloobservador.Heisenberg levou orgulhosamente essa descoberta a Bohr. Bohr ficouimpressionado, mas disse a seu jovem colega que ele não estava totalmentecorreto.Heisenbergesqueceuque,sevocêsoubesseoângulodericocheteiodo

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fóton,poderia na verdade calcular de que caixa o átomo viera. Mas a ideiabásica estava certa. Bohr lhe mostrou que, incluindo o tamanho da lente domicroscópionecessáriaparamediroângulodofótonemsuaanálise,elepodiaconseguirdenovooresultadoquejulgavaterobtido.NãoterlevadoessepontoemconsideraçãodeixouHeisenbergduplamenteenvergonhado–elerelatouquedeterminaradireçãodeumaondadeluzcomummicroscópioforaumaquestãoquehaviaerradonoseuexamededoutorado.

Heisenbergfoiadiante,generalizandosuahistóriadomicroscópio,queveioa se tornar o “princípioda incertezadeHeisenberg”.Quantomaior a precisãocom que se mede a posição de um objeto, mais incerteza se terá sobre suavelocidade. E vice-versa – quanto maior a precisão com que se mede avelocidadedeumobjeto,maisincertezaseterásobresuaposição.

OprincípiodaincertezatambémpodeserdeduzidodiretamentedaequaçãodeSchrödinger.Naverdade,aobservaçãodequalquerpropriedadetornaincertauma grandeza “complementar”. Por exemplo, posição e velocidade (oumomento) são grandezas complementares.Energia e tempo de observação sãooutro par complementar. O importante aqui é que a observação de qualquerpropriedadeperturbaascoisasosuficienteparaimpedirarefutaçãodaafirmaçãodateoriaquânticadequeaobservaçãocriaapropriedadeobservada.

OBSERVAMOS DE PASSAGEM que o princípio da incerteza surge em algumasdiscussões sobre livre-arbítrio. Na visão de mundo da física clássica, se um“olho que tudo vê” conhecesse a posição e a velocidade de todo objeto noUniversonumdadomomento,ofuturointeiropoderiaserprevistocomcerteza.ComosomospartedesseUniversofísico,afísicaclássicaexcluiolivre-arbítrio.Umavezqueoprincípioda incertezanegaessedeterminismonewtoniano,eletem estimulado discussões filosóficas sobre determinismo e livre-arbítrio. Aincerteza pode permitir o livre-arbítrio negando o determinismo, mas aaleatoriedade,quânticaounão,nãoéumalivreescolha.Aincertezaquânticanãopodeestabelecerolivre-arbítrio.

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Acomplementaridade

Emboraoprincípiodaincertezamostrequequalquerobservaçãodeumobjetonecessariamente perturba esse objeto o suficiente para impedir umademonstração de que a teoria quântica é falsa, isso não basta. Tambémprecisamos do terceiro pilar da interpretação de Copenhague: acomplementaridade. Esta é difícil de aceitar. (Complementaridade é o querealmenteincomodavaEinstein,nãoaaleatoriedadedoseujogodedados.)

Considereumconjuntodemilparesdecaixas,cadaparcomumátomoemestado de superposição simultaneamente em ambas as caixas. Espie dentro deumacaixadecadapar.Cercademetadedasvezesvocêveráumátomonacaixaque abriu. Segundo o princípio da incerteza, ver o átomo perturbou-o com osfótons que você fez incidir sobre ele. Portanto, jogue fora todos os pares decaixasnasquaisviu, eportantoperturbou,umátomo.Você fica comcercadequinhentos pares de caixas cujos átomos não foram fisicamente perturbados;nenhum fóton incidiu sobre eles. A caixa em que você olhou estavacompletamentevazia.Mas,paraessesparesdecaixas,vocêsabeemquecaixacadaátomoestá:nacaixaemquevocênãoolhou.

Tenteumexperimentodeinterferênciacomessesquinhentosparesdecaixas.Um padrão de interferência provaria que cada um desses átomos estavasimultaneamente emambas as caixas dopar.Mas, para esses pares de caixas,vocêjátinhadeterminadoquecadaátomoestavainteiramentenumacaixaúnica.Achar um padrão de interferência mostraria portanto uma inconsistência nateoriaquântica.

Naverdade,essesátomossupostamentenãoperturbadosnãoproduzemumpadrão de interferência. O que fez com que esses átomos não perturbadosadotassem um comportamento diferente? Afinal, se você tivesse feito umexperimento de interferência antes de espiar dentro das caixas vazias, essesátomosteriamproduzidoumpadrãodeinterferência.

Embora esses átomos não tenham sido fisicamente perturbados, vocêdeterminouemquecaixacadaátomoestava.Aparentemente, suaaquisiçãodo

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conhecimento foi suficiente para concentrar cada átomo totalmente dentro deuma caixa única. Para evitar ver isso como algo de certa forma misterioso énecessárioconversarumpoucosobreoassunto.

Aconversaquepropomosnumaaulademecânicaquânticaparaestudantesdefísicaéque,quandoolhamosdentrodeumacaixaenãoencontramosnenhumátomo,fazemoscolapsarinstantaneamenteaondulatoriedadedoátomonaoutracaixa. No jogo das cascas de noz, nosso ato de olhar faz colapsar aprobabilidade,queerade½deofeijãoestaremcadacaixa,parazeronacaixaquedescobrimosvaziae1,certeza,paraofeijãoestarnaoutracaixa.Amesmacoisaacontececomaondulatoriedade.Afinal,ondulatoriedadeéprobabilidade.

Essaexplicaçãoéumpoucoverborrágica.Aprobabilidadeclássicacomeçasimplesmentecomoumamedidadoconhecimentodapessoa.Poroutrolado,aprobabilidadequântica,aondulatoriedade,ésupostamentetudooqueexisteparaoátomofísico.Comoosimplesatodeadquirirconhecimentoconcentraoátomonuma caixa única? Mas raramente enfatizamos charadas filosóficas paraestudantesdefísica,queprecisamantesdetudoaprenderacalcular.

BOHR PERCEBEU QUE precisava confrontar a influência do conhecimento dosfenômenos físicosparapermitirqueos físicoscontinuassema fazer física semficar atolados em filosofia. Assim, enunciou seu princípio dacomplementaridade.Osdoisaspectosdeumobjetomicroscópico,seuaspectodepartículaeseuaspectodeonda,são“complementares”.Umadescriçãocompletarequer ambos os aspectos contraditórios.Mas devemos considerar apenas umaspectodecadavez,especificandootipodeobservaçãoqueestamosfazendo,oexperimentoqueestamosrealizando.

Consequentemente,evitamosaaparentecontradiçãoconsiderandoosistemamicroscópico, o átomo, como não existente em si e por si. Devemos sempreincluir na nossa discussão – ao menos implicitamente – os diferentesequipamentosexperimentaismacroscópicosusadosparaexibircadaumdosdoisaspectos complementares. Tudo então fica bem, porque em última análise é

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apenas o comportamento clássico de tal equipamento que relatamos. NaspalavrasdeBohr:

Oponto decisivo é reconhecer que a descrição do arranjo experimental e o registro das observaçõesdevem ser feitos em linguagem clara, adequadamente refinada pela terminologia física usual. Essa éumaexigêncialógicasimples,umavezquepelapalavra“experimento”podemosapenasnosreferiraumprocedimentocomreferênciaaoqualsomoscapazesdecomunicaraoutrosoquefizemoseoquedescobrimos.

Emarranjos experimentais reais, opreenchimentode tais exigências é asseguradopelouso, comoinstrumentos de medição, de corpos rígidos suficientemente pesados para permitir uma informaçãototalmenteclássicadesuasposiçõesevelocidadesrelativas.

Emoutras palavras, embora os físicos falem de átomos e outras entidadesmicroscópicascomosefossemcoisasfísicasreais,ascoisasmicroscópicassãoapenas conceitos que usamos para descrever o comportamento dos nossosinstrumentos de medição. Não precisamos ir além da descrição dessecomportamentoaolidarcomomundomicroscópico.

Essaposturafazlembrara“Hypothesesnonfingo”(Nãofaçohipóteses)deNewton,suaalegaçãodequeumaexplicaçãodagravidadenãoprecisa iralémdasequaçõesquepreveemosmovimentosdosplanetas.Einstein,éclaro,comarelatividade geral, sua teoria da gravidade, forneceu grande compreensão danaturezadoespaçoedotempo,indoalémdasequaçõesdeNewton.

AQUI TEMOS UMA conduta relacionada que a interpretação de Copenhagueflexívelpodeadotar:nãopensenosexperimentosquepoderiam tersidofeitos,masna verdade não foram.Afinal, foi só a percepção de que poderíamos terescolhido fazer um experimento diferente do que realmente fizemos que deuorigemaoproblemadamediçãoquântica,aoenigmaquântico.

Umfísicoeminenteenfatizouessaposturaproclamando:“Experimentosnãofeitosnãotêmresultados!”Comoafísicalidacomresultadosexperimentais,nãoprecisamosnempensar sobre experimentosnão feitos.Na realidade, vocênãopoderia mostrar uma contradição lógica. (Um experimento “qual caixa?”perturbaessesátomososuficienteparaimpedirumexperimentodeinterferência

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com eles, e após um experimento de interferência você não pode fazer umexperimento“qualcaixa?”comessesmesmosátomos.)

Nossapremissahabitualdequepoderíamosterfeitoumacoisadiferentedoque realmente fizemos é chamada de “determinação contrafactual”. Acreditarque se você não almoçasse estaria faminto pressupõe determinaçãocontrafactual. Colocamos alguém na cadeia porque poderia ter decidido nãopuxar o gatilho. Administramos nossa vida e a sociedade pressupondo adeterminaçãocontrafactualqueessaversãodeCopenhaguenega.Algunsfísicoscom inclinaçãomatemática argumentam que amecânica quântica nos força asimplesmenteaceitarumanegaçãodadeterminaçãocontrafactual.Issopodenãoser um problema se simplesmente aplicarmos a teoria quântica a coisasmicroscópicas e não nos preocuparmos com suas inegáveis implicações maisamplas.

Negando a determinação contrafactual, a interpretação de Copenhaguepareceriaestarnegandoo livre-arbítrio.Seráqueo livre-arbítrioéuma ilusão?Nãopodemosprovarquenãosomosapenasautômatosnummundo totalmentedeterminista que conspira para nos iludir e nos levar a acreditar que fazemosescolhas.Noentanto,nós(FredeBruce)somosambostotalmenteconfiantesnonosso próprio livre-arbítrio, mesmo que nenhum de nós possa ter certezaabsolutadequeseucoautornãosejaumsofisticadorobô.

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Aaceitaçãode–eodesconfortocom–Copenhague

A interpretação de Copenhague nos pede para aceitar a mecânica quânticapragmaticamente. (Adesivo resumindo o pragmatismo: “Se funciona, éverdade.”)Quandoosfísicosqueremevitarlidarcomfilosofia,eparaamaioriade nós isso é quase o tempo todo, aceitamos tacitamente a interpretação deCopenhague.Osfísicostendemaserpragmáticos.

Embora, estritamente falando, as propriedades de objetos microscópicossejammeramente inferidas a partir do comportamento do nosso equipamento,mesmoassimosfísicosfalamdeobjetosmicroscópicos,osvisualizamefazemcálculos commodelos deles como se fossem reais.Mas, quando confrontadoscomoparadoxo,podemossemprerecuarparaainterpretaçãodeCopenhague:ateoriaquânticadeobjetosmicroscópicosdeveexplicarocomportamentosensatodonossoequipamentomacroscópico,mas os objetosmicroscópicos em si nãoprecisam“fazersentido”.

Consideremos uma analogia tirada da psicologia (como fez Bohr).Basicamente, relatamos o comportamento de uma pessoa. O comportamentofísico em si não apresenta paradoxo. Osmovimentos físicos da pessoa fazemsentidonamedidaemqueestãodeacordocomaleidomovimentodeNewton.Os motivos da pessoa, porém, são teorias que devem explicar seucomportamento.Masosmotivosemsinãoprecisamfazer,emuitasvezesnãofazem, sentido. Pragmaticamente aceitamos esse posicionamento ao lidar comgente.A interpretaçãodeCopenhaguenospedequeaceitemosessaposturaaolidarcomfenômenosfísicosmicroscópicos.

Se você não se sente confortável com a solução de Copenhague para oproblema do observador, não está sozinho. Não conhecemos ninguém quecompreenda e leve a sério o que a mecânica quântica nos diz sem admitirperplexidade.

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Não obstante, até recentemente, a maioria dos livros-texto de mecânicaquânticadeixavamimplícitoqueCopenhagueresolviatodososproblemas.Umtexto de 1980 desprezava o enigma com uma piada, o desenho de umornitorrincocomalegenda:“Oanálogoclássicodoelétron.”Aideiaeraque,aoentrarnoreinodopequeno,vocênãodeviasesurpreendermaiscomumobjetosendoaomesmotempoumaondaespalhadaeumapartículacompactadoqueoszoólogosquevãoàAustráliacomumanimalqueéaomesmotempomamíferoeum“pato”ovíparo.Noseuprefácio,outroautordosanos1980promete“tornaramecânica quântica menos misteriosa para o estudante”. Ele o faz jamaismostrandoomistério.

TaisatitudesprovavelmenteestimularamocomentáriodeMurrayGell-MannemseudiscursodeaceitaçãodoprêmioNobeldeFísicade1969,dizendoqueNielsBohrfezlavagemcerebralemgeraçõesdefísicos, levando-osaacreditarqueoproblemaforasolucionado.ApreocupaçãodeGell-Mannéhojeumpoucomenos relevante, uma vez que amaioria dos textos correntes sobremecânicaquânticaaomenosinsinuaquestõesnãoresolvidas.

ESSENCIAL PARAA INTERPRETAÇÃOdeCopenhagueeraaclara separaçãoentreomicrocosmo quântico e o macrocosmo clássico. Essa separação dependia davastadiferençadeescalaentreosátomoseascoisasgrandescomquelidamosdiretamente.NotempodeBohr,haviaumalargaterradeninguémintermediária.Pareciaaceitávelpensarnoreinomacroobedecendoàfísicaclássicaenoreinomicroobedecendoàfísicaquântica.

No entanto, a tecnologia de hoje invadiu essa terra de ninguém. Com luzlaserapropriadapodemosverátomos individuaisaolhonudamesmamaneiraquevemosgrãosdepoeiranumraiodesol.Comomicroscópiodetunelamentocomvarredura,nãosópodemosverátomosindividuais,maspodemospegá-losecolocá-los de volta no lugar. Físicos escreveram o nome da empresa em quetrabalhamposicionando35átomosdeargônio.

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Amecânica quântica é aplicada a objetos cada vezmaiores. Discutiremosadiante fenômenos quânticos recentemente demonstrados com objetos quasemacroscópicos,naverdadevisíveis.Cosmólogosescrevemumafunçãodeondapara todo o Universo para estudar o Big Bang. Hoje é cada vez mais difícilaceitarcomindiferençaoreinoemqueasregrasquânticasseaplicamcomosenãofossefisicamentereal.

FIGURA10.6Trintaecincoátomosdeargônio.CortesiaIBM.

Entretanto, muitos físicos, quando pressionados a responder à estranhanaturezadomicrocosmo,podemdizeralgodotipo:“Ésimplesmenteassimquea natureza é. A realidade não é aquilo que você intuitivamente pensa ser. Amecânicaquânticanosforçaaabandonarorealismoingênuo.”Earespostaficaporaí.Todomundoestádispostoaabandonarorealismoingênuo.Maspoucosfísicos estão dispostos a abandonar o “realismo científico”, definido como “atese de que os objetos do conhecimento científico existem e agemindependentemente do conhecimento que temos deles.” A mecânica quânticadesafiaorealismocientífico.

AO MESMO TEMPO QUE poucos físicos negam a estranheza quântica, a maioriaprovavelmente considera que a interpretação deCopenhague, ou sua extensãomoderna,a“decoerência”(discutidanocapítulo15),jálidoucomela.Paratodos

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os propósitospráticos, é isso o que conta. Porémmais físicos, especialmentefísicosmaisjovens,estãocomamentecadavezmaisabertaparaideiasquevãoalém de Copenhague. Proliferam interpretações que questionam Copenhague.Nocapítulo15discutimosalgumasdelas.Apreocupaçãocomaconsciênciaemsi(bemcomosualigaçãocomamecânicaquântica)tememergidomaisemaisentrefísicos,filósofosepsicólogos.

A interpretação de Copenhague foi recentemente resumida como: “Cale aboca e calcule!” É uma síntese rude, mas não totalmente injusta. Ela é, naverdade, a injunção certa para amaioria dos físicos durante amaior parte dotempo.AinterpretaçãodeCopenhagueéseguramenteamaneiramaravilhosadelidar com a mecânica quântica para todos os propósitos práticos. Ela nosassegura que em nossos laboratórios ou nossas escrivaninhas possamos usar amecânicaquânticasemnospreocuparcomoqueestá“realmente”sepassando.

Poderíamos, no entanto, desejar mais que um algoritmo para calcularprobabilidades. A física clássica forneceu mais; proporcionou uma visão demundoquemudounossacultura.Trata-se,obviamente,deumavisãodemundoqueagorasabemosserfundamentalmentefalha.Serápossívelquehajaporaíemnossofuturoalgumimpactoquânticoemnossavisãodemundo?

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UmasíntesedeCopenhague

=Opositor

=Copenhaguista

Amecânicaquânticaviolaosensocomum.Devehaveralgodeerradocomela!

Não.Nuncahouveumaprevisãoerrada.Elafuncionaperfeitamente.

Quanto melhor funciona, mais tola parece! Ela não é logicamenteconsistente.

Oh,vocêsabequeEinsteintentoumostrarisso.Edesistiu.

Mas a mecânica quântica diz que coisas pequenas não têm propriedadespróprias,queeunarealidadecriooquevejopelofatodeolhar.

Verdade.Vocêpercebeclaramenteaideiabásica.

Mas,tendoapenaspropriedadescriadaspeloobservador,ascoisaspequenasnão têmrealidade física.São reais apenasquando estão sendoobservadas.Issonãofazsentido!

Não sepreocupecom“realidade”ou“fazer sentido”.Coisaspequenas sãoapenas modelos. Modelos não precisam fazer sentido. Modelos precisamapenasfuncionar.Coisasgrandessãoreaisobastante.Entãoestátudobem.

Masumacoisagrandeésimplesmenteumconjuntodecoisaspequenas,deátomos. Para ser consistente, amecânica quântica teria de dizer que nadatemrealidadeatéserobservado.

Ah,éverdade,sevocêinsiste.Masnãotemimportância.

Nãotemimportância?!Seamecânicaquânticadizqueomeugatoeaminhamesanãosãoreaisatéqueseolheparaeles,estádizendoalgodoido.

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Não,estátudobem.Naverdadevocênuncavênenhumadoidicecomcoisasgrandes. Para todos os propósitos práticos, coisas grandes estão sempresendoolhadas.

Para todos os propósitospráticos, é claro.Mas qual é o significado dessarealidadecriadapeloobservador?

A ciência não fornece significados.A ciência simplesmente nos diz o queacontecerá.Simplesmentepredizoqueseráobservado.

Euqueromaisqueumareceitaparafazerprevisões.Sevocêdizqueosensocomumestáerrado,querosaberoqueestácerto.

Mas nós concordamos que a mecânica quântica está certa. A equação deSchrödingerdiztudooqueacontecerá,tudooquepodeserobservado.

Euquerosaberoqueestárealmenteacontecendo,euquerosaberahistóriatoda!

Adescriçãodamecânicaquânticaéahistóriatoda.Nãohámaisnadaparasecontar.

Droga!Háummundorealaífora.Euquerosaberaverdadesobreanatureza.

A ciência não pode revelar nenhum mundo real aí fora além do que éobservado.Qualqueroutracoisaésófilosofia.Essaéa“verdade”–jáquevocêprecisadeuma.

Issoéderrotismo!Nuncavoumesatisfazercomumarespostatãosuperficial.Vocêestáfazendoaciênciaabandonarsuametafilosóficabásica,suamissãodeexplicaromundofísico.

Éumapena.Masnãovenhame incomodar com filosofia.Tenho trabalhocientíficoparafazer.

A mecânica quântica é manifestamente absurda! Não vou aceitá-la comorespostafinal.

(ELANÃOESTÁMAISESCUTANDO.)

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11.OcontroversogatodeSchrödinger

Osistemainteiro[conteria]partesiguaisdeumgatovivoemorto.

ERWINSCHRÖDINGER

QuandoouçofalarnogatodeSchrödinger,eupegomeurevólver.

STEPHENHAWKING

EM 1935, a forma básica da teoria quântica estava clara. A equação deSchrödinger era a nova equação universal do movimento. Embora fosserequerida apenas para objetos de escala atômica, a teoria quânticapresumivelmentegovernavaocomportamentode tudo.Afísicaanterior,aessaalturachamada“clássica”,eraumaaproximaçãomais fácildeusarparacoisasgrandes.

FalamossobreahistóriaqueSchrödingerinventouparamostrarqueateoriaquânticanãoésóestranha,éabsurda.Noentanto,essateoriafuncionatãobemqueosfísicosdesconsideramoabsurdo.Aindaassim,nosdiasdehojeahistóriadeSchrödingerressoaalto.

A seguir, quando falarmos de “teoria quântica”, estaremos nos referindo àinterpretação de Copenhague amenos que explicitemos outra coisa. Sob esseaspecto, Heisenberg nos diz que objetosmicroscópicos como átomos não são“reais” – são apenas “potencialidades”. Mas e as coisas feitas de átomos?Cadeiras,porexemplo?Seráqueumagaláxiaaindanãovistanãoestárealmentelá? Insistindo nessas questões, confrontamo-nos com o esqueleto que a físicageralmentemantémnoarmário.

Será que a teoria quântica não se aplica a coisas grandes? Não, a teoriaquântica é subjacente a toda a física. Precisamos da física quântica para lidarcomobjetosdeescalagrandetaiscomolasers,microchipsdesilícioouestrelas.Emúltimaanálise,ofuncionamentodetudotemavercommecânicaquântica.

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Masnãovemosaestranhezaquânticanumacoisagrande.Coma interpretaçãodeCopenhague,Bohr explicouquedevemos aplicar a teoria quântica a coisaspequenaselidarcomcoisasgrandesemtermosclássicos.Amaioriadosfísicosaceitapragmaticamenteessainjunçãoenãoseincomodacoma“nãorealidade”dopequeno.

Schrödinger,porém,sentia-seincomodado.Seateoriaquânticapodianegararealidadedosátomos,negariatambémarealidadedascoisasgrandesfeitasdeátomos.Schrödingertinhacertezadequeumacoisatãomalucanãopodiaseraleiuniversaldanatureza.PodemosimaginarumaconversaentreumSchrödingerincomodadoeumjovemcolegapragmático:

SCHRÖDINGER:AinterpretaçãodeCopenhagueéumasaídacovarde.Anaturezaestátentandonosdizeralgumacoisa.Copenhagueestánosdizendoparanãoescutar.Ateoriaquânticaéabsurda.

COLEGA: Mas, senhor, a sua teoria funciona perfeitamente. Nunca houve umaprevisãoerrada.Entãotudobem!

S:Vamoslá,euolhoedescubroumátomoemalgumlugar.Ateoriadizqueumpouquinhoantesdeeuolharelenãoestavalá–elenãoexistianaquelelugar.Nãoexistiaemlugarnenhum!

C: Issomesmo.Antesdeo senhorolharparaveronde ele estava, ele eraumafunção de onda, só probabilidade. O átomo não existia em nenhum lugarparticular.

S: Você está dizendo que o fato de eu olhar criou o átomo no lugar onde oencontrei?

C:Bem,senhor,sim.Éissooquedizasuateoria.

S: Isso é um solipsismo tolo. Você está negando a existência de um mundofisicamentereal.Estacadeiraemqueestousentadoéumacadeiramuitoreal.

C:Ah,sim,éclaro,professorSchrödinger,suacadeiraéreal.Sópropriedadesdecoisaspequenassãocriadaspelaobservação.

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S:Vocêestádizendoqueateoriaquânticasóseaplicaacoisaspequenas?

C:Não,senhor,emprincípioasuaequaçãofuncionaparatudo.Maséimpossívelfazer um experimento de interferência com uma coisa grande. Então, paratodosospropósitospráticos,nãohámotivoparasepreocuparcomarealidadedascoisasgrandes.

S: Uma coisa grande é apenas um grupo de átomos. Se um átomo não temrealidade física, umgrupodeles nãopode ser real. Se a teoria quântica dizqueomundorealécriadopelofatodeolharmosparaele,ateoriaéabsurda!

Porumatécnicalógicachamadareductioadabsurdum,reduçãoaoabsurdo,Schrödingercontouumahistóriaparaargumentarqueateoriaquânticaconduziaaumaconclusãoabsurda.Decidavocêmesmoseaceitaounãoseuargumento.Masespereatéapresentarmostambémacontraposiçãoaoraciocíniodele.

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Ahistóriadogatonacaixa

Nossoexemplodopardecaixaséoprimeiropassoparaapresentaroargumentode Schrödinger. Lembre-se de que um átomo incidindo sobre um espelhosemitransparenteacabarácommetadeda suaondulatoriedadeemcadaumadeduascaixasseparadas.Segundoateoriaquântica,oátomonãoexistenumacaixaespecíficaantesdevocêencontraroátomointeiroemumadascaixas.Oátomoestá emum estado de superposição simultaneamente nas duas caixas.Quandovocê olha dentro de uma delas, a ondulatoriedade do estado de superposiçãocolapsanumacaixaúnica.Vocêacharáaoacasoouumátomo inteiro emumadascaixasouacaixavazia. (Vocênãopodeescolheroqueachar!)Seacharacaixavazia,oátomoseráencontradonaoutra.Noentanto,comumconjuntodepares de caixas, você poderia ter gerado um padrão de interferênciademonstrandoque,antesdeolhar,oátomoestavasimultaneamenteemcadaumadasduascaixas.

NOSSAVERSÃODAHISTÓRIAdeSchrödingerdecolaapartirdaqui.Suponhaagoraque,antesdecolocarmosumátomo,umadascaixasdoparnãoestejavazia.Elacontém um contador Geiger projetado para “disparar” se um átomo entrar nacaixa.Aodisparar,essecontadorGeigeracionaumaalavancaquepuxaarolhade um frasco de cianeto de hidrogênio.Na caixa há tambémumgato.O gatomorreráseovenenosocianetoescapardofrasco.Todooconteúdodascaixas–oátomo, o contadorGeiger, o cianeto e o gato – está isolado e não está sendoobservado.

FazemosquestãodeimediatamentenotarqueSchrödingerjamaisconsideroucolocarrealmenteogatoemperigo.Tratava-sedeumexperimentomental.Elesereferiaaoaparelhocomo“engenhocainfernal”.

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Agora, argumenta Schrödinger, um contador Geiger é simplesmente umpunhado de átomos comuns, ainda que um conjunto complexo e bemorganizado.Estritamente falando, égovernadopelasmesmas leisda físicaqueregem os átomos dos quais ele é feito. É governado pela mecânica quântica.Presumivelmenteamesmacoisavaletambémparaogato.

Umavezqueaondulatoriedadedoátomosedivide igualmentenoespelhosemitransparente,metade vai para a caixa com o contador Geiger e o gato, emetade para a outra caixa. Enquanto o sistema não é observado de maneiranenhuma,isoladodorestodomundo,oátomoestánumestadodesuperposiçãoquepodemosdescrevercomoseeleestivessenacaixacomocontadorGeigere,simultaneamente,nacaixavazia.Parasermossucintosdizemosqueoátomoestásimultaneamentenasduascaixas.

FIGURA11.1OgatodeSchrödinger.

O contadorGeiger não observado, que dispara se o átomo entra na caixa,deve portanto estar também em estado de superposição. Ele é disparado e, aomesmo tempo, não disparado. A rolha do frasco de cianeto deve estar sendopuxada e não puxada. O gato deve estar tanto morto quanto vivo. Isso é,obviamente, difícil de imaginar. Impossível de imaginar, talvez. Mas é aextensãológicadoqueateoriaquânticaestánosdizendo.

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Estamos mostrando a versão da teoria quântica do nosso gato ainda nãoobservadoedorestoda“engenhocainfernal”deSchrödingercomumaimagemmetafóricamista.Representamosoátomomostrandoascristasdesuafunçãodeondaemambasascaixas.ComoasfunçõesdeondadoscontadoresGeigeredosgatos são complicadas demais para representar, simplesmente retratamos ocontadorGeigeraomesmotempodisparadoenãodisparado(alavancaparacimae para baixo), a rolha do frasco de cianeto puxada e não puxada, e o gatosimultaneamentemortoevivo.

Oquevocêveráseagoraolhardentrodeumadascaixasparaverseogatoestámortoouvivo?Recuandoparaquandohaviaapenasumátomoemestadodesuperposição em nosso par de caixas, qualquer olhada numa das caixascolapsava o átomo totalmente numa caixa ou na outra. Aqui, uma olhada fazcolapsarafunçãodeondadetodoosistema.

Ateoriaquânticaprevêumasituaçãoautoconsistente.Sevocêacharogatomorto,entãoocontadorGeigerdeveterdisparado,arolhadofrascodecianetoterá sido puxada e o átomo estará na caixa como gato. Se você achar o gatovivo,ocontadorGeigernãoterádisparado,ofrascodecianetoestará tampadocomarolhaeoátomoestaránaoutracaixa.

Mas,segundoateoriaquântica,antesdevocêolhar,oátomonãoestavanemnumacaixanemnaoutra.Estavaemestadodesuperposição, simultaneamenteemambas.Portanto,admitindoquegatosnãosejamentidadesqueviolemasleisda física, antes de você olhar, o gato estava em estado de superposição,igualmentevivo emorto.Não era umgatodoente.Eraumgatoperfeitamentesaudáveleaomesmotempoumgatoabsolutamentemorto.

Emboraacondiçãodevivooumortodogatonãoexistissecomorealidadefísicaatéserobservada,aexistênciadogatonacaixaeraumarealidade.Mas,presumivelmente,apenasporqueaexistênciadogatonacaixafoiobservadaporquemquerqueotenhacolocadolá.

Como foi a suaolhadaque fez colapsaro estadode superposiçãodogato,vocêéculpadodematarogatoseoacharmorto?Naverdadenão,presumindo

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que,emprimeirolugar,nãotenhafeitonenhumarranjona“engenhocainfernal”.Você não poderia ter escolhido omodo como a função de onda desse sistemainteiroiriacolapsar.Ocolapsonoestadodevivooumortofoialeatório.

EISALGOPARAPONDERAR:suponhaqueogatotivessesidocolocadonacaixaeoátomoenviadoaosistemadeespelhosoitohorasantesdevocêolhar.Osistemaevolui semserobservadoduranteessasoitohoras.Sevocêacharogatovivo,como já se passaram oito horas sem que ele comesse, encontrará um gatofaminto.Seacharumgatomorto,oexamedeumveterináriopatologistaforensedeterminariaqueogatomorreuoitohorasatrás.Suaobservaçãonãosócriaumarealidadeatual,elatambémcriaahistóriacondizentecomessarealidade.

Vocêpoderiaconsiderartudoissoumabsurdo.ÉprecisamenteesseopontodeSchrödinger!Eleconcebeusuahistóriadogatoparaargumentarque,levadaàsua conclusão lógica, a teoria quântica era absurda. Portanto, argumentou ele,nãodeveseraceitacomodescriçãodoqueestárealmenteacontecendo.

ObservequeoenigmacolocadopelahistóriadogatodeSchrödingernãoéneutro,emtermosdeteoriaquântica,comoeraoenigmacolocadopelofatodepodermosdecidirlivrementeprovarqueumobjetotinhaestadoouinteiramentenumaúnicacaixaouespalhadoporduas.AhistóriadeSchrödingerapresentaumenigmacolocadopelateoriaquântica.Ateoriaquânticadescreveomundofísiconão observado como uma superposição de potencialidades. Isso entra emconflitocomnossaobservaçãoconsciente,quenosdizqueomundofísicoestánumestadodefinido.

A ideia de um gato simultaneamente vivo e morto era, obviamente, tãoridícula para outros físicos quanto era para Schrödinger. Mas poucos sepreocuparamcomademonstraçãodeSchrödingerdoabsurdodateoria.Ateoriafuncionava bem demais para que um mero absurdo desses fosse um desafiosério.

Nãovaleespiar

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RetornaremosembreveàcontrovérsiaqueahistóriadeSchrödingeraindahojelevanta.Mas,primeiro, seogatoestá simultaneamentevivoemorto, seráqueexiste algum jeito de vê-lo dessamaneira?Não. Embora tenhamos desenhadoumgatovivoemortosuperposto(figura11.1),vocêjamaisveráumgatocomoesse.Aobservação fazcolapsaro sistema inteiropondoogatonumestadoouvivooumorto.Maseseforsóumaespiada?Seráqueumasimplesespiadinhaconseguefazercolapsarafunçãodeondadeumgatointeiro?

Considere a menor espiadinha possível. Isso significaria fazer incidir umúnico fótonsobreogatoatravésdeminúsculos furosnacaixa.Comumúnicofóton não se pode descobrir muita coisa. Mas se esse fóton é bloqueado,dizendo-nos que o gato estava de pé, e portanto vivo, esse “olhar” já fariacolapsaroestadodesuperposiçãodascaixasparaogatonoestadovivo.Ateoriaquânticanosdizquequalquer olhada, qualquer coisa que forneça informação,fazcolapsaroestadoanteriormenteexistente.

Suponha que vejamos o fóton realmente atravessando os furos na caixa.Sabemosentãoqueogatonãoestádepé.Esse“olhar”fazcolapsaroestadodascaixasnumasuperposiçãodetodososestadosconsistentescomessaobservação.Essa superposição incluiriao estadodeumgatomorto (eumcontadorGeigeracionado),mastambémoestadodeumgatovivo,masdeitado(eumcontadorGeigernãoacionado).

ESPERE UM INSTANTE! E ogato, será que ele não pode observar se a rolha dofrascodecianetofoipuxada,eportantoseoátomoentrounasuacaixa?Seráquegatossequalificamcomoobservadoresefazemcolapsarfunçõesdeonda?Bem,segatossim,quetalmosquitos?Vírus?ContadoresGeiger?Atéondepodemoschegar?Acreditamosqueosdoisgatosespertosquevivemcomcadaumdenóscertamentesãoobservadoresconscientes.Mascomopodemostercerteza?

Estritamente falando, tudo o que sabemos ao certo é que você é umobservador capaz de fazer colapsar uma função de onda.O resto de nós podeestarmeramentenumestadodesuperposiçãogovernadopelamecânicaquântica

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esomoscolapsadosnumarealidadeespecíficaapenaspelaobservaçãoquevocêfaçadenós.Éclaroque,comoorestodenósolhaeagemaisoumenoscomovocê, você confia que também nos qualifiquemos como observadores. (Nocapítulo 15 discutiremos a interpretação dos “muitos mundos” da mecânicaquântica,quesugerequeestamostodosemestadosdesuperposição.)

EMBORAPOSSASERVISTOcomoumaextensãológicadoquedizateoriaquântica,um papo solipsista segundo o qual somos o único observador é pura tolice.Comoalternativa, alguns têmconsiderado seriamente a possibilidadedeque amecânica quântica insinue uma misteriosa conexão da observação conscientecomomundo físico.EugeneWigner, umdosmais recentes responsáveis pelodesenvolvimentodateoriaquânticaeganhadordoprêmioNobeldeFísica,criouumaversãodahistóriadogatosugerindoumenvolvimentoaindamaisfortedoobservadorconscientecomomundofísicodoqueahistóriadeSchrödinger.

Em vez de um gato, Wigner considerou ter uma amiga que fica sem serobservadanumadascaixas,nestecasoumasala.Destavez,nadadecianeto.OcontadorGeigerdisparasimplesmentefazendo“clique”.Aamigamarcaum“X”num bloquinho se ouvir um clique.Wigner considerou que o status da amigacomo observadora era igual ao seu. Assim, assumiu que não fazia colapsar afunçãodeondadaamigaemestadodesuperposiçãoaoabriraportadasalaeolharseubloco.Elanuncaesteveemestadodesuperposição.Elepresumiuquepelomenostodosossereshumanostêmstatusdeobservador.Wignerespeculouqueocolapsoaconteceexatamentenoúltimoestágiodoprocessodeobservação,queaconsciênciahumanadaamigadealgumaformafezcolapsarafunçãodeondadosistemafísico.Indoaindamaislonge,especulouseapercepçãohumana“consciente”b poderia efetivamente “estender seu alcance” – de algum modoinexplicado–emudaroestadofísicodeumsistema.

Tal“estenderoalcance”nosparecenãorazoável.EWignertambémacaboupensandoassim.Masnãosepodeprovarocontrário.Tudooquesabemoséqueem algum lugar na escala entre moléculas grandes e seres humanos há essemisterioso processo de observação e colapso. E é no mínimo concebível que

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estejadefatonoúltimopasso,atomadadeconsciência.Exploramosnosúltimoscapítulosalgumasideiasreferentesaissoqueforampropostasseriamente.

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ArespostaàhistóriadeSchrödinger

Entramosagoranumterritórioemocional.Amaioriadosfísicossecontorcedesofrimento quando sua disciplina é associada a temas “suaves” comoconsciência.Algunsfísicosalegamqueahistóriadogatoéumabsurdo,queéenganosoatémesmodiscutiressascoisas.Quandopessoasrazoáveisdiscordamemrelaçãoaquestõestestáveis,implicitamenteassumemaatitude“Possoestarerrado”.Quandoa refutaçãoparece impossível,muitasvezesaspessoas ficamseguras de si mesmas. A impossibilidade prática de demonstrar, ou refutar, ahistóriadogatodeSchrödingeréocasoemquestão.Alguns físicoschegamaficarfuriososquandoahistóriaécontada.StephenHawkingalegaqueé“capazdepegarorevólver”.

Vamos dar uma resposta mais ou menos padronizada à história deSchrödinger.Antes de tudo, porém, uma declaração de “propaganda honesta”:somos solidários com a preocupação de Schrödinger. Não fosse assim, nãoestaríamos escrevendo este livro. No entanto, vamos apresentar o argumentomais forte que podemos de que a história de Schrödinger é irrelevante eenganosa.Aolongodospróximosparágrafosassumimosessepontodevista.

OargumentodeSchrödinger é falhoporque repousa sobre a premissadequeobjetosmacroscópicospodem permanecer não observados em estado de superposição. Para todos os propósitos práticos,qualquerobjetomacroscópicoéconstantemente“observado”.Umacoisagrandenãopodeserisolada;estásempreemcontatocomorestodomundo.Eessecontatoéobservação!

Éridículosequer imaginarqueumgatopossaser isolado.Todoobjetomacroscópicoemqualquerlugar perto do gato observa o gato.Os fótons emitidos pelo calor do gato para as paredes da caixasignificamqueacaixaobservaogato.Tomemosumexemploextremo:aLua!AgravidadedaLua,queatrai oceanos demodo a fazer subir asmarés, também atrai o gato. Essa atração seria ligeiramentediferenteparaumgatovivo,depé,doqueparaumgatomorto,deitado.ComoogatoatraiaLuadevolta,atrajetóriadaLuaéligeiramentealteradadependendodaposiçãodogato.Pormenorquesejaoefeito,éfácilcalcularquenumafraçãomínimademilionésimodesegundoafunçãodeondadogatoficariatotalmenteemaranhadacomadaLua,eportantocomasmaréseportantocomorestodomundo.Esseemaranhamentoéumaobservação.Elefazcolapsaroestadodesuperposiçãodogatopraticamentedeimediato.

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Mesmoolhandoparatrás,paraoestágioinicialdahistóriadeSchrödinger,pode-severoquantoelaéabsolutamentesemsentido.QuandoumátomoéenviadoparaascaixasdeSchrödinger,suafunçãodeondaficaemaranhadacomaimensamentecomplexafunçãodeondadomacroscópicocontadorGeiger.Oátomoéportanto“observado”pelocontadorGeiger.ComoalgograndecomoocontadorGeigernãopodeserisoladodorestodomundo,orestodomundoobservaocontadorGeiger,eportantooátomo.Oemaranhamentocomomundoconstituiobservação,eoátomocolapsaemumacaixaououtratãologosuafunçãodeondaentrenopardecaixaseencontreocontadorGeiger.Depoisdisso,ogatoestáoumortoouvivo.Pontofinal!

Mesmoquevocê(desnecessariamente!)introduzaaconsciêncianoargumento,coisasgrandesestãoconstantementesendoobservadasaindaquesejasomenteporquecoisasgrandesestãoconstantementeemcontatocomseresconscientes.

Setaisargumentosnãopodemconvencê-lodequenãohánadadeespecialnahistóriadogato,eisaquiumarefutaçãofinaldoargumentodeSchrödingerdeterdemonstradoumproblemacomateoriaquântica:façaoexperimento!Vocêsempreobtémoresultadoqueateoriaquânticaprediz;semprevêouumgatovivoouumgatomorto.

Alémdisso,ainterpretaçãodeCopenhaguedeixaclaroqueopapeldaciênciaépreverosresultadosdeobservações,nãodiscutiralguma“realidadedefinitiva”.Prediçõesdaquiloquevaiacontecerétudodequeprecisamos.Nessecaso,vocêacharáogatovivometadedasvezesemortometadedasvezes.Aconsciênciaéirrelevante.Ahistóriadogatolevantauma“nãoquestão”enganosa.

Agora não estamos mais falando no papel de alguém respondendo aoargumento de Schrödinger, e voltamos para a nossa própria voz. Aimpossibilidadefísicadeisolarumobjetograndecomoumgatoparademonstrarqueestejanumestadodesuperposiçãoécertamentecorreta.Schrödingerestava,é claro, plenamente ciente dessa dificuldade. Ele argumentaria que taisproblemaspráticossãoirrelevantes.Comoateoriaquânticanãoadmitefronteiraentreopequenoeogrande,emprincípioqualquerobjetopodeestaremestadodesuperposição.Ele(juntocomEinstein)rejeitacomoderrotistaaalegaçãodeCopenhague de que o papel da ciência é meramente prever os resultados deexperimentos,emvezdeexploraroquerealmenteestáacontecendo.

Não importa que lado desta discussão você prefira, há especialistas queconcordamcomvocê.

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OgatodeSchrödingerhoje

Oito décadas depois que Schrödinger contou sua história, quase todo ano háconferênciasqueabordamoenigmaquânticoegeralmente incluemdiscussõessobre consciência. As referências à história do gato em publicações de físicaprofissionaisestãosempreaumentando.Doisexemplos:umartigo,“Oestadodesuperposição‘gatodeSchrödinger’deumátomo”,demonstratalestadoparaumsistemamicroscópico.Emoutro,“Ratoatômicosondaoperíododevidadeumgatoquântico”,o“rato”éumátomoeo“gato”umcampoeletromagnéticonumacavidadederessonânciamacroscópica.Emborasejamprojetosdefísicasériosecaros, os títulos ilustram como nossa disciplina está inclinada a abordar aestranhezadamecânicaquânticacomumpoucodehumor.

Falando de humor, eis uma charge da edição demaio de 2000 daPhysicsToday, a mais difundida publicação do Instituto Americano de Física.Provavelmentenãoteriasidopublicadavinteanosantes.

Embora os aspectos misteriosos da mecânica quântica ainda sejamdificilmente discutidos em cursos de física, o interesse pelo assunto aumenta.Umtextobest-sellerdemecânicaquânticamostraa figuradeumgatovivonacapaedeumgatomortonacontracapa–apesarde,nointeriordolivro,sefalarmuito pouco sobre o gato. (Provavelmente quem escolheu a capa foram oseditores, não o autor. Mas instrutores escolhem o texto, e acreditamos que aalusãoaomistériosejaatraenteaprofessoresmaisjovens.)

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FIGURA11.2DesenhodeAaronDrake,2000.©InstitutoAmericanodeFísica.

Estudos experimentais sobre os aspectosmisteriosos damecânica quânticaque não teriam sido propostos anos atrás, e não teriam recebido verba sepropostos,agorarecebematençãoconsiderável.Objetoscadavezmaioresestãosendopostosemestadosdesuperposição,colocadosemdoislugaresaomesmotempo.O físico austríacoAnton Zeilinger fez isso com grandesmoléculas desetentaátomosdecarbonoemformatodebolasdefutebol.Eleestáatualmentesepropondoafazeramesmacoisacomproteínasdetamanhomédioeumvírus.Numa conferência recente, perguntaram-lhe: “Qual é o limite?” Sua resposta:“Sóoorçamento.”

Foram demonstradas superposições verdadeiramente macroscópicas, commuitos bilhões de elétrons, onde cada um deles semove simultaneamente emduasdireções.TêmsidocriadoscondensadosdeBose-Einsteinemquecadaumdeváriosmilharesdeátomosestáespalhadoporváriosmilímetros.Umboletimnoticiosode2003doInstitutoAmericanodeFísicatraziaamanchete“Trêsmileseiscentos átomos em dois lugares ao mesmo tempo”. E esta é a primeirasentença de um artigo de 2007 no Physical Review Letters, importante

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publicação de pesquisa em física: “A corrida para observar o comportamentomecânicoquânticoemsistemasnanoeletromecânicos(Nems,nasiglaeminglês)feitospelohomemestánosaproximandomaisquenuncadetestarosprincípiosbásicos da mecânica quântica.” Está cada vez mais difícil desprezar apreocupaçãodeSchrödingerdizendoqueaestranhezasóéevidentecomcoisaspequenasquenuncavemosrealmente.

Talvezomaisdifícildeaceitarsejaaalegaçãodequeaobservaçãoquevocêfazcrianãosóumarealidadepresentecomotambémumpassadoapropriadoaessarealidade–que,quandoseuatodeolharcolapsouogatoparaqueestivessevivooumorto,você tambémcriouahistóriaapropriadaparaumgato famintohaviaoitohorasouumgatomortooitohorasantes.

O “experimento da escolha retardada” sugerido pelo cosmólogo quânticoJohnWheeler, e discutidono capítulo 7, é o que chegamais perto de testar oaspecto “retroativo” da teoria quântica. Ele confirma a previsão da teoriaquânticadequeaobservaçãocriaumahistóriapassada.

ÉMUITO CHATO QUE Schrödinger não esteja mais por aí para ver o crescenteinteresseemseugato.Elesentiaqueanaturezaestavatentandonosdizeralgo,equeosfísicosdeviamolharalémdaaceitaçãopragmáticadateoriaquântica.Eleconcordaria com John Wheeler: “Em algum lugar alguma coisa incrível estáesperandoparaacontecer.”

b“Humanconsciousawareness”,notextooriginal.(N.T.)

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12.BuscandoummundorealEPR

Pensoqueumapartículadeveterumarealidadeseparada,independentedasmedições. Ou seja, um elétron tem spin, localização e assim por diante,mesmoquandonãoestásendomensurado.GostodepensarqueaLuaestálámesmoqueeunãoestejaolhandoparaela.

ALBERTEINSTEIN

SCHRÖDINGER CONTOU SUA história do gato aplicando estritamente a teoriaquânticaaograndecomoaopequeno.Sua ideiaera ridicularizaraalegaçãodateoria de que nossa observação criava a realidade que experimentamos. Esseargumento realmente parece maluco. De fato, se alguém num julgamentoconvencesseojúridequeacreditavaqueseuolharefetivamentecriavaomundofísico,ojúriprovavelmenteaceitariaumaalegaçãodeinsanidade.

AinterpretaçãodeCopenhagueé,obviamente,maissutil.Elanãonegaummundo fisicamente real.Argumenta apenas que objetos do reinomicroscópicocarecem de realidade antes de serem observados. Luas, cadeiras e gatos sãoreais, nem que seja unicamente porque objetosmacroscópicos não podem serisolados e portanto são observados constantemente. E isso, segundoCopenhague,jádevesersuficiente.MasnãoerasuficienteparaEinstein.

NaConferênciaSolvayde1927,Einstein,entãoocientistamaisrespeitadodomundo,virouseupolegarparabaixoparaarecém-cunhadainterpretaçãodeCopenhague. Ele insistia que mesmo coisas pequenas têm realidadeindependente, esteja alguém olhando ou não. E, se a teoria quântica dissesseoutra coisa, tinha de estar errada. Niels Bohr, o principal arquiteto dainterpretaçãodeCopenhague,levantou-seemdefesadasuateoria.Pelorestodavida,BohreEinsteindebateramcomoamistososadversários.

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FugindodeHeisenberg

Segundoateoriaquânticaumátomoéouumaondaespalhadaouumapartículaconcentrada.Se,porumlado,vocêolhaeovêsaindodeumacaixaúnica(ouatravessandoumafendaúnica), issomostraqueeleéumacoisacompactaqueestava inteiramente numa única caixa. Por outro lado, você pode ter optadolivremente por fazer o átomo participar de um padrão de interferência,mostrandoqueeleeraumacoisaespalhada,não totalmentenumaúnicacaixa.Você pode mostrar qualquer uma das duas situações contraditórias. A teoriaaparentemente inconsistente está protegida de refutação pelo princípio daincertezadeHeisenberg.Nessecaso,qualquerolharparaverdequalcaixavemo átomo o “chutaria” com força suficiente para borrar qualquer padrão deinterferência.Logo,vocênãoconseguiriademonstrarumainconsistêncialógica.

PARA ARGUMENTAR QUE a teoria quântica era inconsistente e, portanto, errada,Einsteintentoumostrarque,mesmoqueumátomoparticipassedeumpadrãodeinterferência,naverdadeelepassavaporumafendaúnica.Parademonstrarissoeleprecisariafugirdoprincípiodaincerteza.(Ironicamente,Heisenbergatribuíasua ideiaoriginalparaoprincípioda incertezaaumaconversacomEinstein.)EisodesafiodeEinsteinaBohrnaConferênciaSolvayde1927:

Mandeátomosnadireçãodeumdiafragmacomduasfendas,umátomodecadavez.Façacomqueodiafragmasejamóvel,digamos,presoaumapequenamola.Considereocasomaissimples,umátomoquepousounocentromáximodo padrão de interferência (pontoA na figura12.1). Se esse átomo por acasopassou pela fenda inferior, teve de ser desviado para cima pela barreira parapousar naquele ponto. Em reação, o átomo impulsionaria o diafragma parabaixo.Evice-versasetivessepassadopelafendasuperior

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FIGURA12.1Átomosdisparadosumdecadavezatravésdeumabarreiramóvelcomduasfendas.

Medindoomovimentodabarreiradepoisdapassagemdecadaátomo,seriapossível saber por qual das fendas ele passou. Essamedição poderia ser feitamesmodepoisqueoátomotivessesidoregistradocomopartedeumpadrãodeinterferência num filme fotográfico. Como dessamaneira seria possível saberporqualfendaúnicacadaátomopassou,ateoriaquânticateriadeestarerradaaoexplicaropadrãodeinterferênciaargumentandoquecadaátomoeraumaondapassandoporambasasfendas.

Bohr apontou prontamente a falha no raciocínio de Einstein: para suademonstração,seriaprecisoconhecersimultaneamentetantoaposiçãoinicialdodiafragmaquantoqualquermovimentoqueelepudesseter tido.Oprincípiodaincerteza limitaaprecisãocomque sepodeconhecer simultaneamente tantoaposiçãoquantoomovimentodeumobjeto.Comálgebrasimples,Bohrfoicapazde mostrar que essa incerteza para o diafragma com fendas seria grande obastanteparafrustrarademonstraçãodeEinstein.

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TRÊS ANOS DEPOIS, em outra conferência, Einstein propôs um engenhosoexperimentomental,alegandoviolarumaversãodoprincípioda incerteza.Eledeterminaria tanto o instante em que um fóton saía de uma caixa como a suaenergia,amboscomumaexatidãotãograndequantosedesejasse.Einsteinfariaumfótonricocheteardeumladoparaoutronumacaixa.Umrelógiocontrolariaumaportinhola,permitindoqueofótonsaísse,eregistrariaoprecisoinstantedesaídadofóton.Pesandotranquilamenteacaixaantesedepoisdeofótonsair,eusandoE=mc2,seriapossívelsaberamudançaexatadeenergiadosistema,eportantoaenergiadofóton.Determinandotantoaenergiaquantootempocomaprecisãoquesedesejasseestaríamosviolandooprincípiodaincerteza.

Isso custou a Bohr uma noite de insônia. Mas na manhã seguinte eleconstrangeu Einstein ao lhemostrar que havia ignorado sua própria teoria darelatividadegeral.Parapesaracaixa,éprecisopermitirqueelasemovimentenocampo gravitacional da Terra. Segundo a relatividade geral, isso alteraria aleituradorelógioosuficienteparaimpediraviolaçãodoprincípiodaincerteza.Anosmais tarde,Bohr revisitou seu triunfo comuma caricatura exagerada doexperimento “fóton na caixa” de Einstein, ilustrando que em qualquerexperimento quântico é preciso considerar o equipamento macroscópicorealmenteutilizado.

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FIGURA12.2DesenhodeBohrdoexperimentomental“fótonnacaixa”concebidoporEinstein.CortesiaHarperCollins.

ALÓGICADAS refutaçõesdeBohraosexperimentosmentaisdeEinsteintemsido questionada. No capítulo 10 mencionamos que Bohr disse que“instrumentosdemedição[precisamser]corposrígidossuficientementepesadosparapermitirumainformaçãototalmenteclássicadesuasposiçõesevelocidadesrelativas”. Seria a aplicação de Bohr da incerteza mecânico-quântica aodiafragmacomfendasmacroscópicoeseuaparatodecaixadefótonsconsistentecomsuaexigênciadeuma“informaçãototalmenteclássica”dosinstrumentosdemedidamacroscópicos?

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FIGURA12.3AlbertEinsteineNielsBohrnaConferênciaSolvayde1930,emBruxelas.FotodePaulEhrenfest.NielsBohrArchives.

Bohraomenosparececoncordarqueateoriaquânticaseaplicaemprincípiotantoaograndequantoaopequeno.Sóqueparatodosospropósitospráticosascoisas grandes se comportam classicamente. Mas os argumentos de Bohrconvenceram Einstein de que a teoria era ao menos consistente e que suaspredições sempre estariam corretas. Um Einstein humilde foi daquelaconferência para casa para concentrar-se na relatividade geral, sua teoria dagravidade.OuassimpensouBohr.

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Umraiodonada

Bohr estava errado. Einstein não abandonara sua tentativa de refutar a teoriaquântica. Quatro anos depois (em 1935), um artigo de Einstein e dois jovenscolegas,BorisPodolskyeNathanRosen,chegouaCopenhague.UmcolegadeBohrcontaque“essainvestidacaiusobrenóscomoumraiodonada.SeuefeitosobreBohrfoiimpressionante…logoqueBohrouviumeurelatodoargumentodeEinstein,todoorestofoiabandonado”.

Oartigo, hoje famoso como“EPR”,de “Einstein,Podolsky eRosen”, nãoalegava que a teoria quântica estava errada, só que era incompleta. O EPRargumentavaqueateoriaquânticanãodescreviaomundofisicamentereal.Elarequeriaumarealidadecriadapeloobservadorsimplesmenteporquenãocontavaahistóriatoda.

OEPRmostravaquesepode,naverdade,conhecerumapropriedadedeumobjetosemobservá-la.Portanto,essapropriedade,argumentavaoEPR,nãoeracriada pelo observador. Não sendo criada pelo observador, era uma realidadefísica.Seateoriaquânticanãoincluíataisrealidadesfísicas,eraincompleta.Eisuma analogia clássica – uma analogia que estimulava o argumento EPR deEinstein.

FIGURA12.4UmaanalogiaclássicadoargumentoEPR.

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Consideredoisvagõesde trem idênticos ligadosporémseparadosporumafortemola. Subitamente desconectados, eles partem namesma velocidade emsentidosopostos.Alice,àesquerdanafigura12.4,estáumpoucomaispertodopontodepartidadosdoisvagõesqueBob,àdireita.Observandoaposiçãodovagãoquepassaporela,AliceimediatamentesabeaposiçãodovagãodeBob.SemternenhumefeitosobreovagãodeBob,Alicenãocriousuaposição.Aindasemterobservadoseuvagão,Bobnãocriousuaposição.AposiçãodovagãodeBobnãofoicriadapeloobservador.Era,portanto,umarealidadefísica. (Cercadeumadécadaatrás,os físicos falariamem“observadorA”e“observadorB”num experimento de tipo EPR. Atualmente a convenção mais amigável é“Alice”e“Bob”.)

Aconclusão aque se cheganessahistóriadeAlice eBobé tãoóbviaqueparece trivial. Mas substitua os vagões por dois átomos se distanciando emsentidos opostos. A teoria quântica os descreve como pacotes de ondaespalhados.Sua existêncianumaposiçãoparticular não é uma realidade até aposiçãodeumdelesserobservada.

INFELIZMENTE,háumproblemaemconverterafacilmentevisualizávelanalogiados vagões para uma situação quântica: o princípio da incerteza proíbe sabercomsuficiente exatidão simultaneamente avelocidadee aposição iniciaisdosvagões.PulamosportantooartifíciomatemáticodoEPR,engenhosomasdifícildevisualizar,evamosparaaversãodoEPRdofótonpolarizado,inventadaporDavidBohm.Vale a pena explorar a versão dos fótons polarizados porque asmisteriosas influênciasquânticaseventualmente reveladasporexperimentosdetipoEPR sãovistas commaior simplicidade com fótons.Ademonstração realdessas influênciasquânticasé temadonossopróximocapítulo.Mas,primeiro,precisamosverporqueEinsteinasconsiderava“fantasmagóricas”.

Naspáginasseguintes,examinamosumpoucodafísicadaluzpolarizada,edefótonspolarizados,parapoderapresentardepoisoprofundoargumentoEPRde maneira compacta. Mesmo que você só passe superficialmente por essas

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páginasatéaseçãointitulada“EPR”,aindaassimpoderáapreciaraessênciadoargumentodeEinstein.

Luzpolarizada

A luz, lembremos, é uma onda de campo elétrico (e magnético). O campoelétrico da luz pode apontar emqualquer direção perpendicular à trajetória daluz.Nodesenhosuperiordafigura12.5,aluzestáentrandonapágina,comseucampoelétriconadireçãovertical.Essa luzestá“polarizadaverticalmente”.Ooutrodesenhomostraumaondadeluzpolarizadahorizontalmente.Adireçãodocampo elétrico da luz é a direção da sua polarização. De agora em diantediremossomente“polarização”emvezde“direçãodepolarização”.

FIGURA12.5Luzpolarizadaverticalmenteehorizontalmente.

Nãohánadadeespecial,éclaro,nasdireçõesverticalehorizontal–alémdeseremperpendicularesentresi.Ésimplesmenteconvencionalfalarde“vertical”e“horizontal”.

Apolarizaçãodaluzdosoloudeumalâmpada–naverdade,damaiorpartedos tipos de luz – varia aleatoriamente. Tal luz é “não polarizada”. Certosmateriaisdeixampassarapenas luzpolarizada segundoumadireçãoparticular.Tais “polarizadores” em óculos de sol eliminam o brilho intenso ao nãotransmitiraluzextremamentepolarizadahorizontalmenterefletidadesuperfícies

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horizontais,taiscomorodoviasouágua.Masvamosdescreverumtipodiferentedepolarizador.

FIGURA12.6Trajetóriaparanordestecomosomadetrajetóriasparanorteedepoisparaleste.

Polarizadores usados nos experimentos mais precisos são cubostransparentesformadospordoisprismas.Vamosnosreferiraessescuboscomo“polarizadores”. Esses polarizadores enviam luz de diferentes polarizações emduastrajetóriasdiferentes.Aluzpolarizadaparalelaacertadireção,o“eixodepolarização”, é enviada pela Trajetória 1, e a luz polarizada perpendicular aoeixodepolarizaçãoéenviadapelaTrajetória2.

Aluzpolarizadasegundoumângulodiferentedoparaleloouperpendicularaoeixodepolarizaçãopodeserconsideradacomoformadapelascomponentespolarizadasparalelaeperpendicular.(Damesmamaneiraqueumaviagemparanordestepodeserpensadacomocompostadeumaviagemcomumacomponenteparaonorteeoutraparaleste.)AcomponenteparaleladaluzvaipelaTrajetória1,eaperpendicularpelaTrajetória2.Quantomaispróximaapolarizaçãoestiverdaparalela,maisluzpercorreaTrajetória1.

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Fótonspolarizados

A luz é um fluxo de fótons. Detectores de fótons podem contar fótonsindividuais –milhões deles por segundo. Nossos olhos, aliás, podem detectarumaluztãotênuequantopoucosfótonsporsegundo.

A luz polarizada paralela ao eixo de polarização é um fluxo de fótonspolarizados paralelamente. Cada um deles percorre a Trajetória 1, para serregistradopelodetectordefótonsdaTrajetória1.Damesmamaneira,odetectordaTrajetória2 registrará todo fótonpolarizadoperpendicularmente ao eixodepolarização. Os fótons de luz comum, não polarizada, são polarizadosaleatoriamente.Aoencontraropolarizador, cadaumé registradopelodetectordaTrajetória1oudaTrajetória2.Nafigura12.7mostramosumfótoncomoumponto,suapolarizaçãocomoumasetadeduaspontas,opolarizadorcomoumacaixaeosdetectorescomoD1eD2.

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FIGURA12.7Fótonspolarizadosaleatoriamenteordenadosporumpolarizador.

E quanto aos fótons polarizados num outro ângulo que não paralelo ouperpendicularaoeixodepolarização?TaisfótonstêmcertaprobabilidadedeserregistradospelodetectordaTrajetória1oudaTrajetória2.Umfótonpolarizadoem 45 graus em relação ao eixo de polarização, por exemplo, tem igualprobabilidade de ser registrado por qualquer um dos detectores. Quanto maispróxima a polarização estiver da paralela ao eixo de polarização, maior aprobabilidadedeserregistradapelodetectordaTrajetória1.

Tivemosocuidadodenãodizerqueumfótonemalgumângulonãoparaleloou perpendicular efetivamente percorreu qualquer um desses trajetos. Ele naverdade entra num estado de superposição, tendo simultaneamente ambas aspolarizações e percorrendo simultaneamente ambos os trajetos. Um fótonpolarizadoa45graus,porexemplo,percorreigualmenteosdoiscaminhos.

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Masnósnuncavemosfótonsparciais.Umdetectorclicaeregistraumfótoninteiro, ou permanece em silêncio, indicando que nenhum fóton passou. Asituaçãoparaum fótonquepercorraambososcaminhoséanálogaàdenossoátomosimultaneamentenasduascaixas.

Poderíamos demonstrar que um fóton está em estado de superposição emambosostrajetosmediantealgoanálogoaumexperimentodeinterferência.Emvezdeterumdetectoremcadatrajeto,fazemoscomqueespelhosdirijamcadatrajeto através de um segundo polarizador, que recombina as componentesparalela e perpendicular do fóton de modo a reproduzir o fóton original.Mudandoocomprimentodequalquerumdostrajetos,muda-seapolarizaçãodofóton resultante. Isso demonstra que cada fóton estava em ambos os trajetos,tinhaambasaspolarizaçõesnumestadodesuperposição,antesdeserobservadoporumdetector.

Quando dizemos que detectores de fótons registram fótons, estamosassumindoaposturadainterpretaçãodeCopenhague.Estamosconsiderandoosmacroscópicos detectores de fótons como observadores. Quando um detectorregistraapresençadeumfótonnumtrajetoparticular,oestadodesuperposiçãodo fóton colapsa. O que resta é a observação registrada do fóton feita pelodetector.

Einstein,éclaro,aceitavaosresultadosexperimentais,masnãoaceitavaessahistória de estado de superposição, em que um fóton não tinha nenhumapolarizaçãoparticularatéserobservado.OEPRargumentariaqueapolarizaçãode cada fóton tinha de existir como realidade física independente de suaobservação. Antes de chegarmos ao argumento EPR para provar esse ponto,precisamosfalarde“fótonsgêmeos”.

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Fótonsgêmeos

Átomospodem ser levados a estados excitados a partir dos quais retornamaoestadobasepordoissaltosquânticosemrápidasucessão,liberandodoisfótons.Como não há nada de especial numa direção particular no espaço, aspolarizaçõesdosfótonsserãoaleatórias.

FIGURA12.8Umacascatadedoisfótons.

Masaquiestáopontocrucial:paracertosestadosatômicos,osdois fótonslançadosemsentidosopostossempreexibirãoamesmapolarização.Os fótonssão “gêmeos”.Se, por exemplo, seobservarqueo fótonque é lançadopara aesquerda tem polarização vertical, seu gêmeo, o fóton lançado para a direita,tambémterápolarizaçãovertical.

Omotivodefótonsgêmeossempreexibiremamesmapolarizaçãonãotemimportânciaaqui.(Énecessárioconservaromomentoangular,eparaaemissãode fótons gêmeos os estados atômicos inicial e final têm o mesmomomentoangular.)A única coisa importante é que édemonstravelmente verdadeiroquesuaspolarizaçõessãosempreidênticas.

Parademonstrarisso,voltemosaAliceeBob,comfótonsemvezdevagõesdetrem.Éalgoquerealmenteéfeito.Umafontedefótonsgêmeosencontra-seentreAlice,àesquerda,eBob,àdireita,comonafigura12.9.Cadaumobservaapolarização dos fótons gêmeos com os eixos de polarização orientados nomesmo ângulo, ambos verticais. Seus detectores de fótons Trajetória 1 eTrajetória2 clicamaleatoriamente registrando a chegada simultâneade fótons

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gêmeosaleatoriamentepolarizadosparalelaouperpendicularmenteaoseueixodepolarização.Noentanto,quandoAliceobservaqueseudetectordeTrajetória1registraumfóton,BobsempredescobreseugêmeopercorrendoaTrajetória1dele,Bob.E,semprequeAliceobservaseudetectordeTrajetória2registrandoumfóton,BobdescobreseugêmeopercorrendoaTrajetória2dele,Bob.

Não colocamos setas nos fótons da figura 12.9 porque fótons gêmeos nãotêm uma polarização específica, eles têm apenas a mesma polarização.Colocamossetasnosfótonsdafigura12.7porqueconsideramososátomosqueos emitem como parte do filamento macroscópico de uma lâmpada. Essesátomos,eassimapolarizaçãodosfótonsqueelesemitem,foram“observados”pelo objeto macroscópico. Nossos fótons gêmeos foram emitidos por átomosisoladosnumgás,portantosemcontatocomnadamacroscópico.

Comoosfótonssãogêmeos,podenãoparecerestranhoquesempreexibamamesmapolarização.Maséestranho.Vamosbrincarcomumaanalogia:nãoénenhumasurpresaquegarotosgêmeosidênticostenhamamesmacordeolhos.Gêmeos idênticos são criados com amesma cor de olhos. Considere, porém,outra propriedade dos gêmeos: a cor das meias que resolvam usar cada dia.Suponha que, mesmo estando distantes, sempre que um dos gêmeos escolheverde,ooutrotambémescolhaverdenessemesmodia–aindaquenenhumdelestenhainformaçãosobreacorescolhidapeloirmão.Issoseriaestranho,porqueosgêmeos não foram criados com a mesma escolha diária da cor das meias.Voltemosaosnossosfótonsgêmeos.

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FIGURA12.9AliceeBobcomfótonsgêmeos.

SuponhaqueAlice,emboradistantedeBob,estejaumpoucomaispertodafontedos fótonsqueBob.Seufótonseriadetectadoantes.QuerelepercorraaTrajetória 1 ou a Trajetória 2 de Alice, é algo completamente aleatório. Noentanto,seofótondeAliceforregistradopeloseudetectordaTrajetória1,seugêmeosempreseráregistradopelodetectordaTrajetória1deBob.

ComoosfótonsdeAliceeBobestavamseafastandodafonteemsentidosopostos com a velocidade da luz, sua separação aumentava com o dobro davelocidade da luz. Nenhuma força física poderia jamais conectar esses fótonsgêmeos.AdetecçãodapolarizaçãoaleatóriadofótonfeitaantesporAlicenãopoderiaafetarfisicamenteofótondeBob.Como,então,ofótondeBobadquireinstantaneamenteapolarizaçãoaleatóriadofótondeAlice?

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Não é o fato em si de fótons gêmeos exibirem polarização idêntica que éestranho.Seriapossívelpensarqueelessimplesmenteforamcriadosnãosócomamesma polarização, mas também com uma polarização particular. Afinal,nossos garotos gêmeos não foram só criados com amesma cor de olhos,mascomumacordeolhosparticular,azul.

Acoisaestranhaéaexplicaçãodadapelateoriaquânticaparaofatodedoisfótons gêmeos exibirem polarização idêntica. Segundo a teoria quântica,nenhuma propriedade é fisicamente real até ser observada. Como o isoladoátomo emissor permaneceu inalterado, ele não registrou, ou “observou”, apolarizaçãoparticulardosfótonsgêmeosqueemitiu.Nãoexistia,portanto,umapolarização particular como realidade física. Logo, antes de Alice observar apolarização do seu fóton, o fóton de Bob não tinha uma polarização. Mas,instantaneamente depois da observação distante de Alice, o fóton de Bobadquiriuumapolarizaçãosemnenhumaforçafísicaenvolvida.Esquisito.

EMBORAOCOMENTÁRIOdeEinstein“Deusnãojogadados”sejafácildeentendereextremamentecitado,anegaçãodarealidadefísicapelateoriaquânticaéoquerealmente incomodavaEinstein. Seu dito espirituosomenos compreensível, naepígrafedestecapítulo,“GostodepensarqueaLuaestálámesmoquenãoestejaolhando para ela” capta sua objeção séria. Embora Einstein argumentasse emfavor de ummundo real independente do observador, tinhamente aberta paraumarevolução.Escreveu:

Ébásicoparaafísicaqueseassumaummundorealcomexistência independentedequalqueratodepercepção–masissonósnãosabemos[grifodooriginal].

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EPR

OartigoEPRquechegouaCopenhague“comoumraiodonada”tinhaotítulo“Can quantum-mechanical description of physical reality be consideredcomplete?”[Podeadescriçãoderealidadefísicafeitapelamecânicaquânticaserconsiderada completa?]. (Historiadores atribuíram a falta do artigo “the” notítulodoartigoaofatodeeletersidoredigidoporPodolsky,cujopolonêsnativonão inclui artigos.) O texto do EPR falava de uma complexa combinação deposiçãoemomentodeduaspartículas.Mas,ao falarmosemtermosde fótons,nósadiscutimosdemaneiramaissimplesemaismoderna.

Segundoateoriaquânticafótonsgêmeostêmpolarizaçõesidênticas,maselanãoincluisuapolarizaçãoparticularcomopropriedadefísicareal.Nãoobstante,alegava-se que a teoria quântica era uma teoria completa, uma teoria quedescrevetodasaspropriedadesfisicamentereais.

Para questionar essa alegação de completude, o EPR tinha de dizer o queconstituía uma propriedade “fisicamente real”. Definir realidade tem sido hámuito tempo,eaindaé,umadiscutidaquestãofilosófica.OEPRofereciaumacondiçãomínimaparaalgoserumarealidadefísica,eentãoargumentavaque,setalrealidadefísicaexistisseenãofossedescritapelateoriaquântica,ateoriaeraincompleta.EisadefiniçãodoEPR:

Se, sem perturbar de forma alguma um sistema, pudermos prever com certeza… o valor de umagrandezafísica,entãoexisteumelementoderealidadefísicacorrespondenteaessagrandezafísica.

Vamosdizeramesmacoisaemoutraspalavras:seumapropriedadefísicadeum objeto pode ser conhecida sem que ele seja observado, então essapropriedadenãopodetersidocriadapelaobservação.Setalpropriedadenãofoicriada pela observação, deve ter existido como realidade física antes daobservação.

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Ateoriaquânticanãocontémnenhumapropriedadefísicaquesejarealnessesentido.Portanto,oEPRprecisavaexibirsomenteumapropriedadedessascomofisicamente real antes de ser observada para alegar que a teoria quântica eraincompleta.

Essa propriedade seria a polarização particular de um fóton num par defótonsgêmeos.OEPRargumentavaqueessapolarizaçãoexistiacomorealidadeantes da observação.Vamos reformular concisamente esse argumento,mesmoqueessencialmentetenhasidodadoemnossadiscussãodefótonsgêmeos.

VOLTAMOSAALICEeBob,comAliceumpoucomaispertoqueBobdafontedefótons gêmeos. Ela portanto recebe seu fóton antes queBob receba o gêmeo.Suponha que ela observe um fóton polarizado verticalmente; ele segue naTrajetória 1 dela.Ela imediatamente sabeque seugêmeo, ainda a caminhodeBob,tempolarizaçãovertical.ElasabequeelepercorreráaTrajetória1deBobaochegaraopolarizadordele.

Naverdade,seriapossívelaBobcapturarseufótoncomumpardecaixas,umaalimentadapelaTrajetória1eaoutrapelaTrajetória2.Depoisdecapturadoseufóton,AlicepoderiatelefonaraBobelhedizercomcertezaemquecaixaeleencontrariaseufóton.

AobservaçãofeitaporAlicedoseufótonnãopoderiaterfeitonadafísicoaofóton de Bob. O fóton de Bob seguiu na direção dele a partir da fonte navelocidadedaluz.Comonadapodeviajarmaisrápidoquealuz,nadaqueAlicepudesse mandar atrás do fóton de Bob poderia alcançá-lo. Ela não poderiaobservá-lo.QuandoAliceobservouseufóton,odeBobaindanãohaviachegadoaele.Bob,portanto,nãopoderiatê-loobservado.

NemAlicenemBob,nemninguém,observouapolarizaçãodofótondeBob.Todavia,suapolarizaçãonãoobservadaeraconhecidaporAlicecomcerteza.

E AÍ ESTÁ! Alice conhece com certeza a polarização do fóton de Bob semobservá-lo, sem ninguém observá-lo. Esse conhecimento atende ao critério do

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EPRparaqueapolarizaçãodofótondeBobsejaumarealidadefísica.Comoateoriaquânticanãoincluiessarealidadefísica,oEPRargumentouquea teoriaera incompleta. O artigo EPR terminava com a crença de que uma teoriacompleta é possível. Tal teoria completa presumivelmente daria uma imagemrazoáveldomundo,ummundocomexistênciaindependentedaobservação.

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ArespostadeBohraoEPR

QuandorecebeuoartigoEPR,quaseumadécadadepoisqueainterpretaçãodeCopenhaguetinhasidodesenvolvida,Bohraindanãosederaplenamentecontadasimplicaçõesdateoriaquântica,emparticular,asimplicaçõesàsquaisoEPRobjetava: que a observação, em si e por si, sem qualquer perturbação física,podeafetarinstantaneamenteumsistemafísicoremoto.

Bohr reconheceu o “raio” de Einstein como um sério desafio, e trabalhoufuriosamentedurantesemanasparaelaborarumaresposta.AlgunsmesesdepoispublicouumartigoexatamentecomomesmotítuloqueoEPR:“Canquantum-mechanical description of physical reality be considered complete?” [Pode adescrição de realidade física feita pela mecânica quântica ser consideradacompleta?](Elechegoumesmoadeixaro“the”defora.)EnquantoarespostadoEPRàpergunta-títulodo artigo era “não”, a deBohr foi um firme “sim”.Erauma resposta largamente filosófica à preocupação científica do EPR. BohrcontestouoEPRcomoque chamoude “revisão radical da nossa atitude comreferênciaàrealidadefísica”.

EisumtrechodalongarespostadeBohr.Otextotransmiteaessênciadoseucomplexoargumento:

[O]critérioderealidadefísicapropostoporEinstein,PodolskyeRosencontémumaambiguidadecomreferênciaaosignificadodaexpressão“semperturbardeformaalgumaumsistema”.Éclaroquenumcaso como o recém-considerado não há nenhuma questão de perturbação mecânica do sistema sobinvestigaçãoduranteoúltimoestágiocríticodoprocedimentodemedição.Masmesmonesseestágioháessencialmente uma questão de influência das próprias condições que definem os tipos possíveis deprevisões referentes ao comportamento futuro de um sistema. Como essas condições constituem umelemento inerente à descrição de qualquer fenômeno ao qual o termo “realidade física” pode seradequadamentevinculado,vemosqueoargumentodosmencionadosautoresnãojustificasuaconclusãodequeadescriçãodamecânicaquânticaéessencialmenteincompleta[grifodooriginal].

NasuarefutaçãodoEPR,Bohrnãoquestionoua lógicadoargumento.Elerejeitouseupontodepartida,suacondiçãoparaalgumacoisaserumarealidade

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física.

AcondiçãoderealidadedoEPRassumetacitamenteque,sedoisobjetosnãoexercem nenhuma força física entre si, o que acontece com um não pode demaneira alguma “perturbar” o outro. Sejamos específicos, considerando osfótonsgêmeosdeAliceeBob:Alice,aoobservarseu fóton,nãopodeexercerumaforça físicano fótondeBob,queestá seafastandodelanavelocidadedaluz.Portanto,segundooEPR,elanãopodeternenhumefeitosobreessefóton.

Bohr concorda que não podia haver nenhuma perturbação “mecânica” dofótondeBobprovocadapelaobservaçãodeAlice.(Todasasforçasfísicasestãoinclusas no termo “mecânica”, usado porBohr.)No entanto, ele sustenta que,mesmosemumaperturbaçãofísica,aobservaçãoremotadeAlice“influencia”instantaneamente o fóton de Bob. E, segundo Bohr, isso constitui umaperturbaçãoqueviolaacondiçãodoEPRparaarealidade.SódepoisqueAliceobservou seu fóton comopolarizado, digamos, verticalmente é queo fótondeBobsepolarizouverticalmente.

ComofoiqueaobservaçãodeAliceafetouofótondeBob?Seráquealgofeito num lugar distante, mesmo numa galáxia longínqua, pode causarinstantaneamente algo que acontece aqui? Estritamente falando, não devemosdizer que sua observação “afetou” o fóton de Bob nem “causou” seucomportamento, porque nenhuma força física esteve envolvida. Usamos omisteriosotermosantificadoporBohr:Alice“influenciou”ocomportamentodofótondeBob.

EmboraAlice tenhainfluenciadoinstantaneamenteofótondeBob,elanãopodecomunicarqualquerinformaçãoaBobmaisdepressaqueopermitidopelavelocidadedaluz.Bobsemprevêumasériedepolarizaçõesaleatóriasdefótons.SóquandoAliceeBobsejuntamparacompararseusresultadoséqueelesveemque, sempre que ela via um fóton polarizado verticalmente, ele via omesmo;semprequeelaviaumfótonpolarizadohorizontalmente,eleviaomesmo.

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PARADEFENDERATEORIAquânticaadespeitodessainfluência“nãofísica”,Bohrmais tarde redefiniu o objetivo da ciência. Esse objetivo não é explicar anatureza,masapenasdescreveroquepodemosdizersobreanatureza.Emseusprimeiros debates com Einstein, Bohr argumentava que qualquer observaçãoperturba fisicamente aquilo que você observa com uma intensidade suficientepara impedir qualquer refutação da teoria quântica. Isso foi chamado de“doutrina da perturbação física”. Como a observação de Alice supostamentemudaapenasoquepodeserdito sobreo fótondeBob,a respostadeBohraoEPRfoichamadade“doutrinadaperturbaçãosemântica”.

Estátudomuitoconfuso?Podeapostarquesim!NãohámeiodeoEPRearespostadeBohr seremenunciados corretamente semque seja confusoou soemístico.

EINSTEINREJEITOUArespostadeBohr.Eleinsistiaqueexistiaummundorealláfora.Ameta da ciência deve ser tentarexplicar a natureza, não simplesmentecontar o que podemos dizer sobre a natureza. Um fóton mostrava umapolarização particular, argumentava Einstein, porque aquele fóton realmentetinha uma polarização. Ele insistia que objetos têm propriedades físicasindependentes de sua observação. Se qualquer dessas propriedades,posteriormente chamadas “variáveis ocultas”, não estivesse incluída na teoriaquântica,ateoriaestariaincompleta.Einsteinironizouas“influências”deBohrcomosendo“forçasdevodu”e“açõesfantasmagóricas”.Nãopodiaaceitartaiscoisascomopartedofuncionamentodomundo,dizendo:“OSenhorésutil,masmaliciosoElenãoé.”

Devemos deixar claro que Bohr e Einstein concordavam quanto aosresultados reais de um experimento EPR, as observações deAlice e Bob quedescrevemos.Simplesmente interpretavam esses resultadosde formadiferente.É por isso que ninguém realmente fez um experimentoEPR. Todos os físicossabiam qual seria o resultado. A discussão Einstein-Bohr era encarada como“meramentefilosófica”.

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EINSTEIN SEMPRE TEVE dúvidas quanto à teoria quântica; Bohr foi seu maisferrenhodefensor.ÉjustoespecularporqueEinsteineBohrapegavam-secomtantaforçaasuasposiçõesfilosóficas.LembremosquedurantequasevinteanosacomunidadefísicarejeitouapropostadoquantumdojovemEinsteindequealuzvinhaemfótons–elafoichamadade“temerária”.Emcontraste,apropostainicialdeBohrdeumefeitoquânticolhetrouxeconsagraçãoimediata.Emquemedida suas experiências profissionais com a teoria quântica teriammoldadosuasatitudesvidaafora?

Einstein achava que os físicos rejeitariam os argumentos com que BohrrefutouoEPR.Eleseenganou.A teoriaquântica funcionavabemdemais.Elaforneceuumabaseparaoprogressorápidonafísicaesuasaplicaçõespráticas.Físicostrabalhandotinhampoucainclinaçãoparaquestõesfilosóficas.Nostrintaanos depois da publicação do EPR em 1935, o artigo foi essencialmenteignorado.Eracitadoemmédiaapenasumavezporano.ApartirdoteoremadeBell (abordadoemnossopróximocapítulo) issomudou.Entre2002e2006,oEPRfoicitadomaisdeduzentasvezesporano,eointeresseaumenta.NosdiasdehojeoEPRéprovavelmenteoartigodefísicadaprimeirametadedoséculoXXmaiscitado.

Nas duas décadas que viveu após o EPR, Einstein nunca vacilou em suaconvicçãodequehaviamaisadizerdoquea teoriaquânticahaviacontado.Einstouseuscolegasanãodesistirdabuscadossegredosdo“Velho”.Maspodeter ficadodesencorajado.Numacartaaumcolega,escreveu:“Andeipensandomelhor.TalvezDeussejamalicioso.”

EXPERIMENTOSMOTIVADOSPELOEPRestabeleceramagoraaexistênciaefetivadas“açõesfantasmagóricas”queincomodavamEinstein.Atualmentenosreferimosa elas como “emaranhamentos”. Laboratórios industriais trabalham comemaranhamentoscomobaseparacomputadoresquânticos.Mesmoassim,aindasão“fantasmagóricas”.Esãootemadenossopróximocapítulo.

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13.AçõesfantasmagóricasTeoremadeBell

…nãopodeisagitarumaflorSemperturbarumaestrela.

FRANCISTHOMPSON

OS FÍSICOS PRESTARAM pouca atenção ao EPR, ou à resposta de Bohr. Se amecânicaquânticaeracompletaounão,nãotinhaimportância.Elafuncionava.Nunca fez uma previsão errada e os resultados práticos abundavam.Quem seimportava se os átomos careciam de “realidade física” antes de seremobservados? Físicos em atividade tinham pouco tempo para uma “questãomeramentefilosófica”impossíveldeserrespondida.

Pouco depois do EPR, os físicos, voltando suas atenções para a SegundaGuerraMundial,desenvolveramo radar,aespoletadeproximidadeeabombaatômica.Entãovieramospoliticamenteesocialmenteconservadoresanos1950.Nos departamentos de física umamentalidade conformista significava que ummembro do corpo docente sem estabilidade podia pôr sua carreira em riscoquestionandoseriamenteainterpretaçãoortodoxadamecânicaquântica.Mesmohojeémelhorexplorarosignificadodamecânicaquânticasóquandotambémseestá trabalhando “de dia” num tópico da corrente principal da física.Desde oteoremadeBell,porém,osfísicos,especialmenteosmais jovens,mostramumcrescenteinteressenaquiloqueamecânicaquânticaestánosdizendo.

O teorema de Bell tem sido chamado de “amais profunda descoberta emciênciadasegundametadedoséculoXX”.Eleesfregounonarizdos físicosaestranhezadamecânicaquântica.OteoremadeBelleosexperimentosqueeleestimulou responderam no laboratório o que era supostamente uma “questãomeramente filosófica”. Sabemos que as “ações fantasmagóricas” de Einstein

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existem sim. Até mesmo eventos nas fronteiras da galáxia influenciaminstantaneamente o que acontece nos limites do seu jardim. Imediatamenteenfatizamos que tais influências são indetectáveis em qualquer situação decomplexidadenormal.

No entanto, as atualmente chamadas “influências EPR-Bell”, ouemaranhamentos,recebematençãoemlaboratóriosindustriaisporseupotencialde viabilizar computadores incrivelmente potentes. Elas já fornecem aencriptação mais segura para comunicação confidencial. O teorema de Bellrenovouointeressepelosfundamentosdamecânicaquânticaerevelademodoimpressionanteoencontrodafísicacomaconsciência.

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JohnStewartBell

John Bell nasceu em Belfast em 1928. Embora ninguém na família jamaistivesse tido sequer educação secundária, sua mãe promoveu o estudo comoforma de ter uma vida boa, na qual “podiam-se vestir roupas de domingo asemana toda”. Seu filho tornou-se um estudante entusiasmado e, segundo suaprópriaavaliação,“nãonecessariamenteomaisinteligentemasentreostrêsouquatromelhores”.Ávidoporconhecimento,Bellpassavaotemponabibliotecaemvezdesaircomosoutrosrapazes,oqueteriafeitosefosse,comoelemesmodiz,“maisgregário,maisinseridosocialmente”.

BemcedoBellfoiatraídopelafilosofia.Mas,descobrindoquecadafilósofoera contradito por outro, passou para a física, onde “podia-se chegarrazoavelmente a conclusões”. Bell estudou física na Queen’s, a universidadelocal.Emmecânica quântica, foi o aspecto filosófico quemais lhe interessou.Paraele,oscursosconcentravam-sedemaisnosaspectospráticosdateoria.

Ainda assim, Bell acabou indo trabalhar numa função praticamente deengenharia, o projeto de aceleradores de partículas, e por fim no Cern(OrganisationEuropéennepourlaRechercheNucléaire–OrganizaçãoEuropeiaparaaPesquisaNuclear,antigoCentreEuropéenpour laRechercheNucléaire)emGenebra.Mas tambémproduziu um importante trabalho em física teórica.Casou-se com uma colega física, Mary Ross. Apesar de trabalharemindependentemente,Bellescreveque,olhandoparasuacoletâneadeartigos,“euavejoemtodaparte”.

No Cern, Bell concentrou-se na corrente principal da física, naquilo quesentia ser pago para fazer, e que seus colegas aprovavam. Restringiu seuinteressepelaestranhezadamecânicaquânticaduranteanos,masporfimacaboutendoumaoportunidadede explorar essas ideiasdurante seu ano sabático, em1964.“Estarlongedaspessoasquemeconheciamdeu-memaisliberdade,então

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gastei algum tempo com essas questões quânticas”, conta ele. O portentosoresultadoéoqueagorachamamosde“teoremadeBell”.

FIGURA13.1JohnBell.©RenateBertlmann1980.CortesiaSpringerVerlag.

Eu(Bruce)dividiumtáxieumaconversacomJohnBellem1989acaminhodeumapequenaconferênciaemErice,naSicília,quefocalizouseutrabalho.Naconferência, com senso de humor e seu sotaque irlandês, ele enfatizou comfirmezaaprofundidadedoenigmaquânticonãosolucionado.Emletrasgarrafaisnoquadro-negroeleapresentousuafamosaabreviaçãoFapp,“forallpracticalpurposes” [“para todosospropósitospráticos”],ealertoucontraoFapptrap [aciladadeFapp]:aceitarumamerasoluçãoFappparaoenigma.Comochefededepartamento na época, pude convidar Bell a passar algum tempo em nosso

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departamentodefísicanaUniversidadedaCalifórniaemSantaCruz,eeleemprincípioaceitou.MasnoanoseguinteJohnBellmorreusubitamente.

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AmotivaçãodeBell

Lembremos que o EPR aceitava como corretas todas as previsões da teoriaquântica.Elequestionavasuacompletude.Argumentavaquearealidadecriadapelo observador defendida pela teoria surgia devido ao fato de ela não incluirpropriedades fisicamente reais deobjetos, as “variáveis ocultas”.OargumentoEPRcomeçava coma “óbvia” premissa implícita de queo comportamentodeobjetossópodiaserafetadoporforçasfísicas.Comonenhumefeitofísicopodeviajarmaisrápidoqueavelocidadedaluz,doisobjetospodiamestarseparadosdetalmaneiraqueocomportamentodeumnãopodiaafetarooutronumtempomenor do que levaria para a luz percorrer a distância de um ao outro. OargumentoEPRparaarealidadeassumiaaseparabilidade.

Ao refutar o EPR, Bohr negou a separabilidade. Argumentou que o queaconteciacomumobjetopodiadefato“influenciar”ocomportamentodooutroinstantaneamente, mesmo que não houvesse força física conectando ambos.Einstein ridicularizou as “influências” de Bohr chamando-as de “açõesfantasmagóricas”,“spukhafteFernwirkung”nooriginalalemão.

Durante trinta anos, nenhum resultado experimental foi capaz de decidirentre as variáveis ocultas supostamente reais fisicamente de Einstein e as“influências”instantâneasdeBohr.Alémdisso,osfísicosaceitavamtacitamenteum teorema matemático que se propunha a mostrar ser impossível para umateoriaqueincluíssevariáveisocultasreproduzirasprediçõesdateoriaquântica.Era um teorema que cortava pela raiz o argumento de Einstein em favor devariáveisocultas.

Enquanto JohnBell desfrutavada sua liberdade sabática para explorar taiscoisas, foi atingido por um contraexemplo do teorema “nada de variáveisocultas”.Eledescobriuque,dozeanosantes,DavidBohmhaviadesenvolvido

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umateoriaqueincluíavariáveisocultasemesmoassimreproduziaasprediçõesdamecânicaquântica.“Euvioimpossívelfeito”,disseBell.

Depois de descobrir onde o teorema “nada de variáveis ocultas” estavaerrado,Bellponderou:jáquevariáveisocultaspodemexistir,seráquerealmenteexistem?Comopodeummundocompropriedades tãoreais, independentesdoobservador,diferirdomundodescritopelateoriaquântica?Bellqueriaentendero que significam realmente os cálculos quânticos feitos pelos físicos. Eleescreveu:“Vocêpodeandardebicicletasemsaberdireitocomoelafunciona…Damesmaformaquenós[habitualmente]fazemosfísicateórica.Euqueroacharomanualdeinstruçõesparadizeroquerealmenteestamosfazendo.”

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OteoremadeBell

Como o argumento EPR não questionava nenhuma das previsões da teoriaquântica, ele não confrontava a teoria comnenhumdesafio experimental.Belldesafiou sim a teoria. Deduziu uma previsão experimentalmente testável quetinhadeserverdadeiraemqualquermundoqueincluísserealidadeindependentedo observador e separabilidade. A teoria quântica nega tal realidade eseparabilidade. A previsão testável de Bell foi um “espantalho” que ele criouparaosexperimentostentaremderrubar.SeoespantalhodeBellsobrevivesseaodesafioexperimental,ateoriaquânticadeveriarevelar-seerrada.

O teorema de Bell em poucas palavras: suponha que nosso mundo tenhapropriedadesfísicasreaisquenãosãocriadaspelaobservação.Esuponha,alémdisso,quedoisobjetospossamser separadosumdooutrodemodoqueoqueacontece comumdelesnãopossa afetar ooutro instantaneamente. (Emsuma,chamaremosessasduassuposiçõesde“realidade”e“separabilidade”.)Apartirdessas duas premissas apenas – ambas assumidas em física clássica, masnegadas pela teoria quântica –,Bell deduziu que certas grandezas observáveisnãopodiamsermaioresqueoutras.EssaprevisãoexperimentalmentetestáveldoteoremadeBell,quedeve serverdadeira emqualquermundocom realidadeeseparabilidade,éa“desigualdadedeBell”.

SefordescobertoqueadesigualdadedeBelléfalsaemqualquer situação,uma ou ambas as premissas que levam logicamente a ela (realidade eseparabilidade) devem ser falsas. Portanto, se em nosso mundo concreto adesigualdade deBell foralguma vez violada,nenhum objeto com realidade eseparabilidade poderia existir nele. (Bell esperava que a desigualdade fosseviolada,comoprevêateoriaquântica.)

AsgrandezasmaiscomumenteobservadasusadasparatestaradesigualdadedeBellsãoosíndicescomqueosfótonsgêmeosexibemdiferentespolarizações

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quandopolarizadores sãodispostos emdiferentes ângulos.Mas, por enquanto,sejamosmaisgenéricos.

TUDO ISSOÉBASTANTE abstrato. Filósofos emísticos têm falado de realidade eseparabilidade (ou seu oposto, “conectividade universal”) há milênios. Amecânica quântica coloca esses dois aspectos cruamente diante de nós. E oteoremadeBellpermitequesejamtestados.

Naquiloquepoderíamoschamardemundo“razoável”,osobjetosdevemterpropriedades fisicamente reais (propriedades que não são meramente criadaspela observação). Mais ainda, num mundo razoável, os objetos devem serseparados. Isto é, afetam-se mutuamente apenas por forças físicas, que nãopodem viajar mais depressa que a velocidade da luz (não por “açõesfantasmagóricas” viajando infinitamente depressa). O mundo newtonianodescrito pela física clássica é, nesse sentido, um mundo razoável. O mundodescrito pela teoria quântica não é. O teorema de Bell permite um teste paraverificarsetalvezapenasadescriçãoquânticanãosejarazoável,enossomundoconcretodefatosejarazoável.

Nãovamosficarfazendosuspense.Quandoosexperimentosforamfeitos,adesigualdade de Bell foi violada; as premissas de realidade e separabilidadeproduziramumaprevisãoerradaparaonossomundo.OespantalhodeBellfoiderrubado – como ele esperava que fosse. Portanto, o nosso mundo não temsimultaneamenterealidadeeseparabilidade.E,nessesentido,éummundo“nãorazoável”.

Imediatamente admitimos não compreender o que poderia significar ummundo que carece de “realidade”. Até mesmo o que pode significar em si“realidade”.Naverdade,atésediscutesearealidadeédefatorequeridaounãocomopremissano teoremadeBell.Noentanto,nãoprecisamoslidarcomissoagora.ParanossadeduçãodeumadesigualdadedeBell,assumimosdiretamenteummundoreal.Maistarde,quandodiscutirmosasconsequênciasdaviolaçãodadesigualdade de Bell em nossomundo concreto, definiremos uma “realidade”

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implicitamente aceita pelamaioria dos físicos. E isso vai nos deixar com ummundoestranhamenteconectado.

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DeduçãodeumadesigualdadedeBell

Oferecemos uma dedução da desigualdade de Bell com objetos ligeiramenteparecidoscomfótonsgêmeos.Vamoschamarnossosobjetosde“phótons”.Cadaum dos nossos phótons gêmeos tem um “ângulo de polarização” fisicamentereal, simplesmentechamadode“polarização”.Alémdisso,osphótonsgêmeospodem ser separados de modo que o que ocorre com um não pode afetarinstantaneamenteooutro.Nossosphótonsclaramentenãosãoosfótonsdateoriaquântica,quenegatalrealidadeeseparabilidade.

Será que os fótons que fazem clicar contadores Geiger em nosso mundoconcreto possuem a realidade e a separabilidade dos nossos phótons, negadaspela teoria quântica? Isso é algo que os experimentos com fótons de verdadeprecisamdecidir.

Para ser claros, apresentaremos uma imagem mecânica específica. Noentanto, a lógica que usamos não depende de forma nenhuma de nenhumaspecto desse modelo mecânico, com exceção da realidade da polarização decadaphótonedesuaseparabilidadedeseugêmeo.OtratamentomatemáticodeBelleracompletamentegenérico.Nemsequerespecificavafótons.

Sevocêapenaspassarosolhospornossadeduçãopictóricadadesigualdadede Bell e simplesmente aceitar o resultado, não terá muita dificuldade decompreender o resto do livro. Para uma leitura rápida, você pode até mesmopulartodoessetrechoeirdiretoparaaparteondeapresentamos“umahistóriaintencionalmenteridícula”(veraquieafigura13.6).

Ummodeloexplícito

Nasfiguras13.2,3,4e5apresentamosumaimagemmecânicaespecífica.Paramostrar a polarização assumida por cada phóton como algo graficamente real,

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representamosophótonporum“tracinho”;oânguloaleatóriodotraçoéasuapolarização. Retratar phótons como tracinhos necessariamente exibepropriedades além da sua polarização. Essas propriedades, o comprimento oularguradotracinho,porexemplo,sãoirrelevantesparanossadedução.Apenasapolarizaçãofisicamenterealdophótoné relevante.Essaéanossapremissaderealidade. Sua polarização determina qual trajeto o phóton percorrerá aoencontrarum“polarizador”.

FIGURA13.2Ummodelodephótons-tracinhoseumpolarizadoroval.

O“polarizador”dessemodelomecânicoéumaplacacomumaaberturaovalcuja dimensão maior é o “eixo de polarização”. Um phóton cuja direção depolarização é próxima ao eixo do polarizador passará por ele para percorrer aTrajetória1.UmphótoncujapolarizaçãonãoépróximaatingiráopolarizadorparapercorreraTrajetória2.

Estemodelomecânicopoderia,emprincípio,explicaradequadamentetodoocomportamentodaluzpolarizada,masnãoprecisafazerisso.Nossalógicanãodepende de nada em relação a esses phótons, salvo sua realidade eseparabilidade.

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DESCREVEREMOSQUATROEXPERIMENTOSmentais “Alice eBob”.Eles sãomuitoparecidos com o experimento EPR descrito no capítulo 12. (Na verdade, osexperimentos do teorema de Bell são às vezes imprecisamente mencionadoscomo experimentos EPR.) Mas há uma grande diferença: no caso EPR, as“variáveis ocultas” de Einstein e as “influências” deBohr levavam aomesmoresultadoexperimentalprevisto.AdiscordânciaentreBohreEinsteineraapenasumadiferençadeinterpretação.Emnossomodelo,enosexperimentosreaisdoteoremadeBell,osresultadosparaas“variáveisocultas”deEinsteineparaas“influências”deBohrsãodiferentes.

Emcadaumdenossosquatroexperimentos“AliceeBob”,phótonsgêmeoscompolarizaçõesidênticas,masaleatórias,sãoemitidosemsentidosopostosdeumafonteentreAliceeBob.Comoosphótonsgêmeosseafastamumdooutronavelocidadedaluz,nadafísicopodeirdeumexperimentadoraoutronotempoentreaschegadasdosphótonsaseusrespectivospolarizadores.Portanto,oqueacontece com um dos nossos phótons num polarizador não pode afetar seugêmeonooutro.Essaéanossapremissadeseparabilidade.

Como no caso EPR, Alice e Bob identificam dois phótons como sendogêmeos pelos seus instantes de chegada simultâneos e verificam qual dosdetectores,daTrajetória1oudaTrajetória2,registroucadaphóton.

ExperimentoI

Neste primeiro experimento, comono experimentoEPRoriginal,Alice eBobtêmcadaum seu eixodepolarização alinhadoverticalmente.Eles anotam“1”todavezqueodetectordaTrajetória1registraumphótone“2”todavezqueodetectordaTrajetória2 fazo registro.Cadaumdeles terminacomuma longatirade1se2saleatórios.

Depoisderegistrarumgrandenúmerodephótons,AliceeBobsereúnemecomparam os resultados. Descobrem que seus dados têm uma sequênciaidêntica.OphótondeBobpercorreuomesmotrajetonasuapolarizaçãoqueseu

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gêmeo na polarização de Alice. Isso confirma que os phótons que chegamsimultaneamentesãogêmeos.

FIGURA13.3ExperimentoI:ospolarizadoresestãoalinhadoseosdadosdeAliceeBobsãoidênticos.

Alice e Bob esperavam essa concordância perfeita. Um par de phótonsgêmeos realmente tinha polarização idêntica. Nesse modelo com realidade osphótonsforamcriadoscompolarizaçõesidênticas.(Nateoriaquântica,emqueapolarizaçãoécriadapeloobservador, aconcordânciaprecisa serexplicadaporuma“influência”exercidainstantaneamentesobreumfótonpelaobservaçãodeseugêmeodistante.)

ExperimentoII

É igual aoExperimento I, excetoquedestavezAlicegira seupolarizadorporumpequenoânguloquechamaremosdeQ (a letragrega teta).Bobmantémo

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eixodoseupolarizadornavertical.

FIGURA13.4ExperimentoII:opolarizadordeAliceégirado,provocandofaltadeconcordância.

Ambososexperimentadoresanotamnovamenteomesmo tipodedados.ApolarizaçãodosphótonsnãoéafetadapelaescolhadeAlicedeumnovoeixodepolarização. Portanto, alguns phótons que teriam atravessado o polarizador deAlice na sua Trajetória 1, caso ela não o tivesse girado, agora percorrem suaTrajetória2,evice-versa.Segundonossapremissadeseparabilidade,osphótonsdeBobnãosãoafetadospelarotaçãodopolarizadordeAlicenempelo trajetopercorridopelosseusgêmeosnopolarizadordeAlice.

Alice e Bob, reunindo-se desta vez para comparar seus dados, descobremalguns que não estão combinando. Essas divergências ocorrem, por exemplo,quandoalgunsdosphótonsdeAlicequeteriampercorridoaTrajetória1seelanão tivesse girado o polarizador percorreram a suaTrajetória 2. Seus gêmeos,porém,nopolarizadordeBob,continuarampercorrendoaTrajetória1dele.Aporcentagem de disparidades seria pequena para um ângulo Q pequeno.

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Digamos,porexemplo,queAlicemudouoqueteriaacontecidopara5%deseusphótons.Logo,elacausouumataxadedescombinaçãode5%.

ExperimentoIII

Éexatamente igual aoExperimento II, só que desta vez éBobquemgira seupolarizadornumânguloQ,enquantoAliceretornaoseuparaaposiçãovertical.Comoassituaçõessãosimétricas,ataxadedescombinaçãoserianovamentede5%, presumindo que o número de pares de phótons fosse grande o suficienteparaoerroestatísticoserdesprezível.

ExperimentoIV

Desta vez ambos, Alice e Bob, giram seus polarizadores num ângulo Q. Seambosgirassemnomesmosentido,issocorresponderiaanenhumarotação;seuspolarizadores ainda estariam alinhados. Assim sendo, ambos giram seuspolarizadoresnumânguloQemsentidosopostos.

Alice, aogirar seupolarizadornumânguloQ,mudaocomportamentodosseus phótons no mesmo valor que no Experimento II. Ela muda o que teriaacontecido com 5% dos seus phótons. A situação é simétrica. A rotação dopolarizador de Bob num ângulo Q muda o comportamento de 5% de seusphótonsemrelaçãoaoquepoderiaterocorrido.

Como Alice e Bob mudaram ambos o comportamento de 5% de seusphótons, e como cadamudança poderia semostrar como diferença quando assuas sequênciasdedados fossemcomparadas, seriade se esperaruma taxadedescombinaçãode10%.Nãohácomoobterumataxadedescombinaçãomaiornumaamostraestatisticamentegrande.

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FIGURA13.5ExperimentoIV:OspolarizadoresdeAliceeBobsãoambosgiradoseasdescombinaçõessedevemaambasasrotações.

Poderíamos,noentanto,obterumataxadedescombinaçãomenor.Eiscomo:é provável que, para alguns pares de phótons gêmeos, tanto Alice como Bobtenham,cadaum,causadoumamudançadecomportamentonogêmeo.Osdoisphótonsdessepardegêmeos iriamportantocomportar-sedemaneira idêntica.Os dados para tais pares de gêmeos não seriam registrados comodescombinação.

Comoexemplodessamudançadupladecomportamento,considerephótonsgêmeos quase verticais que tivessem ambos percorrido a Trajetória 1 nospolarizadores de Alice e Bob e houvessem ambos permanecido com eixo depolarizaçãonavertical.SeAliceeBobgiraremseuspolarizadoresemsentidosopostos,comoaconteceunoExperimentoIV,poderiamambosmandaresseparde gêmeos percorrer a Trajetória 2. Portanto, não registrariam essa duplamudançacomodescombinação.

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Por causa dessasmudanças duplas, quandoAlice e Bob compararem suassequências de dados no Experimento IV, a taxa de descombinaçãoprovavelmenteserámenorqueos5%dataxacausadaporAlicesozinhamaisos5%dataxadedescombinaçãocausadaporBobsozinho.NoExperimentoIVataxadedescombinação constatadaprovavelmente serámenor que 10%.Numaamostraestatísticagrandeelanãopodesermaior.

EAÍESTÁ!DeduzimosumadesigualdadedeBell:

A taxa de descombinação quando ambos os polarizadores são girados num ângulo Q (em sentidosopostos) é igual a oumenor que o dobro da taxa de descombinação para a rotaçãoQ de um únicopolarizador.

Comooespaçoéomesmoemtodasasdireções,umarotaçãodeQdosdoispolarizadoresemsentidosopostoséequivalenteaumarotaçãode2Qdeapenasumdeles.Logo, girarQumúnico polarizador emumexperimento e 2Qnumsegundo experimento pode demonstrar amesma desigualdade.A desigualdadede Bell afirmaria então: uma rotação de 2Q não pode produzir maisdescombinaçãodoqueodobrodedescombinaçãoparaumarotaçãodeQ.

EISUMAHISTÓRIAintencionalmenteridícula,queenfatizaqueasúnicaspremissasem nossa dedução de uma desigualdade de Bell foram a realidade e aseparabilidade. Poderíamos, em vez de falar de phótons-tracinhos epolarizadores ovais, ter simplesmente dito que cada phóton é guiado por umpequeno“pilotodephóton”equeumpolarizadorésimplesmenteumaplacadetrânsitoindicandoa“orientação”comumaseta.Opilotodephótonlevaconsigoum documento de viagem que o instrui a virar o volante do phóton para aTrajetória1ouaTrajetória2dependendodaplacadetrânsito.Avariávelocultaéagoraainstruçãofisicamenterealimpressanodocumentodeviagemdopiloto.Suairmã,pilotandoophótongêmeo,segueinstruçõesidênticasaoencontrarsuaplacadetrânsito,semlevaremconsideraçãoacondutadoirmão.Essemodelo

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produz a mesma desigualdade de Bell. Basta supor apenas realidade eseparabilidade.

FIGURA13.6Opilotodephóton.

SUPONHAQUEDADOSexperimentaisreaisviolassem a desigualdadedeBell queacabamosdededuzir.Ouseja,suponhaqueemexperimentosdelaboratóriocomfótons gêmeos reais a taxa de descombinação para a rotação de ambos ospolarizadoresfossemaiorqueodobrodataxadedescombinaçãoparaarotaçãodeumsópolarizador.ComoadesigualdadedeBell,dizendoquenãopodesermaior,foideduzidapressupondoapenasrealidadeeseparabilidade,suaviolaçãosignificariaqueumadaspremissas,ouambas,tinhadeestarerrada.Significariaquenossomundoconcreto careceoude realidadeoude separabilidade, oudeambas.Veremos que umaviolação emqualquer umdos casos (fótons gêmeosefetivamente existentes, por exemplo) significa falta de realidade ouseparabilidade para tudo com que tais fótons possam possivelmente interagir.Em princípio, isso é qualquer coisa. (Neste caso, usamos a expressão“efetivamenteexistentes”,emvezdapalavra traiçoeira“real”,cparanosreferiraomundoemquevivemoseosfótonscomosquaislidamos.)

Se adesigualdadedeBellnão fosseviolada, teria sidodemonstradoque ateoria quântica, queprediz uma violação, está errada.Mas nada seria provadoacerca da realidade ou da separabilidade. Premissas incorretas podem levar aalgumasprevisõescorretas.Naverdade,emalgumassituações,adesigualdadedeBellnãoéviolada.Suaviolaçãoemqualquersituaçãoésuficienteparanegarquenossomundoexistentetemtantorealidadequantoseparabilidade.

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Ostestesexperimentais

Em1965,quandoo teoremadeBell foipublicado,erauma ligeiraheresiaumfísico questionar a teoria quântica ou mesmo duvidar que a interpretação deCopenhagueresolvessetodasasquestõesfilosóficas.Mesmoassim,nofimdosanos 1960, John Clauser, um estudante de pós-graduação em física daUniversidadedeColúmbia,ficouintrigado.

Viajando para Berkeley como pós-doc para trabalhar em radioastronomiacom Charles Townes, Clauser apresentou sua ideia para um teste dadesigualdadedeBell.Townesoliberoudeseucompromissocomotrabalhoemastronomia e até mesmo manteve seu apoio financeiro. Com equipamentoemprestado,Clausereumalunodepós-graduaçãomediramoquechamamosde“taxadedescombinação”para fótonsgêmeos compolarizadoresmontados emdiferentes ângulos um em relação ao outro. Em essência, fizeram de fato osexperimentos “Alice e Bob”. E descobriram que a desigualdade de Bell eraviolada.Violadaexatamentedamaneiraqueateoriaquânticaprevê.

Paraevitarumaafirmaçãoerrôneacomum,enfatizamosqueadesigualdadedeBellfoiviolada.O teoremadeBell,adeduçãodadesigualdadeapartirdaspremissasde realidadeeseparabilidade,éumaprovamatemáticanãosujeitaatesteexperimental.

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Ateoriaquânticaprevêexatamenteoquê?

AdeterminaçãodequantoadesigualdadedeBell,segundoateoriaquântica,évioladarequercálculosbastantecomplexos,nãoparticularmenterelevantesparanossa discussão. No entanto, para aqueles que queiram explorar esse ponto,diremosumpoucomais,masopróximoparágrafopodemuitobemserpulado.

Umcálculosemiclássico,considerandoaluzcomoumcampoelétrico,dáarespostacorretaparaataxadedescombinação,mesmoquenãopossalidarcomas correlações de fótons necessárias para estabelecer o significado dadesigualdade de Bell. Anotamos aqui, sem muitas explicações, os seguintesfatos: (1) A observação feita por Alice de que um fóton passando pelo seupolarizador, digamos, vertical significa que seu gêmeo no polarizador de Bobserá vertical. (2) A fração da intensidade luminosa (ou fótons) quenão passapelo polarizador de Bob – a taxa de descombinação – é proporcional aoquadrado da componente do campo elétrico perpendicular ao eixo do seupolarizador.(3)EssafraçãoéproporcionalaoquadradodosenodoânguloQdopolarizador de Bob em relação ao de Alice (lei de Malus). Logo, a taxa dedescombinaçãoefetivamenteobservada–etambémdadapelateoriaquântica–éproporcional a sen2(Q). (4) A desigualdade de Bell que deduzimos afirma,portanto:2sen2(Q)≥sen2(2Q).ExperimenteparaQ=22,5°,2Q=45°.Obtemos0,3≥0,5.Muitoerrado.VemosassimquenomundoconcretoadesigualdadedeBellpodeserfortementeviolada.Repetimos:esteparágrafopodeserpulado.

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Oquedeveserressaltadonosresultadosexperimentais

OsexperimentosdeClauserexcluíramoqueéàsvezeschamadode“realidadelocal” ou “variáveis ocultas locais”. Os experimentos demonstraram que aspropriedadesdonossomundotêmapenasumarealidadecriadapelaobservaçãoou que existe uma conectividade além daquela mitigada pelas forças físicascomuns,ouambasascoisas.

Clauserescreve:“Minhaspróprias…esperançasvãsdederrubaramecânicaquânticaforamabaladaspelodados.”Emvezdisso,eleconfirmouaviolaçãodadesigualdade de Bell prevista pela teoria quântica. Em seus experimentos, ateoriaquânticasobreviveuaoseumaissériodesafioemdécadas.

Nunca podemos ter certeza de que uma teoria científica específica estejacorreta. Algum dia uma teoria melhor poderá superar a teoria quântica. Masagorasabemosquequalquerteoriamelhortambémprecisadescreverummundoquenãotemaomesmotemporealidadeeseparabilidade.AntesdoresultadodeClauser,nãopodíamossaberdisso.

InfelizmenteparaClauser,nocomeçodadécadade1970,ainvestigaçãodosfundamentosdamecânicaquânticaaindanãoeraconsideradafísicarespeitávelnamaioriadoslugares.Quandobuscouumaposiçãoacadêmica(inclusiveumapossibilidadeemnossoprópriodepartamento,naUniversidadedaCalifórniaemSanta Cruz), seu trabalho foi recebido com desdém. “O que ele fez além dechecar a teoria quântica? Todos nós sabemos que está certa!”, era a típicamanifestaçãoequivocadaemrelaçãoàrealizaçãodeClauser.Eleconseguiuumemprego em física, mas não um que lhe permitisse participar das amplasinvestigaçõesquedeflagrou.

Uma década depois, Alain Aspect, na França, aprimorou o teste dadesigualdade de Bell elaborado por Clauser. Com a eletrônica extremamenterápidadisponível,elepôdeassegurarqueotempoentreadetecçãodeumfótone

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a de seu gêmeo seriamenor que o tempo que levaria para a luz viajar de umaparelho de detecção a outro. Portanto, como nenhuma força física pode sepropagar mais depressa que a velocidade da luz, nenhum efeito físico daobservaçãodeumfótonpoderiaafetaradoseugêmeo.IssofechouumpequenofuronoexperimentofeitoporClauser,cujaeletrônicanãoerarápidaobastante.

Aspect relata que, quando contou seus planos a Bell, a primeira perguntadele foi: “Você tem estabilidade como professor?” A exploração dosfundamentosdamecânicaquânticaeramaisaceitáveldoqueumadécadaantes,mas ainda devia ser enfrentada com cuidado, em termos de carreira. Osresultados finaisdeAspectnãosó fecharamo furonoexperimentodeClausercomo produziram uma confirmação surpreendentemente forte da violação dadesigualdadedeBell,precisamentedamaneiraqueateoriaquânticapredizia.SeJohnBellnão tivessemorrido,Bell,ClausereAspectpoderiammuitobemtercompartilhadoumprêmioNobel.

OresultadodeAspectnãoseráofimdahistória.NaspalavrasdeBell:

Éum experimentomuito importante, e talvezmarque o ponto emque se deveria parar e pensar poralgum tempo,mas certamente esperoquenão seja o fim.Pensoque a sondagemdoque amecânicaquânticasignificadevecontinuar,enaverdadecontinuará,querconcordemosounãoquevalhaapena,porquemuitagenteestásuficientementefascinadaeperturbadaporelaparacontinuar.

Mais de duas décadas depois de sua previsão, a pesquisa atual sobre osignificadodamecânicaquânticaconfirmaoinsightdeBell.

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OndenosdeixaaviolaçãodadesigualdadedeBell?

Primeiroarealidade

“Realidade”temsidonossotermosimplificadoparaaexistênciadepropriedadesfisicamente reais que não são criadas pela observação. A teoria quântica nãoincluitalrealidade.AnaturezadarealidadefísicatemsidodiscutidanomínimodesdeostemposdePlatão,em400a.C.Eaindaé.Emparticular,debate-seseoteoremadeBelldefatopresumeounãoarealidade.(Searealidadenãoforumadaspremissasdoteorema,osresultadosexperimentaisnegarãoaseparabilidadeparanossomundoefetivamenteexistente,nãonegariamapenasacoexistênciaderealidadeeseparabilidade.)

(Este parágrafo técnico pode ser pulado. A dedução matemática de Bellinclui um símbolo, λ, a letra grega lambda, que representa tudo existente nopassadoquepoderiaafetar resultadosnaobservaçãodeAlice semafetarosdeBob,evice-versa.Seλincluipolarizaçõesefetivasparaosfótonsincidentes,arealidadedaspropriedadesdeobjetosespecíficoséumapremissadoteoremadeBell. Se, porém, λ se refere a todos os possíveis aspectos das observações,inclusive,digamos,aspectosdospolarizadores,masnãopolarizaçõesdefótonscomo propriedades individuais, o postulado da realidade aplicado a objetosespecíficosénegável.EmnossadeduçãopictóricadeumadesigualdadedeBell,em queAlice eBob observaram ângulos de polarização de fótons, os objetostinhamumarealidadedireta.)

Para buscar um argumento de realidade, vamos assumir agora umaseparabilidadecompleta,quenadaqueAlicepudessefazer(inclusivequaisquer“influências”maisrápidasquealuz)poderiateralgumefeitonosresultadosnopolarizadordeBob.Vamosaceitartambémumadefiniçãoderealidadefísicanoespírito do EPR: se uma propriedade de um objeto pode ser conhecida sem

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qualquer observação dela, essa propriedade não foi criada pela observação.Portanto,existiacomorealidadefísica.

Essadefiniçãoderealidadefísicacarregaumabagagemfilosófica.Masissose dá com qualquer outra. No entanto, é uma definição implicitamente aceitapelamaioriadosfísicos(eprovavelmentepelamaioriadaspessoas).

Agora um pouco de lógica: 1) Assumindo a separabilidade, e dados osresultadosdaversãodemundoefetivamenteexistentedoExperimentoIdeAlicee Bob, uma realidade tipo EPR é estabelecida. 2) As versões do mundoefetivamenteexistentedosExperimentosII,IIIeIVdeAliceeBobestabelecemque a separabilidade e a realidade não podem existir ambas nesse mesmomundo. No entanto, segundo 1), se tivermos separabilidade, devemos terrealidade, mas segundo 2) não podemos ter ambas. Portanto, excluímosseparabilidadeemnossomundoefetivamenteexistente.

Separabilidade

“Separabilidade” tem sido nosso termo simplificado para a possibilidade deseparar objetos de modo que o que acontece com um não afete de maneiranenhumaoqueacontececomooutro.Semseparabilidade,oqueaconteceemum lugar pode afetar instantaneamente o que acontece bem longe, ainda quenenhumaforçafísicaestejaconectandoosobjetos.Bohraceitavaessaestranhapredição da teoria quântica como uma “influência”. Mas, para Einstein, umefeito que surgia sem uma força física efetivamente existente era uma “açãofantasmagórica”.

Hojeégeralmenteaceitoquenossomundoefetivamenteexistentenão temseparabilidade, embora se admita que isso seja um mistério. Em princípio,quaisquer dois objetos que tenham alguma vez interagido estão para sempreemaranhados e, portanto, o que acontece com um influencia o outro.Experimentosjádemonstraramquetaisinfluênciasseestendempormaisdeumacentenadequilômetros.Segundoateoriaquântica,essaconectividadeseestendeportodooUniverso.Projetistasdecomputadoresquânticosdemonstraramessas

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influênciasconectandooselementoslógicosquasemacroscópicosdeprotótiposdecomputadoresquânticos.

A CONECTIVIDADE QUÂNTICA PODE, em princípio, pelo menos, se estender domicroscópicoparaomacroscópico.Aausênciadeseparabilidadededoisobjetosquaisquer, por exemplo fótons gêmeos, estabelece uma ausência deseparabilidade geral. Considere, por exemplo, a “engenhoca infernal” deSchrödinger,construídadetalmaneiraqueumfótongêmeoentrandonacaixadogatodeflagreumaliberaçãodecianetoseofótonexibirumapolarizaçãoverticale não deflagre a liberação de cianeto se exibir uma polarização horizontal. Odestino do gato seria determinado pela observação remota da polarização dogêmeodofóton.Éclaroque,comoapolarizaçãodofótonremotofoialeatória,assimseráodestinodogato.Nãohácontroleremoto.

Falamos em termos de fótons gêmeos porque essa situação é rapidamentedescrita e sujeita a teste experimental. E estendemos a ideia ao gato deSchrödinger porque a situação é fácil de descrever, embora essencialmentedifícildedemonstrar.Emprincípio,porém,quaisquerdoisobjetosquejátenhaminteragidoestãoemaranhadosparasempre.Ocomportamentodeuminfluenciainstantaneamente o outro, e o comportamento de tudo emaranhado com ele.Comoobjetosverdadeiramentemacroscópicossãoquase impossíveisde isolar,elesse tornamrapidamenteemaranhadoscomtodoorestodoseuambiente.Oefeitodetalemaranhamentocomplexogeralmentesetornaindetectável.Mesmoassim, em princípio, há uma conectividade universal cujo significado aindaestamosporentender.Podemosdefato“veromundonumgrãodeareia”.

SERÁ QUE O EMARANHAMENTO quântico infinitamente rápido conflita com arelatividade especial, que sustenta que nenhum efeito físico pode viajar maisdepressaquealuz?Arelatividadeespecialébásicaparagrandepartedafísica,etodos os testes de relatividade concordam com precisão com as previsões dateoria.Não obstante, algumas das premissas subjacentes à relatividade podem

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serdesafiadaspela ausênciade separabilidade.Um recente artigonaScientificAmerican, por exemplo, intitula-se “Uma ameaça quântica à relatividadeespecial”.Emtodocaso,nenhumainformação,mensagemouefeitocausalpodeser enviado de umobservador a outromais depressa que a velocidade da luz.Bobsimplesmente registraumasérie aleatóriade1s e2s.SóquandocomparaseusdadoscomosdeAliceéqueelespodemverascorrelaçõesEPR-Bell.

AodiscutirEPR(ouoExperimento1)dissemosqueAliceolhavaprimeiroeinfluenciavaofótondeBob.Foi-nosperguntado:“EseAliceeBobolhassemaomesmo tempo?” Segundo a relatividade especial, para alguns observadoresmovendo-se em relação a Alice e Bob, pareceria que foi Bob quem olhouprimeiro, não Alice. A teoria quântica simplesmente diz que os doisobservadores, comseuspolarizadoresalinhados,verãoamesma polarização, everãocorrelaçõesnosseusdadosemoutrosângulos.

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Induçãoelivre-arbítrio

Aconectividadequânticanosforçaaexaminarquestõesqueumdiapareceramestar além do reino da física. O teorema de Bell, mais explicitamente quequalquercoisanafísicaclássica,residenavalidadedoraciocínioindutivo,eatémesmodo“livre-arbítrio”.

Oexemploclássicoderaciocínioindutivoé:“Todososcorvosquevimossãopretos; portanto, acreditamos que todos os corvos sejam pretos.” Isso assumeque, se tivéssemos escolhido olhar diferentes conjuntos de corvos, tambémosteríamosencontradopretos.Estritamentefalando,todocorvonãoolhadopoderiaser verde. O raciocínio indutivo assume que os corvos que escolhemos olhareramrepresentativosdetodososcorvos.Assumequepoderíamosterescolhidoolhar qualquer outro conjunto de corvos. Indução e livre-arbítrio estãointimamenterelacionados.

O raciocínio indutivo, que vai de casos particulares para uma conclusãogeral, temumproblema lógico:oúnicoargumentopara aceitar suavalidadeéqueele funcionou (emcasosparticulares)nopassado.Masesseéo raciocínioindutivo!Hámuitosereconhecequeoúnicoargumentoparaavalidadedeumraciocínio indutivo assume o que deve ser estabelecido e, logo, não élogicamenteválido.Mesmoassim,todaaciênciasebaseiaemindução.Apartirde exemplos específicos, formulamos regras gerais. Também dirigimos nossavidaenossassociedadespeloraciocínioindutivo.(Porexemplo,senãoalmocei,ficareifaminto.Ou,seelenãotivessepuxadoogatilho,nãoteriasidomandandopara aprisão.Aceitamos tais afirmações comoválidasporque funcionaramnopassado.)

ORACIOCÍNIOINDUTIVOentrounonossoexperimentodosparesdecaixasquandoassumimosqueoconjuntoespecíficodeparesdecaixascomoqualescolhemos

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fazer ou um experimento “olhar dentro da caixa” ou um experimento deinterferência era representativo de todos os pares de caixas semelhantes.Assumimos que podíamos escolher demonstrar uma entre duas situaçõescontraditórias.Oenigmasurgiuporqueassumimosquepoderíamosterescolhidofazer o experimento diferente daquele que de fato fizemos. Assumimos quetínhamoslivre-arbítrio,quenossaescolhanãofoipredeterminadaporaquiloqueestava“efetivamente”emcadaconjuntodecaixas.

Nanossahistória deAlice eBob, e nos experimentos efetivos com fótonsgêmeos,apremissadainduçãoimplicaqueosfótonsobservadoscomumângulode polarização particular eram representativos de todos os fótons noexperimento. Por exemplo, assumimos implicitamente que Alice e Bob (ouClauserouAspect)poderiam ter livrementeescolhido fazeroExperimento IVcomosfótonscomosquaisdefatofizeramoExperimentoII.Eque,seassimtivessem feito, teriam visto a mesma violação da desigualdade de Bell.Assumimosquetambémnãotemosummundoconspiratório,ummundonoqualas escolhas supostamente livres dos experimentadores do teorema de Bellestivessemcorrelacionadascomfótonsespecíficos.

OPAPELDOLIVRE-ARBÍTRIOdoexperimentadorgeralmenteé ignoradoporcausade sua aparente obviedade. É, no entanto, uma premissa fundamental, emboraimprovável, de qualquer investigação científica na qual se busque umaexplicação geral para resultados experimentais específicos. (Observamos quesabemosdenossolivre-arbítrioapenaspormeiodaexperiênciaconscientequetemosdelecomosendolivre.)

Pode-sefugirdoenigmaquânticonegandoquesejasignificativoatémesmoconsiderarexperimentosquenãoforamdefatofeitos,ealegarqueapercepçãoconscientedequepoderíamostê-losfeitonãotemsentido.Talnegaçãodolivre-arbítrio vai alémda noção de que aquilo que escolhemos fazer é determinadopela eletroquímica do nosso cérebro.A negação requerida implica ummundocompletamente determinista e conspiratório, um mundo no qual as nossasescolhas supostamente livres são programadas de modo a coincidir com uma

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situação física externa. Se isso fosse verdade, não teria sentido falar no quepoderíamos ter escolhido fazer. Essa postura para fugir do enigma quântico éumanegaçãoda“determinaçãocontrafactual”.

Bellreconheceuquetalpossibilidadelógicaexistia,porémmalaconsideroucomoresolução:

[Mesmoqueosângulosdepolarizaçãosejamescolhidos]pelasmáquinasdaloterianacionalsuíça,oupor elaborados programas de computador, ou por físicos com aparente livre-arbítrio, ou por algumacombinação de todos esses fatores, não podemos ter certeza de que [esses ângulos] não sejamsignificativamente influenciadospelosmesmos fatoresque influenciam [os resultadosdasmedições].Masessamaneiradearranjarcorrelaçõesdamecânicaquânticaconfundiriaaindamaisamentedoqueumanaqualeloscausaisviajassemmaisdepressaquealuz.Aparentementepartesseparadasdomundoestariam conspiratoriamente emaranhadas, e o nosso provável livre-arbítrio estaria emaranhado comelas.

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ÉporEinsteinqueosinodobra?d

Tanto Einstein quanto Bohr morreram antes de Bell apresentar seu teorema.SeguramenteBohrteriaprevistooresultadoexperimentalconfirmandoa teoriaquântica.NãoestáclarooqueEinsteinteriaprevistosetivessevistoaprovadeBell.Eledissequeacreditavaqueasprevisõesdateoriaquânticasempreseriamcorretas. Mas como teria se sentido se o resultado previsto fosse umademonstração fatual daquilo que ele havia ridicularizado como “açõesfantasmagóricas”? Será que ainda insistiria que objetos separados não seinfluenciammutuamenteporconectividades“maisrápidasquealuz”?

Bell,ClausereAspectmostraramqueBohrestavacertoeEinsteinerradonoargumentoEPR.MasEinsteinestavacertoaodizerquehaviaalgoparaficarmosperturbados.FoiEinsteinquemtrouxeparaoprimeiroplano todaaestranhezada teoria quântica. Foram suas objeções que estimularamo trabalho deBell eque continuam a ressoar nas tentativas atuais de chegar a um termo com aestranhavisãodemundoqueamecânicaquânticanosimpinge.

SegundoBell:

Em suas discussões com Bohr, Einstein estava errado em todos os detalhes. Bohr entendia a realmanipulaçãodamecânicaquânticamuitomelhorqueEinstein.Mas,aindaassim,emsua filosofiadafísicaenasuaideiasobredoquesetrataedoqueestamosfazendoedevemosfazer,Einsteinpareceserabsolutamente admirável… [N]ão há dúvida de que ele é, para mim, o modelo de como devemospensararespeitodafísica.

cEminglês,osautoresfazemadistinçãoentreos termos“actual”e“real”,quemuitasvezessãoambostraduzidosparaoportuguêscomo“real”.(N.T.)d Intraduzível. “Sino”éBell, numaóbvia referência aocriadordo teoremaque, ao serviolado,obriga aaceitaçãodas“açõesfantasmagóricas”,enterrandoportantoasrestriçõesdeEinstein.(N.T.)

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14.Metafísicaexperimental

Todososhomenssupõemqueaquiloqueéchamadodesabedorialidacomascausasprimeiraseosprincípiosdascoisas.

ARISTÓTELES,Metafísica

Metafísica,literalmente“alémdafísica”,éotítuloqueumeditordoséculoIdeua uma coletânea de obras filosóficas deAristóteles que vieram depois do seulivroFísica. Se Aristóteles estivesse vivo atualmente, seguramente exploraria“causasprimeiras”tentandoentenderoqueamecânicaquânticanosdizsobreomundoesobrenós.

Nosso título para este capítulo, “Metafísica experimental”, foi inspiradonuma recente coleção de ensaios com esse nomeque discute experimentos delaboratório que exploram os fundamentos da mecânica quântica. O primeirocapítulodo livro(deJohnClauser) temoprovocante título“AinterferênciadaondadeDeBroglieempequenasrochasevírusvivos”,quesãoosexperimentosqueClauserestápropondo.

COMOOREINOMICROSCÓPICOdosátomosdifereemtantasordensdegrandezadoreino macroscópico dos seres humanos, alguns argumentam que a mecânicaquânticatempoucaimplicaçãoparanossavisãodanaturezaemescalahumana,“oque realmente está acontecendo”.Essanão era a atitudedeEinstein,Bohr,Schrödinger,Heisenberg e outros responsáveis pelodesenvolvimentoda teoriaquântica.Emanosposteriores,porém,enquantooenigmaquânticopermaneciasemsolução,eateoriafuncionavatãobemparatodosospropósitospráticos,aspreocupações iniciais foram fenecendo. Isso mudou. Hoje em dia há grandeconcordânciadequefundamentalmentenãoentendemosoqueestáacontecendo.

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Pelomenoshágrandediscordânciaacercadoqueestáacontecendo,queémaisoumenosamesmacoisa.

OteoremadeBelleosexperimentosqueestimulousãoosresponsáveisporisso. Eles fizeram mais do que confirmar as estranhas previsões da teoriaquântica.Osexperimentosmostraramquenenhumateoriafuturapoderiajamaisexplicar o nosso mundo efetivamente existente como um mundo “razoável”.Qualquer teoria futura precisa descrever um mundo no qual objetos não têmpropriedadesque são separadamente suas, independentes da sua “observação”.Emprincípio,issoseaplicaatodososobjetos.Mesmoanós?

Dopontodevistadafísicaclássica,algunsargumentamquesomosapenasobjetos governados pela biologia, pela química e, portanto, emúltima análise,pela física determinista. No entanto, desde o teorema de Bell, o elementohumano – a livre escolha, por exemplo – é visto como uma das questõesfundamentaisdafísica.

Aomesmo tempo que a livre escolha do experimentador era implícita nafísica clássica, não há nenhum experimento de física clássica em que a livreescolha,umelementohumano,setorneproblemática.Emborajamaispossaserprático fazer um experimento quântico envolvendo a livre escolha, o quesugerimosabaixochegapertodisso.

No restante deste capítulo tocamos em diversos experimentos, propostos erealizados,queconectamdeformacadavezmaispróxima,porémmisteriosa,oestranho mundo microscópico com o mundo macroscópico “racional” quevivenciamos.

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Realizaçõesmacroscópicas

Atéaqui, aomencionarmosaexistênciadeobjetosemdois lugaresaomesmotempoouseuemaranhamentocomoutroobjeto,osobjetoseramfótons,elétronsou átomos, objetos suficientemente pequenos para ser fisicamente isolados deseu ambientemacroscópico. Em anos recentes, fenômenos quânticos têm sidoestendidos a objetos maiores e, ainda mais significativamente, a objetos comcontatosubstancialcomoambientemacroscópico.Naépocadaimpressãodestelivroseguramentehaveráfenômenosimpressionantesqueteríamosincluído.

EISAQUIUMDOSprimeirosexemplosde“emdoislugaresaomesmotempo”comumobjeto quasemacroscópico. Em 1997, pesquisadores doMIT puseram umblocodeváriosmilhõesdeátomosdesódioembaixa temperaturanumestadoquântico chamado condensado de Bose-Einstein. Então, eles colocaram essebloco único em dois lugares ao mesmo tempo, separados por uma distânciamaiordoqueumfiodecabelohumano.Éumaseparaçãopequena,masévisívelmacroscopicamente.Obloco inteiro estava em ambos os lugares.Cada umdeseusátomosestavaemambososlugares.Parademonstrarqueessebloco,esseobjetoquasemacroscópico,estavaemdoislugaresaomesmotempo,fizeramoque sempre se faz para demonstrar um estado de superposição. Reuniram oblocoapartirdesuasduasregiõesdemodoasesuperporeproduzirumpadrãodeinterferência.

FÍSICOSDAUNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA em Santa Barbara demonstraram em2009umemaranhamentoquânticoentredoisobjetosgrandesobastanteparaservistos a olho nu.A figura14.1mostra um chip de circuito eletrônico feito dealumínioemcontatocomumsubstratosólido.Cadaladodacaixamaiorbrancatem seismilímetros.Os pequenos quadrados brancos sobre o fundo cinza são

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anéis supercondutores,nosquaispode fluirumacorrente.Umpulsodemicro-ondasdirigidoaochip emaranhaosdois fluxosde corrente.Classicamente, ascorrentesdosanéisdeveriam ter sentidoscompletamente independentesumdooutro.Mas,depoisdoemaranhamentopelopulsodemicro-ondas,ascorrentesfluíram em sentidos opostos, algo explicado apenas pelo emaranhamentoquânticodessesobjetosdiretamentevisíveis.Emaranhamentosdecircuitosdessetiposãoabaseprováveldecomputadoresquânticos.

FIGURA14.1Ospequenosquadradosbrancossobrefundocinzasãodoisobjetosmacroscópicosemaranhados.

CientistasdoInstitutoNacionaldeCiênciaeTecnologiadosEstadosUnidosexibiramem2008oprimeirodispositivonumchipquepodiaserrazoavelmentedescritocomoum“computadorquântico”.Eleatésepareceumpouquinhocomumcircuitodecomputadordosprimeirostempos.Aqui,íonsaprisionadoseumcircuito associado podem executar pelo menos 160 operações de computadordiferentes, embora com apenas 94% de acurácia. Para qualquer uso prático, aprecisãoteriadeserenormementemelhorada,eumcomputadorquânticopráticoteriadeligarmuitosdessesdispositivosporemaranhamentoquântico,as“açõesfantasmagóricas”deEinstein.Em2009, a revistaPhysicsWorld escolheu essafaçanhaquânticacomo“GrandeAvançodoAno”.

UM ARTIGO DE março de 2010 naNatureNews intitula-se “Scientists supersizequantum mechanics: largest ever object put into quantum state” (Cientistas

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superampliam a mecânica quântica: O maior objeto já colocado em estadoquântico).Oobjetoeraumahastedemetalachatadacomapenasummilésimodemilímetrodecomprimento,masvisívelaolhonudamesmamaneiraquesepode ver umminúsculo grão de poeira num raio de sol. A pequena haste foiresfriadaaumatemperaturaextremamentebaixaatéchegaraoestadodemaiorimobilidadepermitidopelamecânicaquântica, ficandoessencialmenteestática.Ela foi então “excitada” para entrar em superposição desse estado imóvel esimultaneamentedeumestadodevibração.Ahastesemoviaenãosemoviaaomesmo tempo. (Reminiscências de um gato que estámorto e vivo aomesmotempo!) Ainda mais impressionante que a existência desse estado desuperposição quase macroscópico é o fato de a haste não estar fisicamenteisolada.Suabaseestavasolidamenteconectadaaumblocodesilício,queeraocontatofísicocomoequipamentoexperimentale,emúltimaanálise,comorestodo mundo. Foi suficiente “isolar” o movimento vibratório particular, edesnecessário isolar o objeto físico. Frequentemente se considerava quequalquer contato com os arredores macroscópicos faria uma superposiçãoestranharapidamentecolapsar.Oemaranhamentodosmodosdecomportamentode objetos grandes demais para ser isolados agora parecemuitomais factível.EssafaçanhadoscientistasdaUniversidadedaCalifórniaemSantaBarbarafoichamadade“GrandeAvançodoAno”pelarevistaScience.Aindaantesdeoanoterminar!Chegoutardedemaisparaincluirmosumaimagemdahastenolivro,mas você pode vê-la em:http://www.nature.com/news/2010/100317/full/news.2010.130.html.

EM 2011, um artigo na revista Nature reportou um esforço cooperativo decientistas de cinco laboratórios diferentes para mostrar interferência commoléculas orgânicas grandes. A maior delas continha 430 átomos. Issoestabeleceuumnovorecordeemcolocarobjetosindividuaisemdoislugaresaomesmotempo.Alémdisso,ofatodemoléculasteremtemperaturasinternasdevárias centenas de graus centígrados demonstrou que as funções de ondaposicionais não sofrem necessariamente decoerência quando acopladas com

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movimentos térmicos internos. Isso torna ainda mais razoável a revelação defenômenos quânticos em sistemas biológicos. A importância filosófica do seutrabalhonãofoi ignoradapelosautores,quesereferemasuasmoléculascomo“osgatosdeSchrödingermaisgordosrealizadosatéagora”.

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Propostasmacroscópicas

Propostas para o emaranhamento ou a colocação de objetos essencialmentemacroscópicos em dois lugares ao mesmo tempo são abundantes. Em algunscasostem-seemmenteumafinalidadeadicional,talcomoadetecçãosensíveldeondasgravitacionais.Muitasvezes amotivaçãoé exibir a estranhezada teoriaquânticanumnívelcadavezmaisprovocativo.

EM2003, num artigo intitulado “Towards quantum superpositions of amirror”,cientistasdaUniversidadedeOxfordedaUniversidadedaCalifórniaemSantaBarbaraalegaramqueoresultado implícitono títulodoartigo,umespelhoemestado de superposição quântica, “está ao alcance usando uma combinação desofisticadastecnologiasdeponta”.Oespelhodoqualestãofalandoéminúsculo,mas visível a olho nu. Seria montado sobre uma diminuta alavanca com umbraçoterminandonuminterferômetro.Umasuperposiçãoquânticaseriaindicadapelo desaparecimento da interferência e seu retorno, à medida que o espelhoentra em estado de superposição e então volta ao estado inicial. Osexperimentadores, testando em2006apossibilidadede concretizar a proposta,concluíramqueéfactível,emboracomdificuldade,usandoatecnologiaatual.

EM 2008, cálculos feitos pelos físicos do Instituto Max Planck de FísicaGravitacional em Leibniz e Potsdam revelaram que seria possível obter oemaranhamento de dois “espelhos pesadamente macroscópicos” na próximadécada.Osespelhosqueelesanalisamestãonosbraçosperpendicularesdeuminterferômetroconstruídoparadetectarradiaçãogravitacional,algopreditopelarelatividade geral, mas ainda por observar. Interferômetros de ondasgravitacionais, para os quais são propostos fenômenos quânticos, estão

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atualmente em operação e utilizam espelhos que variam de poucos gramas aquarentaquilos.

UMARTIGODE2008naPhysicalReviewFocusdaSociedadeAmericanadeFísica,que publica física significativa de interesse amplo, intitula-se “Schrödinger’sdrum”. A alusão obviamente é ao gato de Schrödinger. Aqui o “gato” é umamembranadenitretodesilícioessencialmentemacroscópica,comummilímetroquadrado, livre para vibrar como um tambor, e que é resfriada a um estadoquântico muito baixo. Pesquisadores de diversas instituições estão discutindoesse tambor. Numa demonstração particularmente interessante, um par dessasmembranas seria emaranhado de modo que uma observação de umainfluenciasseinstantaneamenteaoutra–semnenhumaforçafísicaaconectá-las.

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Fenômenosquânticosembiologia?

O ponto de interrogação no título desta seção reflete nosso preconceito comofísicosdequeocontatocomumambientebiológicomornoeúmido frustrariaqualquer superposição ou emaranhamento quântico. Em contraposição a essapreocupação, talvez um único aspecto de um sistema biológico pudesse estarsuficientemente desacoplado do resto do corpo. Um exemplo de taldesacoplamento foi demonstrado para a pequena haste visível descrita acima.Essahastetinhadeestaraumatemperaturaextremamentebaixa,demodoqueavibraçãodos átomosnãoperturbasseo estadode superposição, uma exigênciahabitual para o efeito quântico num objeto de muitos átomos. Baixastemperaturasimpediriamqualquerprocessobiológico.Porém,éconcebívelquepudessehaverumdesacoplamentodomovimentotérmico.Umacordadeviolinoaquecidavibrandoemmuitosmilharesdeciclosseriaumaanalogiaclássica.Édifícil acreditar num emaranhamento quântico num ambientemorno e úmido,masserámenoscontraintuitivodoqueoenigmaquânticoemsi?

UMFENÔMENOQUÂNTICOPROPOSTOcomumorganismobiológico,nãosódentrodeumprocessobiológico,podelevantarquestõesfilosóficas.Em2009cientistasdo InstitutoMax Planck de Garching e do Instituto de Ciências Fotônicas deBarcelona propuseram colocar organismos vivos em estados de superposiçãoquântica em dois lugares ao mesmo tempo. Eles pretendiam fazer levitaropticamenteumvírusdeinfluenza,colocá-loemestadodesuperposiçãousandoumpulsode luzesubsequentementedetectaroestadodesuperposiçãopor luzrefletida. Sua análise defende a viabilidade de sua proposta até mesmo paraorganismos vivos maiores, em particular tardígrados, ou “ursos-d’água”, quepodem sobreviver em baixas temperaturas e no vácuo requerido para taisexperimentos. Eles consideram seu trabalho como “um ponto de partida para

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abordar experimentalmentequestões fundamentais, comoopapel davida e daconsciêncianamecânicaquântica”.

EXPLICARA EXTRAORDINÁRIA eficiência da fotossíntese pela coerência quânticanão é uma ideia nova. Mas, em 2010, químicos na Universidade de Torontoofereceramevidênciaexperimentaldequealgasusamacoerênciaquânticaparacolher luz. Na fotossíntese, proteínas especiais absorvem fótons para excitarelétrons a uma energia mais alta, de modo a dar início a uma série detransferências de elétrons para “fotossistemas”, onde sua energia dá início àcriaçãode carboidratos.Pela física clássica, os elétrons achariamseu caminhoparaosfotossistemaspormeiodesaltosaleatórios.Masaaltaeficiênciaexibidasugere que as ondas de probabilidade do elétron escolhem vários caminhossimultaneamentee colapsamparaencontrarosmelhores.Paramostrar isso,osquímicosexcitaramproteínascomumpulsodelaser,usandoumsegundopulsoparaveraondeiamoselétrons.

ANÁLISESDEPESQUISADORESdaUniversidadedeGenebraedaUniversidadedeBristol mostraram em 2009 que experimentos quânticos estabelecendo umaviolação da desigualdade de Bell são possíveis com olhos humanos comodetectores num local.Comoo olho humanonão pode detectar confiavelmenteum fóton isolado, um dos dois fótons gêmeos é amplificado, clonando-o poremissão estimulada. O que se alega aqui não é somente que pode haveremaranhamentoentredoissistemasmicroscópicos,mastambémquepodehaveremaranhamento entre um objeto microscópico e um sistema humanomacroscópico. Issosupostamentepodeserassim,mesmonapresençadeperdade fótons para o ambiente, o que seria de se esperar que desmanchasse oemaranhamento.

UMARTIGODE2009nosProceedingsoftheNationalAcademyofScienceintitula-se“Somequantumweirdness inphysiology”.Oartigoobservaque“amaioria

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doscientistasbiomolecularesmodernosencaraamecânicaquânticamuitocomoosadeptosveemseuDeus;elameramentemontaocenárioparaaaçãoeentãoimagens amplamente deterministas, classicamente compreensíveis, assumem ocomando”. O artigo comenta uma dúzia de estudos, a maioria recentes, quenegamesseparadigma.Essesartigosreportamevidênciasdeefeitosdecoerênciaquântica, ou seja, superposições e emaranhamentos, em sistemas biológicos,principalmentefotossínteseevisão.

DUAS OUTRAS PROPOSTAS para fenômenos quânticos aindamais estranhos numsistemabiológico,asaber,océrebrohumano,umadeRogerPenroseeoutradeHenry Stapp, são tratadas no capítulo 17. Ambas enfocam a questão daconsciência.

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Alémdasabedoriaconvencional

Dois objetos quaisquer que interajam tornam-se emaranhados.Depois disso, oquequerqueaconteçacomumdeles influencia instantaneamenteooutro,nãoimporta quão distantes estejam um do outro. Isso tem sido exaustivamentedemonstrado com pares de partículas microscópicas, e até mesmo comdispositivos quase macroscópicos. Como objetos emaranhados se emaranhamainda com outros objetos, o emaranhamento torna-se complexo. Após ainteração com um objetomacroscópico, qualquer emaranhamento se dissolve,para todos os propósitos práticos. Num certo sentido, porém, como tudointeragiupelomenosdeformaindireta,existe,emprincípio,umaconectividadeuniversal.Temsidoalegadoquevocêestáemaranhadoemtermosdemecânicaquânticacomqualquerpessoacomquemjáseencontrou,presumivelmentemaisemaranhado em casos de encontros mais intensos. Isso é, obviamente, umaextensãomuitoalémdequalquercoisademonstrável,portantoalémdequalquercoisa significativa. O emaranhamento complexo se torna essencialmenteemaranhamentonenhum.

No entanto, estudos recentes sugerem que o emaranhamento persiste pormais tempo que implicam os cálculos convencionais. Como exemplo, namolécula magneticamente sensível que as aves possivelmente usam comobússola,oselétronspermanecememaranhadosdedezacemvezesmais tempoque o esperado. Formulações atuais podem ser pessimistas demais quanto àsobrevivênciadeefeitosquânticos.Ahistóriafracassadadoslimitesteóricosdosefeitosquânticossugeremanteramenteaberta.

Por exemplo, o teórico de informação quântica Seth Lloyd descobriu em2008“benefíciosquânticos”que sobrevivemmesmodepois da decoerência doemaranhamento. Alega-se que esse efeito inesperado pode tornar possívelenxergarmaisacuradamenteumobjetoiluminando-ocomfótonsgêmeos.Seriapossívelarmazenarumfótondecadapar,compará-locomseugêmeorefletidoe

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rejeitarquaisquerfótonsextraviados,quenãoteriamgêmeosarmazenados.Issopoderiafuncionarmesmoqueoemaranhamentodosfótonsqueretornassemcomseusgêmeossofressedecoerênciacomoresultadodesuainteraçãocomoobjetodo qual foram refletidos. Lloyd descobriu, para sua surpresa, que, “para obteraproveitamentoplenoda iluminaçãoquântica, todoemaranhamentoprecisaserdestruído”.Outrosfísicosficaramcéticos,atéqueverificarameconfirmaramoscálculosdeLloyd.

QUANDOUMOBJETOemestadodesuperposiçãosemnenhumaposiçãoparticularencontraumobjetomacroscópico,suafunçãodeondadesuperposiçãocolapsaparaumaposiçãoparticular.Demaneirasimilar,quandoumfótonencontraumpolarizador vertical seguido de um contador Geiger, o acionamento ou nãoacionamentodocontadorindicaseofótonestavaverticalouhorizontal.Essaéainterpretação de Copenhague, e certamente é verdadeira, para todos ospropósitospráticos.

Comosabemosseéefetivamenteverdadeira?Comopodemostercertezadeque o contador Geiger não entra em estado de superposição, sendosimultaneamente acionado e não acionado antes de ser observado por um serhumano? É uma pergunta boba. Mas que não tem uma respostaexperimentalmenteestabelecida.

Eis umapergunta relacionada: comopodemos ter certezaabsoluta de que,numaversãoefetivamenteexistentedonossoexperimentodoteoremadoBell,aescolha supostamente livre de Alice do seu ângulo de polarização éverdadeiramente independente da escolha supostamente livre de Bob do seupróprio ângulo de polarização? O teorema de Bell e os experimentos queestabelecemumaviolaçãodadesigualdadedeBelldependemcrucialmentedessapremissa.

Nos experimentos de laboratório efetivamente realizados, apenas algunsmetros podem separar Alice e Bob. Para ter certeza absoluta de que não foifisicamentepossívelqueumaescolhadoângulodepolarizaçãonolocaldeAlice

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afetasse a escolha no local deBob, as duas escolhas teriamde ser feitas numtempomenordoqueaquelequealuzlevariaparapercorrerosváriosmetrosdeAliceaBob.Teriamdeserfeitasemmenosdeumafraçãodemicrossegundo.

Seres humanos não conseguem fazer escolhas tão depressa. Nosexperimentosefetivamenterealizados,dispositivoseletrônicosrápidosfaziamasescolhasde“Alice”e“Bob”.Podemos ter certezaabsolutadequeasescolhasfeitas por caixas com eletrônicos são verdadeiramente independentes? Não sepode descartar completamente que alguma coisa na história passada dessesdispositivostenhacorrelacionadoasduasdecisões.Éextremamenteimprovável,difícildeacreditar.Masainterpretaçãoqueessesexperimentosexigemtambémédifícildeacreditar.

Asescolhasquetemosmaiscertezadequeforamfeitasindependentementesão as nossas próprias livres escolhas conscientes. E concedemos esse livre-arbítrio a nossos colegas humanos, Alice e Bob. Idealmente, portanto,desejaríamos que o experimentoBell-EPR fosse feito com seres humanos, emvez de dispositivos eletrônicos, escolhendo os ângulos de polarização. Noentanto,precisamostercertezaabsolutadeque,duranteosegundooualgoassimqueAlicelevaparafazeraescolha,elanãocomuniquedemaneiranenhumasuaescolhaaBob.Numexperimentoideal,desejaríamosestabelecerqueaquiloqueAlice escolhe observar não poderia afetar de modo algum aquilo que Bobescolheobservar.

Para excluir qualquer possível comunicação entre observadores humanoscomo detectores de fótons, Anthony Leggett (prêmio Nobel de Física, 2003)sugeriu que os observadores fossem separados pela distância que a luz (ouqualquer interação física)percorreemumsegundo.Sãoaproximadamente300mil quilômetros. É uma distância longa, mas menos que os quase 400 milquilômetros até a Lua. Podemos separar seres humanos no espaço por umadistânciadessasefazerumexperimentodoteoremadeBellentreeles.“Algumdia isso acontecerá.Nãohádúvidanaminhamente”, dizAntonZeilinger, emcujolaboratóriomoléculasdebuckminsterfulereno(buckyballs)foramcolocadasemdoislugaresaomesmotempo.

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NÃONOSSENTIMOSàvontadecom“influências”nãofísicas.Oucomacriaçãodarealidade pela “observação”. Certamente não com a criação da história. Ametafísica experimental poderá algum dia levar a explicações além da teoriaquânticadehoje.MasZeilingeradverte:“Essanovateoriaserátãomaisestranha…aspessoasqueatacamamecânicaquânticaagoraansiarãoportê-ladevolta.”Lá atrás citamos John Bell dizendo que provavelmente ficaríamos“estarrecidos”.

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15.Oqueestáacontecendo?Interpretandooenigmaquântico

Vocêsabequealgoestáacontecendoaqui,masnãosabeoqueé.

BOBDYLAN

Éum fato impressionante que quase todas as interpretações damecânicaquântica … dependem em algum grau da presença da consciência paraprovero“observador”queénecessáriopara…osurgimentodeummundodotipoclássico.

ROGERPENROSE

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Físicoseconsciência

Atualmenteamaioriadosfísicosestádispostaaenfrentaroenigmaquântico,ealguns lutam para interpretar o que a mecânica quântica poderia estar nosdizendo.VáriasinterpretaçõesdehojecompetemcomaposiçãodeCopenhague.Antes de falar delas, vamos refletir sobre como diferentes físicos abordam oenigma.

Atéodiaemquemorreram,BohreEinsteindiscordaramarespeitodateoriaquântica.ParaBohr, a teoria com sua interpretaçãodeCopenhague era a baseadequada para a física. Einstein rejeitava o conceito de Copenhague de umarealidadefísicacriadapela“observação”.Mesmoassim,aceitavaumametadainterpretaçãodeCopenhague,queerapermitirqueafísicaseguisseadiantesemlidar com a consciência. A maioria dos físicos (inclusive nós mesmos)concordariaqueaconsciênciaemsiestáalémdadisciplinadafísicaenãoéalgoaserestudadonumdepartamentodefísica.

Nãoéqueosfísicostenhamaversãoaumescopoamplo.Porexemplo,umfamoso tratamento matemático da relação predador-presa (raposas e coelhosisoladosnumailha)foipublicadonaReviewofModernPhysics.EmWallStreet,físicosmodelamarbitragem(esãochamados“quants”).Atémesmoumdenós(Bruce)jáseaventuroupelabiologiaparaanalisarcomoosanimaisdetectamocampomagnético daTerra.Tais coisas são aceitas alegremente comoparte dadisciplina da física, enquanto o estudo da consciência não é. Aqui está umadefiniçãooperacionaldafísicaquetornatalatitudecompreensível:afísicaéoestudo dos fenômenos naturais que podem ser tratados com sucesso commodelosbemespecificadosetestáveis.

Por exemplo, a física tratade átomos emoléculas simples.Aquímica,poroutrolado,lidacomtodasasmoléculas,amaioriadasquaistêmdistribuiçõesdeelétronscomplexasdemaisparaserbemespecificadas.Umfísicopodeestudar

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umsistemabiológicocaracterizadocomfacilidade,masofuncionamentodeumorganismocomplexoresidenodomíniodosbiólogos.

Qualquercoisaquerevelenãosertratávelcomsucessocomummodelobemespecificadoetestávelédefinidacomrelativarapidezcomoalgoforadafísica.Quandofocalizarmosaconsciêncianocapítulo16,nãoofereceremostalmodelo–ninguémjamaisapresentouummodelodesses.Atéqueumsejadesenvolvido,aconsciêncianãosequalificaráparaestudopelafísica.

Esseéummotivosuficienteparanãoestudarconsciêncianosdepartamentosde física, mas dificilmente explica a emoção que falar do encontro de nossadisciplina com a consciência pode despertar.Recentemente eu (Fred) dei umapalestra em nosso departamento de física relatando uma conferência da qualparticipei naUniversidade de Princeton homenageando o cosmólogo quânticoJohn Wheeler em seu nonagésimo aniversário. Várias apresentações sobrecosmologiaeosfundamentosdamecânicaquânticareferiram-seàconsciência.Quando fiz um relato em nosso departamento acerca dessa conferência e dosnossos interesses relacionados, fui questionado por doismembrosmais velhosdo corpo docente: “Vocês estão levando a física de volta para a Idade dasTrevas!”E:“Useseutempoparafazerboafísica,nãoessabobagem!”Poroutrolado,ospós-graduandosdefísicaqueestavamnaplateiapareciamfascinados.

AFÍSICACLÁSSICA, com sua imagemmecânica domundo, tem sido usada paranegaraexistênciadequalquercoisaalémdoqueéestritamentemecanicista.Afísicaquânticanegaessanegativa.Elainsinuaalgoalémdoquehabitualmenteconsideramosfísica,alémdoquehabitualmenteconsideramoso“mundofísico”.Masesseéomáximoaquesechega!Devemossercuidadosos.Aolidarcomosmistérios damecânica quântica, estamos caminhando na beira de uma ladeiraescorregadia.

Um filme recente, cujo estranho título original éWhat’s the #$*! Do We(K)now!? (informalmentechamadoWhat theBleep?),e foi descrito pela revistaTime como “um estranho híbrido de documentário científico e revelação

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espiritual,comaparticipaçãodeumcorogregodePh.Ds.ediscursosmísticossobre física quântica”. O filme usa efeitos especiais para mostrar fenômenosquânticoscomobjetosmacroscópicos.Porexemplo,exageramuitoa incertezaquânticadaposiçãodeumaboladebasquete.Issoéfácildeentendercomoumahipérbolepedagógica.Aalusãodofilmeaoencontrodamecânicaquânticacomo reino da consciência também é válida. Mas aí o filme se aventura em“revelações quânticas” que levam uma mulher a jogar fora sua medicaçãoantidepressiva até uma “canalização quântica” de um deus daAtlântida de 35milanoseoutrastolicesaindamaiores.

O que fica na cabeça de algumas pessoas que saem do cinema? Se é aimpressão de que os físicos passam seu tempo lidando com as “revelaçõesespirituais” que o filme descreve, então ficamos constrangidos. Se osespectadorespensamqueosfísicosdofilmequeexpressamtaisideiasmísticasrepresentammaisdoqueumaminúsculafraçãodesuacomunidade,entãoforamenganados.Ofilmeescorregafeioladeiraabaixo.

Nosso antídoto para tratamentos sensacionalistas e enganosos dasimplicaçõesdamecânicaquânticaseriaqueadisciplinadafísicaseabrissemaispara a discussão do enigma quântico, particularmente em cursos de físicaconceitual. Manter nosso esqueleto no armário deixa o campo livre para osvendedoresdepseudociência.

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Porqueinterpretações?

Se um amigo seu de confiança lhe contasse algo que parecesse ridículo, vocêtentaria interpretar o que ele poderia estar realmente querendo dizer.Demonstraçõesfísicasdignasdeconfiançanoscontamalgoquepareceridículo.Portanto, tentamos interpretar o que esses resultados podem realmente quererdizer.Mesmohavendoumconsensoacercadosresultadosexperimentais,nãoháconsenso sobre seu significado. Muitas interpretações competem atualmente.Cadaumadelasexibeumaestranhezaquântica.AinterpretaçãodeCopenhagueforneceaosfísicosumamaneiradeignoraraestranheza,aomenosparatodosospropósitospráticos,eseguiradiantecomonegóciodafísica.Convenientemente,a maioria dos físicos aceita isso. Mas também vale a pena explorar o que anaturezaestánosdizendo.

ComodizJohnBell(sóumpouquinhodebrincadeira):

Nãoébomsaberoquevemdepoisdoquê,mesmoquenãonecessariamenteFapp [for all practicalpurposes – para todos os propósitos práticos]? Suponha, por exemplo, que se descobrisse que amecânicaquânticaresisteaumaformulaçãoprecisa.Suponhaque,aotentarumaformulaçãoalémdeFapp,encontrássemosumdedoimovívelapontandoobstinadamenteparaforadotema,paraamentedoobservador,paraas escriturashindus,paraDeusoumesmoapenasparaaGravitação? Issonão seriamuito,muitointeressante?

Ir alémdeFapppara interpretar a teoria quântica é hojeuma indústria emcrescimento, e um campo contencioso, embora uma fraçãomuito pequena detodos os físicos esteja envolvida. Cada uma das interpretações correntementepropostas olha numa direção diferente para aquilo que a mecânica quânticarevela sobrenossomundo.Àsvezes, interpretaçõesdiferentesparecemdizeramesma coisa em termos diversos. Ou duas interpretações podem até mesmocontradizer-se mutuamente. Tudo bem. Se as teorias científicas precisam sertestáveis,asinterpretaçõesnãoprecisam.Todasas“interpretações”assumemosmesmosfatosexperimentais.

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Amaioriadasinterpretaçõesaceitatacitamentequeamecânicaquânticaemúltimaanáliseencontraoproblemadaobservaçãoconsciente.Noentanto,elasgeralmente começam com a premissa de que os físicos devem lidar com ummundofísicoindependentedoobservadorhumano.

MurrayGell-Mann,porexemplo,começaumaabordagempopulardafísicaquântica dizendo: “[O] Universo presumivelmente não poderia se importarmenos com o fato de os seres humanos terem evoluído em algum obscuroplaneta para estudar sua história; ele continua obedecendo às leis físicas damecânicaquânticaindependentementedaobservaçãoporpartedosfísicos.”Aofalarsobreafísicaclássica,apremissaexplícitadeGell-Manndequeasleisdafísica são independentes do observador humano funcionaria sem ele precisardizer.

Cadainterpretaçãoapresentaumavisãodemundoesquisita.Ecomopoderiaserdeoutromodo?Vimosaesquisiticedamecânicaquânticadefrenteemfatosexperimentais neutrosquanto à teoria.Qualquer interpretaçãodesses fatosqueváalémdo“Caleabocaecalcule!”temqueseresquisita.

Emboraas interpretaçõesquediscutiremos tenhamsidodesenvolvidascomextensivaanálisematemáticaelógica,apresentamoscadaumaemalgunspoucosparágrafos não técnicos. Tratamos de forma um poucomais detalhada as trêsprincipais alternativas de hoje a Copenhague (decoerência, muitos mundos eBohm).Acompreensãosubstancialdequalquerumadelasnãoécrucialparaoque se segue. Só queremosmostrar diferentes perspectivas sobre as possíveisimplicações dos dados dos experimentos quânticos. Considere como cadainterpretaçãofazcomquea física inevitavelmenteencontreaconsciência,mastambém como cada uma evita requerer qualquer relação séria da física com aconsciência. (Pedimos desculpas a qualquer pessoa cuja interpretação favoritatenhasidodeixadadefora.)

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Dezinterpretaçõesqueatualmentecompetementresi

Copenhague

A interpretação de Copenhague, uma postura ortodoxa da física, é a maneiracomo os físicos – inclusive nósmesmos – ensinam e usam a teoria quântica.Falamos pouco sobre ela aqui pois anteriormente já dedicamos a ela todo ocapítulo 10. Na versão padrão de Copenhague, a observação cria a realidadefísica do mundo microscópico, mas o “observador” pode, para todos ospropósitos práticos, ser considerado como um dispositivo macroscópico demedição,umcontadorGeiger,porexemplo.

Copenhague aborda o enigma quântico dizendo-nos para usarpragmaticamenteafísicaquânticaparaomicrocosmoeafísicaclássicaparaomacrocosmo. Como supostamente nunca vemos o microcosmo “diretamente”,podemos simplesmente ignorar sua estranheza e portanto desconsiderar oencontro da física com a consciência. No entanto, àmedida que a estranhezaquântica vai sendo vista com objetos cada vez maiores, fica mais difícil nãotomarconhecimentodela,eoutrasinterpretaçõesproliferam.

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Copenhagueextrema

AageBohr(filhodeNielsBohretambémlaureadocomoNobeldeFísica)eOleUlfbeck sustentam que a interpretação de Copenhague não vai longe osuficiente.AinterpretaçãodeCopenhaguepadrãopermitequeafísicaignoreseuencontro com a consciência confinando a realidade criada pelo observador aomundo microscópico. Bohr e Ulfbeck negam explicitamente a existência domicrocosmo.Navisãodeles,nãoexistemátomos.

Bohr e Ulfbeck pretendem que sua visão tenha aplicação geral, mas adiscutemem termosdoscliquesdeumcontadorGeigeredascorrespondentesmudanças num pedaço de urânio. Normalmente consideramos que núcleos deurânio emitem aleatoriamente partículas alfa (núcleos de hélio), tornando-seassim núcleos de tório. Na interpretação de Copenhague, a função de ondaespalhadadapartículaalfaé,para todosospropósitospráticos,colapsadapelocontadorGeigerparaaposiçãonaqualocontadoraobservou.

Bohr eUlfbeck julgam inaceitável tal resolução “para todos os propósitospráticos”.Pegandootouropeloschifres,alegamqueobjetosdeescalaatômicaabsolutamentenãoexistem.Nadasemoveuatravésdoespaçoentreopedaçodeurânio alterado e o clique do contador Geiger. Os cliques vivenciadosconscientementeemcontadoressãoeventos“genuinamentefortuitos”queestãocorrelacionados com as mudanças num pedaço remoto de urânio sem aspartículasalfaintermediárias.

Naspalavrasdeles:

Anoçãodepartículascomoobjetosnoespaço,extraídadafísicaclássica,édessamaneiraeliminada.…Oclique,sendogenuinamentefortuito,nãoémaisproduzidoporumapartículaquepenetranocontador,comotemsidoaprecipitadaconclusãoemmecânicaquântica.…Atrajetóriadescendenteapartirdeeventos macroscópicos no espaço-tempo, que em mecânica quântica padrão continua na região daspartículas,nãoseestendealémdainvestidadecliques.

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Consequentemente, quando químicos, biólogos e engenheiros falam defótons,elétrons,átomosemoléculas,estãomeramentelidandocommodelosquenão têm realidade física. Não há fótons passando através do espaço entre alâmpadaeoseuolho.Nãohámoléculasdearbatendonavelaparaempurraroveleiropelaágua.

Decoerênciaehistóriasdecoerentes

Alguns anos atrás, um físico usaria a palavra “colapso” para descrever oprocesso de observação pelo qual uma função de onda em estado desuperposiçãosetornaumarealidadeúnicaobservada.Emvezde“colapso”,umfísicodehojepoderiausar apalavra “decoerência”.Ela se refere aoprocesso,agora bem estudado, pelo qual a função de onda de um objeto microscópicointerage com o ambiente macroscópico para produzir o resultado queefetivamenteobservamos,queainterpretaçãodeCopenhaguedescrevecomooinexplicado “colapso”da funçãodeonda.Adecoerência pode ser consideradaumaextensãodeCopenhague.

Tomemosnossoexemplodopardecaixas.Considereumátomocujafunçãode onda esteja simultaneamente nas duas caixas. Agora enviamos um fótonatravésdejanelastransparentesemumadascaixas.Seoátomoestivessenessacaixa, o fóton ricochetearia nele e assumiria uma nova direção. Se o átomoestivessenaoutracaixa,ofótonpassariadiretosemmudardedireção.Comooátomoestánaverdade simultaneamentenasduascaixas,o fóton fazambasascoisas.Afunçãodeondadoátomotorna-seemaranhadacomadofóton.Cadafótonperturbaaleatoriamentearelaçãodefaseentreaspartesdecadafunçãodeonda do átomo nas duas caixas. As partes da função de onda de cada par decaixasentãosecancelamemdiferenteslugaresnateladedetecção.Logo,nãoseformanenhumpadrão.

Assim, átomos cuja função de onda se emaranhou com as dos fótons nãopodemparticipardeumpadrãodeinterferência.Afasedaquelesátomosficariamisturada, sofreria “decoerência”. Os átomos estariam em distribuição

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essencialmenteuniforme.Semumpadrãodeinterferência,nãohaveriaevidênciadeátomosestaremsimultaneamenteemambasascaixas.

Naverdade,seosfótonsemquestãonãointeragemcomoutrosobjetos,umastuciosoexperimentodeinterferênciacomoconjuntodeparesdecaixasecomosfótonspoderiademonstrarquecadaátomodefatoestavasimultaneamenteemambas as caixas e que cada fóton tanto ricocheteou no átomo quanto passouatravésdeumacaixavazia.

Suponha, porém, que os fótons passem através das nossas caixas e entãoencontrem o ambiente macroscópico. Assumindo aleatoriedade térmica, épossívelcalcularotempofantasticamentecurtoapósoqualumexperimentodeinterferência se torna impossível, para todos os propósitos práticos. Depoisdisso,nãosepodeexibirumenigmaquântico.Umamédiadasfunçõesdeondacom decoerência dos átomos nos deixa com uma equação para umaprobabilidadedo tipoclássicoparacadaátomoexistir inteiramenteemumaouem outra caixa do par. Em testes experimentais a taxa de decoerência paraobjetosmassivoscomomoléculasgrandesconfirmaacuradamenteoscálculosdateoriadadecoerência.

Como nenhum observador, consciente ou não, precisa ser mencionado,algunsargumentamqueissoresolveoproblemadoobservador.Outrosveemumnon sequitur fundamental nesse argumento. Essas probabilidades do tipoclássico ainda são probabilidades daquilo que será observado. Não sãoverdadeirasprobabilidadesclássicasdoquedefatoexiste.Adecoerênciaéentãomeramente uma solução Fapp para o enigma quântico. W.H. Zurek, umimportante responsável pelo desenvolvimento da interpretação de decoerência,reconhecequeaconsciênciaéencontradapelomenosemúltimainstância:

Uma resposta exaustiva a essa pergunta [a percepção de uma realidade exclusiva] indubitavelmenteprecisaria envolver um modelo de “consciência”, uma vez que aquilo que estamos realmenteperguntandodizrespeitoànossa(doobservador)impressãodeque“somosconscientes”deapenasumadasalternativas.

Uma extensão do conceito de decoerência, as “histórias decoerentes”aplicam audaciosamente a teoria quântica ao Universo inteiro, do começo ao

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fim.NãohaviaobservadoresnoUniversoinicialenuncaexistiramobservadoresexternos emmomentoalgum;oUniverso inclui tudo.Comonãosepode lidarcomacomplexidadeinfinitadoUniverso,sãotratadosapenascertosaspectosemédiasdorestante.

Paraumaideiamuitogrosseiradecomoissopodefuncionar,considereumátomo a caminho do seu par de caixas passando através de um gás ralo deátomosmuitomais leves.Comricochetes suaves,nossoátomonãoédesviadointensamentedesuasduastrajetórias,masaspartesdafunçãodeondadecadatrajeto,mudando de fase um pouquinho a cada ricochete, sofrem decoerênciasuficienteparaquenãosejapossívelnenhumexperimentodeinterferência,paratodosospropósitospráticos.Fazendoamédiadeumgrandenúmerodehistóriaspossíveis,umaparacadasériepossíveldericochetes,chegamosaduashistóriasgranuladas, uma para cada átomo em cada caixa.Agora alegamos que apenasumadessasduashistóriasérealeaoutraésimplesmenteaquelaqueteriasidopossível.

Em seu desenvolvimento dessa interpretação, Gell-Mann e James HartlediscutemaevoluçãodeumIgus (informationgatheringandutilizing system –sistema de coleta e utilização de informação). Presume-se que o Igus possaeventualmentetornar-seumobservadorquetemaomenosailusãoconscientedolivre-arbítrio.

Muitosmundos

A interpretaçãodosmuitosmundos aceita literalmente oque a teoriaquânticadiz. Onde a interpretação de Copenhague sustenta que a observação fazmisteriosamente colapsar a função de onda do átomo numa única caixa – e ogato de Schrödinger num estado vivo ou morto –, a interpretação dosmuitosmundossimplesmentediz“não”aocolapso.Seateoriaquânticadizqueogatoestá simultaneamente vivo emorto, então que seja!Emummundo, o gato deSchrödingerestávivoeemoutroestámorto.

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Hugh Everett lançou a ideia dos muitos mundos na década de 1950 parapermitiraoscosmólogoslidarcomumafunçãodeondaparaoUniversointeiro.Sem necessidade de “observadores” para colapsar a função de onda, ainterpretação dos muitos mundos presume resolver o enigma quântico peloartifícioaparentementesensatodeincluiraconsciênciacomopartedoUniversofísicodescritopelamecânicaquântica.

Na interpretação dos muitos mundos você é parte da função de ondauniversal.Considerenossosparesdecaixas.Quandoolhanumadascaixas,vocêseemaranhacomoestadodesuperposiçãodoátomo.Vocêentranumestadodesuperposiçãopor simultaneamente ver o átomo na caixa que olhou e ver essacaixavazia.Agorahádoisdevocê,umemcadaumdedoismundosparalelos.Aconsciência de um “você” não está ciente do outro “você”. Em vez de olharnumacaixa,um terceiro“você” fezumexperimentode interferência.Nadadoqueefetivamentevivenciamosentraemconflitocomessabizarravisão.

Paratrazeràcenamaisqueumobservador,voltemosaogatodeSchrödinger.AliceolhanacaixaenquantoBobestádistante.Omundosedivideemdois.EmummundoAlice,vamoschamá-ladeAlice₁,vêumgatovivo.Nooutro,Alice₂vêumgatomorto.AessaalturaBob tambémestáemambososmundos,masBob₁ e Bob₂ são essencialmente idênticos. Caso Bob₁ se encontrasse comAlice₁,eleaajudariaapegar leiteparaogatofaminto.Bob₂ajudariaAlice₂aenterrar o gato morto. Os objetos macroscópicos Alice₂ e Bob₁ existem emmundosdiferentese,paratodosospropósitospráticos,nuncaseencontram.

ApósoteoremadeBelleosexperimentosquepermitiu,sabemosquenossomundodefatoexistentetalveznãopossaterrealidadee,comcerteza,nãopodeterseparabilidade.Nainterpretaçãodosmuitosmundos,nãoháseparabilidade.NomundoemqueAlice encontraogatovivo,Bob se torna instantaneamenteumapessoanomundo“gatovivo”.Eclaramentenãoháumarealidadeúnica,oquepareceequivalenteanenhumarealidade.

A interpretação dos muitos mundos desperta fortes emoções. Um autoracadêmico a desacredita como “libertina” e refere-se a seu proponente como“analistadepesquisadearmas,multimilionáriodonodeumCadillaccomchifres

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efumanteinveterado”.(NaépocaemqueEverettfezaproposta,nãopassavadeum estudante de pós-graduação.) Por outro lado, um grande nome dacomputação quântica escreve que a interpretação dos muitos mundos “sobmuitosaspectosfazmaissentidoquequalqueroutravisãodemundoanterior,ecertamentemaisqueopragmatismocínicoquenosdiasdehoje,comdemasiadafrequência,servecomosubstitutoparaumavisãodemundoentreoscientistas”.(Por “pragmatismo cínico” ele seguramente se refere à aceitação nãoquestionadadeCopenhague.)

A interpretação dos muitos mundos é atualmente a favorita de muitoscosmólogosquânticosparaoUniversoprimordialqueconsideram.Elespodemignoraroproblemadoobservador.Nadadeobservadoresnaqueleperíodo.Comoo Universo inclui tudo, está por definição isolado de qualquer “ambiente”externo. A decoerência portanto não precisa ser um problema. Um colegacosmólogo quântico nos diz que a interpretação dos muitos mundos é a suafavorita,emboranãogostedela.

Háumproblemanão resolvidona interpretaçãodosmuitosmundos:oqueconstituiumaobservação?Quandoéqueomundosedivide?Adivisãoemdoismundos é presumivelmente apenas uma maneira de falar. Será que infinitosmundossãocontinuamentecriados?

Emtodocaso,ainterpretaçãodosmuitosmundosestendevastamenteoqueCopérnicocomeçou.Nãosósomosremovidosdocentrodocosmoparaocuparum pontinho minúsculo num Universo ilimitado, como o mundo quevivenciamos é apenas uma fração mínima de todos os mundos. No entanto,“nós”existimosemmuitosdeles.Muitosmundos, adescriçãomais bizarra darealidadejápropostaseriamente,forneceumabasefascinanteparaaespeculaçãoeparaaficçãocientífica.

Transacional

A interpretação transacional aborda os desafios intuitivos apresentados pelosgatos de Schrödinger e a conectividade universal, permitindo que a função de

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ondaevoluaparatrásbemcomoparaafrentenotempo.Ofuturoportantoafetao passado. Isso, obviamente, altera a maneira como olhamos o que estáacontecendo.

Eis um exemplo oferecido pelo proponente da interpretação transacional,JohnCramer:

Quandoestamosparadosnoescuroeolhamosumaestrelaacemanos-luzdedistância,nãosóasondasde luz retardadas vindas da estrela viajaram cem anos para alcançar nossos olhos, como as ondasadiantadasgeradasporprocessosdeabsorçãodentrodosnossosolhosalcançaramcemanosnopassado,completandoatransaçãoquepermitiuàestrelabrilharemnossadireção.

Emboraessaabordagem“para trásno tempo”aindaencontreoobservadorconsciente,acabamostendooenigmaquânticoembaladonoquepareceserumúnicomistério.

Bohm

Em1952umjovemeousadofísico,DavidBohm,fezo“impossível”:produziuum contraexemplo do longamente aceito teorema que alegavamostrar que osfatosexperimentaiseraminconsistentescomvariáveisocultas.OcontraexemplodeBohmreproduziatodasasprevisõesdateoriaquânticacomumainterpretaçãoquetinhavariáveisocultas,grandezasquenãoaparecemnaformulaçãopadrãoda teoria quântica. Suas “variáveis ocultas” eram as posições efetivas daspartículas. Foi o trabalho deBohm que inspirou JohnBell a encontrar o furomatemáticonaprovade“nadadevariáveisocultas”eaacabarcriandooteoremadeBell.

Bohmtambémeraousadopoliticamente.Depoisderecusar-seatestemunharperanteoComitêdeAtividadesAntiamericanasnaCâmara,aUniversidadedePrincetonodemitiu,eelenãoconseguiuoutroempregoacadêmiconosEstadosUnidos.

Bohmcomeça sua interpretação assumindo que suas partículas, emmédia,inicialmentetêmadistribuiçãoexigidapelaequaçãodeSchrödinger.Então,comumamatemática objetiva e direta, deduz uma “força quântica” que atua sobre

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suaspartículasparalevá-lasacontinuarobedecendoàequaçãodeSchrödinger.Aforçaquânticaégeralmentemencionadaemtermosde“potencialquântico”.

Opotencialquânticoguiaemvezdeempurrar.Bohmofereceaanalogiadeuma radiobaliza dirigindo um navio. A conectividade universal intrínseca àteoriaquânticaaparecebemnoiníciodessainterpretação.Opotencialquânticoqueumobjetoexperimentadependedasposiçõesinstantâneasdetodososoutroscomqueaqueleemquestãojáinteragiu,edetodososobjetoscomquealgumavezessesobjetosjáinteragiram.Emprincípio,issoincluiinteraçãocomtudonoUniverso.OpotencialquânticodeBohmforneceas“influências”deBohr,oqueEinsteinchamoude“açõesfantasmagóricas”.

A interpretação de Bohm descreve um mundo fisicamente real,completamente determinista. O potencial quântico instantâneo universal exigeummundo“supradeterminista”.Aaleatoriedadequânticasóapareceporquenãopodemossaberaposição inicialeavelocidadeprecisasdecadapartícula.Nãohácolapso inexplicadodafunçãodeonda,comooqueocorrena interpretaçãode Copenhague; não há divisão inexplicada da consciência como a dainterpretaçãodosmuitosmundos.Algunsalegamquea interpretaçãodeBohmresolve o problema do observador na mecânica quântica, ou pelo menos otransformanumproblemabenigno,talcomoénafísicanewtoniana.

Outros, inclusive Bohm, enxergam de maneira diferente. Ao contrário doátomo newtoniano, que meramente entra numa única caixa do par, o átomobohmianoqueentranumacaixaúnicatambém“sabe”aposiçãodaoutracaixa.Pormeiodopotencialquântico,opardecaixasmacroscópicoestevesempreemcomunicação instantânea como resto domundo, e portanto comodispositivomacroscópico que anteriormente liberou o átomo, e portanto com o átomoincidente. O potencial quântico conecta tudo isso desde o começo e assimdetermina até mesmo onde o átomo pousaria em qualquer padrão deinterferência posterior. O ser humano que fez o arranjo do experimento,presumivelmente também um objeto físico, também influencia o potencialquântico.(Eéinfluenciadoporele?)

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Comonainterpretaçãodosmuitosmundos,nãohavendocolapso,apartedafunção de onda correspondente àquilo que não foi observado continua parasempre.PodemosencontrarogatodeSchrödingervivo,masapartedafunçãode onda que contém a possibilidade do gatomorto, e seu dono o enterrando,continuaexistindo.Podemosignoraressapartedafunçãodeondaparatodosospropósitos práticos, já que ela se emaranhou com o ambiente. Mas nessainterpretaçãoelaéreale,emprincípio,temconsequênciasfuturas.

Bohm aceitava o encontro da física com a consciência. Em seu livroaltamente técnico sobre teoria quântica, The Undivided Universe, cujo títuloenfatiza que a teoria quântica se aplica ao macroscópico bem como aomicroscópico,BohmeBasilHileyescrevem:

Ao longo deste livro nossa posição tem sido de que a teoria quântica em si pode ser entendida semintroduziraconsciênciaedeque,noqueconcerneàpesquisa física,pelomenosnopresenteperíodogeral,essaéprovavelmenteamelhorabordagem.Noentanto,aintuiçãodequeaconsciênciaeateoriaquânticaestejamemalgumsentidorelacionadaspareceserboa.

NaquelanoiteemqueEinsteintentoufalaramim(Bruce)eaumcolegadepós-graduação em física sobre seus problemas com a mecânica quântica, eletambém comentou: “David [Bohm] fez uma coisa boa,mas não foi o que eudisseaele.”Jamaistendosidoexpostosaessesproblemasemnossosestudosdemecânicaquântica,nãosabíamosdoqueEinsteinestavafalando.EugostariadetersidocapazdelheperguntaroquehaviaditoaBohm.

Ithaca

DavidMermin,daUniversidadeCornellemIthaca,NovaYork,propondooquechamade“interpretaçãodeIthaca”, identificadois“quebra-cabeçasbásicos”:aprobabilidade objetiva, que surge apenas na teoria quântica, e o fenômeno daconsciência.

Aprobabilidadeclássicaésubjetiva,umamedidadaignorânciadoindivíduo.Aprobabilidadequântica éobjetiva, amesmapara todomundo.Paraoátomonumpardecaixas,aprobabilidadequânticanãoéumamedidadaincertezade

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alguémquantoaoqueémasaprobabilidadedoquequalquerumobservaria.Ainterpretação de Ithaca considera a probabilidade objetiva como um conceitoprimitivo, impossível de ser aindamais reduzido. Ithaca reduzosmistérios damecânicaquânticaaesseúnicoquebra-cabeça.

De acordo com Ithaca, a mecânica quântica nos diz que “correlações têmrealidade física; aquilo que elas correlacionam não tem”. Por exemplo, fótonsgêmeos não observados não têm polarização particular, mas têm a mesmapolarização.Apenasacorrelaçãodesuaspolarizaçõeséumarealidadefísica;aspolarizações em si não são. Ou, por exemplo, se as posições de dois átomosestãoemaranhadas,apenassuaseparaçãoéumarealidade,enquantoaposiçãodecadaátomonãoé.

E se, por exemplo, observarmos um fóton com um equipamentomacroscópicocujaescaladáleiturasdiferentesparadoisestadosdepolarização?Se considerarmos o equipamento do ponto de vista damecânica quântica, elemeramente fica correlacionado com a polarização do fóton. Segundo a teoriaquântica,aescaladeveriafornecerambasasleituras.Masnóssempreavemosfornecerumaleiturasó,umaououtra.

EiscomoMerminlidacomissonainterpretaçãodeIthaca:

Quandoeu olho para a escala do aparelho sei o que a leitura está dizendo. Aquelas correlações dosistema global, absurdamente delicadas, irremediavelmente inacessíveis, obviamente somemcompletamente quando se conectam comigo. Seja porque a consciência está além da gama defenômenos com que a mecânica quântica é capaz de lidar, seja porque ela tem infinitos graus deliberdadeouregrasprópriasespeciaisdesuperseleção,eunãoteriaapresunçãodeadivinhar.Masesseéum quebra-cabeça referente à consciência que não deve ser misturado com os esforços paracompreender a mecânica quântica como uma teoria de correlações de subsistemas no mundo nãoconsciente[grifodooriginal].

Ithaca se abstém do encontro da física com a consciência confinando oenigma quântico ao problema da probabilidade objetiva. O encontro com aconsciência não é negado. Ithaca atribui consciência a uma “realidade”maiorque a “realidade física” à qual, pelo menos no momento presente, a físicadeveria se restringir. Essa interpretação modesta do enigma quânticosimplesmenteadmiteummistério.

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Informaçãoquântica

Uma interpretação que tem ganhado força entre aqueles que estudamcomputação quântica poderia ser chamada de “interpretação da informaçãoquântica”.Elasustentaqueafunçãodeondarepresentaapenasinformaçãosobreasmediçõespossíveisdeumsistemafísico.Afunçãodeondaagoranãodeveseridentificadacomosistemafísicodefato.Elanãodescreveosistemafísicoqueestásendoconsiderado.

Nessainterpretaçãoafunçãodeonda,ouoestadoquântico,forneceapenasum dispositivo matemático compacto para calcular as correlações entreobservações, para prever o resultado de umamedição subsequente a partir deumamediçãoinicial.Oestadoquânticonãoéportantoumacoisafísicaobjetiva,éapenasconhecimento.Essainterpretaçãopodeservistacomoumamisturadainterpretação de Ithaca, com seu foco em correlações, e uma versão deCopenhaguenaqualBohrdizqueopropósitodaleifísicaé“apenasseguir,atéondeforpossível,relaçõesentreosmúltiplosaspectosdenossaexperiência”.

Ainterpretaçãodainformaçãoquânticafogedoencontrocomaconsciêncialimitando o estado quântico a ser conhecimento sobre observações possíveis.Num certo sentido, limita portanto o escopo da teoria quântica a ser apenassobreaconsciência.

Lógicaquântica

É considerando os experimentos que poderíamos ter feito, mas de fato nãofizemos, que o enigma quântico surge. A lógica quântica nega que sejasignificativo considerar ações que não foram de fato feitas. Ela nega adeterminaçãocontrafactual.A lógicaquântica“resolve”oenigmarevisandoasregrasdalógicademodoaseencaixaremnateoriaquântica.

Alógicaquânticaéumintriganteexercíciointelectualeéavisãodealgunsteóricosquânticos.Noentanto,comoquaisquerobservaçõesconcebíveispodem

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ser“explicadas”adotando-seregrasdelógicaqueseencaixem,dificilmenteelaprovêumaresoluçãoconfortáveldoproblemadamediçãoquântica.

Além disso, em nossa experiência consciente, devemos consideraralternativasaoquepoderíamosounãopoderíamosfazer.Negaradeterminaçãocontrafactualvaialémdemeramentenegarolivre-arbítrioalegandoquenossasescolhassãototalmentedeterminadaspelaeletroquímicadonossocérebro.Issoexige que nossas escolhas supostamente livres estejam completamentecorrelacionadascomasituaçãofísicaexterna.Seríamosentãoemessênciarobôsnummundocompletamentedeterminista.Comoresoluçãodoenigmaquântico,essa premissa, para usar as palavras de John Bell citadas no capítulo 13,“confundiriaaindamaisamente”doqueoenigmaquepresumeresolver.

GRW

Para explicar por que coisas grandes nunca são vistas em estados desuperposição,Ghirardi,RiminieWeber,coma“interpretaçãoGRW”,modificama equação de Schrödinger para fazer com que a função de onda colapsealeatoriamente de vez em quando. Para coisas pequenas como átomos, umcolapsoocorreapenasacadabilhãodeanosoualgoassim.

Tal colapso infrequente não afetaria um experimento de interferência quetemlugarnumtempomaiscurto.Massuponhaumátomoqueestejaemcontatocomseusátomosvizinhosdeumobjetomaior,digamos,ogatodeSchrödingeremestadodesuperposiçãodevivoemorto.Esseátomoestariaemaranhadocomseusvizinhos,epormeiodelesemaranhadocomtodososoutrosátomosdogato.O colapso aleatório desse átomo de suas duas posições em estado desuperposição no gato simultaneamente vivo e morto para uma posição únicacaracterísticadogatovivooudogatomortodeflagrariaocolapsodogatointeiroparaoestadovivooumorto.Hátantosátomosnumgatoque,mesmoquesóumcolapsasse a cada bilhão de anos, pelo menos um átomo colapsaria a cadamicromicrossegundo. O gato poderia portanto permanecer apenas brevementenumasuperposiçãodeestadosvivoemorto.

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Estritamente falando, o esquemaGRWnão é uma interpretação da teoria,umavezquepropõeumamudançadela.Éumamudançaquepermitiriaqueosobjetosmacroscópicos da nossa percepção fossem perfeitamente definidos emprincípio, não só para todos os propósitos práticos. Tal resultado satisfaria aalguns.

Não há ainda nenhuma evidência experimental do fenômeno GRW. Alémdisso,àmedidaqueexperimentoscommoléculasgrandesmostrama transiçãoparaprobabilidadesdo tipoclássicoseguindocálculosdedecoerência,opontonoqualofenômenoGRWpodesetornarefetivoéforçadoparaobjetoscadavezmaiores. Isso deixaria a realidade de objetos menores que esse limiar, assimcomo sua falta de separabilidade, experimentalmente confirmada, como umenigma.

InterpretaçõesdePenroseeStapp

Duas propostas, uma deRoger Penrose e outra deHenry Stapp, poderiam serchamadas de interpretações,mas na verdade incluem especulações físicas queenvolvemaconsciência.Nósasabordaremosnocapítulo17.

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Oqueasinterpretaçõespodemconseguir?

Algumasinterpretaçõesdamecânicaquânticaresolvemoproblemadamediçãopara todosospropósitospráticos.Éclaroquenuncahouveumproblema,paratodosospropósitospráticos.Asprevisõesdateoriafuncionamperfeitamente.Éa estranha visão de mundo que os fatos experimentais exibem que nos fazperguntar:“Oqueestáacontecendo?”Aamplagamadasinterpretaçõesquehojecompetementre simostraquequestõesprofundas acercadonossomundo (ouacercadenós?)estãoescancaradas.

Amecânicaquânticamostraquenossavisãodemundocotidiana,razoável,éfundamentalmente falha. Interpretações do que a teoria nos diz oferecemdiferentes visões de mundo. Mas cada uma delas envolve a misteriosaintromissão do observador consciente no mundo físico. Será possível quealgumainterpretaçãodateoriaaindaaserpropostapossaresolveroenigmasemumencontrocomaconsciência?

Não. O encontro com a consciência surge diretamente na demonstraçãoexperimental neutra em termos de teoria quântica. Portanto, nenhuma merainterpretaçãodateoriapodeevitaroencontro.Mastodainterpretaçãopermiteàfísica evitar lidar com a consciência. Eis como JohnWheeler apresenta essadicotomia:

Por mais útil que seja dizer nas circunstâncias do dia a dia que o mundo existe “lá fora”independentementedenós,essavisãonãopodemaissersustentada.Existeumestranhosentidonoqualesteéum“Universoparticipativo”.

Mas,imediatamentedepoisdessadeclaração,Wheeleralerta:

A“consciência”nãotemabsolutamentenadaavercomoprocessoquântico.Estamoslidandocomumfatoquesefazconhecidoporumirreversívelatodeamplificação,porumaindelévelgravação,umatode registro … [O significado] é uma parte diferente da história, importante mas que não deve serconfundidacom“fenômenoquântico”.

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Consideramosissocomoumainjunçãoaosfísicos(comofísicos)paraqueseconcentremnosfenômenosquânticosemsi,nãonosignificadodosfenômenos.Paratodosospropósitospráticos,ateoriaquânticanãoprecisadeinterpretação.Ela funciona perfeitamente ao prever os resultados de qualquer experimentoparticularqueescolhamos.

NO ENTANTO, alguns de nós, como físicos, ou simplesmente como curiosos,ponderamos sobre o significado e tentamos entender o que está realmenteacontecendo. Essa tem sido há bastante tempo uma atitude de muitos físicoseminentes(inclusive,àsvezes,Wheeler).Éumaatitudequehojeemdiaganhaaceitação.

O crescimento dessa aceitação incomoda alguns físicos e estimulaquestionamentos. Além disso, as abordagens pseudocientíficas cada vez maisfrequentes damecânica quântica, como no filmeQuem somosnós?, fazem osfísicosseretorcereservemdemotivaçãoparaminimizaroenigma.Nós,físicos,tendemos amanter nosso esqueleto no armário, e alguns chegam a negar suaexistência.

Por exemplo, em 1998, um artigo intitulado “Quantum theory withoutobservers”,ocupandodoisnúmerosdarevistaPhysicsToday,argumentavaquediversas interpretações, principalmente a de Bohm, eliminam o papel doobservadornamecânicaquântica.(OpróprioBohm,conformecitadoacima,nãoconcordaria.)Quando taisargumentossãoapresentados,geralmente ficapoucoclaro se tal eliminação do observador é proposta em princípio ou meramentecomoumasoluçãodoenigmaquânticoparatodosospropósitospráticos–umaFapptrap[aciladadeFapp],parausara ironiadeBellparaoargumento“paratodos os propósitos práticos” quando se presume que ele resolva problemasfundamentais. Embora a atitude desse artigo naPhysics Today possivelmentecondiga com as simpatias da maioria da comunidade física atual, os temposestãomudando.

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OitodécadasdepoisdaequaçãodeSchrödinger,osignificadodoencontrodafísica com a consciência ainda está em discussão. Quando especialistas nãoentramnumacordo,vocêpodeescolherseuespecialista.Oufazersuasprópriasespeculações.

“O que está acontecendo?” ainda é uma pergunta em aberto, e que nosmotivaavoltaraumadasepígrafesdoiníciodestecapítulo:“Vocêsabequealgoestáacontecendoaqui,masnãosabeoqueé.”

Começando com a mecânica quântica, encontramos a consciência. Nossopróximo capítulo começa com a consciência e aborda o encontro a partir daoutradireção.

eUmatraduçãoaproximadapoderiaser:“Que#$*nóssabemos?”.OfilmerecebeunoBrasilotítuloQuemsomosnós?.(N.T.)

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16.Omistériodaconsciência

Oqueéchamadodeconsciêncianósnãoprecisamosdiscutir;estáalémdetodaequalquerdúvida.

SIGMUNDFREUD

A consciência apresenta os problemas mais estarrecedores na ciência damente.Nãohánadaqueconheçamosmaisintimamentequeaexperiênciaconsciente,masnãohánadamaisdifícildeexplicar.

DAVIDCHALMERS

SERÁQUEACONSCIÊNCIAfazcolapsarfunçõesdeonda?Essapergunta,levantadano começo da teoria quântica, não pode ser respondida. Não pode sequer serbemformulada.Aconsciênciaemsiéummistério.

Quandodescrevemososfatosquânticosexperimentalmentedemonstradosea explicação desses fatos pela teoria (distinta das diversas interpretações dateoria que competem entre si), apresentamos o consenso não questionado dacomunidadedafísica.Nãopodemosdescrever talconsensonanossadiscussãosobre a consciência.Elenão existe.É claroqueháumagrandequantidadededadosexperimentais indiscutíveis,masexplicaçõesdiametralmenteopostassãointensamentesustentadas.Temosnossaprópriaopinião,mas,comovocêpoderánotar,nósoscilamos.

Até adécadade1960, a psicologiadominadapelobehaviorismoevitavaotermo“consciência”emqualquerdiscussãoquesepresumissecientífica.Desdeentão houve uma explosão de interesse pela consciência.Alguns a atribuem àimpressionanteevoluçãodatecnologiadeimagemcerebralquepermitiuverquepartesdocérebrosetornamativascomestímulosespecíficos.MassegundoumeditordoJournalofConsciousnessStudies:

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Émaisprovávelqueoressurgimentodosestudosdaconsciênciatenhaocorridoporrazõessociológicas.Osestudantesdosanos1960,quedesfrutaramdeumaricaabordagemextracurricularde“estudosdaconsciência” (mesmo que alguns deles não tragassem), agora estão dirigindo os departamentos deciências.

Ointeressepelosfundamentosdamecânicaquânticacresceaomesmotempoquepelaconsciência.Econexõessãoseriamentepropostas.Háalgonoar.

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Oqueéconsciência?

Jáfalamosdeconsciênciamasnuncaadefinimos totalmente.Asdefiniçõesde“consciência”nodicionárionãosãomuitomelhoresqueasde“física”.Temosusado “consciência” aproximadamente como equivalente de “senso” deconsciência.fParanós,“consciência”decididamenteincluiapercepçãodelivreescolha pelo experimentador. Esse uso do termo “consciência” é o padrão naabordagemdoproblemadamediçãoquântica.Emúltimaanálise,umadefiniçãosemanifestapelousodotermo.(ComodisseHumptyDumptyaAlice:“Quandoeuusoumapalavra…elasignificaexatamenteoqueeuescolhoquesignifique”,eofilósofoWittgenstein,queensinavaqueumapalavraédefinidaporseuuso,decertaformaconcordaria.)

Nãosepodesaberdaexistênciadaconsciênciadenenhumoutrojeitoalémde mediante nosso senso de consciência em primeira pessoa, ou relatos emsegundapessoadeoutros.(Nopróximocapítulosugerimosumaparentedesafioquânticoaessalimitação.)

Não vamos discutir muitas das coisas encontradas nos debates sobreconsciência do ponto de vista psicológico. Por exemplo, não falaremos sobreilusões ópticas, distúrbios mentais, autoconsciência ou a sede das emoçõesocultas de Freud, o inconsciente. Tampouco discutiremos asmuitas teorias deconsciência, ainda impossíveis de testar, presentes na literatura atual que nãoincluamoenigmaquântico.

Nossapreocupaçãoé coma “consciência” relacionada coma livre escolhado experimento por parte do observador, a consciência que a física encontra.Uma ligação de certo modo mais próxima com a psicologia e a neurologiasurgirá quando em breve abordarmos o “problema difícil da consciência” deChalmers.

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Nosso exemplo frequente do encontro da física com a consciência é adecisão de observar um objeto numa caixa única fazendo com que estejatotalmenteali.Dizemos“fazendocomque”somenteporquepresumivelmenteoobservadorpoderiaterescolhidoumaobservaçãodeinterferênciaestabelecendouma situação contrária – que o objeto não estivesse totalmente numa caixaúnica. Assumimos que o observador poderia ter escolhido estabelecer que oobjetofosseumaondasimultaneamenteemduascaixas.

Será que tal demonstração requer necessariamente um observadorconsciente?Afinal,nãopoderiaumrobônãoconsciente,oumesmoumcontadorGeiger, fazeraobservação?Dependedoqueseentendepor“observação”.Porenquanto,bastalembrarque,seesserobôoucontadorGeigerestivesseisoladodorestodomundoeobedecesseàteoriaquântica,elemeramenteseemaranhariae se tornaria parte de um estado de superposição total – como o gato deSchrödinger.Nessesentido,elenãoobservaria.

O enigma quântico surge a partir da premissa de que experimentadorespodem escolher livremente entre dois experimentos, que por sua vez geramresultados contraditórios. Assumimos que os experimentadores tinham “livre-arbítrio” para fazer tal escolha. No entanto, não podemos fugir do enigmaquântico negando o livre-arbítrio dos experimentadores, isto é, simplesmentefazendo com que suas escolhas sejam de alguma forma determinadas pelaeletroquímicados seus cérebros. Para fugir do enigmaquântico, a negaçãodolivre-arbítrio requerida precisa ir além. Precisa incluir a negação dadeterminaçãocontrafactual.Essanegaçãodeveincluirapremissadeummundo“conspiratório”.(Nonossoexemplo,as“escolhas”dosexperimentadoresteriamdecombinarcomasituaçãofísicanosparesdecaixas.)

As discussões atuais sobre o livre-arbítrio em psicologia e neurofisiologiageralmenteseconcentrammaisestreitamenteemquestionarseasescolhasquefazemos são de certo modo predeterminadas pela eletroquímica do nossocérebro.Essaquestãodolivre-arbítrioéportantoperiféricaaoenigmaquântico.Mas o “livre-arbítrio” aparece constantemente em conexão com o enigma

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quântico. Então, pelo menos por enquanto, vamos falar desse livre-arbítriolimitado.

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Livre-arbítrio

Problemas com livre-arbítrio surgem em diversos contextos. Eis um contextoantigo: como Deus é onipotente, pareceria injusto que sejamos consideradosresponsáveis porqualquercoisa que façamos.Deus, afinal, possui o controle.Teólogosmedievais resolveram essa questão decidindo que cada sequência deeventoscomeçacomuma“causaeficiente remota”e terminacomuma“causafinal”, ambas nasmãos deDeus.As causas intermediárias surgem a partir denossaslivresescolhas,pelasquaisseremosconsideradosresponsáveisnodiadojuízo.

Essa preocupação medieval não é completamente distante daquela dosfilósofos da moralidade de hoje. E advogados de defesa criminais dão a elaroupagemprática argumentando que as ações do réu foram determinadas pelagenética e pelo meio ambiente, e não pelo livre-arbítrio. Nós, porém, iremostratardeumaquestãosobreolivre-arbítriomaisfrancaedireta.

AFÍSICACLÁSSICA,afísicanewtoniana,écompletamentedeterminista.Um“olhoquetudovê”,observandoasituaçãodoUniversonumdadoinstante,podesabertodooseufuturo.Seafísicaclássicaseaplicasseatudo,nãohaverialugarparaolivre-arbítrio.

Noentanto,olivre-arbítriopodecoexistiralegrementecomafísicaclássica.Nocapítulo3,sobreavisãodemundonewtoniana,contamoscomoafísica,emtempospassados,podiapararnafronteiradocorpohumano,oucomcertezanoentão completamente misterioso cérebro. Cientistas podiam desconsiderar olivre-arbítriocomoumapreocupaçãoquenãoerasua,deixando-oparafilósofoseteólogos.

Essadesobrigaçãonãoacontececomamesmafacilidadenosdiasdehoje,namedida em que os cientistas estudam o funcionamento do cérebro, sua

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eletroquímica e suas respostas a estímulos. Eles lidam com o cérebro comoobjeto físico cujo comportamento é governadopor leis físicas.O livre-arbítrionão se encaixa imediatamente nessa realidade – ele fica à espreita numcanto,comoumfantasma.

A maioria dos neurologistas e psicólogos ignora tacitamente esse canto.Alguns, talvez,sendomaisconsistentesemtermos lógicos,negamqueo livre-arbítrio exista e alegamquenossapercepção de livre-arbítrio é uma ilusão.Acontrovérsiacriadapor issoestarábemnanossafrentequandodiscutirmosembreveo“problemadifícil”daconsciência.

COMO SERIA POSSÍVELdemonstrar a existência do livre-arbítrio? Talvez tudo oquetenhamossejanossasensaçãodelivre-arbítrioeaalegaçãodelivre-arbítrioqueoutros fazem.Senenhumademonstraçãoépossível, talvezaexistênciadolivre-arbítriosejadestituídadesentido.Eisumaobjeçãoatalargumento:emboravocênãopossademonstraraoutrapessoasuasensaçãodedor,vocêsabequeelaexisteecomtodacertezanãoédestituídadesentido.

Um famoso experimento de livre-arbítrio gerou ferozes discussões. Nocomeço dos anos 1980, Benjamin Libet fez seus participantes flexionarem opulsonummomentoquebemescolhessem,massempensarcomantecedência.Eledeterminouaordemdetrêsmomentoscríticos:omomentodo“potencialdeprontidão”, uma voltagem que pode ser detectada com eletrodos no courocabeludo um segundo antes de qualquer ação voluntária de fato ocorrer; oinstante do flexionamento do pulso; e o instante que os sujeitos relataram tertomadosuadecisãodeflexionar(observandoumcronômetro).

Seriadeseesperarqueaordemfosse(1)decisão,(2)potencialdeprontidão,(3) ação.Na verdade, o potencial de prontidãoprecedia o instante de decisãoreportado. Será que isso mostra que alguma função determinista no cérebroprovocou a decisão supostamente livre? Alguns, não necessariamente Libet,argumentamdessamaneira.Masostemposenvolvidossãofraçõesdesegundo,eo significadodo instantededecisão reportadoédifícil de avaliar.Alémdisso,

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como a ação do pulso é supostamente iniciada sem “planejamento prévio”, oresultadoexperimentalparece,namelhordashipóteses,umaevidênciaambíguacontraolivre-arbítrioconsciente.

EM2008,John-DylanHaynesfoialémdafraçãodesegundo.Eleeseuscolegasmonitoraram a atividade neural com imagens por ressonância magnéticafuncional(IRMf).gÀmedidaqueletrasiamaparecendonumateladiantedeles,ossujeitoseramsolicitadosaapertarobotãoàdireitaouàesquerdasemprequetivessemvontade,oualeatoriamente.Entãoinformavamaletraquetinhamvistoquando decidiram qual botão apertar. A partir do sinal de IRMf, ospesquisadorespuderamprever70%dasvezes(adivinhaçõesfuncionam50%)obotão que seria apertado, até dez segundos antes do momento de decisãoinformado.Haynescomentou:“Issonãoexcluiolivre-arbítrio,massimotornaimplausível.”

Seráqueéissomesmo?Presumivelmente,sedissessemaumsujeitoduranteesseintervalodedezsegundos“Vocêvaiapertarobotãodaesquerda”,eleaindaassim poderia escolher apertar o botão da direita. Ser capaz de preveraproximadamenteocomportamentodealguémapartirde IRMfnãoquestionaseriamenteseulivre-arbítrio.Prevercomportamentoapartirdeexpressãofacialtambémfuncionamuitobem.

ACRENÇAEMNOSSOLIVRE-ARBÍTRIOsurgeapartirdanossapercepçãoconscientedequefazemosescolhasentrealternativaspossíveis.Seolivre-arbítrioéapenasuma ilusão, e somos todos simplesmente sofisticados robôs controlados pelanossaneuroquímicacomtalvezumpouquinhodealeatoriedadetérmica,seráquenossaconsciência tambéméumailusão?(Seassimfor,oqueéqueestá tendoessailusão?)

Emborasejadifícilencaixarolivre-arbítrionumavisãodemundocientífica,nós mesmos não podemos duvidar dele seriamente. O comentário de J.A.Hobsonpareceapropriadoparanós:“Aquelesdenóscomsensocomumficam

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perplexoscomaresistênciamostradaporpsicólogos, fisiologistasefilósofosàrealidadeóbviadolivre-arbítrio.”

SEVOCÊVAINEGARolivre-arbítrio,pararnaeletroquímicadocérebroéarbitrário.Afinal, amotivação para sugerir tal negação é o determinismo newtoniano dafísicaclássica.Sendologicamenteconsistentes,eportantoaceitandooraciocínioaté o fim, chegamos aomundo completamente determinista onde o “olho quetudovê”podesaberofuturointeirodetudo,inclusivedaescolhasupostamentelivredoexperimentadorconduzindoaoenigmaquântico.

Em vez de parar na eletroquímica do cérebro, aceitar o determinismocompletofogesimdoenigmaquântico.Paraamaioriadenós,ser“robôs”nummundocompletamentedeterministaédemaisparaengolir.Noentanto,aceitandotantoo livre-arbítrioquantoos indiscutíveisexperimentosquânticos,chegamosaoenigmaquântico.Eàteoriaquânticaparaumaexplicação.

E a teoria quântica, ao contrário da física clássica, não é uma teoria domundo físico independente das decisões livremente tomadas peloexperimentador,seulivre-arbítrio.

SegundoJohnBell:

Acabou se revelando que a mecânica quântica não pode ser “completada” numa teoria localmentecausal,pelomenosenquantoforempermitidos…experimentadoresoperandolivremente.

Antes do teorema de Bell, o “livre-arbítrio” – ou a premissa explícita de“experimentadoresoperandolivremente”–nãoeraalgoquesevissenumlivrode física.Ecomcertezanãonumapublicação sériade física. Issoobviamenteestá mudando. Em dezembro de 2010, por exemplo, a prestigiosa revistacientíficaPhysicalReviewLetterspublicouumcálculodequanto livre-arbítrioprecisamente teria de ser abandonado para explicar as correlações observadaspor experimentadores operando livremente na execução de experimentos defótonsgêmeos.Oresultadoé14%.Oqueissosignificaemtermoshumanosnãoestáclaro.

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Vamosexplorar aobservaçãodos “experimentadoresoperando livremente”de Bell. Recordemos o enunciado definidor da interpretação de Copenhaguefeito por Pascual Jordan, a interpretação do físico que trabalha com isso:“Observaçõesnãosóperturbamoquedevesermedido,elasoproduzem.”Aqui“observação”éumtermoaberto,masacriaçãodarealidadefísicaporqualquertipodeobservaçãoédifícildeaceitar.Noentanto,nãoéumanoçãonova.

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DeBerkeleyaobehaviorismo

Aideiadearealidadefísicasercriadaporsuaobservaçãoremontaamilharesdeanos,àfilosofiavédica,masvamossaltaradiante,atéoséculoXVIII.Naesteiradamecânicanewtoniana,avisãomaterialistadequetudooqueexisteématériagovernada por forças mecânicas ganhou ampla aceitação. Nem todo mundoficoucontentecomisso.

Ofilósofo idealistaGeorgeBerkeleyachavaqueopensamentonewtonianodiminuíanossostatusdeseresmoraiscapazesdeescolherlivremente.OfatodeafísicaclássicadeixarpoucoespaçoparaDeusodeixavaatordoado.Afinaldascontas, ele era bispo. (Naquele tempo era comum acadêmicos ingleses seremordenados sacerdotes anglicanos, embora o celibato da época de Newton nãofossemaisexigido.Berkeleyeracasado.)

Berkeley rejeitava omaterialismo com o lema esse est percipi, “ser é serpercebido”,querendodizerquetudooqueexisteécriadopelasuaobservação.Paraavelhapergunta“Seumaárvorecaicomninguémporpertoparaouvi-lacair, há algum som?” a resposta de Berkeley presumivelmente seria que nemsequerhaviaumaárvoresenãofosseobservada.

Embora a postura quase solipsista de Berkeley possa parecer um poucomaluca,muitos filósofos idealistas da época eram entusiastas dela. Não era ocaso de Samuel Johnson, que supostamente teria respondido chutando umapedra,ferindoodedãoedeclarando:“Euorefutoassim!”Chutarpedrascausoupouca impressão entre os defensores do pensamento de Berkeley, que,obviamente,éimpossívelrefutar.

Embora esta não seja exatamente a posição de Berkeley, eis um versinhomuitoantigoqueilustraaatençãoquerecebiamtaisideias:

TherewasayoungfellownamedToddWhosaid,“It’sexceedinglyodd

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TothinkthatthistreeShouldcontinuetobeWhenthere’snooneaboutintheQuad.”h

Aresposta:

Thereisnothingespeciallyodd;IamalwaysaboutintheQuad.Andthat’swhythistreeCancontinuetobeWhenobservedbyYoursfaithfully,God.i

Deuspodeseronipotente,mas,notamosnoespíritodoversinho,Elenãoéonisciente. Se a observação deDeus faz colapsar a função de onda de coisasgrandes para a realidade, experimentos quânticos indicam que Ele não estáobservandoospequenos.

A ideia de que o mundo ao nosso redor estava sendo criado por suaobservaçãonuncapegou.Amaioriadaspessoaspráticas,seguramenteamaioriadoscientistasdoséculoXVIII,consideravaqueomundoerafeitodepequenaspartículas sólidas, que alguns chamavam de “átomos”. Presumia-se que estesobedeciam a leis mecânicas muito como acontecia com aquelas partículasmaiores, os planetas. Embora cientistas físicos pudessem especular sobre amente,ealgunstenhamusadoimagenshidráulicasparaissoemvezdosmodelosdecomputadoratuais,amaioriafaziaquestãodeignoraroassunto.

NO SÉCULO XIX e em grande parte do século XX, o pensamento científicogeralmente era equiparado ao pensamento materialista. Mesmo nosdepartamentos de psicologia, a consciência não merecia um estudo sério. Obehaviorismo tornou-se a visão dominante. As pessoas deviam ser estudadascomo “caixas pretas” que recebiam estímulos como input e forneciamcomportamentos como output. A ciência só precisava correlacionarcomportamentoseestímulosparadiscorrersobreoquesepassavanointerior.Se

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vocêsoubesseocomportamentocorrespondenteacadaestímulo,saberiatudooqueháparaconhecersobreamente.

A abordagem behaviorista teve sucesso em revelar como as pessoasrespondeme,emcertosentido,porqueagemdamaneiraqueagem.Maselanemsequer abordava o estado interior, a sensação de consciência, a tomada dedecisão em escolhas aparentemente livres. Segundo o principal porta-voz dobehaviorismo,B.F.Skinner, apremissadeum livre-arbítrioconscientenãoeracientífica.Mas,comaascensãodapsicologiahumanistanapartefinaldoséculoXX,asideiasbehavioristascomeçaramaparecerestéreis.

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O“problemadifícil”daconsciência

Obehaviorismo estava emdeclínio quando, no começodos anos 1990,DavidChalmers, um jovem filósofo australiano, abalou o estudo da consciênciaidentificando o “problema difícil” da consciência. Em poucas palavras, oproblema difícil é explicar como o cérebro biológico gera o mundo interior,subjetivo, da experiência. Os “problemas fáceis” de Chalmers incluem coisascomoareaçãoaestímuloseacapacidadededescreverestadosmentais–etodoo resto dos estudos da consciência.Chalmers não insinua que seus problemasfáceis sejam fáceis num sentido absoluto. São fáceis apenas em relação aoproblemadifícil.Nossointeressepresentenoproblemadifícildaconsciência,ousenso de consciência, ou experiência, surge de sua aparente semelhança (econexão?) com o problema difícil da mecânica quântica, o problema daobservação.

Antesdeprosseguirsobreoproblemadifícileasacaloradasdiscussõesqueelecontinuaagerar,umbocadinhoacercadeDavidChalmers.Comoestudantedegraduação,estudoufísicaematemática,etrabalhoutambémcommatemáticana pós-graduação antes demudar para a filosofia.Embora não seja central noseu argumento,Chalmers considera que amecânica quântica provavelmente érelevante para a consciência. O último capítulo de seu livro, The ConsciousMind, uma obra de referência, leva o título “A interpretação da mecânicaquântica”. David Chalmers foi um colega professor na Universidade daCalifórniaemSantaCruz,nodepartamentodefilosofia,antesdesemudar(paranosso pesar) para aUniversidade doArizona e se tornar diretor doCentro deEstudosdaConsciência.Eleestá,nomomentoemqueescrevemosestelivro,devolta à sua Austrália natal, como diretor do Centro da Consciência daUniversidadeNacionaldaAustrália.

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OS PROBLEMAS FÁCEIS de Chalmers frequentemente envolvem a correlação deatividade neural com aspectos da consciência, os “correlatos neurais daconsciência”.A tecnologiade imagemcerebralatualpermiteumavisualizaçãodetalhadadaatividademetabólicadentrodocérebropensandoesentindo,etemestimuladoestudosfascinantesdosprocessosdepensamento.

Aexploraçãodoquesepassadentrodocérebronãoénova.Neurocirurgiõesjá correlacionam há muito tempo a atividade e estimulação elétricas cominformes de percepção consciente colocando eletrodos diretamente no cérebroexposto. Issoé feito emgrandeparte compropósitos terapêuticos, éclaro, eaexperimentação científica é limitada.A eletroencefalografia (EEG), a detecçãode potenciais elétricos no couro cabeludo, é ainda mais antiga. A EEG podedetectar rapidamente atividade neural mas não pode dizer em que local docérebroaatividadeestáocorrendo.

A tomografiapor emissãodepósitrons (PET,na sigla em inglês) émelhorpara descobrir exatamente onde no cérebro os neurônios estão em atividade.Aqui, átomos radiativos, de oxigênio, por exemplo, são injetados na correntesanguínea.Detectoresderadiaçãoeanálisecomputadorizadapodemdeterminaronde há aumento de atividade metabólica requisitando mais oxigênio ecorrelacionaressefatocomrelatosdepercepçõesconscientes.

A tecnologia de imagem cerebral mais espetacular é a imagem porressonância magnética funcional (IRMf). É melhor que a PET para localizaratividadeenãoenvolve radiação. (Noentanto,acabeçaexaminadaprecisasermantida parada, quieta, num grande e barulhento ímã.)A IRM é a tecnologiamédica de imagem que descrevemos no capítulo 9 como uma das aplicaçõespráticas da mecânica quântica. A IRMf é capaz de identificar qual parte docérebro está usando mais oxigênio durante uma função cerebral particular,respondendoaumestímuloexterno.

AIRMfpodecorrelacionarumaregiãodocérebrocomosprocessosneuraisenvolvidos em, digamos, memória, fala, visão e consciência reportada. Asimagens cerebrais geradas por computador, artificialmente coloridas, podemexibir exatamente quais regiões do cérebro requerem mais sangue quando

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alguém está pensando, digamos, em comida ou sentindo dor. Como qualquertécnicabaseadaematividademetabólica,aIRMfnãoérápida.

SERÁ O CÉREBRO físico que essas técnicas observam, presumivelmente, tudoaquiloqueocérebroé,etambémtudoaquiloqueamenteé?Emboraotrabalhoatual que relaciona a eletroquímica neural à consciência possa ser rudimentar,suponha que uma IRMf aperfeiçoada, ou alguma tecnologia futura, pudesseidentificar completamente ativações cerebrais particulares com certasexperiências conscientes. Isso correlacionaria todas as sensações conscientes(reportadas)comaatividademetabólica,etalvezatémesmocomosfenômenoseletroquímicos subjacentes. Tal conjunto completo de correlatos neurais daconsciência é o objetivo de grande parte da pesquisa atual sobre consciênciaenvolvendoocérebro.

Caso esse objetivo fosse realmente atingido, alguns dizem que teríamosconseguido tudo o quepode ser conseguido.A consciência, argumentam eles,seria completamente explicada porque não existe nada nela além da atividadeneural que correlacionamos com as experiências que chamamos de“consciência”.Sedesmontarmosumvelhorelógiodepênduloparavercomoopesooscilanteguiadoporumamolamoveasengrenagens,poderemosdescobrirtudooqueháparasabersobreofuncionamentodorelógio.Oargumentoaquiéque a consciência será explicada de maneira similar com o que aprendermosacercadosneurôniosqueformamocérebro.

FrancisCrick, físicocodescobridordaduplahélicedoDNA,quese tornoucientistacerebral, estavaàprocuradeum“neurôniodosensodeconsciência”.Para ele, nossa experiência subjetiva–nossa consciência–nadamais é que aatividade de tais neurônios. Seu livro A hipótese espantosa identifica talpossibilidade:

“Você”, suas alegrias e tristezas, suasmemórias e suas ambições, seu senso de identidade pessoal elivre-arbítrio,naverdadenadamaiséqueocomportamentodeumavastareuniãodecélulasnervosasemoléculasaelasassociadas.

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SEASSIMFOR,nossasensaçãodequeconsciênciaelivre-arbítriosãoexperiênciasalém do mero funcionamento de elétrons e moléculas é uma ilusão. Aconsciênciadeveriaportantoter,emúltimaanálise,umaexplicaçãoreducionista.Deveria, pelo menos em princípio, ser totalmente descritível em termos deentidades mais simples, os correlatos neurais da consciência. Sensaçõessubjetivas“emergem”portantodaeletroquímicadosneurônios. Issoépróximodaideiaprontamenteaceitadequeatensãosuperficialouo“molhado”daáguaemerge da interação de átomos de hidrogênio e oxigênio formandomoléculascontíguasdeH₂O.

Tal decorrência forma a “espantosahipótese”deCrick.Será realmente tãoestarrecedora? Desconfiamos que, pelo menos para a maioria dos físicos,pareceriaopalpitemaisnatural.

UmcolaboradormaisjovemedelongadatadeCrick,ChristofKoch,adotaumaabordagemcommaisnuances:

Dada a centralidade das sensações subjetivas na vida cotidiana, seria necessária uma extraordináriaevidência factualantesdeconcluirquequalia e sensaçõessão ilusórios.Aabordagemprovisóriaqueadotoéconsiderarexperiênciasemprimeirapessoacomofatosbrutosdavidaebuscarexplicá-los.

Numcontexto ligeiramentediferenteKochvai adiante, equilibrandovisõesdiferentes:

Embora não possa excluir que explicar a consciência talvez exija leis fundamentalmente novas,atualmentenãovejonecessidadeprementededartalpasso.

… [Mas] os caráteres dos estados cerebrais e dos estados fenomenológicos [estados vivenciados]parecemdiferentesdemaisparasercompletamenteredutíveisumaooutro.Suspeitoquesuarelaçãosejamaiscomplexadoquetradicionalmenteseimagina.

DavidChalmers,oprincipalporta-vozdeumpontodevistadiametralmenteopostoaodeCrick,considera impossível explicar a consciênciapuramente emtermosdecorrelatosneurais.Namelhordashipóteses,sustentaele, tais teoriasnos dizem alguma coisa sobre o papel físico que a consciência podedesempenhar,masessasteoriasfísicasnãonosdizemcomoaconsciênciasurge:

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Paraqualquerprocesso físicoqueespecifiquemoshaveráumaperguntanão respondida:porqueesseprocesso daria origem à experiência [consciente]? Dado qualquer um desses processos, éconceitualmente coerente que ele poderia … [existir] na ausência da experiência. Segue-se quenenhumamerapresençadeumprocessofísiconosdiráporqueaexperiênciaemerge.Osurgimentodaexperiênciavaialémdoquepodeserdeduzidoapartirdateoriafísica.

Emboraateoriaatômicapossaexplicarredutivamenteomolhadodaáguaeomotivodeelagrudarnoseudedo,issoestábemlongedeexplicarasuasensaçãodemolhado.Chalmers,negandoapossibilidadedequalquerexplicaçãoredutivadaconsciência,sugerequeumateoriadaconsciênciadevetomaraexperiênciacomoentidadebásica, juntocommassa,cargaeespaço-tempo.Elesugerequeessa nova propriedade fundamental possibilitaria novas leis fundamentais, queelechamade“princípiospsicofísicos”.

Chalmers vai adiante, especulando sobre tais princípios. Aquele que eleconsiderabásico,equeéomaisinteressanteparanós,conduzauma“hipótesenaturaldequeainformação(pelomenosalgumainformação)temdoisaspectosbásicos, um físico e um fenomenológico”. Esse postulado de um dualismolembraasituaçãodamecânicaquântica,ondeafunçãodeondatambémtemdoisaspectos. De um lado, é a realidade física total de um objeto; de outro, essarealidade, conjecturaramalguns, é puramente “informação” (seja lá o que issoqueiradizer).

PARA ARGUMENTAR QUE a experiência consciente vai além do saber habitual,algunscontamahistóriadeMaria,umacientistadofuturoquesabetudooqueháparasabersobreapercepçãodecor.Maselanuncaesteveforadeumasalaonde tudo é preto ou branco.Um dia alguém lhemostra algo vermelho. Pelaprimeiravez,Mariavivencia o vermelho. Sua experiência do vermelho é algoquevaialém do seu completo conhecimento do vermelho. Serámesmo? Semdúvida, você pode criar sozinho os argumentos pró e contra que a história deMariaprovoca.

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O FILÓSOFO DANIEL DENNETT, em seu amplamente citado livroConsciousnessExplained,descreveaformacomqueocérebrolidacomainformaçãocomoumprocesso em que “múltiplos rascunhos” sofrem constante edição, às vezes sefundindoparaproduzirexperiência.Dennettnegaaexistênciadeum“problemadifícil”,considerando-oumaformadedualismomente-cérebro.Elealegarefutá-locomoargumento:

Nenhumamassaouenergiafísicaéassociadaaeles[ossinaisdamenteparaocérebro].Comoentãofazemdiferençaparaoqueacontecenascélulascerebraisqueelesdevemafetar,seéparaamenteteralgumainfluênciasobreocorpo?…Esseconfrontoentreumafísicabastantepadrãoeodualismo…élargamenteencaradocomoafalhainescapávelefataldodualismo.

ComoChalmersargumentaqueaconsciênciaobedeceaprincípiosqueestãoalém da física padrão, não fica claro que um argumento baseado na “físicabastantepadrão”possaserumarefutaçãodeChalmers.Alémdisso,háumfuroquânticonoargumentodeDennett:nãoénecessárianenhumamassaouenergiaparadeterminar emqual dosvários estadospossíveis uma funçãodeondavaicolapsarsobobservação.

NOSSA PRÓPRIA PREOCUPAÇÃO com o problema difícil surge, é claro, porque afísica encontrou a consciência no enigma quântico, que os físicos chamamde“problema da medição”. Aqui, aspectos da observação física chegam pertodaqueles da experiência consciente. Em ambos os casos, algo além dotratamento normal da física ou da psicologia parece ser necessário para umasolução.

A natureza essencial do problema da medição em mecânica quântica temestado em discussão desde a criação da teoria quântica. Da mesma maneira,desdequeaconsciênciapassouasercientificamenteanalisadapelapsicologiaepelafilosofia,suanaturezaessencialtemsidodebatida.UmexemplodaextremadivergênciadeopiniõesapareceunoNewYorkTimes em2005, quando algunscientistas eminentes foram solicitados a declarar suas convicções. Segundo ocientistacognitivoDonaldHoffman:

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Acredito que a consciência e seu conteúdo são tudo o que existe. Espaço-tempo, matéria e camposnuncaforamoshabitantesfundamentaisdoUniverso,mastêmestadosempre,desdeseuinício,entreoconteúdomaismodestodaconsciência,dependendodelaparaseupróprioexistir.

OpsicólogoNicholasHumphreyvêdeoutromodo:

Acreditoqueaconsciênciahumanaéumtruquedemágico,projetadoparanosiludirelevarapensarqueestamosnapresençadeummistérioinexplicável.

Umjeitodeexploraranaturezadaconsciência,esuaexistência,éperguntarquemouoquepodepossuí-la.

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Umcomputadorconsciente?

Cada um de nós sabe que somos conscientes. Talvez a única evidência paraacreditar que os outros são conscientes é que eles se parecemmais oumenosconoscoesecomportamcomonós.Queoutraevidênciahá?Apressuposiçãodeque nossos colegas humanos são conscientes está tão entranhada que é difícilexpressarosmotivosparaacreditarmosnisso.

Atéondenaescalaaconsciência seestende?Que talgatosecachorros?Eminhocas ou bactérias? Alguns filósofos veem um continuum e chegam aatribuir um pouco de consciência a um termostato. Por outro lado, talvez aconsciência apareça abruptamente em algum ponto dessa escala. Afinal, anaturezapodeserdescontínua:abaixodezerograuCelsius,aáguasetransformaabruptamenteemgelosólido.

VAMOS NOS DISTANCIAR um pouco da consciência e falar simplesmente sobre“pensar” ou inteligência. Hoje, sistemas de computadores chamados deinteligência artificial, ou IA, auxiliam médicos a diagnosticar enfermidades,generais a planejar batalhas, engenheiros a projetar computadores aindamelhores.Em1997,oDeepBluedaIBMvenceuocampeãomundialdexadrez,GarryKasparov.

ODeepBluepensava?Dependedoqueseentendeporpensar.Oteóricodainformação Claude Shannon, ao ser indagado se os computadores algum diapensarão,supostamenteretrucou:“Éclaro.Eusouumcomputador,eeupenso.”MasoscientistasdaIBMqueprojetaramoDeepBlueinsistemquesuamáquinaéapenasumacalculadora rápidaavaliando100milhõesdeposiçõesdexadreznum piscar de olhos. Pensando ou não, o Deep Blue seguramente não éconsciente.

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Mas, se um computador parecesse consciente sob todos os aspectos, nãoteríamos de aceitá-lo como consciente? Deveríamos seguir o princípioconsagrado pelo tempo de que, se a coisa parece um pato, anda como pato egrasnacomopato,deveserumpato.

Aquestãointeressanteé,seépossívelconstruirumcomputadorconsciente,portantoumrobôconsciente.Aconsciênciadocomputadoràsvezeséchamadade “IA forte”. (Seria assassinato tirar da tomada um robô verdadeiramenteconsciente?) “Provas” lógicas têm sido apresentadas de que a IA forte é, emprincípio, possível.Há outras “provas” de que é impossível.Como se poderiasaberseumcomputadoréconsciente?

Em1950AlanTuringpropôsumtesteparaaconsciênciadocomputador.Naverdade,Turingsereferiuaelecomoumtesteparadescobrirseumcomputadorpodia pensar; naquela época um cientista não usaria o termo “consciência”.(Turingtambémprojetouoprimeirocomputadorprogramadoedesenvolveuumteorema sobre o que computadores podiam em última análise fazer ou não.Turingmaistardefoipresoporhomossexualidadeeem1954cometeusuicídio.Muitos anos depois de suamorte, funcionários governamentais revelaram quefoi Turing quem quebrou o código alemão Enigma. Os Aliados foram assimcapazes de ler as mensagens mais secretas do inimigo, provavelmenteabreviandoaSegundaGuerraMundialemmuitosmeses.)

Para decidir se um computador é consciente, o teste de Turing usaessencialmente osmesmos critérios que utilizamos para atribuir consciência aoutroindivíduo:elesepareceesecomportamaisoumenoscomoeu?Nãonospreocupemos com a parte do “parece”; um robô de aparência humana semdúvida nenhuma pode ser construído. A questão é se seu cérebrocomputadorizadolhedáconsciência.

Paratestarseumdadocomputadoréconsciente,devesersuficiente,segundoTuring, comunicar-se com ele por meio de um teclado e manter qualquerconversa, pelo tempo que se queira. Se você não conseguir saber se está secomunicandocomumcomputadoroucomoutroserhumano,elepassanotestedeTuring.Algunsdiriamentãoquevocênãopodenegarqueelesejaconsciente.

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Certo dia numa aula, eu (Bruce) casualmente comentei que qualquer serhumano poderia facilmente passar num teste deTuring.Umamoça contestou:“EujánamoreisujeitosquenãoconseguiriampassarnumtestedeTuring!”

A consciência é ummistério que exploramos porque o encontro da físicacom ela nos apresenta o enigma quântico. No próximo capítulo, o mistérioencontraoenigma.

fOs autores aqui usamos termosconsciousnesseawareness. Emportuguês costumam ser equivalentes,sendo ambos traduzidos por “consciência”. Algumas tentativas de dar outros significados a awarenessincluem: sensaçãodepresença, sensaçãode consciência, sensode consciência, consciência “consciente”,percepçãoetc.;damesmaforma,awarepodesignificarciente,cônscio,consciente,atento,terpresenteetc.(N.T.)

gFrequentementeusa-seasiglaeminglêsfMRI–functionalmagneticressonanceimaging.(N.T.)hHaviaumrapazchamadoTodd/Quedisse:“Éesquisitodemais/Pensarqueestaárvore/Devacontinuaraexistir/QuandonãoháninguémporpertonoPátio.”(N.T.)

iNãohánadaespecialmenteesquisito;/EstousemprenoPátio./Eéporissoqueaárvore/Podecontinuaraexistir/Quandoobservadapor/Sinceramenteseu,Deus.(N.T.)

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17.Oencontrodomistériocomoenigma

Quandoodomíniodateoriafísicafoiestendidoparaabrangerfenômenosmicroscópicos por meio da criação damecânica quântica, o conceito deconsciência voltou novamente para o primeiro plano: não era possívelformular as leis damecânica quântica demaneira totalmente consistentesemreferênciaàconsciência.

EUGENEWIGNER

Quandohádoismistérios,étentadorsuporquetenhamumafontecomum.Essa tentação é ampliada pelo fato de que os problemas da mecânicaquântica parecem profundamente ligados à noção da presença doobservador, envolvendocrucialmentea relaçãoentreaexperiênciadeumsujeitoeorestodomundo.

DAVIDCHALMERS

OENIGMAQUÂNTICOeaconsciêncianãosãoapenasdoismistérios,sãoosdoismistérios. O primeiro, a demonstração experimental do enigma quântico, nosconfrontacomomistériodomundofísicoobjetivo“láfora”;osegundo,osensode consciência, nos confronta com o mistério fundamental do mundo mentalsubjetivo,“aquidentro”.Amecânicaquânticaparececonectarosdois.

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Oencontro“oficialmente”proclamado

Emseutratadode1932,TheMathematicalFoundationsofQuantumMechanics,John von Neumann mostrou rigorosamente o inevitável encontro da teoriaquântica com a consciência. VonNeumann considerou umamedição quânticaidealizada,começandocomumobjetomicroscópicoemestadodesuperposiçãoe terminando com o observador. Um contador Geiger, por exemplo,completamente isolado do resto do mundo, faz contato com um sistemaquântico, digamos, um átomo simultaneamente em duas caixas. O contadorGeiger é programado para disparar se o átomo estiver na caixa de baixo epermanecer inerteseoátomoestivernacaixadecima.VonNeumannmostrouque o contador Geiger isolado, um objeto físico governado pela mecânicaquântica, seemaranharia com o átomo nas duas caixas. Ficaria, portanto, emestadodesuperposiçãocomoátomo.Logo,estariasimultaneamenteemestadodisparado e não disparado. (Vimos essa situação no caso do gato deSchrödinger.)

Caso um segundo dispositivo, também isolado, entre em contato com ocontador Geiger – por exemplo, um instrumento eletrônico que indique se ocontador disparou ou não –, ele adere à função de onda do estado desuperposição, indicando ambas as situações simultaneamente. Essa assimchamada “cadeia de Von Neumann” pode continuar indefinidamente. VonNeumannmostrouquenenhumsistemafísico,obedecendoàsleisdafísica(istoé,dateoriaquântica),poderiafazercolapsarumafunçãodeondaemestadodesuperposiçãoparaproduzirumresultadoparticular.Noentanto,sabemosqueoobservador consciente na ponta da cadeia de Von Neumann sempre vê umresultadoparticular, um contadorGeiger acionado ou não acionado, não umasuperposição. Von Neumann mostrou que para todos os propósitos práticos afunção de onda podia ser considerada colapsada em qualquer estágiomacroscópicodacadeiademediçãoemqueumademonstraçãodeinterferência

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setorneessencialmenteimpossível.Mesmoassim,eleconcluiuque,estritamentefalando,ocolapsoocorreapenasno“Ich”,amesmapalavraqueFreudusouparaoEgo,amenteconsciente.

PoucosanosdepoisSchrödingercontousuahistóriadogatopara ilustraro“absurdo”dasuaprópriateoriaquântica.Suahistóriabaseava-seessencialmentenaconclusãodeVonNeumanndequeemprincípioateoriaquânticanecessitavadeumaobservaçãoconsciente,umaconsciência,parafazercolapsarumestadodesuperposição.Poderiaserrealmenteassim?

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Necessitamosdeumobservadorconsciente?

Seráqueumobservador consciente énecessário para colapsar uma função deonda? Pode-se defender uma resposta “sim” ou “não” a essa pergunta. Tanto“colapsar” quanto “consciência” admitem um amplo espectro de significados.Para a história do gato de Schrödinger, podemos, com a interpretação deCopenhague,considerarqueafunçãodeondadocontadorGeigermacroscópicocolapsaparaoestadoacionadoounãoacionadologoqueoátomooencontra.Ogatosetornariaentãorapidamentevivooumorto,jamaisentrandoemestadodesuperposição.Poroutrolado,comoocontadorGeigereorestoda“engenhocainfernal” de Schrödinger estavam isolados do ambiente, talvez o gatosimultaneamente vivo e morto não tivesse se tornado vivo ou morto até oobservadorficarconscientedeseuestadocomoouvivooumorto.

Esseúltimocaso fica complicado. “Ficar consciente”pode significarverogato e tomar plena consciência de que o gato de Schrödinger está, digamos,morto. Por outro lado, a “observação consciente” do estado do gato poderiaconsistiremverumfachode luzpassarpelos furosnacaixa,umfachode luzque não passaria se o gato estivesse de pé. (Será o gato um observadorconsciente?Paraesseargumento,considereumgatorobô,quecaiseocontadorGeigeréacionado.)

Umobservadorqueconhecesseosignificadodofachodeluzteriaobservadoconscientemente o gato como estando morto. No entanto, e se o observadorestivessemeramenteconscientedeumfachodeluzsemqueestetivessenenhumsignificado particular? Ou se o observador, atingido pelo facho, não tomasseabsolutamentenenhumaconsciênciadele?Mesmoassim,esseobservadorficariaemaranhado com aqueles fótons e portanto emaranhado com o gato. Se esseemaranhamento com um observador consciente constitui colapso, ampliamosenormementeosignificadode“consciência”.

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Enfatizamosqueessaquestãodocolapsodafunçãodeondasurgeapartirdateoriaquântica.“Colapso”e“funçãodeonda”são termosda teoria.Oenigmaquânticoemergediretamenteapartirdoexperimentoquântico,mediantealivreescolhadoexperimentador.Oenigmasurgesemqualquernecessidadede falarem“colapso”ou“funçãodeonda”.

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Sensodeconsciênciaversusemaranhamento

Consideremos mais uma vez um átomo num par de caixas. Digamos que ascaixas sejam transparentes à luz. Se o átomo estivesse na caixa de cima, umfótonenviadoatravésdelaricochetearianoátomoedesviariatomandoumanovadireção.Seoátomoestivessenacaixadebaixo,ofótonpassariadireto.Comoátomoemestadodesuperposiçãoemambasascaixas,ofótonseemaranhacomo átomo, juntando-se ao estado de superposição. Ele faz ambas as coisas:ricocheteiaepassadireto.UmcontadorGeigerisoladonocaminhodatrajetóriadireta se emaranharia com a função de onda fóton-átomo e aomesmo tempodisparariaenãodispararia.

Agora, porém, suponha que o contador Geiger, atingido pelo fóton, estejasobreumamesaapoiadanochão.Ocontadornão isoladointeragecomamesa(pois seus átomos ricocheteiam contra os átomos da mesa). Logo, ele estáemaranhado com a mesa, e portanto com o resto do mundo, o que incluipessoas.Oátomo,emaranhadocomofóton,emaranhadocomocontador,estáagoraemaranhadocomobservadoresconscientes.SeninguémolharocontadorGeiger(ousouberoquesignificaoseuacionamento),ninguémsaberáemquecaixaoátomoestá.

Será que esse emaranhamento do átomo como resto domundo, incluindoobservadoresconscientes,colapsaoátomointeiramentenumacaixaúnica?Ouocolapsonumacaixaúnica requerumsensodeconsciência de emqual caixaoátomoestámedianteumaefetivaolhadanocontadorGeiger?Comopoderíamossaber?Estritamentefalando,amenosqueinvoquemosalgoalémdanossaatualteoriaquântica,oátomotalvezestejaemambasascaixas,eocontadorGeigerao mesmo tempo acionado e não acionado. (No capítulo 13 falamos doexperimentopropostocomobservadoresnoespaçoparatestarisso.)

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Orestodomundoseemaranha instantaneamentecomnossofótontãologoele atinja o contadorGeigernão isolado. De acordo com a teoria quântica, oemaranhamento se propaga infinitamente depressa.Mas, para que uma pessoadistantesetorneconscientedacondiçãodocontador,teriadesecomunicarporalgummeiofísico,quenãopoderiaexcederavelocidadedaluz.

Vimos o emaranhamento viajando mais depressa que a luz, infinitamentedepressa, presumivelmente, nos experimentos de Bell. Imediatamente ao seobservarapolarizaçãodeumfótongêmeo,ocorreapolarizaçãodoseugêmeo–isso é o emaranhamento. Mas só quando os dois observadores tomamconsciênciadosresultadosumdooutropodemsaberseosresultadoscombinamounão.Umfóton“aprende”ocomportamentodogêmeoinstantaneamente,masAliceeBobpodemsetornarconscientesdosresultadosumdooutroapenascomumarapidezlimitadapelavelocidadedaluz.

A figura 17.1, uma tirinha da revista Physics Today de maio de 2000, érelevante de algumas maneiras. (Quando o enigma quântico aparece empublicações de física, em vez de supostamente resolver-se a questão, ele comfrequênciaétratadocomhumor.)Chris,estandoemaranhadacomEriceorestodo mundo, obviamente não entraria numa “superposição de todos os estadospossíveis” quando Eric olhar para o outro lado. Afinal, um átomo que vocêencontrou numa caixa particular não entraria em superposição em ambas ascaixasquandovocêolhasseparaooutrolado.

FIGURA17.1DesenhodeNickKim,2000.©InstitutoAmericanodeFísica.

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Consciênciaeredução

Com a consciência encontrada no experimento quântico, ou mesmo apenassurgindo na teoria quântica, podemos ver um problema no reducionismo. Aperspectiva reducionistabusca reduziraexplicaçãodeumsistemacomplexoàsuaciênciasubjacente.Porexemplo,podem-sebuscarexplicaçõesdefenômenospsicológicosemtermosbiológicos.Fenômenosbiológicospodemservistosemúltima instânciacomoquímicos.Enenhumquímicoduvidadeque fenômenosquímicos são fundamentalmente as interações de átomos obedecendo à físicaquântica. A física, em si, ao que tudo indica repousa firmemente em terrenoempíricoprimitivo.

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FIGURA17.2Hierarquiadaexplicaçãocientíficarevisitada.

Nocapítulo 3 representamos essa visão coma pirâmide reducionista.Essavisãodoterrenoempíricoprimitivosobreoqualseassentaafísicaéquestionadapelamecânica quântica, onde, em última instância, a física se assenta sobre aobservação.Aobservação,dealgummodo,envolveconsciência,oquequerqueelaseja.Portanto,acrescentamosumaconsciênciaumtantonebulosanabasedanossapirâmidereducionistanafigura17.2.Paratodosospropósitospráticos,aciência será sempre hierárquica, comcada nível da hierarquia necessitando deseu próprio conjunto de conceitos. Apesar disso, essa nova perspectiva dareduçãopodemudaromodocomopercebemosoempreendimentocientífico.

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Oargumentodorobô

O argumento de um robô mecânico é muitas vezes apresentado para negarqualquerenvolvimentocomaconsciência.Eiscomooargumentofunciona:nãoprecisamos de um observador consciente para fazer colapsar uma função deonda,porqueumrobônãoconscientepodefazeramesmacoisa.Conjuntosdeparesdecaixaspreparadoscomofoidescritonocapítulo7sãoapresentadosaorobô. Ele é programado para fazer ou um experimento “qual caixa?” ou umexperimentodeinterferênciacomcadaconjuntoeimprimirumrelatóriodeseusresultados. Esse relatório seria indistinguível de um apresentado por umexperimentador consciente. Como não houve consciência envolvida nosexperimentos,nãoexistenenhumenigmaenvolvendoconsciência.

Eis por que esse argumento não funciona. O relatório impresso pelo robôindica que com certos conjuntos ele fez um experimento “qual caixa?”,estabelecendo que esses conjuntos continham objetos totalmente numa caixaúnica. Com outros conjuntos, fez um experimento de interferência,estabelecendoqueaqueles conjuntos continhamobjetosdistribuídosemambasascaixas.Orelatórioimpressodorobôdizqueosdiferentesparesdecaixasdefatocontinhamobjetoscomessetipodediferença.

Um problema: como foi que o robô “decidiu” fazer o experimentoapropriado com cada conjunto de pares? Se ele fizesse um experimento deinterferência com objetos que de fato estavam totalmente numa caixa só, nãoobterianenhumpadrãodeinterferência,apenasumadistribuiçãouniforme.Issonunca aconteceu. E o que ele teria dito no relatório se tivesse feito umexperimento“qualcaixa?”comobjetosdistribuídosnasduascaixas?Umobjetoparcialnuncaéinformado.

Vocêinvestigaaescolhainexplicavelmentesempreacertadafeitapelorobônoexperimento.Descobrequeeleusouummétododeescolhatãoeficazquanto

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qualquer outro para um robômecânico: jogar cara ou coroa.Cara, ele fazia oexperimento “qual caixa?”; coroa, o experimentode interferência.As escolhasapropriadas do robô surgiramdo fato de o resultado do lançamento damoedaestar presumivelmente ligado com o que havia efetivamente dentro de umconjunto específico de pares de caixas. Você acha a conexão inexplicável,misteriosa.

Continuandosua investigação,você substituiocaraoucoroado robôpelométododedecisãoquevocêtemcertezaquenãoestáconectadocomoquehaviaefetivamentenumconjuntoparticulardecaixas:asuapróprialivreescolhafeitaconscientemente.Agoravocêapertaumbotãodizendoaorobôqualexperimentofazer com cada conjunto de pares de caixas. E descobre qual por sua livreescolhapodeprovarouqueosobjetosestãoconcentradosnumaúnicacaixaouque estão distribuídos em ambas as caixas, qualquer uma das duas coisascontraditórias. Agora você é confrontado com o enigma quântico, e aconsciência é encontrada. O argumento do robô negando o encontro com aconsciêncianãofunciona.

A refutação do argumento do robô de fato requer aceitar nossa percepçãoconscientedequepodemosfazerlivresescolhas,quenossasescolhaspodem,aomenos em parte, ser independentes do que existe nomundo físico exterior.Aalternativaéquesejamosrobôsnummundototalmentedeterminista.

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Aúnicaevidênciaobjetivaparaaconsciência

Por“evidênciaobjetiva”entendemosevidênciadeterceirapessoaquepodesermostradaessencialmenteparaqualquerum.Evidênciaobjetiva,nessesentido,éaexigêncianormalparaestabelecerumateoriacientífica.Cadaumdenóssabeque somos conscientes; essa é uma evidência de primeira pessoa para aconsciência.Os outros informamque são conscientes; é evidência de segundapessoa.Semevidênciadeterceirapessoa,aevidênciaobjetivadequeaprópriaconsciênciapodeenvolverdiretamentealgofisicamenteobservável,suaprópriaexistênciaépassíveldesernegada.Eàsvezesénegada.

Alguns argumentam que “consciência” nada mais é que um nome para ocomportamentoeletroquímicodavastareuniãodecélulasnervosasemoléculasassociadasemnossocérebro.Seráqueépossívelmostraralgumpapeldiretodaconsciênciaalémdosaspectoseletroquímicosconfinadosdentrodenossocorpo?

O que poderia se qualificar como evidência objetiva para a consciênciaenvolvendo diretamente o físico?O experimento da dupla fenda, ou a versãocom pares de caixas, parece quase se qualificar. Um ponto fraco é que aevidência é circunstancial em vez de direta. Ou seja, um fato (o padrão deinterferênciadependedoespaçamentoentreascaixas)éusadoparaestabelecerumsegundofato(oobjetoestavaemambasascaixas).

A evidência circunstancial pode ser convincente além de uma dúvidarazoável. Pode, por exemplo, assegurar legalmente uma condenação. Mas alógica da evidência circunstancial pode ser tortuosa. Portanto, no espírito danossahistóriaemEugAhnePoc,primeiroapresentamosumexemplo,quenãoexiste realmente, mas que mostraria evidência direta para a consciência. Suaevidência direta é fácil de analisar, e sua analogia com nosso experimentoquântico coloca a evidência circunstancialmais claramente diante de nós. Eisnossahistória:

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Apresentamavocêumconjuntodeparesdecaixas.Optandoporabrircaixasdo par uma de cada vez, você invariavelmente descobre que uma das caixascontémumabolinhadegudeeaoutraestávazia.Abolinhaestáaleatoriamentena primeira ou na segunda caixa que você abre, e a outra caixa do par estásemprevazia.Poroutrolado,sevocêoptarporabrirascaixasdecadaparmaisoumenosaomesmotempo,sempreencontrarámeiabolinhaemcadacaixa.

Vocêeaequipedeespecialistasquecontratacomseuorçamento ilimitadobuscamalgumaevidênciadequeoprocesso físicodeabrirosparesdecaixaspossa ter algum efeito na condição da bolinha. Você estabelece, além dequalquerdúvidarazoável,quenãoexisteesseefeitofísico.

É claro que essa demonstração não pode ser feita.Mas, se pudesse, vocêteria pouca alternativa a não ser aceitá-la como evidência objetiva de que aescolha consciente da técnica de abrir as caixas pode afetar a situação física.Essaseriaumaevidênciaobjetiva,de terceirapessoa(masnãoumaprova),dequeaconsciênciaexistecomoentidadealémdeseuscorrelatosneurais.

O experimento quântico arquetípico, o experimento das duas fendas ou oexperimento dos nossos pares de caixas, chega perto dessa demonstração.Nenhumefeitofísicodeabrirascaixasdoparpodeserencontrado.Suaescolhaconsciente de qual experimento fazer (“qual caixa?” ou de interferência) podeaparentementecriarumadasduas situações físicas contraditórias nospares decaixas. Como a demonstração pode ser mostrada para qualquer um, oexperimentoquânticoéumaevidênciaobjetiva.

Emboraoexperimentoquânticodevaenvolverinterferênciaesejaportanto,namelhordashipóteses,evidênciacircunstancial, éaúnicaevidênciaobjetivapara a consciência que temos.Evidência, é claro, não é prova.O experimentoquânticoéapegadadosuspeitonacenadocrimequesugereumculpado.

SERÁQUEOEXPERIMENTOquânticorealmentemostraaconsciênciaestendendo-separaforaefazendoalgofísico?Emmomentossérioscomofísicos,nãopodemos

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acreditar nisso nem parcialmente. Mas Eugene Wigner, um dos responsáveispelodesenvolvimentodateoriaquânticaelaureadocomoNobel,especulou:

O respaldo [para] a existência de uma influência da consciência sobre o mundo físico baseia-se naobservaçãodequenãosabemosdenenhumfenômenonoqualumsujeitoseja influenciadoporoutrosemexercernenhumainfluênciasobreele.Issoparececonvincenteparaesteautor.Éverdadeque,nascondiçõesusuaisdafísicaoubiologiaexperimental,ainfluênciadequalquerconsciênciaécertamentemuitopequena.“Nãoprecisamosdapremissadequehajaalgumefeitodesses.”Ébomlembrar,porém,queomesmopodeserditodarelaçãodaluzcomobjetosmecânicos…Éimprovávelqueo[pequeno]efeitotivessesidodetectadoseasconsideraçõesteóricasnãosugerissemsuaexistência…

Esse tipo de especulação pode enfurecer alguns físicos. Mas pelo menosvocê conhece os fatos experimentais indiscutíveis nos quais se baseia a doidaespeculaçãodeWigner.

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Posiçãoéespecial

Porquenãopodemosverumobjetosimultaneamenteemduascaixas?Ateoriaquânticanãoforneceumaresposta.Estritamentefalando,umobjeto totalmentenuma caixa A também pode ser considerado como estando num “estado desuperposição”.Eleestánumasuperposição(ousoma)doestado{nacaixaA+nacaixaB}maisoestado{nacaixaA–nacaixaB}.Tudoissosimplesmenteresulta em {na caixa A}. Da mesma maneira, o estado do gato vivo é umasuperposiçãodoestado{vivo+morto}maisoestado{vivo–morto}.Ofatorausente,2,éexplicadopelamatemáticarealdateoriaquântica.

Todosessesestadostêmstatusequivalentenoqueconcerneàteoriaquântica.Por que, então, sempre vemos as coisas em certos tipos de estados – estadoscaracterísticosdeumaposiçãoespecífica?Naverdadenuncavemososestadosesquisitos correspondentes a coisas que estejam simultaneamente em posiçõesdiferentes. (Ogato simultaneamentevivoemortodeSchrödingeréumestadoesquisitodessesporquealgunsátomosnumgatovivodevemestaremposiçõesdiferentesdos átomosnumgatomortoparadistinguir o estadovivodo estadomorto.)

Para nosso objeto num par de caixas inferimos que ele estavasimultaneamentenasduasfazendoumexperimentodeinterferência.Masnossasexperiênciasreaisnoexperimentodeinterferênciaforamasposiçõesdosobjetosnosmáximosespecíficosdeumpadrãodeinterferência.

Pode-se argumentar que a razão de observarmos apenas estadoscaracterizadosporposiçõesexclusivaséquenós,humanos,somosserescapazesdevivenciarapenasumaposição(etempo).Velocidade,porexemplo,éposiçãoem dois instantes diferentes. Quando vemos coisas com nossos olhos, é porcausadaluzemposiçõesespecíficasnanossaretina.Sentimosportatoaposiçãode algo em nossa pele; ouvimos pormeio damudança de posição dos nossos

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tímpanos; sentimos o cheiro pelos efeitos das posições de certo receptor emnosso nariz. Construímos portanto nossos instrumentos demedida demodo aexibirseusresultadosemtermosdeposição–caracteristicamente,umponteiroousinal luminosonumatela.Nadana teoriaquântica forçaessasituação.Nós,humanos,parecemosconstruídosdessamaneiraespecial.

É concebível que outros seres pudessem vivenciar a realidade demaneiradiferente? Poderiam vivenciar diretamente os estados de superposição cujaexistêncianósapenasinferimos?Paraeles,umátomosimultaneamenteemduascaixas,ouogatodeSchrödingersimultaneamentevivoemorto,seria“natural”.Essaé,afinal,amaneiraquântica,presumivelmenteamaneiradanatureza.Eles,portanto, não vivenciariam nenhum problema de medição, nenhum enigmaquântico.

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Doisenigmas

Na realidade podemos ver dois problemas de medição, dois enigmas.Focalizamosarealidadecriadapeloobservador:aobservaçãofazendo,digamos,o átomo observado aparecer totalmente numa caixa única, ou que o gato deSchrödinger estivesse ou vivo oumorto. (O gracejo de Einstein, ao dizer queacreditavaqueaLuaestavarealmentelámesmoqueninguémestivesseolhando,referia-se a esse enigma.)Umenigmamenos perturbador é a aleatoriedade danatureza.Comopodeoátomoapareceraleatoriamente,digamos,nacaixaAenãonacaixaB?Comoogatochegaaleatoriamenteaestar,digamos,noestadovivo? (O gracejo de Einstein de que Deus não joga dados referia-se a esseenigma.)

COM A INTERPRETAÇÃO dosmuitosmundos damecânica quântica sugerida porEverett, escolhemos todos os experimentos possíveis e vemos todos osresultadospossíveis.Segundoessaconcepção,“você”nummundoparticularsóéperturbadopelosdoisenigmasporquenãopercebequeacadaobservação, acada decisão, se divide e existe simultaneamente numa profusão de mundosdiferentes. Do ponto de vista everettiano, o “você” completo não deveriavivenciarnenhumenigma.

Vamos comparar os dois enigmas usando um pouquinho de fantasia(inspirada numa parábola de RolandOmnès). No planomais elevado em quehabitam, os everettianos vivenciam alegremente a profusão de realidadessimultâneasdadaspelateoriaquântica.Nenhumenigmaosperturba.Umjovemeverettiano,enviadoaquiparabaixoparaexploraroplanetaTerra,ficachocadoao descobrir suasmúltiplas realidades simultâneas colapsarem numa realidadeúnica (comouma função de onda colapsando para estar inteiramente numa sócaixa). Sua curiosidade o leva a descidas repetidas. Cada vez ele vê suas

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realidadescolapsaremaleatoriamenteemumadasmuitasqueestavaacostumadoapercebersimultaneamentenoseuplanosuperior.Estarrecidocomessecolapso,algo não explicável dentro da teoria quântica que ele compreendia tão bem,reportaumenigma:“AquiembaixonaTerra,anaturezaselecionaaleatoriamenteumarealidadeúnica.”

Nossoeverettianotinhaumjeitofavoritodeolharasmúltiplasrealidadesquepodiavivenciar(parecidocomanossaescolhadequalexperimentofazercomosparesdecaixas).Elecompreendia,porém,queessaescolhapessoal,ouoqueosfísicoschamamde“base”, era,deacordocoma teoriaquântica, equivalenteaqualquer outra. Numa descida particular à Terra, com um humor bastanteincomum, nosso everettiano adota uma base diferente para suas realidademúltiplas.Evivenciaumsegundoestarrecimento.Ocolapsoaleatórionãoerasóparaumarealidadeespecífica,algoaquejátinhaseacostumado,masparaumarealidade que era logicamente inconsistente com a apresentada pelo seumodoanteriordeolhar.Tevequereportarumsegundoenigma,bemmaisperturbador:“Aqui embaixo, na Terra, a escolha consciente do modo de olhar pode criarrealidadesinconsistentes.”

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Duasteoriasquânticasdaconsciência

Teorias que abarquem mente e matéria e transcendam analogias devem sergrandes e ousadas. Invariavelmente, elas são controversas. A abordagemPenrose-Hameroff baseia-se na gravidade quântica, uma teoria que ainda estásendodesenvolvida,necessáriaparadescreverburacosnegroseoBigBang,edaqualRogerPenroseéumdosprincipais colaboradores.AabordagemPenrose-Hameroff da consciência também envolve ideias de lógica matemática e dabiologianeuronal.

O matemático Kurt Gödel provou que qualquer sistema lógico contémproposições cuja verdade não pode ser provada. Podemos, no entanto, porinsight e intuição, saber a resposta. Penrose controversamente deduz daí queprocessosconscientessãonãocomputáveis,istoé,queumcomputadornãopodeduplicá-los. Penrose nega dessemodo a possibilidade de inteligência artificialforte,IAforte.Seforassim,aconsciência,comooenigmaquântico,vaialémdequalquercoisaqueaciênciaatualpossaexplicar.

Penrose propõe um processo físico além da atual teoria quântica que façacolapsar rapidamentesuperposiçõesmacroscópicasemrealidades.TalprocessofazcomqueumobjetomacroscópicosimultaneamentenacaixaAenacaixaBfique rapidamente na caixa A ou na caixa B. E faz com que o gato deSchrödingersimultaneamentevivoemortosetornerapidamentevivooumorto.Emgeral,eletransforma“e”em“ou”.Oprocessocolapsa,ou“reduz”,afunçãode onda objetivamente, isto é, para todomundo, mesmo sem um observador.Penrosechamaoprocessode“reduçãoobjetiva”edestacacomoéapropriadooacrônimoOR(doinglês“objectivereduction”),levandoàideiadeumasituaçãoondeháalternativa.j

Penrose especula que a OR ocorre espontaneamente sempre que duasgeometrias espaço-temporais, e portanto efeitos gravitacionais, diferem

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significativamente. StuartHameroff, umanestesista, que ressalta que desliga evolta a ligar regularmente a consciência, sugeriu como esse processo poderiaocorrernocérebro.Doisestadosdecertasproteínas(especificamentetubulinas)queexistemdentrodosneurôniospodemexibiraORdePenrosenumaescaladetempoapropriadaparafunçõesneurais.PenroseeHameroffalegamqueestadosdesuperposiçãoecoerênciaquânticade longoalcancepoderiamexistirdentrodo cérebro,mesmo que esteja em contato físico como ambiente, e que aORespontâneapoderiaregularasfunçõesneurais.

Tais reduções objetivas, ORs, constituiriam “ocasiões de experiência”. Seemaranhada com objetos externos ao observador, uma OR no cérebro fariacolapsarafunçãodeondadosobjetosobservados,etudoemaranhadocomeles.

As três bases da teoria Penrose-Hameroff – não computabilidade,envolvimento da gravidade quântica e participação das tubulinas – são, todaselas,controversas.Eateoriainteiratemsidoridicularizadacomotendoopoderexplicativo de “pozinho mágico nas sinapses”. No entanto, distintamente damaioria das outras teorias da consciência, quânticas ou não, ela propõe ummecanismo físico específico, alguns aspectos fundamentais dos quais sãotestáveis com a tecnologia de hoje. Tais testes estão a caminho, embora osresultadossejamdiscutíveis.

COM OUTRA TEORIA, Henry Stapp argumenta que a física clássica nunca podeexplicar como a consciência pode ter algum efeito físico, mas que umaexplicação surge naturalmente com amecânica quântica.Vimos anteriormentecomoolivre-arbítrioerapermitidonafísicaclássicadeterministasomentepelaexclusão da mente do domínio da física. Stapp observa que estender a físicaclássicaaocérebro/mentefariacomquenossospensamentosfossemcontrolados“de baixo para cima” pelomovimento determinista de partículas e campos.Afísica clássicanãopermitenenhummecanismoparauma influência consciente“decimaparabaixo”.

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Stapp parte da formulação de Von Neumann da interpretação deCopenhague.VonNeumann, recordemos,mostrou que, ao observar umobjetomicroscópico emestado de superposição, toda a cadeia demedição – a partir,digamos,doátomoparaocontadorGeiger,paraoolhohumanoolhandoparaocontador,paraassinapsesassimemaranhadasnocérebrodoobservador–deve,estritamentefalando,serconsideradapartedeumgrandeestadodesuperposição.Apenas a consciência, algo além da equação de Schrödinger e além da físicaatual,pode,segundoVonNeumann,fazercolapsarumafunçãodeonda.

Stapppostula duas realidades, uma física e umamental.A realidade físicainclui o cérebro, talvez num estado particular de superposição quântica. Arealidadementalincluiaconsciênciadealguéme,emparticular,suasintenções.Essa realidademental pode atuar intencionalmente sobre o cérebro físico paraescolherumestadodesuperposiçãoparticular,queentãocolapsanumasituaçãoefetivamenteexistente.Nessateoria,aconsciêncianão“seestende”diretamentepara o mundo externo, mas essa escolhamental mesmo assim determina, emparte,ocaráterdomundofísicoexternoaocorpo.Determina,porexemplo,seumobjetoestava totalmentenumacaixasódoseuparousimultaneamenteemambas.Oaspectoaleatóriofinaldaescolha(emqualcaixaespecífica,ouemquemáximodepadrãodeinterferênciaoobjetoéencontrado,porexemplo)éentãofeitopelanatureza.

Como pode um cérebro grande e quente permanecer num estado quânticoespecíficotemposuficienteparaqueasintençõesdeumapessoaoinfluenciem?Seriadeseesperarquemovimentostérmicosaleatóriosdosátomosnocérebropermitissem a existência de um estado quântico apenas por um tempo muitomaiscurtoqueonecessárioparaoprocessamentomental.Stapprespondeaissocomodemonstrado“efeitoZenãoquântico”(batizadoapartirdeumargumentode tipo Zenão: uma panela observada nunca ferve). Quando um átomo, ouqualquersistemaquântico,nãoobservadodecaideumestadosuperiorparauminferior, esse decaimento começa muito devagar. Se o sistema for observadologodepoisdeodecaimentotercomeçado,quasecertamenteeleseráencontradonoestadooriginal.Odecaimentorecomeçaentãoapartirdoestadooriginal.Se

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osistemaforobservadoquaseconstantemente,quasenuncadecai.Stappaplicaissoaintençõesmentaisdealguém“observando”oprópriocérebroemantendo-oassimnumdadoestadoquânticoportemposuficiente.

Stapp cita vários achados psicológicos como evidência para sua teoria. Ateoriaé,obviamente,controversa.

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Ainterpretaçãopsicológicadamecânicaquântica

Embora a teoria quântica seja acintosamente contraintuitiva, funcionaperfeitamente.Comoanaturezanãoprecisasecomportardeacordocomanossaintuição,seráqueoproblemadamedição,oenigmaquântico,estásóemnossacabeça? Talvez. Mas, se assim for, porque achamos a mecânica quântica tãodifícil de aceitar? Por que os fatos observados produzem uma dissonânciacognitivatãoforte,contrapondonossosensodelivre-arbítrioanossacrençanummundofisicamenterealexistindoindependentementedeserobservado?

Nãobastameramentedizerqueevoluímosnummundoondeafísicaclássicaé umaboa aproximação.EvoluímosnummundoondeoSol aparentemente semovia pelo céu e a Terra ficava parada. No entanto, a imagem copernicana,então contraintuitiva, foi prontamente aceita a despeito de nossa evolução.Também evoluímos num mundo onde as coisas se moviam lentamente emcomparação com a velocidade da luz. A relatividade de Einstein pode sergrandemente contraintuitiva. Embora seja difícil para os estudantes de físicaaceitarde inícioqueo tempopassamaisdevagarnumfogueteemmovimento,em pouco tempo se acostumam. Não encontramos “interpretações” darelatividade. Quanto mais profundamente se pensa na relatividade, menosestranhaelaparece.Quantomaisprofundamentesepensanamecânicaquântica,maisestranhaelaparece.

O que há na organização do nosso cérebro que faz com que a mecânicaquânticapareçatãoesquisita?Comessapergunta,amaioriadosfísicospoderiaatribuir o enigma quântico à psicologia. Nosso desconforto com a realidadefísicasendocriadaporsuaobservaçãoéumamera limitaçãopsicológica.Essaseriaainterpretaçãopsicológicadamecânicaquântica.Oenigmaquânticonãoémais, então, um problema para a física. É psicologia. Talvez seja algo que ospsicólogospossamrealmenteabordar.

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Amecânicaquânticadárespaldoaomisticismo?

Às vezes insinua-se que sábios de religiões antigas intuíam aspectos da físicacontemporânea.Oargumentopodeiradiante,alegandoqueamecânicaquânticaforneceevidênciaparaavalidadedessesensinamentosmísticos.Tal raciocínionãoéconvincente.

Noentanto,emboraavisãodemundonewtonianasejaàsvezesvistacomoumanegaçãodapossibilidade de taisnoções, amecânicaquântica, falandodeuma conectividade universal e envolvendo a observação na natureza darealidade, nega essa negação.No sentidomais geral, é possível pensar que osachadosdafísicadãorespaldoacertas ideiasdesábiosantigos. (QuandoBohrfoisagradocavaleiro,pôsosímboloyin-yangemseubrasão.)

Amecânicaquânticanoscontacoisasestranhassobrenossomundo,coisasquenãocompreendemosplenamente.Aestranhezatemimplicaçõesalémdoqueé geralmente considerado física. Os físicos poderiam portanto ser tolerantesquandonãofísicosincorporamideiasquânticasemseuprópriopensamento.

Nós,físicos,porém,ficamosperturbados,eàsvezesconstrangidos,pelomauusodeideiasquânticas‒porexemplo,comobaseparacertas terapiasmédicasou psicológicas (ou esquemas de investimentos!). Um teste que serve comocritérioparaomauusoéaapresentaçãodessasideiascomaimplicaçãodequesãoderivadasda físicaquânticaemvezdemeramenteanalogiassugeridasporela.

Amecânicaquânticapode,noentanto,fornecerbonspontosdepartidaparahistórias imaginativas. O teletransporte em Jornada nas Estrelas (“Um parasubir,Scotty”)éumaextrapolaçãoimaginativamasaceitáveldatransmissãodeinfluências quânticas em experimentos do tipo EPR. Com tais histórias tudobem; fica claro, como ocorre em Jornada nas Estrelas, que são ficção.Infelizmente,nemsempreéassim.

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Analogias

Se a consciência pode ou não ter impacto direto além do cérebro, a físicaquântica fornece algumas analogias convincentes. Embora analogias, é claro,nãoprovemnada,elaspodemestimulareguiaropensamento.Analogiascomamecânica de Newton deflagraram o Iluminismo. Eis uma muito genérica deNielsBohr:

[O]aparentecontrasteentreocontínuofluxodopensamentoassociativoeapreservaçãodaunidadedapersonalidade exibe uma analogia sugestiva com a relação entre a descrição ondulatória dosmovimentos de partículas materiais, governados pelo princípio da superposição, e sua indestrutívelindividualidade.

Eismaisalgumassugeridasporoutros:

Dualidade: Muitas vezes se argumenta que a existência da experiênciaconsciente não pode ser deduzida das propriedades físicas do cérebromaterial. Dois processos qualitativamente diferentes parecem estarenvolvidos.Demodosimilar,nateoriaquântica,umeventorealacontecenãopela evolução da função de onda, mas pelo colapso da função de ondamediante a observação. Dois processos qualitativamente distintos parecemestarenvolvidos.

Influências“nãofísicas”:Seexisteuma“mente”quesejadiferentedocérebrofísico, como ela se comunica com o cérebro? Esse mistério faz lembrar aconexão de dois objetos quanticamente emaranhados entre si – por meiodaquilo que Einstein chamou de “ações fantasmagóricas” e Bohr de“influências”.

Realidadecriadapeloobservador:O“seréserpercebido”deBerkeleyéavisãosolipsista despropositada de toda a realidade sendo criada pela consciência.Maselalembraoqueacontececomnossoobjetonumpardecaixas,oucomogatodeSchrödinger.

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Pensamentosobservadores:Sevocêpensanoconteúdodeumpensamento(suaposição), inevitavelmente altera aonde ele está indo (seu movimento). Poroutro lado, sevocêpensa sobre aonde ele está indo, perde anitidezdo seuconteúdo.Analogamente,oprincípiodaincertezamostraquesevocêobservaaposiçãodeumobjeto,alteraseumovimento.Poroutrolado,seobservaseumovimento,perdeanitidezdesuaposição.

Processamento paralelo: As taxas de atividade neuronal são bilhões de vezesmais lentas que as dos computadores. Não obstante, com problemascomplexos,oscérebroshumanospodemsuperarosmelhorescomputadores.O cérebro presumivelmente adquire sua potência trabalhando em muitoscircuitossimultaneamente.Éexatamenteesseprocessamentoparalelomaciçoque os cientistas da computação tentam conseguir com computadoresquânticos,cujoselementosestãosimultaneamenteemsuperposiçãodemuitosestados.

Asanalogiasentreconsciênciaemecânicaquânticanoslevamaesperarqueo progresso nos fundamentos de um campo estimule o progresso no outro.Analogiaspodematémesmosugerirconexõestestáveisentreambos.

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Parafenômenos

Parafenômenos são acontecimentos presumidos inexplicáveis no âmbito daciência normal.Três exemplos envolvem amente: a percepção extrassensorial(ESP,nasiglaeminglês):adquiririnformaçãoporalgummeiooutroquenãoossentidos normais; a precognição: discernir o que acontecerá no futuro; e apsicocinese:causarumefeitofísicosomenteporaçãomental.

Segundo pesquisas, a maioria dos americanos (e ingleses) acreditasignificativamentenarealidadedetaisfenômenos.Quandoindagadoscomumainsinuação positiva, “Quem acha que é provável que exista ao menos umpouquinho de ESP?”,mais dametade dos alunos de grandes classes de físicagerallevantaamão.(Nósdoisresponderíamos“nãoprovável”.)

Como parafenômenos são frequentemente vinculados aos mistérios damecânicaquântica, faz-seaquinecessárioumcomentário.Aconexãopode serenganosaeàsvezesfraudulenta.Tal ligaçãopodeconstrangerosfísicos,comoatestamospessoalmente.Éumdosmotivosparaofatodeadiscussãodoenigmaquânticoserevitadapelosfísicos.

Há, porém, pesquisadores competentes alegando exibir tais fenômenos. Aatitude de menosprezo, embora comum, pode revelar preconceito e parecerarrogante.Édemonstravelmenteineficaz.

Citamosumexemplorecentedeumrelatosobreparafenômenosaserlevadoa sério: em janeiro de 2011, oNew York Times publicou um artigo intitulado“Espera-se que artigode revista científica sobreESPprovoque indignação”.Eprovocou.

O artigo, aceito para publicação por uma dasmais respeitadas revistas depsicologia,édeDarylBem,umdistintopsicólogoeprofessordaUniversidadeCornell.Bem reporta evidência experimental extensiva deESP e precognição.Reconhecendo que os parafenômenos violam a visão de mundo científica

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normal,elerecordaaosleitores:“Váriascaracterísticasdefenômenosquânticos[indiscutíveis]sãoelasmesmasincompatíveiscomnossaconcepçãocotidianaderealidadefísica.”

Teoricamenteespera-sequecientistastenhammenteabertaàquiloqueveem,até mesmo aberta para o que é difícil de acreditar. Alguns cientistas, abertosdemaisparaoqueveem,têmseiludidocomexperimentoscomparafenômenos.Mágicos, por outro lado, sendo peritos em iludir, não são enganados comfacilidade.Elestêmsenotabilizadoporexporasfalhasdealgunscientistasquealegaramevidênciadeparafenômenos.ObservamosqueopsicólogoBeméummágiconotórioe,portanto,menospassíveldeseriludido.

Coisasdifíceisdeacreditarrequeremevidênciaforte.Atéomomento,aindanão existe evidência suficientemente forte para convencer os céticos daexistênciadeparafenômenos.

Mas se – se! – algum desses fenômenos fosse demonstrado de formaconvincente, demonstrado para cientistas (e mágicos) inicialmente céticos,saberíamos onde começar a procurar por uma explicação: as “açõesfantasmagóricas”deEinstein.Indoumpoucoadiante,aexistênciademonstradadefenômenosquânticosexpandeaescaladoqueéconcebíveleassimaumentaaplausibilidade subjetiva de parafenômenos. (Estamos usando “subjetiva” nosentidobayesianodeprobabilidade.)Aextremaplausibilidadedeparafenômenosdentro da teoria física atual significa que sua confirmação, não importa quãofracosejaoefeito,forçariaumamudançaradicalemnossavisãodemundo.

NO PRÓXIMO CAPÍTULO consideramos as implicações do enigma quântico namaiorescaladetodas,oUniversointeiro.

j“Or”emportuguêsé“ou”.(N.T.)

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18.Consciênciaeocosmoquântico

Noprincípio havia apenas probabilidades.OUniversopodia vir a existirapenassealguémoobservasse.Nãoimportaqueosobservadores tenhamsurgido vários bilhões de anos depois. O Universo existe porque somosconscientesdele.

MARTINREES

MARTIN REES, professor da Universidade de Cambridge e astrônomo real daInglaterra,seguramentenãopretendiaqueacitaçãoacimafosselevadaaopédaletra. Tendo chegado até aqui neste livro, aomenos você sabe o que poderiaestimular umcomentáriodesses.Éumgrandepassodesde as coisaspequenasparaasquaisarealidadecriadapeloobservadorfoidemonstradaatéoUniversointeiro.Ateoriaquântica,porém,supostamenteseaplicaatudo.

A teoria quântica presumivelmente abrange a maioria dos fenômenos dafísica (e da biologia). São apenas osmistérios apresentados pelo experimentoquântico, e os mistérios apresentados pela cosmologia, que parecem exigirconceitos totalmentenovos.Vimoseminentescosmólogosquânticos–Wigner,Penrose e Linde – sugerindo que, num certo sentido, a consciência seráencontrada na busca desses novos conceitos. Sentindo a mesma coisa, nãopodemosdeixarnossadiscussãosemumcapítulosobreocosmo.

A TEORIA DA GRAVIDADE de Einstein, a “relatividade geral”, parece funcionarperfeitamente para o Universo em grande escala; ela também prediz buracosnegrose énecessáriapara se lidar comoBigBang.Noentanto, compreenderburacosnegroseoBigBangtambémexigetratardecoisasdeescalapequena.Portanto, requer teoria quântica. Exigir tanto relatividade geral quanto teoriaquânticaconstituiumproblema:arelatividadegeraleateoriaquânticaresistemaumaconexão.

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Oproblemaéqueateoriaquânticaassumeumpalcofixodeespaçoetempo,ou espaço-tempo, e então descreve o movimento da matéria nesse palco. Narelatividadegeral,opalcosedeformaquandoamatériadizaoespaçocomosecurvareoespaçodizàmatériacomosemover.Osteóricosdecordaseoutrostêmbatalhado por décadas, e ainda batalham emvão, para acoplar essas duasdescriçõesfundamentaisdanaturezademodoaproduzirumateoriaquânticadagravidade.

Quando, vários anos atrás, falei a um colega teórico de cordas sobremeuinteressenoenigmaquântico,a respostadele foi:“Bruce,nãoestamosprontosparaisso.”Seupontoeraquearesoluçãodaquiloqueelechamavadeproblemadamediçãoquânticaprovavelmenterequeriaavançosaindaporvirnateoriadagravidade quântica – e, sentia ele, de modo nenhum estes envolveriam aconsciência.Pode ser.Masacosmologiaatual,nossavisãodoUniversocomoum todo, apresenta o enigma quântico, um enigma que parece envolver aconsciência,numaescalacadavezmaior.

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Buracosnegros,energiaescuraeoBigBang

Buracosnegros

Quando uma estrela exaure o combustível nuclear que a mantém quente eexpandida,colapsa sobsuaprópriaatraçãogravitacional.Se suamassaexcedeum valor crítico, não há força que possa frear esse processo contínuo. Arelatividade geral prediz seu colapso num ponto infinitesimal emassivo, uma“singularidade”. Os físicos esquivam-se de singularidades, e a teoria quânticasubstituiria a singularidade por uma massa extremamente compacta, mas detamanhofinito,dealgumamaneiraaindanãoentendida.

A uma distância dessa massa compacta, que poderia ser de muitosquilômetros, dentro do assim chamado “horizonte de eventos”, a atraçãogravitacionalétãograndequenemmesmoaluzconsegueescapar.Essaestrelacolapsada, portanto, não emite luz. Logo, é negra. Qualquer coisa que seaventuredentrodessehorizontejamaispodesair.Éumburaconegro.

Stephen Hawking mostrou que a mecânica quântica entra no quadro doburaco negro não só na singularidade mas também no horizonte. Efeitosquânticosdevemfazercomqueohorizontedoburaconegroemitaoqueagoraéchamadode “radiaçãodeHawking”.Emitindo energia, qualquer buraconegroque não sugue massa das suas redondezas acabaria por se desvanecer emradiação,ou“evaporar”edesaparecer.

Embora a escala de tempo de evaporação para buracos negros grandespudessesermaislongaqueaidadedoUniverso,aevaporaçãodoburaconegrogerou um paradoxo. A teoria quântica insiste que a quantidade total de“informação” é sempre preservada. (Pode o conceito de “informação” serindependente do de “observação”?) Mas se a radiação de Hawking fosseradiação térmica aleatória, como se pensava inicialmente, toda a informação

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contida em objetos caindo num buraco negro seria perdida quando o buraconegroevaporasse.

Estamosusandoaquiumanoçãoabrangentedeinformação.Se,porexemplo,você joga seu diário no fogo, alguém pode, em princípio, recuperar suainformaçãoanalisandoaluz,afumaçaeascinzas.Aaparenteviolaçãodateoriaquânticarepresentadapelaperdadeinformaçãonaevaporaçãodoburaconegrolevou Hawking a especular que a informação poderia, quando o buracoevaporasse,sercanalizadaparaumUniversoparalelo.

Hawking recentemente concluiu que a radiação do buraco negro não éaleatória, que ela efetivamente carrega a informação contida nos objetos quecaíramnoburaco–damesmaformaqueafumaçacarregaainformaçãodoseudiário queimando. Não há necessidade de universos paralelos para receber ainformação do buraco negro. Não obstante, alguns cosmólogos, por outrasrazõesquânticas, sugeremquenossoUniversoprovavelmentenãoéoúnico,eatémesmofalamdeevidênciaobservacionaldisso,aindaquefraca.

OSBURACOSNEGROSRECEBERAMatençãodaimprensapopularem2009,quandoum grupo enviou às Nações Unidas uma petição para impedir a entrada emfuncionamentodoGrandeColisordeHádrons(LHC–LargeHadronCollider)pertodeGenebra,naSuíça.Omedoeraqueamáquina,provocandocolisõesdeprótonsemenergiasnuncaantesconseguidas(14TeV)criasseumburaconegro,que então devoraria todo o planeta. A possibilidade de criar buracos negrosminúsculoshaviasidodefatoteoricamentepostulada,maspresumivelmenteelesevaporariam rapidamente, de modo inofensivo. Uma comissão de físicos foiefetivamente nomeada para estudar e responder a essa preocupação. OargumentoconvincenteparaatotalausênciadeperigofoiquenossoplanetavemsendohámuitobombardeadoporraioscósmicoscomenergiasdaordemdasdoLHCemuitomaisaltas.Eaindaestamosaqui.OLHCaestaalturajáfoiligado.Eatéaquinadadeburacosnegros.

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Energiaescura

Acosmologiamodernabaseia-senateoriadarelatividadegeraldeEinstein.Elaé“geral”nosentidodequeestendesuaanteriorrelatividadeespecialdemaneiraa incluirmovimento acelerado e gravidade com a compreensão de que ambossãoequivalentes.Porexemplo,seocabodoelevadorserompesse,aaceleraçãoparabaixoquevocêexperimentariacancelariasuavivênciadagravidade.

Embora matematicamente complexa, a relatividade geral apresenta umateoria conceitualmente bela, simples e direta. No entanto, na forma comoEinsteinaredigiuinicialmenteem1916,elapareciaterumproblemasério.EladiziaqueoUniversonãopodia ser estável.Aatraçãogravitacionalmútuadasgaláxiasfariacomqueelascolapsassememsimesmas.Einsteinremendousuateoria adicionando a “constante cosmológica”, uma força de repulsão que secontrapõeàatraçãogravitacional.

Em 1929, o astrônomo Edwin Hubble anunciou que o Universo não eraestável – que estava, na verdade, se expandindo. Quanto mais distante umagaláxia, mais depressa ela se afastava. Sendo assim, em algum momento nopassadotudoesteveaglutinado.IssodeuorigemàideiadoUniversocomeçandocomumagrandeexplosão,oBigBang.Portanto,presumivelmenteasgaláxiasaindaestão sedistanciando. Issopodiaexplicarporqueasgaláxiasnãocaíamumas sobre as outras. Nenhuma força de repulsão, nenhuma constantecosmológica,eranecessária.

Umaexplosãonãoéexatamenteaimagemcorreta.Narelatividadegeraléopróprio espaçoque se expande, não são as galáxias que estão se distanciandoumasdas outras numespaço fixo.Umaboa analogia sãopedacinhosdepapelcolados num balão inflando. Assim, quanto mais distantes estejam uns dosoutros,afastam-secadavezmaisdepressa.

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QuandoEinsteinpercebeuqueoUniversoeradefatonãoestável,jogouforasuaconstantecosmológica,classificando-acomo“omaiorerrodaminhavida”.Seapenastivesseacreditadoemsuateoriaoriginal,muitomaisbela,poderiaterpreditoumUniversoemexpansão(oucontração)maisdeumadécadaantesdadescobertaobservacional.

Aatraçãogravitacionalmútuadasgaláxiasdeveriadesaceleraraexpansão,exatamentecomoagravidadedesaceleraumapedrajogadaparacimaenquantoelasobe.Apedrasobeatécertaalturaeentãocaidevolta.Demaneirasimilar,seria de se esperar que as galáxias desacelerassem, chegassem a algumaseparaçãomáximaeacabassemcaindodevolta juntasnumBigCrunch–umaextremacompressão.

Sevocêjogarumapedraparacimacomvelocidadesuficiente,elacontinuaráespaçoaforapara sempre.Noentanto,aindapuxadapelaatraçãogravitacionaldaTerra,reduziráavelocidadecontinuamente.Damesmaforma,seoBigBangtivessesidoviolentoosuficiente,oUniversoseexpandiriaparasempre,emboranumritmocadavezmaislento.Determinandoataxadereduçãodevelocidadede uma pedra lançada para o alto, pode-se saber se ela cairá de volta oucontinuaránoespaçoparasempre.Descobrindoataxadereduçãodevelocidadeda expansão doUniverso, podemos saber se devemos ou não esperar umBigCrunch.

NA VERDADE, reconheceu-se já há algumas décadas que as galáxias nãoconstituemdefatotodaamassadoUniverso,nemmesmoamaiorpartedele.Osmovimentosdasestrelasdentrodasgaláxiaseoutrasevidênciasnosdizemqueexisteláforaumtipodematériaalémdaqueladaqualsãofeitasasestrelas,osplanetas e nós. Ela exerce atração gravitacional mas não emite, absorve ourefleteluz.Portanto,nãopodemosvê-la.Éa“matériaescura”.Ninguémsabeoque ela é, mas as pessoas construíram detectores para pesquisar os possíveissuspeitos.Éa somadamatérianormaledamatériaescuraque, supostamente,deveriadesaceleraraexpansãoedeterminarodestinofinaldoUniverso.

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(NumrecenteprogramadasérieNova,daPBS,umastrônomodissequenãoconseguia pensar numa pergunta mais fundamental para a humanidade que:“QualéodestinofinaldoUniverso?”Talvezsejadefatoumaquestãopremente.Mas faz lembrarumahistória: numapalestrapública, umastrônomoconcluiu:“Portanto,daquiacercade5bilhõesdeanosoSolvaiseexpandircomoumagigantevermelhaeincinerarosplanetasinternos,inclusiveaTerra.”“Oh,não!”,gemeuumhomemnofundodaplateia.“Mas,senhor,nãovaiacontecerantesde5bilhõesdeanos”, o astrônomoo confortou.A resposta do homem, aliviado,foi:“Ah,graçasaDeus!Acheiquevocêtinhadito5milhõesdeanos.”)

NA DÉCADA PASSADA, astrônomos se propuseram a determinar o destino doUniverso medindo a rapidez com que certas estrelas distantes em explosão –supernovas – estão recuando. Essas explosões específicas têm um brilhointrínsecocaracterístico,eportantoosastrônomospodemsaberaquedistânciaasestrelasestãoanalisandoquantoparecembrilhardaqui.Equantomaislongeestão, mais tempo atrás a luz que agora recebemos deve ter partido delas.Reunindo tudo isso, puderam determinar a velocidade com que o Universoestavaseexpandindoemdiferentesmomentosnopassado,eportantodeterminarataxadedesaceleração.

Surpresa!AexpansãodoUniversonãoestádesacelerando.Estáacelerando.Nãosóaatraçãogravitacionalmútuadasgaláxiasestásendocancelada,comoháuma força repulsora no espaço que émaior que a atração gravitacional. Comessaforçadevevirumaenergia.

Comomassae energia sãoequivalentes (E=mc2), essamisteriosa energiarepulsora temumamassadistribuídanoespaço.Naverdade,amaiorpartedoUniversoécompostadessamisteriosa“energiaescura”.OUniversopareceserconstituídopor70%deenergiaescurae25%dematériaescura.Omaterialdequesãofeitasasestrelas,osplanetasenósparecesomarmeros5%doUniverso.

Emboraninguémsaibaoqueéaenergiaescura,numsentidoformalelatrazdevoltaaconstantecosmológicadeEinstein,seu“maiorerro”,paraasequações

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darelatividadegeral.Palpites teóricos têmummisterioso jeitodeacabaremserevelandocertos.

SeráconcebívelqueamisteriosaenergiaescuraenvolvaaconexãoentreoUniversoemgrandeescalaeaconsciênciaqueocomentáriodeReescitadonocomeço do capítulo parece implicar? Dificilmente. Mas citemos o teóricoquântico Freeman Dyson, escrevendo mesmo antes que surgisse a ideia daenergiaescura:

NãoseriasurpresasesedescobrissequeaorigemeodestinodaenergianoUniversonãopodemsercompletamenteentendidosisoladosdosfenômenosdavidaedaconsciência…Éconcebível…queavida possa ter umpapelmaior a desempenhar do que temos imaginado.Avida pode ter conseguidocontratodasasprobabilidadesmoldaroUniversoaseuspropósitos.EoprojetodoUniversoinanimadopode não estar tão desvinculado das potencialidades da vida e da inteligência como os cientistas doséculoXXtendemasupor.

OBigBang

Osastrônomosdeterminamavelocidadecomqueumagaláxiaseafastadenóspelodesvioparaovermelhodasualuz.Essareduçãodefrequênciaésemelhanteao“efeitoDoppler”,o ruídodasirenedeumaambulânciaque ficamaisgravequando ela acabou de passar por nós. É na verdade a expansão do espaçoesticandoocomprimentodeondadaluz.

Osastrônomoscorrelacionamodesvioparaovermelhodeumobjetocomsuadistânciadenósestudandoosdesviosparaovermelhodeobjetoscujobrilhoabsoluto,eportantosuadistânciadenós,éconhecido.Elesdescobriramqueosobjetos mais distantes que podemos ver, galáxias afastando-se de nós avelocidadespróximasàsdaluz,emitiramaluzqueagorarecebemoscercade13bilhõesdeanosatrás.Essasgaláxiasprovavelmentetinhamaidadedecercade1bilhãodeanosquandoaluzfoiemitida.IssosugerequeoBigBangocorreuhácercade14bilhõesdeanos.

NaépocaemqueoUniversotinhaaidadede400milanos,haviaesfriadoosuficienteparapermitirqueelétronseprótonsdifusoresdeluzsecombinassemem átomos neutros, e pela primeira vez o Universo se tornou transparente à

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radiaçãocriadanaboladefogoinicial.RadiaçãoematérianoUniverso jovemtornaram-se assim independentes uma da outra. Nesse ponto, a radiação,inicialmente numa frequência muito alta, estava em grande parte nas regiõesultravioleta e visível do espectro. Desde essa época, porém, o espaço seexpandiu mais de mil vezes. O comprimento de onda daquela luz primordialestavaagoraesticadoporaquelefatoreviriaasetornara“radiaçãocósmicadefundo” de três Kelvin, que agora está sendo irradiada sobre nós de todas asdireções. Essa radiação demicro-ondas – descoberta acidentalmente em 1965por físicos da AT&T Bell Laboratories que estavam estudando satélites decomunicação – é a evidência mais forte do Big Bang. Seus detalhes finosconfirmamsurpreendentementepropriedadescalculadasparaoBigBang.

TEORIASDE“INFLAÇÃO”especulamsobreasequênciaimediatadoBigBangparaexplicar a extraordinária uniformidade do Universo nas escalas maiores,conforme evidenciado na distribuição das galáxias e da radiação cósmica defundo.Segundoessas ideias,oespaçoseexpandiuquase instantaneamente,ou“inflacionou”.Partesdelesedistanciaramumadasoutrasnumataxamuitomaisrápidadoqueavelocidadedaluz.Issonãoviolaoprincípiodarelatividadedeque o limite de velocidade é o da luz. Durante a inflação os objetos não semoviam no espaçomais depressa que a luz. Os objetos estavam se afastandoporque o próprio espaço estava se expandindo. Começando a partir de algomuitíssimasvezesmenorqueumátomo,todooUniversoqueobservamoshojepresumivelmente inflacionou quase instantaneamente até o tamanho de umgrandeabacate.

UM APARTE: estamos obviamente falando de uma época a mais distante deobservadores conscientes que podemos imaginar. Alguém poderia pensar queespecialistas estudando essa física dificilmente se envolveriam comconsiderações sobre consciência. Não é necessariamente assim. Em um doslivros mais importantes sobre o assunto, Particle Physics and Inflationary

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Cosmology(nadafácildeler),oprofessordefísicadaUniversidadedeStanfordAndreiLindeescreve:

Nãoacabaráporserevelar,comodesenvolvimentoadicionaldaciência,queoestudodoUniversoeoestudodaconsciênciaestarãoinseparavelmenteligados,equeoprogressodefinitivoemumcamposeráimpossívelsemoprogressonooutro?…seráopróximopassoimportanteodesenvolvimentodeumaabordagemunificadaparanossomundointeiro,inclusiveomundodaconsciência?

Numarecenteentrevistadevídeo(https://www.closertotruth.com/series/why-explore-cosmos-and-consciousness) Linde revela que sua editora sugeriu queretirasse do seu livro a referência à consciência porque “poderia perder orespeitodeseusamigos”.Lindedisseaelaqueseretirasseotrecho,“euperderiameuprópriorespeito”.

APÓSO PERÍODORIDICULAMENTE curto da inflação, a física parece ser capaz deexplicardeformadetalhadaoqueaconteceu.NomomentoemqueoUniversotinha um segundo de idade, os quarks se combinaram para formar prótons enêutrons.Algunsminutosdepoisosprótonsenêutronssejuntaramparaformarosnúcleosdosátomosmaisleves:hidrogênio,deutério(hidrogêniopesado,umprótoneumnêutron),hélioeumpouquinhode lítio.Arelativaabundânciadehidrogênioehélionasestrelasmaisvelhasenasnuvensdegásestádeacordocomoqueesperaríamosdesseprocessodecriação.

Mas,duranteessafraçãodesegundoantesqueosnossos“familiares”quarkse elétrons passassem a existir, oBigBang precisou de uma fina sintonia paraproduzir um Universo no qual pudéssemos viver. Uma sintonia finaimpressionante!Asteoriasvariam.Segundoumadelas,seascondiçõesiniciaisdoUniverso fossemescolhidas aoacaso,haveria apenasumachanceem10¹2⁰(istoé,1com120zerosdepois)dequeoUniversopermitissevida.OcosmólogoeteóricodaconsciênciaRogerPenroseconsideraissomuitomaisimprovável:oexpoente que ele sugere é 10¹2³ (é difícil compreender o significado de umnúmerotãogrande).Porqualquerumadessasestimativas,achancedequeumUniversocapazdetervidacomoonossofossecriadoémuitomenordoquea

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chance de pegar ao acaso um átomo específico entre todos os átomos doUniverso.

Vocêconsegueaceitarchancescomoessacomosendocoincidência?ParecemaisprovávelquealgumacoisanafísicaaindanãoconhecidadeterminequeoUniverso tinha de começar do jeito que começou. Essa nova físicaprovavelmenteincluiriaumateoriaquânticadagravidade.Epoderiamuitobemser a tão procurada “teoria de tudo”, unindo as quatro forças fundamentais danatureza numa teoria única. Todos os fenômenos físicos deveriam então serexplicáveis,pelomenosemprincípio.

Sabemos qual será o aspecto da teoria de tudo. Será um conjunto deequações. Afinal, é isso o que os pesquisadores estão buscando. Poderia umconjuntodeequações resolveroenigmaquântico?Lembremosqueoencontrodafísicacomaconsciênciaévistodiretamentenoexperimentoquânticoneutroemtermosdeteoria.Elesurgelogicamenteantesdateoriaquântica,apartirdepremissasqueincluemolivre-arbítrio.Umainterpretaçãodateoriaquântica,oumesmoasuadeduçãoapartirdeumaapresentaçãomatemáticamaisgeral,nãopoderiaportantoresolveroenigmaquânticosemenvolverdealgummodonossoprocessodedecisãoconsciente.

Comumaperspectivatalvezsimilarsobreseateoriadetudoexplicariaoquevemos,StephenHawkingcolocaumaquestão:

Mesmoquehajaapenasumateoriaunificadapossível,elaéapenasumconjuntoderegraseequações.O que é que ateia fogo nas equações e cria umUniverso para que elas o descrevam?A abordagemhabitual da ciência de construir ummodelo matemático não pode responder a questões de por quedeveriahaverumUniversoparaomodelodescrever.PorqueoUniversosedáatodaatrabalheiradeexistir?

Algunssugeremqueumaeventualteoriadetudopredirátudooquevemos,mesmoquenão“explique”.Deveríamosportantobuscarateoriadetudocomometadefinitivaeficarsatisfeitoscomelaseaencontrarmos.Issoé tudooquepodemos esperar da ciência. É também a atitude que nós dois aceitamos – namaiorpartedotempo.Masnemsempre.

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Críticosdessa atitude falamdeumprincípio antrópico.Começamoscomaversãomaisfacilmenteaceita,masadvertimossobreideiasmaisloucasàmedidaquevamosterminandoolivro.

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Oprincípioantrópico

SomenteosnúcleosmaislevesforamcriadosnoBigBang.Oselementosmaispesados, carbono, oxigênio, ferro e todo o resto, foram criados dentro dasestrelas,queseformarammuitomaistarde.Esseselementosalémdohidrogênioedohéliosãoliberadosnoespaçoquandoumaestrelamassiva,tendoexauridoseu combustível nuclear, colapsa violentamente e então explode comosupernova. Estrelas de gerações posteriores e seus planetas, inclusive nossosistema solar, juntam esses detritos. Somos os remanescentes de estrelas queexplodiram.Somospoeiradeestrelas.

Além da sintonia extremamente fina do Big Bang que acabamos demencionar, outro bocadinho de sorte parece estar envolvido na nossa criaçãoestelar.Cálculosiniciaishaviammostradoqueaformaçãodeelementospesadosnasestrelasnãopodiachegarnematéonúcleodecarbono(seisprótonseseisnêutrons).OcosmólogoFredHoyleraciocinouque,comoocarbonoestádefatoaqui, tinhadehaverummeiode fazê-lo.Epercebeuqueumentão inesperadoestado quântico do núcleo de carbono com uma certa energia muito precisapodia permitir a produção estelar dos elementos chegando ao carbono,nitrogênio,oxigênioemaislonge.Hoylesugeriuqueoestadonucleartotalmenteinesperadodeviaserprocurado.Efoiencontrado.

Há outras coincidências: se as intensidades das forças eletromagnética egravitacional fossem apenas ligeiramente diferentes do que são, ou se aintensidade da força nuclear fraca fosse ligeiramente maior ou ligeiramentemenor,oUniversonãoseriahospitaleiroparaavida.Nenhumafísicaconhecidaobrigaessascoisasadartãocerto.

Foram notadas muitas outras coincidências além das que mencionaremosaqui. Será que coisas funcionando com tanta perfeição, mas com tão poucaprobabilidade,requeremexplicação?Nãonecessariamente.Sesimplesmentenão

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tivesseacontecido desse jeito, não estaríamos aquipara fazer apergunta.Seráqueessaexplicaçãobasta?Talraciocínioparatrás,baseadonofatodequenósenossomundoexistimos,échamado“princípioantrópico”.

Oprincípioantrópicopode implicarquenossoUniversosejahospitaleiroàvidaapenasporacaso.Poroutro lado,alguns teorizamqueumgrandenúmerode universos, mesmo um número infinito, veio a existir, cada um com suascondições iniciais aleatórias, até mesmo com suas próprias leis da física.Algumas teorias têm um grandioso “multiverso” constantemente criandouniversosnovos.Avastamaioriadessesuniversosprovavelmentetemumafísicanão amigável à vida. Será que nossa existência improvável num Universohospitaleiroraronecessitadeexplicação?

Eis uma analogia: considere quão improvável você é. Considere aprobabilidadedevocê,alguémcomseuexclusivoDNA,serconcebido.Milhõesdos seus possíveis irmãos não foram concebidos. E agora volte algumasgerações.Comessaschances,vocêéessencialmenteimpossível.Seráqueofatodevocêestaraquinecessitadeexplicação?

Com analogias como essa, alguns insistem que a ciência deve evitar oprincípioantrópico.Esseprincípio,alegam,nãoexplicanada.Edeve,portanto,ser rejeitadocomo“entulhodesnecessárionorepertórioconceitualdaciência”.Pode-se argumentar que ele talvez tenha uma influência negativa, tolhendo oimpulso para buscasmais profundas.Mas a linha de pensamento antrópica àsvezespodeserfrutífera.ConsidereaprediçãodeHoyledoníveldeenergiaparaocarbono.

OPOSITORES AO PRINCÍPIO antrópico, ao que chamamos agora de “princípioantrópicofraco”,podemteraversãoaindamaiorao“princípioantrópicoforte”.Segundo essa visão, o Universo é feito sob medida para nós. “Sob medida”implicaaexistênciadeumalfaiate,presumivelmenteDeus.Issopodeseralgoaconsiderar.Mas dificilmente é um argumento para o design inteligente, comoocasionalmente é sugerido. Quem quer que “ateie fogo nas equações”

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presumivelmenteseriaonipotenteobastanteparafazê-lodemaneiraapropriadalogonoinícioenãoprecisariafazerconsertosacadapassodaevolução.

FIGURA18.1Seráqueolharparatrás“agora”dárealidadeaoqueaconteceu“naqueletempo”?

UmaversãodiferentedoprincípioantrópicoforteestáimplícitanacitaçãodeRees no começo deste capítulo. Nós criamos o Universo. Segundo a teoriaquântica a observação cria as propriedades de objetos microscópicos, egeralmenteaceitamosquea teoriaquântica seaplicauniversalmente.Seassimfor,arealidademaisamplatambémécriadapelanossaobservação?Indoatéofim,estaversãodoprincípioantrópicoforteafirmaqueoUniversoéhospitaleiroanósporquenãopoderíamoscriarumUniversonoqualnãopudéssemosexistir.Enquantooprincípioantrópicofracoenvolveumraciocínioparatrásnotempo,esteprincípioantrópicoforteenvolveumaformadeaçãoparatrásnotempo.

Já na década de 1970, o cosmólogo quântico JohnWheeler desenhou umolhoobservandoumaevidênciadoBigBangeperguntou:“Seráqueolharparatrás ‘agora’ dá realidade ao que aconteceu ‘naquele tempo’?” Seu desenhoprovocador não perdeu o impacto. Na recente conferência em homenagem aWheeler em seu nonagésimo aniversário, a que eu (Fred) compareci, umimportanteoradorintroduziuseudiscursocomodesenhodeWheeler.

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As implicações antrópicas do desenho de Wheeler devem ter sido muitacoisa atémesmo paraWheeler aceitar. Depois de fazer a pergunta acima, eleimediatamente acrescentou o comentário: “O olho poderia muito bem ser umpedaçodemica.Nãoprecisafazerpartedeumserinteligente.”ÉclaroqueessepedaçodemicasupostamentetrazendorealidadeaoBigBangfoicriadodepoisdoBigBang.(Paraumfísico,podesermenosperturbadorumpedaçodemicacriaroBigBangdoqueumaobservaçãoconsciente.)

Esseprincípioantrópicoforteéprovavelmentedemaisparaalguémacreditar,ou mesmo apreender. Se nossa observação cria tudo, inclusive nós mesmos,estamoslidandocomumconceitoqueélogicamenteautorreferente–eportantocapazdeconfundiramente.

ACEITANDO ESSA CONFUSÃO, poderíamos perguntar: apesar de podermos criarapenasumUniversonoqualpossamosexistir,esteaquiquecriamoséoúnicoquepoderíamos ter criado?Comumaescolhadeobservaçãoouumpostuladodiverso, o Universo seria diferente? Tem-se especulado loucamente quesimplesmente postular uma teoria que não esteja em conflito com nenhumaobservaçãoanteriornaverdadecriaumanovarealidade.

Porexemplo,HendrickCasimir,motivadopeladescobertadopósitronapóssuaprediçãoaparentementeimprovável,ponderou:“Àsvezesquaseparecequeas teorias não são a descrição de uma realidade quase inacessível,mas que aassimchamadarealidadeéqueéresultadodateoria.”Casimirtambémpodetersidomotivado por sua própria predição, posteriormente confirmada, de que aenergia do vácuo da mecânica quântica no espaço levaria dois objetosmacroscópicosaseatraíremmutuamente.

Só por divertimento: se houver algo na conjectura de Casimir, poderia asugestão original de Einstein de uma constante cosmológica ter causado aaceleraçãodoUniverso?(Nãoépossívelprovarquetalespeculaçãoestáerrada.Portanto,nãoéumaespeculaçãocientífica.)Emboralevarumaideiacomoessa

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ao pé da letra seja seguramente ridículo, o enigma quântico pode motivarespeculaçõesescandalosas.

JohnBellnosdizqueumamaneiranovadeverascoisasprovavelmentenosdeixará estarrecidos. É difícil imaginar algo verdadeiramente estarrecedor quenão excluamos de início como absurdo. A especulação ousada pode estar naordemdodia,mastambémestãoamodéstiaeacautela.Umaespeculaçãonadamaiséqueumpalpiteatéquefaçaprevisõestestáveiseconfirmadas.

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Pensamentosfinais

Apresentamos o enigma quântico que surge dos fatos concretos exibidos emexperimentosquânticos incontestáveis.Não tivemos apresunçãode resolver oenigma quântico. As questões que o enigma levanta são mais profundas quequaisquerrespostasquepudéssemosproporseriamente.

Ateoriaquânticafuncionaperfeitamente;nenhumaprevisãodateoriajamaissemostrouerrada.Éateoriabásicaatodaafísica,eportantoatodaaciência.Umterçodanossaeconomiadependedeprodutosdesenvolvidoscomela.Paratodos os propósitos práticos, podemos estar completamente satisfeitos com ateoriaquântica.Mas,sevocêlevá-laasérioalémdospropósitospráticos,veráqueelatemimplicaçõesestarrecedoras.

Ateoriaquânticanosdizqueoencontrodafísicacomaconsciência,queédemonstradoparaopequeno,seaplica,emprincípio,atudo.Eesse“tudo”podeincluir o Universo inteiro. Copérnico destronou a humanidade do centrocósmico. Será que a teoria quântica sugere que, de algum modo misterioso,somosumcentrocósmico?

Oencontrodafísicacomaconsciência temdadodordecabeçaaosfísicosdesde a criação da teoria quântica,mais de oito décadas atrás.Muitos físicos,semdúvidaamaioria,desprezamacriaçãodarealidadepelaobservaçãocomotendo pouco significado além do limitado domínio da física de entidadesmicroscópicas.Outrosargumentamqueanaturezaestánosdizendoalgo,equedeveríamos escutar. Nossos próprios sentimentos estão de acordo com os deSchrödinger:

Aurgênciadeacharumasaídaparaesse impassenãodeveria ser frustradapelomedode incorrernazombariadossábiosracionalistas.

Quando especialistas discordam, você pode escolher um deles. Como oenigmaquânticosurgenoexperimentoquânticomaissimples,suaessênciapode

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ser plenamente apreendida com pouca formação técnica. Não especialistaspodem portanto chegar a suas próprias conclusões. Esperamos que as suas,comoasnossas,sejamtentativas.

Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a sua vãfilosofia.

SHAKESPEARE,Hamlet

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Leiturassugeridas

Baggott,J.TheQuantumStory:AHistoryinFortyMoments.NovaYork,OxfordUniversityPress,2011.

Uma excelente abordagem da turbulenta história da mecânica quântica por um autor que não só étecnicamenteperitonateoriacomoapreciasuasprofundasimplicações.

Bell,J.S.eA.Aspect.SpeakableandUnspeakableinQuantumMechanics.Londres,CambridgeUniversityPress,2ªed.,2004.

ColetâneadeartigosdeJohnBell.Amaioriadelesébastantetécnica,masmesmoessestêmpartesque,comperspicácia,revelamosinsightsdoprincipalteóricoquânticodasegundametadedoséculoXX.

Blackmore,S.Consciousness:AnIntroduction.NovaYork,OxfordUniversityPress,2004.

Um apanhado geral abrangente da moderna literatura sobre consciência, desde os correlatos neurais daconsciência,passandoporpsicologiateóricaeexperimental,atéparafenômenos.Sãoincluídasalgumasmençõesàmecânicaquântica.

Cline,B.L.MenWhoMadeaNewPhysics.Chicago,UniversityofChicagoPress,1987.

Essa história leve e bem escrita do desenvolvimento inicial da mecânica quântica enfatiza os dadosbiográficoseincluimuitosrelatosdivertidos.Comofoiescritonosanos1960,evitaqualquerdiscussãosignificativasobreaconexãoquânticacomaconsciência.(Umdos“homens”[“men”]dotítuloéMarieCurie.)

Davies,P.C.W.eJ.R.Brown.TheGhostintheAtom.Cambridge,CambridgeUniversityPress,1993.

As primeiras quarenta páginas dão uma descrição compacta e compreensível do “Estranho mundo doquantum”.SãoseguidasporumasériedeentrevistasdaRádioBBC3comeminentesfísicosquânticos.Seuscomentáriosextemporâneosnemsempresãoprontamentecompreensíveis,masdãoclaramenteosabordomistérioqueelesveem.

D’Espagnat,B.OnPhysicsandPhilosophy.Princeton,NJ,PrincetonUniversityPress,2006.

Obraextensacomumaabordagemcompetentequeseaprofundanasquestõesdarealidadeedaconsciêncialevantadaspelamecânicaquântica.Semjargãomatemático,masnãoéumaleiturafácil.

Elitzur,A.,S.DoleveN.Kolenda,eds.QuoVadisQuantumMechanics?.Berlim,Springer,2005.

Umacoletâneadeartigose transcriçõesdediscussões informaisdeeminentespesquisadores,comênfasenosaspectosparadoxaisdamecânicaquântica.Algunsdosartigossãoaltamentetécnicos,masaspectosdeváriosdelessãobastanteacessíveiseindicamcomoafísicaencontrouoquepareceumafronteiradadisciplina.

Gilder,L.TheAgeofEntanglement:WhenQuantumPhysicsWasReborn.NovaYork,VintagePress,2009.

Conversasimagináriasentreosfundadoresdateoriaquântica,todasbaseadasemfontesbemdocumentadas,econversasreaiscomfísicosematividaderecente.Leiturafácileenvolvente.

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Griffiths,D.J.IntroductiontoQuantumMechanics.EnglewoodCliffs,NJ,PrenticeHall,1995.

Umtextosérioparaumcursodefísicaquânticadenívelsênior.Asprimeiraspáginas,porém,apresentamopçõesdeinterpretaçãosemmatemática.OparadoxoEPR,oteoremadeBelleogatodeSchrödingersãotratadosnum“Posfácio”.(Acapadolivroretrataumgatovivo;eleestámortonacontracapa.)

Hawking,S.eL.Mlodinow.ABrieferHistoryofTime.NovaYork,RandomHouse,2005.

Umaapresentaçãobreve,fácildelermascompetentedacosmologia,grandepartedelaapartirdopontodevistadamecânicaquântica.HásubstancialmençãoàmetafísicaeaDeus.

Holbrow,C.H.,J.N.Loyd,eJ.C.Amato.ModernIntroductoryPhysics.NovaYork,Springer,1999.

Um excelente texto introdutório de física, com uma perspectiva verdadeiramentemoderna, incluindo ostópicosderelatividadeemecânicaquântica.

Kumar,M.Quantum:Einstein,Bohr,and theGreatDebateabout theNatureofReality.W.W.Norton&Company,2010.

Obracompetenteeescritademaneirainteressantesobreo“Debate”Einstein-Bohr.OteoremadeBelleacontinuaçãododebatesãoapresentadosmaisbrevemente.

Miller,K.R.FindingDarwin’sGod:AScientist’sSearchforCommonGroundbetweenGodandEvolution.NovaYork,HarperCollins,1999.

Uma convincente refutação do design inteligente que também argumenta que alegações arrogantes dealgunscientistasmodernosdequeaciênciarefutouaexistênciadeDeustêmpromovidoantipatiapelaevolução, tanto darwiniana quanto cosmológica. A mecânica quântica desempenha um papelproeminentenaabordagemdeMiller.

Park,R.L.Voodoo Science: TheRoad fromFoolishness toFraud.NovaYork,OxfordUniversity Press,2000.

Umaexposiçãobrevee inteligentementeescritadeumavastagamadeprovedoresdepseudociênciaqueexploramorespeitoqueaspessoastêmpelaciênciaalegandoqueeladácredencialaseusparticularesabsurdos.

Schrödinger,E.WhatisLife?&MindandMatter,Londres,CambridgeUniversityPress,1967.

Umacoletâneamaisantiga,porémmuitoinfluente,deensaiosdeumfundadordateoriaquântica,inclusiveumintitulado“Thephysicalbasisofconsciousness”(“Abasefísicadaconsciência”).

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Agradecimentos

Durante a preparação de nosso livro beneficiamo-nos enormemente dassugestões,críticasecorreçõesquenosforamoferecidasporaquelesque leramcapítulos enquanto estavam sendo preparados e revistos. Somos muitoreconhecidos à ajuda de Leonard Anderson, Phyllis Arozena, Donald Coyne,ReayDick,CarlosFigueroa,FredaHedges,NickHerbert,AlexMoraru,AndrewNehereTopsySmalley.

Agradecemos calorosamente a nosso ex-editor, Michael Penn, por seusperceptivos conselhos e pelo apoio, e a nossa atual editora, Phyllis Cohen,igualmentepor seusperceptivosconselhosecontínuoapoio,epeloestímuloanovos projetos. Somos gratos à editora de produção da primeira edição,Stephanie Attia, por suas valiosas sugestões. E agradecemos à editora deproduçãoAmyWhitmerporsuaeficienteajudanasegundaedição.

O tempo todo,nossaagenteFaithHamlinnosdeuconselhoscruciaiseumincentivocaloroso.Apreciamosmuitoseuenvolvimentoemnossolivro.

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Índiceremissivo

Aspáginasemitálicoindicamimagens.

absurdodateoriaquântica,1-2,3-4

AcademiaPrussianadeCiência,1

aceleração,1-2

aceleradoresdepartículas,1-2

açõesfantasmagóricas,1-2

Belle,1-2

Einsteine,1-2,3,4,5,6-7

teoremadeBelle,1-2

teoriaquânticae,1-2

testesexperimentaisde,1-2

AfonsoX(reideCastela),1

aleatoriedade:

damecânicaquântica,1,2,3

danatureza,1,2-3,4

dasobservações,1-2

algas,1

álgebratranscendental,1

AliceeBob,experimentosmentais,1-2,3-4,5,6-7,8-9,10-11

Allen,Woody,1

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alquimia,1

apertarobotão,experimentode,1

aplicaçõesmédicas,1,2-3

aplicaçõestecnológicasdamecânicaquântica,1-2

computadoresquânticos,1-2,3,4

dispositivosdecargaacoplada(CCDs),1-2,3

futurodas,1-2

lasers,1-2,3,4

pontosquânticos,1

tecnologiadeIRM,1,2-3

transistores,1-2

Aquino,Tomásde,1

arbitragem,modelagemde,1

argônio,átomosde,1

Aristóteles,1-2,3,4,5

filosofiade,1-2

Física,1,2

Galileue,1-2,3

Metafísica,1,2

árvore,questãoda,1,2-3

Aspect,Alain,1,2

astronomia,1

medieval,1-2

radiastronomia,1

átomo(s),1,2-3

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cargaselétricasdo,1-2,3

deargônio,1

decarbono,1

dehidrogênio,1-2,3,4,5,6-7,8,9-10

deimpurezas,1

disparadosumdecadavezatravésdeumabarreiramóvelcomduasfendas,1

distribuiçãoatravésdeumaúnicafendaestreita,1

empadrõesdeinterferência,1

estadodesuperposição,1-2

estadoexcitadodo,1

estruturainternado,1-2

funçãodeondado,1-2,3-4,5-6,7,8

microscópiodetunelamentocomvarredura,vistoscom,1,2

nãoobservadoseobservados,1-2

polosnorteesuldo,1,2

pudimdepassas,modelodo,1-2,3

ricochetearumfótonnumátomo,1

Rutherford,modeloatômicode,1

átomosobservadosenãoobservados,1-2

atrito,1,2

ausênciadevariáveisocultas,teoremada,1-2

basesdedados,buscaem,1

bayesiana,probabilidade,1

behaviorista,psicologia,1,2-3

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Bell,desigualdadede:

deduçãoda,1-2,3,4,5,6

realidadefísicae,1-2

violaçãoda,1-2,3-4,5,6

Bell,JohnStewart,1,2,3,4-5,6

açõesfantasmagóricase,1-2

históricode,1-2

motivaçãode,1-2,3,4

Weinberge,1

Bell,teoremade,1,2,3

açõesfantasmagóricase,1-2

testesexperimentaisdo,1-2,3

Bem,Daryl,1

Bennett,Bill,1

benzeno,1

benzol,1

Berkeley,George,1-2,3

BigBang,1,2,3,4

teoriaquânticae,1,2,3-4

Wheelere,1,2

BigCrunch,1

biologia,fenômenosquânticosem,1-2,3,4

biotecnologia,1

Bohm,David,1,2,3

Einsteine,1

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interpretaçãodoenigmaquântico,1-2,3

problemadoobservador,1,2

Bohr,Aage,1

Bohr,Harald,1

Bohr,Niels,1,2,3,4,5,6

“Canquantum-mechanicaldescriptionofphysicalrealitybeconsideredcomplete?”,1-2

desenvolvimentodomodeloorbitale,1-2,3,4

Einsteine,1-2,3,4-5,6

histórico,1

interpretaçãodeCopenhaguee,1-2,3-4,5,6-7,8-9

saltosquânticose,1-2

Schrödingere,1-2,3

boladebilhar,analogiada,1,2

bolinhasdegude,demonstraçõescom,1-2,3,4,5,6,7,8,9

consciênciaem,1

estadodesuperposiçãoem,1

livre-arbítrioem,1,2-3

padrõesdeinterferênciaem,1-2

realidadefísicaem,1-2

bombasatômicas,1

bombasinteligentes,1

Born,Max,1,2

Bose-Einstein,condensadode,1,2

Bruno,Giordano,1

bruxaria,1

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Buchwald,Jed,1

buckminsterfulereno,1

buracosnegros,1,2,3-4

evaporaçãode,1-2

BusinessWeek(revista),1

c(velocidadedaluz),1-2,3-4,5-6,7,8

cálculo,1

calor,1

câmerasdigitais,1-2

camposelétricos,1,2,3,4-5

oscilantes,1-2,3

camposmagnéticos,1

“Canquantum-mechanicaldescriptionofphysicalrealitybeconsideredcomplete?”(Bohr,N.),1-2

“Canquantum-mechanicaldescriptionofphysicalrealitybeconsideredcomplete?”(Einstein,PodolskyeRosen),1-2,3,4,5-6

canhãosobreamontanha,desenhodeNewton,1

Capital,O(Marx),1

capitalismo,1

carboidratos,criaçãode,1

carbono,átomosde,1

cargaselétricasdeátomos,1-2

cargasnegativas,1,2

cargaspositivas,1,2

Carroll,Lewis,1

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casalnachoupana,experimentodo,1-2,3,4

cascatadedoisfótons,1

Casimir,Hendrick,1-2

catástrofedoultravioleta,1-2

CCDsverdispositivosdecargaacoplada

cérebro:

dualismomente-cérebro,1

tecnologiadeimagemcerebral,1,2

CernverOrganizaçãoEuropeiaparaaPesquisaNuclear

cetros,1

Chalmers,David,1,2,3-4,5-6,7

chargedocão,sobreoexperimentomentaldogatonacaixa,1

chipssemicondutores,1

cianetodehidrogênio,1

ciênciaconfiável,1-2

clássico,chargesobreaparato,1

Clauser,John,1,2-3,4,5,6

coerênciaquântica,1-2

delongoalcance,1

colapsodaondulatoriedade,1-2

emexperimentosdeduplafenda,1-2,3-4,5-6

objetivamente,1

paraestadodesuperposição,1-2

porobservação,1-2,3-4,5-6,7-8

colisõesdepartículasemaltasenergias,1

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cometas,1,2

ComitêdeAtividadeAntiamericanas,1

complementaridade,1-2

completude,dateoriaquântica,1-2

comprimentosdeondaemórbitadeelétrons,1,2

Compton,Arthur,1-2,3,4

computadores:

conscientes,1-2

DeepBlue,1

pessoais,1

quânticos,1-2,3,4

Comte,Auguste,1

conectividadeuniversal,1,2,3,4,5-6

consciência:

comoilusão,1,2

computadorese,1-2

continuumda,1

cosmoquânticoe,1-2

definiçõesde,1-2

duasteoriasquânticasda,1-2

eletroquímicae,1

emdemonstraçõescombolinhasdegude,1

enigmaquânticoe,1-2

estendendo-separafora,1,2,3

evidênciaobjetivada,1-2

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experimentomentaldogatonacaixae,1

experimentosdosparesdecaixase,1-2

físicaclássicae,1,2

físicae,1,2,3,4,5,6,7-8

físicose,1-2

irrelevânciada,1

livre-arbítrioe,1-2,3,4,5,6

luzinteriorda,1

observaçãoe,1-2,3-4,5

problemadifícilda,1-2

problemadoobservadore,1

realidadefísicae,1

reduçãoe,1

robôse,1,2-3

Wheelere,1-2

ConsciousMind,The(Chalmers),1

ConsciousnessExplained(Dennett),1-2

consenso,problemado,naciênciagrega,1

consequênciassociaisdamecânicaquântica,1

conservaçãodaenergia,1,2-3,4

contadoresGeiger:

emexperimentosdeduplafenda,1

estadosdesuperposiçãoe,1-2

interpretaçãodeCopenhague,1-2,3-4,5

nadeduçãodadesigualdadedeBell,1

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nainterpretaçãodeondulatoriedadedeSchrödinger,1,2

noexperimentodogatonacaixa,1-2,3

observaçãopor,1,2,3-4,5

continuumdeconsciência,1

contradiçãológica,1,2,3,4

Copenhague,interpretaçãode,1,2,3,4-5,6

aceitaçãoda,edesconfortocom,1-2

Bohr,N.,e,1-2,3-4,5,6-7,8-9

complementaridadee,1-2

doenigmaquântico,1

Einsteine,1-2

experimentosdosparesdecaixase,1-2,3,4-5,6

explicaçõesdocontadorGeiger,1-2,3-4,5

extrema,doenigmaquântico,1-2

Heisenberg,princípiodaincertezade,e,1-2

interferência,padrõesde,1-2,3,4

interpretaçãodeprobabilidadedafunçãodeondae,1-2,3

problemadoobservadore,1

Schrödingere,1,2

sínteseda,1-2

trêspilaresda,1-2

versãoortodoxada,1,2

versãopragmáticada,1,2,3-4

Copenhagueextrema,interpretaçãode,doenigmaquântico,1-2

Copérnico,Nicolau,1,2,3,4

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Igrejae,1-2,3,4

cor,experimentomentalsobrepercepçãoda,1

cordadeviolão,ressonânciade,1

coresdaluz,1

corpuscular,teoria,1

correlações:

defótons,1,2,3

realidadefísicade,1-2

cosmoquânticoeconsciência,1-2

cosmologia,1-2,3,4,5-6

constantecosmológica,1-2,3,4

dateoriaquântica,1,2,3,4-5,6

cosmologiaquântica,1,2,3,4-5,6

Coulomb,leide,1-2

Cramer,John,1

criação:

decarboidratos,1

dahistória,1

dahistória,emexperimentosdaduplafenda,1-2

pelaobservação,1-2,3-4,5,6,7-8,9-10,11-12

Crick,Francis,1,2-3

Darwin,Charles,1,2,3

Davisson,Clinton,1

Davy,Humphrey,1

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DeBroglie,Louis,1-2,3,4

“comprimentodeondadeDeBroglie”deumapartícula,1-2,3,4,5

Einsteine,1,2

prêmioNobelde,1

decoerência,1,2,3

enigmaquânticoe,1-2

DeepBlue,computadorIBM,1

Dennett,Daniel,1-2

descombinação,taxade,parafótonsgêmeos,1-2

designinteligente,1

desvioparaovermelhodaluz,1-2

detecçãosensíveldeondasgravitacionais,1

determinaçãocontrafactual,1,2,3,4

determinismo,1-2,3

enigmadodeterminismonewtoniano,1,2-3

livre-arbítrioe,1,2-3

mundosupradeterminista,1-2,3

propriedadedeterminísticadateoriaquântica,1

Deus,1,2,3-4,5

deístase,1

designinteligentee,1

jogadados,1,2,3,4

livre-arbítrioe,1

onipotênciade,1,2

pensamentosde,1

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Deus,adeptosde,1

deutério,1

diagnósticoporimagem,1-2

dispositivosdecargaacoplada(CCDs),1-2,3

DNA,1,2

Doppler,efeito,1

doutrinadaperturbaçãofísica,1

doutrinadaperturbaçãosemântica,1

DreamsofaFinalTheory(Weinberg),1

dualidade,analogiada,1

dualidadeonda-partícula,1-2,3,4-5

noexperimentodaduplafenda,1

duplafenda,experimentosde,1-2,3,4,5

átomosdisparadosumdecadavezatravésdeumabarreiramóveldeduasfendas,1

colapsodaondulatoriedadenos,1-2,3-4,5-6

comluz,1-2,3,4

compadrõesdeinterferência,1-2,3

contadoresGeigerem,1

criaçãodahistóriaem,1-2

enigmaquânticoem,1

paradoxoonda-partículaem,1

paresdecaixas,versãodos,1-2,3

problemadoobservadore,1

versão“qualcaixa?”de,1-2,3,4,5

DVDs,1

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Dylan,Bob,1

Dyson,Freeman,1

EEGvereletroencefalografia,

efeitofotoelétrico,1-2

Einstein,Albert,1

açõesfantasmagóricase,1-2,3,4,5,6-7

Bohme,1

Bohr,N.e,1-2,3,4-5,6

DeBrogliee,1,2

EPRe,1-2,3,4,5-6

escritóriosuíçodepatentes,1-2,3

gravidadee,1

hipótesedofótone,1-2,3-4,5,6-7

históricode,1-2

interpretaçãodeCopenhaguee,1-2

noitecomosautores,1-2

Plancke,1

prêmioNobelde,1

Einstein,PodolskyeRosen,artigo(EPR),1-2,3,4,5-6

ÉlémentsdelaphilosophiedeNewton(Voltaire),1

eletrodo,1-2

eletroencefalografia(EEG),1

eletromagnética,força,1-2

elétronse,1,2

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prótonse,1,2

eletromagnética,radiação,1,2

eletromagnética,teoriaondulatória,1,2,3

elétrons:

comprimentosdeondaemtornodaórbitados,1,2

condutores,1

devalência,1

energiadeelétronsejetadosversusfrequênciadaluz,1

forçaeletromagnéticae,1,2

interferênciade,1-2

nafotossíntese,1

nainterpretaçãodeondulatoriedadedeSchrödinger,1-2

naturezaondulatóriados,1,2

radiaçãotérmicae,1-2,3-4

razãogiromagnéticade,1

Thompson,J.J.,1

elétronscondutores,1

elétronsdevalência,1

eletroquímica,1,2,3,4-5,6-7

emaranhamento,1,2,3,4-5

comoobservação,1

damembranadenitretodesilício,1-2

pretendido,1

versussensodeconsciência,1-2

emaranhamentospretendidos,1

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emissãoestimulada,1

energia,1-2

cinética,1-2

colisõesdepartículasemaltasenergias,1

conservaçãoda,1,2-3,4

deelétronsejetadosversusfrequênciadaluz,1

escura,1,2-3

massae,1,2,3

perdadeenergiaporpartículascarregadassegundoafísicaclássica,1

perdadeenergiaporpartículascarregadassegundoafísicaquântica,1

potencial,1-2

psíquica,1

química,1-2

térmica,1-2

energiacinética,1-2

energiaescura,1,2-3

energiapotencial,1-2

energiapsíquica,1

energiaquímica,1-2

energiatérmica,1-2

enigma(s):

códigoalemãoEnigma,1

dodeterminismonewtoniano,1,2-3

problemasdedoisenigmasdemedição,1-2

vertambémenigmaquântico

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enigmaquântico,1-2

consciênciae,1-2

decoerênciae,1-2

descriçãodateoriaquânticado,1-2

interpretaçãodainformaçãoquânticado,1-2

interpretaçãodalógicaquânticado,1

interpretaçãodeBohmdo,1-2,3

interpretaçãodeCopenhaguedo,1

interpretaçãodeCopenhagueextremado,1-2

interpretaçãodeIthacado,1-2

interpretaçãodosmuitosmundosdo,1-2,3

interpretaçãoGRWdo,1-2

interpretaçãotransacionaldo,1

mostradaexperimentalmente,1,2

noexperimentodaduplafenda,1

quantumenigma.com,1

EPRverEinstein,PodolskyeRosen,artigo

equaçãodeondadeSchrödinger,1-2

equaçãouniversal,1

escalaatômica,objetosde,1

escalagrande,objetosde:

fenômenosquânticospara,1,2-3,4,5

realidadefísicade,1-2

Universoemgrandeescala,1-2

escalapequena,objetosde,fenômenosquânticospara,1-2,3,4

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escolharetardada,experimentoda,deWheeler,1-2,3

escritóriodepatentesnaSuíçaeEinstein,1-2,3

ESPverpercepçãoextrassensorial

espaço:

emexpansão,1-2

etempo,1,2

espelhos:

experimentocomespelhoeparesdecaixas,1

ondasdeluzrefletidasdeumladoaoutroentre,1-2,3

pesadamentemacroscópicos,1

semitransparentes,1,2,3

espelhospesadamentemacroscópicos,1

espelhossemitransparentes,1,2,3

“Espera-sequeartigoderevistacientíficasobreESPprovoqueindignação”(NewYorkTimes),1

estadoexcitadodosátomos,1

estadofundamentaldosátomos,1

estrelasemexplosão,1

éter,1

EugAhnePoc,1-2,3,4,5-6,7,8

evaporaçãodeburacosnegros,1-2

Everett,Hugh,1,2-3

evidência:

circunstancial,1,2,3

direta,1

objetivadaconsciência,1-2

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evidênciadireta,1

evidênciaobjetivadaconsciência,1-2

evolução,1

expansãodoUniverso,1,2-3

experimentosmentais:

AliceeBob,1-2,3-4,5,6-7,8-9,10-11

fótonnacaixa,1-2

microscópiodeHeisenberg,1,2-3,4

percepçãodacor,1

relógionacaixa,1,2

vertambémgatonacaixa,experimentomentaldo

experimentosnãofeitos,prediçãopara,1,2

Fappverparatodosospropósitospráticos

Fapptrapp,1,2

Faraday,Michael,1-2,3

Feynman,Richard,1

fibraóptica,1,2

filosofia,

deAristóteles,1-2

especulativa,1

natural,1

védica,1

física:

consciênciae,1,2,3,4,5,6,7-8

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livre-arbítrioe,1-2

prêmiosNobelde,1,2

teoriaquânticacomobasedetodaa,1,2,3-4,5

vertambémfísicaclássica;mecânicaquântica

Física(Aristóteles),1,2

físicaclássica,1-2,3-4

consciênciae,1,2

livre-arbítrioe,1

perdadeenergiaporpartículascarregadassegundoa,1

previsõesda,1-2,3,4

realidadefísicae,1-2,3

teoriaquânticae,1-2

físicoseconsciência,1-2

fissão,1

flexãodopulso,experimentoda,1-2

fontesdeondasseparadaspormais/menosdeumcomprimentodeonda,1

forçaforte,1

forçafraca,1

forçaquântica,1

forçasgravitacionais,1,2

fótons,1-2,3

cascatadedoisfótons,1

correlaçõesde,1,2,3

detectoresde,1-2

detectoresmacroscópicosdefótons,1-2

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fótonnacaixa,experimentomentaldo,1-2

fótonspolarizadosaleatoriamenteordenadosporumpolarizador,1

gêmeos,1-2,3,4,5-6,7-8,9,10

hipótesedofótonparaaluz,deEinstein,1-2,3-4,5,6-7

modelodefótons-tracinhosepolarizadoroval,1

padrõesdeinterferência,1,2

polarizados,1,2-3,4

polarizadosparalelamente,1-2

polarizadosperpendicularmente,1-2

pulsosdefótonúnico,1

ricocheteiodeumfótonnumátomo,1

fótonsaleatoriamentepolarizadosordenadosporumpolarizador,1

fótonspolarizados,1,2-3,4

fótonspolarizadosparalelamente,1-2

fotossíntese,1-2

fotossistemas,1

Franklin,Benjamin,1

Freud,Sigmund,1,2,3,4

funçãodeonda:

comosériedecristasoucristaúnica,1

deátomos,1-2,3-4,5-6,7,8

interpretaçãodeCopenhaguedaprobabilidadeda,1-2,3

quadradoabsolutoda,1

umafunçãodeondaesuaondulatoriedade,1

futuro:

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consequênciasno,1

deaplicaçõestecnológicas,1-2

previsõesdo,1,2

galáxias,1-2

GalileuGalilei,1,2-3,4,5

Aristótelese,1-2,3

gatonacaixa,experimentomentaldo,1,2,3,4-5,6,7

chargedocãosobre,1

consciênciae,1

contadoresGeigerno,1-2,3

estadosdesuperposiçãono,1-2,3-4

gatocomoobservadorno,1-2

respostaao,1-2

Gell-Mann,Murray,1,2,3

gêmeos,paradoxodos,1

gêmeosidênticos,analogiados,1-2

geometriasespaço-tempo,1,2

Ghirardi,RiminieWeber(GRW),interpretação,doenigmaquântico,1-2

gigantesvermelhas,1

giromagnética,razão,deelétrons,1

Gödel,Kurt,1

GrandeColisordeHádrons(LHC),1

GrandeMáquina,oUniversocomoa,1,2

GrandePeste,1

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gravidade,1-2,3

daLua,1

detecçãosensíveldeondasgravitacionais,1

Einsteine,1

quântica,1-2,3

gravidadequântica,1-2,3

Grécia,IdadedeOuroda,1,2

grega,ciência,1,2-3

GrupodePessoasRacionaisedeMenteAberta(Gruprama),1-2

GrupramaverGrupodePessoasRacionaisedeMenteAberta

GuerraMundial,Primeira,1,2

GuerraMundial,Segunda,1,2

Gurdjieff,G.I.,1

Halley,Edmund,1-2

Hameroff,Stuart,1

Hamlet(Shakespeare),1

Hartle,James,1

Hawking,radiaçãode,1

Hawking,Stephen,1,2,3,4

Haynes,John-Dylan,1

Heisenberg,experimentomentaldomicroscópiode,1,2-3,4

Heisenberg,princípiodaincertezade,1-2

fugindodo,1-2,3

livre-arbítrioe,1

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Heisenberg,Werner,1-2,3,4-5,6

hélio,1,2,3

hidrogênio,átomosde:

elétronsnos,1,2,3,4-5

energiaquímicaem,1-2

núcleosdos,1-2

ondulatoriedadedostrêsníveismaisbaixosdos,1

hierarquiadaexplicaçãocientífica,1,2

hieróglifos,1

Hiley,Basil,1

Hipóteseespantosa,A(Crick),1

história,criaçãode,1-2

noexperimentodaduplafenda,1-2

Hobson,J.A.,1

Hoffman,Donald,1-2

horizontedeeventos,1

horóscopos,1

Hoyle,Fred,1-2

Hubble,Edwin,1

Humphrey,Nicholas,1

IAverinteligênciaartificial

IBM,1,2

DeepBlue,computador,1

idealismo(filosofia),1-2

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Igreja,ensinamentosda,1-2,3

Igus(informationgatheringandutilizingsystem–sistemadecoletaeutilizaçãodeinformação),1

Iluminismo,1

ilusões:

consciênciacomo,1,2

livre-arbítriocomo,1,2,3-4,5

ópticas,1

realidadefísicacomo,1

ilusõesópticas,1

imagem,precisãode,1

imagemporressonânciamagnética(IRM),1,2-3

tecnologiaIRMf,1

imagemporressonânciamagnéticafuncional(IRMf),1,2

imagemporressonânciamagnéticanuclear,1,2

impurezas,átomosde,1

incerteza,princípioda,1-2,3-4

incompletude,dateoriaquântica,1,2,3-4

induçãoelivre-arbítrio,1-2

inflação,teoriasde,1-2

influências:

analogiadeinfluênciasnãofísicas,1

instantâneas,1-2

influênciasnãofísicas,analogiade,1

influenza,vírus,1

informação,1

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aspectosfísicosefenomenológicosda,1-2

interpretaçãodainformaçãoquântica,1-2

informaçãoquântica,interpretaçãoda,doenigmaquântico,1-2

infravermelha,luz,1-2

instantâneas,influências,1-2

InstitutodeCiênciasFotônicasdeBarcelona,1

InstitutoMaxPlanckdeFísicaGravitacional,1,2

InstitutoNacionaldeCiênciaeTecnologia(EUA),1

InstitutoNacionaldeNanotecnologia(Canadá),1

inteligênciaartificial,1,2

interferência,padrõesde:

átomosem,1

comportamentoondulatórioe,1-2,3,4,5

emdemonstraçõescombolinhasdegude,1-2

experimentodaduplafenda,1-2,3

experimentossobre,1,2,3-4,5,6-7

fótonse,1

interferênciadeelétrons,1-2

nainterpretaçãodeCopenhague,1-2,3,4

“InterferênciadeondadeDeBroglieempequenasrochasevírusvivos,A”(capítulodelivrodeClauser),1

internet,1

intuição,1,2,3,4

inversãodotempo,1

IRMverimagemporressonânciamagnética

IRMfverimagemporressonânciamagnéticafuncional

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Ithaca,interpretaçãode,doenigmaquântico,1-2

Jauch,J.M.,1,2

Jeans,sirJames,1

jogodascascasdenoz,exemplodo,1-2,3,4,5-6

Johnson,Samuel,1

Jordan,Pascual,1,2

JornadanasEstrelas(sériedeTV),1

Kasparov,Garry,1

Kelvin,lorde,1,2

Kepler,Johannes,1,2

Koch,Christof,1

laissez-faire,capitalismodo,1

lambda(l),tudoexistentenopassado,1

Langevin,Paul,1

lasers,1-2,3,4

Leggett,Anthony,1

leiuniversaldomovimentodeNewton,1-2,3,4,5,6

LHCverGrandeColisordeHádrons

Libet,Benjamin,1-2

Linde,Andrei,1,2

lítio,1

livre-arbítrio,1-2,3

comoilusão,1,2,3-4,5

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consciênciae,1-2,3,4,5,6

determinismoe,1,2-3

Deuse,1

emdemonstraçõescombolinhasdegude,1,2-3

físicaclássicae,1

físicae,1-2

induçãoe,1-2

princípiodaincertezadeHeisenberge,1

realidadefísicae,1

Lloyd,Seth,1

Loesser,Frank,1

lógicaquântica,interpretaçãoda,doenigmaquântico,1

Lua,gravidadeda,1

luz:

comportamentoondulatórioda,1-2,3,4-5,6-7,8-9

coresda,1

dealtafrequência,1

desvioparaovermelhoda,1-2

energiadeelétronsejetadosversusfrequênciadaluz,1

experimentosdeduplafendacom,1-2,3,4

infravermelha,1-2

luzinteriordaconsciência,1

nãopolarizada,1-2

ondasdeluzrefletidasdeumladoaoutroentredoisespelhos,1-2,3

polarizadaverticalehorizontalmente,1-2,3

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teoriadasondaseletromagnéticas,1,2,3

ultravioleta,1,2-3,4,5

velocidadeda,1-2,3-4,5-6,7,8-9

violeta,1

vertambémpartícula,teoriadaluzcomo

luzdealtafrequência,1

luzinterior,daconsciência,1

luznãopolarizada,1-2

luzpolarizada,verticalehorizontalmente,1-2,3

Malus,leide,1

marés,1

Marx,Karl,1

maser,dispositivo,1

massaeenergia,1,2,3

matéria:

escura,1-2

naturezaatômicada,1,2

ondasde,1-2,3-4,5

matériaescura,1-2

materialismo,1-2,3

MathematicalFoundationsofQuantumMechanics,The(VonNeumann),1

Maxwell,equaçõesde,1

Maxwell,JamesClerk,1,2

mecânicaquântica:

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aleatoriedadee,1,2,3

aplicaçõestecnológicasda,1-2

consequênciassociaisda,1

interpretaçãopsicológicada,1-2

misticismoe,1-2

naturezaprobabilísticada,1,2-3

negaçãodarealidadefísica,1

significadoda,1-2,3-4,5-6,7

teoriaquânticae,1

universalidadeda,1

medição,problema(s)da,1,2

doisenigmasdo,1-2

posiçãodoobjetoe,1

medieval,astronomia,1-2

mente-cérebro,dualismo,1

Mermin,David,1

Metafísica(Aristóteles),1,2

metafísica,1

experimental,1-2

métodocientífico,1,2,3

métodoexperimental,1-2

Michelson,Albert,1

micro-ondas,radiaçãode,1

amplificada,1

cósmicadefundo,1

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microscopiadeemissãodecampo,1

microscópiodetunelamentocomvarredura,1,2

Millikan,Robert,1,2

MindandMatter(Schrödinger),1

misticismoemecânicaquântica,1-2

modelodephótons-tracinhosepolarizadoroval,1

modeloorbitaldosnúcleos,1-2,3,4,5-6

momentoangular,1

Moore,Gordon,1

Moore,leide,1

Morley,Edward,1

movimento:

leiuniversaldo,1-2,3,4,5,6

planetário,1-2,3-4,5,6-7

muitosmundos,interpretaçãodos,doenigmaquântico,1-2,3

problemadoobservadore,1-2

multiverso,1

mundosupradeterminista,1,2

nanoeletromecânicos,sistemas(Nems,nasiglaeminglês),1

nanotecnologia,1

natureza:

aleatoriedadeda,1,2-3,4

aspectoprobabilísticoda,1

leisfundamentaisda,1-2,3,4,5,6,7,8,9

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racionalidadeda,1,2

simetriana,1,2

naturezaatômicadamatéria,1,2

naturezaondulatóriadoselétrons,1,2

nazismo,1

negaçãodarealidadefísicapelamecânicaquântica,1

Nemsvernanoeletromecânicos,sistemas

neurológicos,processos,1,2-3

neurôniodosensodeconsciência,1

Newton,Isaac,1,2

desenhodocanhãosobreamontanhade,1

enigmadodeterminismonewtoniano,1,2-3

legadode,1-2

leiuniversaldomovimentoe,1-2,3,4,5,6

PhilosophiaeNaturalisPrincipiaMathematica,1-2

teoriadaluzcomopartículae,1-2,3

newtoniana,visãodemundo,1,2,3-4,5-6,7,8,9

NewtonianismforLadies,1

níquelcristalizado,demonstraçãocom,1

níqueloxidado,1

nitretodesilício,membranade,1

Nobel,prêmios,1

deBohr,1

deDeBroglie,1

deEinstein,1

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deGell-Mann,1

deLeggett,1

deFísica,1,2

deWeinberg,1

deWigner,1

deWilczek,1

Nova(sériedeTV),1

núcleo:

dehélio,1

dehidrogênio,1

modeloorbitaldo,1-2,3,4,5-6

detório,1

deurânio,1-2

númerosaleatórios,geradorde,1

Oqueévida?(Schrödinger),1

observação(ões),1-2

aleatoriedadeda,1-2

colapsodaondulatoriedadee,1-2,3-4,5-6,7-8

consciênciae,1-2,3-4,5

criaçãopor,1-2,3-4,5,6,7-8,9-10,11-12

emaranhamentoscomo,1

interpretaçãoFapp,1-2

neutraemtermosdeteoriaquântica,1

porcontadoresGeiger,1,2,3-4,5

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realidadefísicae,1,2,3,4

teoriaquânticae,1

observaçõesneutrasemtermosdeteoriaquântica,1

observador,problemado:

Bohme,1,2

consciênciae,1

experimentodaduplafendae,1

experimentodeparesdecaixase,1

interpretaçãodosmuitosmundose,1-2

soluçãodeCopenhaguepara,1

Omnès,Roland,1

ondassonoras,1

ondículas,1

ondulatoriedade,1-2

colapsoda,1-2,3,4-5,6,7-8,9-10,11

comoprobabilidade,1,2-3,4-5

dostrêsestadosmaisbaixosdohidrogênio,1

funçãodeondaesua,1

interpretaçãoaceitada,1-2

interpretaçãodeSchrödingerda,1-2,3

partículasalfae,1-2,3

posiçãodoobjetoe,1

ondulatório,comportamento:

daluz,1-2,3,4-5,6-7,8-9

fontesdeondasseparadaspormais/menosqueumcomprimentodeonda,1

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padrõesdeinterferênciae,1-2,3,4,5

onipotênciadeDeus,1,2

óptica,1

ORverreduçãoobjetiva

órbitaselípticasdosplanetas,1,2,3

organismosvivosemestadosdesuperposição,1-2

OrganizaçãodasNaçõesUnidas,1

OrganizaçãoEuropeiaparaaPesquisaNuclear(Cern),1-2

ornitorrinco,1

OxfordEnglishDictionary,1

pacotesdeondas,1-2,3

espalhadas,1

paresdecaixas,experimentoscom:

bolinhasdegude,demonstraçõescom,1-2,3,4,5,6,7,8,9

consciênciae,1-2

espelhoepardecaixas,experimentocom,1

experimentodocasalnachoupana,1-2,3,4

interpretaçãodeCopenhague,1-2,3,4-5,6

problemadoobservadore,1

versãodoexperimentodaduplafenda,1-2,3

vertambémgatonacaixa,experimentomentaldo

paratodosospropósitospráticos(Fapp),1,2

interpretaçãoFappdeobservação,1-2

parafenômenos,1-2

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ParticlePhysicsandInflationaryCosmology,(Linde),1

partícula,teoriadaluzcomo,1-2,3

colisõesdepartículasemaltasenergias,1

“comprimentodeondadeDeBroglie”deumapartícula,1,2,3,4,5

perdadeenergiaporpartículascarregadassegundoafísicaclássica,1

perdadeenergiaporpartículascarregadassegundoafísicaquântica,1

partículasalfa,1-2,3,4-5

ondulatoriedade,1-2,3

passado,mudandoo,1

pêndulos,1,2

Penrose,Roger,1,2,3,4-5,6,7

Penrose-Hameroff,abordagemde,1-2

pensamentosobservadores,analogiados,1

percepçãoextrassensorial(ESP),1,2-3

perpendicular,polarização,defótons,1-2

perturbaçãosemântica,doutrinada,1

PETvertomografiaporemissãodepósitrons

PhilosophiaeNaturalisPrincipiaMathematica(Newton),1-2

phótons(fótons)gêmeos,1-2,3,4,5-6,7-8,9,10

polarizaçãoparticularpara,1-2,3

realidadefísicade,1-2

taxadedescombinaçãopara,1-2

phótons-tracinhos,experimentosde,1

pigmentos,tecnologiacompontosquânticos,1

pilotodefóton,1

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Planck,constantede,1,2,3,4

Planck,Max,1,2

Einsteine,1

histórico,1-2

radiaçãotérmicae,1-2

podercomputacional,1

Podolsky,Boris,1,2,3

EPRe,1-2,3,4,5-6

polarização,eixode,1-2,3,4,5-6,7

polarizaçãodepartículas:

defótons,1-2

dephótonsgêmeos,1-2,3

polarizadores,1-2,3

fótonsaleatoriamentepolarizadosordenadosporumpolarizador,1

modelodephótons-tracinhosepolarizadoroval,1

rotaçãode,1-2

polosnorteesuldeátomos,1,2

pontosquânticos,1

Pope,Alexander,1,2

posiçãodoobjeto:

ondulatoriedadee,1

probabilidadeda,1-2

problemadamediçãoe,1

posiçãoverposiçãodoobjeto

potencialquântico,1-2

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precognição,1-2

predador-presa,relação,1-2

predições:

dafísicaclássica,1-2,3,4

dateoriaquântica,1,2,3-4,5,6,7,8-9

decometas,1,2

deexperimentosnãofeitos,1,2

dofuturo,1,2

testáveis,1,2,3,4,5-6

prediçõestestáveis,1,2,3,4,5-6

Preskill,John,1

PrincipiaverPhilosophiaeNaturalisPrincipiaMathematica

princípioantrópico,1-2

prismas,1-2

probabilidade:

aspectoprobabilísticodanatureza,1

bayesiana,1

daposiçãodoobjeto,1-2

interpretaçãodeCopenhaguedafunçãodeonda,1-2,3

naturezaprobabilísticadamecânicaquântica,1,2-3

naturezaprobabilísticadaondulatoriedade,1,2-3,4-5

objetiva,1,2-3

quântica,1,2-3,4,5,6

vertambémprobabilidadeclássica

probabilidadeclássica,1-2,3-4

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aspectosubjetivoda,1-2,3,4-5,6

probabilidadeobjetiva,1,2-3

probabilidadequântica,1,2-3,4,5,6

problemadifícildaconsciência,1-2

processamentoparalelo,analogiado,1-2

propriedadesubjetivadaprobabilidadeclássica,1,2,3-4,5

proteínas,1

prótons:

forçaeletromagnéticae,1,2

quarksem,1,2-3

proximidade,espoletade,1

pseudociência,1-2,3-4,5

psicocinese,1

psicofísicos,princípios,1

psicologia,1

behaviorista,1,2-3

interpretaçãopsicológicadamecânicaquântica,1-2

PtolomeudeAlexandria,1-2

pudimdepassas,modeloatômicodo,1-2,3

pulsosdefótonúnico,1

quadradoabsolutodafunçãodeonda,1

“qualcaixa?”,versãodoexperimentodaduplafenda,1-2,3,4,5

quanta,1-2

quântica,mecânicavermecânicaquântica

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quântico,enigmaverenigmaquântico

quânticos,fenômenos:

demonstraçãode,1,2,3,4

embiologia,1-2,3,4

paraobjetosdeescalapequena,1-2,3,4

paraobjetosgrandes,1,2-3,4,5

significadodos,1-2,3-4

tecnologiaIRMe,1

transistorese,1-2

quânticos,saltos,1-2,3

Bohr,N.e,1-2

Schrödinger,brigade,com,1-2,3

quantizaçãoespacial,1

quants,1

“Quantumtheorywithoutobservers”,1

quarks,1,2-3

Quemsomosnós?(filme),1,2,3

racionalidadedanatureza,1,2

radar,1

radiaçãocósmicadefundo,1

radiaçãotérmica,1-2,3

elétronse,1-2,3-4

radioastronomia,1

radiobaliza,analogiada,1

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realidade:

alémdateoriaquântica,1-2,3-4,5

independente,1,2,3

realidadesinconsistentes,1

separabilidadee,1-2

vertambémrealidadefísica

realidadecriadapeloobservador,analogiada,1

realidadefísica,1-2

analogiasà,1-2

comoilusão,1

condiçãoparaexistênciada,1

consciênciae,1

decorrelações,1-2

defótonsgêmeos,1-2

deobjetosdeescalagrande,1-2

desigualdadedeBelle,1-2

doutrinadaperturbaçãofísica,1

emdemonstraçõescombolinhasdegude,1-2

físicaclássica,1-2,3

livre-arbítrioe,1

negaçãoda,pelamecânicaquântica,1

objetosdeescalaatômicae,1-2

observaçãoe,1,2,3,4

realidadeindependente,1,2,3

realidadesinconsistentes,1

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realismo,1-2

científico,1

ingênuo,1

redução,1-2

consciênciae,1

hierarquiadaexplicaçãocientífica,1,2

objetiva,1

reduçãoobjetiva(OR),1-2

reductioadabsurdum—reduçãoaoabsurdo,1

Rees,Martin,1,2

relatividade,1,2-3,4,5

especial,1,2-3,4,5

geral,1,2,3-4

relatividadeespecial,1,2-3,4,5

relatividadegeral,1,2,3-4

teoriaquânticae,1

relógionacaixa,experimentodo,1,2

relógio,visãodomundocomoum,1-2,3

Renascença,ciênciada,1-2,3

resistênciadoar,1

RevoluçãoAmericana,1

RevoluçãoIndustrial,1

revoluçãoquântica,1,2

Rhob,noexperimentodocasalnachoupana,1-2

ricocheteiodeumfótonnumátomo,1

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robôs:

argumentodorobô,1-2

consciênciae,1,2-3

Rosen,Nathan,1

EPRe,1-2,3,4,5-6

Ross,Mary,1

Rutherford,Ernest,1-2

modeloatômicode,1

sabedoriaconvencional,alémda,1-2

SantaInquisição,1-2,3

Schrödinger,equaçãode,1,2-3,4,5,6,7

Schrödinger,Erwin,1,2

Bohr,N.,e,1-2,3

equaçãodeondade,1-2

histórico,1-2

interpretaçãodaondulatoriedade,1-2,3

interpretaçãodeCopenhaguee,1,2

MindandMatter,1

Oqueévida?,1

saltosquânticose,1-2,3

vertambémgatonacaixa,experimentomentaldo

“Schrödinger’sdrum”,1

“Scientistssupersizequantummechanics:largesteverobjectputintoquantumstate”,1

sedaesfregada,exemploda,1-2

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sensocomum,1,2,3-4,5

sensodeconsciênciaversusemaranhamentos,1-2

separabilidade,1-2,3,4-5

realidadee,1-2

Shakespeare,William,1

Shannon,Claude,1

silício,1-2

simetriananatureza,1,2

Singer,IsaacBashevis,1

singularidades,1-2

sistemadecoletaeutilizaçãodeinformaçãoverIgus

sistemasolar,1,2,3

sistemasmacroscópicos,1-2,3-4,5-6,7,8-9

detectoresmacroscópicosdefótons,1-2

espelhospesadamentemacroscópicos,1

estadodesuperposição,1

objetosemaranhados,1,2

sistemasmicroscópicos,1,2,3,4-5,6-7

Skinner,B.F.,1,2

Smith,Adam,1

SociedadeAmericanadeFísica,1

sociologia,1

sódio,experimentocom,1

Sol:

central,1-2,3

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superfíciedo,1

solipsismo,1-2,3,4,5,6,7

Solvay,conferênciade,1,2,3

“Somequantumweirdnessinphysiology”,1

Stapp,Henry,1,2,3-4

supercondutividade,1-2,3

supernovas,1,2

superposição,estadosde:

colapso,1-2

defótonspolarizados,1-2

emcomputadoresquânticos,1-2

emdemonstraçõescombolinhasdegude,1

emtecnologiadeIRM,1

explicaçõesdecontadorGeigere,1-2

macroscópicos,1-2

noexperimentocomsódio,1

noexperimentomentaldogatonacaixa,1-2,3-4

organismosvivosem,1-2

tardígrados,1

teladecintilação,1

tempo,1

espaçoe,1,2

experimentosdeviagemnotempo,1

geometriasespaço-tempo,1,2

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inversãodo,1

teoria,1-2

teoriadetudo,1-2

teoriaquântica:

absurdoda,1-2,3-4

açõesfantasmagóricase,1-2

comobasedetodaafísica,1,2,3-4,5

completudeda,1-2

consciênciae,1-2,3,4,5

cosmologiada,1,2,3,4-5,6

duasteoriasquânticasdaconsciência,1-2

enigmaquânticodescritona,1-2

físicaclássicae,1-2

incompletudeda,1,2,3-4

mecânicaquânticae,1

observaçãoe,1

prediçõesda,1,2,3-4,5,6,7,8-9

propriedadedeterminísticada,1

relatividadegerale,1

teoriaunificada,1

teoriasdascordas,1,2

testesexperimentaisdeaçõesfantasmagóricas,1-2

teta(Q),ângulo,1-2,3

Thompson,Francis,1

Thompson,J.J.,1-2

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tomografiaporemissãodepósitrons(PET),1

tório,1

“Towardsquantumsuperpositionsofamirror”,1

Townes,Charles,1,2

trajetóriaparanordestecomosomadetrajetóriasparanorteedepoisparaleste,1,2

transacional,interpretação,doenigmaquântico,1

transistores,1-2,3

tubulinas,1-2

Turing,Alan,1-2

Ulfbeck,Ole,1

ultravioleta,luz,1,2-3,4,5

UndividedUniverse,The(BohmeHiley),1

universalidadedamecânicaquântica,1

UniversidadeNacionaldaAustrália,1

universo:

comoaGrandeMáquina,1,2

emgrandeescala,1-2

expansãodo,1,2-3

participativo,1

urânio,1,2-3

ursos-d’água,1

vácuo,tubosde,1

vagãodetrem,analogiado,1-2,3

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variáveisocultas,1-2,3,4-5

locais,1

vedanta,1

védica,filosofia,1

velocidadedaluz,1-2,3-4,5-6,7,8

violeta,luz,1

violino,comparaçãocom,1

visão,1

vodu,1,2

Voltaire,1

VonNeumann,cadeiade,1

VonNeumann,John,1-2,3-4,5

Weinberg,Steven,1

Wheeler,John,1,2

BigBange,1,2

consciênciae,1-2

escolharetardada,experimentoda,1-2,3-4

Wigner,Eugene,1-2,3,4,5

Wilczek,Frank,1

Wittgenstein,Ludwig,1

Young,Thomas,1-2,3

Zeilinger,Anton,1,2

Zenão,efeitoquântico,1

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zeroabsoluto,1

Zurek,W.H.,1

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Títulooriginal:

QuantumEnigma

(PhysicsEncountersConsciousness)

Traduçãoautorizadadasegundaediçãoamericana,publicadaem2011

porOxfordUniversityPress,Inc.,deNovaYork,EstadosUnidos

Copyright©2011,BruceRosenblumeFredKuttner

Copyrightdaediçãobrasileira©2017:

JorgeZaharEditorLtda.

ruaMarquêsdeS.Vicente99−1º|22451-041RiodeJaneiro,RJ

tel(21)2529-4750|fax(21)2529-4787

[email protected]|www.zahar.com.br

Todososdireitosreservados.

Areproduçãonãoautorizadadestapublicação,notodoouemparte,constituiviolaçãodedireitosautorais.(Lei9.610/98)

GrafiaatualizadarespeitandoonovoAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesa

Capa:EstúdioInsólitoImagemdacapa:©RobertWarren/GettyImages

ProduçãodoarquivoePub:BooknandoLivros

Ediçãodigital:maiode2017

ISBN:978-85-378-1677-6

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RebeliõesnoBrasilColôniaFigueiredo,Luciano978853780764488páginas

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RazõesdacríticaOsorio,LuizCamillo978853780775070páginas

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Entretudopoderserarteequalquercoisadefatoserarteresideumadiferençafundamental.Esselivrodiscuteopapeleoslugaresdacríticanaatualidade,bemcomosuaparticipaçãonoprocessodecriaçãoedisseminaçãodesentido,deslocando-adaposiçãodejuizparaadetestemunha.

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RawlsOliveira,Nythamarde978853780562674páginas

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