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312 Kínesis, Vol. II, n° 04, Dezembro-2010, p. 312-348 TRADUÇÃO BURNYEAT, Myles “The Sceptic in His Place and Time”. In: The Original Sceptics: a Controversy . Editado por BURNYEAT, Myles e FREDE, Michael. Indianapolis/ Cambridge: Hackett Publishing Company, 1998. “O Cético em Seu Lugar e Tempo”.  Rodrigo Pinto de Brito  Resumo: Em ‘O Cético em Seu Lugar e Tempo’ o professor Myles Burnyeat trata das aporiai céticas desenvolvidas por Sexto Empírico em torno das noções de lugar e tempo, combatendo as interpretações aristotélicas das respectivas noções. Em seguida o autor demonstra que as noções aristotélicas são elaborações que justificam o entendimento ‘ordinário’ que o senso comum tem de lugar e tempo. Isto l eva Burnyeat à conclusão de que o ceticismo de Sexto combate as asserções científicas, mas também as do senso comum, não havendo assim insulamento em Sexto. Após isto o conceito de insulamento, que se origina em Thompson Clarke ( The Legacy of Skepticism ), será melhor desenvolvido. Nesta parte Burnyeat tenta descobrir a origem Moderna do insulamento. Palavras-chave: Lugar. Tempo. Aristóteles. Sexto Empírico. Insulamento. Kant. Abstract: In ‘The Sceptic in His Place and Time’ the professor Myles Burnyeat deals with the sceptical aporiai developed by Sextus Empiricus around the notions of place and time, striking the Aristotle’s interpretations of the respectives notions. Then, Burnyeat shows that the Aristotle’s no tions are developments which justify the ‘ordinary’ understanding which the common sense has of place and time. This makes Burnyeat conclude that the Sextus’ scepticism strikes the scientific assertions, but also the common sense’s assertions, so there is not insulation in Sextus. After that the concept of insulation, which originates with Thompson Clarke ( The Legacy of Skepticism ), will be better developed. In this part Burnyeat tries to discover the Modern origin of the insulation. Key-words: Place. Time. Aristotle. Sextus Empiricus. Insulation. Kant.  PUC-Rio. [email protected] .

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312 Kínesis, Vol. II, n° 04, Dezembro-2010, p. 312-348

TRADUÇÃO

BURNYEAT, Myles “The Sceptic in His Place and Time”. In: The Original Sceptics: aControversy. Editado por BURNYEAT, Myles e FREDE, Michael. Indianapolis/Cambridge: Hackett Publishing Company, 1998.

“O Cético em Seu Lugar e Tempo”. 

Rodrigo Pinto de Brito∗ 

Resumo: Em ‘O Cético em Seu Lugar e Tempo’ o professor Myles Burnyeat trata dasaporiai  céticas desenvolvidas por Sexto Empírico em torno das noções de lugar etempo, combatendo as interpretações aristotélicas das respectivas noções. Em seguida oautor demonstra que as noções aristotélicas são elaborações que justificam oentendimento ‘ordinário’ que o senso comum tem de lugar e tempo. Isto leva Burnyeat àconclusão de que o ceticismo de Sexto combate as asserções científicas, mas também asdo senso comum, não havendo assim insulamento em Sexto. Após isto o conceito deinsulamento, que se origina em Thompson Clarke ( The Legacy of Skepticism ), serámelhor desenvolvido. Nesta parte Burnyeat tenta descobrir a origem Moderna do

insulamento.

Palavras-chave: Lugar. Tempo. Aristóteles. Sexto Empírico. Insulamento. Kant.

Abstract: In ‘The Sceptic in His Place and Time’ the professor Myles Burnyeat dealswith the sceptical aporiai developed by Sextus Empiricus around the notions of placeand time, striking the Aristotle’s interpretations of the respectives notions. Then,Burnyeat shows that the Aristotle’s notions are developments which justify the‘ordinary’ understanding which the common sense has of place and time. This makesBurnyeat conclude that the Sextus’ scepticism strikes the scientific assertions, but alsothe common sense’s assertions, so there is not insulation in Sextus. After that the

concept of insulation, which originates with Thompson Clarke ( The Legacy ofSkepticism ), will be better developed. In this part Burnyeat tries to discover the Modernorigin of the insulation. 

Key-words: Place. Time. Aristotle. Sextus Empiricus. Insulation. Kant.

∗ PUC-Rio. [email protected].

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O Cético em Seu Lugar e Tempo

Myles Burnyeat

Nos dias de hoje, se um filósofo acha que não pode responder à pergunta

filosófica ‘O que é o tempo?’ ou ‘O tempo é real?’, ele pleiteia uma bolsa de pesquisa

para trabalhar no problema durante o próximo ano letivo. Ele não supõe que a vinda do

próximo ano fora colocada em dúvida. Alternativamente, ele deve concordar que

qualquer quebra-cabeças sobre a natureza do tempo, ou qualquer argumento para

duvidar da realidade do tempo, é de fato um quebra-cabeças sobre, ou um argumento

para duvidar da verdade da proposição de que o próximo ano letivo virá, mas

considerando que esta, é claro, é uma questão estritamente teorética ou uma

preocupação filosófica, não uma preocupação que precisa ser incluída entre as questões

da vida ordinária. Da mesma forma, ele insula seus juízos ordinários de primeira ordem

dos efeitos do seu filosofar.

A prática do insulamento, como continuarei chamando-a, pode ser concebida de

várias formas. Há vários filósofos para os quais a muito notória observação de

Wittgenstein (1953: # 124) de que a filosofia ‘deixa tudo como está’, descreve não a

finalidade, mas o ponto de partida da sua filosofia. Há muitos que aceitam uma ou outra

versão da idéia de que a filosofia é a análise ou, mais amplamente, o meta-estudo das

formas existentes no discurso—uma idéia que se alinha com o pensamento de que,

enquanto uma certa quantidade de revisão pode ser aceita, na filosofia em geral deve-se

respeitar e ser responsável por estas formas de discurso da mesma forma que qualquer

teoria deve, em geral, respeitar e ser responsável pelos dados dos quais ela é uma teoria.

Outros além invocaram a distinção de Carnap (1950) entre questões internas e externas:

investigações ordinárias sobre quando e onde as coisas ocorrem são investigações que

prosseguem através de procedimentos reconhecidos no padrão espaço-temporal aceito

da ciência e da vida cotidiana, enquanto que as questões filosóficas e as dúvidas que as

inspiram são questões externas ao próprio padrão, bem como à preocupação de se saber

se estas questões provêem a melhor maneira de falar sobre espaços e tempos.1 Mas não

1 Carnap, enfatizo, não é um insulado, mas um verificacionista que nega que questões externas tenhamconteúdo cognitivo. Conseqüentemente, ele pensa os  frameworks como suscetíveis à aceitação ou

negação em termos pragmáticos: um  framework inteiro poderia ser jogado fora se se provasseincoveniente. Mas Stroud 1979, rejeitando o verificacionismo e restaurando significado ao debatefilosófico, considera a distinção entre interno-externo equivalente ao insulamento.

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estou preocupado aqui com as credenciais destas ou daquelas evidências da prática de

insulamento. Eu creio que, pelo menos em algumas áreas centrais da discussão

filosófica, o sentido da diferença entre questões filosóficas e ordinárias reside

profundamente em muitos de nós: mais profundamente do que qualquer articulação

particular em torno desta diferença com a qual se poderia deparar ontem ou hoje em

Harvard, Oxford ou Califórnia.

Admitidamente, há aqueles que, influenciados talvez por Quine, relutam em

aceitar qualquer um destes pontos de vista, ou que tenham qualquer coisa a ver com o

insulamento. Para eles, bem como para Quine, a reflexão filosófica e os pensamentos

ordinários devem ser vistos como um mesmo artefato, nenhuma parte deste artefato está

imune aos efeitos e revisões e quebra-cabeças da contra-parte. Mas uma coisa é dizer

isto, outra é convencer de que se crê absolutamente nisto. Um teste possível é ver como

se reage ao seguinte argumento: é verdade que ontem meu corpo estava por algum

tempo mais perto da cornija do que da estante; assim é falso que espaço e tempo são

irreais. Na minha experiência2, quase todos protestam que este argumento de Moore

(1925) é o tipo errado de argumento para resolver uma disputa filosófica em torno da

realidade do espaço ou do tempo. Essas pessoas sentem fortemente que o ceticismo

filosófico não pode ser diretamente refutado pelo senso comum. Mas o corolário disto

deve ser que o senso comum não pode ser refutado pelo ceticismo filosófico. E de fato,

quando olhamos o artigo que contribuiu mais do que qualquer outro elemento para

manter vivo um interesse pelo ceticismo nesta época de filosofia analítica, o famoso

artigo de Thompson Clarke ‘The Legacy of Scepticism’ (1972)3, temos que seu ponto

de partida, a fundação da coisa toda, é a tese de que os juízos e afirmações de verdades

que fazemos nas nossas vidas ordinárias são imunes (esta é a palavra) à dúvida

filosófica. O insulamento, assim sucede, é uma via de duas mãos. Ele protege a vida

ordinária da filosofia e protege a filosofia da vida ordinária e de G. E. Moore, e não sepode ter uma proteção sem a outra. Alternativamente, se se quiser filosofar para

conectar-se a preocupações de primeira ordem, é melhor manter-se sóbrio.

Eu espero ter dito o suficiente para que vocês reconheçam o fenômeno que estou

apontando: se não em vocês próprios, então em outros e na filosofia de nossa época.

Minha tese será precisamente de que este é um fenômeno da nossa época. Os filósofos

2

 Compare com Stroud 1979: 279.3 A influencia de Clarke é reconhecida em Stroud 1979: 297, n. 41, 1983: 434, n. 11, Cavell 1979: xx-xxi,Nagel 1979: 19, 27.

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antigos achariam este fenômeno intrigante, bem como os filósofos da Renascença. Este

senso de separação, às vezes mesmo de estranheza, dos problemas filosóficos não é

atemporal, intrínseco à própria natureza da filosofia. É um produto da história da

filosofia.4  Eu falarei sobre uma época em que o insulamento ainda não havia sido

inventado, quando o ceticismo filosófico diretamente incidira sobre o senso comum, e

as pessoas levavam-no à sério precisamente porque viram-no como uma alternativa

genuína aos seus pontos de vista ordinários. Se minha tese está correta, há questões

históricas a fazer sobre quando, e por quem, e porque o insulamento foi inventado:

questões cujas respostas podem ajudar a explicar a atmosfera de ‘extemporaneidade’ (se

é que posso pegar emprestado um termo do criticismo literário) que claramente

afiguram na discussão filosófica do século vinte sobre o ceticismo. Toda esta malha de

artigos sobre a descoberta de uma maneira de levar o ceticismo a sério, e insistir que ele

está vivo, contraria um sentimento de que os importantes meandros do ceticismo

tenham surgido há muito tempo. O que penso ser verdade. Mas retornarei às questões

históricas oportunamente. Primeiramente devo estabelecer que há tempos o ceticismo

foi um desafio sério e ninguém pensou em insulá-lo de afetar, ou ser afetado, pelos

 juízos da vida comum.

II

Os primeiros filósofos a se autoproclamarem céticos, tanto no sentido antigo

(skeptikos significa ‘investigador’) quanto no sentido moderno de ‘duvidador’ (cuja

palavra antiga era ephetikos, ‘aquele que suspende o juízo’), foram os membros do

movimento Pirrônico fundado por Enesidemo no primeiro século a.C.5  Os seus usos

destas palavras foram elaborados para distinguir seu tipo de filosofia tanto da dos

Acadêmicos quanto das escolas dogmáticas. A investigação Pirrônica, assim nos écontado, tem uma característica especial: ela não termina nem na descoberta da verdade,

como afirmam os filósofos dogmáticos, e nem na negação da possibilidade da

descoberta da verdade, que é a conclusão argumentada pelos Acadêmicos.6  Esta foi

4 Assim também, naturalmente, é a recente reação corretiva que tremula a bandeira da ‘filosofia aplicada’:um volume inteiro poderia ser escrito só sobre os pressupostos desta frase.5 Para os títulos Pirrônicos de fidelidade, ver PH I 7, DL IX 69-70; sobre a história da palavra skeptikos,ver Janáček 1979, Striker 1980: 54, n. 1, Sedley 1983: 20-3.6

  PH I 1. ‘Argumentada pelos’ pode ser entendida de duas maneiras: (a) ‘argumentado mas nãonecessariamente endossado’, (b) ‘argumentado e endossado’. A diferença entre (a) e (b) resume adiferença entre as afirmações dialéticas da Academia sob Arcesilao e Carnéades (do terceiro ao segundo

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mais do que uma distinção teorética. No contexto antigo, apropriar aos skeptikos e

ephetikos um tipo de escola de filosofia foi uma dramática e fundamental nova

declaração, de agora em diante investigar e duvidar se tornaria uma filosofia de vida.7 

Os Pirrônicos não somente foram os primeiros autoproclamados céticos, mas

também são, acima de tudo, suas idéias que apresentam o ceticismo ao mundo moderno,

quando os escritos de Sexto Empírico (circa 200 d.C.) foram redescobertos e publicados

no décimo sexto século.8 O século dezesseis foi de fato a época em que o Pirronismo

causou seu maior impacto. Como nos ensina Richard Popkin (1979), a redescoberta de

Sexto desempenhou um papel principal na formação da preocupação da filosofia

moderna, de Descartes em diante, com a tarefa de encontrar uma réplica satisfatória

para os argumentos céticos. Por muito tempo isto significou uma réplica aos argumentos

de Sexto Empírico. Assim, a noção de ceticismo que encontramos em Sexto Empírico

pode ser afirmada como a original, tanto na antiguidade quanto na modernidade. E

ocorre que também anteriormente em Gassendi e, penso eu, Montaigne, encontramos

uma interpretação do ceticismo Pirrônico de acordo com a qual o cético pratica um

insulamento de um tipo—de qual tipo veremos brevemente.9 

Esta interpretação proverá um útil ponto de ruptura, primeiro porque Montaigne

e Gassendi foram dois tipos de pensadores mais proximamente envolvidos no

reavivamento do ceticismo moderno; segundo porque seu tipo de insulamento será

século a.C.) e a Academia dogmática de Philo (do segundo ao primeiro século a.C.). Para ascomplexidades da transição histórica de (a) para (b), ver Couissin 1929, Sedley 1983, Frede 1984.7  Infelizmente, os Pirrônicos falharam em persuadir o mundo a observar a distinção entre eles e osAcadêmicos. Os Acadêmicos viriam a ser chamados, retrospectivamente, de skeptikos e ephektikoi porquea distinção era polêmica ou ignorada (Aul. Gell. X 15,  Anonymi prolegomena philosophiae Platonicae21-5 Westerink; ver PH I 221-2). Com o passar do tempo a omissão da nomenclatura, combinada com ainsensibilidade advertida na nota 6, deram à filosofia moderna, e subseqüentemente aos estudiosos

modernos (incluindo os estudiosos concentrados nos primórdios da filosofia moderna), uma gravementedistorcida visão do ceticismo pré-Pirrônico. Eu não negaria totalmente a pertinência de referir-se aArcesilao e Carnéades como ‘céticos Acadêmicos’; agora é muito tarde para desfazer a tradição. Mas eucreio, e argumentarei isto mais amplamente em outra ocasião, que havia uma real e fundamentaldiferença, não somente entre o Pirronismo e o ceticismo dogmático de Philo, mas também—e aqui talvezeu divirja de Frede 1984, pelo menos no âmbito da ênfase—entre o Pirronismo e os argumentos dialéticoscom conclusões céticas lançados por Arcesilao e Carnéades. Eis porque eu comecei minha consideraçãoda história do ceticismo pelo ponto onde o cético pela primeira vez obteve este nome.  8 A qualificação ‘acima de tudo’ é necessária porque um tratamento completo deve reconhecer a presençaanterior da Academia de Cicero como uma fonte do ‘ceticismo Acadêmico’. Mas foi Sexto quem fez doceticismo uma questão importante para o mundo moderno: ver Schmitt 1983 para um sumário dosresultados da pesquisa histórica nesta área.9  De maneiras separadas e bastante diferentes, tanto Gassendi (mais acessível em Brush 1972) quanto

Montaigne 1580 frustram a tentativa de encontrar neles uma única, consistente interpretação doPirronismo: ver Walker 1983 sobre Montaigne, Cave 1970: Parte II, Capítulo 4 sobre Gassendi. Mas oinsulamento do qual eu falo destaca-se mais claramente do que tendências rivais.

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encontrado em relatos modernos do ceticismo antigo; 10 e terceiro porque na literatura

moderna sobre o ceticismo antigo o tipo de insulamento de Montaigne-Gassendi

compete com uma outra diferente noção de insulamento que é em si algo que eu situaria

em uma perspectiva histórica desenvolvida para destacar as mudanças no papel que o

ceticismo tem desempenhado em diferentes períodos.

Então, mãos à obra.

III

O texto chave de todas as interpretações do insulamento é Esboços Pirrônicos

(abreviado em ‘PH ’) I 13, que desenha um contraste entre certas coisas as quais o cético

assente, e certas outras às quais ele não assente. O contraste define o escopo do

ceticismo de Sexto, e nossa decisão de onde traçar a linha determinará nossa

interpretação do ceticismo:

Quando dizemos que o cético não dogmatiza, não usamos ‘dogma’ nosentido mais geral no qual alguns dizem que é dogma aceitarqualquer coisa (porque o cético assente às experiências que são oresultado necessário das impressões sensíveis: por exemplo, ele nãodiria, quando com calor ou frio, ‘Eu não me sinto com calor ou frio’).Assim, quando dizemos que ele não dogmatiza, dizemos ‘dogma’ nosentido o qual alguns dizem que é dogma assentir a quaisquerquestões sobre coisas não-evidentes investigadas pelos cientistas.Porque os Pirrônicos não assentem ao que não é não-evidente. (PH I13)11 

Para começar, podemos perguntar o que Sexto quis dizer quando disse que o

cético assente às experiências ( pathē ), como a de estar aquecido, que são ligadas ao uso

dos sentidos e, mais geralmente, com a obtenção das impressões ( phantasiai), tanto

sensíveis quanto do pensamento. (Eu coloquei estas palavras em itálico como um breve

aviso para não se tomar o parágrafo citado como confirmando o assentimento cético às

impressões sensoriais. Mesmo que o exemplo aqui seja de uma impressão sensorial, em

10 Por exemplo, Hallie 1967, Striker 1983, e os livros padrão, como Brochard 1923, para quais estudiososdo Renascimento possivelmente buscaram informações sobre o ceticismo antigo.11 Minha tradução desta passagem chave é uma tentativa de pôr em Inglês tolerável os resultados de uma

análise minuciosa, por várias mãos, de quase todas as palavras e frases ocorrentes na passagem (Frede1979, Burnyeat 1980, Barnes 1982). Quaisquer nuances que possam restar duvidosas ou em debate nãoafetarão, creio eu, a discussão presente.

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Sexto ‘impressão’, ‘experiência’, ‘aparência’ não são restritos ao caso sensório, 12  e

leitores mais familiarizados com as idéias e impressões do Empirismo Britânico do que

com a epistemologia Helenística devem ter cautela para não importarem as idéias e

impressões do primeiro para o segundo.) Mas este assentimento, que é em outros locais

e costumeiramente chamado de assentimento às aparências, é ele próprio obscuro, ou,

pelo menos, tem sido objeto de disputa.13  A disputa, em poucas palavras, é esta: se

alguém dá ao cético uma noção generosa de aparência, a área do seu assentimento

expande e o ceticismo contrai-se, enquanto que inversamente o ceticismo aumenta e o

assentimento encolhe se, como eu faço, toma-se uma visão mais restrita de aparência.

Deixe-me explicar com mais detalhes.

Sexto nos dirige a entender cada proferimento que ele faz, uma vez expresso,

como um registro da sua experiência ( pathos), nos narrando como as coisas a ele

parecem (PH I 4, 15, 135, 197, 198-9, 200, M XI 18-19). Se ele se refere a ‘parecer’ no

sentido não-epistêmico, PH I 13 implica que o assentimento cético é restrito à narrativas

das experiências, ao invés de ‘Parece-me que está calor aqui’, ‘Este argumento parece-

me persuasivo’, ele poderia dizer ‘Está calor’, ‘Este é um argumento persuasivo’, mas o

que ele quer dizer é ‘Eu tenho a experiência disto parecendo tal’. Se, por outro lado,

‘parecer’ carrega um sentido epistêmico, falar sobre como as coisas parecem é

simplesmente falar de forma não-dogmática sobre como as coisas são no mundo. Nós,

sem dúvida, queremos maiores elucidações do que significa falar ‘de modo não-

dogmático’, mas PH I 13 agora nos leva a esperar que o cético se contentará em aceitar

(eudokein) uma série de proposições como ‘Está calor aqui’, ‘Este é um argumento

persuasivo’, desde que estas sejam entendidas como se não fizessem afirmações mais

fortes do que o suficiente para os propósitos da vida ordinária.

12 Ver ‘Can the Sceptic Live His Scepticism?’ publicado originalmente em Can the Sceptic Live hisScepticism?’, em Doubt and Dogmatism:  Studies in Hellenistic Epistemology. Editado porSCHOFIELD, Malcolm; BURNYEAT, Myles e BARNES, Jonathan. Oxford: Clarendon Press, 1980.Publicado em português como ‘Pode o Cético Viver seu Ceticismo?’ em ‘Revista Trilhas Filosóficas’, emhttp://www.uern.br/outros/trilhasfilosoficas/conteudo/index2.htm . 13 Frede 1979 versus Burnyeat 1980. O presente artigo começou como uma contribuição além para estedebate, e uma tentativa de flanquear meu oponente. Mas ele, por enquanto, move-se para uma novaposição (Frede 1984) e alguns dos meus mais antigos argumentos fundamentam-se na tese de que‘dogma’ significa simplesmente ‘crença’, que foi atacada por Sedley 1983, e derrotada por Barnes 1982.Minha posição revisada, como aquela de Barnes, deve ser considerada como uma alternativa a Frede1979, mas ela compartilha da preocupação corrente de Frede em ver a totalidade do problema em um

amplo pano de fundo histórico que se estende até os tempos modernos. Como sempre, devo muito àdiscussão sobre estas questões com Michael Frede.

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Mas podemos também perguntar sobre a outra metade do contraste em PH I 13.

O que Sexto quer dizer quando afirma que o cético não assente a nenhuma das questões

não-evidentes investigadas pelas ciências? É este lado da questão que proponho discutir

aqui. Talvez eu possa lançar alguma luz sobre a primeira parte da disputa.14 

O que, então, são os objetos não-evidentes da investigação científica? A noção

de não-evidente é a noção daquilo que só podemos conhecer, se é que podemos

conhecer, por inferência a partir do que é evidente. Se o conhecimento do não-evidente

é possível, como crêem os oponentes dogmáticos de Sexto, isto se dá por mediação do

conhecimento, em contraste com o conhecimento instantâneo não-inferencial do que é

evidente (PH II 97-9). O exemplo favorito dos dogmáticos de algo evidente é a

proposição ‘É dia’. Se você é um homem saudável normal, caminhando de dia, é

perfeitamente evidente para você que é dia. Mas precisamos de um exemplo que sirva

fluentemente de relato tanto para as ciências, por um lado, quanto para a experiência do

cético de estar aquecido, por outro lado. Eu não creio que o dogmático de Sexto

hesitaria em afirmar, quando sentado em seu fogão, que é bastante evidente que está

quente. Ora, se se toma ‘O fogão está quente’ como um exemplo de algo evidente, e

anexa isto à referência às ciências, torna-se bastante natural supor—e foi o que

supuseram Montaigne e Gassendi—que dogma no sentido que Sexto deseja evitar é

qualquer pronunciamento científico sobre, por exemplo, a estrutura física subjacente

que faz quentes as coisas quentes, qualquer teoria sobre a real natureza do calor, talvez

mesmo a asserção ou a crença de que há uma coisa como a real natureza do calor sobre

a qual uma teoria pudesse ser fornecida.

Neste tipo de interpretação—em honra a Montaigne eu gostaria de chamá-la de

interpretação do nobre rústico—o ceticismo Pirrônico é um ceticismo sobre a esfera da

teoria, que neste período incluiria tanto o que consideraríamos filosófico, ou teoria

metafísica e muito do que reconheceríamos como ciência. Os juízos não teoréticos davida comum estão insulados do ceticismo e o ceticismo está insulado deles, não porque

Sexto, como Thompson Clarke, atribui um status especial à dúvida filosófica, mas

porque ele atribui-na um objeto de investigação especial, diferente dos objetos de

investigação com os quais ocupa-se o homem comum nos negócios ordinários da vida.

Isto é insulamento por via do objeto de investigação ou conteúdo, um desembaraço da

14 Entrementes, encontrei uma antiga ligação em  Anonymi commentarius in Platonis Theaetetum 61, 1-46

Diels-Schubart. O autor distingue entre os usos epistêmico e não-epistêmico de ‘parecer’ e atribui aúltima a Pirro. Esta evidência talvez seja significantemente mais próxima à época de Enesidemo do que oque geralmente tem se pensado: ver Tarrant 1983.

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vida da teoria. ‘Sócrates pensou que um homem sabe geometria o suficiente se ele é

capaz de medir a terra que dá ou recebe’ (Montaigne 1580: I 535-6).

Aqui, por exemplo, está Gassendi defendendo a vida comum contra o método da

dúvida de Descartes:

Mas se a torre, vista de perto, não parece ter cantos e ser bastanteredonda, então eu não posso ver porque deve haver qualquer desejode refrear nossa crença nas aparências ou porque qualquer dúvidasobre se ela é redonda e lisa ao invés de quadrada ocorreria aqualquer um, exceto àqueles que você chama de ‘não de mente sã’.(Gassendi 1644 em Brush 1972: 168).

E aqui ele expõe o Pirronismo antigo:

Da mesma forma, não há solidez bastante na objeção costumeiraàqueles que dizem que nada é certo ou pode ser compreendido, digoque eles não realmente duvidam que é dia quando o Sol está a brilhar,que o fogo é quente, a neve branca, o mel doce, e outras coisas de taltipo; e, portanto, eles devem pelo menos aceitar o critério pelo qualestas coisas são determinadas, digo, os sentidos. Estes homens, comoobservamos anteriormente, dizem que a aparência das coisas, ou oque as coisas parecem ser no exterior, são uma coisa e a verdade, oua natureza interna das coisas, digo, o que as coisas são nelas mesmas,esta é uma outra questão, e quando eles dizem que nada pode ser

conhecido com certeza e que não há critério, eles não estão falandosobre o que as coisas parecem ser e sobre o que é revelado pelossentidos como se por algum critério especial, mas sobre o que ascoisas são nelas mesmas, o que está tão oculto que nenhum critériopode revelar. (Gassendi 1658 em Brush 1972: 294, minhas ênfases).

Estas duas citações podem servir como a versão de Gassendi do contraste em PH

I 13: por um lado, uma aceitação casual dos padrões que ordinariamente usamos para

 julgar que a torre é circular, por outro lado, um forte ceticismo quanto a ‘natureza

interna’ das coisas.

Notem como Gassendi alinha o contraste de Sexto com um contraste entre a

exterioridade das coisas (que é acessível à observação cotidiana através dos sentidos) e

sua natureza interna. Não se encontrará Sexto adicionando o epíteto ‘interno’ às

inumeráveis ocasiões em que ele conclui, ‘Podemos dizer como as coisas parecem, mas

não o que sua natureza é’. O contraste interno/externo descortina um novo mundo em

que a interpretação do Pirronismo antigo fora sobreposta às preocupações da ciência do

décimo sétimo século.

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Ora, uma vantagem da interpretação do nobre rústico é que não há muita

dificuldade em se entender como se pode caminhar sobre sua propriedade fazendo

arranjos para as lavouras do próximo ano enquanto se proclama um cético quanto o

espaço e o tempo. Não há dificuldade aqui porque sobre o quê o cético suspende o juízo,

nesta visão, não são os espaços e tempos da vida ordinária, mas o espaço e tempo dos

filósofos da natureza. O cético não é um homem que duvida que está em Cambridge, ou

que esteve falando por pelo menos cinco minutos. Ele é um homem que está em dúvida

sobre os tipos de coisas que os filósofos da natureza dizem ao construírem suas teorias:

Alguns definem tempo como o intervalo do movimento do todo(por ‘todo’ quero dizer o universo), outros como o movimentoem si; Aristóteles (ou, de acordo com alguns, Platão) define-ocomo o número antecessor e o posterior em movimento, Estrato(ou, de acordo com alguns, Aristóteles) como a medida domovimento e do repouso, e Epicuro (conforme narrado porDemétrio Lacon) como o concomitante dos concomitantes,tendo em vista que acompanha dias e noites e estações, e apresença e ausência de sentimentos, e movimento e repouso.(PH III 136-7)

O cético põe o tempo em dúvida tanto porque os filósofos dogmáticos discordam

uns com os outros, e aí não parece haver como resolver a disputa (PH III 138-40)—por

isso a recitação de diferentes considerações sobre o tempo—quanto também porque ele

está afetado por certos argumentos destrutivos do tipo do proferidos posteriormente por

Agostinho e MacTaggart contra a realidade do tempo (PH III 140-150). Não que o

cético aceite a conclusão negativa dos argumentos destrutivos: isto seria dogma

também, um dogmatismo negativo. Na verdade, assim como ele não pode encontrar um

critério para decidir qual dentre os pontos de vista positivos concorrentes está correto,

igualmente ele não pode decidir se os argumentos destrutivos poderiam ser preferidos a

afirmações mais positivas por outro lado, ou não. Os dois dogmas, a afirmação e anegação da realidade do tempo, se equiparam e o cético suspende o juízo sobre a

questão e sobre todas as questões teoréticas conectadas ao tempo (PH III 140). O

mesmo ocorre com o espaço, como aparecerá mais adiante. O cético livra-se dos

pesados proferimentos dos filósofos e dos cientistas e prossegue com os assuntos da

vida cotidiana, em Cambridge ou em Montaigne:

Os céus e as estrelas têm rodeado-nos por três mil anos, como todomundo creu, até Cleantes de Samos, ou, de acordo com Teofrasto,Nicetas de Siracusa, que se presumiu ter proclamado que era a Terra

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que se movia, revolvendo sobre seu eixo, através do círculo oblíquodo Zodíaco. E, nos nossos dias, Copérnico tão bem fundamentou estateoria, que ele com muita propriedade a usa para todas as conclusõesastronômicas. O que podemos fazer, exceto nos preocuparmos comnossas cabeças quando escolhermos qual das duas teorias estácorreta? (Montaigne 1580 II 15).

IV

Até o momento, então, tudo bem. Mas quão bem a interpretação do rústico

equipara-se aos textos nos quais (exceto PH I 13) afirma-se encontrar evidências de

insulamento? À primeira vista muito bem.

Sexto começa seu tratamento do topos (lugar) em Esboços Pirrônicos com umafundamentação introdutória sobre o escopo da discussão:

Espaço, ou lugar, então, é usado em dois sentidos, o estrito e oamplo—amplamente, é o lugar tomado com mais abrangência (como‘minha cidade’) e estritamente como o exato espaço circundante noqual estamos exatamente contidos. Nossa investigação, então, éconcentrada no espaço em sentido estrito. Assim, alguns afirmaram,outros negaram; e outros suspenderam o juízo sobre a questão. (PHIII 119, traduzido por Bury 1933-49).

A passagem paralela na obra maior de Sexto, adversus Mathematicos (abreviado

em ‘ M ’), vem não no começo, mas logo em seguida:

Ora, é acordado que, falando amplamente, dizemos que um homemestá em Alexandria, ou no ginásio, ou na escola; mas nossainvestigação não está concentrada em lugar no sentido abrangente,mas no sentido circunscrito, como se ele existe ou se é meramenteimaginado; e se existe, de que tipo é em sua natureza, se corpóreo ouincorpóreo, e se está contido em algum lugar ou não. ( M X 15,traduzido por Bury 1933-49).

Estas anunciações concentram a investigação em uma concepção de lugar que é

familiar desde Aristóteles: lugar como o contêiner imediato de um corpo. Seu lugar, ou

sua idéia dele, é o limite interior do corpo, o ar ou qualquer outro material circundando-

o, a fronteira que o circunda e nada além.15 Pode-se muito bem pensar tal concepção de

15 Aristóteles, Física 212a 5-6; ver 109b 1. Para o escopo da discussão de Sexto, e portanto nossa, esta

formulação deverá ser suficiente. Mas em Física 212a 20-1 Aristóteles a refina para o leitor: ‘a maisprofunda fronteira estática do corpo circundante’, que é equivalente (as fronteiras sendo o que são) a‘mais profunda fronteira circundante do corpo estático’. O ponto de refinamento é este: o lugar de X deve

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lugar como muito teorética, ou pelo menos não como uma concepção de lugar de um

homem ordinário. Correspondentemente, parece ser um ponto a favor da interpretação

rústica que Sexto confine sua discussão ao exato ou circunscrito sentido de ‘lugar’.

Dificilmente poderíamos solicitar uma afirmação mais explícita de que seu ceticismo

não tem a discutir com as considerações ordinárias sobre o fato de que alguém está em

Alexandria.

O rústico será encorajado pelos movimentos abertos pela questão do lugar. A

prática usual de Sexto é lançar os argumentos a favor de algo, rivalizá-los com os

argumentos contra, e declarar um empate: a eqüipolência dos argumentos opostos não

nos deixa escolha além da suspensão do juízo. O cético suspende o juízo sobre os

argumentos dogmáticos, tanto a favor quanto contra. E quando nos concentramos nos

argumentos que afirmam que o lugar é real, temos isto:

Se, então, existe cima e baixo, e direita e esquerda, e frente e trás,algum lugar existe; estas seis direções são partes de lugar, e éimpossível que, se as partes de uma coisa existem, a coisa da qualelas são partes não exista. Mas cima e baixo, e direita e esquerda, ecima e baixo existem na natureza das coisas (en t ē i phusei t ōn

 pragmat ōn); então lugar existe. ( M X 7, traduzido por Bury 1933- 49;minha ênfase)

Isto soa Aristotélico, e é. Dizer que há direções reais na natureza das coisas é

dizer que a teoria física deve reconhecer que a direcionalidade é uma característica

objetiva da natureza, não somente relativa a nós, e isto é exatamente o que matinha

Aristóteles: ‘... os tipos de diferenças de lugar são cima-baixo, frente-trás, direita-

esquerda; e estas distinções não se sustentam somente em relação à nós e por

concordância arbitrária, mas também no próprio todo’ (Física 205b 31-4; confira 208b

12-22).

ser a fronteira de Y envolvendo X, mas se Y está se movendo, isto especifica um cargueiro ou um naviode X mais do que o lugar de X (212ª 14-18). A solução é encontrar Z tal que Z é estático e envolve X namesma fronteira em que Y envolve. Exemplo: X = um barco, Y = o corpo de água fluindo pelo RioCayster, Z = o Rio Cayster como uma entidade geográfica. Isto entendido, o refinamento não ameaça( pace Ross 1936: 57, 575-6) a condição de que o lugar de X é igual a X (211a 28-9) e contém nada alémde X (209b 1), e é totalmente desnecessário para Hussey 1983: 117-8 contemplar o tratamento de 212a20-1 como uma interpolação sobre os fundamentos que identificam o lugar do barco com o rio. Mesmo acircularidade com a qual a definição refinada tem sido associada (Owen 1970: 252, Hussey 1983: 117)torna-se um benigno regresso se ‘fronteira estática’ = ‘fronteira de um corpo estático’ e a cosmologia deAristóteles pode prover um lugar terminal para todos os corpos permanentemente contidos (209a 32, 211b

28-9, 212a 21-4, 212b 17-22). Sexto de fato explora o refinamento de que lugares devem ser fixados efixos em  M X 25, 26 e em  M X 30-5  torna necessário fazer uma investida contra a cosmologiaAristotélica.

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Nós obtemos a mesma mensagem de  M X 9 que apresenta a doutrina

(Aristotélica) dos lugares naturais:

Além do mais, se onde o que é leve naturalmente se move, então o que é

pesado naturalmente não se move, assim há um lugar preciso (idios topos)para o leve e para o pesado; mas de fato o primeiro <é verdade>. Assim ofogo, que é naturalmente leve, tende a ascender, e a água, que énaturalmente pesada, pressiona para baixo, e nem o fogo se move parabaixo e nem a água sobe. Existe, portanto, um lugar preciso tanto para onaturalmente leve quanto para o naturalmente pesado. ( M X 9, traduzidopor Bury 1933-49, com modificações).

Que cada elemento tende por virtude da sua natureza intrínseca a seu lugar

próprio no universo é uma doutrina central da cosmologia de Aristóteles e em larga

medida o que ele parece estar argumentando a favor quando abre sua própria discussãosobre lugar em Física IV 1 (ver 208b 8 em diante).16  Se este é o dogma positivo, o

dogma negativo levantado contra ele será a negação destas noções teoréticas, e a

suspensão cética do juízo será a suspensão quanto a teoria. O que o deixa livre para

favorecer-se à vontade da utilização das noções ordinárias de lugar.

V

Mas o rústico está levando numa boa. Para começar, os argumentos citados,

apesar de Aristotélicos em caráter, não argumentam pela existência de lugar no sentido

estrito em oposição ao amplo. Eles argumentam a favor da existência de lugar. Várias

das considerações são de fato desenvolvidas a partir da filosofia natural, mas não fazem

uso da estreiteza dos lugares estreitos. Segundo, deveríamos olhar mais de perto o que

Sexto diz sobre o sentido amplo que ele não está contestando. E aqui eu tenho que tocar

brevemente em alguns pontos de filologia.A palavra chave em PH III 119 é katachr ē stik ōs. Dizer ‘Minha cidade é o lugar

em que estou’ é usar ‘lugar’ no sentido amplo e assim falar  katachr ē stik ōs. Bury (1933-

49) traduz ‘loosely’ mas isto não te diz que o advérbio deriva-se de um verbo que

16  Some  M X 10 (ver PH III 121), que misteriosamente afirma que três dos fatores na (Aristotélica)análise causal da vinda a ser de algo requer a existência de lugar, além do agente, da matéria, e do fim outelos. Contudo, este argumento não aparece em Física  IV 1, ela pode ser sugerida por 209a 18-22 e oterceiro item confirma que Sexto ou sua fonte pretendiam-no como argumento usando fontes Aristotélicas

( pace Bury 1933-49 ad PH III 121). O apelo ao Chaos de Hesíodo em PH III 121,  M X 11 pode sercomparado com Física 208b 29-33, o experimento mental em M X 12 com 209b 6-13.Sobre a relação entre lugar natural e lugar contêiner, ver Machamer 1978.

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significa ‘abusar’. Usar uma expressão katachr ē stik ōs é usá-la inapropriadamente

(gramáticos diriam ‘catacresticamente’) e isto se contrasta com kuriōs, em um sentido

apropriado. Então o contraste entre lugar amplo e estrito é um contraste entre um uso

impróprio e um uso próprio do termo. Ambos usos são correntes (legetai dichōs), mas a

própria aceitação do termo ‘lugar’ significa onde estamos exatamente contidos. Lugar

estrito não é um construto técnico da filosofia natural, mas o que ‘lugar’ na verdade

significa. Em sua fundamentação introdutória sobre o escopo da sua discussão Sexto diz

que se concentrará somente em lugar propriamente dito, não em qualquer coisa e tudo o

que é chamado ‘lugar’no uso desleixado exemplificado por frases como ‘Minha cidade

é o lugar em que estou’.

Na passagem paralela  M X 15, Bury novamente traduz ‘loosely’ mas a palavra

agora é aphelōs. Aphelōs ocorre algumas vezes em Sexto Empírico e em outros lugares,

e a melhor forma que posso ver de interpretar esta palavra é ‘sem distinções’, com uma

referência especial às distinções técnicas pelas quais a teoria ou a ciência propõem

representar distinções reais na natureza das coisas.17 Se você diz que alguém está em

Alexandria, você não está simplesmente distinguindo entre seu lugar e sua cidade, que

nós poderíamos costumeiramente descrever como o lugar onde ele está. Você não está

escolhendo seu lugar , mas as adjacências que ele compartilha com seus concidadãos. O

que Sexto está dizendo, então, é que a discussão não será sobre qualquer coisa ou tudo o

que as pessoas chamam de lugar, mas sobre a tentativa de identificar para cada coisa seu

próprio e único lugar no mundo, distinto dos lugares de todas as outras coisas.

Agora temos dois ângulos sobre o âmbito da discussão de Sexto. Ele questionará

a existência ou a realidade de lugar propriamente dito, e ele questionará a idéia de que

cada coisa tem seu próprio e único lugar no mundo. A implicação é que estas são duas

maneiras de especificar o mesmo alvo.18  Se assim é, Aristóteles seria o primeiro a

17 PH I 17 (ver M VI 1-2) é simplesmente a distinção entre um sentido moralmente estrito e um sentidomoralmente amplo de ‘corretamente’. Mas em  M I 153, 177, 179, 232 o contexto são os esforços decertos gramáticos a arregimentar à linguagem terminações de gênero, o exemplo corresponde a diferençasde gênero na natureza, e aphelē s expressa a indiferença a tais distinções demonstradas pelo discursocomum da vida ordinária. Como um termo de análise estilística, a palavra significa um período que ésimples, não dividido em claustros (monok ōlos, Aristóteles,  Retórica 1409b 16-17), ou, maisgenericamente, evidentes discursos não elaborados ( M II 21, 22, 76, 77). Galeno, Meth. med. X 269, 1-14,Kühn tem uma elucidação mais extensa, derivada da escola Metódica de medicina, o desfecho é equipararo advérbio aphelē s com (i) não- dogmaticamente, (ii) de acordo com as necessidades da vida ( biōtik ōs),(iii) sem articulações através de distinções (mē   diē rthr ōmenōs) (ver  M IX 218, DL VII 84), (iv) nãoprecisamente, mas não tecnicamente e sem qualquer conhecimento especial.18

 Janáček 1948 assegura evidência de que a prática regular de Sexto era escrever o longo tratamento de M de um dado tópico após a mais curta versão de PH . O propósito de  M é clarificar e expandir PH,suplementando os Esboços.

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reconhecer que o alvo é ele próprio. Não só os argumentos em favor da realidade do

espaço são, conforme lançados por Sexto em  M X 7-12, minuciosamente modelados

sobre argumentos correspondentes da Física IV 1 de Aristóteles, mas foi Aristóteles

quem inventou tudo, exceto o nome, na distinção entre lugar no sentido amplo e em

sentido estrito. A distinção segue-se rapidamente à decisão de identificar o que é

chamado lugar por direito próprio (kath’ hauto) com o idios topos único de cada coisa.

Qualquer outra coisa chamada de lugar de algo será assim chamada por derivação ( kat’

allo): por causa do fato de que contém o lugar preciso da coisa em questão. Assim,

estamos no céu como um lugar porque nosso lugar propriamente dito está no ar e o ar

está no céu (Física 209a 31-b 1, 211a 23-9).19 Quando Aristóteles formula sua definição

de lugar como o contêiner imediato de um corpo, ele também pensa esta definição como

posicionando para cada coisa um único lugar que é o lugar da coisa somente no sentido

estrito e adequado à aceitação do termo.

Está, obviamente, além do discutido aqui objetar que esta conversa de lugar

estrito circunscrito não faz jus corretamente a ‘lugar’ em português ou a ‘ topos’ em

grego. Também não é relevante aduzir à superioridade científica da prática moderna de

fixar uma localização particular de algo pelo método das coordenadas. O que nos

concerne aqui são os pressupostos filosóficos de um debate antigo, entre Sexto e

Aristóteles, sobre um mais antigo e menos abstrato método de fixar a localização por

referências a contêineres e circundantes. Minha afirmação foi que ambos Sexto e

Aristóteles conceberam o debate não como uma discussão em torno de uma noção

teorética especial de lugar, mas como uma discussão sobre o lugar. Eles concordam que

a palavra ‘lugar’ é corretamente analisada requerendo-se um lugar individual para cada

coisa. Ela não é um sinônimo contextual de ‘cidade’ ou ‘ginásio’, mas tem seu

significado próprio, seu próprio papel na linguagem: atribuir para cada coisa seu lugar

particular no mundo. Alternativamente, e dando à questão um impulso mais polêmico,

19 Estas duas passagens demonstram Aristóteles notoriamente feliz em usar ‘em’ ao invés de usar ‘lugar’como intermediários de lugares amplos e nosso lugar preciso e os céus. Eu penso que isto ocorre porque acircunferência dos céus não só provê o último lugar derivativo de tudo individualmente, mas eo ipsoconstitui o lugar preciso de tudo coletivamente. Isto explicaria porque o lugar ‘comum’ de Física 209a32-3 é definido como aquilo no que todos os corpos estão e não é equivalente (como Ross 1936 gostariaque fosse) ao ‘lugar amplo’ de Sexto. Para todos os efeitos, ‘lugar amplo’ é nada além de um rótuloconveniente para os usos derivativos de ‘em’ que Aristóteles faz, inevitavelmente reconhecidamente. Eunão conheço evidências para justificar a asserção de Sorabji (1983: 25-6) de que o lugar amplo é umanoção Estóica. O contraste Estóico é entre lugar (que eles definem, diferentemente de Aristóteles, como o

intervalo ocupado por um corpo e igual a este corpo) e espaço (PH III 124-5, M X 3-4). Sexto refuta osEstóicos separadamente em PH III 124-130 e na obra maior confina-se à mera menção em M X 3-4; emambas as discussões seu alvo principal é Aristóteles.

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se a palavra ‘lugar’ tem qualquer papel real a ver com nossa linguagem e nossas vidas,

ela pressupõe a possibilidade de definir, para cada coisa, um lugar único. E, tendo em

vista o contexto deste debate antigo, a definição tem que se dar em termos de

contêineres e circundantes, nós rapidamente chegamos ao resultado de que o único lugar

preciso que uma coisa pode ter é o lugar estrito circunscrito que Sexto identifica como o

alvo do seu questionamento. Porque, como viu Aristóteles, este é o único contêiner

circundante que não é compartilhado com qualquer outra coisa. Se o lugar de um

homem, tomado como distinto de sua cidade ou sua casa, tem que ser unicamente o seu

lugar, o lugar deste homem só pode ser o invólucro de ar ou água que diretamente

circunda e contém somente ele e nada além. Assim é que Sexto pôde representar suas

dúvidas céticas sobre o espaço estrito circunscrito como dúvidas sobre a realidade de

lugar tout court (PH III 135, citado anteriormente; M X 6).

VI

Podemos checar esta conclusão, que tão longamente defendi, sobre fundamentos

filológicos e históricos, contra a prática argumentativa de Sexto.  M X 95 introduz uma

sugestão desenvolvida para opor-se ao argumento de Diodorus Cronus contra o

movimento contínuo. O argumento de Diodorus afirmava que o movimento contínuo é

impossível porque um objeto que se move não pode mover-se em qualquer lugar em que

não está (obviamente), nem no lugar em que está (o lugar em que a coisa está é bastante

estrito para que se possa mover-se nele), então o objeto não pode mover-se em qualquer

lugar; então não pode estar movendo-se. A resposta sugerida é esta:

‘Ser contido em um lugar’ tem dois significados, eles dizem: (i) lugardeterminado amplamente, como quando dizemos que alguém está emAlexandria, (ii) lugar determinado exatamente, como do ar moldadoem torno da superfície do meu corpo poderia ser dito como sendomeu lugar e uma jarra é chamada de o lugar do que está contido nela.Nesta base, então, há de fato dois sentidos de ‘lugar’, eles afirmamque o objeto movente pode estar se movendo no lugar em que está, olugar determinado amplamente, que tem extensão suficiente para oprocesso do movimento ocorrer. ( M  X 95).

Eis a sugestão: no lugar amplo o objeto movente tem espaço bastante para ter

seu movimento realizado. Veja agora como Sexto refuta este argumento:

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Aqueles que dizem que ‘lugar’ tem dois sentidos, lugar tomadoamplamente e lugar determinado com exatidão, e que por causa distoo movimento pode ocorrer em lugar concebido amplamente, nãoestão respondendo à questão. Tendo em vista que o lugar concebidoexatamente é  pressuposto do20  lugar concebido amplamente, e éimpossível a algo se mover pelo lugar amplo sem primeiro mover-selugar exato. Tendo em vista que o último contém o corpo movente,então o lugar amplo contém, juntamente com o corpo movente, olugar exato também. Assim, então, ninguém pode mover-se por umadistância de um estádio sem antes ter se movido pela distância de umcúbito, assim, é impossível mover-se sobre o lugar amplo sem antester se movido pelo lugar exato. E quando Diodorus propôs oargumento contra o movimento que fora exposto, ele estavapreservando o lugar exato.21  Por conseguinte, se neste caso omovimento é feito com a distância, nenhum argumento é deixadopara o caso do lugar amplo. ( M X 108-10, minha ênfase; ver PH III75).

A contenda é que o lugar amplo não salva nada que fora fundamentado sobre

considerações extraídas sobre o lugar estrito. Ele certamente não salvará a consideração

Aristotélica sobre o movimento da crítica de Diodorus, vimos que Aristóteles

fundamenta em seus próprios termos a premissa de que o lugar amplo pressupõe o lugar

estrito.22 

Não devemos parar de examinar as maneiras pelas quais a descrição Aristotélica

do movimento poderia ser reformulada para escapar ao dilema, nem a engenhosa figura

alternativa que Diodorus oferece por meio da qual um corpo pode primeiro estar em um

lugar e em seguida em outro sem que possamos dizer desta coisa que, no tempo

presente, ‘Está se movendo’.23  A questão que devemos levantar é se Sexto aceita a

premissa pressuposta.

Na réplica citada ele está falando a favor de Diodorus, quem ele elencou ( M X

48) como o negador dogmático do movimento. O objetivo de Sexto é assegurar que os

argumentos contra o movimento sejam não menos, e também não mais, efetivos que os

20 Proē geitai, literalmente ‘precede’: o contexto demonstra que a prioridade é lógica, não temporal.21  A réplica, como a sugestão à qual ela replica, pressupõe que o argumento de Diodorus é dirigido aobjetos ordinários movendo-se de um lugar Aristotélico para outro. Para observações de Aristóteles que oexpõe ao ataque de Diodorus insinuando que um corpo pode se mudar para seu lugar, ver Física 211a 35-6, 212a 9-10. Em M X 85-6, 119-20, o mesmo argumento trata de corpos ‘sem partes’ movendo-se de umlugar ‘sem partes’ a outro. Sobre a aplicação atomista do último caso ver Denyer 1981; sobre a relaçãoentre as duas aplicações, Sedley 1977: 84-6, Sorabji 1983: 17-20, 369-71.22 Inclua Física 241a 8-9: ‘É impossível que qualquer objeto movente tenha se movido por uma distânciamaior que ele próprio sem antes ter movido-se por uma distância igual ou menor que a dele mesmo’.23 Ver referências na nota 21. Comparações foram feitas com o ponto de vista de Russell (1914: 144) deque ‘nada ocorre quando um corpo se move exceto que está em diferentes lugares em diferentes

momentos’. Mas a opinião antiga mais se equipara aos oponentes de Russell ao tomar esta idéia maiscomo uma negação do movimento do que como uma teoria sobre ele (Física 231b 21 em diante, 240b 8em diante, M X 48).

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argumentos em favor do movimento. Para tal, tudo o que ele precisa é que ambos os

dogmáticos, o negativo e o positivo, aceitem a premissa. Contudo, a razão pela qual eles

aceitam é que consideram o lugar amplo como derivado do lugar estrito. Nas suas

visões, a pressuposição é construída na própria linguagem sobre ‘lugar’, o próprio

significado de lugar estrito circunscrito. Em outras palavras, é primordial que os

dogmáticos chamem o lugar amplo de um uso catacréstico do termo.24 Se Sexto também

assim o faz (PH III 119, citado anteriormente), isto só se dá porque ele não questiona a

análise dos dogmáticos da linguagem de ‘lugar’. O que ele questiona é se o projeto pelo

qual esta linguagem é desenvolvida pode ser sucessivamente levado a diante. Ele

questiona o jogo inteiro de linguagem (ele teria se regozijado de poder chamá-lo assim)

sobre a localização de corpos em seus lugares.

VII

É solicitado a você que encontre uma tábua e é dito a você que ela está em

Alexandria. É somente dito que ela está em algum lugar em Alexandria sem indicar

exatamente onde. Localizar a tábua vagamente em Alexandria pressupõe que ela possa

ser localizada precisamente em um lugar particular que está contido no lugar maior de

Alexandria. O mesmo se aplica se é dito que ‘Está no templo’ ou ‘No santuário interno’.

Você ainda pode perguntar, ‘Onde no santuário interno?’. Então alcançamos a idéia de

há exatamente um lugar que é o lugar da tábua e o lugar de nada mais, e, como

Aristóteles viu, inevitavelmente este será o lugar estrito: aquele invólucro de ar que

diretamente circunda e contém a tábua e nada além. Se este e somente este é o lugar

específico, o fato de que podemos todos concordar que a tábua está em algum lugar em

Alexandria não ajuda a demonstrar que podemos chegar a uma noção clara do lugar

onde ela está. É sobre este lugar preciso que temos que obter uma noção clara sepretendemos sustentar nossa prática de localizar corpos em lugares.

Os argumentos pró em  M X caem muito bem como argumentos a favor da

proposição de que podemos e de fato localizamos coisas em lugares bem definidos.

Uma importante passagem ainda não citada é a seguinte:

24

 Note PH I 207: o cético usa a linguagem ‘sem distinções (adiaphor ōs—nota 33 mais a diante) e, sequiserem, catacresticamente’, se não céticos desejarem chamar este uso de um mal uso, ele admite opreço.

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Kínesis, Vol. II, n° 04, Dezembro-2010, p. 312-348330

Ademais, se onde Sócrates estava está agora um outro homem (comoPlatão), Sócrates estando morto, então lugar existe. Pois, assim como,quando o líquido do jarro foi esvaziado e um outro líquido foi derramadonele, declaramos que o jarro, que é o lugar tanto do líquido anterior quantodo líquido posteriormente derramado, existe, então, da mesma forma, se umoutro homem ocupa o lugar que Sócrates ocupou quando estava vivo,algum lugar existe. ( M X 8, traduzido por Bury 1933-49).

O que está sendo discutido é a legitimidade de atividades bastante ordinárias de

localização, bem como a doutrina mais teorética dos físicos sobre os lugares e direções

naturais. E aqui novamente Sexto está seguindo um precedente Aristotélico.25 Como o

dogmático de Sexto, Aristóteles mistura considerações trazidas da filosofia natural com

argumentos baseados no que é dito no discurso comum da vida ordinária. Aristóteles e

Sexto não são rústicos; em ambos escritores as preocupações ordinárias sobre lugar e as

preocupações teoréticas são vistas como contíguas umas às outras.

Os contra-argumentos de Sexto, assinalando a negação de lugar, são compatíveis

com os argumentos pró. Eles recaem em duas classes: (i) refutações dos argumentos

pró, fundamentadas principalmente sobre a consideração de que toda essa conversa de

direita e esquerda, ou de Platão estando onde Sócrates estava, pressupõe a existência de

lugar e não pode estabelecer-se sem circularidade ( M X 13-14); (ii) dilemas de um tipo

tipicamente cético (contudo, parcialmente derivados de Aristóteles, Física 211b 5 em

diante) demonstrando que absurdidades seguem-se se o lugar for um corpo ou o vazio,

se é o molde ou a matéria ou o limite de um corpo ou a extensão delimitada por estes

limites ( M X 20-29). O que é importante para nossos propósitos é o desfecho final dos

argumentos negativos:

Se o lugar de uma coisa não é a sua matéria, nem a forma, nem aextensão entre os limites, nem novamente as extremidades, do corpo,e além destas não há como concebê-lo, devemos declarar que lugarnão é nada. ( M X 29).

Chegamos ao ponto em que a legitimidade de localizar coisas em lugares

depende se sim ou não podemos formular uma coerente concepção de lugar em um

sentido preciso da palavra. Tanto na vida ordinária quanto ao fazer uma teoria física

tomamos como garantido que poderíamos ser mais precisos se precisássemos ser. Mas

poderíamos? Podemos defender isto sem circularidade? Podemos formular uma clara e

coerente noção sobre o que é o lugar de uma coisa? Alguns dizem ‘Sim’, alguns dizem

25 O argumento da substituição citado de M X 8 (ver PH III 120) corresponde a Aristóteles, Física 208b1-8.

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‘Não’, mas o cético permanece em dúvida e refreia o julgamento de toda a forma. Se é

assim que a questão põe-se, não há o tipo de insulamento por assunto de Gassendi entre

ceticismo e a vida ordinária.26 

Finalmente, parece-me que somente tal interpretação como a proponho pode

fazer um sentido adequado com a maneira que o tópico é concluído na versão PH :

É possível citar muitos outros argumentos. Mas com o objetivo deevitar prolongar nossa exposição, devemos concluir dizendo queenquanto os Céticos são levados à confusão pelos argumentos, elessão também envergonhados pela evidência da experiência.Conseqüentemente não nos vinculamos a nenhum lado, na medidaem que concerne a doutrinas dos Dogmáticos, mas suspendemos os juízo quanto a lugar. (PH III 13-15, traduzido por Bury 1933-49).

Os argumentos são os argumentos negativos que demonstram que nenhumaconcepção coerente de lugar pode ser formulada, então lugar não é real, mas aqui eles

são levantados contra uma crença positiva sugerida pela experiência ordinária. Que

crença? A experiência ordinária sugere diretamente que se pode formular uma

concepção filosófica defensável de lugar? Eu penso que não. O que a experiência

ordinária sugere é que se pode localizar objetos em lugares. Qualquer um, afirma o

dogmático de PH, pode olhar e ver a diferença entre direita e esquerda, alto e baixo, e

pode ver que eu estou agora falando onde meu professor costumava falar (PH III 120).Bem pode uma pessoa constranger-se se não puder fazê-lo. E se ele não pode, então, é

claro, será inapropriado falar de ‘evidência’ da experiência: ‘evidência’ é a descrição

epistemologicamente considerada, preparatória para a argumentação dogmática de que a

experiência ordinária estabelece a realidade de lugar.27  Mas o que a experiência

ordinária estabelece, a filosofia deve ser capaz de elucidar. Inversamente—e este é o

ponto chave da crítica negativa—o que a filosofia falha em elucidar, a experiência

ordinária falha em estabelecer (compare PH III 65-6). A questão abstrata da natureza dolugar e questões filosóficas sobre a definição dele surgem na discussão de Sexto, através

da premissa pressuposta, como tentativas de criar um sentido coerente para a atividade

mundana de colocar coisas em seus lugares (dizendo onde elas estão).

26 Quando Gassendi 1658: Parte II, Livro II, Capítulos 1-6 (seleções em Brush 1972: 383-90) critica olugar Aristotélico, sua crítica predominante é que é má ciência e metafísica enganosa. Eu não nego que oinsulamento por assunto, entre o teorético e o ordinário, também pode ser encontrado na antiguidade: oexemplo óbvio é a escola Empírica de medicina (ver Deichgräber 1930). Mas Sexto firmemente repudia a

sugestão de que o cético consistentemente é um Empírico (PH I 236).27 Não há paralelo a isto na versão M, porque os argumentos pró em M têm sido arregimentados em formamodus ponens, sem nenhuma indicação da fundamentação epistemológica da premissa categórica.

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VIII

Creio que a mesma conclusão pode ser extraída da discussão de Sexto sobre o

tempo, mas mais do que ir até maiores detalhes aqui, eu proponho dar um passo atrás

para considerar a totalidade da estratégia na qual o debate sobre o tempo e lugar ocorre.

Não é freqüentemente que Sexto parece limitar o escopo do seu ceticismo da maneira

como faz com lugar, este é o motivo pelo qual me alonguei neste assunto.28 A estratégia

global demonstrará que seria muito surpreendente se tivéssemos atingido outra

conclusão que não a de que o ceticismo Pirrônico não pratica insulamento por assunto.

Mais uma vez, começo com uma forja moderna.

Em seu livro Ethics: Inventing Right and Wrong J.L. Mackie escreve:

A negação de valores objetivos pode carregar uma extrema reaçãoemocional, um sentimento de que nada importa no fim das contas,que a vida perdeu seu propósito. Obviamente, isto não procede; afalta de valores objetivos não é uma boa razão para abandonar aspreocupações subjetivas ou para cessar de querer algo. (Mackie 1977:34).

Mackie pode dizer isto porque a totalidade da sua discussão é baseada em uma

muito forte versão da moderna distinção entre investigações de primeira e segundaordens. Ele insula os julgamentos morais de primeira ordem tão seguramente que pensa

que eles podem sobreviver à descoberta de segunda ordem de que todos os juízos de

valor de primeira ordem envolvem erros, uma errônea (falsa) afirmação quanto a

verdade objetiva. Os Pirrônicos originais, por contraste, pensavam que se um argumento

filosófico poderia trazer dúvida sobre os valores objetivos—em seus termos, se não se

pudesse mostrar que nada é bom ou ruim por natureza—isto teria precisamente o efeito

de fazê-lo cessar de querer algo, ou de esperar algo, ou de temer algo. Seu nome para

este ponto de vista de destacamento da própria vida do sujeito era tranqüilidade.

A grande recomendação do Pirronismo é que a suspensão do juízo sobre todas as

questões, sobre o que é verdadeiro ou falso, bom ou ruim, resulta em tranqüilidade—a

tranqüilidade do distanciamento dos esforços e preocupações do homem comum, de

uma vida vivida após libertar-se da esperança de encontrar respostas das quais depende

a felicidade. Como Sexto explica, a felicidade surge precisamente quando aquela

28

 Um outro caso, mais comumente citado (por exemplo, Frede 1979: 114), é a expressão de Sexto detolerância quanto um tipo de inferência-signo. Sobre isso ver Barnes 1982: 12-18, onde eu estaria menoshesitante do que ele ao atribuir a Sexto uma redução Humeana da inferência ao hábito psicológico.

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esperança for abandonada: a tranqüilidade segue a suspensão do juízo como uma sobra

segue seu corpo (PH I 25-30). De sua maneira particular, o ceticismo Pirrônico oferece

uma prescrição para a felicidade, competindo com a alegre simplicidade do Epicurismo

e com a nobre resignação do sábio Estóico.29 

Ora, uma receita da felicidade deve travar contato com as fontes de infelicidade.

São, acima de tudo, os juízos que fundamentam as esperanças e medos do homem

ordinário que devem ser postos em dúvida e removidos se a tranqüilidade deve ser

alcançada. A meta dos argumentos céticos é, primeiro, a crença ordinária do homem

ordinário de que é bom e desejável ter dinheiro, por exemplo, ou fama ou prazer ( M XI

120-4, 144-6; ver PH I 27-8); e segundo, os juízos de primeira ordem da vida ordinária

sobre o que está acontecendo no mundo circundante, que sustentam-se o alcance destas

metas (se é bom e desejável ter dinheiro, é importante saber onde está o dinheiro). O

método de atacar é o argumento filosófico, mas o alvo é o nosso ego mais íntimo e toda

a condição em que vivemos. Qualquer tentativa de insular nossos juízos de primeira

ordem frustrariam a empreitada filantrópica do cético que nos traz, pelo argumento, à

tranqüilidade da alma (ver PH III 280).

A discussão de Sexto sobre espaço e tempo deveria ser vista sob esta perspectiva

maior. Hoje em dia, se alguém afirma que Enesidemo viveu e trabalhou no primeiro

século a.C. e Sexto Empírico em torno de 200 d.C., vemos uma grande diferença entre

duvidar desta afirmação sobre fundamentos empíricos concernentes à evidência

histórica—que são horrivelmente escassos—e duvidar da afirmação que serve de base

em um argumento filosófico que demonstra que o passado é irreal. Não penso que

Sexto tenha algo como o nosso senso desta diferença. Para ele, qualquer um que diz que

Platão agora está no lugar em que Sócrates estava quando estava vivo, e pretende assim

fazer uma afirmação sobre a verdade, diz algo que está aberto a uma investigação em

que pode ser desafiado a dar razões ou evidências desta afirmação e a defender sualegitimidade, onde isto pode incluir (como vimos) defender uma concepção de lugar ou

da realidade do tempo. Se a defesa falha, isto tem muito do mesmo efeito que falhar em

produzir uma evidência histórica decente. Isto começa a parecer como se não houvesse

uma boa razão para crer no fundamento. E se você não pode encontrar uma boa razão

para crer em um fundamento, o que pode fazer além de suspender o juízo sobre ele?

29  Para discussões mais detalhadas sobre a tranqüilidade Pirrônica, ver Hossenfelder 1968, Burnyeat

‘Pode o Cético Viver seu Ceticismo?’ em ‘Revista Trilhas Filosóficas’, em:http://www.uern.br/outros/trilhasfilosoficas/conteudo/index2.htm  , Annas 1986.

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Kínesis, Vol. II, n° 04, Dezembro-2010, p. 312-348334

Tudo o que lhe resta é o padrão de retirada cética a um tipo de proferimento que não faz

afirmações sobre a verdade, para o qual, conseqüentemente, razões e legitimações não

podem ser exigidos, digo, ‘Parece-me que Platão agora está no lugar onde Sócrates

estava quando estava vivo’.30 Isto é o que você pode dizer sem expor-se a argumentos

céticos.

Mas há outras maneiras sob as quais esta retirada pode expressar-se. Porque o

cético não pretende afirmações sobre a verdade, ele pode dizer coisas que, se

pretendessem ser afirmações sobre a verdade, deveriam pressupor coisas que não podem

ser defendidas. Um exemplo simples, extraído de um outro contexto em Sexto ( M VIII

129): na vida ordinária estar-se-ia feliz em dizer ‘Estou construindo uma casa’’ mas

estritamente e precisamente falando, referir-se a uma casa pressupõe a existência de

uma casa já construída. Então a frase não tem sentido, um mal uso da linguagem

(katachr ē sis).31  No entanto, as pessoas assim falam, da mesma forma que dizem

‘homem’ quando falam sobre ‘ser humano’ ( M VII 50). E nesta destacada atitude do

falante ordinário quanto às pressuposições de sua própria linguagem, o cético encontra

um modelo a seguir em uma escala maior.

É catacréstico usar ‘é’ para ‘aparece’ (PH I 135) e enveredar em um discurso

assertivo sem pretender afirmar ou negar qualquer coisa (PH I 191-2; ver 207). Mas o

cético nos conta que, porque sua única preocupação é indicar como as coisas parecem-

lhe (isto ele diz, é claro, na linguagem comum, com o verbo ‘parece’ em sentido

preciso), ele não zela pelas expressões que usa (PH I 4, 191). Ele pode dispor-se a ser

indiferente aos compromissos e pressupostos do seu vocabulário, porque a parte da

linguagem que ele leva a sério é a parte que permite ao falante expressar sua

descomprometida indiferença quanto a questão sobre se o que ele diz é verdadeiro ou

falso, digo, o vocabulário da aparência. O verbo ‘parece’ (em seu sentido não-

epistêmico) é um dispositivo disponível na linguagem para separar a si mesmo daspressuposições e compromissos do resto da linguagem. Mas uma alternativa igualmente

boa é dizer o que um outro alguém diria, sem preocupar-se com se é verdadeiro ou

falso, sem levar a sério a própria aplicação dos conceitos envolvidos.

30 Sobre a importância do ponto de que proferimentos que registram como as coisas parecem não contamcomo verdadeiros ou falsos, ver Burnyeat ‘Pode o Cético Viver seu Ceticismo?’ em ‘Revista Trilhas

Filosóficas’, em http://www.uern.br/outros/trilhasfilosoficas/conteudo/index2.htm .31  Para o ancestral Aristotélico deste quebra-cabeças, e as profundezas filosóficas que pode atingir, verOwen 1978/9.

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Em seu espírito, se o cético diz que a tábua está em Alexandria, isto não ocorrerá

porque ele duvida que o espaço amplo pressupõe o espaço estrito. Pelo contrário, a

pressuposição é parte do funcionamento normal da linguagem na qual ele pensa e

expressa seu ceticismo. Ele pode estar despreocupado quanto à pressuposição, se e

somente se ele está despreocupado com se é verdadeiro ou falso que a tábua está em

Alexandria. Ele felizmente diz que a tábua está em Alexandria porque, como ele define,

isto significa que há um proferimento (não-epistêmico) sobre a aparência. Ele, assim,

evita o comprometimento precipitado com distinções que demandem um grande

envolvimento com o conhecimento teorético (virtualmente a totalidade da cosmologia

Aristotélica)32 para tornar-se capaz de mover-se.33 

IX

Estamos agora equipados para re-ler a observação de Sexto em PH I 13 de que

dogma no sentido que o cético evita é o assentimento a qualquer das questões não

evidentes investigadas pelas ciências. Isto pareceu suportar a interpretação do nobre

rústico porque poderia facilmente ser considerada como confinando a suspensão cética

de juízo a proferimentos teoréticos. Um grande problema desta leitura, do rústico, é que

Sexto claramente afirma que o resultado da sua crítica ao critério e à verdade é que se é

forçado a suspender o juízo quanto as coisas que os dogmáticos tomam como sendo

evidentes bem como as questões abstrusas que eles descrevem como não-evidentes (PH

II 95,  M VIII 141-2). Todos os proferimentos sobre objetos externos são duvidosos,

mesmo os simples como ‘É dia’ ou ‘O fogão está quente’.

Isto significa que os últimos proferimentos são não-evidentes, e

conseqüentemente também dogma? Eu pensava que sim.34 Mas agora me parece que a

distinção entre questões evidentes e não-evidentes é em si uma dessas distinçõesdogmáticas que o cético ilumina (ver PH II 97). A definição de dogma como

assentimento a qualquer das questões não-evidentes investigadas pelas ciências é

32 Ver notas 15 e 19.33 Cabe a esta conclusão que no último capítulo de PH I, onde Sexto discute o escopo comum entre oceticismo Pirrônico e a escola Metódica de medicina e diz que o uso dos Metódicos da linguagem é não-dogmático e despreocupado com distinções (adiaphoron) como a do cético, ele subsume isto à vida céticaseguindo as aparências (PH I 236-241).  Adiaphoron é comparado com aphelōs em  M X 15, discutido

anteriormente na nota 17. O advérbio adiaphor ōs é unido a katachr ē stik ōs em PH I 191, 207; ver 188,195, M I 61, IX 333.34 Ver nota 13.

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explicitamente tomada de uma outra pessoa (PH I 13).35 Sexto a usa, mas não para o

propósito de insular o ordinário do teorético. Sobre os dois lados da distinção dogmática

ele diz com uma voz clara: é impossível não suspender o juízo. Tudo o que precisamos

adicionar é uma explicação de porque a distinção não diferencia o escopo do ceticismo

de Sexto.

A resposta, eu cedo, é a necessidade do insulamento. Todo proferimento que faz

uma afirmação sobre a verdade cai no escopo da investigação científica porque, mesmo

se o proferimento em si não é de um nível teorético, ele usará conceitos que são sujeitos

a especulação teorética: conceitos tais como movimento, tempo, lugar, corpo. Se estes

conceitos são problemáticos, Sexto argumenta que todos eles são, e nenhuma linha pode

ser traçada entre as dúvidas filosóficas e empíricas, o proferimento original será

igualmente problemático. Você terá que suspender o juízo sobre se o próximo ano letivo

virá para que você trabalhe sobre a filosofia do tempo—e também, é claro, sobre se é

um problema se ele não vir.36 

Conforme vejo, então, o cético antigo filosofa da mesma maneira direta que G.

E. Moore. Moore é conhecido por insistir que uma tese filosófica como ‘O tempo é

irreal’ seja tomada com um certo tipo de seriedade, como se requeresse, por exemplo,

que seja falso que eu tomei café hoje mais cedo. E ele pensa que é relevante e

importante argumentar o contraposto: é verdade que eu tomei café hoje mais cedo, logo

é falso que o tempo seja irreal. As pessoas sempre sentiram que estes argumentos e

atitudes de Moore erram o ponto. Esta não é maneira pela qual as questões filosóficas

deveriam ser tratadas; é um tosco e errôneo tipo de seriedade. Mas eu penso que Sexto

reconheceria um espírito familiar. Se olharmos uma terceira vez os textos diante de nós,

vemos que os dogmáticos de Sexto argumentam exatamente da mesma maneira que

Moore: uma coisa é a direita, outra a esquerda, então há lugares; Platão está onde

Sócrates estava, então pelo menos um lugar existe. Compare: Aqui está uma mão, aquiestá outra, então pelo menos duas coisas externas existem.37 Sexto compreende que isto

35  Ver Burnyeat ‘Pode o Cético Viver seu Ceticismo?’ em ‘Revista Trilhas Filosóficas’, em:http://www.uern.br/outros/trilhasfilosoficas/conteudo/index2.htm  .36  Esta solução para o problema do status dos proferimentos da vida ordinária em Sexo é umageneralização de Barnes 1982: 10-12. Barnes trabalha justamente com um pressuposto: o Pirrônico não

 julgará que o fogão é quente porque ele é incapaz de satisfazer-se de que tem um critério de verdade quefundamente seu juízo. Eu adiciono: e também porque ele é incapaz de encontrar uma elucidação e umadefesa filosófica satisfatória dos conceitos envolvidos ou pressupostos pelo proferimento de que o fogão équente.37

 Para um antigo paralelo da afirmação de Moore (1939: 148-50, 1953: 119-126) de que a premissa desteargumento é muito mais certa do que qualquer premissa filosófica que poderia ser usada para provar suaverdade (ou falsidade), ver Cicero Acad. II 17.

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é circular; ele não compreende que este é o tipo errado de argumento para estabelecer a

tese de que lugar existe. E ele propõe uma versão modal da mesma inferência

inversamente: é problemático se lugar existe, então é problemático se Platão está onde

Sócrates esteve ou se uma coisa está a direita de uma outra. Similarmente: é

problemático se qualquer coisa é boa ou má por natureza, então é problemático se vale a

pena escrever este artigo. Talvez pareça para mim agora que não vale a pena. Tudo bem.

Se eu tivesse atingido o distanciamento cético, esta seria uma aparência não epistêmica:

um pensamento ou sentimento que eu experimento sem qualquer preocupação se ele é

fundado em verdades ou razões, e então sem nenhuma diminuição da minha

tranqüilidade.

X

Estive preocupado em demonstrar que a tempos atrás o ceticismo filosófico tinha

uma seriedade que a filosofia dos dias atuais há muito esqueceu. Agora é o momento de

perguntar quando, e por quem, e porque o insulamento foi inventado. Com esta

finalidade deverei dar uma breve—muito breve, e proporcionalmente menos

documentada—olhadela antes e depois do período (primeiro século a.C. ao terceiro

século d.C.) em que o Pirronismo antigo floresceu.

Primeiro, antes. A idéia de que os juízos de primeira ordem de um homem são

postos em dúvida se não se pode prestar uma defensável conta dos conceitos que estão

sendo aplicados remete-se a nada menos que o hábito bastante conhecido de Sócrates

em insistir que, a não ser que Eutifron, por exemplo, possa definir piedade, ele não sabe,

como pensa que sabe, se é pio processar seu pai por deixar um escravo morrer. O ponto

de vista Socrático de que não se pode conhecer nenhum exemplo que recaia em um

conceito a não ser que se possa dar uma definição ou consideração deste conceito, érotulada como ‘a falácia Socrática’.38  A perspectiva histórica que ofereço deve nos

preparar para adotar um ponto de vista mais complacente, ou pelo menos mais

complexo.39 É errôneo ponderar que quando os interlocutores de Sócrates falham em

fornecer uma definição satisfatória, ele nunca lhes avisa que deixem a filosofia àqueles

que são bons nela, mas mais que continuem a busca por uma definição, de modo que

suas vidas sejam corretamente direcionadas.

38 Geach 1966.39 Referências e discussões em Burnyeat 1977.

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No tempo devido, a insistência de Sócrates na prioridade da definição pelo

conhecimento se tornou a tese de Platão de que não se pode saber nada a não ser que se

saiba as Formas que são o que as definições especificam. E há outros sinais de que em

Platão não há sinais de insulamento. Ele bastante regularmente insiste que uma teoria

filosófica deve ser capaz de estar fundamentada sem refutar-se. A tese do monismo, por

exemplo, que somente uma coisa existe, é refutada no Sofista  (244bd) sobre

fundamentos que alegam que o monismo precisa de mais de uma palavra para ser

formulado. Novamente, a teoria relativista de Protágoras sobre a verdade, que uma

proposição é verdadeira somente para uma pessoa que nela crê como verdadeira, é

trazida para refutar-se no Teeteto (107e- 171c) porque implica que ela mesma não é

verdadeira para aqueles que não crêem que ela seja verdadeira. Em nenhum caso ocorre

a Platão que uma teoria filosófica pode outorgar-se um meta-status especial isentando-a

de ser contada como mais uma entre as proposições com as quais ela lida.

Aristóteles pode parecer uma fonte mais promissora de insulamento. Em Física I

2, por exemplo, ele firmemente diz que o filósofo natural não deve preocupar-se com os

argumentos de Eleatas como Parmênides e Zenão que propõem demonstrar que o

movimento é impossível e que somente uma coisa existe. Na filosofia natural toma-se

como garantido que movimento e pluralidade existem: o que é um primeiro princípio ou

pressuposição de toda a investigação.

Mas em um exame mais acurado percebe-se que o que Aristóteles está insistindo

não é insulamento, mas a repartição em departamentos da investigação. Ele pensa que

as conclusões Eleatas são diretamente incompatíveis com os primeiros princípios que

são um pressuposto da possessão de um tema de estudos; por exemplo, a geometria não

considera se há pontos nem se números existem. Estas são questões para outro estudo,

que Aristóteles chama de filosofia primeira (metafísica). Mas ele pensa deste mais

elevado estudo como deixando conclusões que as ciências subordinadas a ele podemusar como princípios primeiros. Considerando que a filosofia do século vinte tem

frequentemente pensado da ciência e metafísica como bastante distintos  tipos  de

investigação (porque em nosso mundo elas normalmente são), para Aristóteles a

filosofia natural é simplesmente ‘filosofia segunda’ (por exemplo, Metafísica 1037a 14-

15). É uma empreitada menos abstrata e menos geral do que a filosofia primeira, e

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secundária a ela, porque a filosofia primeira tem acesso aos princípios últimos da

explicação ( Metafísica E 1). Isto é tudo.40 

O outro lado desta moeda antiga é que é um erro pensar na Física de Aristóteles

da maneira como tendem a fazer os intérpretes filosóficos do século vinte, como

filosofia da ciência em contraste com ciência.41 A análise de Aristóteles do significado

de ‘lugar’ na linguagem ordinária é uma contribuição mais direta à ciência do que a

análise da linguagem do prazer na Ética é uma contribuição para a sabedoria prática.

Em nenhum caso Aristóteles pensa da análise conceitual como se operasse

independentemente das preocupações de primeira ordem. Ela contribui diretamente para

o conhecimento de primeira ordem. A razão pela qual a análise conceitual expande-se

tanto na Física e na Ética é que Aristóteles sustenta uma substantiva, e em seu tempo

revolucionária tese com o efeito de que os conceitos ordinários do homem ordinário são

os melhores pontos de partida pelos quais passamos ao conhecimento da natureza, por

outro lado, e para a salvação de nossa alma pelo outro. Seu dogmatismo muito positivo

confronta o ceticismo de Sexto em cada ponto não insulado.

XI

Então quando as coisas mudaram? Quem inventou o insulamento?

Não foi, penso eu, Descartes. Descartes não tinha paciência com a tentativa de

Gassendi de limitar o escopo do ceticismo antigo. Com certeza, foi a tentativa de

Descartes de ver que as obras do ceticismo antigo atingem muito mais profundamente

do que o Pirronismo antigo jamais havia sonhado, que eles impugnam a própria

existência do mundo externo no qual o Pirrônico procurou desfrutar da tranqüilidade.42 

Da mesma forma, quando Gassendi, ao manter-se relutante em permitir que Sexto

duvidasse de afirmações ordinárias sobre a verdade, bem como das afirmaçõesteoréticas, estava relutante em aceitar que a dúvida cética da primeira  Meditação

seriamente pretendesse ter um escopo absolutamente geral, Descartes replicou:

Minha afirmação de que todo o testemunho dos sentidos deve serconsiderado incerto, não somente, mas mesmo falso, é bastante sério

40  Eu não entendo porque Kung 1981 pensa que Quine 1951 justifica ter encontrado em Aristótelesantecipações da distinção de Carnap entre questões internas e externas. Em todo caso, a afirmação

depende de ignorar todo o grupo de questões que Aristóteles atribui à filosofia primeira.41 Também Owen 1961: 116, 119, 125-6, Hamlyn 1968: ix, Ackrill 1981: 24, Annas 1981: 286.42 Ver Burnyeat 1982.

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e também necessário para a compreensão das minhas meditações, equem não admite ou não pode admitir isto é incapaz de levantarqualquer objeção que mereça uma réplica. (V Reproduzido em HR II206)43.

Mas então ele continua:

Mas devemos notar a distinção enfatizada por mim em váriaspassagens, entre as atividades práticas da nossa vida e umainvestigação sobre a verdade; quando é um caso de regular a vida,seria seguramente estúpido não confiar nos sentidos, e aqueles céticoseram bastante ridículos que tanto negaram as tarefas humanas quetinham que ser preservados por seus amigos de caírem emprecipícios.44  Foi por essa razão que em algum lugar anunciei queninguém de mente sã seriamente duvidou de tais questões [HR I 142-3]; mas quando fazemos uma investigação sobre qual é o

conhecimento mais seguro que a mente humana pode obter, éclaramente desarrazoado recusar tratá-las como duvidosas, ou mesmonão rejeitá-las como falsas, assim, para permitir-nos tornarmo-nosseguros de que certas outras coisas, que não podem ser assimrejeitadas, são por esta razão mais certas, e em verdade melhorconhecidas por nós.

Assim, este é o mesmo conjunto de proposições que Descartes trata como certas

para os propósitos da vida prática e como duvidosas para os propósitos de uma

investigação sobre a verdade. Não há insulamento do tipo de Gassendi aqui. Mas

também não há aqui qualquer outro tipo de insulamento. Descartes tem que insistir que

sua dúvida é estritamente teorética e metodológica, não prática, precisamente porque ele

crê que os juízos da vida ordinária realmente são postos em dúvida pelos argumentos

céticos. Eles são tornados tão completamente e totalmente duvidosos que Descartes

sente que deve construir um código provisório de conduta para preservar sua vida

prática enquanto está conduzindo a investigação sobre a verdade. Imagine um filósofo

moderno apresentando um seminário sobre o ceticismo preparando um conjunto de

regras para todos viverem até que as dúvidas céticas forem postas em suspenso. Isto é o

que Descartes faz, em grande parte na parte III do  Discurso do Método (HR I 95 em

diante). Sua distinção entre teorético e prático não é insulamento, mas uma abstração

deliberada de si mesmo das preocupações práticas, uma resolução de manter-se

descomprometido de tudo o que há na esfera prática até que a teoria tenha lhe dado a

verdade sobre o mundo e uma moralidade na qual possa crer.

43

 HR = Haldane and Ross 1931.44 A referência é a uma história sobre Pirro relatada em DL IX 62. Outras referências a céticos antigos defato vivendo seu ceticismo estão em HR I 206, II 335.

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Se não Descartes, então que tal Berkeley? Berkeley conheceu os argumentos

Pirrônicos através de Bayle45 e sua resposta foi a bem conhecida abolição da distinção

entre aparência e realidade. Se a distinção é feita, então Berkeley concorda que os

argumentos céticos demonstram que não podemos saber a verdade sobre qualquer

proferimento sobre como as coisas realmente são. A única resposta é dizer que a

maneira que as coisas realmente são não está além e acima das aparências. A questão é,

Berkeley pensa que isto pode ou deveria fazer diferença para os juízos da vida

ordinária? A resposta parece ser que às vezes sim e às vezes não.

Quando na disposição de adaptar o homem comum, Berkeley afirmará ou

deduzirá que seu idealismo não materialista não é uma alternativa ao, mas uma análise

do, discurso ordinário. Isto dá conta corretamente do que ordinariamente queremos

dizer quando falamos de objetos, de modo que nossos proferimentos ordinários se

tornam verdade (1710: § 82 fim: ver §§ 34-5).

Mas Berkeley não está sempre tão disposto a adaptar o pensamento ordinário.

Considere sua muito conhecida prescrição de ‘pensar com os eruditos, e falar com os

vulgares’ (1710: § 51). Isto é motivado por uma admissão de que sobre seus princípios,

proferimentos ordinários casuais como ‘O fogo queima’, ‘A água esfria’, tornam-se

falsos. Em seu sistema somente a mente tem eficácia causal. Então se continuarmos a

dizer, com o vulgar, ‘O fogo queima’, teremos que fazê-lo com o mesmo espírito em

que um Copernicano continua a dizer que o sol está nascendo. Estritamente, o que o

vulgar diz não é acurado, é falso. Isto é como o erro de Mackie na teoria do discurso

moral, mas com a crucial diferença de que Berkeley não tem a garantia do século vinte

de que a distinção entre investigações do primeiro e do segundo nível suaviza o

problema. Da maneira que Berkeley vê o problema, o idealismo pesa sobre pelo menos

alguns juízos ordinários da mesma maneira que a teoria Copernicana pesa sobre o

proferimento de que o sol nasce.46 

Assim, o progresso de Berkeley em direção ao insulamento é mais bem

qualificado e ambíguo. Hume pula direto para dentro da posição que encontramos em

Sexto; ou pelo menos, assim parece à primeira vista. É bastante essencial para o

programa de Hume que o Pirronismo incida direta e drasticamente contra nossas crenças

45 Ver Popkin 1951/2.46

 Um interessante paralelo antigo é Empédocles, frag. 9: pessoas falam, incorretamente, de coisas vindo aser e passando; Empédocles reconhece que faz uso do costumeiro modo de falar para os propósitos do seupróprio discurso; mas ele não retira um iota da sua consideração de que isto é um erro.

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cotidianas. Hume mantém que se fôssemos as criaturas racionais que nos gabamos de

ser, desistiríamos, por exemplo, da crença em objetos externos que demonstra ser

infundada. O fato é, contudo, que não desistimos da crença. Inevitavelmente, as crenças

recapturam nossas mentes quando abandonamos nossos estudos pelas questões

cotidianas. É esta resistência de nossas crenças aos argumentos céticos que demonstra,

para Hume, o papel em nossas vidas de fatores outros que não a razão, como hábito e

imaginação. Eles, e não a razão, devem ser os responsáveis por nossas crenças, se as

crenças não se vão quando as razões para elas são invalidadas pela crítica cética. Todo o

argumento entraria em colapso se nossas crenças cotidianas fossem insuladas por algum

dispositivo lógico inerente àquela crítica, daquilo que Hume chama de os rigores

impossíveis do Pirronismo.

É verdade, pode-se ver um tipo de insulamento no próprio fato de que as crenças

não seguem adiante. Mas o que é importante sobre isto é que para Hume isto é somente

um fato, um fenômeno que podemos detectar em nós mesmos quando abandonamos o

estudo. Se Descartes tivesse atentado ao mesmo fenômeno, ele não precisaria da sua

moral provisória.

O próximo passo não é difícil de predizer. É possível impressionar-se mais com

o relato de Hume da impotência do ceticismo para mover nossas crenças cotidianas do

que com seu argumento que pressupõe a impotência da razão. Se qualquer um pudesse

encontrar uma maneira de preservar a premissa enquanto nega a conclusão, o ceticismo

sofreria uma dramática perda de significado.

O que nos leva, como muitos já devem ter adivinhado, a Kant. Foi Kant quem

persuadiu a filosofia de que se pode ser, simultaneamente e sem contradições, um

realista empírico e um idealista transcendental. Ou seja, foi Kant quem nos deu a idéia

de que há uma maneira de dizer o mesmo tipo de coisa como céticos reais, tais como

Enesidemo costumava fazer, cito ‘Os sujeitos cognoscentes contribuem para o que éconhecido’, o que de toda forma não impugna a objetividade dos juízos nos quais o

conhecimento é expresso. Onde Enesidemo citaria fatores empíricos (icterícia e coisas

do gênero) que obstruem o conhecimento objetivo, o princípio Kantiano de que objetos

têm que se conformar como nosso conhecimento é desenvolvido para demonstrar que

nossos juízos são validados, não impugnados, pela contribuição da mente cognoscente.

Mas Kant pode fazer esta afirmação, famosamente difícil como é, somente porque em

sua filosofia a ligação pressuposta é de fato verdadeiramente quebrada. ‘O fogão équente’, tomado empiricamente, não implica um ponto de vista filosófico de nível

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transcendental onde de agora em diante a batalha filosófica será lutada. O realismo

empírico é invulnerável ao ceticismo e compatível com o idealismo transcendental.47 

Desta maneira, com o apoio de sua distinção de níveis (insulamento de iure),

Kant pensou que refutava o ceticismo de uma vez por todas. O efeito, contudo, foi que o

ceticismo moveu-se para cima, para o nível transcendental.

Eu digo isto porque penso ser interessante notar como o cético de Thompson

Clarke repete coisas que Kant disse, mas em um tom de voz bastante diferente. O cético

de Clarke toma o que é chamado de ponto de vista absoluto e declara que as afirmações

do conhecimento do homem comum vão todas muito bem no contexto da vida ordinária,

mas não incorporam um conhecimento absoluto das coisas como elas são em si

mesmas; elas são conhecimento somente em uma maneira de falar—a maneira de falar

do homem comum, que não tem fundamento fora das práticas da vida ordinária. Então

atingimos a idéia de que há duas maneiras de entender um proferimento como ‘O fogão

está quente’, a maneira comum e a maneira filosófica, e é somente à afirmação cética de

um conhecimento absoluto que o cético questiona. A questão é precisamente sobre se

‘O fogão é quente’ pode incorporar qualquer maior ou mais profundo tipo de

conhecimento e verdade do que o homem comum admite. Mais uma vez o insulamento

Kantiano por níveis está estabelecido, o ceticismo torna-se transcendental.

A outra coisa importante sobre o cético de Clarke, e sobre muitas referências a

‘o cético’ na literatura filosófica moderna, é que este cético não tem realidade histórica.

É uma construção da imaginação da filosofia moderna. O ponto é que quando o

ceticismo se torna transcendental, a expressão ‘o cético’ tem que perder sua referência

histórica, isto ainda leva a Hume, esta conexão com o que certas figuras históricas de

fato disseram ou pensaram. ‘O cético’ se tornou o nome de algo interno ao pensamento

do próprio filósofo, seu alter ego, com o qual ele luta em um debate que é agora um

debate filosófico no sentido moderno.

XII

Em anos recentes foi argumentado com muita habilidade e academicismo que

algo do tipo do ceticismo transcendental poderia ser encontrado nos textos da tradição

47

 Este esboço deve muito a Stroud 1983, que deve ser lido em conjunção com a demonstração de Tonelli(1967) de que o ceticismo da época de Kant era ainda essencialmente o ceticismo ‘empírico’ da tradiçãoantiga. Para algumas conexões relevantes entre o insulamento de Kant e o de Wittgenstein, ver Lear 1982.

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do antigo Pirronismo, acima de tudo PH I 13.48 Sexto, nesta interpretação, insula não

entre assuntos, como pensou Gassendi, mas entre uma maneira ordinária e uma

filosófica de entender proferimentos tais como ‘O fogão está quente’. Sexto descreve-se

como um defensor do homem comum e da vida ordinária. Ele não tem objeção à

maneira de falar do homem comum, somente à crença dogmática de que pode atingir

um mais além ou mais profundo tipo de conhecimento e verdade do que o homem

comum requer para os propósitos da vida comum.

Esta é uma interpretação atraente, mas a perspectiva histórica que tentei

apresentar sugere que não é simplesmente errado da mesma maneira que a interpretação

de insulamento de Gassendi é errada, mas que isto é anacronismo. Seu anacronismo é o

outro lado do anacronismo de G.E. Moore. Moore tentou levar o ceticismo a sério. Ele

recusou considerar qualquer artifício causador de insulamento do tipo provido pela

distinção Kantiana entre o transcendental e o empírico. Mas ele foi bem sucedido

somente soando peculiarmente, até mesmo escandalosamente, tosco—somente porque

considerava o ceticismo em termos pré-Kantianos, como se Kant não tivesse existido.

Moore é tosco onde Sexto é meramente inocente, porque, é claro, é verdade que quando

Sexto escreveu Kant não existia. O problema com a inocência—a imagem é muito

próxima da de Kant (1781: A761)—é que, uma vez perdida, jamais pode ser

recuperada.49 

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Burton Dreben em Berkeley em 1981. Uma versão mais curta deste artigo foi publicada em  philosophy in History: Essays on the Historiography of Philosophy, editores R. Rorty, J.B. Schneewind, e Q. Skinner,(Cambridge University Press 1984), 225-254.

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