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• HUMANIDADES LITERATURA CIENTÍFICA Um cético provoca polêmica Livro que reavalia problemas ambientais suscita críticas de pesquisadores ba de ser escolhido para dirigir o novo Instituto de Avaliação Arnbien- tal da Dinamarca, órgão criado pelo primeiro-ministro Anders Fogh Ras- mussen, do Partido Liberal. O pre- sidente norte-americano, principal crítico de Kyoto, diz que o acordo li- mitaria a capacidade de crescimento da economia de seu país. Esse não é o grande problema do protocolo, na opinião do estatístico: "O dinheiro que gastaríamos para implementar Kyoto, talvez US$ 150 bilhões por ano - eu- jos possíveis benefícios só seriam sen- tidos pelas gerações futuras de habi- tantes do Terceiro Mundo -, seria mais bem empregado em ajuda direta aos países pobres, o que teria impacto imediato': Lomborg evita apontar direta- mente a comunidade científica como co-responsável pela dominante visão pessimista acerca dos destinos do pla- N enhum livro sacudiu tanto o meio científi- co nos últimos meses como The Skeptical Environmentalist - Measuring the Real State of the World (numa tradução livre, O Ambienta- lista Cético - Medindo o Estado Real do Mundo), escrito por Bjorn Lom- borg, 36 anos, professor de estatística do Departamento de Ciência Política da Universidade de Aarhus, Dina- marca. Em 540 páginas, um terço de- las ocupado pelas fartas notas de ro- dapé (2.930) e extensa bibliografia recheada de fontes oficiais, esse ex- ativista do Greenpeace manda um recado claro ao leitor: esqueça o que você leu antes sobre problemas ambi- entais. Se o mundo não vai bem, na pior das hipóteses está melhorando dia após dia, graças aos avanços da tecnologia. Em linhas gerais, Lom- 90 ABRIL DE 2002 PESQUISA FAPESP borg sustenta a tese de que o planeta, do ponto de vista ambiental, está hoje em melhor forma do que no passado. Aquecimento do planeta, chuva ácida, destruição de florestas, extinção de espécies, poluição do ar e da água, buraco na camada de ozônio, escas- sez de recursos naturais - tudo isso, e muito mais, de acordo com Lom- borg, é um problema menor, cujos danos, reais ou potenciais, têm sido exagerados pelo movimento verde e meios de comunicação. Em sua avali- ação, não vai faltar energia ou comi- da para o mundo no futuro. E o Pro- tocolo de Kyoto, o acordo interna- cional que tenta limitar as emissões de gases dos países desenvolvidos, li- gados ao aumento do efeito estufa na Terra, é um mau acordo. "George Bush está fazendo o certo, mas por mo- tivos errados", opina, em entrevista a Pesquisa FAPESP, Lomborg, que aca-

LITERATURA CIENTÍFICA Um cético provoca polêmica · len Hammond, do World Resources 92 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP Institute: o postulado central de que a Terra, como

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Page 1: LITERATURA CIENTÍFICA Um cético provoca polêmica · len Hammond, do World Resources 92 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP Institute: o postulado central de que a Terra, como

• HUMANIDADES

LITERATURA CIENTÍFICA

Um céticoprovocapolêmicaLivro que reavaliaproblemas ambientaissuscita críticasde pesquisadores

ba de ser escolhido para dirigir onovo Instituto de Avaliação Arnbien-tal da Dinamarca, órgão criado peloprimeiro-ministro Anders Fogh Ras-mussen, do Partido Liberal. O pre-sidente norte-americano, principalcrítico de Kyoto, diz que o acordo li-mitaria a capacidade de crescimentoda economia de seu país. Esse não éo grande problema do protocolo, naopinião do estatístico: "O dinheiro quegastaríamos para implementar Kyoto,talvez US$ 150 bilhões por ano - eu-jos possíveis benefícios só seriam sen-tidos pelas gerações futuras de habi-tantes do Terceiro Mundo -, seriamais bem empregado em ajuda diretaaos países pobres, o que teria impactoimediato':

Lomborg evita apontar direta-mente a comunidade científica comoco-responsável pela dominante visãopessimista acerca dos destinos do pla-

Nenhumlivro sacudiu

tanto o meio científi-co nos últimos mesescomo The SkepticalEnvironmentalist -

Measuring the Real State of the World(numa tradução livre, O Ambienta-lista Cético - Medindo o Estado Realdo Mundo), escrito por Bjorn Lom-borg, 36 anos, professor de estatísticado Departamento de Ciência Políticada Universidade de Aarhus, Dina-marca. Em 540 páginas, um terço de-las ocupado pelas fartas notas de ro-dapé (2.930) e extensa bibliografiarecheada de fontes oficiais, esse ex-ativista do Greenpeace manda umrecado claro ao leitor: esqueça o quevocê leu antes sobre problemas ambi-entais. Se o mundo não vai bem, napior das hipóteses está melhorandodia após dia, graças aos avanços datecnologia. Em linhas gerais, Lom-

90 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP

borg sustenta a tese de que o planeta,do ponto de vista ambiental, está hojeem melhor forma do que no passado.

Aquecimento do planeta, chuvaácida, destruição de florestas, extinçãode espécies, poluição do ar e da água,buraco na camada de ozônio, escas-sez de recursos naturais - tudo isso,e muito mais, de acordo com Lom-borg, é um problema menor, cujosdanos, reais ou potenciais, têm sidoexagerados pelo movimento verde emeios de comunicação. Em sua avali-ação, não vai faltar energia ou comi-da para o mundo no futuro. E o Pro-tocolo de Kyoto, o acordo interna-cional que tenta limitar as emissõesde gases dos países desenvolvidos, li-gados ao aumento do efeito estufa naTerra, é um mau acordo. "GeorgeBush está fazendo o certo, mas por mo-tivos errados", opina, em entrevista aPesquisa FAPESP, Lomborg, que aca-

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neta. Ainda assim, tem sido acusadode fraude e chamado de manipuladorde dados por vários cientistas. Até umsite contra ele foi criado: www.anti-lomborg.com. Mas ele garante: "Nãoqueria causar polêmica, apenas levan-tar esse debate".

É curioso notar que, a rigor, OAm-bientalista Cético nem é um livro novo.Foi lançado originalmente em dina-marquês em 1998. Em 2000, ganhouuma versão em islandês e, no ano se-guinte, foi vertido para o sueco.Até en-tão, os efeitos da obra de Lomborg -que, antes de se lançar ao exame dasquestões ambientais, ocupava-se detemas como simulações de estraté-gias em dilemas de ação coletiva e docomportamento de partidos políticosem sistemas de votação proporcional- restringiam-se à Escandinávia. Asrepercussões de seu pensamento nosEstados Unidos e demais países da

eting

Europa - e, por tabela, nas outras par-tes globalizadas do mundo - começa-ram para valer apenas depois de 30 deagosto passado, quando a CambridgeUniversity Press lançou a versão eminglês do livro. Rapidamente, a obrase tornou um sucesso internacional.O dinamarquês, que admite não ter for-mação técnica nos assuntos sobre osquais escreveu, recusa-se a dizer quan-tos exemplares de O Ambientalista Cé-tico já foram vendidos. "Minha edi-tora pediu para não divulgar isso."Mas garante que não ficou rico comos direitos autorais da obra.

Lomborg, ao se autodenominar umambientalista cético em seu polêmicolivro, define de saída e claramente o queentende por isso, numa tradução livre:"Ambientalista, porque eu - como amaioria das pessoas - me preocupocom nossa terra, com a saúde e o bem-estar das gerações futuras. Cético, por-

o dinamarquês Bjorn Lomborgdá pouca atenção à poluiçãoem megacidades como São Paulo

que me preocupo a ponto de desejarque não atuemos sobre mitos, sejampessimistas ou otimistas': Em vez dosmitos, acrescenta, "temos que usar amelhor infOrm~- disponível para nosunirmos a ou os no objetivo comumde fazer um a anhã melhor':

No meio científico, contudo, as te-ses defendidas no livro tornaram-sealvo de ácidas críticas de conhecidospesquisadores, em artigos escritos parapublicações de peso, como Nature eScience. E, fora dele, valeram até umatorta atirada ao rosto de seu autor porambientalistas ingleses, em setembropassado, numa livraria de Oxford. Aschamadas de alguns artigos contra otrabalho de Lomborg dão bem o tomdas recriminações que lhe são endere-çadas, que, longe de apenas científicas,são também políticas. Dois exemplos:Contando com maná do céu?, títulodo artigo escrito por Michael Grubb,do Grupo de Manejo e Política Am-biental do Imperial College de Londrese do Departamento de Economia Apli-cada da Universidade de Cambridge,naediçãode 9 de novembro de 2001 da re-vista Science; e Matemática Engana-dora sobre a Terra, chamada formula-da pela revista de divulgação científicanorte-americana Scientific Americanpara remeter a quatro textos escritospor especialistas em questões ambien-:tais, que ocupavam 11 páginas da edi-ção de janeiro.

Confronto de visões - Fortes evidên-cias do caráter político da polêmicaprovocada pelo livro estão na cobertu-ra que lhe tem dispensado a respeita-da revista inglesa The Economist. Emeditorial publicado na edição de 2 defevereiro, por exemplo, em que a~alisaa fúria inspirada pelo trabalho de BjornLomborg e as visões de seus críticos, arevista recupera uma curiosa afirma-ção de Stephen Schneider, um dos au-tores dos textos da Scientific Americande janeiro contra o ambientalista cé-tico, feita 13 anos antes para a revista

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Previsões de Lomborg: matasnão correm perigo e vento vai

gerar 50% da energia do mundo

Discover. Nela, Schneider, professor deBiologia Ambiental e Mudanças Glo-bais da Universidade Stanford, asse-gurava que cada cientista, tratandodas questões ambientais, precisavadecidir "o equilíbrio correto entre sereficaz e ser honesto': Observava que oscientistas "são também seres huma-nos", que, como a maioria das pessoas,gostariam de ver um mundo melhor.Para isso, era necessário obter apoiopara capturar a imaginação popular, oque implicava conseguir ampla cober-tura da mídia. Desse ponto, ele con-cluía o seguinte: "Então, temos queoferecer cenários assustadores, fazerafirmações dramáticas, simplificado-ras e fazer poucas menções a qualquerdúvida que possamos ter".

As reportagens da Economist, mes-mo favoráveis a Lomborg, não se fur-tam a levantar problemas no seu tra-balho. Numa delas (edição de 2 defevereiro), é apontada essa falha: "Suaabordagem ao examinar dados em ní-vel global, embora faça sentido do pon-to de vista estatístico, tende a mascarartendências ambientais locais".

Outro problema da visão de Lom-borg, segundo a publicação, desta vezapoiando-se num argumento de Al-len Hammond, do World Resources

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Institute: o postulado central de que aTerra, como um todo, está melhoran-do, ainda que altamente questionável,só faria sentido para os países desen-volvidos. "Os números oferecidos pelolivro mascaram a piora nos níveis depoluição em megacidades do mundopobre': afirmava a reportagem. Porfim, um terceiro pecado de Lomborg,sempre segundo The Economist: "O li-vro dá pouco crédito à política ambien-

tal como a causa de aprimoramentosna área ambiental".

Aos olhos de um morador do Pri-meiro Mundo, esses senões metodo-lógicos podem até parecer falhas se-cundárias de O Ambientalista Cético,como dá a entender o tom da Econo-misto Para quem não está na EuropaOcidental, nos Estados Unidos ou noJapão, a distorção criada pelo uso ex-clusivo de estatísticas globais gera umcenário descolado da realidade em boaparte da Terra. Lomborg admite as li-mitações do livro, escrito para o pú-blico dos países desenvolvidos. Tam-bém reconhece que cometeu falhas aomexer com a montanha de dados ex-plorados em seu tratado cético-am-

biental- alguns desses desli-zes são apontados em seu site(www.lomborg.cornl.rio qualcoloca reportagens e comen-tários sobre o livro. "São errosmenores, que não compro-metem a argumentação': dizLomborg, para quem grandeparte dos problemas ambien-tais dos paísespobres se resol-verá com o progresso econô-mico das nações.

Muita gente séria acreditaque as falhas metodológicasnão são tão inofensivas assim.Para Carlos Alfredo Ioly, daUniversidade Estadual deCampinas e coordenador doprograma BIOTA, da FA-PESP,o livro constrói seu ra-ciocínio de' que as florestasnão estão em perigo a partir dedados sobre cobertura vegetalque não fazem distinção entremata nativa, onde a biodiver-sidade deve ser alta, e área re-florestada com, por exemplo,

eucaliptos, onde a variedade de espé-ciesque alivivem é muito menor. "Achoque isso leva a erros grosseiros", dizJoly. "Se fizermos uma avaliação dequal é a cobertura florestal do Estadode São Paulo considerando só os re-manescentes de vegetação nativa, te-remos de 8% a 9% de mata. Mas, seadicionarmos a isso as áreas de reflo-restamento, talvez a porcentagem deárea florestal dobre." •