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® BuscaLegis.ccj.ufsc.br O Método Literal na Interpretação Jurídica Daniel Alves Pessoa* Ricardo José da Costa Lima** Sérgio Gouveia de Macedo*** SUMÁRIO: 1 – Introdução; 2 – O método literal na interpretação jurídica; 2.1 – A linguagem; 2.2 – Conceito; 2.3 – A importância na interpretação jurídica e confrontação com os demais métodos; 3 – Conclusão; 4 – Bibliografia. 1 – INTRODUÇÃO. A interpretação jurídica não se confunde com a interpretação literária, muito embora aquela encontre bastantes substratos nesta, para empreender com os seus objetivos. Distanciam-se em muito na valoração dos critérios e processos metodológicos adotados. Desse modo, não cabe o emprego na interpretação jurídica de métodos e critérios puramente consistentes da interpretação literária, pois naquela subsiste com maior influência fatores externos concretos que devem ser avaliados e valorados para que se possa interpretar o texto legal com o máximo de aproximação do real sentido e alcance, dentre as inúmeras possibilidades interpretativas, que se coadune com os fatos concreto e o direito que lhes é correlato.

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O Método Literal na Interpretação Jurídica

Daniel Alves Pessoa*

Ricardo José da Costa Lima**

Sérgio Gouveia de Macedo***

SUMÁRIO: 1 – Introdução; 2 – O método literal na interpretação jurídica; 2.1 – A

linguagem; 2.2 – Conceito; 2.3 – A importância na interpretação jurídica e confrontação

com os demais métodos; 3 – Conclusão; 4 – Bibliografia.

1 – INTRODUÇÃO.

A interpretação jurídica não se confunde com a interpretação literária, muito embora

aquela encontre bastantes substratos nesta, para empreender com os seus objetivos.

Distanciam-se em muito na valoração dos critérios e processos metodológicos adotados.

Desse modo, não cabe o emprego na interpretação jurídica de métodos e critérios

puramente consistentes da interpretação literária, pois naquela subsiste com maior

influência fatores externos concretos que devem ser avaliados e valorados para que se possa

interpretar o texto legal com o máximo de aproximação do real sentido e alcance, dentre as

inúmeras possibilidades interpretativas, que se coadune com os fatos concreto e o direito

que lhes é correlato.

Comentando sobre o assunto, o eminente jusfilósofo Gustav Radbruch apregoa que

é possível abstrair a “natureza íntima” da interpretação jurídica comparando-a com a

interpretação filológica, ressaltando-lhes, portanto, as diferenças, substancialmente na

finalidade, porquanto, a interpretação jurídica objetivaria “fixar, não um facto, mas o

sentido objectivamente válido dum preceito ou disposição jurídica”1. E, mais adiante,

arremata a questão com os seguintes dizeres:

“Se, portanto, quisermos compreender bem o que há de mais

característico na interpretação jurídica, não a devemos

aproximar da interpretação filológica, mas sim lembrarmo-

nos de que esta última é um produto muito tardio na história

das ciências, ao passo que a primeira se mostra muito mais

aparentada com as formas mais antigas de interpretação que

se conhecem.”2

Hodiernamente, não se concebe mais a interpretação jurídica como simples ato de

“explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras

palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão;

extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém.”3 A nova tendência é

norteada pela ampliação do objeto e do fim da interpretação jurídica, atualmente

consolidada nos outros centros culturais e jurídicos como os europeus. Isto é, o objeto que

era, segundo a doutrina tradicional da hermenêutica, apenas o texto legal da norma jurídica

interpretanda, alarga-se para a própria norma jurídica que encerra o direito a ser apanhado

pela interpretação. Em outras palavras, o objeto da interpretação jurídica constitui o

próprio direito que se encontra regulamentado na norma jurídica, sendo esta, por sua vez,

representada semioticamente nos seus corpos verbais (textos das leis), sem, contudo, que

1RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 6. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1997. p. 229. 2Ib. Ibdem. p. 232.

3MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 9.

este último elemento deixe de ser objeto também da interpretação jurídica.4 E, na seara da

finalidade, a nova orientação é que o interprete não deve buscar tão-somente o sentido e

alcance do direito contido na norma interpretanda, mas a sua própria realização no plano

prático. Desse modo, a interpretação jurídica é compreendida num sentido normativo, em

que sua função passa a ser considerada sob a ótica judicativa-prática, isto é, no plano

decisório.5

Diante disso, a interpretação jurídica é, pois, um ato do intelecto de cunho

cognoscitivo sobre uma norma, redundando na apreensão e discernimento quanto ao seu

sentido objetivo e alcance, com o fito de realizar o direito regulamentado pela norma

interpretanda, possibilitando desta forma a obtenção de Justiça para a resolução duma

problemática jurídica ou de um conflito.

Nesse contexto, tendo, ainda, a hermenêutica como ciência que estuda a

metodologia e regras da arte de interpretar, vislumbrando uma série de processos, métodos

ou elementos de interpretação, quais sejam, conforme o prisma clássico da hermenêutica: o

gramatical ou literal; o lógico; o histórico-evolutivo; o sistemático; o teleológico; e o

sociológico, encontramos, pois, o assunto de nossas atenções nesse modesto ensaio, cuja

abordagem será de acordo com as teorias mais atuais e progressistas que nos foi possível

investigar.

4Sobre esse assunto, A. Castanheira Neves prenuncia que “o objeto da interpretação não é o texto da lei como texto (o sentido que no texto se exprime, esse sentido em termos hermenêuticos gerais), mas a norma que esse texto pretende manifestar (o sentido formativo que através do texto se intenciona, tal como numa monografia jurídica o leitor não se dirige ao sentido filológico-literário que se exprime no texto, mas ao sentido jurídico que se comunica através do texto). E isto sem que possa objectar-se que a norma é o ‘resultado’ a atingir mediante o texto como ‘objecto’, pois o texto não vai considerado nesta distinção, assim como o não vai no pensamento comum que vê nele o objecto da interpretação, tão-só no seu corpus verbal ou em termos unicamente semióticos, mas no seu teor significativo – e também neste caso o texto é objecto intencional e não simplesmente formal.” Mais adiante, fazendo uma confrontação entre a escola tradicionalista fundada no positivismo jurídico (L’école de l’exégèse) e a atual corrente aventada, o autor pondera: “(...) Se é análise da significação textual de uma fonte jurídica ou se é antes a procura do direito (de um sentido normativo de direito) através dessa fonte. A interpretação em sentido próprio abre (normativamente) a fonte ao direito, e distingue a lex do ius; a exegese fecha (analiticamente) a fonte no seu próprio texto, e identifica o ius à lex.” (In: Enciclopédia verbo da sociedade e do estado: interpretação jurídica. Lisboa/São Paulo: Verbo, 1985. v. 3, p. 658.) 5NEVES, A. Castanheira. Op. Cit. p. 695.

Isto posto, delimitamos o âmbito de nossa pesquisa, conforme o tema proposto do

método literal na interpretação jurídica. Porém, não serão deixadas de lado as digressões a

respeito dos demais métodos e regras existentes na hermenêutica jurídica tradicional, além

dos novos enfoques apresentados, para que haja uma melhor compreensão da problemática

que o envolve.

2 – O MÉTODO LITERAL NA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA.

2.1 – A linguagem.

O legislador utiliza, ao promulgar uma lei, o idioma ou o vernáculo para externar o

direito a ser regulado por uma norma jurídica. Destarte, infere-se a clássica divisão da lei

em sua letra e seu espírito. E nisto consiste a primeira questão dificultosa para o interprete

e aplicador do direito, pois as palavras não possuem o condão de exprimir precisamente o

pensamento e a vontade. Ademais, as palavras são vagas e ambíguas. Por isso, podemos

dizer que ocorreu a derrogação do brocardo in claris cessat interpretatio, porque, mesmo

que o texto legal seja claro, caberá a interpretação por parte do aplicador, ante as mudanças

operadas pelo tempo e pelo espaço, no mínimo. É como propugna Maria Helena Diniz6,

citando Degni:

“A clareza de um texto legal é coisa relativa. Uma mesma disposição pode

ser clara em sua aplicação aos casos mais imediatos e pode ser duvidosa

quando se a aplica a outras relações que nela possam enquadrar e às quais

não se refere diretamente, e a outras questões que, na prática, em sua

atuação, podem sempre surgir. Uma disposição poderá parecer clara a quem

a examinar superficialmente, ao passo que se revelará tal a quem a

considerar nos seus fins, nos seus precedentes históricos, nas suas conexões

6DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 141.

com todos os elementos sociais que agem sobre a vida do direito na sua

aplicação a relações que, como produto de novas exigências e condições, não

poderiam ser consideradas, ao tempo da formação da lei, na sua conexão

com o sistema geral do direito positivo vigente.”

Ora, as palavras são meros símbolos que, concatenados, podem sintetizar uma idéia,

mas não poderá abarcar na totalidade o complexo processo de formação do pensamento e

da vontade, nem, tampouco, da representação das coisas, de forma que outros elementos

são excluídos pela própria essência do resultado de expressão pelos vocábulos. Isto é,

ontologicamente, por ser sintético, não se deterá nos pormenores da elaboração daqueles

pensamentos e das vontades que originam a norma jurídica a tutelar o direito,

consubstanciando apenas o que de mais geral e importante se sobressai para manifestá-lo

no texto legal.

Então, como “a letra não traduz a idéia, na sua integridade”, produzindo tão-

somente, “em cérebro alheio, o abrolhar de um produto intelectual semelhante, jamais

idêntico, ao que a fórmula é chamada a exprimir”7, cremos, como Heck8, que a letra da lei

possui apenas valor heurístico, sem que lhe possa atribuir o valor normativo, ou seja, o

texto legal atua como uma ponte para que o interprete e aplicador descubra a norma jurídica

que regula o direito (espírito da lei) a ser interpretado e realizado.

Afora esse problema da vagueza, outro surge na medida que o legislador se utilize

das linguagens comum, usual ou técnico-jurídica para dar forma às leis, gerando, portanto,

a ambigüidade. Saliente-se, ainda, os variegados sentidos que uma palavra pode assumir

ou, inversamente, vários vocábulos possuindo um único significado, corroborando assim

com as dúvidas semânticas.

Outrossim, as palavras sofrem variações conforme: o local em que fora empregada

(regionalismos); a época da redação do texto legal (neologismos); o linguajar próprio do

7MAXIMILIANO, Carlos. Op. Cit. p. 117. 8NEVES, A. Castanheira. Op. Cit. p. 659.

indivíduo; e, também, a aplicação ora no sentido vulgar, ora no técnico. Tudo isso gera

vacilações de interpretação, controvérsias na prática, enfim, uma gama de problemas

hermenêuticos. Acrescente-se, mais, o transplante de legislação de um povo para outro, em

que ocorre a tradução, sacrificando muitas vezes a precisão.

Deveras, “o primeiro esforço de quem pretende compreender pensamentos alheios

orienta-se no sentido de entender a linguagem empregada. Daí se originou o processo

verbal, ou filológico, de exegese.” Por razões óbvias, se a linguagem constitui o meio

representativo dos pensamentos, das vontades e das coisas, da qual o legislador necessita

para exteriorizar a mens legislatoris, logo o interprete tem que dominá-la em toda sua

anatomia, fisiologia e patologia, para poder analisar esse objeto da interpretação (letra da

lei).9

2.2 – Conceito.

Como dito, a doutrina tradicionalista identificava o objeto da interpretação com o

texto da lei. Então, o método filológico era definido como o procedimento ou técnica que

determinava a acepção literal dos vocábulos e do texto legal como um todo, com a

finalidade de limitar a interpretação, pois, diante da atribuição de um valor normativo à

letra da lei, os inúmeros sentidos encontrados pelo interprete e aplicador, seja pelo próprio

método gramatical ou pelos demais, seria delimitado consoante o texto legal, em que

somente admitir-se-iam os sentidos da lei que fossem possíveis segundo o texto (valor

negativo) e, ao mesmo tempo, dentre aqueles sentidos e alcances possíveis, deveria ser

escolhido o que se adequasse mais espontaneamente ao texto (valor positivo ou seletivo),

forçando, sobremaneira, o interprete a perfazer uma interpretação declarativa.10

Desta feita, percebe-se com bastante clarividência o porquê da maioria dos autores

prescreverem que o texto legal é o “emoldurador” da interpretação. Ou seja, os sentidos e

alcances investigados pelo intérprete, segundo a conjugação dos métodos existentes, não

9MAXIMILIANO, Carlos. Op. Cit. p. 107. 10Nesse sentido, consulte-se A. Castanheira Neves, Op. Cit., p. 687.

pode fugir ao âmbito contido explícita e implicitamente na literalidade da lei. Com esse

pensamento se pronuncia o douto Carlos Maximiliano11, quando está a comentar o

elemento teleológico, aduzindo que:

“Não se deve ficar aquém, nem passar além do escopo referido; o espírito da

norma há de ser entendido de modo que o preceito atinja completamente o

objetivo para o qual a mesma foi feita, porém dentro da letra dos

dispositivos. Respeita-se esta, e concilia-se com o fim. (...). O fim

primitivo e especial da norma é condicionado pelo objetivo geral do Direito,

mutável com a vida, que ele deve regular; mas em um e outro caso o

escopo deve ser compatível com a letra das disposições; completa-se o

preceito por meio da exegese inteligente; preenchem-se as lacunas, porém

não contra legem.” (grifos ausentes do original).

Nessa mesma esteira de pensamento, Maria Helena Diniz12, prelecionando sobre a

interpretação extensiva, menciona que esta “desenvolve-se em torno de um preceito

normativo, para nele compreender casos que não estão expressos em sua letra, mas que nela

se encontram, virtualmente, incluídos, conferindo, assim, à norma o mais amplo raio de

ação possível, todavia, sempre dentro de seu sentido literal.” – grifamos.

Por outro lado, com o advento da nova orientação hermenêutica para o ato

interpretativo, temos o método gramatical ou literal como sendo o meio de investigação da

norma interpretanda segundo as regras da gramática e da lingüística, em que o intérprete

busca o sentido literal do texto legal, procurando estabelecer um significado unívoco aos

vocábulos utilizados pelo legislador. Ou seja, se detém inicialmente à onomasiologia. Em

seguida, perquire acerca do sentido técnico das palavras constantes do texto legal, conforme

11MAXIMILIANO, Carlos. Op. Cit. p. 152. Contudo, o mestre, anteriormente, amenizou tal posicionamento altercando que: “Embora seja verdadeira a máxima atribuída ao apóstolo São Paulo – a letra mata, o espírito vivifica –, nem por isso é menos certo caber ao juiz afastar-se das expressões claras da lei, somente quando ficar evidenciado ser isso indispensável para atingir a verdade em sua plenitude. O abandono da fórmula explícita constitui um perigo para a certeza do Direito, a segurança jurídica; por isso é só justificável em face de mal maior, comprovado: o de uma solução contrária ao espírito dos dispositivos, examinados em conjunto.” (p. 111). 12DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. p. 167.

a semasiologia. E, por fim, deve verificar o contexto, no qual se encontra inserido o termo.

Por conseguinte, o intérprete estuda, através desse método, a letra da lei, com o escopo

único de descobrir a norma jurídica que regulamenta o direito (espírito da lei)

interpretando.

2.3 – A importância na interpretação jurídica. Confrontação com os demais métodos.

Do conceito imprimido pela escola da exegese ao método gramatical denota-se a

grande importância que lhe era dada, visto que essa escola de interpretação erigiu-se no

auge do positivismo jurídico, tendo-o como fundamento, em que o direito eqüivalia à

própria norma jurídica, e como a norma estaria contida no texto legal, este último passaria a

ser exclusivamente o objeto da interpretação. Dessa forma, o método gramatical seria

primordial e básico para se determinar o sentido e o alcance da lei, quiçá pensassem alguns

mais radicais ser o único, como Savigny o fazia, embora chegasse a se referir aos demais.

Apesar desse “absolutismo”, o método gramatical foi gradativamente sofrendo

mitigação, pois a letra da lei tende a cristalizar o direito, enquanto este é essencialmente

dinâmico, evolvendo conforme os ditames da sociedade. Por isso, era, como foi, uma

conseqüência natural a evolução hermenêutica do modo de encarar a interpretação e seus

métodos, de tal sorte que sucedeu a elevação do processo lógico, depois a do teleológico,

até chegar ao pensamento de que todos métodos devem ser conjugados, visando a

realização do direito.

Assim, “o processo gramatical, sobre ser o menos compatível com o progresso, é o

mais antigo (único outrora). ‘O apego às palavras é um desses fenômenos que, no Direito

como em tudo o mais, caracterizam a falta de maturidade do desenvolvimento intelectual.

No começo da história do Direito poder-se-ia gravar esta epígrafe – In principio erat

verbum.”13 Isso quer dizer que, no início da história da investigação interpretativa, o

método gramatical possuía uma incrível supremacia, mas, a partir dele começaram os

antigos a se questionar acerca desta soberania, sobretudo com a evolução dos tempos,

13MAXIMILIANO, Carlos. Op. Cit. p. 121.

desencadeando o devir da hermenêutica jurídica e, consequentemente, o da interpretação

jurídica.

Nesse interstício, no qual se operou a evolução da hermenêutica, foram aparecendo

novos métodos ou processos de interpretação jurídica. Substancialmente, sobreveio o

lógico, afastando-se diametralmente do gramatical, pois busca o pensamento (espírito) da

lei, através do “estudo das normas em si, ou em conjunto, por meio do raciocínio

dedutivo.”14 Todavia, houve também um excessivo apego a tal procedimento, a ponto de

seus defensores extremistas tentarem reduzir a interpretação jurídica a um complexo

mecanicista de brocardos a serem aplicados.

Depois, adveio o aparecimento dos métodos sistemático e histórico, este passando

rapidamente para sua forma superior, denominando-se histórico-evolutivo, enquanto que o

outro passou a se estender até ao direito comparado. O processo sistemático consiste em

analisar o direito interpretando por um prisma holístico, isto é, obrigando o interprete a

verificar o direito como um todo, averiguando todas as disposições pertinentes ao mesmo

objeto, entendendo o sistema jurídico de forma harmoniosa e interdependente. O processo

histórico-evolutivo, por sua vez, baseia-se na investigação dos antecedentes da lei15, seja

referente ao histórico do processo legislativo, bem como, à occasio legis, ou seja, às

conjunturas socioculturais, políticas e econômicas subjacentes à elaboração da lei.

Com o progresso paulatino, aventou-se o método teleológico ou sociológico16, em

que o intérprete deverá primar pelo fim da lei, assentando que este e a razão da lei são

14

Ib. Ibdem. p. 123. 15Toda vez que se encontrar o vocábulo lei, deve-se entendê-lo como sendo a representação simbólica da norma jurídica que regulamenta o direito a ser interpretado. 16Os autores consultados identificam o método sociológico com o teleológico, porém, data venia, permitimo-nos discordar, porque entendemos que é possível subsistir simultaneamente na lei uma finalidade social e outra puramente pragmática. É o caso, por exemplo, de uma lei que regule o ingresso em determinada carreira no serviço público, em que vislumbramos uma finalidade prática que seria – uma delas – organizar o concurso, enquanto, ao mesmo instante, procura permitir que o cidadão brasileiro, que preencha determinados requisitos para o exercício das funções do cargo público em aberto – ou seja, detenha os conhecimentos técnicos e científicos indispensáveis ao desempenhar daqueles deveres –, possa, após a aprovação em um exame seletivo, assumi-lo, entrando, portanto, para a População Economicamente Ativa (PEA), passando a produzir, gerando riquezas para seu meio de subsistência. Contudo, não adentramos nessa questão por fugir ao tema em debate, seguindo, simplesmente, a orientação da pesquisa realizada.

indicados pelas exigências sociais, conduzindo à compreensão de que o fim prático da

norma coincide com o fim apontado pelas exigências sociais (fim social), tendo-se em vista

o bem comum.17 Aqui foi começo da derrocada da doutrina tradicionalista, pois findou em

sugerir que, ao lado do limite da interpretação pela literalidade do texto legal, o fim deveria

limitar o conteúdo da norma interpretanda. É como pontifica Carlos Maximiliano18,

asseverando que:

“O fim inspirou o dispositivo; deve, por isso mesmo, também servir para lhe

limitar o conteúdo; retifica e completa os caracteres na hipótese legal e

auxilia a precisar quais as espécies que na mesma se enquadram. (...). O fim

não revela, por si só, os meios que os autores das expressões de Direito

puseram em ação para o realizar; serve, entretanto, para fazer melhor

compreendê-los e desenvolvê-los em suas minúcias (9).”

Logo em seguida os estudiosos foram mais além, preconizando que o intérprete e

aplicador deve se utilizar de todos os métodos e processos apontados pela hermenêutica,

coordenando-os em função da teleologia que controla o sistema jurídico, tendo em vista que

a percepção dos fins exige, não o estudo de cada norma isoladamente, mas sua análise no

ordenamento jurídico.19

Atualmente, a hermenêutica jurídica contemporânea, motivada pela ampliação do

objeto e da finalidade da interpretação jurídica, traz à baila dois novos elementos, métodos

ou processos de interpretação jurídica. São eles: 1) os elementos normativos extratextuais

(e transpositivos); e 2) o continuum da realização do direito, em que a interpretação jurídica

constitui o momento dessa realização.

É necessário esclarecer que ambos elementos são decorrentes da ampliação do

objeto e da finalidade da interpretação jurídica. Assim, com relação ao primeiro elemento,

de repente “se viria a reconhecer que nem todos os critérios indispensáveis ao juízo

17DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. p. 155. 18MAXIMILIANO, Carlos. Op. Cit. p. 152. 19DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. p. 155.

decisório se podiam obter do texto-norma interpretanda, pois que esta só tinha a

possibilidade de fundamentar esse juízo, como concreta ‘norma de decisão’, pela

assimilação que nela se fizesse de factores nomrativos que a transcendiam – ou seja, o

sentido normativo na e para a problemática e concreta realização do direito só era

determinável em função de factores normativos extratextuais (extralegais) ou

transpositivos.”20 Tais fatores elencados por Castanheira Neves seriam: 1) factores

ontológicos, que compreenderiam a “natureza das coisas” e “os argumentos de carácter

institucional; 2) factores sociais, abrangendo os interesses, as situações jurídico-sociais

relevantes, a própria estrutura jurídico-social referida intencionalmente pela norma, os

efeitos produzidos pelo próprio decisum, etc.; e 3) factores normativos, no seu sentido

estrito, albergando os critérios ético-jurídicos, normativo-sociais, os conceitos de valor,

justiça, etc. Conclui o insigne autor, citando Esser, que “cada interpretação representa uma

associação de lex scripta e jus non scriptum, a qual unicamente cria a própria norma

positiva.”21

Já o segundo elemento apontado elide a discriminação entre a interpretação e

aplicação, ou integração – em outro aspecto, pronuncia a continuidade entre ambas.

Assegura, portanto, “uma indivisível solidariedade, uma verdadeira unidade metodológica,

entre o que tradicionalmente se dizia ‘interpretação’ e ‘aplicação.”22 É logicamente

dedutivo esse elemento, pois que, se a interpretação jurídica passa a ter um sentido

normativo e função judicativa-prática, então é necessário que o intérprete e aplicador aja

sem interrupção no tempo ou no espaço.

Nesse diapasão, os autores consultados se esquivam da problemática de hierarquizar

os métodos de interpretação jurídica, alegando que todos devem ser encarados como um

sistema orgânico, em que as partes se complementam numa relação de interdependência.

Sob outro prisma, entendem que por ser a interpretação essencialmente casuística, não há

como valorar genericamente qual método é mais imprescindível. Contudo, atestamos que,

tendo em vista o surgimento dos novos elementos ou métodos de interpretação jurídica

20NEVES, A. Castanheira. Op. Cit. p. 695. 21

Ib. Ibdem. p. 696-7. 22

Ib. Ibdem. p. 697-8.

mencionados acima, com a nova orientação já esboçada sucintamente, o método gramatical

ou literal perdeu muito de sua importância, podendo ser deixado em último plano

categorial, em termos axiológicos, sem, contudo exclui-lo, pois, subsiste o valor heurístico

do texto, supracitado, ensejando, inclusive, que ele seja o primeiro a ser abordado pelo

interprete e aplicador, não como o mais substancioso, mas, sim, por ser o mais elementar.23

Assim, o método gramatical ou literal na interpretação jurídica e em face dos

demais métodos se afigura como primeiro passo do intérprete e aplicador do direito, vez

que o contato com o texto legal surge logo depois do contato com os fatos e/ou atos

jurídicos a serem subsumidos. Entretanto, o texto legal somente possui valor heurístico, de

modo que o método literal serve apenas de instrumento formal na interpretação da lei.

3 – CONCLUSÃO.

Não mais se pode encarar os métodos de interpretação jurídica pela ótica da

hermenêutica tradicionalista. Diante disso, procurou-se enfatizar o desapego ao método

gramatical, tendo em vista que os problemas oriundos da linguagem; o dinamismo do

direito; e a evolução da interpretação jurídica, fulminaram a orientação clássica.

Dessarte, não se admite o valor normativo do texto legal, como fazia a doutrina

tradicionalista, em que se conferia a finalidade ao método gramatical de emoldurador dos

sentidos da lei, segundo o próprio texto, cujo sentido e alcance deveria, ainda, ser o que

mais se adequasse à letra da lei.

Portanto, o método gramatical ou literal hoje em dia serve apenas de primeiro

contato para o interprete que visa à realização do direito. Ou seja, através da letra fria da lei

23Infelizmente, diante da exiguidade do tempo e da fixação do tema, não nos foi possível abordar profunda e pormenorizadamente a questão da hierarquia dos processos ou métodos da interpretação jurídica, porém, salientamos que tal problemática é bastante interessante, pois, dos autores consultados nenhum procura de maneira expressa realizar o feito, trazendo a ordem colocada em seus livros de forma apenas didática.

se inicia um processo intelectual de cunho cognoscitivo, com o escopo de aplicar o direito

ao caso concreto, em que concorrem vários métodos, mas, que se impõem princípios e

valores maiores e extrínsecos ao texto legal, podendo, até, ocorrer a sua desconsideração

em favor destes. Assim, o interprete e aplicador assume um papel mais amplo, servindo de

agente modificador de textos legais, para que se coadune ao sistema jurídico, visto que a

decisão é lei entre as partes.

O texto legal é tão-somente a representação semiótica da norma que tutela ou

encerra o direito. Tanto a norma como o direito são coisas mais abrangentes, visto que

configuram o conteúdo dos enunciados. Ou seja, a norma e o direito são os objetos e

relações representados no texto da lei, de maneira que uma mera interpretação literal deste

é por demais insuficiente para a realização da Justiça.

Destarte, o método literal fornece ao intérprete e aplicador tão-somente elementos

para identificar atecnias, dissonâncias com a realidade prática, descortinar as relações

sintáticas entre os termos, dentre outras coisas próprias da lingüística. Entretanto, não

fornece, por si só, a norma e o direito aplicáveis à espécie, pois a descoberta destes depende

de uma análise não só do aspecto formal do texto, mas, principalmente, da verificação de

conteúdo das estruturas proposicionais interpretadas.

Enfim, o método gramatical não “emoldura” a norma e o direito, mas, apenas, a

representação textual destes, seus aspectos lógico-formais de disposição por palavras, de

modo que se direciona muito mais à elaboração da lei do que à sua interpretação e

aplicação.

4 – BIBLIOGRAFIA.

DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. São

Paulo: Saraiva, 1994. p. 134-72.

FERRARA, Francisco. Interpretação e aplicação das leis. Coimbra: Arménio Amado,

1987. p. 138-64.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1996.

NEVES, A. Castanheira. Enciclopédia verbo da sociedade e do estado: interpretação

jurídica. Lisboa/São Paulo: Verbo, 1985. v. 3, p. 652-707.

NOJIRI, Sérgio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. São Paulo: RT, 1999.

p. 89-104.

RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. 6. ed. Coimbra: Arménio Amado, 1997. p.

229-40.

*Advogado

**Procurador Federal

***Especialista em Direitos Humanos pela UFPB e Advogado.

PESSOA, Daniel Alves. LIMA, Ricardo José da Costa. MACEDO, Sérgio Gouveia de. O

método Literal na Interpretação Jurídica. Disponível em:

<http://www.jfrn.gov.br/doutrina/doutrina222.doc >. Acesso em: 16 nov 2006.