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    ADILSON LUÍS FRANCO NASSARO

    B B U U  S  S C C  A A P P E E  S  S  S  S OO A ALL 

    SÃO PAULO, 2003

    Edição revisada em 2013

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    BUSCA PESSOAL 

    Monografia apresentada à Escola Paulista da Magistratura (EPM),

    com aprovação no Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” 

    Especialização em Direito Processual Penal, em 2003.

     Autor: Adilson Luís Franco Nassaro.

    Orientadora: Angélica de Maria Mello de Almeida

    São Paulo

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    DEDICATÓRIA 

    Para Dina Lúcia,

    pessoa em quem busquei felicidade. 

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    AGRADECIMENTOS

     À Desembargadora Angélica de Maria Mello de Almeida, pela atenção

    dispensada e precisa orientação.

     Ao Desembargador Álvaro Lazzarini, pelo incentivo e pelas valiosas

    sugestões apresentadas.

     Ao Desembargador Emeric Lèvay, pelo auxílio quanto à pesquisa

    bibliográfica (em memória).

     Ao juiz da Justiça Militar de São Paulo, João Leonardo Roth, pelas

    enriquecedoras ideias.

     Ao Coronel PM Élzio Lourenço Nagalli, Chefe do Gabinete Militar da

    Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 2003 (Assessoria Policial-

    Militar do Tribunal de Justiça - APMTJ), pelo inestimável apoio.

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    “Seja como dissestes! Aquele com quem for encontrada

    a taça será meu escravo. Vós outros sereis livres”. 

    E, imediatamente, pôs cada um o seu saco por terra e o

    abriu. O intendente revistou-os começando pelo mais velho

    e acabando pelo mais novo; e a taça foi encontrada no

    saco de Benjamim.

    Livro do Gênesis, parte III “A História de José”

    Capítulo 44, versículos 10-12

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    RESUMO

    Inicia-se o trabalho com a definição de busca pessoal e seuposicionamento no ordenamento jurídico brasileiro, possibilitando um estudoindependente da busca domiciliar e da apreensão, que não é necessáriaconsequência da busca, nem o seu único propósito. Em seguida, apresenta-se a suadimensão própria, caracterizada pela procura por algo relevante ao processo penal,no corpo do revistado, nas vestes e pertences com ele encontrados, inclusive nointerior de seu veículo e também para a finalidade de prevenção, com base nafundada suspeita, circunstância que enseja especial análise. Em face da inevitávelrestrição de direitos individuais, somente é desenvolvida em cumprimento a ordem judicialou por iniciativa de agentes públicos investidos de necessária autoridade policial.

    Não obstante o Código de Processo Penal comum brasileiro dispensar-lhe

    tratamento secundário, aproveitando parte dos dispositivos relacionados à buscadomiciliar, merece a busca pessoal tratamento distinto, a exemplo do que vem ocorrendoem outros países, em razão do aspecto de incidência sobre o corpo da pessoa econsequente imposição de restrições, especialmente à intimidade do revistado.

    No que toca à classificação, possui natureza processual, enquanto meiode obtenção do que for relevante à prova de infração, ou à defesa do réu; e temnatureza preventiva, quando realizada por iniciativa policial para a preservação daordem pública, podendo nesse caso igualmente ensejar reflexos no processo.Distinguem-se, portanto, duas espécies de busca pessoal: a processual e apreventiva, conforme o momento em que é realizada e a sua finalidade. Antes da

    constatação do delito, constitui ato legitimado pelo poder de polícia, na esfera deatuação preventiva da Administração Pública; após, objetiva atender ao interesseprocessual. São dois os modos de realização:  preliminar   (superficial) ou minucioso(íntima), considerado o grau de rigor dispensado. A busca preliminar pode serrealizada sem contato corporal; trata-se da busca  pessoal indireta, ou seja, comauxílio do faro de animais, equipamentos eletromagnéticos ou outros meios. Atangibilidade corporal, todavia, é recurso normalmente utilizado e aceito, observadasas limitações impostas pelos critérios de necessidade e razoabilidade da medida. 

    É Inadmissível busca pessoal mediante mandado sem a individualização dosujeito passivo, concluindo-se que a busca pessoal individual  constitui regra. Na esfera

    preventiva, porém, pode ocorrer a denominada busca pessoal coletiva, como medidaexcepcional necessária ao bem comum, na entrada de eventos públicos, ou em situaçõesespecíficas como a revista realizada em todos os réus presos antes de serem escoltados.Essa busca pessoal coletiva não se confunde com o procedimento particular impostocomo condição de acesso a estabelecimentos privados, ora denominado revista privada,consentido por acordo de vontades e aceitável desde que caracterizado pelasuperficialidade e não seletividade.

     A legítima busca pessoal deve ser orientada pela análise da estritanecessidade do ato, pela proporcionalidade exigida na relação entre a limitação dodireito individual e o esforço estatal para a realização do bem comum e, também, pela

    eficácia da medida, que deve ser adequada ao seu propósito, para atender aointeresse público.

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    ABSTRACT

    The beginning of the job starts with the definition of body search and itspositioning in the Brazilian Legal System, making possible an independent study of

    home search and of the seizure, that is not necessarily the consequence of thesearch, neither its only intention. The dimension of the body search, characterized bythe searching of something of importance to criminal proceeding, in the body of thesearched person, in the garments and belongings found, including the interior of theperson’s vehicle with prevention purpose based on the suspect, circumstance thatleads to a special analysis. Facing the inevitable restriction of the individual rights, it isonly developed to abide to a judgement or by the initiative of public agents vested ofthe necessary police authority.

    The common Brazilian Code of Criminal Procedure let a secondarytreatment off, taking advantage of the devices related to the home search. Although,the body search deserves a special treatment, as it happening in other countries, inview of the incidence over the person’s body and the imposition of   restrictions,especially the searched person’s privacy.

    It has procedural constitution, as means of obtaining whatever is relevantas an evidence of contravention, or the criminal defense; and has a preventiveconstitution, when realized by police initiative to keep public order, leading in thiscase, in reflections in the process. There are two different kinds of body search: theprocedural and the preventive, according to the moment it is done and its purpose.Before the discovering of the crime, establish legitimate act by police power, in thepreventive situation acting of Public Administration; after, answer the interest in courtpleading. The ways of take charge are two:  preliminary   (superficial) or detailed(privacy), considering the degree of necessity used. The preliminary search can bedone without no body contact; it is the indirect body search, it is done with animal’ssmell, electro-magnetic equipament or other ways. The body contact, however, is anormally used source and accepted, observing the limitations imposed by thenecessity criteria and reasoning of the measure.

    It is unacceptable a body search by means of judicial writ without theindividualization of the debtor, concluding that the individual body search  establishrule. In the preventive situation named collective body search,  however, as a

    necessary exceptional measure to the commonwealth, in the entrance of publicevents or in specific situation as the body search in all arrested criminals before areescorted, can occur. This collective body search cannot be confused with the privateprocedure imposed as an access condition to private establishments, named  privatesearch, consented by agreement and acceptable since characterized by itssuperficiality and non selectivity.

    The legitimate body search must be oriented by the analysis of thesevere necessity of the act, by the adequacy claimed in the relationship of theindividual right limitation and the state effort to the realization of the commonwealthand also by the efficacy of the measure, that must be adequated to the purpose, to

    answer the public interest.

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    SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO........................................................................................................10

    2. DEFINIÇÃO E POSICIONAMENTO DA BUSCA PESSOAL NO BRASIL..............14

    2.1 Conceito de busca ............................................................................................15

    2.1.1 A independência da busca em relação à apreensão................. .....................20

    2.2 Conceito de busca pessoal............................................ .....................................23

    2.3 Natureza jurídica da busca pessoal............................................. .......................26

    2.4 Contexto histórico............................................................... .................................29

    3. A RELATIVIDADE DA INVIOLABILIDADE PESSOAL E AS CLASSIFICAÇÕES

    DE BUSCA PESSOAL.............................................................................................39

    3.1 A restrição do direito à intimidade e à vida particular do revistado.....................41

    3.1.1 A tangibilidade corporal na busca pessoal.....................................................44 

    3.2 A busca pessoal preventiva e a busca pessoal processual......... .......................46

    3.3 A busca pessoal preliminar e a minuciosa........................................... ..............56

    3.4 O sujeito passivo da busca pessoal...................................................................58

    3.4.1 A busca pessoal individual e a coletiva.......................................... ...............59

    3.4.2 Busca pessoal em advogado.........................................................................65

    3.4.3 Busca pessoal em mulher.............................................................................68

    3.5 O sujeito ativo da busca pessoal.............................................. ..........................73

    3.6 A fundada suspeita como causa eximente de mandado judicial para a busca

    pessoal...............................................................................................................76

    3.7 O abuso de autoridade.......................................................................................84

    3.8 A revista privada como condição de ingresso em estabelecimentos

    particulares........................................................................................................ 88

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    4. O QUE PODE SER PROCURADO NA BUSCA PESSOAL....................................95

    4.1 Coisas achadas ou obtidas por meios criminosos.................. ...........................98

    4.2 Instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados

    ou contrafeitos.................................................................................................100

    4.3 Armas e munições e instrumentos utilizados na prática de crime ou

    destinados a fim delituoso........................................... ......................................103

    4.4 Objetos necessários à prova de infração ou à defesa......................................108

    4.5 Cartas destinadas ao acusado ou em seu poder.............................................111

    4.6 Qualquer elemento de convicção............................................... ..................... 116

    5. OUTROS MODELOS DE BUSCA PESSOAL ......................... ............................118

    5.1 A busca pessoal no Código de Processo Penal Militar brasileiro.....................119

    5.2 A busca pessoal no Código de Processo Penal português..............................124

    5.3 A busca pessoal no Código de Processo Penal italiano...................................131

    6. CONCLUSÕES.....................................................................................................136

     ANEXOS

    I Portaria nº 01/2003, do Juiz Diretor do Complexo Judiciário “Ministro Mário

    Guimarães” (Fórum Criminal da Barra Funda), São Paulo, de 14 de abril de 2003.

    II Provimento nº 811/03, do Conselho Superior da Magistratura, São Paulo, de 22 de

    maio de 2003.

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    1. INTRODUÇÃO

    O Código de Processo Penal brasileiro1  estabelece duas modalidades

    de busca no seu art. 240: a domiciliar e a pessoal. Por tratar-se de ação queinevitavelmente impõe restrição de direitos individuais, em qualquer das duas

    modalidades, somente deve ser concretizada nas condições estabelecidas na lei, em

    equilíbrio com os direitos e garantias constitucionais.

     Algumas diferenças são nítidas entre os dois institutos. Procede-se

    busca domiciliar quando autorizada por fundadas razões, nos termos do parágrafo 1o 

    do próprio art. 240, para possibilitar alternativa ou cumulativamente oito ações de

    interesse processual (letras “a” a “h”), ao passo que a busca pessoal, que tambémpode ser denominada revista, é procedida quando há fundada suspeita  de que

    alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nos termos do

    parágrafo 2o  do mesmo dispositivo legal. Evidente, nesse ponto, uma maior

    flexibilidade para a interpretação do vocábulo suspeita, em relação ao vocábulo

    razões.

    Enquanto a busca domiciliar é limitada por critérios objetivos, de fácil

    percepção, definidos em um único e específico inciso do art. 5

    o

    , da ConstituiçãoFederal (inciso XI:  A casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo

     penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou

    desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial )2,

     1 Decreto-lei nº 3.689, de 03.10.1941. 2 A Constituição da República Federativa do Brasil foi promulgada em 05.10.1988.

    impõe-se para a realização da busca pessoal a observação de garantias de

    prescrição genérica, quais sejam: o respeito à intimidade, à vida privada e à

    integridade física e moral do indivíduo, estabelecidas em pelo menos quatro dos

    incisos do mesmo artigo (art. 5º), da CF, quais sejam:

    inciso III: ninguém será submetido a tortura nem a tratamentodesumano ou degradante;

    inciso X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra ea imagem das pessoas, assegurado o direito aindenização pelo dano material ou moral decorrente de

    sua violação;inciso XV: é livre a locomoção no território nacional em tempo de

    paz (...);inciso XLIX: é assegurado aos presos o respeito à integridade física

    e moral.

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    Para a tutela da inviolabilidade domiciliar existe, inclusive, um tipo

    penal próprio, o do art. 150 do Código Penal, que trata da violação de domicílio. Não

    há, porém, tipo penal específico para a proteção da intimidade (no aspecto físico e

    pessoal e não domiciliar) e também para a intangibilidade do corpo, que são objetos

     jurídicos de sentido diverso da liberdade sexual. Utiliza-se, em geral, a descrição de

    abuso de autoridade, quando a conduta abusiva é praticada por agente público no

    exercício da função (Lei 4.898/65).

    Por isso o grande desafio de analisar o instituto da busca pessoal,

    antes e durante o ciclo completo da persecução criminal, da repressão imediata dainfração da norma até o efetivo cumprimento da pena imposta ao infrator, no

    contexto processual penal (verificando-se, por exemplo, a particular situação da

    revista realizada em réu preso).  Daí a importância de se verificar quais os

    parâmetros que devem nortear a conduta do agente responsável pela busca

    pessoal, harmonizando-se as condições estabelecidas no Código de Processo

    Penal com os direitos e garantias individuais consagrados na Constituição Federal,

    aplicados ao caso concreto.

     Apresenta-se como desafio o estudo da busca pessoal, também

    porque se constata que é mais fácil reconhecer e colocar em prática as limitações

    objetivas da busca domiciliar, aplicáveis em vista do espaço físico que abriga o lar,

    como regras claras e assecuratórias da denominada “inviolabilidade domiciliar”, do

    que compreender e observar as limitações não objetivas aplicáveis em vista do

    próprio corpo daquele em quem se realiza a busca, num amplo espectro de

    situações. Esse corpo, a propósito, que é o verdadeiro sacrário da dignidade

    humana, onde ela se expõe e a partir de onde ela se projeta. Caminharemos então

    para um novo conceito: o da “inviolabilidade pessoal”, concluindo que ela não é

    absoluta, tal como a domiciliar e, aliás, como quaisquer outros direitos ou garantias

    individuais.

    O tema é capaz de provocar calorosas discussões, eis que a busca

    pessoal independe de ordem judicial em qualquer das três circunstâncias

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    relacionadas no art. 244 do Código de Processo Penal, quais sejam: 1. no caso de

    prisão; 2. quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de

    arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito; e 3. no curso

    de busca domiciliar (pressupondo-se, nesse caso, ordem judicial para a busca

    domiciliar). E ainda podemos a elas somar mais duas circunstâncias que tornam

    prescindível o mandado judicial escrito, sendo elas: 4. quando houver

    consentimento daquele a quem se pretende revistar e, por uma questão de lógica, 5.

    quando a busca for realizada pela própria autoridade judicial (competente pela

    expedição da ordem). A caracterização ou não da segunda circunstância eximente de

    mandado judicial, a “fundada suspeita”, resulta da particular análise do responsável

    pela busca pessoal, ao contrário das outras circunstâncias, que já são claramente

    definidas. Abre-se então um grande número de possibilidades e observa-se, na

    prática, que a busca pessoal é realizada com maior frequência que a busca

    domiciliar, esta vinculada a situações mais restritas conforme indicado.

    De fato, não se procede busca domiciliar com tanta frequência quanto

    a busca pessoal. Raciocinemos no sentido de que a busca pessoal é sempre

    procedida durante o curso da busca domiciliar por conta de que, nessa

    circunstância, ela (busca pessoal) independe de ordem judicial; ou seja, toda vez

    que há busca domiciliar normalmente ocorre a busca pessoal, que não é obrigatória,

    mas sempre legítima e recomendável nesse caso.

    Por outro lado, nem sempre quando é realizada busca pessoal se faz a

    domiciliar, uma vez que esta se vincula a condições objetivas e de maior limitação,

    quais sejam: cumprimento de mandado judicial ou realização pela própria

    autoridade, durante o dia; e consentimento do morador, a qualquer hora

    (tecnicamente, o procedimento de busca domiciliar prevista no Código de Processo

    Penal não se confunde com a entrada permitida em razão de flagrante delito,

    prevista no inciso XI, do art. 5o, da CF, como situação excepcional).

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    Não obstante a sua maior incidência, como demonstrado, a busca

    pessoal não tem recebido a proporcional atenção dos estudiosos que normalmente

    analisam o instituto da busca domiciliar com maior ênfase. Isso ocorre, certamente,

    em razão da tradição do Direito Romano que já conferia à casa especial proteção

    como consequência do antigo ritual sagrado de respeito aos antepassados,

    realizado em seu interior, junto ao fogo do “lar”, quando a casa representava o

    inviolável abrigo do “deus doméstico” como fator de identidade e da própria união

    familiar.

     A proteção da intimidade e da integridade física e moral do indivíduoprojetadas na extensão do seu corpo, vestes e objetos pessoais, ao longo da

    história não tem concentrado o mesmo nível de interesse, em análise comparativa,

    porque se entende que a devassa à intimidade e à vida privada normalmente é

    maior em uma busca domiciliar do que em uma busca pessoal.

    Existem, no entanto, buscas pessoais que são indiscutivelmente mais

    constrangedoras do que qualquer busca domiciliar imaginável. As chamadas buscas

    pessoais minuciosas procedidas, por exemplo, em pessoas envolvidas em tráfico de

    entorpecentes (buscas baseadas em fundada suspeita ou em caso de flagrante),

    devem ser realizadas com cuidadosa observação inclusive das cavidades corporais

    do revistado; o procedimento é necessário, vez que usualmente são ocultadas

    substâncias entorpecentes nesses espaços do corpo, impondo-se a sujeição do

    revistado a uma condição de total exposição física imprescindível em tal

    circunstância. Já outras situações podem ensejar uma busca pessoal superficial

    para rápida verificação, por exemplo, de porte de arma.

    Significa dizer que existem diversos níveis de busca pessoal,

    verificados de modo proporcional ao fator de sua motivação em cada caso

    particular, decorrendo, obviamente, maior ou menor nível de restrição de direitos

    individuais. Essa percepção está estritamente vinculada ao momento da realização

    da busca pessoal, bem como à sua finalidade, verificadas as circunstâncias do caso

    concreto, especialmente quanto ao grau de suspeita, que deve sempre ser fundada.

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    Exsurge a busca pessoal, no cotidiano, como um dos mais eficazes

    instrumentos de trabalho da polícia, apresentando-se como fundamental tanto no

    interesse da prevenção (busca pessoal preventiva), quanto no interesse processual

    (busca pessoal processual). Também por esse motivo justificável a pesquisa e o

    desenvolvimento técnico do assunto, a fim de que os direitos individuais sejam

    preservados ao máximo, limitados tão somente diante do estrito interesse público,

    quando imprescindível à realização da busca pessoal, observados os dispositivos

    constitucionais e infraconstitucionais relacionados à matéria.

     Ainda, para uma melhor compreensão dos ditames da normaprocessual penal comum brasileira e a essência do instituto em análise, é

    importante observar outros modelos existentes. O Código de Processo Penal Militar

    brasileiro, de 1969, trouxe traços de modernidade em relação ao código de processo

    comum e por isso merece análise e considerações no que se refere ao instituto da

    busca pessoal. Ainda, Portugal e Itália foram escolhas naturais, pois dispõem de

    legislação processual penal mais recente que a do Brasil (os dois países adotaram a

    codificação atualmente em vigor, respectivamente, em 1987 e em 1988), e exercem

    grande influência cultural no país, historicamente observada no contexto jurídico

    brasileiro.

    Muitas questões interessantes surgem, ainda, durante o estudo da

    busca pessoal, merecendo análise, por exemplo, a natureza jurídica desse instituto,

    o aspecto da tangibilidade corporal, a busca pessoal realizada em mulher, o sujeito

    ativo da busca pessoal e a polêmica sobre a legalidade da revista privada (realizada

    por particulares como condição de entrada em estabelecimentos diversos). São

    temas envolventes que justificam o estudo da busca pessoal como instituto

    autônomo, independente de outras eventuais modalidades de busca e também

    independente da apreensão.

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    2. DEFINIÇÃO E POSICIONAMENTO DA BUSCA PESSOAL NO BRASIL

    Investiga-se o conceito de busca pessoal , a partir da definição de

    busca, para o seu devido estudo como instituto autônomo, não obstante a previsão

    conjunta da busca com a apreensão na lei processual penal brasileira. Como se não

    bastasse a questionável junção desses dois procedimentos - diversos e

    independentes em sua natureza - na forma de uma expressão de reiterado emprego

    no ordenamento jurídico (busca e apreensão), também são apresentadas as duas

    modalidades de busca, a domiciliar   e a  pessoal , em comum reunidas no texto de

    alguns dos artigos do Capítulo XI, sob o título “Da Busca e da Apreensão” (art. 240,

    242, 243, 247 e 250), inserido no Título VII (Da Prova), do Livro I (Do Processo em

    Geral), do Código de Processo Penal.

    Mas, a busca deve ser estudada separadamente da apreensão para

    que não ocorra uma espécie de contaminação entre a definição de um e de outro

    instituto, como se o único resultado positivo da busca fosse a apreensão, o que não

    é verdade. É válido inclusive o raciocínio oposto, ou seja, é possível, por exemplo, a

    realização de busca a pedido da defesa, em razão da convicção de que nada de

    relevante será encontrado (trata-se de semelhante estratégia de quem

    voluntariamente apresenta os dados da sua conta bancária, antecipando-se à

    ordem judicial de quebra de sigilo), fazendo valer o dito popular: “quem não deve,

    não teme”; nessa circunstância, o resultado será positivo ao requerente exatamente

    com a não localização daquilo que foi procurado.

     Além da independência dos institutos “busca” e “apreensão”, constata-

    se que existem características totalmente distintas entre as modalidades de busca

    atualmente previstas (domiciliar e pessoal), o que justificaria um tratamento em

    separado na lei processual, superando-se a forma com que a busca foi apresentada

    no Código de Processo Penal brasileiro em vigor, datado de 1941. A norma

    processual em questão apresenta duas modalidades em um mesmo artigo (art. 240)

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    com uma profusão de ideias e motivações aplicadas à busca domiciliar e/ou à busca

    pessoal, seguida de artigos avulsos e direcionados a cada modalidade, o que

    aumenta a necessidade de criterioso estudo para a correta aplicação desses

    dispositivos.

     A propósito, muitos estudiosos defendem a adoção de outro modelo de

    normatização da busca, ampliando-lhe o rol de possibilidades descritas ou

    acrescentando-lhe novas modalidades de busca (além da domiciliar e da pessoal),

    tais como a busca em local público e a busca veicular, como se estas não fossem

    hoje permitidas por falta de regulamentação própria. Certo é que a previsão de

    condições específicas para a busca domiciliar, ignorando-se outros locais passíveis

    de busca, decorre de uma clara preocupação em preservar a inviolabilidade do

    domicílio, como uma das principais garantias de respeito à intimidade e à vida

    privada das pessoas, proteção que a Constituição Federal não estendeu a outros

    ambientes.

     A busca pessoal, na disposição atual, é procedimento que compreende

    a procura no corpo, bem como a vistoria nas roupas e nos pertences de quem a ela

    é submetida, inclusive no interior de veículo, desde que este não lhe sirva de

    moradia.

    2.1 Conceito de busca

    Com relação à etimologia do vocábulo busca, observa Cleunice A.

    Valentim Bastos Pitombo:

     A palavra busca, do verbo buscar, possui origem obscura. Afirma-seque o vocábulo é próprio do espanhol e do português. Há, porém,quem afirme ser originário do francês busq, verbo de caça; ou dolatim  poscere, pedir, demandar, llamar , ou, ainda, do italianobuscare, fazer diligência para achar alguma coisa, servindo-se dasmãos3. 

    3

     PITOMBO, Cleunice A. Valentim Bastos. Da Busca e da apreensão no processo penal. São Paulo:RT, 1999, p. 92.

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    Entre os diversos sentidos do vocábulo busca que se pode encontrar

    nos dicionários de língua portuguesa, como por exemplo, no Dicionário Aurélio,

    encontra-se destacadamente: “procura com o fim de encontrar alguma coisa”;

    “procura”, “investigação cuidadosa; pesquisa, exame”; e “procura minuciosa; revista,

    exame”4.

    Evidentemente que quem busca, procura por alguma coisa, conforme o

    primeiro sentido apresentado, ainda que aquilo que se busque seja algo indefinido.

    Não faz sentido procurar algo que se sabe não está onde se busca, salvo na rara

    hipótese de se querer demonstrar que verdadeiramente aquilo que se dizia estar em

    determinado local ou com determinada pessoa, não está.

    Portanto, busca significa o mesmo que procura; já o termo revista pode

    ser utilizado apenas como sinônimo de busca pessoal e não como sinônimo de

    busca, em sentido amplo, porque inaplicável à busca domiciliar. Aliás, o Código de

    Processo Penal de Portugal, no seu art. 174 e seguintes, emprega o termo revista 

    no mesmo sentido da analisada busca pessoal e o termo busca quando se refere à

    procura em local determinado, confirmando a origem do emprego dos vocábulos em

    estudo. Por outro lado, podem ser usados os termos varejo, varejamento  ou

    varejadura no sentido de busca em domicílio, ou em local diverso, mas não

    propriamente como sinônimo de busca, porque não são aplicáveis à modalidade de

    busca pessoal. Portanto, acerta Clademir Missaggia quando observa: “A busca pode

    ser pessoal (revista) ou domiciliar  (varejo)”5.

    Já o “buscador” é aquele que busca (ou procura) por algo, mesmo que

    em vão. Apesar de constar no dicionário também a palavra “procurador”, como

    “aquele que procura”, preferimos não adotá-la para o efeito de denominar quem

    procede a busca, vez que o vocábulo é amplamente usado no contexto jurídico com

    4 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1996, p. 295. 

    5  MISSAGGIA, Clademir. Da busca e da apreensão no processo penal brasileiro. Porto Alegre:RIACP, ano 1, n. 0, 2000, p. 89. 

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    diversos outros sentidos, quais sejam: aquele que tem procuração para tratar dos

    negócios de outrem; administrador; mandatário; advogado do Estado (Procurador do

    Estado); membro da superior instância do Ministério Público (Procurador de Justiça).

    Compreensível dúvida se apresenta, em razão de outro sentido lógico

    da palavra busca, como “ato ou efeito de buscar”, em razão de que este verbo

    (buscar) significa: “tratar de trazer” condicionado naturalmente à existência de um

    objeto (aquilo que se busca). Portanto, é bom frisar que quem procede à busca

    prevista no Código de Processo Penal não está obrigado a encontrar qualquer

    coisa, porque o significado de busca, nessa situação, é simplesmente o de procura

    (logicamente por algo que possa estar ocultado onde se procura) e a legitimidade da

    busca não está condicionada ao descobrimento daquilo que se procura e sim à

    estrita observância das condições a que ela se vincula, em razão de que o ato

    impõe inevitável restrição de direitos individuais.

    Por outro lado, quando os dicionários jurídicos definem busca, o fazem

    normalmente relacionando-a ao instituto da apreensão, certamente inspirados no

    próprio título do Capítulo XI (“Da Busca e da Apreensão”), do Títul o VII, do Livro I,

    do Código de Processo Penal, na forma como, por exemplo, indica Leib Soibelman:

    “busca - é a procura para apreender instrumentos, objetos, papéis, pessoas

    menores, pessoas vítimas de crime, provas”6. O autor, nesse caso, refere-se à

    busca domiciliar quando observa a possibilidade de apreensão de pessoas.

    Não é possível aceitar a subordinação da busca em relação à

    apreensão, para o propósito de conceituá-la, pois inúmeras situações nos revelam o

    quanto é comum a busca legítima sem que se tenha como resultado a apreensão;

    aliás, se é mais fácil esconder algo (e bem) do que outra pessoa encontrar o que foi

    escondido, então a lógica indica que existirá um maior número de buscas sem que

    se verifique como resultado a apreensão.

    6 SOIBELMAN, Leib. Dicionário geral de Direito. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, v. 1,1974, p. 82. 

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    Na proposição de Pedro dos Reis Nunes, busca é:

    Diligência que se pratica, mediante mandado da autoridade

    competente, com o objetivo de descobrir e apreender pessoas queforam maliciosamente ocultadas, ou coisas que existam ilicitamenteou do mesmo modo tenham sido adquiridas ou extraviadas7.

    Em sua definição, o autor tratou a apreensão como objetivo da

    busca, apesar do cuidado de não vincular esta àquela e, ainda, condicionou

    qualquer busca a mandado, o que também comporta crítica.

    Nem sempre o propósito da busca é a descoberta e a apreensão de

    algo; quando solicitada pela defesa, por exemplo, a busca pode ter como objetivo a

    demonstração de que o acusado nada ocultou. E não se pode desconsiderar,

    também, a busca pessoal realizada pelo policiamento ostensivo preventivo que, na

    ausência de norma reguladora específica, orienta-se por regras do Código de

    Processo Penal (mesmo porque, dependendo do seu resultado, pode atender

    também ao interesse processual); como é sabido, essa espécie de busca tem por

    objetivo maior a prevenção e não à eventual descoberta e apreensão de algo, ações

    que, por sinal, normalmente também acabam tendo caráter preventivo, como no

    caso da apreensão de uma arma descoberta e apreendida ao ser portada

    ilegalmente, evitando-se um roubo que seria com ela praticado.

    Sobre a mencionada vinculação do ato de busca a um mandado, tal

    não se compatibiliza com o art. 244 do CPP, que trata da isenção de mandado para

    a busca pessoal, no caso de prisão, fundada suspeita, ou no curso de busca

    domiciliar, além da busca domiciliar mediante consentimento do morador ou

    realizada pela própria autoridade judiciária, que são diligências regulares igualmente

    independentes de mandado.

    Indicam Humberto Piragibe Magalhães e Christovão Piragibe Tostes

    Malta, que a busca é “providência, medida no sentido de localizar -se pessoa ou

    7 NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de tecnologia jurídica. 10. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1979,p. 98. 

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    coisa”8. Concordamos com essa definição em virtude de que, conforme já abordado,

    de fato a busca é ato tendente à localização de algo que esteja eventualmente

    ocultado, não se condicionando a legitimidade do ato à efetiva localização daquilo

    que se procurou e sim ao cumprimento das condições legais estabelecidas.

    Portanto, a medida “dirigi-se”, “é tendente”, ou “tem o sentido” da localização de

    algo, tão somente.

    Verificamos um conceito amplo de busca, apresentado por Cleunice A.

    Valentim Bastos Pitombo, indicando características das modalidades de busca

    pessoal (revista) e domiciliar (varejamento):

    É ato do procedimento persecutivo penal, restritivo de direitoindividual (inviolabilidade da intimidade, vida privada, domicílio e daintegridade física ou moral), consistente em procura, que podeostentar-se na revista ou varejamento, conforme a hipótese9.

     Ainda, em definição abrangente, Guilherme de Souza Nucci indica que

    “busca significa o movimento desencadeado pelos agentes do Estado para a

    investigação, descoberta e pesquisa de algo interessante para o processo penal,

    realizando-se em pessoas ou lugares”10.

    Como, tecnicamente, a persecução penal se inicia somente a partir da

    constatação da prática de infração penal, nota-se que a definição apresentada não

    contemplou a busca pessoal preventiva (procedida normalmente em momento

    anterior a constatação da conduta delituosa), o que não concordamos, data venia, 

    eis que a busca pessoal preventiva também pode interessar ao processo penal,

    conforme o seu resultado. Ponderado esse aspecto, a definição apresentada nos

    parece precisa.

    8 MAGALHÃES, Humberto Piragibe e MALTA, Christovão Piragibe Tostes. Dicionário Jurídico. Rio deJaneiro: Edições Trabalhistas S/A, v. 1, 1975, p. 102. 

    9  PITOMBO, Cleonice A. Valentim Bastos, 1999, op. cit., p. 17. 10 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: RT, 2002, p. 448.

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    Também Hélio Tornaghi, em relação à busca, teve o cuidado de dar-lhe

    o sentido de procura, em termos gerais, diferenciando-a de outros procedimentos

    com significados próprios:

    Busca ( perquisizione, perquisition, search, Durchsuchung ) é aprocura, a cata de alguma coisa. Não é mero exame, investigação,pesquisa. Difere, pois:- da vistoria judicial (ispezione oculare, Augenschein), ato por meiodo qual o juiz aplica os próprios sentidos para receber umaimpressão pessoal de um ser ou de um fenômeno;- da perícia (perizia, Sachverständigen-Gutachten), exame feitopor espertos com a finalidade de informar o juiz;- do reconhecimento (ricognizione, Anerkennung), seja de

    pessoas, seja de coisas11

    .

    Podemos concluir, por fim, que a busca é procedimento incidente em

    pessoas ou em lugares, que impõe restrição de direitos individuais e por isso é

    desenvolvida por agentes do Estado, respeitadas as condições legais de cada

    modalidade. Tem por finalidade a investigação e descobrimento de tudo o que seja

    relevante ao processo penal e também à prevenção, neste particular aspecto

    quando realizada em pessoas, normalmente antes da constatação da infração da

    norma penal.

    2.1.1 A independência da busca em relação à apreensão

    Vários autores indicam o significado da expressão busca e apreensão 

    como se existisse apenas um instituto resultado da fórmula “busca + apreensão”.

    Em razão da tradicional junção dos dois vocábulos no texto legal, verificou-se um

    fenômeno de simbiose que influenciou o uso comum da expressão, prejudicando a

    noção correta de existência de dois institutos totalmente distintos.

     Assim, por exemplo, Humberto Piragibe Magalhães e Christovão

    Piragibe Tostes Malta indicam que busca e apreensão significa: “busca seguida de

    apoderamento de pessoa ou coisa, fazendo-as colocar-se à disposição de quem o

    11 TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal . São Paulo: Saraiva, 1978. v. 3, p. 54. 

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    Juiz que determinou a medida delibere”12; segundo Pedro dos Reis Nunes, a

    expressão busca e apreensão significa “medida preventiva ou preparatória, que

    consiste no ato de investigar e procurar, seguido de apoderamento da coisa, ou

    pessoa que é objeto da diligência judicial ou policial”13. E também J. M. Othon Sidou,

    no mesmo raciocínio de unidade da expressão busca e apreensão, registra que “os 

    dois termos formam uma locução unitária; não há apreensão sem busca”14.

    Sérgio Marcos de Moraes Pitombo oferece explicação sobre o

    tratamento unitário que normalmente se dá à busca e à apreensão, que, conforme

    seu ensinamento, é verificado em razão de que:

    (...) a apreensão, no mais das vezes, segue a busca. Emerge, daí, ocostume de vê-las unidas. Conceitos que se teriam fundido, como sefossem uma e mesma coisa, ou objetivamente, inseparáveis. Asbuscas, contudo, se distinguem da apreensão, como os meiosdiferem dos fins15.

    Certamente poderá ocorrer apreensão após a busca, aceitando-se

    então, sem discussão, o emprego da expressão busca e apreensão para esse caso

    concreto. No entanto, é temerária a generalização do uso em conjunto dos dois

    vocábulos, incentivado pela redação do próprio Código de Processo Penal, em

    razão de que, antes do término da busca, não é possível saber se haverá ou não

    apreensão. Aliás, nem sempre a busca é voltada para a apreensão;

    paradoxalmente, o mesmo artigo 240, do CPP, que abre o Capítulo XI (Da Busca e

    da Apreensão) com a apresentação dos dois institutos em conjunto, indica exemplos

    de motivações diversas.

    Exatamente, a busca pode ser realizada também para a prisão no caso

    da busca domiciliar (letra “a”, do parágrafo primeiro), não obstante o fato de que a

    12 MAGALHÃES e MALTA, op. cit., p. 21.13 NUNES, op. cit., p. 19. 14 SIDOU, J. Othon. Dicionário Jurídico. 6. ed. Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Rio de Janeiro:

    Forense Universitária, 2000, p. 113. 15  PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Do sequestro no processo penal Brasileiro. São Paulo:

    José Bushatsky, 1973. 

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    busca pessoal igualmente pode resultar na identificação e prisão de pessoa

    procurada, ou ainda em prisão em flagrante; também para descoberta de   objetos

    necessários à prova de infração ou à defesa do réu  (letra “d” do parágrafo primeiro)

    não sendo indicada, nesse caso, como necessária a apreensão; e, também, para a

    colheita de qualquer elemento de convicção  (letra “h”, do parágrafo primeiro),

    podendo tratar-se de elemento imaterial, como por exemplo, um dado, uma

    informação.

    Há outras hipóteses que fortalecem a conclusão de que a apreensão

    não pode ser considerada sequer o objetivo da busca. A defesa, por exemplo, pode

    requerer que se procedam buscas para demonstrar a inocência daquele que nada

    ocultou. Lembre-se, ainda, da diligência preliminar do procedimento aplicável aos

    crimes contra a propriedade industrial, destinada à demonstração de materialidade

    da infração penal, quando se tem por objetivo a constatação da irregularidade pela

    perícia e não, nesse momento, a apreensão dos produtos. 

    Existe, também, a busca pessoal preventiva, como um dos principais

    instrumentos da polícia de segurança, que tem por impulso o regular exercício do

    denominado  poder de polícia, objetivando a prevenção e não propriamente a

    descoberta e apreensão de algo. O procedimento legítimo, nesse caso, pode vir a

    atender o interesse processual se for localizado algo suscetível de busca (alíneas do

    parágrafo primeiro, do art. 240, do Código de Processo Penal), circunstância que,

    somente então, ensejará a apreensão do que foi encontrado.

    Por outro lado, pode existir apreensão sem que tenha ocorrido busca.

    Sugere-se, como principal exemplo dessa situação, a lavratura do termo de

    apreensão sob o título de: “auto de exibição e apreensão”, provocada pela exibição

    voluntária do que se procura. Ademais, o objeto achado - que não esteja na posse

    de qualquer pessoa - também será apreendido, havendo interesse processual.

    Cleunice A. Valentim Bastos Pitombo também apresenta as diferenças

    entre a busca e a apreensão, advertindo serem dois os institutos, apesar da redação

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    em conjunto apresentada no CPP, levando em consideração que a busca teria

    limites constitucionais, enquanto a apreensão não encontraria respaldo em direito ou

    garantia individual, salvo caso excepcional de ameaça de direito de propriedade

    (inc. XXII, do art. 5o, da Constituição da República), “quando se apreendem bens,

    produto ou proveito de crime, em poder de terceiro de boa-fé, que os adquiriu”,

    conforme observa, concluindo, sobre a busca e a apreensão que: “Possuem

    escopo, objeto e instrumentalização distintos”16.

    Por fim, constata-se nas leis processuais mais recentes de diversos

    países, dentre elas a de processo penal de Portugal e da Itália, além de nosso

    próprio Código de Processo Penal Militar (Decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de

    1969), uma separação total dos dois institutos, representando essa posição uma

    tendência que justifica estudo aprofundado e, em apartado, de cada deles. E, no

    caso particular da busca, cada uma de suas modalidades (domiciliar e pessoal)

    também merece igual e especial atenção em razão de suas múltiplas

    peculiaridades.

    2.2 Conceito de busca pessoal

    Dando sequência às definições, Leib Soibelman explica a expressão

    busca pessoal  com enfoque no seu sentido prático, conforme indicado: “É pessoal

    quando se realiza sobre o corpo de um indivíduo para fazer a apreensão do que ele

    esconde”17. No entanto, verificam-se duas impropriedades no conceito apresentado,

    quais sejam: 1. a busca pessoal não é realizada somente sobre o corpo de quem a

    ela é submetido, mas também em suas roupas, pertences (pasta, mala e bolsa, por

    exemplo) e igualmente no veículo, quando disponível; e 2. o objetivo da busca não é

    a apreensão e, sim, a própria procura.

    16 PITOMBO, Cleonice A. Valentim Bastos, 1999, op. cit., p. 17.17 SOIBELMAN, op. cit., p. 19.

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    J. M. Othon Sidou indica que busca pessoal significa:

    Diligência policial, independentemente de mandado judicial, quandohouver indício de que alguém oculte consigo arma proibida ou coisade natureza suspeita, ou para efeito de colher qualquer elemento deconvicção18.

    Essa definição é bem melhor em razão de que não restringe a

    amplitude do procedimento da busca, pois ela normalmente se estende aos

    pertences do revistado; também, indica que poderá haver busca pessoal apenas

    para colheita de elemento de convicção, em sintonia com a letra “h”, do  parágrafo

    primeiro, do art. 240 do CPP.

    Guilherme de Souza Nucci explica o sentido de busca pessoal,

    mediante o conceito do advérbio  pessoal que “é o que se refere ou pertence à

    pessoa humana. Pode-se falar em busca com contato direto ao corpo humano ou a

    pertences íntimos ou exclusivos do indivíduo, como a bolsa e o carro”19.

    Rogério Lauria Tucci complementa o raciocínio, indicando que a busca

    pessoal é aquela que, em princípio, se efetua na própria pessoa do sujeito passivo

    da verificação, oportunamente distinguindo-a da inspeção corporal:

    Não deve ser confundida com a inspeção corporal, correspondenteao exame do corpo com finalidade diversa (exempli gratia,identificação, apuração de idade, averiguação de lesões – quaisquersinais ou vestígios deixados pelo crime); posto que, por ela, seprocura obter, mediante visualização, inspeção manual ou, atémesmo, emprego de meios mecânicos, drásticos, ou radioscópicos,‘o conhecimento de que objetos obtidos, achados por meioscriminosos, falsificados ou contrafeitos estão escondidos ou nasvestes, ou em pequenos objetos que a pessoa leva consigo (valises,pastas etc.) ou no próprio corpo do infrator’20.

    Não há que se confundir, da mesma forma, a busca pessoal com as

    denominadas “intervenções corporais” normalmente realizadas para a colheita de

    material para exames laboratoriais, por exemplo, exame de dosagem alcoólica e de

    DNA, com o propósito probatório.

    18 SIDOU, op. cit., p. 23.19 NUCCI, op. cit., p. 21.20 TUCCI, José Lauria. Busca e apreensão. São Paulo: RT-515/287,1978.

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     A busca pessoal, ou revista como também é correto denominá-la, pode

    ser realizada com o auxílio de aparelhos eletrônicos - e também de semoventes, a

    exemplo de cães “farejadores” - que substituem o contato das mãos com o corpo,

    vestes e pertences da pessoa revistada. A propósito, o procedimento chama-se

    busca pessoal não em razão de que ela é realizada “pessoalmente” (diretamente

    pelo buscador) e, sim, em razão de que uma  pessoa  é submetida à revista,

    incluindo-se nessa noção o próprio corpo e os pertences próximos daquele que é

    revistado.

    O buscador utiliza os sentidos: visão, tato, olfato, audição, paladar

    (especialmente os dois primeiros) para a realização da busca e a sua percepção

    sensorial pode ser amplificada por equipamentos (visão de “raio -x” em esteira para

    malas, portais magnéticos, portas giratórias, detector manual de metais) em busca

    pessoal realizada mesmo sem o contato físico com o revistado.

     Aliás, é interessante a solução que vem sendo adotada em alguns

    países, particularmente em seus aeroportos (tem-se notícia de uso nos Estados

    Unidos da América), em que se procede a busca pessoal rapidamente, e com

    grande eficiência, mediante auxílio de um aparelho composto de uma grande tela

    que funciona como um “raio-x”, possibilitando a visão do contorno do corpo do

    revistado, que permanece em pé. Sem desconsiderar a questão da inevitável

    restrição de direitos pessoais - à própria intimidade, no caso - que ainda será

    discutida, o agente é capaz de ver com razoável definição, por meio desse

    equipamento, o que existe por baixo das roupas, especialmente os objetos

    transportados sob ela, ou escondidos nas partes íntimas do corpo, inclusive objetos

    que foram engolidos como forma de dissimulação para o seu transporte.

    Tal modo de busca pessoal, que os filmes do gênero ficção científica

    de longa data já nos apresentavam (como um grande aparelho de “raio-x”, ou

    qualquer outro equipamento semelhante, que praticamente “escaneia” a pessoa

    revistada) causa evidentemente maior restrição aos direitos individuais do que a

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    busca pessoal convencional (superficial) realizada com as mãos do buscador. Isso

    porque, compreende-se, o revistado sente-se devassado em sua intimidade, ao ter

    as formas do seu corpo visualizadas por terceiros. De fato, quando submetido a

    essa busca pessoal, em situação normal, o revistado está usando roupas que têm

    como principal função exatamente cobrir as partes íntimas do seu corpo; portanto,

    ele não deseja exibi-las para visualização de outras pessoas em razão de seu pudor

    ou em razão, simplesmente, da consciência de convenções sociais.

    Sobre a questão do respeito aos direitos e garantias individuais em

    harmonia com o interesse da coletividade e o uso de tecnologia para a realização de

    busca pessoal, conclui Clademir Missaggia:

     A busca pessoal sofre os limites expressos em nossa legislação,cujas regras tutelam a integridade física e moral, o que não impede ouso de meios mecânicos e outros para a descoberta, inclusive naspartes íntimas do corpo, respeitadas a dignidade da pessoa e asexigências da proporcionalidade, ou seja, os interesses da persecutio criminis deve ser ponderado com os princípios dainviolabilidade física, moral e intimidade21.

    Certamente, para qualquer nível de busca pessoal devem ser

    considerados, além da legitimidade do ato (condições legais que autorizam o

    procedimento) os aspectos da necessidade e da razoabilidade da intervenção, de

    modo a causar a mínima restrição possível de direitos individuais, somente

     justificável pela preservação do interesse maior da coletividade.

    2.3 Natureza jurídica da busca pessoal

     A análise da natureza da busca tem sido verificada pelos estudiosos

    em conjunto com a análise da natureza da apreensão, em razão das disposições do

    Código de Processo Penal (em um capítulo específico: o de número XI, do Título VII

     – “Da Prova” -, do Livro I, - “Do Processo em Geral”).

    21 MISSAGGIA, op. cit., p. 18. 

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    Magalhães Noronha, citando a diferença entre os dois tipos de prova  – 

    real e pessoal -, indica que a busca e a apreensão constituem providência cautelar:

    Compreende-se a finalidade da medida cautelar, pois a prova não éeterna: se real , está sujeita à ação do tempo, que destrói e consome;se pessoal , pode desaparecer, seja pelo falecimento da pessoa, sejapor seu paradeiro ignorado etc22.

    Para Rogério Lauria Tucci, que acompanha o mesmo raciocínio, em

    razão da organização do Código de Processo Penal, a expressão significa:

    (...) meio de prova de natureza acautelatória e coercitiva,consubstanciado no apossamento de elementos instrutórios, querrelacionados com objetos, quer com pessoas do culpado e da vítima,quer, ainda, com a prática criminosa que tenha deixado vestígios23.

    Na verdade, a questão da natureza jurídica da busca (domiciliar ou

    pessoal) passa pela discussão sobre a classificação desse instituto, em separado da

    apreensão, ou seja, se ele constitui um meio de prova, ou instrumento de sua

    obtenção, ou, ainda, uma coação processual penal lícita. A Exposição de Motivos do

    Código de Processo Penal coloca a busca genericamente como “expediente de

    consecução de prova” (parte final do item VII)24, em consonância com a sua posição

    estabelecida no CPP, junto ao Título: “Da Prova”. A posição do relator do projeto

    (Francisco Campos) resulta da diversidade de classificações possíveis, dependendo

    do momento em que se realiza a busca.

    O instituto, de característica híbrida, apresenta-se ora como ato

    preliminar, ora como meio de investigação e, ainda, com o sentido de verificação e

    reunião de provas, na instrução criminal. Por isso, os autores mais antigos definiam

    a busca e a apreensão, simplesmente como medida policial e de instrução.

    22 NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de Direito Processual Penal . 22. ed. São Paulo: Saraiva,

    1994, p. 93. 23 TUCCI, op. cit., p. 26. 24 Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, Relator Francisco Campos, 1941, parte 

    final do item VII. 

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    Por outro lado, podemos observar que a busca constitui medida

    instrumental , que restringe direitos individuais. A apreensão, por sua vez, constitui

    comumentemente meio cautelar de obtenção de provas. Já a conclusão de

    Guilherme de Souza Nucci aponta par a a interpretação de que, “tanto a busca

    quanto a apreensão, podem ser vistos, individualmente, como meios assecuratórios

    ou como meios de prova, ou ambos”25.

     Analisando a questão estritamente sob o ponto de vista da atividade

    policial, podemos verificar que a busca tem caráter preventivo e repressivo.

    Preventivo em razão da sua natureza acautelatória e repressivo em razão do seu

    inerente aspecto coercitivo. O caráter preventivo desdobra-se em dois enfoques:

    primeiro, a preservação da prova necessária aos trabalhos da Justiça Criminal

    (ocorrendo a apreensão), obtida mediante a intervenção policial e, segundo, a

    prevenção da violação à ordem jurídica, ou de novas violações, se já ocorreu uma

    prática delituosa.Portanto, o enfoque da natureza jurídica do instituto será voltado ao

    seu caráter assecuratório, ou de instrumento de sua obtenção como procedimento

    tipicamente policial, ou de simples meio de prova, ou, ainda, até mesmo de uma

    coação processual penal lícita, dependendo do fim à que se destina, do momento

    em que é realizada e da urgência da sua consecução em vista de eventual risco de

    perda daquilo que está ocultado ou dissimulado. Independente de qualquerclassificação, de modo geral, o propósito principal da busca é mesmo o de

    instrumentalizar a obtenção de provas ou a constatação da sua indisponibilidade, no

    exercício da procura em local ou em pessoas e objetos a elas relacionados,

    sujeitando-se, portanto, às normas de captação das provas.

    25 NUCCI, op. cit. p. 21.

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    2.4 Contexto histórico

    Encontra-se no Livro do Gênesis, parte III, “A História de José”, da

    Bíblia Sagrada o primeiro relato de que se tem notícia sobre a realização de uma

    legítima busca pessoal: José, que ocupava um dos mais altos postos da hierarquia

    do Egito - e até então não havia revelado sua identidade aos irmãos que vinham

    buscar trigo naquele local -, determinou ao oficial intendente que procedesse à

    busca em seus irmãos, particularmente nos respectivos sacos de viagem, sabendo

    que encontraria junto com Benjamim - o mais novo - uma taça de prata por ele

    próprio (José) ocultada, a fim de observar suas reações.

     Ao serem abordados, os irmãos negaram a prática de furto e não

    ofereceram resistência à revista. O intendente, então, lhes proferiu algumas

    palavras e procedeu à busca, conforme descrito no texto do Livro do Gênesis:

    ‘Seja como dissestes! Aquele com quem for encontrada a taça serámeu escravo. Vós outros sereis livres’. E, imediatamente, pôs cadaum o seu saco por terra e o abriu. O intendente revistou-os

    começando pelo mais velho e acabando pelo mais novo; e a taça foiencontrada no saco de Benjamim” (Livro do Gênesis, parte III,Capítulo 44, versículos 10-12)26.

    Na verdade, desde a Antiguidade a busca pessoal acompanhava o

    procedimento da busca domiciliar, como sua consequência, em razão de que não

    faria sentido revistar tão somente uma pessoa e, não se encontrando o que era

    procurado, desistir da diligência, eis que a ocultação (do objeto buscado) já poderia

    ter sido realizada no interior da casa daquele sobre quem recaia a suspeita da

    subtração mediante furto, por exemplo. No texto bíblico citado, como situação

    excepcional, todos tinham certeza de que a taça não estaria da casa dos irmãos de

    José, pois naquela ocasião eles se encontravam em viagem, longe de seus

    26 BÍBLIA SAGRADA. Tradução dos originais mediante versão dos Monges de Maredsous (Bélgica)Imprimatur   Carolus, Card . Archiep. Sti . Pauli , 26-XII – 1957. 52. Ed. São Paulo: Ave Maria. 

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    domicílios, para buscar trigo no Egito, único motivo pelo qual foi realizada

    exclusivamente a busca pessoal.

     A busca domiciliar era o procedimento utilizado, em regra, para que

    fosse verificado se alguém ocultava consigo o que se suspeitava ter sido

    indevidamente retirado de outra pessoa. Nesse propósito, não é exagero afirmar

    que no antigo direito romano dispensava-se maior proteção à casa do que ao

    próprio corpo do indivíduo. A casa era o símbolo da identidade da pessoa, do grupo

    familiar liderado pela figura do  paterfamilias; era o ambiente do culto sagrado dos

    antepassados, dos mortos que recebiam na cerimônia do “fogo sagrado” (chamado

    “lar”) a oferenda doméstica como garantia de sua memória e do seu descanso

    eterno; era um local onde não se admitiam estranhos, um ambiente preservado

    desde tempos remotos como centro da convivência familiar que dava identidade ao

    integrante de cada grupo.

    Demonstrando a sacralização do ambiente da casa e seu caráter de

    inviolabilidade, tanto na cultura romana quanto na cultura grega, descreve Fustel de

    Coulanges, na sua clássica obra Cidade Antiga:

    Toda esta religião se limita ao interior de cada casa. O culto não erapúblico. Antes, ao contrário, todas as cerimônias se cumpriamsomente no seio da família. O lar nunca estava colocado nem fora dacasa, nem mesmo junto da porta exterior, de onde qualquer estranhoo pudesse ver sem dificuldade. Os gregos colocavam-no sempre emlugar onde estivesse defendido contra o contato e mesmo contra oolhar dos profanos. Os romanos escondiam-no no próprio coração

    da casa. A todos estes deuses (fogo, lares, manes) chamavam-lhesdeuses ocultos, ou deuses domésticos. Para todos os atos destareligião se tornava indispensável a sua prática oculta, sacrificiaocculta, na língua de Cícero; se uma cerimônia fosse presenciadapor estranho, logo ficava perturbada, profanada, só pelo olhar 27.

    Em contraposição a essa sacralização do ambiente do lar (entenda-se

    interior da casa) e o respeito à propriedade que identificava o grupo familiar, o corpo

    do cidadão, em sua individualidade, não era considerado de igual importância, tanto

    27 COULANGES, Fustel de.  A Cidade Antiga. Tradução: Fernando de Aguiar. São Paulo: MartinsFontes, 1998, p. 32. 

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    que no antigo direito romano o corpo do devedor respondia pela sua dívida, em

    situação que ilustra muito bem a condição de menor respeito à intimidade

    (representada pelo próprio corpo) em relação a casa e a propriedade familiar, como

    explica o mesmo autor:

     A lei das Doze Tábuas não poupa, seguramente, o devedor, masrecusa, no entanto, que a sua propriedade seja confiscada emproveito do credor. O corpo do homem responde pela dívida, não asua terra, porque esta se prende, inseparável, à família. Será maisfácil colocar o homem na servidão do que tirar-lhe um direito depropriedade pertencente mais à família do que a ele próprio; odevedor está nas mãos do seu credor; a sua terra, sob qualquer

    forma, acompanha-o na escravidão

    28

    .

    Sobre a apuração dos delitos no direito romano primitivo, ensina

    Thomas Marky:

    Os delitos que lesavam a coletividade, também no direito romanoprimitivo, eram perseguidos pelo poder público. Assim era nos casosde traição à pátria, deserção, ofensa aos deuses etc. De outro lado,nesta mesma época, o Estado, por falta de organização eficiente dos

    poderes públicos, deixou a cargo do próprio ofendido a punição dosdelitos que lesavam interesses particulares. O ofendido tinha direitoà represália, podia vingar-se29.

    Nesse contexto de iniciativa do lesado para a apuração e punição dos

    delitos privados, a busca domiciliar foi praticamente regulamentada na Lei das XII

    Tábuas quando estabeleceu (Tábua VIII, “Dos Delitos”, Número XV) que a diligência

    deveria ser realizada pelo interessado, em ato solene, ingressando nu na casa dequem recaía a suspeita, apenas protegido por um cinto (em respeito ao pudor

    alheio) e portando nas mãos um prato para nele colocar o objeto encontrado e

    também para demonstrar que em suas mãos nada mais trazia 30.

    Portanto, a busca domiciliar poderia ser realizada apenas nessa

    condição, no espaço reservado ao convívio familiar que recebia maior proteção

    28 Ibid, p. 69. 29 MARKY, Thomas. Curso Elementar de Direito Romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 133.

    30 Ibid, p. 17.

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    inclusive em relação ao corpo do indivíduo. A busca pessoal seria então realizada

    como consequência do ato solene de entrada na casa, respeitado o ritual que a

    condicionava, no caso dos delitos privados, já que o corpo recebia menor proteção

    que a casa, conforme se demonstrou, ou, ainda, mediante consentimento daquele

    sobre quem recaia a suspeita. Quanto aos delitos que lesavam a coletividade,

    perseguidos pelo poder público (delitos públicos), dava-se a busca tanto na esfera

    domiciliar quanto pessoal em conjunto e, de modo geral, por imposição de

    autoridade constituída.

    Na Idade Média, com a predominância do processo penal canônico,

    verificou-se uma transformação do sistema acusatório para o inquisitivo; a partir

    desse momento, deixaram de ser observados quaisquer direitos individuais. Ensina

    Tourinho Filho:

     Até o século XII, o processo era de tipo acusatório: não havia juízosem acusação. O acusador devia apresentar aos Bispos, Arcebisposou Oficiais encarregados de exercerem a função jurisdicional aacusação por escrito e oferecer as respectivas provas. Punia-se acalúnia. Não se podia processar o acusado ausente. Do século XIIIem diante, desprezou-se o sistema acusatório, estabelecendo-se o‘inquisitivo’. Muito embora Inocêncio III houvesse consagrado oprincípio de que Tribus modis processi possit: per accusationem, perdenuntiationem et per inquisitionem, o certo é que somente asdenúncias anônimas e a inquisição se generalizaram, culminando oprocesso inquisitivo, per inquisitionem, em tornar-se comum31.

    Nessa época, o corpo do indivíduo era violado no aspecto físico e

    moral, sem reservas, como meio de se alcançar a expiação do pecado, cujo

    conceito se confundia com a prática de um crime. Sobre as características do

    processo que então desconsiderava quaisquer direitos e garantias individuais e

    privilegiava o uso da tortura, registra José Geraldo da Silva, analisando a evolução

    dos tribunais eclesiásticos:

    31 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal . 19. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 1997, p. 34.

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    Parece certo que em seu ulterior desenvolvimento, afirmou-se amaior severidade dos tribunais eclesiásticos, especialmente com aInquisição, que fez largo emprego da tortura, escrevendo negrapágina na história do direito penal. O processo inquisitório surgiucom o Concílio de Latrão, em 1215, e possibilitava o procedimentode ofício, sem necessidade de prévia acusação, pública ou privada.O termo inquisição  vem do latim inquirere, inquirir. Compõe-se deduas outras palavras latinas: in (em), e quaero (buscar). Portanto, ainquisição é uma busca, uma investigação32 .

    Certo é que a Inquisição, ainda que partindo de denúncia anônima,

    representava uma implacável busca à condenação do chamado “herege”, sem

    qualquer respeito à integridade física e psíquica do “acusado”, pois se utilizava

    inclusive do expediente da tortura para obtenção da confissão. No contexto dessa

    “busca de condenação” a busca domiciliar e a pessoal, no sentido que hoje

    conhecemos, não era condicionada à qualquer justificativa a partir da conclusão da

    rápida instrução preparatória procedida, mesmo sem a presença do “acusado” .

     Assim indica, ainda, José Geraldo da Silva:

    Se a instrução preparatória fornecia a prova do delito, os inquisidoresordenavam a prisão do acusado, ao qual já não protegiam nemprivilégios nem asilo. Depois de preso, ninguém mais se comunicavacom ele; procedia-se à visita do seu domicílio e fazia-se o sequestrode seus bens33.

     Avançando na periodização da história, iniciou-se a Idade Moderna

    caracterizada pelo absolutismo, sistema de governo da maioria dos Estados

    europeus entre os séculos XVII e XVIII, quando o poder estava centralizado nas

    mãos do monarca e sustentado por uma burguesia emergente. E foi somente no

    século XVIII que floresceu uma corrente de pensamento que defendia o predomínio

    da razão sobre a fé, estabelecendo o progresso como destino da humanidade: o

    Iluminismo. Representando a visão da burguesia intelectual da época, alcançou

    grande repercussão na França, onde enfim se opõe às injustiças sociais, aos

    privilégios da aristocracia decadente e também à intolerância religiosa. Abriu espaço

    32 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 2. ed. São Paulo: Leud, 1996, p. 31. 

    33 Ibid, p. 31.

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    para a Revolução Francesa que veio a ocorrer em 1789 (marcando o início da Idade

    Contemporânea), oferecendo-lhe o lema que sintetizou a mudança que então era

    clamada: “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.

    Um dos principais idealizadores dessa corrente de pensamento foi

    Jean-Jacques Rousseau, que defendeu o respeito à igualdade, no exercício dos

    direitos individuais, reconhecendo a existência de um verdadeiro “contrato social”

    que determinava que cada cidadão deveria abrir mão de uma pequena parcela da

    sua liberdade individual, a fim de que o Estado, representando a vontade geral em

    seus atos de controle, possibilitasse uma convivência pacífica, com base no

    exercício da liberdade civil e respeito à propriedade. Em sua obra máxima, de 1762,

    “O Contrato Social”, oferece lições precisas desse novo pensamento:

    Limitemos tudo isso a termos fáceis de comparar. O que o homemperde pelo contrato social é sua liberdade natural e um direitoilimitado a tudo o que lhe diz respeito e pode alcançar. O que eleganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui ... Dequalquer modo que remontemos ao começo, chegaremos sempre à

    mesma conclusão, a saber: que o pacto social estabelece entre oscidadãos tal igualdade, que todos se obrigam sob as mesmascondições e devem gozar dos mesmos direitos. Assim, pela naturezado pacto, todo ato de soberania, isto é, todo ato autêntico da vontadegeral, obriga ou favorece igualmente a todos os cidadãos34.

    Influenciado pelos escritores dessa época, Cesare Beccaria, em 1764,

    lança a sua obra: “Dos delitos e das penas”, proclamando o princípio da igualdade

    perante a lei, com enfoque na norma penal. O autor estabelece limites entre a justiça humana e a justiça divina, ou seja, entre o pecado e o crime; condena a

    reivindicação do direito de vingança, com o fortalecimento do jus puniendi , baseado

    na sua utilidade social, além da devida proporcionalidade entre o delito e a sanção e

    tantas outras ideias que vieram a fortalecer o sentido de justiça aplicada ao

    indivíduo como sujeito de direitos inalienáveis, inserido no contexto de uma

    34 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social: princípios de direito político. Tradução: Antôniode P. Machado. São Paulo: Tecnoprint, 1995, p. 39. 

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    sociedade organizada e equilibrada, mediante o respeito às regras de convivência

    derivadas do contrato social.

    Beccaria critica o sistema que negava qualquer garantia de respeito ao

    acusado ou suspeito, indagando:

    Quem, ao ler a história, não se horripila diante dos bárbaros e inúteistormentos, friamente criados e executados, por homens que sediziam sábios? Quem não estremecerá, até em sua célula maissensível, ao ver milhares de infelizes que a miséria provocada outolerada por leis que sempre favoreceram a minoria e prejudicaram amaioria, forçou a desesperado regresso ao primitivo estado danatureza, ou acusados de delitos impossíveis, criados pela tímidaignorância, ou réus julgados culpados apenas pela fidelidade aospróprios princípios, esses infelizes acabam mutilados por lentastorturas e premeditadas formalidades, oriundas de homens dotadosdos mesmos sentimentos e, por conseguinte, das mesmas paixões,em alegre espetáculo para a fanática multidão?35 

    Verifica-se, a partir desse momento, uma acentuada evolução quanto

    ao reconhecimento dos direitos e garantias individuais, mediante respeito ao ser

    individual e a percepção da “inviolabilidade pessoal”, com base no aspecto físico

    (intangibilidade corporal) e também no aspecto moral (preservação da intimidade e

    da vida privada). A noção do que sejam os “direitos humanos” surge inicialmente

    permeada pela ideia de direito natural, ou seja, que podem ser deduzidos da própria

    natureza do ser humano. Nesse sentido, a Declaração Francesa dos Direitos do

    Homem, de 1789, relaciona como direitos naturais e inalienáveis, entre outros, aliberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

     A oposição dos direitos individuais em face da atuação do Estado,

    como fator de sua limitação é observada por Sylvia Helena de Figueiredo Steiner,

    quando trata da evolução dos instrumentos internacionais de proteção aos

    indivíduos:

    35 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo:RT, 1997, p. 89.

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    Já na era moderna, grande parte das normas contidas nasDeclarações de Direitos dizem exatamente com os limites daatuação do Estado na invasão da esfera de liberdade dos indivíduos.E essa invasão se torna mais sensível quando o Estado exerce seupoder-dever de repressão a condutas que atingem a comunidade36.

    Segue-se, na História, a internacionalização das normas de proteção

    aos direitos individuais em oposição ao poder do Estado, em curso de evolução que

    se interrompeu a partir do início da I Grande Guerra Mundial e foi retomado em

    1919, com o Tratado de Versalhes que estabeleceu a Liga das Nações e a Corte

    Permanente de Justiça, como registra a mesma autora:

    Não há dúvidas de que o Tratado de Versalhes, ao criar o primeirocorpo de organizações internacionais permanentes pararegulamentação e controle das relações entre os Estados, e entre osEstados e os indivíduos, em tempo de paz, pode ser considerado umgrande passo na internacionalização dos direitos humanos37.

     Após a II Grande Guerra, iniciou-se um processo de submissão das

    nações a compromissos de proteção e garantia dos direitos da pessoa, como

    decorrência do fim do conflito mundial. Surge, inicialmente, a Declaração Universal

    dos Direitos Humanos, de 1948, que traz como princípios gerais a liberdade, a

    igualdade, a não discriminação e a fraternidade e prescrições sobre os direitos e

    liberdades de ordem pessoal, sobre direitos do indivíduo nas suas relações sociais.

    Essa Declaração motivou a elaboração de outros instrumentos internacionais aos

    quais se vincularam nações não integrantes das Nações Unidas, hoje de grande

    influência no ordenamento jurídico dos países a eles submetidos.

    Como os demais instrumentos internacionais de proteção aos direitos

    individuais, porém, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não prescreve

    direitos absolutos. Enquanto, por exemplo, em seu artigo V , declara que “ninguém

    36 STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos e suaintegração ao processo penal brasileiro. São Paulo: RT, 2000, p. 23.

    37 Ibid, p. 34.

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    será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou

    degradante”, o item 2, do seu artigo XXIX, estabelece que:

    No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeitaapenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com ofim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos eliberdades de outrem, e de satisfazer às justas exigências da moral,da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática38.

     A Constituição Federal de 1988, no Brasil, foi fortemente influenciada

    pelos instrumentos internacionais de proteção aos direitos individuais,

    particularmente no seu art. 5

    o

    , em que se verificam garantias da inviolabilidadedomiciliar (inciso XI) e da inviolabilidade pessoal, impondo o devido respeito à

    intimidade, à vida privada e à integridade física e moral do indivíduo (incisos III, X e

    XLIX).

    Mesmo considerando que tais garantias representam também limitação

    ao poder do Estado, pode-se hoje concluir que não são elas absolutas quando se

    trata da realização da busca pessoal e de outros procedimentos imprescindíveis

    para a ordem pública e o bem-estar social, previstos em lei, devendo alguns direitos

    individuais ceder espaço ao interesse maior da sociedade, no limite do que seja

    necessário e razoável à realização do bem comum. Trata-se, na realidade, de

    equilibrar e garantir direitos individuais de mesmo nível e dignidade constitucional,

    no caso, a inviolabilidade domiciliar e a pessoal e a segurança devida a todo

    cidadão (caput  do art. 5o, da CF). É este o sentido do artigo XXVIII, da Declaração

     Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, quando estabelece que: “Os

    direitos do homem estão limitados pelos direitos do próximo, pela segurança de

    todos e pelas justas exigências do bem-estar geral e do desenvolvimento

    democrático”39.

    38 SÃO PAULO (Estado). Procuradoria Geral do Estado. Grupo de Trabalho de Direitos Humanos.Instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos. São Paulo: Centro de Estudos daProcuradoria Geral do Estado, 1996, p. 50. 

    39 Ibid, p. 111. 

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    Finalmente, a definitiva separação da busca pessoal em relação à

    busca domiciliar na norma processual, com a regulamentação de suas condições e

    procedimentos, como medida excepcional e necessária, orientada pelos direitos e

    garantias individuais estabelecidas na Constituição Federal, é consequência da

    evolução histórica da organização social, verificando-se o posicionamento do Estado

    como exclusivo detentor do  jus puniendi , o reconhecimento da igualdade de todos

    perante a lei e, também, o desenvolvimento da noção de inviolabilidade pessoal ao

    longo do tempo, observada a sua relatividade.

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    3. A RELATIVIDADE DA INVIOLABILIDADE PESSOAL E AS CLASSIFICAÇÕES

    DE BUSCA PESSOAL

    Como se procura enfatizar, a proteção da intimidade e da integridade

    física e moral do indivíduo projetadas na extensão do seu corpo, vestes e objetos

    pessoais, ao longo da história não tem sido contemplada com o mesmo nível de

    atenção que a busca domiciliar, porque sempre se entendeu (e ainda hoje) que a

    devassa à intimidade e à vida privada normalmente é bem maior na busca domiciliar

    em comparação com o efeito de uma busca pessoal. Prova disso é o fato de que a

    norma processual brasileira dispensa o mandado judicial para a realização da busca

    pessoal quando se realiza regular busca domiciliar (art. 244 do CPP), ou seja,

    aquela seria consequência desta, como na Antiguidade.

    Desde que a busca pessoal isolada (longe do ambiente doméstico)

    seja realizada de modo apenas superficial, de fato, pode-se concluir que ela é

    menos agressiva que a busca domiciliar. Isso porque o ambiente doméstico, em si

    mesmo, normalmente revela mais informações da intimidade e da vida privada do

    indivíduo se comparado com aquilo que se pode obter mediante uma busca pessoal

    isolada, ou seja, mediante acesso apenas aos objetos que estejam junto ou próximo

    do revistado, tendo como referência o seu corpo.

    Mas, ocorre que a busca pessoal não apenas devassa a intimidade

    extra-corporal relacionada àquilo que se encontra junto ao revistado. O que se

    sucede é a tangibilidade do organismo, ainda que superficial, realizando-se

    normalmente o toque no corpo mediante imposição do buscador. Em uma

    sequência de restrições de direitos, o revistado é obrigado a interromper o seu curso

    normal, a expor-se a ser observado e tocado, a submeter seus objetos pessoais à

    vistoria e, enfim, a aguardar a sua liberação (se não for conduzido preso).

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    E o que dizer, então, de uma busca pessoal minuciosa, como por

    exemplo, aquela que se procede normalmente em parentes de réus presos na

    entrada de estabelecimentos prisionais de máxima segurança, como condição para

    sua visitação, ou ao suspeito de tráfico de entorpecentes. O revistado é obrigado a

    ficar nu e mostrar todas as cavidades corporais onde possa ter escondido alguma

    substância entorpecente ou qualquer objeto de circulação proibida em determinado

    ambiente. Indiscutivelmente essa busca será muito mais agressiva que a busca

    domiciliar convencional, em razão da exposição corporal a que se submete o

    revistado.

    Impõe-se, como critério para a adoção da medida em seus diversos

    níveis de restrição de direito, a análise da necessidade e da razoabilidade da

    diligência, que normalmente traz consigo um caráter coercitivo desde os mais

    remotos tempos. Por outro lado, é compreensiva essa característica de

    coercibilidade, na medida em que não há quem se sinta à vontade quandosubmetido à busca pessoal, ainda que se observe que muitos, entendendo nessa

    hora a função do Estado-polícia, agradeçam a conduta profissional do buscador

    (quando assim age, no estrito cumprimento do seu dever), ao término do

    procedimento.

    Para que seja possível um aprofundamento no estudo da busca

    pessoal faz-se necessária uma digressão ao direito administrativo, verificando-se a

    distinção entre a busca pessoal  preventiva  e a busca pessoal  processual .

    Importante, outrossim, a verificação das características da busca pessoal  preliminar  

    e da busca pessoal minuciosa  e, ainda, da busca pessoal individual   e da busca

    pessoal coletiva, estas inseridas no contexto da análise do sujeito passivo da busca

    pessoal.

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    3.1 A restrição do direito à intimidade e à vida particular do revistado

     A invasão da intimidade e da vida particular, que também é um dos

    aspectos da intimidade em sentido amplo, traz prejuízo moral objetivo (como o

    indivíduo é visto por seus pares) e moral subjetivo (como o próprio indivíduo se vê,

    no convívio social).

     A intimidade foi objeto de análise sob seus diversos enfoques por

    Paulo José da Costa Júnior, que apresentou proposta de tutela penal desse direito

    individual (que tem a proteção do inciso X, do art. 5º

    , da CF), registrada em sua obra

    “O Direito de Estar Só”. O penalista apresentou o seguinte conceito para o que

    denominou intimidade exterior :

    ...é aquela de natureza psíquica. O homem a estabelece noburburinho da multidão. Ensimesmando-se em pleno tumultocoletivo. Decretando-se alheio, impenetrável às solicitações dos queo rodeiam. Presente e ausente. Rodeado e só40.

    Nessa linha de raciocínio, a busca pessoal invadiria primeiramente a

    intimidade exterior do indivíduo que, apesar de encontrar-se em público, não se vê

    normalmente obrigado a travar relações interpessoais além do que lhe seja

    necessário ou oportuno. Quem nunca foi abordado em público, não

    necessariamente pela polícia, e não se sentiu invadido em sua intimidade ou

    privacidade?

    Identificando as esferas individual e privada, relacionadas à intimidade,

    ainda o autor observa que:

    Em correspondência com sua natural divisão em ser individual e sersocial, o homem vive como personalidade em esferas diversas:numa esfera individual e noutra esfera privada. Assim, o homem, como pessoa, procura satisfazer dois interessesfundamentais: enquanto indivíduo, o interesse por uma livreexistência; enquanto coparticipe do consórcio humano, o interessepor um livre desenvolvimento na vida de relação.

    40 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. 2. ed. São Paulo:RT, 1995, p. 12. 

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    Os direitos que se destinam à proteção da ‘esfera individual’ servemà proteção da personalidade, dentro da vida pública. Na proteção da‘vida privada’, ao contrário, cogita-se da inviolabilidade dapersonalidade dentro do seu retiro necessário ao seudesenvolvimento e evolução, em seu mundo particular, à margem davida exterior.Estabelece-se, dessarte, a diferença entre a ‘esfera individual’(proteção à honra) e a ‘esfera privada’ (proteção contra aindiscrição)41.

    Por esse entendimento, a violabilidade pessoal verificada no

    procedimento de