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REPORTAGEM Etiópia DOSSIER Florestas tropicais: oportunidades e riscos para os países ACP COMÉRCIO Falando dos APE… Jornadas do Desenvolvimento Lisboa, Portugal: 7-9 Novembro 2007 C rreio O A revista das relações e cooperação entre África-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia N° 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

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REPORTAGEM

EtiópiaDOSSIER

Florestas tropicais: oportunidades e riscos

para os países ACPCOMÉRCIO

Falandodos APE…

Jornadas doDesenvolvimento Lisboa, Portugal: 7-9 Novembro 2007Venda proibida

ISSN 1784-6862

C rreioO

A revista das relações e cooperação entre África-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia

N° 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

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A revista das relações e cooperação entreÁfrica-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia

Comité EditorialCo-presidentesJohn Kaputin, Secretário-Geral Secretariado do Grupo dos países de Africa, Caraíbas e Pacífico www.acp.intStefano Manservisi, Director Geral da DG DesenvolvimentoComissão Europeia ec.europa.eu/development/

Equipa editorialDirector e Editor-chefeHegel Goutier

ColaboradoresFrançois Misser (Editor-chefe adjunto), Aminata Niang, Debra Percival

Editora assistente e produçãoSara Saleri

Colaboraram nesta ediçãoMarie-Martine Buckens, Sandra Federici,George Lucky, Joan Ruiz Valero, Tsigue Shiferaw

Relações Públicas e Coordenação de arteRelações PúblicasAndrea Marchesini Reggiani (Director de Relações Públicas e responsável pelas ONGs e especialistas)Joan Ruiz Valero (Responsável pelas relações com a UE e instituições nacionais)

Coordenação de arteSandra Federici

Paginação, MaquetaOrazio Metello OrsiniArketipa

Gerente de contratoClaudia RechtenTracey D’Afters

Capa Igreja São Jorge de Lalibela.Foto de François Misser.

ContactoO Correio 45, Rue de Trèves1040 BruxelasBélgica (UE)[email protected]: +32 2 2374392Fax: +32 2 2801406

Publicação bimestral em português, francês, espanhol e inglês

Para mais informação em como subscrever,consulte o site www.acp-eucourier.info ou contacte directamente [email protected]

Editor responsável Hegel Goutier

ParceirosGopa-Cartermill - Grand Angle - Lai-momo

A opinião expressa é dos autores e não representa o ponto de vista oficial da ComissãoEuropeia nem dos países ACP.

Os parceiros e a equipa editorial transferem toda a responsabilidade dos artigos escritospara os colaboradores externos.

A revista das relações e cooperação entreÁfrica-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia

C rreioO

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O nosso parceiroprivilegiado:

o ESPACE SENGHOR

Situado a dois passos dasInstituições Europeias, num

bairro mestiçado, o EspaceSenghor criou, no decorreu dosanos, a sua reputação de centrocultural importante, que propõe umpanorama cultural equilibradosobre o desenvolvimento. O centro assegura a promoção deartistas oriundos dos países deÁfrica, Caraíbas e Pacífico e ointercâmbio cultural entre comuni-dades, através de uma grandevariedade de programas, indo dasartes cénicas, música e cinemaaté à organização de conferên-cias. É um lugar de encontro debelgas, imigrantes de origensdiversas e funcionários europeus.

Espace SenghorCentro Cultural Etterbeek Chaussée de Wavre, 3661040 Etterbeek (Bruxelas)BélgicaTel: +32 2 2303140 E-mail:[email protected] Site:www.senghor.be

EDITORIAL

DesenvolvimentoDefinição: quando tudo é evidente! 3

EM DIRECTO

Os Grandes Lagos: Aldo Ajello, o arauto da paz 4

PERSPECTIVA 6

DOSSIERFlorestas tropicais:oportunidades e riscos para os países ACPUm tesouro ameaçado 10

Florestas sob alta vigilância 13

ACP: um mosaico de florestas 17

INTERACÇÕES

Nada de especulação sobre o futuro dos ACP 19

Empresários dominicanos. A imaginação dos mais novos 21

JED: manter a meta do desenvolvimento face às alterações climáticas 22

Jornadas Europeias do Desenvolvimento: Clima e Desenvolvimento: que alterações? 24

África, prioridade da política externa da Presidência da UE 25

Fez: um traço de união UE-África 27

Migrantes africanos viram-se para o deserto e para o mar 28

Agenda 31

COMÉRCIO

A negociação dos acordos de parceria económica ACP-UE saiu do coma 32

“Não existe um plano B”, afirma o Comissário da UE, Louis Michel 33

Falando dos APE… 34

EM FOCO

Um dia na vida de Ben Arogundade, londrino de origem nigeriana 36

NOSSA TERRA

A magnificência do sol 38

REPORTAGEM

EtiópiaO estaleiro do milénio 40

L’UE “principal partenaire de développement” 43

A Leste, novidades no caminho-de-ferro 45

Combater “a fome verde” na “Etiópia feliz” 46

Do mito à nova vaga 48

Os senhores da corrida 51

DESCOBERTA DA EUROPA

PortugalPortugal: o desejo dos outros serve de bússola 52

Comentários sobre a História, a cultura e a geografia 54

Objectivo principal do Algarve: a descentralização para melhor desenvolvimento 55

Encontro com António Pina 56

Conservação de um património natural e vivo. O cão de água 57

CRIATIVIDADE

África em Veneza 58

“Pintura popular” de Kinshasa 60

Adorámos... Vida e obra de Jean-Claude “Tiga” Garoute, pintor, poeta e demiurgo 61

Le peuple n’aime pas le peuple 61

Adorámos... A vida e a obra de Sembène Ousmane 62

PARA OS MAIS JOVENS

Clube Cotonu contra a pobreza 63

Índice

No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

O CORREIO, N° 2 NOVA EDIÇÃO (N.E.)

C rreioO

A revista das relações e cooperação entre África-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia

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No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

EditorialOcchiello

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Q uando tudo é evidente. Que um museu deArte Moderna – um dos mais prestigio-sos do mundo, o Tate Modern deLondres – reserve uma das 15 salas da

sua exposição “The States of flux (Cubismo,Futurismo e Vorticismo)” sobre as grandes correntesda arte que edificaram o pensamento artístico do sécu-lo XX a cinco artistas congoleses (RDC), é um factoinsólito. Que a apresentação das suas obras seja alivia-da com a ausência de discursos e de interpretaçõesantropológicos, e sem qualquer comparação entreobras de “arte ocidental” e arte de outros horizontes, eque os grandes do Congo, Chéri Samba, Bodo ouChéri Chérin sejam vistos apenas com o olhar do ama-dor de arte como Braque, Diego Rivera, Gustav Klimtou Rodchenko, é um facto animador. Para os respon-sáveis do Tate, é a pura evidência.

“É evidente” é uma forma a contrario da successstory (história de sucesso). É a referência do desen-volvimento e do seu reconhecimento. A luta dos ama-dores de todas as origens que, há décadas, têm realça-do a modernidade, o “avant-gardisme” da arte africa-na, começando pelos ícones europeus como Picasso,Braque e, sobretudo, o apego à investigação artística,

a perseverança dos artistas africanos e o seu génioartístico deram os seus frutos. Não é uma história de sucesso (success story). É tudonormal. É evidente. A história de sucesso (successstory) é a excepção a realçar, a emergir de um oceanode malogros, mediocridade ou monotonia. Com aobviedade realça-se o insucesso. Num registo pelo menos tão vital como a arte, a procu-ra e a consolidação da paz em África pelos própriosAfricanos, aquilo que se realçava com veemência aindahá bem pouco tempo torna-se agora cada vez mais nor-mal. Dia após dia, percebe-se que a África do Sul ésolicitada pela União para ser o elemento motor do queserá a mais importante operação de manutenção da paznunca antes conduzida pela ONU, a de Darfur, forçaesta que será preponderantemente africana. Desta vez,a África não fornecerá apenas os homens, mas tambémdisponibilizará os meios logísticos e os reforços. Jáestão em Darfur perto de 600 soldados sul-africanos e100 polícias, sob a égide da União Africana. A futuraforça será “híbrida”: ONU-União Africana. Na mesma ordem de ideias, o Conselho de Segurançapediu à União Africana que mantivesse as suas tropasna Somália durante seis meses, enquanto a ONU pre-para a organização das suas próprias tropas neste país.A força africana na Somália deverá ser reforçada pararesponder às missões complementares que lhe sãoconfiadas, entre outras, proteger as instituições detransição e trabalhar de concerto com outras institui-ções na execução de uma política nacional de seguran-ça e estabilização. E, uma vez não é costume, os eleitores da Serra Leoa,após as eleições ocorridas no seu país e exemplarespela sua transparência, são magnânimos em elogiosdirigidos aos observadores da União Africana pela efi-cácia das suas intervenções. Estes intervieram váriasvezes na mínima suspeita de fraude ou de manipulação,de tal maneira que a nossa homóloga Panapress desta-ca as palavras de um cidadão do país: “Os observado-res das eleições não podem contentar-se em redigirrelatórios, devem também evitar os conflitos e tomarmedidas para a organização de eleições sem violência,a exemplo do que fazem os observadores da UA”. A União Africana protege a normalidade das eleiçõesem África! Deveria ser evidente! Hegel Goutier

DESENVOLVIMENTO Definição: quando tudo é evidente!

Chéri Samba, Little Kadogo, 2004.Acrílico e lantejoulas emtalagarça, 205 x 246 cm. Com a amável autorizaçãoda C.A.A.C. - CollectionPigozzi, Genebra.Foto Christian Poite.

Kiluanji Kia Henda, Ngola Bar, 2006. Tríptico, impressão em alumínio, 200 x 140 cm.

Com a amável autorização da colecção africana de arte contemporânea Sindika Dokolo.

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Em directoOcchiello

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E m directo

No decorrer dos tempos, os líderes da região tiveram de sehabituar ao discurso franco e verídico deste ancião da diplo-macia. Natural de Palermo (Sicília), onde nasceu em 1936,Aldo Ajello bem depressa abraçou a carreira política, sendo

vice-presidente da associação nacional dos estudantes da Itália, sem des-curar a sua carreira de jornalista no jornal socialista Avanti e no conselhoda agência Inter Press Service. Membro do comité central do PartidoSocialista, alternadamente senador, deputado europeu e deputado italia-no, Aldo Ajello foi nomeado secretário-geral adjunto da ONU em 1992.A sua reputação ganhou-a sobretudo como Chefe da missão de manuten-ção da paz da ONU, em Moçambique.

François Misser: As suas origens sicilianas facilitaram-lhe a carreira dediplomata?

Aldo Ajello: Há uma tendência humanista bastante forte na Sicília. Estailha emerge no centro do Mar Mediterrâneo. Passaram por aí Fenícios,Gregos, Romanos, Árabes, Normandos e outros, e todos eles deixaram aívestígios. O romance Le Guépard de Tomasi di Lampedusa fala de tudoisso. Reconheço-me perfeitamente nesse contexto. Isso dá-nos uma aber-tura de espírito que as outras regiões da Itália não têm e, sobretudo, umamelhor compreensão do mundo a sul do Mar Mediterrâneo. A minhaexperiência junto dos camponeses da Sicília mostrou-me que as suasreacções e os seus moldes de pensar não são muito diferentes daquelesque eu encontrei em África.

FM: Também em Moçambique?

AA: Foi a maior aventura da minha vida! Uma maravilha absoluta, por-que tive uma sorte monumental. Tomei riscos enormes e tudo o que ten-tei traduziu-se em sucesso, graças ao Secretário-Geral (Boutros Ghali),que me deu liberdade absoluta de acção. No início, tive problemas com

a burocracia. Recebia instruções sem pés nem cabeça. A minha missãoera aplicar o acordo de paz entre o governo e a rebelião e remediar aodesequilíbrio desfavorável à segunda, que podia levar ao insucesso daoperação. O risco era que as pessoas que tinham assinado a paz pensas-sem que tinham sido traídas e recomeçassem a guerra. Era portantonecessário compensar suficientemente os guerrilheiros rebeldes daRENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), para que eles tivessemmuito a perder se recomeçassem a guerra. Não era fácil explicar aogoverno que isolar a RENAMO, sempre que ela agia contrariamente aoacordo de paz por reacção a este desequilíbrio, poderia levar à falênciado processo. Tive, pois, que procurar compreender o motivo que levavaa guerrilha a violar o acordo e eliminar as causas destas violações.Conseguimos desarmar 90.000 pessoas em menos de quatro meses. Emcontrapartida, no Congo, com o Banco Mundial, estamos ainda muitoaquém desse resultado.

FM: Porquê?

AA: Em Moçambique, a ONU assumiu plenamente a organização daoperação de uma maneira neutra. Foram criados centros de ajuntamento,onde eram seleccionados aqueles que queriam ser desmobilizados e osque desejavam entrar no exército. Estes centros eram geridos por nós econseguimos rapidamente resultados. Mas no Congo, o Banco Mu andialaplicou os princípios da ajuda ao desenvolvimento à desmobilização dossoldados, confiando ao governo o poder de decisão nessa matéria. Oresultado foi a criação de uma máquina burocrática colossal. Por outraspalavras, a decisão sobre este processo tinha sido confiada a pessoas quenão tinham qualquer interesse em fazer progredir o processo. Foi um erromonumental! Com efeito, o Banco não tinha a mínima ideia de como agir. Primeiro,assumiu a direcção desta operação, que envolvia o desarmamento, a des-mobilização e a reintegração. Em seguida, descobriu que as suas próprias

OOSS GGRRAANNDDEESS LLAAGGOOSS:: AAllddoo AAjjeelllloo,, oo aarraauuttoo ddaa ppaazz

François Misser

Aldo Ajello foi o enviado especial da União Europeia nos países dosGrandes Lagos durante onze anos. No fim do seu mandato, em Fevereiropassado, o processo de paz tinha feito enormes progressos na região.

© EUSR

OOSS GGRRAANNDDEESS LLAAGGOOSS:: AAllddoo AAjjeelllloo,, oo aarraauuttoo ddaa ppaazzAldo Ajello foi o enviado especial da União Europeia nos países dosGrandes Lagos durante onze anos. No fim do seu mandato, em Fevereiropassado, o processo de paz tinha feito enormes progressos na região.

regras proibiam-lhe proceder ao desarmamento e, portanto, só começariaa agir após essa etapa. Criou-se assim um impedimento no início, dadonão ser possível continuar sem primeiro desarmar os beligerantes. Outroproblema foi a contagem dos soldados. Ora, os responsáveis das forçasarmadas não tinham nenhum interesse em fazê-lo, porque ao número deefectivos que recebiam um salário regular pertencia um número incalcu-lável de soldados “fantasmas”: mortos, pessoas que nunca tinham nasci-do, enfim, um mundo completamente imaginário, onde os oficiais que-riam apossar-se do dinheiro dos soldos.

FM: Qual é o seu balanço dos onze anos de enviado especial na regiãodos Grandes Lagos?

AA: Tive inicialmente problemas gigantescos pelo facto de ser um envia-do especial da UE e como tal ter de representar uma posição unívoca.Mas essa posição unívoca não existia. As posições eram diferentes e, omais das vezes, completamente contraditórias, sobretudo sobre o Ruanda,mas também sobre o Burundi. Houve problemas sérios, porque não erafácil vender um produto inexistente. Fui obrigado a inventar eu própriouma política comum, tendo em conta as sensibilidades de cada uma daspartes. Esta invenção transformou-se pouco a pouco na verdadeira políti-ca comum na região.

FM: Qual é a sua visão do futuro do Congo?

AA: Isso depende de muitos parâmetros. É um país riquíssimo. Opotencial existe. Foi eleito democraticamente pela primeira vez umgoverno, mais isso não significa absolutamente nada, porque a demo-cracia não é só eleições. É necessária uma educação democrática e estaé fruto de flexibilidade e fineza para não perturbar os espíritos e incutirem todos os cidadãos a sensação de plena soberania. Trata-se de um paísque esteve durante muito tempo sob tutela e que deve aprender a fazera sua própria gestão de maneira democrática. Não é fácil. Mas se nosempenharmos seriamente a ajudá-lo, acho que há boas perspectivas de

êxito. Ora, o sucesso no Congo significa estabilidade na África Central. Para isso, a prioridade das prioridades é a reforma do sector da seguran-ça, sem a qual não haverá nem desenvolvimento nem outra coisa. O exér-cito é mal pago, não é equipado nem alimentado. A disciplina não existe.Conta sobretudo com oficiais sem nenhuma formação militar, cujo objec-tivo principal é encher os bolsos, e tendo evoluído essencialmente noscorredores do palácio presidencial e não no campo de batalha. Por conse-guinte, será necessária uma limpeza geral. Já fizemos muito trabalho coma EUSEC (NDLR: missão europeia de segurança na RDC). Primeiro,pondo em ordem a cadeia de pagamento, que era totalmente identificadacom a cadeia de comando. O dinheiro para o soldo dos soldados passavado Banco Central para o Chefe de Estado-Maior Geral, que se serviaantes de passar o restante aos Chefes de Estado-Maior da Marinha, daForça Aérea e a Força Terrestre. Quando o dinheiro chegava às brigadas,já não havia nada a distribuir. Nós desconectámos completamente acadeia de pagamento da cadeia de comando. Doravante, o Banco Centralenvia o dinheiro ao gabinete de administração que o encaminha directa-mente para as brigadas. Para garantir que esse mecanismo funcionecorrectamente, colocámos dois conselheiros europeus em cada brigadaintegrada. Hoje, as brigadas recebem o salário integralmente. Estamosagora a fazer o inventário do exército congolês e, depois, faremos entãoa maqueta do novo exército.

FM: Qual foi o momento mais agradável da sua carreira?

AA: O dia das eleições em Moçambique (NDLR: em 1992), quandoconseguimos convencer o Sr. Dhlakama (NDLR: o chefe da RENA-MO), que tinha declarado na véspera que não participaria nas eleições,porque tinha descoberto que havia certamente trafulhices e anunciadoque não participaria.

FM: E o pior?

AA: Foi dois dias antes... �

“Para isso, a prioridade das prioridades é a reforma do sector dasegurança, sem a qual não haverá nem desenvolvimento nem

outra coisa. O exército é mal pago, não é equipado nem alimentado. A disciplina não existe.”

Condições de transporte dos soldados no Kivu, RDC.© EUSEC

No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007 5

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P erspectiva

No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

PerspectivaOcchiello

“Uma resolução substantiva”,para citar a co-Presidente daAssembleia ParlamentarParitária (APP), Glenys

Kinnock, sobre Darfur, fruto de um intensodebate na Assembleia Parlamentar ConjuntaACP-UE, em Wiesbaden, para apoiar o“…destacamento mais rápido possível” daforça híbrida da União Africana-NaçõesUnidas. Espera-se que os 20.000 homens este-jam no local na Primavera de 2008, para evitaro alastramento do conflito.A resolução da APP exorta igualmente o Sudãoa desarmar as milícias, incluindo os Janjaweed,e a pôr termo aos bombardeamentos de Darfur,e apela a uma “total cooperação” entre aRepública Centro-Africana, o Chade e oGoverno do Sudão, a fim de preservar a segu-rança da região. Pede-se aos países terceiros que cessem asexportações de armas para a região. Durante o

debate, o Comissário Europeu, Louis Michel,lançou a ideia de um “roteiro” sobre os passosestratégicos a dar pela comunidade internacio-nal a favor da paz na região. A resolução daJPA solicita a ajuda do Movimento deLiberação do Povo do Sudão para reunir osgrupos rebeldes. O papel da China é impor-tante no estabelecimento dessa força e pede-se-lhe que use a sua influência para ajudar oGoverno do Sudão a reunir os grupos rebel-des à mesa das negociações.Parlamentar sudanês, Atem Garang, regozija-se com o “espírito positivo do debate e com oespírito que presidiu à negociação da resolu-ção”. E acrescentou que, três ou quatro anosantes, se a comunidade internacional tivesseprestado o mesmo apoio que está agora a darao país, o conflito nunca teria deflagrado. Aresolução reconhece que as causas originais doconflito foram o subdesenvolvimento e a mar-ginalização política e económica da população.

> A UE saúda a força híbrida da UA-NU

“Exorto todas as partes a trabalharem parauma rápida transição da missão da UniãoAfricana (UA), no Sudão (AMIS), para umamissão híbrida”, declarou Javier Solana, oAlto Representante da União Europeia para aPolítica de Segurança (CFSP), em 1 deAgosto. Isto aconteceu na véspera da adop-ção da resolução 1769 do Conselho deSegurança das Nações Unidas sobre o desta-camento de uma força híbrida (UA-NU) demanutenção da paz para a região. “A União Europeia está disposta a intensifi-car o seu apoio a este objectivo”, acrescen-tou, Solana, que colaborou nas negociaçõesde paz com vista a uma declaração política afavor de uma “solução sustentável”.

www.consilium.europa.eu �

UURRGGÊÊNNCCIIAA EE MM DDAARRFFUURR

Mario Benjamin, untitled,2006. Os médias misturados

em talagarça. 76 x 115 cm.Com a amável autorização

do artista.

Sem nenhum parlamentar zimbabuen-se na Assembleia ParlamentarParlamentária (APP), houve debatemas não resolução. A co-Presidente

da JPA, Glenys Kinnock, disse que não tinhasido pedido nenhum visto pelos parlamenta-res do Zimbabué. Estavam previstos quatroparlamentares em Wiesbaden, três dos quaispertencentes ao partido no poder Sanu-PF,bem como Nelson Chamisa do partido daoposição MDC, que foi violentamente ataca-do na sua passagem pela reunião deBruxelas, em Março de 2007. Muitos sentiram mesmo que o debate foilonge demais sem a presença de nenhumzimbabuense para replicar. Ibrahim Matolado Malávi estava contra a Assembleia quebaseou a discussão em “relatórios dosmedia”, enquanto Boyce Sebatala (Botsuana)afirmou que o partido da oposição MDCestava dividido e que “...eles tinham os seuspróprios bandos e que não tinha havido qual-quer violência da parte do partido Zanu-PF”.Atem Garang (Sudão) lamentou o facto de oReino Unido ter participado nos problemasdo Zimbabué. O deputado da República Democrática doCongo, Lola Kisanga, afirmou que a situaçãono Zimbabué envolvia toda a África e apeloua uma solução pacífica sustentável. LouisStraker de São Vicente e Granadinas sugeriuque era mais cómodo para o Zimbabuéausentar-se da reunião de Wiesbaden. NitaDeerpalsing (Maurícia) criticou o regime doZimbabué que “...era incapaz de aliviar osofrimento da população”. Muitos eurodeputados citaram factos enúmeros sobre o empobrecimento doZimbabué. Rolf Berend do Partido PopularEuropeu (Alemanha) afirmou que os preçosaumentavam de hora em hora. Há uma taxade desemprego de 80%, disse ele, e um terçoda população vive da ajuda alimentar, eacrescentou que, “se quisermos evitar umadissidência caótica, temos que agir”. O co-Presidente da JPA, René Radembino-Coniquet (Gabão), incitou mais um vez oGoverno do Zimbabué a aceitar uma missão

de informação da APP, um apelo que já foianteriormente rejeitado. Onde os parlamenta-res ACP e os deputados do ParlamentoEuropeu encontraram um terreno comum foi

em apoiar as iniciativas diplomáticas doPresidente da África do Sul, Thabo Mbeki, afavor do Zimbabué.

AA DDIISSCCÓÓRRDDIIAA EEMM ZZIIMMBBAABBUUÉÉ

“ Vitória diplomática da China em Darfur ”

É este o título de um oportuno documento de investigação de oito páginas

de Jonathan Holslag, colega investigador no Brussels Institute for

Contemporary China Studies - Instituto de Estudos Contemporâneos da

China em Bruxelas (BICCS). Publicado em 1 de Agosto, este trabalho analisa ao

microscópio o papel da China nas negociações de um acordo político, entre o

governo do Sudão e vários outros interlocutores, que conduziu ao destacamento

da uma força híbrida (UA-NU) de 20.000 homens.

“Darfur foi o primeiro caso em que Pequim não podia ficar de lado quando se

trata de pressionar um governo a autorizar a presença de tropas estrangeiras no

seu território”, pode ler-se no documento. E acrescenta: “Com uma banda chi-

nesa de interesses energéticos que se estende da Líbia até à Etiópia, em toda a

volta da faixa ocidental do Sudão, a estabilidade regional tornou-se de importân-

cia capital para a segurança energética da China”.

O documento examina os pontos favoráveis do papel da China, ou seja, o poder

amigável, apoio económico ao Sudão e discussões pragmáticas claras, mas tam-

bém os pontos desfavoráveis, quer dizer, uma abordagem “central do estado”,

que não tem em conta os outros interlocutores importantes em Darfur e conti-

nua a fornecer armas à região. �

www.vub.ac.be/biccs

© BICCS

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Perspectiva PerspectivaOcchiello

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Ajornalista sul-africana, TanyaFaber, foi a primeira vencedoraafricana do prémio Lorenzo Natalide 2006, que recompensa anual-

mente os jornalistas empenhados na luta pelosdireitos do Homem e pela democracia atravésda imprensa escrita e em linha. Esta recom-pensa existe em memória do antigoComissário Europeu do Desenvolvimento,exímio defensor destes valores.“The Bulb of Life”, conta a história de DumaKumalo, que passou sete anos no corredor damorte falsamente acusado de assassínio naÁfrica do Sul. Beneficiou da suspensão daexecução e foi libertado no final do apartheid,mas faleceu em Fevereiro de 2006, deixando asua viúva a lutar para remir o seu nome a pos-teriori. “O apartheid pode ter acabado, masexistem ainda importantes recaídas”, disse aSra Faber, numa conferência de imprensa nacerimónia em Bruxelas, em Maio. Os prémios de 5.000 euros, 2.000 euros e 1.000euros recompensam respectivamente três ven-

cedores de cinco regiões: África, Ásia ePacífico, Europa, América Latina e Caraíbas, eo Mundo Árabe, Irão e Israel. O vencedor glo-bal de 2006 foi a jornalista de Hong Kong, LeuSiew Yung, por um artigo que relata a históriade protesto de uma aldeia da China rural, publi-cado no South China Post. Na região africana, Robert Mugagga recebeuo segundo prémio pelo trabalho “Why it’sdangerous being born in Uganda”, publicadona The Weekly Observer, sobre a prevenção datransmissão do SIDA de mãe a filho noUganda. George Lucky do BusinessDay daNigéria venceu o terceiro prémio pela suasérie de cinco artigos numa viagem de cincodias pelos países da África Ocidental sobre osimigrantes ilegais que procuram uma saídapara a Europa. “Sem liberdade de imprensa, o desenvolvi-mento não pode ser sustentável”, disse oComissário Europeu, Louis Michel, na ceri-mónia de entrega dos prémios. O júri desteano, presidido pelo “pivot” Femi Oke da

CNN, incluía igualmente mem-bros de Repórteres SemFronteiros e de AmnistiaInternacional. Os trabalho para2007 devem ser publicados entre1 de Setembro de 2006 e 31 deDezembro de 2007, e serem rece-bidos até 31 de Janeiro de 2008. Para mais informações e obter alista completa dos vencedores de2006, consulte o sítio web: www.prixnatali.eu �

O reverso das migrações

Amigração pode ter um efeito positi-vo sobre o desenvolvimento susten-

tável. Sir John Kaputin, Secretário-Geraldo grupo ACP está convencido disso efrisou-o na abertura do Fórum mundialsobre as migrações e o desenvolvimento,organizado em 10 e 11 de Julho, emBruxelas, a convite da Bélgica. “Noâmbito de uma parceria global, centradana dignidade humana e no respeitomútuo, as questões de asilo, de migraçãoe de mobilidade são capitais para o des-envolvimento dos nossos países e repre-sentam temas transversais para a maiorparte dos Objectivos do Milénio a favordo desenvolvimento”, declarou Sir JohnKaputin, acrescentando que só uma abor-dagem global e multidisciplinar permitirádestacar o aspecto positivo das migraçõ-es. Mas para isso, avisou ele, será neces-sário vencer vários desafios, entre osquais a fuga de talentos e o impacto nega-tivo sobre a economia dos países ACP, acapacidade real para as pessoas de se des-locarem livremente e a luta contra a imi-gração ilegal. �

Vencedores africanos do prémio da ComissãoEuropeia para jornalistas

Um código de conduta para evitar repetições na ajuda europeia

Cessar de impedir em vez de cooperar e tirar o melhor partido dos valores acrescen-tados. É a ambição da Comissão Europeia para aumentar a eficácia da ajuda comu-nitária aos países em desenvolvimento, evitando réplicas contraproducentes. Ocódigo de conduta, de aplicação voluntária, que a Comissão propôs em 28 de

Fevereiro de 2007, deve concretizar esta ambição, orientando os Estados-Membros e aComissão com princípios que garantam a complementaridade das suas intervenções e da cober-tura equitativa dos países que necessitam da ajuda. Isto para evitar que alguns países sejam “osfavoritos da ajuda” e outros “os órfãos”. Fundado com o objectivo de uma melhor distribuiçãodas tarefas, o código de conduta garantirá a complementaridade reforçada das intervenções nointerior de um mesmo país beneficiário, a limitação das intervenções de cada mutuante de fun-dos a um máximo de dois sectores prioritários num mesmo país parceiro e a possibilidade dadaa um país doador europeu de delegar a outro país a execução do seu programa de ajuda numdomínio específico. “Há demasiados mutuantes de fundos activos nos mesmos países e nos mesmos sectores”. Asrepetições são fontes de despesas administrativas inúteis. Não é normal que um Ministro dasFinanças num país em desenvolvimento receba, em média, 200 missões de mutuantes de fundospor ano, e que no Quénia, 20 mutuantes de fundos comprem medicamentos via os 13 órgãos deconcursos públicos diferentes”, sublinha Louis Michel, Comissário Europeu para oDesenvolvimento, para explicar a iniciativa. Este código de conduta foi aprovado pelos minis-tros europeus do desenvolvimento, em 15 de Maio passado, em Bruxelas. �

Ihosvanny, Urban Sox, 2007. Instalação vídeo, 4 ecrãs,#1_1’45’’,#2_2’05’’,#3_2’56’’,#4_0’13’’.Com a amável autorização da colecçãoafricana de arte contemporânea Sindika Dokolo.

Marlène Dumas, Big artists are big people,1987. Tinta e cera em papel 31 x 22 cm.Com a amável autorização da colecção africana de arte contemporânea Sindika Dokolo.

Não empurrem os produtores debananas ACP contraa parede, exclamaum membro doParlamentoEuropeu

Uma contestação renovada do Equador na

Organização Mundial do Comércio (OMC)

sobre os direitos aduaneiros da União Europeia

de 176 euros por tonelada sobre as importações

de bananas provenientes da América Latina –

desafiando a entrada de exportações dos países

ACP isenta de direitos aduaneiros – foi objecto

de uma forte oposição nos círculos ACP.

Nos termos do Acordo de Cotonu, as quotas

estabelecidas de bananas provenientes dos paí-

ses ACP entram no União Europeia isentas de

direitos aduaneiros. Segundo os planos de livre

comércio, estas quotas serão abolidas a partir de

1 de Janeiro de 2008, permitindo a todos os

exportadores de bananas dos países ACP quotas

e acesso livre ao mercado da União Europeia.

“Eles (os ACP) são pequenos interlocutores que

não ameaçam um país que domina os mercados

mundiais e europeus. A União Europeia deve

lutar na OMC para assegurar que os produtores

de bananas pequenos e vulneráveis não sejam

empurrados contra a parede”, disse a co-

Presidente da Assembleia Parlamentar Conjunta

ACP-UE, a Sra. Glenys Kinnock, na reunião da

JPA de Junho, em Wiesbaden, Alemanha.

Um declaração conjunta dos três organismos

ACP exportadores de bananas – CBEA, OCAB e

ASSOBACAM* – referindo-se ao movimento do

Equador, expressa: “O objectivo é eliminar a

produção dos países ACP, que, no entanto, só

representa 19% no mercado europeu, ao

passo que as exportações dos países latino-

americanos ascendem a 68% do mercado da

União Europeia”.

* Associação dos Exportadores de

Bananas das Caraíbas – Caribbean

Banana Exporters Association (CBEA)

[email protected]

Associação dos Produtores de Bananas

do Camarões – Cameroon Bananas

Growers’ Association (Assobacam)

[email protected]

Organização dos Produtores-

Exportadores de Ananás e Bananas da

Costa do Marfim – Organisation for

Pineapple and Banana Producers-

Exporters of Côte d’Ivoire (OCAB)

[email protected]

No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007 8

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> RDC: atenção ao levantamento progressivo das restrições de acesso à floresta

No entanto, muitas zonas foram preservadas.Na RDC, a desorganização da economia noregime de Mobutu e as duas guerras de 1996-1997 e 1998-2003 refrearam a exploração dafloresta húmida congolesa (110 milhões deha), que representa mais de metade da cober-tura florestal da África Central. O congestio-namento do porto de Matadi e, até Agosto de2006, a inexistência de balizagem no rioCongo e nos seus afluentes têm-na protegido.A sua taxa de destruição é reduzida: 0,26%por ano, contra 0,35% para o conjunto daÁfrica Central. Mas a reunificação do país e oregresso da paz conduzem a um levantamentoprogressivo das restrições, facilitando o aces-so às zonas florestais.

> Má governação

Neste vasto país, caracterizado por uma longatradição de má governação, actualmente o peri-go reside na eventual reprodução do cenárioverificado num inquérito realizado em 2002pelo Fundo Mundial de Protecção da Natureza,que calculou que metade da madeira dosCamarões e 70% da madeira do Gabão era aba-tida sem autorização legal. Em 2000, umaempresa francesa foi aliás obrigada a retirar assuas máquinas da reserva natural de Lopé noGabão, onde se introduzira ilegalmente,enquanto no Congo-Brazzaville o governo tevede chamar à ordem uma empresa franco-chine-sa que se dedicava a uma “exploração anárqui-ca”, sem respeitar os assentos de corte.

Já as florestas do Baixo-Congo, próximas doAtlântico, são exploradas em 90%, deplora odirector do Instituto Congolês para aConservação da Natureza (ICCN), CosmeWilungula. “Observam-se, confia ao Correio,secas que nunca se tinham verificado atéagora nesta província, nomeadamente umaredução considerável do nível da água emtodos os rios.”

> Agricultura de queimadas,comércio de madeira para combustão, extracção de ouro,“necrocombustíveis”

Na RDC, as ameaças multiplicam-se: agricultu-ra de queimadas, caça furtiva, abate de árvorespara produção de makala (madeira para com-bustão), bem como a invasão do Parque nacio-nal de Kahuzi-Bihega (Sul-Kivu) pelos garim-peiros. Fenómeno que se verifica igualmente noDepartamento francês da Guiana. Entretantosurgem novos adversários potenciais: a desflo-restação causada pela necessidade de libertarespaço para a pecuária extensiva ou para a cul-tura de biocombustíveis (“necrocombustíveis”,vociferam alguns ecologistas) na América doSul e no Bornéu, denunciada pelo deputadoeuropeu Dan Jorgensen.Em Fevereiro último, em Bruxelas, naConferência Internacional sobre as Florestasdo Congo, organizada pelo governo belga, oPresidente da Liga Nacional dos Pigmeus doCongo (LINAPYCO), Kapupu Diwa, denun-ciou a distribuição anárquica no Ituri de con-cessões pelos chefes tradicionais e a continua-ção da exploração ilegal e do contrabando detoros para o Uganda, pelos chefes de guerralocais.

> RDC: fazer respeitar a moratóriasobre a atribuição de novas con-cessões

O Banco Mundial reconhece este risco deexpansão da exploração ilegal. O governo deKinshasa instituiu uma moratória sobre a atri-buição de novas concessões em 2002, confir-mada por um decreto presidencial de 2005 epela adopção de um código da floresta. “Umgesto de governação forte”, comenta o espe-cialista em florestas do Banco, LaurentDebroux. Além disso, em Maio de 2002 ogoverno congolês anulou 25 milhões de hecta-res de concessões atribuídas ilegalmente. Mas as autoridades congolesas têm dificulda-de em fazer aplicar as suas decisões. A mora-tória foi violada. Das 156 concessões existen-tes, que cobrem 22 milhões de hectares, 107foram atribuídas depois da moratória, nomea-damente a empresas de capitais portugueses ealemães. Segundo o Departamento para oA

s florestas tropicais que essas zonasabrigam conferem a várias regiõesdos países ACP um valor estratégi-co primordial. Porque muitos des-

tes países dispõem de uma importante cobertu-ra de florestas primárias, que prestam serviçosessenciais a toda a Humanidade. O primeiro,numa altura de normalização introduzida pelosorganismos geneticamente modificados, é acol-her importantes santuários de biodiversidade.Na África Central, segundo maciço de florestastropicais a seguir à Amazónia, mas igualmentena Guiana e no Suriname, na América do Sul,nas ilhas das Caraíbas e na zona do Pacífico, naPapuásia-Nova Guiné e em Timor Leste princi-palmente. Só na RDC, as florestas abrigamcerca de 400 espécies de mamíferos, outrastantas de répteis, 80 de anfíbios, 1.000 de pei-xes de água doce e quase outras tantas de bor-boletas. Dez mil espécies de plantas, das quais3.000 endémicas, foram identificadas na baciado Congo1. O pequeno Estado do Belize(20.000 km2), só por si, contava 528 espéciesde aves no final dos anos 90, contra 650 nos

Estados Unidos. E as florestas da Guiana abri-gam mais de 6.000 espécies de plantas. Osegundo serviço essencial é a capacidade des-tas florestas para sequestrarem as emissões degases com efeito de estufa. O terceiro é o papelregulador das florestas no clima regional elocal, perturbado no Burundi, atingido nosúltimos anos por secas sucessivas, em partedevido à destruição de grandes espaços da flo-resta da Kibira2.

> DesfolhantesSão vários os factores que ameaçam estesecossistemas, nalguns casos muito devastados,como no Haiti, onde a desflorestação provo-cou erosões e deslizamentos de terras, devidosobretudo à falta de alternativa à madeira paracombustão. Em Timor Leste, grande parte davegetação foi destruída por desfolhantes utili-zados pelo exército de ocupação indonésio nosanos 70. Para além deste caso excepcional, oprincipal factor de destruição é a exploraçãonão sustentável da floresta, que mesmo limita-

da a certas espécies abre as portas aos caçado-res furtivos e a outros comerciantes de carvãode madeira. E os prejuízos são ampliados pelaarbitrariedade. Assim, em Timor Leste, outro-ra conhecido pelos mercadores chineses comoa ilha da madeira de sândalo, esta espécie foidestruída em 99% durante a ocupação indoné-sia (1975-1999), conforme testemunhou oDepartamento de Florestas da autoridade tran-sitória da ONU, pouco antes da independênciadeclarada em 2002. O relatório de 2006 sobre a situação das flo-restas na África Central aponta igualmente aexploração petrolífera como uma ameaçapotencial, devido aos riscos de poluição queprovoca, mas adverte igualmente que o seudeclínio no Gabão poderá incitar os desem-pregados a dedicarem-se à exploração“espontânea” da floresta, nomeadamente àcaça ou à exploração fortuita de madeira.Este relatório salienta que o declínio dosrecursos haliêuticos marítimos pode igual-mente aumentar o risco de pressão sobre osecossistemas florestais.

UUmm tteessoouurroo aammeeaaççaaddooPairam muitas ameaças sobre as florestas tropicais, grande parte das quais se situamnos países ACP. Mas ao mesmo tempo há vastas zonas que prestam importantes ser-viços ecológicos ao planeta e que ainda continuam intactas. A luta pela sua protec-ção não é portanto um combate de retaguarda.

Abates ilegais de árvores ameaçam o santuário dosBonobos, cujo habitat está confinado a uma pequenaregião num único país, a RDC.© Greenpeace

© Greenpeace / Philip Reynaers

Com 110 milhões de hectares, a floresta húmida da RDCrepresenta mais de metade do coberto florestal da África Central.© 2002 EC / F. Jacobs

No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

DossierFlorestas tropicais

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D ossier

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Desde a Cimeira da Terra no Rio,em 1992, a protecção das flores-tas, em especial das florestas tro-picais, constitui uma das grandes

prioridades ambientais dos países industriali-zados. A última Cimeira do G8 confirmou estefacto ao adoptar em Junho último, naAlemanha, a iniciativa “Floresta Carbono”,que irá colocar à disposição dos países em des-envolvimento créditos para combater o aqueci-mento do planeta.No Rio tentou-se, pela primeira vez, harmoni-zar desenvolvimento económico e protecçãodo ambiente. Um exercício difícil, mas quepermitiu a adopção de três convenções interna-cionais, consagradas respectivamente aoclima, à biodiversidade e à desertificação.Curiosamente, a centena de Chefes de Estadoreunidos na metrópole brasileira não consegui-ram chegar a acordo sobre um texto vinculati-vo para assegurar uma exploração sustentáveldas florestas. Limitaram-se a adoptar“Princípios relativos às florestas”, princípiosestes que se diluíram nas numerosas conferên-cias que desde então se realizaram. Tal é aimportância do desafio. As florestas são objec-to de todas as cobiças: dos madeireiros, que astransformam em madeira para ser trabalhadaou em pasta de papel; dos industriais, que asabatem para plantar espécies de elevado rendi-mento; dos cientistas, que querem subtrair assuas maravilhas da biodiversidade à acção dohomem; e, desde há algum tempo, dos paísessignatários do Protocolo de Quioto, prontos apagar pelas suas virtudes de armazenamento deCO2 para cumprir os seus compromissos climá-ticos. Por último, até aqui grandes esquecidosnas instâncias internacionais, as populações dasflorestas começam a fazer ouvir a sua voz.

Desenvolvimento Internacional britânico,foram atribuídas autorizações através de“acordos” feitos com certas personalidades daelite política congolesa, no governo de transi-ção (2003-2007). E uma empresa pertencentea um homem de negócios libanês foi acusadade abate ilegal junto do santuário de chimpan-zés na província do Bandundu e de ter cortadoafromosia nas florestas à volta de Kisangani;uma espécie repertoriada no Apêndice II daConvenção sobre o Comércio Internacionaldas Espécies Ameaçadas (Cites). Ora, face aesta situação, os agentes dos Serviços deÁguas e Florestas encarregados de velar pelorespeito da moratória dispõem de meios irrisó-rios e recebem salários de miséria. Em Bikoro(Bandundu) não têm mesmo veículos paracontrolar as concessões.

> Revisão legal das concessões: um risco de branqueamento

Neste contexto, o Banco Mundial defendeque a moratória seja por enquanto mantida,mas prevê a prazo o relançamento da explo-ração florestal, após uma revisão legal davalidade de 156 contratos, que devem serconvertidos em concessões legais ou anula-dos. Mas a ONG de defesa do ambiente

Greenpeace receia que a revisão se transfor-me de facto numa validação das autorizaçõesconseguidas ilegalmente, portanto no seu“branqueamento”. Greenpeace tem igualmente dúvidas sobre ovolume das vantagens financeiras para oCongo, resultante da reforma da tributaçãodas empresas florestais e das melhorias doscontratos, de que uma parte das receitas deveem princípio destinar-se às províncias e a pro-jectos de desenvolvimento comunitário. Estesreceios baseiam-se no facto de nos últimostrês anos o dinheiro que devia ser entregue àscomunidades se ter “evaporado”, segundo aorganização ecologista. De acordo com oMinistério das Finanças congolês, 45% dosimpostos devidos em 2005 não foram pagos.E as compensações pagas pelas empresas àscomunidades locais são mínimas: a Sodeforoferece dois sacos de sal, 18 barras de sabão,quatro pacotes de café, 24 cervejas e doissacos de açúcar em troca do acesso a umavasta concessão.

> Conflitos com as comunidades locais

Debaixo das altas copas e nas clareiras dagrande floresta tropical, os conflitos crescem

e rebentam. A empresa florestal ITB foi acu-sada em 2006 pelos habitantes de Ibenga delhes ter dado compensações irrisórias peladestruição com um buldózer das suas planta-ções de mandioca e de cacau para a aberturade pistas. As comunidades indígenas quei-xam-se igualmente de ser esquecidas na defi-nição das políticas florestais. O Presidente daLiga Nacional dos Pigmeus do Congo congra-tula-se com a vontade de diálogo do Ministrodo Ambiente, mas lamenta o que considerauma falta de consideração por parte dosoutros ministérios. Para além do caso congolês, o desafio da con-servação destes ecossistemas preciosos é difí-cil. Por vezes os gritos de alarme, compreen-síveis, de alguns defensores do ambientepoderão incitar ao derrotismo e à resignação.Mas ainda há muito para salvar. Na ÁfricaCentral, nas Guianas, nos mangais dasCaraíbas, na Papuásia e em muitos outrossítios.F.M. �

1 As Florestas da Bacia do Congo: Estado das Florestas em2006, relatório co-financiado pela Comissão das Florestasda África Central, pela França, pela Comissão Europeia epela AID dos EUA, www.cbfp.org2 Burundi: Lagos que Encolhem e Florestas Dizimadas,IRIN, 7 de Junho de 2007, www.irinews.org

A exploração florestal poderia ser retomadana RDC após uma revisão legal da validadedas concessões.© Greenpeace

A UE é o maior importador em valor de madeira serrada e em toros africana.©

Greenpeace

Marie-Martine Buckens

FFLLOORREESSTTAASS SSOOBBAALLTTAA VVIIGGIILLÂÂNNCCIIAA

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Dossier Florestas tropicais DossierFlorestas tropicais

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permita identificar a madeira até aos portos eassegurar que foi produzida de modo “susten-tável”. Para muitos países produtores é umdesafio enorme. Por isso, para ajudar essespaíses a respeitarem estes compromissos, aUE prevê incluir uma ajuda técnica e finan-ceira nos acordos de parceria.

> Acabar com a madeira daguerra

“O desafio”, considera Iola Leal Riesco, daRede Europeia sobre as Florestas, FERN,“consiste em atacar as próprias raízes daexploração ilegal da madeira: a corrupção,falta de transparência, más políticas e ainfluência excessiva da indústria florestal noprocesso e na criação de leis. Perseguir ascomunidades locais ou as empresas de explo-ração no terreno só servirá para aumentar osconflitos e a pobreza; portanto, o primeiropasso no processo FLEGT é a criação de umverdadeiro diálogo político, com o objectivode introduzir as reformas políticas e reforçaros direitos das populações locais”. A respon-sável da FERN salienta que a exploração ile-gal é mais difícil de combater porque fazparte integrante da economia dos países,apoiando os partidos políticos, a polícia e ascomunidades. E calcula que na RDC, onde70% da população (35 milhões de pessoas)depende da floresta, a exploração ajudou afinanciar a guerra civil que dizimou mais de3,5 milhões de pessoas. Lembra por último assanções impostas na altura pelo Conselho deSegurança das Nações Unidas contra asexportações ilegais de madeira da Libéria,cujas receitas foram utilizadas para financiara guerra civil que grassava no país.

“A exploração ilegal é mais difícil de combater

porque faz parte integranteda economia dos países”

Até ao momento a UE iniciou conversaçõescom a Malásia e a Indonésia na Ásia e o Ganae os Camarões em África. Estão igualmenteprevistas consultas com o Congo-Brazzavillee com o Gabão. Em 2004 foram autorizados

cerca de 17 milhões de euros para apoiar pro-jectos-piloto destinados nomeadamente aassegurar uma verificação independente dasoperações de exploração da madeira. Em2006 foi criado um programa de assistênciatécnica de 15 milhões de euros na Indonésia.

> Uma rede de zonas protegidas

Em 31 de Janeiro de 2006, a ComissãoEuropeia autorizou a inclusão da RepúblicaDemocrática do Congo (RDC) na lista dospaíses da bacia do Congo que beneficiam doprograma Ecofac (Ecossistemas Florestais daÁfrica Central). Uma decisão aguardadadesde há muito, uma vez que a RDC tem amaior cobertura florestal da bacia do Congo,mas que até aqui não tinha podido beneficiardo programa devido à agitação política. Adecisão foi acompanhada de uma nova dota-ção financeira de 38 milhões de euros, queconsagrou a quarta fase do programa. Outranovidade: a ligação clara, a partir de agora,entre os esforços de conservação e de desen-volvimento das florestas e a luta contra apobreza. Trata-se de garantir às populaçõesque vivem na floresta o seu modo de subsis-tência, evitando ao mesmo tempo os abatesilegais facilitados pela abertura de estradaspor empresas de exploração de madeira.O Ecofac abrange agora zonas protegidas emsete países da África Central: Camarões,República Centro-Africana, Congo, Gabão,Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe eRDC. Com o regresso ao programa desteúltimo país, que representa metade das super-fícies arborizadas da região, o programa

passa agora a cobrir 180.000 km2 de ecossis-temas de florestas tropicais e de savanasnuma região que abriga o segundo sistema defloresta tropical do planeta, a seguir àAmazónia. Mas o Ecofac IV presta igual-mente mais atenção às populações que vivemnestas florestas. A conservação destas flores-tas, reconhece a Comissão Europeia, é funda-mental para o desenvolvimento de 65 milhõesde pessoas. As necessidades das populaçõeslocais, extremamente dependentes dos recur-sos florestais, constituem a partir de agorauma vertente importante do programa, queinvestiu bastante na procura de estratégias ede meios que pudessem conciliar desenvolvi-mento humano e conservação com projectoscomplementares no desenvolvimento rural emicrorrealizações.O programa nasceu em 1992, na sequência daConvenção Internacional sobre a Biodiversi-dade, e o seu objectivo era contribuir para aconservação e utilização racional dos ecossis-temas florestais e da biodiversidade da ÁfricaCentral. Uma das vantagens principais do pro-grama é a sua abordagem regional, traduzidano apoio à criação da Rede de ZonasProtegidas da África Central (RAPAC), cujavocação é fazer com que outras zonas protegi-das da sub-região beneficiem da experiênciaECOFAC. Globalmente, já foram investidosmais de 70 milhões de euros nas três primeirasfases nos 6º, 7º e 8º FED. O Ecofac IV repre-senta a dotação mais importante da UE para aimplementação do Plano de convergência ela-borado pelos países da COMIFAC (Comissãodos Ministros das Florestas da África Central),em apoio da Parceria Florestal da Bacia do

> Iniciativas múltiplas

As políticas implementadas pela UniãoEuropeia para tentar responder a todos estesdesafios foram e são múltiplas. Para além dasua participação activa nos fóruns internacio-nais, a UE foi sobretudo um parceiro essen-cial no famoso Programa-piloto lançado naaltura pelo G7 (o PPG7) para uma gestão sus-tentável da floresta amazónica do Brasil, pro-grama actualmente parado por falta de von-tade política. No plano interno, criou umasérie de programas que abordam directa ouindirectamente o problema da desflorestação.Entre eles, a linha de crédito “florestas tropi-cais”, lançada em 1990 por iniciativa doParlamento Europeu, que serve para financiarprojectos que vão da gestão sustentável àconservação, à investigação ou à participaçãodas populações locais. Dois anos mais tarde,a seguir à Cimeira da Terra, a ComissãoEuropeia lançou um ambicioso programaregional de conservação das florestas tropi-cais (Ecofac), apoiado actualmente no orde-namento de zonas protegidas em sete paísesda bacia do Congo. Sob pressão de organiza-ções não governamentais ecológicas, decidiuigualmente combater o problema permanente

da importação de madeira ilegal na UE. EmMaio de 2003, a Comissão adoptou o Planode acção sobre a aplicação da legislação,governação e comércio no sector florestal,mais conhecido pelo acrónimo inglêsFLEGT. Por último, as florestas entram cadavez mais nas negociações internacionaissobre o clima, como testemunha a iniciativaFloresta Carbono adoptada pelo G8, que seráaplicada sob a tutela do Banco Mundial, emconcertação com as instituições internacio-nais, nomeadamente a UE.

> Boa governaçãoe madeira sustentável

A UE é o maior importador em valor demadeira africana (serrada e em toros) e osegundo mercado de madeira serrada asiática,duas regiões do mundo onde a exploração ile-gal de madeira é prática corrente. Segundo asONG europeias, mais de 50% das importa-ções de madeira tropical da UE e mais de20% da madeira proveniente das florestasboreais é de origem ilegal. Sendo grandeconsumidora de madeira, a UE pode desem-penhar um importante papel na luta contra aexploração ilegal das florestas e o comércioque lhe está associado. A questão não é nova.

Na última década floresceram iniciativas paracertificar a origem “sustentável”, sendo orótulo FSC (Forest Stewardship Council) amais conhecida na Europa. Perante a multi-plicidade de rótulos criados, até aqui a UEpreferiu não tomar posição. Em 2003, nasequência de pressões constantes das ONGambientais e sociais, preferiu dotar-se de umsistema voluntário baseado em acordos deparceria concluídos com os países importado-res. Nasceu assim o FLEGT, Plano de acçãosobre a aplicação da legislação, governação ecomércio no sector florestal. Este Plano per-mite sobretudo evitar um embargo total damadeira tropical, exigido em último recursopelas ONG.

“Sendo grande consumidora de madeira, a UE pode

desempenhar um importantepapel na luta contra a

exploração ilegal das florestas”

Os Acordos Voluntários de Parceria (AVG)assentam numa série de compromissos, quevão de um apoio à governação nos países pro-dutores até à criação de um sistema delicença que inclui a criação prévia de umaestrutura administrativa e técnica fiável que

Para travar a exploração ilegal das florestas, a UE decidiucelebrar acordos de parcerias com os grandes paísesimportadores, nomeadamente os da Bacia do Congo.

© Greenpeace / Kate Davison

A UE participa no financiamento dos “éco-rangers”encarregados de vigiar as zonas protegidas.© Wildlife Direct – EU / Filippo Saracco

14 No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

Dossier Florestas tropicais DossierFlorestas tropicais

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Congo (PFBC), nascida do acordo entre asentidades financiadoras e as ONG por ocasiãoda Cimeira mundial para o desenvolvimentosustentável que se realizou em Joanesburgoem 2002. Além disso, esta nova fase prevêigualmente uma participação no Plano deacção sobre a aplicação da legislação, gover-nação e comércio no sector florestal, o pro-grama FLEGT (ler artigo separado).

> As ambições climáticas

“Devido à proibição de exploração das nossasflorestas, o nosso país deixou de ganhar cercade 1,5 mil milhões de dólares”, declarou em28 de Fevereiro Didace Pembe Bokiaga,Ministro congolês do Ambiente, naConferência Internacional sobre a GestãoSustentável das Florestas da RDC, organizadaem Bruxelas. Um montante que o governo deKinshasa pretende negociar no quadro daConvenção sobre as alterações climáticas.Qual é a ideia? Os serviços ambientais ofere-cidos pelas florestas tropicais ao planeta,devido nomeadamente à sua “não desfloresta-ção”, têm um preço. Um preço que os paísesdesenvolvidos, principais responsáveis peloaquecimento mundial, devem pagar. Como?Através dos mecanismos de mercado previs-tos no Protocolo de Quioto. Um destes meca-nismos, o MDL (mecanismo de desenvolvi-mento limpo), presta-se para este efeito, umavez que permite aos países desenvolvidosobterem créditos de emissões investindo emprojectos sustentáveis nos países em desen-volvimento. Mas, de momento, apenas os pro-jectos de repovoamento florestal (na maiorparte plantações) estão contemplados noProtocolo. E prossegue: “Outro sistema queestamos a explorar consiste nas concessões deconservação, através das quais as pessoas,empresas e governos do mundo poderão cele-brar contratos com a RDC e com as popula-ções locais para arrendar florestas, tendo odireito de não as explorar, de modo que pos-sam ser geridas como zonas protegidas, masde forma que as populações locais e o governocongolês possam daí retirar benefíciosconcretos”.

> Uma “facilidade carbono”para as florestas

Um pedido atendido, pelo menos parcial-mente. Em Junho último, os oito países maisindustrializados, reunidos na Alemanha,deram luz verde a uma série de iniciativaspropostas pelo Banco Mundial para reduzir oimpacto no clima dos gases com efeito deestufa. Entre estas iniciativas estava a criação

de uma parceria “floresta carbono” para evi-tar a desflorestação, responsável segundo osespecialistas por cerca de 20% das emissõesde gases com efeito de estufa. Esta parceriaconsiste numa série de projectos-piloto reali-zados inicialmente nalguns países-chave,como a RDC, o Brasil ou a Indonésia. Nesteâmbito, o Ministro Pembe considera que aRDC poderá receber cerca de 6 mil milhõesde dólares por ano, uma soma considerávelquando se sabe que o orçamento total do paísnão deverá ultrapassar os 2 mil milhões dedólares em 2007. É preciso dizer que estesprojectos só serão realmente integrados nosmecanismos de mercado (nomeadamente a

bolsa de CO2) previstos pelo Protocolo deQuioto em 2012, início da segunda fase doProtocolo, em relação à qual ainda pairamgrandes incertezas. As florestas salvas pelos mercados do car-bono? Alguns especialistas têm dúvidas. ParaJutta Kill, da organização ecológica FERN,este instrumento, “que depende de financia-mentos dos países industrializados para fun-cionar, poderá ser um fracasso, uma vez quenão ataca as verdadeiras causas da desflores-tação, mas corre o risco, pelo contrário, deaumentar os conflitos na medida em que osbenefícios não irão para as comunidadeslocais”. �

As florestas ACP são múlti-plas: das savanas arbori-zadas até às florestas tro-picais húmidas da ÁfricaCentral, do Suriname ouda Papuásia-Nova Guiné,passando pelos mangaistanzanianos, sem esqueceros milhões de árvores quei-madas ou transformadasem móveis ou em naviosde guerra, que deixarampara trás, como no Haiti,paisagens lunares. Noentanto, onde existe,como acontece na maiorparte dos países ACP, a flo-resta representa ainda umdesafio da maior impor-tância. Primeiro para oshabitantes, cuja grandemaioria, nalguns países,depende directamente dosprodutos da florestas, per-petuando assim uma eco-nomia dita de “subsistên-cia”. Depois para as auto-ridades nacionais, atraí-das pelos ganhos quepodem retirar da explora-ção industrial das suas flo-restas e, mais recentemen-te, da exploração “climáti-ca” destes sumidouros decarbono.

> O “embondeiro” africanoDas três regiões ACP, a África parece ter aparte de leão. E é o que acontece. Segundo asúltimas estimativas da Organização Mundialpara a Alimentação e a Agricultura (FAO,dados de 2005), as florestas cobririam 26% docontinente, ou seja, cerca de 627 milhões dehectares. Com grandes variantes segundo asregiões. Com 278 milhões de hectares, aÁfrica Central e Ocidental está em primeirolugar (45% da superfície), uma vez que abrigana bacia do Congo a segunda cobertura flores-tal tropical do mundo. O sudeste africano tem226 milhões de hectares, ou seja, 27% desuperfície florestal, seguido dos países doSahel, que têm apenas 8% de superfície arbo-rizada repartida por 123 milhões de hectares.O essencial das acções de conservação e degestão sustentável da UE concentra-se nabacia do Congo (ler o artigo principal).

A exploração sustentável dos mangais da Tanzânia

OZanzibar possui 19.748 ha de florestas de mangais, sendo 5.829 hectares em Unguja

e 13.919 hectares em Pemba. No Zanzibar, os mangais foram explorados historica-

mente por causa do tanino e pela madeira de construção e para combustão. Desde 1965,

todas as florestas de mangais estão sob a autoridade directa do Departamento de

Florestas, que recorreu a diversos meios para controlar a exploração. Nos últimos 50 anos,

apesar de um abate ilegal considerável, em certa medida estas acções deram o seu fruto.

Os recursos em mangais estão ameaçados indirectamente pela crescente procura de

madeira, pela diminuição dos rendimentos agrícolas e dos recursos piscícolas, pela falta de

meios de subsistência e pelo crescimento demográfico. Foram lançadas diversas iniciativas

a favor da conservação, entre as quais a gestão pela população, na aldeia de Kisakasaka;

o melhoramento das políticas e da legislação; a gestão, conservação e desenvolvimento

da zona costeira de Chwaka Bay; o programa de gestão integrada da zona costeira (ICAM)

e o projecto de conservação de Jozani-Chwaka Bay.

Estudo de Masoud, T.S. e Wild, R.G. Mangrove management and conservation: present and

future (Gestão e Conservação dos Mangais: presente e futuro), 2004. CTA (Centro Técnico

de Cooperação Agrícola e Rural ACP-UE – www.cta.int) �

ACP: UM MOSAICO DE FLORESTAS

Amanvi, Blobo Bian l’amant de l’au-delà.© Lai-momo 2003

© Marie-Martine Buckens

16 No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

Dossier Florestas tropicais DossierFlorestas tropicais

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No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007 19

I nteracçõesDossier Florestas tropicais

Areunião obedeceu a um objectivo preciso. A co-Presidenteda APP, Glenys Kinnock, apresentou estatísticas sóbriassobre as desigualdades a nível global no seu discurso deabertura. É possível decifrar o genoma humano, disse, mas

ao mesmo tempo meio milhão de mulheres morre de complicaçõesrelacionadas com a gravidez ou durante o parto, 99% das quais nospaíses em desenvolvimento. Um terço da população mundial não dis-põe de água suficiente para viver.“Há dois anos, a Cimeira do G8, em Gleneagles, decidiu duplicar aajuda às nações pobres para 50 mil milhões de dólares e anular total-mente a dívida. Lamento dizer que em vésperas da Cimeira do G8, queteve lugar este mês, já era óbvio que os países ricos estavam longe decumprir este objectivo,” acrescentou. A APP é um organismo consultivo, mas temcada vez mais peso. As suas actividades sãoseguidas de perto por outras instituiçõescom poder de decisão da UE que participamnesta assembleia bianual composta por 79membros dos parlamentos nacionais dospaíses ACP e 27 parlamentares europeus. Num debate agendado sobre os Acordos deParceria Económica (APE), os acordos delivre comércio para as seis regiões ACPdeverão entrar em vigor a 1 de Janeiro de2008, os países ACP e muitos eurodeputa-dos foram peremptórios quanto à necessida-de de não tocar no conteúdo dos acordos.“As consequências (dos APE) são claraspara os países ACP, podendo conduzir a umenorme e perpétuo stock de importações,”afirmou o co-Presidente René Radembino-Coniquet (Gabão). As Organizações NãoGovernamentais (ONG) lançaram um gritode protesto “acabem com os APE” nos jar-

dins do Kurhaus, dizendo claramente que os APE poderiam ter um ele-vado preço económico e social, em especial para os 4 agrupamentosregionais africanos (ver a rubrica “Comércio”).O Presidente alemão, Horst Köhler, defendeu a opinião contrária deque os APE poderiam melhorar a competitividade, o sector de transfor-mação local e o nível de vida (ver a rubrica “Comércio”).

> Atrasos na ratificação do Acordo de Cotonu

É necessária uma rápida ratificação do Acordo de Cotonu, exortou oMinistro dos Negócios Estrangeiros do Lesoto, Mohlabi KennethTsekoa, sem a qual o 10° pacote do FED (2008-2013) não poderá dar

> O mosaico das Caraíbas

Apenas com 3,8% de cobertura florestal, oHaiti representa um caso extremo. Nosoutros países das Caraíbas a situação variaconsideravelmente. Temos o Suriname e aGuiana, é verdade, ligados à floresta amazó-nica, que apesar da presença cada vez maiorde madeireiros pouco escrupulosos, se van-gloriam de possuir uma cobertura florestalpróxima de 94% para o primeiro e de 76%para o segundo. Segue-se o Belize, naAmérica Central, onde a Comissão Europeiafinanciou um projecto de gestão sustentáveldas florestas, que cobrem ainda 72% do ter-ritório. As ilhas ACP das Caraíbas, por seulado, têm 6 milhões de hectares de florestas,ou seja, 26% da sua superfície global.

> Florestas cadavez menos pacíficas

De todos os países ACP do Pacífico, aPapuásia-Nova Guiné tem a maior massa flo-restal (29,5 milhões de hectares, ou seja,65% da sua superfície). Mas é uma massa

florestal ameaçada desde há uma dezena deanos pela presença de madeireiros que ope-ram frequentemente na ilegalidade. Nestepaís, a CE financiou um programa de desen-volvimento (programa IRECDP) de forma-ção das comunidades para lhes permitir reti-rar benefícios dos recursos florestais. Asituação não é melhor nas ilhas Salomão (2,2milhões de hectares de florestas cobrem 78%

das ilhas), onde a UE apoiou um projectoque preconizava uma utilização alternativadas florestas, a fim de contrariar as práticasde abate destrutivas, provocando uma grandedegradação das florestas, prejuízos ambien-tais e perturbações sociais. Há ainda as ilhasFidji e Vanuatu, cujas florestas cobrem res-pectivamente 55% e 36% do território.M.M.B. �

Debra Percival

NADA DE ESPECULAÇÃOsobre o futuro dos ACPO debate sobre Darfur e sobre o Zimbabué foi animado. Os temas discutidos no deco-rrer da 13ª Assembleia Parlamentar Paritária (APP) UE-ACP, diziam respeito aos acor-dos de livre comércio, à migração, à gestão dos recursos naturais e à redução dapobreza dos pequenos agricultores. A animação do debate abalou a calma do localonde decorreu a reunião, o casino Kurhaus, em Wiesbaden (Hesse), cidade termalalemã, de 23 a 28 de Junho de 2007.

Abertura da APP da UE-ACP pelos Co-Presidentes Glenys Kinnock e René Radembino-Coniquet.

© Parlamento Europeu, DG Políticas Externas / Tim Wilson

Ecoturismona Domínica

Ailha de Domínica é rica em belezas

naturais e em biodiversidade. O ter-

reno acidentado, as precipitações abundan-

tes, as correntes de águas claras, as florestas

luxuriantes e as variedades e espécies únicas

da flora e da fauna constituem preciosidades

que fazem desta ilha um destino de ecotu-

rismo. Cerca de 65% da superfície da ilha

está coberta de vegetação natural, que

compreende a zona de floresta pluvial mais

vasta de todas as Pequenas Antilhas. Nos

últimos anos, o turismo teve um cresci-

mento rápido, baseado principalmente nas

atracções naturais da ilha. Durante o

período 1989-1993, a Domínica teve o cres-

cimento anual mais elevado das ilhas

Caraíbas em matéria de gastos dos visitan-

tes. O futuro económico da Domínica

depende grandemente da gestão e da sus-

tentabilidade dos seus recursos naturais.

Estudo de Hypolite, E., Green, G.C. e Burley,

J., CTA (Centro Técnico de Cooperação

Agrícola e Rural ACP-UE – www.cta.int) �

Árvores “fora da floresta” nas pequenas ilhas do PacíficoPara muitos dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento do oceano Pacífico, a

plantação de árvores fora da floresta, juntamente com as práticas tradicionais de explo-

ração agro-florestal e os conhecimentos tradicionais associados, oferecem meios que permi-

tem contrariar a desflorestação. Podem igualmente contribuir para a conservação da biodi-

versidade e para o desenvolvimento sustentável nestes pequenos Estados insulares em desen-

volvimento do Oceano Pacífico. Em Dezembro de 2001, realizou-se em Nadi (ilhas Fidji) um

seminário regional sobre as árvores fora da floresta. Destinava-se a dar maior prioridade às

acções de apoio à protecção e plantação de árvores fora da floresta. Os participantes debru-

çaram-se sobre os documentos nacionais da Papuásia-Nova Guiné, das ilhas Salomão, de

Vanuatu, de Tonga, da Samoa, de Niue, das ilhas Cook, de Kiribati e de Palau. Tecnicamente,

as árvores fora da floresta compreendem os pequenos bosques que cobrem menos de meio

hectare, a cobertura arbórea das terras agrícolas, as árvores em ambiente urbano, as árvores

ao longo das estradas e dos cursos de água, bem como as árvores em terras comunitárias,

incluindo as localidades e as explorações agrícolas. Agrupam espécies variadas: árvore-do-

pão, amoreira-papel, gardénia, casuarina, tuia gigante, pinheiro, mogno, sândalo, coqueiro

e mangal.

International Forestry Review (RU), 2002, vol. 4 (4), número especial, pp. 268-276. CTA

(Centro Técnico de Cooperação Agrícola e Rural ACP-UE – www.cta.int) �

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© Marie-Martine Buckens

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um impulso aos fundos que apoiam osAPE. Só 13 países ACP e 9 países da UE(de um total de 27 Estados-Membros)ratificaram o Acordo. São necessárias asassinaturas de todos os países da UE edois terços dos países ACP.As alterações climáticas nunca estive-ram muito longe das mentes dos partici-pantes ao longo dos eventos da semana.O Comissário da UE, Louis Michel, afir-mou que esta temática seria uma figurade proa na parceria África-UE a ser lan-çada no final do ano, numa cimeira Áfri-ca-UE em Lisboa, Portugal. Um seminá-rio para deputados, que teve lugar nocentro de controlo da Agência EspacialEuropeia (AEE), em Darmstadt, esclare-ceu a forma como o controlo por satélitedas alterações climáticas e ambientaispoderia ajudar os responsáveis pelasdecisões políticas dos ACP e UE. Osdeputados ficaram impressionados com ainformação de que, na China, as emissõ-es de dióxido de azoto tinham duplicadoem apenas 8 anos.Na frente política, uma resolução relati-va ao Sudão apelou a uma rápida mobili-zação de uma força híbrida UE-NU.Quanto ao Zimbabué, não houve nenhu-ma resolução por os deputados doZimbabué não terem estado presentes, mas o debate travado denotouapoio aos esforços diplomáticos envidados pelo Presidente da África doSul, Thabo Mbeki, (ver a rubrica “Perspectiva”). A oradora convidada, Presidente do Parlamento Pan-Africano,Gertrude Mongella, referiu, que, no contexto das missões de apuramen-to de factos nos países africanos, o Parlamento Pan-Africano tinhaangariado especiais êxitos. A sua presença marcou o início de relaçõesmais estreitas entre a UE e os ACP.Três relatórios principais desta APP colocaram a tónica na redução dapobreza dos pequenos agricultores dos países ACP, nas consequênciasda migração de trabalhadores qualificados no desenvolvimento nacio-nal dos países ACP e na obrigação de transparência e boa governaçãona exploração dos recursos naturais. Na esteira do debate, as resoluçõ-es votadas avançam com medidas práticas.

> “Desperdício de cérebros”

Luisa Morgantini, do Grupo Co-federal da Esquerda Unitária, tambémse pronunciou em nome do co-relator, Sharon Hay Webster (Jamaica),que não se encontrava em Weisbaden devido a compromissos eleito-rais, sobre as consequências da migração de trabalhadores no desen-volvimento nacional. Os deputados avançaram com uma catadupa denúmeros sobre a “fuga de cérebros” de trabalhadores qualificados dospaíses ACP, por exemplo. Dos 600 médicos anualmente formados naZâmbia, apenas 50 permanecem no país. Louis Straker (São Vicente eGrenadinas) afirmou que 70% dos médicos das Antilhas acabam por irpara o Reino Unido ou para os EUA. 16% do PIB da Jamaica depen-de das remessas dos emigrantes.A resolução da APP defendeu políticas que atenuem as consequênciaseconómicas e sociais da migração nos ACP e melhorem reconheci-

mento mútuo dos diplomas universitá-rios a fim de evitar o “desperdício doscérebros”. Os parlamentares insistiramtambém na necessidade de prever con-tratos de trabalho flexíveis e de maiorduração, que permitam facilitar regres-so ao seu país de origem daqueles quetrabalham no estrangeiro e, depois, àUE, assim como procedimentos maissimples para a transferência de dinhei-ro. Um relatório sobre boa governação, atransparência e a gestão responsável daexploração dos recursos naturais nospaíses ACP chamou a atenção para umaregulamentação mais estrita em matériade recursos naturais dos países ACP.Segundo Evelyne Cheron (Haiti), co-relatora do relatório, o objectivo égarantir que os recursos revertam afavor de todos os cidadãos, para evitarque “os rendimentos destes recursossejam postos de lado num banco ereservados a um punhado de pessoas”,como o explicou o Presidente alemão,Köhler, no seu discurso de abertura. Já existia um organismo de normaliza-ção internacional, disse Michael Gahler(Partido Popular Europeu, Alemanha).Outra resolução apelava ainda à apre-

sentação de orçamentos de Estado transparentes, auditorias indepen-dentes aos orçamentos e a que todos os países subscrevessem oProcesso de Kimberley sobre os diamantes em bruto, entre outras ini-ciativas, no sentido das empresas trabalharem de maneira mais trans-parente e se promoverem como “empresas limpas”. Um relatório sobre redução da pobreza dos pequenos agricultores nospaíses ACP referia-se à necessidade de haver mais processamentolocal dos produtos de base, particularmente das frutas, legumes e flo-res. O relatório foi redigido pelo membro do Partido dos Verdes, CarlSchylter (Suécia) e pelo deputado tanzaniano, Kilontji Mporogomyi,que não pôde estar presente em Wiesbaden.Outra resolução apelava ainda a uma maior focalização por parte doFundo Europeu de Desenvolvimento (FED) na agricultura em nome dasegurança alimentar e no interesse da produção local. O documentomencionava também a necessidade de evitar a invasão de produtosbaratos, recomendando a abertura selectiva dos mercados ACP àsimportações. Os projectos de desenvolvimento agrícola deveriamincluir disposições de luta contra o SIDA, visto que o vírus HIV/SIDAocupa um espaço cada vez maior nas preocupações das áreas rurais. Aeliminação de subsídios às exportações e a concessão de fundos suple-mentares para rotulagem das embalagens e respeito das regras fitossa-nitárias foram outros temas debatidos assim como um estudo de ava-liação do impacto das mudanças climáticas sobre a liberalização dastrocas comerciais, a segurança alimentar e os recursos energéticos. “As trocas comerciais standard não serão suficientes e será necessáriotomar novas medidas”, disse a Srª Kinnock no seu discurso de abertu-ra da APP. Esta declaração resume a determinação desta APP emgarantir que a mensagem seja ouvida e traduzida em acções, mas tam-bém veiculada pela 14ª sessão em Kigali, Ruanda, de 19 a 22 deNovembro de 2007. �

Debates animados em ambiente pacífico.O casino de Kurhaus na estação termal de Wiesbaden, Hessen.© Debra Percival

Juan Basanta é cineasta e empresário.Estudou em Cuba e teve professores comoFrancis Ford Coppola, Jean-Claude Carrière

ou Gabriel Garcia Marquez. Em 1995, abriu asua empresa de produção, que cresce desdeentão.

> Situação do sector

É uma indústria muito jovem, mas significativa.A tecnologia é agora acessível e permitiu que osector crescesse e nos tenha dado a independên-cia e a liberdade de criar. Temos uma nova con-fiança.

> A sua empresa

Somos uma empresa muito versátil e não reali-zamos um único tipo de filme. O nosso portfó-lio inclui documentários e vídeos musicais.Num certo sentido, a nossa empresa é a maiorneste domínio e, noutros, a mais pequena. Emtermos de vídeos musicais, temos muito suces-so. Mas nem tudo depende do tamanho. Os nos-sos negócios dependem de decisões inteligentesno mercado que consigam abrir novos camin-hos e permitam a continuidade. É isso que meentusiasma.Tentamos operar num contexto mundial. A rea-lização de filmes tem uma linguagem universal.Às vezes falhamos. Temos projectos muito ori-ginais que reflectem o que somos, mas talvez o“dialecto” seja demasiado local para poder serapreciado fora do nosso país. Somos um grupo independente. Em certos perí-odos, chegamos a empregar 90 pessoas no estú-dio, incluindo artesãos. 50 famílias dependemtodos os meses de nós.

> Será que os Dominicanos apoiam a sua própriaindústria nacional?

Os Dominicanos apoiam realmente a sua indús-tria cinematográfica nacional e compram osseus DVD, mas há uma necessidade constantede novos tipos de filmes para atrair o públicoaos cinemas. Descobrimos que as pessoas com-preendem melhor o silêncio e uma grande ima-gem mais do que uma palavra, por exemplo.Temos que fazer tudo para que os filmes não setransformem em emissões de rádio. Vou dar-lheuma cópia do meu filme Dominicano, um docu-mentário que representa uma imagem genuínado que é o meu país, para que perceba de ondesou. Retrata a minha própria vida.

> Apoiar a indústria

Sempre foi difícil reunir os fundos necessários.Se se dirigir a um banco neste momento osempréstimos hipotecários estão a 15%-18% dejuros. Tem que se fazer tudo a partir do nada,começando por encontrar parceiros compreen-síveis. É uma dinâmica completamente diferen-te. Até mesmo as coisas básicas, como a electri-cidade, têm que ser auto-financiadas. A minhaempresa não está ligada à rede eléctrica nacio-nal e eu tenho que produzir a minha própriaelectricidade. Os cineastas têm que estar prepa-rados para tudo. É um país em plena mutaçãoem todos os aspectos. Durante a época dos fura-cões, o tempo pode estar de sol de manhã e ene-voado à tarde. Já está tudo preparado. Tenho vindo a trabalharcom o Governo em domínios tal como o desen-volvimento de uma escola para cineastas e uma

legislação que proteja a indústria e crie fundos.Está a ser criado um conjunto de medidas.Outro passo importante é conseguir atrair tra-balho subcontratado por outras indústrias cine-matográficas, tal como Hollywood. Possuímoso saber-fazer técnico e os miúdos hoje vão daescola directamente para o primeiro empregono estúdio. Esta opção não existia quando ini-ciei a minha carreira. O meu primeiro empregofoi na área da publicidade.

> Para onde se dirige a indústria

Realizamos actualmente cerca de sete filmespor ano no país que custam em termos de pro-dução entre 300.000 e 1 milhão de dólares.Estes filmes conseguem pagar os custos e aindadar lucro. Estão envolvidas na produção cine-matográfica neste país cerca de 30 pessoas.Depois existem as produções internacionais fil-madas aqui, como Miami Vice de MichaelMann. Ana Garcia e Robert de Niro tambémrealizaram filmes aqui. Existe ainda um poten-cial para vender o nosso produto no mercadoregional, por exemplo na Venezuela, Colômbiaou, mesmo, nos EUA. Precisamos de uma verdadeira gestão do sec-tor. E, às vezes, os políticos não percebemisso. Precisamos de apoio a todos os níveis,um apoio para fechar uma estrada sempre queestamos em filmagens, por exemplo. É precisouma compreensão do mercado de trabalho. Osartesãos que trabalham no cenário são cabelei-reiros ou empregados de mesa comuns. Estou muito esperançoso relativamente àindústria cinematográfica e em breve – talvezdaqui a alguns anos – espero cumprir o sonholindo que tenho. H.G. �

Globalização. Participar no filme

A economia arrancou novamente após três anos de crise monetária grave, sendo hojepossível sentir o novo dinamismo do empresariado. Mas desta vez são as pequenasempresas que parecem dar provas de imaginação, inovação e dinamismo. O Correioencontrou-se recentemente com Juan Basanta, que trabalha ocasionalmente com osgrandes “tenores” norte-americanos.

EMPRESÁRIOS DOMINICANOS. A imaginação dos mais novos

20 No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

Interacções ACP-UE InteracçõesACP

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Nos próximos números do Correio: representantes de uma associação de pequenos produtores de café, a FEDECARES (Federação deProdutores de Café da Região Sul), cujo projecto tem uma vocação social e ecológica, e um gestor, Rafael Diaz, que abandonou uma situa-ção confortável nos Estados Unidos para iniciar um pequeno projecto experimental de produção semi-artesanal de biodiesel.

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são o reflexo dos desafios que se nos deparam:paz e segurança; alterações climáticas; realiza-ção dos objectivos do milénio para o desen-volvimento; governação, democracia e direi-tos do homem; energia; comércio e integraçãoregional; migração, mobilidade e emprego;ciência, sociedade da informação e espaço. Finalmente, a União Europeia deseja reforçara sua parceria com a União Africana. Porque anossa prosperidade na Europa se constrói comEstados que decidiram trabalhar juntos. Masdesejo também enviar uma mensagem vigoro-sa: a África está em movimento, saiamos dosvelhos clichés! A África é um continente comrecursos naturais únicos, o da diversidade cul-tural, é a tecnologia que progride, é a música,a biodiversidade, o desporto, a juventude. AÁfrica é uma verdadeira promessa. Vejam oNelson Mandela. Que exemplo para nós todosno mundo!

Uma incerteza ameaça a realização da cimei-ra, em caso de participação do presidente doZimbabué. Qual é a sua convicção sobre isto?

A minha convicção é que esta cimeira é muitoimportante. Esta discussão entre continentes énecessária, esperada há muito tempo.

No final do ano deverão ser assinados osAcordos de Parceria Económica (APE) entre aUE e as regiões ACP. Algumas ONG africanas

e europeias receiam que eles fragilizem aindamais as economias dos países ACP. O que é quelhes responde?

A ajuda não é o alfa e o ómega do desenvol-vimento. É necessário que os Estados maispobres se integrem na economia mundial etirem proveito dos seus trunfos para erradica-rem definitivamente a pobreza. Olhem paraos países da Ásia. Eles foram capazes deentrar paulatinamente na globalização, posi-cionar-se estrategicamente em determinadossectores, abrir progressivamente os seus mer-cados para, finalmente, concorrenciar asgrandes potências. A nossa abordagem perante os APE é gradual.Trata-se de construir mercados regionais entrepaíses ACP e abrir mais a União Europeia àsexportações destes países com uma reciproci-dade assimétrica, não automática, segundo oritmo que cada um possa suportar. É umaabordagem que deve ser inteligente, responsá-vel e orientada para o desenvolvimento. Comestes acordos, as nossas relações comerciaiscom os ACP tornam-se compatíveis com aOMC. A Comissão está no seu papel, com umavisão de um mundo globalizado mas regulado,baseado em regras claras.A Europa, destroçada por duas guerras mun-diais, soube levantar-se com esta estratégiaregional. Não o esqueçamos. Mas é necessá-rio, evidentemente, acompanhar esta aberturaatravés de uma ajuda considerável ao desen-volvimento, uma espécie de Plano Marshallpara estes países. Estão previstos dois mil mil-hões de euros anuais suplementares de ajudaaté 2010, o 10° Fundo Europeu de Desenvolvi-mento no período 2008-2013 terá um aumentode 35%. Será necessário amortecer o impactosocial das transições e das reformas para queos benefícios sejam amplamente superioresaos custos de adaptação. Uma economia flo-rescente não é anti-social, há que criar riquezapara poder, em seguida, distribuí-la. É esse osentido dos acordos de parceria económica.Sejamos construtivos e optimistas. É esta aminha profunda convicção. Acabo de regressar do Fórum das Ilhas doPacífico onde assinei, com 13 Estados, osprimeiros Documentos de Estratégia porPaís. Não podem imaginar a importância dapresença da Europa e o quanto é bem-vinda!Com os nossos parceiros do Pacífico, demãos dadas, tentamos responder concreta-mente aos problemas globais (ambiente,segurança, biodiversidade, alterações climá-ticas, energia…) e utilizamos também anossa influência política para normalizar apolítica e o regresso ao estado de direito e àdemocracia, como nas Ilhas Fiji. �

De 7 a 9 de Novembro, rea-lizam-se em Lisboa as segun-das Jornadas Europeias doDesenvolvimento. Eventoúnico, que se pretende simul-taneamente um Porto Alegree um Davos do desenvolvi-mento, reunindo todos osseus interlocutores… Nestaentrevista, o arquitecto dainiciativa, o ComissárioEuropeu responsável peloDesenvolvimento, LouisMichel, explica os funda-mentos e as aspirações eexprime-se também sobre aactualidade: a próximaCimeira UE-África e osAcordos de ParceriaEconómica com os paísesACP.

Declarações recolhidas pela redacçãon

Que lições tira da primeira edição dasJornadas Europeias do Desenvolvimento(JED)? Porque é que decidiu organizar umasegunda em Lisboa?

A primeira lição que tiro é que existe agoraum espaço que reúne todos os intervenientesda Família do desenvolvimento: Chefes deEstado, ONG, peritos, Comissão Europeia,sociedade civil, empresários. Acrescento também o facto de a Europa estarna vanguarda do desenvolvimento e de seassumir como tal: não só enquanto primeirodoador mundial de ajuda ao desenvolvimento(48 mil milhões de euros em 2006, ou seja,56% do total mundial e 100 euros por cida-dão europeu), mas sobretudo como líder dareflexão internacional sobre a cooperaçãocom os seus parceiros. Trocar pontos de vistasobre as grandes problemáticas do desenvol-vimento com os nossos parceiros, acabar como desespero e criar uma relação construtiva eequilibrada. Recordo igualmente as palavrasdo Reverendo Desmond Tutu: “A única pros-peridade sustentável é a que se adquire emconjunto”. Porquê uma segunda edição em Lisboa?Porque o mundo tem necessidade de dialogara fim de encontrar respostas para os proble-mas globais e, em especial, para as alteraçõ-es climáticas. .

Porquê este tema?

Porque há urgência! O fenómeno acelera, ascatástrofes que se perfilam serão sem prece-dentes. Há que antecipar estes problemas eagir contra este fenómeno. Falar mais dele éum dever. Não se poderá dizer que não sesabia. Cada um tem a sua responsabilidade. AEuropa mostra o caminho a seguir: a acçãocom o mercado de direitos de poluir, empen-hamentos precisos, novas regulamentações,financiamentos para as energias renováveis,para a inovação... Espero que todos os respon-

sáveis políticos entendam a nossa mensagem:“Reajamos agora!”. Concretamente, a Comissão propôs uma novaAliança Global sobre as Alterações Climáticaspara ajudar os países pobres face ao fenóme-no: instalação de medidas de adaptação; redu-ção das emissões devidas à desarborização;ajuda a estes países para que tirem partido domercado mundial do carbono; ajuda igualmen-te para que se preparem melhor para as catás-trofes naturais e integração das alterações cli-máticas nas estratégias de cooperação para odesenvolvimento e de luta contra a pobreza.As Jornadas Europeias do Desenvolvimentodarão a oportunidade de debater este proble-ma. É necessário, em seguida, desenvolver osprojectos inovadores para prevenir e remediarestas perturbações, reduzir as emissões e des-envolver as energias renováveis (solar, eólica,biomassa, hidroeléctrica). Fazer tudo istocombatendo a pobreza! Enfim, não compete só à Comissão apresentarpropostas. Elas devem vir de nós todos, dafamília do desenvolvimento e, para além des-tes, da comunidade internacional.

Na próxima Cimeira UE-África abordar-se-áa questão da parceria entre os dois continen-tes. Quais são as prioridades da Comissão aeste respeito?

Cada um deve estar consciente de que a Áfri-ca e a Europa devem traçar juntas o caminhodo seu futuro comum: o caminho da paz, daprosperidade e da solidariedade. É necessáriocooperar com os Estados africanos enquantoparceiros e enquanto vizinhos.A África é a prioridade da Comissão em maté-ria de relações externas. Vejamos os números:60% do total da ajuda para este continente éeuropeia, 85% das exportações agrícolas afri-canas são compradas pela Europa e 65% dascontribuições pagas ao fundo de luta contra oVIH, a tuberculose e o paludismo emanam daUnião Europeia. As nossas oito prioridades

Louis Michel, o optimista da vontade

L ouis Michel dispensa apresentações. Titular há três anos da pasta do desenvolvimento

e da ajuda humanitária na Comissão Europeia, conseguiu impor o seu estilo directo em

inúmeras missões nos quatro cantos do globo. Estilo que, no Congo, lhe valeu mesmo o

cognome popular de “Capitão Haddock”.

Ele exprime sem rodeios a sua opinião, não deixando ninguém indiferente, concordem ou

não. Recusando o “cientismo” dos opositores aos OGM, mostra-se céptico em relação aos

defensores de sanções sistemáticas contra os países ACP suspeitos de terem iludido as cláu-

sulas da Convenção de Cotonu. É também defensor acérrimo da ajuda orçamental, desejo-

so de responsabilizar os parceiros. E, sobretudo, concebe a sua missão como a do homem

político que foi – primeiro enquanto chefe do Movimento Reformador na Bélgica, depois

como Ministro dos Negócios Estrangeiros – e que tenciona continuar a ser. “Não sou um

eunuco político!”, declarou um dia aquando de uma audição no Parlamento Europeu.

Outro traço proeminente do Comissário: o seu empenho pela África, que lhe vem desde

que assumiu funções como chefe da diplomacia belga em 1999, quando se empenhou de

alma e coração a favor do restabelecimento da paz na África Central. É que o homem pro-

fessa “o optimismo da vontade”. Quem o conhece de perto sabe que a África está no cen-

tro da sua vida profissional, mas também dos seus gostos artísticos: a prova disso é a sua

colecção privada de appuie-têtes. F.M. �

JJEEDD:: mmaanntteerr aa mmeettaa ddoo ddeesseennvvoollvviimmeennttoo ffaaccee ààssAALLTTEERRAAÇÇÕÕEESS CCLLIIMMÁÁTTIICCAASSEntrevista com o Comissário Louis Michel

22 No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

Interacções ACP-UE InteracçõesACP-UE

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Page 14: C rreio - ufdcimages.uflib.ufl.eduufdcimages.uflib.ufl.edu/UF/00/09/50/67/00008/OCorreio-2007-02.pdf · pintor, poeta e demiurgo 61 Le peuple n’aime pas le peuple 61 Adorámos

> Acerca dos pontos importantes da agenda da Presidência portuguesa

É uma agenda carregada com assuntos políticos e institucionais e comquestões ligadas à Justiça e aos Assuntos Internos e Externos. Mas aprimeira prioridade, para resumir, é a elaboração do futuro Tratado daUnião Europeia. Recebemos da Presidência alemã o mandato para oelaborar até ao final de Dezembro e queremos respeitar esse mandato.Não apenas respeitá-lo, é que é essa a nossa vontade e vamos cumprireste mandato. Sobre as Relações Externas, o nosso diálogo reforçado com o Brasilconstitui uma prioridade. Organizámos aqui a Cimeira União Europeia-Brasil, uma iniciativa da Presidência portuguesa, que teve grandesucesso. Tencionamos fazer o mesmo com África em Dezembro. É evidente que as questões sociais e as questões ligadas à energia, aoambiente e às alterações climáticas ocupam um lugar de destaque naagenda. Tal como as questões relativas à imigração, legal ou ilegal.Uma agenda carregada, portanto, de que saliento especialmente as rela-ções com o Brasil e África.

> Os pontos promovidos pela Presidência portuguesa

Eu diria todas as questões ligadas ao novo ciclo da Estratégia de Lisboaque dizem respeito ao enquadramento do desenvolvimento económicoe social e às relações com a Europa. Temos de preparar a revisão daEstratégia de Lisboa. E também as questões ligadas à energia. Mas oque é verdadeiramente da iniciativa de Portugal é a primeira CimeiraUE-Brasil e a segunda Cimeira UE-África. Como se sabe foi com aPresidência portuguesa em 2000 que se realizou a primeira CimeiraUE-África, no Cairo. É este compromisso que se renova. Foi precisoesperar sete anos para ter esta nova cimeira em Dezembro, outra vezpor iniciativa portuguesa. Isto sublinha, creio, a importância do empen-hamento que Portugal atribui à questão africana. E tudo faremos paraque toda a Europa se empenhe em relação a África e também, bementendido em sentido inverso, que a África se comprometa num diálo-go estruturado com a Europa.

> Paralelamente aos encontros da UE com o Brasil e com África, assiste-se a uma aproximação Brasil-África. Portugal teve aí alguma intervenção?

Portugal tem relações especiais com o Brasil. O Brasil é um grandepaís que pertence à História de que fazemos parte. É um país que falaa nossa língua. Actualmente é uma potência que tem uma liderança,por exemplo ao nível do diálogo energético e igualmente ao nível dasnegociações comerciais. Mas o Brasil tem o seu próprio caminho. Ébom que o Brasil, tal como Portugal, se empenhe em África, que ten-ha interesse por África. O Brasil está muito interessado. É importan-te também que as relações globais sejam mais equilibradas. Portanto,só nos resta apoiarmos todas as iniciativas de diálogo que o Brasilquer ter com o grande bloco regional, com o continente africano.Para nós é importante, para termos uma globalização mais reguladae mais equilibrada. O facto de o Brasil falar português reveste-separa nós de um significado ainda mais especial. É uma questão sen-timental para nós.

> Sobre a penetração da China em África

É evidente que cada país, cada região, cada continente tem o direitode escolher os seus parceiros, de fazer a sua política externa. Mascreio que a Europa, graças aos seus laços especiais com África, àssuas relações muito estreitas, tem obrigação de manter relações mui-to especiais com África. A África está mais próxima da Europa do queda China. Penso que os africanos, quando decidem viajar ou fazer osseus estudos, vão antes para a Europa do que para a China. EmPortugal, os nossos empresários viram-se mais para África do quepara a China. Para nós constitui uma obrigação tudo fazer para queestes laços tão antigos, tão estreitos, tão humanos entre a Europa eÁfrica sejam preservados e desenvolvidos. É natural que África diver-sifique as suas relações e se comprometa com outros parceiros. Maspara além disso a África deve continuar a considerar a Europa comoum parceiro indispensável.

África, prioridade da políticaexterna da Presidência da UE Entrevista a Manuel Lobo Antunes, Secretário de Estado dos Assuntos Europeus de Portugal, Presidência da UE

Sede da Presidência Portuguesa 2007.© Hegel Goutier

O que são as JED?

As JED podem ser vistas como a Davos daPolítica de Desenvolvimento. Trata-se de umareunião dos interlocutores mais proeminentesenvolvidos em matéria de cooperação para odesenvolvimento; as jornadas têm por objecti-vo uma troca de pontos de vista e de ideiasenriquecedora entre as pessoas empenhadasno campo da ajuda ao desenvolvimento;foram concebidas para realçar as políticas dedesenvolvimento e assegurar coerência e com-plementaridade nesse domínio; finalmente,visam reforçar a sensibilidade pública e levaro público em geral a tomar conhecimento dopapel da União Europeia na cooperação para odesenvolvimento. O vasto leque das políticasda UE, designadamente o Consenso Europeusobre o Desenvolvimento, as medidas toma-das com vista a uma maior eficácia da ajuda,as estratégias centradas na África, Caraíbas ePacífico, contribuindo todas para a obtençãodos Objectivos de Desenvolvimento doMilénio, devem atingir o público em geral.Naturalmente, inquéritos recentes revelaramque, embora os cidadãos europeus consideremque a redução da pobreza é o objectivo maisimportante da política de desenvolvimento,nem sempre têm conhecimento das políticasactivas prosseguidas nesse sentido pelaComissão Europeia ou pelos seus própriosEstados-Membros.

AS JED 2006 tiveram como tema principal a“África em plena mutação”. Contaram com aparticipação de um leque impressionante deestrelas, nomeadamente o Bispo DesmondTutu, mais de 20 Chefes de Estado ou deGoverno africanos e mais de um milhar dedecisores europeus. Reuniram igualmente umnível elevado de funcionários de várias orga-

nizações internacionais, de representantes dasociedade civil e de peritos competentes naárea do desenvolvimento. O evento foi organi-zado pelo Comissário Europeu responsávelpelo Desenvolvimento, Louis Michel.

AS JED 2007 têm um novo tema. Desta vez,discutir-se-ão as Alterações Climáticas e oDesenvolvimento. O debate incidirá sobre asimplicações das alterações climáticas na coo-peração entre a UE e os seus parceiros dos paí-ses em desenvolvimento. Os principais des-afios que enfrentam os Europeus e os seus par-ceiros serão abordados através de uma série deeventos organizados pela Comissão.

As alterações climáticas tornaram-se numaquestão de importância crucial no mundointeiro. A ligação entre estas e as condiçõesatmosféricas extremas é bem conhecida.

Desde Julho de 2007, só a Comissão Europeiaforneceu mais de 24 milhões de euros às víti-mas de catástrofes naturais no mundo inteiro.Hoje em dia, admite-se geralmente que podenão haver novo progresso significativo semuma pausa para reflectir sobre os efeitosnefastos das alterações climáticas. É por issoque a Comissão escolheu este tema para esteano.Na sequência de Montreal em 1987 e deQuioto em 1997, a Comissão tem desempen-hado um papel activo na promoção de umaacção internacional para se atacar às alteraçõ-es climáticas. Em 2003, lançou uma estratégiae um plano de acção para debater a questão nocontexto da cooperação para o desenvolvi-mento. O Conselho da Primavera de 2007apresentou propostas concretas com vista aum acordo internacional sobre as alteraçõesclimáticas pós-2012 e comprometeu-se aintroduzir reduções significativas nas emissõ-es de gases com efeitos de estufa na UniãoEuropeia. Em Setembro de 2007, a Comissãopropôs uma Aliança Global contra asAlterações Climáticas (AGAC) para ajudar ospaíses em desenvolvimento mais afectados.Propõe agora a criação de uma nova aliançaentre a UE e os países pobres em vias de des-envolvimento mais afectados e com poucacapacidade para lidar com este novo fenóme-no. AS JED 2007 proporcionarão a primeira oca-sião de debater a AGAC com os parceiros dospaíses em desenvolvimento.

A reunião realizar-se-á em Lisboa a convite daPresidência Portuguesa da União Europeia. Osdados dos participantes, seminários, pavilhõespromocionais e restante informação sobre oevento encontram-se disponíveis no sítio web:www.eudevdays.eu �

JORNADAS EUROPEIAS DO DESENVOLVIMENTO: CLIMA EDESENVOLVIMENTO: QUE ALTERAÇÕES?Lisboa, Portugal: 7 a 9 de Novembro de 2007

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Interacções ACP-UE InteracçõesACP-UE

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As primeiras Jornadas Europeias do Desenvolvimento (JED) realizaram-se em Bruxelas, emNovembro de 2006. A iniciativa teve muito sucesso e constituirá doravante um eventoanual importante no calendário dos decisores da cooperação para o desenvolvimento.

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> Sobre a falta de consciência naUE do desejo que há da Europano mundo

Pode ser que de facto a Europa não tenha bemconsciência de certas coisas. É que hoje esta-mos em pleno choque da globalização.Precisamos todos de nos adaptar a esta reali-dade. Eu quase diria que esquecemos umpouco África e que não lhe prestamos toda aatenção que lhe devíamos dar. Talvez sejaperante uma certa indiferença que África pro-cura outros parceiros ou que outros se virampara África. Foi porque terá havido um certovazio, que só pode ser colmatado com umempenhamento mais firme da Europa.Também é nossa intenção chamar a atençãodos nossos parceiros para isto. Este esqueci-mento não deve continuar, é preciso agarrar ascoisas em mão com urgência. Pessoalmente,analiso mais as relações com África peloângulo desta globalização. A África ficar departe não pode acontecer e bater-me-ei contraisso. É um novo desafio da globalização.Sobretudo a sociedade civil, a juventude afri-cana, os intelectuais, os africanos. É precisofazer um grande esforço neste sentido, aEuropa tem interesse nisso.

> Sobre as boas novas a propósitoda economia africana

Reconheço que existe uma situação um poucoparadoxal. Se é verdade que existem algunspólos de excelência, coisas que estão a andar,a sociedade civil que se reforça, a democraciaque se consolida, infelizmente ainda há confli-

tos graves e problemas sérios de desenvolvi-mento. Ainda temos conflitos no Darfur, naSomália, etc. que continuam a constituir des-afios e problemas lamentáveis.Há coisas que avançam e que avançam no bomsentido. Mas os contrastes ainda estão bempresentes e são estes contrastes que vamos ten-tar eliminar. H.G. � A

s duas margens do Mediterrâneo, Marrocos e Espanha, estãoperto. Mas será que se compreendem? Basta estender a mãopara que dois povos reúnam dois mundos, dois universosapenas separados por 14 km. Como o mar e o oceano, duas

superfícies de água substancialmente idênticas, dois sangues idênticos.No entanto, periodicamente jangadas cheias de humanidade à derivacorrem todos os riscos em busca de um mundo melhor, tendo muitasvez o pior por resultado.Apesar disso, um pouco mais a sul, em Fez, todos os anos na mesmaaltura desde há 13 anos, há uma luz que brilha. Traço de união geo-gráfica entre a União Europeia e África, o Festival de Fez e os seusencontros são igualmente uma ponte estendida com base na esperan-ça e na dignidade entre o Norte e o Sul.Debaixo de um carvalho milenário nos jardins do Museu Batha deFez, artistas de todo o mundo sucedem-se a homens de boa vontade esolicitam o melhor em cada um de nós. Actualmente esta manifesta-ção é reconhecida como sendo um dos acontecimentos mais importan-tes da cena musical e cultural internacional.Se Fez é a cidade mais santa, a mais venerada, ainda se mantém fiel àsua história. Desde o século IX, o grande Ibn Rushd apelou à capacidade doshomens para se comportarem de forma responsável. No ano de 818,20.000 refugiados políticos expulsos de Córdova fundaram o bairroandaluz. Alguns anos mais tarde, 300 famílias tunisinas (originárias deKieron) instalaram-se em Fez e deram o seu nome ao bairro Karauin.Celebrada como uma das maiores medinas do mundo mediterrâneo,residência de dinastias prestigiadas, Fez continua a fascinar, a intrigar.Lugar onde os extremos se tocam, aqui, sucedem-se ordem e desor-dem como o requinte e a pobreza, enquanto da maior parte das casasse liberta uma atmosfera intemporal. Nesta cidade, onde se encontra a mais antiga e prestigiada universidadeislâmica, os dias do festival celebram, através da arte, da música e de con-ferências, a beleza interior das culturas tendo por referência o sagrado. Ao introduzir razões espirituais e culturais no debate ligado à globa-

lização, o espírito de Fez vai à raiz do mal-estar mundial suscitadopela problemática económica e social. No momento da globalização eface a homens que se sentem impelidos para o último sacrifício, oFestival de Fez e os seus encontros são um laboratório de reputaçãomundial incontornável. Globalização significa igualmente informação em tempo real paratodos. A identificação da legitimidade ou da ilegitimidade dos meiosutilizados pelas relações internacionais e portanto da responsabilida-de de quem os inicia, contribui para um mundo pior ou melhor. Nestecontexto, sem dúvida que Fez deixará “marcas de luz”. O Homem reduzido a uma simples condição de consumidor ou reduzi-do a uma identidade religiosa rígida é por definição parcelar. Quandohoje a noção de universal é sinónimo de articulação entre identidadesplurais e na nossa modernidade já não existem zonas tampão: nemdesertos, nem montanhas, a rapidez de circulação dos homens e dainformação deixa cada vez menos tempo para a reflexão. O Festival de Fez e os seus encontros criaram um espaço em que a dife-rença é sobretudo fraterna. Esta manifestação releva assim os desafiosde um mundo melhor pelo conhecimento e pelo reconhecimento.Nesta perspectiva tudo se torna coerente: sair do triângulo antropoló-gico sagrado-verdade-violência ou de uma escola que reproduz asignorâncias institucionalizadas (ver Prof. Mohammed Arkoun, profes-sor emérito de História do Pensamento Islâmico, Presidente doCCEFR), mas também um passado que não poderá existir sem umfuturo melhor.Não se trata de optar por uma litania de bons sentimentos para ter umaconsciência facilmente sossegada, mas sim de contribuir para umensino em que as ignorâncias deixarão de ser reproduzidas, onde osagrado, qualquer que seja, se tornará num santuário e onde, sob opretexto de possuir a verdade absoluta, ninguém recorrerá à violência,estrutural ou economicamente organizada ou baseada no desesperoabsoluto. “O modus operandi é compreender as diferenças e agir a partir dassemelhanças” (Andrius Masando, Congresso Nacional Africano). �

A Presidência de 2007 da Europa www.eu2007.pt

Encontros de política internacional mais importantes segundo a Presidência portuguesa

Joan Ruiz

Fez: um traço de união UE-África

Cimeira UE-Brasil 4 de Julho Esta cimeira lançou uma associação estratégi-

ca entre as duas partes, da qual um dos objec-

tivos é servir de alavanca às relações UE-

América do Sul. Uma das suas conclusões é o

compromisso de “salvar Doha”. O que prova-

velmente chamou a atenção dos países ACP

interessados sem dúvida no tipo de salvamen-

to previsto.

Dias Europeus doDesenvolvimento 7 a 9 de NovembroDepois de Bruxelas, em 2006, esta será a oca-

sião de debates muito abertos sobre a política

de desenvolvimento da UE, evitando de novo

o carácter empolado dos fóruns políticos

internacionais. O tema: “Clima e desenvolvi-

miento: que alterações? www.eudevdays.eu

2ª Cimeira UE-África 8 e 9 de DezembroAs propostas da Comissão Europeia para a

agenda incluem a energia, as alterações cli-

máticas, as migrações, a mobilidade e o

emprego, a governação democrática, a arqui-

tectura institucional e a política paritária UE-

África. A União Africana insiste para que sejam

inscritas na ordem de trabalhos as urgências

do desenvolvimento de África, incluindo a

agricultura e a segurança alimentar. A maior

parte dos Chefes de Estado e de Governo das

duas partes assistirão à Cimeira. Entre eles o

Presidente Robert Mugabe do Zimbabué.

Apesar das reticências de alguns deputados

europeus e de um ou outro Estado da UE, a

Presidência portuguesa fez questão de convi-

dar todos os Chefes de Estado sem excepção.

A União Africana também.

ConferênciaIntergovernamental paraum novo Tratado da UE 13 a 17 de DezembroPara pôr fim ao desassossego que a União

Europeia atravessou depois do fracasso do

projecto de Constituição. Será a última

oportunidade para a Presidência portugue-

sa, decidida a mostrar as suas capacidades

unificadoras. �

Miquel Barcelo, Noyau Noir, 1999. Os médias misturados em talagarça, 230 x 285 cm.Com a amável autorização da colecção africana de arte contemporânea Sindika Dokolo.

© Catherine Bendayan

26 No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

Interacções ACP-UE InteracçõesACP-UE

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ser a prerrogativa dos Africanos formados, e é agora acessível a todosos Africanos que possam pagar “a conta”. Todos sabem na África Ocidental que o dinheiro e a fortuna não caemdas árvores na Europa. O que os migrantes procuram é a abundânciade oportunidades que faltam em África, tanto para os mais qualifica-dos como para os menos qualificados. A difícil situação económica éo principal factor que leva muitos jovens africanos a emigrar a todo ocusto. Os poucos que o conseguiram vivem melhor do que aquelesque ficaram.Desde os inícios da década de 80, têm afluído em grande número evoluntariamente à Europa trabalhadores não qualificados provenientesda África Ocidental por razões económicas: a Espanha, a Itália e Maltaencabeçam a lista dos países preferidos. Existem também os deslocadosvoluntários, que fugiram à guerra e à crise na Libéria, na Serra Leoa e,mais recentemente, na Costa do Marfim.

O jornalista nigeriano, George Lucky, fazuma descrição pessoal da difícil situaçãodos habitantes da África Ocidental embusca de uma vida melhor na UniãoEuropeia (UE). George Lucky foi galardo-ado com o prémio Lorenzo Natali 2006da Comissão Europeia pela sua reporta-gem sobre os Direitos do Homem eDemocracia num artigo que seguiu orasto dos que arriscam as suas vidas parachegar às costas da UE.

Nestes últimos tempos, o número de Africanos que saempara o estrangeiro duplicou. Por todo o continente, portoda a África Ocidental e, sobretudo, na Nigéria, poucassão as famílias que não têm um familiar a viver no estran-

geiro, legal ou ilegalmente. Aliás, é um símbolo de estatuto social terum familiar a viver no estrangeiro. As contribuições daqueles que partem para as economias dos seuspaíses, especialmente as remessas, crescem diariamente. Um relatóriopublicado recentemente pelo Banco Central da Nigéria (BCN) provaque os Nigerianos da diáspora enviaram para o seu país natal 8 milmilhões de dólares só no primeiro semestre deste ano, um montanteque deverá duplicar até Dezembro de 2007. Há décadas atrás, implorava-se ou faziam-se ofertas aos Africanospara irem para o estrangeiro adquirir uma formação ocidental. Foi ocaso nos anos que precederam e após a independência, quando osEstados precisavam de mão-de-obra para gerir os seus negócios e ofe-reciam bolsas aos jovens africanos mais inteligentes.Hoje a tendência é diferente. A porta para o mundo ocidental deixou de

O Acordo de Schengen, assinado em 1985, aboliu os controlos

fronteiriços entre os Estados-Membros signatários. Trinta Estados

– entre os quais os Estados-Membros da UE e os países não per-

tencentes à UE, como a Islândia, Noruega e Suíça, e exceptuando

a República da Irlanda e o Reino Unido, que pertencem à União

Europeia – assinaram o Acordo até à data. Quinze Estados-

Membros estão a aplicar disposições próprias que passam por

controlos fronteiriços comuns e uma política de vistos unificada.

Todas as zonas não europeias de Portugal e Espanha, incluindo

Ceuta, Melilla e Ilhas Canárias, aplicam o Acordo. �

George Lucky

Migrantes africanos VIRAM-SE

para o deserto e para o mar

IlustraçãosFaustin Titi, Une éternité à Tanger.© Lai-momo

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Interacções ACP-UE InteracçõesACP-UE

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> A ousadia do sonho

Muitos destes viajantes, que não podem obter vistos directamente nasembaixadas dos países ocidentais, optam agora pela travessia dodeserto ou do mar. Correndo todos os riscos, acreditam que a UE, nostermos do Acordo de Schengen, não os quer. Daí que tenham optadopor países que, no seu entender, proporcionam um terreno de igualda-de para todos aqueles que ousam sonhar.O novo conjunto de imigrantes, homens e mulheres, é composto porcarpinteiros, pedreiros, mecânicos com muito pouca ou nenhuma for-mação. Segundo a embaixada da Nigéria em Espanha, dos 18.000Nigerianos que se encontram no país, cerca de 10.000 não sabe lernem escrever inglês, que é a língua oficial na Nigéria. São completa-mente analfabetos. O mesmo é válido para o Gana, Senegal,

Camarões e Mali, os principais países da África Ocidental, que sãouma fonte importante de imigração clandestina. Muitos imigrantes africanos, que são hoje considerados um risco para asegurança da Europa, entraram após inúmeras dificuldades. Ou entãopagaram montantes exorbitantes para obterem vistos, ou seguiram dife-rentes rotas terrestres e marítimas. Para se lançarem ao caminho, muitosvenderam as suas propriedades ou contraíram empréstimos que têm deser reembolsados num determinado prazo. O incumprimento deste prazoacarreta muitas vezes graves consequências para a família que deixaramna terra natal. Para evitar que tal aconteça, os imigrantes vêem-se mui-tas vezes forçados a optar pela “via rápida” em África: actividades cri-minosas, prostituição e tráfico de drogas duras.Estes imigrantes ilegais, analfabetos e na sua maioria sem qualquer for-mação, têm dificuldades em se integrar. Debatem-se com problemas lin-guísticos e culturais que tornam a integração difícil, quando não impos-

sível. Apesar da ameaça de prisão, do racismo, dasbarreiras culturais e do estatuto de cidadão desegunda classe nalguns países de acolhimento,muitos ousam ainda embarcar nesta viagem paramelhorar a sua situação económica.

> Desassossego na UE

A imigração de Africanos aos milhares está ainquietar as autoridades da UE. A tendência tornou-se num tema das campanhas eleitorais tendo algunspartidos proposto medidas mais drásticas paramaior controlo do fluxo de imigrantes. Correm rumores que vários barcos-patrulha terãodeliberadamente afundado barcos imigrantes ilegaispara impedir que chegassem à Europa, assim comouma revelação mais recente sobre a brutalidade emrelação a crianças africanas nas Ilhas Canárias, oque certamente não resolverá o problema. Para que tenhamos uma Europa mais segura, énecessário prestar assistência e dar emprego a essaspessoas, evitando-se assim que enveredem pelocaminho da criminalidade por essa Europa fora. Namesma óptica, a exigência de visto Schengen deve-ria ser menos rigorosa se realmente a Europa querque os imigrantes que chegam de África estejamsob menos pressão.Quer se trate de trabalhadores qualificados, quer setrate de não qualificados, algumas das melhoresinteligências abandonaram o continente em buscade uma vida melhor no estrangeiro, criando dessafeita um vazio a todos os níveis. Os líderes africanos são responsáveis pela enor-me fuga de capital humano para o estrangeiro.Não vale a pena dizer que a vida em África é má,curta e cheia de brutalidade. A estabilidade polí-tica, a segurança da vida e a propriedade, a infra-estrutura de primeira classe, as oportunidadespara realizar os sonhos de cada um são algumasdas coisas que atraem os Africanos à Europa, àAmérica e à Ásia.Um ambiente conducente diminuiria não só a vagacomo encorajaria os Africanos da diáspora aregressar aos seus países para levarem o continen-te para voos mais altos. �

AgendaOutubro - Dezembro 2007

Outubro de 2007

> 8-10 Reunião dos Ministros do Comércio ACP. Bruxelas, BélgicaOcasião para os seis gruposregionais fazerem o balanço sobre os APE.www.acp.int

> 22-26 Reunião dos Ministros ACPresponsáveis pelos APE e pelo Comércio. Cotonu, Benim

> 25-26 28ª Conferência dos Ministros da Justiça, organizada peloConselho da Europa sobre “O acesso à justiça pelos grupos vulneráveis, inclusive os migrantes e os requerentes de asilo”. Lanzarote, Espanha www.coe.int

> 28-2/11 12ª Conferência Mundial dos Lagos. Jaipur, ÍndiaDa ciência à cultura dos lagos, a Índia acolhe a 12ª Conferência Mundial dos Lagos, organizada pela organização não governamental Comissão ambientalinternacional dos lagos.www.taal2007.org

> 31-2/11 Conferência internacional sobre a gestão costeira. Cardiff, Reino Unido Um encontro a não faltar pelos governos e engenheiros civis, numaépoca de mutação climática e de pressões exercidas sobre as zonas costeiras.

> 23-7/11 8ª Sessão da Conferência das Partes na Convenção sobre a luta contra a desertificação. Madrid, Espanha www.unccd.int

Novembro de 2007

> 7-9 Jornadas Europeias do Desenvolvimento de 2007, consagradas nomeadamente ao estudo dos efeitos da mudança climática sobre os países em descenvolvimento.Lisboa, [email protected]

> 14-16 10ª Sessão da Assembleia Parlamentar ACP. Kigali, Ruanda

> 17-22 14ª Sessão da Assembleia Paritária ACP-UE. Kigali, Ruanda www.acp.int

> 23-25 Reunião dos Chefes de Estado do Commonwealth. Kampala, Uganda“Transformar as sociedades doCommonwealth para realizar o desenvolvimento político, económi-co e humano” é o tema da reuniãosemestral dos 53 Chefes de Estadodo Commonwealth. Estão previstastambém sessões para os homens denegócio e os jovens.www.chogm2007.ugwww.thecommonwealth.org

Dezembro de 2007

> 3-4 Conferência “Diásporas e comunidades transnacionais”. Wilton Park, Reino UnidoDe que maneira as diásporas contribuem para o desenvolvimentodos seus países de acolhimento edos seus países de origem.www.wiltonpark.org

> 8-9 2ª Cimeira UE-África

> 9-13 Reunião dos Ministros ACPresponsáveis pelos APE. Lugar a confirmar

> A confirmar86ª Sessão do Conselho de Ministros ACPBruxelas, Bélgica �

Oladélé Bamgboyé, Still life, 2003. Série de 4 impressões digitais, 122 x 91.4 cm.

Com a amável autorização da colecção africana de arte contemporânea Sindika Dokolo.

30 No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

Interacções ACP-UE InteracçõesAgenda

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Muitos deputados ACP estão pre-ocupados com o facto doscalendários para a liberalizaçãode bens e serviços serem ainda

desconhecidos. Por um lado, receiam que hajauma corrida desenfreada para assinar os acor-dos até final do ano e, por outro lado, se osAPE não forem finalizados até essa data,receiam que se percam as preferências comer-ciais existentes contempladas pelo Acordo deCotonu, quando a cláusula de renúncia daOrganização Mundial do Comércio (OMC),referente às disposições, terminar em 31 deDezembro de 2007.Sendo os calendários para a abertura dos mer-cados e os pacotes de ajudam que os acompan-ham ainda desconhecidos, o deputado BoyceSebetela (Botsuana) afirmou não saber o que

dizer neste Parlamento sobre as consequênciasde uma APE para a África Austral. De acordocom o eurodeputado espanhol (Socialista),Josep Borrell, “uma liberalização precipitadaaniquila a possibilidade de um país que tentadesenvolver-se poder participar na economiamundial”.Coube a Peter Thompson, Director Comercialna Comissão Europeia, dissipar os receios.Peter Thompson delineou aquilo que ele pensaser as vantagens dos futuros acordos. Disse àAPP que, de acordo com as propostas da UEde Abril de 2007, as mercadorias provenientesdas seis regiões ACP, à excepção do arroz e doaçúcar, fariam parte da zona franca UE edariam a possibilidade aos ACP de “determi-nar o seu próprio futuro livre da cláusula derenúncia da OMC.”

O deputado Nita Deerpalsing (Maurícias) afir-mou recear que o seu país perca a quota garan-tida e o preço do açúcar no mercado da UE.Thompson disse ainda que as novas propostasreferentes ao açúcar iam no sentido de distri-buir os benefícios de uma forma muito maisjusta, já que outros Países Menos Desenvolvi-dos (PMD), tal como a República Dominica-na, e outros passariam a ter a possibilidade deexportar açúcar para os 27 Estados-Membrosda EU.

> Pânico de Outono?

Em Novembro, será o pânico, afirmou o euro-deputado Carl Schylter (Verdes, Suécia), a res-peito da ausência de evolução nas negociaçõesde APE. O eurodeputado disse ainda que os

“NÃO EXISTE UM PLANO B”,afirma o Comissário da UE, LOUIS MICHELCom a data de entrada em vigor dos Acordos de Parceira Económica (APE) a aproxi-mar-se e os acordos de livre comércio com as seis regiões ACP, a AssembleiaParlamentar Paritária ACP-UE (APP) em Wiesbaden, reunida entre 25 e 28 de Junho,constatou enormes diferenças entre os participantes sobre o a importância destesacordos para os países ACP.

“O meu mundo de comércio justo”

Cabelos em forma de banana e umbi-

gos de chocolate: são apenas duas

das fotografias tiradas por crianças para

promover o comércio justo em toda a UE.

Estas crianças participaram num concurso,

“My fair trade World” (“O meu mundo de

comércio justo”), organizado pela Rede

Europeia de Lojas do Mundo. O vencedor

do primeiro prémio, anunciado pela

Ministra alemã da Cooperação e

Desenvolvimento Económico, Heidemarie

Wieczorek-Zeul, durante a APP, foi Levy

Hanekamp de Dronten, Países Baixos,

com oito anos de idade. �

No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

ComércioOcchiello

33

Aminata Niang

A NEGOCIAÇÃO DOS ACORDOS de parceria económica ACP-UEsaiu do comaRecta final antes da conclusão

Alfredo Jaar, Muxima, 2005. Vídeo digital, 36’.Com a amável autorização do artista.

Aluz ao fundo do túnel. A todos aqueles que pretendiam ente-rrar a negociação dos Acordos de Parceria Económica(APE) entre a UE e seis subconjuntos regionais ACP (Áfri-ca, Caraíbas e Pacífico)*, quase num ponto morto desde

2005, a sessão do Conselho de Ministros conjunto ACP-UE de 25 deMaio de 2007, em Bruxelas, deu-lhes uma resposta negativa. Nesta data, que deve ser considerada memorável na história das nego-ciações extremamente complexas, iniciadas em Setembro de 2002 como conjunto do grupo ACP, os ministros dos 27 Estados-Membros da UEe os seus homólogos dos 77 países ACP confirmaram que tudo fariampara concluir a tempo, ou seja, até ao final de 2007, APE compatíveiscom as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). O objecti-vo é que estes novos acordos de comércio, postos ao serviço do desen-volvimento dos países ACP, possam entrar em vigor em 1 de Janeiro de2008, data em que caducará a derrogação às regras da OMC que autori-za os Estados ACP a beneficiarem de preferências comerciais unilateraispara o acesso ao mercado europeu, no quadro do Acordo de Cotonu.

> Liberalização progressiva

Mais: os ministros subscreveram conjuntamente a oferta formal que aComissão Europeia tinha feito em 4 de Abril. Esta oferta, revelada porPeter Mandelson, Comissário para o Comércio, permite que todos os paí-ses que negoceiem um APE terão acesso, a partir de 1 de Janeiro de 2008,ao mercado europeu com direitos aduaneiros nulos e sem contingentespara quase todos os seus produtos – incluindo os produtos agrícolas comoa carne de bovino, os produtos leiteiros, os cereais e todos os frutos elegumes. Estão no entanto previstas excepções, a título transitório, para oarroz e para o açúcar. Em resumo, os ministros ACP e europeus deram o

seu acordo a um regime muito próximo daquele de que já beneficiamquarenta Países Menos Desenvolvidos (PMD), baptizado “Tudo menosarmas”. Estes acordos não serão acordos convencionais de comérciolivre, uma vez que a oferta não pressupõe a abertura recíproca dos mer-cados. Prevê, antes e sobretudo, o desenvolvimento de mercados regio-nais entre os ACP, como condição prévia para a liberalização progressi-va das trocas comerciais com a UE, com períodos de transição muito lon-gos, que poderão ir até 25 anos, cláusulas de salvaguarda que permitirãoaos países ACP protegerem da concorrência europeia os seus produtosmais sensíveis e uma flexibilização das regras de origem. Será conve-niente encontrar nas negociações, no entanto, uma solução que assegureaos países ACP que as suas vantagens garantidas até aqui pelos protoco-los sobre os produtos de base, de importância vital para eles – como oProtocolo do açúcar, ameaçado de desmantelamento unilateral pela UE– sejam bem preservadas, como determina o Acordo de Cotonu no nº 4do artigo 36º. Os ministros ACP reivindicaram isto e a União Europeiacomprometeu-se, sem no entanto dar indicação das modalidades.Em 15 de Maio, o Conselho de Ministros da Cooperação para oDesenvolvimento da UE já tinha declarado, em conclusões escritasunânimes, a determinação da UE em concluir o processo dentro do pra-zo e tinha confirmado a vontade de mobilizar 2 mil milhões de eurospor ano para a ajuda ao comércio a favor dos países em desenvolvimen-to a partir de 2010, tendo ficado claro que os países ACP serão os prin-cipais beneficiários. �

VER MAIS NO SÍTIO WEB* África Ocidental através da CEDEAO, África Austral através da SADC,

África Central através da CEMAC, África Oriental e Austral através da ESA,

as Caraíbas através da CARICOM e o Pacífico.

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C omércio

Page 19: C rreio - ufdcimages.uflib.ufl.eduufdcimages.uflib.ufl.edu/UF/00/09/50/67/00008/OCorreio-2007-02.pdf · pintor, poeta e demiurgo 61 Le peuple n’aime pas le peuple 61 Adorámos

pequenos agricultores seriam os mais dura-mente afectados pelo novo acordo. Esta afir-mação despoletou um pequeno debate filosófi-co com o Comissário do Desenvolvimento daUE, Louis Michel, sobre os princípios da polí-tica de desenvolvimento. “Quando se abre o mercado, todos beneficiama não ser que se pense que a auto-suficiênciapermite aos países sobreviverem,” replicouLouis Michel. “Se não vencermos o desafio,será talvez melhor continuarmos a trabalharcom as obras de caridade.” O Comissário afirmou ainda durante a APP:“Não existe um plano B. O crescimento de umpor cento nos países em desenvolvimento é oequivalente a todos os subsídios atribuídos”.Louis Michel deixou igualmente uma alusãovelada de que a Comissão poderá vir a atribuirfundos adicionais aos já previstos para ajudara sustentar os APE. A Ministra alemã da Cooperação eDesenvolvimento Económico, HeidemarieWieczorek-Zeul, sossegou os países ACP,dizendo que os textos dos respectivos APEseriam acompanhados de perto, a fim de asse-gurar que estão alinhados pelos objectivos dapolítica de desenvolvimento. A ministra disseainda que os acordos têm já previsto um meca-nismo de revisão.Algumas organizações não governamentais(ONG) ficaram indignadas, manifestando-senos relvados do Kurhaus, local onde decorreua APP, o que deixou a entender que os paísesafricanos estavam a ser coagidos a assinaremos APE. Num dos inúmeros documentos anti-APE das ONG, distribuídos durante a semana,Alexandra Burmann da organização alemã“Pão para o Mundo”, descreve de que maneiraas importações de carne de galinha barata e detomate já estão a forçar os produtores locais asaírem dos seus próprios mercados na ÁfricaOcidental. As indústrias dos diferentes secto-res nos países ACP sofrerão as consequênciasassim que as suas rivais da UE chegarem e seapoderarem de serviços tais como bancos,telecomunicações, energia e fornecimento deágua. Há estudos a afirmar que as exportaçõesdos ACP aumentarão pouco se a UE abrir osseus mercados, visto estes já estarem na suamaioria abertos aos produtos ACP, confirmaainda o documento Burmann. A liberalizaçãodos serviços e as questões chamadas de“Singapura”, tal como o investimento, a polí-tica de concorrência e os contratos públicos,afectarão igualmente os ACP da pior forma.

D.P. �

www.ec.europa.eu/tradewww.brot-fuer-die-welt.de

FALANDOdos APE…

Pessoas familiarizadas com as negociações dos APE –técnicos e políticos – dão a sua opinião sobre os temasmais delicados até agora das conversações sobre osAPE: perda de taxas de importação, cumprimento doprazo de 1 de Janeiro de 2008 e pacotes de assistênciapara apoiar as novas medidas comerciais.

Billy Miller é Ministro dosNegócios Estrangeiros dos Barbados.

Respeitar o prazo Todas as regiões ACP estão empenhadas emesforçar-se o mais possível, juntamente comos europeus, para cumprir o prazo artificialque estabelecemos para nós próprios.Se o não cumprirmos, penso que o céu não noscairá em cima. Penso que as pessoas nosincentivarão mais do que nos censurarão paraconseguirmos um APE.

As Caraíbas têm interesse num APE?Sempre. Tivemos 4 Convenções de Lomé.Agora temos o Acordo de Cotonu, que é váli-do até 2020 e os APE irão para além de 2020.É um passo importante que temos de dar paraentrar na economia europeia. A nossa sobrevi-vência depende disso.

Poderão os APE atenuar a solidariedade dosACP? Os ACP sempre foram uma organizaçãoregional e sempre respeitámos a nossa diver-sidade e compreendemos as nossas forças eassim continuará a ser.

Entrevistas realizadas por H.G. �

Mohlabi K. Tsekoa é Ministro dos Negócios Estrangeiros do Lesotoe o actual Presidente do Conselho ACP.

Prontidão dos APE Não podemos dizer que estejamos inteiramente prontos. Tudo isto é um processo. Não pode-mos adiar estes acordos apenas porque algumas regiões não estão prontas, enquanto as outrasestão. O mais importante é conseguirmos o acordo, fazer um novo esforço e assegurar queas nossas regiões e os ACP podem continuar a beneficiar.

O que é um bom APE? Um bom APE deve ser um acordo que dê resposta aos desafios e às necessidades dos ACP;à supressão da pobreza e à paz e segurança no terreno, de modo que o desenvolvimento sepossa realizar num clima propício. �

Junior Lodge é representante emBruxelas dos 16 Estados membros dobloco de nações das Caraíbas,Cariforum*.

Aspirações de desenvolvimentoQueremos um APE que corresponda às nossasaspirações de desenvolvimento e dê respostaaos objectivos políticos de Cotonu de erradica-ção da pobreza, desenvolvimento sustentável eum novo regime comercial. Precisamos de umpacote de cooperação para o desenvolvimentopara aumentar a competitividade, a inovação epara um ajustamento fiscal e empresarial.

ServiçosAs Caraíbas são muito fortes em serviços e pre-cisamos de maior acesso. Uma das questões éuma quota para trabalhadores qualificados enão qualificados virem para a Europa. Isto mel-horará a prestação de serviços aos consumido-res europeus e permitirá que os trabalhadoresdas Caraíbas regressem ao país com maiorescompetências.

Perdas de taxas de importação Para os países das Caraíbas Orientais, as taxasaduaneiras representam 60% das receitas do

governo. As Caraíbas têm alguns dos paísesmais altamente endividados do mundo. Nocontexto de elevado endividamento e de perdade receitas fiscais, os países estão receosos. Éprecisamente por causa desta preocupação comos impostos, mas também com práticas comer-ciais internas e desleais da UE que negociámosum período transitório de 25 anos para os pro-dutos mais sensíveis das Caraíbas. Estamostambém a assegurar que associamos as abertu-ras de mercados aos europeus com o seu apoioà reforma dos nossos regimes fiscais.

Compatibilidade com a OMC Para garantir o acesso ao mercado tivemos deassegurar-nos de que é compatível com aOrganização Mundial do Comércio (OMC) eque não ficamos sujeitos a litígios futuros naOMC. Já tivemos isso com as bananas e com oaçúcar. Não podemos permitir que nos afastemda cadeia de valor global. É o que acontecequando se tem uma ameaça de litígio. Quandotemos contratos com supermercados, eles que-rem ter a certeza de que os mesmos são respei-tados. Como recurso, temos de usar algumasdas flexibilidades actualmente estabelecidasnas regras da OMC e na jurisprudência paraensaiar essas flexibilidades.

Pacote de assistênciaTrata-se de uma negociação de pacotes. Por umlado, queremos acesso aos mercados – porqueestamos dependentes do comércio e a UE é umimportante destino para as nossas exportações– e por outro, precisamos de assistência técni-ca, de empresas comuns e de acesso às tecnolo-gias relevantes.

Práticas desleais Devemos poder resolver as práticas comerciaisdesleais e ter um mecanismo especial de salva-guarda em que um aumento brusco de importa-ções possa ser resolvido pelos produtores inter-nos de bens.

Prazo Temos de evitar pedir uma derrogação e sujei-tar as exportações das Caraíbas a um Sistemade Preferências Generalizadas (SPG) em quesejam aplicadas taxas de importação adicionais.O risco para nós é demasiado grave paraapoiarmos a ideia de não concluir as negocia-ções a tempo.

*Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Cuba,Domínica, República Dominicana, Granada, Guiana, Haiti,Jamaica, St Kitts e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente eGranadinas, Suriname, Trindade e Tobago. �

Gilles Hounkpatin é Director do Comércio, Turismo e Alfândegasda Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO)* eresponsável pelas negociações em nome desta região.

Um bom acordo Um bom acordo põe a tónica na integração regional e na melhoria da competitividade aonível da sub-região, para nos permitir ter acesso ao mercado europeu.

Integrar-se na economia mundial Os APE permitirán a nossa integração na economia mundial. Neste projecto precisamosantes de mais de nos integrarmos a nível regional. Devemos ter acesso ao mercado europeue depois há a questão das normas sanitárias e fitossanitárias, etc.

Recursos de acompanhamento? A tónica deve ser colocada a nível das empresas/indústrias e na melhoria das nossas infra-estruturas para nos podermos empenhar no desenvolvimento.

Redução das taxas de importação Num primeiro momento haverá uma diminuição das receitas. O orçamento dos nossosEstados-Membros depende das receitas fiscais. É preciso resolver tudo isto, senão haveráuma crise social. Somos de opinião que é preciso fazer um esforço a nível económico e noplano da reestruturação. Devemos antever a transição fiscal, isto é, a passagem para a fisca-lidade dos impostos internos e indirectos, mas tudo isto exige um acompanhamento.

Respeitar o prazo de 31 de Dezembro de 2007Eu prefiro sobretudo um bom acordo.

*Benim, Burkina Faso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Níger,

Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo. �

© IRIN / Manoocher Deghati

34 No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

Comércio Occhiello Comércio

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No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007

Em foco

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Tem apenas 34 anos e atrás de si játem uma carreira de arquitecto, demanequim, de actor, de jornalista,cantor quando lhe agrada, escritor e

escritor de livros raros. Autor do best-sellerBlack Beauty, o último livro que acaba depublicar como “director criativo”, coordenan-do o trabalho de outros criadores famosos, éconsagrado ao lendário futebolista Pelé. Nãopense muito nisso, porque poucos leitores doCorreio se poderão oferecer esta jóia da edito-ra atípica Gloria. A tiragem máxima é limita-da a 2.000 exemplares, custando 2.500 euroscada um. Para os mais afortunados, os 150exemplares do nec plus ultra da edição “car-naval” esgotaram-se nas primeiras semanasde venda ao preço de 4.500 libras esterlinascada livro. Alguns já são revendidos a 10.000libras em mercados asiáticos. Para o grande público em todo o mundo, BenArogundade é o autor de Black Beauty, consi-derada uma obra de referência. A edição origi-nal, datada de 2001, foi actualizada quando aBBC difundiu três emissões sobre o livro. Mas foi de pintura que Arogundade começou afalar. O encontro foi marcado no Tate ModernMuseum para visitar a sala dedicada aos pinto-res congoleses (RDC) numa das alas que acol-he a colecção permanente do museu com o títu-lo “States of flux”. Depois falou do segundo

livro-objecto de arte a publicar pela Gloria e noqual trabalha, que será consagrado aos iates. Eum pouco do terceiro apenas esboçado, que terácomo vedeta a grande maçã, Nova Iorque. Eram dez horas da manhã na Tate Modern, nazona de Bankside, ao longo da qual corre oTamisa, com as longas horas de imobilidadedos artistas de rua a transformá-los em estátuasvivas e a multidão, de que uma parte passarádiante de uma construção de Ben Arogundadeno Southbank, no tempo em que ele se dedica-va à arquitectura.

Um dia na vida de Ben Arogundade é umaoportunidade para descobrir como esta figurapública, à primeira vista extrovertida, é afinalreservada. Provavelmente estará à vontadenos acontecimentos mundanos, cultivando aomesmo tempo muitos segredos, a intimidadee quase a timidez. O dia do nosso convidadocomeçou muito antes da Tate, às 6h30, parafazer a sua corrida diária, umas boas 5 milhasem Wandsworth, à volta do grande terrenomunicipal, antes de regressar para tomar opequeno-almoço em casa, em Battersea. Depois da Tate e de um rápido pequeno-almoço, Ben Arogundade tinha de entrevistarum desses múltiplos proprietários de iatesque tem de encontrar, antes de passar pelaeditora Gloria, em Kentish Town, nos bairrosdo norte de Londres, onde um pequeno grupode uma dezena de criadores trabalha sob asua direcção nestes barcos de luxo. Ao fim datarde voltará a casa para trabalhar no guiãode um filme a partir do seu romance inédito,Loveless, em colaboração com o actor deHollywood Laurence Fishburne.De tudo isto, da sua vida de manequim, dosseus talentos de cantor, o homem públicofalou de modo muito privado ao Correio,com um pudor que contrasta com a sua ima-gem de estrela extrovertida que aparece naimprensa.

> “Identidades eclécticas”

Nasci e cresci em Londres, mas sou de ori-gem nigeriana. Gosto, de certa forma, de teresta dupla personalidade, ao mesmo tempoinglesa e nigeriana, num corpo de ébano . Omeu nome é nigeriano e muitos dos meusvalores vêm da Nigéria. O que é interessanteé a luta para ser duas coisas. É-se totalmenteinglês, é-se inteiramente do país de origem,ou as duas coisas? É essa actualmente a gran-de questão cultural/racial para as minoriasaqui em Londres e também em muitos outrossítios no mundo, especialmente desde os ata-ques de 11/9 e de 7/7 em Londres.O grau de preparação para mudar de cultura éalgo que cada indivíduo tem de decidir por sipróprio. Depende muito do que se faz navida. Se estamos em certas profissões, comoa comunicação social, a música ou qualquerdos domínios criativos, não haverá a mesmapressão para nos conformarmos. Na verdade,nestas áreas o que é preciso é diferença. Masse estivermos na banca ou em qualquer dossectores mais conservadores, nesse casohaverá maior pressão para assimilar valores,os valores estéticos e culturais das pessoasque dominam esses sectores.

> Simplesmente uma celebridadenos meios de comunicação britânicos?

A imprensa só se interessa em saber de ondesou, em termos biográficos normais.Normalmente as pessoas não me entrevistamsobre a minha origem nigeriana… De certomodo é bom para as pessoas estarem preocu-padas simplesmente com a questão sobre amesa. Quando se escreveu uma obra comoBlack Beauty, as pessoas estão interessadasem saber de onde veio a ideia do livro e nãoem mim como nigeriano.

> Black Beauty

Penso que o problema da imagem para osnegros é em todo o lado forte. Centrei-menas estrelas negras dos EUA porque os leito-res podiam relacionar-se com elas... Se fala-mos de representações da beleza utilizandoSidney Poitier como exemplo, ou HalleBerry, etc., isto reúne maior interesse. Amensagem chega a mais pessoas do quequando falamos de gente que não se conhe-ce. Tudo aquilo de que falo em Black Beautyatravés do prisma da celebridade é o mesmoque acontece aos negros no dia-a-dia emtodo o lado.

> Falta de autoconfiança de alguns migrantes

Acertou numa coisa que é muito importante, acorrelação entre falta de uma confiança estéti-ca específica nas escolas e no local de trabal-ho. Se olhar para a posição das mulheres emgeral, elas são mais oprimidas. Olhe para asmulheres negras… estão a ser oprimidas nãosó pela cultura do homem branco, mas tam-bém pela cultura do homem negro.

> Continuidade entre Black Beauty e Pelée arquitectura e escrita

Pelé é de certo modo um tipo de propostacompletamente diferente e por outro ladosemelhante. Pelé foi uma das primeira pesso-as que começou a perceber que os desportis-tas podiam ser tão poderosos como os políti-cos, o que acontece ainda mais hoje em dia:Michael Jordan no basquetebol, etc. As pes-soas do desporto têm agora o poder, ainfluência e o dinheiro dos políticos e dealguns líderes industriais. Tive de produzireste livro com uma equipa de pessoas e pes-quisar o melhor material. Para mim é umaextensão da arquitectura… A mecânica criati-va do que estou a fazer é a mesma… Pelé foicomo construir uma torre em termos de volu-me. É muito arquitectónico.

> Projecto de filme Loveless

Foi um afastamento de Black Beauty e eu que-ria fazer qualquer coisa que me afastasse

daquilo a que tinha estado associado antes…O romance está agora a ser concluído, junta-mente com um guião do mesmo projecto… Ésobre toda a cultura de relações disfuncionaisna Londres moderna, um drama de relaçõespsicológicas.

> Como manequim e cantor

A actividade de manequim foi algo que fizpara me ajudar financeiramente a escreverBlack Beauty… e também para estar numaposição que me permitisse fazer face à hierar-quia estética na passagem de modelos e à for-ma como a estética determinava quem ficacom que trabalho… e utilizar isto para com-preender a política desta indústria. Durante muito tempo tive grande interesseem cantar e estou interessado em fazer qual-quer coisa do ponto de vista lírico, tantocomo vocalmente. Por agora não tenho dema-siadas ambições nesta área, mesmo que mesinta atraído pela ideia de fazer algo musical-mente criativo. H.G. �

VER MAIS NO SÍTIO WEB

Ben Arogundade, Black Beauty, PavilionBooks Limited, Londres, 2000 www.pavilionbooks.co.uk

© Hegel Goutier

© Hegel Goutier

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E m foco

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R eportagem

No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007 39

ETIÓPIA© Tsigue Shiferaw

Ao usar o sol parasecar frutas e legu-mes, o secador solarfabricado no Quénia

pela sua empresa, SCODE, nãosó poupa energia como tambémmelhora a segurança alimentar eo regime alimentar, e tem umenorme potencial de exporta-ção, afirma o seu criador,Maina. Tudo isto sem prejudi-car o ambiente. Os agricultoresaumentam os seus lucros semterem que utilizar recursosaquíferos adicionais.Os prémios, fundados peloengenheiro austríaco e ambienta-lista, Wolfgang Neumann, umpioneiro no domínio da poupan-ça de energia, foram atribuídos,até há data, nove vezes em ceri-mónias realizadas cada vez em cidades diferentes do mundo inteiro. Otroféu é essencialmente atribuído a projectos de pequena escala, comescassos fundos, que prevêem uma utilização económica e racional dosrecursos com a ajuda de fontes energéticas alternativas. O projecto dosecador ficou entre os primeiros dos 732 projectos de 96 países.“Faltam dois minutos para a meia-noite e temos que agir,” insistiu Hans-Gert Pottering, Presidente do Parlamento Europeu, a respeito da “emer-gência ambiental” que o mundo enfrenta. Um elenco de personalidades conhecidas pelo seu empenho na luta emprol do ambiente, incluindo o actor norte-americano Martin Sheen, ocantor britânico Robin Gibb, o ambientalista indiano Maneka Gandhi eo escritor somaliano Waris Dirie, entregaram os prémios. Foram premia-dos três campeões em cinco categorias: Terra, Fogo, Água, Ar eJuventude. Para além de ter ganho o primeiro prémio do grupo Terra,Maina foi igualmente o vencedor total.

> Concepção simples

As paredes laterais da caixa do secador são feitas de madeira, o fun-do de tapete de papiros e o tecto de uma película de politeno tratadacontra os UV. O tapete de papiros está coberto com um material queabsorve o calor. A película de politeno tratada contra os UV permiteaos raios solares penetrarem na caixa, criando um efeito de estufa nointerior do secador. Os produtos a secar são colocados no secador em

cima de um tabuleiro de madei-ra e uma rede de plástico.Quando as colheitas de fruta e delegumes ocorrem nos 3-4 mesesda época das chuvas, o excedentedos produtos com elevado graude humidade, ou seja ananás,mangos, tomate, couve, papaia,banana e mandioca, que de outramaneira seriam desperdiçados,pode ser seco e colocado no mer-cado local durante a estaçãoquente e seca quando os lucrossão mais baixos.Maina afirma: “Os Quenianosnão têm por hábito comer frutae/ou legumes secos. Contudo, oprojecto encorajou com êxito umnúmero cada vez maior de famí-lias a incluir fruta e legumes noseu regime alimentar”.

A construção simples do aparelho é barata e fácil de realizar, manuseare manter. Custa apenas 3.000 xelins quenianos (ksh) ou 31,25 euros. Aversão comercial – secador em formato de túnel – é vendida a 15.500xelins (ou seja 161,50 euros). Incluídos estão os seis tabuleiros e adere-ços para cargas mais elevadas, que permitem, por exemplo, secar até 18-20 kg de ananás fresco cortado às fatias de uma só vez. Maina pretende agora exportar o secador: “Devido à falta de recursospara comercializar a tecnologia, não temos sido capazes de chegar aoutras regiões do Quénia. Estamos à procura de investidores para nosajudarem a fazer o marketing dos secadores mais amplamente no Quéniae na região da África Oriental. Até agora, ainda não vendemos nenhumsecador fora do Quénia, porque as pessoas de fora das áreas piloto nãoconhecem as máquinas de secar.” Maina está igualmente à procura de sócios para comercializar a fruta elegumes produzidos no Quénia, e assim penetrar no mercado de produ-tos biológicos da UE em crescimento: “Quando estive em Bruxelas paraa cerimónia de entrega do prémio Globo de Energia, conheci pessoasmuito interessadas nos frutos secos para fabricarem um eco-chocolate naEuropa. Estamos a dar um sério seguimento a estes contactos, com vis-ta a exportar frutos secos para as empresas interessadas onde quer que seencontrem.”D.P.E-mail: [email protected]: www.energyglobe.info �

AA mmaaggnniiffiiccêênncciiaa ddoo SSOOLLO queniano, John Maina, foi premiado com o troféu da sustentabilidade, EnergiaGlobal 2006, entregue este ano nas imediações do Parlamento Europeu em Bruxelas.É o principal galardão dos troféus atribuídos anualmente aos melhores projectos ami-gos do ambiente e que contribuem consideravelmente para preservar os recursos ener-géticos depauperados.

Ruth Sacks, Don’t panic, 2005. Vídeo, 4’ 54’’.Com a amável autorização da colecção africana de arte contemporânea Sindika Dokolo.

Demasiadas vezes massacrada pelas guerras ouenfraquecida pela fome, a venerável Etiópia, fil-ha mais velha da África independente, acaba

de celebrar um outro 11 de Setembro, símbolo deesperança, este: o da entrada do país no terceiro milé-nio do seu calendário. Estas festividades, que se prolongarão ao longo de umano, são para os seus visitantes uma ocasião única deexplorarem este país, santuário de vários tesouros clas-sificados património da humanidade, e a sua cultura,e de prestarem homenagem aos seus artistas e aos

seus ilustres atletas que conquistaram várias medalhasde ouro olímpicas.Mas este grande país tem melhor aoferecer ao mundo do que a nostalgia de um grandepassado: a demonstração da sua capacidade de setransformar e de erradicar os flagelos da pobreza, queem parte se devem à forte pressão sobre os recursos,e ao fatalismo, imposto por décadas de ditadura. Avontade de vencer existe, como o prova uma econo-mia dinâmica, que o será tanto mais quanto a liberda-de de empreender acompanhar a de falar e de propor.O Correio foi ao encontro desta Etiópia fecunda.

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N ossa terra

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Donald Yamamoto, e por muitos outros, como a melhor de África.Mas este crescimento espectacular, arrastado pelos investimentos direc-tos estrangeiros que passaram de 149 a 365 milhões de dólares/ano des-de 2001, gera também os seus próprios riscos. Em Julho, a incapacida-de da Ethiopian Telecoms em satisfazer a procura tornava impossível acompra de um cartão SIM. O único recurso era alugá-lo. Os engarrafa-mentos em Adis Abeba, e sobretudo na estrada de Debré Zeit, a 50 kma sul, geram permanentemente a sua overdose de CO2, em virtude dotráfego intenso na direcção do porto de Jibuti, a partir das zonas indus-triais ao longo da estrada, onde proliferam fábricas de curtumes, de têx-teis, de calçado ou de mobiliário de capitais chineses, paquistaneses,etíopes e turcos, e mesmo uma unidade de montagem da Fiat Regata.Após Debré Zeit, rumo a Nazaré, a estrada torna-se francamente peri-gosa, uma vez que, para recuperar o tempo perdido, os condutores dos“Al Qaida”, os pequenos camiões Isuzu, circulando prego a fundo rumo

a Jibuti ou ao Quénia, provocam muitas vezes acidentes mortais. Apenúria de cimento é outro ponto de estrangulamento. Mas isso nãodeverá persistir: estão em construção 14 cimenteiras em Dire Dawa, emWuchale e noutros lados. E há espaço para melhorar o desempenho, porque apenas se utiliza54,3% da capacidade do sector da transformação, devido a constrangi-mentos como a penúria de matérias-primas ou de abastecimento deágua e electricidade.

> Agricultura: “o paíspode ser auto-suficiente”

No entanto, o boom não poderá ocultar os problemas crónicos do país,cujo PIB per capita é apenas de 170 dólares, onde imperou a fome eonde a segurança alimentar continua a ser o desafio principal. Comefeito, mantém-se um défice cerealífero de cerca de 600.000 tonela-das por ano, uma das causas da inflação (19% em Fevereiro de 2007,segundo o FMI), apesar da produção ter passado de 8,7 para 11,6 mil-hões de toneladas entre 2001/02 e 2005/06. Entre as causas estão os

baixos rendimentos agrícolas e o parcelamento das explorações numpaís que tem de alimentar anualmente dois milhões de bocas suple-mentares, bem como a insuficiência da produção de sementes. Mas para o delegado da UE na Etiópia, Tim Clarke, esta situação nãoé inelutável. “O país pode ser auto-suficiente”, afirma. Uma das con-dições é a melhoria da gestão do seu bem mais precioso: a água.Todos os anos, durante quatro meses, o keremt (estação das chuvas)abate-se sobre as terras altas como um verdadeiro dilúvio que engen-dra o milagre das cheias do Nilo, sem as quais não haveria Egipto.Mas este maná é subutilizado. Citemos, contudo, este empréstimo recente de 100 milhões de dólaresconcedido pelo Banco Mundial a um projecto de irrigação de 20.000hectares na região do Lago Tana ou a decisão da Índia de investir 640milhões de dólares em diversos projectos agrícolas, na captação daságuas da chuva e no aumento da capacidade de produção da indústria

açucareira. Outro paradoxo do reservatório de água etíope: se a taxade acesso à água potável é de 70% em Adis Abeba, esta percentagemcai para 16% na região Afar, 13% no Ogaden e 18% em Gambela. Mas o potencial agrícola é considerável. Graças ao acordo concluídoem Maio com o corretor americano Starbucks, a Etiópia, primeiroprodutor africano de café com uma colheita média de 300.000 tonela-das, abriu uma via para maximizar os seus rendimentos, porquereconhece a propriedade intelectual dos plantadores e o certificado dequalidade das arábicas “Sidamo”, “Harar” e “Yirgacheffe”. No anopassado, em Harar, a produção aumentou 20% após a organização doscamponeses em cooperativas. Os oleaginosos e a horticultura têm um desenvolvimento espectacu-lar, em particular a floricultura que emprega 50.000 pessoas, na maio-ria mulheres, à volta de Adis Abeba e em Rift Valley: as receitas deexportações duplicaram para 60 milhões de dólares no ano passado.Segundo Anat Harari Degani de Jericho Plc, o sector tem potencialpara um futuro risonho, com uma qualidade equivalente à do Equador,um dos líderes do mercado mundial, e custos inferiores aos do rivalqueniano.

Meses antes do acontecimento, a capital Adis Abeba (4milhões de habitantes) já estava em efervescência. Osecretariado do Milénio do Governo da capital debruça-va-se sobre uma vintena de projectos, dos quais uma

livraria, colégios e centros de saúde, além da organização de festivaisque associam crianças de rua e pessoas seropositivas a fim de sensibi-lizar a opinião pública para os seus problemas através de diversas mani-festações, incluindo teatrais, à margem de um mega-concerto progra-mado pelo homem mais rico do país, Sheikh Mohammed Alhamudi,dono do Sheraton e do grupo Midroc. Mas é em permanência que Adis Abeba dá o espectáculo de um imen-so estaleiro. O nosso hotel, situado no bairro de Bole, perto do aeropor-to, estava rodeado de prédios em construção, na maioria dos casos paranovos escritórios, símbolos do desenvolvimento económico. Com efei-to, o crescimento do PIB da Etiópia eleva-se a 9,6% em 2006-2007 eprevê-se uma taxa equivalente para o exercício seguinte. Em Junho, oFundo Monetário concluía que o desempenho dos últimos anos tinha

contribuído “significativamente” para a redução da pobreza, gerandouma subida anual de 7% do rendimento real (tendo em conta a taxa decrescimento demográfico de 2,7%).

> Os Chineses na primeira linha

Antecipando-se ao papel cada vez mais importante de Adis Abebaenquanto capital da União Africana onde assume, com mais de 110embaixadas, contornos de “Bruxelas da África”, a China está a inves-tir 150 milhões de dólares na construção do anexo da UA. Tendo jáconstruído o periférico da capital, as empresas chinesas acabam deobter 60% dos contratos da Ethiopian Roads Authority. Por sua vez, oAddis Abeba House Development Project Office prevê a construçãoaté 2010 de 225.000 novos alojamentos. E a vocação internacional deAdis Abeba aumentou com o seu papel de placa giratória continentalda rede da Ethiopian Airlines (mais de mil milhões de dólares de volu-me de negócios este ano), descrita pelo embaixador americano,

OO EESSTTAALLEEIIRROO DDOO MMIILLÉÉNNIIOOEm 11 de Setembro último, a Etiópia festejou a sua entrada no terceiro milénio docalendário juliano. O país está em festa durante um ano e aproveita a ocasião,segundo o Ministro de Estado das Finanças e do Desenvolvimento, Ato MekonnenManyazewal, para fazer o ponto da situação e indicar os objectivos de desenvolvi-mento de um país em pleno boom.

Imóveis em construção em frente da igreja Medhanielem de Bole (Adis Abeba).

© François Misser

Operários da construção num estaleiro de Adis Abeba. © François Misser

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Segundo o Ministro de Estado dasFinanças e da Economia, AtoMekonnen Manyazewal, “a UE é oprincipal parceiro de desenvolvi-

mento da Etiópia”, através do seu apoio ao 5°plano quinquenal lançado em 2005. Ao mes-mo tempo, a Etiópia é a primeira beneficiáriaACP da ajuda europeia, com uma dotação de540 milhões de euros para o 9° FundoEuropeu de Desenvolvimento (2002-2007) eum montante indicativo na ordem de 650milhões para o 10° FED (2008-2013).As infra-estruturas representam o primeirosector de concentração da ajuda europeia(211 milhões provenientes do 9° FED) e atendência deverá prosseguir, dando relevo aprojectos que facilitem a integração regional.“O objectivo é criar os alicerces que facili-tem os investimentos directos para nos tor-

narmos mais competitivos reduzindo os cus-tos de transporte”, indica Ato Makonnen,tendo em mente a conclusão próxima doAcordo de Parceria Económica entre a UE eÁfrica Oriental e Austral (ESA). Além da reabilitação do caminho-de-ferroAdis Abeba-Jibuti, os principais projectosdizem respeito às estradas. Após a construçãodo eixo Adis Abeba-Awasa, já concluído, e odo ainda em curso na direcção de Jima, noNorte, o objectivo é agora construir os prin-cipais eixos rumo ao Norte (Adis Abeba-Debre Sina e Kombolcha-Gondar), especifi-ca Ato Makonnen. Além do mais, o BancoEuropeu de Investimento (BEI), que financiaa construção da central hidroeléctrica deGilgel Gibe II (428 MW), estuda a possibili-dade de financiar igualmente a construção deuma das maiores barragens do continente

(Gilgel Gibe III, 1870 MW) cujas obrasdeviam arrancar em Setembro. O apoio macroeconómico (96 milhões deeuros ao abrigo do 9° FED) é o segundo sec-tor de concentração, visando, como explicaAto Makonnen, financiar a promoção dosserviços de base (agricultura, educação, saú-de, água) nas woredas (distritos), a fim deacompanhar o processo de devolução dopoder do Estado federal às regiões. Por últi-mo, o desenvolvimento rural e a segurançaalimentar (ver caixa), que absorveram 54milhões de euros ao abrigo do 9° FED, man-ter-se-ão prioritários. A estes programas jun-tam-se outros que dizem respeito aos agentesnão estatais, à boa governação, à prevençãodos conflitos, à desminagem, ao apoio aosector do café e à preservação do patrimóniocultural.

> O ouro branco...

A Etiópia está absolutamente decidida a tirar partido do seu potencialhidroeléctrico considerável (entre 30.000 e 40.000 MW), o segundo docontinente após o da bacia do Congo, que lhe permitirá satisfazer asnecessidades de uma economia em pleno boom e acorrer às necessida-des dos seus vizinhos (Sudão, Jibuti, Quénia). Segundo o Ministro dasMinas e da Energia, Alemayehu Tegenu, as quatro centrais em constru-ção (Gilgel Gibe II, Amerti-Neshe, Takeze e Anabeles), com uma potên-cia total de 880 MW, permitirão duplicar a capacidade de produçãoactual até 2010. A partir de Setembro, a sociedade italiana SaliniCostruttori vai iniciar a construção da central de Gilgel Gibe III (1870MW), um investimento de 1,6 mil milhões de dólares. No domínio dadistribuição, o Banco Mundial acaba de conceder um empréstimo de 130mil milhões de dólares para a electrificação de 295 cidades e aldeias.

> ...aguardando o ouro negro

A Etiópia, cuja estrutura geológica apresenta semelhanças com o Sudãoe o Iémen, aspira, por sua vez, a tornar-se numa província de petróleo ede gás. A sociedade malaia Petronas efectua explorações nas bacias doOgaden (onde foram identificadas reservas de 113,2 mil milhões demetros cúbicos de gás) e do Gambela, enquanto a empresa britânicaWhite Nile procede a um estudo geofísico na região do rio Omo, no Suldo país. Marcam presença igualmente as sociedades Pexco, de capitaismalaios, e Lundin East Africa (Suécia), detentoras de vários blocos noOgaden, bem como a companhia americana Afar Exploration, no Nortedo país. Com o tempo, o Centro do país e a região de Mekele, no Norte,também serão abertos à exploração, admite o director do departamentodas operações petrolíferas do ministério, Abyi Hunegnaw. Mas a valori-zação do maná do Ogaden só será possível quando a região estiver paci-ficada .Num ano, as receitas de exportação provenientes do sector mineiroduplicaram, em parte graças à incorporação, pelo ministério, dos garim-

peiros no sector formal. Subexplorado durante muito tempo, o subsolo éobjecto da avidez de sociedades indianas, chinesas e etíopes, à procurade ouro, platina, carvão, tântalo e pedras preciosas como a olivina. Foiconcedida uma vintena de autorizações no ano passado, afirma o direc-tor das operações mineiras do ministério, Gebre Egziabher. Em 2005/06, as exportações atingiram 1,08 mil milhões de dólares. Eeste número foi ultrapassado em 11 meses no exercício seguinte. Estesbons resultados deverão melhorar nas mesmas proporções que o climados negócios, graças às reformas introduzidas no domínio da regulaçãoem diversos sectores, prevê o Banco Mundial. O concurso da diáspora,cujas remessas representaram em 2006/07 mais do que as receitas dasexportações (com 1,1 mil milhões de dólares nos nove primeiros meses),é outro trunfo importante, corolário do êxodo, durante a ditadura marxis-ta do Derg, de inúmeros intelectuais, um terço dos quais médicos.O turismo é outro sector de expansão, favorecido pela riqueza cultural,mas também pela diversidade excepcional da fauna e da flora do país. Apersistência de tensões na região Afar ou na fronteira com a Eritreia, queexplicam em parte o facto de 8% do orçamento se destinar à defesa, pas-sa quase despercebida na capital e no resto do país, onde não há muitacriminalidade. Daí resulta um aumento do número de visitantes, que pas-sou de 139.000 para 227.000 entre 1997 e 2005, e a triplicação das recei-tas para 134 milhões de dólares. É também objectivo do Governo tirar partido do principal factor de des-envolvimento – o homem – elevando a taxa de escolarização primária de79% para perto de 100% até 2015, mas também investindo a fundo naformação e no ensino universitário. O número de universidades passoude uma para oito desde 1991 e há 13 em construção. O país está em ple-na transformação, nomeadamente em virtude da política de devoluçãodo poder às regiões empreendida pelo Governo que, em 2007/08, conce-deu quase um terço do orçamento às províncias, ou seja, mais de 55%que no ano anterior.F.M. �

1 Em Abril de 2007, um ataque de um sítio petrolífero levado a cabo pelos rebeldes daFrente Nacional de Libertação do Ogaden (FNLO), forçou uma empresa chinesa a inte-rromper os seus trabalhos de prospecção por conta da Petronas.

Etiópia Informações de base

Superfície: 1.133.380 km2

População: 77 milhões de habitantes

Principais cidades: Adis Abeba, Dire Dawa, Harar, Nazaré, Gondar, Mekele, Bahar Dar, Dessie, Shashemene, Debre Zeit

Línguas: amárico (oficial)Outras: gurage, oromia, tigrínia,somali, afar, sidamo, anuak.

Religiões: etíope ortodoxa, muçulmana, animista, protestante, católica, judia

PIB: 13,1 mil milhões de dólares

PIB per capita: 172 dólares

Taxa de crescimento do PIB: 9,6% (2005-2006)

Principais exportações: café, oleaginosos, couro, flores, milho, cimento, roupas, produtos transformados, khat

Taxa de mortalidade infantil: 77 por 1.000 (1° ano)

Taxa de escolarização primária:79,8%

Taxa de acesso à electricidade: 16%

Taxa de acesso à água potável:19%

Esperança de vida à nascença: 49 anos

Fontes: PASDEP FMI, BancoMundial

A UE “principal parceiro DO DESENVOLVIMENTO”Primeiro parceiro da Etiópia, que por sua vez é a primeira beneficiária da ajuda aospaíses ACP, UE mantém com o Governo deste país estratégico um diálogo políticofranco sobre todas as questões, incluindo as mais delicadas.

© Embaixada da Etiópia, Londres Padres da Igreja Ortodoxa etíope

com as arcas da aliança.© Tsigue Shiferaw

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Omítico caminho-de-ferro jibuto-etíope (CDE), que vai do GrandePorto até Adis Abeba, construídoa partir de 1898 e inaugurado em

1917 pelo Negus Menelik, vai ser reabilitado,graças a um financiamento de 50 milhões deeuros da UE. Para a Etiópia, este projecto éprioritário, constituindo, juntamente com aestrada, o único corredor de desencravamen-to para o país que, desde o conflito com aEritreia (1998-2000), deixou de ter acesso aoporto de Massawa no Mar Vermelho. Por oca-sião do arranque das obras, em 9 de Julhoúltimo em Metahara, o Ministro dosTransportes, Juneidi Sado, indicou que, sem arenovação da via-férrea, a rede de transportesdo país corria o risco de ficar congestionadadentro de três a quatro anos. A reabilitaçãoimpõe-se, tanto mais que o estado “catastrófi-co” da via-férrea incitou os grandes clientesdo frete a preferir-lhe a estrada, no entantocongestionada e sujeita a muitos acidentes. As obras, executadas pelo consórcio italianoConsta, devem durar até meados de 2009 eincidem sobre a reabilitação das partes maisdanificadas da linha. Serão substituídos cercade 114 km de carris, o mesmo acontecendocom nove pontes metálicas. Compreendemigualmente o reforço de mais 40 pontes e orealinhamento da secção da via-férrea que

atravessa o Lago Beseka de águas negro-obsidiano, suplantado pelo vulcão Fantale.Constituem igualmente uma condição préviaà concessão do caminho-de-ferro, que vai tra-duzir-se pela introdução de novos materiaisrolantes e que poderiam ser completados poroutros financiamentos, se for caso disso, doBanco Europeu de Investimento. O impacto da modernização do caminho-de-ferro deverá ser espectacular, permitindotransportar os combustíveis de forma maissegura e mais económica, tornar o café e osprodutos têxteis mais competitivos, mas tam-bém estimular as exportações de animaisvivos (bovinos, ovinos e caprinos) para ospaíses do Golfo. Além disso, o caminho-de-ferro dá a oportunidade às províncias atraves-sadas de evoluírem, passando de uma econo-mia de sobrevivência a uma economia de tro-cas comerciais. Finalmente, para Jibuti, ondea Dubai Port Authority investiu fundos consi-deráveis na construção do porto nas águasprofundas de Doralé, a modernização doCDE é essencial. Com efeito, a actividadeportuária constitui a primeira entrada de divi-sas do país. É pois de esperar que, até ao finaldas obras, o banditismo, que por vezes per-turba a viagem junto à fronteira jibutiana,esteja definitivamente arrumado no baú dasmás recordações. F.M. �

> Rumo a uma abordagem sectorial

A cooperação está em constante evolução,passando de uma abordagem-projectos parauma abordagem sectorial, mais institucional,com montantes superiores. Uma viragemapreciada por Ato Makonnen, o parceiro etío-pe. “É bom para nós na medida em que elareduz os custos de transacção e contribui parauma utilização mais flexível dos recursos”,comenta. Mas a repressão pelas autoridades das mani-festações de Junho e Novembro de 2005, quecausaram 193 mortos, segundo uma comissãode investigação do Parlamento etíope, nasequência das eleições de Maio, manchadaspor irregularidades segundo a missão dosobservadores europeus, levaram a ComissãoEuropeia a rever a forma como concedia o seuapoio orçamental: “Passámos a ser muitomais rigorosos na forma como concedemos osrecursos canalizados através das instânciasgovernamentais”, explica o delegado da UE,Tim Clarke.No âmbito do 10° FED, a Comissão tencionaentabular um verdadeiro diálogo político como Governo, em torno do apoio ao seu Planopara o desenvolvimento acelerado e sustentá-vel de redução da pobreza (PASDEP). O gran-de desafio a vencer para atingir os objectivosdo milénio para o desenvolvimento até 2015 éduplicar a ajuda externa para reduzir a propor-ção da população que sofre de subnutrição(15%), sublinha Tim Clarke. Os doadores estão desejosos de aumentar asua ajuda, mas são necessários progressos emmatéria de boa governação, considera o dele-gado da UE. “O sistema judiciário tem aindamuitos pontos fracos. Em certas prisões, 80%dos reclusos não foram julgados. A segurançados contratos é um grande problema para osinvestidores europeus. Mas há que fazer justi-ça ao Governo, que se envolveu num tal pro-cesso de reforma, publicando um guia comindicadores precisos. É verdadeiramenteimpressionante!”, exclama Tim Clarke. Porsua vez, Ato Mekonnen lembra que a Etiópia,que aderiu ao mecanismo africano de revistapelos pares da gestão governamental, desde asua criação, afirma: “ninguém compreendemelhor do que nós a necessidade da boagovernação”. “Se tivéssemos uma percepçãode estabilidade e de segurança e se fosse cria-do um ambiente favorável, cobrindo todos osaspectos não só económicos, mas tambémpolíticos, estou persuadido que se abririammais as torneiras dos financiamentos”, pensaTim Clarke.

> Um diálogo político por vezes áspero

Visto de Adis Abeba, um dos escolhos asuplantar nas relações com a UE é a atitude doParlamento Europeu que, em 21 de Junho,votou uma resolução deplorando a sentença deculpabilidade pronunciada contra o presidenteda Coligação para a unidade e a democracia(CUD), Hailu Shawel, e os seus 37 co-argui-dos, apelando ao Conselho Europeu que infli-gisse sanções contra os responsáveis governa-mentais etíopes. Mas a sua libertação, em 20de Julho, poderá ter degelado o ambiente.

Tim Clarke estima necessário “estabelecervínculos”. Não é possível que o ParlamentoEuropeu seja visto como “anti-desenvolvi-mento”. Admitindo haver na Etiópia proble-mas de não respeito dos direitos humanos, odelegado considera também que o ministro daJustiça é um homem que deseja verdadeira-mente “alterar as cosias”. Por sua vez, AtoMakonnen considera “desleal”, a votação doseurodeputados, baseada na “desinformação, eque não resulta de uma “análise concreta eequilibrada”, esperando, no entanto, que acabepor prevalecer “uma melhor compreensão dasituação”. “É necessário ter em conta que esta-mos a criar instituições, provavelmente imper-feitas, mas o nosso objectivo a longo prazo éconstruir um sistema político democrático einclusivo”, defende o ministro.

> “Um país orgulhoso”, “um interveniente importante”

“A Etiópia é um país orgulhoso, com 3.000anos de história e penso que os etíopes têmrazão para não aceitarem que os estrangeiroslhes dêem lições. As eleições realizadas em2005 foram as mais democráticas alguma vezorganizadas no país”, considera Tim Clarke.“Ao mesmo tempo, prossegue, há princípiosuniversais em matéria de direitos humanos arespeitar. Por ter falado muito com o Primeiro-ministro, sei que ele pretende instaurar normasinternacionalmente reconhecidas, tanto nestamatéria como na da boa governação”.Clarke insiste igualmente na necessidade de terem conta o papel estratégico da Etiópia. AdisAbeba é a capital diplomática da África e aEtiópia desempenha uma papel importante noseio das instituições pan-africanas. “Ao mesmotempo, a Etiópia é um interveniente considerá-vel a nível regional. Este país tem uma funçãorelevante a desempenhar no plano religioso ecultural”, prossegue o delegado. Os diplomatasacreditados em Adis Abeba sublinham que opaís dispõe do exército mais poderoso daregião e que se apresenta, aos olhos da NATO,como aliado na luta contra o terrorismo, emespecial jiadista (desde o final de 2006, o exér-cito etíope instalou-se na Somália para apoiar oGoverno de transição contra os islamitas daUnião dos tribunais somalianos). Qualquer queseja o prisma por onde se vejam as coisas, con-clui Clarke, a Etiópia é um intervenienteimportante. F.M. �

A LESTE, NOVIDADES NO CAMINHO-DE-FERRO

Em cima e em baixo:Obras de reabilitação numa linha de caminho-de-ferroAdis Abeba-Jibuti, na zona de Metahara.© François Misser

Estação e vias-férreas do CFE. © Vecturis

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fértil e com boas possibilidades de rega, comcolinas cultivadas em socalcos, sofre noentanto do que se chama a “fome verde”. Ohabitat aqui é disperso, mas a densidade émuito forte (300 a 600 habitantes/hectare) e asexplorações exíguas (meio hectare em média)não permitem garantir a segurança alimentar.Em Damot Gale, metade das famílias tem umrendimento anual compreendido entre 30 e100 euros. Devido à altitude (2.000 metros), aagricultura assenta tradicionalmente na culturado ensete, “falsa bananeira” (plantamiraculosa desempenhando um papelimportante na alimentação humana e animal),dos cereais e numa pequena horta. Os cereaise leguminosas desempenham o papel deculturas de rendimento. Mas a associaçãodestes sistemas de culturas a uma pequenacriação, indispensável para assegurar arenovação da fertilidade, tornou-se hoje difícildevido à fraca disponibilidade da forragem. Aprática do pousio desapareceu e as técnicassão arcaicas.Os camponeses vivem numa situação deextrema precariedade. Várias famíliaspartilham entre si um boi ou um burro, alugamumas às outras a sua força de trabalho e, emperíodo de penúria alimentar, têm de vender ocapital, que é o seu gado, cuja taxa demortalidade atinge 40% no primeiro ano! Oregime fundiário (a terra pertence ao Estado, o

seu usufruto aos camponeses) constitui umobstáculo porque os camponeses só podem darde garantia a sua colheita futura ou o seu gadopara obterem empréstimos de campanha,muitas vezes a taxas usurárias. Face a esta situação, Inter Aide criou umprograma integrado. Por um lado, 1.800famílias beneficiam da vertente agrícola doprojecto, com base na colaboração com asiddirs, sociedades mútuas tradicionaiscamponesas. Com a assistência da ONG, os

camponeses abrem valas e erigem diques nasbacias hidrográficas a fim de quebrar asinclinações e prevenir assim a perda de terrafértil arrastada pelas chuvas. Cultivam ovetiver para estabilizar os diques. Isso permitealimentar o gado na estação seca, diminuir oendividamento e aumentar a produção leiteirae a de adubos naturais. É incentivada aconservação das sementes e a introdução desementes melhoradas (triticale). A experiênciaé concludente. Segundo Christophe Humbert,chefe do projecto, os rendimentos duplicaramno primeiro ano em Damot Gale. O projecto comporta igualmente uma vertentehidráulica rural. No início de Abril de 2007,mais de 14.000 pessoas e de 5.000 cabeças degado beneficiavam da instalação, a partir desistemas de gravidade, de 31 pontos de águageridos por um número idêntico de comitésque se tornaram autónomos dois anos depois,cujo resultado esperado é a melhoria da saúdedos homens e do gado, seu capital. Enfim, oprograma comporta uma vertente deplaneamento familiar, em conformidade com aestratégia nacional de saúde reprodutiva. Oobjectivo é contribuir para a redução do ráciopopulação/recursos e permitir à mulher, agentede desenvolvimento, ser senhora do seudestino. À partida, as mães mais idosas,desejosas de prevenirem novas gravidezes,eram as mais numerosas entre os “clientes”,mas há cada vez mais jovens mulheresinteressadas: em Abril de 2007, estavamrecenseadas 1.500 novas beneficiárias. Ométodo utilizado é a injecção de Depo-Proveraque suscita menos oposição por parte dospadres, pastores ou imãs da região que opreservativo masculino. F.M. �

Apesar de um crescimento anual doPIB de 10%, a Etiópia continuaconfrontada com o desafio dainsegurança alimentar, em espe-

cial na região de Ogaden onde pairava aameaça de fome no início de Setembro. O paísé potencialmente auto-suficiente, segundo odelegado da UE em Adis Abeba, Tim Clarke.Mas a demografia galopante tem por efeitodiminuir a superfície das terras disponíveis porfamília nas zonas rurais, onde cada família tem6 a 7 filhos. De repente, a necessidade de ajudaalimentar mantém-se: em 2006, a ComissãoEuropeia, juntamente com os seus Estados-Membros, forneceu 30% do total concedido àEtiópia, sendo 90.000 toneladas destinadas àspessoas mais vulneráveis, comprando umaparte no local para não deprimir o curso dosgéneros alimentícios. Mas a resposta ao desafio incide cada vez maisnas acções de desenvolvimento, no domínio dasegurança alimentar stricto sensu, mas tambémno da diversificação, da comercialização deoutros produtos (café, flores, especiarias) e dacriação de infra-estruturas, à margem damelhoria da gestão dos recursos hídricos, em

apoio às acções governamentais. “Estamos adivulgar, junto das famílias de camponeses,técnicas de recolha de água e de organização delagos, para que os camponeses possam cultivaras terras nos anos de seca e diversificar asculturas produzindo frutos e legumes, graças aprojectos de pequena irrigação”, explica oMinistro de Estado das Finanças e do De-senvolvimento, Ato Mekonnen Manyazewal.Desde 2005, um programa concebido peloGoverno e doadores permitiu criar “redes desegurança” que proporcionem alimentos edinheiro aos habitantes em dificuldade emcontrapartida da sua participação em trabalhospúblicos. Em 2006, beneficiaram desteprograma de 220 milhões de euros, financiadoa 60% pela UE e seus Estados-Membros, cercade 7 milhões de pessoas. O paradoxo é que, mesmo nas zonas maisprodutivas, encontram-se bolsas de sub-nutrição. É o caso na região Sul onde, comfinanciamento da UE (817.760 euros), a ONGfrancesa Inter Aide apoia um programa dedesenvolvimento integrado nas woredas(distritos) de Damot Gale e de Kacha Bira. Porvezes chamada “Etiópia feliz”, esta região

Combater “a fome verde” na “Etiópia feliz”

Cada vez mais mulheres beneficiam do planeamento familiar.

© François Misser

Os diques anti-erosivos, meio eficaz de quebrar as inclinações.© François Misser

Distribuição da ajuda alimentar em Lalibela.© François Misser

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Técnicas de cultivo ainda arcaicas: o uso do arado ainda está muito divulgado no Wolayta.© François Misser

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Mas não se pode resumir o património culturalunicamente à contribuição cristã. A Etiópia étambém um dos mais antigos centros das duasoutras grandes religiões monoteístas: o Islão eo Judaísmo, cujos membros da comunidadefalasha seriam os próprios descendentes da tri-bo perdida de Dan, segundo o rabino OvadiaYosef. A Etiópia deu igualmente guarida aoreino muçulmano de Shoa entre os séculos X eXVI, cujos vestígios foram descobertos em2006. O encanto da cidade de Harar, cidadesanta do Islão, com as muralhas ainda preser-vadas, maravilhou Rimbaud. A rica paleta cultural do país engloba as tradi-ções dos pastores afar, afastando os seus came-los para as planícies mais áridas, dos Somalis,

dos bailarinos surma dos confins do Sudão,cujos ritos animistas remontam igualmente atempos imemoriais. Nada menos de 80 etniaspovoam este vasto país de paisagens variadís-simas e da depressão escaldante do Danakil nomonte Ras Dashen (4.620 metros).

> Novas formas de espiritualidade

Mas nesta Etiópia eterna que festeja o seusegundo milénio da era cristã (calendário julia-no), a espiritualidade subjacente, no sinal dacruz furtivo do motorista de táxi ao cruzar cadaigreja, vive formas novas, típicas do séculoXXI. À sua maneira, é o que incarna este mar-chador da paz, agricultor de 23 anos, arvoran-do a bandeira etíope e uma bandeira branca nasua mochila, que tinha percorrido mais de1.600 km desde a sua aldeia natal de Humara,no Tigray, quando cruzámos a sua rota na pla-nície de Metahara, ao exprimir a aspiração demuitos dos seus compatriotas de ver o fim dociclo das guerras que enlutaram a região. A Etiópia é ainda a terra santa dos rastas, comoo testemunha a comunidade de Shashemene, a240 km de Adis Abeba, e o grande concerto deFevereiro de 2005 em homenagem a BobMarley, ao qual assistiram cerca de 300.000rastas, fãs e curiosos, em Meskel Square deAdis Abeba. Mesmo se a devoção para com odefunto Negus Hailé Sélassié, venerado comoum deus, deixa perplexos muitos autóctones. Na era contemporânea, estranha mescla deabertura ao mundo e de fuga para dentro, aEtiópia conheceu horas faustas com a irrupçãodo jazz dos anos 50, depois da rumba, do rock

e do calipso, com a criação da Escola de BelasArtes, em 1957, de que uma das figuras de proafoi o Armeno-etíope Skunder Boghossian, fun-dador da arte abstracta nacional. Mas com oTerror Vermelho imposto pelo regime do Derg(comité) de 1974 a 1991, um recolher obriga-tório pôs termo à efervescência das Noites deAdis Abeba, narrada pelo romancista SebhatGuebre-Egziabher e inibiu por completo oprogresso da criação que se manifestara nasúltimas décadas do império. As únicas formasde arte a partir de então autorizadas têm a mar-ca do socialismo real, ilustrado por este quadrode Gebre Luel Gebre Mariam (1979) represen-tando uma patrulha revolucionária, que estápara a pintura como o destacamento femininovermelho esteve para a ópera maoísta…

> As cem flores de Adis Abeba

Mas desde então, assiste-se à eclosão eclécticade uma série de expressões que vão da artenaïf, inspirada pelos ícones e aplicada a temasprofanos como estes quadros de GetachewBerhanou, ele próprio filho de um mestre daiconografia, que pinta tão bem a luta com pau-litos (donga) entre os Surma como uma supos-ta cena de embriaguez um tanto ou quanto bre-jeira do pintor Rimbaud, a cenas da vida quo-tidiana nos engarrafamentos de Adis Abeba ounos mercados de Harar e com formas maisdiversas (simbolismo, impressionismo, neo-cubismo, etc.). A evolução tem uma relaçãocom a da outra grande nação ortodoxa, aRússia, com quem a Etiópia partilha muitascaracterísticas: arte iconográfica, tradiçãoimperial e estalinismo, antes de conhecer uma“nova vaga após o final dos anos 90”. Uma dasobras mais originais é a de Geta Makonnen, deque o auto-retrato, páginas impressas dabíblia, espelhos, revestidos de uma kalachni-kov e de um esqueleto, simbolizam o medo e aintimidação que caracterizam a identidade etí-ope contemporânea.

> Do swinging Addisà sétima arte

Francis Falceto, autor de inúmeras obrassobre a música etíope, deplora que, desde ofim do período negro do Derg, a músicamoderna esteja longe de ter reencontrado oseu brilho de então, e em especial o swingingAddis. Mas a existência de uma indústria dodisco local que distribui as obras do veteranoMahmoud Ahmed, cuja mistura de jazz e demúsica oriental lhe valem desde há muitotempo a estima dos seus confrades e deinúmeros admiradores no estrangeiro, bem

Do MITO à NOVA VAGA A Etiópia ocupa um lugar excepcional na história da humanidade. Das origens dopovoamento humano à nova vaga de artistas que prosseguem a sua libertação dacarapaça imposta durante 17 anos pela ditadura marxista do Derg.

“Neste país, viajar no espa-ço é também viajar notempo”, repete de bomgrado o pintor Geta

Makonnen. Com efeito, foi a poucas centenasde quilómetros de Adis Abeba, no Vale do Rift,que viveu Lucy, nosso antepassado comumaustralopithecus afarensis, cujo MuseuNacional etíope acaba de encontrar testemun-hos de um ascendente longínquo, um hominí-deo de 3,9 milhões de anos. É ainda no Nortedo país, abrangendo a Eritreia e a região doTigray, que se desenvolve, no III milénio antesde Cristo, a civilização de Pount, cujos baixosrelevos egípcios glorificam a mirra, o incensoe o marfim. Segundo a tradição etíope, é aindano Tigray que Menelik I, fruto dos amores darainha do Sabá e do rei Salomão, fundou acivilização de Axum, no I milénio antes deCristo, cujas estelas e obeliscos, talhados numbloco, continuam a desafiar as leis da gravida-de. A estela que o exército de Mussolini havia

levado em 1937, com 24 metros de altura epesando 170 toneladas, restituída em 2005,acaba de se juntar às suas irmãs. É ainda sobreestas terras altas que, após a conversão do reiEzana, cerca de 330 depois de Cristo, que aEtiópia se tornou num dos berços da cristanda-de, com os seus próprios ritos, a sua própriadoutrina dita monofisita, que afirma a união dodivino e do humano em Cristo numa únicanatureza, o seu próprio alfabeto Geez e o seupróprio calendário juliano, enriquecido pelacontribuição dos Sírios, dos Arménios e dosCoptas egípcios. Mas é também no Reino deAxum que os discípulos de Maomé, expulsosda Meca, encontraram refúgio no século VII. Não longe dali, na província actual do Wollo,no século XII, o rei Lalibela, da dinastia dosZagoué, mandou construir as célebres igrejasmonolíticas, classificadas desde 1978 pelaUNESCO património da humanidade, e cujostrabalhos de preservação são financiados pelaUnião Europeia.

> A história de um fascínio

De longa data, Axum e o reino do Padre Joãoexerceram um poderoso fascínio sobreEuropeus, Gregos, Alemães e Portugueses.No século XVI, o Vaticano adquiriu osmanuscritos de que, juntamente com outrostesouros, o historiador de arte JacquesMercier se obstina a fazer o inventário, com oauxílio financeiro da UE. É que, quem dizpatrimónio inestimável diz igualmente tenta-ção irresistível para os traficantes. Este fascí-nio também se traduziu na solidariedade quetestemunharam os Portugueses que, com osseus arcabuzeiros, utilizaram a pólvora parasalvar o reino dos assaltos do emir de Harar,Ahmed Gragne, cognominado o “Canhoto”,no século XVI. Deles veio a inspiração paraos esplêndidos castelos de Gondar, comameias nas suas muralhas.

© François Misser © François Misser© Tsigue Shiferaw

Padres ortodoxos na festa da cruz (Meskel).© Tsigue Shiferaw

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© François Misser

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O salvamento das igrejas de LalibelaT alhadas na rocha vulcânica em tons rosados no reinado de Lalibela entre 1167 e 1207, as onze igrejas são

um dos lugares de peregrinação mais importantes para os Etíopes. As colinas circundantes, baptizadas

Monte Tabor, Monte das Oliveiras e Monte Sinai, bem como o rio do local, Yordanos, testemunham uma von-

tade real de criar nestas paragens uma “segunda terra santa”, a fim de poupar aos interessados os riscos de uma

viagem à Palestina, numa época em que cruzados e muçulmanos se afrontavam neste país. Manifestamente

influenciados pelo estilo axumita, as igrejas evocam também influências siro-palestinas e coptas.

Mas com o andar dos séculos, este complexo de locais de culto, interligados por passagens subterrâneas, foi

alvo das agressões do vento, das chuvas e das mudanças de clima, causando degradações graves aos monu-

mentos. A tal ponto que, após várias tentativas de restauro, o Governo etíope pediu ajuda à União Europeia

para os salvaguardar. As obras cujo custo total está avaliado em 9 milhões de euros, executadas pela empresa

italiana Teprin, foram inauguradas pelo patriarca Abuna Paulos, em Fevereiro de 2007, e deverão ficar concluídas no fim deste ano. As obras com-

preendem a construção de novas coberturas para os monumentos, a erecção de colunas de apoio, a construção de um novo centro de conferências

e de barreiras de segurança em torno dos locais. O programa prevê também acções de conservação, a criação de um centro de documentação e a

integração da população local nesta missão de salvaguarda. �

como a emergência de talentos como o damelodiosa Gigi ou de Teddy Afro, o novo reido protest song etíope apelando os seus con-cidadãos à reconciliação, poderia augurar umnovo progresso. Esta indústria, que propõeum CD a menos de 3 dólares a unidade, podeservir de suporte económico a uma evoluçãodeste tipo. Com o cinema passa-se o mesmo.É verdade, os puristas torcem o nariz e deplo-ram a falta de qualidade. Mas é esquecer aevolução do cinema indiano, que antes pas-sou por um processo semelhante. Uma dasúltimas películas, uma espécie de “thrillerinjera”, é a de Hermela do realizador YonasBerhane Mewa, produzida por EthiofilmPLC, história de um homem que persegue deforma preocupante uma moça das suas assi-duidades na cidade e no “campus”. O cineas-ta Hailé Gerima foi, aliás, premiado noFespaco. Produzem-se todos os anos umadezena de filmes e, segundo os critérios afri-canos, a indústria porta-se bem. Em 8 deJulho, abriu uma nova sala de 2.000 lugares,o Kobeb cinema. Esta sala de cinema junta-seà dezena existente na capital propondo todasas produções nacionais a quinze birrs (1,7dólares) e atraindo numeroso público. AEtiópia eterna, a dos ícones e das cruzes, faráum dia irrupção na 7ª arte? Tem a palavra estemilénio.F.M. �

1 Sebhat Guèbrè-Egziabhér, Les nuits d’Addis-Abeba,Actes Sud, Paris 20042 “Splendeurs et misères de la musique éthiopienne”, inA Etiópia Contemporânea, CFEE et Karthala, Adis Abeba- Paris 2007.3 Injera: prato nacional etíope.

Se a Etiópia conseguiu impor a suamarca no mundo do atletismo, foigraças sobretudo a Abebe Bekila.Em 1960, ao ganhar a maratona dos

Jogos Olímpicos de Roma, este soldado foi oprimeiro atleta africano a oferecer umamedalha a África.Quatro anos mais tarde ganhou uma segundamedalha de ouro na maratona dos J.O. deTóquio, tornando-se o único atleta do mundoque até hoje ganhou duas maratonas olímpicas.Desde aí foram vários os atletas das terrasaltas da Etiópia que se distinguiram nos10.000m, nos 5.000m, nos 3.000m e na mara-tona. As figuras lendárias multiplicaram-se,tanto nos homens como nas mulheres: HailéGébréselassié, Derartu Tulu e Berhane Adereentre os homens com mais de 30 anos,Kenenisa Bekele, Turunesh Dibabaw eMeseret Defar para os mais jovens.Este sucesso deve-se à Federação de Atletismoda Etiópia (FAE), criada em 1949, a federaçãodesportiva mais eficaz do país. Entre 2003 e2007, o seu orçamento passou de 777 dólarespara mais de 3 milhões de dólares!Elshaday Negash, porta-voz da FAE, explicaeste fenómeno pelo facto de ser a única federa-ção desportiva etíope a não depender do finan-ciamento governamental. É absolutamenteauto-suficiente, graças às bolsas da FederaçãoInternacional de Atletismo (IAAF) e ao apoiodo seu principal patrocinador, a Adidas.Para além das suas proezas, todos estes atle-tas gozam de enorme popularidade, graçasnomeadamente às suas actividades caritati-vas. A maior parte são embaixadores da UNI-CEF ou do Programa Alimentar Mundial esão conhecidos pela sua generosidade,demonstrada ainda no ano passado a favordas vítimas das inundações de Dire Dawa.Contrariamente aos seus predecessores dasdécadas de 60, 70 e 80, os corredores actuaisganham muito dinheiro e beneficiam disso.Dantes os ganhos dos atletas iam para oscofres do Estado. Actualmente, pagam umimposto de 10% e recebem prémios doEstado quando têm vitórias nos grandes cam-peonatos internacionais. Alguns decidirampor isso entrar nos negócios.

Hailé Gébréselassié foi pioneiro neste domí-nio. Proprietário de uma sala de desporto, deum cinema e de vários imóveis em Adis-Abeba, o seu império está calculado em 75 mil-hões de birr (cerca de 8 milhões de dólares).Kenenisa Bekele lançou-se no sector imobiliá-rio. Calcula-se que este corredor inigualáveltenha ganho 1 milhão e meio de dólares nostrês últimos anos. Tenciona construir um com-plexo desportivo em Sululta, a cerca de 30 kmda capital, com pista para corridas, piscina edormitório. Sululta é um dos muitos locaisonde os corredores treinam antes de participa-rem nas grandes competições. As mulheresnão querem ficar para trás, mas são muitomais discretas quanto aos seus investimentos.Sabe-se, no entanto, que Turunesh Dibabawganhou em 2005 uma fortuna de 450.000 dóla-res, quando tinha apenas 19 anos!Mas há ainda alguns problemas que persis-tem. O porta-voz da FAE considera insufi-ciente o número de jovens atletas talentosos.Segundo ele, não há clubes nem projectosprivados e regionais suficientes.No entanto, o atletismo nacional porta-sebastante bem e está transformado num verda-deiro fenómeno de massas, no qual partici-pam jovens e velhos que treinam regular-mente. Todos os anos, desde 2001, se realizaa Grande Corrida (“The Great Run”), umpercurso de 10 km que tem por objectivorecolher fundos para actividades humanitá-

rias. Na sua sétima edição, a do milenário,aceitaram correr nas ruas montanhosas dacapital por uma boa causa nada menos de30.000 participantes. E os senhores da corri-da etíopes esperam ainda brilhar nos campe-onatos africanos de atletismo que se realiza-rão neste país em 2008. �

Tsigue Shiferaw

Os senhores da corrida

Entrada da igreja São Jorge de Lalibela.© François Misser

Em baixo: Motivo de uma das igrejas de Lalibela, esta svastika sugere a possibilidade de laços antigos entre as igre-jas cristãs da Etiópia e da costa dos Malabar (Índia), de onde provém este símbolo. Mais um mistério a desvendar.

© François Misser

O Negus da maratona, o atleta Ghebray Haile Selassie, saúda a multidão.© Nahom Tesfaye

Kenenisa Bekele.© Nahom Tesfaye

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PPeeqquueennoo ddiicciioonnáárriioo ddaa ccuullttuurraaAZULEJO: Portugal fez da sua pobreza uma riqueza; os telhados de telhasão erigidos come se de uma obra de arte se tratasse; o pavimento das ruas– verdadeiras obras de arte – onde se evita utilizar materiais caros, os azu-lejos das obras-primas, artesanato de origem mourisca fazendo jus à meti-culosidade local pensando na limpeza inicialmente, adoptado em seguidapor génios, e posteriormente expoente máximo da criação artística. Entre osmilhares de obras patrimoniais, que devem ser visitadas, está o Palácio dasNecessidades, edifício onde se encontra o Ministério dos NegóciosEstrangeiros em Lisboa, se conseguir ser convidado.

BACALHAU: o bacalhau é o prato nacional em torno do qual se desenro-lam longas discussões familiares e amistosas sobre a arte e a vida.

LUIS DE CAMOES: poeta e aventureiro (por volta de 1524 a 1580),autor dos Lusíadas, poema épico, um dos pilares da cultura e da perso-nalidade lusa.

FADO: se encontrar uma definição, avise. Espicaça os humores e os amo-res dóceis do Brasil, de Macau e de Moçambique, e de todas as antigasfeitorias, envolto na bruma da lusofonia, tudo isto acordado com lângui-das e monótonas melodias. Ver e sobretudo escutar, Amália Rodrigues,Mariza, Mísia, Carlos Paredes, Madredeus.

FEITORIAS: os postos avançados de Portugal nos cinco continentes,encruzilhadas de culturas e de negócios.

FUTEBOL: expressão que pode surgir nas conversas mais eruditas.Sinónimos: Selecção Nacional, adulação, meia-final do Mundial 2006;Luís Figo, o então capitão; Eusébio, um ícone; Benfica, recorde doGuiness do número de adeptos afiliados.

GULBENKIAN (Fundação): transforma o dinheiro em belezas artísticaspara todos os sentidos. Fundada em Lisboa, em 1956.

ANTÓNIO LOBO ANTUNES: escritor, suave mesmo quando escrevesobre temas áridos. Muito apreciado pelos seus compatriotas. Escreveu,inter alia, Fado Alexandrino (1983) sobre os 20 anos posteriores àRevolução dos Cravos; O esplendor de Portugal (1997) sobre os amores edesamores entre Portugal e África.

MANUEL DE OLIVEIRA: símbolo dos cineastas portugueses, discreto,muitas obras-primas e muita admiração em troca por parte dos espectadores.

MANUELINA (arte): o barroco português, conheceu o apogeu no séculoXIX, simbolizado nomeadamente pelas típicas colunas entrelaçadas.

MOSTEIRO DOS JERÓNIMOS: património mundial da arquitecturaeclesiástica. Ver igualmente Alcobaça, Batalha, entre muitos outros.

FERNANDO PESSOA (1888-1935): universo complexo em si mesmo,muitas pessoas e personalidades reunidas num único ser, cada uma com asua psicologia, as suas próprias ambições artísticas e literárias reunindo-se todas elas numa entidade autodenominada “heteronomia”. Um para-digma estudado em todo o mundo. Para Alexander Search, AlbertoCaeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Raphael Baldaya, ver FernandoPessoa ou vice versa.

JOSÉ SARAMAGO: Prémio Nobel da Literatura em 1998.

VINHO: ver a seguinte classificação: Verde, do Dão, do Douro, doAlentejo, da Bairrada, etc. Se gostar do Vinho do Porto ou do Vinho daMadeira, consulte um dicionário inglês pois estes foram inicialmente fei-tos para o paladar e mercado britânico. �

> História de Portugal. Novamente o Algarve como porta de entrada

Portugal é um dos mais velhos países europeus, quando não o primeiro ater sido criado sem qualquer alteração do seu território actual e com omesmo nome que hoje possui. E tudo isto desde 1143. Mas este país tin-ha a sua identidade própria desde há bem mais tempo. Em 139 a.C.durante a ocupação, os Romanos tinham-no denominado Lusitânia,reconhecendo assim a primazia nesta terra dos Lusitanos, que povoavama parte ocidental quando da chegada dos Fenícios e mais tarde dosGregos, entre os séculos IX e VII a.C. Estes últimos permaneceram nopaís durante seis séculos. Os Fenícios, os Gregos e os Romanos entrarampelo Algarve. Estes últimos foram expulsos pelos Visigodos, cujo domí-nio seria mais tarde derrotado pelos Mouros a partir de 711. O reinomuçulmano consolidou-se em torno da sua capital, Silves (em árabe

Xelb) no Distrito de Faro. A região foi baptizada “al-Gharb-al-Andalous”(a oeste da Andaluzia), que com um deslize de pronúncia viria a ser“Algarve”. Foi um período de prosperidade, de esplendor cultural e degrande tolerância religiosa e política – como declara ao Correio a diplo-mata Clara Borja, actual porta-voz da Presidência da UE – que o Portugalcontemporâneo nunca negou e até reivindica, o que é um sinal do espíri-to de moderação deste país. O casamento com a filha de Afonso VI, rei de Leão e Castela, permitiuao cruzado, cavaleiro francês, Henrique de Borgonha, tornar-se “Condede Portugal” em 1095 através de um jogo de interesses. O seu herdeiro,Afonso Henriques, que tinha lutado contra os Mouros, foi proclamadoRei de Portugal em 1143, criando assim, com a nova nação, a dinastia deBorgonha. Um dos últimos bastiões mouros, o do Algarve, caiu em 1249.Alguns anos mais tarde, em 1254, Afonso III abandonou uma parte doleste de Portugal, incluindo o Algarve, a Castela. As fronteiras do paísquase não se alteraram desde então.

A dinastia de Avis, que sucedeu em finais do século XIV e que reinarádurante dois séculos, será a dinastia dos grandes descobrimentos. Foi aépoca de ouro deste pequeno país, cuja população não ultrapassava 2 mil-hões de habitantes e que criou nos cinco continentes um verdadeiro impé-rio nos limites do qual o sol nunca se punha. Demasiado poucos para seimporem, foi necessário convencer, compreender, ouvir, criar e seduzir. Efazer valer a sua política através dos seus novos súbditos. A aventuracomeçou em 1385 com a chegada ao trono do primeiro dos Avis, João I,herói da guerra de libertação contra Castela. As condições da expansãoestavam criadas. Primeiro, em 1415, com a conquista de Ceuta e, emseguida, a conquista dos oceanos com Henrique o Navegador, filho de D.João, que reuniu em 1417 os maiores navegadores da época em Sagres -novamente no Algarve - para a uma reunião de discussão de ideias sobrea viabilidade de expedições para lá do sul do Atlântico.Seguiram-se a Madeira, os Açores e Cabo Verde. No reinado de D. JoãoII, que subiu ao trono em 1481, os navegadores portugueses chegaram àNamíbia e a Angola, em 1487. Em 1488, os navegadores portuguesespassaram o Cabo das Tormentas, rebaptizado Cabo da Boa Esperança.Em 1492, Portugal, na corrida contra os espanhóis pela América, perdeuuma importante batalha porque apesar de ter sido o primeiro país a serabordado não foi capaz de confiar em Cristóvão Colombo. No entanto, osPortugueses levantaram a cabeça rapidamente e partiram em todas asdirecções, nem sempre com êxito, e instalaram-se no Brasil, no oceanoIndico, no Quénia, em Ceilão, em Ormuz, em Goa e em Macau. O impé-rio português só desaparecerá com a chegada relativamente recente dademocracia, no último quarto de século XX. Em finais do século XV ou

princípios do século XVI, floresceu a arte manuelina tipicamente portu-guesa, cujo nome lhe advém de D. Manuel I, o Venturoso, e cujo símbo-lo arquitectónico é a coluna entrelaçada.Mas o período glorioso de Portugal estava a chegar ao fim. As aventurasousadas dos cruzados vão dar o golpe de misericórdia à metrópole mirra-da. E, em 1580, a insistência de Espanha deu frutos, Portugal passaria aestar sob o seu jugo durante 60 anos. Liberto de Espanha em 1640,Portugal vai procurar um contrapeso através da assinatura de um tratadode amizade com a Inglaterra, que não continha apenas vantagens, e cujotestemunho actual não se cinge apenas às denominações inglesas dos vin-hos do Porto. Napoleão passará a factura a esta amizade em inícios doséculo XIX, forçando o soberano português a exilar-se no Brasil.Entretanto, o século XVIII foi marcado pelo terramoto de 1755 e peloterrível tsunami que se lhe seguiu e que causou a morte a centenas de mil-hares de pessoas, especialmente no Algarve onde se encontrava o epicen-tro, e toda a zona costeira, nomeadamente a capital, Lisboa. De frisar ain-da a determinação e o génio do Marquês de Pombal no seu esforço dereconstrução do país. Este século XVIII viu igualmente o apogeu do

Alfama, homenagem ao Fado.© Hegel Goutier

Portugal: o desejo dos outros serve Portugal: o desejo dos outros serveDE BÚSSOLAPortugal foi durante muito tempo a porta para a Europa e o Algarve e a porta dePortugal: para partir para os cinco continentes e trazer para a Europa as ideias, astécnicas e os sabores dos povos do planeta. Uma cultura de escuta e tolerância, comvocação de casamenteira de civilizações e temporizadora de diferenças. Portugalexerce actualmente a Presidência da União Europeia, e o objectivo é partilhar com osseus parceiros as suas ambições sobre a consolidação do continente e sobre um equi-líbrio mais harmonioso do mundo. Mas também dar a conhecer as suas riquezasintrínsecas, a beleza dos seus territórios, assim como as paisagens oníricas do Algarve,a sua cultura e sabedoria.

Lisboa, Praça do Município.© Hegel Goutier

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Descoberta da EuropaPortugal

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D escoberta da Europa

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barroco português em todas as artes, teatro, música e arquitectura. O século XX ficou marcado pela ditadura militar, simbolizada pelo tira-no Salazar e o seu sucessor Caetano.Seguiu-se a Revolução dos Cravos em 1974. Sob um sol de Primavera,ressurgiu a esperança em Portugal com as notas de uma música popularproibida pelos ditadores “Grândola Vila Morena” de Zeca Afonso, que foio sinal para os militares progressistas saírem à rua seguidos de perto pelopovo que os condecorava com cravos nos canos das suas espingardas.Num só dia, a vitória, sem derrame de sangue, na metrópole e nas coló-nias. Liberdade! O resto são o regresso dos exilados, os momentos habituais de incertezaapós uma tal reviravolta, a consolidação da democracia e, doze anosdepois, a adesão à Comunidade Económica Europeia. O renascimento deuma Nação!

> O território

Apenas 560 km de comprimento e 220 km de largura. Com as costasviradas para o seu único vizinho terrestre, a Espanha. A olhar para ooceano. O Tejo divide o país em dois numa boa parte deste comprimen-to de norte a sudoeste onde desagua no mar em Lisboa. As montanhasdo Norte são a sua nascente, tal como o são de dois outros rios do país,o Douro e o Guadiana. A Serra da Estrela culmina a cerca de 2.000metros. A sul do Tejo começam as planícies do Alentejo que vão culmi-nar a sul, junto dos contrafortes montanhosos do Algarve. O Norte ver-dejante é mais povoado e concentra as culturas de cereais, de legumi-nosas e as vinhas. O centro e o sul mais áridos são um campo contínuode oliveiras, amendoeiras, citrinos e figueiras, sem contar com a árvorefetiche, o sobreiro, que oferece um carnaval de cores aquando da flora-ção na Primavera. Neste cenário, é necessário imaginar as mais varia-das flores e plantas aromáticas, lírio branco, limoeiros, alfarroba, pal-meiras para perfazer o cenário perfeito. A fauna é igualmente das maisricas. Ouvem-se os cantos e as músicas de infindáveis variedades depássaros. Os parques nacionais são numerosos, como a magnífica RiaFormosa no Algarve ou a floresta de Sintra na região de Lisboa, escol-hida por Lorde Byron para gozar a sua reforma.

> Atracções do Algarve

O cliché do Algarve de cimento, que acolhe o turismo de massa, é des-proporcionado. Para ficar convencido, basta deambular pelas praiasparadisíacas da Ria Formosa perto da capital regional, Faro, ou daromântica antiga cidade mourisca de Tavira. As mais pequenas cidadescomo Olhão, na costa, ou Monchique, nas colinas, encerram surpresase encantos. Mesmo nas zonas mais turísticas do sudoeste, a selva decimento nada tem de comparável com os bunkers da costa belga ou degrande parte do Mediterrâneo espanhol. Aliás, a região opta cada vez mais pelo turismo de terceira idade, consti-tuindo pequenas e médias aglomerações com casas de luxo novas ondeos jovens reformados dos países do Norte podem viver a alguns passosdos seus barcos e dos seus clubes de golfe, para os mais afortunados. É ocaso de Vilamoura, onde se cruzam reformados da classe média comestrelas do mundo do espectáculo ou com os reis de Espanha.As cidades são verdadeiros encantos. Faro, à noite, é um verdadeiro cená-rio de ópera onde qualquer pessoa pode passear e sonhar com toda a segu-rança, de viela em viela, entre praças mágicas, num ambiente barroco oumourisco, arte nova ou neoclássica. O campo é idílico e os parques natu-rais verdadeiros encantos. �

Existe uma cultura noAlgarve muito próximahoje da cultura da África

do Norte. Isto pode ver-se naarquitectura ou no termo“Algarve”, por exemplo, que sig-nifica o Ocidente, a ponta maisocidental da Europa nestemomento. Temos por isso umaposição privilegiada para dialo-gar sobre estas coisas e trocarexperiências. Esse poderá ser umobjectivo a prosseguir, aproveitaresta posição formidável de diálo-go que existia aqui na IdadeMédia, ao contrário de muitosoutros países da Europa. É umaposição diferente, aqui há umapostura de diálogo.Depois da Revolução de 25 deAbril de 1974 houve um grandemovimento de pessoas queregressaram a Portugal, algumasvindas das colónias com ideiascolonialistas, outras refugiadoscom compromissos diversos, o que criou um grande problema. Eutinha sido obrigado a exilar-me na Suécia, fui desertor. Quase todasas famílias tinham casos de separação, de um lado ou do outro.Conseguiu-se fazer uma integração das diferentes posições. Hojeem dia, há uma ideia bastante democrática e liberal deste proble-ma. Houve um período em que se verificaram graves tensões depois daRevolução. Felizmente que foi relativamente curto. E este períodonão teve consequências decisivas na evolução política do país.Actualmente, o problema é antes o desaparecimento da memóriada História. Não é fácil criar interesse nos estudantes por uma pers-pectiva histórica destas questões. Talvez porque tenhamos tendên-cia para ocultar os aspectos trágicos da nossa história. Sobre a integração de Portugal na Europa, se, por exemplo, consi-derarmos o Algarve, existem problemas no que se refere à situaçãoda agricultura ou das pescas, mas a identificação com a Europa eos seus valores faz parte da idiossincrasia da população.

> Sobre as prioridades do Algarve

Presentemente, a prioridade para o Algarve é apreparação do próximo quadro de aplicação doprograma estrutural para o período 2007-2013.Como deixámos de pertencer às regiões doObjectivo 1, já não recebemos apoio dos Fundos

Estruturais europeus. Consequentemente,somos obrigados a nos apoiar na iniciativa pri-vada para lançar novos projectos de financia-mento de objectivos públicos.A história de Portugal é uma história de muni-cípios fracos e um poder concentrado emLisboa. Encontramo-nos agora num processo

de criação de estruturasdescentralizadas. NoAlgarve, pretendemoscriar uma estrutura bas-tante forte a nível dos 16municípios. O terceironível de trabalho é oquadro regional para ospróximos anos até 2015,sobre as estratégias dedesenvolvimento e deordenamento do territó-rio na região.

> Sobre o ambiente

A qualidade da água é importante, poistemos um problema de seca. Os investimen-tos feitos com os Fundos Estruturais nestesúltimos anos foram muito importantes para aconstrução de barragens, que permitam àregião beneficiar de uma quantidade sufi-ciente de água.A agricultura biológica é igualmente impor-tante, sendo a principal actividade económi-ca da região. A inovação tecnológica éimportante enquanto objectivo de desenvol-vimento. Mas, por ora, ainda não dispomosde investimentos significativos na área danova economia. A este nível, há duas regiõesem Portugal que têm uma importância signi-ficativa: Lisboa e Porto. As outras estãoalheias às decisões relativas a investimentoapoiado pelo governo central.

Clara Borja Ramos, diplomata, porta-voz da Presidência portuguesa da UE

Clara Borja exprime-se aqui mais comodiplomata de carreira e intelectual do queenquanto porta-voz da Presidência portu-guesa da UE.

A s características essenciais de Portugaltêm origem nestes séculos de intercâm-bios diversificados com o resto do

mundo. A cultura e a civilização portuguesasenriqueceram-se em contacto com outros conti-nentes, com a África ali próxima evidentemen-te, mas também com a América do Sul e mesmocom a América do Norte. Aliás, os primeirosnavegadores que desembarcaram na América doNorte teriam sido portugueses, muito antes deCristóvão Colombo. Os Portugueses foram, e aí não há qualquerdúvida, os primeiros europeus a explorar oJapão, daí a influência do português na línguajaponesa, a que emprestou palavras essenciaisdo vocabulário como a palavra “obrigado” ligei-ramente transformada.

Sem contar com tudo o que Portugal trouxe das suas expedições e disse-minou pela Europa, tanto conhecimentos como objectos. Como o chá daÍndia e da China, que os ingleses descobriram graças à rainha Catarinadepois do seu casamento com o rei de Inglaterra.Hoje em dia as relações entre Portugal e as suas antigas colónias nãoconhecem qualquer tensão. As virtudes de Portugal serão devidas à falta de meios? Por não ter for-ça bastante para dominar as colónias? Claro que há um fundo de verda-de nisso. Evidentemente, Portugal não possuía meios para dominar,nem em termos financeiros e monetários, nem em termos de pessoasdisponíveis. Com uma pequena população, para manter estas colóniasdurante séculos foi preciso integrar-se. Mas não creio que seja essa aúnica razão, ainda que haja muita gente que partilha essa análise. Pensoque existe também esta mentalidade de acolhimento e de integração,que creio dever-se a um espírito de tolerância.Portugal, o país que fez tudo para não se parecer com Espanha? Noentanto, Portugal ou a Lusitânia tinha sido uma colónia romana já inde-pendente, singular. É uma raça diferente, evidentemente com caracterís-ticas comuns como a invasão árabe. Nos dias de hoje Portugal mantémexcelentes relações com todos os países do outro lado do Mediterrâneo.A capital mais próxima de Lisboa não é Madrid, mas Rabat, a poucomenos de 600 quilómetros. Os portugueses sentem-se bem emMarrocos e os marroquinos em Portugal. Há tanto em comum, a arqui-tectura, as raízes árabes de palavras portuguesas! Os laços também sãoestreitos com os países lusófonos de África, são laços do coração. Eactualmente esta compreensão está a tornar-se ainda mais forte. �

COMENTÁRIOSsobre a História, a cultura e a geografiaVictor Reia-Batista, professor daFaculdade de Comunicação daUniversidade do Algarve

Objectivo principal do Algarve: a descentralização para melhor desenvolvimentoEntrevista com José Apolinário, Presidente da Câmara Municipal de Faro

Victor Reia-Batista© Hegel Goutier

Clara Borja Ramos© Hegel Goutier

Faro. Turismo, a essência da economia do Algarve.© Hegel Goutier

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Carla Peralta fala da sua paixão nasua casa, que não tem nada de umcanil. O seu filho, de apenas trêsanos, enrola no chão, vencido por

três cachorros, bolas de pelos aveludados esedosos, de âmbar negro, como “caniches” degrande porte. Estes últimos e alguns mais, adul-tos ou pequenos, de fratrias diferentes: é umpatrimónio a conservar. Carla Peralta explicaisso com muita paixão.

O parque natural da Ria Formosa, na Quinta deMarim – Olhão, acolhe o Centro de Educaçãopara o Ambiente de Marim, que é uma grandeamostra do ecossistema do parque: pântanossalgados, salinas, dunas, florestas de pinhos eagricultura tradicional. Há ali igualmente umaquinta tradicional, um auditório, uma bibliotecae um laboratório de investigação. É neste contexto que Carla Peralta cria cãesde água. Com os seus pés palmados, estescães têm bastante habilidade para reunir ospeixes e os fazer entrar nas redes. A “mestre-cão” foi durante muito tempo artista, trabal-hando com animais diversos até descobriresta raça. Tornou-se numa das etólogas maisespecializadas. O seu objectivo é salvaguardar a raça presen-te na região há mais de 2.000 anos.

Actualmente, há apenas 3.000 representantesda espécie contra centenas de milhares aindahá pouco tempo. Como são cães muito inteli-gentes, calmos quando for o caso, activos sefor necessário, e de boa companhia, muitagente quer fazer deles totós. “A moda não éboa para as espécies. Ela implicaria umavariação da raça.”“Não se trata de cães que obedecem para rece-berem uma recompensa. Também não querdizer que eles gostem de nadar, mas unica-mente que têm consciência de colaborar como pescador. Fazem-no para ajudar o pescadore não o farão se não se sentirem respeitados. Um código importante entre os cães de águaé, por exemplo, os cachorros não poderemficar na presença de outra fêmea que não sejaa sua mãe. Isso pode ser-lhes fatal. O cão jánão teria o mesmo comportamento de coope-ração com um homem que tivesse violado estaregra.” Estranho animal!Hoje, as grandes embarcações estão equipa-das de sonares para detectar cardumes e demáquinas para os captar. Que importa se sãorejeitadas a cada passo toneladas de peixesasfixiados! “A pesca ecológica com os cães?Porque não? Então não há agricultura biológi-ca? Vou pensar nisso”. �

Encontro com António PinaPresidente da Região de Turismo do Algarve

OPresidente daRegião Turísticado Algarve éeleito por 16

presidentes de câmara dosseus diversos municípios,pelos representantes dogoverno, nomeadamente dosMinistérios da Saúde e daEconomia, igualmente pelosrepresentantes de restauran-tes e hotéis, de agências deviagens, dos transporta-dores, dos sindicatos e daUniversidade do Algarve. É,obviamente, uma personali-dade de consenso. AntónioPina foi eleito um mês antesdo seu encontro com OCorreio. Para ele, o turismo é apenasum aspecto da globalização àqual, acrescenta, o Algarveestá habituado. O Algarveestá envolvido na globaliza-ção desde o início. No século

Conservação de um património natural e vivo.O cão de águaParque Natural da Ria Formosa

XV, os navegadores partiram do Algarve paradescobrirem a África, a Índia, o Japão e aChina. Hoje, os trunfos excepcionais doAlgarve fazem dele o melhor lugar para o des-envolvimento do turismo na Europa. A vontadenão é de ser o maior, mas o melhor. Cerca de 80% da economia do Algarve assen-tam directa ou indirectamente no turismo. Estesector é importante no conjunto de Portugal,mas o Algarve ocupa o primeiro lugar no quediz respeito à economia nacional, antes daMadeira e da região de Lisboa. Tanto os inves-tidores como aqueles que lá instalam a suaresidência secundária, visam a qualidade.Pessoas do Norte ou do Centro da Europa,com idades superiores a 55 anos, sentem-separticularmente atraídas pela região. Mas o

turismo local também é considerado importante.Valor acrescentado do turismo no Algarve? OAlgarve sem o turismo seria inconcebível,insiste António Pina. Evidentemente, corremos o risco de termosuma economia baseada num único sector.“Estamos atentos a isso, razão pela qual promo-vemos indústrias, sobretudo indústrias inovado-ras e respeitadoras do ambiente, como a energiasolar. Nesta política, é dada prioridade aosempresários interessados em instalarem-se nointerior, onde se encontra uma situação maisprecária. A maior parte do artesanato, o vinho eoutras componentes importantes da nossa eco-nomia e da nossa cultura vêm de lá. É nossodever manter este equilíbrio e tudo faremospara que assim seja”, concluiu. �

> Sobre a situação económica do Algarve

Faro é a capital da região. Temos a principal porta de entrada no Sul, oaeroporto internacional de Faro, que favorece grandemente o turismo,sobretudo atendendo ao desenvolvimento das tarifas aéreas a baixo custo. Possuímos um importante crescimento económico. O turismo aumen-tou nestes últimos anos e aumentará ainda este ano cerca de 5 a 6%.Sobretudo com o turismo residencial e o turismo do golfe e, em menorescala, os desportos náuticos. As receitas da região provêm essencial-mente do turismo. A agricultura é muito menos importante e a pescaainda menos. Em termos de turismo, o nosso objectivo não é só atrairos estrangeiros, mas também pensamos no turismo local. Promovemosigualmente o turismo ambiental, desportivo, cultural e o que tem a vercom a qualidade de vida.Temos um problema que importa solucionar rapidamente: a circulaçãoem Faro. Faro é uma cidade com 60.000 habitantes, mas é uma zona de influên-cia de cerca de 300.000 habitantes. Muitos vêm trabalhar em Faro outransitam pela cidade. O transporte público regional, regido a nívelnacional, não oferece uma resposta adequada. A região precisa de umaautoridade própria neste domínio semelhante à que vigora em Lisboa.Esperamo-la, que a descentralização no-la traga até aqui.

> Sobre a situação dos imigrantes

Regra geral, o poder de compra nos municípios do Algarve situa-se namédia das cidades nacionais mais bem cotadas. Isto está em contradiçãocom a situação de pobreza das pessoas sem formação e educação e comas populações migrantes. No passado, as situações difíceis eram vividassobretudo pelos nacionais de países africanos lusófonos. Estas populaçõ-es estão hoje mais integradas. O problema actual coloca-se sobretudo anível dos migrantes provenientes dos países da Europa de Leste.

> Sobre os laços especiais entre a região e os países lusófonos de África

Os laços estruturais entre os países do Mediterrâneo e de África tecem-se a partir de Lisboa. No Algarve, juntamente com a Universidade e osmunicípios, temos muitas geminações com cidades de Marrocos eNorte de África e com algumas cidades africanas que têm o portuguêscomo língua oficial. A Universidade possui centros de estudo especiali-zados sobre o Mediterrâneo e África.Várias cidades algarvias atribuem grande importância às relações cul-turais com África. A cidade de Faro organiza, por exemplo, um festivalanual e tem um programa cultural, muito bom todo o ano, com grandeparticipação de artistas africanos.

> Hino a Faro e ao Algarve

O que é que temos aqui de diferente em relação a outras cidades daEuropa? A minha resposta é a luminosidade. Ela influencia a cidade,as pessoas, apesar de a população se queixar bastante. Esta luminosi-dade não existe em mais lado nenhum. As pessoas de Faro têm sem-pre uma porta aberta. Sempre atribuíram uma grande importância aoestatuto social e cultural. É uma cidade de poesia. O Algarve é umaregião aberta e com a sua musicalidade. E a identidade regional é bemmarcada e unida sobretudo quando está em causa criticar o centralis-mo de Lisboa (risos). �

Carla Peralta e o cão de água de Portugal, património biológico.

© Hegel Goutier

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Resposta de Alvim: “Se vamos para o campo da ética, são muitos osque se devem sentir envergonhados: a Itália e os EUA, que atacaramo Iraque sem justificação; os bancos, proprietários da maior parte dasobras de arte, graças aos seus investimentos duvidosos; e os grandescoleccionadores, com fortunas misteriosas. Vamos pôr a ética de ladoe embrenhar-nos profundamente nos projectos artísticos. Pela primei-ra vez vemos um projecto totalmente africano, gerido e financiado porafricanos em África.” Dokolo já possuía uma colecção internacional de arte contemporânea.Em 2003 Fernando Alvim persuadiu-o a comprar a colecção deBruxelas de Hans Bogatze, para impedir que a sua família a vendessea galerias de arte europeias depois da morte do coleccionador. Dokoloe Alvim envolveram algumas empresas e bancos angolanos, quefinanciaram a aquisição, criando a colecção privada mais importantede arte contemporânea em África. Esta colecção constituiu a base daTrienal de Luanda, realizada em 2005/2006. “Acrescentámos ‘Luanda Pop’ ao título inicial ‘Check List’”, expli-cou Alvim durante a conferência de imprensa, “para sublinhar a liga-ção directa com a energia que brota da aventura da Trienal de Luandade 2005”.“Não se trata apenas de um projecto cultural, é uma afirmação política”,acrescentou Simon Njami durante a conferência de imprensa. “Não pre-tendemos mostrar um retrato exaustivo nem de todo o continente, nemda ‘arte contemporânea africana’, um conceito algo indistinto.Propomos simplesmente a nossa escolha. Por isso é que os cartazes àvolta do Pavilhão mostram pessoas como Franz Fanon, Bob Marley eGandi. Não são africanos, mas pessoas que falaram de uma África livree que construíram África, não como um local mas como uma filosofia”.Também é por isso que estão expostas obras de arte de Andy Warhol ede Miguel Barceló no Pavilhão Africano, lado a lado com obras dejovens autores angolanos, como Yonamine e Ihosvanny, ou de artistasreconhecidos internacionalmente, como Yinka Shonibare, MarleneDumas e Kendall Geers. “Isto não é uma colecção de arte contemporâ-nea africana”, indica Sindika Dokolo, “mas uma colecção africana dearte contemporânea. Uma visão africana. Considero a criação da minhacolecção como um gesto político, porque África não pode aceder à suaestética passada, cujas melhores obras foram retiradas do continente.Comparado com as necessidades básicas de África, a arte talvez nãoseja a prioridade, mas penso que temos de agir sobre os seres humanosde África. Se não sabem de onde vêm, se não aprendem como exercera sua capacidade crítica, não haverá progresso. Agora temos de pensar

como conseguir um impacto directo nas pessoas. Isto é apenas o início.Somos nós próprios que temos de avançar, tanto artistas como público,incluindo governos, educação, museus, galerias, coleccionadores. Senão conseguirmos dizer ao mundo quem somos, se não mostrarmos omelhor de que somos capazes, nunca poremos fim à incompreensão, àcondescendência e aos preconceitos”.Aqui, finalmente, é África que escolhe, é África que vê. �

OPavilhão Africano na ExposiçãoInternacional de Arte da Bienal deVeneza foi considerado como umadas maiores inovações da edição de

2007 deste importante evento. Nascida no finaldo século XIX, a Bienal atrai não só a atençãodos especialistas de arte, mas igualmente umgrande número de visitantes. O PavilhãoAfricano suscita várias questões: porquê colocarAndy Warhol e Miguel Barceló num pavilhãoafricano? Porquê atribuir espaço a um únicocoleccionador de arte? E onde é que estão as habituais empresas patro-cinadoras?Mas comecemos pelo princípio: o Director da 52ª Bienal, Robert Storr,queria expor o continente africano. Durante a semana para profissionaisda Bienal Dak’Art em Dacar, Senegal, Storr visitou várias exposições,incluindo algumas periféricas – que constituíram o designado “progra-ma off” – e participou em numerosas conferências. Também recolheucatálogos e publicações. O resultado destas pesquisas é a representaçãovariada de artistas africanos e afro-americanos na ExposiçãoInternacional da Bienal, intitulada “Pensar com os Sentidos – Sentircom a Mente. Arte no Presente”. Esta exposição está marcada por um grande número de obras de arte denatureza política, centradas em questões como a guerra, o terrorismo, asmigrações, as fronteiras e a morte. A exposição caracteriza-se por umasucessão lenta e profunda de obras de arte: fotografias bem colocadas,pinturas e vídeos com uma organização clara e simples, em que os tra-balhos dos artistas africanos mantêm um diálogo com as obras expos-tas à volta, criando significados mutuamente enriquecedores. Os letreiros em néon azul do artista Adel Abdessemed, colocados juntodas saídas nas salas do Arsenale, indicam Exile (Exílio), em vez daesperada Exit (Saída). A abstracção geométrica do pintor nigerianoOdili Donald Odita evidencia-se fortemente com as cores de África. Aspinturas de Chéri Samba contam histórias tristes com uma ironia amar-ga. Os maravilhosos retratos a preto e branco feitos por Malian MalickSidibé, premiado com o Leão de Ouro pela Obra de uma Vida, repre-sentam os participantes orgulhosos num projecto de arte para lutar con-tra a SIDA.

A obra mais extraordinária: dois tapetes incríveisfeitos de latas e de cápsulas de garrafas por ElAnatsui, artista nascido no Gana mas que vive naNigéria. Os tapetes estão habilmente expostos no“Arsenale” entre duas filas de enormes colunasde tijolos, que cintilam com sal marinho, criandouma instalação gigantesca única. Todos os visi-tantes pararam para a admirar. Outro acontecimento extraordinário foi a apre-sentação de bandas desenhadas africanas, pelaprimeira vez nesta Bienal. Uma história triste da

migração foi o tema das 46 chapas do álbum Une éternité à Tanger(Uma eternidade em Tânger), de Faustin Titi e Eyoum Ngangué. Foiatribuído a este álbum o “Prémio África e Mediterrâneo” para a mel-hor banda desenhada não publicada de um autor africano, pela asso-ciação que tem o mesmo nome.Storr fez outra escolha fundamental para a Bienal: a criação de umPavilhão Africano. Embora seja verdade que África tinha tido algumaspresenças individuais e colectivas na Bienal desde 1920, até aqui ape-nas o Egipto tinha tido tradicionalmente um pavilhão nacional. Para preparar o Pavilhão Africano, Storr lançou um “concurso deideias”, que foi criticado mas reuniu mais de 30 projectos e suscitouenorme expectativa. Um júri constituído por curadores e artistas africa-nos e afro-americanos decidiu atribuir a responsabilidade do pavilhão aSimon Njami e Fernando Alvim. Njami é um crítico camaronês, escritor, fundador da Revue Noire ecurador de “Africa Remix”, uma importante exposição sobre “o conti-nente”. Alvim é um artista angolano, curador da Galeria “Camouflage”em Bruxelas e da exposição internacional de arte Trienal de Luanda. Oseu projecto consistiu em mostrar uma selecção, uma check list, dacolecção de arte de Sindika Dokolo, juntando-lhe outras obras de arteencomendadas para Veneza. O nome deste jovem homem de negócioscongolês começou a ressoar no mundo da arte contemporânea. As pri-meiras críticas vieram daqueles que no passado lançaram importantesiniciativas sobre a arte africana em Veneza e que agora se sentiam des-tronados. Depois apareceu um artigo de Ben Davis, publicado na ArtNet, uma revista nova-iorquina de arte na web, que acusou o coleccio-nador de negócios suspeitos durante as guerras de África.

Sandra Federici

ÁÁFFRRIICCAAeemm VVEENNEEZZAA

Ghada Amer, EgiptoOladélé Bamgboyé, NigériaMiquel Barceló, EspanhaJean Michel Basquiat, Estados UnidosMario Benjamin, HaitiBili Bidjocka, CamarõesZoulikha Bouabdellah, ArgéliaLoulou Cherinet, EtiópiaMarlène Dumas, África do SulMounir Fatmi, MarrocosKendell Geers, África do Sul

Kiluanji Kia Henda, AngolaIhosvanny, AngolaAlfredo Jaar, ChilePaulo Kapela, AngolaAmal Kenawy, EgiptoPaul D. Miller Aka DJ Spooky,Estados UnidosSantu Mofokeng, África do SulNástio Mosquito, AngolaNdilo Mutima, AngolaIngrid Mwangi, Quénia

Chris Ofili, RU / NigériaOlu Oguibe, NigériaTracey Rose, África do Sul Ruth Sacks, África do SulYinka Shonibare, NigériaMinnette Vari, África do SulViteix, AngolaAndy Warhol, Estados UnidosYonamine, Angola

52a Bienal de Arte de Veneza. Exposição Internacional de ArteCHECK LIST LUANDA POP Pavilhão Africano - Arsenale

Página 58:Em cima: Yinka Shonibare MBE, How to blow up two heads at once, 2006.

Instalação, 175 x 245 x 122 cm.

Em baixo: Bili Bidjocka, A escrita infinita #, 2007. Instalação, dimensão variável.

Página 59: Andy Warhol, Muhammad Ali, 1978. Duas impressões em papel, 114 x 89 cm.

Imagens publicadas com a amável autorização da colecção africana de arte contemporânea Sindika Dokolo.

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Criatividade

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C riatividade

Page 32: C rreio - ufdcimages.uflib.ufl.eduufdcimages.uflib.ufl.edu/UF/00/09/50/67/00008/OCorreio-2007-02.pdf · pintor, poeta e demiurgo 61 Le peuple n’aime pas le peuple 61 Adorámos

LE PEUPLE n’aime pas le peuple“Um homem que foi

perseguido poruma pantera não conta a his-tória da mesma maneiracomo aquele que viu umapantera a perseguir alguém”.Esta frase do autor de Lepeuple n’aime pas le peuple(O povo não gosta do povo),um jovem “militante por uma agricultura familiarsustentável” da Costa do Marfim, justifica o inte-resse desta narração autobiográfica, absolutamenteoposta às análises pontificantes: um itinerário pes-soal na guerra civil costa-marfinense. Vítima,como tantos outros, da extorsão perpetrada pormercenários de todas as frentes, Kouakou GbahiKouakou narra a sua odisseia, as suas idas e vindasentre o Charybde das exacções rebeldes e o Scyllados “patriotas” inflamados por um fanatismo xenó-fobo, expondo com sinceridade os sentimentos pre-sentes, rapidamente resfriados por novas desilu-sões, mas também recusando a atitude paranóicadominante que atribui a outrem a responsabilidadedo desastre. “Todos nós contribuímos para destruireste país e cada um de nós contribuiu generosa-mente para acelerar a sua descomposição”,confessa um dos personagens. Jovem intelectual sem ter terminado os seusestudos, Kouakou, o camponês de Béoumi, lançatambém um olhar lúcido sobre as condições quepermitiram aos políticos demagogos mergulhar opaís na crise profunda, porque a classe etária à qualele pertence é a mais afectada. “Embora aprecariedade e as peníveis condições de vida dosjovens costa-marfinenses não sejam necessaria-mente a causa da insurreição político-militar de 19de Setembro, são, no entanto, a principal razão dosucesso popular, não somente da rebelião mastambém daquilo a que se chamava a resistênciaem Abijão”, analisa Kouakou, que acabou porencontrar uma solução temporária no exílio, ondeele consegue, mesmo assim, formular umaconclusão prenhe de esperança: “Eu sabiatambém que nada terminaria, nem para mim, nempara eles, enquanto não compreendêssemos anecessidade natural de vivermos juntos”. E o queainda é melhor, é que a narração revela umaautêntica qualidade literária, plena de citações dosaboroso falar nouchi de Abijão e da savana dasua infância. Pequena ilustração: “Se um cego tediz que vai atirar-te uma pedra é porque ele já atem debaixo do pé”. F.M. �

Kouakou Gbahi KouaKou, Le peuple n’aime pas le peu-ple. La Cote d’Ivoire dans la guerre civile civile (O povonão gosta do povo. A Costa do Marfim em guerracivil), Colecção Testemunhos, Gallimard, Paris 2006

Comparada à homenagemprestada por André Malrauxno seu livro L’Intemporel,quando ambos estavam

ainda vivos, seguido de outros, comoBreton e Jean-Paul Sartre, que partiramem peregrinação a Haiti para o encontrar,sem contar as inúmeras distinções rece-bidas durante a sua vida, qualquer outrahomenagem só poderá ser imodesta. L’Intemporel consagra páginas a fio aexplicar que o movimento sócio-pictu-ro-filosófico-esotérico que ele animavanos píncaros de Santo-Sol, no Haiti,tendo por discípulos ou públicos outrosartistas, doentes mentais e jovens, repre-sentava talvez o movimento artísticomais inovador do mundo. “Herdeira detantos génios malditos, esta pintura insó-lita é uma pintura abençoada. E como se a liberdade se aclimatasse aqui até ao mais íntimo dassuas aventuras insólitas, é a experiência mais cativante – e a única controlável - de pinturamágica no nosso século: a comunidade de Santo-Sol. Daí advém a continuidade, a prolifera-ção de uma independência das pinturas não menos perturbadora que a independência conquis-tada pelas tropas de Toussaint Louverture, ao exército de Napoleão. (...) O Sr. Tiga e a Sra.Robart (companheira de Tiga) tinham fornecido àqueles, a quem convém chamar seus adeptose não alunos, as cores fundamentais, as telas, o papel, os planos de peças e não conselhos.Pinturas e peças destinadas aos amigos da região. Os pintores entregavam as suas obras nacasa-mãe, onde eram guardados confidencialmente até à sua exposição no museu, e iam voltara sê-lo”. E assim de página em página. O Tiga nunca foi um guru, ou então foi o guru da liberdade, porque ele nunca tentou influen-ciar um jovem artista criador que o contactava. Adoptava-o, acarinhava-o, dava-lhe apoio econfiança em si, mas não lhe dava conselhos nem modelos. Acreditava na sua filosofia harmo-niosa da existência da terra e do ser. Acreditava que “o ser é Sonho, Possessão, Criação eLoucura”. Era isso que ele tentava descodificar em toda a criação humana, na sua própria cria-ção, na dos seus próximos, na dos doentes mentais e na das crianças. Para isso, embebeu-se defilosofias diversas, adquiriu conhecimentos específicos, como os do código genético, praticoudiferentes artes, sendo a música o seu ponto de órgão. A sua pintura era ritmo, ritmo de vida.Eram comoventes estes textos e as suas improvisações sobre a música de Rachmaninov, daqual ele se impregnava profundamente. Comoventes eram as encenações espontâneas de apre-sentação das suas obras na sua sala de estar. Ser convidado para esse fausto idílico era um pre-sente único e inesquecível. Em suma, o génio das suas obras inscreve-se no âmago do surrealismo maravilhoso daAmérica chamada latina. Os seus “sóis ardentes” inspiram o ardor que cria a luz da sombra, ascores do ardente e a alegria serena do cinzento da alma.Tiga partiu em Dezembro passado vítima de um carcinoma, ele que tanto tinha reflectido sobrea génese e a influência da criação artística seguindo, entre outras pistas, as mensagens, os sinaise as informações contidas no ácido desoxirribonucleico e no seu controlo ou perda de contro-lo sobre o corpo humano, que ele considerava misteriosos. Deve ter partido com o seu sorriso peculiar colado no canto da boca, cunho quase imperceptí-vel do seu humor em rasgos teatrais, que tanto prazer nos deu quando admirávamos as suaspinturas e nos inebriávamos com as suas palavras ao saborear os seus rums raros. So long Tiga-son! H.G. �

Sob este título, o Tate Modern, um doslocais mais prestigiosos do mundopara a arte moderna, dedica uma das15 salas da exposição “The states of

flux” à “pintura popular” de Kinshasa. A expo-sição concentra-se nos grandes movimentosartísticos que marcaram a arte do século XX,mais precisamente o cubismo, o futurismo e ovorticismo, considerado como um cubismoinglês que incorpora na sua estética as ferra-mentas da tecnologia e da indústria. Expõeuma parte da colecção do museu e durará atéMarço de 2008.“A escola de pintura popular” de Kinshasa,como a designara o seu criador, Chéri Samba, écomposta por cinco figuras de proa, que expõ-em todas no Tate: o próprio Chéri Samba, CheikLedy, seu irmão, Bodo, Chéri Chérin e Moke.As oito peças expostas são o maior testemunhoda modernidade destes artistas e da acuidade dasua visão em relação às questões que perturbamo mundo, e não só o seu. Todos estão em osmo-se com as correntes artísticas mais importantesdo século, tanto na sua liberdade da formacomo na do pensamento, em harmonia, e aomesmo tempo em ruptura, com as preocupaçõ-es da sua época. Como qualquer vanguarda. Mundo em turbilhão. Para onde vamos? deBodo, numa composição panorâmica densa,descreve, numa alegoria pós-11 de Setembro, odesventramento, o rasgamento e a exsudação doplaneta mostrando o seu flanco africano, por

uma sequência de veículos e de máquinas dealta tecnologia, deixando adivinhar a obscurida-de de bombas humanas lobotomizadas e o sibi-lo do serviço de mensagens electrónicas. Tudoisto num desbordamento de cores, mas, parado-xalmente, quase numa encenação serena. É atécnica do homem violentando a sua terra-mãee suicidando-se. Ali, talvez, poderia procurar-seuma permeabilidade com os vorticistas ingle-ses, com o excesso de presença da técnica. “Para onde vai o mundo?”, questiona-se tam-bém Chéri Chérin, mas com uma obra umpouco mais impressionista, embora de formatão “cataclísmica”, visto que é de cataclismomoral que se trata, tendo como fundo, apesarde tudo, o @ de Internet.Chéri Samba aborda a violência da guerra fra-tricida que devastou a RDC e a tragédia dascrianças-soldados. Mas não esquece nas outrasduas peças suas de se representar ele mesmo,como costumava fazê-lo, e de maneira muitosimbólica numa pintura a defender, onde fazpára-vento do seu corpo numa posição crísticapara defender uma tela. Uma tela, ou a pintu-ra, ou a arte muito simplesmente? A arte ancestral do Congo, a que o mestre sedevota em Homenagem aos antigos criadores,onde faz o seu próprio retrato perante esculturastradicionais, como se rendesse aos criadores deentão a parte que lhes cabe da consideração atri-buída hoje à arte contemporânea da África.

H.G. �

““PPIINNTTUURRAA PPOOPPUULLAARR”” ddee KKIINNSSHHAASSAAExposição “The States of flux” - Tate Modern Museum, Londres

Adorámos... Vida e obra de Jean-Claude "Tiga" Garoute, pintor, poeta e demiurgo

Bodo, Mundo em turbilhão!!! Para onde vamos,2006. Acrílico em talagarça, 153 x 440 cm.Com a amável autorização da C.A.A.C. Collection Pigozzi, Genebra.Fotografia Maurice Aeschimann.

Chéri Samba, Homenagem aos antigos criadores, 1999. Acrílico em talagarça, 151 x 201cm.Com a amável autorização da C.A.A.C. Collection Pigozzi, Geneva. Fotografia Patrick Gries.

Tiga, Martine e Liane, 1999. Esboço num guardanapo de papel, 14 x 14. © Hegel Goutier

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Criatividade CriatividadeAdorámos

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No 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007 63

P ara os mais jovens

Ser membro do Acordo de Cotonuentre os Estados ACP e os Estadosda UE é um pouco como pertencer aum clube em que estão os melhores

amigos, só que estão espalhados por todo omundo, em África, nas Caraíbas e no Pacífico(ACP) e nos Estados da União Europeia(UE). Para todos serem amáveis uns com osoutros, dá-se-lhes e partilha-se com eles coi-sas especiais que não se dão a outros. A maior parte dos Estados ACP queassinaram o Acordo com a UE eram antigascolónias, isto é, eram dirigidos por um dosagora 27 países da UE, como o Reino Unido,França, Espanha, Portugal e Bélgica.Nos últimos 50 anos, os países ACPtornaram-se independentes. Mas a UE queriamanter algumas das suas ligações comerciaisespeciais e manter a amizade com as suasantigas colónias e ajudá-las a crescer. Para isso, decidiu fazer várias “Convenções”com todos os Estados ACP. A actual“Convenção de Cotonu” foi assinada nacapital do Benim, na África Ocidental, em2000. “Cotonu” vai durar até 2020. Agrupa algunsdos países mais ricos do mundo, como aFinlândia, onde as pessoas ganham em média29.251 dólares por ano*, e alguns dos maispobres, como a Serra Leoa, onde uma pessoatem apenas 561 dólares. Isto significa queacabar com a pobreza é o objectivo deCotonu. Para o atingir, a UE concede ajuda através dodesignado Fundo Europeu de Desenvolvi-mento (FED). Cada Estado-Membro da UEcontribui com uma parte para este envelopefinanceiro. “Cotonu” também tem umacomponente comercial para assegurar que amaior parte dos bens e produtos vendidospelos países ACP possam entrar no mercadoda UE sem pagar direitos aduaneiros –pagamentos que podem encarecer osprodutos importados e fazer com que oscomerciantes deixem de os comprar.

> Rosas frescas, bananas doces

É possível comprar rosas frescas e coloridasdo Quénia – razoavelmente baratas – emfloristas da UE em qualquer altura do ano. Istoprincipalmente porque não se aplicamquaisquer direitos aduaneiros sobre as rosas doQuénia no quadro de Cotonu. O Quéniafornece agora aos países da UE metade dassuas rosas, em comparação com cerca de umquarto há dez anos! E aquelas pequenasbananas que cabem exactamente naslancheiras para a escola são expedidas aoabrigo das disposições comerciais de Cotonude isenção de direitos para este produto. Talsignifica um salário mínimo para osagricultores das ilhas de Barlavento dasCaraíbas e de outras nações africanas onde sãocultivadas. De momento, os Estados ACP e a UE mantêmconversações sobre como é que Cotonu podemelhorar o comércio entre os ACP e a UE emais rapidamente. O plano consiste em haver,a partir de 1 de Janeiro de 2008, acordoscomerciais, ou “Acordos de ParceriaEconómica”, com as 6 regiões do grupo ACP:Caraíbas, Pacífico e África Ocidental,Oriental, Austral e Central.O envelope financeiro para ajuda da UE aosACP ou 9º FED (2002-2007) distribuiactualmente 13,5 mil milhões de euros paratodos os países ACP durante cinco anos. Odinheiro vai para projectos de ajudaindividuais nos países ACP, como a construçãode hospitais, escolas, estradas e aeroportospara ajudar os países a conseguirem umdesenvolvimento mais rápido e para facilitar oseu comércio. Atribui igualmente alimentos,abrigos e ajuda médica de urgência quandoocorrem catástrofes naturais como terramotosou inundações ou conflitos, como no caso deDarfur. No novo 10º FED (2008-2013)existem 22,7 mil milhões de euros.Há muitos outros projectos mais pequenos

que obtêm dinheiro do FED, como programasde formação e exposições comerciais. Nemtodo o dinheiro vai para os governosnacionais, mas também para os governoslocais e para a sociedade civil, comoorganizações não governamentais. A UE nãodecide sozinha como quer gastar o dinheiro,discutindo esta matéria com os seus parceirosACP. É por esta razão que a UE tem muitasdelegações nos Estados ACP.Há também as reuniões em Bruxelas, quandoos ministros dos ACP e da UE se reúnem paradiscutir o que está a correr mal e bem noAcordo Cotonu e como melhorar as coisas.Falam também de temas políticos, porexemplo como acabar a luta em Darfur e osdireitos humanos. Muitas vezes não estão deacordo. Trata-se de uma questão de respeito pelonosso melhor amigo, ouvi-lo e ajudá-lo aavançar da melhor forma possível.

D.P. �

* Estatísticas de 2004 do Programa dasNações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD)

Sembène Ousmane, que nos deixou em 9 de Junho de 2007, pode-ria pretender ter criado o cinema de ficção na África Subsariana.O seu título de “Pai do cinema africano” é plenamente merecido.Mas não é esta anterioridade que inspira tanto amor, respeito e

apego a tantos afeiçoados da sua arte. É meramente o facto de SembèneOusmane ter sido um grande escritor, um grande realizador de cinema eum produtor astucioso. E, sobretudo, o ter compreendido que o cinemaera um instrumento de desenvolvimento cultural, mas também – e muitoantes de muitos outros – um motor de desenvolvimento económico. Este cineasta tinha quase 40 anos quando iniciou o seu percurso artístico,que o iria revelar ao mundo inteiro. Em 1960, já com 37 anos vividos, foiestudar para o Instituto Gorki de Moscovo. Seis anos depois, criou o seuprimeiro verdadeiro filme de ficção La Noire de..., que ficará gravado nahistória como o primeiro filme realizado por um Africano. O festival deCanes atribuiu-lhe o Prémio Jean Vigo, que constitui a primeira de umalonga série de distinções. Na verdade, Sembène Ousmane tinha realizadoanteriormente três filmes que ficaram praticamente no anonimato. Ofilme La Noire de... conta a história de Diouna, que partiu do seu país, oSenegal, para trabalhar como criada na França. Seguiu-se o seu suicídioe, para se justificarem e tranquilizar a sua consciência, os seus patrõesfranceses partiram para Dacar a fim de contarem a indizível história aosseus pais. Já neste filme, Sembène Ousmane soube mostrar ponderação esaber. Militante da causa negra, compreendeu rapidamente que a únicamaneira de o ser verdadeiramente na sua arte era mostrar compaixão facea todo o sofrimento do ser humano e não fazer rimar militantismo e

fanatismo. E, sobretudo, não transformar as suas obras em cartazes, tão-somente em fases da vida humana. Só e somente isso. Nos anos 70, a sua honestidade, do que deu provas no seu filme Ceddo(1977), que fustiga os vendedores de escravos africanos, criou-lhe algunsdissabores pessoais e até mesmo a proibição do filme no seu próprio país.Na sua carreira de cineasta, Sembène Ousmane realizou perto de quinzefilmes, sendo os mais conhecidos La Noire de..., Ceddo, Xala em 1974 eFaat-Kiné em 1999. A sua última obra, Mooladé, data de 2004. Alguns destes filmes foram adaptados dos seus romances, como La Noirede..., Xala e Taaw. A sua carreira de romancista tinha começado cerca dedez anos antes da carreira de cineasta. O Le docker noir, que é o seuprimeiro livro, foi publicado em 1956. Tinha então Ousmane 33 anos. Antes, tinha vegetado na sua Casamance. Aluno médio, tinha frequentadoa Escola de Cerâmica de Marsassoum e passado por muitos biscatesdesde os seus 15 anos, para suplementar os magros recursos de pescadorde seu pai. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi incorporado, muitojovem, nas forças francesas livres de 1942 a 1944, ano em que chegou àFrança com os seus companheiros de fortuna. Artista conhecido e mesmo venerado, nunca negou a sua disponibilidadenem recusou atender todos aqueles que o consultavam ou lhe pediamajuda pessoal ou em prol de uma causa justa. Um grande artista! E mais ainda, um grande homem! H.G. �

CClluubbee CCoottoonnuu CCOONNTTRRAA AA PPOOBBRREEZZAA

Adorámos... A vida e a obra de

SEMBÈNE OUSMANE

Em cima:Yonamine, The best of the best, 2007. Instalação + vídeo.

Com a amável autorização da colecção africana de arte contemporânea Sindika Dokolo.

Fotos do concurso “My Fair Trade World”.© Debra Percival

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Criatividade Adorámos

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ÁFRICAÁfrica do Sul Angola Benim Botsuana Burquina Faso Burundi Cabo Verde CamarõesChade Comores Congo (República Democrática) Congo (Brazzaville) Costa doMarfim Djibouti Eritreia Etiopía Gabão Gâmbia Gana Guiné Guiné-Bissau GuinéEquatorial Lesoto Libéria Madagáscar Malawi Mali Mauritânia Maurícia (Ilha)Moçambique Namíbia Níger Nigéria Quénia República Centro-Africana Ruanda SãoTomé e Príncipe Senegal Seicheles Serra Leoa Somália Suazilândia Sudão TanzâniaTogo Uganda Zâmbia Zimbabué

CARAÍBAS Antígua e Barbuda Baamas Barbados Belize Cuba Domínica Granada Guiana HaitiJamaica República Dominicana São Cristóvão e Nevis Santa Lucía São Vicente eGranadinas Suriname Trindade e Tobago

PACÍFICOCook (Ilhas) Fiji Kiribati Marshall (Ilhas) Micronésia (Estados Federados da) Nauru Niue Palau Papuásia-Nova Guiné Salomão (Ilhas) Samoa Timor Leste Tonga Tuvalu Vanuatu

UNIÃO EUROPEIAAlemanha Áustria Bélgica Bulgária Chipre Dinamarca Eslováquia Eslovénia EspanhaEstónia Finlândia França Grécia Hungria Irlanda Itália Letónia Lituânia LuxemburgoMalta Países Baixos Polónia Portugal Reino Unido República Checa Roménia Suécia

As listas dos países publicadas pelo Correio não prejudicam o estatuto dos mesmos e dos seus territórios, actualmente ou no futuro. O Correio utiliza mapas de inúmeras fontes.O seu uso não implica o reconhecimento de nenhuma fronteira em particular e tão pouco prejudica o estatuto do Estado ou território.

Países de África – Caraíbas – Pacíficoe União Europeia

> QQUUAARRTTAA--FFEEIIRRAA,, 77 DDEE NNOOVVEEMMBBRROO9.00-10.00 CERIMÓNIA DE ABERTURA

Introdução por Louis MichelJosé Socrates Primeiro-ministro de Portugal, país anfitrião

José Manuel Barroso Presidente da Comissão Europeia

Maumoon Abdul GayoomPresidente das Maldivas

Gertrude Ibengwe MongellaPresidente do Parlamento Pan-africano

10.00-10.30 ALOCUÇÃO ESPECIAL

Yvo de Boer Secretário da CCNUCC

10.30-13.00 PAINEL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

CONVERGENTES

Moderador Chris Landsberg Ogunlade Davidson Co-Presidente do Grupo de Trabalho III do GIEC

Michel JarraudSecretário-Geral da OMM

João Gomes CravinhoSecretário de Estado, Portugal

Stavros Dimas Comissário Europeu do Ambiente

Philippe MaystadtPresidente do BEI

Orador a confirmar

13.00-13.15 CERIMÓNIA DE ASSINATURA

Declaração de Intenções dos PALOP

13.15-13.30 CERIMÓNIA DE ASSINATURA

Declaração de Intenções da CPLP

14.00-18.00 EVENTOS PARALELOS

18.00-19.00 ALOCUÇÃO ESPECIAL

Kofi Annan

19.00 EVENTO SOCIAL

> QQUUIINNTTAA--FFEEIIRRAA,, 88 DDEE NNOOVVEEMMBBRROO9.00-9.30 ALOCUÇÃO ESPECIAL

Arkalo Abelsen Ministro da Saúde e do Ambiente Gronelândia

Georges Handerson Ministro do Desenvolvimento SustentávelPolinésia Francesa

9.30-10.10 ALOCUÇÃO ESPECIAL

Kemal Dervis PNUD

10.30-13.30 MESAS-REDONDAS

VULNERABILIDADE E ADAPTAÇÃO ÀS ALTERAÇÕES CLIMÁTICASProteger e responsabilizar os mais pobres

BENS PÚBLICOS MUNDIAIS E ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS

POBREZA, AGLOMERADOS HUMANOS E MIGRAÇÕESPromover uma abordagem holística e centrada no homem

MITIGAÇÃO, OPORTUNIDADES E FINANCIAMENTOSColocar as alterações climáticas no centro das estratégias nacionais

14.00-19.00 EVENTOS PARALELOS

19.00 EVENTO SOCIAL

> SSEEXXTTAA--FFEEIIRRAA,, 99 DDEE NNOOVVEEMMBBRROO9.00-11.00 PAINEL: PARCERIAS E GOVERNANÇA

AMBIENTAL MUNDIAL

Moderadora Tumi MakgaboLouis MichelComissário Europeu

Achim Steiner Director Executivo do PNUE

Valentine Sendanyoye RugwabizaDirectora-Geral Adjunta da OMC

Heidemarie Wieczorek-ZeulPresidência do G8

Ousmane Sy Director do Centro de Perícias Políticas e Institucionais em África (CEPIA)

Glenys Kinnock Co-Presidente da AssembleiaParlamentar Paritária UE-ACP

Nuno Ribeiro da Silva Vice-presidente da AIP – Business Europe

Orador a confirmar

11.30-15.00 EVENTOS PARALELOS

15.00-16.00 CERIMÓNIA DE ENCERRAMENTO

James Michel Presidente das Ilhas Seicheles

Luis AmadoMinistro das Relações Externas de Portugal,Presidência da UE

Andrej Ster Secretário de Estado da Eslovénia (próxima presidência)

Bernard KouchnerMinistro do Negócios Estrangeiros da França(próximo país anfitrião)

JJOORRNNAADDAASS DDOO DDEESSEENNVVOOLLVVIIMMEENNTTOO::Clima e desenvolvimento – que alterações?Lisboa, Portugal: 7 a 9 de Novembro de 2007

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Programa provisório

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REPORTAGEM

EtiópiaDOSSIER

Florestas tropicais: oportunidades e riscos

para os países ACPCOMÉRCIO

Falandodos APE…

Jornadas doDesenvolvimento Lisboa, Portugal: 7-9 Novembro 2007Venda proibida

ISSN 1784-6862

C rreioO

A revista das relações e cooperação entre África-Caraíbas-Pacífico e a União Europeia

N° 2 N.E. - SETEMBRO OUTUBRO 2007