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LEITE Cada R$I milhão exportado pela indústria de lácteos aumenta a produção em R$4,8 milhões e gera 70 empregos Brasil no comércio exterior SAMUEL JOSÉ DE MAGALHÃES OLIVEIRA SILVIA HELENA GALVÃO DE MIRANDA O desempenho favorável do setor externo brasileiro proporciona boas notícias: as exportações anuais ultrapassam US$70 bilhões/ano e a relação dívida externa/exportações de- cresce. Este dinamismo conta com o peso do agronegócio: o Brasil mostra ao mun- do competência nas cadeias de soja, carne, açúcar, laranja, dentre outros. Em 2003, o grau de abertura econômica foi de 12%, acima de médias entre 6 e 9% dos últimos cinqüenta anos. Isso significa que o País exporta mais em relação a tudo o que produz. O Brasil está na era da globalização, e isso é um fator positivo para imprimir mais concorrência e dinamismo à eco- nomia brasileira. Em 2003, o Brasil ocupou a mo- desta 25' posição mundial, conside- rando o valor das exportações. Se a participação brasileira ainda é mui- to pequena e passa de um pouco mais de I% das exportações mundiais, e menos do que isso, quando se trata das importações,o perfil das exportações mu- dou ao longo da segunda metade do sé- culo passado: deixaram de ser predomi- nantes os produtos básicos, dando lugar ao manufaturados, com maior valor agregado e sendo mai- ores geradores de riquezas. Em 2000, tais pro- dutos contribu- íram com 59% do valor das ex- portações, e no último triênio, com 54%. ano grau de abertura econômica (%) participação no mercado internacional (%) exportações importações 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2003 8 8 6 9 6 9 12 2.4 1,1 0,9 1,0 0,9 0,9 1,1 Fonte: Unctad, Bacen. O grau de abertura econômica é a razão entre a média das exportações e importações eo PIB { (IMP + EXP)/ (2 x PIB)} Em algumas cadeias do próprio agronegócio, existe a diminuição da ex- portação de produtos com maior valor agregado: o aumento da exportação de soja em grãos e a diminuição da expor- tação de derivados, como o farelo de soja, e também a maior exportação de açúcar na forma bruta são dois exem- plos disso. Embora esse desempenho esteja condicionado pelas políticas co- merciais dos países importadores, os brasileiros devem ser mais ativos, ela- borando políticas e estratégias para au- mentar o valor agregado das exporta- ções e dinamizar setores não-agrícolas importantes, como a indústria da informática e telecomunicações. 1,7 1,2 0,9 1,3 0,6 0,9 0,9 REVISTA DE AGRONEGÓClOS DA FGV • JULHO DE 2004

Cada R$I milhão exportado pela indústria lácteos aumenta a …ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/49324/1/... · 2011-12-23 · Brasil: exportação por fator agregado,

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LEITE

Cada R$I milhão exportado pela indústria de lácteosaumenta a produção em R$4,8 milhões e gera 70 empregos

Brasil no comércio exterior

SAMUEL JOSÉ DE MAGALHÃES OLIVEIRASILVIA HELENA GALVÃO DE MIRANDA

O desempenho favorável do setorexterno brasileiro proporcionaboas notícias: as exportações

anuais ultrapassam US$70 bilhões/ano ea relação dívida externa/exportações de-cresce. Este dinamismo conta com o pesodo agronegócio: o Brasil mostra ao mun-

do competência nas cadeias de soja,carne, açúcar, laranja, dentre outros.

Em 2003, o grau de aberturaeconômica foi de 12%, acima demédias entre 6 e 9% dos últimoscinqüenta anos. Isso significa que oPaís exporta mais em relação atudo o que produz. O Brasil estána era da globalização, e isso é umfator positivo para imprimir maisconcorrência e dinamismo à eco-nomia brasileira.

Em 2003, o Brasil ocupou a mo-desta 25' posição mundial, conside-rando o valor das exportações. Se aparticipação brasileira ainda é mui-to pequena e passa de um poucomais de I% das exportações mundiais, emenos do que isso, quando se trata dasimportações,o perfil das exportações mu-dou ao longo da segunda metade do sé-culo passado: deixaram de ser predomi-nantes os produtos básicos, dando lugarao manufaturados, com maior valor

agregado e sendo mai-ores geradoresde riquezas. Em2000, tais pro-dutos contribu-íram com 59%do valor das ex-portações, e noúltimo triênio,com 54%.

ano grau de aberturaeconômica (%)

participação nomercado internacional (%)

exportações importações

1950196019701980199020002003

88696912

2.4

1,10,91,00,90,91,1

Fonte: Unctad, Bacen.O grau de abertura econômica é a razão entre a média das exportações e importaçõese o PIB { (IMP + EXP)/ (2 x PIB)}

Em algumas cadeias do próprioagronegócio, existe a diminuição da ex-portação de produtos com maior valoragregado: o aumento da exportação desoja em grãos e a diminuição da expor-tação de derivados, como o farelo desoja, e também a maior exportação deaçúcar na forma bruta são dois exem-plos disso. Embora esse desempenhoesteja condicionado pelas políticas co-merciais dos países importadores, osbrasileiros devem ser mais ativos, ela-borando políticas e estratégias para au-mentar o valor agregado das exporta-ções e dinamizar setores não-agrícolasimportantes, como a indústria dainformática e telecomunicações.

1,71,20,91,30,60,90,9

REVISTA DE AGRONEGÓClOS DA FGV • JULHO DE 2004

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Brasil: exportação por fator agregado,valores relativos

4,870

0,02

produção e na geração deempregos.

Em âmbito mundial, aNova Zelândia é destaquetanto no volume quantono aumento observadona produção e na expor-tação, entre 1993 e 2003.Lá, o governo controla acomercialização externado produto por meio domonopólio de exporta-ção. Um exemplo de co-mo a intervenção pública

em um determinado setor pode con-viver com ganhos para o mesmo.

A questão é definir as medidasmais adequadas a serem adotadas pelogoverno e, nesse caso, não existemfórmulas mágicas - o conhecimentotécnico e científico e o diálogo comos agentes sociais do setor lácteo de-vem ser os norteadores. O problemaestá em evitar decisões de governo parasatisfazer a grupos de pressão, e não paraatender à eficiência econômica e ao bem-estar social.

Um problema premente na cadeiaprodutiva do leite serefere à qualidade doproduto, aspecto noqual o Brasil avança,mas ainda há muito aser feito em termosde padrão e aceitaçãointernacionais.A visãoempresarial e a ado-ção de novastecnologias pelo pro-

dutor são imprescindíveis.Outro desafio está nas relações

entre os diversos elos do complexoprodutivo leiteiro.As relações são equ-ânimes? Ocorre imposição de preços?Tal colocação tem uma dimensão téc-nica, pois a máxima eficiência econô-mica exige um ambiente de concor-

básicos semimanufaturados

participação sobre o total exportado (%)

manufaturados

Brasil: impacto das exportações brasileiras nageração de empregos e na produção, no ano 2000

ano

196419701980199020002003

867643302631

8912161515

Fonte: Funcex, IPEA,Bacen

Cada milhão exportado em 2000gerou R$2,1 O milhões em produção ecriou 49 empregos no País. O motivoé fácil de se entender: as exportaçõesde soja, por exemplo, demandam aprodução de soja, mas também deinsumos, máquinas e equipamentospara a lavoura, a prestação de servi-ços e o incentivo a outros setores daeconomia.

Pode-se pensar em algumas cadei-as dinâmicas do agronegócio paraagregar valor às exportações, como,por exemplo, a de laticínios, sem im-

indicador indústria delaticinios

Impacto na produção (R$/ R$)Impacto no emprego (emprego/ R$ milhão)participação na exportação (%)

Fonte: USPI Esolq, Embrapa.

portância expressiva na exportação,participando com irrisórios 0,02% dovalor exportado. No entanto, as suaspequenas exportações causam maiorimpacto relativo na geração de empre-gos e na produção, em comparaçãocom a totalidade dos setores expor-tadores. Cada milhão de reais expor-tado pela indústria delácteos aumenta a pro-dução em R$4,8 milhõese gera 70 empregos.Embora a reduzida ex-portação do setor sugi-ra cautela na interpreta-ção desses resultados,existem evidências deque o crescimento dasexportações de laticíni-os poderia melhorar oimpacto das exporta-ções no aumento da

61545545954

toda aeconomia

2,149100

Mundo: principais paísesprodutores de leite

produção(1.000 t)

país 1993 2003

I Estados Unidos 68.327 77.2522 índia 25.35 I 36.5003 Rússia 46.297 32.8004 Alemanha 28.098 28.3505 França 25.324 24.6146 Brasil 16.074 23.3157 Reino Unido 14.829 15.0568 Nova Zelândia 9.003 14.3549 China 5.265 14.33510 Ucrânia 18.199 13.400Outros 203.399 226.876

Mundo 460.166 506.852

Fonte: FAO

rência (ou, ao menos, o controle dopoder econômico). Os ganhos em pro-dutividade e inovação tecnológica de-vem ser distribuídos em todos os elosda cadeia produtiva e revertidos embenefícios para a sociedade. Estudossão recomendáveis para se esclarecertal realidade nas diversas regiões denosso país. Em se constatando concen-tração de poder em algum elo da ca-deia, os agentes envolvidos devem semobilizar, e o governo tem de garan-tir a livre concorrência.

Se os desafios internos do País sãograndes, no âmbito internacional, a situ-ação não é diferente. O mercado inter-nacional de lácteos sofre intervenção nomundo. A União Européia se destaca,com uma série de mecanismos que in-cluem barreiras à importação, garantiade preços acima do mercado mundial,subsídio ao uso dos derivados lácteosem outros setores produtivos e à ex-portação.

As diversas formas de transferênciade renda ao produtor de leite superam

40 bilhões de euros naUE. O subsídio já somou59% da renda total da ati-vidade leiteira, no finaldos anos 80. Algumasmudanças introduzi dasna Política Agrícola Co-mum diminuíram o valorpara menos de 50%, nosúltimos anos. Mesmo as-sim, o preço do leite équase o dobro do queseria na ausência de taismedidas protecionistas.

indicador

União Européia: subsídios a produtos lácteos

1986-88

43.935

592,7

período

2001

I transferências2 transferências/receitada propriedade(%)3 distorção de preço ao consumidor

Fonte: OECDNotos sobre os indicadores: I Total das transferências aos produtores rurais da Comunidade Européia emmilhões de euros; 2 Indica a parcela da renda da propriedade que provém de todas as formas de transfe-rência governomental; 3 Uma aproximação de quantas vezes o preço ao consumidor está acima do preçodo mercodo internacional.

JULHO DE 2004 • REVISTA DE AGRONEGÓClOS DA FGV

46.147461,82

16

2002 2003

43.986481,84

42.273491,87

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Comércio internacional deleite e derivados: principais

países exportadores

exportação(US$ 1.000.000)

país 1993 2003

I) França 3.873 3.7132) Alemanha 4.705 3.5493) Holanda 4.338 3.0734) Nova Zelândia 1.490 2.5935) Bélgica-Luxemburgo 1.858 1.8496) Austrália 626 1.5797) Dinamarca 1.292 1.3588) Irlanda 1.874 1.0059) Itália 672 99310) Reino Unido 893 819Outros 3.297 6.118

Brasil 10 40

Mundo 24.928 26.689

Fonte: FAD.

o momento atual é muito oportu-no para se discutir tais questões. O Bra-sil, por intermédio do Mercosul, nego-cia acordo comercial com a UE. Umacordo bem-sucedido pode trazer fru-tos para o agronegócio e as exporta-ções brasileiras.

Em suma, se as exportações são im-portantes para impulsionar o cresci-mento econômico brasileiro,a busca dediversificação e alternativas sempre éválida, quando estas são discutidas coma sociedade e os segmentos envolvidos.Por que não discutir a contribuição doagronegócio do leite? A cadeia demons-tra capacidade de mudanças e moder-nização, pela realocação de espaço, es-cala de produção e ganhos de eficiên-cia, preços e qualidade. Será este ummomento para transformar esta bem-sucedida trajetória no mercado do-méstico em oportunidade de negóciono âmbito internacional? •

SAMUEL JOSÉ DE MAGALHÃESOLIVEIRA é engenheiro agrônomo, MSc.Adm. Rural, Pesquisador da Embrapa, Douto-rando em Economia Aplicada USP/ Esalq. E-mail: [email protected].

SILVIA HELENA GALVÃO DE MI-RANDA é engenheira agrônoma, Doutora em

Economia Aplicada - ESALQ/USP, Bolsista daPRODOC-CAPES/LES-ESALQ, Coordenadora doGrupo de Estudos em Comércio Internacional -ESALQ/USP, Pesquisadora e Colaboradora doCentro de Estudos em Economia Aplicada -CEPEA/ESALQ. E-mail: [email protected].

Organização Mundial de Saúde (OMS), queestabelece o consumo mínimo necessáriode leite em 180 litros per capita por ano.O restante da população chinesa toma ain-da menos leite - 8 litros per capita por ano.Concorrem com o Brasil para o forneci-mento de leite à China países como Esta-dos Unidos, Argentina, Uruguai e NovaZelândia, além da União Européia. "É umprocesso de médio ou longo prazo, mas jáiniciamos as primeiras conversações comos chineses", adianta Alvim.

Em um futuro breve, haverá uma de-manda por leite na China calculada em 42bilhões de litros por ano, levando-se emconta somente as necessidades dos 300milhões de consumidores chineses, deacordo com estudos da CNA. Esse totalcorresponde a 30% da produção européia,à metade da dos Estados Unidos e a duasvezes a produção do Brasil, que é o quintomaior produtor de leite do mundo. Paraconcorrer em novos mercados, o País pre-cisa aumentar ainda mais sua produção, quehoje cresce ao ritmo de 3% a 4% ao ano.Para isso, será necessário aproveitar me-lhor as pastagens atualmente sub-utiliza-das e tornar produtivos os cerca de 90 mi-lhões de hectares ideais para a pecuáriade leite,ainda não utilizados no centro-oes-te. Também faz falta a adoção em larga es-cala de técnicas mais modernas de produ-ção. "Estamos trabalhando nessas questõesem seminários por todo o Brasil", dizAlvim.

Além da China, o Brasil pretende con-quistar outros mercados, entrando com di-namismo nos Estados Unidos, no nicho deleite comercializado em sachês, bastantepopular entre os americanos. Outro seg-mento promissor é o do leite em pó. AItambé acabou de ganhar uma concorrên-cia da Organização das Nações Unidas paraAgricultura e Alimentação (FAO) para avenda leite em pó, que será distribuído noIraque e em outros países em crise. O Bra-sil já exporta leite em pó para o próprioIraque, além do Chile e de Angola, entre ou-tros países. O leite condensado e evaporadovai principalmente para Estados Unidos, An-gola, Trinidad e Tobago e Venezuela.

Vendas externas batem recordeCARLA ARANHADo AgroPauta

O,ados divulgados pela Comissão Na-cional de Pecuária de Leite da CNA

(Confederação de Agricultura e Pecuáriado Brasil) indicam que as exportações delácteos aumentaram 61% entre janeiro emaio deste ano, em relação ao mesmo pe-ríodo de 2003, atingindo 17,6 mil tonela-das. A receita cresceu ainda mais: 107%,somando US$23,8 milhões.

"Passamos a vender mais produtos indus-trializados, e não tanto commodities", expli-ca Rodrigo Alvim, presidente da ComissãoNacional de Pecuária de Leite da CNA. OBrasil está exportando mais leite condensado,leite em pó e leite evaporado. Este ano, a pro-dução nacional deve chegar a 23,5 bilhões delitros,4% maior do que a de 2003, represen-tando um faturamento de R$I 0,8 bilhões em2004, em comparação com R$10,4 bilhões,no ano passado.

"Pela primeira vez, o Brasil deverá tervolumes maiores de exportação do que deimportação de leite", afirma Sérgio Avellar,assessor econômico da Federação da Agri-cultura e Pecuária de Minas Gerais(FAEMG), Estado que responde por 30%da produção nacional.

Mas, por enquanto, o produtor nacionalnão está sendo beneficiado pelo aumento dasexportações.Apenas 40% dos produtores es-tão organizados em cooperativas. A maioriaabsoluta não tem, portanto, grande poder denegociação junto à indústria. Hoje, o preçoreal médio pago pelas indústrias ao produ-tor é de R$0,47 por litro, valor cerca de14% menor do que o registrado em 2003.Enquanto isso, o consumidor está gastan-do mais para comprar leite - o produtolonga vida teve aumento de 20% nos su-permercados de São Paulo e Minas Gerais.O setor pretende se reunir em breve paradiscutir essas distorções e propor novassoluções para a cadeia láctea no Brasil.

Novos mercados: o Brasil pretende ex-plorar novos mercados, como a China, onde,segundo levantamento do CNA, existe umagrande demanda reprimida pelo produto. Dapopulação de 1,3 bilhão de pessoas, na Chi-na,apenas 300 milhões (aqueles que têm aces-so aos bens de consumo) consomem 50 li-tros per capita por ano - ainda assim, esta éuma quantidade considerada muito baixa pela

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Onde saber mais: www.cna.org.br;www.agropauta.com.br

REVISTA DE AGRONEGÓClOS DA FGV • JULHO DE 2004