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2094 Anais do 47º Congresso Brasileiro de Cerâmica Proceedings of the 47 th Annual Meeting of the Brazilian Ceramic Society 15-18/junho/2003 – João Pessoa - PB - Brasil CADEIA DE TRANSFORMAÇÕES CRISTALOQUÍMICAS DE MINERAIS NATURAIS EM CIMENTO PORTLAND E CONCRETO S. L. Centurione; M. Pecchio; V. Maringolo Av. Torres de Oliveira, 76 – Jaguaré – São Paulo – SP – 05347.902 e.mail: [email protected] Associação Brasileira de Cimento Portland – ABCP RESUMO Importante material de uso generalizado na indústria da construção civil, o concreto é o último elo da cadeia que o liga retroativamente ao seu constituinte básico, o cimento Portland, composto por clínquer Portland e adições ativas. O clínquer, por sua vez, remete às matérias-primas naturais, formadas por rochas calcárias e argilosas, entre outras. A mistura das matérias-primas devidamente dosadas e moídas, submetidas a condições termodinâmicas específicas modifica os minerais naturais, principalmente calcita, dolomita, quartzo, feldspatos, micas, hematita e argilominerais, dando origem aos minerais do clínquer – alita, belita, C 3 A e C 4 AF – metaestáveis. A hidratação desses componentes presentes no cimento Portland produz uma terceira assembléia mineralógica composta pelos produtos hidratados do concreto, como portlandita, etringita e C-S-H. Este trabalho ilustra através das técnicas de microscopia eletrônica de varredura e óptica e difratometria de raios X, as transformações cristaloquímicas observadas neste sistema. Considerações acerca dos processos de transformação serão apresentadas.

CADEIA DE TRANSFORMAÇÕES CRISTALOQUÍMICAS DE MINERAIS …  · Web view2015-03-30 · Title: CADEIA DE TRANSFORMAÇÕES CRISTALOQUÍMICAS DE MINERAIS NATURAIS EM CIMENTO PORTLAND

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2094Anais do 47º Congresso Brasileiro de CerâmicaProceedings of the 47th Annual Meeting of the Brazilian Ceramic Society

15-18/junho/2003 – João Pessoa - PB - Brasil

CADEIA DE TRANSFORMAÇÕES CRISTALOQUÍMICAS DE MINERAIS NATURAIS EM CIMENTO PORTLAND E CONCRETO

S. L. Centurione; M. Pecchio; V. MaringoloAv. Torres de Oliveira, 76 – Jaguaré – São Paulo – SP – 05347.902

e.mail: [email protected]ção Brasileira de Cimento Portland – ABCP

RESUMO

Importante material de uso generalizado na indústria da construção civil, o

concreto é o último elo da cadeia que o liga retroativamente ao seu constituinte

básico, o cimento Portland, composto por clínquer Portland e adições ativas. O

clínquer, por sua vez, remete às matérias-primas naturais, formadas por rochas

calcárias e argilosas, entre outras. A mistura das matérias-primas devidamente

dosadas e moídas, submetidas a condições termodinâmicas específicas modifica os

minerais naturais, principalmente calcita, dolomita, quartzo, feldspatos, micas,

hematita e argilominerais, dando origem aos minerais do clínquer – alita, belita, C3A

e C4AF – metaestáveis. A hidratação desses componentes presentes no cimento

Portland produz uma terceira assembléia mineralógica composta pelos produtos

hidratados do concreto, como portlandita, etringita e C-S-H. Este trabalho ilustra

através das técnicas de microscopia eletrônica de varredura e óptica e difratometria

de raios X, as transformações cristaloquímicas observadas neste sistema.

Considerações acerca dos processos de transformação serão apresentadas.

Palavras-chave: Cimento Portland; matérias-primas; produtos de hidratação.

INTRODUÇÃO

A mistura de minerais naturais encontrados em rochas carbonáticas e

argilosas, devidamente dosadas, moídas e homogeneizadas transforma-se, após

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processo industrial de sinterização, em material granulado constituído principalmente

de silicatos, aluminatos e ferroaluminatos cálcicos – o clínquer Portland.

Esse produto é a matéria-prima do cimento Portland, o aglomerante hidráulico

obtido pela moagem do clínquer em conjunto com uma ou mais formas de sulfato de

cálcio, genericamente chamado de gesso. O teor de gesso em cimentos Portland

comuns (clínquer + gesso) é da ordem de 3% a 5%, em massa.

O cimento Portland é o produto básico para a obtenção do concreto. Durante o

processo de hidratação do cimento, os componentes mineralógicos do clínquer

Portland reagem em presença de água para dar origem aos chamados produtos de

hidratação, os quais, através do entrelaçamento de suas estruturas, conferem

resistência e tenacidade ao produto final (pasta, argamassa ou concreto).

No presente trabalho objetiva-se ilustrar as transformações mineralógicas que

ocorrem nas etapas de fabricação e posterior hidratação do cimento portland, sendo

apresentados resultados de análises químicas e mineralógicas de farinha, clínquer,

cimento e pasta endurecida, bem como ilustrações das principais fases

mineralógicas envolvidas nessas etapas.

Na primeira etapa dessa cadeia de transformações mineralógicas, fases

minerais abundantes na natureza – calcita (CaCO3), dolomita {CaMg(CO3)2}, quartzo

(SiO2), plagioclásio {(NaAℓSi3O8)-(CaAℓ2Si2O8)}, biotita {K(Mg,Fe)3(AℓSi3O10)(OH)2},

muscovita {KAℓ2(AℓSi3O10)(OH)2}, caulinita {Aℓ4(Si4O10)(OH)8}, hematita (Fe2O3), entre

outras – são transformadas em minerais metaestáveis, cujos campos de estabilidade

envolvem normalmente temperaturas superiores a 1000ºC, representados pelos

silicatos cálcicos (alita – Ca3SiO5 e belita – Ca2SiO4) e pelos aluminatos e ferro-

aluminatos cálcicos (C3A – Ca3Aℓ2O6 e C4AF – Ca4Aℓ2Fe2O10). A figura 1 ilustra as

principais transformações observadas no processo de sinterização do clínquer

Portland.

É importante salientar que o controle das matérias-primas durante o processo

industrial se dá fundamentalmente através de módulos químicos empiricamente

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criados ao longo de décadas da evolução da indústria cimenteira, de modo a manter

o mais constante possível o quimismo da farinha e a homogeneidade do clínquer.

Dentre eles, os mais usuais são o Fator de Saturação de Cal (FSC), o Módulo de

Sílica (MS) e o Módulo de Alumina (MA):

(A)

(B)

(C)

Cal livre

Quartzo

CaCO3

CO2

Alita

Líquido

Cristobalita

C12A7

Minerais de argila

Fe2O3H2O

C2(A,F) C4AF

C3A Líquido C3A + C4AF

Clín

quer

Farin

ha

Prop

orçã

o e

m m

assa

0 200 400 600 800 1000 1200 1400Temperatura [ºC]

Quartzo

Belita

Cal livre

Quartzo

CaCO3

CO2

Alita

Líquido

Cristobalita

C12A7

Minerais de argila

Fe2O3H2O

C2(A,F) C4AF

C3A Líquido C3A + C4AF

Clín

quer

Farin

ha

Prop

orçã

o e

m m

assa

0 200 400 600 800 1000 1200 1400Temperatura [ºC]

Quartzo

Belita

Figura 1 – Seqüência de reações durante a fabricação do clínquer(1)

O processo de hidratação do cimento Portland, última etapa dessa cadeia,

compreende a estabilização dos minerais do clínquer, através da hidratação,

gerando uma assembléia mineralógica distinta, constituída predominantemente por

fases de baixa cristalinidade, como o C-S-H (proporções variáveis de CaO, SiO2 e

H2O), etringita (Ca3Aℓ2O6.3CaSO4.32H2O) e portlandita {Ca(OH)2}. A figura 2

representa a evolução das fases hidratadas do cimento em relação ao tempo de

hidratação.

2097Anais do 47º Congresso Brasileiro de CerâmicaProceedings of the 47th Annual Meeting of the Brazilian Ceramic Society

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Figura 2 – Evolução das fases hidratadas e da porosidade da pasta de cimento(2)

MATERIAIS E MÉTODOS

Para determinação de variações químicas e mineralógicas nas etapas de

fabricação e hidratação do cimento, foram analisadas amostras de materiais

envolvidos na cadeia de transformações cristaloquímicas em estudo.

Materiais analisados:Farinha: coletada amostra de farinha industrial em fábrica nacional.Clínquer: obtido em laboratório, por queima a 1450ºC da farinha em forno de alta temperatura, estático, por 30 min. conforme procedimento descrito em(3).Cimento: obtido pela moagem em moinho de disco durante 5 minutos de uma mistura contendo 95% do clínquer de laboratório e 5% de gipsita natural.Pasta endurecida: procedeu-se a hidratação do cimento (relação em peso de água/cimento de 0,50%). A mistura, após 24 horas de cura, foi imersa em água e mantida por mais 144 horas, totalizando 168 horas (7 dias) de cura.

Instrumentação utilizada:

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Espectrômetro de raios X – marca Rigaku, modelo RIX 2000, equipado com goniômetro de varredura vertical e tubo de ródio de 3kw de potência. O método utilizado foi o de pastilhas fundidas;Difratômetro de raios X – marca Rigaku, modelo Geigerflex, equipado com goniômetro de varredura horizontal e tubo de cobre de 1,5kw de potência. O método utilizado foi o do pó, com o uso de lâminas vazadas de alumínio;Microscópio eletrônico de varredura – marca Jeol, modelo JSM T 300, com ampliação máxima de 200.000 vezes e resolução de 6nm. Foram utilizados detectores para elétrons secundários;Forno mufla de alta temperatura – marca Netzsch, modelo 417/1, com temperatura máxima de 1700ºC.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A figura 3 apresenta um esquema simplificado das transformações

mineralógicas que se processam na cadeia de reações que dá origem ao concreto.

Figura 3 – Esquema das assembléias mineralógicas da cadeia de transformações cristaloquímicas de minerais naturais em cimento e concreto

Nos estudos desenvolvidos em laboratório para avaliação das composições

químicas e mineralógicas dos componentes da cadeia de transformações em pauta,

foram desconsideradas as eventuais adições ativas (escórias de alto-forno e

pozolanas) e filer calcário do cimento, bem como os agregados e prováveis aditivos

do concreto. Assim, o cimento estudado é um CP I (clínquer + gesso) e o concreto,

uma pasta endurecida (cimento + água).

CALCÁRIO GESSO(+) moagem (+) AREIA

ARGILA FARINHA CLÍNQUER moagem(+) homogeneização (+) CIMENTO

MINÉRIO DE FERRO ADIÇÕES ATIVAS homogeneização CONCRETO(+) BRITA água

FILER CALCÁRIOADITIVOS

MINERAIS NATURAIS ESTÁVEIS DAS MATÉRIAS-PRIMAS: Calcita; Quartzo; Dolomita;

Feldspatos; Micas; Hematita; Argilominerais, Anfibólios, Piroxênios etc.

MINERAIS ARTIFICIAIS METAESTÁVEIS DO CLÍNQUER: Alita, Belita, C3A, C4AF etc.

MINERAIS NATURAIS DO GESSO (Anidrita, Gipsita, Bassanita)

MINERAIS ARTIFICIAIS ESTÁVEIS (PRODUTOS DE HIDRATAÇÃO): C-S-H, Etringita, portlandita etc.

1450oC

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A figura 4 ilustra as curvas difratométricas de raios X obtidas com a farinha, o

clínquer laboratorial, o cimento e a pasta endurecida após 7 dias de cura.

Farinha

Clínquer

Cimento

Pasta

C

M

E

A

A

Q

D

K

E G D

R

D

K

C

C

C

C C

D D D

Q

Q M F F K M

A B

A B

A B

E A

A

A

A

A

A

A

A B

L P

A

A

A

A

A

A

A

A

A

A B

A B

A B

A B

E

R L P

G

G

S

R

R

P

A B C A

B

A

A B

S

LEGENDA

C – CalcitaQ – QuartzoD – DolomitaM – MicaK – CaulinitaF – Feldspato

A – AlitaB – BelitaD – C3AE – C4AFP – PericlásioL – Cal livre

G – Gipsita

R – PortlanditaS – Monosulfo-

aluminato Ca

Figura 4 – Curvas difratométricas de raios X

Verifica-se uma completa modificação das fases mineralógicas da farinha após

o processo de clinquerização. Nessa etapa, nenhum vestígio dos minerais iniciais se

observa no produto. Por sua vez, o cimento difere do clínquer apenas pela

ocorrência de gipsita usada como controlador de pega. Nota-se a ocorrência

incipiente de portlandita no cimento, decorrente da pré-hidratação parcial da cal livre.

A diversidade entre a assembléia mineralógica do cimento e da pasta

endurecida é significativa, porém, não absoluta. Isso se explica pelo fato de que a

granulometria do cimento não possibilita uma hidratação completa de suas

partículas, as quais reagem com a água da superfície para o centro, resultando

grãos parcialmente anidros do cimento. O monosulfoaluminato de cálcio ocorre em

lugar da etringita na pasta. O C-S-H muitas vezes não pode ser caracterizado

devidamente, dada a sua baixa cristalinidade.

2100Anais do 47º Congresso Brasileiro de CerâmicaProceedings of the 47th Annual Meeting of the Brazilian Ceramic Society

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A figura 5 ilustra feições tridimensionais do clínquer e da pasta endurecida de

cimento, obtidas por microscopia eletrônica de varredura (MEV) e fotografias de

farinha e cimento obtidas ao microscópio óptico (MO).

Figura 5 – Fotomicrografias: A) farinha observada ao microscópio óptico (MO), nícois cruzados, ilustrando grãos de quartzo (claros), calcita (romboédros) e hematita (opacos); B) clínquer ao microscópio eletrônico de varredura (MEV), onde se verificam cristais de alita (maiores) e belita (arredondados); C) cimento (MO), com nícois cruzados evidenciando grãos moídos de clínquer; D) pasta endurecida (MEV), verificando-se a estrutura do C-S-H (material fibroso com aspecto alveolar) e portlandita (mineral placóide).

Algumas características dos principais os minerais constituintes da farinha

são apresentadas a seguir(4):

Calcita: Carbonato de cálcio, sistema hexagonal, hábito variável, com predomínio do

romboédrico. Apresenta dureza 3 na escala de Mohs e densidade 2,72.

Quartzo: Tectossilicato formado por tetraedros SiO4 ligados em uma estrutura

tridimensional, hexagonal – (SiO2). Apresenta dureza 7 na escala de Mohs e

densidade 2,65.

A

CD

B

2101Anais do 47º Congresso Brasileiro de CerâmicaProceedings of the 47th Annual Meeting of the Brazilian Ceramic Society

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Caulinita: Filossilicato de alumínio hidratado – {Aℓ4(Si4O10)}. Sistema monoclínico,

clivagem perfeita {001}. Dureza (Mohs) aproximadamente 2,0 a 2,5 e densidade de

2,60-2,63.

Hematita: Óxido de ferro – (Fe2O3), sistema hexagonal, dureza na escala de Mohs

variando entre 5,5 a 6,5 e densidade de 5,26.

Os componentes principais do clínquer Portland são minerais metaestáveis,

altamente reativos com água, e apresentam as seguintes características

cristalográficas(5):

Alita: Nesossilicato sintético, definido por tetraedros independentes de SiO4, unidos

por íons cálcio, entre outros (solução sólida). Apresenta sete formas polimórficas,

sendo três triclínicas (T1, T2, T3), três monoclínicas (M1, M2, M3) e uma trigonal (R),

sendo as formas M1 e M3 as mais comuns (dependendo das concentrações de

elementos menores). Densidade média: 3,28.

Belita: A estrutura básica da belita é similar à da alita. As formas polimórficas são

(trigonal), ’ (ortorrômbico), (monoclínico) e (ortorrômbico), sendo a a mais

comum em clínqueres industriais. Densidade média: 3,20.

C3A: A estrutura básica admite o arranjo de seis tetraedros de AℓO4 formando um

anel Aℓ6O18. Formam-se vazios entre os anéis, preenchidos por íons Ca e

secundariamente, outros elementos menores. Dependendo do conteúdo de sódio e

potássio, apresenta-se cúbico (poucos álcalis), monoclínico e ortorrômbico (mais rico

em álcalis). Densidade média: 3,04.

C4AF: Trata-se de uma solução sólida contínua entre os extremos C2F e C2A, sendo

a proporção C4AF a mais comum. Todos os membros desta série apresentam

simetria ortorrômbica (pseudo-tetragonal). Densidade média: 3,77.

Dos produtos de hidratação do cimento, o C-S-H, a etringita e a portlandita são

os mais importantes. Suas características principais são apresentadas a seguir(6):

2102Anais do 47º Congresso Brasileiro de CerâmicaProceedings of the 47th Annual Meeting of the Brazilian Ceramic Society

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C-S-H: O silicato de cálcio hidratado responde por 50% a 60% do volume de sólidos

de uma pasta de cimento completamente hidratado. O fato do C-S-H ser hifenizado

significa que não é um composto bem definido, com relação CaO/SiO2 variando

entre 1,5 e 2,0 e teor de água estrutural variando ainda mais. A morfologia varia de

fibras com baixa cristalinidade a um reticulado cristalizado. Seu arranjo atômico

ainda não foi totalmente definido.

Etringita: Esse mineral é um trissulfoaluminato de cálcio (formas prismáticas

aciculares) que, com o tempo, se transforma em outros sulfoaluminatos, como o

mono-sulfoaluminato de cálcio (placas hexagonais). Os sulfoaluminatos

correspondem a cerca de 15% a 20% do volume de sólidos da pasta.

Portlandita: O hidróxido de cálcio constitui de 20 a 25% do volume de sólidos na

pasta hidratada, sendo cristais prismáticos hexagonais distintos. A morfologia é

afetada pelo espaço disponível, temperatura de hidratação e pela presença de

impurezas no sistema.

No tocante à avaliação química dos componentes da cadeia de transformações

abordada nesse trabalho, a tabela 1 resume os resultados das análises efetuadas.

TABELA 1 – Análise química e módulos químicos das amostras

Composição QuímicaTeor (% em massa)

farinha clínquer cimento pastaÓxido de cálcio CaO 38,56 65,20 63,12 51,94Dióxido de silício SiO2 11,86 19,97 19,16 15,71Óxido de alumínio Al2O3 2,78 4,41 3,94 3,18Óxido de ferro Fe2O3 1,91 3,22 3,08 2,53Anidrido sulfúrico SO3 0,18 0,00 1,98 1,76Óxido de magnésio MgO 3,66 6,21 5,85 4,83Óxido de potássio K2O 0,49 0,29 0,55 0,38Óxido de sódio Na2O 0,08 0,11 0,08 0,07Óxido de titânio TiO2 0,15 0,25 0,24 0,20Óxido de estrôncio SrO 0,08 0,13 0,14 0,11Anidrido fosfórico P2O5 0,03 0,05 0,05 0,04Óxido de manganês MnO 0,04 0,07 0,07 0,05Perda ao fogo PF 39,91(i) 0,45(ii) 1,77(iii) 19,22(iv)

Total 99,74 100,36 100,01 100,02

2103Anais do 47º Congresso Brasileiro de CerâmicaProceedings of the 47th Annual Meeting of the Brazilian Ceramic Society

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MÓDULOS (*)

FSC 102,05 102,99 104,54 105,04MS 2,53 2,62 2,73 2,75MA 1,45 1,37 1,28 1,26

(i) decorrente da liberação de CO2 pelos carbonatos, água livre e adsorvida dos argilominerais e umidade(ii) valor desprezível, associado à umidade superficial dos grãos(iii) a perda ao fogo do cimento decorre essencialmente da desidratação do gesso adicionado(iv) decorre da perda de água livre e de cristalização.

Contrariamente às variações mineralógicas observadas nas etapas de

transformação de matérias-primas em clínquer e cimento e desse em pasta

endurecida, as composições químicas apresentam mudanças pouco expressivas, se

for desprezada a perda ao fogo. Assim, verifica-se que os módulos químicos

apresentam variações insignificantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cálcio, silício, alumínio e ferro são elementos comuns formadores de minerais

naturais, o que vale também para a maior parte dos minerais sintéticos industriais,

uma vez que são gerados a partir daqueles.

Os processos industriais “imitam”, em escala infinitamente mais rápida,

processos geológicos de nível crustal e outros superficiais, intempéricos. Calcário,

argila e minério de ferro passam por transformações físicas e químicas para dar

origem ao clínquer e cimento portland e, finalmente, à pasta endurecida.

Nesta cadeia de transformações apresentadas, as moagens do pacote de

matérias-primas para originar a farinha, e do pacote de clínquer e adições para

produzir o cimento, são ambas processos puramente físicos, os materiais são

reduzidos mecanicamente a uma granulometria pequena para o fim ao qual se

destinam, sem alteração de suas propriedades físico-químicas.

Já a passagem da farinha pelo forno e o endurecimento do cimento são

processos que agem química e estruturalmente nos componentes, com

transformações composicionais intensas, dando origem a novos compostos,

pertencentes a sistemas cristalinos distintos.

2104Anais do 47º Congresso Brasileiro de CerâmicaProceedings of the 47th Annual Meeting of the Brazilian Ceramic Society

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O aporte térmico no forno provoca a descarbonatação do calcário e a

desestruturação dos argilominerais “liberando” os quatro elementos principais (Ca,

Si, Aℓ e Fe) que se recombinam ao longo do perfil de temperaturas do forno rotativo,

sob pressão negativa e ambiente oxidante e alcalino, sinterizando os componentes

formadores do clínquer portland, alita, belita, C3A e C4AF, que são estáveis nessas

condições. A partir do momento que deixam o forno, esses minerais sintéticos

encontram-se em estado metaestável às condições ambientes.

A avidez do cimento por água está relacionada à necessidade dos

componentes do clínquer de atingir seu campo de estabilidade sob as novas

condições reinantes, e em função desta necessidade, os elementos químicos, agora

contando também com a molécula de água, se rearranjam em novos sistemas

cristalinos, conferindo ao cimento sua rigidez, a propriedade reológica principal

requerida do produto.

A hidratação do cimento representa, em termos, a transformação final desta

cadeia. No entanto, a pasta endurecida de cimento sofre ação dos agentes

intempéricos como percolação de água, umidade e temperatura, assim como rochas

aparentemente sãs que não se encontram sob condições de estabilidade, já que

foram formadas em profundidade, sob condições diversas, e sofrem ação desses

mesmos agentes físico-químicos de superfície. Sendo assim, o concreto à base de

cimento encontra-se em contínua transformação e sua durabilidade é longa no

contexto de uma obra, porém limitada no contexto histórico.

Cálcio, silício, alumínio e ferro apresentam afinidades químicas com a maior

parte dos elementos químicos da tabela periódica, o que permite que na estrutura

cristalina dos componentes do clínquer haja substituição pelos outros elementos

formadores dos minerais naturais provenientes das matérias-primas.

A cadeia de transformações envolvidas na produção de cimento exemplifica a

lei de Lavoisier de que na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.

2105Anais do 47º Congresso Brasileiro de CerâmicaProceedings of the 47th Annual Meeting of the Brazilian Ceramic Society

15-18/junho/2003 – João Pessoa - PB - Brasil

REFERÊNCIAS

1. A. Wolter, Zement-Kalk-Gips, Wiesbaden vol.38 (1985), pp. 612-614.2. F. W. Locher, W. Richarts, S. Sprung, Zement-Kalk-Gips, Wiesbaden, vol.29

(1976), pp.257-261.3. S. L. Centurione, Dissertação de Mestrado – Instituto de Geociências da USP

(1993), p.155.4. C. Klein, C. S. Hurlbut Jr. – Manual of mineralogy, John Wiley & Sons Ed.,

1999.5. H. F. W. Taylor, Cement Chemistry, Thomas Telford Services Ltd., London

(1998), p.459.6. P. K. Mehta, P. J. M. Monteiro, Concreto – Estrutura, Propriedades e Materiais,

Editora Pini Ltda., São Paulo (1994), p. 573.

CHAIN OF CRYSTALLOCHEMICAL TRANSFORMATIONS OF NATURAL MINERALS INTO CEMENT AND CONCRETE

ABSTRACT

An important product, of general use in the civil construction industry, concrete

is the last end of a chain linked back to its basic constituent, Portland cement,

composed of Portland clinker and additions. Clinker on the other hand relates to the

natural raw materials used in its manufacturing: limestone and clay rocks, among

others. The raw materials, appropriately dosed, ground and mixed, are submitted to

specific thermodynamic conditions that modifies the natural minerals, mostly calcite,

dolomite, quartz, feldspars, micas, hematite and clay minerals, giving rise to the

metastable clinker components – alite, belite, C3A and C4AF. Hydration of these

compounds present in Portland cement produces a third mineral assembly

composed of hydrated concrete components, like portlandite, ettringite and C-S-H.

The present work illustrates through scanning microscopy and X-ray diffratometry the

crystallochemical transformations observed in this system. Considerations upon the

processes are drawn.

Key-words: Portland cement, raw materials, hydration products