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“A característica central da

cultura global é hoje a política

do esforço mútuo da mesmice e

da diferença para se

canibalizarem uma à outra.”

João de Jesus Paes Loureiro, no debateDiversidade Cultural, Globalização ePluralismo

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“e agora, você?”

“não veio a utopiae tudo acabou”

Caiu o muro de Berlim. A URSS desapareceu. Acabou o

mundo bipolar que caracterizou o pós-guerra. Altera-se a

geopolítica global. Novas tensões internacionais. O mundo

se organiza em blocos. O capitalismo passa por um processo

de reestruturação caracterizado por crescente flexibilidade

gerencial, descentralização e estabelecimento de redes,

constituindo um sistema interdependente que funciona em

tempo real. Forças produtivas incomensuráveis são

mobilizadas, mas se desenvolvem de forma irregular e

assimétrica, gerando áreas de dinamismo e de miséria.

Como enfrentar a ameaça de se tornar irrelevante, do ponto

de vista da lógica desse novo sistema? O papel da articulação

institucional — local, regional, internacional. A acessibilidade

ao bem cultural. A gestão das artes e da cultura. O

planejamento estratégico. A sustentabilidade. As redes.

Avaliação e monitoramento.

Novas Configurações do Mundo: O Impactosobre a Gestão e Administração da Cultura

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De um lado, entendemos a globalização como sendo a era

da homogeneização cultural. De outro lado,

simultaneamente, temos uma tendência a considerar a

globalização como uma era de enorme diversidade cultural.”

Acho que somos obrigados a pensar sobre a ligação

conceitual e real entre a homogeneização e a diversificação.

Uma das manifestações da transformação da cultura na era

da globalização é a codificação/decodificação de todo o

conflito político e social em termos culturais.

(...) Acredito que um dos problemas de se conceber todo o

conflito político e social em termos culturais, e de conceber

a solução como sendo a tolerância, seria evitar um antigo

tema filosófico, um que talvez seja ainda mais fundamental,

mais importante que a tolerância, que é a justiça.

Porque se o multiculturalismo, de certo modo, for a lógica,

em um determinado nível, do próprio mercado, a promoção

de diferenças e a diferenciação de diferentes grupos que

devem se distinguir, de modo a vender a sua cidade, de

modo a vender o seu país, como um lugar desejável para

se fazer negócios, então, nós talvez devêssemos pensar

em uma concepção alternativa da cultura, um

multiculturalismo que se distanciasse e, talvez, nos

permitisse criticar aquelas dinâmicas.

Gopal Barikrishnan, no debate O Papel daCultura e das Artes nos Programas deDesenvolvimento

Vemos que o processo de mundialização da cultura em que

vivemos, pelo menos desde a última década, complica a

matriz que inscreve a cultura na dicotomia autóctone versus

alienígena ou interno versus externo. As desigualdades

internas fazem com que a dicotomia não seja mais esta,

mas aquela que resulta de diferentes públicos e produtores

de cultura dentro do nosso próprio país. É o caso da televisão

(brasileira), especialmente das telenovelas, e da indústria

fonográfica, que são fortemente dominadas pela produção

nacional que é até produto de exportação. Então, as coisas

são mais complicadas, não são assim tão simples.

Âmbar de Oliveira Barros, no debate OPapel da Cultura e das Artes em Programasde Desenvolvimento

“Pensar sobre a ligação conceitual e real entre a homogeneização

e a diversificação”

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Poderão os países emergentes afirmar-secomo produtores e não meros

consumidores de bens criativos?

Poderemos propor alianças globais comcontrapartidas referenciadas na

diversidade cultural?

Existe um diálogo possível entre excluídose incluídos, entre Norte e Sul?

É possível a sustentabilidade cultural eambiental?

O modelo econômico vigente funcionacomo modelo social e cultural?

Como lidar com o enfraquecimento doEstado, menor capacidade de governar e

mecanismos reguladores fragilizados?

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Laurent Heau, no debate DiversidadeCultural, Globalização e Pluralismo

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(...) Eu gostaria de iniciar minha abordagem lembrando um

axioma quase muito caro à antropologia, mas muito familiar,

que é aquele segundo o qual a cultura é filha da agricultura.

Ou seja, a humanidade saiu do neolítico e conseguiu

desenvolver suas linguagens, seus sistemas de signos a

partir da fixação e da exploração da terra, do controle dos

ciclos do ano, ciclo das estações, enfim, a busca do controle

da natureza para a produção agrícola. Tirou o homem do

nomadismo, colocou no sedentarismo e com isso pôde

progressivamente desenvolver instrumentos e com eles os

sistemas de código para uso no trabalho cooperado entre

os homens. E assim nasceu a cultura e os processos

civilizatórios em geral.

De maneira correlata, eu diria que como a cultura é filha da

agricultura, a cidade é filha do comércio. Isso parece um

pouco estranho, mas para aqueles que se debruçam sobre

o tema é mais ou menos óbvio. Quer dizer, as cidades

nasceram sempre como entrepostos ou, no mínimo, pontos

de controle ou de armazenamento do excedente de grãos

para os períodos de entressafra e posteriormente a troca de

excedentes entre uma área e outra. Portanto, as cidades já

nasceram com essa função voltada para a agricultura, para

as trocas, para o comércio que são as funções de astronomia

associadas a princípios religiosos com a busca do controle

da natureza e as funções tipicamente de controle da moeda

para esse intercâmbio de excedentes. Ou seja, a urbanização

está estritamente vinculada às práticas de intercâmbio.

Durante muito tempo, no século XX, o urbanismo foi pautado

pela industrialização. Nós tivemos por uns bons 70 anos, no

século XX, o primado do industrialismo, o mundo passou

por revoluções tecnológicas, concentrações de fatores de

produção, de capitais e a liberação da mão-de-obra

assalariada pela exploração dos camponeses, que

antigamente eram servos, pelos fechamentos das áreas de

cultura na Europa e com isso se teve um progresso técnico-

científ ico extraordinário, que foi justamente esse

proporcionado pela Revolução Industrial. E a cidade industrial

que nasceu no fim do século XIX, onde talvez o caso mais

emblemático sejam as cidades inglesas como Manchester

e outras, com condições de vida extremamente miseráveis

de exploração da mão-de-obra assalariada, desumanas ao

limite. Mas, progressivamente, isso mudou de fisionomia

seja pela tecnologia seja pelo progresso das reivindicações

operárias e mesmo pelas cidades que foram sendo

associadas a essa noção de indústria. Quer dizer, a cidade e

a indústria pareciam que caminhavam juntas e continuariam

assim eternamente, isso é verdade. Nas últimas três décadas

do século XX, essa noção foi se dissolvendo com uma

velocidade, uma aceleração bastante grande, de tal maneira

que hoje já se tem como definitivo essa noção de cidade-

indústria, cidade-fábrica, digamos assim, cidade com um

grande conjunto de fatores de produção associados,

interligados, interdependentes, já praticamente superada pela

configuração atual.

(...) A cultura do comércio é predominantemente de paz e a

cultura do território, da defesa, é essencialmente de guerra

e obviamente elas se mesclam sob diversos aspectos.

Basicamente, eu gostaria de frisar aqui o caso brasileiro que

é muito ilustrativo. (...) Nós éramos do Atlântico Sul, ou seja,

o espaço econômico integrado do período colonial era o

Atlântico Sul, a costa oriental do Brasil e a costa ocidental da

África, onde se fazia exatamente o comércio de escravos.

E, através do comércio de escravos promovido inicialmente

pelos portugueses e depois pelos brasileiros amestiçados,

“A cultura do comércio é predominantemente de paz e a cultura do

território, da defesa”

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se desenvolveu uma cultura em que muitos hábitos e

conhecimentos foram desenvolvidos. Obviamente era uma

cultura baseada no tráfico, não no comércio. Nós estamos

mais habituados a tratar do tema da cultura baseado no

tráfico que certamente proporciona muito mais guerra do

que paz, não é verdade? Ela se dá através da guerra, do

trabalho forçado etc.

Então, poderíamos dizer que nós construímos a primeira

grande civilização nos trópicos. Ela foi, de fato, fruto do tráfico,

esse é um ponto básico a se reconhecer, não apenas pela

contribuição da mão-de-obra escrava, mas porque toda

economia girava em torno dos negócios no Atlântico Sul.

Basta dizer que os grandes fornecedores de mão-de-obra

escrava para os Estados Unidos da América do Norte, para

as colônias do Sul que exploravam a agricultura, para o Caribe

e mesmo para Europa éramos nós, brasileiros da época que

fomos inclusive administradores de feitorias na África. Quer

dizer, os grandes executivos desse negócio eram brasileiros

ou se não se reconheciam como brasileiros também não

eram mais portugueses, já eram mestiços. Mas

inversamente, também pela guerra, pode-se dizer que o

Brasil se fez como civilização pelo tráfico, se fez como nação

pela guerra, pelo cerco de Lisboa que na primeira parte fez

com que a família real se mudasse, fugisse para o Brasil,

com isso, instalasse o império luso-brasileiro e começasse

a constituir a nação brasileira que até então não existia. Quer

dizer, era um espaço econômico do Atlântico Sul e uma

série de colônias esparsas ao longo da costa brasileira com

pouca relação entre si. Agora, eu acho que esse caso

brasileiro também desmistifica um pouco esse aspecto, quer

dizer, nós construímos uma civilização nos trópicos baseada

num comércio de tráfico negreiro. Nós nos constituímos

como nação com o ato de guerra de Napoleão Bonaparte

em busca da conquista de territórios. Agora, com isso, se

constituiu a pedra sobre a qual a rede de cidades aqui de

dentro do Brasil.

Também, outra figura muito familiar é que o Brasil, tendo

sido desenvolvido pela costa, quer dizer, grande parte da

rede de cidades que se constituiu foi constituída pelo interior,

sobretudo, pelo tropeirismo, que fornecia a logística de

transporte dos muares, de jegues, de jumentos etc. em

geral aqui na colônia das áreas de produção até a costa. E

foi esse comércio para o interior do Piauí até o Rio Grande

do Sul, passando por Sorocaba, em São Paulo etc. que se

constituiu a rede de cidades. Por exemplo, a capital do Piauí

foi fundada do interior em direção à Oeiras, que fica a 500

km, 700 km da costa e não da costa para o interior.

Eu queria lembrar aqui que esse comércio de intercâmbio

foi na Europa, através das feiras da Champagne,

principalmente, o intercâmbio de produtos entre as cidades

italianas e da Liga Hanseática que se fixou a primeira rede

de cidades e, de alguma maneira, contribuiu para o

renascimento ocidental.

E não há comércio sem moeda e não há moeda sem

confiança. Foi nessas feiras da Champagne que se

desenvolveu a moeda fiduciária, que é a letra, o papel, o

documento bancário de empréstimo que tem suas raízes

na palavra italiana fiduci, que quer dizer confiança, nada mais

que isso. Então, de alguma maneira, pelos comércios (...)

associados se teve a raiz do desenvolvimento de todas as

cidades ao longo da história da humanidade.

Contemporaneamente, comércio global e finanças também,

só que não se confundem, não são a mesma coisa.

“também há o processo da exclusão digital que nos próximos anos

vai se demonstrar mais perigosa no sentido do fóssil, dos guetos

de pobreza pelo mundo afora”

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Provavelmente, porque, a partir do instante em que os fluxos

financeiros se transformam em jogos de aplicação como

em cassinos, vai perdendo seu papel original, e faz-se o

jogo pelo jogo e talvez ficar olhando para o estado de

virtualidade que se descola de seu papel produtivo.

Acho que um aspecto importante a frisar na relação entre

comércio e/ou cultura do comércio e cultura das cidades é

que a sociedade contemporânea, segundo Manuel Castells

em sua famosa trilogia A era da Informação, é marcada pela

realidade virtual e cada vez mais se aprofunda essa

possibilidade de se estar simultaneamente em vários lugares

através da internet. E isso aprofunda a desterritorialização

da cultura. E, ao mesmo tempo, que nos proporciona

oportunidades globais instantâneas, também há o processo

da exclusão digital que nos próximos anos vai se demonstrar

mais perigosa no sentido do fóssil, dos guetos de pobreza

pelo mundo afora. Basta ver estatísticas de distribuição de

ligações de internet pelo mundo afora, e nós vamos notar

que os continentes menos desenvolvidos têm também muito

menos ligações, mas de uma maneira absolutamente

desproporcional. E, por que isso? Porque hoje não se tem

mais a volta atrás, quer dizer, o mundo da realidade virtual já

se instalou. Isso é um modo que para as cidades talvez seja

possível se buscar uma recontextualização, chamamos

assim, cultural através justamente do intercâmbio pela

internet, através desse preando das linguagens que a cultura

informacional proporcionou. Então, acho que, por exemplo,

um país como o nosso, com grandes populações marginais,

conta com uma rede de rádios clandestinas, de rádios piratas

de favelas que têm um papel importantíssimo.

Agora, muito provavelmente, havendo uma disseminação

da internet, ela assumirá um papel tão ou mais importante

que as rádios piratas onde se desenvolvem novas linguagens

e se buscam novas maneiras de se comunicar. Eu diria que

esse primado da informatização na sociedade

contemporânea é também um primado de linguagens, nós

temos o acesso e as possibilidades de recriação de

linguagens e homens. Então me parece que a despeito de

um certo risco de que essa vivência de realidade cultural,

virtual, nos proporcione projetos tão grandes que

provavelmente nós vamos ter a possibil idade de

recontextualizar nossas cidades e com elas, usinas de novas

linguagens.

Existia um temor hostil há dez anos talvez, de que a

vulgarização, a difusão da internet, da comunicação através

de computadores e tal, então, nos levasse a uma perda

irrecuperável de identidades. Hoje não é mais exatamente

essa noção que se tem, quer dizer, tem-se uma oportunidade

nova de recriação de linguagens, mas ela não acontece,

quer dizer, a cultura não é simplesmente a erudição, o

acúmulo de linguagens, mas, pelo contrário, é a sua recriação

permanente, ou seja, a digestão de sua recriação. Então,

através dessa sociedade em rede, como diz o Manuel

Castells, acho que temos uma possibilidade muito maior de

recriação das linguagens e na cidade, como disse no início,

há socialmente isso. Ela é um sistema de sinais, de signos,

de linguagens. Foi inventado, do ponto de vista social, nos

fluxos de intercâmbio, daí a minha idéia de abordar o tema

através do enfoque do comércio em que toda a história da

humanidade esteve presente de múltiplas maneiras e

contemporaneamente, e que se dá tendo como veículo a

rede de informações eletrônicas.

Pedro Taddei Neto, no debate Aldeia Global- Metrópolis Local

“a cultura não é simplesmente a erudição, o acúmulo de linguagens,

mas, pelo contrário, é a sua recriação permanente, ou seja, a

digestão de sua recriação”

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Pensávamos que estas idéias neoliberais da desregulação e

privatização dos meios de comunicação iam trazer a

multiplicação de propostas, os conteúdos iam ser

multiplicados. O que se multiplicou foi a repetição ao infinito

dos mesmos conteúdos, porque os espaços informativos e

de debate foram captados pelos jornalistas e empresários

que viviam dos avisos das corporações e exerceram, e ainda

exercem no meu país, um rol nefasto fazendo com que o

espectador creia num conjunto de mentiras, mentiras tais

que levaram a uma enorme dissociação entre o que cria o

imaginário dos espectadores e o que acontecia na realidade.

(…) estamos suportando a nível mundial a ação silenciosa e

destruidora, ou aculturante e uniformizadora do império

midiático do norte. Três ou quatro grandes grupos midiáticos

controlam hoje 90% da emissão mundial. Têm por certo

centenas de bocas nos nossos países que encadeiam,

utilizam parte de sua programação, ou copiam suas estéticas

ou suas formas. Nesse gigantesco espaço midiático o mais

surpreendente é que não caiba a nossa história. O espaço

audiovisual é amnésico. Nossos povos não têm história, não

há um documentário, um programa que resgate um evento

histórico, que resgate um personagem, um herói, um artista,

um cientista, um acontecimento. É como se nossos países

tivessem nascido ontem. Os jovens, que ficam mais horas

na frente da televisão que na escola ou universidade,

terminam sentindo e conhecendo mais as personagens e

efemérides de Los Angeles, Miami, New York, Paris ou Londres

que os nossos. É tão escandalosa a censura sobre os

conteúdos e as formas, e as nossas sensibilidades que nem

o cinema latino-americano é projetado nos canais latino-

americanos.

(…) Na Argentina uma parte da rede está nas mãos da

Telefônica da Espanha, mas na Espanha não há nenhum

canal que esteja nas mãos dos argentinos. Então faço

questão que sem democratização dos espaços televisivos

e audiovisuais será muito difícil aprofundar os anseios de

cidadania de nossos povos, será muito difícil avançar nos

conteúdos de uma democracia plena e social como desejam

nossos povos.

(...) Devemos criar novos canais, devemos criar canais

alternativos. É uma vergonha que a América Latina ainda

não tenha construído sua própria rede informativa, seu

próprio canal de televisão para emitir aos latino-americanos

e ao mundo a palavra, a informação e a imagem dos nossos

povos. Para conhecer o que acontece com a gente devemos

conectar a CNN. Estes são grandes déficits, pecados mortais

que devemos superar. Devemos criar estes meios

alternativos, novos canais, novas rádios.

Fernando Solanas, no debate Futuro daCultura no Mundo Não-hegemônico,Impasses e Perspectivas

“Nesse gigantesco espaço midiático o mais surpreendente é que

não caiba a nossa história”

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Na realidade, o mundo global é um fantástico caleidoscópio

de articulações e desencontros, buscas e extravios,

conceitos e realidades, ideologias e utopias, onde há sempre

perdas e ganhos, e é em meio a esse caldeirão efervescente

que ressurgem, no meu entender, realidades e metáforas

cultivadas ao longo do tempo pelo pensamento dos

dominadores de modo a reconhecer, a classificar, a delimitar,

a codificar, a destacar, a privilegiar, a marcar, a estigmatizar.

Em minha visão, vivemos ainda num mundo conceitual de

modernidade no qual as palavras definem os objetos e

orientam suas ações que, por sua vez, convalidam as formas

de poder e dominação, inauguradas estas na consolidação

do Estado nacional burguês. Eu sempre penso que a cultura

é um mundo de signos, então, nós pensamos, vemos e

enxergamos através desses signos e, dependendo dos

conceitos utilizados para definir determinadas coisas,

estamos repetindo muitas vezes os caminhos que já

percorremos em outros momentos, inclusive de grande

dominação, porque, se pensarmos com muita tranqüilidade,

a globalização não começou neste século XX, a globalização,

a mundialização da cultura européia começou no século XVI.

Numa ocasião, num encontro em Mendoza, na Argentina,

um belo representante dos índios quíchuas, que veio até o

jantar de encerramento do nosso encontro para falar, para

dançar, para apresentar uma dança tradicional de sua região,

ironicamente olhou para nós todos e disse: “vocês, que

vieram aqui discutir políticas culturais para o Mercosul, estão

muito ansiosos, preocupados com a globalização. Fiquem

tranqüilos, nós estamos sobrevivendo há cinco séculos.

Regina Moura Tavares, no debateDiversidade Cultural, Globalização ePluralismo

A produção cultural de escala, a par da enorme diversidade

que se encontra no mundo, é em termos industriais

concentrada em alguns poucos países. Vale lembrar que o

primeiro item da pauta de exportações dos EUA atualmente

não é de manufaturados, mas de cultura e entretenimento.

Mais e mais, a cultura é mirada como um item adicional a

tratar nas discussões sobre comércio internacional. Por

exemplo, a OMC deverá proximamente preparar debates

sobre a comercialização de serviços relacionados com

educação (a partir de propostas da Austrália, Estados Unidos,

Nova Zelândia e Japão), cujos resultados poderão afetar a

capacidade de um país de regular seu sistema educacional.

(...) não é possível preservar culturas específicas sem se

preocupar com a preservação do ecossistema em que elas

se originaram e desenvolveram.

Tadao Takahashi, em Diversidade culturale direito à comunicação, in http://www.campusoei.org/pensariberoamerica/3a

“Mais e mais, a cultura é mirada como um item adicional a tratar

nas discussões sobre comércio internacional”

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257“Se todas as fronteiras estão fechadas, aonde devemos ir, aonde

podemos ir?”

Os programas de desenvolvimento só pensam na África com

a luta contra a pobreza, mas se esquecem da cultura africana.

Sou contra isso. O rico não vai lutar contra a pobreza, tão

pouco os pobres. Somos envolvidos em debates que não

nos dizem respeito. Eu vivo num contexto muçulmano, faço

prece quando acordo, falo em francês, somos jogados num

contexto que não é nosso. Somos um povo nômade, mas

se as fronteiras estão fechadas, para onde vamos?”

É que por termos acumulado todas essas realidades nós

ficamos soltos num contexto global, como dizia agora pouco

o professor, e nesse contexto global não encontramos nosso

lugar, não conseguimos mudar porque (...) as fronteiras estão

fechadas. Nós somos por natureza povos nômades,

precisamos nos deslocar, precisamos nos deslocar, para ir

aonde? Se todas as fronteiras estão fechadas aonde

devemos ir... aonde podemos ir?

Oumar Sall, no debate O Papel da Culturae das Artes em Programas deDesenvolvimento

Na Amazônia colonial, os jesuítas buscaram globalizar

unificando a língua denominada de geral como

ultrapassamento da língua diversa de cada etnia. A unidade

globalizadora traz o sentido ideológico de dominação e de

controle, castigo ou pena. É claro que esse jogo entre a

uniformidade e a diversidade, globalização e tribalismo, antes

era episódico, tendo se tornado evolutivamente um corolário

do enfraquecimento do Estado-nação. O caráter transnacional

da economia e da comunicação é talvez para o mercado de

consumo fruto dessa mercantilização do mundo que a

globalização tem necessidade de se impor aos localismos e

também como sustentar sua produção cada vez mais

centralizada.

João de Jesus Paes Loureiro, no debateDiversidade Cultural, Globalização ePluralismo

A necessidade de agradar ao mesmo tempo o público

americano e o público brasileiro, europeu, leva a procurar

tocar o que possa existir de comum entre todos estes

públicos, além das diferenças culturais e lingüísticas. Logo,

assistimos através dessa uniformização, à formação de uma

espécie de comunidade cultural mundial, sem consistência

real, fundada sobre este modelo hegemônico, mais

freqüentemente americano, que fragiliza as comunidades

não hegemônicas; comunidades no sentido amplo, já que

pode se referir a comunidades lingüísticas, nacionais, de

cultura, religião ou outras.

David Faroult, no debate GlobalizaçãoCultural e Uniformidade Estética

Nada prejudica mais o terceiro mundo que o conceito de

desenvolvimento, especialmente quando se trata de recursos

financeiros concebidos e provenientes do exterior.

Madji Elmadjra, no debate Cultura comofator chave para a sobrevivência da razãoHumana

(...) passar de uma diversidade cultural passiva, defensiva,

apenas a algo que é mais ativo.

Laurent Heau, no debate DiversidadeCultural, Globalização e Pluralismo

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O lugar é onde nossa vida acontece, nosso mundo se dá e,

portanto, nós temos alguma identidade enquanto

personagens da história que transcorre nessa base

territorial.”(...)

“A partir daí, começamos a nos deparar com uma novidade

na definição dos lugares. O lugar europeu ficou muito maior,

ocupando lugares no novo mundo. Lugares de pessoas cuja

territorialidade, cujo alcance da vista, cuja visão de mundo

era muito mais limitados na sua própria comunidade. Uma

conseqüência, que não podemos levar em consideração

das viagens das navegações, é que nós perdemos o medo,

isso também tem implicações no meio ambiente. Nós

perdemos o medo do fim do mundo. Quando assumimos

que o mundo é redondo, ele ficou menor embora os lugares

ficassem maiores, o mundo fica menor. E, portanto, nós

nos permitimos ocupar o lugar dos outros, a estender a

territorialidade dos nossos lugares sobrepondo-se outros com

lógicas diferenciadas e, no nosso caso, lógicas avassaladoras

no sentido de que o modo como nós lidamos com aquilo

que existe em cada lugar nem sempre corresponde ao modo

de que as populações que tradicionalmente ocupavam esses

lugares vêem a natureza e seu modo de vida.

Quando você se apropria de determinado território,

entendendo que ele tem de ser provedor de valores de troca,

automaticamente, estamos assumindo que é preciso

intensificar o uso do meio natural naquele lugar para que ele

gere riquezas que sejam transferidas a outros contextos.

Nesse sentido, esse conflito de escala representa uma

captura mercantil da natureza que tende a explicar parte da

crise ambiental.

É quando você chega a um território e se apropria dos

saberes, da natureza e, lá pelas tantas, tem de se apropriar

do modo de vida das populações daquele lugar. É quando

você chega ao território do outro e diz: “agora você vai comer

o meu queijo, o queijo que eu produzo e vendo para você,

porque o seu queijo não vale nada.” É o fenômeno da

globalização que vivemos hoje, com todas as benesses

[internet, Mc] que a globalização nos fornece, mas é uma

forma de subordinação de modos tradicionais de vida à algum

tipo de modo de vida hegemônico com todas as

conseqüências que isso possa vir a trazer.

Nesse jogo, primeiro, perde a cultura; segundo, a natureza,

resumindo, perde a diversidade. A diversidade cultural, a

diversidade natural. Perdemos todos. Segundo, quem é que

ganha nesse jogo? Ganha o mundo da mercadoria, se é

que isso é um ganho. (...) a generalização desse modo de

ser é insustentável. Não tem condições de ser sustentável.

Marcel Bursztyn, na atividade associadaConfluência da Cultura e da Natureza

“A globalização tem necessidade de se impor aos localismos”

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(...) Voltando no tempo, especialistas afirmavam que para

se desenvolver a Amazônia, você deveria eliminar da floresta

seus habitantes indígenas e derrubá-la, no intuito de explorar

seus recursos naturais . Eles afirmavam que os índios não

sabiam como utilizar os recursos racionalmente, e confiscar

suas terras era economicamente justificável. Como um

jovem antropólogo, eu queria estudar como o povo Ashaninca

vivia no meio da Amazônia peruana e utilizavam a floresta,

no intuito de demonstrar que eles utilizavam seus recursos

racionalmente, e, portanto, mereciam e tinham o direito

sobre sua própria terra. O objetivo era contradizer os bancos

de desenvolvimentos internacionais e tentar promover uma

mudança na política. O povo Ashaninca com o qual eu

convivi, acolheram e demonstraram-me o que eles sabem

a respeito da floresta. (...) Surpreendentemente, o ashaninca

que me acompanhou pela floresta possuía os nomes de

quase todas as plantas, e atribuiu usos para metade delas.

Eles utilizam plantas como alimento, materiais de construção,

cosméticos, tingimento e medicação. Rapidamente, percebi

que eles possuem quase um conhecimento enciclopédico

das propriedades das plantas. Eles conhecem plantas que

aceleram a cicatrização de ferimentos, curam diarréia, ou

curam dores crônicas de costas. Eu mesmo utilizei esses

medicamentos quando necessários, somente para certificar-

me que eles funcionavam. Logo, comecei a perguntar aos

meus consultores ashanincas como eles sabiam a respeito

das plantas. Suas respostas foram enigmáticas. Disseram

que o conhecimento a respeito das plantas emana das

próprias plantas, e os “ayahuasqueros”, tabaqueiros ou

xamãs, tomam uma infusão de planta alucinógena chamada

ayahuasca, ou comem tabaco concentrado, e falam em suas

visões com as essências, os espíritos, que são comuns a

todas as formas de vida e são fontes de informações. Eles

dizem que a natureza é inteligente e fala com as pessoas

por meio de visões e sonhos.

Bem, eu não levei muito a sério o que essas pessoas

estavam me contando. (...) isso contradizia o ponto central

da minha pesquisa, demonstrar que essas pessoas utilizavam

seus recursos racionalmente.

Contudo, uma noite, após quatro meses nesta aldeia, eu

estava nas proximidades da vila bebendo chá de mandioca

com alguns homens e questionando a respeito da origem

dos conhecimentos sobre plantas, quando um deles disse:

“Irmão Jeremias, se você quiser descobrir a resposta para

sua pergunta, você deve beber ayahuasca, se você quiser,

eu assim poderei mostrar-lhe algum dia”. Ele a chamou de

tele-visão da floresta, ela permite que uma pessoa veja

imagens e aprenda coisas.

Algumas noites mais tarde, me encontrei com este

“ayahuasquero” no tablado de uma casa silenciosa, rodeada

pelos sons da floresta. Ele administrou a ayahuasca, que é

uma infusão amarga, então, após um longo silêncio, ele

começou a cantar na escuridão, refrões de sons

incompreensíveis e melodias levemente dissonantes.

Imagens apareceram na minha mente, e rapidamente me

encontrei rodeado por enormes serpentes fluorescentes de

13 metros de comprimento por um metro de altura,

realmente arrepiante, que começaram a conversar comigo

por meio de uma linguagem mental, contando-me coisas

consideradas dolorosas a meu respeito. Elas disseram, você

é apenas uma existência humana, uma sensível existência

humana. Eu pude ver, olhando para elas, que estavam certas

, que minha perspectiva materialista possuía limites, iniciando

pela pressuposição de que meus olhos mostravam-me

“O conhecimento a respeito das plantas emana das próprias

plantas.”

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coisas que não existiam. E, pude ver que minha visão de

mundo possuía uma arrogância abismal, fazendo-me cair

para frente de joelhos. (...). Mas, assim que o xamã mudou

sua canção, eu retornei ao meu corpo, e vi centenas de

milhares de imagens, como veias de uma mão humana

que lembravam imagens de sulcos de uma folha verde; elas

pareciam iguais. Havia muitas imagens, era difícil lembrar-

me de todas elas. Era como estar dentro de uma máquina

de lavar.

No dia seguinte, tentei falar dessa experiência. Por um lado,

ela confirmou o que meus amigos ashanincas disseram.

Você pode ingerir a ayahuasca sob a orientação de um

praticante treinado e aprender coisas. Eu aprendi que eu era

insignificante e de alguma forma, fazia parte da natureza. Eu

olhei para a folha verde e em seguida para a pele da minha

mão, e descobri que éramos feitos da mesma matéria. A

experiência acima de tudo foi um antídoto à contemplação

antropocêntrica da antropologia. Isso demonstrou que as

noções aparentemente fantasiosas dos meus amigos

ashaninca correspondem a algo poderoso, que passou diante

da minha própria compreensão da realidade. Foi maravilhoso.

Como eu poderia falar para meus colegas a respeito disso e

ser levado à sério por eles? (...).

Os europeus chegaram à América há 500 anos atrás e

começaram a despovoar as terras. Segundo avançadas

estimativas conservadoras de historiadores europeus,

quarenta milhões de indígenas morreram, do Alaska à

Patagônia, à medida que os europeus apoderavam-se do

continente.

(...) O que podemos fazer com essa história? Não é sua

culpa, não é minha, mas estamos montados nela esta noite.

E acredite ou não, a religião cristã com sua forma missionária

evangélica continua a destruir as crenças dos índios

amazônicos. Eu recentemente visitei muitas regiões

amazônicas, nas quais os últimos xamãs foram levados à

morte pelos próprios indígenas, por sugestão missionária.

Muitos séculos após a inquisição, as pessoas afirmam agirem

em nome de Cristo, e continuam a erradicar o xamanismo.

O mundo industrial ameaça a diversidade biológica. Ele

também ameaça a diversidade humana. Das 6.000 línguas

ainda faladas, metade não está sendo ensinada às crianças.

A cada duas semanas, uma língua desaparece juntamente

com os mais idosos de uma tribo. Lingüistas estimam que

3.000 línguas desaparecerão durante este século, o que

representa metade das palavras no mundo. Uma língua é

mais do que um conjunto de palavras; é uma forma de

compreender o mundo. O que está em perigo é o repertório

da humanidade, por negociar com os desafios

desconhecidos do futuro. Tomados juntos, as culturas deste

mundo representam um vasto reservatório de conhecimento

contendo as memórias de todos os mais velhos, curandeiros,

guerreiros, fazendeiros, pescadores, parteiras, poetas e

visionários. Essa é a expressão plena da experiência humana.

A sociedade industrial possui somente 200 anos. Como uma

simples cultura, com tão frívola história, possui todas as

chaves para a sobrevivência das nossas espécies? (...).

Jeremy Narby, na apresentação/palestraAmazonia Ambient Project

“(...) e vi centenas de milhares de imagens, como veias de uma mão

humana que lembravam imagens de sulcos de uma folha verde; elas

pareciam iguais.”

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Octavio Getino, no debate Conectando oMundo: Uma Política Cultural para asRelações Sul-Sul

“(...) fomos educados sobretudo

para levantar muros”

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(...) os modelos identitários africanos desaparecem cada

vez mais entre os africanos que vivem nos países ocidentais,

há uma referência à África que é muito frágil e que

apresentará problemas a termo, porque nosso

desenvolvimento, o desenvolvimento do Mali, do Senegal e

de certos países da África subsaariana dependem desse

relacionamento entre a diáspora e a África. Outro elemento

importante é a desidentificação. Essas não são só palavras

complicadas, mas isso encerra uma realidade, porque há

um fenômeno novo, surgido nos anos 90 nos africanos que

estão na Europa, é que eles não invocam mais a África e

rejeitam mesmo identificar-se à África, e essas rejeições,

esses abandonos da África, fazem que finalmente, cada vez

mais, tenhamos a impressão de que essa rejeição, essas

referências à África, é mais um problema que uma solução.

Vocês sabem que houve um desaparecimento em termos

de infra-estrutura, sobretudo na sociedade africana de cultura

que desapareceu. Os estudos africanos na Europa diminuem,

há uma parte muito residual desses estudos. Os estudantes

africanos ou os estudantes que estudam ou fazem pesquisas

sobre a África diminuem — logo, diminuição da população

de pesquisadores sobre a África, diminuição das instituições

sobre a África —, tudo isso mostra efetivamente um

desinteresse progressivo. Da diáspora e das instituições

européias em relação à África, isso tem conseqüências que

são conseqüências a termo completamente dramáticas,

porque vocês sabem que a emigração, que é também uma

maneira de considerar a diáspora, contribui, e muito, para o

desenvolvimento dos países de origem e constitui também

uma fatia de comércio não negligenciável para o

desenvolvimento dos países africanos (...).

Babacar Sall, na atividade associada Casada África no Brasil.

“Eles não invocam mais a África e rejeitam mesmo identificar-se

com ela.”

Para que pensemos cultura como fluxos de sentido, de

matérias e formas de expressão, como trajetórias de

significação multidericionais, temos que pensar que a

produção cultural nunca respeitou fronteiras, nacionalidade

ou regionalidade é apenas um ponto de vista, uma nuance,

uma marca singular em fluxos que permanentemente

atravessam tempos e espaços. Dificilmente tenha existido

alguma cultura que tenha sido impermeável às influências

externas, às misturas, às conquistas estrangeiras, às

mutações de formas e sentidos”.

Creio que, na época dos consensos de Washington, da

unilateridade, do pensamento único, o que menos

precisamos é de entendimento. Precisamos aprender a nos

desentender, precisamos ser educados para isso, somente

assim seremos verdadeiramente democráticos, aceitaremos

o fato de que existem as diferenças, de que as pessoas têm

o direito de pensar diferente, que as culturas têm o direito

de continuarem existindo em suas singularidades. A busca

da verdade única, do entendimento, do esclarecimento

prometido pelo iluminismo levou este mundo aonde todos

se matam para impor o entendimento das coisas, e do que

deve ser o humano, o homem, a dignidade humana, os

direitos humanos, a democracia, a liberdade, inclusive à paz.

Os dogmatismos, os fundamentalismos, as verdades únicas

entronizadas no poder é que nos ameaçam de extermínio,

de genocídio e de morte, não o desentendimento.

Durval Muniz de Albuquerque, na mesaZabumba, sintetizador – cordel

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Y el tema que nos queda a nosotros, ¿qué hacemos frente a

esta cuestión? ¿Si nos limitamos a criticar, o a atacar a las

industrias culturales, si desarrollamos mecanismos

alternativistas, sociales, boletines, revistas chicas, un cine

underground, grupos que trabajan en los barrios, etc., o,

como responsables de nuestras sociedades, aspiramos a

ocupar el espacio hegemónico también en el campo de las

industrias culturales? Vale decir, entonces, de criticar las

industrias que por lo general no están contribuyendo

demasiado a nuestras culturas, o por lo menos no lo están

haciendo en la medida que nosotros desearíamos, sino de

qué maneras nosotros podemos tener políticas para que

estas industrias nos representen culturalmente en el plano

interno, en el plano de la integración regional y también en

el plano de la competencia y de la proyección de nuestros

imaginarios colectivos sobre otros pueblos a fin de hacer

verdadera una democracia en el planeta.

Octavio Getino, no debate Conectando omundo: uma política cultural para asrelações sul-sul

Folheto de Cordel: Não conheço nada que seja ao mesmo

tempo tão tradicional e tão vanguardista. Tão nordestino e

tão cosmopolita. Tão singular em seu próprio perfil

diferenciado, e ao mesmo tempo tão moldável, flexível,

mutante, adaptável, e tão constantemente auto-recriando-

se... O folheto de cordel é o livro de quem não pode fazer

um livro, mas tem uma vontade tão grande de fazê-lo que

acaba fazendo algo, e redefinindo o conceito de livro”.

Bráulio Tavares na mesa Zabumba,sintetizador – cordel

“de que maneiras nós podemos ter políticas para que estas

indústrias nos representem culturalmente?”

(...) penso que é importante reconhecer que a cada vez que

utilizamos noções como diversidade, inclusão, qualidade,

etc. – e inovação no contexto da arte -, é importante

qualificálas; é importante colocá-las em um conceito histórico

mais amplo daquele em que se originam. Também é

importante lembrar, ao propomos um plano de noções como

qualidade no que se refere à arte, que estamos entrando no

domínio da contestação, ou deveria dizer, contestação

epistemológica, e isso é algo muito importante e que

considero incrivelmente vibrante neste Fórum Cultural

Mundial.

(...) realmente gostaria de dizer que o pós-colonial não está

abrigado em pequenos pacotes de, vocês sabem,

comunidades que tiveram histórias coloniais - mas todo o

palco do mundo, na verdade, poderia ser, podemos refletir

sobre todo o palco do mundo como sendo o local em que o

pós-colonial ocorreu, o surgimento máximo daquilo que

chamamos de pós-colonial.

Okwui Enwezor no debate NovasConfigurações do Mundo: o impacto sobrea gestão e administração da cultura