Caderno ccap 1-supervisao

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  • 1. superviso e avaliao dodesempenho docente para uma abordagem de orientao transformadoraFlvia VieiraMaria Alfredo MoreiraCadernos do CCAP 1

2. superviso e avaliao do desempenhodocente para uma abordagem de orientao transformadoraFlvia VieiraMaria Alfredo Moreira 3. ficha tcnicaTTulosuperviso e avaliao do desempenho docente: para uma abordagem de orientaotransformadoraAuToriAflvia vieiramaria alfredo moreiraedioministrio da educao conselho cientfico para a avaliao de professoresavenida 5 de outubro, 107 lisboa ,http://www.ccap.min-edu.ptcoleco e Nmerocadernos do ccap 1reviso ediToriAlconselho cientfico para a avaliao de professoresdATAabril de 2011dispoNvel emhttp://www.ccap.min-edu.pt/pub.htmisbn978-989-97312-0-2copyrighT2011, ministrio da educao conselho cientfico para a avaliao de professoresesta obra foi licenciada com uma licena creative commons -atribuio - uso no comercial - obras derivadas proibidas 2.5portugal (http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/pt/).NoTAas opinies expressas nesta obra so da exclusiva responsibilidade das autoras e no reflectemnecessariamente a opinio do conselho cientfico para a avaliao de professores.2 4. ndiceprefcio71. superviso da pedagogia e pedagogia da superviso112. avaliao e superviso: tenses e desafios 193. para a transformao da prtica docente: estratgias de superviso 27 3.1. observao de aulas 28 3.2. narrativas profissionais e reflexo escrita 39dirio reflexivo42estudo de casos 47porteflio de ensino53 3.3. investigao-aco (na inovao das prticas pedaggicas/ 57/avaliativas)eplogo 61referncias bibliogrficas63nota biogrfica das autoras 73 3 5. ndice de Quadros 1. pedagogia para a autonomia: papis do aluno e do professor13 2. estilos supervisivos16 3. papis do professor nos encontros supervisivos16 4. natureza do conhecimento profissional e condies para a sua21(des/re)construo 5. agentes, objectos e quadro de referncia da avaliao na superviso 22 6. interrogar a qualidade da avaliao do desempenho 24 7. estratgias de superviso: operacionalizao, princpios e27participantes 8. tarefas do ciclo de observao29 9. um problema, duas hipteses de observao 3710. dimenses da reflexo 4111. excerto dialgico 4612. tipologia de porteflios de ensino5413. critrios de qualidade da construo e (auto-)avaliao do porteflio 56de ensino14. constrangimentos da investigao-aco e formas de resoluo594 6. ndice de figuras 1. superviso pedaggica: uma viso transformadora 12 2. estratgias de superviso: sua interrelao 28 3. guies de pr e ps-observao de aulas 32 4. a observao como problematizao de possibilidades 33 5. grelha de observao global 34 6. grelha de observao de papis pedaggicos numa pedagogia para a35autonomia 7. grelha de observao da aprendizagem cooperativa36 8. grelha de registo de fontes de evidncia na avaliao do desempenho 39 9. construo do porteflio de ensino5610. critrios de qualidade da investigao-aco58 5 7. prefcioentre o real e o ideal o espao intermdio da possibilidade a escola parece raciocinar segundo um silogismo muito bem partilhado:1. todo o professor digno deste nome diferencia a suapedagogia, luta contra o insucesso escolar, praticamtodos activos e respeita os seus alunos enquantopessoas.2. na sua imensa maioria, os professores so dignosdeste nome.3. portanto, na sua imensa maioria, os professores di-ferenciam a sua pedagogia, lutam contra o insuces-so escolar, praticam mtodos activos e respeitam osseus alunos enquanto pessoas. (perrenoud, 1997: 200)poderamos criar silogismos idnticos para outras profisses, reconhecendouma certa incapacidade de auto-crtica no seu seio e, consequentemente, a ten-dncia a resistir avaliao e mudana de prticas avaliar e mudar porqu, seest tudo bem? talvez devamos reconhecer que em muitas situaes, tal comoperrenoud afirma, a escola despende muita energia a fingir que cada um faz oque deve fazer e que, consequentemente, a gesto dos estabelecimentos deensino no pode acomodar-se a um controlo autoritrio das prticas. resta in-ventar outros modelos, que passam pela cooperao entre iguais, pela supervi-so mtua, pelo trabalho de equipa e pela construo de uma cultura profissionalmais substancial (perrenoud, 1997: 200).contudo, importa tambm sublinhar que a resistncia dos professores , emmuitos casos, necessria e justificvel. preciso ler nas entrelinhas dos seusprotestos face s reformas a afirmao do que querem que a educao sejanaquilo que afirmam no querer que ela seja, em vez de interpretar esses pro-testos somente como actos de rejeio da mudana, como usual. precisoperguntar a que mudana resistem e porqu, e que outra mudana anunciamnessa resistncia (vieira, 2004). ainda assim, teremos de combater uma certacegueira face realidade, uma cegueira detrs da qual se escondem agendasde natureza ideolgica, poltica ou pessoal, boleia de condies econmicas esociais que as favorecem e que clamam saber o que do melhor interesse dosprofessores e dos alunos (glanz, 2005). as decises sobre a educao no someramente tcnicas e neutras (torres santom, 2006) e por isso necessriointerrogar o que fazemos, ainda que isso implique colocar em questo as nossascrenas e prticas.7 8. Prefcioo peso dos valores e mitos, o corporativismo e a defesa da profisso, a sndrome do asse-diado resultante das crticas constantes escola e, ainda, a falta de ferramentas de anlisedas prticas (perrenoud, 1997), tudo isto concorre para nos impedir de ver o que realmentefazemos, compreender por que razo o fazemos e com que implicaes, antever o que de-veria ser feito e com que finalidades, e construir formas alternativas de agir. para perrenoud,importa encontrar um equilbrio entre realismo conservador e idealismo ingnuo, atravsde um realismo inovador que, reconhecendo as condies e a natureza da profissionalida-de docente, seja portador de mudana. trata-se, ento, de construir uma educao re(ide)alista, situada entre o que ela e o que deveria ser, apoiada na esperana e orientada porum ideal (Jimnez raya et al., 2007). nesta perspectiva, o professor digno deste nome seraquele que, compreendendo a impureza da prtica educativa, se embrenha nela e sobre elaconstri um conhecimento caleidoscpico, resistindo criticamente ao que a torna irracionale injusta e inventando formas, muitas vezes subversivas, de a tornar mais racional e justa(vieira, 2004: 10). e aqui, entre o real e o ideal, no espao intermdio da possibilidade, quea superviso pedaggica e a avaliao do desempenho profissional podero desempenharum papel relevante. ou no.no contexto da avaliao do desempenho nas escolas, a avaliao e a superviso tendem ainstituir-se como mecanismos de conformidade e reproduo, mais do que como estratgiasde transgresso e transformao. em grande medida, isso deve-se aos condicionalismosestruturais e histricos em que operam, fazendo parte de uma mquina de avaliao da qua-lidade a que no podem escapar e que, de alguma forma, devem legitimar. essa mquinapressupe um controlo centralizado dos sistemas educativos e uma medio da sua qualida-de atravs da definio de objectivos e padres estreitos e supostamente universais, crian-do um conflito entre propsitos formativos de desenvolvimento profissional e propsitossumativos de seleco e progresso na carreira. as reformas educacionais e os problemasda educao esto frequentemente predicados no pressuposto de que os professores so arazo e o problema das escolas medocres, logo necessitam de ser cuidadosamente contro-lados e monitorizados. aqueles que clamam pela hiper-responsabilizao demonstram umaviso simplista do ensino e da aprendizagem, privilegiando mtodos inspectivos do trabalhodo professor, os curricula estandardizados e a avaliao padronizada de professores e alunos(glickman et al., 2004; glanz, 2005; fernandes, 2010).no quadro de um sistema de avaliao focado na prestao de contas, o problema podecolocar-se da seguinte forma: como potenciar o papel transformador e emancipatrio dasuperviso e da avaliao quando estas tm igualmente funes de controlo e seriao?ser possvel, como prope afonso (2010: 168), abandonarmos a associao da prestaode contas a uma concepo restrita e ritualstica de democracia formal, enquanto regimebaseado apenas na consagrao legal de direitos e deveres para a encaramos sobretudo ,como uma problemtica ampla de cultura poltica e de ao moral e tica que tem a vercom a qualidade e a profundidade das prticas democrticas, ou seja, com uma democraciasubstantiva, participativa e crtica? poderamos recuar ainda mais: ser possvel conciliaras ideias de prestao de contas e democracia? ou mais ainda: ser possvel, como pro-pem alves e machado (2010: 8), que avaliar signifique ser sujeito e no sujeitar-se? serpossvel, tomando as palavras de de Ketele (2010), assumir uma postura sistmica e dereconhecimento que contrarie uma postura de controlo e desprezo?sem pretender dar resposta a estas dvidas, ou sequer elimin-las, j que so vitais inter-rogao do sentido possvel da avaliao dos professores e da superviso nesse contexto,vejamos no entanto o que nos diz gil (2009: 53) sobre os principais efeitos da avaliao em8 9. Prefciogeral: fortalece as hierarquias e as relaes de poder; sujeita o indivduo a uma grelha geralde competncias que faz dele uma entidade comparvel, homogeneizada por padres quevalem para todos ou seja, neutraliza a singularidade; legitima, atravs desses padres, o ,grau mximo de saber e de poder gerando no indivduo sentimentos de inferioridade e de,impoder face ao avaliador e imagem ideal do avaliado e favorecendo, desse modo, lgicas,de excluso e autocondenao.onde fica, nestas circunstncias, o espao para a transformao baseada numa democra-cia substantiva, participativa e crtica? onde fica, podemos ainda perguntar, o espao daconstruo da identidade profissional? tomando novamente as palavras de gil (2009: 57),ser que estaremos a promover a fixao aberrante de uma identidade artificial atravs daavaliao, sem conscincia do passado, das relaes do corpo terra, apenas virada para ascompetncias, os parmetros de que depende a avaliao e que medem o ser avaliado?ser que estaremos ainda a alimentar o que correia e matos (2001) descrevem como umalgica de distoro comunicacional segundo a qual os professores constroem narrativas,de auto-avaliao desenraizadas do seu quotidiano e despidas de subjectividade, auto-legi-timadoras, nas quais ocultam os problemas e insucessos para se protegerem dos efeitosperversos de um sistema avaliativo que no respeita a natureza complexa e idiossincrticada sua actividade profissional e que parece colocar neles toda a responsabilidade do quecorre mal na educao?mais uma vez, estas questes devem ser mantidas em aberto. tal como acontece com aeducao escolar, o potencial da avaliao e da superviso joga-se no campo das possibili-dades, entre o que so e o que deveriam ser, insurgindo-se contra o sistema mas operandono seu seio e segundo as suas regras. na pior das hipteses, representaro tecnologiasessencialmente formais e burocrticas ao servio da domesticao dos professores, a quem negada a possibilidade de contestao e de quem esperado um realismo assente nainteriorizao da obedincia (gil, 2009: 56). na melhor das hipteses, sero apropriadaspelos professores como estratgias de (auto-)crtica, desocultao de constrangimentos ereconstruo individual e colectiva da profissionalidade docente, ao servio de uma educa-o transformadora e emancipatria. na maioria das situaes situar-se-o, muito provavel-mente, entre estes dois extremos.a perspectiva que neste trabalho se adopta a seguinte: a avaliao e a superviso deveroconstruir caminhos de libertao de uma lgica de controlo e sujeio rumo a uma lgicade transformao e emancipao, sabendo-se, contudo, que as duas lgicas co-existemde forma conflitual, gerando dilemas e paradoxos com os quais necessrio aprender alidar. portanto, a avaliao e a superviso devero constituir prticas crticas e auto-crticas,tornando-se elas prprias objecto de escrutnio no sentido de se averiguar o seu (des)com-promisso ideolgico com uma viso da educao e do desenvolvimento profissional comoprocessos de transformao e de emancipao, e instituindo, dessa forma, uma lgica decriticidade que expe consistncias e contradies subjacentes s prticas, validando-as ousujeitando-as a novas formulaes, e evitando a sua fossilizao (fernandes e vieira, 2010:279). voltando a perrenoud, ultrapassar a dicotomia entre realismo conservador e idealismoingnuo implica seguir uma via intermdia, onde a actuao profissional simultaneamenteajustada s exigncias da escola e portadora de mudana, o que exige actores capazes deanalisar a situao na qual se encontram e as suas contradies, de identificar a sua margemde manobra, de suportar determinados conflitos e determinada incertezas, de correr riscoscalculados (1997: 163). 9 10. Prefcio como se pode depreender do que aqui fica dito, o presente trabalho situa-se, ele prprio, no espao entre o real e o ideal, ou seja, o espao da possibilidade, um espao de fronteiras indefinidas onde a transitoriedade do pensamento e da aco assenta na rejeio de uma viso definitiva acerca do possvel o que hoje nos parece impossvel poder amanh tornar- se mais possvel e na adopo de uma perspectiva re(ide)alista, alimentada pela esperan- a enquanto crena na possibilidade (van manen, 1990) e necessariamente (auto-)crtica, expondo dimenses problemticas da superviso no contexto da avaliao do desempenho docente. este trabalho estrutura-se em trs momentos: no primeiro momento (captulo 1), explora-se a relao entre superviso e pedagogia escolar, clarificando-se o quadro tico-conceptual em que, do nosso ponto de vista, estas devero ser inscritas; no segundo momento (cap- tulo 2), foca-se a relao entre superviso e avaliao do desempenho, equacionando pos- sibilidades mas tambm tenses que afectam essa relao; no terceiro momento (captulo 3), discutem-se algumas estratgias de superviso que podem promover a transformao da educao e a emancipao dos docentes e alunos a observao de aulas, as narrativas profissionais (dirios, estudos de caso e porteflios de ensino) e a investigao-aco. as ideias e propostas apresentadas decorrem da nossa experincia de formao e de in- vestigao, na qual as questes da pedagogia escolar, do desenvolvimento profissional e da superviso sempre ocuparam um lugar central. a sua aplicabilidade no contexto da avaliao do desempenho necessariamente condicionada pelas circunstncias em que essa avalia- o decorre, em parte determinadas pelos normativos legais, mas tambm pelo modo como as escolas os interpretam e concretizam e, ainda, pelas representaes dos professores acerca da educao escolar e do seu papel enquanto actores educativos. em todo o caso, no nossa inteno apresentar solues para os problemas da avaliao do desempenho ou sugerir procedimentos para a operacionalizao dos normativos legais. o nosso propsito mais vasto, podendo ser enunciado sob a forma de uma pergunta: o que significa inscrever a superviso e a avaliao numa viso transformadora da pedagogia e do desenvolvimento profissional? ao equacionarmos respostas a esta questo, aliceradas nas nossas experincias e convic- es e tambm na literatura nacional e internacional, estaremos a propor um conjunto de referentes face aos quais possvel analisar as prticas tal como elas so, identificar obst- culos, paradoxos, contradies e dilemas, e imaginar alternativas. partimos do princpio de que so diversos os constrangimentos inscrio da superviso e da avaliao numa viso transformadora da pedagogia e do desenvolvimento profissional, a qual se fundamenta em princpios como a indagao crtica, a interveno crtica, a democraticidade, a dialogicida- de, a participao e a emancipao. contudo, esses constrangimentos no colocam estes princpios em causa, antes evidenciam a sua pertinncia face complexidade das prticas educativas e necessidade de contrariar as foras histricas e estruturais que reduzem a sua qualidade. deste ponto de vista, aquilo que impossibilita uma orientao transformadora na pedagogia, na avaliao e na superviso simultaneamente aquilo que a reclama. este paradoxo que d sentido construo de prticas re(ide)alistas e tambm, em ltima anlise, ao trabalho que aqui se apresenta. nota: parte do captulo 1 e das seces 3.1 e 3.2 do captulo 3 retomam e expandem ideias apresentadas no relatrio de provas de agregao de uma de ns, no publicado (vieira, 2006).10 11. 1. superviso da pedagogia e pedagogia dasupervisono domnio educacional, a noo de superviso tem uma herana histricaassociada s funes de inspeco e controlo (duffy, 1998; mcintyre e byrd,1998), apesar da viragem radical operada com o movimento da superviso clni-ca, iniciado nos eua a partir da dcada de 60 (cogan, 1973; goldhammer et al.,1980) e introduzido em portugal por alarco na dcada de 80 (alarco, 1982)1.ao centrar a superviso na sala de aula (a clnica), este movimento direccionaa ateno dos professores e dos supervisores/formadores para as questes dapedagogia. da a expresso superviso pedaggica, onde o adjectivo se reporta,simultaneamente, ao objecto da superviso a pedagogia e sua naturezaeducacional, que pode ser traduzida nas ideias de ensinar a ensinar e aprendera ensinar.no contexto do presente trabalho, o termo superviso refere-se exactamente superviso da pedagogia, definida globalmente como teoria e prtica de regu-lao de processos de ensino e de aprendizagem em contexto educativo formal(vieira, 1993a; vieira et al., 2010), sendo o seu foco de ateno a sala de aula,podendo reportar-se a situaes de auto-superviso e superviso acompanhadaem qualquer cenrio de desenvolvimento profissional, incluindo o da avaliaodo desempenho. a relao estreita entre superviso e pedagogia o trao prin-cipal da acepo de superviso aqui explorada, a qual se afasta de uma concep-o mais institucional da superviso como processo de gesto organizacionalassociado noo de escola reflexiva (alarco, 2001 e 2003).entendendo-se que a superviso dever ser orientada por uma viso de pe-dagogia, permitindo o reconhecimento e a aceitao da sua complexidade eincerteza e impedindo a formulao de solues tcnicas e universais para osproblemas que nela se colocam (schn, 1987), as actividades supervisiva e pe-daggica fazem parte de um mesmo projecto: indagar e melhorar a qualidade daaco educativa. decorre desta ideia o pressuposto bsico de que a pedagogiasem superviso ser menos pedaggica, o que significa que qualquer professordever regular criticamente a sua aco. portanto, a necessidade da supervisono decorre da avaliao do desempenho, constituindo um imperativo da acoprofissional consciente e deliberada. no quadro da avaliao do desempenho,a auto-superviso pode representar a estratgia bsica de auto-avaliao e de-senvolvimento profissional do professor, independentemente da existncia deformas de superviso externa, embora estas possam contribuir para uma super-viso mais dialogada e crtica.1voltaremos superviso clnica a propsito da observao de aulas, no captulo 3, sec-o 3.1.11 12. 1. Superviso da Pedagogia e Pedagogia da Superviso mas quando falamos em superviso, de que viso de formao e de pedagogia estamos a falar? a superviso pode ser exercida no sentido de manter o status quo, reforar injustias e impedir a mudana, ou ter uma orientao transformadora e emancipatria, potencialmente transgressora e subversiva, assente nos valores da liberdade e da responsabilidade social. em nosso entender, s neste caso ela ser capaz de reconhecer a ausncia e reclamar a (maior) presena desses valores nas prticas da educao escolar. a figura 1 sintetiza os pressupostos (quadros laterais) e princpios (quadro central) desta concepo da supervi- so. Figura 1 Superviso pedaggica: uma viso transformadorasuperVisoteoria e prticade regulaode processos de ensino e aprendizagem aluno: consumidor crtico e produtor criativo dointeraco dos contextossaberpessoal, pblico e partilhadodo conhecimento terico e professor: facilitador da relaoprtico indagao crtica aluno-saber-processo de aprenderconstruo pessoal e social do interveno crticasaber: construo dinmica, transitria econhecimento terico e prticodemocraticidade diferenciadaorientao transformadora e dialogicidade focalizao no processo de aprender: reflexo,emancipatria da formao e participaoexperimentao, regulao, negociaoda pedagogia escolaremancipao autonomizao progressiva do aluno/cidadovalores de uma sociedadeclima democrtico e informaldemocrtica: liberdade eresponsabilidade social posio crtica face pedagogia, escola, sociedade fonte: baseada em vieira et al. (2010). Waite (1995a: 87) e glickman et al. (2004: 8) usam as grafias superviso e superviso para sublinhar a necessidade de uma viso do que o ensino e a aprendizagem podem e devem ser, defendendo uma superviso colegial e dialgica, orientada para a construo de uma so- ciedade democrtica (ver, tambm, Waite, 1995b e 1999). concebendo o ensino como acto moral e poltico (smyth, 1987a, 1987b, 1989 e 1997), entendemos que uma pedagogia para a autonomia (freire, 1996) constitui uma direco defensvel para a superviso e propomos uma definio nica para a autonomia do professor e do aluno: competncia para se desen- volverem como participantes autodeterminados, socialmente responsveis e criticamente conscientes em (e para alm de) ambientes educativos, por referncia a uma viso da edu- cao como espao de emancipao (inter)pessoal e transformao social (Jimnez raya et al., 2007: 1). propomos, assim, a associao entre autonomia e cidadania democrtica, base- ada em princpios ticos como os que torres santom advoga para uma cultura democrtica nas escolas (2006: 88-90): integridade e imparcialidade intelectual, coragem moral, respeito, humildade, tolerncia, confiana nos alunos e nas suas capacidades e possibilidades, res- ponsabilidade, justia, sinceridade e solidariedade. neste enquadramento, os papis do aluno e do professor na sala de aula podem ser defini- dos conforme o Quadro 1.12 13. 1. Superviso da Pedagogia e Pedagogia da SupervisoQuadro 1 Pedagogia para a autonomia: papis do aluno e do professor PAPIS DO ALUNOPAPIS DO PROFESSOR 1. reflexo (sobre o contedo e o processo - compreender a disciplina e o seu papel no currculode aprendizagem)- compreender a teoria e a prtica de uma pedagogia consciencializao do contedopara a autonomia relativa a dimenses do contedo da disciplina - conceber o ensino da disciplina como uma actividade consciencializao processual indagatria e exploratria relativa a processos de aprendizagem - desafiar rotinas, convenes, tradies (ser subversi- da disciplina: sentido de auto-controlo,vo/a se necessrio) atitudes, representaes, crenas, pre- ferncias e estilos, finalidades e priori- - partilhar teorias e prticas pedaggicas com os pares dades, estratgias e tarefas de aprendi- - encorajar os alunos a assumir posies crticas face a zagem, processo didctico...valores e prticas sociais e educativos, envolvendo-os na procura de solues adequadas (embora no ne- 2. experimentao (de estratgias de aprendi- cessariamente ideais)zagem) descobrir e experimentar estratgias na- partilhar teorias pedaggicas, responsabilidades e de- aulacises com os alunos usar estratgias fora da aula- reconhecer e aceitar que os alunos podem no pen- explorar recursos/situaes (pedaggi-sar como o/a professor/a e que nem sempre fcil, ou cos/no-pedaggicos)at desejvel, chegar a uma nica concluso ou ponto de vista 3. regulao (de experincias de aprendiza-- articular a dimenso pessoal da aprendizagem com agem) natureza social e interactiva da cultura da sala de aula regular/avaliar atitudes, representaes, crenas, conhecimento e capacidade es- - promover a comunicao, onde todos tm o direito tratgicos, resultados e progressos dade se expressar e de contribuir para a co-construo aprendizagemde sentidos identificar problemas e necessidades de- recolher informao dos/sobre os alunos de modo a aprendizagemcompreender os seus processos de aprendizagem e a fazer planos de aprendizagemsua evoluo (por exemplo, atravs do dilogo, obser- avaliar o processo didctico e o seu con- vao, questionrios, entrevistas, listas de verificao, texto etc.) 4. negociao (co-construo de experincias - analisar a informao recolhida com o objectivo dede aprendizagem)melhorar as prticas de ensino e de aprendizagem trabalhar em colaborao com os pares- encontrar formas de integrar a competncia de apren- trabalhar em colaborao com o profes- dizagem dos alunos na sua avaliao global (por exem- sorplo, atravs da auto-avaliao) tomar iniciativas, realizar escolhas, tomar () decisesfonte: baseado em vieira (2001, 2004, 2009a e 2010a).a operacionalizao destes papis em contexto pedaggico no fcil, sendo condicionadapor factores situacionais de variada ordem, que abaixo enunciamos, relativos ao contexto,ao professor e ao aluno (vieira, 2003, 2009a, 2009b e 2010a). uma das funes principais dasuperviso, tambm no contexto da avaliao do desempenho, ser identificar os constran-gimentos a uma educao transformadora, bem como os espaos de manobra que tornempossvel colmat-los, instituindo-se dessa forma como estratgia de resistncia aos factoresque limitam a pedagogia, que se enumeram:FACTORES RELATIVOS AO CONTEXTO c valores (polticos, scio-culturais, educacionais): competitividade, individualismo, efic- cia, normalizao, resignao, obedincia autoridade c tendncias e tradies da educao escolar: polticas educativas centralizadoras, curr- culos-mosaico, manuais normalizadores da aprendizagem, exames externos, fragmen- tao do tempo de aprendizagem, nmero de alunos por turma e de turmas por profes- 13 14. 1. Superviso da Pedagogia e Pedagogia da Supervisosor, falta de recursos e espaos educativos, isolamento profissional dos professores,falta de tempo para reflectir e investigar a prticac cultura institucional: hierarquizao de papis, regulamentao excessiva, burocratiza-o do trabalho do professor, prestao de contasc expectativas da famlia ou da comunidade sobre o papel da escola: viso do professorcomo transmissor de conhecimentos, do aluno como receptor passivo, da avaliaocomo forma de seleco, do castigo e da recompensa como formas de educao FACTORES RELATIVOS AO PROFESSORc formao profissional (inicial/contnua): acadmica, aplicacionista (no reflexiva).c experincia anterior como aluno: centrada na autoridade do professor e do conheci-mento.c teorias pessoais (valores, atitudes, convices) relativas educao escolar: visoda educao como reproduo.c prticas de ensino: centradas na autoridade do professor e do conhecimento.c atitudes face profisso: conformismo, impotncia, inrcia, desmotivao, pessimis-mo, cinismo, cansao, isolamentoc biografia pessoal: factores relativos personalidade, s condies e aos percursos devida que possam condicionar negativamente o professor. FACTORES RELATIVOS AO ALUNOc experincia anterior de aprendizagem: centrada na autoridade do professor e do co-nhecimento.c teorias pessoais (valores, atitudes, convices) relativas educao escolar: visoda educao como reproduo.c prticas de aprendizagem: dependentes da autoridade do professor e do conhecimen-to.c atitudes face escola: conformismo, impotncia, inrcia, desmotivao, pessimismo,cinismo, cansao, isolamentoc biografia pessoal: factores relativos personalidade, s condies e aos percursos devida que possam condicionar negativamente o aluno. sendo actualmente diversificadas as propostas tericas e metodolgicas para a superviso pedaggica, todas elas supem, de um modo ou de outro, uma preocupao comum o desenvolvimento da reflexividade profissional dos professores para a melhoria da qualidade das aprendizagens dos alunos (no contexto nacional, ver, por exemplo, alarco, 1996a e 1996b; alarco e tavares, 2003; bizarro e moreira, 2010; oliveira-formosinho, 2002; moreira, 2001 e 2005; ribeiro, 1996 e 2006; s-chaves, 2000a e 2002; vieira, 1993a; vieira et al., 2010). do nosso ponto de vista, esta preocupao implicar a defesa de uma orientao transformadora para a pedagogia escolar, com implicaes nas prticas de superviso, no- meadamente nos papis dos que nelas participam, importando encontrar modos de (inter) aco que favoream a emancipao profissional. por outras palavras, teremos de definir uma pedagogia da superviso, a qual poder reger-se pelos seguintes princpios gerais (viei- ra, 2009a, 2009b e 2010a):c articulao entre prtica reflexiva e pedagogia para a autonomia, com reflexos na defi-nio das finalidades, contedos e tarefas da superviso;14 15. 1. Superviso da Pedagogia e Pedagogia da Supervisoc indagao de teorias, prticas e contextos como condio de criticidade, necessria aque o professor se torne consumidor crtico e produtor criativo do seu saber profissio-nal;c desenho, realizao e avaliao de planos de interveno onde o professor desafie oslimites da sua liberdade e explore campos de possibilidade no ensino e na aprendiza-gem, por referncia a uma viso transformadora da educao escolar;c criao de espaos de deciso do professor e de condies para que este assumapapis potencialmente emancipatrios, por referncia a critrios como a reflexividade,a (inter)subjectividade, a negociao e a regulao;c promoo da comunicao dialgica, atravs do cruzamento de experincias, interes-ses, expectativas, necessidades e linguagens, num processo interactivo que se carac-teriza por um elevado grau de contingncia, simetria e democraticidade, facilitador daconstruo social do saber;c avaliao participada dos processos e resultados do desenvolvimento profissional e daaco pedaggica, mediante critrios de qualidade definidos luz de uma viso trans-formadora da educao.tambm aqui podemos sinalizar diversos constrangimentos operacionalizao destes prin-cpios de aco (vieira et al., 2008). entre eles salientaramos o estatuto assimtrico dosparticipantes no caso da superviso acompanhada, a diversidade de orientaes conceptu-ais relativas superviso e pedagogia, o peso de uma tradio reprodutora das prticasem ambos os campos, a inexistncia de uma formao alargada neste domnio e o carcternico e problemtico dos contextos de formao e de ensino, os quais constituem contextosmulti-sistmicos, que alarco e s-chaves (1994) descrevem como ambientes ecolgicosque exigem uma compreenso multifacetada. no caso da avaliao do desempenho dosprofessores, poderamos acrescentar a estes factores o facto de ela obedecer a uma lgicade prestao de contas com efeitos na carreira, o que pode reduzir fortemente o potencialformativo da superviso se esta for entendida como uma aco de verificao e controlo daaco docente, exercida por um sujeito avaliador sobre um sujeito avaliado.numa pedagogia da superviso de orientao transformadora, a dimenso interpessoal de-sempenha um papel central. a anlise do discurso da superviso permite-nos aceder sformas de gesto do poder na relao supervisiva, supondo-se que a anlise de quem fazo qu dizendo representa uma importante fonte de evidncia para a compreenso e redefi-nio da dimenso interpessoal da superviso acompanhada (Zeichner et al., 1988). a estepropsito, destacamos aqui as propostas tericas de glickman e colaboradores (glickman,1985; glickman et al., 2004) e de Waite (1995a), pelo seu contributo na compreenso dospapis do supervisor e do professor nos encontros supervisivos (no contexto nacional, veros estudos de abrantes, 2005; barbosa, 2003; calvrio, 2006; moreira, 2005; paiva, 2005;ribeiro, 1996 e 2006).glickman e colaboradores problematizam os estilos supervisivos por referncia s funesdiscursivas predominantes do supervisor e ao modo como estas se distribuem e sequenciamnos encontros de superviso, distinguindo trs estilos principais no-directivo, colaborativoe directivo. no mbito do ltimo, distingue ainda os estilos directivo informativo e directivode controlo, com base no grau menor ou maior de directividade exercida pelo supervisor. asfunes discursivas que caracterizam estes estilos (Quadro 2) implicam um grau crescentede controlo do supervisor sobre as decises e a aco do professor. 15 16. 1. Superviso da Pedagogia e Pedagogia da Superviso Quadro 2 Estilos supervisivosfunes prestarclari- enco- servirdarajudar a nego- orien-esta-condi- aten- ficar rajar de opi- encon-ciartar/belecer cionaroespelhonio trar so- dirigir critrios/estilos lues metasno directivocolaborativodirectivo fonte: glickman (1985), in alarco e tavares (2003). embora apelando colaborao e sublinhando os perigos do estilo directivo, os autores apontam algumas condies gerais que podem determinar a opo por cada um dos es- tilos, e que se reportam, essencialmente, predisposio e capacidade do professor para tomar decises: quanto menores forem, mais se justificar um estilo directivo por parte do supervisor. com base no modelo de liderana de p hersey e K. blanchard, defendem uma . abordagem desenvolvimentalista da superviso, onde o estilo do supervisor evolui medida que a autonomia profissional do formando evolui. no caso da avaliao do desempenho nas escolas, e tratando-se de uma avaliao interpares, parece justificar-se o recurso ao estilo no-directivo da superviso, onde predominam as funes de prestar ateno, clarificar, encorajar e servir de espelho, embora possam ocorrer as restantes, nomeadamente em situaes em que o professor necessite de maior apoio ou orientao (cf. Quadro 2). numa perspectiva mais centrada nas questes de poder nas relaes supervisivas, e que nos parece interessante considerar no mbito da avaliao do desempenho, Waite (1995a) advoga uma superviso situacional que implica a democratizao dos papis supervisivos. o supervisor situacional dever conhecer bem os contextos profissionais e promover a sua transformao, adoptando para tal uma estratgia dialgica que contrarie a natureza tenden- cialmente hierrquica, hegemnica e ritualizada das prticas discursivas convencionais. a de- finio de novas formas de dilogo profissional exige uma abertura do mbito da reflexo, a negociao de perspectivas e a construo colaborativa de uma viso da escola, do ensino e da aprendizagem, assim como uma atitude de resistncia do supervisor e do professor face a poderes institudos que determinam, em menor ou maior grau, de forma mais ou menos consciente em cada sujeito, as ideologias e as prticas educativas dominantes. com base na anlise etnogrfica de encontros supervisivos, Waite caracteriza o papel que os professores assumem por referncia a duas dimenses principais: a agenda (mais ou me- nos forte) do supervisor e a auto-determinao (mais ou menos explcita) do professor. do cruzamento destas dimenses podem emergir trs papis principais adversativo, passivo e colaborativo , apresentados no Quadro 3, cujas marcas discursivas revelam diferentes formas de exerccio do poder na interaco supervisiva.Quadro 3 Papis do professor nos encontros supervisivos Auto-determinao explcitaAuto-determinao nodo professor explcita do professor agenda rgida do supervisorpapel adversativo papel passivo agenda flexvel do supervisorpapel colaborativo--- fonte: baseado em Waite (1995a).16 17. 1. Superviso da Pedagogia e Pedagogia da Supervisonuma perspectiva dialgica, apenas o papel colaborativo far sentido, na medida em quetraduz e refora a democraticidade da relao supervisiva. na anlise do papel adversativo,principalmente caracterizado pela activao de contradiscursos pelo professor em reacoa um discurso tendencialmente hegemnico do supervisor, o autor salienta o fenmeno daresistncia como um sinal evidente da forte assimetria de poderes que muitas vezes carac-teriza as prticas supervisivas (ver, tambm, Waite, 1995b). essa assimetria tambm podeexplicar a adopo de um papel passivo, de obedincia ao supervisor, embora este papelpossa ser apenas aparente e resulte daquilo que handal e lauvs (1987) descrevem comoestratgia camalenica: o professor aparenta concordar com o supervisor de forma a evi-tar conflitos ou penalizaes na sua avaliao. trata-se de uma estratgia de sobrevivnciaque ser tanto mais utilizada quanto menor for o grau de abertura do supervisor s perspec-tivas do professor e quanto maior for o poder avaliativo daquele.a concepo relacional de poder que preside anlise proposta por Waite oferece umaperspectiva distinta da de glickman e colaboradores, na medida em que salienta o papel doprofessor na construo da relao e o papel que o supervisor pode assumir na desconstru-o colaborativa de uma cultura de superviso potencialmente opressiva para o professor.para Waite, qualquer discurso pode e deve ser problematizado e questionado como condioessencial de democraticidade, e isto vlido tanto para o discurso do professor como parao discurso do supervisor, cabendo a cada um compreender o posicionamento do outro, natentativa de compreender os fenmenos educativos. esta perspectiva parece-nos ser par-ticularmente desejvel no contexto da avaliao do desempenho, onde a superviso sersobretudo uma estratgia de (inter)compreenso com o objectivo de analisar e renovar pr-ticas. contudo, como salienta o autor, esta busca da (inter)compreenso no fcil, pois im-plica uma focalizao na comunicao autntica e na compreenso profunda dos fenmenoseducativos, mais do que na obteno imediata de respostas para problemas identificados(op. cit.: 133).num estudo sobre estratgias utilizadas em encontros supervisivos, blase e blase (1995)concluem que o desenvolvimento de relaes de colegialidade favorecedoras do crescimen-to profissional do professor depende fortemente do uso de duas estratgias: integraodas orientaes pessoais dos participantes e congruncia conversacional. a primeira incluia mobilizao de quadros pessoais de referncia (opinies, convices, expectativas, mo-tivaes), a expresso de sentimentos e emoes positivos face ao outro e a partilhade conhecimentos e experincias; a segunda envolve processos de explicitao mtua enegociao de perspectivas, prioridades e pressupostos, assim como a construo de umalinguagem comum e o recurso a fontes comuns de conhecimento. trata-se, em suma, deencontrar critrios normativos que permitam distinguir entre o exerccio legtimo e ilegtimodo poder, ou seja, entre poder facilitador e poder coercivo. de acordo com robinson (1995:115-116), fazer esta distino implica saber em que medida o processo de influncia de umsujeito sobre outro se aproxima ou afasta das qualidades de um dilogo crtico, definidocomo um processo onde os sujeitos analisam a validade das suas asseres, exercendo umcontrolo bilateral ou multilateral do dilogo. a noo de dilogo crtico assente em valo-,res como o respeito, o comprometimento com informao vlida e a liberdade de escolha,articula-se com a perspectiva dialgica de Waite e supe tambm uma democratizao dasrelaes interpessoais.face aos constrangimentos que podem afectar a superviso da pedagogia e a pedagogiada superviso, especialmente pertinente a noo do supervisor situacional apresentadapor Waite. a este caber perguntar, por exemplo, se as polticas educativas e o discurso17 18. 1. Superviso da Pedagogia e Pedagogia da Superviso oficial conferem autonomia s escolas e aos professores na definio de planos curriculares ajustados s realidades educativas; se as escolas cultivam os valores da democracia e da colegialidade, e se so receptivas a uma prtica reflexiva e investigativa; se existem condi- es favorveis a um papel interventivo e inovador na comunidade escolar (tempo, recursos, apoio, incentivo, lideranas democrticas...); etc. a ausncia de condies facilitadoras colo- ca em risco as finalidades formativas da superviso e o seu impacto na pedagogia, e da ser fundamental a reflexo crtica sobre os contextos profissionais e sobre os modos de contra- riar ou contornar as condies que dificultam uma orientao transformadora da superviso. o captulo seguinte cumpre este propsito, ao discutir que condies existem ou podem ser criadas, no contexto da avaliao do desempenho dos professores, para uma superviso da pedagogia e uma pedagogia da superviso que se aproximem do quadro tico-conceptual aqui traado.18 19. 2. avaliao e superviso: tenses e desafiosembora a avaliao seja uma tarefa indissocivel da superviso na sua funo deregulao, o conflito entre as funes de ajudar e avaliar tem de ser enfrentadoe explicitado por supervisores e professores. necessrio criar uma imagemconstrutiva da (auto-)avaliao, assente numa concepo de avaliao como ins-trumento a favor do professor e da sua actuao profissional, implicando passarde uma abordagem burocrtica (postura de controlo e sujeio) para uma maisprofissional, ou seja, para uma postura sistmica e de reconhecimento dos su-jeitos.na introduo stima alterao ao estatuto da carreira docente2, pode ler-seque o anterior estatuto acabou por se tornar um obstculo ao cumprimentoda misso social e ao desenvolvimento da qualidade e eficincia do sistemaeducativo porque se transformou, objectivamente, num factor de degradaoda funo e da imagem social dos docentes. para tal, so vrias as razes elen-cadas, entre elas, a converso da avaliao de desempenho num simples pro-cedimento burocrtico, sem qualquer contedo, o que levou a que o sistemano tenha criado incentivo e motivao para que os docentes aperfeioassemas suas prticas pedaggicas ou se empenhassem na vida e organizao dasescolas. todavia, ser que as mudanas sucessivas introduzidas no modelo tmcriado este incentivo e vieram melhorar a imagem social do professor?campos (2007: 51) pergunta at que ponto os vrios modelos e modos de ava-liar esto relacionados com a prossecuo dos objectivos que pretendem atingire com as condies contextuais em que a avaliao decorre. assim, importaperguntar: de que modo a avaliao do desempenho poder estar ao serviodas finalidades de melhoria dos resultados escolares dos alunos e da qualidadedas aprendizagens e proporcionar orientaes para o desenvolvimento pesso-al e profissional no quadro de um sistema de reconhecimento do mrito e daexcelncia, valorizao da actividade lectiva, dignificao da carreira docente,promoo da auto-estima dos docentes e motivao dos docentes? mais con-cretamente, de que modo se podem articular objectivos e finalidades de avalia-o formativa e desenvolvimentalista a avaliao ao servio da melhoria dasescolas e das aprendizagens e objectivos e finalidades de avaliao sumativa eestandardizada a avaliao ao servio da administrao e certificao?2decreto-lei n. 15/2007 de 19 de Janeiro altera (stima alterao) o estatuto da carreira ,dos educadores de infncia e dos professores dos ensinos bsico e secundrio, aprova-do pelo decreto-lei n. 139-a/90, de 28 de abril, republicado em anexo e altera o regimejurdico da formao contnua de professores, aprovado pelo decreto-lei n. 249/92, de 9de novembro. publicado no dirio da repblica, 1. srie, n. 14, de 19 de Janeiro de 2007,pp. 501-547 disponvel online em http://dre.pt/pdf1sdip/2007/01/01400/05010547 ..pdf.19 20. 2. Avaliao e Superviso: Tenses e Desafios no actual modelo, a nica resposta credvel s questes colocadas ser: dificilmente. isto porque o modelo incorpora finalidades incompatveis num mesmo processo, assentes em perspectivas epistemolgicas e ontolgicas distintas: a primeira finalidade assenta numa concepo de avaliao como actividade situada de construo de conhecimento educacio- nal (perspectiva subjectivista), enquanto a segunda concebe a avaliao como classificao e medio de desempenhos (perspectiva objectivista). em rigor, seria necessrio separar os actos de apoio melhoria do ensino ou motivao do professor dos actos de juzo avaliativo para efeitos de promoo e mrito (dunlap e goldman, 1990; pacheco e flores, 1999; daniel- son e mcgreal, 2000; nolan e hoover, 2005), ou seja, ter modelos distintos para finalidades distintas (moreira, 2009a). como salienta lvarez mndez (2002: 15), a avaliao educativa transcende a perspectiva objectivista:paradoxalmente, a avaliao tem a ver com actividades de qualificar, medir, corrigir, classi-ficar, certificar, examinar, testar mas no se confunde com elas. (...) com estas actividadesartificiais no se aprende. em relao a elas, a avaliao transcende-as. onde elas nochegam que comea, exactamente, a avaliao educativa. este autor equaciona a relao entre avaliao e conhecimento, alertando para a questo- -chave que devemos colocar quando falamos de avaliao: qual a concepo ou viso do conhecimento, da educao, do ensino, da aprendizagem, do desenvolvimento curricular, da avaliao? isto porque toda a actividade avaliativa reflecte a concepo que o avaliador tem do conhecimento, mais do que o valor que a matria a ser avaliada possa possuir em si mes- ma. assim, continua lvarez mndez, os problemas da avaliao so problemas conceptuais sobre o ensino, a aprendizagem, o currculo e a prpria educao numa sociedade democr- tica que deve pretender integrar e no segregar no fundo, no so meramente problemas tcnicos, mas epistemolgicos e ontolgicos e que importa agora abordar. assim, que noo de conhecimento profissional subjaz a uma formao/superviso de orien- tao emancipatria e transformadora? para respondermos a esta questo temos de colocar outras perguntas:Quem que pergunta pela verdade? Quem que, ao perguntar, assume que h uma es uma verdade? h muitos tipos de verdade e devemo-nos perguntar por que razo, emrelao a alguns deles, no temos qualquer dvida. () como os seres humanos no soexcntricos em relao ao mundo, a representao tem de reflectir quem representa noque representa. assim sendo, a representao no pode ser unvoca, por mais nica queseja. essa unicidade s pode ser o resultado de um consenso mais ou menos provisrio.donde vem esse consenso? dos modos de interveno no mundo que se tm como parti-cularmente vlidos (sousa santos, 2007: 5). na viso de superviso e de desenvolvimento profissional de professores que defendemos, de uso de um sistema de significados terico crtico, moderando-o com uma dose de auto- -anlise reflexiva e humildade epistemolgica (Kincheloe, 2006: 139), a natureza do conhe- cimento e os modos de interveno no mundo podem ser representados de acordo com o Quadro 4. uma racionalidade interpretativa, crtica ou sociocrtica da avaliao reconhece a sua nature- za eminentemente subjectiva e qualitativa, a agncia dos sujeitos e o compromisso activo com determinadas agendas polticas e sociais (fernandes, 2010: 20), entendendo-a como forma discursiva ancorada em relaes de poder e de luta pela criao de significados e vozes legtimas (Kincheloe, 2006: 141). tem, ento, como finalidade principal, a crtica ideol-20 21. 2. Avaliao e Superviso: Tenses e Desafiosgica e a emancipao dos sujeitos, implicando: experincia vivida e prtica reflexiva na pro-moo de aprendizagens significativas; valorizao do esforo, motivao e compromissopor parte dos agentes; credibilizao e legitimao de uma grande diversidade de talentos erealizaes, fontes, agentes e instrumentao; continuidade e evidncia longitudinal; tarefasautnticas e significativas, e padres de excelncia e sistemas avaliativos negociados pelosparticipantes; feedback imediato, claro e compreensvel; reviso peridica e avaliao dosresultados entre todos os participantes e, no menos importante, da justia e equidade doprocesso, independentemente do (in)sucesso anterior, gnero, raa, lngua, orientao sexu-al ou meio econmico ou scio-cultural dos sujeitos (ver, ainda, paris e ayres, 1994).Quadro 4 Natureza do conhecimento profissional e condies para a sua (des/re)construo O conhecimento profissional E a sua (des/re)construo pressupemultireferenciado explicitao e confronto de quadros de referncia(substncia)escrutnio da opinio prtico/ plurimetodolgico formulao de questes e construo de problemas normativo(sintaxe) recurso a metodologias diversificadas na busca de respostas eplurifacetado (morfo- identificao de obstculos epistemolgicos/razes da no terico/logia)compreenso e da inrcia reflexivovalorizao de diversas formas de conhecimento[caleidoscpico]complexificao da viso da realidadebem privadorespeito pelo conhecimento de cada umindissocivel do eu e autobiogrfi-focalizao no auto-(des)conhecimento e na aco pessoalda sua experincia co e local anlise crtica dos contextos de acosituadoreposicionamento do euidentitriobem pblico colectivizao e democratizao das formas de conhecerrelacionaldilogo crtico e comprometimento com o outro socialmenteinscrito em formas de sentido do individual no colectivo construdo coexistnciareconfigurao do eu na relao com o outroinscrito em formas delinguagem descoberta do poder da linguagem ideologi-desocultao das foras histricas e estruturais que condicio- camenteconservador/opres-nam e fossilizam o pensamento e a aco determinadosivo e transformador/ construo de teorias prticas razoveis (complexas, consisten- e determi- subversivo/libertador tes, mutveis, socialmente relevantes) nanteconstruo de alternativas re(ide)alistas (no ingnuas)valorativoexplicitao dos valores subjacentes ao pensamento e aco moraldicotomizador escrutnio e superao de dicotomiasparcial posicionamento crtico e confronto de perspectivasprovisrioinstaurao da dvida como mtodo incertoexploratriointerrogao do tcito/certo e tolerncia da ambiguidadebaseado na espe-imaginao da possibilidade (entre o que e o que deve ser)rana orientao para a plenitude aceitando a incompletudefonte: baseado em vieira (2007).neste enquadramento, a avaliao do desempenho, luz da concepo de avaliao quedefendemos, mas tambm dos modelos de superviso que nos informam, assenta nummodelo educativo para uma cidadania democrtica e educao emancipatria, onde a res-ponsabilidade, autonomia e capacidade de deciso do professor so promovidas atravsda gerao de informao vlida pelo supervisor/avaliador, da escolha livre e informada doprofessor, e do seu compromisso face mudana (glickman et al., 2004; glickman, 2002).a avaliao coloca-se ao servio da construo de comunidades de desenvolvimento profis- 21 22. 2. Avaliao e Superviso: Tenses e Desafios sional, enquanto empreendimento colectivo, interactivo, onde as oportunidades de partilha e reflexo abarcam os sucessos e os insucessos, num processo onde as lideranas devem estar preocupadas em informar, apoiar e encorajar os professores, com repercusses ao nvel da sua aprendizagem e desenvolvimento profissional, da sua realizao profissional, do sentido de auto-eficcia e do comprometimento (flores et al., 2009: 147). todavia, a avaliao do desempenho docente est, muitas vezes, desalinhada dos fins edu- cativos e formativos que deveria perseguir e longe da actividade de construo de conheci- mento que deveria constituir (cf. lvarez mndez, 2002), devido, como vimos, associao de finalidades to distintas num mesmo modelo. como argumentam formosinho e macha- do (2010: 108-109), a associao entre a superviso e a funo certificadora da avaliao do desempenho docente acarreta alguma suspeita sobre a primeira remetendo-a para uma, funo administrativa de controlo em que a eficincia e produtividade so a palavra de ordem longe de uma intencionalidade democrtica e de empowerment dos professores, (afonso, 2010). neste cenrio, seria importante situar a avaliao do desempenho numa zona de resistn- cia face s posturas de controlo (alves e machado, 2010: 8), mas as consequncias deste posicionamento podem ser dramticas, o que coloca os professores numa espcie de beco sem sada. no h solues ideais. a obsesso avaliativa actual parece ser realizada luz de modelos de gesto de qualidade de natureza panptica que tendem a transformar, cada vez mais, a escola numa espcie de avaliopticon isto , num centro de vigilncia, controlo e dominao que, mesmo no tendo , uma existncia fsica e concreta, faz com que o clima que se vive nas escolas promova a interiorizao de mecanismos de auto-punio, pelos sujeitos avaliados, que em nada contri- bui para a sua realizao humana e profissional (alves e machado, 2010). como argumenta de Ketele (2010), no quadro de uma postura sistmica e de reconhecimento da agncia e autodeterminao dos sujeitos, o que a avaliao supe no emitir um juzo sobre a pessoa do professor e os seus comportamentos nem sobre as suas prticas, mas sobre os efeitos das prticas. atravs do dilogo crtico, a avaliao como exerccio colaborativo de superviso incidir nas justificaes e consequncias da aco profissional a diversos nveis, nos seus eventuais dilemas e contradies, em busca de caminhos alternativos para professores e alunos. para isto, importa distinguir avaliao de classificao, reconceptualizar o mbito e as modali- dades da primeira e encontrar estratgias que potenciem o seu papel formativo, contrariando prticas reprodutoras de focalizao tendencialmente restritiva e com um impacto redutor sobre o desenvolvimento profissional dos professores e dos alunos. , assim, necessrio promover uma viso alargada dos agentes e objectos da avaliao no contexto supervisivo, que evidencie o seu quadro de referncia, conforme se prope no Quadro 5.Quadro 5 Agentes, objectos e quadro de referncia da avaliao na superviso AGENTES OBJECTOSQUADRO DE REFERNCIA(TICO E CONCEPTUAL) o(s) supervisor(es)condies de uma formao reflexiva o(s) professor(es)teoriascondies de uma pedagogia para a o(s) aluno(s)pedaggicos autonomia prticas outros elementos da comunidade contextos supervisivosprincpios reguladores das prticas su- educativa (encarregados de educa-pervisivas (decorrentes dessas condi- o, colegas) es) fonte: vieira (2010a: 39).22 23. 2. Avaliao e Superviso: Tenses e Desafioscomo afirmmos no incio deste captulo, necessrio criar uma imagem construtiva da(auto-)avaliao, v-la como um instrumento a favor do professor e da sua actuao profis-sional. para isso, argumenta murillo (2008: 47), um elemento crtico a ter sempre em conta a qualidade do sistema de avaliao que no depende apenas da adequao das suascaractersticas tcnicas (validade e fiabilidade), mas tambm da sua credibilidade e utilidade,assim como da transparncia e da equidade. todavia, a avaliao do desempenho docentecomporta riscos que devem ser tidos em considerao:c para ter qualidade, apresenta custos elevados;c determina o modo de actuao dos docentes, que podem cair na tentao de desen-volver o seu trabalho de modo a dar cumprimento aos objectivos da avaliao;c se no for consensualizada, conduz a problemas na sua aplicao;c se no for transparente e tecnicamente impecvel, gera problemas de credibilidade;c preciso contar com um nmero importante de avaliadores bem preparados.e para que a avaliao seja de qualidade, ter de explicitar o modelo ideal de pedagogia quedefende. tal significa que avaliadores e avaliados devem partilhar os mesmos quadros dereferncia ontolgica e epistmica, mas significa tambm que todos se considerem agentesde mudana sistmica e lderes transformadores num sentido global, vendo-se no apenascomo parte do sistema, mas como o prprio sistema: We are the system, and the systemis us (glanz, 2005).temos conscincia de que colocar a superviso e a avaliao ao servio da dignidade docen-te, da construo de comunidades de aprendizagem e da transformao da aprendizagemdos alunos e do trabalho nas escolas significa tambm lutar contra a burocratizao cres-cente e asfixiante do trabalho docente, bem como contra a falta de um tempo pblico, ouseja, um tempo para a discusso em esfera pblica que privilegie o trabalho colaborativo eos valores democrticos (giroux, 2007). o trabalho docente actual caracteriza-se frequente-mente pela procura de solues rpidas para problemas tcnicos, sacrificando a reflexo e aprocura de respostas polticas e ticas para os problemas complexos da profisso. adicional-mente, e como tivemos j ocasio de referir a propsito dos dilemas e tenses da actividadesupervisiva e avaliativa na formao inicial (vieira, 2009a; m. moreira, 2010), a assimetriaprofissional, experiencial e estatutria dos professores avaliadores e avaliados, as rotinas e atradio das prticas supervisivas, bem como o conflito entre apoio e avaliao, so tensesentretecidas na actividade avaliativa e supervisiva neste contexto. o seu reconhecimento evisibilizao torna mais evidente a necessidade de desenvolvimento de prticas dialgicasbaseadas no respeito e na explorao construtiva da diferena, sugerindo-se um estilo su-pervisivo no-directivo no acompanhamento de planos autodirigidos de desenvolvimentoprofissional (glickman, 2002), aliado ao desenvolvimento de prticas crticas no que se referes questes do exerccio de poder (Waite, 1995a; blase e blase, 1995). porque se encontramuito marcada pelos dilemas apoio versus avaliao e avaliao versus classificao, osquais se apresentam inultrapassveis no actual modelo de avaliao, a aco do supervisor//avaliador ser sempre fortemente potenciadora de estratgias de resistncia por parte doprofessor avaliado/supervisionado, mesmo que parea haver consenso entre as pessoas, ouentre as pessoas e as regras de conduta institucionais (m. moreira, 2010). 23 24. 2. Avaliao e Superviso: Tenses e Desafios Quadro 6 Interrogar a qualidade da avaliao do desempenhoas dimenses avaliadas remetem para uma viso actualizada do ensino, da aprendi-Actualidade zagem e do desenvolvimento do professor e da escola?as dimenses avaliadas remetem para aspectos essenciais da qualidade da educaoEconomiaescolar (evitando um desvio de ateno para aspectos secundrios e/ou a burocrati-zao dos processos avaliativos)?a avaliao pode ser sustentada em evidncias de modo a elevar a credibilidade dosresultados?os procedimentos avaliativos podem ser operacionalizados sem uma sobrecarga ex-Aplicabilidadecessiva do tempo/trabalho dos professores/avaliadores?as expectativas colocadas na avaliao so razoveis?os procedimentos avaliativos so inteligveis nos seus propsitos, linguagem e modode realizao?existe consistncia entre o projecto educativo da escola e as dimenses da avalia-o?existe consistncia interna nos/entre os diversos instrumentos ou estratgias de ava-Consistncialiao?existe a possibilidade de triangular informao de diferentes agentes da avaliao(professor, coordenador de departamento, presidente do executivo)?as dimenses da avaliao so, na generalidade, transversais s diversas reas doTransversalidadecurrculo, aos nveis de escolaridade, aos mtodos/estilos de ensino?as dimenses e procedimentos da avaliao so consensualmente aceites na comu-nidade escolar?os procedimentos avaliativos integram o debate interno sobre as finalidades, as es-tratgias, os dilemas, as dificuldades da avaliao?existem mecanismos de gesto de conflitos/interesses no sentido de garantir proce-Colegialidade dimentos transparentes e ajustados?os procedimentos avaliativos pressupem a coordenao entre os diversos avalia-dores?os procedimentos avaliativos pressupem a colaborao entre avaliados e avaliado-res?as dimenses e os procedimentos da avaliao permitem valorizar o trabalho (indivi-dual e colectivo) dos professores?os resultados da avaliao permitem caracterizar o trabalho (individual e colectivo)dos professores na sua diversidade e riqueza?a avaliao tem uma finalidade formativa (individual e colectiva), mais do que umaRelevnciafinalidade de controlo?os resultados da avaliao contemplam os factores contextuais que os explicam,evitando leituras simplistas, deturpadas e eventualmente injustas da realidade ava-liada?os resultados da avaliao so objecto de debate interno no sentido de delinear es-tratgias de melhoria colectivamente assumidas?os agentes que coordenam/dinamizam o processo avaliativo assumem uma lideran-Liderana a informada, atenta, interessada, flexvel e empenhada na resoluo de potenciaisdificuldades ou conflitos? dada a complexidade da avaliao do desempenho, impe-se uma sempre vigilante atitude de auto-controlo, auto-superviso e auto-questionamento por parte do avaliador, na ausncia de mecanismos de superviso do supervisor. apresentamos no Quadro 6 algumas questes de reflexo que podem promover a superviso das prticas de avaliao do desempenho, ou24 25. 2. Avaliao e Superviso: Tenses e Desafiosseja, a interrogao da sua qualidade, aqui definida luz dos seguintes critrios: actualidade,economia, aplicabilidade, consistncia, transversalidade, colegialidade, relevncia e lideran-a (vieira e moreira, 2008a: 111).como argumenta sanchez (1985, cit. in simes, 2000: 50), uma coisa medir a compe-tncia dos professores, outra bem distinta mudar a sua actuao. no enquadramentosocioconstrutivista crtico que propomos, a avaliao visa mudar a actuao docente, atra-vs da reflexo crtica sobre os fins e meios da educao, com recurso a estratgias (auto-)supervisivas potencialmente transformadoras da aco e das situaes de trabalho. algu-mas dessas estratgias so apresentadas no captulo seguinte: a observao de aulas, asnarrativas profissionais e a investigao-aco. 25 26. 3. para a transformao da prtica docente:estratgias de supervisouma prtica de superviso transformadora assume uma dimenso estratgica,pressupondo uma intencionalidade e um esquema de aco, o qual pode terdiferentes graus de extenso temporal, amplitude ou sistematicidade.o Quadro 7 sintetiza estratgias supervisivas que podem ser mobilizadas nosentido de operacionalizar os princpios de superviso que defendemos: inda-gao crtica, interveno crtica, democraticidade, dialogicidade, participao eemancipao.Quadro 7 Estratgias de superviso: operacionalizao, princpios e participantes ESTRATGIAS FORMAS DE REGISTO/PRINCPIOS DE SU-PARTICIPANTES/RECOLHA DE INFORMA- PERVISO(ACTORES DAOSUPERVISO)auto-questiona- Questionrios/guiesmento/auto- notas de campo-avaliaoregistos reflexivos* gravao (udio/vdeo)dilogo indagao notas de camporeflexivo crtica registos reflexivos* formador-anlise-supervisor grelhas/guies intervenodocumentalcrtica Questionrioinquritoformando- entrevista (notas de campo -professor ou gravao) democraticidade grelhas gravao (udio/vdeo)alunosobservao de dialogicidadeaulasnotas de campo registos reflexivos*(outros cola-participao notas de campoboradores)narrativasprofissionaisregistos reflexivos*emancipaoporteflio dedocumentos da prticaensino registos reflexivos*investigao- (todos os anteriores)-aco* os registos reflexivos podem incluir momentos de descrio, interpretao e problemati-zao. podem ser relatos de prticas/experincias, relatos de incidentes crticos, reflexessobre a formao, registos de auto-avaliao, etc. 27 27. 3. Para a Transformao da Prtica Docente: Estratgias de SuperViso nas seces que se seguem, daremos destaque a algumas destas estratgias, por nos pa- recerem especialmente importantes e tambm por apresentarem alguma complexidade: a observao de aulas, as narrativas profissionais (dirio reflexivo, estudo de casos, porteflio de ensino) e a investigao-aco. apresentamos, na figura 2, uma esquematizao possvel da sua interrelao, baseada em simes (2000: 49). no centro encontramos a observao de aulas, enquanto estratgia privilegiada de recolha de informao incidente na dimenso identitria da aco docente: a dimenso da pedagogia. gravitando sua volta, encontramos as narrativas profissionais (estudo de casos, dirio reflexivo e porteflio de ensino), enquanto instrumentos epistmicos subjectivistas ao servio de uma avaliao dos processos de ensi- no e aprendizagem de natureza socioconstrutivista crtica e de uma superviso de orientao transformadora, coadjuvadas pela investigao-aco, enquanto metodologia e estratgia de construo de conhecimento prtico e situado, de orientao emancipatria para professo- res e alunos. Figura 2 Estratgias de superviso: sua interrelaoDirio reflexivo Estudo deObservaode Observao de Porteflio de casosaulas aulasensinoInvestigao- - aco fonte: baseada em simes (2000: 49). Quaisquer que sejam as estratgias utilizadas, o desenvolvimento profissional contnuo e implica competncias de formao permanente. fullan (1995: 255) salienta quatro: constru- o de uma viso pessoal do ensino, indagao, capacidade e colaborao. nesta perspec- tiva, a superviso dever criar oportunidades para que o professor desenvolva estas compe- tncias e se torne supervisor crtico do seu prprio desenvolvimento profissional. 3.1 Observao de aulas no possvel falarmos em observao de aulas como estratgia de superviso e desen- volvimento profissional sem nos referirmos ao modelo de superviso clnica. dos modelos e abordagens que tm sido propostos para a superviso pedaggica (tracy, 2002), este aquele que, em diferentes verses, mais resistiu prova do tempo. por outro lado, tam-28 28. 3. Para a Transformao da Prtica Docente: Estratgias de SuperVisobm aquele que, no contexto da avaliao de desempenho, pode apoiar a observao deaulas e a reconstruo das prticas dos professores. desenvolvido nos eua a partir da dca-da de 60 em reaco a prticas de teor inspectivo (cogan, 1973; goldhammer et al., 1980),e apresentado pela primeira vez em portugal por alarco (1982), o modelo sofreu, desdeento, uma ampla vulgarizao, sobretudo na formao inicial, pelo reconhecimento dassuas potencialidades formativas nos processos de superviso acompanhada. da sua longahistria, salientaremos a perspectiva original do modelo com base na obra de goldhammeret al. (1980) e uma perspectiva mais crtica, onde destacaremos o trabalho de smyth (1989e 1997). no seu conjunto, estas perspectivas evidenciam dimenses importantes da super-viso clnica e fornecem um enquadramento para a observao de aulas.goldhammer et al. (1980: 26-27) apontam algumas caractersticas principais da supervisoclnica: uma tecnologia para melhorar a instruo que implica uma interveno deliberadano processo instrucional; orientada por finalidades e combina necessidades individuais ecolectivas de desenvolvimento profissional; supe uma relao de trabalho entre superviso-res e professores que requer confiana mtua, traduzida em compreenso, apoio e compro-metimento nos processos de desenvolvimento profissional; sistemtica, embora requeirauma flexibilizao e actualizao constante da sua metodologia; cria uma tenso produtivano sentido de ultrapassar o desfasamento entre o real e o ideal; pressupe que o supervisorsaiba mais do que o professor acerca da instruo e da aprendizagem e requer a formaodo supervisor.centrado na observao e anlise colaborativa das prticas de ensino e aprendizagem como objectivo de as melhorar, o modelo operacionalizado atravs de ciclos de observaocompostos por trs fases principais: pr-observao -> observao -> ps-observao , nasquais podemos destacar algumas tarefas gerais, apresentadas no Quadro 8.Quadro 8 Tarefas do ciclo de observaoPR-OBSERVAOOBSERVAOPS-OBSERVAO promover um clima relacional facilitador promover um clima relacional da construo/negociao de saberes. adoptar um comportamentofacilitador da construo /nego-discreto, no intrusivo, de ciao de saberes. discutir as intenes e estratgias do observao. professor relativamente aula a obser-fornecer feedback informativo var. recolher informao em fun- e no ameaador da auto-esti-o dos objectivos/formas ma/confiana do professor. compreender os factores contextuais re- de observao definidos. levantes observao a efectuar.descrever, interpretar, confron-recorrer a diversas formastar e reconstruir teorias e pr- definir objectivos, enfoques e estrat- de registo da informao. gias de observao e distribuir tarefas de ticas. observao entre os observadores.conciliar registos descritivosencorajar uma atitude indagat-com registos interpretati-ria face prtica. desenhar/adaptar instrumentos de ob- vos. servao, global ou focalizada.avaliar o ciclo de observao. fonte: baseado em vieira (1993a).ao longo destes ciclos, assumem especial importncia a recolha e anlise de informao e a co--responsabilizao do supervisor e do professor na melhoria da qualidade das prticas, mastambm a regulao conjunta dos processos supervisivos pela avaliao sistemtica da suaeficcia quanto consecuo das suas finalidades e qualidade da relao interpessoaldesenvolvida, uma dimenso muito valorizada pelos seus defensores, de que exemploparadigmtico o trabalho de blumberg (1980). este autor caracteriza a superviso acompa-29 29. 3. Para a Transformao da Prtica Docente: Estratgias de SuperViso nhada como um processo de interveno interpessoal e problematiza o papel do supervisor por referncia a trs tarefas bsicas: fornecimento de informao vlida na resoluo dos problemas pedaggicos do professor, desenvolvimento da sua autonomia com base na liber- dade de escolha e na fundamentao das suas opes, e promoo do seu envolvimento na tomada de decises. do ponto de vista ideolgico, a superviso clnica pressupe a defesa de valores como a colegialidade, a confiana mtua, a auto-suficincia, a liberdade, a autonomia e o esprito cr- tico, no ensino e na superviso do ensino, para todos os actores envolvidos. esta dimenso tica e poltica do modelo talvez menos conhecida do que a sua dimenso metodolgica (faseamento), embora para os seus proponentes no possa conceber-se uma sem a outra, o que torna o modelo particularmente exigente para quem o quiser adoptar. como salientam goldhammer et al. (1980: 206), a superviso dever ser, fundamentalmente, uma prtica humanista e emancipatria, conceptualmente robusta, fundada na humildade intelectual e focada na descoberta de conhecimento que sustente a renovao criativa de prticas. a apropriao deste modelo ao longo dos tempos revela uma oscilao entre abordagens mais tecnicistas ou transformadoras. salientamos, no mbito das ltimas, a que proposta por smyth. numa orientao crtica da superviso clnica, o autor define-a como instrumento de emancipao individual e colectiva dos professores, supondo o desenvolvimento de rela- es simtricas de colaborao entre estes e destes com os supervisores. criticando uma viso tecnicista da formao e do ensino, o autor considera que s a reflexo crtica pode conduzir a uma prtica supervisiva indagatria, a qual deve integrar quatro tarefas essenciais (1989, 1997): descrio (o que fao?), interpretao (quais as justificaes e implicaes da minha aco?), confronto (que prticas, valores e interesses serve a minha aco e a expli- cam?) e reconstruo (que formas alternativas de aco existem e como posso desenvolv- las?). a adopo de uma abordagem problematizadora face s prticas implica que os pro- fessores se interroguem, de modo sistemtico, quanto sua origem e direco, colocando questes do tipo (smyth, 1997: 1102): Que finalidades e interesses servem? Que viso representam e a que necessidades se dirigem? Que vozes so excludas ou silenciadas? por que razo determinados pontos de vista so dominantes? Que concesses e resistncias existem? como se expressam as questes do poder, do profissionalismo e da autonomia no ensino? Que alternativas podero ser consideradas e realisticamente adoptadas? por onde e com quem comear? como o autor afirma (op. cit: 1103), a nfase colocada nas foras histricas e estruturais que determinam as prticas educativas e reproduzem o status quo, procurando-se a sua superao atravs da resistncia activa a todas as formas de autoridade opressivas e anti-democrticas. o professor concebido como actor intelectual e poltico, e o ensino como uma forma de debate e luta em torno de ideias e ideais importantes (op. cit.: 1102). um modelo crtico de superviso clnica envolve a radicalizao da colegialidade e da cola- borao no trabalho dos professores, e destes com os supervisores, contrariando uma con- cepo hierrquica da superviso, que passa a ser entendida como uma tarefa a realizar com os professores e no sobre os professores (angulo rasco, 1999). o modelo articula-se, pois, com a abordagem dialgica de Waite (1995a), a que j fizemos referncia no captulo 1. nesta perspectiva, a observao de aulas dever obedecer a um conjunto de princpios que passamos a enunciar (vieira, 1993b):c as funes prospectiva e retrospectiva do ciclo de observao devem garantir proces-sos de descrio, interpretao, confronto e reconstruo de prticas, reforando as30 30. 3. Para a Transformao da Prtica Docente: Estratgias de SuperVisodimenses colaborativa, experimental e investigativa da regulao dos processos deensino e aprendizagem;c a observao fortemente condicionada por factores do observador (experincia pr-via, expectativas, teorias prticas do ensino e da superviso), importando formar osprofessores na observao a fim de garantir o seu envolvimento crtico nos encontrosprvios e posteriores s aulas observadas;c os objectivos e formas de observao devem ser negociados com o professor obser-vado, de modo a garantir a sua transparncia e relevncia; o modo como se observano independente do objecto da observao, ou seja, o segundo deve determinar,pelo menos parcialmente, os parmetros de observao mobilizados, o que releva asdimenses didctica e focalizada da observao;c o carcter situacional da observao obriga o observador ao conhecimento dos contex-tos como condio de compreenso do que observa, da negociao de perspectivas eda relevncia do seu papel no desenvolvimento profissional do professor;c o ciclo de observao deve ser objecto de regulao, sobretudo pela avaliao partici-pada da sua eficcia no desenvolvimento profissional do professor;c a observao no uma estratgia de avaliao do professor, mas sim de regulaocolaborativa de prticas, devendo motivar a construo de uma viso intersubjectivadas metas e processos da educao escolar.estes princpios supem a participao dos professores na definio de objectivos, enfoquese instrumentos de observao, assim como na recolha e anlise de informao, o que requera democratizao de papis na observao de aulas (ver, por exemplo, paiva, 2005; costa,2007; ferreira e azevedo, 2010).operacionalizar o ciclo de observao implica disponibilidade de tempo para que os profes-sores possam reunir antes e aps a aula. observar uma aula sem que haja um encontroprvio e outro posterior corresponde a anular a dimenso dialgica da observao e a co--responsabilizao dos actores nas tarefas que a observao formativa implica. ao faz-lo,estamos tambm a reduzir a sua fiabilidade, na medida em que apenas o juzo do observador colocado em jogo. assim, quando as condies de trabalho nas escolas no possibilitama realizao do ciclo, h que encontrar alternativas como a comunicao por correio elec-trnico ou a produo de registos reflexivos trocados entre os professores, de forma a queno se perca por completo o potencial formativo da observao. tambm possvel proce-der ao registo udio ou vdeo da aula em questo, de forma a possibilitar uma anlise maispormenorizada da mesma, realizada individualmente ou em conjunto. neste caso, ser tilseleccionar segmentos da aula mais significativos, de forma a rentabilizar o tempo disponvelna discusso aprofundada dos aspectos que forem considerados mais relevantes.apresentamos, na figura 3, um exemplo de guies de apoio realizao dos encontros depr e ps-observao de aulas (vieira e moreira, 2008a), a usar pelos professores avaliador eavaliado, tendo em vista a operacionalizao do ciclo de observao clnica. luz de uma viso transformadora da superviso, o ciclo de observao assume a funoprincipal de problematizar prticas e possibilidades no mbito da pedagogia, conforme afigura 4. 31 31. 3. Para a Transformao da Prtica Docente: Estratgias de SuperViso3 Figura 3 Guies de pr e ps-observao de aulasGuio de Pr-Observao1. conversa sobre a finalidade da observao e o que os professores observador e observado esperamdela.2. estabelecimento de confidencialidade (garantia ao professor observado de que no ir divulgar informa-o junto de outros, excepo dos que tm responsabilidades na observao: comisso de avaliao,direco).3. reflexo sobre a aula a observar.exemplos de questes a discutir na pr-observao: a. Que caracterizao faz da turma? Que abordagem de ensino tem vindo a adoptar? b. Quais so os objectivos da aula? e os contedos? est prevista alguma modalidade de avaliao? c. como ir ser abordado o contedo? Que estratgias? d. Quais so os passos da aula? e. Que aprendizagens devem realizar os alunos nesta aula? f. Que dificuldades prev? como pensa resolv-las? g. h algum aspecto especfico sobre o qual a observao se deva centrar?(por exemplo, participao dos alunos, ritmo, fases da aula, uso dos recursos, questionamento dos alunos, momentos de verificao/feedback, interaco entre os alunos, trabalho de grupo, instru- es, apresentao/explicao de conceitos/matrias, mtodo de ensino, etc.) a. _________________________ b. _________________________ c. _________________________ h. como se sente relativamente observao? i. Que questes gostaria de discutir? Guio de Ps-Observaoanlise dos aspectos observados e estratgias de melhoria (ver guio de pr-observao, questo g): a. estratgia futura e justificao: b. estratgia futura e justificao: c. estratgia futura e justificao: 3 traduzido e adaptado de gsi teaching and resource center, university of california (http://gsi.berkeley. edu/faculty/facwithgsis/observation.html).32 32. 3. Para a Transformao da Prtica Docente: Estratgias de SuperViso Figura 4 A observao como problematizao de possibilidades O qu?Porqu?Para qu? Alternativas? descrever[ Justificar [ equacionar implicaes[ imaginar e agir5fonte: adaptado de vieira (2010a: 38).vejamos alguns exemplos de instrumentos de observao que podem promover os proces-sos identificados na figura 4 e que ilustram diferentes modalidades de observao quantoao seu grau de estruturao (definio apriorstica dos parmetros a observar) e de focaliza-o (incidncia em aspectos particulares da pedagogia).uma observao no estruturada e no focalizada corresponde a uma observao naturalis-ta, em que os registos do observador so livres, embora no devamos esquecer que elesso sempre condicionados pelas suas concepes e expectativas. por vezes, recorre-se auma especificao mnima dos objectivos da observao, atravs da definio de algunstpicos ou questes orientadoras de mbito muito geral (por exemplo, aspectos positivosversus aspectos a melhorar). o recurso a formas de observao mais estruturadas e fo-calizadas visa analisar mais de perto as prticas pedaggicas, definindo-se parmetros deobservao e estabelecendo-se uma relao mais estreita entre observao e pedagogia.a principal desvantagem deste tipo de observao prende-se com uma reduo do campode anlise, o qual delimitado pelos parmetros de observao definidos, o que por suavez limita a comunicao acerca da aula, podendo levar excluso de assuntos que seriaimportante discutir. a este propsito, e no sentido de intensificar a dimenso dialgica daobservao de aulas, Waite (1999) prope uma tcnica nula que consiste em no usarqualquer instrumento de observao nem definir qualquer agenda para a discusso da aula,deixando que essa discusso flua em funo dos interesses dos professores observador eobservado, num registo conversacional e democrtico.portanto, as possibilidades de observao so variadas. destacamos aqui o uso de grelhasde observao, uma vez que podem objectivar o enfoque e criar uma base de reflexo paraos professores, para alm de instigarem a explicitao das suas teorias pessoais acercado ensino e da aprendizagem. pressupe-se que qualquer grelha incorpora uma viso deeducao e deve ser discutida com o professor que vai ser observado, ou construda comele. em muitas situaes, o uso de uma grelha de observao decorre da deteco de umproblema especfico, visando a sua compreenso e resoluo, o que significa que ela ter deser construda de raz ou adaptada de outras, inscrevendo-se numa estratgia de observaoad hoc que s faz sentido face a esse problema e que ser abandonada quando o problemaestiver estudado ou solucionado.o procedimento geral de utilizao de grelhas de observao no mbito do ciclo de obser-vao poder ser o seguinte: c reunio prvia entre os professores observador e observado para discusso da planifi- cao/materiais da aula a observar, luz das dimenses da grelha; c observao com base na grelha (registos do observador); 33 33. 3. Para a Transformao da Prtica Docente: Estratgias de SuperViso c reflexo individual dos professores observador e observado com base na grelha (o professor observado pode preencher a grelha aps a aula reflexo retrospectiva); c reunio entre os professores observador e observado para discusso da aula obser- vada luz das dimenses da grelha (confronto de registos e perspectivas; desenho conjunto de estratgias futuras; avaliao da utilidade da observao efectuada); c relatrio sumrio do ciclo de observao pelo professor observador e, eventualmente, pelo professor observado (partilha dos relatrios); c arquivo dos documentos do ciclo de observao (dossis dos professores observador e observado). comecemos com uma grelha de observao global, apresentada na figura 5, onde se pre- tende abarcar dimenses gerais da pedagogia. esta grelha foi concebida no sentido de apoiar a observao de aulas no mbito do processo de avaliao do desempenho nas escolas, numa fase inicial da implantao desse processo4. tinha-se como propsito construir um instrumento que fosse passvel de utilizao por observadores no especializados, e que fosse tambm til reflexo sobre a prtica profissional em dimenses centrais.Figura 5 Grelha de observao globalA abordagem do(a) professor(a) promoveu/criou oportunidades para...Aprendizagens significativas no mbito da disciplina (contedos substantivos)(aprendizagens ajustadas ao programa e aos alunos competncias prvias, interesses, necessidades;teis noutras situaes de aprendizagem e/ou em situaes do quotidiano; desafiadoras)aspectos conseguidos e a melhorar:Aprender a aprender construo de competncias de aprendizagem (da disciplina e/ou transversais)(reflexo sobre dificuldades e estratgias de aprendizagem; trabalho independente/autodireco; espri-to/trabalho colaborativo; negociao; esprito crtico; auto/hetero-avaliao; avaliao do ensino)aspectos conseguidos e a melhorar:Explorao de materiais e recursos com valor educativo(uso de materiais e recursos que possibilitam expandir competncias, aprofundar conhecimentos, pes-quisar informao, comunicar com outros, confrontar ideias, reflectir sobre a aprendizagem)aspectos conseguidos e a melhorar:Dilogo educativo (professor-alunos; entre alunos)(expresso de sentimentos, ideias, opinies, experincias; convivncia democrtica; comunicao inclu-siva; participao equilibrada; relacionamento afvel; colaborao e respeito; resoluo de problemas/conflitos; partilha de dvidas; feedback positivo e apoio na resoluo de dificuldades)aspectos conseguidos e a melhorar:Outras dimenses a considerarSugestes/ideias para reflexo fonte: vieira e moreira (2008a: 118-119). 4 a construo deste e de outros instrumentos de apoio avaliao do desempenho teve lugar em 2007/2008 no seio do gt-pa (grupo de trabalho-pedagogia para a autonomia), um grupo de investiga- dores/formadores da universidade do minho e professores dos ensinos bsico e secundrio, criado em 1997 o resultado desse trabalho foi divulgado nos cadernos 5 do gt-pa e nas actas do 4. encontro do . grupo (vieira et al., 2009).34 34. 3. Para a Transformao da Prtica Docente: Estratgias de SuperVisoFigura 6 Grelha de observao de papis pedaggicos numa pedagogia para a autonomiaGRELHA DE PR- E PS-OBSERVAO Pedagogia para a autonomia: papis do aluno e do professor turma:registos de ocorrncia: data:pr-observao: : previsto observador:ps-observao: : ocorreX: no ocorre ?: incerteza professor observado: passos da aula PAPIS DO ALUNO Reflexo (promoo da reflexo sobre o contedo e o processo de aprendizagem) 1. o aluno reflecte sobre contedos da disciplina 2. o aluno reflecte sobre o processo de aprender (ver regulao) Experimentao (promoo de estratgias de aprendizagem) 3. o aluno descobre e experimenta estratgias: na aula___/fora daaula___. 4. o aluno explora recursos/situaes: pedaggicos___/no-pedag-gicos___. Regulao (promoo da regulao de experincias de aprendizagem) 5. o aluno monitoriza atitudes, representaes, crenas. 6. o aluno monitoriza conhecimento e capacidade estratgicos. 7 o aluno avalia resultados e progressos da aprendizagem.. 8. o aluno identifica problemas e necessidades de aprendizagem. 9. o aluno define objectivos e planos de aprendizagem. 10. o aluno avalia o processo didctico. Negociao (promoo da co-construo de experincias de aprendizagem) 11. o aluno colabora com os colegas: pares___/grupos___/turma___ 12. o aluno colabora com o professor. 13. o aluno toma iniciativas, realiza escolhas e toma decises.PAPIS DO PROFESSOR O professor... 1. encoraja os alunos a assumir posies crticas face a valores e pr-ticas sociais e educativos 2. envolve os alunos na procura de solues adequadas (embora nonecessariamente ideais) 3. partilha teorias pedaggicas, responsabilidades e decises com osalunos 4. articula a dimenso pessoal da aprendizagem com a natureza so-cial e interactiva da cultura da sala de aula 5. promove a comunicao, onde todos tm o direito de se expressare de contribuir para a co-construo de sentidos 6. recolhe informao dos/sobre os alunos de modo a compreenderos seus processos de aprendizagem e a sua evoluo (por exem-plo, dilogo, observao...) 7 analisa com os alunos a informao recolhida com o objectivo de.melhorar as prticas de ensino e de aprendizagemfonte: ribeiro (2008: 92). 35 35. 3. Para a Transformao da Prtica Docente: Estratgias de SuperViso embora o instrumento da figura 5, pouco estruturado e pouco focalizado, vise contemplar dimenses estruturantes de uma aula e contemple j alguns aspectos de uma pedagogia centrada nos alunos, podemos recorrer a instrumentos um pouco mais focados nesta abor- dagem, como, por exemplo, a grelha da figura 6, mais estruturada do que a anterior, onde o enfoque recai nos papis pedaggicos do aluno e do professor (cf. Quadro 1, no captulo 1), com a particularidade de permitir, para cada passo da aula, um registo prvio na fase de planificao e outro posterior na fase de anlise, possibilitando o confronto entre o que foi previsto e o que de facto ocorre.Figura 7 Grelha de observao da aprendizagem cooperativaPROFESSOR E TURMA DISCIPLINA E ASSUNTO OBSERVADOR(A) DATA DE OBSERVAOa informao aos alunos sobre as competncias de contedo a desen-volver foi clara? COMPETNCIAS a informao aos alunos sobre as competncias de colaborao a de-senvolver foi clara? Contedo e colaboraoo ensino de competncias de colaborao foi adequado? (se aplicvel)a informao aos alunos sobre a tarefa a realizar foi clara?a tarefa decorreu do modo planeado? se no, porqu?DESENVOLVIMENTO DATAREFA DE APRENDIZA-a dimenso dos grupos favoreceu a interaco entre os alunos?GEM COOPERATIVAInformao sobre a tarefaa composio dos grupos favoreceu a interaco e o apoio entre osalunos? Desenvolvimento da tarefa(plano) Formao de grupos a organizao espacial promoveu a interaco nos/com os grupos? Organizao espacialos materiais didcticos favoreceram a interdependncia positiva?Materiais e papis:interdependnciaos papis dos alunos favoreceram a interdependncia positiva?Monitorizao e apoio Partilha e sistematizao do os grupos foram monitorizados e apoiados de forma adequada?trabalhoo trabalho dos grupos foi partilhado e sistematizado de forma adequa-da? APRENDIZAGENSas competncias (contedo e colaborao) foram desenvolvidas?EFECTUADAS SUGESTES DE MELHORIA fonte: baseado em Johnson et al. (1984).36 36. 3. Para a Transformao da Prtica Docente: Estratgias de SuperVisoimaginemos, contudo, que queramos observar um aspecto especfico desta grelha o tra-balho colaborativo dos alunos em sala de aula. neste caso, poderamos construir uma grelhamais focalizada em dimenses particulares do trabalho cooperativo, que seria apenas vlidapara a observao de tarefas realizadas por pares ou grupos de alunos. apresentamos umexemplo na figura 7 que integra princpios da aprendizagem cooperativa.,em qualquer um dos casos apresentados, podemos identificar uma orientao terica subja-cente aos parmetros sugeridos, ou seja, uma determinada viso de educao. para ilustraro modo como um mesmo fenmeno pode ser observado sob diferentes pontos de vista ouvises de educao, atentemos no exemplo seguinte (vieira, 2009c: 33-34).imaginemos uma turma bastante heterognea, com nveis de participao muito desiguais.imaginemos que queremos observar uma aula para analisar esta situao e poder alter-la,e que para tal pedimos ajuda a um colega e definimos com ele um conjunto de aspectosa observar. Que aspectos? no Quadro 9 so apresentadas duas hipteses que viso deeducao traduz cada uma delas? em que direco caminhamos quando usamos uma ououtra? Quadro 9 Um problema, duas hipteses de observao ASPECTOS A OBSERVAR NA AULAHiptese AHiptese B Quantos alunos (no) participam na aula? so criadas oportunidades na aula para que todos Quando o fazem, por sua iniciativa ou porque so possam participar? (por exemplo, h momentos directamente questionados pelo(a) professor(a)?de trabalho em pares/grupos?) os que participam activamente respondem correcta-os alunos tm espao para trocar ideias/opini- mente s questes colocadas? es/dvidas...entre si e com o(a) professor(a)? os que no participam parecem atentos? as actividades permitem respostas diversifica-das em funo de diferentes estilos e ritmos de o(a) professor(a) coloca questes aos mais calados?aprendizagem? estes respondem correctamente s questes coloca-o(a) professor(a) valoriza todas as intervenes? das? de que modo? o(a) professor(a) ajuda os alunos que revelam dificul- o(a) professor(a) certifica-se de que a linguagem dades? utilizada (em explicaes, instrues, questes, como reagem os alunos a essa ajuda?textos...) acessvel a todos os alunos? ...na hiptese a, no se estabelece uma relao clara entre a participao dos alunos e as op-es pedaggicas do professor, como se pudssemos compreender e alterar a primeira semquestionarmos as segundas. pelo contrrio, na possibilidade b so essas opes que estoem causa: os espaos de participao efectivamente criados, a natureza das intervenese das actividades, e ainda a acessibilidade do discurso da aula. a viso de educao aquipatente evidencia a necessidade de desenvolver prticas inclusivas e relevantes, enquantona hiptese a se valoriza tacitamente um ensino conduzido pelo professor, onde a (falta de)participao dos alunos relacionada sobretudo com tcnicas de questionamento e o (des)conhecimento da matria evidentemente, usar uma ou a outra hiptese conduz-nos por.caminhos diferentes, nomeadamente no que diz respeito imaginao de possibilidadespara a resoluo do problema detectado.nos exemplos de observao at aqui apresentados, no h uma inteno de avaliao su-mativa do desempenho do professor, mas sim de problematizar prticas e possibilidades:descrever, justificar, equacionar implicaes, imaginar e agir (cf. figura 4 anterior). este umponto central da abordagem que aqui defendemos, e que nos afasta de uma noo de ob-37 37. 3. Para a Transformao da Prtica Docente: Estratgias de SuperViso servao directamente associada atribuio de nveis de desempenho. alis, recomenda- -se que os instrumentos de observao evitem