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CADERNO ESPECIAL AMAZNIA OFTA-SAEI 2008 Artigos produzidos pelo Observatrio de Fenmenos Transnacionais nas AmØricas relacionados ao tema sugerido para pesquisa e anÆlise pela Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais em 2008

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CADERNO ESPECIAL AMAZÔNIA OFTA-SAEI 2008

Artigos produzidos pelo Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas relacionados ao tema sugerido para pesquisa e análise pela Secretaria de

Acompanhamento e Estudos Institucionais em 2008

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Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas

OFTA

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Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas

OFTA

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Agradecimentos

Primeiro gostaríamos de reconhecer a excelência, o entusiasmo a boa

vontade dos membros do Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas

(OFTA), autores e organizadores deste caderno especial Amazônia.

Orgulhamo-nos muito da parceria com a Secretária de Acompanhamento e

Estudos Institucionais (SAEI) que proveu o tema para a pesquisa e análise do OFTA e

somos gratos em especial a Srta. Paula Lima, Secretário José Alberto Cunha Couto e o

Secretário-Adjunto Ministro José Antônio de Castello Branco de Macedo Soares.

Agradecemos a Faculdades de Campinas (FACAMP) pela específica e

constante dedicação ao OFTA e sobretudo pelo sofisticado sistema de ensino que nos

incitou a pesquisa e ao pensamento crítico num complexo Zeitgeist. Somos gratos em

especial a nosso coordenador e principal incentivador, Professor Lício da Costa

Raimundo, ao Prof. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e a direção da FACAMP, nas figuras

dos Professores João Manuel Cardoso de Mello e Liana Aureliano.

Gostaríamos de agradecer em especial ao Dr. Evaristo Eduardo de Miranda,

chefe geral da Embrapa Monitoramento por Satélite pela nova parceria realizada

junto a FACAMP e OFTA.

Por último, dedicamos este trabalho ao pai do nosso querido Alcides e ao pai

da nossa estimada Érika que recentemente nos deixaram. Sabemos que ambos estarão

num plano mais elevado orientando, trabalhando e guiando nossos amigos até o

reencontro.

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Observatório de Fenômenos Transnacionais nas Américas

OFTA

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ÍNDICE

APRESENTAÇÃO: AMAZÔNIA EM UMA NOVA PROBLEMATIZAÇÃO................................ 5A ABORDAGEM SOBRE A AMAZÔNIA LEGAL E SEUS NOVOS ATORES........................... 10

1. Introdução ........................................................................................................ 102. Índios ................................................................................................................ 113. Ambientalistas.................................................................................................. 134. ONGs................................................................................................................. 175. Considerações finais......................................................................................... 196. Referências Bibliográficas ................................................................................ 20

AMBIENTALISMO E A ATUAÇÃO DAS ONGS NA AMAZÔNIA ......................................... 221. Introdução ........................................................................................................ 222. Formas de Ambientalismo a partir da formação do Direito Internacional doMeio Ambiente........................................................................................................... 233. O ambientalismo no Brasil ............................................................................... 264. Intervenção Ambientalista e Internacionalização da Amazônia...................... 275. Considerações Finais ........................................................................................ 316. Referências Bibliográficas ................................................................................ 31

BIOPIRATARIA E A QUESTÃO DA NORMATIVIDADE DOS PROBLEMAS AMAZÔNICOS .. 331. Introdução ........................................................................................................ 332. As definições de biopirataria............................................................................ 343. O problema da normatividade da exploração dos recursos ambientais ......... 364. Considerações Finais ........................................................................................ 375. Referências Bibliográficas ................................................................................ 38

OS CENÁRIOS DE INTERVENÇÃO DIRETA E INDIRETA NA AMAZÔNIA: UMA ANÁLISECRÍTICA ........................................................................................................................... 40

1. Introdução ........................................................................................................ 402. Primeiro cenário: intervenção direta ............................................................... 41

2.1. A intervenção direta e suas limitações........................................................ 443. Segundo cenário: a intervenção difusa............................................................ 48

3.1. A intervenção, as ONGs e o desenvolvimento ............................................ 504. A Intervenção difusa: suas possibilidades e limitações ................................... 525. Considerações Finais ........................................................................................ 566. Referências Bibliográficas ................................................................................ 59

OS CONTORNOS POLÍTICOS DO ESTADO BRASILEIRO NA AMAZÔNIA E A RELAÇÃO COMOS MILITARES E AS ONGS............................................................................................... 61

1. Introdução ........................................................................................................ 612. Os Contornos Políticos do Estado Brasileiro .................................................... 633. Dinâmica da Ação Estatal frente a Outros Atores............................................ 67

3.1. O caminho traçado pelo Estado .................................................................. 674. A Dinâmica Política na Amazônia ..................................................................... 70

4.1. O plano de defesa militar da Amazônia ...................................................... 705. A Presença Dos Atores Sociais.......................................................................... 736. Considerações Finais ........................................................................................ 767. Referências Bibliográficas ................................................................................ 79

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APRESENTAÇÃO: AMAZÔNIA EM UMA NOVA

PROBLEMATIZAÇÃO

Alcides Eduardo dos Reis Perón

Tida como a maior floresta tropical do mundo e berço da maior bacia de água

doce do planeta, entendida ainda, como possuidora de um potencial genético, mineral

e agropecuário inimaginável, a Amazônia é – desde as primeiras explorações e

ocupação – um território marcado por disputas de interesses entre os mais diversos

grupos e países em momentos distintos. Com o objetivo de entender esses problemas,

poder-se-ia realizar uma análise meramente causal, expondo os conflitos mais comuns

da região e emulando soluções imediatas para situações eminentes à luz de teorias

estruturalistas, as quais pouco contribuiriam para a compreensão dos problemas

essenciais relativos ao objeto de análise. Entretanto, este trabalho busca realizar uma

análise mais abrangente e histórica da Amazônia, com um enfoque em seus

“problemas atuais”, retornando para isso, à definição de certos conceitos, e ao

entendimento não apenas do território em si, tão pouco das conseqüências dos

problemas observados, mas sim das várias perspectivas assumidas – bem como de sua

relevância – por diferentes grupos e atores, que configuram a Amazônia como um

conjunto de interesses e entendimentos, muitas vezes, dúbios e conflitantes.

A opção por uma perspectiva histórico-humanística – em detrimento de uma

perspectiva cientificista, a qual tende a privilegiar análises de causa e efeito, que aqui

serviria como uma mera forma de acumulação de informações, sem uma discussão

mais profunda sobre o tema – se deve a dois aspectos específicos do nosso objeto: o

seu distanciamento geográfico, que não permite um estudo de base empírica capaz de

expor, em sua totalidade, a essência dos problemas em torno do território, invalidando

esse tipo de estudo em sua capacidade de compreensão e explicação da realidade em

que o objeto se insere; se deve ainda a ausência de demais estudos relativos ao tema e

ao enfoque aqui utilizado, dada a sua atualidade. Dessa forma, tanto o distanciamento

quanto o relativo desconhecimento que se tem sobre a Amazônia e seus “problemas”,

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nos convida a um estudo aprofundado que resgate o significado de certos conceitos e

permita um julgamento racional da relevância entre o que nos são apontados como

problemas, e o que de fato são.

O objetivo ao assumir esse enfoque é demonstrar como a Amazônia,

historicamente, tem sido entendida de diferentes maneiras, por grupos variados e em

momentos diversos, o que tem determinado a forma como foi “concebida” e “gerida”

até o período atual. A partir disso, busca-se demonstrar as dificuldades derivadas

dessas concepções truncadas para o entendimento da essência dos “atuais”

problemas. Consideramos nesse trabalho que, muitos dos problemas atualmente

apontados na Amazônia têm origem a partir do anacronismo entre perspectivas e

fatos, isto é, determinados fenômenos contemporâneos – com biopirataria, formação

de associações indígenas, a criação de reservas indígenas, presença de ONGs

estrangeiras – têm sido entendidos a partir perspectivas histórico-conceituais frágeis e

defasadas, relativas a um momento anterior, o qual aqui denominaremos “Ciclo de

preocupação” – estrutura essa que nos auxilia a compreender o momento atual,

colocando em uma perspectiva histórica as diversas formas de percepção do território.

Tais ciclos se relacionam a momentos da história da Amazônia, os quais vão da

“Fixação do território”, perpassando pela “Ocupação”, e pela “Exploração econômico-

estratégica”, vislumbrando a emergência de um quarto ciclo, que se relaciona com ao

momento atual, o qual ainda não se formou totalmente, e que esse trabalho pretende

versar. Considera-se um ciclo de preocupação o período da história amazônica em que

há, em determinados contextos histórico-econômicos e histórico-sociais, uma relação

de interesses regida por atores que concebem o espaço amazônico de uma maneira

consonante aos seus objetivos, e toda essa interação configura uma forma de

entendimento e atuação sobre o território. Trata-se como um ciclo, pois, são

momentos que se repetem ao longo do da história, porém, com mudanças de

perspectivas e atores em cada um deles, conservando, ainda, elementos de momentos

anteriores, seja na definição de perspectivas, ou na estruturação dos atores.

O primeiro “Ciclo de preocupação” versa sobre a expansão e demarcação do

território português – ainda que este estivesse sob controle espanhol até meados do

século XVI – abrangendo o período que segue do início do século XVII, até meados do

século XVIII, quando as questões territoriais entre Espanha e Portugal são

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parcialmente resolvidas. Esse momento se caracteriza pela disputa entre ingleses e

holandeses, no território das guianas, e os franceses que defendiam seus interesses no

território onde atualmente é o Maranhão – ademais, observa-se no período um

crescente conflito entre jesuítas e bandeirantes escravagistas pela “aquisição” de

índios na região da floresta. Todos esses impasses ocorriam com base na forma em

que o território era compreendido, como um espaço inóspito e passível de controle e

ocupação, o que levou a uma configuração específica de atores e interesses na região.

A partir da segunda metade do século XVIII, com as fronteiras do território

amazônico relativamente definidas – pela imposição do Tratado de Madri entre

Espanha e Portugal de 1750 – o novo debate que urge é sobre a forma de ocupação e

administração, configurando um novo ciclo de preocupação com o espaço amazônico.

Nesse momento a Amazônia é dividida entre os estados do Grão-Pará, Maranhão,

Piauí e Rio Negro, buscando uma regionalização da administração o que evitaria o

surgimento de conflitos entre as metrópoles pelo controle territorial na região. Nesse

momento, a Amazônia é compreendida apenas como um território pertencente à

metrópole lusitana, e dessa forma, o interesse imediato dos atores seria a sua

ocupação, e o estabelecimento de um controle burocrático nesse espaço colonial, o

que evitaria a tentativa de alguma ocupação não autorizada.

Somente no século XIX é que o estado do Amazonas é criado, tendo como

capital a vila de Manaus (fundada em 1848), quando a dinâmica de ocupação passa a

seguir uma progressão contínua, encerrando – porém, não completamente – o ciclo

que configura a ânsia pela ocupação do espaço amazônico. Por volta de 1900, quando

já se existe um Brasil republicano e independente, novos objetivos são almejados,

surge a necessidade de estruturar a sua economia de modo compatível com um

território “autônomo”. Um novo ciclo se instaura, pautado na compreensão positivista

da Amazônia como fonte de riquezas, detentora de um potencial econômico-

estratégico incomensurável, o que justificaria a exploração do território ao longo do

século, sob as mais diversas formas – como o ciclo da borracha, do ouro, a exploração

agrícola na segunda metade do século XX. Por possuir riquezas desse porte, e

necessariamente, por figurar como parte de um Estado soberano, criou-se um

alarmismo quanto à possibilidade de invasão e exploração “indevida” dos recursos

desse território.

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Há, ainda, elementos para se vislumbrar um quarto ciclo de preocupação em

formação. No final do século XX, começa a tomar peso na agenda global discussões,

como o aquecimento global – tendo como resultados o derretimento das calotas

polares, alterações nos ciclos sazonais e catástrofes ambientais, dentre outros – que se

apresenta como elemento crítico para o futuro da humanidade e passa a fazer parte

da agenda dos principais atores globais. Tíbios ou não, surgem os primeiros tratados –

legitimados internacionalmente – que objetivam o controle da emissão de poluentes

causadores do efeito estufa e a preservação ambiental, essencialmente das florestas,

como o protocolo de Kyoto. Nesse sentido, de uma preocupação global com o meio

ambiente, a Amazônia assume importância global e projeta-se novamente como

objeto de interesse de diversos atores, os quais, independente de sua origem,

advogam em favor da sua preservação ou conservação.

Assim, é pressuposto desse trabalho a existência de uma nova configuração de

interesses e atores, nos âmbitos interno e externo, que vêm moldando um

entendimento sobre a Amazônia, definindo quais são os problemas e ordenando-os

hierarquicamente com base em uma perspectiva própria carregada de ideologias e

simbolismos. Contudo, os entendimentos sobre essa nova configuração de interesses e

atores têm sido formadas com base em uma perspectiva defasada, que não incorpora

elementos reais de sua constituição e, portanto, induz tanto a comunidade de

pesquisa como a sociedade a um a uma concepção errônea acerca da estrutura de

relações que moldam o objeto. Além disso, o distanciamento geográfico do nosso

objeto de análise contribui para a formação de um entendimento coletivo sobre a

Amazônia e seus problemas, no sentido que apenas poucos têm acesso a ele, sendo

estes – com o devido auxilio dos meios de comunicação – os únicos capazes de

formular um entendimento legitimado pela sociedade, o que seguidamente dificulta a

compreensão em sua essência dos problemas do território.

O trabalho, então, se divide em uma série de artigos desenvolvidos com base

em uma perspectiva metodológica comum acerca da temática aqui apresentada sobre

a Amazônia. Contudo, os artigos mantêm o seu foco nos novos problemas que

emergem a partir de perspectivas defasadas sobre o território amazônico. O primeiro

artigo, “A abordagem da Amazônia Legal e seus novos atores”, busca não apenas

sintetizar os novos atores da Amazônia, a saber, os índios, as ONGs e os

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ambientalistas, mas principalmente destacar quais as redes de interesses que

envolvem esses atores por meio de uma crítica às análises midiáticas. Já o segundo

artigo, “Ambientalismo e a atuação das ONGs na Amazônia”, busca aprofundar a

questão do ambientalismo como um tema na agenda internacional e como o debate

preservacionismo X conservacionismo afeta o problema da Amazônia e influencia nas

novas propostas políticas para a região. O terceiro artigo, “Biopirataria e a questão da

normatividade dos problemas amazônicos”, busca enfatizar como a multiplicidade,

sobreposição e a disparidade das leis e normas acerca da Amazônia impõem

dificuldades e limitações consideráveis no que tange à uma atuação efetiva do Estado

na região. O quarto artigo, “Os cenários de intervenção direta e indireta na Amazônia:

uma análise crítica”, trata do discurso sobre a intervenção da Amazônia e analisa suas

reais possibilidades pela construção de cenários de intervenção”. Finalmente, o artigo

“Os contornos políticos do Estado brasileiro na Amazônia e a relação com os militares

e as ONGs”, busca concluir esse caderno especial analisando os limites e

potencialidades de atuação do Estado brasileiro como articulador e organizador dos

interesses e do desenvolvimento na Amazônia.

Cada artigo foi escrito por um membro pesquisador do OFTA com a orientação

de um membro coordenador, e apresenta uma opinião distinta sobre o problema que

aborda, sem, contudo, perder a essência do trabalho, e da tipologia de pesquisa em

grupo que é uma característica desse Observatório.

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A ABORDAGEM SOBRE A AMAZÔNIA LEGAL E SEUS

NOVOS ATORES

Aline Lara Serafim Penatti

Orientação: Érika Laurinda Amusquivar

1. Introdução

O entendimento político, social e econômico sobre a Amazônia não pode ser

apreendido sem o levantamento das demandas e dos atores sociais que estão

envolvidos na promoção desses interesses. De tal forma, pretende-se questionar

algumas percepções dos agentes midiáticos sobre os novos atores que geram uma

problematização mais complexa acerca da Amazônia, a saber: indígenas,

ambientalistas e ONGs. Assim, como primeira análise, faz-se importante apresentar

quais seriam, de forma geral, os critérios para a classificação de determinados grupos

sociais como atores pertinentes dentro da diversidade de interesses da Amazônia, o

que significa perceber: a) a forma de interação com o meio em que vivem ou possuem

interesse; b) com a política da região; c) e com outras categorias sociais, inclusive o

Estado, aos quais grupos acima citados se vinculam.

Dessa forma, mais do que questionar o senso comum sobre a falta de soberania

e o risco quanto à porosidade das fronteiras brasileiras na região da Amazônia Legal,

buscar-se-á uma compreensão dos limites das ações que circunscreve os índios,

ambientalistas e as ONGs, os quais, como está justificado nessa pesquisa, podem ser

considerados atores de grande influência na agenda política do Estado, mas, e até

mesmo por isso, não podem agir livremente dento do território nacional que diz

respeito a soberania do Brasil.

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2. Índios

Os índios, por conta das transformações políticas e sociais que a Amazônia está

sofrendo, passam a apresentar maior poder de decisão efetivo no que tange à defesa e

reivindicação de seus interesses junto ao Estado e a sociedade civil. Desse modo, estão

recebendo apoio de grupos não-índios como também de diversos povos indígenas que

se inter-relacionam para garantir tal finalidade. Além de possuírem tratamento

especial garantido pelo Estado brasileiro como por convenções internacionais de que o

Brasil faz parte, os povos indígenas não estão apenas sendo objetos de decisão de

outras instâncias de poder, eles próprios estão participando de assuntos que influem

em seus interesses no processo de integração com a sociedade civil.

O conceito analítico da expressão índio não deveria ser homogêneo, pois

envolve uma distinção entre a cultura de diferentes povos e também o grau de

integração com o resto da sociedade (seja ela a brasileira ou a fronteiriça). Contudo, a

Constituição de 1988 reconhece os direitos desses povos de forma genérica, como

explica Sílvio Coelho dos Santos:

“(...) consignada na CF [Constituição Federal] a manifesta intenção dosconstituintes de projetar para o campo jurídico normas referentes aoreconhecimento da existência dos povos indígenas e a definição das pré-condições para a sua reprodução e continuidade. Ao reconhecer os “direitosoriginários” dos povos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas,a CF incorporou a tese da existência de relações jurídicas entre os índios eessas terras anteriores à formação do Estado brasileiro”

1.

Afora a Constituição, e ainda anteriormente a esta, os índios possuem um

Estatuto que aborda, para efeito de lei, uma única definição do que seriam os índios e

as comunidades indígenas. Tanto na Constituição como nesse Estatuto – para explicitar

alguns direitos específicos desses povos – aos índios é dado o direito de usufruto das

terras que são de propriedade exclusiva da União e o reconhecimento de que eles

podem reivindicar a defesa de seus interesses e direitos, mas é principalmente no

Estatuto que se expressa a questão de que os índios em caso de condenação terão sua

pena atenuada.

Somam-se ainda a essas garantias algumas convenções internacionais das quais

o Brasil participa, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho

1 SANTOS, 2005.

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(OIT) e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aquela garantindo

tratamento especial aos povos indígenas e esta reconhecendo como sujeitos de direito

os índios que, portanto, podem reivindicar seus direitos tanto em âmbito nacional

como internacional.

Com essa possibilidade jurídica de ação – como visto anteriormente, garantido

pela Constituição Federal, pelo Estatuto do Índio e pela Declaração dos Povos

Indígenas, assinada pelo Brasil em 2007 – formou-se em 1989 a Coordenação das

Organizações dos Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), majoritariamente

composta por índios, que vem sendo uma representação de grande alcance e uma das

formas de reivindicação em favor dos interesses dos povos indígenas.

Esses interesses, de acordo com o site da Coiab, seriam aqueles relacionados à

fiscalização, defesa e promoção dos direitos dos povos indígenas:

“Na luta pela garantia e promoção dos direitos dos povos indígenas, a COIABtem como objetivos e fins promover a organização social, cultural,econômica e política dos povos e organizações indígenas da AmazôniaBrasileira, contribuindo para o seu fortalecimento e autonomia. Tambémformula estratégias, busca parcerias e cooperação técnica, financeira epolítica com organizações indígenas, não indígenas e organismos decooperação nacional e internacional para garantir a continuidade da luta eresistência dos povos indígenas.”

2

Assim, mesmo a parcela de índios que mantém uma sociabilidade isolada, não

participando efetivamente das escolhas políticas, sociais e econômicas, não são apenas

objetos passivos das decisões advindas das instituições do governo, mas acabam

também sendo representados por outros índios que se encontram, de forma

organizada, mais integrados à sociedade brasileira.

Destarte, percebe-se que os índios se tornaram atores efetivos tanto em

âmbito regional e nacional quanto internacional. Regionalmente, onde muitos desses

se encontram na Amazônia, promove-se pela Coiab, por exemplo, um preparo técnico

em Gestão Etnoambiental e Gestão de Projetos por meio do Centro Amazônico de

Formação Indígena (CAFI). Nacionalmente, têm-se exemplos de discussões que são

colocadas juntamente com a Funai e outras instâncias do governo, visto a crítica

elaborada pela Coiab contra o Programa de Aceleramento de Crescimento (PAC) que

alteraria o equilíbrio ambiental e prejudicaria a sobrevivência da população na região

2 COIAB, 2008.

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em que se propõe a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau3. Não

obstante essa crítica, a Coiab nem fora consultada, demonstrando assim ainda sua

dificuldade de articulação e influência nas altas instâncias decisórias. E

internacionalmente, dada à ida de líderes indígenas à Europa para reivindicar direitos

sobre suas terras, ou seja, buscando juntamente a instância internacional apoio para

as estruturações organizacionais indígenas dentro do Brasil4.

Os índios, portanto, paulatinamente foram configurando-se como atores

importantes para influenciar diretamente em ações dentro da região amazônica, tendo

para isso algum apoio do Estado: a Constituição e o Estatuto do índio. Nesse sentido,

os povos indígenas não agem apenas devido à influência de grupos externos a eles –

sendo ONGs, turistas, governo, entre outros – mas também começam a buscar

interesses próprios e a organizarem-se para reivindicá-los junto ao Estado.

Não obstante, reconhecem-se os inúmeros interesses que divergem na região

da Amazônia Legal, os quais muitas vezes possuem o apoio do governo mesmo quando

agridem a forma de vida dos indígenas, e, portanto, a Constituição e o Estatuto. E é por

tal fato que, a partir dos direitos que foram legados aos índios, esses se organizam e se

especializam em diferentes áreas para poder lutar pelas suas necessidades e direitos.

Luta essa, por sua vez, que se defronta com interesses específicos muito consolidados

na região para além do respaldo jurídico.

Dessa forma, conclui-se que o Estado brasileiro ainda é o ator soberano dentro

da Amazônia Legal, pois tem o poder de arbitrar esses distintos interesses, porém, não

pode mais tecer decisões e ações políticas sem levar em conta os inúmeros índios que

se tornaram atores e, por suposto, grupos de influência e pressão tanto por meio de

suas próprias organizações, como com o apoio de ONGs internacionais.

3. Ambientalistas

É recorrente a polêmica sobre a cobiça nacional e internacional pela floresta

amazônica; porém, esse senso comum deve ser questionado por meio de uma análise

quanto ao envolvimento de ambientalistas na Amazônia Legal e às condições de

3 Cf. INFORMATIVO TROCANO, 2008. p. 3.4 EFE de Madri..., 2008.

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atuação da soberania do Estado brasileiro, que permitirá constatar a dimensão dos

reais problemas da região.

Desde os anos 1960 os ambientalistas estavam se organizando principalmente

nos EUA e na Europa, mas só nos anos 1970 que a preocupação com o meio ambiente

ganha escala mundial: com o incremento nas tecnologias de comunicação que criaram

uma rede de fluxos globais, transformando o tempo e o espaço, os ideais dos

ambientalistas se difundem com forte apoio da opinião pública. Os questionamentos

quanto à preservação, o desenvolvimento sustentável, os direitos humanos e entre

outros temas ganham adesão, por exemplo, de algumas empresas (mesmo que seja

para apenas uma estratégia de marketing) e outros indivíduos ligados à política

nacional, assim como ressalta o sociólogo Manuel Castells:

“Nos anos 90, 80% dos norte-americanos e mais de dois terços doseuropeus consideram-se ambientalistas; candidatos e partidos dificilmenteconseguem se eleger sem ‘verdejarem’ suas plataformas [...] Grandesempresas, inclusive as responsáveis por uma grande emissão de poluentes,passaram a incluir a questão do ambientalismo em sua agenda de relaçõespúblicas, e também em seus novos e mais promissores mercados”.

5

À exemplo dessa mobilização, tem-se a Conferência de Estocolmo que ocorreu

na Suécia em 1972. Dois dos resultados dessa participação de 113 países foi a

assinatura de um documento de 24 artigos em prol da preservação ambiental e a

criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a primeira

agência ambiental global. Portanto, demonstrou-se que as relações internacionais

transformaram-se devido à preocupação com questões de preservação ambiental: por

exemplo, o crescimento econômico das nações deveria agora levar em consideração as

questões de cunho até então não-econômico, como a preservação do ar e da água.

Dado esse novo contexto internacional, alguns ambientalistas formam grupos

de atuação transnacional com apoio da mídia, das elites e de alguns governos para

financiar seus programas:

“Muitos projetos ambientais, como os de criação de áreas protegidas ou deprevenção a incêndios florestais, na forma de sua produção e execução sãomantidos por capital externo. Isso ocorre diretamente, com o repasse deverbas para instituições não-governamentais, e indiretamente, através deprojetos do governo brasileiro financiados com recursos do PPG-7(Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil), Usaid

5 CASTELLS, 2002, p. 141

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(Agência Norte-Americana para Desenvolvimento Internacional) ou BancoMundial e coordenados ou supervisionados pelo IBAMA”

6.

No entanto, os grupos ambientalistas - que não podem ser caracterizados como

uma organização homogênea, apesar do objetivo comum de preservação ambiental -

atuam de forma diversificada e sustentam idéias diversas face às prerrogativas dos

Estados. O movimento global em prol do meio ambiente gera uma nova situação a ser

contextualizada pelas instituições estatais e, portanto, cabe a essas perceber e

administrar essa lógica. Isso porque dada sua postura global, a idéia de Estado-nação é

vista como uma barreira à preservação ambiental, pois se entende que a idéia de

nacionalismo pode sobrepujar a preocupação com a preservação ambiental que

envolve um esforço de todos os humanos independente de suas localidades. O

Greenpeace, por exemplo, sendo uma das maiores organizações ambientais

internacionais, caracteriza-se por uma ação “não violenta” e utiliza-se da mídia para

popularizar as questões ambientais7.

Diante disso, de um lado há alguns ambientalistas que estão diretamente

ligados à formação de lobbies; e por outro, há aqueles que atuam como partidos

políticos, etc. Como é colocado por Castells, os ambientalistas não têm sido apenas um

grupo de conscientização, mas sim atores que exercem influência tanto em instituições

internacionais como em nacionais:

“[...] Desde o início, [o ambientalista] procurou exercer influência nalegislação e nas atitudes tomadas pelos governos. Na verdade, as principaisorganizações ambientalistas (tais como as integrantes do Grupo dos Dez nosEUA) concentram seus esforços para a formação de lobbies para obterconquistas na legislação, e no apoio ou oposição a candidatos a cargoseletivos com base em sua postura política em relação a determinadasquestões”

8.

Assumindo, por fim, a idéia de que os ambientalistas atuam diretamente na

questão da Amazônia legal, resta-se analisar a atuação do Estado brasileiro em seu

território, que permitirá melhor compreensão dos desafios relacionados a essa região.

6 COSTA, 2005 p. 161.7 Segundo a filosofia do Greenpeace, essa postura recebe grande influência da profecia de umaíndia Cree, pela qual os participantes dessa ONG tornaram-se conhecidos como os “guerreiros do arco-íris”: "Um dia, a Terra vai adoecer. Os pássaros cairão do céu, os mares vão escurecer e os peixesaparecerão mortos na correnteza dos rios. Quando esse dia chegar, os índios perderão o seu espírito. Masvão recuperá-lo para ensinar ao homem branco a reverência pela sagrada terra. Aí, então, todas as raçasvão se unir sob o símbolo do arco-íris para terminar com a destruição. Será o tempo dos Guerreiros doArco-Íris."Cf. GREENPEACE BRASIL, 2008.

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16

De acordo com algumas notícias da conjuntura atual, percebe-se que a atuação

do Brasil necessita de melhoria e mais comprometimento, tanto para se conquistar

maior prestígio internacional, como para confirmar o compromisso do Estado com sua

legislação, visto sua Constituição, promulgada em 1988, “em que se destacam dois

grandes princípios: (i) todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

e (ii) o poder público e a coletividade têm o dever de preservar proteger o meio

ambiente”9.

“Dezesseis anos depois de acumular US$ 402,383 milhões em doações depaíses ricos, o governo brasileiro não gastou efetivamente cerca de 30%desses recursos destinados a financiamentos de projetos pilotos depreservação de florestas tropicais”

10;

“O número de patentes solicitadas no Brasil caiu 13,8% em 2005 [...] Esteíndice coloca o Brasil na 13ª posição no ranking dos 20 maiores escritóriosde patentes do mundo, ficando atrás de outros países emergentes comoÍndia que registrou crescimento de 1,3%, Rússia, (6,8%) e México (9,8%)”

11.

A partir disso, conclui-se que não basta apenas receber recursos externos para

a preservação, mas é também necessária a participação do setor público para

organizar os investimentos e conceber suporte para aqueles grupos como as ONGs que

venham a atuar no país.

Assim, apesar do discurso de alguns grupos ambientalistas que possa envolver

uma conceituação negativa quanto ao Estado-nação, eles dependem, em muitas

questões, desse ator. As organizações ambientalistas surgiram dentro do sistema de

Estados que pressupõe decisões nacionais em que apenas o Brasil, no caso da

Amazônia Legal, pode tomar. Não obstante, não se podem descartar as influências de

diversos grupos dentro da região amazônica, como as inúmeras ONGs e outros

pesquisadores internacionais que se concentram, por exemplo, no Instituto Nacional

de Pesquisa da Amazônia (INPA).

Afora isso, desde 1988 já se vislumbra a preocupação entre os governos na

questão da preservação ambiental. Foi durante esse período que o G7 se reuniu

demonstrando a preocupação com a floresta amazônica:

“[...] na reunião do Grupo dos 7 realizada em Paris, as preocupaçõesecológicas em relação à Amazônia deixaram de ser assunto de partidos eorganizações ambientalistas para se tornarem objeto de manifestações e

8 CASTELLS, 2002 p. 163.9 COSTA, 2005 p. 15410 PERES; CRUZ, 2008.11 “PATENTES avançam...”, 2007.

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17

ações de governantes e grandes partidos dos países industrializados, ‘osquais absorveram, a partir daí, parte das bandeiras e questões até entãorestritas aos movimentos e partidos ambientalistas’ (COSTA, 2000b, p. 96)”12

Dessa forma, apesar dos interesses que possam vir a divergir entre grupos

ambientalistas e o Estado brasileiro, percebe-se que a pressão política e econômica em

relação à ecologia transpassa a questão nacional, o que faz com que o governo

brasileiro, tanto em respeito a sua Constituição, como em busca de prestígio

internacional – além da necessidade de se levar em conta os impactos que podem

sofrer aqueles que vivem em dependência com o meio ambiente - esteja apto a

negociar com os pertinentes atores na Amazônia Legal: os ambientalistas.

4. ONGs

As ONGs são atores pertinentes de conexão local, nacional e internacional no

modelo sócio-econômico que articula esses sistemas e modela internamente os

Estados. A saber, tem-se percebido uma relação entre o Estado e a sua sociedade -

assim como entre os sujeitos internacionais em um determinado território nacional -

de forma que a influência de grupos sociais (internacionais e/ou nacionais) sobre as

instituições do governo é, muitas vezes, associada à participação dos indivíduos em

grupos de pressão política sem ter ligação direta com a burocracia governamental, ou

seja, sendo atuantes por meio das instituições não-governamentais.

No entanto, como questiona o cientista político Joachim Hirsch, as ONGs não

estão necessariamente desarticuladas dos Estados. Ele afirma que muitas dessas

organizações são indicações de que os órgãos estatais estão se tornando privatizados,

ao passo que muitas delas também estão absorvendo as características antes

pertencentes apenas ao Estado13. Um exemplo disso é o financiamento de algumas

ONGs que advém de governos nacionais que as utilizam para promover os interesses

do país: à exemplo do que argumenta Hirsch, elas são financiadas por governos que,

por exemplo, corroboram com o Estado em questões de suporte para intervenções

humanitárias e militares.

12 CASTELLS, 2002, p. 15813 “In a way NGOS indicate how formally private organizations take on the characteristics of astate or how organs of the state become ‘privatized’”. HIRSCH, 2003, p. 8.

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18

Dessa forma, pode-se afirmar que o termo ONGs é generalista e vago, pois,

além de não refletir as articulações com o Estado, na prática essas organizações

possuem inúmeras formas de atuação e organização. Contudo, apesar dessas

dificuldades para definir o que são14, não se pode deixar de levar em conta a

significante participação na definição e atuação em problemas sociais e ambientais

realizadas por elas.

Sem a pretensão de negar o Estado-nação, que é uma importante unidade de

centralização e decisão política, social e econômica, pode-se afirmar que ele passa por

uma redefinição, sendo que as ONGs assumem um papel de grande relevância: elas

influem em certos planejamentos de negociação política; representam interesses

daqueles setores sociais que antes não possuíam acesso as instituições de decisão;

monitoram as negociações; etc.

Afora isso, sabendo que as ONGs são um tipo de instituição que necessita

manter-se economicamente, muitas vezes, há uma tensão em relação aos propósitos

particulares dessa organização e os relacionados aos ideais humanistas. Além disso,

elas estão internacionalmente organizadas de forma hierárquica, em que aquelas

ONGs originárias de países do Norte são muito melhor equipadas tecnológica e

financeiramente do que as do Sul, o que leva a melhor eficiência e persuasão por meio

do “capital cultural” das organizações oriundas de países ricos mesmo em território

dos países subdesenvolvidos, que também possam ter suas próprias organizações não

governamentais nacionais.

Em relação às demandas sobre o meio ambiente, economia e outros dentro da

Amazônia, a “expertização”, sendo definida como a mobilização do conhecimento

técnico que está em grande parte em posse das ONGs - dados o conhecimento

científico e o suporte de recursos financeiros que essas possuem - vem assumindo

grande peso nos processos decisórios, como coloca o professor Marcelo Sampaio

Carneiro15. Dessa forma, essas organizações não-governamentais passam a ter grande

legitimidade e influência nas questões que envolvem a floresta amazônica.

14 Existem aquelas que são conhecidas por serem ambientalistas e socioambientalistas, como oGreenpeace, o Instituto Socioambiental e o Projeto Saúde e Alegria; há outras que podem serclassificadas como militantes, atuantes em causas bem definidas e com a função claramente política.15 Cf. CARNEIRO, 2006.

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19

Entretanto, o monopólio científico e a crescente importância que esse

conhecimento vem assumindo para a tomada de decisões geram uma exclusão dos

indivíduos que não possuem essa especialização técnica, como é o caso de

seringueiros, alguns índios, famílias de agricultores e outros. Tal situação afirma como

as ONGs podem encontrar-se afastadas de movimentos sociais, valorizando menos a

representação de tais grupos.

Em vista dessas análises, percebe-se que as organizações tidas como não-

governamentais são atores que fazem parte da estrutura organizacional dos Estados,

os quais também acabam por meio dessas a se diferenciarem em níveis de ação

regional e internacional. Contudo, não se pode deixar de reconhecer que os Estados

ainda são atores chaves no sistema internacional e podem subordinar, nacionalmente,

as ONGs – nem que em última instância seja usado para isso seu poderio militar, dada

a legitimidade do uso da força do Estado.

Enfim, sabendo que as ONGs são atores dentro da Amazônia, a preocupação

não deve circunscrever a questão da soberania do Brasil, pois é esta a unidade com

poderes plenos sobre o território nacional e legitimidade do uso da força para

subordinar todas as outras esferas sociais, sendo elas econômicas e tantas mais. A

problemática, portanto, situa-se em relação ao conhecimento científico que as ONGs

possuem e por meio desses, visto a necessidades de técnicos para as tomadas de

decisão, acabam por ter primazia dentro do governo em detrimento de outros

movimentos sociais que não estão representados por essas organizações e podem

acabar por ter suas demandas não atendidas.

5. Considerações finais

A Amazônia Legal, por ser um território de grande diversidade e recursos

estratégicos, também atrela a si inúmeros sujeitos que se tornam atores para

reivindicar seus interesses e necessidades que a floresta amazônica pôde e vem

propiciando, seja para grupos internacionais, nacionais ou regionais que buscam

representação política, social e econômica perante o Estado brasileiro e instituições

internacionais.

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20

Os índios, ambientalistas e ONGs ganharam maior espaço na participação

pública, o que foi resultado de uma transformação decorrente de um processo

histórico em que o Estado e o sistema internacional foram se moldando e ao mesmo

tempo criando condições para essa “rede” de ações transnacionais desses atores.

Assim, os índios, ambientalistas, ONGs e até mesmo o Estado e a estrutura em que se

pauta a organização do sistema internacional não deixam de ser objetos e sujeitos, ou

melhor, atores pertinentes diante das inúmeras necessidades e vontades que resultam

dessa amalgama de agentes; porém, no que diz respeito ao Estado-nação, a este não

foi retirado sua qualidade de soberano, embora esta se encontre relativizada por essa

rede de interesses transnacionais: o Estado brasileiro ainda é um árbitro importante

pois atua nas diferentes esferas, sejam elas para aceitação ou reprovação das

reivindicações de grupos indígenas e ambientalistas ou atuações de uma ONG nacional

e internacional.

6. Referências Bibliográficas

CARNEIRO, Marcelo Sampaio. ONGs, expertise e o mercado do desenvolvimento

sustentável: a certificação florestal na Amazônia brasileira. In: Novos Cadernos

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Identidade. 2. Ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. pp. 141.

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COSTA, Luciana Miranda. “A formação do campo ambiental: um resgate histórico

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AMBIENTALISMO E A ATUAÇÃO DAS ONGS NA AMAZÔNIA

Débora Oska

Orientação: Érika Laurinda Amusquivar

1. Introdução

A atual discussão acerca da internacionalização da Amazônia e o modo com

que esta sofre influência de grupos de interesses faz com que tenhamos de focar o

debate em quais são esses grupos de interesse, qual a forma com que o Estado lida

com estes e quais as formas com que a Amazônia é gerida pelo mesmo. E para tanto,

torna-se imprescindível compreender o real papel dos movimentos e discursos

ambientalistas que atuam na região, principalmente daqueles organizados sob a forma

de Organizações Não-Governamentais (ONGs).

A principal problemática levantada pela atuação do movimento ambientalista

na Amazônia relaciona-se ao problema de que as ONGs seriam responsáveis pela

perda de soberania por parte do Estado brasileiro e de que este deveria repelir essas

organizações. O motivo dessa acusação seria a de que as ONGs, por meio do discurso

ambientalista, na verdade encobririam interesses econômicos na Amazônia

relacionados com a extração e transferência de recursos biológicos estratégicos para o

exterior, trazendo limitações ao potencial de desenvolvimento do Brasil.

Nosso objetivo nesse artigo é, pois, o de discutir a formação do movimento e

do discurso ambientalista no mundo e no Brasil, de modo a problematizar seu papel na

região amazônica. Faremos isso primeiramente apresentando duas principais

concepções ambientalistas, a preservacionista e a conservacionista através da

formação do Direito Internacional do Meio Ambiente e do ambientalismo no Brasil.

Em um segundo momento, trataremos de analisar a atuação das ONGs ambientalistas

na região em relação à tese de vácuo de poder deixado pelo Estado na região e da

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questão da soberania brasileira em um período em que os Estados passam a ser cada

vez mais amarrados por uma normatização internacional referente a questões

ambientais.

2. Formas de Ambientalismo a partir da formação do Direito

Internacional do Meio Ambiente

Ao se estudar os impactos do ambientalismo nas questões cruciais da agenda

internacional, é conveniente primeiramente perguntar se é possível tratar do

ambientalismo como um novo fenômeno. Isso porque muito embora a preocupação

com a conservação ambiental exista há mais de dois séculos, tal preocupação não

estava estruturada em concepções balizadoras, de modo a consolidar o ambientalismo

como um movimento articulado em termos de objetivos e ações políticas. O que nos

leva a constatar tal fenômeno como novo, haja visto que somente nas últimas décadas

do século XX tomou corpo, quando deixou de circunscrever-se a interesses localizados

e passou a interessar grupos sociais inteiros.

O estudo da formação do Direito Internacional do Meio Ambiente (DIMA) nos

mostra como o comportamento dos Estados em relação à causa ambiental foi se

modificando, culminando na formação de uma gestão voltada para a perspectiva dos

limites de regeneração da natureza. Entretanto, consolida-se no interior do DIMA um

debate que se polariza em duas abordagens, no que tange à amplitude desses limites,

a saber, o preservacionismo e o conservacionismo, conceitos que vão se formando ao

longo do tempo e que, paralelamente, vão ganhando força, se intercalando e

intercambiando. O termo preservação traz incutido em si a idéia de não explorar e

consumir os recursos naturais, independentemente do valor que possam produzir na

economia. Já a conservação pressupõe uma espécie de “ambientalismo auto-

sustentado” que nada mais é do que a continuidade da exploração em função de

interesses pré-determinados, massivamente sob uma ótica econômica, mas com a

diferença de que os interesses econômicos são conjugados com a renovação dos

recursos explorados. Esse é um debate crucial, pois a escolha da abordagem determina

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o tipo de política ambiental a ser implementada pelos Estados. Veremos mais adiante

como esse debate repercute nas políticas para a Amazônia em relação à evolução das

diretrizes econômicas para o uso dos recursos ambientais amazônicos.

A formação histórica do DIMA é marcada por esse debate e se constitui por

quatro fases, as quais demarcam como o movimento ambientalista ganhou força. A

primeira se inicia ainda no século XIX, quando a utilização dos recursos naturais, que

eram aproveitados de forma extensiva e não planejada durante a Idade Média,

começa a exceder a regeneração natural no processo de Revolução Industrial.

Somando-se isso ao êxodo rural e à demanda que se formava nos grandes centros,

nota-se que problemas coletivos se deparam com um Estado sem estrutura para lidar

com tais problemas provenientes do processo produtivo. Nesta fase surge então a

preocupação com o esgotamento das matérias-primas enquanto os Estados passam a

adotar políticas de maior disciplinamento da economia. Sendo assim, a preocupação

estava diretamente ligada a motivos estritamente econômicos, referentes ao possível

estrangulamento econômico causado pelo esgotamento das matérias-primas,

enquanto a percepção de proteção ao meio ambiente em si ainda é inexistente. Esta

primeira etapa, conhecida como utilitarista, tem seu término com a fundação da ONU,

a qual possui algumas organizações que incluem indiretamente a questão do

esgotamento do meio natural. Um exemplo seria a UNESCO, que tem por objetivo

preservar o patrimônio da humanidade.

A segunda etapa, por sua vez, inicia um processo de institucionalização do

direito ambiental. Essa fase tem a poluição como a agenda principal das políticas,

mudando então o foco do problema ambiental, antes voltado para a escassez de

matérias-primas utilizadas no desenvolvimento produtivo. Entretanto, neste período

de desenvolvimento do chamado “Direito Cinza”, a abordagem também não se refere

à conscientização de um problema coletivo de gestão ambiental, mas sim, apenas um

combate ou diminuição de um problema colateral já existente. Outro fator importante

para a modificação na estrutura do movimento ambientalista nesse período consiste

nos movimentos de descolonização. Tal fato impõe a questão da gestão soberana dos

recursos naturais como uma forma de consolidação dos novos Estados nacionais. É

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nesse sentido que as discussões na ONU acerca de desenvolvimento16, poluição e meio

ambiente ganham força e se tornam um marco no Direito Ambiental.

A Conferência de Estocolmo é o marco para a mudança de uma perspectiva dos

interesses individuais passando para o interesse de grupos, iniciando assim a terceira

etapa. Um dos principais resultados da Conferência foi o estabelecimento de um

conceito de meio ambiente17, sistematizando e organizando o pensamento

ambientalista até então. Isso ocorre através da sua Declaração de Princípios

(Declaração de Estocolmo), a qual concerne à junção da perspectiva de meio ambiente

com a de direitos humanos, gerando um documento pleno na defesa dos direitos

fundamentais. Estocolmo traz à discussão, assim, o papel da raça humana como um

todo em relação ao meio ambiente e a caracteriza como a principal causadora e, ao

mesmo tempo, principal vítima dos problemas decorrentes da exploração dos recursos

naturais em função de uma lógica econômica. Dessa forma, passa-se a pensar sob uma

perspectiva mais global do meio ambiente em relação à qualidade de vida. Após

Estocolmo, o “Direito Cinza” se transforma então em “Direito Verde”. Ao longo das

décadas subseqüentes, o fenômeno cresceu em adesão popular, essencialmente

através de outro fenômeno novo, a proliferação das Organizações Não-

Governamentais, as quais têm papel fundamental ao introduzir a idéia de

preservacionismo18.

A quarta fase tem início com o Eco- Rio em 1992, por conta de uma inovação na

percepção do conceito de meio ambiente em relação àquele definido na Conferência

de Estocolmo. As diferenças entre preservação e conservação do meio ambiente e,

conseqüentemente, entre os movimentos preservacionista e conservacionista ganham

maior distinção e o debate se acirra na Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento. A partir desta conferência estabeleceu-se a concepçã

de que a preservação do meio ambiente está conectada ao desenvolvimento e,

portanto, é possível pensar no meio ambiente submetido ao desenvolvimento.

16 Conectando duas questões fundamentais de desempenho do desenvolvimento e da poluição eo meio ambiente, temos as resoluções da Assembléia Geral neste período, as quais se remeteram àautodeterminação dos povos, repúdio ao colonialismo e, em 1969, reconhecem a soberania integral dosEstados sobre os seus recursos, um marco para o Direito Ambiental.17 Anteriormente era utilizado apenas o termo “natureza”.

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3. O ambientalismo no Brasil

No Brasil, o movimento ambientalista tomou corpo na década de 1970 a partir

da interação entre os contextos interno e externo em relação ao Brasil. De modo a

compreender como as transformações no DIMA e nas abordagens ambientalistas

afetaram a conformação do movimento ambientalista no Brasil, enfocaremos como

esse movimento surge a partir de mudanças formais e informais no ambiente político,

através de três formas: a) aumento da permeabilidade das reivindicações da sociedade

por meio dos órgãos políticos e administrativos devido a crises de poder; b) mudanças

no estilo do Estado atuar junto a movimentos sociais e c) presença de aliados

potenciais, como partidos políticos, movimentos sociais, elites dissidentes19.

Isso posto, as forças que atuaram no sentido de permitir uma maior confluência

dos movimentos ambientais no Brasil podem ser consideradas as seguintes:

internamente, o processo de redemocratização, a qual abriu vias de mobilização

política; e externamente, a própria Conferência de Estocolmo, cujo impacto foi uma

discussão nacional sobre a questão ambiental no Brasil, abrindo caminho para

associações diversas. O processo de redemocratização também foi o responsável pela

amplitude do movimento conservacionista no Brasil, posto que trouxe maior liberdade

de discussão em questões de interesse público como o ambientalismo para a

sociedade

O ambientalismo no Brasil é formado por três ciclos de protesto20: pela

redemocratização, da Constituinte e a Rio-92. Dentre os protestos pela

redemocratização temos a Campanha em Defesa da Amazônia, ocorrida em 1978, e

que fazia oposição ao objetivo do governo brasileiro de criar contratos de exploração

da floresta amazônica, o que ínsita a discussão entre uma perspectiva de pura

preservação da região amazônica e a de alinhamento dos interesses econômicos com a

conscientização ambiental. A campanha, realizada por ambientalistas e com apoio do

18 Ponto retomado adiante.19 Cf. ALONSO; COSTA; MACIEL, 2007..20 Idem.

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MDB, englobou 13 estados mais o Distrito Federal. Já a movimentação ambientalista

em torno das eleições constituintes significou maior união dentre as perspectivas

ambientalistas de conservacionismo e preservacionismo com o intuito de defenderem

juntos ao movimento ambientalista, além de permitir a aparição de partidos voltados

para esta causa. Por fim, o protesto do Rio-92 marcou a prevalência do

conservacionismo e sua proposta de desenvolvimento “auto-sustentado”. Além disso,

o embate entre as duas perspectivas trouxe o englobamento das questões indígenas e

das populações tradicionais.

Quanto a ação de ONGs pertencentes a cada grupo em especial, na região

Norte do país observa-se uma atividade prevalentemente conservacionista, tomando

por base o total de projetos relacionados ao preservacionismo e ao conservacionismo

no decorrer da década de 90. Foram executados 29 projetos de orientação

conservacionista em contraposição a 11 voltados para o preservacionismo, o qual é

mais intenso em regiões mais industrializadas como o sul e o sudeste21. Já sob a

perspectiva do Estado brasileiro podemos perceber que as políticas atuais giram em

torno de uma mistura entre os dois movimentos. A iniciativa de instituir uma Polícia

Ambiental Federal bem como a promoção do acordo com a Noruega de diminuição do

desmatamento da floresta Amazônica dão sinais de políticas ambientais voltadas para

o preservacionismo. Entretanto, com o potencial de pesquisa da região amazônica, os

projetos voltados para o desenvolvimento da região são cada vez mais implementados

e a tendência é de que continuem numa orientação conservacionista.

4. Intervenção Ambientalista e Internacionalização da

Amazônia

21 Cf. ALEXANDRE, 2005

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A formação das perspectivas conservacionista e preservacionista é importante

para a compreensão da evolução do pensamento ambientalista e sua ligação na

relação entre o meio ambiente e os interesses econômicos. Tendo em vista que a

Amazônia é uma região muito rica seja como banco genético, fonte de material para

biotecnologia e reserva de materiais estratégicos, entre outros, sempre houve a

perspectiva de que os interesses na região fosse com seu potencial de valorização

econômica.

Dentro do movimento ambientalista as Organizações Não-Governamentais

podem ser consideradas os agentes que mais promovem discussão acerca do meio

ambiente, além de serem ativos na promoção da conscientização ambiental na

sociedade, introduzindo a perspectiva preservacionista e contribuindo para que o

pensamento conservacionista não seja perdido numa discussão estritamente

econômica. Entretanto, existem três principais discussões acerca do papel das ONGs.

Uma delas gira em torno da disseminação por meio da mídia de que as ONGs seriam

apenas um instrumento de países desenvolvidos para obterem ganhos econômicos

com recursos da região. Uma outra problemática seria na forma como as ONGs fazem

sua intervenção ativa na Amazônia, atuando onde existe um vácuo de poder do

Estado, tendo, conseqüentemente, um papel de destaque na região, suscitando a

discussão acerca do futuro da soberania do Estado brasileiro na Amazônia. Uma

terceira perspectiva é uma somatória das outras duas, culminando no debate sobre a

possibilidade de internacionalização da Amazônia ou não.

Desse modo, as ONGs sempre estiveram sob vigilância do Estado, através de

operações como a ‘Poseidon’22 e forças-tarefa. A imprensa também auxilia nesse

enfoque, fazendo contraposições entre o Estado e as ONGs. Não obstante, esse debate

midiático tem distorcido a questão e dificultado uma compreensão mais realista da

atuação, interesses e estratégias dessas organizações ao polarizar a discussão: ou

tratam as ONGs, por um lado, como mais eficientes – e portanto, substitutas – da ação

social do Estado; e por outro, tratadas como meras defensoras de interesses externos

22 Cf. SOUZA, 2001.

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29

na Amazônia, além da visão também de serem fragmentadoras da soberania brasileira

na região23.

Uma das mais conhecidas ONGs, o Greenpeace, articula uma perspectiva dessa

discussão acerca da soberania brasileira em relação a Amazônia:

Segundo a Convenção sobre Diversidade Biológica ou

CDB (Convention of Biological Diversity), os recursos genéticos

de biodiversidade pertencem ao país que detém a soberania

sobre o território que ocupam, e que estes países podem

explorar esta biodiversidade desde que preservem seu equilíbrio

e integridade. No entanto, não é isto que vem acontecendo com

a Amazônia brasileira. (...) O maior problema é a ausência do

Estado na região amazônica, tornando essa imensa área uma

terra sem lei. Quase não há fiscais para proteger nossa floresta.

A verdadeira soberania só será alcançada com a atuação

efetiva do governo para garantir os direitos humanos das

comunidades tradicionais e povos indígenas, a aplicação das

leis florestais e ambientais e a implementação das áreas

protegidas como parques e reservas.”24

Observa-se que o termo soberania é muito utilizado neste discurso e reflete

uma parte de um pensamento muito disseminado de que se o Estado brasileiro não

oferece condições para que a Amazônia continue com o seu status de grande reserva,

logo, não deveria possuir o direito de deter soberania sob o local. Essa questão sobre a

soberania nacional na Amazônia leva o Estado a criar programas como o Calha Norte,

que visa aumentar a presença estatal no extremo norte do país que faz fronteira com

Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname e essa presença estatal estaria disposta de

modo a oferecer condições de desenvolvimento para a área.

23 Cf. SILVA,. 2006.24 GREENPEACE, 2005.

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30

A forma com que as ONGs ambientalistas são observadas através da mídia faz

com que a população em geral não consiga distinguir entre organizações realmente

sérias em termos de proteção do meio ambiente e as que tentam usufruir

economicamente de alguma forma das benesses da região, através da transferência

ilegal de material biológico para estudos, por exemplo.

A intervenção ambientalista na Amazônia nos leva, assim, a questão da

internacionalização da Amazônia, a qual é um fenômeno pouco definido quando se

fala das ONGs, como se estas fossem agentes ativos nesse processo por serem

representantes de países desenvolvidos interessados economicamente na Amazônia.

Entretanto, as próprias ONGs reconhecem que existem agentes não interessados com

o cuidado para com a região e que podem contribuir para o que chamam de

internacionalização da Amazônia:

“Não acreditamos na tal chamada internacionalização

da Amazônia. Além disso, tal conceito não existe tampouco no

âmbito do Direito Internacional Público.(...) Apesar de os meios

de comunicação constantemente se ocuparem com tal

discussão, ela é absurda e equivocada. Nenhuma organização

internacional (...) jamais reivindicou a "internacionalização" da

Amazônia - entendendo por isto a perda de soberania, por

parte do governo brasileiro, sobre aquela faixa do território,

para tal organização ou conjunto delas.25

Entretanto, para o Greenpeace, há a manifestação de que o Estado brasileiro

supostamente não teria o direito de explorar a biodiversidade da floresta amazônica

por não preservar o equilíbrio e integridade da biodiversidade da região por ser um

Estado ausente. Um problema decorrente seria o que eles chamam de

internacionalização dos recursos da Amazônia, alimentada conjuntamente por grupos

que desejam obter lucros com recursos da Amazônia e a falta da presença do Estado

na região. Porém, há sim uma internacionalização da Amazônia sobre a qual podemos

falar. Trata-se da internacionalização dos recursos da Amazônia. Grandes áreas de

25 Idem.

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31

floresta são vendidas a empresas multinacionais ou a maior parte dos recursos

extraídos de forma predatória da floresta abastece o mercado externo sem

representar ganhos reais para o desenvolvimento da região e do País.

5. Considerações Finais

Com o aumento da significância das ONGs para a sociedade e, neste caso, na

Amazônia, começou-se a questionar o seu papel e o poder de intervenção na região,

por uma perspectiva de que muitas das ONGs atuantes na região amazônica são

apenas ferramentas de países desenvolvidos em busca de benefícios através de

pesquisas. Com isso, gera-se também a discussão de qual a relevância da atuação das

ONGs na região amazônica em detrimento da soberania nacional, num direcionamento

para uma internacionalização da Amazônia.

Entretanto, o movimento ambientalista, disseminado pelas ONGs, apesar de

por vezes atuarem em atividades que seriam estritamente do Estado, não possuem

força política para agirem de forma a dissolver a soberania interna do país sobre a

região Amazônica. Ainda que algumas26 ONGs não estejam realmente voltadas para a

causa ambientalista, mas sim para interesses de países desenvolvidos na região

amazônica, as ONGs apenas teriam o poder de diminuir a prevalência brasileira em

relação a pesquisa.

6. Referências Bibliográficas

ALEXANDRE, Agripa Faria, O papel dos atores sociais do ambientalismo na

reorganização das políticas públicas do Estado brasileiro. Civitas- Revista de Ciências

Sociais v. 5. n. 1, jan.-jun. 2005 Disponível em: <

http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/39/1611> Acesso em:

16/12/2008

26 É importante frisar que são apenas algumas ONGs que não tem um compromisso sério com aregião.

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32

ALONSO, Ângela, COSTA, Valeriano, MACIEL, Débora. Identidade e estratégia na

formação do movimento ambientalista brasileiro. Novos Estudos-CEBRAP no.79 São

Paulo Nov. 2007. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-

33002007000300008&lng=en&nrm=iso> Acesso em: 12/12/2008.

GREENPEACE Brasil. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/tire-suas-

duvidas/campanhas/amazonia#4>. Acesso em: 05 de dezembro de 2008.

SILVA, Gilberto O ambientalismo tardio: a Amazônia como temática ambiental no

jornalismo impresso paulista. Faculdade Cásper Líbero. SP. 2006 Disponível em:

<http://www.facasper.com.br/pos/mestrado/pdf/gilberto_da_silva_o_ambientalismo

_tardio.pdf> . Acesso em: 12/12/2008.

SOUZA, Josias Exército usa Amazônia como pretexto para espionar ONG. Folha Online.

16 de agosto de 2001. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u23585.shtml>. Acesso em:

05/12/2008.

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BIOPIRATARIA E A QUESTÃO DA NORMATIVIDADE DOS

PROBLEMAS AMAZÔNICOS

Lívia Maria Rufini

Orientação: Érika Laurinda Amusquivar

1. Introdução

O Estado brasileiro vem enfrentando muitos problemas com relação às políticas

para melhor aproveitar toda a sua riqueza em fauna e flora, particularmente no que

tange ao combate à biopirataria. Contudo, esse fenômeno se tornou uma real ameaça

a partir do último século, quando a transferência ilícita de recursos naturais de um país

para outro passa a levantar questões sobre as limitações da soberania do Estado que

detém tais recursos. O presente trabalho procura analisar melhor qual é a

problemática envolvendo biopirataria, porque ela seria considerada uma nova ameaça

ao Estado brasileiro e entender porque ela ainda não possui uma solução concreta.

Novos fenômenos na Amazônia emergem concomitantemente à busca de se

entender a região; tais fenômenos, por não possuírem uma definição imediata, são

vistas pelo Estado como ameaças à região amazônica. Tal indefinição é, antes de tudo,

oriunda de duas concepções sobre a Amazônia: uma delas é de um mercado promissor

e inexplorado de espécies de fauna e flora; e a outra de que a região deve ser

preservada. A primeira visão corresponde ao entendimento da região amazônica como

uma “economia potencial” que possibilitaria a transferência e o estudo de genes e

biomas amazônicos, visando com isso ampliar o conhecimento dos recursos e

benefícios existentes no mundo como no de medicamentos, por exemplo. A segunda

visão corresponde ao objetivo dos ambientalistas e de ONGs (nacionais e

internacionais) que visam proteger a região, evitando o seu desmatamento e a

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34

transferência ilegal de genes e biomas para outros lugares. Essa última visão tem como

estrito objetivo preservar a fauna e flora amazônica.

Como a região possui uma grande biodiversidade, muitos países e empresas

transnacionais – farmacêuticas, de cosméticos, alimentícias e entre outras - se voltam

para a região com o intuito de explorá-la e conseguir transformá-las, pelas pesquisas

realizadas na região, em recursos estratégicos. Para o Estado brasileiro, tal interesse

pode ser considerado como uma ameaça à soberania do país. Isso porque é necessário

diferenciar a exploração desses recursos por países e empresas transnacionais no

marco do ordenamento jurídico brasileiro, por meio do qual o Estado pode impor

limites bem como angariar vantagens dessas relações econômicas; de uma exploração

que recorre a meios ilícitos de exploração espécies nativas da floresta.

2. As definições de biopirataria

Não há, entretanto, como afirmar, com exatidão, que todas as informações e

espécies que saem do país sejam uma forma de biopirataria, pois não existe

atualmente uma definição padrão do fenômeno. Assim, devido a essa falta de padrão

pré-determinado, cada ator tem a sua visão e entendimento do que se compreende

por biopirataria, o que dificulta enquadrar essas ações em termos de legais e ilegais, o

que por sua vez, reduz significativamente a capacidade de controle e efetividade das

sanções. Logo, por causa dessas diferentes visões, surgem lacunas nas leis brasileiras

de proteção à Amazônia, permitindo o avanço da biopirataria. De acordo com a CIPR

(Comissão sobre direitos de propriedade intelectual), não existe uma “definição

padrão” sobre o tema biopirataria, contudo, de uma maneira mais genérica, esse novo

fenômeno se caracteriza pela apropriação dos conhecimentos e de recursos genéticos

da região por instituições que visam o monopólio desses recursos e conhecimentos.

A partir dessa explicação genérica, as outras definições variam seguindo

aproximadamente os mesmos padrões, como o exemplo da determinação do Instituto

Brasileiro de Direito do Comércio Internacional, da Tecnologia da Informação e

Desenvolvimento (CII TED) que entende a biopirataria pela seguinte visão:

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35

“Biopirataria consiste no ato de aceder a ou transferir recurso genético (animal ou

vegetal) e/ou conhecimento tradicional associado à biodiversidade, sem a expressa

autorização do Estado de onde fora extraído o recurso ou da comunidade tradicional

que desenvolveu e manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos (prática

esta que infringe as disposições vinculantes da Convenção das Organizações das

Nações Unidas sobre Diversidade Biológica).

A biopirataria envolve ainda a não-repartição justa e eqüitativa - entre Estados,

corporações e comunidades tradicionais - dos recursos advindos da exploração

comercial ou não dos recursos e conhecimentos transferidos.”27; da Convenção sobre

Diversidade Biológica de 1992 em que “a biopirataria pode ser conceituada como a

exploração, manipulação, exportação de recursos biológicos, com fins comerciais, em

contrariedade às normas da Convenção sobre Diversidade Biológica, de 1992,

promulgada pelo Decreto n.º 2.519/1998.”28; e do relatório da CPI da Biopirataria

(2006, p.11) “que menciona a biopirataria como o acesso ao patrimônio genético e ao

conhecimento tradicional associado”29. Também existem visões jurídicas atreladas aos

tratados internacionais a atividade que envolve o acesso aos recursos genéticos de um

determinado país ou aos conhecimentos tradicionais associados a tais recursos

genéticos (ou a ambos) sem o respeito aos princípios da Conversão da Biodiversidade,

isto é, sem autorização do país de origem e de suas comunidades locais e a repartição

de benefícios”30.

Uma ressalva é que mesmo não existindo uma determinação padrão para

caracterizar o fenômeno, não é possível afirmar a existência de uma definição correta

e outra errada, haja visto que cada uma delas representa uma visão diferente e por

isso devem ser consideradas na análise. Entretanto, é necessário enfatizar que ao se

considerar várias definições diferentes, surgem grandes dificuldades quanto à punição

contra os atos de biopirataria. As sanções para punir os infratores acabam por serem

muito vagas, pois têm que abranger todas as definições do termo. Devido a esse fato

27 BIOPIRATARIA.ORG, 2008.28 “O CONTROLE e a repressão...”, 2008.29 Idem.30

SANTINI, 2005. op.cit. “O CONTROLE e a repressão...”, 2008.

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36

surgem várias brechas entre as leis ambientais brasileiras, impossibilitando a criação

de leis mais eficientes no sentido de conseguir evitar a transferência ilegal dos recursos

biológicos da Amazônia para outros lugares. Assim, de acordo com o cientista Enio

Candotti, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), as leis

brasileiras que deveriam proteger nossos biomas, especialmente a região amazônica

são “excessivas, vagas demais, outorgam um poder exagerado a autoridades que não

possuem nenhum conhecimento científico e sempre partem do pressuposto de que

todo cientista está envolvido em biopirataria31”. Outro problema que também surge

devido a essa falta de definição é a existência de fortes influências de outros Estados,

empresas transnacionais e organizações, fazendo com que a interpretação correta dos

fenômenos acabe sendo influenciada pela subjetividade das opiniões dos atores

envolvidos. Logo, a problemática se encontra na dificuldade de se determinar

exatamente o que seria um ato de biopirataria.

3. O problema da normatividade da exploração dos recursos

ambientais

Pelo fato da Amazônia ser um local com uma grande diversidade de fauna e

flora, muitas empresas transnacionais de vários setores, pesquisadores estrangeiros e

ONGs são atraídos para a região com o intuito de realizar pesquisas que se iniciam no

Brasil, através da coleta do material a ser analisado, e terminam nos laboratórios das

grandes transnacionais farmacêuticas, por exemplo, se tornando produtos que serão

vendidos a todo o mundo, incluindo o país origem da matéria-prima32. Em alguns casos

essas empresas recebem ajuda de ONGs que atuam na região para conseguir acesso

aos conhecimentos e recursos naturais, como foi o caso da CCPY (Comissão Pró-

Yanomami), que foi acusada de passar os conhecimentos indígenas à empresa

americana que trabalha no ramo de remédios, Shaman Pharmaceuticals, em troca de

31 “PARANÓIA antibiopirataria...”, 2008.32 Deve-se lembrar que a biopirataria não se restringe apenas a transferência de genes, mastambém de animais como araras-azul e algumas espécies de insetos. Os lucros com a venda de taisanimais pode variar entre 8.000 – 60.000 dólares no mercado internacional. Cf. “BIOPIRATARIA:crueldade...”, 2008.

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assistência médica e dinheiro; e da ONG estadunidense ACT (Amazon Conservation

Team) que passava conhecimentos indígenas sobre plantas e animais para laboratórios

estrangeiros33.

Logo, a dúvida fica em como impedir que atos como esses continuem

acontecendo, já que os recursos existentes naquela região são do seu país de origem,

ou seja, que não devem ser retirados sem o consentimento do governo brasileiro ou

de algum órgão responsável pela proteção da região amazônica. Dessa forma, pode-se

dizer que o problema da biopirataria na Amazônia ganha um caráter nacional, pois

envolve a questão a soberania do Brasil exercida em seu território, ou seja, de acordo

com o relatório desenvolvido pelo Grupo de Trabalho da Amazônia (GTAM) e

coordenado pela ABIN (Agência Brasileira de Inteligência Nacional) em 2005 e 2006, as

ONGs, principalmente as controladas por governos estrangeiros, estão conquistando

cada vez mais influência entre os indígenas e conseguem com isso benefícios - como

acesso a conhecimentos tradicionais e plantas naturais da região - sem que o governo

brasileiro tenha conhecimento34. Segundo o coronel Gélio Fregapani, coordenador do

GTAM e representante da ABIN “se nós não ocuparmos a Amazônia, alguém a ocupará.

Nós somos brasileiros, então devemos ocupá-la35”. O relatório também denuncia que

os problemas indígenas encobrem sobretudo os atos de biopirataria feitos pelas ONGs

e para continuar agindo na região elas acabam por inibir ações do Estado Brasileiro,

visando os interesses de seus países.

4. Considerações Finais

Assim, pode-se afirmar que a biopirataria é um novo fenômeno em expansão

pelo país, pois por não possuir uma definição padrão e sofrer tantas influências

externas, continua-se tendo um amplo campo de atividade no Brasil sem que exista

alguma medida eficaz, até o momento da análise, para barrá-la. As sanções nesse

sentido são ineficazes, já que não há uma determinação única da infração e qualquer

33 “ONGs são investigadas...”, 2008.34 “ABIN denuncia...”, 2008.35 Idem.

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medida criada para a punição dos infratores não serviria para todos os casos, tornando

necessárias novas medidas até que todas as lacunas existentes nas leis fossem

protegidas por sanções. Também existe a distância entre o governo e a região

amazônica, como foi exemplificado pela fala do coronel Gélio Fregapani, que acaba

sendo mais um modo dessa atividade ilícita se expandir.

Dessa forma, pode-se dizer que o país se mantém em uma posição de

“análise” e não em uma posição concretamente ofensiva, pois o conflito não possui

uma significação única e aceita por todos os envolvidos. Dessa forma, sem conseguir

impedir de uma maneira eficaz e definitiva a atuação dos atores internacionais - que

vão para a Amazônia para extrair sua riqueza natural - o Estado brasileiro tenta, a

partir da criação de novas leis e de ações - que visam proteger e preservar a região -

impedir que ilegalidade acabe se fixando e tome o lugar do Estado na conquista da

confiança indígena, conseguindo com isso dominar a região Amazônica.

5. Referências Bibliográficas

“ABIN denuncia que ONGs estrangeiras ameaçam soberania da Amazônia”. CUT –

Portal do Mundo do Trabalho Disponível em:

<http://www.cut.org.br/site/start.cut?infoid=7769&sid=22>. Acesso em: 07 ago. 2008.

“BIOPIRATARIA: crueldade e ousadia”. Mundo Jovem Disponível em:

<http://www.mundojovem.com.br/artigo-biopirataria.php>. Acesso em: 20 out. 2008.

BIOPIRATARIA.ORG. Disponível em: <http://www.biopirataria.org /index.htm>. Acesso

em: 19 ago. 2008.

“O CONTROLE e a repressão da biopirataria no Brasil”. Paranaonline. Disponível em:

<http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/284498/>. Acesso em: 21 ago.

2008.

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39

“ONGs são investigadas por biopirataria”. Terra Tv Disponível em: <

http://terratv.terra.com.br/templates/channelContents.aspx?channel=2481&contenti

d=199316>. Acesso em: 07 ago. 2008.

“PARANÓIA antibiopirataria atrapalha pesquisa”. G1. Disponível

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HOMMA, Alfredo. Biopirataria na Amazônia: ainda é tempo para salvar? Disponível

em: <http://www.atech.br/agenda21.as/download/amazonia2.pdf>. Acesso em: 07

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SANTINI, Juliana. Sem título. Disponível em: <http://www.ambiente.sp.gov.br/ea/adm

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OS CENÁRIOS DE INTERVENÇÃO DIRETA E INDIRETA NA

AMAZÔNIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Patrícia Tona de Lucas

Orientação: Patrícia Nogueira Rinaldi

1. Introdução

A Amazônia consiste em um tema que, por vários períodos, apresentou-se

como um dos focos estratégicos da agenda brasileira. A cada momento, contudo, este

tema esteve cercado de diversos problemas e questões distintas, de modo a ser

impossível até mesmo hoje compreender os debates que giram em torno da Amazônia

sem levar em conta suas várias facetas. É preciso se ter em mente, portanto, que tal

tema abrange uma complexidade de problemas, de modo que para ser possível tratá-

lo como um todo homogêneo, deve-se entender a Amazônia como a soma de diversas

questões que consistem em um produto de uma mesma ordem mundial.

Assim, a retomada do tema da Amazônia nos últimos tempos se dá agora em

um novo contexto de cunho neoliberal, cujas transformações estruturais trazem novos

contornos, que explicam o maior peso dado às questões relacionadas ao meio

ambiente e à pessoa humana. É sob este prisma que se faz possível compreender a

atuação e a interferência diretas de atores transnacionais nas mais diversas questões,

sejam elas relacionadas à preservação das terras e biodiversidade amazônicas,

desenvolvimento econômico ou proteção das populações indígenas e tradicionais da

região.

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É nesse mesmo contexto, contudo, em que o debate político se volta para os

novos atores na região, como Organizações Não-Governamentais (ONGs)

ambientalistas e indigenistas, questões relativas à ameaça da soberania36 do Estado

brasileiro são trazidas para o debate nacional pelos militares, os quais passam a alertar

para possíveis intervenções no território amazônico. O cenário de uma possível

intervenção militar externa na região amazônica se tornou bastante divulgado pela

impressa a partir de declarações e discursos de diversos estadistas, trazendo um

estado de alerta e de discussões acaloradas, com pouca ênfase analítica. Assim, nosso

objetivo nesse artigo é tratar da possibilidade de intervenções relativas a dois cenários,

que não se excluem necessariamente: um relativo às intervenções diretas e o outro, às

intervenções difusas.

Assim, diante da maior relevância que passou a ser dada à questão de uma

possível intervenção externa na Amazônia, o presente trabalho buscará abordá-los,

tendo em vista como sua relação com esse novo contexto mais amplo coloca

limitações e potencialidades nas políticas do Estado brasileiro para a própria

Amazônia; sem essa análise concreta da manobra política brasileira em um sistema

mundial no qual se expandem as relações transnacionais, se tornaria impossível uma

compreensão mais precisa a respeito de tais fatos.

2. Primeiro cenário: intervenção direta

A questão relativa à possibilidade de uma intervenção no território amazônico,

como mencionado, apresenta-se no discurso militar como dois cenários possíveis,

sendo o primeiro deles referente à uma intervenção direta de um Estado estrangeiro

na região.

36 Diante das várias possibilidades de interpretação desse conceito, deve-se aqui entendê-lo em seusentido estrito, relativo, portanto, à dominação legítima do Estado sobre um determinado território epopulação, de modo a conferir-lhe uma posição de autonomia diante da gerência das questões nacionais.Deve-se ter em mente, entretanto, que o entendimento de fato sobre a problemática em torno daAmazônia deverá levar em conta a questão da soberania não em seu sentido estrito, mas sim naquelesentido que possui diante da nova ordem mundial em que se insere o Estado e que remete, portanto, àspróprias mudanças pelas quais este passou em seu papel no cenário político nacional e internacional.Sendo de extrema importância, esta última questão será tratada mais adiante.

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Tendo o conhecimento da importância estratégica dos territórios amazônicos, a

preocupação com sua defesa militar se intensificou no órgão responsável por essa

atuação, isto é, as Forças Armadas. Estas então passaram a desenvolver essa possível

ameaça de intervenção – aqui entendida mais propriamente como uma invasão militar

– a qual seria realizada por parte de alguma grande potência – ou até mesmo por uma

coalizão de grandes potências – sendo a principal suspeita, os Estados Unidos.

Tais ameaças seriam facilitadas, segundo as Forças Armadas, devido à ainda fraca

presença física do Estado, o qual, em sua visão, não promove a devida ocupação das

terras da região através da promoção do seu desenvolvimento econômico, de modo a

deixá-las susceptíveis a possíveis ameaças intervencionistas. O potencial de tais

ameaças, por sua vez, acabaria por se intensificar diante de discursos proferidos por

importantes figuras políticas: “Acabou a fase de contemporização. Agora é a vez da

ação militar, pois os países que têm a Amazônia dela não sabem cuidar”, afirmou, em

1999, o então vice-presidente dos EUA, hoje Prêmio Nobel, Al Gore. Não foi uma voz

isolada: do presidente francês François Mitterrand (“O Brasil precisa aceitar uma

soberania relativa sobre a Amazônia”) ao general Patrick Hughes, chefe do órgão de

informações do Exército americano (“Se o Brasil resolver fazer um uso da Amazônia

que ponha em risco o meio ambiente dos EUA, temos de estar prontos para

interromper esse processo”), passando por Mikhail Gorbatchov (“O Brasil deve delegar

parte de seus direitos sobre a Amazônia aos organismos internacionais competentes”),

sem falar em comentários similares de Henry Kissinger, John Major e Helmut Kohl, não

houve quem não insinuasse ou falasse abertamente sobre a suposta “incompetência

brasileira” de manter a região” 37.

Assim, sob propostas relativas à necessidade de gerência do território

amazônico por seus respectivos Estados, diante da ineficiência do Estado brasileiro de

administrar os recursos naturais da região, segundo a lógica da preservação ambiental,

guardariam, na realidade, interesses em relação ao controle de tais recursos naturais

estratégicos. Diante de tais cenários, como apontaram recentemente dois ministros,

“o Brasil considera uma invasão estrangeira de grande escala na Amazônia como uma

37 HAAG, 2008.

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das possíveis ameaças à segurança, contra a qual as Forças Armadas precisam se

preparar” 38. Assim, faz-se clara a existência de uma preocupação relacionada à

possibilidade uma invasão estrangeira, que promoveria uma ocupação física por meio

de tropas militares na região. Seria este, portanto, o primeiro entendimento em

relação a uma possível intervenção no território amazônico: uma intervenção direta,

configurando-se como uma ofensiva militar ao Estado brasileiro, que traria, por sua

vez, implicações à sua soberania, uma vez que perderia o controle efetivo sobre seu

território e população.

Distintos são, além do mais, os motivos que se apresentam à possibilidade de

concretização de uma intervenção deste tipo, sendo um deles a corrida imperialista

entre as Grandes Potências na América Latina, “devido aos recursos energéticos,

reservas minerais e hídricas [e] imensa capacidade de produção alimentar” da região,

mas “em particular, no caso do Brasil, que deverá ser – em breve – o maior exportador

mundial de alimentos, e um dos grandes exportadores de petróleo, além de ser o

principal "proprietário" das águas e da biodiversidade amazônica” 39. Esses últimos

motivos, por sua vez, são a que os militares mais se atentam, temendo “pela soberania

sobre o território, devido à ‘cobiça’ dos países ricos” 40. Além disso, aponta-se também

para a questão ambiental, devido aos desmatamentos e atividades econômicas

predatórias, que representariam uma ameaça à conservação de um dos principais

ecossistemas do globo.

Diante disso, uma maior mobilização militar foi promovida, nos últimos anos,

tendo por objetivo a promoção da segurança dos territórios amazônicos e,

especialmente, de suas fronteiras, de modo a buscar a proteção da soberania do

Estado brasileiro. A estratégia a ser adotada na região envolveria “não só os militares,

mas toda a sociedade brasileira, principalmente os que estão aqui na Amazônia, e nós

[militares] estamos difundindo isso para que todos tomem conhecimento, passem a se

38 COLITT, 2008.39 FIORI, 2008.40 SUGIMOTO, 2008.

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preocupar e que assim possa haver o fortalecimento da vontade nacional em relação à

defesa do nosso território” 41.

As Forças Armadas, assim, passam a apresentar uma intensificação em sua

atuação, realizando, por exemplo, simpósios nas principais capitais da Amazônia, a fim

de promover a formação na sociedade civil e em autoridades políticas de uma vontade

nacional de proteção ao território amazônico e apoio às operações militares brasileiras

na região. Uma dessas operações, por exemplo, consiste na atuação militar pelo

Projeto Calha Norte de intensificação da ocupação e asseguração das fronteiras

amazônicas. Esta operação, juntamente com a declaração recente do ministro da

Justiça Tarso Genro sobre o aumento do número de postos de fronteira em regiões

ainda pouco protegidas e a proposta de Minc para a ampliação da atuação das Forças

Armadas para a defesa de parques nacionais, reservas indígenas e extrativistas na

Amazônia, consistem em exemplos que refletem o aumento da influência militar no

meio político.

Da mesma forma, a partir das preparações de estratégias de defesa, a partir da

formulação de possíveis cenários de invasão na Amazônia faz-se possível notar a maior

participação das questões de segurança nacional nas políticas públicas, evidenciando

como as preocupações concernentes à possibilidade de uma intervenção direta

estrangeira tomaram maior importância no debate público, assim como a burocracia

militar acabou por tomar para si o papel de promover a ocupação do território

amazônico, já que o Estado não se faz presente, segundo sua visão, de modo a

garantir, dessa forma, a segurança da soberania nacional.

2.1. A intervenção direta e suas limitações

Os alertas concernentes à ameaça de ocorrência de uma intervenção direta, ou

seja, de uma invasão militar na região amazônica, pondo em risco a soberania

nacional, embora possuam justificativas, como apresentado na sessão anterior, não

41 “MILITARES planejam...”, 2008.

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levam em consideração algumas características com as quais se depara o Estado

brasileiro e, juntamente com ele, as questões relativas à própria Amazônia. Essas

características relativizam a questão da intervenção direta e colocam outras

problemáticas que altera a probabilidade da ocorrência dessa ação.

Segundo o General Ítalo Fortes Avena, embora não exista uma ameaça

concreta de um Estado contra o Brasil, mas “apenas algumas manifestações, boatos

que surgem na imprensa e que vêm sendo insistentemente difundidos pela internet”

42, ainda assim é considerada a possibilidade de agressão, que se levanta justamente

diante das questões explicitadas na seção anterior. Por conta de tais fatos, como

afirma, “nós [militares] temos que estar preparados para a defesa” 43. Da mesma

forma, em recente entrevista, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, afirmou que "não

há nenhum país ameaçando o Brasil, mas precisamos de uma força dissuasiva para que

remova a possibilidade de que [uma invasão] aconteça" 44. A partir de tais declarações,

explicita-se a grande atenção dada às questões relativas à segurança militar do

território amazônico.

Contudo, é necessário que se chame a atenção para o fato de que a política

relativa à Amazônia não deve ter apenas na segurança militar seu principal foco de

preocupação. Na realidade, as questões concernentes ao território amazônico devem

ser tratadas e analisadas a partir de uma lógica não meramente militar, mas sim, a

partir da nova realidade em que se insere o Estado brasileiro, a qual se relaciona à

própria forma com que se configura a ordem mundial atual, em que as relações

político-econômicas são pautadas, em maior grau, em relações de caráter

transnacional e não apenas interestatal. Isso vem a consistir no produto do próprio

processo liberalização econômica, havendo a abertura das fronteiras nacionais, que

possibilitou o estabelecimento, internamente ao Estado, de interesses entre atores

nacionais e estrangeiros – não somente públicos como também privados – de modo a

intensificar o grau de interdependência estatal no âmbito internacional e a tornar

42 Idem.43 Idem.44 COLITT, 2008.

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impossível a distinção precisa da linha divisória que separaria os interesses internos e

os interesses estrangeiros no interior do Estado.

Assim, diante dessa nova configuração muito mais dinâmica e fluida da ordem

mundial, uma intervenção, entendida como a limitação ou interrupção da ação

nacional, é passível de se dar não mais pela forma direta, através de uma clara

ofensiva de um Estado a outro, mas sim, por outros mecanismos mais sutis e

sofisticados de dominação, a partir da atuação de agentes transnacionais em

territórios nacionais, tais como organizações não-governamentais, assim como

também por meio de organizações multilaterais e fontes de financiamento

internacionais.

A partir do até então exposto, é possível claramente notar a existência de tais

mecanismos em território brasileiro, e em especial, no amazônico, enfatizando, dessa

forma, a baixa probabilidade de ocorrer uma invasão militar direta na região 45. Além

disso, nota-se que, diante de tais fatos, a própria questão relativa à ameaça à

soberania nacional exige uma reavaliação, devendo ser analisada sob a luz dessa nova

realidade, em que a autonomia do Estado diante das questões internas a ele se faz

limitada pela própria ordem neoliberal democrática em que está inserido.

O Estado, neste âmbito, é dotado de um novo papel: o de garantidor dessa

democracia, por meio da asseguração da liberdade dos atores que nele se encontram,

liberdade essa aqui entendida como a livre iniciativa privada, tanto de atores

estrangeiros como nacionais. Assim, a intensificação das relações transnacionais, que

elevam o grau de dependência do Estado em relação à dinâmica do sistema mundial, e

que, conseqüentemente limitam suas ações em seu território, consiste justamente no

produto desse processo de privatização, mediante o qual a ação estatal acabou por se

tornar negativa, a fim de garantir o espaço de atuação, e, portanto, uma maior

participação, dos poderes privados nas atividades econômico-sociais.

É nesse contexto então, que se desenvolve a própria internacionalização do

território amazônico, em que o Estado passa a ter muito mais dificuldades para uma

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ação positiva na região enquanto a Amazônia passa a consistir em um espaço para a

valorização do capital tanto nacional quanto estrangeiro, de modo a tornar o próprio

crescimento da região dependente de atores externos. Diante disso, nota-se que a

questão da administração e aproveitamento do território amazônico passa a ter não

mais um caráter meramente nacional, mas acaba por se tornar algo concernente a

uma gama de interesses privados ou não, sejam eles brasileiros, internacionais ou

transnacionais.

Tendo em vista, pois, esses limites estruturais à própria soberania do Estado,

relativiza-se a questão referente às críticas quanto à ineficiência do Estado em gerir

seu próprio território. A própria capacidade de elaboração de um plano de

desenvolvimento integrado para a região, baseado na noção estreita de soberania –

isto é, de predominância dos interesses nacionais e expulsão dos interesses

estrangeiros – se faz limitada por conta da estrutura em que está inserido o poder

estatal, tornando-o incapaz de se impor como determinador de condutas em seu

próprio território sem levar em conta os distintos interesses que ali se encontram.

Sendo assim, apenas seria possível considerar uma alta probabilidade de haver

de fato uma intervenção direta por parte de algum Estado estrangeiro na região

amazônica, caso o Estado brasileiro viesse a agir justamente de forma a impor grandes

limitações a consolidação desses interesses estrangeiros ou até mesmo, impedir a

atuação dos atores privados na região. Levando em conta este hipotético cenário, ao

ignorar os distintos interesses que para ali se voltam – sejam eles privados ou

governamentais, mas com vínculos transnacionais (como seria o caso, por exemplo,

daqueles relativos às exigências em torno da conservação ambiental) –de modo a se

impor como determinador de condutas dos demais atores que nele se acham, o Estado

brasileiro acabaria por limitar justamente aquilo que se tornou uma prerrogativa desta

ordem mundial, que é a necessidade de resguardar a liberdade de atuação dos agentes

privados. Dessa forma, estaria adotando um posicionamento contrário aos postulados

liberal-democráticos impostos por essa nova ordem mundial. Isso, por sua vez,

acabaria por gerar uma percepção internacional em sua relação como um Estado cujas

45 Esta questão será trabalhada mais atentamente adiante, assim como as limitações que ela vem aimplicar.

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ações apresentam um padrão não-democrático e, portanto, de caráter autoritário. Tal

fato seria capaz de tornar o Brasil – em particular, a Amazônia – um alvo grandemente

vulnerável a possíveis pretensões intervencionistas, as quais facilmente poderiam se

justificar em argumentos de prevenção e segurança ambiental. A região assim,

passando a ser tratada como um estado de exceção no sistema internacional, estaria

sujeita a tais intervenções diretas, em nome, por exemplo, da proteção dos recursos

naturais estratégicos ali encontrados. Esta posição de vulnerabilidade em que se

encontraria o Estado brasileiro, é válido frisar, seria intensificada por conta da

condição interdependente em que se encontra no sistema.

Sendo assim, é necessário que se compreenda que até mesmo a própria

segurança do território amazônico passa pela capacidade do Estado brasileiro de

promover a conciliação entre os mais diversos interesses, atendendo, de certa forma,

as demandas tanto nacionais quanto estrangeiras, as quais tendem a orbitar, de

maneira geral, em torno de interesses econômicos por desenvolvimento e novas

possibilidades à valorização do capital, assim como em torno de interesses

ambientalistas de preservação. O certo atendimento da gama de interesses ali

existentes e a busca por traçar objetivos comuns a todos, de modo a alcançar uma

conciliação são, portanto, de extrema importância à segurança e ao próprio

crescimento econômico regional. Devendo aqui ser lembrado, para que tais aspectos

se tornem mais claros, a própria condição de interdependência – tanto de atores

privados quanto governamentais, assim como de instituições internacionais – em que

se acha o Estado brasileiro em relação ao seu crescimento e desenvolvimento

econômico.

3. Segundo cenário: a intervenção difusa

Embora a ocorrência de uma intervenção militar direta, liderada por algum

governo estrangeiro na Amazônia seja pouco provável, dadas as atuais delineações

estruturais do sistema mundial, ainda assim não se esgotam as suas possibilidades. Tal

como anteriormente mencionado, há ainda um segundo cenário de possibilidade de

intervenção no território amazônico, relativo à ocorrência de uma intervenção difusa

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na região, ou seja, uma intervenção realizada por atores caracteristicamente

transnacionais, mas associados a interesses de Estados estrangeiros. O principal

mecanismo para tanto, de que se valeriam tais Estados na Amazônia, como é

insistentemente apontado nos discursos militares, seriam as Organizações Não-

Governamentais, especialmente ambientalistas e indigenistas, as quais passam a

exercer domínio sobre as terras em que o Estado se faria ausente, representando,

segundo eles, mais uma vez, um perigo à soberania nacional justamente pela sua

associação a esses interesses estrangeiros.

Além disso, uma segunda possibilidade de intervenção deste tipo seriam as

possíveis relações estabelecidas entre empresas transnacionais e Estados estrangeiros,

por meio, por exemplo, de financiamentos envolvendo acordos que atendessem aos

interesses políticos e econômicos das partes46.

O presente trabalho, contudo, se atentará não à questão relativa às empresas

transnacionais instaladas na Amazônia como agentes interventores, mas sim às

Organizações Não-Governamentais, como executantes desse papel – ou seja, como

instrumentos que serviriam a supostos interesses de governos estrangeiros – uma vez

que essas se apresentam como objeto de críticas não apenas na sociedade civil, mas

também – e especialmente – nos meios militares, por conta do caráter de sua

atuação, passível de especulações e grande polêmica.

Para promover uma melhor compreensão a respeito de tal questão, portanto,

foi aqui realizada uma divisão simplificada entre três principais tipos de Organizações

Não-Governamentais, as quais devem ser levadas em conta para o entendimento das

46 É, contudo, necessário que se atente aqui para a importância de não serem estabelecidasgeneralizações a respeito das empresas transnacionais presentes na Amazônia como simples mecanismosde intervenção indireta por parte de Estados estrangeiros, como comumente é feito. Tal visão, presentegrandemente no meio da sociedade civil, ignora o fato de que embora tais empresas possuam suas sedesno exterior, não necessariamente possuem algum tipo vínculo direto com seus respectivos governos,como seria o caso de por eles serem financiadas, como acima apontado. A presença de empresas norte-americanas ou provindas de qualquer outro Estado não significa, além disso, que não haja qualquer tipode interesse político de sua parte, mas sim que tais interesses não estão associados a uma relação políticade intervenção, de modo a estarem ligados, na realidade, à lógica puramente capitalista privada. Assim,deve-se sempre se ter em mente que a instalação de empresas estrangeiras no território brasileiro – e,portanto, não apenas na Amazônia – é, na realidade, resultado da própria abertura das fronteiras nacionaise, embora representem o poderio econômico de seus países de origem, não consistem necessariamente eminstrumentos de intervenção. Da mesma forma, é necessário que se atente às limitações que a idéia deintervenção difusa trás consigo no caso das ONGs, como será abordado na próxima seção.

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discussões realizadas nas próximas seções. O primeiro grupo de ONGs que se faz

possível distinguir seria referente àquelas cujo financiamento é apresentado como

sendo baseado em doações provindas unicamente de pessoas físicas, podendo ser até

mesmo ONGs que se auto-financiam, por meio de doações de seus próprios

funcionários. Um segundo grupo seria aquele em que estão englobadas as ONGs que

possuem alguma ligação com empresas – nacionais ou não – e o terceiro, por sua vez,

referente a ONGs com possíveis relações estabelecidas com governos estrangeiros.

Tais características podem ocorrer simultaneamente, mas para os objetivos

dessa análise, o enfoque a ser dado tomará por base esse último grupo, uma vez que

tais ONGs, possuindo de maneira mais determinante uma ligação com Estados

estrangeiros, são aquelas que mais claramente se apresentariam como um possível

instrumento de intervenção indireta, possuindo, portanto, um maior potencial de

ameaça ao território amazônico. É perceptível, pois, que nosso critério de análise para

compreender a questão das ONGs como intermediárias de uma intervenção, não

enfoca meramente a condição de legalidade ou ilegalidade da ONG, o que é comum

nos estudos sobre essas organizações, mas sim relacionar como as origens de seus

financiamentos podem trazer limites estruturais aos objetivos e modo de atuação das

ONGs.

3.1. A intervenção, as ONGs e o desenvolvimento

Um dos principais perigos que representariam as ONGs no território

amazônico, segundo apontado especialmente no discurso militar, seria o de

impedimento ao desenvolvimento regional. Assim, tais organizações consistiriam em

vetores de que se valeriam governos estrangeiros, tendo por objetivo obstaculizar

qualquer atividade civilizatória nacional no território amazônico. A região, diante da

criação de reservas indígenas e por meio de atividades direcionadas à proteção

ambiental implementadas por tais organizações, acabaria por ser mantida despovoada

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e impedida de se desenvolver economicamente, tornando-a ainda mais vulnerável ao

controle estrangeiro de seus recursos, de modo a facilitar, até mesmo, possíveis

invasões militares a longo prazo. Como aponta uma matéria publicada pela Revista do

Clube Militar, “com o grande poder que elas [ONGs] possuem na área, conseguiram

engessar a Amazônia, que representa 60% do Brasil, engessamento com a criação de

enormes reservas indígenas + áreas de preservação ambiental + corredores ecológicos

e outras servidões de usa da terra na margem dos seus rios e limitação de que cada

proprietário só use 20% da sua”47.

Dessa forma, a ação de ONGs para uma preservação draconiana do meio

ambiente e a criação das reservas ambientais e indígenas acabariam, como é

apontado, por constituir em obstáculos ao desenvolvimento de obras de infra-

estrutura necessárias ao desenvolvimento regional, assim como impediriam o

crescimento de atividades economicamente importantes para a região, como o cultivo

de arroz e soja, por exemplo. Tais empecilhos, portanto, são tidos como colaboradores

da manutenção do subdesenvolvimento amazônico, impedindo o aproveitamento de

seus recursos pelo Estado no objetivo de promover um maior crescimento e

desenvolvimento econômicos da região. Simultaneamente a isso, são mantidos tais

recursos intactos à disposição de um gerenciamento transnacional, envolvendo ONGs,

organizações internacionais e outros Estados, enquanto as prerrogativas de exploração

nacional seriam limitadas a essas diretrizes ambientais internacionais.

A condição das ONGs como intermediárias desses interesses estrangeiros na

Amazônia, podendo constituir mecanismos da intervenção velada, se daria justamente

pelas possíveis relações diretas estabelecidas entre elas e governos estrangeiros. Tais

relações, por sua vez, são definidas por meio de financiamentos, os quais acabam por

gerar relações de dependência que amarram o curso de suas atividades e objetivos;

assim como por uma ligação ainda mais direta, sendo a própria ONG criada por um

governo, de modo a atender claramente a seus interesses.

47

BENTO, 2008.

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Um exemplo a ser dado e que é capaz de ilustrar ambas as possibilidades, seria

o caso da ONG World Wildlife Fund for Nature (WWF), a qual possui uma estreita

relação com o governo britânico ao ter entre seus fundadores: o até então consorte da

Rainha Elisabeth II, Príncipe Phillip; o ex-comandante-geral do Exército britânico, sir

Frank Chapell, assim como o marechal lorde Alan Brooke, ex-chefe de Estado-Maior do

Reino Unido. Além disso, a ONG recebe doações regulares de instituições, tais como a

Agência do Governo dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

(USAID), o que evidencia, portanto, a forte existência de laços de dependência da

Organização em relação aos interesses políticos estatais.

A partir desse exemplo, portanto, é que se pode compreender o potencial das

relações entre as ONGs e o papel de agentes de governos estrangeiros, de modo que a

partir de tal prisma é que se busca trazer o entendimento das atividades por elas

realizadas. Entretanto, embora haja fatos que possam permitir tal coisa, como acima

apresentado com o caso da WWF, tal visão apresenta suas limitações e essas devem

ser certamente levadas em conta na seção seguinte.

4. A Intervenção difusa: suas possibilidades e limitações

O entendimento quanto à existência de uma intervenção difusa no território

amazônico, realizada especialmente por Organizações Não-Governamentais, passa

primeiramente à compreensão da própria origem dessas, em que seu surgimento e

proliferação no território amazônico consistem justamente no resultado das

transformações de privatização e internacionalização pelas quais passou o Estado

brasileiro, como exigências da ordem neoliberal, conforme explicitado na crítica

anterior. Assim, a maior atuação desses atores na região amazônica consiste no

produto da intensificação das relações transnacionais e, portanto, a existência de

interesses não apenas nacionais, como também provindos do exterior em relação à

Amazônia. Diante disso, afirmar a possibilidade de que seja realizada de fato uma

intervenção velada na região por parte de atores transnacionais, especialmente as

ONGs, não seriam de todo errôneo, como bem claramente se apontou na seção

anterior ao ser mencionado o caso relativo à ONG WWF.

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A partir do conhecimento de sua origem e fontes de financiamento é possível

compreender algumas de suas ações no país. Como apresenta o artigo organizado pelo

Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa) 48, a campanha internacional

realizada pela WWF, sob a bandeira da proteção do ecossistema do Pantanal, buscou

inviabilizar a construção da hidrovia Paraná-Paraguai, sendo esta de extrema

importância para o processo de interiorização do desenvolvimento sócio-econômico

da região. Tal obra, segundo o MSIa, seria um “elemento vital para a futura

interligação das Bacias do Prata-Amazonas-Orinoco, que, uma vez concluída,

representaria para a América um papel semelhante que a da hidrovia Reno-Danúbio,

por exemplo, representou e representa para a Europa”49, em que gerou uma espécie

de “corredor de desenvolvimento”, nas regiões que atravessava, de modo que hoje

encontram-se ali.os mais elevados índices de industrialização e proteção ambiental do

globo, assim como um alto padrão de vida dos habitantes da região.

Assim, diante desse posicionamento adotado pela ONG 50, o estudo do MSIa

identifica uma relação direta com a função estratégica por ela desempenhada no

momento de sua criação, em favor dos interesses do Governo britânico, durante o

período de independência das colônias africanas, em que assegurou a predominância

do controle das empresas da Commonwealth sobre os recursos naturais africanos, por

meio do seu controle sobre grande parte das reservas naturais e parques ambientais

do continente. Da mesma maneira, como apresentado no caso do Brasil, a ONG

acabou por impedir a exploração dos recursos naturais pela sociedade nativa, assim

como inviabilizou instalações infra-estruturais, necessários ao desenvolvimento

regional. Neste sentido, então, é que seria possível validar o argumento relativo às

ONGs como atendentes de interesses governamentais estrangeiros, constituindo

essas, portanto, em um tipo de mecanismo de intervenção velada.

Entretanto, é de extrema importância se atentar para o fato de que embora

possa haver Organizações ali instaladas cuja sede ou origem se encontram no exterior,

48 “RORAIMA no centro da internacionalização...”, 1999.49 Idem.50 É necessário ser dada a atenção para o fato de se estar aqui focando um exemplo concreto,consistindo esse apenas em um dentre vários. A questão a ser tratada aqui, portanto, não é referenteapenas a uma organização em particular.

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incorreto seria realizar generalizações, como normalmente é feito. Acima foi dado

apenas alguns exemplos da possibilidade deste tipo de intervenção de fato ocorrer,

sendo errôneo, contudo, a noção de que estariam todas ONGs, especialmente de

origem estrangeira, necessariamente associadas a interesses de governo, de modo a

consistirem realmente em instrumentos de intervenção e, portanto, um perigo à

segurança brasileira51. É importante frisar o problema trazido por essa generalização,

pois coloca todas as ONGs na ilegalidade, cuja extrapolação lógica seria uma política de

própria expulsão dessas organizações, enquanto o próprio governo brasileiro

estimulou sua criação nos anos 1990 como parte de sua política de desenvolvimento

dos programas de direitos humanos vinculados à tratados com a ONU.

Além disso, mesmo que houvesse algum tipo de coordenação das atividades a

partir do exterior, não necessariamente haveria uma relação direta entre a ONG e seu

governo, de modo que, mais uma vez, deve-se evitar a realização de generalizações a

esse respeito. Assim, as propostas de criação de reservas ambientais ou indígenas

pelas ONGs, por exemplo, embora possam ser tidas como propostas que impedem o

desenvolvimento regional, não podem ser apontadas como necessariamente sendo

estratégias de governos estrangeiros para a manutenção do subdesenvolvimento. Para

tanto, é necessária não apenas buscar a relação de legalidade dessas ONGs com o

ordenamento jurídico nacional, mas também e, mais atentamente, relacionar a

legalidade das ONGS a partir de uma análise mais profunda e específica de seus

propósito 52.

51 Devendo ser lembrado aqui, mais uma vez, a questão relativa à soberania do Estado tida comoameaçada pela presença de tais atores em seu território, nos discursos militares. Entretanto, como já vistoanteriormente, a existência de atores de origem estrangeira no interior do Estado não representam de fatotal ameaça; mas como explicitado, a instalação desses atores no país consiste justamente nasconseqüências do maior processo de abertura das fronteiras nacionais, que possibilitou a consolidação dedistintos interesses, brasileiros ou não, no território amazônico. Assim, a simples presença de ONGs,mesmo que de origem estrangeira, ali não pode ser vista como uma ameaça à soberania nacional, uma vezque essa por si só já é estruturalmente limitada, justamente por permitir legalmente a atuação de taisatores. Dessa forma, deve-se também levar em conta que a atuação dessas no território nacional, emboraapresentadas nos discursos como uma intervenção velada, por limitar a atuação do Estado por meio dacriação de reservas ambientais, por exemplo, é realizada com o respaldo da própria legislação brasileira.Não se exclui aqui, contudo, a existência das diversas ONGs que operam na ilegalidade no territórioamazônico e, diante disso, se coloca a urgente necessidade de maior controle das atividadesdesenvolvidas na região para que seja assim, possível ter o conhecimento quanto aos interesses aliexistentes, trazendo possibilidades de negociação política.

52 Deve-se aqui fazer uma ressalva a respeito da própria legislação brasileira, a qual,

segundo MIRANDA, muito tem se atentado à proteção ao meio ambiente, convertendo grandes áreas em

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55

É possível se dizer, então, que esse tipo de pensamento generalizado a respeito

das ONGs como mecanismos de dominação tão difundidos atualmente não apenas no

meio militar, como também na própria sociedade, por conta da intensa atuação da

mídia, vai de encontro justamente com a inexistência de um esforço claro em vincular

as ações de tais organizações a um projeto estatal de desenvolvimento para a região.

Isso, por sua vez, acaba por promover a manutenção da polarização de interesses

entre o desenvolvimento econômico e o Estado – apresentado sempre como ausente e

ineficiente – e os interesses de proteção ambiental, visado pelas ONGs, tanto de

origem nacional quanto estrangeira. Um projeto articulante nacional, por sua vez,

quebraria uma oposição entre os interesses das ONGs nacionais e os interesses

estrangeiros, havendo a criação de uma confluência cada vez maior entre ambos.

Dessa forma, a premissa de que haveria uma oposição entre o interesse nacional e o

interesse estrangeiro é falaciosa, uma vez que não leva em conta a possibilidade do

estabelecimento e consolidação de objetivos e interesses entre os distintos atores

privados, dada a maior fluidez das fronteiras nacionais, como já explicitado.

Tal questão é claramente visível ao se tomar por base o projeto lançado em

2006 pela Agência do Governo dos Estados Unidos para o Desenvolvimento

Internacional (USAID) denominado de “Iniciativa para a conservação da Bacia

Amazônica”, em que “dada a suposta debilidade dos países da região em cuidar desse

bem de importância global frente a ameaças também elas globais” 53, o projeto

propunha a construção de grupos de interesse efetivos voltados à conservação da

Bacia Amazônica, a partir do estabelecimento de redes institucionais em toda essa

região. Para isso, a Agência contava com o apoio de um grande número de

Organizações Não-Governamentais, as quais atuariam, portanto, segundo seus

reservas ambientais e impossibilitando, dessa maneira, o desenvolvimento de atividades econômicas e opróprio atendimento da demanda por maiores áreas para isso destinadas. As leis promulgadas em favor daconservação ambienta, além disso, não têm levado em conta a própria realidade sócio-economica do país,assim como sua história, ao determinar a preservação de áreas em que já se encontrava o desenvolvimentode atividades econômicas, de modo a torná-las ilegais. Este quadro, por sua vez, evindencia a atualincapacidade da legislação brasileira em conciliar as demandas existentes por terras para fins econômicos,assim como para fins de preservação da flora e fauna amazônicas. Nota-se, portanto, que a próprialegislação acaba por ser um importante fator limitante do desenvolvimento econômico na regiãoamazônica. Cf. MIRANDA, 2008.

53 SOUZA, 2008.

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direcionamentos. Nota-se assim, que a existência de um interesse governamental

estrangeiro na base da promoção das atividades que ali se desenvolveriam, não

significaram que essas não possuíssem da fato um respaldo de grupos internos. Como

dito, diversas ONGs nacionais e até mesmo Universidades brasileiras optaram por

participar do projeto. Assim, fica clara a possibilidade de construção de uma

confluência de interesses de cunho nacional e estrangeiro.

Diante de todas as considerações acima expostas, deve-se chamar a atenção

para o fato de que mesmo que haja a possibilidade de intervenções difusas no interior

da Amazônia, esta não necessariamente se coloca em oposição aos interesses de

grupos internos. Na realidade, há a possibilidade de haver uma confluência de

objetivos por parte de ONGs nacionais e ONGs de origem estrangeiras – ou Agências

governamentais, como o caso da USAID – que possuam ou não uma direta relação com

interesses externos.

Sendo assim, coloca-se a necessidade de o Estado brasileiro buscar uma maior

regulamentação das atividades por tais organizações realizadas no território

amazônico, de modo a melhor compreender seus interesses para então, ser possível a

realização de negociações políticas e conciliação de objetivos relativos à preservação

ambiental e o desenvolvimento econômico. É necessário ao Estado, para que seja

quebrada a noção de oposição entre as ONGs e a atuação estatal, promover um

planejamento de desenvolvimento regional a partir da vinculação das atividades

dessas organizações às suas. Da mesma forma que governos estrangeiros são capazes

de se valer desse tipo de instrumentos a seu favor, o Estado brasileiro poderia optar

por cooptar tais organizações a trabalharem em conjunto com seus objetivos, de modo

a alcançar assim, resultados favoráveis a todos.

5. Considerações Finais

A partir da análise e das considerações realizadas a respeito das possíveis

intervenções estrangeiras no território amazônico, é possível então se compreender a

existência de uma probabilidade mínima de ocorrência de uma intervenção direta

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liderada por algum Estado estrangeiro na região, uma vez que as novas condições

estruturais implementadas pela ordem mundial neoliberal acabam por tornar

desnecessário o uso de mecanismos explícitos de intervenção em países cuja

interdependência e ação é condizente com os rumos dessa ordem. Dessa forma, a

possibilidade de se valer de instrumentos mais sofisticados para tanto – sendo eles

próprios produtos dessa nova ordem – em detrimento do uso da força por parte dos

Estados estrangeiros, torna evidente a necessidade de que as políticas direcionadas ao

território amazônico não sejam prioritariamente baseadas em uma lógica cujo

principal foco seria relativo à segurança militar. É necessário sim, que as diretrizes de

tais políticas sejam dadas a partir da compreensão referente à dinâmica que se

estabeleceu a partir das transformações estruturais da ordem mundial com o

neoliberalismo, que tornou o âmbito transnacional o nível mais evidente de relações

no sistema mundial, de modo a alterar os padrões sob os quais se dariam as

intervenções. Essas passam a se dar potencialmente a partir da atuação dos atores

transnacionais no interior do Estado e é neste ponto que se compreende as

Organizações Não-Governamentais como possíveis intermediadoras de interesses

estatais estrangeiros na região amazônica.

Ainda assim, contudo, tal entendimento traz consigo certas limitações, sendo

então necessário frisar a necessidade que se coloca à formulação de avaliações

minuciosas sobre os diferentes casos relativos a tais Organizações, a fim de se alcançar

uma melhor compreensão a respeito de seus propósitos. Isto se coloca, uma vez que é

possível que suas ações reflitam meramente interesses particulares no

desenvolvimento de suas atividades e não interesses nacionais, que representariam de

alguma maneira um perigo à segurança do território amazônico; o que não invalida,

contudo, a possibilidade deste último caso ser uma realidade, e diante disso, são

colocadas as exigências de um maior controle e planejamento por parte do Estado

brasileiro sobre a região. Sendo assim, o que se faz de extrema importância no

entendimento das questões relacionadas à Amazônia é a impossibilidade de se

estabelecer uma generalização sobre os diferentes atores que ali se encontram.

A gama de interesses que para ali se voltam, tanto nacionais quanto

estrangeiros, e a própria possibilidade de articulação entre eles é que reforça a

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necessidade do estabelecimento dessa maior regulação, por meio da articulação às

políticas estatais, da atuação das Organizações Não-Governamentais na região

amazônica, de modo a possibilitar o Estado brasileiro a obter um maior conhecimento

em relação aos seus objetivos, os quais, como bem apontado, sofrem grande

influência das próprias fontes de financiamento a que estão vinculadas. É neste

sentido que o caráter da legalidade ou não consiste em um parâmetro limitado para a

realização de políticas bem sucedidas, visando um maior controle por parte do Estado

no território amazônico.

Uma compreensão mais clara a respeito de tais aspectos, por sua vez,

habilitaria o poder estatal a construir políticas que promovessem a confluência dos

mais diversos interesses voltados à Amazônia, de modo a atender de certa forma as

demandas ali existentes. O Fundo para a Amazônia criado neste ano para o combate

ao desmatamento consiste, por sua vez, em um bom exemplo de política

implementada que possibilita, em certo grau, tal atendimento, ao articular as

arrecadações provindas de atores privados – em especial empresas – nacionais e

estrangeiros com as exigências postas no âmbito internacional de preservação

ambiental amazônica encabeçadas pelas ONGs ambientalistas. Tal fundo, entretanto,

consiste apenas em um primeiro esforço a essa conciliação, de modo a apresentar

ainda grandes desafios a serem superados, relativos, por exemplo, ao atendimento das

demandas por empregos no setor das atividades econômicas ali desenvolvidas,

convertendo as atividades de caráter predatório em atividades vinculadas a esse

projeto de desenvolvimento.

Entretanto, ainda assim, o Fundo se apresenta como um possível meio ao

alcance de certa confluência das demandas. Isto se faz de extrema importância, uma

vez que a própria segurança do território em relação a possíveis intervenções passa

justamente pela capacidade do Estado de promover articulação de tais interesses,

mais do que os esforços em intensificar a guarda militar na região, visto que as formas

como são passiveis de se darem as intervenções tornam limitadas a capacidade

coercitiva do Estado de impedi-las.

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6. Referências Bibliográficas

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OS CONTORNOS POLÍTICOS DO ESTADO BRASILEIRO NA

AMAZÔNIA E A RELAÇÃO COM OS MILITARES E AS ONGS

Maria Renata dos Reis

Orientação: Patrícia Nogueira Rinaldi

1. Introdução

É notória a maior projeção da Amazônia como um tema da agenda

internacional, principalmente a partir da década de 1970, quando se desenvolve um

debate o qual avalia a Amazônia como um ecossistema importante e fundamental ao

equilíbrio ambiental global no que se refere aos seus impactos ambientais que

influenciariam os diversos ecossistemas do mundo. Em outros termos, a região passa a

ser definitivamente considerada estratégica não apenas para o desenvolvimento

nacional, mas também o mundial. Assim, não se pode deixar de considerar que a

Amazônia consiste em um espaço de tensões geopolíticas e econômicas que está

inserida num ambiente de decisão globalizado, o qual limita e constrange a atuação do

Estado devido às novas configurações da geopolítica mundial, que impõe conflitos,

articulações e empecilhos ao desenvolvimento de políticas públicas eficientes.

É a partir disso que devemos analisar os quadros que problematizam o

conjunto das relações não só políticas, como também sociais, econômicas e jurídicas

desta região, especialmente na porção amazônica brasileira. Isso deve, pois, ser visto

por meio de uma lente que reflita os múltiplos canais de conflito e de negociação

presentes no meio político contemporâneo da Amazônia. As fontes de informação

presentes atualmente na Amazônia, quando não transmitem um conhecimento

adquirido pela presença física na região, estão baseadas em certo senso-comum, pois

apresentam os interesses existentes no território de forma a colocá-los em extremos

que convivem em intenso conflito de legitimidade. Entretanto, esse tipo de análise não

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compreende o que realmente acontece na região ou o que permitiu a presente

configuração desse território, porque não coloca as verdadeiras dinâmicas de convívio

entre os diferentes argumentos: isso, pois ambos não apenas se opõem, mas também

se interagem, colocando limites e modificando a maneira de agir de cada ator. Logo, é

necessário incluir a Amazônia num quadro muito mais amplo de discussão do somente

aquele problematizado pelas mídias nacionais e internacionais, cujo discurso é

basicamente no sentido de crítica ao papel do Estado brasileiro em governar a

Amazônia.

Para tanto, o cenário da Amazônia será aqui analisado a partir do papel do

Estado brasileiro na região, tratando as causas, limites e possibilidades ao que se

refere à questão da sua atuação política. Embora sua presença na Amazônia seja

fundamental, esse artigo busca, por sua vez, enfatizar que seu poder político encontra-

se modificado pela presença de outros atores. Em outras palavras, a prioridade, no que

tange ao estudo da Amazônia, deve ser a de uma discussão em que se considere a

presença estatal não somente como o único ator passível de ação, mas que

compartilha seu espaço de decisão nacional com outras forças sociais e transnacionais

que estão presentes no estado amazônico, a saber: Ongs, organizações internacionais,

empresas multinacionais, órgãos institucionais, grupos sociais, entre outros; as quais,

por sua vez, condicionam o Estado a agir sob novas formas e condições de

constrangimento, por conta das transformações que emergiram mais claramente nas

relações internacionais a partir dos anos de 1970.

Desse modo, esta análise visa focar nos novos contornos dos problemas

apresentados na Amazônia que são efeitos do processo de transformação da ordem

mundial, na qual as relações entre os Estados passam a compreender os mais diversos

interesses destes. Podemos observar isso por meio da agenda internacional que passa

a ser pautada por uma multiplicidade de temas e atores. Ademais, os atores

transnacionais não precisam necessariamente das relações intermediárias do seu

respectivo governo para se relacionarem com os demais atores.

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Tal contexto limitou o espaço de ação do Estado dentro do seu território

nacional, uma vez que ele se viu obrigado a se moldar conforme as novas relações

estabelecidas com o processo de globalização, modificando as relações internacionais

de tal modo que nos permite afirmar que os atores presentes na região da Amazônia

não estão meramente opostos um ao outro. Assim sendo, analisaremos esses dois

atores de modo a apontar a interação adversa e ao mesmo tempo complementar de

ambos, para, então, enfim concluir que a problemática da Amazônia está inserida num

contexto político muito mais complexo do que simplesmente dependente de uma

decisão governamental.

Para então alcançar tal objetivo explicativo, iremos analisar a Amazônia sob o

aspecto de dois atores que convivem numa intensa afluência de interesses articulados

dentro de um novo contexto mundial, a saber: as forças armadas e as ONGs, ambos

vistos sob uma conjuntura específica da Amazônia. Como a maioria dos textos

analíticos coloca ambos os atores em posições opostas, com interesses irreconciliáveis,

o objetivo desse artigo, ao contrário, é ilustrar uma análise mais compreensiva em

relação à dinâmica de ação dos diversos atores que agem legitimamente no território,

os quais fazem emergir um cenário montado sob forte busca de projeção de poder por

meio de mecanismos de barganha e em um contexto de contradições e sobreposições

de interesses.

2. Os Contornos Políticos do Estado Brasileiro

O objetivo dessa seção é apontar os contornos políticos do Estado Brasileiro

quanto a sua ação na Amazônia, esclarecendo como o Estado age conforme as

mudanças nas relações internacionais. Tal ator não é simplesmente passivo como

mostra a mídia brasileira e estrangeira. Muitas das afirmações sobre a atuação do

governo seguiam a seguinte diretiva: “Na teoria, o governo federal tem o controle

sobre 502,2 milhões de hectares, mas o volume arrecadado e que pode ser destinado

à reforma agrária e projetos de desenvolvimento fica reduzido a algo em torno de 67

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milhões de hectares” 54. Ou então: “Nem IBAMA encontra maior desmatador da

Amazônia” 55. Mas como veremos, o Estado tem uma lógica de ação política de acordo

com os contornos multilaterais a ele imposto pelas interdependências estatais dos

últimos anos. Portanto, a maneira como a ação do ator estatal está sendo executada

será analisada juntamente com a dinâmica da política internacional. Com isso

pretendemos demonstrar quão superficial é a crítica da mídia em geral ao Estado

Brasileiro.

É, portanto, importante essa análise da ação do Estado brasileiro perante as

condições impostas pela globalização, porque este fenômeno “[...] Refere-se a uma

mudança ou transformação na escala da organização social que liga comunidades

distantes e amplia o alcance das relações de poder nas grandes regiões e continentes

do mundo”56. Isso quer dizer que nos últimos anos o Estado sofreu um processo de

transformação na maneira de arbitrar não só em seu território, mas também no nível

do sistema de estados; pois as ações dos indivíduos e dos demais atores sociais não

mais dependem estritamente da intervenção governamental. Houve uma mudança na

geopolítica do território, ou seja, na influência mútua entre o poder e o limite

geográfico, de modo que a Amazônia não é mais vista somente como um imenso

espaço territorial passível de anexação estatal, mas está inserida num processo mais

complexo de desenvolvimento econômico e de informações. Como apontou Bertha K.

Becker:

“Com as resistências regionais os conflitos na regiãoalcançam um patamar mais elevado. Não se trata maisapenas de conflito pela terra; é o conflito de uma regiãoem relação às demandas externas. Esses conflitos deinteresse, assim como as ações deles decorrentescontribuem para manter imagens obsoletas sobre aregião, dificultando a elaboração de políticas públicasadequadas ao seu desenvolvimento”57.

54

“ GRILAGEM OFICIAL...”, 2008.55 MAGALHÃES, 2008.56 HELD; McGREW, 2001, p. 13.57 BECKER, 2005.

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Então, com a globalização, emergiu uma nova política em que os Estados

despontaram como atores que cooperam na política internacional e não mais somente

se confrontam militarmente: como no caso do Brasil que trouxe para si a realidade de

auxilio no gerenciamento da Amazônia devido aos impactos ambientais e da facilidade

de transnacionalização das fronteiras pelos atores globais imposta pelo processo de

globalização;

“A Amazônia se tornou objeto de preocupação políticado governo brasileiro, decisivamente pela pressãoexterna, ou seja, ao invés de soberanamente tomariniciativa em termos de políticas eficazes e de longo prazopara a região, o governo brasileiro age de forma reativaàs demandas exógenas. Foi fundamentalmente através dapressão internacional que o governo redefiniu a políticapara a Amazônia, tentando sedimentar estruturas maiseficientes no combate ao desmatamento e fiscalização”58.

No caso da Amazônia podemos notar esse processo no que tange seu padrão

de desenvolvimento econômico, social e político. Lá, a problemática da região envolve

os interesses e as influências políticas dos diversos atores globais, impondo, assim,

dificuldades quanto à adoção de políticas estatais. Nesse sentido, é interessante

contextualizar a problemática da Amazônia neste processo recente de globalização:

porque o Estado está inserido na globalização enquanto fenômeno social e coletivo,

dependente da influência dos agentes sociais na elaboração da sua estratégia de ação

e na consecução de seus objetivos políticos. Desse fenômeno é possível resgatar

quatro movimentos mais amplos os quais auxiliam a compreensão das condições

estruturais da problemática na Amazônia; são eles: a internacionalização, a

liberalização, a universalização e a ocidentalização59.

58 PINTO, 2005.59

“A Internacionalização refere-se apenas ao incremento das transações e ao aumento do grau deinterdependência entre os Estados. A Liberalização, por sua vez, defende a diminuição do Estado a partirde uma ideologia neoliberal, resultando na constituição de uma economia mundial sem fronteiras. Aconcepção de Universalização está relacionada a uma possível homogeneização cultural, econômica,jurídica e política. Por fim, a Ocidentalização aponta uma particular universalização do modelosociocultural aplicado na Europa Moderna, destruindo culturas pré-existentes e autodeterminações locaisdentro do Processo de Globalização.” Cf. SCHOLTE, 2002.

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A internacionalização está intimamente relacionada ao liberalismo enquanto

fenômeno de mudanças no conceito do local e do global. Tal fenômeno está ligado à

lógica dada ao capital incorporada nas multinacionais que deram um caráter sem

fronteiras devido à sua dinâmica capitalista de ação global. A expansão das fronteiras

agrícolas e a exploração de recursos naturais por grandes multinacionais na Amazônia

é um bom exemplo dessa nova lógica do capital. Já a universalização ocorre

paralelamente à ocidentalização: a transferência de decisão política a órgãos

supranacionais permitiu que os direitos políticos fossem transnacionalizados e, com

isso, a questão da soberania estatal fosse relativizada devido à emergência dos atores

sociais legitimados pela aceitação dos direitos humanos sobre a soberania estatal.

Como afirmado no documento A Universalização dos Direitos do Homem e a Falácia da

Internacionalização da Amazônia 60:

“Idéia de patrimônio mundial traz a dimensão deuniversalidade de um valor face ao tempo e ao espaço.Universal face ao tempo, fala-se de proteção e daconservação, a valorização e a transmissão às geraçõesfuturas. Universal face ao espaço, porque se trata de umpatrimônio de todos os povos, independentemente dosaspectos geográficos dos limites de territorialidade. Trata-se de uma perspectiva supranacional sem, contudo,colocar em causa a soberania dos Estados. Estaconvenção traz, por sua vez, o reconhecimento dopatrimônio cultural e do patrimônio natural, como partesdo mesmo todo. Na Conferência de Estocolmo, em 1972,o meio ambiente é um bem comum da humanidade”61.

Conseqüentemente novas políticas emergem com a aparência de estabelecer

parâmetros e possibilidades de gerência do espaço político nacional em nível mundial:

“Aparece a partir daí um conjunto de medidas legislativas, administrativas, técnicas ou

financeiras que visam ao encorajamento de uma participação ativa das comunidades

no meio ambiente, a integração do patrimônio na vida econômica e social do grupo

social”62. No entanto, a consciência da questão nacional em que a Amazônia é

60 CORREIA DA SILVA, 2006.61

Idem.62 SCHOLTE, 2002.

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considerada um patrimônio brasileiro tão somente e não disponível ao bel-prazer

mundial ainda permanece.

Com isso, quisemos explicar a realidade internacional imposta ao Estado

brasileira a qual o condiciona a agir conforme o resultado político atingido na interação

e conflito entre os demais atores sociais na Amazônia. Apenas após essa análise das

transformações, podemos analisar as implicações na forma e na função dinâmica do

Estado brasileiro em um contexto de transnacionalização das relações, bem como

passar a discutir a dimensão do gerenciamento estatal e, a partir dele, analisar o

diálogo do Estado com dois atores sociais que estão presentes na região amazônica, a

saber, os militares e as ONGs.

3. Dinâmica da Ação Estatal frente a Outros Atores

Nesta seção vamos apontar as dificuldades e falhas na ação do Estado Brasileiro

na Amazônia. Para isso vamos, primeiramente, demonstrar o caráter das políticas

elaboradas pelo Estado, além do espaço político em que o país estava inserido. E,

posteriormente, vamos estudar como as forças armadas e as ONGs convivem dentro

do território da Amazônia, quão potenciais são suas forças políticas e sua interação

com as políticas do Estado.

3.1. O caminho traçado pelo Estado

Iniciaremos, então, relatando qual a importância da Amazônia estar inserida no

processo de reformulação da política global, no qual muitos atores tais como ONGs,

ambientalistas e agentes sociais passaram a adotar ações de gerenciamento na

Amazônia, paralelamente às políticas do Estado63. Um aspecto importante para

entender as críticas feitas de modo a apontar certa ausência do Estado brasileiro na

63

“Dessa forma, através da implantação de um programa de gestão ambiental é possível obterredução do consumo de energia; redução de geração de resíduos; economia e redução de desperdício de

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Amazônia, bem como os limites e potenciais de atuação deste na região, é entender a

Amazônia a partir da problemática de contraposição entre o desenvolvimento do

processo produtivo na região versus a utilização não-extensiva dos recursos naturais,

balizada pela normatividade das legislações ambientais64.

Um exemplo para ilustrar essa questão é a legislação elaborada pelo Congresso

Nacional o qual foi desenvolvido para formar a Amazônia Legal65. Essa área seria

formada mediante a preservação de 80% de cada propriedade na região; porém, de

acordo com o Código Florestal, essa medida não condiz com a realidade da Amazônia,

pois tal lei fora feita num momento posterior à ocupação da área produtiva da região.

Portanto, esse fato faz com que esta cota seja raramente respeitada. Tudo isso porque

são políticas governamentais sem um profundo conhecimento do processo de

ocupação do território e da falta de estruturação das políticas voltadas para a

Amazônia. Ao contrário dessa atitude, essas leis devem ser desenvolvidas a partir de

uma reflexão junto da dinâmica econômica e social do território, ao ver que a

economia da região gira basicamente em torno da indústria de extrativismo vegetal e

da agropecuária66. Portanto, uma saída para a região, como apontada pelo diretor da

Fundação Amazônia Sustentável, Virgílio Viana, é “ter coragem” para fazer uma revisão

profunda da legislação - sem excluir uma reserva legal, mas criando alternativas de

sustentabilidade econômica e social que valorizem a manutenção da floresta. “Temos

o costume de dizer que o Brasil tem as melhores leis do mundo, só falta cumpri-las. Eu

discordo (...) A partir do momento que a lei não serve para ordenar o comportamento

uso da água; criação de rotinas de reuso da água; reciclagem de resíduos sólidos e líquidos.” Cf.GASPARINI; GASPARINI, 2005, p. 80.64

A ISO 14001 é um exemplo dessa legislação ambiental, cuja é a de fornecer às organizações osrequisitos básicos de um sistema de gestão ambiental eficaz.65 A Amazônia Legal foi estabelecida por meio de uma lei, visando o planejamento econômico daregião amazônica. Abrange os Estados do Norte, Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima eTocantins e mais o Estado do Mato Grosso, no Centro-Oeste e parte do Maranhão, no Nordeste.66 Ainda temos atividades em outros municípios da região, fortemente impulsionadas por serManaus uma zona de livre comércio: no Pará é encontramos a indústria de transformação de minerais(alumínio). Em Manaus temos a indústria pesada e eletroeletrônica, sendo a economia deste município etambém do Estado, fortemente impulsionada por ser Manaus uma zona de livre comércio.

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humano, ela deixa de ser inteligente, torna-se irreal. Precisamos de um choque de

bom senso.”67

Logo, essa questão referente à fragilidade das políticas do Estado Brasileiro, é

reflexo principalmente com fim da Guerra Fria, no final do último século, momento em

que os conceitos de estratégica política e articulação dos interesses estatais estão

baseados na noção de “inimigo externo”. Esse fato levanta, em primeiro lugar, o

problema de risco à integridade do território nacional. Essa dificuldade está

relacionada ao papel da burocracia militar, e das estratégias de defesa da Amazônia

produzidas ainda na época da ditadura, tudo porque sob a prudência da defesa da

região dos interesses privados, tanto dos demais Estados nacionais quanto dos

capitalistas internacionais, fez pressionar o Estado brasileiro em voltar sua atenção na

formulação de estratégias de defesa do território da Amazônia68. Por isso, como

resposta à ameaça dos países industrializados e da pressão de uma rede envolvendo

grupos ambientalistas e movimentos sociais e políticos, o Estado, então, se vê

obrigado a adotar uma nova postura de defesa da Amazônia. Para alcançar isso, ele

aumenta a presença do exército na região, atuando em pelo menos duas dimensões:

No Projeto Calha Norte (PCN) que foi extremamente criticado por Ongs, pois

protegeria a região dos inimigos externos, no Sistema de Vigilância Amazônico (SIVAN).

No entanto, esses planos baseados apenas na defesa da integridade territorial

não articularam um compromisso de longo prazo para a Amazônia, mas somente a

garantia física das fronteiras, traçar estradas ou adensar o povoamento, constituindo

formas pouco articuladas de desenvolvimento da Amazônia brasileira. Ou seja, a base

das políticas de prevenção e planejamento ecológico nacionais sempre foi muito

precária devido aos altos custos de financiamento dos projetos e políticas do Estado,

ao mesmo tempo realizados de forma não articulada quanto à exploração dos recursos

ambientais. Ademais, por não ser um contexto de intensa globalização, logo o que se

67 AURELIANO, 2008.68 O estado, de certa forma, sempre buscou estabelecer sua presença na região. Como exemplo,vemos em 1952, uma resposta do governo brasileiro às iniciativas internacionais, a criação do INPAcontra o interesse da ONU em estabelecer um Instituto Internacional da Amazônia.

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via era um Estado preocupado na defesa das fronteiras nacionais e no adensamento

do povoamento na região, como uma forma de proteger a mesma. Logo, havia era

uma falta social do governo dentro da região, pois suas políticas para a Amazônia

exibiam um caráter de defesas exógenas voltadas ao controle das fronteiras, enquanto

internamente apresentava-se uma dinâmica extensiva sem planejamento, pois os

interesses que ali se consolidavam se expandiram de forma não assinalada por

políticas sociais estatais intensas.

Ao contrário disso, em 1989, o Estado já democrático e atuando sob novos

parâmetros políticos internacionais, criou o IBAMA, frente a um contexto de novos

atores, como os ambientalistas e ONGs, por sua vez, cuja atuação levantou uma

segunda problemática que é a discussão da má administração da Amazônia pelas mãos

do Estado brasileiro. Essa questão permitiu concluir que a presença dos militares na

região não foi suficiente para que cessassem o referido discurso da gestão política da

Amazônia. É importante mais uma vez observar que esses atores estão presentes na

região amazônica por conta da emergência de um complexo jogo político que emergiu

juntamente com a globalização, o que permitiu que eles operassem sem serem

constrangidos pelo limite territorial dos Estados. Esse contorno da realidade a partir

dos anos de 1990 permite uma análise que compreenda que o entendimento dos

interesses e a rede de conflitos e barganha na Amazônia não pode construir uma

imagem generalizada de atores, admitindo todos corruptos e interessados em seus

próprios benefícios, mas sim destacar esses mesmos interesses e como eles se

acomodam na política do Estado. E é o que faremos agora com o objetivo de melhor

explicar essa questão.

4. A Dinâmica Política na Amazônia

4.1. O plano de defesa militar da Amazônia

A Amazônia, como vimos explicando, está inserida num contexto muito mais

amplo e complexo daquele apontado pela mídia. Esta acaba construindo uma idéia

generalizada do ambiente político da Amazônia, mostrando-a a partir de um senso-

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comum da existência de dois pólos que vivem em intenso confronto dos seus

interesses. Portanto, nesta seção, este artigo buscará explicar o que realmente

acontece nesta região através da dinâmica de ação de cada ator, a saber: as forças

armadas e as ONGs; e a partir disso evidenciar como o Estado Brasileiro se posiciona

conforme esse ambiente político.

Primeiramente, como uma fração do aparelho burocrático do Estado, as Forças

Armadas foram uma organização que precisaram se adaptar à nova estrutura política

mundial: não só continuaram inseridas na região amazônica, como também

preservando as estratégias de defesa da soberania e dos interesses internos em novas

bases, nas quais a defesa das fronteiras perante os demais Estados não eram mais as

únicas preocupações estatais. Logo, a globalização é observada pelos militares de

modo defensivo, como uma ameaça à soberania, “a ideologia fardada afirma que as

preocupações humanitárias e ecológicas dos países ricos do Norte não são sinceras e,

na verdade, ‘camuflam’ interesses e oportunidades econômicas, ou seja, camuflam a

cobiça desses países pela Amazônia” 69.

Logo, de acordo com os militares, a Amazônia deve ser, pois, a principal

preocupação do Estado Brasileiro, principalmente porque a região concentra os

recursos estratégicos riquezas naturais buscados pelos demais países. E mais, segundo

general Maynard Marques Santa Rosa, secretário de Política, Estratégia e Assuntos

Internacionais do Ministério da Defesa,

“…“O Brasil é o único país do mundo que não opõerestrições à atuação de ONGs, e a base legal para isso é aprópria Constituição Federal” – a nossa famosaConstituição Cidadã, elaborada ainda no calor da aberturademocrática do país em 1988, depois de mais de 20 anosde autoritarismo (Golpe de 1964)”70.

69 HAAG, 2008.70 ROCHA, 2007.

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É necessário ressaltar que o pensamento das Forças Armadas sobre a Amazônia

é distinto ao das autoridades e entidades civis, da Igreja e das instituições de pesquisa.

“Enquanto os civis apontam ameaças pontuais – como tráfico de drogas, biopirataria,

desmatamento e poluição dos rios, além dos graves problemas sociais –, os militares

temem pela soberania sobre o território, devido à ‘cobiça’ dos países ricos”71. Para

eles, portanto, as regiões brasileiras devem estar integradas e que isso resulte em

políticas de defesa e prevenção do território amazônico e do seu ecossistema. “Trata-

se de ocupar a floresta e usar táticas de guerrilha, como os vietcongs, contando com o

apoio da população. Não é à-toa que os batalhões de fronteira recrutam tantos

indígenas. A idéia de integrar o nativo, o ribeirinho, está dentro da estratégia maior da

dissuasão72”. Todavia tem havido dificuldades para essa interação, porque embora

haja um grande efetivo militar presente na região, a falta de infra-estrutura e de

investimentos em armamentos acaba deixando os militares com pouca eficiência de

defesa do território. Por outro lado, o papel das Forças Armadas se mostra estratégico,

pois sua ação por vezes exige a articulação entre outros setores não-militares, gerando

atividades complementares:

“Os militares argumentam, no entanto, que as ForçasArmadas brasileiras não se destinam apenas às tarefasestritamente militares. Há, ainda, as atividadessubsidiárias, como, por exemplo, o apoio à polícia ou adistribuição de alimentos, por parte do Exército; asegurança no tráfego aéreo e a administração dosaeroportos, pela Aeronáutica; a segurança da navegação,a assistência a populações ribeirinhas e as operações desalvamento, por parte da Marinha. Em muitos pontos doPaís, sobretudo na Amazônia, os militares são o únicobraço do Estado, enfatizam todos eles”73.

Esses argumentos militares devem, sim, ser levados em consideração pelo

Estado Brasileiro; visto que eles estão presentes fisicamente na região, o que permite

um aprendizado e conhecimento das especificidades do território, bem como sua

71 Essa questão sobre a “cobiça dos países ricos” na Amazônia será mais detalhadamentetrabalhada em outro artigo desse Caderno Espacial sobre a Amazônia. Cf. SUGIMOTO, 2007, p. 5.72 HAAG, 2008.73 SANT’ANNA, 1999.

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cultura, hábitos e dinamismo. As Forças Armadas, portanto, podem descrever os

acontecimentos da Amazônia pela capacidade adquirida com sua permanência na

região. E o poder garantido pela sua personalidade de origem pública - ou

governamental - garante alguma imponência na região. Logo, como fração da

burocracia estatal, os militares podem ter uma modificação e integração no seu papel

de gerenciamento da região: a defesa das fronteiras da Amazônia pela integração no

dinamismo político, econômico e social do restante da nação.

5. A Presença Dos Atores Sociais

A análise de defesa dos militares perante os novos atores transnacionais

geralmente envolve o argumento de que esses atores estão vinculados a interesses

externos. Apresentam as ONGs como atores privados transnacionais que estão

próximos das estratégias globalistas de cooperação e integração de ações com a esfera

pública, limitando a soberania do poder estatal. Para eles, as maiorias das ONGs têm

objetivos distantes dos declarados, como pressionar o governo brasileiro a preservar a

floresta e a tornar cada vez mais inacessíveis grandes áreas, declaradas reservas

indígenas, parques nacionais ou áreas de proteção ambiental, o que levaria à

“Uma internacionalização silenciosa (biopirataria edomesticação de produtos regionais) vai lenta eprogressivamente sugando o que de mais precioso eestratégico as florestas e a diversidade ecossistêmicaamazônica pode oferecer: saber milenar e base desubstâncias ativas para a indústria de ponta docapitalismo avançado. No mesmo contexto, a estratégiadessas organizações seria usar a mídia para convencer aopinião pública nacional e internacional de que a questãoamazônica é do interesse da humanidade, e não apenasdos países sul-americanos, que não têm capacidade paragarantir sua conservação”74.

A grande problemática é que, embora as ONGs tenham sua legitimidade

fragilizada por conta de relações obscuras com interesses estrangeiros,

74 TEIXEIRA DA SILVA, 2008.

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particularmente no que tange ao financiamento e seus objetivos, ao mesmo tempo

elas apresentam um papel significativo na condução de políticas sociais na região.

Muitas delas têm projetos sociais que visam suprir a falta social do governo, como a

relacionada à educação, saúde e moradia, auxiliando, mesmo que de forma extensiva

e pontual, a população local com estratégias sociais e projetos políticos que visam

defender o meio ambiente.

Por isso que as essas críticas às ONGs devem ser julgadas por meio de um

conhecimento processual, o qual possibilitou que elas conquistassem o direito de

influenciar politicamente na Amazônia por vias sociais. Elas agem, ao menos em

princípio, em conformidade com a lógica da defesa da cidadania, do meio ambiente e

dos povos que vivem na região amazônica. Esses pontos, de um lado, podem ser

denominados como os condicionantes externos fundamentais para entender que a

atuação das ONGs que está na grande liberdade de ação, devido aos mecanismos de

cooperação internacional que elas engendram. De outro, em relação aos

condicionantes internos, temos que:

“A proliferação de Organizações Não-governamentais naAmazônia brasileira insere-se num contexto deestagnação econômica e de alargamento do fosso social.O efeito desintegrador das privatizações a toque de caixae o desaparecimento das grandes estatais destruíramuma cadeia produtiva pensada para a região dentro doprojeto nacional de vocação nacionalista avesso ainterferências de Ongs subsidiadas do exterior” 75.

Há, portanto, certa legitimidade de atuação das ONGs no território pela

crescente interdependência entre a atuação política das ONGs, suas fontes de

financiamento, com efeitos multiplicadores de emprego e renda, e as políticas sociais

perpetradas, isso faz com que o argumento dos militares fique aquém do discurso

meramente econômico, o que apresentaria a Amazônia como a única vulnerabilidade

do Brasil. Tais atores podem, entretanto, usar essa liberdade de maneira adversa e

75 PROCÓPIO FILHO, 2007.

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causar muitos constrangimentos ao país onde atuam. Como demonstrado num estudo

sobre a escrituração de dez ONGs, feito por auditores do Tribunal de Contas da União:

“Firmaram com o governo 28 convênios. Encontraram-seirregularidades 15. Juntas, as entidades fiscalizadasbeliscaram dos cofres públicos R$ 150,7 milhões entre osanos de 1999 e 2005. As liberações ocorreram emambiente de absoluto descontrole. Os auditoresencontraram “planos de trabalho mal elaborados, objetosimprecisos, metas insuficientemente descritas, projetosbásicos ausentes, incompletos ou com informaçõesinsuficientes”. “Em nenhum dos convênios analisadoshouve a preocupação dos órgãos concedentes de avaliara qualificação técnica e as condições (administrativa,técnica, operacional, experiência, pessoal qualificado,etc.) das entidades convenentes para consecução dosobjetos propostos”76.

Na defesa contra esses escândalos, principalmente das críticas dos militares, as

ONGs afirmam que

“Além das armas, recursos e promoções, o que maisganharão os militares (…)? Ganharão a permissão de seinfiltrar, monitorar e reprimir os movimentos sociais eindígenas em luta contra a devastação e ocupaçãoirracional da Amazônia. Estarão gritando contra as ONGs,mas prendendo ou atirando em brasileiros pobres. OExército Brasileiro prepara-se para servir de Capitão deMato dos interesses estrangeiros, a perseguirguerrilheiros (ou qualquer coisa que se assemelhe ou queeles pensem que são) e membros dos movimentos sociaisque se organizam contra o imperialismo e contra aentrega do país” 77.

76 IZAGUIRRE, 2006.77 “DEGRADAÇÃO e ONGs...”, 2007.

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6. Considerações Finais

É perceptível que a tensão causada pela defesa do direito de participação

política na região amazônica vista entre os militares e as ONGs é, deste modo, definida

por argumentos nacionalistas versus transnacionais: aqueles defendem seu direito

nacional e, para estes, tudo passa a ser justificado pela lógica do processo de

integração global dos países nas últimas décadas. Embora reconheçamos ser de

fundamental importância a permanência das forças armadas brasileira na região da

Amazônia, pois, o tráfico de drogas e outras atividades ilegais acabam se

desenvolvendo na região, como o tráfico de armas e o de animais, extração de

madeira e o tráfico de pessoas; devemos levar em consideração que o retorno do

discurso de ameaça de um “inimigo externo” encontra limites estruturais oriundos do

processo de criação de um mundo mais integrado e globalizado pela emergência de

atores os quais transnacionalizam suas ações de forma legítima, o que exige uma

redefinição da discussão de ameaça à soberania levantada pelos militares. Por outro

lado, não se pode negar que as ONGs promovem política social na Amazônia; sendo,

portanto, necessário incluir sua participação na definição das políticas de

desenvolvimento na região.

Podemos concluir, pois, que o espaço político da Amazônia não é somente

aquele apontado pela mídia: ele está permeado por uma dinâmica que demonstra

conflito, mas, ao mesmo tempo, há uma articulação entre as políticas devido ao

constrangimento imposto pelo convívio dos atores na região. Esse espaço político

deve, pois, ser pensado juntamente com a lógica de desenvolvimento nacional e com a

mudança de expressão política global no fim do último século. A assistência

estrangeira na Amazônia, por sua vez, exige que as políticas do Estado quebrem a

polarização do debate político e adote medidas conciliatórias: “O reconhecimento dos

sucessivos fracassos das políticas de desenvolvimento para a Amazônia deveria

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conduzir a uma nova política do Estado Nacional, atacando problemas crônicos, o que

levaria a investimentos maciços em infra-estrutura social”78.

O Estado brasileiro deve buscar atender a região da Amazônia com políticas

embasadas nas necessidades da região. Em outras palavras, deve vê-la como um

território peculiar e vulnerável aos intensos debates políticos lá presentes. Pois, cada

ator político inserido no quadro de decisão da Amazônia exige um grau de legitimidade

de ação política que reflete a personalidade elaborada num processo histórico de

transformação do dinamismo da política mundial. Por mais nacionalistas que sejam os

militares, os demais atores não deixaram de compor o quadro político da Amazônia,

uma vez que tal presença já foi legitimada pelos novos arranjos políticos globais.

Porém, uma atitude racional é articular esses atores as políticas nacionais e estas

pensadas juntamente ao desenvolvimento econômico da região. Ou seja, englobar não

apenas a preservação dos recursos naturais da Amazônia, mas também conciliar a

exploração desses recursos em prol do desenvolvimento nacional e em compasso com

as transformações – e ingerências normativas – globais.

Como discutido desde o início desse artigo, a Amazônia está inserida em um

novo quadro de decisão política, orientado na lógica de mercado. Esse fato traz

consigo elementos ligados diretamente a globalização, como, por exemplo, a

liberalização econômica e a ocidentalização dos direitos sociais. Não se pode ignorar o

poder e a estabilidade dos diversos interesses capitalistas na exploração dos recursos

da região da Amazônia, o que justifica, em certa medida, a preocupação dos militares;

muito embora não seja com a defesa das fronteiras e da soberania que os interesses

deles serão articulados aos interesses nacionais. Ao mesmo tempo, foram fomentadas

atividades de originalidade social, como os ambientalistas, ativistas, atores

transnacionais, entre outros79.

78 PROCÓPIO FILHO, 2007.79 “A noção de defesa nacional centrada na visão estadocêntrica no marco da soberania territorialmostra-se insuficiente para garantir situações de estabilidade e desenvolvimento. A globalização estáerodindo a soberania dos Estados, expondo vulnerabilidades num contexto da nova arquitetura da(in)segurança mundial. As formas clássicas de resolução dos conflitos pela via armamentista e

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Em outras palavras, o sucesso do governo brasileiro em suas políticas depende

do equilíbrio das suas decisões para elaborar políticas regionais e municipais. E, por ter

que ponderar suas decisões de acordo com os demais atores presentes no contexto da

região amazônica, é de fundamental importância que o governo interligue suas

políticas, elaborando-as em longo prazo, para melhor controlar as atividades ilegais e

predatórias na Amazônia e articular o desenvolvimento econômico da região ao

desenvolvimento nacional. E que, a partir disso, sua presença possa ser sentida de

forma eficaz no desenvolvimento político, econômico, social e jurídico; e não como um

ator que tenha a obrigação de colocar limite nas ações de qualquer outro ator.

Torna-se perceptível notar, pois, que cada ator possui uma estratégia diferente

na dinâmica de negociação política na Amazônia; porém é possível compor e combinar

interesses em políticas para a região. Isso se torna evidente em acordos multilaterais,

projetos de pesquisa em parceria com universidades e governos, projetos de proteção

ambiental e de fronteira, desenvolvimento social e regional; estes constituem os vários

meios de ação e defesa na gestão da Amazônia. “O grande desafio do governo é

entender as diferenças da Amazônia, e não tentar moldá-la ao modo de viver sulista. É

levar a educação, por exemplo, não pensando em vale-transporte para estudantes,

mas em barcos-escola. É preciso mudar o paradigma, integrar para não entregar”80. Ao

mesmo tempo em que é possível fazer uma crítica ao inimigo externo no sentido de

que o Estado Brasileiro deve se voltar na defesa dos interesses nacionais deve-se

adotar mecanismos políticos de controle para que esses projetos não recaiam nas

políticas mal financiadas, resultando em simples povoamento ou na manutenção de

grande contingente de militares na região sem infra-estrutura adequada.

Por fim, é a nova estrutura de regulação da política mundial, a qual introduziu

novas relações na política interna da Amazônia, que é o ponto de partida para analisar

intimidação bélica já não respondem aos desafios e impasses contemporâneos. A segurança militarcontinua relevante e decisiva, mas não é a única a ser garantida. Emergem ameaças e desafios que afetama segurança internacional, mostrando que novas configurações planetárias – interdependência econômica,velocidade tecnológica e informacional e desequilíbrios ecológicos, irão conduzir políticas de segurançapara outras esferas não exclusivamente militares.” Cf. SILVA TEIXEIRA, 2008.80 LEAL, 2007.

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a problemática da região. Pois, a partir dela é que se percebe que as novas relações

políticas na região. E, são estas relações quem dão o tom intenso e tenso da dinâmica

política da Amazônia inserida nas preocupações mundiais com o atendimento social a

população, preservação recursos naturais, condições climáticas e biodiversidade.

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