Caderno Saude Mental 4 NOVO

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caderno de saude mental SUS

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  • ESCOLA DE SADE PBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

    Caderno Sade Mental 4Sade Mental:

    Transmitindo Experincias

    Novembro de 2011

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  • 2Antonio Augusto AnastasiaGovernador do Estado de Minas Gerais

    Antnio Jorge de Souza MarquesSecretrio de Estado de Sade

    Damio Mendona RibeiroDiretor Geral da Escola de Sade Pblica de Minas Gerais

    Fernanda Jorge MacielSuperintendente de Educao

    Marilene Barros de MeloSuperintendente de Pesquisa

    Miguel ngelo Borges de AndradeSuperintendente de Planejamento, Gesto e Finanas

    Harrison MirandaAssessor de Comunicao

    Junne Menezes Diniz MedradoAssessora Jurdica

    Nina de Melo DavelAuditoria Setorial

    Grupo de Produo Temtica em Sade Mental Ana Marta Lobosque (coordenadora)Ana Regina MachadoIsabela Peres MacedoMarcelo Arinos Drummond JniorIsabela Regina P. Melo (estagiria)Roselmiro Entreportes (estagirio)

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  • 3ESCOLA DE SADE PBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

    Caderno Sade Mental 4Sade Mental:

    Transmitindo Experincias

    Organizao:

    Tnia Ferreira

    Belo Horizonte, novembro de 2011ISSN 1984-5359

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  • 4CADERNO SAUDE MENTAL 4 - SADE MENTAL: Transmitindo Experincias

    O Caderno Sade Mental 4 da ESP/MG apresenta os artigos produzidos na Oficina de Artigos pelos gestores de Servios de Sade Mental de municpios mineiros ao longo do ano de 2010, na Escola de Sade Pblica de Minas Gerais, contemplando vrios temas que tiveram seu ponto inicial na Oficina de Gesto, fruto das aes do Grupo de Produo Temtica em Sade Mental.

    Organizao: Tnia Ferreira

    Colaborao: Lourdes Machado

    Apoio e reviso: Luciene Lamounier

    Editora: Grfica e Editora Mafali

    Arte: elaborada a partir da produo de Luiz Vicente de Oliveira, na Oficina de Grafite do CAPS ad de Ribeiro das Neves, no ano de 2011.

    Diagramao: Jos Antnio dos Santos (MG 0091 DG)

    reviso Ortogrfica: Simone Santos (MG 03194 JP)

    Impresso: Grfica e Editora Mafali

    Caderno Sade Mental/ Tnia Ferreira (org.). - V.4 (2011)- .- Belo Horizonte: Escola C122 de Sade Pblica de Minas Gerais. 2011.

    v.; 23 cm

    Irregular

    ISSN 1984-5359

    I. Escola de Sade Pblica de Minas Gerais

    NLM WM 105

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  • 5CADERNO SAUDE MENTAL 4 - SADE MENTAL: Transmitindo Experincias

    SUMRIO

    APRESENTAO........................................................................................................7

    PREFCIO..................................................................................................................9

    INTRODUO.........................................................................................................13

    OFICINAS PARA GESTO DA REDE DE ATENO SADE MENTAL: APRESENTAO DA EXPERINCIA..........................................................................15

    1 - TECENDO REDES DE CUIDADO EM SADE MENTAL

    SADE MENTAL NA ATENO BSICA: DIREITO SINGULARIDADE, CONVIVNCIA E AO TRATAMENTO HUMANIZADO EM UM ESPAO ABERTO E PBLICO

    Sirlene Brando da Silva.........................................................................................21

    TECENDO REDE DE SADE MENTAL: A INTERSETORIALIDADE COMO APOSTA

    Telma Orneles de Lima............................................................................................35

    A GESTO COLEGIADA COMO ESTRATGIA NA REDE DE SADE MENTAL.

    Mrcia Maria Rodrigues Ribeiro.............................................................................51

    MUDANA DO MODELO ASSISTENCIAL EM SADE MENTAL - DESOSPITALIZAO E FORTALECIMENTO DA REDE

    Luciana dos Santos..................................................................................................65

    2 - POLTICA CLNICA E SADE MENTAL

    QUEM SO AS CRIANAS E ADOLESCENTES QUE CHEGAM A UM SERVIO DE SADE MENTAL INFANTOJUVENIL?

    Wagner Prazeres dos Santos.................................................................................. 79

    ESTRATGIAS PARA A REDUO DE DANOS SOCIAIS E SADE DE USURIOS DE DROGAS INJETVEIS NO BRASIL: EXPERINCIAS E PERSPECTIVAS

    Yuri Lemos Mansur..................................................................................................89

    POLTICAS PBLICAS E A ASSISTNCIA PRESTADA AOS USURIOS DE LCOOL E OUTRAS DROGAS

    Virgnia Maria Neves Vitral Chung..........................................................................99

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  • 6CADERNO SAUDE MENTAL 4 - SADE MENTAL: Transmitindo Experincias

    OFICINAS E ADOLESCENTES EM USO E ABUSO DE DROGAS: O QUE SE TRATA AQUI?

    Adriana Condessa Torres.......................................................................................109

    3 - SADE MENTAL E TRABALHO

    ENTRE O TRABALHO, A LOUCURA E A DOENA: UM OLHAR PARA A SADE PSQUICA DO TRABALHADOR DA SADE MENTAL EM UM CENTRO DE ATENO PSICOSSOCIAL

    Samira Neheme....................................................................................................121

    O IMPACTO DO TRABALHO NA SADE MENTAL

    Marina Saraiva de Almeida...................................................................................131

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  • 7CADERNO SAUDE MENTAL 4 - SADE MENTAL: Transmitindo Experincias

    APRESENTAO

    A Escola de Sade Pblica, com alegria, apresenta o quarto nmero do seu Caderno Sade Mental. Trata-se de mais uma conquista, que reproduz e divulga o produto de uma importante atividade aqui promovida: as Oficinas para Gesto em Sade Mental, acopladas s Oficinas de Artigos Cientficos.

    As Oficinas para Gesto em Sade Mental tiveram frequncia mensal ao longo de dois anos, atendendo a 120 participantes, divididos em duas turmas, entre coordenadores de servios e referncias tcnicas da rea, contemplando as 13 macrorregies de todo o Estado. Iniciadas em maro de 2009, elas vieram fortalecendo a construo de redes locais e regionais de sade mental ao longo deste perodo e se concluem, enfim, com as Jornadas para Gesto em Sade Mental e o lanamento da atual publicao, em dezembro deste ano.

    As Oficinas de Artigos Cientficos, complementares s Oficinas para Gesto em Sade Mental, tiveram como objetivo subsidiar participantes desta ltima para a preparao de artigos sobre tpicos diversos na rea da gesto. O Caderno Sade Mental 4 publica os textos assim produzidos. Ao faz-lo, rene e divulga um duplo aprendizado: aquele advindo da sistematizao e do debate das experincias de gesto em sade mental, numa das oficinas, e aquele da metodologia de redao de artigos cientficos, na outra.

    Apesar da reconhecida relevncia do tema da gesto em sade mental, temos ainda muito poucas aes educacionais a este respeito em nosso Pas: sua abordagem em nossa Escola possui, portanto, dentre outros mritos, o da originalidade. Quanto aos efeitos vivos produzidos por sua realizao, podemos v-los, por exemplo, na replicao das Oficinas para Gesto em Sade Mental, atualmente realizada pela SRS de Montes Claros, que se estende, por sua vez, a outros municpios, como Janaba, Espinosa e Monte Azul.

    A Escola de Sade Pblica prossegue avanando no mbito da sade mental, ao lado de vrias outras produes de seu Grupo de Produo Temtica da rea. O lanamento do Caderno Sade Mental 4 d testemunho do nosso percurso.

    Boas-vindas a todos!

    Damio Mendona VieiraDiretor da Escola de Sade Pblica de Minas Gerais

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  • 9PREFCIO

    Temos falado muito, principalmente ao longo das duas ltimas dcadas, da histria de segregao e sequestro da cidadania dos portadores de sofrimento psquico, ocorrida no Brasil sob a gide da lgica dos manicmios. Esta histria, que no podemos esquecer, nos impe boas razes para nos afastarmos dela. Dentre estas razes, esto as ricas e fecundas experincias de novos modos de tratamento da loucura, do sujeito e de sua incluso social em redes e servios substitutivos em sade mental.

    O Caderno de Sade Mental 4, em sua essncia, quer transmitir, com simplicidade e entusiasmo, no dilogo com estas experincias, temas que atravessam o cotidiano de gestores e tcnicos de servios de sade mental, na sua lida com o tratamento do portador de sofrimento psquico, com a gesto de servios, com a construo de redes de ateno em sade mental, alm de muitas questes impostas pela pulsao viva das aes em sade mental de municpios do interior de Minas Gerais.

    Aqui, as indagaes de cada autor vo ganhando lugar no texto, pretexto para formalizar e transmitir, um pouco que seja, desse fazer inquietante e por vezes rduo, mas tambm precioso, do dia a dia com as questes que tangem a sade mental.

    Este Caderno nasce do esforo de elaborao de cada um que teceu seu texto na Oficina de Artigos Cientficos1. Esta oficina apndice da Oficina de Gesto em Sade Mental esteio do desejo de escrita de alguns de seus participantes ofereceu os recursos e instrumentos necessrios para os artigos que ora apresentamos.

    Muitos destes autores, guiados pela tica de seu fazer, puderam passo a passo tecer seu texto, sendo esta a sua primeira experincia com a escrita. Outros, j mais experientes, tambm trazem com estes textos questes para eles inditas. Em qualquer destas duas experincias, o que move a escrita um no saber sobre algo que cerne o trabalho em sade mental e a tentativa de construir um saber e uma leitura. Da sua importncia.

    1 A Oficina de Artigos Cientficos foi coordenada inicialmente pelo professor Luiz Carlos Brant Carneiro, a quem agradecemos por sua importante contribuio nos momentos iniciais de definio de temas e de produo dos artigos.

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    O leitor vai encontrar aqui, questes que se abrem para aqueles que querem fazer avanar a clnica e a poltica em sade mental, com o estilo de cada autor e a singularidade de seu lugar de trabalho, em recantos mineiros. Questes que foram norteadoras da pesquisa que resultou nos artigos deste Caderno: a insero da prtica de cuidados em sade mental na Ateno Primria possvel? O que intersetorialidade e como pode ser usada como instrumento para tecer redes de cuidado? No que consiste a Gesto colegiada? Podemos tomar a Gesto Colegiada como dispositivo de construo da Rede Pblica em Sade Mental? Quais os impasses e avanos decorrentes da reduo de danos como poltica de tratamento a usurios de lcool e outras drogas? Como funciona e quais so as possibilidades de tratamento em um CAPS ad que se sustenta na Poltica de Reduo de Danos? A atual poltica sobre drogas interfere na implicao do sujeito por uma demanda de tratamento? Seria a adolescncia um tempo de vulnerabilidade ao uso e abuso de drogas? Programas de cultura, arte e lazer poderiam, por si s, ser tomados como instrumentos de preveno e tratamento de adolescentes? Quem so as crianas que chegam aos servios de sade mental? De que sofrem? O que demandam para elas ou quais so as demandas delas? E a sade mental dos trabalhadores? Os trabalhadores de sade mental estariam mais vulnerveis ao adoecimento psquico? Quais os recursos a serem oferecidos aos trabalhadores para fazer mediao entre o trabalho e a loucura?

    Estas e outras indagaes, fio do tecido dos artigos deste Caderno, provavelmente levaro o leitor a construir as suas prprias. Esta empreitada s tem uma razo de ser: fazer avanar servios e aes em sade mental consonantes com os princpios da Reforma Psiquitrica, que compreendemos, deva seguir sendo construda no real do dia a dia dos servios em sade mental. Ali, onde os sujeitos em crise ou fora dela, tratam seu sofrimento, circulam, fazem laos cada um a seu modo nos instigando a gerir, construir e implementar projetos que cumpram sua funo neste movimento de tratamento, proteo, reabilitao psicossocial, incluso e cidadania do portador de sofrimento psquico.

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    neste sentido que a Escola de Sade Pblica de Minas Gerais tem acolhido no Grupo de Produo Temtica em Sade Mental, com o apoio da Direo, a demanda de trabalhadores de diferentes municpios mineiros, contribuindo com a formao continuada dos trabalhadores e, com ela, para o avano da poltica e da clnica em sade mental. Foi neste sentido tambm que construmos o trabalho nas Oficinas para Gesto e de Artigos e partilhamos da alegria de traz-lo aos leitores.

    Tnia FerreiraBelo Horizonte, novembro de 2011

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    INTRODUO

    Desta vez, temos o prazer de oferecer aos leitores um Caderno muito especial. Intitulado Gesto em Sade Mental, o Caderno Sade Mental 4 rene e divulga textos produzidos ao longo de uma importante ao educacional sobre este tema, realizada na Escola de Sade Pblica de Minas Gerais, encerrando-se agora com as Jornadas de Gesto para Sade Mental.

    Estas oficinas foram cuidadosamente concebidas por Marcelo Arinos Drummond Jr. e Lourdes Machado; Lourdes, com grande empenho, conduziu sua coordenao. Elas trouxeram periodicamente Escola, ao longo de dois anos, coordenadores e referncias tcnicas de sade mental de diferentes regies do Estado, debatendo com interesse crescente e vivo as questes surgidas no exerccio da sua gesto. Remeto os leitores ao texto de Lourdes e Marcelo para conhecerem melhor os objetivos, o mtodo e a realizao deste valioso trabalho.

    Acopladas s Oficinas para Gesto em Sade Mental, transcorreram tambm as Oficinas de Artigos Cientficos, coordenadas por Tnia Ferreira: nestas ltimas, foram gestados os textos que compem este Caderno Sade Mental. A apresentao, assinada por Tnia, oferece um belo relato do crescimento e maturao dessa escrita.

    Os laos entre servio, ensino e pesquisa buscados pela ESP-MG se tecem efetivamente neste trabalho: perguntas, dvidas, desafios e impasses surgidos no cotidiano da gesto em sade mental levaram busca de respostas que, por sua vez, incitam a reformular e perseguir novas questes.

    Cumpre-nos deixar aqui vrios e sinceros agradecimentos. Agradecemos Lourdes Machado, Marcelo Arinos, Tnia Ferreira, Luciene Lamounier e Ana Regina Machado - companheiros queridos do GPT-SM, pelo empenho em dar luz a estas Oficinas e ao Caderno que as divulga; a Tammy Claret e Thiago Horta, que foram respectivamente diretora e superintendente de Educao da Escola pelo apoio quando da realizao das mesmas; a Damio Mendona Vieira, o atual diretor, e a Fernanda Maciel,

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    atual superintendente de Educao, cuja contribuio foi indispensvel a esta publicao; a generosa contribuio dos professores convidados; agradecemos aos alunos e aos autores. E desejamos aos leitores um feliz percurso neste novo Caderno Sade Mental da Escola!

    Ana Marta LobosqueCoordenadora do Grupo de Produo Temtica em Sade Mental

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    OFICINAS PARA GESTO DA REDE DE ATENO SADE MENTAL: APRESENTAO DA EXPERINCIA

    Lourdes Aparecida Machado

    Marcelo Arinos Drummond Junior

    A primeira verso das Oficinas de Gesto em Sade Mental foi concebida

    e executada pela Escola de Sade Pblica de Minas Gerais, entre os anos de 2004 e 2006, em parceria com Coordenao Estadual de Sade Mental da SES/MG. Havia, por parte dessas instituies, preocupao quanto ao conhecimento ainda incipiente das referencias tcnicas das Gerncias Regionais de Sade em relao aos temas ligados gesto dos servios no mbito da sade mental.

    A primeira turma, composta por 56 alunos, iniciou os trabalhos problematizando a prtica cotidiana, enfatizando as dificuldades e possibilidades neste campo. O grupo construiu uma lista de tarefas que seriam pertinentes funo de referencia tcnica de uma Gerncia Regional de Sade.

    A segunda parte da atividade se constituiu em 15 oficinas temticas, onde foram trabalhados os contedos definidos pelo grupo.

    Ao final da jornada de 136 horas/aula, o resultado destas Oficinas foi considerado positivo quanto aos seus objetivos e vrios alunos demandaram sua continuidade, o que no ocorreu de imediato por questes institucionais.

    Em 2008, aps a divulgao dos relatrios referentes s visitas realizadas pela Coordenao Estadual de Sade Mental nos 105 CAPS (Centros de Ateno Psicossocial) ento em funcionamento em Minas Gerais, o Colegiado Estadual de Sade Mental considerou necessria uma ao educacional que abordasse o tema da gesto. Tendo como base a primeira experincia mencionada acima, foi construdo o projeto: Oficinas para Gesto da Rede de Ateno Sade Mental.

    A proposta foi apresentada Escola de Sade Pblica e a Superintendncia de Educao sugeriu a incluso de oficinas de construo de artigos, colocando assim o projeto no conceito de educao permanente, ou seja, segundo o trip Ensino Pesquisa Servio.

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    Teramos como pblico-alvo as referencias tcnicas regionais em sade mental das 28 GRS e coordenadores e/ou gerentes de servios de sade mental de Minas Gerais. Foram montadas duas turmas de 60 participantes, que incluam tambm um estudante de cursos afins e um usurio da rede de sade mental/SUS. Foram contempladas em ambas as turmas, representantes das 13 macrorregies assistenciais, de acordo com o Plano Diretor de Regionalizao do Estado.

    O objetivo geral seria subsidiar os participantes para aes necessrias construo, implementao e sustentao das redes de sade mental em Minas Gerais. Configuravam-se como objetivos especficos: problematizao coletiva sobre as dificuldades e as possibilidades da gesto; identificao coletiva dos saberes tcnico/polticos necessrios gesto em sade mental; continuidade do processo de educao permanente em sade para as referncias tcnicas regionais e coordenadores e/ou gerentes municipais que atuam na rea de sade mental. Esperava-se criar possibilidades para a construo de uma prtica pautada pela viso crtica do processo da Reforma Psiquitrica, baseada nas diretrizes do SUS e norteada por princpios tcnicos e ticos.

    A seguinte proposio foi apresentada como justificativa para implantao do projeto: a garantia da promoo e efetivao do cuidado em sade mental da populao tem sido um desafio importante para os gestores e tcnicos dos municpios. A Poltica Nacional de Sade Mental determina que os casos graves devam ser priorizados pelas aes assistenciais, tendo em vista o alto impacto social e pessoal dos transtornos mentais, seja pela severidade e consequncias de seus sintomas, seja pela segregao que sofrem seus portadores. Pela complexidade das aes para promoo e efetivao do cuidado, o trabalho isolado das equipes especializadas no atinge a resolutividade necessria, de modo que, para alcanar o desenvolvimento e a implantao de um modelo assistencial em rede mostra-se fundamental a articulao entre os servios e dispositivos e entre estes e a comunidade. Deve-se considerar, primeiramente, que a implantao e a manuteno de tal modelo implicam na qualificao dos gestores envolvidos para que assumam com eficcia seus respectivos papis; e, ainda, que o ingresso de novos funcionrios exercendo a funo de referncia tcnica em sade mental nas Gerncias Regionais, assim como de novos atores exercendo o papel de coordenador municipal e/ou gerentes de servios, reforam a necessidade dessa qualificao.

    As Oficinas iniciaram-se em fevereiro de 2009, com trmino previsto para maro de 2011. No havia previso oramentria para ao, o que veio ocorrer em 2010. A ao foi desenvolvida em duas etapas. A primeira, referente aos meses de fevereiro e abril de 2009, constituiu-se de um processo de problematizao onde

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    os participantes discutiram as atribuies da gesto em sade mental. Logo aps, apontaram os problemas que dificultavam esta prtica. Analisaram os problemas, identificando aqueles que poderiam ser atenuados ou solucionados pelo aporte de algum conhecimento especfico. Ao final, construram uma programao com os temas que foram estudados e debatidos pelo grupo ao longo do processo. Os temas definidos pela Turma 1 foram: Polticas Pblicas; Modelo Assistencial de Sade Mental; Financiamento; Estruturao da Equipe; Intersetorialidade; Controle Social; Sade do Trabalhador; Sade Mental da Criana e do Adolescente; lcool e Outras Drogas; e Preconceito. A turma 2 escolheu como temas: Intersetorialidade: Servios de Sade e Servios Externos Sade, incluindo Sade do Trabalhador; Poltica para lcool e Outras Drogas: Intervenes no Territrio Para Crianas, Adolescentes e Adultos; A Gesto Colegiada e a Democratizao das Relaes; Polticas e Estratgias na Gesto de Pessoas; Desafios da Reforma Psiquitrica; A Construo de Indicadores Para Avaliao e Acompanhamento dos Servios de Sade Mental; Sade Mental na APS; Controle Social; Polticas de Sade, Legislao e Financiamento; e Plano Local de Sade Mental.

    A segunda etapa, denominada Fase Temtica, se caracterizou pelo estudo propriamente dito dos diversos saberes identificados pelo grupo. Para cada tema houve um perodo de disperso, onde os participantes realizaram pesquisa relativa ao tema estudado na oficina anterior; fizeram uma anlise dos problemas e construram propostas de soluo. Foi medido o grau do alcance dos objetivos de aprendizagem pelos participantes atravs da avaliao dos conhecimentos, habilidades e atitudes construdos pelas Oficinas, expressos em relatrios especficos para cada tema.

    O objeto pedaggico foi o processo de trabalho nos servios e nas redes, que deveria ser modificado de forma a atender com efetividade s necessidades da populao usuria e estava sustentado pela proposta de interveno baseada no Arco de Maguerez, ou seja, tendo a realidade social como ponto de partida e de chegada.

    A Oficina de Produo de Artigos teve o objetivo de capacitar os participantes para a elaborao de artigos, possibilitando arcabouos tericos metodolgicos e oferecendo elementos que viabilizassem o encaminhamento dessas produes para publicao.

    Cada turma contou com 15 alunos, mediante seleo prvia, entre os participantes das Oficinas de Gesto, e os artigos foram construdos a partir dos temas problematizados na primeira etapa do projeto.

    Desde que foi criado, o SUS provocou profundas mudanas nas prticas de

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    sade do Pas. Porm, para que novas mudanas ocorram, preciso haver tambm transformaes na formao e no desenvolvimento dos profissionais da rea. As propostas no podem mais ser construdas isoladamente ou de cima para baixo. Elas devem fazer parte de uma grande estratgia, estar articuladas entre si e ser criadas a partir da problematizao das realidades locais. Foi neste contexto que esta experincia se realizou, abordando as dificuldades do trabalho atravs de um processo de educao permanente, abrindo possibilidades de intervenes locais nos servios e redes de sade mental de Minas Gerais.

    Para concluir, cumpre ressaltar que estas oficinas foram realizadas ao longo da criao e consolidao do Grupo de Produo Temtica em Sade Mental da Escola de Sade Pblica em Minas Gerais - participando, portanto, de um projeto coletivo no mbito da educao permanente em sade, segundo as diretrizes do SUS e da Reforma Psiquitrica Brasileira.

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    1 - TECENDO REDES DECUIDADO EM SADE MENTAL

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    SADE MENTAL NA ATENO BSICA: DIREITO SINGULARIDADE, CONVIVNCIA E AO TRATAMENTO HUMANIZADO EM UM ESPAO ABERTO E PBLICO

    Sirlene Brando da Silva2

    RESUMO

    Este trabalho representa um esforo reflexivo no sentido de auxiliar profissionais da sade, no atendimento humanizado e acolhedor a pessoas que apresentam sofrimento psquico. A humanizao um enfoque que perpassa toda a proposta e pode ser resumida em duas palavras: acolhimento e respeito. Este artigo prope discutir os princpios que devem permear as prticas capazes de acolher e incluir, efetivamente, os sujeitos que apresentam sofrimento psquico nos dispositivos abertos j existentes em nossa comunidade, tais como: Unidades Bsicas de Sade, PSF, oficinas teraputicas, grupos de convivncias, pronto atendimento, hospitais gerais, etc.. Para tal, descreve a experincia de atendimento humanizado em sade mental em um municpio e a contribuio deste atendimento na desmistificao da loucura e a incluso da mesma na rede de ateno sade, o que implica garantia de acesso e efetividade dos princpios da universalidade e da equidade.

    Palavras-chave: Sade Mental na Ateno Bsica, redes de ateno, acolhimento, humanizao.

    2 Psicloga da Unidade Bsica de Sade do Municpio de Tocos do Moji -MG.

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    Introduo

    Acolher e tratar sujeitos que apresentam sofrimento psquico em dispositivos de ateno bsica do Sistema nico de Sade - SUS propor aes inerentes cidadania, tendo como meta a desmistificao da loucura e a garantia de direitos.

    A desconstruo da figura do louco perigoso, produzida h sculos pela sociedade, um trabalho rduo e vagaroso, pois a convivncia com a loucura e seus desdobramentos perturbadora. H muitas situaes inusitadas que requerem novas estratgias dirias a fim de abordar o extravagante, eventualmente presente nestas experincias.

    Com a democratizao do Brasil e a aprovao de sua Carta Magna, em 1988, podemos observar outras possibilidades de abordar a loucura, pois vrias diretrizes estratgicas de integralidade so delineadas para regulamentao de um sistema de sade universal e regionalizado. Este novo rearranjo macropoltico ocorreu com a regulamentao do SUS, que se deu com a aprovao da Lei Orgnica n 8.080/1990, que define a sade como um direito fundamental do ser humano, cabendo ao Estado formular e executar polticas econmicas e sociais, visando reduo de danos, riscos e agravos e no estabelecimento de condies que assegurem acesso universal e igualitrio s aes e aos servios, para a sua promoo, proteo e recuperao, garantindo a todos uma condio de bem-estar fsico, mental e social.

    Em 2001, inicia-se um movimento de incluso da sade mental na ateno bsica, vrias oficinas so realizadas e o Ministrio da Sade aprova o documento Sade Mental e Ateno Bsica: o vnculo e o dilogo necessrios (Brasil, 2003), onde se prioriza que a assistncia na rede deve ser realizada atravs de apoio matricial s equipes da Ateno Bsica. Segundo este documento, os Centros de Ateno Psicossocial CAPS so considerados dispositivos estratgicos para a organizao da rede de ateno em sade mental, sendo seus profissionais responsveis pelo matriciamento.

    O Ministrio da Sade, em sua Portaria 336/2002, define que os CAPS devem responsabilizar-se (...) pela organizao da demanda e da rede de cuidados em sade mental no mbito do seu territrio e (...) desempenhar o papel de regulador da porta de entrada da rede assistencial no mbito do seu territrio (BRASIL, 2004, p. 126).

    Com esta definio, os CAPS subvertem a lgica de hierarquizao, agregando diferentes nveis de ateno em um s territrio. Segundo Amarante (1995), a assistncia nesses servios passa a ter carter intensivo, no se restringindo ao

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    trabalho de remisso de sintomas mas sim, ocupando-se da existncia dos sujeitos e de suas possibilidades de habitar o social.

    Contudo, ao tomarmos o CAPS como ordenador da rede como prope o Ministrio, no estaramos reiterando o foco nesse equipamento e o seu isolamento em relao quela rede ampla e entrelaada de sade que almejamos? Nesse caso, mais apropriado seria trabalhar com o conceito-imagem de uma rede multicntrica, em que o CAPS pode funcionar como agenciador das demandas em sade mental, mas no qual, por outro lado, cada um dos atores sociais e servios envolvidos na ateno se destacam, em determinado momento, de acordo com o andamento do projeto teraputico de cada usurio.

    Uma rede que permita o entrelaamento das aes e das relaes. Uma rede pulsante e viva, que se movimente para dar sustentao s necessidades dos usurios e de acordo com elas. Uma rede sem centralidade, porm quente o suficiente para agenciar as demandas dos usurios e se transformar em um suporte efetivo para as dificuldades em andar a vida que esses usurios possuem (MARAL, 2007, p. 48).

    A implantao desta rede pulsante e viva, qual Maral (2007) relata, se coloca possvel aps a aprovao da Poltica Nacional de Ateno Primria, em 28 de maro de 2006, atravs da Portaria GM 648. A lgica do servio em sade no Brasil, aps a aprovao desta Portaria, consiste na organizao em nvel de ateno primria, que poder ser o responsvel pela resoluo da absoluta maioria dos problemas de sade que afetam a populao, principalmente pela sua possibilidade de atuao no ambiente em que acontece o processo sade-doena.

    Trata-se, portanto, da disponibilizao de uma porta de entrada responsvel por acolher, tratar, referenciar se necessrio, e acompanhar o sujeito em outros nveis de ateno, sendo responsvel pelo cuidado e monitoramento aps seu retorno da ateno especializada.

    Assim, aes e intervenes primrias sade so os pilares do Sistema nico de Sade, implantado a partir da proposta de uma Reforma Sanitria comprometida com o bem-estar e a equidade.

    Por mais de 20 anos, o movimento da Reforma Psiquitrica procurou distanciar-se dos planos sanitaristas, mas a aproximao faz-se necessria e este artigo quer contribuir para demonstrar que o momento favorvel para este movimento: primeiro pela criao de uma macropoltica universal em sade, que atende o sujeito integralmente - o que significa privilegiar o territrio onde se vive, utilizando de um dispositivo de rede, que possibilite uma maior resolutividade na transposio de um atendimento em sade mental manicomial para um atendimento assistencial comunitrio; em segundo, a aprovao da Lei 10.216/01,

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    que regulamenta as internaes psiquitricas e prope novos dispositivos de tratamento e moradias em sade mental.

    O direito igualitrio sade est institudo em formas de leis. Cabe a ns, profissionais da sade, fazer valer estes mecanismos para promover as aes de incluso dos sujeitos que apresentam sofrimento psquico nos dispositivos existentes na comunidade, seguindo os princpios estabelecidos pelo SUS.

    Este trabalho tem como principal objetivo demonstrar a eficcia do acolhimento e tratamento de sujeitos que apresentam transtornos mentais e de comportamento, em uma unidade bsica de sade de um municpio de pequeno porte, localizado no Sul de Minas Gerais.

    O sofrimento psquico atravs de uma nova ptica de cuidado

    Observa-se que a sensibilizao da sociedade em relao aos transtornos mentais e de comportamentos ainda incipiente. O preconceito e a discriminao tm inibido uma resposta mais abrangente e eficaz loucura.

    Segundo Paulillo (1999), a grande complexidade interna dos sujeitos humanos atrapalha o trabalho em relao loucura, pois trabalhar com riscos exige abrir mo da busca da invarincia, da lgica racional e dos discursos impositivos.

    Richard Parker (1994) prope a poltica da solidariedade como meio de tratar discriminaes. Tendo compreenso da solidariedade como a percepo do diferente, como a capacidade da pessoa entender e identificar-se com a dor e o sofrimento do outro, apesar de diferenci-lo de si prprio.

    Quando nos colocamos no lugar de algum para tentar entender seu ponto de vista, fica mais fcil compreender e aceitar as diferenas culturais, sociais, raciais, intelectuais ou afetivas, que sempre fizeram parte do convvio humano. O que est envolvido nesse processo a construo de uma identidade, o desenvolvimento do senso de valor e, sobretudo, uma constante tomada de conscincia. Aprende-se que cada indivduo v a vida de acordo com sua realidade, cada viso nica e legtima (FAGUNDES, 2010).

    Segundo Piaget, a evoluo dos seres vivos, o comportamento humano e a histria do homem so processos dialtico-probabilsticos resultantes da interao entre o organismo (animal/ homem) e o meio (sociedade); nada inato (tudo est em construo) e nada imposto de fora ao organismo, sem que este reaja (assimilao possvel). Segundo Lima (1980), a evoluo da vida, em geral, o resultado da permanente interao (sistema aberto) em que o organismo escolhe

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    do meio os elementos que, incorporados, garantem sua sobrevivncia; a iniciativa partindo, sempre, do organismo .

    Somente se as crenas forem submetidas discusso que o pensamento hipottico-dedutivo se desenvolve, seno paralisa-se por falta de necessidade de reequilibrar-se. Ainda de acordo com Lima (1980), a partir de certos estgios superiores do desenvolvimento, o homem e a humanidade s progridem com a liberdade.

    Para Piaget, a educao consiste em fazer criadores, inventores, inovadores. Para ele, todos os indivduos, em maior ou menor grau, podem ser criadores e para isso no existem receitas nem mtodos.

    O que se prope neste artigo inovar no cuidado a sujeitos que apresentam transtornos mentais e de comportamento, o deixar habitar, os dispositivos unificados de sade, para que a loucura passe a fazer parte do cotidiano das Unidades Bsicas de Sade - UBS (ateno primria), das Unidades de Pronto Atendimentos UPAS, hospitais gerais (ateno secundria), etc.

    Trata-se de acolher, segundo Ferreira (2010). Aquele que busca o servio deve sentir que chegou a um lugar que far a diferena... que colocar fim peregrinao por outros profissionais e servios. Estabelecer um lugar de endereamento e um lao. Acolher acolher na escuta; escuta que possa identificar e privilegiar elementos que favoream o acolhimento particularizado que a situao impe.

    Muitas escolas de ensino superior, formadoras de opinies, insistem em preparar os futuros especialistas em sade, principalmente mental, em sistemas asilares fechados: hospitais psiquitricos e manicmios judicirios. Esse um dos fatores que dificulta o cuidado na rede de ateno sade. Muitos profissionais (trabalhadores do sistema) tm embasamento terico, muitas vezes, distorcido do cuidado em sade mental e insistem em repetir o que foi apreendido. Ao invs de darem suporte para a construo de uma nova poltica, preferem seguir a mesmice, o que est pronto e acabado, pois fazer poltica fazer o que no foi feito (FERREIRA, 2010).

    Os transtornos mentais e de comportamento, como qualquer outra doena, devem ser acolhidos e tratados nos dispositivos do SUS, principalmente, na rede bsica municipalizada da sade. Quando houver agravamento da doena, devero ser tratados como tal e encaminhados a hospitais gerais para tratamento intensivo.

    O fortalecimento da gesto municipalizada do SUS constitui uma estratgia fundamental para assegurar o acesso integral da populao promoo, proteo e recuperao da sade. Tal fortalecimento depende, principalmente, da participao decisiva dos prefeitos e de seus secretrios de sade.

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    Os municpios so gestores plenos da ateno bsica ou do sistema em seus respectivos mbitos. Concluir e consolidar essa municipalizao da gesto do SUS uma firme prioridade do Ministrio da Sade. As funes de coordenao, articulao, negociao, planejamento, acompanhamento, controle, avaliao e auditoria inerentes gesto do SUS representam condies essenciais para o alcance da resolubilidade, qualidade e humanizao das aes e servios prestados populao, principalmente em sade mental, alvo final de todos os esforos em curso.

    Atravs da consolidao da rede municipalizada, dar-se- continuidade a projetos na rea da sade mental. Demonstrarei atravs de um relato breve, um trabalho de sucesso realizado em um municpio de pequeno porte, Tocos do Moji, do interior do Estado de Minas Gerais.

    Trata-se de uma cidade muito pequena, situada na regio Sul do Estado de Minas Gerais, com populao atual de 3.950 habitantes (Censo 2010). Desses, mais de 70% moram na zona rural.

    Com uma topografia privilegiada, o municpio oferece atraes naturais como cachoeiras, trilhas e uma natureza exuberante, o que o coloca na rota do turismo ecolgico, rural e de esportes radicais, integrando hoje o Circuito Turstico Serras Verdes do Sul de Minas, alm de abrigar um povo simples e extremamente acolhedor.

    A atividade agropecuria pode ser considerada a ncora econmica municipal, que impacta a economia local atravs das oportunidades de trabalho criadas e da renda gerada. ela que, em grande parte, viabiliza a demanda, tendo forte influncia sobre o desenvolvimento do comrcio e dos servios locais, que se estabeleceram de forma a atender as necessidades mais imediatas da populao. A indstria de transformao, pouco desenvolvida no municpio, caracterizada pela pequena agroindstria familiar e pelo artesanato.

    Cabe destacar que o municpio, apesar de apresentar uma relativa diversificao produtiva, seja da atividade agropecuria, seja do artesanato, alm de apresentar um rico potencial turstico, no internaliza os ganhos advindos desta produo. A agropecuria no beneficiada localmente, sendo exportada in natura. O artesanato, especialmente o croch, todo comercializado por terceiros, fora do municpio. E grande parte da populao economicamente ativa trabalha no municpio vizinho, conferindo a este, a condio de cidade-dormitrio.

    Em 2008, foi criado o plano local de sade mental, o BEM-VIVER. Trata-se de uma ao da Secretaria Municipal de Sade em conjunto com diversas instituies e servios da rea governamental e no governamental, que visa identificar e atender todas as pessoas que apresentam transtornos mentais e

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    de comportamento, oferecendo ateno que garanta os direitos e promova a cidadania, de acordo com leis estaduais e federais. Trata-se de um trabalho intersetorial, pois a rede somente se consolida se houver sensibilizao dos outros dispositivos: corresponsabilidade (responsabilidade partilhada com os parceiros da rede) (FERREIRA, 2010).

    O plano tem como base a promoo da sade, que consiste em proporcionar s pessoas os meios necessrios para melhorar e exercer maior controle sobre si mesmas.

    Modelo de assistncia

    O modelo de assistncia em sade mental realizado no municpio norteado pelos princpios bsicos do Sistema nico de Sade: universalidade, integralidade e equidade. As aes so desenvolvidas na Ateno Primria, seguindo um modelo de redes de cuidado territorializada. A rede pressupe diferentes servios de sade mental, que devero atender diferentes necessidades e organizados a partir das seguintes diretrizes: acolhida, vnculo, responsabilidade e contrato de cuidados.

    - Acolhida: corresponde ao desenvolvimento de aes que acolham todos os usurios que procurem os servios, disponibilizando o atendimento e/ ou escuta imediata.

    - Responsabilidade: diz respeito responsabilizao da equipe pela ateno integral dos sujeitos, considerando a especificidade de cada populao: crianas, adolescentes, adultos, idosos/as, pessoas em situao de rua, pessoas institucionalizadas, etc..

    - Vnculo: pressupe a humanizao da relao com o usurio, reconhecendo em cada um a capacidade crtica de escolha da modalidade de atendimento de melhor adequao s suas necessidades.

    - Contrato de Cuidado: diz respeito construo de um projeto de cuidados que considere a histria de vida, a cultura e a singularidade de cada sujeito, suas interrelaes na sociedade, reconhecendo o saber de cada um sobre suas potencialidades e fragilidades.

    A base para o bom desenvolvimento da sade mental no municpio deve-se criao do Plano Municipal de Sade Mental BEM-VIVER, onde se obteve o perfil

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    epidemiolgico do municpio e o ndice de sujeitos que apresentam transtornos mentais e de comportamento.

    O Plano visa atuao transversal com outras polticas especficas, buscando o estabelecimento de vnculos.

    O acolhimento do sujeito que apresenta transtornos mentais e de comportamento, independente da faixa etria, realizado pelos agentes comunitrios de sade. Em seguida, h uma discusso do caso, entre a psicloga (referncia tcnica) e a equipe do Programa Sade da Famlia (PSF), quando se decide qual a melhor abordagem para o sujeito. Aps este primeiro momento de reconhecimento, realizada uma triagem pela psicloga, que pode ser na Unidade Bsica de Sade ou na prpria residncia. Dependendo do transtorno, realizada psicoterapia em grupo ou familiar.

    Se houver necessidade de medicalizao, realizado um agendamento com psiquiatras de municpios referncias. Em casos de surtos psicticos com risco de morte, o sujeito encaminhado ao hospital geral, onde h leitos de retaguarda. A referncia para outro hospital fica por conta do psiquiatra de planto do hospital geral. Em caso de alta, o acompanhamento realizado pela equipe do PSF, inclusive no controle de medicamentos e aplicao de psicofrmacos injetveis.

    Quando se tratam de crises causadas pelo uso abusivo de substncias psicoativas, encaminha-se para Unidades de Pronto Atendimento, onde realizada a desintoxicao. Aps remisso dos sintomas, o sujeito retorna Unidade Bsica de Sade para tratamento psicoterpico, tendo como abordagem a terapia cognitiva comportamental, visando diminuio de danos. O monitoramento feito pelos agentes comunitrios de sade observando semanalmente seu desempenho nas atividades laborativas e se houve remisso, ou mesmo diminuio, no consumo de substncias. Os agentes foram responsveis pelo levantamento preliminar, atravs do cadastramento dos sujeitos que fazem uso contnuo de psicofrmacos.

    A equipe de sade abraou com muita propriedade a luta antimanicomial. Podemos observar isto atravs da diminuio significativa no nmero de internaes psiquitricas no municpio. O ndice de internaes psiquitricas diminuiu consideravelmente: passou de 18 internaes/ano para duas internaes/ano, ou seja, reduo de 90%.

    Atravs do levantamento preliminar, constatou-se um uso abusivo e indiscriminado de psicofrmacos pela populao, principalmente benzodiazepnicos. Na farmcia bsica, foi dispensado um total de 13.010 comprimidos no ms de setembro de 2008, sendo que 9,7% da populao faz uso contnuo destes medicamentos.

    Constatou-se, tambm, uso abusivo de lcool e tabaco pelo sexo masculino

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    na faixa etria de 16 a 70 anos. Muitos utilizam o lcool durante o trabalho na lavoura de morango, que contm grande quantidade de agrotxico.

    Pensando neste histrico, cria-se o projeto: Viva a Vida Caminhando, que tem como objetivo conferir maior sustentabilidade e efetividade s aes de preveno e controle de doenas crnicas no transmissveis (tais como transtornos mentais e de comportamento) populao, atravs de articulao, promoo e implementao de atividades fsicas moderadas de carter regular e reeducao alimentar.

    A prtica assistencial no objetivou a eliminao de sintomas, nem tampouco a doutrinao dos pacientes para que abandonassem determinados padres de comportamento. Mais do que uma preocupao com comportamentos desviantes, o principal alvo foi o ser humano em sua singularidade e subjetividade.

    O uso de substncias psicoativas, principalmente o lcool e o tabaco, acompanha a humanidade desde os primrdios de sua histria e muitas vezes este uso faz parte da cultura e no desencadeia problemas. De acordo com Formigoni (2009, p.3), isso dificulta lidar com o fato de que para cerca de 30% das pessoas, o uso se torna abusivo e gera problemas, entre eles: dependncia, tolerncia, sensibilizao, crise de abstinncia e fissura.

    Destacam-se como caractersticas centrais da proposta assistencial do projeto: interesse pelo sujeito em sua totalidade; ateno especial ao funcionamento psicodinmico dos dependentes e seus familiares; promoo e implementao de atividades fsicas moderadas de carter regular e incentivo alimentao saudvel e balanceada. Estudos epidemiolgicos e experimentais evidenciam a relao proporcional entre atividade fsica e benefcios psicolgicos. Dentre os benefcios observados esto diminuio da ansiedade e do estresse; alteraes na depresso moderada, alterao no estado de humor, na autoestima e em atitudes positivas.

    Dessa forma, estimular a populao a desenvolver um estilo de vida ativo representa um instrumento valioso na melhora dos padres de sade. Por outro lado, em termos de sade pblica, trabalhos recentes demonstram que o impacto mais benfico da atividade fsica acontece quando ela realizada em intensidade moderada.

    A atividade fsica auxiliando a sade mental j algo conhecido de longa data, inclusive a mxima mente s em corpo so (mens sana in corpore sano) exprime bem essa relao, significando o quanto os exerccios fsicos nos levam a ter mente saudvel. Os exerccios ajudam a oxigenar o crebro: atuam aumentando o fluxo sanguneo nos tecidos havendo, por conseguinte, aumento

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    na oferta de oxignio. Ao realizarmos exerccios, existe aumento na quantidade de hormnios circulantes no organismo, os quais aumentam o metabolismo e fazem nosso corpo trabalhar em ritmo mais intenso, deixando-o treinado para outros momentos em que necessitemos desse preparo fsico. Hoje sabido que o simples fato de caminhar libera endorfinas, substncias que, entre outras coisas, diminui a sensao da dor (MONTEIRO, 2010).

    Quando necessrio, realizou-se tambm psicoterapia individual e/ou psicoterapia em grupo. Segundo Laplache e Pontalis (1986), psicoterapia no sentido lato, qualquer mtodo de tratamento das desordens psquicas ou corporais que utilize meios psicolgicos.

    J em relao ao tratamento de dependentes, Gois (1993) aponta a inconvenincia da psicoterapia individual pelo fato desta reforar no paciente a necessidade de mentir, uma vez que no est entre seus pares - o que no ocorre na psicoterapia em grupo, em que todos j viveram ou vivem essa experincia. Explica que esta atitude concorreria para criar uma relao assimtrica, o que levaria o paciente a se sentir discriminado ao se perceber em polaridades tais como: louco/careta, eu/eles, dependente/autoridade, paciente/profissional. Segundo o autor, ao se aperceber dessas dicotomias, o paciente, em vez de se tornar responsvel por sua cura e de colaborar ativamente, tornar-se-ia resistente ao tratamento, apresentando comportamentos transgressivos e desafiadores (GIS, 1993, p.32).

    Consideraes finais

    O acolher e cuidar do sujeito que apresenta sofrimento psquico, atravs da prtica de atividades fsicas em grupo, possibilitou uma ao em que o sujeito esteve implicado integralmente no seu fazer, seja pelo gestual do corpo, pela expressividade plstica ou pelo movimento do fazer diferente.

    importante mencionar que o monitoramento contnuo do trabalho se faz necessrio e deve ser realizado pela equipe e principalmente pelos usurios e familiares, ou seja, por todos os atores envolvidos no processo de controle/cura do sofrimento psquico.

    Esperamos com este artigo ter contribudo com aqueles que, da ateno primria em sade, se dispem a acolher, cuidar e tratar o paciente com sofrimento psquico, numa igualdade com outros pacientes sem, contudo, desconsiderar suas diferenas.

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    TECENDO A REDE DE SADE MENTAL: A INTERSETORIALIDADE COMO APOSTA

    Telma Orneles de Lima3

    RESUMO

    Este artigo relata uma experincia e aponta reflexes sobre a importncia da construo do trabalho em redes e da intersetorialidade no cuidado ao portador de sofrimento psquico, priorizando a reinsero social e o resgate da cidadania. Para isso, consideramos importante retomar conceitos e discursos acerca da loucura, os princpios e movimentos da Reforma Psiquitrica, a Poltica de Sade Mental, bem como aqueles sobre os equipamentos substitutivos no contexto brasileiro, acompanhado da discusso sobre o tecer de redes e intersetorialidade. Conclumos que possvel construir um novo modelo de assistncia ao portador de sofrimento psquico, usando estratgias que envolvam a comunidade e integrem o servio, o usurio, a famlia e a sociedade em geral.

    Palavras-chave: Sade mental, intersetorialidade, trabalho em rede, reinsero social.

    3 Psicloga, ps-graduada em Sade Mental: Famlia e Comunidade. E-mail: [email protected]

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    Introduo

    Em quase todas as sociedades o louco excludo e recebe um status religioso, mgico, ldico ou patolgico. Segundo Foucault (1970), na Idade Mdia, na Europa, a existncia dos loucos era admitida e mesmo em alguns momentos, quando se tornavam instveis e se mostravam preguiosos, era-lhes permitido vagar aqui e ali. A partir do sculo XVII, com a constituio da sociedade industrial, a existncia de tais pessoas no foi mais tolerada, criando-se grandes estabelecimentos para internar todos aqueles que no podiam trabalhar.

    Com o advento do capitalismo, durante o perodo final do sculo XVIII ao incio do sculo XIX, a situao dos loucos mudou. O mdico francs Philippe Pinel rompeu com as antigas prticas de internamento e instalou um duplo comeo: o de um humanismo e o de uma cincia finalmente positiva. Com isso, os improdutivos (enfermos, velhos, ociosos e prostitutas) foram liberados. Por outro lado desmistifica-se a loucura e ela trazida para o domnio do humano.

    Os loucos ficaram nestes estabelecimentos considerados como pacientes cujos distrbios tinham causas que se referiam ao carter ou natureza psicolgica. Assim, Pinel define a alienao mental como doena, isolando os pacientes para que seus corpos e crebros pudessem ficar em repouso, reprimindo qualquer tipo de manifestao de ideias. Essa era a base do tratamento moral, que propunha o isolamento do louco em instituio especializada. Dessa forma, o que foi um estabelecimento de internao transformou-se em um hospital psiquitrico. Desde ento, os distrbios mentais tornaram-se objeto da Medicina e uma categoria social nascera, chamada Psiquiatria. A partir deste momento, a loucura recebe um status de doena mental.

    No Brasil, no incio do sculo XX, foram criadas no Rio de Janeiro as primeiras colnias de alienados4, e a partir das dcadas de 1940 e 1950, dezenas dessas instituies asilares foram disseminadas por todo o Pas.

    Aps a Segunda Guerra Mundial, a sociedade dirigiu seus olhares para os hospcios e descobriu que as condies de vida oferecidas aos pacientes psiquitricos ali internados, eram semelhantes s dos campos de concentrao. Assim nasceram as primeiras experincias de reformas psiquitricas.

    No final da dcada de 1970, o Movimento dos Trabalhadores em Sade

    4 Lugares longe de centros urbanos onde os pacientes ficavam encarregados de trabalhos agrcolas e artesanais, com o objetivo de serem recuperados.

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    Mental (MTSM) critica o saber psiquitrico e busca uma transformao genrica da assistncia prestada e, mais especialmente, das formas de segregao e de isolamento social em que viviam os pacientes. Nesse momento, inicia-se a construo da atual concepo de Reforma Psiquitrica.

    Com a proclamao da Constituio em 1988, cria-se no Brasil o Sistema nico de Sade (SUS) e so definidas as condies institucionais para implantao de novas polticas pblicas de sade, incluindo a sade mental. Na dcada de 1990, o Ministrio da Sade - a partir das recomendaes da Organizao Pan-Americana de Sade (OPAS) contidas na Declarao de Caracas5 - redefine a sade mental na Amrica Latina redirecionando os recursos da assistncia psiquitrica para um modelo substitutivo de base comunitria.

    Na realidade do Mdio Vale do Jequitinhonha, na regio Nordeste do Estado de Minas Gerais, at o final de 2001, os familiares e os trabalhadores da sade tratavam os seus pacientes portadores de sofrimento psquico dentro da lgica manicomial, ou seja, tinham os manicmios como primeira opo de atendimento. Desta maneira, o tratamento realizado pautava-se na excluso e na segregao.

    Tambm sob a influncia desta lgica, muitos pacientes eram estigmatizados como improdutivos, perigosos e incurveis. Como tal, os pacientes psiquitricos estavam sempre prestes a ser internados nos locais onde poderiam ser controlados, aguardando at que nova crise os levasse de volta a este lugar, que acabava sendo sua principal referncia o local de internao.

    Entretanto, em 2002, a partir da contratao de uma referncia tcnica em sade mental, o municpio de Itaobim, com aproximadamente 20.000 habitantes e sede de Microrregio de Sade desenvolveu, com recursos prprios e ainda timidamente, aes voltadas para os portadores de sofrimento psquico, dentro da lgica antimanicomial, com base na legislao e na consolidao de uma rede de servios substitutivos ao modelo manicomial. Alm disso, objetivou-se a promoo dos direitos de cidadania, a desinstitucionalizao, a reinsero social e o cuidado ao portador de sofrimento psquico junto famlia e a comunidade.

    Deste modo, este trabalho pretende apontar reflexes sobre a importncia das aes em rede e intersetoriais no cuidado ao portador de sofrimento psquico desse municpio, demonstrando que possvel promover sade, insero social e cidadania, mesmo com poucos recursos financeiros.

    5 Documento aprovado na Venezuela, em 14 de novembro de 1990, como resultado da Conferncia Regional para Reestruturao da Ateno Psiquitrica na Amrica Latina. Assinado pelo Ministrio da Sade, pela Organizao Pan-Americana de Sade e pela Organizao Mundial de Sade (OMS).

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    Essas reflexes nascem de uma experincia profissional, como referncia tcnica6 em sade mental no perodo de 2003 e 2006. Para isso, fez-se necessrio retomar conceitos e discursos sobre a loucura; os princpios e movimentos da Reforma Psiquitrica; a Poltica de Sade Mental; os equipamentos substitutivos no contexto brasileiro; e a discusso sobre o tecer de redes que imps apurar o conceito de intersetorialidade.

    Este trabalho baseou-se em anlise de textos oficiais do Ministrio da Sade, da Secretaria de Estado de Sade de Minas Gerais e de autores que ofereceram subsdios para a construo deste referencial terico.

    O modelo manicomial: o isolamento social e as prticas coercitivas

    A excluso um fenmeno complexo e multidimensional que afeta diversas condies objetivas da vida de um cidado, como trabalho, lazer, cultura e educao. Muitas pessoas ao longo de suas vidas sofrem algum tipo de discriminao, humilhao e segregao, que as impede de exercer e usufruir minimamente o que lhe de direito. Existem contextos em que a excluso social marcante e nenhum direito garantido. Ao lado da fragilizao das polticas pblicas, as pessoas no encontram na sociedade o espao para serem sujeitos e se tornam socialmente vulnerveis.

    As marcas deste fenmeno so ainda mais evidenciadas nas pessoas que fogem s regras estabelecidas, s normas, moral e chamada boa conduta. O louco - que ao longo de sua histria fora considerado um ser dotado de poderes especiais - chega ao sculo XX sob o domnio da Psiquiatria, trancafiado em instituies ditas teraputicas, que tornam a loucura objeto de estudo e cura, ou seja, como uma doena, anulando o sujeito.

    Nestes hospitais psiquitricos, o isolamento social e as prticas coercitivas eram principais ferramentas. Aqui o primeiro passo colocar uma barreira entre o internado e o mundo externo, de tal forma que o paciente vai deixando tudo que seu e assumindo o que institucional.

    No entanto, na segunda metade do sculo XX, surge um movimento que teve como alguns de seus propulsores a experincia da psicanlise, a insero da sade pblica nas instituies psiquitricas, as descobertas de medicamentos psicotrpicos e sua eficcia no tratamento de alguns transtornos mentais,

    6 A funo essencial da referncia tcnica em sade mental promover uma ao conjunta entre diferentes servios e instituies e, com isso, criar uma rede de cuidados.

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    e, especialmente, a luta dos trabalhadores. Nasce o movimento da Reforma Psiquitrica, que se inicia na Itlia com o psiquiatra Franco Basaglia, deslocando a loucura de uma compreenso individual ou familiar para o produto de uma sociedade que a precisa excluir.

    A Reforma Psiquitrica, que transcorre h mais de quatro dcadas, uma experincia que est acontecendo, que est em constante construo e exige um movimento permanente de resistncia. Experincias ocorrem em diversos cantos do mundo, cada uma com suas peculiaridades, buscando alternativas para que no reproduzam ou mascarem a dinmica manicomial.

    Ao explicitar estas questes, no se almeja colocar o hospital psiquitrico como o vilo da histria da doena mental, uma vez que a causa do movimento antimanicomial vai muito alm do fechamento do espao fsico.

    Segundo Lobosque (1997), o hospital no o nico instrumento ou a nica verso do dito modelo manicomial, porque mesmo sem manicmio a sociedade pode permanecer fortemente manicomial. Trata-se, pois, de certo modo de olhar, certo modo de saber sobre o louco, uma nova relao com a loucura e suas formas de abord-la. Assim, para romper com este modelo preciso gerar servios territorializados e abertos, capazes de atender urgncias e acolher pacientes em crise, tais como: Centro de Ateno Psicossocial (CAPS), Ncleos de Ateno Psicossocial (NAPS) e Centros de Referncia em Sade Mental (CERSAM), e, essencialmente, mudar o modo de pensar e tratar a loucura e o louco.

    Notas sobre a Reforma Psiquitrica no Brasil e em Minas Gerais

    No Brasil, a Reforma Psiquitrica surge mais tarde, na dcada de 1970, a partir do protagonismo dos trabalhadores e usurios dos servios de sade mental, e este processo ainda est por se consolidar. Mas somente em 2001 que a Reforma Psiquitrica torna-se definitivamente uma poltica oficial, atravs da Lei 10.216/2001, que dispe sobre a proteo e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, redirecionando o modelo assistencial em sade mental e associando-o ao movimento do Sistema nico de Sade (SUS) de ampliao de redes e a necessidade do ingresso da sade mental. Vale destacar, ainda, que a Reforma tem trazido a reinsero do paciente em seu meio social como importante meta do tratamento, vedando a internao de pacientes em instituies com caractersticas asilares.

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    Contemplando os avanos na legislao em sade mental no mbito nacional, o Ministrio da Sade, atravs da Portaria GM n 336 de 19 de fevereiro de 2002, estabelece que os Centros de Ateno Psicossocial - CAPS se constituiro nas seguintes modalidades de servios: CAPS I, CAPS II e CAPS III7, definidos por ordem crescente de porte, complexidade e abrangncia populacional.

    Em Minas Gerais, vivenciamos nas dcadas de 1960 e 1970 uma macia proliferao das clnicas psiquitricas privadas conveniadas com o antigo Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social (INAMPS).

    No ano de 1979, ocorreu na cidade de Belo Horizonte o III Congresso Mineiro de Psiquiatria, marcado pela presena de Franco Basaglia e Robert Castel8. Este foi um momento decisivo para o movimento antimanicomial no Estado.

    No que diz respeito rede pblica, Minas Gerais possua trs hospitais para adultos: Centro Hospitalar de Barbacena (CHPB) criado em 1903, Instituto Raul Soares (IRS) fundado em 1922 e o Hospital Galba Veloso (HGV) inaugurado em 1964. Este ltimo funcionava basicamente como local de triagem e distribuio de pacientes previdencirios para a rede particular conveniada. Vale lembrar que foi no interior destas instituies psiquitricas que se instaurou a contestao situao vigente.

    Ainda em Minas Gerais, em 1994, cria-se juridicamente o Frum Mineiro de Sade Mental (FMSM), caracterizado como um movimento social autnomo, constitudo de tcnicos, usurios, familiares e militantes ativos na luta antimanicomial.

    J em 18 de janeiro 1995, o Governo de Minas aprova a Lei 11.802, que dispe sobre a promoo da sade e da reintegrao social do portador de sofrimento mental; determina a implantao de aes e servios de sade mental substitutivos aos hospitais psiquitricos e a extino progressiva destes; regulamenta internaes e d outras providncias.

    Por outro lado, mesmo com os avanos na poltica de sade mental, na maioria dos municpios da regio Nordeste do Estado de Minas Gerais o entendimento sobre a loucura e suas diversas manifestaes reproduziu, at o incio do sculo XXI, o pensamento manicomial, asilar e segregador das diversas culturas.7 Servios abertos que prestam atendimento prioritariamente s pessoas com sofrimento psquico grave e ou persistente, alm de articularem com a rede de servios da comunidade favorecendo a reinsero delas a este espao.8 Socilogo, professor e escritor nascido na Frana em 1933, trouxe importantes contribuies ao campo, sobre tudo por suas ideias sobre excluso e desiqualdade social.

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    A deportao de pacientes e sua internao em hospitais psiquitricos de Belo Horizonte era a primeira opo de muitos familiares vidos por uma soluo ou um lugar onde pudessem colocar os seus entes queridos - j que no podiam contar com nenhuma poltica pblica voltada para os casos de pacientes com transtorno mental.

    Somado a isso, tnhamos a falta de informao e de empenho poltico para que as mudanas pudessem acontecer. Muitas pessoas foram levadas para manicmios e de l no saram ou, quando saam, retornavam para o seu municpio e no tinham uma rede de apoio que os referenciassem e os acompanhassem. Desta forma, a reincidncia hospitalar era bem expressiva, uma vez que o paciente permanecia no municpio perambulando pelas ruas, perturbando a ordem social e sofrendo todo tipo de violncia.

    Estes municpios esto compreendidos na Gerncia Regional de Pedra Azul, compondo-se em sua jurisdio por 25 do Mdio e Baixo Jequitinhonha. Segundo a lgica do Plano Diretor de Regionalizao de Minas Gerais (PDR-MG) divide-se em trs Microrregies de Sade, perfazendo populao, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) no ano de 2008, estimada em 314.580 habitantes.

    Em Itaobim, sede de Microrregio de Sade, no ano de 2002, a partir da deciso do Conselho Municipal de Sade em conjunto com a gesto daquela poca, foi deliberado que era imprescindvel contratao de um profissional para realizar intervenes em sade mental.

    Na poca, o municpio passava por mudana na gesto poltica e enfrentava muitos problemas financeiros e administrativos. Contava apenas com uma equipe do Programa Sade da Famlia (PSF), que cobria 20% da populao, e muitos casos que requeriam ateno especializada, como por exemplo atendimento psiquitrico e neurolgico, eram atendidos uma vez por ms atravs do Consrcio Intermunicipal de Sade (CISMEJE), em municpios mais desenvolvidos.

    As aes de sade, bem como outros setores das polticas pblicas, ainda estavam desarticuladas e em processo de estruturao. Conforme DATASUS/SIH9, as internaes em hospitais psiquitricos em 2002 perfaziam 41 pacientes e os gastos financeiros do SUS com estas internaes, neste mesmo ano, foram de R$ 35.431,07.

    9 Citado por SILVA, Z. S. 2008.

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    Diante deste quadro, reafirmando a garantia dos direitos, foi oportuno refletir sobre a definio de estratgias que pudessem viabilizar, na realidade local, aes que promovessem o cuidado, a sade e a incluso social. Dentre essas estratgias, as redes sociais surgem como alternativas necessrias de enfrentamento, principalmente frente s manifestaes da excluso social.

    A partir da noo de rede, considera-se a intersetorialidade como um princpio que orienta as prticas de construo de redes municipais. Assim, este princpio surge como alternativa que possibilita uma viso ampliada no conceito e aes em sade.

    Portanto, o conceito de gesto intersetorial e de rede cria novas possibilidades de interveno, gerando em cada um de seus membros a participao que viabiliza a reconstruo da sociedade civil. Ocasiona a criao de respostas novas aos problemas sociais, tornando mais eficaz a gesto social, que se caracteriza por ser intersetorial, articulando instituies e pessoas para construrem projetos, recuperar a vida e a utopia (JUNQUEIRA, 2010). Compreendendo, assim, estratgias que ao longo do tempo do saber e das prticas compartilhadas e integradas, vo se consolidando como intersetoriais, respondendo com eficcia soluo dos problemas da populao.

    A prtica de construo de redes sociais: a intersetorialidade

    Em nosso contexto, a intersetorialidade apresenta-se como um dos eixos estruturantes das polticas pblicas de sade e se aproxima como parte integrante do que contemporaneamente vem se discutindo sobre o conceito cidade saudvel:

    A cidade saudvel aquela em que todos os atores sociais em situao governo, organizaes no governamentais, sociedade civil organizada, famlias e indivduos fazem uma aliana para transformar a cidade em um espao de produo social da sade, desenvolvendo os capitais humanos, social e produtivo, de forma sustentada, exercitando polticas pblicas integradas e intersetoriais, incentivando a participao pblica e reduzindo as iniquidades, de forma a melhorar a qualidade de vida dos cidados (MENDES, 1996

    apud PAULA; PALHA & PROTTI, 2004, p. 334).

    Entendemos que esta ideia elemento central, capaz de articular vrios setores, tanto onde as aes de sade so ofertadas populao, como onde a

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    dimenso mais voltada ao planejamento, com potencialidade de articular setores fundamentais que podem desencadear mudanas mais efetivas e duradouras para o setor da sade.

    Intersetorialidade aqui entendida como a articulao de saberes e experincias no planejamento, realizao e avaliao de aes, com o objetivo de alcanar resultados integrados em situaes complexas, visando um efeito sinrgico no desenvolvimento social. Visa promover um impacto positivo nas condies de vida da populao, num movimento de reverso da excluso social (JUNQUEIRA & INOJOSA, 2010).

    Lobosque (1997) diz que, para a prtica clnica operar no sentido contrrio ao da excluso, preciso considerar trs princpios: da singularidade, do limite e da articulao. Esta ltima, por sua vez, prope estabelecer parcerias e articulaes com outros segmentos que tambm buscam combater os diversos dispositivos de excluso e que tenham posicionamento poltico incisivo em prol da cidadania.

    Ainda segundo Lobosque (2001), vrias parcerias podem se desenvolver pela via da intersetorialidade com as Secretarias Municipais e Estaduais, como por exemplo, do Desenvolvimento Social, da Educao, instituies e entidades tais como de Direitos Humanos e outros. A interlocuo com as organizaes no governamentais ONGs - no campo da sade mental traz muitos benefcios rede.

    Na atualidade podemos citar um avano nesta perspectiva intersetorial: a realizao da IV Conferncia Nacional de Sade Mental Intersetorial, momento histrico conquistado a partir das mobilizaes de vrios segmentos da sociedade e concretizado na Marcha para Braslia10. Foram propostos trs eixos, dos quais destacamos o dos Direitos Humanos e Cidadania como desafio tico e intersetorial (Eixo da Intersetorialidade). Nesta linha, tivemos o dever e o cuidado de debater e construir propostas que contemplassem questes como direitos humanos, cidadania, incluso, seguridade social, gerao de renda, justia, entre outros.

    10 Marcha dos usurios pela Reforma Psiquitrica, Braslia vai ouvir nossa voz!, realizada em Braslia/DF, em 30 de setembro de 2009.

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    Todas as questes apresentadas nos apontam para uma nova maneira de pensar a loucura no nosso meio, bem como para a produo de cuidado que tenta romper com qualquer forma de tratamento sustentada pelo fazer arcaico da excluso, disciplinarizao e isolamento. Para tanto, se faz necessrio retomarmos o conceito de territrio:

    Dessa forma, o territrio um conceito central, norteador das aes a serem construdas pelo servio. Ou seja, no h como pensar a construo do cuidado em sade mental, tecida como estratgia em rede sem pensar no tempo e no lugar em que este cuidado se constitui. As estratgias do cuidado ao portador de sofrimento psquico no interior da Amaznia sero diferentes daquelas produzidas na periferia de uma metrpole (YASUI, 2010).

    O territrio aqui entendido no como algo esttico, mas como objeto

    dinmico, vivo, onde as interrelaes acontecem. Um espao que pode se caracterizar como geogrfico, mas constitui-se essencialmente da relao dos cenrios naturais, da histria social dos homens, da cultura, poltica, economia e maneira peculiar como cada um ocupa determinado lugar. Pensar a sade mental sob a lgica deste territrio promover possibilidades de cuidado a partir de um olhar sobre as necessidades das pessoas.

    Lobosque (2003) indica que para um servio de sade mental ser considerado como substitutivo deve constituir-se enquanto rede, funcionando como um conjunto de dispositivos e equipamentos, aes e iniciativas que permitem a extino do hospital psiquitrico. Conjunto este, que deve ter como registro as estratgias de uma poltica pblica compromissada com a transformao dentro dos princpios de um Sistema nico de Sade.

    A intersetorialidade e a nossa experincia

    O servio iniciam suas atividades em 2002 com uma psicloga que articulou parcerias importantes com diferentes rgos e segmentos sociais, tais como: a rede de assistncia sade e social, Secretarias de Cultura, Esporte e Lazer e Educao, Departamento de Agricultura, Ministrio Pblico, Casa de Juventude (ONG), Grupo de Mulheres de Itaobim (GRUFEMI), igrejas (catlica e protestante), comrcio e rdio locais, alm de pessoas da sociedade civil que se prontificavam ao trabalho voluntrio.

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    Tais parcerias foram fundamentais para o surgimento do Centro de Sade Mental (CESAMI)11. Neste servio eram oferecidas as seguintes atividades habituais: atendimentos individuais (acolhimento, consultas, psicoterapia) e familiar, visita domiciliar, alm do atendimento psiquitrico realizado quinzenalmente12.

    Foram tambm desenvolvidas aes intersetoriais, no intuito de promover o cuidado s pessoas com sofrimento psquico, principalmente, grave e persistente. Este cuidado compreendia acolhimento, responsabilizao, incluso, cidadania, referncia, respeito, singularidade e preveno. Para que estas aes acontecessem foram imprescindveis articulaes no territrio e com a rede.

    Para o bom andamento do projeto de sade mental, eram realizadas palestras e reunies com pacientes, familiares, comunidade e trabalhadores da rede, bem como outras atividades integradas ao Programa Sade da Famlia; atividades educativas e de lazer; oficinas teraputicas e de gerao de renda; treinamentos e capacitaes.

    Tais aes nos fizeram amadurecer nesta ideia e prtica intersetoriais. Trabalhvamos com a noo mnima de que aquela pessoa louca era um cidado com direitos e deveres e, principalmente, parte daquela sociedade.

    Muitos usurios foram inseridos em escolas, comrcio, nas festas tradicionais, em ONGs, associaes e em outros momentos e espaos do territrio.

    Por vezes, encontramos dificuldades, principalmente no manejo de alguns casos, na falta de comprometimento de alguns familiares no tratamento e no posicionamento preconceituoso de alguns cidados. Em 2003 fizemos nossa primeira manifestao do dia 18 de maio Dia Nacional da Luta Antimanicomial.

    Na poca, estava sendo implantada mais uma equipe do Programa Sade da Famlia (PSF) aumentando, assim, a cobertura populacional e a parceria com a equipe do CESAMI. Sempre acreditamos e investimos nesta articulao com a Ateno Primria.

    11 Funcionando em espao cedido, a princpio por uma associao vinculada Igreja Catlica, que contou com equipe composta por: psicloga, auxiliar de enfermagem, assistente administrativo, auxiliar de servios gerais.12 Em Tefilo Otoni via CISMEJE.

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    Ainda que o servio possusse uma estrutura fsica especfica, cuidamos para que tivesse uma relao estreita com a Ateno Primria e muitas aes eram desenvolvidas com equipes do PSF, aproveitando as suas potencialidades. Destacamos aqui a realizao da I Semana da Sade Integral e entendemos que:

    O Programa Sade da Famlia ou Estratgia da Famlia possa ser, por assim dizer, j um programa de sade mental. A diferena de outras modalidades com AMAS, ambulatrios de sade mental, pronto atendimentos ou mesmo centros de sade convencionais, os pacientes conhecem os mdicos enfermeiros e agentes comunitrios de sade pelo nome e as equipes de sade da famlia mantm um vnculo continuado com essas pessoas. Fazem acolhimento, que uma maneira de escutar o sofrimento de quem precisa quando precisa, dispem de diversos dispositivos coletivos como grupos de caminhada, grupos de reciclagem de lixo, de aes culturais diversas. (LANCETTI,2010).

    Ademais, garantimos a participao de alguns usurios e familiares em eventos, festas culturais e populares como: Forrobim e Festa da Manga; 3 Conferncia Municipal de Sade; Conselho Municipal de Sade; apresentao pblica do Coral do CESAMI Vozes que no querem calar.

    Como resultado e reconhecimento do nosso trabalho, vale registrar que no ano de 2005, o Servio foi contemplado com o prmio Jos Csar de Moraes, ficando entre os 10 melhores no Estado com experincia em sade mental na Ateno Bsica.

    Muitos foram e tm sido os desafios. Trabalhar promovendo sade mental requer mudanas tanto do ponto de vista fsico, quanto no que diz respeito s nossas crenas, conhecimentos e prticas. No dizer de Lancetti (2009), com sade mental trabalhamos com a noo de pirmide invertida, pois ao contrrio do restante dos procedimentos da sade, quanto mais se transita no territrio mais a complexidade aumenta. E esta complexidade requer aes neste territrio, ricas em possibilidades.

    Os resultados foram acontecendo: na clnica, na sociedade, na sade, no sistema, na vida das pessoas. Segundo informao do DATASUS/SIH (apud SILVA, 2008), no ano de 2003, foram registradas 31 internaes e, em 2004, apenas duas. Em 2005 e 2006 no houve internao.

    Ainda segundo esta fonte, os gastos do SUS com internaes em hospitais

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    psiquitricos em 2003 foram de R$ 23.022,35; em 2004, de R$ 1.725,15; e em 2005 e 2006 no houve gasto.

    Vale citar tambm o credenciamento do CAPS em nosso municpio, projeto iniciado com este trabalho de sade mental na Ateno Primria13.

    Diante desta anlise, acredita-se que os servios substitutivos criados na regio do Baixo e Mdio Jequitinhonha contriburam positivamente para a reduo das internaes psiquitricas e, consequentemente, para o resgate da cidadania dos portadores de sofrimento psquico, pois os anos em que se observa a reduo, coincidem exatamente com o perodo em que a assistncia foi implementada e o acesso melhorado (SILVA, 2008).

    Consideraes finais

    Em muitos municpios de pequeno porte em Minas Gerais, onde a realidade muito peculiar e bem diferente da dos grandes centros urbanos - tanto pelo nmero de habitantes, quanto pela dificuldade em manter uma equipe interdisciplinar ou ainda pelos poucos recursos financeiros disponveis - h a possibilidade e o compromisso de ofertar assistncia aos portadores de transtorno mental? Ser que os muitos que so referenciados e atendidos no modelo CAPS, tm garantido o princpio da acessibilidade?

    O que percebemos, a partir de nossa experincia em municpios pequenos, que o modelo CAPS cria uma lacuna assistencial quando se trata de locais onde no possvel sua implantao. Mais ainda, municpios no contemplados com os CAPS passam a depender apenas da vontade municipal e ainda da iniciativa individual de alguns profissionais. O bom atendimento ao portador de sofrimento psquico, na maioria das vezes, no conta se trata de uma poltica municipal de sade, no tem incentivos dos outros mbitos do Governo e persistem apenas como iniciativa individual, tendo como consequncia a sada do profissional mais comprometido.

    Os CAPS so mais que dispositivos, so concepes clnicas e polticas operando em determinado territrio. Portanto, mais que uma estrutura fsica e os recursos que nele so empregados, interessam a lgica, a forma de seu funcionamento no territrio.

    13 Em 14/11/2006, PT/SAS/MS n 845 de 14/1/2006, publicada no Dirio Oficial da Unio no dia 15/11/2006.

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    Verificamos trabalhos nos quais outras estratgias, alm dos CAPS, esto sendo utilizadas, com sucesso como recursos de assistncia ao portador de sofrimento psquico, dentre essas, aes intersetoriais no territrio e sua utilizao como estratgia de acompanhamento do Programa Sade da Famlia.

    Nos quatro anos de trabalho, as atividades variaram sempre de acordo com os recursos e necessidades percebidas nos determinados momentos. Constantemente havia atendimentos psicolgicos individuais e em grupos; consultas psiquitricas quinzenais; visitas domiciliares; e reunies com as equipes do PSF. Porm, em diversas ocasies trabalhamos em aes pontuais com o objetivo de tratar de determinados temas ou ainda experimentar uma nova forma de assistncia.

    A oficina teraputica com a horta, por exemplo, funcionou por determinado perodo, inclusive com notvel melhora dos pacientes envolvidos. Vale marcar, tambm, a criatividade no aproveitamento de recursos j disponveis na comunidade, no prprio sistema de sade ou outros setores do Governo, consolidando a proposta de intersetorialidade.

    Consideramos aqui apontamentos e reflexes sobre as vrias possibilidades de acolher e cuidar a loucura: muitos dispositivos construdos no territrio para prevenir e intervir nas doenas e sofrimentos psquicos; recursos individuais e coletivos para trabalhar em prol da incluso e da cidadania, em especial, da promissora parceria com as equipes do Programa Sade da Famlia, que contribuiu para construo de novas maneiras de se fazer sade mental, certamente antimanicomiais.

    Assim, reiteramos nossa aposta na Reforma Psiquitrica e, com ela, numa rede de cuidados que considere a loucura e o louco como parte integrante de sua comunidade, como quem a modifica, transforma e constri com os demais cidados.

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    A GESTO COLEGIADA COMO ESTRATGIA NA REDE DE SADE MENTAL