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Cadernos da Escola do Legislativo nº 15 - Janeiro/Dezembro - 2008

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Publicação semestral que se propõe ser um espaço de reflexão sobre a realidade sociopolítica e cultural, promovendo um diálogo qualificado entre a atividade parlamentar e a produção acadêmica.

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MESA DA ASSEMBLÉIAAlberto Pinto CoelhoPresidenteDoutor Viana1o-Vice-PresidenteJosé Henrique2o-Vice-PresidenteRoberto Carvalho3o-Vice-PresidenteDinis Pinheiro1o-SecretárioTiago Ulisses2o-SecretárioAlencar da Silveira Jr.3o-SecretárioDIRETORIA-GERALEduardo Vieira MoreiraSECRETARIA-GERAL DA MESAJosé Geraldo Prado

ESCOLA DO LEGISLATIVOAlaôr Messias Marques Júnior

EDIÇÃOMárcio SantosCONSELHO EDITORIALCláudia Sampaio CostaDiretoria de Processo Legislativo ALMGFabiana de Menezes SoaresFaculdade de Direito – UFMGFátima AnastasiaCentro de Estudos do Legislativo Departamentode Ciência Política UFMGMárcio SantosEscola do Legislativo – ALMGMarta Tavares de AlmeidaInstituto Nacional de Administração/PortugalRicardo CarneiroEscola de Governo Professor Paulo Neves deCarvalho Fundação João PinheiroRildo MotaCentro de Formação,Treinamento e Aperfeiçoamento Câmara dosDeputadosRoberto RomanoInstituto de Filosofia e Ciências Humanas –UniversidadeEstadual de CampinasRegina MagalhãesÁrea de Consultoria Temática ALMG

PARECERISTASColaboraram nesta edição:Alexandre BossiÁrea de Consultoria TemáticaALMGGuilherme Wagner RibeiroÁrea de Consultoria Temática ALMGPUC-MinasJosé Alfredo de Oliveira BarachoFaculdade de Direito – UFMGMarcelo CattoniFaculdade de Direito – UFMGMaria Coeli Simões PiresFaculdade de Direito – UFMGMaria de Lourdes Capanema PedrosaDiretoria de Recursos Humanos ALMGMarta Tavares de AlmeidaInstituto Nacional de Administração/PortugalRicardo CarneiroEscola de Governo Professor Paulo Neves deCarvalho Fundação João PinheiroRoberto Sorbilli FilhoÁrea de Consultoria TemáticaALMGPUC-Minas

* * *

Diretor de Comunicação Institucional:Lúcio PérezGerente-Geral de Imprensa e Divulgação:Cristiane PereiraGerente de Comunicação Visual:Joana Nascimento

DIAGRAMAÇÃOMauro Lúcio de Paula

REVISÃOArilma PeixotoLarissa FreitasMargareth Magalhães

IMPRESSÃODiretor de Infra-Estrutura:Evamar José dos SantosGerente-Geral de Suporte Logístico:Cristiano Félix dos Santos SilvaGerente de Reprografia e Transportes:Osvaldo Nonato Pinheiro

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Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 10, n. 15, p. 3-4, jan./dez. 2008

EDITORIAL

Nesta edição dos Cadernos da Escola do Legislativo,completados 15 anos de existência da publicação, resolvemosinovar. Com efeito, a crescente aproximação entre a Escola doLegislativo e a academia, que tem resultado em diversosprojetos desenvolvidos em parceria com instituições de ensinosuperior mineiras, andava a indicar a necessidade de repensar-mos o nosso veículo de reflexão teórica e técnica. Ademais, aampliação da circulação dos conteúdos técnico-científicos, asiniciativas de democratização do ensino superior, o fortaleci-mento de iniciativas não-formais de geração e transmissão doconhecimento, entre as quais se insere o trabalho desta Escolado Legislativo, também vinham apontando para a necessidadede reformulação do modelo anterior dos Cadernos.

Sem perder a qualidade teórica, marca sempre perse-guida da publicação, adotamos um conjunto de estratégiasvoltadas para ampliar a sua circulação entre o universo deautores e leitores preocupados com os temas que interessam àsociedade e ao Estado. Por outro lado, implantamos medidas

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que visam conferir aos Cadernos um perfil mais próximo daprodução acadêmica. As chamadas de artigos para recebi-mento, em fluxo contínuo, de propostas de textos têm resul-tado em contribuições importantes, oriundas de pesquisado-res e profissionais de diversas áreas do conhecimento. Asubmissão das propostas de artigos a especialistas renomadosnas suas áreas de atuação, que opinam anonimamente sobre oconteúdo das peças, revelou-se, tal como ocorre nos periódi-cos acadêmicos stricto sensu, um mecanismo valioso dequalificação da publicação.

E, sobretudo, a organização de um corpo editorialmúltiplo, oriundo dos distintos campos do conhecimento aosquais está relacionada a atividade legislativa, formado porintelectuais e técnicos de diversas procedências institucionaise áreas geográficas de atuação, inseriu-se como mudançadecisiva nessa nova política editorial.

Mantêm-se, por outro lado, os objetivos que nortearama publicação desde a sua primeira edição, entre os quaisfiguram como os principais o debate e a reflexão teórica sobreos dilemas, impasses e conquistas que marcam a trajetória dasrelações entre a sociedade e o Estado em um mundo cambiantee multifacetado.

O editor

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AUTONOMIA MUNICIPAL ELEI ORGÂNICA

ANTÔNIO JOSÉ CALHAU DE RESENDE *

Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 10, n. 15, p. 7-42, jan./dez. 2008

* Mestre em Direitopela UniversidadeFederal de MinasGerais e Consultorda AssembléiaLegislativa do Esta-do de Minas Gerais

Resumo

O trabalho tem o propósito de extrair da vigente Consti-tuição da República os traços reveladores da autonomia muni-cipal, levando em consideração o novo critério do interesse localcomo parâmetro para a delimitação da competência dos Muni-cípios, especialmente a elaboração da Lei Orgânica. Para tanto,o estudo apresenta um desdobramento da tríplice autonomiapolítica, administrativa e financeira dos entes locais e dá ênfaseà sua posição no sistema federativo brasileiro. Ademais, destacaa ampliação da competência municipal em face da Constituiçãode 1988 e lança uma reflexão sobre a necessidade de se repensaro conceito de interesse local. Quanto à Lei Orgânica, há umapreocupação em explicitar seus traços característicos paradiferençá-la dos outros atos normativos editados pelos Municí-pios e enquadrá-la como uma autêntica Constituição, dotada devalor fundante e originalidade.

Palavras-chave: Autonomia e federação. Interesse local. LeiOrgânica Municipal

Abstract

This paper aims at identifying indicators in the BrazilianConstitution which point to municipal authonomy, using the

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new concept of local interest as a guide line to define the limitsof local authonomy, particularly in the aspects which concernthe drafting of the Local Statute (Municipal Constitution). Forthis purpose the paper analyses the developmet of the threefoldauthonomy – political, administrative and financial – of localgovernment and emphasizes its status within the Brazilianfederative system. Furthermore, it highlights the broadeningof municipal authonomy, as regulated in the 1988 Constitution,and offers a theme for further consideration: the need toredefine the concept of local interest. As for the Local Statute,the main concern is to point out the specific aspects whichdistinguish it from other laws issued by local legislatures, andthe originality and founding capacity which characterize it asan authentic Constitution.

Keywords: Autonomy and federation. Local interest. Munici-pal Organic Law

Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil de1988 introduziu profundas alterações no ordenamento consti-tucional então vigente, a começar pela inserção formal doMunicípio na Federação e pela significativa ampliação de suaautonomia política, administrativa e financeira. Além deenquadrá-lo como entidade político-administrativa de granderelevância no sistema federativo nacional, o que pode serconstatado pela interpretação dos arts. 1º e 18 da Lei Maior, oConstituinte de 1988 assegurou ao Município competênciaexclusiva para a elaboração da Lei Orgânica, manifestaçãoinequívoca de sua capacidade de auto-organização, e substi-tuiu a clássica fórmula do “peculiar interesse”, que já gozavade quase um século de consagração constitucional, por “inte-resse local”, expressão ampla, que parece abrigar umapluralidade de matérias afetas à municipalidade.

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De todos os atos legislativos editados pela comunidadelocal, não há dúvida de que a Lei Orgânica é o mais importante,uma vez que deve estabelecer as diretrizes básicas da organi-zação política do Município e os princípios retores da Admi-nistração Pública local. Não obstante ser a Lei Orgânica o atopolítico por excelência da municipalidade, existe uma contro-vérsia doutrinária sobre sua verdadeira natureza jurídica. Seriaela uma Constituição, uma quase-Constituição, uma mini-Constituição ou uma lei especial da comuna, que tem primaziasobre os demais atos normativos?

O objetivo deste artigo é destacar, no texto da Consti-tuição da República, os traços fundamentais reveladores daautonomia municipal, com ênfase especial na Lei Orgânica.Procuramos extrair da redação do art. 29 os elementosidentificadores e característicos dessa lei auto-organizatória,os quais são da maior importância para a verificação de suaverdadeira natureza jurídica.

O artigo começa dando destaque, ainda que de maneirasucinta, à posição do Município na Federação brasileira para,em seguida, analisar o princípio da autonomia municipal eseus desdobramentos, a saber, a autonomia política, adminis-trativa e financeira, oportunidade em que damos ênfase àsprincipais competências deferidas aos Municípios pela vigen-te Carta Republicana de 1988. Uma vez abordados essesaspectos de significativa relevância, passamos ao exame doitem relativo à capacidade auto-organizatória propriamentedita da municipalidade, com base no qual vamos analisar aspeculiaridades da Lei Orgânica, seus atributos essenciais, seuconteúdo e suas limitações, assuntos nucleares deste estudo.

A ausência de sanção por parte do Executivo e oquorum qualificado de 2/3 dos membros da câmara para aaprovação da Lei Orgânica têm o condão de equipará-la a umaConstituição? Quais as matérias que devem constar necessa-riamente nesse ato legislativo? Quais os limites a seremobservados pelos vereadores no exercício do poder de auto-organização?

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Assim, os aspectos de natureza formal e material da LeiOrgânica são objeto de reflexão à luz das diretrizes constitu-cionais, razão pela qual esperamos dar uma razoável contribui-ção a um dos temas mais interessantes que envolvem amunicipalidade.

O Município e a Federação brasileira

De maneira geral, o Estado Federal, ou, simplesmente,Federação, é caracterizado pela distribuição de competênciasentre o poder central e as coletividades regionais. O pontonuclear de qualquer Federação reside precisamente na repar-tição constitucional de atribuições entre a União e os Estadosmembros, também chamados de Estados Federados, o queimplica a existência de duas ordens jurídicas distintas: a ordemjurídica nacional e a ordem jurídica parcial. Portanto, noEstado Federal, o poder político é fracionado em função doterritório, não sendo uma exclusividade do poder central. AUnião, que é uma pessoa jurídica de Direito Público, resulta daaglutinação de cada um dos Estados membros, que participamda formação da vontade nacional. Todas as entidades político-administrativas componentes do sistema federativo são autô-nomas, mas apenas o poder central (União) exerce as prerro-gativas de soberania. Como exemplos de Federação, podem-se mencionar os Estados Unidos da América, o Canadá, oMéxico, o Brasil, a Alemanha, a Áustria, a Suíça, a Argentinae a Venezuela, entre outros. Todavia, mesmo adotando a formafederativa de Estado, cada Federação apresenta suas peculia-ridades, pois o grau de autonomia das coletividades regionaisvaria de acordo com a tradição histórico-cultural de cadaEstado.

Diferentemente do Estado Federal, o Estado Unitário écaracterizado pela centralização do poder político, que não éobjeto de fracionamento. Nesse tipo de Estado, existe unidadede comando, unidade de direção, não havendo espaço para aexistência de ordens jurídicas regionais. Só há a ordem jurídicanacional. Assim, no Estado Unitário, os entes territoriaisporventura existentes não desfrutam de capacidade política

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consagrada na Constituição, mas tão-somente de poderesadministrativos. França, Inglaterra, Portugal e Grécia sãoexemplos de Estados Unitários.

Não há como confundir descentralização política comdescentralização administrativa. O Estado membro é umapessoa jurídica de Direito Público de capacidade política, ouseja, uma forma de descentralização política, ao passo que asautarquias e fundações públicas são pessoas exclusivamenteadministrativas criadas pelo Estado para a prestação de servi-ços públicos. Na França, os estabelecimentos públicos, quecorrespondem às entidades autárquicas do Direito brasileiro,são formas de descentralização administrativa de caráterinstitucional, enquanto as comunas e os departamentos sãomecanismos de descentralização administrativa de baseterritorial.

Vê-se, pois, que a descentralização administrativa podeocorrer tanto no Estado Federal quanto no Estado Unitário.

A Constituição da República de 1988 inseriu o Municí-pio como unidade integrante do sistema federativo, a teor dodisposto nos arts. 1º e 18. O primeiro estabelece que a RepúblicaFederativa do Brasil é formada pela “união indissolúvel dosEstados e Municípios e do Distrito Federal...”, ao passo que oart. 18 determina que a “organização político-administrativa daRepública Federativa do Brasil compreende a União, os Esta-dos, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nostermos desta Constituição”.

Pela primeira vez na história do constitucionalismobrasileiro, o Município passou a integrar efetivamente a Fede-ração, dispondo de poderes próprios assegurados no textoconstitucional da mesma forma que a União e os EstadosFederados. Atualmente, o Município não é uma simples divi-são administrativa do Estado. Não se trata de mera circunscri-ção territorial, mas de uma peça importantíssima da Federa-ção, dotada de autonomia política, financeira e administrativa,conforme explicitaremos mais adiante. A elevação do Muni-cípio à condição de entidade federada constitui a peculiaridade

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da Federação brasileira, embora a concepção clássica dofederalismo não inclua a figura municipal.

Sobre a posição do Município no contexto federativo,vejamos o magistério de Meirelles (1996, 43):

Em face dessas atribuições, já não se pode sustentar,como sustentavam alguns publicistas, ser o Municí-pio uma entidade meramente administrativa. Diantede atribuições tão eminentemente políticas e de umlargo poder de autogoverno, a sua posição atual, noseio da Federação, é de entidade político-adminis-trativa de terceiro grau, como bem salientavam oscomentadores da Constituição.

Tese semelhante é adotada por Dallari (1988, 232),cujas lições merecem reprodução literal:

Na Constituição anterior, o Município não figuravaexpressamente entre os integrantes da Federação;havia alguma discussão acadêmica sobre se o Muni-cípio integrava ou não integrava a Federação, por-que o modelo de Federação não comportava a pre-sença do Município. Ora, o modelo que não compor-tava era o americano, o modelo norte-americano,dos Estados Unidos... Quando o constituinte de 1891criou a República no Brasil, já, desde então, oMunicípio era dotado de autonomia. Resultado: essedebate sobre se integra ou não integra a Federaçãonão tem mais propósito, porque agora ele está ex-pressamente contemplado como ente integrante daFederação”.

A nosso ver, com a promulgação da vigente Constitui-ção da República, o Município passou a receber o tratamentoque sempre mereceu no Direito Constitucional Positivo, asaber, o de entidade político-administrativa componente doEstado Federal, cuja ampliação da tríplice autonomia política,financeira e administrativa reforça a tese de sua inserção noseio da Federação brasileira. Essa posição singular do Muni-

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cípio, que tem sua esfera própria de competências assinaladana Lei Maior, constitui o ponto mais interessante e original doEstado Federal brasileiro.

Entretanto, alguns autores, como Silva (1998, 475) eCastro (1996, 45), não concordam com o atual modelo fede-rativo, por incluir o Município na categoria de ente político,apresentando os seguintes argumentos para excluí-lo da Fede-ração: inexistência de representação no Senado Federal;inexistência de Poder Judiciário próprio; impossibilidade deintervenção federal no Município; e impossibilidade de apre-sentação de emendas à Constituição da República pelas Câma-ras Municipais.

Embora sejam procedentes tais argumentos, entende-mos que são insuficientes para retirar as comunas da posiçãoque desfrutam no ordenamento constitucional em vigor, já quea dimensão federativa dada ao Município é uma realidadeincontestável, está claramente enunciada no art. 1º do Título I(dos princípios fundamentais) e no art. 18 do Capítulo I doTítulo III (da organização político-administrativa).

O princípio da autonomia municipal

O Município, na condição de pessoa jurídica de DireitoPúblico de capacidade política, goza de prerrogativas análogas àsdas demais entidades federadas, tomando-se por base o comandodo caput do art. 18 da Lei Maior, que lhe assegura autonomia, nostermos da Constituição. Essa autonomia municipal correspondea um círculo de competências ou esfera de atribuições em que lheé permitido atuar de maneira livre para melhor atender às conve-niências da comunidade local, observados os princípios da Cons-tituição Federal e da Constituição Estadual.

Autonomia significa capacidade para editar normasjurídicas, prerrogativa para elaborar o seu próprio Direito,segundo as peculiaridades de cada ente. Não se deve confundiros conceitos de soberania e autonomia. Aquele é o podersupremo do Estado, o poder dito incontrastável na ordeminterna e que não tem paralelo dentro do território estatal. A

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soberania é a expressão mais elevada do poder político, sendoum dos elementos essenciais do Estado. No caso do Estadobrasileiro, as prerrogativas a ela inerentes só podem serexercidas pela União, a teor do disposto no art. 21 da Consti-tuição Nacional. Todas as entidades da Federação são autôno-mas sob o ângulo político, administrativo e financeiro, massomente o poder central desfruta de capacidade para exercer asprerrogativas de soberania. Como exemplo, pode-se mencio-nar a competência da União para declarar a guerra e celebrara paz, decretar o estado de sítio e o estado de defesa, emitirmoeda e elaborar planos nacionais e regionais. Não teriasentido atribuir aos Estados Federados e aos Municípiosatividades dessa natureza, pois tais matérias envolvem ointeresse da Nação.

Portanto, a idéia de soberania é peculiar ao Estado Federalcomo um todo, cabendo à União a prática dos atos necessários aoseu exercício, notadamente os elencados no mencionado art. 21da Carta Magna. A autonomia do Município encontra limites noordenamento constitucional, assim como a autonomia de qual-quer outro ente dessa natureza. O termo “autonomia” comportauma pluralidade de significados e desdobramentos, quais sejam,a capacidade de autogoverno, de auto-organização, de edição denormas próprias e de auto-administração.

É importante destacar que a autonomia municipal é umprincípio fundamental do sistema constitucional brasileiro,que deve ser observado pela União e pelos Estados Federados.O desrespeito dessa autonomia por parte do Estado membropode dar ensejo a intervenção federal, conforme prescreve oart. 34, VII, “c”, da Constituição.

Uma das principais manifestações da autonomia dosentes locais consiste na capacidade de auto-organização, quese traduz na prerrogativa de elaboração da Lei OrgânicaMunicipal, que é o objeto central deste artigo e atribuiçãoexclusiva da câmara de vereadores. Aliás, não há dúvida de queo exercício dessa competência se enquadra perfeitamente nafórmula do interesse local, pois diz respeito direta e imediata-mente à vida da municipalidade.

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Autonomia política

A manifestação inequívoca da autonomia política dosentes locais reside na capacidade de escolha do prefeito, dovice-prefeito e dos vereadores, conforme determina o inciso Ido art. 29 da Constituição Federal. Essa prerrogativa deescolher livremente as principais autoridades do governomunicipal pode ser entendida como a capacidade deautogoverno, já que o Executivo e o Legislativo são Poderesindependentes e harmônicos, não havendo qualquer relação desubordinação entre eles. A prefeitura e a câmara municipal sãoos órgãos políticos por excelência de qualquer municipalidade,cabendo a ambos tomar as decisões mais importantes relacio-nadas à vida da comunidade local.

O prefeito, como chefe da Administração Pública Mu-nicipal e representante legal do Município, goza das prerroga-tivas inerentes aos chefes do Poder Executivo, entre as quaisse destacam: a iniciativa de lei; o poder de sancionar, promul-gar e publicar as leis; o poder de veto; o poder de baixarregulamentos de execução de lei; o poder de desapropriar bensmóveis e imóveis, nos termos da lei federal; o poder de nomeare exonerar livremente os secretários municipais, entre outrasatribuições arroladas na Lei Orgânica.

Verifica-se, pois, que o prefeito exerce atividade denatureza política ou administrativa. No primeiro caso, desfrutade destacada liberdade ou discricionariedade política para atomada de decisões, ao passo que a função administrativa éinteiramente submissa ao domínio da lei, especialmente aosprincípios que norteiam a administração pública (legalidade,moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência), previs-tos no caput do art. 37 da Lei Maior, que são de observânciaobrigatória para todos os entes da Federação.

O Poder Legislativo local é exercido pela câmaramunicipal, órgão político independente constituído de repre-sentantes do povo, eleitos pelo voto direto e secreto para ummandato de quatro anos, nos termos do inciso I do art. 29 daConstituição da República. A câmara municipal dispõe de um

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complexo de atribuições, muitas delas consagradas na LeiOrgânica e outras no Regimento Interno da corporaçãolegislativa. As principais competências da câmara municipalsão as seguintes: competência organizante, por meio da qualelabora a lei por excelência da comuna; competência legislativaou normativa, mediante a qual dispõe sobre os assuntos deinteresse local; competência deliberativa, que consiste emtratar de matérias da alçada privativa da câmara, as quaisdispensam a participação do prefeito ; competênciafiscalizadora, por intermédio da qual o Legislativo local con-trola e fiscaliza os atos da administração pública direta eindireta do Poder Executivo; e a competência julgadora, emcaráter excepcional, com base na qual a câmara julga asinfrações político-administrativas praticadas pelo prefeito,sendo a penalidade principal a perda do mandato.

Ainda como desdobramento da autonomia políticapode-se mencionar o poder de auto-organização deferido aoMunicípio pela atual Constituição da República, mais precisa-mente no caput do art. 29. Ao ensejo, saliente-se que, noordenamento constitucional anterior, cabia ao Estado membroestabelecer a organização política dos Municípios por meio deuma Lei Orgânica válida para todos os entes locais, nãoobstante as desigualdades existentes entre eles, disposição queera totalmente incoerente e desprovida de razoabilidade, vistoque cada comunidade tem suas peculiaridades, seus proble-mas específicos e suas tradições histórico-culturais. Essesfatores exigem que a Lei Orgânica atenda às conveniências dalocalidade e corresponda à realidade municipal, sob pena denão ter qualquer aplicação prática.

A autonomia administrativa

A capacidade de auto-administração do Municípiobrasileiro encontra-se insculpida em diversos incisos do art. 30da Constituição Federal, entre os quais se destacam os queestabelecem competências para “legislar sobre assuntos deinteresse local” (inciso I); “criar, organizar e suprimir distritos,

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observada a legislação estadual” (inciso IV); “organizar eprestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,os serviços públicos de interesse local, incluído o de transportecoletivo, que tem caráter essencial” (inciso V); e “promover,no que couber, adequado ordenamento territorial, medianteplanejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupa-ção do solo urbano” (inciso VIII).

A autonomia administrativa consiste no poder de geriros próprios negócios da comunidade local de maneira maiscompatível e coerente com a realidade da administraçãomunicipal, sem a interferência de outras entidades federadas.O critério mais importante para delimitar o campo de atribui-ções da municipalidade refere-se à fórmula do “interesselocal”, introduzido pela vigente Carta Política em substituiçãoao tradicional critério do “peculiar interesse”, que figurava noordenamento positivo brasileiro desde a primeira ConstituiçãoRepublicana de 1891.

O que se entende por interesse local? Significa a mesmacoisa que peculiar interesse? Qual a razão que levou o Cons-tituinte de 1988 a substituir a fórmula clássica do peculiarinteresse por interesse local?

Uma boa parte da doutrina tem definido o interesselocal da mesma maneira que se definia o peculiar interesse,ou seja, dando destaque para a idéia da predominância dointeresse do Município sobre o eventual interesse regional ounacional e excluindo a idéia de interesse exclusivo ou priva-tivo da localidade. A esse respeito, vejamos as lições deCosta (1999, 103):

Assim, os assuntos de interesse local são aqueles emque existe uma predominância dos interesses doshabitantes de determinada área, em que o Municí-pio, como entidade pública, tem maiores condiçõesde resolver e implementar que as demais entidadesfederadas. É imensa a gama de atividades atribuídasaos agentes públicos do Município, sendo-lhes fixa-do competências de natureza administrativa, mas

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também política, onde se ressalva sua autonomia,observados os critérios de conveniência e oportuni-dade, que nem sequer o Judiciário pode violar.

A idéia básica da predominância de interesse também podeser extraída do magistério do saudoso Mestre Meirelles (1996,101):

Interesse local não é interesse exclusivo do Município;não é interesse privativo da localidade; não é interesseúnico dos munícipes. Se se exigisse essa exclusivida-de, essa privatividade, essa unicidade, bem reduzidoficaria o âmbito da administração local, aniquilando-se a autonomia de que faz praça a Constituição.Mesmo porque não há interesse municipal que não oseja reflexamente da União e do Estado membro,como também não há interesse regional ou nacionalque não ressoe nos Municípios, como partes integran-tes da Federação brasileira. O que define e caracterizao ‘interesse local’, inscrito como dogma constitucional,é a predominância do interesse do Município sobre odo Estado ou da União.

Na verdade, a expressão “interesse local”, introduzidapelo atual regime constitucional, compreende um amplo cam-po de atribuições da municipalidade, alcançando tudo queestiver relacionado diretamente com a vida dos seus habitantese as conveniências da administração local. Entendemos que anova fórmula tem amplitude maior que a prevista no regimeanterior, pois a autonomia municipal foi reforçada em váriosdispositivos da Constituição Federal, especialmente nos arts.18, 23, 29 e 30. Enquanto o Município não foi inseridoformalmente no seio da Federação brasileira, prevaleceu ocritério clássico do peculiar interesse como peça-chave para adefinição de suas atribuições. Todavia, a partir do momentoem que ele passou a integrar o Estado Federal, o legisladorConstituinte de 1988 adotou a fórmula do interesse local, que,no nosso entendimento, abarca maior número de atividades acargo da comuna, principalmente se se levarem em considera-ção as competências exclusivas que lhe foram asseguradaspelo art. 30 do Estatuto Fundamental.

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Em relação à elasticidade de matérias que comporta afórmula do interesse local, ensina Bastos (1990, 277):

A imprecisão do conceito de interesse local, se porum lado pode gerar a perplexidade diante de situa-ções inequivocamente ambíguas, onde se entrela-çam em partes iguais os interesses locais e os regio-nais, por outro, oferece uma elasticidade que permiteuma evolução da compreensão do Texto Constituci-onal, diante da mutação por que passam certasatividades e serviços. A variação de predominânciado interesse municipal, no tempo e no espaço, é umfato, particularmente no que diz respeito à educaçãoprimária, trânsito urbano, telecomunicações, etc.

As inovações constitucionais relativas aos Municípiosexigem uma reformulação do conceito de interesse local, quenão é exatamente idêntico ao peculiar interesse. Se ambas asfórmulas tivessem o mesmo alcance jurídico, não teria ne-nhum sentido a modificação efetivada no plano constitucional,sobretudo pelo fato de o critério anterior desfrutar de quasecem anos de consagração legal. Nesse caso, seria mais interes-sante e coerente manter a terminologia tradicional, muitocomum no meio acadêmico e na literatura jurídica pátria.Parece-nos, pois, que a atual fórmula adotada para estabelecero raio de ação legislativa e administrativa da esfera municipalé mais adequada e compatível com o novo modelo de Federa-ção instituído pela Lei Maior.

Partindo desse ponto de vista, não teria sentido afirmarque ambos os conceitos são iguais ou, o que é ainda mais grave,que o critério atual é mais limitado que o precedente, razão pelaqual discordamos radicalmente do posicionamento de Castro(1996, 166), segundo o qual não se deve entusiasmar com acapacidade legislativa do Município sobre assuntos de inte-resse local (art. 30, I). Ela é mais restrita que a antiga fórmulado peculiar interesse. Aqui e alhures, a preeminência daUnião e do Estado exaure a sua regência respectiva.

Discordamos também do posicionamento de Temer(1993, 101), para quem peculiar interesse significa interesse

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predominante. Interesse local é expressão idêntica a peculiarinteresse.

À luz do ordenamento constitucional, o Municípiodispõe de competência exclusiva ou privativa e de competên-cia comum. A competência exclusiva reside no art. 30 da CartaMagna, que enumera as matérias que só podem ser objeto deatuação do poder público local, o que afasta a possibilidade deinterferência pelos demais entes federados. Assim, são assun-tos exclusivamente tratados pela municipalidade: a elaboraçãoda Lei Orgânica e do Plano Diretor, obrigatório para osMunicípios com mais de 20 mil habitantes; a instituição deregime jurídico para os servidores da administração local; aprestação de serviços públicos de interesse local, seja direta-mente ou mediante concessão ou permissão, na forma da lei;a instituição e arrecadação de tributos de sua competência; apromoção do adequado ordenamento territorial; a organiza-ção, criação ou supressão de distritos, na forma da legislaçãoestadual, entre outras atividades.

No que tange especificamente aos serviços públicos deinteresse da comunidade local, podem-se mencionar os seguintes:transporte coletivo municipal; saúde pública; assistência social;higiene, coleta de lixo; limpeza das vias públicas; proteção aomeio ambiente e ao patrimônio histórico, artístico, paisagístico earqueológico; serviços de água e esgoto sanitário; iluminaçãopública; pavimentação e calçamento das vias de circulação;arruamento, alinhamento e nivelamento; mercados e feiras muni-cipais; matadouros, serviço funerário; programas de habitaçãopopular; e proteção às pessoas portadoras de deficiência.

A competência comum dos entes da Federação estáprevista no art. 23 da Constituição da República, de modo queas matérias nele enumeradas podem ser tratadas pela União,pelos Estados membros, pelo Distrito Federal e pelos Municí-pios, para atender às necessidades de cada nível de governo,observadas as diretrizes emanadas da Lei Maior. Em outraspalavras, cada ente político adota as medidas que entendervantajosas para a solução dos problemas nacionais, regionaisou locais, conforme o caso.

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No exercício da competência comum, da qual é titularjuntamente com as outras unidades federadas, o Municípiopode exercer as funções administrativa e legislativa, nãoficando sua atuação restrita aos atos de aplicação da lei ao casoconcreto. Na verdade, ele dispõe da faculdade de editarnormas jurídicas sobre os assuntos elencados no citado art. 23,as quais terão validade e eficácia apenas no âmbito territorialde cada localidade. Quando se trata de competência comum,a idéia básica é de cooperação entre os entes federados.

Dessa forma, é lícito ao Município legislar e praticaratos concretos que visem à assistência pública e proteção dasaúde; dos documentos e obras de valor histórico, artístico ecultural; do meio ambiente; do patrimônio público; e os quevisem proporcionar os meios de acesso à cultura, à educaçãoe à ciência, entre outras atividades.

Em relação à competência legislativa concorrente, deque cogita o art. 24 do Estatuto Fundamental, é oportunoassinalar que tal prerrogativa foi consagrada explicitamenteapenas à União, aos Estados e ao Distrito Federal, ficando osMunicípios excluídos formalmente do preceptivo constitucio-nal. À primeira vista, a interpretação isolada do mencionadoartigo levaria o intérprete a concluir que o Município não foidotado de competência legislativa concorrente. Entretanto,existe outro artigo do texto constitucional que cuida especifi-camente das atribuições do ente local, a saber, o art. 30, cujoinciso II lhe confere competência para “suplementar a legisla-ção federal e a estadual no que couber”.

Ora, se ele pode editar normas suplementares à legisla-ção federal ou estadual, isso significa que, sob o ângulomaterial, o Município goza também de competência legislativaconcorrente, apesar de não constar tal disposição no texto doart. 24. A esse respeito, é oportuno trazer à colação as liçõesprecisas de Rocha (1997, 245):

A competência concorrente é, formal e expressamen-te, conferida pela Lei Fundamental da República àUnião, aos Estados membros e ao Distrito Federal

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(art. 24, caput). É de se notar que, formalmente, se temexcluída a competência concorrente de Municípiospor essa norma, embora estes sejam entidades daFederação brasileira, por força do disposto no art. 1ºda Constituição. Entretanto, materialmente, a compe-tência concorrente dos Municípios é posta, transver-salmente, pela determinação contida no art. 30, II, damesma Lei Maior. Ali se estabelece que ‘compete aosMunicípios [...]: II – suplementar a legislação federale a estadual no que couber’.

Nesse caso, a existência de lei federal ou estadual nãoimpede o ente local de estabelecer normas específicas paraatender às suas conveniências ou necessidades, seja em carátercomplementar, seja mediante o suprimento de lacunas.

Talvez a omissão da figura municipal da redação docaput do art. 24 tenha sido intencional, visto que já existe emoutro dispositivo do Texto Magno o conjunto das competên-cias deferidas especificamente à comunidade local e que sópodem ser exercidas por ela, sob pena de se contrariar oprincípio da autonomia municipal, que é fortemente protegidona Constituição Federal.

No exercício da competência legislativa concorrente, aUnião tem a primazia de elaborar as normas gerais, quevinculam os demais entes federados, a teor do comandocontido no § 1º do referido art. 24. A competência da Uniãopara editar normas gerais não afasta a competência suplemen-tar dos Estados Federados, que poderão exercer a competêncialegislativa plena para atender a suas conveniências e necessi-dades específicas, consoante dispõem os §§ 2º e 3º do mesmoart. 24. Na hipótese de superveniência de lei federal sobrenormas gerais, as disposições da lei estadual terão sua eficáciasuspensa se houver incompatibilidade entre elas, segundo adicção do § 4º do artigo supracitado. Diga-se de passagem queo Município não foi contemplado com a prerrogativa deelaborar normas gerais para atender a suas particularidades,ficando tal competência restrita aos Estados Federados.

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A norma geral em referência tem o caráter de lei nacional,pois estabelece regras básicas que se aplicam a todas as entida-des federadas. Suas diretrizes devem ser observadas nos trêsníveis de governo, havendo uma hierarquia entre a lei nacionale as leis estadual e municipal que disciplinam a matéria.

O Município desfruta de competência para legislarsobre Direito Administrativo, Direito Tributário e DireitoUrbanístico, entre outras matérias. O Estatuto dos ServidoresPúblicos Municipais, a legislação sobre serviços públicoslocais e sobre licitação e contratos administrativos são exem-plos incontestáveis de sua capacidade para editar regras pró-prias de Direito Administrativo. No entanto, neste último casoa lei municipal deve manter fidelidade às normas geraisemanadas da União (Lei nº 8.666, de 21/6/93). A lei municipalque disciplina o IPTU, determina a base de cálculo do tributo,fixa a alíquota e estipula as formas de arrecadação revela suacompetência para ditar regras de natureza tributária, observan-do-se as normas gerais de âmbito nacional. Analogamente, alei municipal que institui o Plano Diretor (obrigatório para ascidades com mais de 20 mil habitantes), nos termos do art. 182,§ 1º, da Constituição da República, é uma manifestaçãoinequívoca da competência desse ente político para legislarsobre Direito Urbanístico. Nesse caso, as regras específicasadotadas pela municipalidade devem estar em sintonia com aLei Federal nº 10.254, de 10/7/2001, que estabelece as diretri-zes gerais da política urbana, mais conhecida como Estatutodas Cidades.

Quando se cogita de competência legislativa concor-rente, parece-nos que a idéia central é de integração entre osentes políticos, já que a União adota regras gerais de amploalcance e de aplicação obrigatória em todo o território nacio-nal, cabendo às outras entidades políticas instituir normasespecíficas que atendam às necessidades regionais e locais.

Por derradeiro, cumpre chamar a atenção para umdetalhe extremamente interessante do texto constitucional notocante à repartição de competências. Os arts. 23 (competênciacomum) e 24 (competência legislativa concorrente) da Lei

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Maior dispõem sobre matérias que neles se repetem, compequenas variações de redação, mas a essência é a mesma.Para comprovar tal assertiva, basta verificar o seguinte: oinciso II do art. 23 corresponde ao inciso XIV do art. 24(proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência); oinciso III do art. 23 corresponde ao inciso VII do art. 24(proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turísticoe paisagístico); o inciso IV do art. 23 equivale ao inciso VIIIdo art. 24 (proibição de destruição e descaracterização deobras de arte e outros bens de valor histórico, artístico oucultural); os incisos VI e VII do art. 23 equivalem ao inciso VIdo art. 24 (proteção ao meio ambiente, combate à poluição epreservação das florestas, da fauna e da flora).

Essa duplicidade de matérias serve para reforçar a tese deque a ausência formal do Município da redação do caput do art.24 não tem o condão de eliminar sua competência legislativaconcorrente. Aliás, os assuntos listados nos dispositivos anteri-ormente mencionados podem ser objeto de disciplina legal porparte de todos os entes federados, ficando a cargo da Uniãodeterminar as regras gerais de alcance nacional. Portanto, essarepetição de comandos legislativos demonstra que o Municípiobrasileiro, como entidade política autônoma, goza, efetivamen-te, de poder normativo concorrente. Outra não poderia ser ainterpretação, sob pena de se contrariar o espírito da Lei Magnae o princípio federativo do Estado.

Autonomia financeira

A capacidade do ente local para instituir tributos de suacompetência e aplicar suas rendas está garantida no art. 30, III,da Constituição da República, como matéria exclusivamenteda esfera municipal. Assim, de acordo com a determinação doart. 145 do texto constitucional, é facultado ao Municípioinstituir impostos, taxas e contribuição de melhoria, estadecorrente da execução de obras públicas. Os impostos sãoinstituídos e arrecadados para satisfazer as necessidades bási-cas da coletividade, ao passo que as taxas têm por fundamento

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o exercício do poder de polícia e a prestação de serviçospúblicos específicos e divisíveis.

A competência do Município para a instituição detributos listados na Carta Magna não pode ser objeto dedelegação a outra entidade política ou administrativa.Exemplificando, o ente local não pode delegar à União ou aoEstado Federado o poder de criar o IPTU ou o ISS, pois aConstituição não admite atos dessa natureza. O que pode serdelegado é tão-somente a prerrogativa para a arrecadação doimposto, seja por ato unilateral ou bilateral.

Tributo é um termo genérico que compreende os im-postos, as taxas e as contribuições de melhoria. Os impostos decompetência do Município estão elencados no art. 156 da LeiMaior, a saber: imposto sobre a propriedade predial e territorialurbana – IPTU; imposto sobre transmissão “inter vivos”, aqualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por naturezaou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto osde garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreen-didos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

A autonomia financeira do ente local é um traço funda-mental de sua autonomia, pois é com base nos tributos queinstitui e arrecada que ele adquire os recursos financeirosnecessários à prestação de serviços públicos e à realização deobras de interesse da coletividade. Infelizmente, a grandemaioria dos Municípios brasileiros possuem uma populaçãoinexpressiva, e sua arrecadação de recursos financeiros éinsuficiente para a realização dos serviços e obras de maiorvulto, ficando eles na dependência do repasse de verbas dogoverno federal ou estadual. A proliferação acentuada donúmero de Municípios no Brasil tem trazido sérios problemaspara a administração local.

No regime constitucional anterior, era facultado àUnião, por meio de lei complementar, estabelecer isençõesde impostos municipais, o que era um claro desrespeito ao

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princípio da autonomia municipal. Felizmente, a atual Car-ta Política não repetiu disposição dessa natureza, assegu-rando à municipalidade o poder de conceder isenções detributos de sua competência exclusiva, observados os prin-cípios insculpidos nas Constituições Federal e Estadual,bem como as diretrizes consagradas na Lei Complementarnº 101, de 2000, conhecida como Lei de ResponsabilidadeFiscal.

A auto-organização e as peculiaridades da Lei Orgânica

Com o advento da Constituição de 1988, o Municípiopassou a usufruir da prerrogativa de elaborar o ato legislativomais importante da esfera local: a Lei Orgânica. Como foi ditoalhures, no regime constitucional anterior era o Estado Federadoque detinha a competência para elaborar a Lei OrgânicaEstadual, válida para todos os Municípios de seu território, oque expressava verdadeira afronta ao princípio da autonomiados entes locais. Apenas o Estado do Rio Grande do Sul, pormeio de lei, assegurava competência aos Municípios para aadoção de Cartas Próprias, dispondo sobre sua organização eadministração, exemplo posteriormente seguido por SantaCatarina, Maranhão, Espírito Santo, Bahia e Paraná, emboranestes dois últimos Estados tal prerrogativa fosse atribuída adeterminados Municípios.

Em um país de grande dimensão territorial como oBrasil, que conta com acentuado número de Municípios eapresenta tantas desigualdades e diferenças regionais e locais,não tem o menor sentido atribuir ao Estado membro o poder deelaborar uma Lei Orgânica Estadual a ser acatada por todas ascomunas. Segundo dados da Fundação Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística, existem atualmente 5.561 Municípiosno País. Minas Gerais é o Estado que possui o maior número,853, enquanto Roraima conta com apenas 15, sendo o Estadomembro detentor do menor índice de Municípios. Cada comunatem sua própria identidade e características, razão pela qual deveser detentora exclusiva da competência para a elaboração da LeiOrgânica, que deve refletir a realidade da administração local.

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Apenas a título de comparação, a França, que é umEstado Unitário, possui aproximadamente 38 mil comunas,distribuídas em um território 17 vezes menor que o do Brasil,das quais muitas não possuem sequer 500 habitantes. Todavia,o nível de autonomia das comunas francesas é bem menor queo dos Municípios brasileiros, pois aquelas são formas dedescentralização administrativa de base territorial, ao passoque os entes locais do Direito brasileiro são formas dedescentralização política.

O fundamento da capacidade auto-organizatória muni-cipal reside no caput do art. 29 da Constituição Federal:

O Município reger-se-á por lei orgânica, votada emdois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, eaprovada por dois terços dos membros da CâmaraMunicipal, que a promulgará, atendidos os princípiosestabelecidos nesta Constituição, na Constituição dorespectivo Estado e os seguintes preceitos:[ ...].

Podem-se extrair do comando legislativo alguns ele-mentos essenciais à configuração da natureza da Lei Orgânica:promulgação pela câmara municipal, votação em dois turnoscom interstício mínimo de 10 dias e aprovação por 2/3 dosmembros da corporação legislativa. A análise desses elemen-tos nos levará a responder à seguinte indagação: A Lei Orgâ-nica, não obstante essa denominação, pode ser consideradauma Constituição do Município?

Se a Lei Orgânica deve ser promulgada pela câmaramunicipal, isso significa que ela não é passível de sanção peloprefeito, que não participa de sua elaboração nem a ratifica.Por via de conseqüência, o que não pode ser sancionadotambém não pode ser vetado, de maneira que o Executivo nãodesfruta de prerrogativa constitucional para deliberar ou ma-nifestar aquiescência em relação à lei organizatória da comu-nidade local. Esse aspecto serve para demonstrar que a LeiOrgânica não se confunde com a lei complementar ou ordiná-ria, uma vez que estas dependem de sanção por parte doprefeito e são passíveis de veto, que é uma negativa de sanção.

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Ora, existem nítidas diferenças entre sanção e promul-gação. A primeira é ato político de competência exclusiva doschefes do Poder Executivo e corresponde à aquiescênciamanifestada pelo Executivo à proposição de lei aprovada peloLegislativo. Enquanto não ocorrer a sanção não existe lei, mastão-somente um projeto de lei que já cumpriu seu ciclo deformação e tramitação no órgão legislativo. Além disso, asanção é uma mera prerrogativa, uma faculdade, e não umdever de transformar o projeto em lei, já que o Executivopoderá vetá-lo, por razões de inconstitucionalidade ou deinteresse público, nos termos da Lei Maior.

A promulgação é o ato político que atesta e proclamaformalmente a existência da lei, para torná-la executória. Elaincide sobre lei e não sobre proposição de lei, o que demonstraser ela um requisito de eficácia, razão pela qual a promulgaçãonão revela uma simples prerrogativa, mas um dever da autori-dade competente para chancelar a lei preexistente. A compe-tência para promulgar a lei pode ser do Executivo ou doLegislativo, conforme o caso.

A respeito da promulgação, ensina o constitucionalistaFerreira Filho (1995, 241):

Incide ela sobre ato já perfeito e acabado. Isso sedepreende com facilidade do art. 66, § 7º, da Cons-tituição, onde já se menciona como lei o ato a serpromulgado. Com razão assinala José Afonso daSilva que da promulgação decorrem dois efeitos –um é ‘tornar conhecidos os fatos e atos geradores dalei’; o segundo é indicar, até que os tribunais sepronunciem em contrário, que a lei é válida,executável e obrigatória – válida e eficaz –; querdizer: a comunicação administrativa por intermédiode uma autoridade, investida de altos poderes pelaConstituição, carrega, a respeito do ato-lei – objetoda comunicação –, uma presunção juris tantum deque a lei é apta a produzir todos os seus efeitosjurídicos próprios.

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O fato de a Lei Orgânica ser promulgada pela câmaramunicipal e, conseqüentemente, não depender de sanção porparte do Executivo já demonstra, por si só, que essa lei de auto-organização goza de certa primazia e superioridade em relaçãoàs leis complementares, ordinárias ou delegadas, pois essapeculiaridade é típica de Constituição. Para exemplificar, aConstituição da República também é promulgada pelo Con-gresso Nacional, no exercício de competência exclusiva, damesma forma que a Constituição dos Estados Federados épromulgada pelas respectivas assembléias legislativas, nãohavendo a participação de órgão estranho à corporaçãolegislativa na aprovação do texto legal.

Outro traço inerente à Lei Orgânica reside na votaçãoem dois turnos com interstício mínimo de 10 dias. Essaexigência constitucional de caráter procedimental não estápresente nos demais atos normativos da municipalidade. Cadaturno corresponde a um momento ou etapa específica devotação da Lei Orgânica, de modo que o reexame do mesmotexto no turno seguinte permite uma nova reflexão sobre o quefoi objeto de aprovação no turno anterior.

Para a aprovação da Lei Orgânica, é necessário o votofavorável de 2/3 dos membros da corporação legislativa, o querevela a importância da matéria nela contida, a ponto de seexigir maioria superqualificada para a aprovação do texto.Esse requisito formal de deliberação também serve comocritério para constatar que a Lei Orgânica não se confunde coma lei complementar ou ordinária. Aquela depende de maioriaabsoluta para ser aprovada, isto é, necessita do voto favorávelde, pelo menos, metade mais um dos membros da casalegislativa, enquanto a lei ordinária requer maioria simples, ouseja, metade mais um dos vereadores votantes, desde queesteja presente na sessão a maioria dos membros da câmaramunicipal.

Por outro lado, deve-se salientar que a matéria discipli-nada na Lei Orgânica abrange aspectos de organização políti-ca do Município, relações entre a prefeitura e a câmara, enfim,estabelece as diretrizes norteadoras da administração munici-

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pal, envolvendo, ainda, outras questões que não podem serreguladas em outro ato normativo, conforme analisaremos nopróximo item.

Esses elementos peculiares à Lei Orgânica, tanto denatureza formal quanto de caráter material, revelam sua origi-nalidade e superioridade em relação aos demais atos legislativosda comunidade local. Por via de conseqüência, ela devefuncionar como fundamento de validade para toda a produçãonormativa da municipalidade. As leis complementares, ordi-nárias ou delegadas editadas na esfera local só terão validadese estiverem amparadas pela Lei Orgânica, da mesma maneiraque as normas anteriores e incompatíveis com a nova CartaPolítica estarão tacitamente revogadas.

Dessa forma, defendemos a tese de que a Lei Orgânicaé a Constituição do Município, porém, sujeita aos princípiosda Constituição da República e do Estado Federado, bemcomo aos preceitos enumerados no art. 29 da Carta Magna.

A respeito da natureza da Lei Orgânica, vejamos oensinamento de Ferrari (1993, 74):

Ela nada mais é do que a Constituição Municipal, queorganizará a administração e a relação entre os órgãosdo Executivo e Legislativo, disciplinando a competên-cia legislativa do Município, observadas as peculiari-dades locais, bem como sua competência comum,disposta no art. 23 e sua competência suplementar,disposta no art. 30, inciso II, da Constituição Federal.

Posição semelhante é adotada por Aguiar (1995, 63),para quem a lei orgânica é uma espécie de constituiçãomunicipal. Não se confunde com a lei ordinária nem com a leicomplementar, tampouco com lei delegada, resolução oudecreto legislativo.

Essa polêmica doutrinária não escapou ao exame atentode Santana (1998, 100), cujas lições merecem transcrição:

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Discussão demasiadamente acadêmica se colocacomo inevitável ao transcurso de nossas observa-ções. É a questão de ser ou não a Lei Orgânica uma‘Constituição Municipal’ ou ‘uma espécie de Cons-tituição Municipal’. A corrente chamada‘municipalista’ afirma que, na verdade, se trata deautêntica Constituição Municipal: tem forma deConstituição, essência e função constitucionais, ape-nas que designada Lei Orgânica.

Seja Constituição Municipal ou não, o fato é que aLei Orgânica é documento disciplinador no âmbitomunicipal e, nessa esfera, a partir do momento de suapromulgação, passa a constituir o fundamento devalidade de todas as demais normas que gravitem,por destino, no interior de tal seara.

Ora, se se trata de documento legislativo dotado devalor fundante, que vincula toda a produção normativa inferiordentro da esfera local, a Lei Orgânica não pode ser outra coisasenão a própria Constituição do Município.

Além dos argumentos expendidos anteriormente, diga-se ainda que a modificação da Lei Orgânica obedece a proces-so legislativo especial, a começar pela apresentação de emen-das, que pode ser por iniciativa de l/3 dos membros da Câmaraou do prefeito, observados os dois turnos de votação e oquorum qualificado para a aprovação da matéria, em confor-midade com os parâmetros definidos na Lei Maior. Assim, alei de auto-organização do Município não pode ser modificadapor lei complementar, ordinária ou delegada, mas tão-somentepor meio de procedimento legislativo específico previsto naprópria Lei Orgânica, semelhante ao modelo adotado nosplanos federal e estadual.

Conteúdo da Lei Orgânica

Um dos pontos mais interessantes da administraçãomunicipal refere-se às matérias a serem tratadas na Lei Orgâ-

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nica. Qual deve ser, afinal de contas, o conteúdo desse atopolítico legislativo?

Por se tratar de uma verdadeira Constituição, ela deveestruturar os órgãos políticos da municipalidade; estabeleceras relações entre o Executivo e o Legislativo; fixar ascompetências do Município de acordo com o critério dointeresse local; determinar as atribuições privativas do pre-feito e da câmara municipal; estipular regras atinentes aoprocesso legislativo; fixar o número de vereadores, quedeverá ser proporcional à população do Município, nostermos do inciso IV do art. 29 da Constituição Federal;estabelecer os princípios que regem a administração pública;e discriminar os tributos de competência da municipalidade,especialmente os impostos.

A nosso ver, essas matérias são tipicamente de caráterconstitucional. Todavia, é muito comum a Lei Orgânica tratarde questões que poderiam ser reguladas em lei complementarou ordinária. Isso faz parte da tradição cultural do legisladormunicipal. Mas não apenas dela. A Constituição da Repúblicade 1988, além de estabelecer princípios ou dogmas de elevadoteor de generalidade e abstração, é extremamente detalhista,prolixa, entrando em pormenores que deveriam ser da alçadado legislador infraconstitucional. Se isso ocorre no âmbitofederal, não seria diferente nas esferas estadual e municipal.Além disso, é freqüente a repetição de comandos que já estãoconsagrados na Lei Maior e nas Cartas Estaduais. Embora sejamuito cômodo proceder a tal repetição, não é o melhorcaminho para o aperfeiçoamento da ordem jurídica local, quepoderá ganhar em quantidade, mas perder em qualidade.Alguns Municípios introduzem em suas leis auto-organizatóriastodas as disposições do art. 5º da Constituição Federal, relati-vas aos direitos e garantias fundamentais. Qual a vantagemdessa duplicação de normas jurídicas? Nenhuma, pois o que jáconsta na Carta Magna tem aplicação ampla e vincula todas asentidades políticas, razão pela qual não necessita de reprodu-ção em outro documento legislativo de qualquer natureza, anão ser que a repetição se justifique para fins didáticos, o que

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não é o caso. A repetição desmedida de normas da Constitui-ção Federal ou Estadual na Lei Orgânica constitui grave víciode técnica legislativa.

Outro fato digno de nota, que ocorre com relativafreqüência nos Municípios do interior, é a adoção pura esimples da Lei Orgânica do Município da Capital do Estado,normalmente mais bem redigida em função do assessoramentotécnico prestado aos vereadores. Essa prática é lamentável edeve ser erradicada o quanto antes, pois cada ente local tem asua maneira de ser, o seu grau de desenvolvimento e maturi-dade política, em suma, a sua identidade. É claro que osproblemas enfrentados pelos Municípios que são Capitais nãosão idênticos aos dos Municípios do interior dos Estados, acomeçar pelo contingente populacional, pela localização geo-gráfica e pela movimentação de recursos financeiros. Ora, aLei Orgânica deve refletir a realidade local, o que não ocorreránunca enquanto prevalecer a prática de copiar modelos deoutras unidades federadas.

Apesar da enorme desigualdade que existe entre osMunicípios brasileiros, há características comuns a todos eles,independentemente da dimensão territorial ou da localizaçãogeográfica. Assim, em toda organização municipal estão pre-sentes dois elementos fundamentais: o elemento sociológico eo jurídico. O primeiro corresponde ao agrupamento de pessoasem um mesmo território visando ao alcance de objetivoscomuns. O segundo refere-se à condição de pessoa jurídica deDireito Público, nos termos do art. 14 do Código Civil Brasi-leiro, a qual é titular de direitos e obrigações e dispõe depoderes de supremacia para melhor defender o interesse dacoletividade. Se esses atributos são inerentes à municipalidadecomo um todo, parece razoável admitir a tese de que algumasmatérias da Lei Orgânica são comuns a todos os entes locais.O que varia são as particularidades e conveniências de cadaAdministração, de modo que a lei de auto-organização deveestipular normas que reflitam especificamente essa realidade,deixando de copiar as disposições que cristalizam os interessese as conveniências específicas de outras unidades federadas.

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Limites ao poder de auto-organização

O legislador municipal não é totalmente livre paraelaborar a Lei Orgânica, pois deve acatar os princípios daConstituição da República, da Constituição Estadual e ospreceitos mencionados no art. 29 da Lei Maior, entre os quaisse destacam: eleição do prefeito, do vice-prefeito e dos vere-adores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto esimultâneo realizado em todo o País (inciso I); posse doprefeito e do vice-prefeito no dia 1º de janeiro do ano subse-qüente ao da eleição (inciso III); número de vereadores propor-cional à população do Município, observados os limites defi-nidos no inciso IV do art. 29; subsídios do prefeito, do vice-prefeito e dos secretários municipais fixados por lei de inici-ativa da câmara municipal (inciso V); inviolabilidade dosvereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício domandato e na circunscrição do Município (inciso VIII); julga-mento do prefeito perante o Tribunal de Justiça (inciso X);organização das funções legislativas e fiscalizadoras da câma-ra municipal; e iniciativa popular de projetos de lei de interesseespecífico do Município, da cidade ou de bairros, mediante amanifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado(inciso XIII).

No plano específico dos princípios, é evidente que osvereadores não podem estabelecer regras na Lei Orgânicaque desrespeitem: os fundamentos da República Federativado Brasil elencados no art. 1º da Constituição Nacional (asoberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, osvalores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismopolítico); os direitos e as garantias fundamentais enumera-dos no art. 5º; o voto direto, secreto, universal e periódico,que é a expressão por excelência do regime democrático; osistema republicano de governo, a natureza federativa daorganização política local; e o postulado da separação dosPoderes, que são vetores fundamentais do Estado Federal,a teor do disposto no § 4º do art. 60 da Carga Magna;também não podem desobedecer aos princípios norteadores

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da administração pública (legalidade, moralidade,impessoalidade, publicidade e eficiência), arrolados nocaput do art. 37, pois são vinculantes para todos os entes daFederação. Devem os vereadores observar o princípio doconcurso público para o ingresso no quadro efetivo daAdministração local, nos termos do inciso II do referido art.37; as diretrizes referentes à proibição de acumulaçãoremunerada de cargos, empregos e funções públicas a quese referem os incisos XVI e XVII do mesmo artigo; e asregras básicas atinentes à prestação de contas e ao controleda administração pública, contidas nos arts. 70 e 71 daConstituição da República.

A Lei Orgânica Municipal deve acatar também as limi-tações do poder de tributar a que se referem os arts. 150 e 152da Constituição da República, bem como os princípios gerais daatividade econômica, arrolados no art. 170 da mesma CartaPolítica (soberania nacional, propriedade privada, função socialda propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor e domeio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais,busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empre-sas de pequeno porte constituídas segundo as leis brasileiras eque tenham sua sede e administração no País).

A observância obrigatória dessas premissas fundamen-tais por parte do legislador municipal não significa que ele sejadestituído de liberdade criativa para a elaboração da LeiOrgânica. Não é isso. Existe uma liberdade relativa para aedificação da ordem jurídica local, mas esta discricionariedadepolítica está condicionada aos parâmetros gerais da ordemjurídica nacional e regional. Nesse pormenor, ensina Rocha(1996, 292):

Poder-se-ia asseverar que o imperioso acatamento dosprincípios constitucionais nacionais e estaduais tolhe-ria o legislador municipal, impedindo criações signifi-cativas nesse plano. Não é isso exatamente verdade,quando se leva em conta que os princípios limitadores,materialmente, do legislador municipal são aqueles

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que se referem à Democracia, à República, à participa-ção popular, enfim, princípios que podem ser aplicadose exercidos de variadas formas, o que permite um raiode ação do legislador bastante interessante.

A Lei Orgânica, na condição de Constituição do Muni-cípio, não deve descer a minúcias para tratar de assuntos quese encartam no domínio da lei ordinária ou complementar.Nessa linha de raciocínio, não é compatível com a natureza dedocumento constitucional a criação, transformação ou extinçãode cargos públicos; a fixação de reajuste de vencimentos dosservidores públicos; a regulação de matérias próprias doregime jurídico dos servidores da administração local; e acriação de órgãos na estrutura do Poder Executivo, assuntosque se enquadram no campo de iniciativa reservada ao prefei-to, cuja disciplina jurídica é própria de lei infraconstitucional.

O Supremo Tribunal Federal já declarou ainconstitucionalidade de vários dispositivos de ConstituiçõesEstaduais que versavam assuntos típicos do Estatuto dosServidores Públicos, que é de competência privativa do gover-nador do Estado, por meio de lei, sob a alegação de desrespeitoao princípio da separação dos Poderes. O referido Tribunalentende que o § 1º do art. 61 da Carta Magna, que estabelecea iniciativa privativa do presidente da República para adeflagração do processo legislativo sobre as matérias nelemencionadas, deve vincular o processo legislativo estadual,com as devidas adaptações.

Para ratificar tal assertiva, vejamos duas decisões doPretório Excelso relacionadas ao tema, embora haja váriasoutras nesse sentido:

ADIn-1391/SPRelator MINISTRO CELSO DE MELLORequerente: GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃOPAULORequerida: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ES-TADO DE SÃO PAULOJulgamento: 1/2/1996 – TRIBUNAL PLENOA disciplina normativa pertinente ao processo de

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criação, estruturação e definição das atribuições dosórgãos e entidades integrantes da AdministraçãoPública estadual traduz matéria que se insere, porefeito de sua natureza mesma, na esfera de exclusivainiciativa do Chefe do Poder Executivo local, em faceda cláusula de reserva inscrita no art. 61, § 1º, II,“e”, da Constituição da República, que consagraprincípio fundamental inteiramente aplicável aosEstados membros em tema de processo legislativo.Precedentes do STF.O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo depositivação do Direito, gerado pela usurpação dopoder sujeito à cláusula de reserva, traduz víciojurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrên-cia reflete típica hipótese de inconstitucionalidadeformal, apta a infirmar, de modo irremissível, aprópria integridade do ato legislativo eventualmenteeditado. Precedentes do STF.ADIn-276/ALRelator MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCERequerente: GOVERNADOR DO ESTADO DEALAGOASRequerida: ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ES-TADO DE ALAGOASJulgamento: 13/11/1997 – TRIBUNAL PLENOEMENTA: I. Processo legislativo: modelo federal:iniciativa legislativa reservada: aplicabilidade, emtermos, ao poder constituinte dos Estados membros.1. As regras básicas do processo legislativo federalsão de absorção compulsória pelos Estados mem-bros em tudo aquilo que diga respeito – como ocorreàs que enumeram casos de iniciativa legislativareservada – ao princípio fundamental de indepen-dência e harmonia dos Poderes, como delineado naConstituição da República.2. Essa orientação – malgrado circunscrita em prin-cípio ao regime dos poderes constituídos do Estadomembro – é de aplicar-se em termos ao poder cons-tituinte local, quando seu trato na Constituição esta-

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dual traduza fraude ou obstrução antecipada aojogo, na legislação ordinária, das regras básicas doprocesso legislativo, a partir da área de iniciativareservada do Executivo ou do Judiciário: é o que sedá quando se eleva ao nível constitucional do Estadomembro assuntos miúdos do regime jurídico dosservidores públicos, sem correspondência no mode-lo constitucional federal, a exemplo do que sucede naespécie com a disciplina de licença especial e parti-cularmente do direito à sua conversão em dinheiro.

Se o Estado Federado deve guardar obediência àsregras básicas do processo legislativo previstas na Constitui-ção da República, especialmente no que tange à iniciativaprivativa de lei, é óbvio que o modelo federal deve vinculartambém o legislador municipal. Assim, à luz da jurisprudênciado órgão de cúpula do Judiciário brasileiro, a Lei Orgânica nãopode conter disposições típicas do regime jurídico dos servi-dores públicos, pois o assunto deve ser disciplinado em lei deiniciativa privativa do prefeito.

Conclusão

A inserção formal do Município no seio da Federaçãobrasileira pela Constituição da República de 1988 não foi obrado acaso, mas uma exigência da sociedade e dos municipalistas,que se empenharam em ver a comuna como peça-chave daorganização político-administrativa, o que é uma realidadeincontestável. Essa nova posição do ente local no sistemafederativo brasileiro veio acompanhada de uma nítida ampli-ação da autonomia do Município no tríplice aspecto político,administrativo e financeiro. Isso equivale a dizer que eledesfruta de autogoverno, auto-organização, auto-legislação eauto-administração.

A substituição da fórmula tradicional do “peculiarinteresse” por “interesse local” revela uma maior abrangênciadas matérias a cargo da municipalidade, pois, caso contrário,não teria o menor sentido trocar uma fórmula já consagrada no

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Direito Constitucional Positivo por outra desconhecida, nãoobstante a grande maioria dos doutrinadores considerá-lasexpressões sinônimas, de mesmo alcance. A nosso ver, essecritério utilizado pelo art. 30, I, da Constituição Federal paradelimitar a competência das comunidades locais é digno demaiores reflexões, sobretudo em face das inovaçõesintroduzidas pela Lei Maior. Quando se trata de assuntos deinteresse local, a competência do Município é exclusiva, o queafasta a interferência de outras unidades federadas.

Além de ser dotado de competência comum juntamentecom a União, os Estados e o Distrito Federal para tratar dasmatérias elencadas no art. 23 da Carta Magna, que compreen-de as ações legislativas e administrativas, o Município brasi-leiro desfruta, materialmente, de competência legislativa con-corrente, apesar de a redação do caput do art. 24 não mencioná-lo. Essa competência normativa concorrente resulta da inter-pretação do inciso II do art. 30, que garante aos entes locaiscompetência para “suplementar a legislação federal e a estadu-al no que couber”. Ademais, ressalte-se que determinadasmatérias enumeradas no art. 23 da Lei Maior, que trata dacompetência comum, estão reproduzidas no art. 24, que cuidada competência legislativa concorrente, como é o caso daproteção das pessoas portadoras de deficiência (inc. II do art.23 e inc. XIV do art. 24) e da proteção do meio ambiente (inc.VI do art. 23 e inc. VI do art. 24), entre outras matérias. Essasistemática constitucional reforça a tese de que o Municípiodispõe, efetivamente, dessa prerrogativa concorrente, caso emque deve observar as normas gerais emanadas da União.

Diferentemente do regime constitucional revogado, oConstituinte de 1988 assegurou ao ente local competênciaexclusiva para a elaboração da Lei Orgânica, observados osprincípios da Constituição da República, da ConstituiçãoEstadual e dos preceitos elencados no art. 29. Ora, essa lei deauto-organização é promulgada pela própria câmara munici-pal, não sendo passível de sanção ou veto por parte doExecutivo, que não participa de sua feitura ou aprovação.Isso demonstra que ela não se confunde com a lei comple-

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mentar ou ordinária, cuja sanção é obrigatória. Além disso,a Lei Orgânica depende de maioria qualificada de 2/3 dosmembros da corporação legislativa para ser aprovada, o quea deixa em uma posição destacada em relação à lei comple-mentar, que exige maioria absoluta, e à lei ordinária, querequer maioria simples.

Sob o ponto de vista material, a Lei Orgânica deve cristalizarregras básicas relativas à estruturação dos órgãos políticos locais, àsrelações entre o Legislativo e o Executivo, à fixação do número devereadores, ao estabelecimento dos princípios elementares daadministração pública e às diretrizes referentes ao processo legislativomunicipal, entre outras matérias.

Tais peculiaridades revelam uma supremacia da LeiOrgânica em relação aos demais atos legislativos damunicipalidade, os quais somente serão considerados válidosse guardarem fidelidade às premissas estabelecidas na lei auto-organizatória, o que é típico de Constituição. Sendo assim,tendo em vista os traços originais da Lei Orgânica e o valorfundante que lhe é peculiar, nossa conclusão é de que se tratade uma autêntica Constituição Municipal.

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Resumo

O estudo que ora se apresenta tem por objetivo delinear osprincipais aspectos do processo de elaboração das leis enquan-to processo de justificação democrática do Direito, analisadosob a perspectiva da Teoria Discursiva do Direito e da Demo-cracia, de Jürgen Habermas. Exemplificativamente, lançou-seum olhar sobre a Assembléia Legislativa do Estado de MinasGerais. A partir do entendimento de que o processo legislativocorresponde a uma cadeia procedimental, construídadiscursivamente por representantes democraticamente legiti-mados, destinada à produção da lei como provimento final,procurou-se destacar a importância da jurisdição constitucio-nal como meio de controle suplementar dos procedimentosinternamente adotados pelo próprio órgão legiferante.

Palavras-chave: Direito e democracia, teoria do discurso,processo legislativo, Assembléia Legislativa do Estado deMinas Gerais

Abstract

The present study aims to delineate the main aspects of thestatute elaboration procedure as a process of Law’s democratic

* Bacharel em Direi-to e Especialista emDireito Público.Advogada da Supe-rintendência de De-senvolvimento daCapital

Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 10, n. 15, p. 43-82, jan./dez. 2008

DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO:UM OLHAR SOBRE A ASSEMBLÉIA

LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

LÍVIA MATIAS DE SOUZA SILVA*

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justification, analyzed under the perspective of JürgenHabermas’ Discourse Theory of Law and Democracy. As anexample, it glances at the State Legislature of Minas Gerais.From the understanding that the legislative process correspondsto a procedural chain, discursively constructed byrepresentatives democratically legitimized and ultimately setto produce the statutes, it seeks to underline the importance ofthe constitutional jurisdiction as a mean of supplementalcontrol of the procedures internally adopted by the legislature.

Keywords: Law and democracy, theory of discourse, legislativeprocess, Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais

1. Introdução

A partir da noção de que a concretização da democraciadepende do reconhecimento dos cidadãos como co-autoresdas leis que os regem e de que as formas de comunicaçãocorrespondentes no âmbito da formação política racional davontade precisam ser institucionalizada juridicamente, o pro-cesso legislativo afigura-se como essencial para garantir aoscidadãos o exercício de direitos fundamentais entre os quais seincluem os direitos de participação política.

Aqui, pressupõe-se uma concepção renovada de pro-cesso, sendo considerado como espécie do gênero procedi-mento, da qual resulta o entendimento de que o processolegislativo corresponde a uma cadeia procedimental, construídadiscursivamente por representantes democraticamente legiti-mados, destinada à produção da lei como provimento final.

Assim, sob a perspectiva da Teoria Discursiva doDireito e da Democracia, de Jürgen Habermas, procurar-se-á redefinir o conceito de democracia, explicitando a funçãodo Direito como meio de integração social fundamentadona expectativa racional de resultados produzidos democra-ticamente.

Nesta esteira, constituindo o objeto do terceiro capítu-lo, buscar-se-á delinear os principais aspectos do processo de

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elaboração das leis enquanto processo de justificação demo-crática do Direito, traçando-se, dogmaticamente, os atos es-senciais que integram a cadeia procedimental. Destarte, exa-minar-se-á toda a tramitação da proposição na Casa Legislativade forma que o processo de elaboração da lei seja observadodesde a sua iniciativa até a publicação. Como modelo deestudo, elegeu-se o desenvolvimento do processo político decriação da lei ordinária na Assembléia Legislativa do Estadode Minas Gerais, tomando-se como referência o seu Regimen-to Interno e a Constituição do Estado.

No quarto capítulo, traçar-se-á os limites da jurisdiçãoconstitucional sobre o processo legislativo. Para tanto, serãoinicialmente expostos os principais procedimentos de “contro-le” realizados internamente pelo órgão legiferante e externa-mente pelo Poder Judiciário.

Quanto a este último, recorrendo à melhor doutrina eretomando a jurisprudência da mais alta instância judicialbrasileira, salientar-se-á a importância de serem revistoscertos posicionamentos a respeito das formas de controleatualmente adotadas pelo Supremo Tribunal Federal para afiscalização do processo legislativo, sobretudo no queconcerne à sanabilidade do vício de iniciativa governamentalpela sanção do Chefe do Executivo e à necessária superaçãoda chamada doutrina dos atos interna corporis, cuja susten-tação não condiz com a concepção de um Estado Democrá-tico de Direito em que se pretende a universalização doprocesso político.

2. Direito e democracia

A abordagem do tema proposto, conduz, necessaria-mente, ao estudo da democracia e do papel desempenhadopelo Poder Legislativo, sobretudo no exercício de sua funçãoprecípua de elaboração das leis.

Não interessa aqui, dada a impossibilidade de suaverificação nos dias atuais, tratar a chamada democraciadireta, na qual o poder era exercido diretamente pelo povo.

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Assim, pretende-se expor, a partir da Teoria Discursivado Direito e da Democracia elaborada por Jürgen Habermas,uma noção do que seja democracia procedimental e as mudan-ças conceituais que decorrem de tal concepção. Para tanto, éessencial resgatar as concepções liberal e republicana, paraentão demonstrar em que consiste a democracia procedimental.

Antes, porém, é preciso introduzir alguns conceitosfundamentais da Teoria Discursiva do Direito. Habermasentende que a linguagem é o único meio capaz de produzirconsenso, assim, o seu pensamento se estrutura a partir do girolingüístico-pragmático, abandonando a filosofia da consciên-cia para alicerçar a sua filosofia na linguagem1.

Desta feita, a linguagem assume papel central no pro-cesso de formação da opinião e da vontade dos cidadãos, o qualpressupõe a existência de um espaço público não restrito aoâmbito estatal, uma comunidade de homens livres e iguaiscapazes de criar as leis que os regem e onde os própriosenvolvidos têm de entrar em acordo, prevalecendo a força domelhor argumento. Trata-se de uma sociedade descentrada,em que o eu da comunidade jurídica desaparece nas formas decomunicação sem sujeito.2

A partir da concepção teorético-discursiva, a soberaniapopular é vista de forma anônima, diluída no conjunto doscidadãos através dos processos fluidos de comunicação de queresultam deliberações e decisões racionais, abandonando aidéia de uma vontade coletiva, ilusória e unívoca, ou concre-tamente representada por indivíduos autônomos identificáveis.Recoloca-se a questão, portanto, a partir da adoção de umconceito aberto e plural de povo que precisa ser absorvido.3

Todavia, a influência pública só se transforma empoder político através do filtro dos processos institucionalizadosda formação democrática da opinião e da vontade, depois detransformar-se em poder comunicativo e infiltrar-se em umalegislação legítima, e antes que a opinião pública, concreta-mente generalizada, possa se transformar numa convicçãotestada sob o ponto de vista da generalização de interesses e

1 A guinada lingüísti-ca teve como princi-pais representantesGadamer eWittgenstein, res-pectivamente res-ponsáveis pelo girohermenêutico e giropragmático.

2 HABERMAS. Trêsmodelos normativosde democracia, p.7.

3 Como resposta àindagação “Quem é opovo?”, FriedrichMüller tece valiosasconsiderações emque classifica váriossentidos para expres-são povo. Assim opovo ativo correspon-de à totalidade dos

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capaz de legitimar decisões políticas. Para gerar poder políti-co, a influência da soberania do povo tem que abranger,também, as deliberações de instituições democráticas da for-mação da opinião e da vontade, assumindo uma forma autori-zada, consubstanciada em decisões formais.4

Portanto, é crucial para a construção da democracia aconfiguração de uma esfera pública, ou seja, de uma redeadequada para a comunicação de conteúdos, tomada de posi-ção e opiniões, onde os fluxos comunicacionais sejam filtra-dos e sintetizados, de modo a resultarem em opiniões públicasenfeixadas em temas específicos5. A chamada esfera públicapolítica, por sua vez, é aquela que se forma a partir doscontextos comunicacionais das pessoas virtualmente atingi-das e cuja função consiste em captar e tematizar os problemasda sociedade como um todo.6

De modo simplificado, pode-se dizer que “a forma-ção informal da opinião pública gera a ‘influência’; esta étransformada em ‘poder comunicativo’ por meio dos canaisdas eleições políticas; e o ‘poder comunicativo’ é, por suavez, transformado em ‘poder administrativo’ por meio dalegislação”.7

Tendo em vista essas considerações preparatórias, épossível delinear brevemente os modelos normativos liberal erepublicano, para depois expor o conceito de democraciacunhado pela teoria do discurso.

Na interpretação liberal, o processo democrático tempor fim precípuo legitimar o exercício do poder político, o queocorre através do direito ao voto, do resultado das eleições, daformação de corpos parlamentares e da justificação do exercí-cio do poder governamental. Os direitos políticos são conce-bidos como direitos negativos, exercitados perante uma ordemconstitucional destinada a regular uma sociedade estruturadaeconomicamente de modo a garantir a livre afirmação dedireitos privados dos cidadãos.

Por outro lado, segundo a perspectiva republicana, oprocesso de formação democrática da vontade das pessoas

eleitores de determi-nado Estado, exclu-indo-se os estrangei-ros que habitam seuterritório; o povo comoinstância global deatribuição de legitimi-dade possui sentidomais amplo e, nestaacepção, atuariacomo justificador dosistema jurídico namedida em que nãose revolta contra ele,aqui se incluem tantoos eleitores como osnão eleitores e os ven-cidos pelo voto, for-mando um substratomais sólido no qualdeve se assentar osistema de legitima-ção das democraci-as; o povo como íconeconsiste em desreali-zar a população, emmitificá-la e homoge-neizá-la para torná-laum grupo compostoà imagem e seme-lhança dos atores do-minantes, de formaque os cidadãos sãoungidos como povo,fingidos como consti-tuintes e mantene-dores da Constitui-ção; o povo como des-tinatário de presta-ções civilizatórias doEstado é visto comoa totalidade dos indi-víduos efetivamenteatingidos pelo Direitovigente e pelos atosdecisórios do poderestatal, ou seja, aque-les que se encontram

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privadas é constitutivo da própria sociedade como uma comu-nidade política. Trata-se de um auto-entendimento ético-político, onde os membros da comunidade reconhecem-sereciprocamente como parceiros livres e iguais. Aqui, os direi-tos políticos adquirem conotação positiva, pois garantem apossibilidade de os cidadãos participarem da práxis deautolegislação cívica.

A Teoria do Discurso incorpora elementos das duastradições, para propor um modelo procedimental de democracia:

Na linha do republicanismo, ela coloca no centro oprocesso político da formação da opinião e da von-tade, sem porém entender a constituição do Estadode direito como algo secundário; [...] ela entende osprincípios do Estado de direito como uma respostacoerente à pergunta acerca do modo deinstitucionalização das formas pretensiosas de co-municação de uma formação democrática da opi-nião e da vontade.8

A partir da visão habermasiana, o “êxito da políticadeliberativa depende não da ação coletiva dos cidadãos, masda institucionalização dos procedimentos e das condições decomunicação correspondentes.”9 Dessa forma, configura-seuma sociedade descentrada em que cabe aos procedimentosdemocráticos institucionalizar as formas de comunicação ne-cessárias para uma formação racional da vontade.

Esse processo democrático estabelece um nexo in-terno entre considerações pragmáticas, compromis-sos, discursos de auto-entendimento e discursos dajustiça, fundamentando a suposição de que é possívelchegar a resultados racionais e eqüitativos. Nestalinha, a razão prática passa dos direitos humanosuniversais ou da eticidade concreta de uma determi-nada comunidade para as regras do discurso e asformas de argumentação, que extraem seu conteúdonormativo da base de validade do agir orientadopelo entendimento e, em última instância, da estrutu-

no território do Esta-do. Todas essas ma-neiras de conceituaro povo são excluden-tes e inaceitáveis emuma verdadeira de-mocracia que recla-ma o alargamento doconceito para corres-ponder à totalidadedos indivíduos real-mente residentes noterritório do Estado:uma multiplicidadeem si diferenciada,mista, constituída emgrupos, mas organi-zada de forma iguali-tária e não discrimi-natória. (Cf. MÜLLER.Quem é o povo? Aquestão fundamentalda democracia, 2003.)4 HABERMAS. Direi-to e Democracia:entre facticidade evalidade, v. II, p.105.5 HABERMAS. Direi-to e Democracia:entre facticidade evalidade, v. II,p. 92.6 HABERMAS. Direi-to e Democracia: en-tre facticidade e va-lidade, v. II, p. 97.7 HABERMAS. Trêsmodelos normativosde democracia, p.6.8 HABERMAS. Direi-to e Democracia:entre facticidade evalidade, vII, p.219 HABERMAS. Trêsmodelos normativosde democracia, p.6.

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ra da comunicação lingüística e da ordeminsubstituível da socialização comunicativa.10

Concebendo o princípio da soberania popular, o princí-pio parlamentar e o princípio do pluralismo político comoprincípios do Estado de Direito11, Habermas afirma que todopoder político é deduzido do poder comunicativo dos cidadãos,de maneira que se legitima através de leis criadas pelos seuspróprios destinatários. Assim, na medida em que a soberania dopovo implica a atribuição da competência legislativa a todos oscidadãos, faz-se necessária a criação de corporações deliberativasrepresentativas, cujas as ações devem se orientar pelo princípiodo discurso. Por fim, deve-se destacar o papel de uma formaçãoinformal da opinião na esfera pública política, acessível a todosos cidadãos, e que necessariamente deve complementar a for-mação da opinião e da vontade parlamentar.12

Entretanto, decisões emanadas da corporaçõeslegislativas são de fato o destino final das comunicaçõespolíticas dos cidadãos.

A formação da vontade visa a uma legislação, por-que ela, de um lado, só interpreta e configura osistema de direitos que os cidadão se reconhecemmutuamente através de leis e porque, de outro lado,o poder organizado do estado , que deve agir comouma parte em função do todo, só pode ser organizadoe dirigido através de leis. A competência legislativa,que fundamentalmente é atribuída aos cidadãos emsua totalidade, é assumida por corporações parla-mentares, que fundamentam as leis de acordo comum processo democrático.13

Isso significa que as formas de comunicação corres-pondentes no âmbito da formação política racional da vontade,precisam ser institucionalizadas juridicamente para garantiraos cidadãos o exercício de direitos fundamentais, entre osquais se incluem os direitos de participação política.

Nessa esteira, diferindo das interpretações clássicas, aTeoria do Discurso afirma a eqüiprimordialidade entre as

10 HABERMAS. Di-reito e Democracia:entre facticidade evalidade, v. I, p.19.11 Cf. HABERMAS.Direito e Democra-cia: entre facticidadee validade, v. I, p.213-214.

12 (...) a formaçãodiscursiva da opi-nião e da vontadenão se limita, de for-ma nenhuma, aosparlamentos. Por-que as circulaçõescomunicativas nosdiferentes níveis daesfera pública políti-ca dos partidos polí-ticos e das associa-ções, das cor-porações parlamen-tares e dos gover-nos, estão articula-das, influenciando-se mutuamente.(HABERMAS. Direi-to e Democracia:entre facticidade evalidade, v. I, p. 231)13 HABERMAS. Di-reito e Democracia:entre facticidade evalidade, v. I, p. 215.

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autonomias pública e privada, sendo ambas essenciais para odesenvolvimento dos pressupostos da comunicação que per-mitirão aos cidadãos criarem legitimamente as leis que regerãoa sua vida em sociedade.14

Esse processo de institucionalização recorre à regra damaioria para a produção do consenso a partir de processos dedeliberação. A decisão tomada por maioria deve sempre serentendida como um resultado provisório de uma formaçãodiscursiva da opinião.

Nas palavras de Habermas,

[...] a minoria inferiorizada só dá o seu consentimentoe a autorização para a maioria, se ficar assegurada apossibilidade de que ela possa vir a conquistar amaioria no futuro, na base de melhores argumentos,podendo, assim modificar a decisão ora tomada; [...]esta [modificabilidade das condições de maioria] é,todavia, uma condição necessária para que a regra damaioria não subtraia a força legitimadora de umprocesso de argumentação que deve fundamentar asuposição da correção de decisões falíveis.15

Portanto, não é qualquer maioria que pode ser racionale legitimamente aceita, mas tão somente aquela quepresumivelmente considerou todos os objetos do conflito sobos pressupostos comunicativos de um discurso corresponden-te, sobretudo aqueles apregoados pela minoria.16

Nesse sentido, bem sintetiza Carvalho, destacando opapel legitimador das normas que regem o processolegislativo:

Ao garantirem a participação da minoria no pro-cesso político, as normas do processo legislativotrabalham também em favor da legitimidade dosistema jurídico e das decisões normativas: emprimeiro lugar, reforçando a aceitação dos resulta-dos da produção normativa; em segundo lugar,obrigando à formação de uma maioria verdadeira,

14 “Não há direito al-gum sem a autono-mia privada de pes-soas do direito. Por-tanto, sem os direitosfundamentais queasseguram a autono-mia privada dos cida-dãos, não haveriatampouco ummedium para ainstitucionalização ju-rídica das condiçõessob as quais elesmesmos podem fazeruso da autonomiapública ao desempe-nharem seu papel decidadãos do Estado.Dessa maneira, a au-tonomia privada e apública pressupõem-se mutuamente, semque os direitos huma-nos possam reivindi-car um primado so-bre a soberania po-pular, nem essa so-bre aquele.”HABERMAS. A inclu-são do outro, p. 293.15 HABERMAS. Di-reito e Democracia:entre facticidade evalidade, v. I, p. 224.16 HABERMAS. Di-reito e Democracia:entre facticidade evalidade, v.I, p. 223.

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para deliberar, ou seja, cristalizando as opiniõesdispersas na sociedade, até sedimentar uma deci-são efetivamente majoritária; em terceiro lugar,apresentando alternativas para discussão e delibe-ração, de maneira a aperfeiçoar o processo deescolha; em quarto lugar, permitindo à minoriacolocar-se como alternativa viável de Governo, demaneira a induzir o respeito às regras da ética e dajustiça: finalmente, explicitando as posições emconfronto para o público externo ao Parlamento,caso em que favorece a publicidade e o controle dosrepresentantes pelo eleitorado.17

A Constituição de 1988 consagra o princípio da repre-sentação partidária, adotando o sistema eleitoral da represen-tação proporcional18, e estabelece a filiação político-partidáriacomo condição de elegibilidade (art.14, §3°, V), tornando-aobrigatória para todo aquele que desejar pleitear um cargoeletivo.

Por conseguinte, o cenário delineado no PoderLegislativo é a formação de blocos partidários, reunião derepresentantes do mesmo partido ou de interesses assemelha-dos, o que termina por polarizar duas correntes bem delineadas:a bancada de apoio ao governo e a oposição.

Em nível federal, até mesmo em razão do número deparlamentares, a tendência é de que hajam variados grupos dedeputados que não tenham atingido número suficiente derepresentantes para fazer valer a sua vontade. Estes segmen-tos, considerados “a minoria”, em geral, tendem a oscilar entreaqueles dois pólos, governo e oposição, ora se alinhando de umlado, ora de outro, de acordo com a posição que melhor secoadune com seus interesses.

Em nível estadual e, principalmente no âmbito munici-pal, as orientações partidárias costumam ser mais constantes ebem definidas, diante da necessidade de cooperação paraaprovação das proposições legislativas de cada deputado ouvereador.

17 CARVALHO. Con-trole judicial e processolegislativo, p. 63-64.

18 No mandato propor-cional é o desempe-nho partidário que de-termina os eleitos, umavez que os votos sãop r i m e i r a m e n t econtabilizados como“votos para a legenda”.A legenda pode rece-ber indicação direta,voto na legenda, ou in-direta, quando é indica-do um candidato que aintegra. Um partido ape-nas terá direito a repre-sentantes na CasaLegislativa se atingir omínimo de votos (quo-ciente eleitoral). Só en-tão, saber-se-á quaisserão os candidatos aocupar cadeiras con-quistadas pela legen-da, obedecida a ordemde votação nominal. Aregra se aplica a todo oLegislativo, com exce-ção do Senado Fede-ral.

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No interior de uma democracia cuja concretizaçãodepende do reconhecimento dos cidadãos como co-autoresdas leis que os regem, o pluralismo político e social constituielemento indispensável para que os indivíduos, igualmentecidadãos, sejam livres para desenvolver seus próprios projetosde vida.

Destarte, esse pluralismo também precisa se manifes-tar no nível dos partidos políticos, haja vista que são compo-nentes essenciais para o exercício da democracia, na medidaem que viabilizam, no desempenho de suas atividades, aligação entre o sistema político, a opinião pública e a socie-dade civil, contribuindo para formação da vontade políticado povo.19

Outrossim, o jogo político é inerente ao processo deformação das leis, haja vista ter a Constituição adotado umademocracia de partidos políticos, os quais, por definição,defendem interesses de determinados segmentos da comu-nidade de cidadãos e, por isso, são parciais. Contudo, oespaço de formação da vontade política não pode sercontrolado por atores que simplesmente se utilizam derelações pessoais na formação discursiva do poder, deforma a influenciar a produção do Direito com a intenção deconquista sobre o poder comunicativo, programando-o econtrolando-o.

O equilíbrio entre os espaços público e privado nesteprocesso significa um incremento positivo às instituiçõespolítico representativas. Todavia, o confronto de interessespolíticos, ora públicos, ora puramente privados, emboraconstitua elemento do processo legislativo, convive direta-mente com o sempre presente risco de ser corrompida aatuação partidária a tal ponto que comprometa a regularidadeda atividade parlamentar, assim obstando a construção deuma verdadeira democracia; perigo que se acentua atualmen-te no Brasil, onde se tem promovido a desjuridicização dasquestões de regularidade regimental do processo legislativo,tratadas pelo Supremo Tribunal Federal como matéria inter-na corporis.

19 Cf. HABERMAS.Direito e Democracia:entre facticidade evalidade. v. II, p. 101.

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3. O processo legislativo

3.1. Considerações iniciais

À luz da Teoria Discursiva, o Direito adquire um novosentido, devendo ser entendido como um dos mecanismosresponsáveis por garantir a integração social, estando intima-mente relacionado à Moral, mas sem se subordinar a ela.20

Outrossim, se Direito e Moral constituem-se comosistemas funcionais autônomos, há porém, uma relação decomplementaridade entre eles. Confira-se as palavras deChamon Júnior :

[...] na medida em que os discursos jurídicos tambémse baseiam em um ‘princípio moral’ de tratar todoscomo livres e iguais, temos que a efetividade de taisnormas legítimas, embora não possa ser cobrada deum ponto de vista moral, pode ser determinada desdeuma ótica jurídica, o quem vem, então, justamente,justificá-lo moralmente – na medida da igualdade –tanto do ponto de vista da efetividade quanto daexigibilidade – como complemento da Moral, pois senesta há necessidade de observância da norma portodos, todos devem individualmente reconhecê-las emotivar-se por elas; no campo jurídico tal déficit ésuperado funcionalmente ainda que o Direito sejajustificado moralmente.21

O Direito está aberto a razões éticas e pragmáticas,possui natureza institucional e se relaciona com a Políticaenquanto não o faz a Moral. Diferentemente da Moral, que sejustifica pelo princípio moral da universalização, o Direito“justifica-se através de processos democráticosinstitucionalizados que se abrem, dentro de certos limites, àpossibilidade para negociações, barganhas, em razão, inclusi-ve, da própria necessidade funcional de decisão.”22

O Direito moderno garante a integração social, demodo artificial, obtendo sua legitimação da estrutura discursivada formação da opinião e da vontade e não de bases éticas,

20 “Em síntese: a Mo-ral encontra-se-ia nointerior do Direito; sem,contudo, esgo-tá-lo.Essa moralida-de nãose refere ao conteúdojurídico – como queri-am os jusnaturalistas– mas direciona-seaos procedimentos dejustificação e aplica-ção das normas jurídi-cas. No primeiro caso,a legitimidade jurídicaderiva do princípiomoral que levanta umaexigência de assenti-mento geral para quese alcance a imparci-alidade – princípio deuniversalização. Aopasso que, nos pro-cessos de aplicaçãodo Direito, a idéia deimparcialidade decor-re da compreensãoadequada de todos osaspectos relevantesda situação concreta– senso de adequa-bilidade.” (PEDRON.Uma proposta de com-preensão procedi-mental do requisito detranscen-dência/re-percussão geral... p.185-186)21 CHAMONJUNIOR. Filosofiado Direito na AltaModernidade: incur-sões teóricas emKelsen, Luhmann eHabermas, p. 215.22 CATTONI DE OLI-VEIRA. Devido pro-cesso legislativo, p.126.

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tradicional e naturalmente arraigadas. Em outras palavras, oDireito desempenha sua função social e integradora funda-mentado na expectativa racional de resultados produzidosdemocraticamente.

O direito é um medium que possibilita o transladodas estruturas de reconhecimento recíproco “quereconhecemos nas interações simples e nas relaçõesde solidariedade natural“ para os complexos e cadavez mais anônimos domínios de ação de uma socie-dade diferenciada funcionalmente, onde aquelas es-truturas simples assumem forma abstrata, porémimpositiva. Internamente, porém, o direito se estru-tura de tal forma que um sistema político configura-do juridicamente, só pode continuar as realizaçõesnaturais de integração “ que se realizam sob o nívelde articulação do direito formal “ num nível reflexi-vo. Ou seja, a integração social, realizada politica-mente, tem que passar através de um filtro discursivo.23

Ante o exposto, chega-se à inevitável conclusão de queo Direito moderno não se sustenta apenas por meio de ameaçasde sanções estatais (facticidade), mas reclama também alegitimidade no processo de sua instituição (validez/validade),de forma que estes dois âmbitos convivam em permanentetensão.

Esse duplo aspecto integra nossa compreensão dodireito moderno: consideramos a validade de umanorma jurídica como um equivalente da explicaçãopara o fato de o Estado garantir ao mesmo tempo aefetiva imposição jurídica e a instituição legítima dodireito “ ou seja, garantir de um lado a legalidade doprocedimento no sentido de uma observância médiadas normas que em caso de necessidade pode ser atémesmo impingida através de sanções, e, de outro, alegitimidade das regras em si, da qual se espera quepossibilite a todo momento um cumprimento dasnormas por respeito à lei.24

23 HABERMAS. Direi-to e Democracia: en-tre facticidade e vali-dade, v. II, p. 45-46.

24 HABERMAS. Ainclusão do outro, p.287.

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Isso posto, tem-se que a lei, como norma escrita, gerale abstrata, que cria, modifica ou extingue situações jurídicas,surge no mundo jurídico, com coercibilidade e imperatividadeapós passar por um procedimento especial de criação, segundoas regras traçadas pelo ordenamento jurídico, ao qual seconvencionou chamar processo legislativo, e que tem papelfudamental para legitimidade do sistema jurídico e das deci-sões normativas.

No Brasil, o processo de elaboração das leis conjuga avontade política tanto do Poder Legislativo, quanto do PoderExecutivo, haja vista não só o fato de existirem matériasespecíficas, cuja deflagração do processo é de competênciaprivativa do chefe do Executivo, o que também ocorre com oPoder Judiciário, mas sobretudo pela existência do momentode sanção ou veto, indispensável para constituição da maioriadas espécies normativas primárias, com exceção das propostasde emenda à Constituição, decretos legislativos e resoluções.

Ademais, cumpre lembrar que o Legislativo assumepapel crucial na consolidação do regime democrático, enquan-to espaço de institucionalização do poder político e garantia dedireitos fundamentais, da mesma forma que a pluralidadepartidária, constituída por partidos políticos constitucional-mente estruturados, torna-se indispensável para a manifesta-ção do pluralismo democrático, garantido o direito de partici-pação das minorias e a regularidade do processo legislativo.

Intenta-se, no decorrer deste estudo, analisar o processo deelaboração das leis desde a sua iniciativa, analisando toda a suatramitação na Casa Legislativa25, passando pelo momento desanção ou veto do chefe do Poder Executivo, até a sua publicação.

3.2. Processo e procedimento

A etimologia da palavra processo remonta ao latimprocedere e significa “seguir adiante”, “marchar avante”.Entretanto, a melhor compreensão do fenômeno não podereduzi-lo a uma mera sucessão de atos, ou a uma série de atosconcatenados – procedimentos – destinados à produção de um

25 Neste exame, op-tou-se por observar odesenvolvimento doprocesso legislativona Assembléia Legis-lativa do Estado deMinas Gerais.

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ato final total, como o faz a doutrina instrumentalista, mas simcomo uma espécie de procedimento, aquele desenvolvidodiscursivamente, de forma a assegurar a simétrica participaçãodos envolvidos. Essa última noção, pressuposto das conside-rações do presente estudo, remonta à tese de Elio Fazzalari,sobre a qual, no Brasil, se debruçou e explicitou Aroldo PlínioGonçalves, como se verá a seguir.

Historicamente, o processo foi estudado a partir deduas concepções antagônicas: a substancialista e a formal. Deacordo com a primeira, o processo é visualizado a partir de seuprocedimento, mais propriamente através de cada ato doprocedimento, singularmente considerados dentro de umacadeia de atividades desenvolvidas para atingir um resultadofinal. Assim os atos do procedimento são vistos apenas no ato-procedimento, como um todo único, que na verdade se resumeao ato final. Na vertente formal, porém, não se analisa os atos doprocedimento em sua singularidade e dinamicidade próprias,mas sim o modo pelo qual se procede.26

Tradicionalmente, difundiu-se na doutrina brasileira,ainda muito respeitada e adotada pela jurisprudência, diferen-ciação entre processo e procedimento, como sendo este últimomenos abrangente que o primeiro. Por esta visão, o processoremontaria à idéia de relação jurídica, enquanto fenômenoabstratamente considerado como uma sucessão encadeada deatos com vista à obtenção de um resultado final, portanto, umanoção essencialmente teleológica, e o procedimento nadamais seria do que mera forma, uma “manifestação extrínsecadeste, o meio pelo qual a lei estampa os atos e fórmulas daordem legal”.27

Todas estas correntes, seja por serem demais simplistaou formalista, são manifestamente insuficientes para entendero fenômeno processual no Estado Democrático de Direito,sobretudo a partir da perspectiva da Teoria Discursiva doDireito da Democracia.

Destarte, impõe-se um conceito mais atual e renovadode procedimento e processo. Nas palavras de Gonçalves,

26 Cf. CARVALHONETTO. A sanção nop r o c e d i m e n t olegislativo, p. 228-229.

27 ARAÚJO CINTRA;D I N A M A R C O ;GRINOVER. TeoriaGeral do Processo,p. 277-278.

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remontando a Fazzalari, o procedimento, como conceito geralde Direito, pode ser definido como uma atividade preparatóriade um determinado ato estatal, regulada por uma estruturanormativa específica. Essa estrutura é constituída por umaseqüência de normas, de atos e de posições subjetivas, que sedesenvolvem em uma dinâmica própria, regendo a seqüênciade seu desenvolvimento, de forma que o cumprimento de umanorma da seqüência é pressuposto da incidência de outranorma e da validade do ato nela previsto, na preparação de umprovimento. O provimento é um ato estatal de caráter impera-tivo, produzido pelos órgãos do Estado, no âmbito de suacompetência, seja um ato administrativo, um ato legislativo ouum ato jurisdicional. É parte do procedimento, seu ato final, oúltimo ato da estrutura.28

Por sua vez, o processo apresenta-se como espécie dogênero procedimento, caracterizado pela participação dos“interessados” na atividade de preparação do provimento,juntamente com o autor do próprio provimento. Interessadossão todos os potenciais atingidos pelo provimento, em suaesfera particular. Assim, na consagrada expressão de Fazzali,processo é procedimento realizado em contraditório. Aqui, aidéia de contraditório, mais do que a possibilidade de argu-mentar e contra-argumentar, significa essencialmente a garan-tia de simétrica paridade de participação dos interessados nosatos que preparam o provimento.29

Dessa forma, como todo procedimento visa à produçãode um provimento, de um ato final, ele se manifesta noexercício de todas as funções de Estado. Assim, pressupondoa garantia do contraditório, manifestar-se como processojurisdicional ou judicial30 quando no exercício da funçãojurisdicional, do qual resulta um ato judicial; no caso da funçãoadministrativa, em que se busca a produção de um ato admi-nistrativo, tem-se o processo administrativo; e sendo a lei ameta a ser atingida, portanto, como manifestação da funçãolegislativa, tem-se o processo legislativo.

O procedimento de elaboração das leis, sempre seráprocesso legislativo, pois é procedimento através do qual o

28 GONÇALVES.Técnica Processuale Teoria do Proces-so, p.102 et seq.

29 GONÇALVES.Técnica Processuale Teoria do Proces-so, p. 111 et seq.

30 Como ressaltaCattoni de Oliveira,Serio Galleotti, embo-ra também este consi-dere ser o procedimen-to gênero do qual oprocesso é espécie,utiliza “a finalidade”como critério de dife-

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povo, por meio de seus representantes eleitos, participa daatividade de preparação do provimento. Desta feita, “sempre serealiza como ‘espécie’ processo, sempre se realiza com partici-pação de parlamentares que representam e reproduzem osinteresses divergentes dos grupos e comunidades de cidadãos”31

Cattoni de Oliveira, combinando as teses de ElioFazzalari, Serio Galeotti e Peter Häberle à luz da TeoriaDiscursiva do Direito e da Democracia de Jürgen Habermas,bem caracteriza o processo legislativo:

Nesse quadro, o processo legislativo, enquanto pro-cesso de justificação democrática do Direito, podeser caracterizado como uma seqüência de diversosatos jurídicos que, formando uma cadeiaprocedimental, assumem seu modo específico deinterconexão, estruturado em última análise pornormas jurídico-constitucionais, e, realizadodiscursiva ou ao menos em termos negocialmenteequânimes ou em contraditório entre agentes legiti-mados no contexto de uma sociedade aberta de intér-pretes da Constituição, visam à formação e emissãode ato público-estatal do tipo pronúncia-declaração,nesse caso, de provimentos normativos legislativos,que, sendo o ato final daquela cadeia procedimental,dá-lhe finalidade jurídica específica.32 (grifos nooriginal)

A observância a um processo, ao caminho traçado peloordenamento jurídico mediante a certeza da geração de umadecisão participada, no exercício das funções de Estado, égarantia não só de legalidade, como da legitimidade dos atosdele emanados.

Especificamente em relação ao processo legislativo, épreciso destacar que ele se filia aos discursos de justificaçãonormativa, de produção do Direito, e não de sua aplicação, e,por isso, engloba argumentos de toda ordem, não só jurídicos,mas também morais, políticos, econômicos. Ao contrário doque ocorre nos discursos de aplicação no processo jurisdicional,

renciação, de formaque o termo processofica reservado para oexercício do PoderJ u r i s d i c i o n a l .CATTONI DE OLIVEI-RA. Devido processolegislativo, p.114.31 GONÇALVES.Técnica Processuale Teoria do Proces-so, p.118.

32 CATTONI DE OLI-VEIRA. Devido proces-so legislativo, p.109.

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em que devem prevalecer apenas argumentos de ordemdeontológica, construídos a partir da aplicação do códigobinário do Direito a casos concretos.

3.3. Fases do processo de elaboração das leis

A partir do entendimento de que o processo legislativose constitui por uma cadeia procedimental, construídadiscursivamente por agentes legitimados, pois representantesdemocraticamente eleitos, destinada à produção da lei comoprovimento final, é possível dividi-lo, didaticamente, em trêsfases, marcadas de acordo com o momento em que se exercemos atos procedimentais33. São elas: instaurativa ou de iniciati-va, constitutiva ou perfectiva, e integrativa de eficácia.34

O desencadeamento destes atos são disciplinados regi-mentalmente, variando de acordo com cada Casa Legislativa.Para os fins deste estudo, analisar-se-á a tramitação de leiordinária35 na Assembléia Legislativa do Estado de MinasGerais, à luz da disciplina traçada no seu Regimento Interno(RIALMG).

A fase instaurativa corresponde ao momento inicialque desencadeia o prosseguimento de todo o processo; équando o órgão legislativo toma ciência da proposição e passaa encaminhá-la para a prática dos demais atos procedimentais.No Brasil, essa etapa compõe-se, necessariamente, de doisatos principais: apresentação da proposição e juízo deadmissibilidade.

Na Assembléia de Minas, o exame prévio deadmissibilidade da proposição é feito pelo presidente da Casade forma que apenas seja aceita aquela redigida com clareza eobservância da técnica legislativa, que esteja em conformida-de com o texto constitucional e com o Regimento Interno, quenão guarde identidade nem semelhança com outra em tramitaçãoe desde que não constitua matéria prejudicada (art.173).

Do não recebimento da proposição, no caso deinconstitucionalidade, caberá recurso à Mesa da Casa, no

33 Essa demarcaçãoremonta aos ensina-mentos de Galleotique pontua a existên-cia de três momentosbásicos no desenvol-ver-se do procedi-mento legislativo: ummomento inicial, noqual se abre juridica-mente a possibilida-de de criação da lei,um momento central,no qual a lei se fazperfeita, ou seja, ad-quire relevância jurí-dica como atolegislativo, e um mo-mento conclusivo,onde a lei, perfeita eexistente como atojurídico, mas aindanão eficaz, torna-secapaz de produzir osefeitos a ela atribuí-dos, entrando em vi-gor. Apud:. CARVA-LHO NETTO. A san-ção no procedimentolegislativo, p. 246.34 A doutrina apre-senta diferentes no-menclaturas e divi-sões quanto a estas

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prazo de dois dias, sendo este encaminhado à Comissão deConstituição e Justiça para emissão de parecer no prazo de dezdias da remessa, após o que será enviado ao Plenário paradiscussão e votação (art. 173, §1° c/c art. 167, §§1°, 2° e 3°).

Depois de recebida, promove-se a distribuição da pro-posição às comissões, tendo início a fase constitutiva. É nestemomento que ocorre a apreciação da proposição pelas comis-sões permanentes ou especial, a depender da espécie normativaem análise; a discussão e votação em Plenário36, exceto para asespécies que tramitam em regime conclusivo; e a sanção ousuperação do veto37 do chefe do Executivo, quando a lei torna-se perfeita, deixando a condição de mero projeto.

A distribuição de proposição às comissões é feita pelopresidente da Assembléia (art. 181), sendo examinada preli-minarmente pela Comissão de Constituição e Justiça e por, nomáximo, três comissões38 para exame de mérito, salvo asproposições apreciadas conclusivamente pelas comissões per-manentes (art. 182 c/c art. 103). Cada comissão emitirá seuparecer. No 1° turno, se a proposição depender de parecer dasComissões de Constituição e Justiça e de Fiscalização Finan-ceira e Orçamentária, serão estas ouvidas em primeiro eúltimos lugares39, respectivamente. No 2° turno, a proposiçãoretornará apenas a uma comissão para o exame dos aspectosrelativos ao mérito (art. 184, caput e §§1° e 2°).

Após receber parecer nas comissões, o projeto de leiordinária é enviado à Mesa da Assembléia, quando serápublicado e então incluído na ordem do dia para discussão evotação em 1° turno. No decorrer da discussão, podem serapresentadas emendas que, depois de publicadas, serão enca-minhadas com o projeto a comissão competente para recebe-rem parecer. Aprovado e publicado este último, será a propo-sição incluída na ordem do dia para votação (art. 188).40

Aprovado em 1° turno, o projeto segue para a comissãocompetente para receber parecer para o 2° turno. Havendo sidoo projeto aprovado com emendas, o parecer conterá a redaçãodo vencido. No 2° turno, não serão admitidas emendas que

fases. Para FerreiraFilho, o processo deformação da lei, con-siderada um atocomplexo, apresen-ta uma fase introdu-tória, a iniciativa, aqual considera nãoser propriamenteuma fase do proces-so legislativo, e simo ato que o desen-cadeia; uma faseconstitutiva, quecompreende a deli-beração e a sanção,e a fase complemen-tar, na qual se ins-creve a promulga-ção e publicação.FERREIRA FILHO.Do processolegislativo, p. 202.José Afonso da Sil-va, por sua vez, queconcebe o processolegislativo como umconjunto de atosdestinados a reali-zar um fim, a forma-ção da lei, aponta aexistência de cincofases: a introdutóriaou da iniciativa, a deexame dos projetosnas comissões per-manentes ou comis-são especial, a dasdiscussões do pro-jeto em Plenário, adecisória, e arevisória. SILVA.Processo constituci-onal de formaçãodas leis, p. 276.35 De acordo com oRIALMG, “proposi-

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contenham matéria nova, salvo se decorrer de acordo deLideranças e desde que seja pertinente à proposição, tampoucoaquelas que contenham matéria prejudicada ou rejeitada.Concluída a votação em 2° turno, o projeto segue para aComissão de Redação (art. 189). Terminada a verificação datécnica legislativa, é a proposição remetida ao Plenário paradiscussão e votação (art. 268, § 2°). Então, aprovada a redaçãofinal, a matéria é enviada, em dez dias, à sanção do governadordo Estado na forma de proposição de lei (art. 271).

Recebida a proposição de lei, o governador deverá, noprazo de quinze dias úteis contados da data do seu recebimen-to, sancioná-la, se aquiescer, ou vetá-la, total ou parcialmen-te41, se a considerar, no todo ou em parte, inconstitucional oucontrária ao interesse público. Transcorrido o prazo semmanifestação, o silêncio do chefe do Executivo importa san-ção tácita. Em caso de veto, o governador do Estado opublicará e, em quarenta e oito horas comunicará seus motivosao Presidente da Assembléia Legislativa (art. 70, caput, I e II,§§1° e 3° da Constituição do Estado de Minas Gerais).

O veto total ou parcial, depois de lido no Expediente42

e publicado, será distribuído a comissão especial que emitiráparecer em vinte dias. No prazo de trinta dias contados dorecebimento da comunicação do veto, a Assembléia Legislativasobre ele decidirá, em escrutínio secreto e turno único, e suarejeição só ocorrerá pelo voto da maioria de seus membros (art.70, § 5°, da Constituição do Estado de Minas Gerais e art. 222,§ 2° do RIALMG). Esgotado este prazo, sem deliberação daCasa, o veto será incluído na ordem do dia da reunião seguinte,sobrestando-se a deliberação quanto às demais proposições,até a sua votação final, ressalvado o projeto de iniciativa dogovernador do Estado com solicitação de urgência e comprazo de apreciação já esgotado (art. 70, § 7°, da Constituiçãodo Estado de Minas Gerais e art. 222, §3° do RIALMG).Apreciado e rejeitado o veto, neste caso, conclui-se a faseperfectiva, devendo a lei ser encaminhada ao governador doEstado para promulgação (art. 70, §6° da Constituição doEstado de Minas Gerais e art. 222, § 4° do RIALMG).

ção é o instrumentoregimental de forma-lização de matériasujeita à apreciaçãoda AssembléiaL e g i s - l a t i v a ”(art.170) e são pro-posições do proces-so legislativo: a pro-posta de emenda àConstituição, o pro-jeto de lei comple-mentar, lei ordinária,lei delegada e de re-solução, e o veto aproposição de lei ematéria assemelha-da (art. 63 da Consti-tuição do Estado deMinas Gerais e art.171 do RIALMG).36 Na AssembléiaLegislativa de MinasGerais, como regra,os projetos tramitamem dois turnos, sen-do cada turno cons-tituído de discussãoe votação (arts. 176e 177 do RIALMG).37 Neste caso, a faseperfectiva somente secompleta após a apre-ciação e rejeição doveto pelo Legislativo.38 Nas comissõestemáticas, o debatepode ser ampliadopela realização deaudiências públicascom entidades dasociedade civil, in-clusive em regiõesdo Estado, para sub-sidiar o processolegislativo (art. 100,V e V do RIALMG).39 Neste aspecto, op r o c e d i m e n t o

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Finalmente, chega-se à fase integrativa de eficácia,através da qual, a lei, perfeita, porém ainda ineficaz, torna-se apta a produzir todos os efeitos jurídicos que lhe sãoesperados. Nesta, desenvolvem-se os atos de promulgaçãoe publicação.

A promulgação é ato declaratório da existência da lei,destinado a certificar oficialmente a regularidade de seuprocesso de formação, a partir da presunção de que a lei éválida, e, igualmente, a afirmar sua força executória e poten-cialmente obrigatória. Sancionado o projeto, caberá ao chefedo Executivo promulgá-lo e remetê-lo à publicação. Em setratando de veto, da mesma forma, no caso de não ser estemantido pelo Legislativo, será a lei enviada ao governador doEstado para promulgação. Se a lei não for promulgada dentrode quarenta e oito horas pelo governador, o presidente daAssembléia Legislativa a promulgará, e, se este não o fizerem igual prazo, caberá ao vice-presidente fazê-lo É o queestabelece a Constituição Mineira no artigo 70, § 8° e o art.222, 5° do RIALMG.43

A publicação, por sua vez, como último ato do proce-dimento legislativo, consiste na comunicação da existência dalei aos seus destinatários, aos quais não é dado alegar o seudesconhecimento para justificar eventual descumprimento,conforme estabelece a Lei de Introdução ao Código Civil emseu artigo 3°. Caberá àquele que promulgar a lei promover-lhea publicação.

Completado o processo legislativo, é a lei incorporadaao ordenamento jurídico, sendo norma válida, coercitiva eobrigatória, potencialmente destinada a produzir todos os seusefeitos e pretensamente legítima.

A estrutura formada na Assembléia Legislativa de MinasGerais para a elaboração das leis além de visar à legalidade dasnormas produzidas, garantindo a integridade da Constituiçãoem seu aspecto formal e material, tende a favorecer o debate ea construção do consenso em torno das proposições, gerandouma decisão participada. Isso ocorre, sobretudo, pelo fato de um

legislativo mineiroafasta-se do rito ado-tado nacionalmentena Câmara dos De-putados (art. 139, II,‘a’ e ‘c’), onde pri-meiro a proposiçãoé examinada pelascomissões de méri-to para só então serremetida à Comis-são de Constituiçãoe Justiça e Redaçãopara emissão de pa-recer quanto à suaconstitucionalidade,legalidade, juridici-dade, regimentali-dade e técnicalegislativa. Em Mi-nas, quando a Co-missão de Constitui-ção e Justiça (CJU)conclui pela incons-titucionalidade, pelailegalidade ou pelaantijuridicidade daproposição, esta éenviada à Mesa daAssembléia para in-clusão do parecer naordem do dia. Se oPlenário aprovar oparecer, a proposi-ção é arquivada e,se o rejeitar, é a pro-posição encaminha-da às outras comis-sões a que tiver sidodistribuída para darcontinuidade ao pro-cesso (art. 185, capute §1° RIALMG).Destarte, esta ordemtem sido reiterada-mente questionadapelos parlamentares

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projeto, antes de ser submetido à deliberação dos parlamentares,ter sua matéria previamente analisada pelas comissões de Cons-tituição e Justiça e temáticas, que realizam estudos e emitempareceres sobre o assunto em pauta, além de ser a votaçãoprecedida pelos debates em Plenário.

É possível, ainda, como demonstrado, ampliar a parti-cipação da sociedade civil na criação das leis, por meio dapromoção de audiências públicas, instrumento de democraciaque proporciona influência direta sobre os parlamentares e quetem sido amplamente utilizado pela Assembléia Legislativa deMinas Gerais, não só na Capital, onde possui sua sede, mastambém no interior do Estado.

4. Controle do processo legislativo

4.1. Esclarecimentos preliminares

Traçadas as fases do processo de elaboração das leis emarcados os seus principais atos, cumpre agora tecer algumasconsiderações sobre as formas de controle deste fenômeno,salientando algumas questões que têm sido amplamente deba-tidas pela doutrina e jurisprudência ao se tratar da matéria,sobretudo no que concerne à extensão da jurisdição constitu-cional sobre o processo legislativo.

Não se intenta, aqui, em tão parcas linhas, esgotar o tema,o qual, aliás, tem sido objeto de estudos de grandes mestresnacionais e estrangeiros44, mas tão somente delinear seus prin-cipais aspectos e abordar, de forma sucinta, pontos controverti-dos, expondo a interpretação atualmente dada pelo SupremoTribunal Federal quanto ao assunto e demonstrando como elainterfere na regularidade do processo legislativo, enquantoprocesso de justificação do Direito, fonte de legitimidade doregime democrático e garantia de direitos fundamentais.

À luz da Teoria Discursiva do Direito e da Democracia,a legitimidade da ordem jurídica não pode mais se justificar apartir de argumentos meramente legais, baseada em critériosexclusivamente formais, senão depende da efetiva possibili-

mineiros pelo fato de,na prática, o recebi-mento de parecernegativo da CJU sig-nificar o sepultamen-to de qualquer pos-sibilidade de discus-são da matéria obje-to da proposição.Não obstante, estemodelo impede atramitação de maté-rias inconstitucionaisdesde o início, evi-tando o trabalho des-necessário das co-missões seguintes.40 O projeto que re-ceber parecer con-trário, quanto aomérito, de todas ascomissões a que ti-ver sido distribuído,será consideradorejeitado, salvo sehouver recurso aoPlenário (art. 191).41 O veto parcial so-mente poderá recairsobre texto integral deartigo, de parágrafo,de inciso ou alínea(art. 70, § 4° da Cons-tituição do Estado deMinas Gerais e art.222, § 1° do RIALMG).42 Cf. arts. 24 e 25 doRIALMG.43 A estes dispositivoscorrespondem o art.66, §§ 3° e 7°, sendo opresidente e vice-pre-sidente do Senado,respectivamente, osresponsáveis pela pro-mulgação no caso derecusa do presidenteda República.

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dade de participação de todos os atores envolvidos no processode criação do Direito.

Para tanto, além da atuação desenvolvida pelo próprioPoder Legislativo no controle da regularidade na prática dosatos da cadeia procedimental, mostra-se igualmente impres-cindível a possibilidade de análise deste processo pelo PoderJudiciário. Como órgão, ao menos a princípio, imparcialquanto aos aspectos políticos envolvidos, o exame pelo Judi-ciário deve ocorrer não só a posteriori e in abstrato, mastambém concomitantemente e de forma incidental durante atramitação do projeto de lei, quando, excepcionalmente, esti-verem ameaçados direitos fundamentais diretamente relacio-nados com o princípio democrático de maneira a impedir quea efetiva participação de todos os concernidos no processopolítico seja obstada.

Com este intuito, adotar-se-á a definição de controlecunhada por Serio Galeotti, pela qual:

[Controle é] o poder que, destinado à salvaguarda devalores expressos ou institucionalmente tutelados pelaautoridade controladora, em face do exercício, atual oupotencial, de poderes ou faculdades jurídicas, concre-tiza-se em um juízo com base nos valores tuteladossobre o modo de agir ou sobre o modo de ser dosoperadores jurídicos, juízo que, em caso de valoraçãodesfavorável, dá lugar, por si mesmo ou por provimentoposterior, a uma medida, em sentido amplo, obstativado comportamento ou da situação anormal.45

Nesse sentido, afiguram-se indispensáveis alguns re-quisitos objetivos: a) que o órgão controlador efetivamentedisponha de poderes para substituir a vontade do controlado,no caso de constatação de irregularidades; b) que os órgãocontrolador e controlado sejam distintos e independentes; c)que haja relação de causa e efeito entre o processo de controleem relação ao controlado.

Dados estes pressupostos iniciais, passa-se a examinaras possíveis formas de controle do processo legislativo.

44 Para maiores infor-mações, conferirC A R V A L H ONETTO, Menelick de.A sanção no procedi-mento legislativo;CATTONI DE OLI-VEIRA, MarceloAndrade. Devido Pro-cesso Legislativo;FERREIRA FILHO,Manoel Gonçalves.Do processo legisla-tivo; SILVA, JoséAfonso da. Processoconstitucional de for-mação das leis; CAR-VALHO, CristianoViveiros de. Controlejudicial e processolegislativo: a obser-vância dos regimen-tos internos das Ca-sas Legislativascomo garantia doEstado Democráticode Direito ;GALLEOTTI, Serio.Contributo alla Teo-ria del ProcedimentoLegislativo; MAIER,Maurice. Le vetoLégislatif du chef del’Etat.45 Apud CARVALHO.Controle judicial e pro-cesso legislativo, p. 76.Ressalta, ainda Vivei-ros, que para Galeotti,a finalidade do contro-le não é apenas iden-tificar e garantir a re-gularidade, como pos-sibilidade de correção,daquilo que nãocorresponda aos va-lores e exigências tu-telados, mas principal-

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4.2. Controle realizado pelo Poder Legislativo

Neste tópico, procurar-se-á demonstrar os principaismecanismos de monitoramento da regularidade da atividadede produção das leis realizado pelo próprio órgão responsávelpelo seu desenvolvimento. Assim, trata-se de falar do “contro-le” interno realizado pelo Poder Legislativo quanto às suaspróprias decisões, o qual, a partir do conceito traçado no itemantecedente, não caracterizaria um controle propriamente ditopela identidade entre órgão controlador e controlado.

Todavia, apesar da necessária ressalva e dos conheci-dos limites deste “controle”, haja vista faltar-lhe imparcialida-de, existem de fato procedimentos adotados no âmbito doParlamento que visam garantir o respeito e a integridade doprocesso de elaboração das leis, evitando violações primáriase grosseiras à ordem jurídica.

Considerando o Regimento Interno da AssembléiaLegislativa do Estado de Minas Gerais, modelo adotado nestapesquisa, é possível apontar claramente alguns instrumentosde controle.

O primeiro deles é o juízo prévio de admissibilidade dasproposições a cargo do Presidente da Casa de forma queapenas sejam aceitas aquelas que estejam redigidas comclareza e observância da técnica legislativa, em conformidadecom o texto constitucional e com o Regimento Interno, que nãoguardem identidade nem semelhança com qualquer outra emtramitação e desde que não constituam matéria prejudicada(art. 173 do RIALMG).

Como próximo filtro, tem-se a análise da proposiçãopela Comissão de Constituição e Justiça (CJU)46, órgãocolegiado permanente a quem cabe primeiro examinar oprojeto, uma vez recebido pelo presidente da Assembléia. Sãomatérias de sua competência: os aspectos jurídico, constitucio-nal e legal das proposições; o recurso de decisão de questão deordem, de decisão de não recebimento de proposição porinconstitucionalidade e o recurso do não recebimento derequerimento que solicite a instauração de Comissão Parla-

mente, impedir que,frente à incompatibili-dade verificada pelocontrole jurídico, osatos desconformescontinuem a existir ju-ridicamente. Assim, ocontrole pressupõe opoder de impedir queos atos violadores per-maneçam em vigor.Op. cit., p. 77 et seq.

46 Para uma análisemais detalhada so-bre a atuação daComissão de Cons-tituição e Justiça daA s s e m b l é i aLegislativa do Esta-do de Minas Gerais,conferir SIMÕES,Marília Horta. Con-trole preventivo deconstitucionalidadena ALMG. Belo Hori-zonte: AssembléiaLegislativa do Es-tado de Minas Ge-rais, Relatórios doNepel, 3. Disponí-vel em: <http://www.almg.gov.br/publicacoes/nepel/nepel_4.pdf>.

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mentar de Inquérito; a adequação de proposição às exigênciasregimentais, além de outras atribuições que ora não possuemmaior relevância (art. 102, III do RIALMG).

Mencione-se, ademais, as questões de ordem, instru-mento que pode ser manejado por qualquer deputado paraesclarecer dúvidas sobre interpretação de dispositivos regi-mentais na sua prática, isto é, na sua aplicação na condução dostrabalhos do processo legislativo, ou quanto a esclarecimentosrelacionados ao texto constitucional (art. 165 do RIALMG).

Cita-se, ainda, a possibilidade de recorrer ao Plenárioda decisão de questão de ordem resolvida pelo residente deComissão ou da Casa, nos termos dos artigos 167 e 168 doRIALMG.

Por fim, o quorum especial de votação também confi-gura um tipo de controle intraórgão, na medida em que forçaa constituição de uma maioria mais sólida, obrigando, porvezes, a negociação com a minoria que passa a gozar demaiores poderes para fazer-se ouvir e provocar a obstrução davotação47.

Todas estas normas que traçam o caminho de umaproposição até que ela se torne lei formal, visam não sóassegurar a legalidade do procedimento, impedindo a criaçãode leis inegavelmente inconstitucionais, mas também a suaprópria legitimidade, na medida em que tendem a proporcio-nar a efetiva participação de todos os representantes no proces-so de discussão e votação do projeto, sendo oportunizado acada um deles pronunciar-se sobre a adequabilidade da futuranorma, ainda que o seu argumento, a favor ou contra, não sejao melhor, não sendo acolhido pela maioria dos parlamentares.

4.3. Controle judicial do processo legislativo

Se por um lado, é pacífica a possibilidade de controlejudicial de constitucionalidade da regularidade do processolegislativo realizado abstratamente pela via direta quando é alei válida e eficaz , são muitas as controvérsias quando se trata

47 Para mais infor-mações sobre o as-sunto conferirLOEWENSTEIN,Karl. Political Powerand the Governmental Process.

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de intervenção do Poder Judiciário durante o processo deelaboração legislativa.

Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, con-tinua-se a adotar a tese do interna corporis, cuja conseqüênciaé criar uma reserva de matéria em que o processo legislativoestá imune à sindicabilidade do Judiciário. Todavia, registra-se paulatinamente uma evolução da interpretação da Corte, demodo que registram-se algumas posições, embora aindaminoritárias, no sentido de admitir a jurisdição constitucionaldiante de ofensa a qualquer ato do cadeia procedimental, sejamnormas constitucionais ou cláusulas regimentais mandatórias,desde que haja ofensa a direitos públicos subjetivos titularizadospelos parlamentares, pois interpretação diversa compromete-ria a regularidade e legitimidade do processo de válida forma-ção das leis.

O controle de constitucionalidade das leis realizadopelo Supremo Tribunal Federal quanto a questões de regula-ridade do processo legislativo tem se restringido a declaraçãode vícios formais, os quais remontam à identificação de víciosde iniciativa, invasão de competência e inadequação doinstrumento legislativo.

O primeiro destes vícios, não só pela complexidade dasquestões que envolve, mas também pela mudança de entendi-mento do STF sobre a matéria, receberá neste trabalho, maio-res considerações que os outros dois, sobre os quais nãopairam grandes controvérsias.

A iniciativa, como tivemos oportunidade de mencionarno item 2.3 deste trabalho, integra a fase instaurativa e, sendoo primeiro ato do processo legislativo, desencadeia, ativa, oprosseguimento de todos os demais. É ela o ato do qual resultaa decisão política de legislar.

A Constituição do Estado de Minas Gerais estabelece,genericamente, em seu art. 65, que a iniciativa de lei comple-mentar e ordinária cabe a qualquer membro ou comissão daAssembléia Legislativa (iniciativa parlamentar), ao governadordo Estado (iniciativa governamental), ao Tribunal de Justiça, ao

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Tribunal de Contas, ao procurador-geral de Justiça e aos cida-dãos (iniciativa popular), nos termos por ela definidos.

O exercício do poder de iniciativa no processo deelaboração legislativa manifesta-se dentro dos limites traça-dos pela Constituição, em todos os níveis da Federação.Assim, há matérias cuja titularidade da iniciativa é geral,competindo a decisão de legislar, concorrentemente, ao Go-vernador do Estado, a qualquer deputado e ao povo por meioda iniciativa popular. Existem matérias, entretanto, para asquais se reserva a decisão de criar direito novo a apenas umtitular legitimado, e neste caso, diz-se que a matéria é deiniciativa reservada, privativa de um órgão. Por configurarexceção, portanto, como princípio geral de hermenêutica, ainiciativa reservada apenas prevalece quando expressamenteprevista na Constituição, e no Estado de Minas Gerais figuranos incisos do artigo 66.

Destaca-se que, em regra, não se verificam grandesconflitos em torno da iniciativa privativa dos Tribunais e doMinistério Público, senão a partir de emendas parlamentarespor vezes apresentadas indiscriminadamente, de forma exces-siva e desarrazoada, terminando por descaracterizar a propo-sição legislativa.48

Maiores controvérsias pairam a respeito da iniciativado chefe do Executivo, sobretudo quando se indaga quanto àsanabilidade ou não do vício de iniciativa49 pela sanção,expressa ou tácita. Na doutrina brasileira, há defensores deambas as posições.

José Afonso da Silva50 e Menelick de Carvalho Netto51

sustentam a possibilidade de convalidação do vício de inicia-tiva pela sanção do chefe do Executivo. Entende o primeiroque a sanção supre a falta de iniciativa governamental, porquea regra de reserva é imperativa ao subordinar a formação da leià vontade exclusiva do titular de iniciativa. Todavia essavontade pode atuar em dois momentos, no da iniciativa ou noda sanção. Portanto, desde que ela incida, ainda que tãosomente com a sanção, a norma é válida, pois satisfeita a razão

48 Destaca-se a res-peito, a conturbadatramitação do proje-to de lei complemen-tar n° 17/2007, quedispunha obre a or-ganização do Minis-tério Público de Mi-nas Gerais e davaoutras providências,e tramitou perante aA s s e m b l é i aLegislativa de MinasGerais, de iniciativaprivativa do procura-dor-geral de Justiça,recebeu tantasemendas que o Pro-curador pediu suaretirada de tramita-ção, recusada pelosparlamentares. Veta-da pelo governador,foi a proposição pro-mulgada pelo Presi-dente da Assembléia,dando origem à LeiComplementar n° 99/2007. Analisando alei estadual, o STFsuspendeu liminar-mente a sua eficáciapor verificar a ocor-rência de vício de ini-ciativa.49 Nos processos deiniciativa privativados Tribunais ou doprocurador-geral deJustiça, por óbvio,não há se falar emsanabilidade do ví-cio de iniciativa, poisnão lhes é oportuni-zado outro momentopara que manifestema sua vontade quan-

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da norma de reserva. Caso não houvesse a possibilidade de ochefe do Executivo recusar validamente a sanção, por meio doveto, aí sim seria possível falar-se em insanabilidade do víciode iniciativa, comprometendo todo o processo de formação dalei. E em caso de recusa, não poderá o Legislativo derrubar oveto e promulgar a lei, pois seria esta nula por faltar-lhe anecessária vontade do Executivo na sua elaboração52. Carva-lho Netto, por sua vez, ao tratar do tema, sustenta a tese dasanabilidade do vício por entender que, em observância aosprincípios da unicidade e da economia procedimental, e con-siderada a vinculação direta, imediata e principal reservada àsanção do chefe do Executivo e o caráter estruturalmenteindireto, mediato e secundário da iniciativa no procedimentolegislativo, não se poderia chegar a conclusão diversa. “O atototal daí resultante revela-se como perfeitamente idôneo,precisamente por contar com a aquiescência daquele a quemcompetia iniciá-lo, no momento mesmo de sua constituição”.53

De outra vertente, apregoam Manoel Gonçalves FerreiraFilho54 e Alexandre de Moraes. Para Ferreira Filho, queconsidera ser a formação da lei ordinária no Direito Brasileiroum ato complexo,55 não se afigura possível concluir pelaconvalidação do defeito de iniciativa pela sanção governa-mental é admitir a convalidação de ato nulo, pois a inobservânciada forma, prazo e rito prescritos para a elaboração das leis nãosão menos inconstitucionais que violação a outros direitos egarantias assegurados constitucionalmente. Disso resulta ser anulidade a única conclusão possível se se pretende resguardara supremacia da Constituição. Por fim, argumentam que oraciocínio dos que sustentam a possibilidade de sanabilidadedo defeito de iniciativa remonta a uma visão exclusivamenteprivada do fenômeno legislativo. Se a prerrogativa do Execu-tivo de propor leis é uma função exercida em favor do Estado,não poder ele concordar com eventual convalidação simples-mente pelo fato de que não pode aquiescer com a usurpaçãodaquilo que não é propriamente seu. Ademais, tão importantequanto a reserva de iniciativa é o ‘momento’ em que deve sero processo legislativo deflagrado, frente a grande diferença,quanto aos efeitos políticos, entre a decisão de vetar e de não

to à criação ou nãodaquela norma jurí-dica.50 Cf. SILVA. Proces-so constitucional deformação das leis.51 CARVALHONETTO. A sançãono procedimentolegislativo.52 SILVA, J. A. Pro-cesso constitucionalde formação dasleis, p. 345 et seq.

53 CARVALHONETTO. A sanção nop r o c e d i m e n t olegislativo, p. 248 etseq.54 Cf . FERREIRAFILHO. Do proces-so legislativo.55 Para definir ato com-plexo, Ferreria Filho re-monta ao conceito deRoberto Lucifredi paraquem há ato comple-xo sempre que “duasou mais vontades ho-mogêneas tendentesa um emsmo fim sefundem numa só von-tade declarada, idôneaa produzir determina-dos efeitos jurídicosque não poderiam demodo algum produzir-se, se faltasse tal con-curso de vontades.Apud FERREIRA FI-LHO. Do processolegislativo, p. 202.

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propor56. Moraes, na mesma linha de pensamento, acredita nãoser possível suprir o vício de iniciativa com a sanção, pois talvício macula de nulidade toda a formulação da lei, haja vistasofrer de pecado original que a sanção não tem o condão deapagar57.

No que concerne à jurisprudência do Supremo TribunalFederal, em revisão à posição anterior, e distanciando-se damelhor doutrina, verifica-se que esta tem defendido a impos-sibilidade de convalidação do vício de iniciativa pela sançãodo Poder Executivo.

A Corte sustentou em outras épocas entendimentooposto, havendo, inclusive, pacificado a questão com súmulan° 5, pela qual “A sanção do projeto supre a falta de iniciativado Poder Executivo”. Aprovada em sessão plenária de 13 dedezembro de 1963, portanto, ainda sob a égide da Constituiçãode 1946, a súmula n° 5, embora continue inscrita no rol dassúmulas do STF não subsiste desde o julgamento da Represen-tação n° 890, julgada em 1974, em cuja ementa se lê que “Asanção não supre a falta de iniciativa, ex vi do disposto no art.57, parágrafo único da Constituição (de 1967, na redação daEmenda n° 1/69), que alterou o direito anterior.”

Embora a decisão pela insanabilidade do vício deiniciativa remonte à década de setenta, este mesmoposicionamento continua a ser reiterado em decisões recentesdo Supremo, como se observa a seguir.

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTI-TUCIONALIDADE – PROMOÇÃO DE PRAÇAS DAPOLÍCIA MILITAR E DO CORPO DE BOMBEIROSREGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLI-COS – PROCESSO LEGISLATIVO – INSTAURA-ÇÃO DEPENDENTE DE INICIATIVA CONSTITU-CIONALMENTE RESERVADA AO CHEFE DOPODER EXECUTIVO – DIPLOMA LEGISLATIVOESTADUAL QUE RESULTOU DE INICIATIVA –SANÇÃO TÁCITA DO PROJETO DE LEI –IRRELEVÂNCIA – INSUBSISTÊNCIA DA SÚMULA

56 FERREIRA FILHO.Do processo legislativo,p. 210 et seq.57 MORAES. Direitoc o n s t i t u c i o n a l ,p. 524-525.

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N° 5/STF – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL– EFICÁCIA DA REPRISTINATÓRIA DADECLARAÇAÕ DE INCONSTITUCIONALIDADEPROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDE-RAL EM SEDE DE CONTROLE NORMATIVO ABS-TRATO – AÇAÕ DIRETA JULGADA PROCEDEN-TE . OS PRINCÍPIOS QUE REGEM O PROCESSOLEGISLATIVO IMPÕEM-SE À OBSERVÂNCIA DOSESTADOS MEMBROS. O modelo estruturador doprocesso legislativo, tal como delineado em seus as-pectos fundamentais pela Constituição da República,impõem-se, enquanto padrão normativo de compul-sório atendimento, à observância incondicional dosEstados membros. Precedentes. A usurpação do po-der de instauração do processo legislativo em matériaconstitucionalmente reservada à iniciativa de outrosórgãos e agentes estatais configura transgressão aotexto da constituição da república e fera, em conse-qüência, a inconstitucionalidade formal da lei assimeditada. Precedentes. A SANÇÃO DO PROJETO DELEI NÃO CONVALIDA O VÍCIO DEINCONSTITUCIONALIDADE RESULTANTE DAUSURPAÇÃO DO PODER DE INICIATIVA. A ulte-rior aquiescência do chefe do Poder Executivo, medi-ante sanção do projeto de lei , ainda quando dele sejaa prerrogativa usurpada, não tem o condão de sanaro vício radical de inconstitucionalidade. Insubsistênciada Súmula n° 5/STF. Doutrina. Precedentes. SIGNI-FICAÇÃO CONSTITUCIONAL DO REGIME JURÍ-DICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS (CIVIS EMILITARES). A locução constitucional “regime jurí-dico dos servidores públicos corresponde ao conjuntode normas que disciplinam os diversos aspectos dasrelações estatutárias ou contratuais, mantidas peloestado com seus agentes. Precedentes. A QUESTÃODA EFICÁCIA REPRISTINATÓRIA DA DECLARA-ÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE “INABSTRACTO”. A declaração final de

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inconstitucionalidde, quando proferida pelo SupremoTribunal Federal em sede de fiscalização normativaabstrata, importa – considerado o efeito repristinatórioque lhe é inerente – em restauração das normasestatais anteriormente recogadas pelo diplomanormativo objeto do juízo de inconstitucionalidade,eis que o ato inconstitucional, por ser juridicamenteinvalido (RTJ 146/461-462), sequer possui eficáciaderrogatória. Doutrina. Precedentes (STF).

(ADI 2867-ES, relator Min. Celso de Mello, julga-mento em 03/12/2003. DJU 09.02.2007)

Ante o exposto, observa-se que no Direito Brasileiro,segundo a interpretação do Supremo Tribunal Federal, a quemé dado dizer o Direito em última análise, uma vez usurpada ainiciativa do Chefe do Poder Executivo para deflagrar oprocesso legislativo, este vício não se supre pela posterioremissão de vontade do Executivo por meio da sanção. E por setratar de norma de repetição obrigatória, ainda que as Consti-tuições Estaduais ou Leis Orgânicas Municipais estabeleçamprevisão diversa, não se sustenta a convalidação, sendoinconstitucional qualquer previsão em sentido contrário aoentendimento do STF. Destaca-se, aqui, o artigo 70, § 2° daConstituição do Estado de Minas, o qual dispõe que “A sançãoexpressa ou tácita supre a iniciativa do poder executivo noprocesso legislativo”. Pelas razões expostas, está o dispositivodesprovido de qualquer força normativa.

Quanto aos outros dois vícios, invasão de competênciae inadequação do instrumento legislativo, pode-se afirmarque o primeiro ocorre com a usurpação da esfera de competên-cia de um ente da Federação por outro, sobretudo em relaçãoàs matérias privativas de cada um deles, e o segundo pelaeleição de espécie normativa imprópria para disciplinar deter-minado assunto, por exemplo, quando se pretende regular porlei ordinária assunto reservado à lei complementar.

Findas estas observações sobre o controle judicial inabstrato das questões formais do processo legislativo, passa-se a analisar a possibilidade ou não de incidência da jurisdição

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constitucional concomitante ao desenvolvimento do processode elaboração normativa pelo Poder Judiciário.

O estudo deste tema remonta necessariamente à doutrinadas questões políticas e matéria interna corporis. Neste aspecto,salienta-se a diferenciação entre ato discricionário, questãoexclusivamente política e atos interna corporis exposta peloMinistro Moreira Alves em voto no MS n° 22.503.3-DF:

Ato discricionário é aquele em que o Poder Judiciá-rio não pode interferir para a verificação da suaconveniência, oportunidade ou justiça. Questão ex-clusivamente política é questão de discricionariedadepolítica, também infensa ao controle jurisdicional.Já com referência aos ato interna corporis, estaCorte, por vezes, a meu juízo, tem entendido que sãoos que dizem respeito a questões relativas à aplica-ção de normas regimentais, quando não violamdireitos subjetivos individuais, quer de terceiros –como foi o caso do impeachment do presidente daRepública –, quer dos próprios membros do Con-gresso. Portanto, essa exceção (reconhecimento dodireito público subjetivo dos parlamentares de nãoserem compelidos a votar, tendo em vista proibiçãoconstitucional formal – MS n° 20.257) não abrangenormas regimentais que dizem com o processolegislativo, normas estas meramente ordinatórias.(Grifos nossos)

Isso posto, verifica-se que o Supremo Tribunal Federalvem paulatinamente permitindo a sindicabilidade do Judiciá-rio, embora ainda bastante restrita, sobre os atos do processolegislativo, registrando-se alguns votos de vanguarda a defen-der a intervenção judicial em casos excepcionais quandoameaçado o direito de participação das minorias.

Ao requerer a intervenção judicial, neste caso, têm-seoptado pela via mandamental do mandado de segurança,destacando-se como paradigmas os Mandados de Segurançan° 20.471, 20.247 e 22.503. O primeiro deles veda totalmente

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qualquer conhecimento do conflito suscitado por se tratar dematéria interna corporis; no segundo reconhece-se algumapossibilidade de apreciação da controvérsia e no terceiro,embora tenham sido vencidos, os ministros Marco Aurélio eCelso de Mello defendem o exame da questão pelo STF porentenderem que interpretação diversa seria tolerar o uso arbi-trário do poder e admitir a desconsideração dos direitos dosgrupos minoritários, que integram o Parlamento como legíti-mos representantes do povo, de participar efetivamente doprocesso político de elaboração legislativa.

A atual visão do Tribunal admite exceção ao conheci-mento da chamada matéria interna corporis, e neste caso nãoseria propriamente reconhecida como tal, quando se observaafronta a dispositivo constitucional. Assim, restariam imuneao controle do Judiciário as demais regras do processolegislativo que tivessem hierarquia meramente regimental –como se a inobservância destas não afetasse igualmente aregularidade do processo legislativo.

Ao proferirem seus votos, os ministros vencidos no MS22.503, procuram introduzir a teoria do “devido processolegislativo” de maneira que a elaboração legislativa digarespeito ao interesse público e não apenas ao interesse internodo Legislativo, portanto, não se trata de matéria internacorporis. As normas processuais seriam, então, complemen-tos necessários das leis constitucionais, logo igualmente cons-tituem garantia de caráter constitucional.

Disto resulta a observação de que

o desrespeito às formalidades que inerem ao processolegislativo, o desprezo às cláusulas regimentaismandatórias e constitucionais que condicionam o pro-cesso de formação das leis e das emendas à Constitui-ção, as interpretações que frustem os direitos essenciaisdos grupos parlamentares minoritários e os comporta-mentos institucionais que concretizem ofensa aos atosde elaboração parlamentar das normas jurídicas qua-lificam-se como procedimentos intoleráveis, destituí-

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dos de qualquer legitimidade jurídica, ainda que bus-cando justificação para esses desvios arbitrários naprevalência da vontade da maioria, cujo predomínio,no âmbito do processo formativo das leis, há de resul-tar, no entanto, no incondicional respeito aos direitos eàs prerrogativas dos grupos minoritários (RT 442/193-grifos do original)58.

Não há que se falar, aqui, em violação ao princípio daseparação de poderes, pois ao Poder Judiciário é dado, noexercício de sua função precípua, rever com definitividade osatos dos demais poderes constituídos. Ademais, a opção peloEstado Democrático de Direito reclama conseqüências efeti-vas no plano de sua organização política institucional. Poróbvio, não se pode perder de vista que ao Judiciário não é dadoassumir a preponderância no processo político fazendo-sesubstituir ao Poder Legislativo quanto aos aspectos de conve-niência e oportunidade.

A jurisdição constitucional incidental sobre os atos doprocesso legislativo deve ser sempre analisada com cautela,constituindo via excepcional manejada tão somente quandoestiverem ameaçados direitos intimamente relacionados como princípio democrático, sobretudo aqueles que assegurem suaprincipal característica, os direitos de participação de todos osinteressados no processo de elaboração normativa. Todavia, orisco de ocorrerem abusos estará sempre presente e, assim,apenas o caso concreto evidenciará os direitos violados equando será necessária a intervenção judicial para assegurar aregularidade do processo legislativo.

5. Conclusão

Optou-se no presente artigo, por inserir consideraçõese propostas ao longo de seu texto e não apenas ao final. Assim,neste tópico, far-se-á apenas um retrospecto das principaisconclusões expostas no decorrer do estudo.

Primeiramente, procurou-se evidenciar os principaisaspectos da Teoria Discursiva do Direito e da Democracia de

58 Apud Celso deMello, voto proferi-do no julgamento doMS 22.503.

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Jürgen Habermas, pela qual se atribui papel central à lingua-gem no processo de formação da opinião e da vontade, e ondea institucionalização de procedimentos é essencial ao exercí-cio da cidadania. O Direito desempenha sua função social eintegradora fundamentado na expectativa racional de resulta-dos produzidos democraticamente.

Isto posto, chega-se à inevitável conclusão de que asformas de comunicação correspondentes no âmbito da formaçãopolítica racional da vontade precisam ser institucionalizadasjuridicamente para garantir aos cidadãos o exercício de direitosfundamentais entre os quais se incluem os direitos de participaçãopolítica. No processo de institucionalização, cujo campo maisfértil é o processo legislativo, recorre-se à regra da maioria paraa produção do consenso a partir dos processos de deliberação, nãose olvidando do fato de que a decisão tomada por maioria devesempre ser entendida como um resultado provisório de umaformação discursiva da opinião, haja vista que a minoria somentedá seu consentimento e autorização à maioria, se lhe é asseguradaa possibilidade de que ela possa vir a conquistar a maioria nofuturo, na base de melhores argumentos.59

Destarte, reconstruiu-se os conceitos de processo eprocedimento, sobretudo à luz das considerações de ElioFazzalari. Dessa forma, o processo foi concebido sob umaperspectiva renovada, sendo considerado como espécie dogênero procedimento. Logo, entendeu-se o processo legislativocomo correspondente a uma cadeia procedimental, construídadiscursivamente, ou ao menos em simétrica paridade de par-ticipação, por representantes democraticamente legitimados,destinada à produção da lei como provimento final.

Então, passou-se a descrever os principais atos dacadeia procedimental a partir da sua enucleação em fases.Neste momento, foram citadas as disposições regimentaismais relevantes no tocante à matéria, tomando-se como exem-plo a Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais.

Por fim, foram abordados os controles interno e externodo fenômeno legislativo, salientando-se aspectos que têm sido

59 HABERMAS. Di-reito e Democracia:entre facticidade evalidade, v. I, p. 224.

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amplamente debatidos pela doutrina e jurisprudência ao trata-rem da matéria, com especial enfoque à extensão da jurisdiçãoconstitucional sobre o processo legislativo.

A opção pelo Estado Democrático de Direito reclamaconseqüências efetivas no plano de sua organização políticainstitucional. A legitimidade da ordem jurídica, neste contexto,não mais se justifica a partir de critérios exclusivamente formais,senão depende da efetiva possibilidade de participação de todosos atores envolvidos no processo de criação do Direito.

Especificamente no contexto estudado, entendeu-seque estrutura formada na Assembléia Legislativa de MinasGerais para a elaboração das leis, além de visar à legalidade dasnormas produzidas, garantindo a integridade da Constituiçãoem seus aspectos formal e material, tende a favorecer o debatee a construção do consenso em torno das proposições. Issoocorre, sobretudo, porque um projeto de lei, antes de sersubmetido à deliberação dos parlamentares, ter sua matériapreviamente analisada pelas comissões de Constituição eJustiça e temáticas, que realizam estudos e emitem pareceressobre o assunto em pauta, podendo ainda, estas últimas,promover audiências públicas com representantes da socieda-de civil, acrescido o fato de ser a votação da proposta pelosdeputados precedida pelos debates em Plenário.

Não obstante, diante da sua improvável imparcialidade,não basta a atuação desenvolvida pelo próprio Poder Legislativono controle da regularidade na prática dos atos da cadeiaprocedimental. Como órgão, ao menos a princípio,desvinculado dos aspectos políticos envolvidos no processolegislativo, o exame pelo Judiciário deve ocorrer não só aposteriori e in abstrato, quando a lei é válida e apta a produztodos os seus efeitos, mas também concomitantemente e deforma incidental durante a tramitação do projeto de lei na CasaLegislativa, quando, excepcionalmente, estiverem ameaçadosdireitos fundamentais diretamente relacionados com o princí-pio democrático de maneira a garantir a efetiva participação detodos os concernidos no processo político.

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Nessa esteira impõe-se revisão do atual posicionamentodo Supremo Tribunal Federal, restando superada a tese daimpossibilidade de convalidação do vício de iniciativa pelasanção do Chefe do Executivo, mas sobretudo a doutrinamitigada da matéria interna corporis para reconhecer a inco-erência de se diferenciar, para fins de verificação da regulari-dade do processo legislativo, normas meramente regimentaise normas que importem violação constitucional. Sempre queestiver presente lesão a direitos subjetivos dos interessados aparticipar do processo político, desrespeitado estará o princí-pio democrático, e independentemente o status da normadiretamente afetada, a conduta violará a Constituição e recla-mará a possibilidade de controle jurisdicional.

Ao elaborar este texto, não se teve a pretensão deabarcar toda a complexidade do processo legislativo, mas tãosomente destacar a relevância do tema a partir do que seconsidera serem os seus principais aspectos, ressaltando algu-mas das distorções observadas no processo de elaboração dasleis no Brasil.

Contudo, apesar das imperfeições, espera-se que estasconsiderações possam servir de orientação àqueles que seaventurarem ao estudo da matéria no Direito Brasileiro.

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Resumo

Este artigo analisa o comportamento dos partidos nointerior da Assembléia Legislativa de Minas Gerais na relaçãocom o governador do Estado. O principal argumento é que adinâmica de funcionamento da Casa segue o padrão encontra-do na Câmara dos Deputados, ou seja, centralização decisóriacom alta coesão partidária e expressivos graus de apoio àagenda do Executivo. Mais interessante é observar que aoposição, em votações nominais “custosas”, não se comportacomo esperado.

Palavras-chave: Partidos, relação política, AssembléiaLegislativa do Estado de Minas Gerais

Abstract

This paper explores the parties’ behavior inside of theMinas Gerais Legislative. The main argument is that thepattern observed in this Legislative is very similar if compared

CONVERGÊNCIA PARTIDÁRIA E BASEPARLAMENTAR: O

COMPORTAMENTO DOS PARTIDOSNA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DE

MINAS GERAIS ENTRE 1995 E 20051

FELIPE NUNES*

*Mestrando em Ciên-cia Política pela Uni-versidade Federalde Minas Gerais ePesquisador doCentro de EstudosLegislativos do De-partamento de Ci-ência Política daUFMG (CEL-DCP)

1 Este artigo é umdos resultados damonografia exigidacomo requisito par-cial para conclusãodo meu curso de gra-duação em CiênciasSociais pela UFMGno ano de 2006. Umagradecimento es-pecial é devido aCarlos Ranulfo, Fáti-ma Anastasia, Mag-na Inácio, GuilhermeAlberto Rodrigues eThiago Silame, quecontribuíram signifi-cativamente para oaprimoramento des-te trabalho. Erros eomissões, contudo,são de minha inteiraresponsabilidade.

Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 10, nº 15, p. 83-130, jan./dez. 2008

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with that found on the Brazilian National Congress. It means,decision centralization, high levels of party cohesion andsignificant grades of Executive agenda support.

Keywords: Parties, political relation, Assembléia Legislativado Estado de Minas Gerais

Introdução

O objetivo deste trabalho é analisar o comportamentodos partidos políticos no nível subnacional de governo, sobre-tudo no que se refere a seu relacionamento com o Executivo.Particularmente, o foco desta análise está voltado a explorar ograu de apoio obtido pelos governadores nas votações dosprojetos de sua autoria no interior do Legislativo.

Devido à característica federalista do sistema políticobrasileiro, entender a lógica de funcionamento dos governossubnacionais se torna uma tarefa de primeira importância parase compreender o sistema como um todo. De acordo com aliteratura, eleições nacionais, sejam elas para o Executivo oupara o Legislativo, estão bastante relacionadas com as eleiçõesestaduais – seja para influenciar o resultado final destas, sejapara ser influenciadas por elas (SAMUELS, 2000; POWELLJR., 2000; et al) –; donde pode-se concluir que é preciso manter-se atento ao que se passa nessa esfera da política brasileira.

Abrúcio (2002) foi um dos primeiros analistas políticosbrasileiros a se debruçar sobre a política estadual pós-redemocratização. Ao analisar o período de Governo estadualde 1982 a 1994 em 15 Estados brasileiros, o autor afirma que aesfera estadual de governo é caracterizada por umultrapresidencialismo, já que está marcada por dois traçossingulares: (1) o governador é o agente principal no processo degoverno; e (2) os mecanismos de controle do poder público sãopouco efetivos. Para Abrúcio (2002), o Executivo estadualmantém sua centralidade no processo de governo inibindo oschecks and balances característicos de sistemas presidencialistas,

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cooptando seus potenciais fiscalizadores: o Legislativo e oJudiciário. Para o autor, “a formação de uma maioria governistasólida nas Assembléias foi a arma fundamental utilizada pelosgovernos estaduais para controlar o processo decisório”(ABRÚCIO, 2002). Se a isso se acrescenta o fato de que asassembléias legislativas funcionam com baixo grau de especiali-zação e profissionalização, configura-se um cenário em que opoder dos governadores se impõe sem contestação.

Anastasia (2001), ao analisar as reformas institucionaisrealizadas no interior da estrutura da Assembléia Legislativado Estado de Minas Gerais (ALMG), afirma que em relaçãoa maioria das demais casas legislativas do Brasil, a ALMGtem-se apresentado como uma das mais desenvolvidas“institucionalmente”. Esse grau de desenvolvimentoinstitucional foi alcançado, segundo a autora, pelas mudan-ças que o Legislativo mineiro sofreu a partir do final dadécada de 1980. Esse processo de inovação institucionalsinalizou claramente a passagem de um perfil de organizaçãolegislativo exclusivamente voltado para a viabilização depolíticas distributivistas para outro, que gera ganhos deespecialização e políticas públicas mais consistentes, alémde possibilitar a incorporação institucional dos cidadãos àarena parlamentar.

É nesse debate que o presente trabalho se insere: se, porum lado, as observações empíricas realizadas até 1994 apon-tam para um padrão de relacionamento entre os Poderes nonível estadual que favorece a predominância do Executivo e,por outro, observa-se no interior do Legislativo mineiro mu-danças significativas no sentido de emponderá-lo para oprocesso de tomada de decisão; surge a oportunidade deconfrontar essas duas conclusões, na tentativa de explorarquais os resultados observados no padrão de relacionamentoentre os Poderes no âmbito do Estado de Minas Gerais após1994. O objeto escolhido, a ALMG, gera a oportunidade dechecar o ultrapresidencialismo sob um contexto em que oLegislativo, relativamente ao Executivo, não é tão frágilquanto descreve Abrúcio (2002).

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Ademais, são escassos os estudos sistemáticos sobre ocomportamento dos partidos políticos nas assembléiaslegislativas, o que permite a formulação de algumas perguntasque nortearão o desenvolvimento deste trabalho: como secomportam os partidos políticos nas votações de projetos deautoria do governador? Qual é o tamanho e a consistência doapoio dado pelos deputados estaduais aos projetos do Execu-tivo? Mais ainda, tal tamanho e consistência variam?

Parte-se do pressuposto de que uma casa legislativacom partidos estruturando a tomada de decisão gera ganhosde governabilidade (FIGUEIREDO e LIMONGI, 1999;SANTOS, 2001). O campo de incertezas é reduzido quandopartidos caracterizados por bancadas coesas compõem coa-lizões de governo. A possibilidade de previsão dos resulta-dos é muito maior, já que os governadores podem fazer os“cálculos” para obtenção da maioria necessária para apro-var sua agenda. Uma taxa de convergência reduzida, porexemplo, pode transformar uma coalizão majoritária emminoritária.

Este trabalho conecta duas dimensões cruciais: coesãopartidária e apoio legislativo. Nesse sentido, buscar-se-á en-tender como a coesão dos partidos mineiros abala o nível deapoio legislativo obtido pelo governador às propostas de suaautoria. Trabalha-se com a hipótese de que o alto grau dedesenvolvimento institucional não é suficiente para modificara lógica do ultrapresidencialismo estadual.

O trabalho está organizado em três seções. Na primei-ra, contrapõe-se a literatura que analisa o funcionamento dogoverno nacional com aquela centrada no nível estadual,explorando as especificidades e as semelhanças de ambas.Na segunda e terceira seções, passa-se à análise mais siste-mática da Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).Na segunda seção, discute-se: (a) o Regimento Interno daCasa no que se refere à relação entre os dois Poderes,particularmente no que concerne às votações nominais e aostipos de projetos que tramitam na Assembléia; e (b) a dinâ-mica partidária da Casa na 13ª, na 14ª e na 15ª Legislaturas.

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A terceira seção é utilizada para testar as hipóteses aventadaspela análise (c) da taxa de convergência dos partidos nasvotações nominais de projetos de autoria dos governadoresmineiros entre os anos de 1994 e 2005; e (d) do grau de apoiodos partidos às proposições de autoria do governador, assimcomo sua taxa de sucesso no mesmo período. Por fim, sãoapresentadas as considerações finais do trabalho e a direçãopara que tais conclusões apontam.

Coesão partidária e apoio legislativo

Algumas importantes linhas de investigação vêm sendodesenvolvidas no Brasil acerca do comportamento parlamen-tar, sobretudo no que se refere aos deputados federais. Taislinhas seguem pressupostos e predições de quatro importantesenfoques analíticos que, para explicar o funcionamento dosistema político brasileiro, destacam concentração e dispersãode poder, por um lado, e alta ou baixa capacidade de decidir eimplementar políticas, por outro. Um primeiro enfoque sus-tenta que o sistema político brasileiro seria caracterizado por“um desenho institucional de baixa eficácia quanto à decisãoe implementação de políticas públicas” (PALERMO, 2000).Para tal corrente, o sistema político brasileiro seria marcadopela dispersão do poder decisório e apresentaria problemasde governabilidade. O cerne da questão, segundo esse pontode vista, é que diversos fatores institucionais reforçam-semutuamente para “dispersar ainda mais o poder em um sistemafragmentado” (MAINWARING, 1993) e gerar crises degovernabilidade. Um segundo enfoque trabalha com a noçãode que prevalece uma pauta conflitiva na interação dos Pode-res, com base exatamente nos mesmos traços institucionais eda morfologia partidária identificadas no tipo anterior. Noentanto, para superar os riscos extremos de paralisia decisória,o presidente se vale das prerrogativas de que desfruta. Oelemento central dessa perspectiva é a utilização excludente,por parte da Presidência, dos expressivos poderes legislativos,administrativos e distributivos de que dispõe. Esse enfoquecombina concentração de poder decisório e tendência à

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ingovernabilidade. Uma terceira abordagem conjuga, em suaanálise, concentração de poder decisório e governabilidade.Para esses autores, a pauta de discussões entre o Legislativo eo Executivo não é conflitiva. A cooperação entre os doisPoderes se dá, então, devido à concentração do poder decisórionas mãos do Executivo e à organização legislativa que concen-tra poderes nas mãos dos líderes partidários. Sendo assim, oCongresso está longe de constituir-se em um obstáculo à açãodo Executivo. Por fim, há um último e mais recente enfoqueque acredita que o sistema político brasileiro caracteriza-sepela combinação entre dispersão e concentração de poder queresulta em governabilidade (FIGUEIREDO e LIMONGI,1999; ANASTASIA e MELO, 2002). Para esse enfoque, ospoderes pró-ativos, a montagem do gabinete de coalizão e aforma como se dá o trâmite dos projetos do Executivo noLegislativo são instrumentos importantes para a aprovação daagenda presidencial. Essas diferentes abordagens estão emdiálogo direto com a literatura norte-americana, que estudacomportamento legislativo sob três enfoques, os chamados“modelos” distributivo, informacional e partidário.

O argumento dos defensores do modelo distributivo éque congressistas guiados pela lógica eleitoral – a busca dareeleição – estarão interessados, quase que exclusivamente,em aprovar políticas de cunho particularista. As coalizõeslegislativas são vistas como instáveis, dependendo, principal-mente, da distribuição de preferências dos atores em operação.As comissões são, portanto, o locus apropriado para que osinteresses da constituency do deputado sejam atendidos. Emoutras palavras, os deputados buscarão fazer parte das comis-sões relacionadas ao temas de interesse de seus eleitores, o queaumentaria suas chances de, se realizado um bom trabalho,alcançar a reeleição (MAYHEW, 1974, 2005; FENNO, 1978;FIORINA, 1977; et al).

Já que cada congressista tenta levar o máximo possívelde políticas para seus redutos, tal modelo preconiza que arelação entre eles é conflituosa. Para Weingast & Shepsle(1981) tal dilema não existe. O fato de que um parlamentar

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participa de uma comissão por certo tempo leva-o a fazeracordos longitudinais, ou seja, existe a possibilidade de que elee seus pares negociem e troquem apoio. Nesse contexto,observam-se ganhos para todos os deputados em um ambienteem que os custos de transação são reduzidos e os ganhos detroca são possibilitados. O problema de tal argumento está naincerteza quanto ao apoio dos outros parlamentares quandosuas demandas já estiverem sido satisfeitas. Weingast &Shepsle (1981) reagem à crítica, afirmando que as comissõessão as instituições capazes de estabilizar tais acordos. “Naversão distributivista, as comissões estruturam e permitem aocorrência estável das trocas de apoio necessárias à aprovaçãode políticas distributivistas” (LIMONGI, 1994).

Diferentemente da perspectiva distributivista, o mode-lo informacional privilegia os ganhos de informação que sãopossibilitados pela organização das comissões no interior doLegislativo (KREHBIEL, 2005). O espaço interativo possibi-litado pelas comissões as gabaritam como locus de delibera-ção, discussão e aprendizado, tendo como resultado um maiore melhor quantum de informações para subsidiar as ações doLegislativo. De acordo com o modelo informacional, é oLegislativo, e não apenas o deputado, que ganha com oadensamento das comissões. Interessa ao Legislativo, comoinstituição, que as decisões tomadas sejam mais informadas e,por isso, a maioria concorda em delegar poderes para que ascomissões gerem incentivos à especialização temática dosdeputados. A propósito, segundo Krehbiel (1991), o resultadoobservado é uma legislação mais próxima do ponto ideal dolegislador mediano, já que mais informações reduzem osníveis de incertezas quanto às conseqüências esperadas.

Ainda que bastante diversas, as versões distributivistae informacional guardam um ponto essencial em comum: oreconhecimento da centralidade das comissões como eixosestruturadores da atividade legislativa.

Os teóricos da versão partidária, terceira abordagemtrabalhada neste texto, rejeitam a dicotomia que preconiza adiferenciação da organização legislativa ou por comissões ou

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por partidos. De acordo com seus proponentes, o sistema decomissões deve ser entendido tomando por referência ospartidos políticos. Esses autores vêem as comissões como umaforma de organização legislativa que depende dos partidos. Ouseja, segundo o modelo partidário, os partidos agem porintermédio das comissões.

O poder dos partidos no interior do Congresso estariabaseado em sua capacidade de controlar a agenda decisória,isto é, de determinar quando e o que será objeto de apreciaçãopelo Plenário e pelas comissões (COX & MCCUBBINS,1993, 2005; ROHDE, 1991; BINDER, 1997). Nesse sentido,não se pode afirmar que apenas as comissões teriam poder deagenda, desconsiderando a influência tanto das liderançascomo do speaker. Na verdade, sustentam os defensores dessaperspectiva, o poder partidário está no controle que seus líderestêm de poderes de agenda negativos – poderes de veto –, queinviabilizam a tramitação de matérias que poderiam vir acomprometer a coesão do partido majoritário. O partido majo-ritário é o responsável pela agenda legislativa. Ele coordena oprocesso decisório e fornece os meios para que a cooperaçãose dê. Tudo isso porque é ele o detentor dos principais cargose está nas principais posições do Congresso.

Há certa controvérsia acerca da aplicação direta de taisabordagens para o entendimento do comportamento legislativoe da relação entre os Poderes no Brasil. Mas não há como negarque tais enfoques deram suporte para muitos trabalhos queforam desenvolvidos à luz da experiência brasileira. Particu-larmente, utilizando-se da discussão sobre as três perspecti-vas, Anastasia (2003) estuda a teia de interações desenvolvi-das entre principals e agentes na ALMG e seus impactos sobrea organização, o comportamento e a produção legislativa. Seuargumento é que as inovações institucionais em curso naALMG afetam as relações entre agentes e principals e incidempositivamente sobre os graus de responsiveness e accountabilitydo Legislativo mineiro perante os cidadãos. Segundo apresen-ta a autora, a ALMG obteve, como resultado de mudançasinstitucionais que possibilitaram maior proximidade entre

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representantes e representados, ganhos significativos noquantum e no qualis de informação das diversas áreas envol-vidas no processo legislativo. Resta saber se tal tendência écapaz de modificar a dinâmica do ultrapresidencialismo. Oumelhor, seria possível afirmar que os benefícios advindos dofortalecimento da relação vertical (Legislativo-cidadãos) me-lhorariam o funcionamento dos checks and balances entre osdois Poderes no nível estadual?

Um ponto de congruência de parte da literatura neo-institucionalista da escolha racional que aplica os modelosanalíticos apresentados acima para o caso brasileiro é a com-preensão de que o Poder Legislativo é muito menos ativo queo Poder Executivo no período pós-882. Essa assertiva baseia-se nos estudos de Figueiredo e Limongi (1999) que demons-tram que, entre 1989 e 1998, apenas 14% das leis aprovadasforam de autoria do Legislativo. Segundo os autores, tal dadoé resultado da manutenção, na Constituição de 1988, dospoderes legislativos do Executivo, além da centralização daorganização legislativa nas mãos dos líderes partidários, demodo a garantir a esse Poder o controle da agenda legislativado País.

No que diz respeito às motivações subjacentes à atua-ção dos parlamentares, algumas análises acerca do temaconvergem para o reconhecimento de que, devido aos incen-tivos paroquiais gerados principalmente pelo sistema eleitoralde lista aberta para a Câmara dos Deputados, os candidatos acadeiras parlamentares teriam como melhor estratégia decampanha o cultivo do voto personalizado, em detrimento deestratégias que enfatizassem a sigla e o programa dos partidos.Por outro lado, a consecução eficaz de estratégias centradas novoto personalizado levaria os candidatos a tentar capturarestreitas clientelas eleitorais, de base geográfica ou setorial,dentro de seus respectivos Estados. Por fim, os deputadosassim eleitos deveriam, em sua atuação legislativa, patrocinarleis que canalizassem benefícios para suas clientelas eleitoraisa fim de maximizar as suas chances de reeleição (AMES,1995; CAREY e SHUGART; 1995; MAINWARING, 1993).

2 Uma boa referênciapara se compreendera relação entre o Exe-cutivo e o Legislativolevando-se em contao grau de atividadena apresentação eaprovação de proje-tos de lei nos doisperíodos democráti-cos recentes está emP E S S A N H A ,Charles. Relaçõesentre os PoderesExecutivo e Legisla-tivo no Brasil: 1946-1994. 1997 Tese deDoutorado.

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Ames (2003) contesta a tese de que o presidencialismobrasileiro “funcione muito bem”. Crítico do trabalho deFigueiredo e Limongi (1999), ele afirma que mesmo o Execu-tivo tendo prerrogativas legislativas que fazem dele um fortecandidato à aprovação de sua agenda, deve-se levar em contaque o Congresso é obstrucionista e tem como foco objetivosparoquiais, bloqueando a pauta do Executivo até que suasdemandas localizadas sejam atendidas. Desse ponto de vista,a produção legislativa seria muito pequena e pouco relevante,já que o desenho institucional brasileiro privilegiaria oimobilismo decisório. Para Ames, a tese de um Congressocooperativo e disciplinado peca ao não computar as iniciativasque o Poder Executivo deixa de encaminhar por já prever aderrota; por considerar exclusivamente as votações nominais,deixando de fora as negociações e as barganhas que sãorealizadas fora do Plenário, no momento anterior ao da vota-ção; e ao não perceber que o comportamento parlamentar édefinido por muitas variáveis e não pode ser explicado apenaspela indicação do líder. Seu argumento é o de que o que melhorcaracteriza o arranjo institucional brasileiro é o excessivonúmero de veto players, que surgem devido ao desenhodescentralizador dos sistemas eleitoral e partidário, do sistemafederalista de organização e do fisiologismo tradicional brasi-leiro.

Contudo, o principal problema na análise de Ames é queele aponta a existência de diversas conexões eleitorais na Câmarados Deputados (1. concentrado e dominante; 2. concentrado enão-dominante; 3. fragmentado e dominante; e 4. fragmentado enão-dominante), mas, estranhamente, todas elas levam a ummesmo tipo de comportamento parlamentar, o distributivista(CARVALHO, 2003). Melo (2006)3 mostra ainda que, além denão associar a existência de incentivos eleitorais distintos acomportamentos legislativos diferenciados, Ames não demons-tra a prevalência do paroquialismo: “suas evidências, além defrágeis, são restritas aos processos orçamentários da Legislatura1987-1991, antes, portanto, das mudanças processadas após oescândalo dos sete anões e que limitariam drasticamente a mar-gem de manobra dos deputados individualmente”.

3 Para melhores de-talhes dessa críticaver MELO, C. R. F.As instituições Polí-ticas Brasileiras fun-cionam? Rev. Sociol.Polít., Curitiba, 25, p.247-250, jun. 2006.

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Em contraposição à visão apresentada acima, Figueiredoe Limongi (1999) sustentam que não é possível afirmar que aprodução legislativa do Congresso seja localista. Em seutrabalho as conclusões apontam para uma divisão política dotrabalho legislativo: o Congresso se ocupa, majoritariamente,de leis de cunho social; e o Executivo, preponderantemente, daprodução na área econômica e administrativa. Nesse mesmosentido, Lemos (2001) afirma que, dos 817 projetos de leiapresentados por deputados e senadores entre 1989 e 1994(relativos às áreas de saúde e educação), 60% visavam àtransferência difusa de recursos ou à regulação difusa dedeterminadas atividades. Ou seja, observa-se que os deputa-dos atuam de forma a produzir benefícios difusos e nacionais.Lemos explica a pouca existência de leis de cunho clientelistano bojo da produção da Câmara pela incapacidade institucionaldos legisladores de iniciar legislação orçamentária e tributária.

Amorim Neto e Santos (2002) avançam na análise daprodução legislativa e chegam a resultados próximos aos dosdois autores anteriores, além de incluir em seu estudo osdecretos legislativos da Câmara dos Deputados e as resoluçõesdo Senado Federal. Segundo os autores, “o esperadoparoquialismo dos políticos brasileiros não se manifesta em suaprodução de leis”, mas se desenvolve por meio da aprovação dedecretos. “Podemos afirmar que os incentivos eleitorais paro-quiais se manifestam na produção legislativa dos deputadosfederais através da distribuição de direitos para explorar servi-ços de rádio e televisão” (AMORIM NETO e SANTOS, 2002)4.

Em um dos mais importantes e recentes trabalhos quedebatem essa temática, Carvalho (2003) procura apontar insu-ficiências em ambas abordagens e defende que a melhor manei-ra de compreender o Congresso brasileiro é utilizando-se dosdois modelos: o distributivista e o partidário. Ele identificadiferentes comportamentos dos partidos e dos parlamentarescom base na tipologia desenvolvida por Ames. A crítica a BarryAmes é feita quando o autor afirma que tantos padrões devotação existentes não poderiam gerar apenas uma forma decomportamento na Câmara dos Deputados. No que se refere à

4 Ver mais sobre otema em AmorimNeto, Octavio; San-tos, Fabiano. O se-gredo ineficiente re-visto: o que propõeme o que aprovam osdeputados brasilei-ros. Dados, Rio deJaneiro, v. 46, n. 4,2003; ou em Ricci,Paolo. O conteúdoda produção legisla-tiva brasileira: leisnacionais ou políti-cas paroquiais?. Da-dos, Rio de Janeiro,v. 46, n. 4, 2003.

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análise de Figueiredo e Limongi, Carvalho procura refutar oargumento de que a “estrutura centralizada dos trabalhoslegislativos seria suficiente para neutralizar todos os incentivosoriundos da arena eleitoral” (FIGUEIREDO e LIMONGI,1999). Tais incentivos, segundo o autor, operariam relaciona-dos aos diversos tipos de conexão eleitoral possíveis. Sendoassim, interesses diversos, e até opostos, orientariam a ação dosparlamentares no Legislativo; alguns mais paroquialistas, oseleitos com votação concentrada e dominante; outros maisuniversalistas, com votação tipicamente fragmentada e não-dominante ou eleitos pelas capitais. Dessa forma, o autoracredita que o comportamento parlamentar é resultado tanto doefeito descentralizador da legislação eleitoral quanto da posiçãodos partidos no espectro ideológico, bem como do relaciona-mento construído entre Legislativo e Executivo5.

Mas o que pode ser dito da dinâmica do presidencialis-mo estadual brasileiro6? Nesse sentido, Abrúcio volta a serreferência. Para o autor, a esfera estadual tem sido marcada poruma lógica ultrapresidencial de governo. Existiria uma espé-cie de “pacto homologatório” entre governadores e deputadosestaduais, por meio do qual os legisladores aprovariam, semmaiores discussões, as iniciativas do Executivo em troca dadistribuição de recursos paroquiais7. Com todos esses traços,resta aos deputados o “governismo”. Frente à força do Execu-tivo e à fraqueza dos partidos no nível estadual, os deputadosse vêem compelidos a apoiar o governo.

Nota-se uma aproximação das literaturas nacional eestadual que analisam os Legislativos: o traço centralizadorparece marcar o sistema político brasileiro como um todo.Presidentes e governadores são os capitães das naus para asquais foram eleitos. Eles comandam e coordenam seus gover-nos, mesmo que usando recursos diferentes em alguns casos.Porém, para os casos estaduais, tal tendência foi empiricamentemostrada usando dados do segundo período democráticobrasileiro, até meados de 1994. Essencialmente por isso, fez-se necessário trabalhar com algumas dessas hipóteses noperíodo que se estende de 1995 a 2005.

5 Em trabalho recen-te, Inácio (2006) apre-senta evidências queatestam a importân-cia da contigüidadeideológica das coa-lizões de governosob o comportamen-to dos partidos. Nes-te trabalho, tal di-mensão não seráexplorada, mas,sem dúvida, deveser incorporada àsnovas agendas depesquisa.6 Caracterizo o sis-tema político esta-dual como presiden-cialista, já que eleapresenta todas ascondições estabe-lecidas por Sartori(1996).7 Uma contribuiçãodo argumento deAbrúcio é a respos-ta a “como o gover-nador obtém maio-ria Legislativa?”.Como não é o temacentral deste traba-lho, deixar-se-ápara explorá-lo maisadiante.

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A Assembléia Legislativa de Minas Gerais (1995-2005)

Regimento Interno8

Em um trabalho de referência para os estudoslegislativos, sobretudo brasileiros, Figueiredo e Limongi (1999)mostram a importância das regras regimentais e constitucio-nais na formatação da relação entre os Poderes no sistemapresidencialista. As principais prerrogativas legislativas doExecutivo nacional no pós-88 são: (1) poder de editar medidasprovisórias; (2) poder de veto total e parcial; (3) solicitação deurgência na tramitação dos projetos; e (4) exclusividade nalegislação orçamentária. Além dos poderes constitucionais, acentralização dos trabalhos legislativos também contribui paraa formatação de uma relação desequilibrada entre os Poderespara o lado do Executivo. Segundo os autores:

o Regimento Interno da Câmara dos Deputadosconsagrou um formato decisório centralizado que seharmoniza com esse papel preponderante do Execu-tivo. Se no plano constitucional foram mantidos osmecanismos que garantem a primazia do Executivona função legislativa, no que diz respeito à organiza-ção interna de sua principal casa legislativa, aCâmara dos Deputados, o regimento reservou, e aprática vem reforçando, papel crucial a um gruporestrito, o colégio de líderes, na condução do proces-so legislativo (FIGUEIREDO e LIMONGI, 1999).

Foi por meio da análise do Regimento e da Constituiçãoque os autores chegaram à sustentação de que a lógica defuncionamento dos trabalhos na Câmara dos Deputados segueo modelo “partidário”. No caso da ALMG, é preciso esclareceralguns pontos do Regimento Interno (RI), que, como acontecena Câmara dos Deputados, tem um impacto direto sobre ocomportamento dos deputados na Assembléia, bem comosobre a relação entre o governador e os partidos políticos.Antes, porém, vale destacar que poucas mudanças efetivas sederam no Regimento Interno da Casa nos anos 90, sendo queo conjunto mais significativo se deu em 1997, quando aAssembléia estava sob a Presidência do PSDB.

8 A Constituição Es-tadual não será ana-lisada neste trabalhoporque as informa-ções contidas noRegimento da As-sembléia já são sufi-cientes para os pro-pósitos ora procura-dos. No entanto, pre-tende-se continuar talpesquisa em outrosEstados brasileiros eincluir a análise dasConstituições nessapesquisa.

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Segundo o artigo 66 do RI, uma bancada “é o agrupa-mento organizado de, no mínimo, cinco deputados de umamesma representação partidária”. É preciso atenção para essadefinição, dada a importância que o líder de bancada tem naestrutura da ALMG, já que tal norma limita o raio de ação dospequenos partidos. A outra possibilidade de se obter um cargode liderança é a reunião dos partidos – com um número deparlamentares menor do que cinco – em blocos, de modo quepossam alcançar o patamar mínimo exigido pelo RI.

Dentre outras atribuições regimentais, o artigo 67 do RIda ALMG estabelece que ao líder cabe: “(a) inscrever membrosda bancada ou do bloco parlamentar para discutirem matériaconstante na pauta e falar na terceira parte da reunião; (b) indicarcandidatos da bancada ou do bloco parlamentar para concorre-rem aos cargos da Mesa da Assembléia; (c) indicar à Mesa daAssembléia membros da bancada ou do bloco parlamentarpara comporem as comissões e, nos termos do art. 117, proporsubstituição (grifos próprios)”. Grifo esta terceira atribuiçãopara ressaltar que um dos instrumentos que dão ao líder dabancada ou do bloco poder de coibir os parlamentares no sentidoda aprovação ou rejeição de algum projeto é a capacidade deindicar e retirar o parlamentar de uma determinada comissão.Geralmente os deputados buscam as comissões que lhes trarãomaiores chances de alcançar aquele que, para Douglas Arnold(1990), seria o primeiro objetivo dos parlamentares: a reelei-ção9. Caso o deputado se mostre muito indisciplinado, o líderpode não o indicar para uma comissão de seu interesse, ou retirá-lo depois de feita a indicação, podendo prejudicar, assim, umdos principais objetivos do parlamentar10.

O Regimento Interno da ALMG também traz informa-ções sobre os projetos que podem e/ou que devem passar porvotações nominais para serem aprovados, além de informa-ções sobre suas tramitações específicas. O primeiro caso é do“Projeto de Lei Ordinária” (PL). Como consta no RI, assimque recebido, o PL será numerado, enviado a publicação edistribuído às Lideranças para conhecimento e às comissõescompetentes para, nos termos dos artigos 102 e 103, ser objeto

9 No Brasil, a reelei-ção propriamentedita não é o primeiroobjetivo dos parla-mentares. Dessaforma, parte-se dopressuposto de queos deputados bus-cam sucesso eleito-ral, seja em direçãoao Executivo, a ou-tras esferas de po-der, ou a cargos não-eletivos.10 Para uma discus-são mais aprofun-dada do tema verARNOLD, Douglas.The Logic ofC o n g r e s s i o n a lAction. New york,Yale Press, 1990.

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de parecer ou de deliberação. Note que os líderes recebemcópia dos projetos, o que lhes garante vantagens estratégicassobre os demais membros. Assim que enviado à Mesa daAssembléia, o parecer será publicado, incluindo-se o projetona ordem do dia em 1º turno. No decorrer da discussão, poder-se-ão apresentar emendas, que, publicadas, serão encaminha-das, com o projeto, à comissão competente para receberemparecer. Encaminhado à Mesa da Assembléia, será o parecerpublicado ou distribuído, e o projeto incluído na ordem do diapara votação. O presidente poderá permitir o recebimentoantecipado de emendas, na hipótese de designação de relatorem Plenário, para que este sobre elas se pronuncie, semprejuízo da apresentação de emendas no decorrer da discus-são. Aprovado em 1º turno, o projeto será despachado àcomissão competente, a fim de receber parecer para o 2º turno.Quando houver emendas aprovadas, o parecer conterá aredação do vencido. No 2º turno, o projeto se sujeita aos prazose às formalidades do 1º turno, não se admitindo emenda quecontenha matéria prejudicada ou rejeitada. A emenda conten-do matéria nova só será admitida, no 2º turno, por Acordo deLideranças e desde que pertinente à proposição. A emenda, no2º turno, é votada independentemente de parecer de comissão,podendo ser despachada pelo presidente à comissão compe-tente, de ofício ou a requerimento do Colégio de Líderes, ouainda a requerimento de deputado, aprovado pelo Plenário,ressalvado o disposto no inciso III do artigo 297. Concluída avotação, o projeto é remetido à Comissão de Redação. No casodos PLs, considerar-se-á rejeitado o projeto que receber,quanto ao mérito, parecer contrário de todas as comissões aque tiver sido distribuído, salvo se houver recurso de deputa-do, nos termos do art. 104 (Regimento Interno, 1997).

Há também o “Projeto de Lei Complementar” (PLC),que é aprovado se obtiver voto favorável da maioria dosmembros da Assembléia Legislativa, aplicando as normas detramitação do projeto de lei ordinária, salvo quanto aos prazosregimentais, que serão contados em dobro. Consideram-se leiscomplementares, entre outras matérias previstas na Constitui-ção do Estado: I – o Código de Finanças Públicas e o Código

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Tributário; II – a Lei de Organização e Divisão Judiciárias; III– o Estatuto dos Servidores Públicos Civis e o Estatuto dosServidores Públicos Militares; IV – as leis orgânicas doMinistério Público, do Tribunal de Contas, da Advocacia doEstado, da Defensoria Pública, da Polícia Civil e da PolíciaMilitar (Regimento Interno, 1997).

Por fim, temos a “Proposta de Emenda à Constituição”(PEC). A Constituição do Estado pode ser emendada porproposta: (a) de, no mínimo, 1/3 (um terço) dos membros daAssembléia Legislativa; (b) do governador do Estado; ou (c)de, no mínimo, 100 (cem) câmaras municipais, manifestadapela maioria dos membros de cada uma delas. A propostapoderá ser aprovada se obtiver 3/5 (três quintos) dos votos dosmembros da Assembléia Legislativa, aplicando as normas detramitação do projeto de lei ordinária, com as seguintesressalvas: I – os prazos regimentais serão contados em dobro;II – é indispensável a emissão de parecer sobre emenda de 2ºturno; III – entre um e outro turno, haverá um interstício de 3(três) dias. A emenda à proposta será também subscrita por 1/3 (um terço) dos membros da Assembléia Legislativa. A PECé a medida que exige maior quorum – tanto para a tramitaçãoquanto para a aprovação –, o que permite a uma minoriasuperior a 1/3 exercer o poder de veto.

O que completa o turno regimental de toda tramitação– de primeiro, segundo ou turno único – é a votação. Emrelação a esta, vale chamar atenção para a determinação doRegimento sobre sua colocação na pauta. Segundo o artigo249, a proposição será votada separadamente das emendas.Dessa forma, o emendamento passa a ter um custo políticomais alto, já que é preciso compor uma série de maiorias. Talcusto, em grande parte das vezes, não pode ser “pago” pelaoposição – o que facilita a aprovação da agenda do governa-dor. Vale lembrar que as emendas serão votadas em grupos,conforme tenham parecer favorável ou contrário de todas ascomissões que as tenham examinado, permitido o destaque.

Por fim, é fundamental analisar como se dão os proces-sos de votação. Segundo o artigo 258 do Regimento da

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Assembléia de Minas, são três os processos de votação:simbólico, nominal e por escrutínio secreto. O processo sim-bólico é adotado para todas as votações – é o procedimento-padrão, desde que não haja determinação constitucional emcontrário. Só quando um requerimento é aprovado solicitandoa adoção de outro processo de votação é que o procedimento-padrão é modificado. Tal requerimento tem que ser apresenta-do até o anúncio da fase de votação da proposição. A alterna-tiva possível para que haja votação nominal é o pedido deverificação de votação. O requerimento de verificação devotação é privativo do processo simbólico, podendo ser repe-tido uma vez. Isso faz com que a maioria das votações noPlenário da ALMG se dê de forma simbólica. As votaçõesnominais são adotadas nos casos em que se exige quorum demaioria absoluta, de 2/3 (dois terços) ou de 3/5 (três quintos),ressalvadas as hipóteses de escrutínio secreto; ou quando oPlenário assim deliberar. Ao longo dos 10 anos analisadosneste trabalho, houve pouco menos de 200 votações nominaisde projetos de autoria do governador, sendo que a maioriaabsoluta delas se deu devido à obrigatoriedade da adoção de talprocedimento de votação.

As evidências do Regimento Interno da ALMG apon-tam semelhanças no processo de organização dos trabalhoslegislativos entre tal Casa e a Câmara dos Deputados. Restaanalisar se os resultados obtidos também são semelhantes.

Representação partidária

Entre 1995 e 2005 a Assembléia Legislativa de MinasGerais contou com 17 partidos com representação partidária –os chamados “partidos parlamentares” –, sendo que, seguindoo padrão da esfera federal, PSDB, PMDB, PT, PFL11, PP, PLe PTB se afiguram como os principais na arena legislativa,contendo o maior número de parlamentares.

Na 13ª Legislatura (1995-1998), o PSDB apresenta umcrescimento típico de um partido governista. Ao longo dosquatro anos, o partido do governador Azeredo recebe seisdeputados e sai da terceira para a primeira posição em número

11 O PFL mudou denome em 2007, pas-sando a se chamarDemocratas (DEM).Preferiu-se manter onome original da si-gla, já que analisoum período anteriorao da mudança.

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de parlamentares na ALMG. Mesmo com essa alta taxa demigrantes para o PSDB, o partido só controla 20,8% dascadeiras na Assembléia, o que o força, em um sistemapresidencialista estadual, a compor o governo com outrospartidos para ter sua agenda aprovada. O PMDB, que haviaocupado o cargo de governador nos quatro anos anteriores,também vê crescer o tamanho de sua bancada, que passa de 12para 14 parlamentares. O PP é o partido que mais perdedeputados entre os anos de 1995 e 1998. O Partido Progressis-ta, que dá posse a 11 parlamentares, termina a legislatura comapenas sete deputados estaduais. O PT, principal partido deoposição ao governo, mantém, durante os quatro anos dalegislatura, o mesmo número de deputados (8), que correspondea 10,4% das cadeiras legislativas. Tal percentual inviabiliza oveto do PT aos projetos do Executivo, inclusive em proposi-ções que exigem maioria qualificada. O PT teria que controlar,pelo menos, 25 cadeiras na ALMG para poder exercer talpapel.

No pleito de 1998, o candidato a reeleição, EduardoAzeredo (PSDB), perde a disputa para o ex-presidente ItamarFranco (PMDB). Em um governo muito conturbado e marca-do por diversas crises entre o governador e seus aliados, oPMDB não segue a tendência do PSDB na última legislaturae deixa a 14ª Legislatura com um número de deputados menorem relação ao início do ano de 1999: o partido inicia seumandato no governo de Minas com 11 cadeiras (14,3%), mastermina com apenas 10 (13%). O PSDB mantém a maiorbancada na ALMG, mesmo não fazendo parte oficialmente dabase aliada do governador12, e controla, durante todo o perío-do, mais de 15% das cadeiras, chegando, em seu auge, aos18,2% (14 cadeiras). O PT mantém sob seu controle umamédia de 8% das cadeiras, variando entre 7% e 9%. O PDTobteve um percentual de cadeiras relativamente alto no gover-no Itamar, pois controlou cerca de 10% das cadeiras da ALMGnos quatro anos da 14ª Legislatura. O PL foi a única agremiaçãoa crescer significativamente no período, dobrando sua banca-da. Esse processo provavelmente guarda relação com a pers-pectiva de um bom desempenho do partido na eleição presi-

12 O PSDB, duranteos anos de 1999,2000, 2001 e 2002,não recebe nenhu-ma secretaria dogovernador ItamarFranco, o que, emum regime pre-sidencialista multi-partidário, pode re-presentar a compo-sição formal da basegovernista.

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13ª

LEG

ISLA

TU

RA

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56,

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56,

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97

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67,

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442

1519

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PT

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139

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67,

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67,

797

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56,

495

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22,

65,

519

PM

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CADERNOS DA ESCOLA DO LEGISLATIVO

102

dencial de 2002, uma vez que foi configurada sua coligaçãocom o PT.

Em 2002, Aécio Neves (PSDB) vence o pleito paragovernador em uma disputa em que seus principais oponen-tes eram os candidatos do PMDB e do PT. A exemplo doocorrido no período Azeredo, o PSDB controla cerca de 20%das cadeiras (15 a 18) no Legislativo mineiro. No entanto, odado interessante é o aumento significativo na principalbancada de oposição. O PT cresce nesse período, passa oPMDB em número de parlamentares e se torna a segundamaior bancada do Estado. Em 2003 e 2004, o PT conta com15 deputados, o que equivale a 19,5% das cadeiras; já em2005 e 2006, o PT recebe um membro e se torna a segundamaior bancada estadual, com 16 parlamentares. Certamente,esse crescimento do PT encontra-se associado ao bom de-sempenho de Lula no primeiro turno da eleição para presi-dente da República. Tal como aconteceu na Câmara dosDeputados, a bancada petista estadual seguiu a “onda” econseguiu eleger um número maior de parlamentares. Outrodado que merece destaque diz respeito ao PL. Coligado como PT nacional, o PL é o partido que mais perde deputados aolongo desses quatro anos. O Partido Liberal, que começa a15ª Legislatura com 14 membros (18,2%), termina 2006 comapenas dois parlamentares (2,6%).

Em suma, pode-se observar que nenhum dos três gover-nadores mineiros conseguiu se eleger com maioria absoluta decadeiras na Assembléia, necessitando, dessa forma, de montarum governo de coalizão com outros partidos com representa-ção parlamentar. Do outro lado, também é evidente o poucopoder que o único partido dotado de um “perfil oposicionis-ta”13, o PT, obteve ao longo do período. Mesmo com seudesempenho nas eleições de 2002, o partido nunca conseguiuse aproximar de 1/3 dos votos na ALMG, o que lhe confeririapoder de veto sobre algumas iniciativas do Executivo. Por fim,vale ressaltar as evidências em torno do alto grau de trocaspartidárias no interior do Legislativo mineiro, que segue atendência nacional e pode estar associada à necessidade, por

13 Chamo o PT departido com perfiloposicionista, já quedisputou com oPSDB, tanto no ní-vel federal quanto noestadual, o cargomajoritário nas últi-mas eleições.

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CONVERGÊNCIA PARTIDÁRIA E BASEPARLAMENTAR: O COMPORTAMENTO DOS

PARTIDOS NA ALMG ENTRE 1995 E 2005

103

parte dos deputados estaduais, de ir ao encontro dos recursospolíticos dominados pelo governador14.

O PSDB e o PT são os dois partidos que crescem aolongo de todo o período analisado. O PSDB cresce enquantoé governo e se estabiliza como o principal partido da Assem-bléia. O PT, por sua vez, se avoluma sob o efeito da ondapetista no plano federal – isto é, só de 2002 em diante – e seconfigura como o segundo principal partido em Minas. Oresultado combinado dos crescimentos e regularidades é areprodução, no Estado, da polarização nacional entre PSDB ePT. Três partidos – PMDB, PTB e PFL – perdem pesoparlamentar. O PL, vale ressaltar, apresenta uma trajetóriasingular, com um pico de crescimento seguido por um “pro-fundo vale”.

Coesão partidária15

Existem diversos tipos de votação no Legislativo, comojá mencionado. Os métodos que registram o voto dos parla-mentares são os mais importantes para a ciência política, poisé a partir deles que se torna possível estabelecer conexões entreos parlamentares e os seus votos, dimensionar o grau dedisciplina das bancadas e a taxa de apoio dos partidos aosprojetos do governo.

Na Câmara dos Deputados brasileira não há registrodos votos individuais nas votações secretas e nas votaçõessimbólicas. Nestas últimas, o presidente solicita que os depu-tados favoráveis à proposição em votação permaneçam comose encontram. Todavia, um número significativo de proposi-ções parlamentares é decidido por processo que registra o votode cada deputado: a votação nominal. Para votar, eles utilizamatualmente o sistema eletrônico, acionando, em cada votação,os botões para registrar seu voto: “sim”, “não” ou “abstenção”.

Na Assembléia, as votações simbólica e secreta tambémnão são registradas, mas as demais votações nominais o são eseguem o mesmo processo da Câmara dos Deputados. É pormeio dessas votações que se pode responder qual o padrão de

14 Tal hipótese deveser desenvolvida emuma pesquisa maisacurada sobre otema. Sugere-se aleitura de Melo(2004) para seaprofundar no tema.

15 Neste texto, coe-são e convergênciaserão usados comosinônimos.

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CADERNOS DA ESCOLA DO LEGISLATIVO

104

coesão e disciplina das bancadas encontrado na ALMG entre1995 e 2005. Para os dados levantados, não será possíveltrabalhar com a dimensão da disciplina. Este indicador é auferidoutilizando a indicação das lideranças partidárias e o voto indivi-dual de cada um dos atores envolvidos. Infelizmente, a ALMGnão registra, juntamente com os votos nominais, como cada umdos líderes indicou a votação. Dessa maneira, trabalhou-se comoutro indicador, o índice de Rice. Tal índice mostrará o grau decoesão de um partido para cada votação realizada nominalmenteem Plenário. Como trabalha-se apenas com projetos de autoriado governador, parto do pressuposto de que este Poder quer verseus projetos aprovados na Assembléia, e, portanto, vai neces-sitar do apoio dos deputados. Observando o grau de coesão,pode-se identificar (ou não) se o comportamento no Plenário épartidário ou segue regras ad hoc de composição de coalizões.

Uma primeira decisão fundamental nos estudos sobredisciplina partidária diz respeito às votações que serão inclu-ídas na análise. Há um consenso na literatura de que apenas asvotações que dividem minimamente o Plenário devem serconsideradas. Limongi e Figueiredo (1995, 518) eliminam asvotações em que ao menos 90% dos deputados votam damesma maneira. Mainwaring e Pérez-Liñan (1998) excluemas votações em que o lado minoritário não obteve ao menos25% dos votos. Essa discussão é importante para que não sesobrestimem nem se subestimem as taxas de disciplina média.

Porém, neste estudo, não se seguirá nenhuma das duassugestões expostas acima. Considerar-se-ão todas as votaçõesnominais ocorridas entre 1995 e 2005 sobre projetos de autoriado governador. Isso se dá devido a razões muito simples: (1)o número de votações nominais na Assembléia é muito peque-no, mesmo em um período de 10 anos – apenas 190; (2) se ofenômeno do “governismo” impera nas Assembléias, comosugere Abrúcio (2002), o saldo da discórdia entre os ladosmajoritário e minoritário é muito grande e está expresso,justamente, nessas votações “consensuais”, que Limongi eFigueiredo excluem. Eliminar tais procedimentos subestima-ria a coesão e inviabilizaria a observação do fenômeno

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CONVERGÊNCIA PARTIDÁRIA E BASEPARLAMENTAR: O COMPORTAMENTO DOS

PARTIDOS NA ALMG ENTRE 1995 E 2005

105

supracitado; e (3) como pode-se observar, além do pequenonúmero de votações ocorridas nesses 10 anos analisados, ofato interessante é que, dessas, 76,85% só ocorreram por causade exigência regimental, fato que só reforça a importância dese incluir na análise todas as votações para que se observe ocomportamento dos parlamentares em projetos que exigemquorum qualificado e não em disputas que tenham comoobjetivo elevar os custos da ação16.

Tabela 2 – Número de votações nominais emdecorrência de projetos do governador

Minas Gerais, 1995 a 2005

FONTE: elaboração própria, com base no banco de dados de votaçõesnominais da ALMG 1995-2005.

A Tabela 2 apresenta o quadro final das votaçõesconsideradas neste trabalho. Como pode-se observar, o perío-do em que mais ocorreram votações nominais foi na 15ªLegislatura (80), seguido da 13ª (70) e da 14ª (40). O ano emque o Plenário da ALMG mais votou proposições foi oprimeiro do governo Aécio Neves (PSDB), totalizando 42.Outra decisão importante que deve ser tomada é quanto aoprocedimento de mensuração a ser utilizado. Para o cálculo dealguns índices, basta conhecer o resultado final da votação dospartidos; para o cálculo de outros, porém, é necessário conhe-cer como cada deputado votou individualmente. Dentre osindicadores construídos com base no resultado final das vota-ções, os mais empregados pela literatura são o índice de Rice17

e o índice de unidade partidária18. Dentre os índices para cujo

16 Ao prosseguir apesquisa, pretende-se fazer outras com-parações utilizandoesses dados. A pri-meira delas, porexemplo, será com-parar o sucesso dogovernador e a coe-são dos partidosconsiderando vota-ções unânimes enão-unânimes.17 O índice de Rice écalculado subtraindo-se o percentual majori-tário do lado minoritáriode um determinadopartido em uma deter-minada votação(NICOLAU, 2000).18 O índice de unidadepartidária é calculadodividindo-se o total devotos do lado majoritá-rio de uma votação pelototal de votantes (oumembros) da banca-da (NICOLAU, 2000).

VOTAÇÕES 1995 1996 1997 1998 13ª

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VOTAÇÕES 1999 2000 2001 2002 14ª

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VOTAÇÕES 2003 2004 2005 2006 15ª

Número 42 19 19 - 80

TOTAL 190

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CADERNOS DA ESCOLA DO LEGISLATIVO

106

cálculo é imprescindível conhecer o voto de cada parlamentar,destacam-se o índice de lealdade19 e o índice de fidelidade àposição do líder partidário20.

Na ALMG, os líderes podem encaminhar votação paraa bancada, indicando sim, não, ou liberando seus deputados.Contudo, não há registros desses encaminhamentos, o queinviabiliza a utilização dos dois últimos índices. Neste estudo,vale ressaltar, a coesão dos partidos será medida pelo índice deRice. Para efeito do cálculo, serão considerados, como é usualna literatura, apenas os deputados presentes na votação21.

Passa-se então à análise dos dados. Adianto que a visãotradicional de que os partidos brasileiros são pouco disciplina-dos, jogada por terra por Figueiredo e Limongi (1999), tam-bém não encontra sustentação nos dados do Legislativo minei-ro. Nas votações analisadas, o índice de Rice médio – conside-rando todos os partidos com representação parlamentar – foide 96,01% na 13ª Legislatura, 96,67% na 14ª Legislatura, enada menos do que 99,14% na 15ª. Observa-se uma tendênciade aumento do índice ao longo das três legislaturas, e valoressignificativamente superiores às médias encontradas para aCâmara dos Deputados, que gira em torno dos 89,5% entre1995 e 1998, como mostram os dados de Nicolau (2000)22.Logo, em uma votação qualquer, pode-se esperar que cerca de98% dos membros de qualquer dos partidos votará da mesmaforma. A Assembléia mineira, seguindo o padrão nacional,está muito longe de apresentar um comportamento errático.

Segundo a taxa média de disciplina apresentada, ospartidos podem ser divididos em três grupos. O primeiro écomposto por partidos com 100% de coesão. Aqui é precisoconsiderar a incidência de pequenas bancadas na ALMG. Deuma forma geral, são estas bancadas, com uma representaçãoque varia entre um e cinco deputados, as que apresentam taisíndices. O segundo grupo é integrado por partidos cujas taxasvariam entre 95% e 99%. E no terceiro e último grupoaparecem os partidos com taxas abaixo dos 95%. De todaforma, comparativamente aos resultados encontrados para aCâmara, a taxa de coesão é consideravelmente alta. Mas se os

19 O índice de lealdadeé calculado dividindo-se o número de vezesque o deputado votoucom o partido pelo nú-mero de vezes que elecompareceu para vo-tar (podem-se consi-derar também as fal-tas como voto contrá-rio ao partido)(NICOLAU, 2000).20 O índice de fidelida-de à posição do líderdo partido é calculado,para cada votação, di-vidindo-se o total dedeputados de cadapartido que votaramconforme a indicaçãodo líder pelo total dedeputados desse par-tido que comparece-ram para votar (ou so-bre o total da bancada)(NICOLAU, 2000).21 Como já mostra-do, devido à intensatroca de legendas,houve significativasalterações no núme-ro de deputados decada partido ao lon-go das legislaturas.Por isso, foi funda-mental um controlecuidadoso para evi-tar que esse fatorafetasse os resulta-dos da pesquisa.22 Vale lembrar quetal diferença podeser atribuída à inclu-são de todas as vo-tações, o que podeelevar a média decoesão.

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CONVERGÊNCIA PARTIDÁRIA E BASEPARLAMENTAR: O COMPORTAMENTO DOS

PARTIDOS NA ALMG ENTRE 1995 E 2005

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CADERNOS DA ESCOLA DO LEGISLATIVO

108

valores estão acima do padrão brasileiro, suas variações dentrodas legislaturas e entre elas merecem atenção especial. Obser-vam-se, então, os dados referentes aos principais partidos emcada uma das legislaturas.

No governo Azeredo (PSDB), seu partido apresenta omelhor desempenho em termos de coesão dentre os grandes.A taxa de convergência média do PSDB alcança os 96,89%.Da mesma forma, o PT também tem uma alta taxa deconvergência (96,88%). No que diz respeito a essa legislatura(13ª), o PMDB é o partido que tem o menor índice de Rice(86,46%).

Como pode ser visto na Tabela 3, o padrão para ospequenos partidos no governo Itamar Franco (PMDB) émantido. São eles os detentores das maiores médias deconvergência na Casa. Por outro lado, o partido do governa-dor não alcança patamares parecidos com o do PSDB à épocado governo Azeredo. O PMDB fica na faixa do terceirogrupo, com uma taxa de convergência média de 93,62%, oque provavelmente sinaliza problemas entre o governador eseu partido. Vale ressaltar que é o PMDB o partido queapresenta a pior taxa de coesão em um determinado anodentre os 10 analisados neste trabalho. Em 1997, o partidotem uma média de coesão de apenas 74,76%. O PSDB e oPFL, que não compuseram oficialmente a base aliada dogovernador entre 1995 e 1998, são os partidos com asmenores taxas de convergência média, 92,13% e 87,75%,respectivamente. A diminuição da coesão é particularmentesignificativa no caso do PFL, apontando para as dificuldadesdo partido no exercício da oposição. O PT, que foi duranteum bom tempo aliado do governador, apresenta um compor-tamento muito coeso, cerca de 98%. Dentre os partidos combancada significativamente relevante, foi o PP aquele queteve a maior convergência média durante todo o período(98,61%).

Durante o governo Aécio Neves (PSDB) são registradasas maiores médias de coesão de todo o decênio aqui analisado.O partido do governador, por exemplo, volta a expor uma taxa

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média total de convergência elevada (99,52%). O PDT, quesempre apresentou taxas médias de coesão de certa formaelevadas, é a agremiação com a menor média entre 2003 e2005, 97,31%. Com quase o mesmo percentual médio deconvergência, PL, PPS e PT são os partidos abaixo do PSDBem relação ao Rice. O PMDB, terceira maior bancada doEstado, apresenta também um baixo índice de convergênciamédia se comparado com as outras representações partidáriasda Casa, apenas 97,83%.

De novo, vale enfatizar que, mais do que um atributosistêmico (alta ou baixa coesão de todos os partidos), o quechama atenção no caso estadual é a variação. Para analisarmelhor essa afirmação vale observar a evolução da taxa médiade convergência partidária ao longo das três legislaturas aquianalisadas. Acredita-se que a variação encontrada pode serentendida ponderando-se três fatores: a posição do partidodiante do governador, a posição do partido no espectro ideo-lógico; e o tamanho da bancada23. Em relação ao tamanho, asevidências são explícitas: os pequenos partidos têm compor-tamento mais coeso em relação aos grandes. Tal relaçãoremete às dificuldades de coordenação que os partidos maiorestêm que lidar. Quando se associa posição no espectro ideoló-gico com posição de governo, a relação parece tomar trêsformas: entre os partidos mais à direita, estar na situaçãoparece aumentar a coesão, e estar na oposição parece diminuí-la. Para os partidos de centro a mesma regra vale24. Já para ospartidos mais à esquerda do espectro, a posição em relação aogoverno parece não fazer efeito sobre o grau de coesão25.

Por fim, os resultados aqui apresentados mostramcomo se comportam os parlamentares diante da agenda quelhes foi apresentada, sendo esta definida mediante um pro-cesso decisório altamente centralizado, controlado peloslíderes e pelo governador. Seguindo a tendência nacional, ospartidos na Assembléia também parecem apresentar um graurelativamente alto de concordância quando da realização devotações nominais. Diante disso, rejeita-se a hipótese de queos partidos políticos não são estruturados no interior doLegislativo mineiro.

23 Essa é uma supo-sição que pretendodesenvolver em tra-balhos futuros.24 Acredita-se que ocomportamento doPMDB destoa umpouco da regra de-vido à influência dotamanho da banca-da. Durante todo operíodo, o partido fi-gurou dentre os maio-res da Casa.25 Essas hipóteses sópoderão ser testadasquando os dadossobre o grau de apoiodos partidos aos go-vernos e a taxa desucesso destes jáestiverem analisa-dos e indicaremquais os partidosestão na oposição equais se comporta-ram como situação.

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O apoio dos partidos aos governos Azeredo, Itamar e Aécio

Existem muitos estudos de Ciência Política sobre dis-ciplina e coesão partidária, mas são escassos os trabalhos sobreo grau de apoio dos partidos às proposições do Executivo,tanto no nível Federal quanto na esfera subnacional (AMORIMNETO, 2000; FIGUEIREDO e LIMONGI, 1999). Dessaforma, a empreitada que aqui se desenvolve tenta descrever ospadrões partidários encontrados, sempre tendo como variáveisintervenientes as legislaturas e os respectivos governos.

A literatura que trata da relação do Executivo com ospartidos no Legislativo no âmbito nacional concentra-se em doisaspectos: (1) no número de ministérios controlados pelos parti-dos e (2) na base de sustentação do Executivo, sobretudo naexistência de maioria parlamentar. No entanto, ao trazer essedebate para o nível estadual, acredito ser fundamental investigarqual é a contribuição efetiva dos partidos no Legislativo para aaprovação dos projetos de iniciativa do Executivo.

Nesta seção, tenho como objetivo analisar a extensão doapoio dos partidos na Assembléia Legislativa de Minas Geraisàs iniciativas de interesse dos governadores mineiros entre osanos de 1995 e 2005. Para tanto, segui, com pequenas adapta-ções, os passos metodológicos de Nicolau (2000) na construçãodo índice de apoio ao governo. Como bem explicita o autor:

sua operacionalização é muito simples: o total deparlamentares de um partido que acompanharamcom seus votos a indicação do líder do governo édividido pelo total de deputados que compõem abancada. Por exemplo, em uma bancada de 120deputados, em que 72 votaram como o indicado pelolíder governamental, o índice de apoio ao governoseria de 60% (72/120) (NICOLAU, 2000).

O índice de apoio ao governo criado para este trabalhosofreu algumas adaptações: como não há registros da indicaçãodos líderes às suas bancadas nas votações que ocorreram naALMG, optei por utilizar apenas as votações que se deram emdecorrência de projetos de iniciativa do governador, salvo as

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votações de emendas, substitutivos e requerimentos feitos peloPlenário da Casa26. Dessa forma, estou partindo do pressuposto deque o governador quer ver aprovados os seus projetos enviados àALMG. Vale ponderar que é plausível que o Executivo lancebalões de ensaio como estratégia para mensurar o apoio dospartidos a determinados projetos e obrigar a oposição a barganharcom ele a aprovação da agenda, mas é quase impossível pensarque nos 10 anos aqui analisados os três governadores tenhamtornado essa estratégia um objetivo. Certamente, mais do queidentificar posições na ALMG, o governador quer é ver suaagenda aprovada – mesmo que tal estratégia esteja disponível eseja usada durante o jogo27. Sendo assim, em vez de considerar onúmero de deputados que votou como indicou o líder, utilizei onúmero de deputados que votou “sim” durante a votação nominal.O “sim” foi utilizado para expressar apoio na aprovação daagenda do governador. Volto a dizer que, para o caso da constru-ção desse índice, utilizei toda a bancada e não apenas os presentesà votação. A razão é muito simples: como os resultados dasvotações dependem de quorum específicos, quando os interessesdo governo estão em jogo, mobilizar os deputados para compare-cer às sessões é uma tarefa fundamental. Trabalhar somente comos deputados presentes às sessões seria, portanto, desconsideraresse fator. No caso do apoio partidário ao governo, analisam-se 91votações ao longo dos 10 anos que interessam à análise28, sendoque 96% delas dizem respeito a PLCs e PECs – projetos queexigem quorum qualificado.

Em relação a essa última informação, quero ressaltar quea Assembléia mineira não costuma passar por processos devotação nominal, pelo contrário, o governador vê sua agendaaprovada, sobretudo, via votação simbólica na Casa. Por isso, aanálise das votações nominais pode trazer informações novassobre o comportamento parlamentar. A impressão até agora é deque os partidos são “governistas”, mas esse grupo de votaçõescustosas29 pode revelar um quadro diferente.

Antes de passar à taxa de apoio dos partidos ao governo,vale a pena observar em que medida o governo foi bem-sucedido nas votações de seu interesse. A Tabela 4 mostra que

26 Ou seja, dentre as190 votações ocor-ridas entre 1995 e2005, nesta seçãoserão analisadasapenas 91, que sãoaquelas votações doprojeto original dogovernador.

27 Para uma discus-são mais acuradadesse tema, verDiniz (2005).

28 Esse baixo númerode votações em rela-ção ao total de vota-ções utilizadas paraao calculo do índicede Rice se dá devidoà falta de informaçõessobre a indicação devotação dos líderespartidários na ALMG.Retiraram-se as vo-tações em emendas,substitutivos e reque-rimentos em que nãoestava expressa a di-reção do voto do go-verno.29 Chamo tais votaçõesde custosas por dete-rem três característi-cas básicas: necessi-tam de quorum qualifi-

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Tabela 4 – Taxa de sucesso dos governadoresMinas Gerais, 1995 a 2005

FONTE: elaboração própria, com base no banco de dados de votações nominais da ALMG1995-2005.

(1) o sucesso dos governadores nas votações nominais só nãoé alto no governo Azeredo; e (2) ao longo do período, atendência é de aumento da taxa de sucesso. No total, Azeredoperde 20 votações e obtém somente 17 vitórias. Sua taxa médiade sucesso na legislatura inteira é de apenas 55,7%. O gover-nador Itamar Franco (PMDB) tem um retrospecto melhor, suataxa média de sucesso é muito maior do que a de Azeredo(80%) e, no geral, ele consegue vitória em 73,3% das votações.Aécio Neves (PSDB), confirmando a tendência anunciadaacima, tem uma taxa de sucesso, no período, de 83,8%. Emrelação a vitórias e derrotas, Aécio consegue vencer em 82%das votações e só perde em 18% delas.

A hipótese inicial é de que os governadores conseguemaprovar sua agenda sem grandes custos e que obtêm umsucesso legislativo relativamente alto (ABRÚCIO, 2002).

cado; tratam de maté-ria densa e delicadapara muitos dos públi-cos atentos, e é o úni-co momento do jogopolítico na ALMG emque os deputados têmque se posicionar. Prin-cipalmente em relaçãoà última característica,tal posicionamento en-volve custos de tran-sação que dependemdo assunto da matériaem votação que o le-gislador não quer pa-gar.

LEGISLATURA ANO VITÓRIAS DERROTAS TOTAL SUCESSO MÉDIA

1995 6 2 8 75%

1996 4 0 4 100%

1997 6 12 18 33,3%

1998 1 6 7 14,3%

13ª

T 17 (45,9)% 20 (54,1)% 37 (100)% -

55,7%

1999 1 4 5 20%

2000 4 0 4 100%

2001 3 0 3 100%

2002 3 0 3 100%

14ª

T 11 (73,3)% 4 (26,6)% 15 (100)% -

80%

2003 16 5 21 73,7%

2004 7 2 9 77,8%

2005 9 0 9 100%15ª

T 32 (82,0)% 7 (18,0)% 39 (100)% -

83,8%

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PARTIDOS NA ALMG ENTRE 1995 E 2005

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Observe que os dados não parecem apontar necessariamenteno sentido desse pacto no que se refere às votações nominaiscustosas. Há alguns anos em que os governadores têm derrotassignificativas, que reduzem suas taxas de sucesso a patamaresmenores do que 50%. Mesmo que, no geral, a ALMG aprovea agenda do Executivo, no caso específico das votaçõescustosas, a relação parece ser um tanto diferente. A explicaçãoparece estar no desenho institucional arquitetado pelo Legislativomineiro. Com a ampliação dos espaços de relacionamento entrecidadãos e parlamentares, as possibilidades de que os cidadãosreconstruam a cadeia causal entre demandas e políticas e estasa resultados se tornou mais viável. Sendo assim, os legislado-res têm mais incentivos para se comportar de forma maisresponsiva e responsável. Nessas votações, em que o deputadotem que tomar alguma posição, eles tendem a cumprir melhoro seu papel de fiscalizadores – e não apenas homologam asdecisões do governador – porque, conseqüentemente, sãomais controlados pelos cidadãos.

Isso remete a outra discussão, que se dá no planonacional, mas que talvez ajude a entender a relação dosPoderes no presidencialismo estadual. Cox & Morgernsternafirmam que a relação entre Executivo e Legislativo na Amé-rica Latina tem a forma típica de um nítido veto game bilateral,em que o presidente se move primeiro, propondo as legisla-ções mais importantes, já tendo em vista que o Congresso teráchances de reagir durante a tramitação dos projetos. Naspalavras dos próprios autores, “embora as Assembléias latino-americanas sejam primeiramente reativas, isto não significaque elas sejam necessariamente impotentes ou inúteis”30 (COX& MORGENSTERN, 2002). Veja que é o mesmo caso daAssembléia Legislativa mineira. Os dados de sucesso nasvotações de interesse do governador apontam que, mesmo queo Executivo tenha o poder de agir primeiro (de iniciar legisla-ção), o Legislativo não opera como um poder impotente ouinútil. Acrescente-se a isso o fato de a ALMG ter sido aprimeira casa legislativa subnacional a implantar inovaçõesinstitucionais que aumentaram a sua capacidade de exercer oschecks and balances.

30 Tradução própria.

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Pereira (2001) também apresenta uma problematizaçãointeressante sobre essa relação. Ele vai afirmar que “o Execu-tivo tende a predominar [sobre o Legislativo], mas os custos desua vitória são diferentes”. O autor recoloca, então, a questãoanteriormente problematizada por Carey e Shugart (1998): “oslegisladores são cooptados ou delegam autoridade ao Execu-tivo?” (Pereira, 2001). Esses autores chegam a afirmar que,embora o Executivo seja preponderante, o Legislativo nãocede o controle sobre as políticas para o presidente. Pereira,porém, não pretende responder ao problema sugerido, masaponta na direção de que “um dos fatores intervenientes navariabilidade observada [nos diversos Estados brasileiros]seria o recurso a diferentes arranjos de delegação”. O quechama atenção nesse trabalho é a constatação de um padrão dedesequilíbrio na relação entre os dois Poderes, apesar dassignificativas diferenças de prerrogativas institucionais dosgovernadores nos diversos Estados brasileiros31. Isto é, oExecutivo é mais “poderoso” que o Legislativo, sobretudo sese analisam as prerrogativas institucionais disponíveis paracada um. Ao mesmo tempo, isso não é prova da usurpação porparte do governador dos poderes do Legislativo. A relaçãoparece ser de delegação mesmo; então a ALMG deixa que oExecutivo opere, mas pode controlá-lo nos momentos maisimportantes, a saber, nas votações custosas: dos projetos dePLC e de PEC. Se este trabalho analisasse o resultado de todasas votações da Assembléia, incluindo as simbólicas, certamen-te as vitórias do governador, se comparadas às derrotas, seriamarrasadoras. Contudo, como as votações nominais se dãomajoritariamente sobre projetos que exigem maiorias qualifi-cadas, momentos em que o Executivo mais precisa da sua basealiada, os dados mostram que os legisladores podem derrotaros interesses do governador em favor dos seus próprios (ou deseus eleitores) – mesmo que em geral a tendência observadaainda seja a da vitória governista.

Levando-se em conta que o Legislativo não é usurpado,sobretudo quando se trata de matérias que exigem maioriasqualificadas, passar-se-á à análise do índice de apoio dospartidos às votações de interesse dos governadores para que se

31 Tal observaçãopode ser encontradaem Santos (2001).

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13ª LEGISLATURA(1995/1998) 14ª LEGISLATURA(1999/2002) 15ª LEGISLATURA(2003/2005*)-

1995 1996 1997 1998 T1 1999 2000 2001 2002 T2 2003 2004 2005 2006 T3PCdoB - - - - - - - - - - 84,2 100 77,8 - 87,3

PDT 55,4 57,1 30,6 41,1 46 42,5 81,3 66,7 62,5 63,2 68,4 64,4 68,9 - 67,3

PFL 76,3 67,5 49,4 57,1 62,6 30 75 66,7 66,7 59,6 62,1 55,6 61,9 - 59,9

PL 79,2 83,3 52,8 85,7 75,2 28 81,3 66,7 56,7 58,1 42,9 23,6 50 - 38,8

PMDB 57,3 66,7 30,8 21,4 44 40 69,2 72,2 60 60,4 45,4 58 32,2 - 45,2

PMN 75 50 50 14,3 47,3 20 25 0 0 11,3 - - - - -PP 45,5 40 47,2 30,6 40,8 56 45 53,3 66,7 55,3 60 66,7 63 - 63,2

PPS 75 75 61,1 42,9 63,5 40 75 83,3 66,7 66,3 73,7 33,3 55,6 - 54,2

PSB 12,5 25 - - 18,8 20 62,5 91,7 88,9 65,8 55,3 50 - - 52,6

PSD 25 37,5 19,4 50 33 43,3 75 61,1 33,3 53,2 - - - - -PSDB 75 79,2 55,6 64,3 68,5 25,7 75 69,2 63,9 58,5 65,6 63,9 45,9 - 58,5

PSC - - - - - 80 - - - 80 - - - - -PSN - - - - - 20 75 66,7 66,7 57,1 - - - - -PST - - - - - 20 0 0 - 6,7 - - - - -PT 40,6 43,8 11,1 3,6 24,8 48,6 75 72,2 71,4 66,8 64,6 64,4 69,4 - 66,2

PTB 56,3 38,9 46,1 69,8 52,8 40 75 77,8 66,7 64,9 60 31,1 68,9 - 53,3

PV 37,5 50 38,9 71,4 49,5 - - - - - - - - - -SP* - - - - - - - - - - - 40,7 50 - 45,4

Tabela 5 – Índice de apoio ao governoMinas Gerais, 1995 a 2005

FONTE: elaboração própria, com base no banco de dados de votações nominais da ALMG 1995-2005.

possa identificar de que forma cada uma das bancadas contri-buiu para a aprovação da agenda do Executivo.

Para efeitos metodológicos, considerar-se-á que ospartidos podem se posicionar de duas maneiras no nívelsubnacional: situação (se 50% ou mais da bancada apóia ogovernador), ou oposição (se menos de 50% da bancada apóiao governador)32.

A Tabela 5 apresenta o índice de apoio dos partidos àsvotações de interesse dos três governos analisados. No períodoAzeredo (PSDB), apenas o PSDB e o PL se comportaram comosituação durante todo o período. Do outro lado, há tambémaqueles partidos que em momento nenhum se comportaramcomo situacionistas, são eles: PP, PT e PSB. Os demais partidoscom representação parlamentar na ALMG ora se apresentavamcomo situacionistas, ora como oposicionistas – com uma leve

32 Também se pode-ria classificar as ban-cadas como “inde-pendentes”, contu-do, para este estu-do, tal classificaçãonão acrescentarianada na relação en-tre os Poderes.

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predominância para a situação. Considerando-se a média deapoio total, pode-se classificar o Plenário da Assembléia daseguinte forma: PL, PSDB, PPS, PFL e PTB seriam ospartidos que mais tenderam a apoiar o governo; e PV, PMN,PDT, PMDB, PP, PSD, PT e PSB são os partidos que maistenderam ao oposicionismo. Todavia, ao deixar-se de olharpara o todo e focar-se nos dados desagregados por ano,observar-se-á que o “governismo” é a regra durante todo oprimeiro biênio do governo do PSDB. Só em 1997 e 1998 é queos partidos começam a deixar de comportar-se dessa forma –o que reflete negativamente na média de apoio geral dospartidos. Essa mudança de comportamento é comum emsistemas presidencialistas, já que a aproximação da eleiçãopara o governo do Estado lança o olhar dos parlamentares parao futuro, e não mais para a sua relação com o atual governo.

No que se refere ao governo Itamar (PMDB), os resul-tados surpreendem dada a quantidade de crises reportadas pelamídia entre o governador e sua base aliada. Diferentemente doobservado no governo anterior, o período Itamar é marcadopor um alto apoio partidário nas votações de seu interesse.Apenas o primeiro ano de seu governo apresenta um baixoíndice. Em 1999 apenas PSC e PP se comportaram como dabase aliada do governador. Nos anos seguintes, o padrão foi o“governismo”. Somente o PMN e o PST se mostraram contrá-rios às proposições apresentadas pelo Executivo. O restantetem o padrão identificado por Abrúcio (2002) – mas talvez nãopela mesma razão. Chamo atenção para o expressivo apoiomédio do PT (66,8%) em relação ao partido do governador, oPMDB (60,4%). Interessante também é observar que até oPSDB e o PFL, que não participaram da coalizão de governoem nenhum momento da administração Itamar Franco (PMDB),comportaram-se, em média, como partidos “governistas”, jáque o índice médio de apoio desses partidos foi, respectiva-mente, de 58,5% e 59,6%.

Por fim, cabe analisar os dados para o governo AécioNeves (PSDB). Este é, sem dúvida, o governo que melhorconsegue se relacionar com o Legislativo. Prova disso é que

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todos os partidos se comportaram como “governistas” emalgum momento dos três anos em análise. E, o mais interessan-te, até o partido que tem polarizado a disputa pelo governo doEstado com o PSDB, o PT, comportou-se como governo noperíodo Aécio Neves (PSDB). Na média geral, o PT (66,2%)tem um comportamento governista mais forte do que o próprioPSDB (58,5%) e o PFL (59,9%), antigos parceiros nos gover-nos federal e estadual. O fato de o PT ter-se comportado comogoverno não surpreende absolutamente, já que o partido podeter tido um posicionamento mais “responsável” diante dogovernador nessa última legislatura. Porém, não acredito quehaja uma explicação suficiente para o fato de o PT ter apoiadomais o governador Aécio Neves do que PSDB e PFL. Talachado só estimula mais a realização de novas pesquisas nosentido de desvendar tais questões. O PMDB e o PL são os doispartidos que, em geral, apresentam média de apoio ao governoabaixo daquilo que se classifica como situação. Mais uma vezo fenômeno do “governismo” se expressa nos Estados.

Em suma, o que os dados mostraram foi que Azeredotem o apoio dos partidos, mesmo que, em geral, esse apoio sejabaixo e que isso lhe custe algumas derrotas. Itamar consegueum sucesso elevado e um apoio partidário amplo. Com Aécio,a explicação parece estar no fenômeno do “governismo”.Totalmente presente, tal comportamento faz com que oschamados partidos de oposição, como o PT, abdiquem de fazer“simplesmente” oposição ao governador para passar a fazeruma oposição chamada de “responsável” e apoiar, em geral, ogovernador – como já aventado anteriormente.

Como esperava-se, os governadores, mesmo nas vota-ções “custosas”, têm apoio partidário. Porém, falta explicar oporquê das derrotas. Continuo afirmando que o Legislativopode vencer o governador, sobretudo quando os interesses emjogo são conflitantes. Na próxima seção, mostrar-se-á algunsdados onde se compara o apoio dos partidos ao governadorcom o vínculo político formal que esses tinham com o Execu-tivo. Tentar-se-á mostrar evidências para afirmar que o com-portamento real dos partidos, não condiz, necessariamente,com a posição destes diante do governo.

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Da relação entre coesão, apoio e sucesso

Alguns autores (MAINWARING, 1993; LINZ, 1990)que trataram das escolhas institucionais das novas democraciasconsideram a combinação de presidencialismo com represen-tação proporcional a pior escolha possível. Para eles, osmaiores riscos dessa alternativa derivariam de dois fatores. Oprimeiro é a possibilidade de ocorrência de governos divididos(o Legislativo controlado por um partido e o Executivo poroutro), sobretudo nas situações em que os partidos que contro-lam os Poderes são de pólos opostos no espectro ideológico.O segundo fator é a possibilidade de criação de governos comuma base de sustentação parlamentar reduzida, o que dificul-taria a aprovação de medidas propostas pelo Executivo. O quetais autores esquecem é que o presidencialismo pode terfeições parlamentaristas e constituir governos de coalizão.

Alguns autores que estudam o funcionamento do presi-dencialismo brasileiro (ABRANCHES, 1988; AMORIMNETO, 1998; INÁCIO, 2006) têm chamado a atenção para aimportância das coalizões na criação da governabilidade. Espe-cificamente com relação ao Executivo, nos planos nacional eestadual, as coalizões entre os partidos acontecem em trêsmomentos: (1) coligações para o primeiro turno das eleições;(2) acordos para que os candidatos derrotados apóiem oscandidatos que disputarão o segundo turno das eleições; (3)distribuição de cargos no Executivo (ministérios, secretarias,cargos de escalões inferiores) com o propósito de garantir umabase de sustentação parlamentar.

Em um sistema representativo no qual não há indisciplinanas votações parlamentares e o comparecimento às votações épleno, basta conhecer o número de deputados da base gover-nista para saber o resultado de uma votação de interesse dogoverno. Esse pressuposto, no entanto, não parece se concre-tizar no caso particular da Assembléia Legislativa de MinasGerais. Por mais que o comportamento não seja tão errático,ainda há dissidências significativas nas coalizões estaduaisque afetam o resultado político da relação entre o Executivo eo Legislativo. Nesta seção, o objetivo é fazer uma leitura

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multivariada do complexo jogo que envolve a situação e aoposição em relação aos partidos e aos governadores, especi-almente: a relação entre o sucesso nas votações, a coesão dospartidos e o apoio dado ao governador.

Ao longo do período 1995-2005, os governadoresmineiros enfrentaram, pelo menos, três problemas básicos: (1)sair das eleições com o maior número de cadeiras possívelconquistadas pelos partidos de sua coligação eleitoral; (2)constituir uma coalizão governativa que lhe garanta maioriaqualificada na Assembléia; (3) assegurar apoio máximo dospartidos da coalizão para os projetos de seu interesse – o queenvolve garantir que os líderes partidários em coalizão contro-lem suas bancadas no sentido de apoiar o governador.

O primeiro desses problemas não parece vir sendoenfrentado de forma satisfatória. A principal estratégia paratanto tem sido a montagem de uma coligação para disputar opróximo pleito. Como mostram os dados da Tabela 6, nem acoligação eleitoral nem o partido do governador sozinho têmconseguido eleger a maioria necessária para implantar asreformas necessárias. A coligação eleitoral de Azeredo sai daseleições com apenas 31,8% das cadeiras; a composição arqui-tetada por Itamar nas eleições de 1998 só lhe garante 28,9%dos assentos na Assembléia; e a coligação Aécio elege para aALMG apenas 27,3% dos deputados. Esses dados deixamclaras as necessidades de se enfrentar o segundo desafio:montar uma coalizão governativa majoritária no Estado.

O Executivo trabalha no sentido de montar uma coali-zão de governo que garanta a aprovação de sua agenda;portanto, tenta compor com um mínimo de partidos capaz delhe conferir vitórias na Assembléia. A estratégia adotada paravencer tal barreira pode ser a de compor gabinetesmultipartidários, garantindo aos partidos acesso a recursospolíticos importantíssimos33. Como mostra a Tabela 6, os trêsgovernadores conseguiram, formalmente, garantir essa maio-ria: Azeredo soma (contando a coligação eleitoral mais acoalizão de governo – separadas aqui apenas para efeitosteóricos e metodológicos) 89,6% das cadeiras; Itamar agrupou

33 O impacto da com-posição do gabinetesobre o comporta-mento dos partidosé um trabalho quepretendo desenvol-ver em um futurobem próximo.

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74% dos assentos; e Aécio reuniu 78,8% dos parlamentares.Esses dados, no entanto, têm uma peculiaridade especial:contar formalmente com partidos, não garante – necessaria-mente – contar com seu apoio efetivo em Minas Gerais. Acoesão é uma variável interveniente que deve ser observada. Emais, reunir cerca de 80% das cadeiras não é garantia desucesso, haja vista os resultados já mostrados neste trabalho.Azeredo é o governador que montou a maior coalizão naALMG e, mesmo assim, nas votações “custosas”, ele obteveum sucesso um tanto pequeno. É preciso, ainda, observar se ospartidos realmente se mostram coerentes: constituem a basealiada e votam a favor do governador ou ficam de fora dogoverno e contrariam as vontades do Executivo.

O que os dados parecem mostrar é que os partidos dabase aliada formal costurada pelo governador tendem a nãocooperar efetivamente com o chefe do Executivo nas votações“custosas”. Entre 1995 e 1998, Eduardo Azeredo (PSDB), porexemplo, contava com o apoio formal do PMDB. No entanto,tal partido só contribuiu com o Executivo em 44% das vota-ções custosas – aparentando um comportamento oposicionis-ta. No governo Itamar Franco (PMDB), o PL fez parte dacoligação eleitoral do governador e, mesmo assim, só contri-buiu em 58,1% das votações – índice menor do que o apresen-tado pelo PFL, que não fazia parte da base aliada do governa-dor. Também no governo Aécio há exemplos desse tipo. OPMDB só contribuiu em 45,2% das votações, uma médiamuito baixa para um partido aliado. Por outro lado, excetuan-do-se o governo Azeredo, as oposições não se comportaramcomo tal. O PT, por exemplo, no governo Aécio Neves(PSDB), apresentou uma taxa de apoio maior até do que amostrada pelo PSDB. E o PFL, no governo Itamar, deu umapoio muito próximo ao apresentado pelo próprio partido dogovernador.

É óbvio que o sucesso dos governos tem uma relaçãodireta com todos os fatores supracitados. A menor taxa deapoio dos partidos da base é compensada pela tendênciagovernista dos partidos fora da coalizão governativa quando se

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trata, essencialmente, de votações nominais “custosas”. Aomesmo tempo, os partidos mais próximos do governadorasseguraram grande parte do seu apoio.

Considerações finais

O intuito deste trabalho foi fazer um estudo do compor-tamento legislativo dos partidos políticos na AssembléiaLegislativa de Minas Gerais entre os anos de 1995 e 2005,respectivamente nas 13ª, 14ª e 15ª Legislaturas. Mais especi-ficamente, analisou-se o grau de coesão e apoio partidário naCasa. Ademais, foram mapeadas a composição partidária e osucesso dos governadores nas votações nominais de projetosde sua autoria.

A discussão teve como norte duas questões essenciais:como se comportam os partidos políticos na votação deprojetos de autoria do governador em Minas Gerais? Qual é otamanho e a consistência do apoio dado pelos deputadosestaduais aos projetos do governador?

Para responder a tais questões, selecionaram-se todasas votações nominais ocorridas na ALMG nesse período,decorrentes de projetos de iniciativa do governador. Ao todo,foram analisadas 190 votações, sendo que cerca de 96% delasse deram devido a exigências regimentais. Tal observação trazcerto destaque a este trabalho, já que foca a discussão sobreaqueles projetos denominados aqui de “custosos”. Estes pro-jetos trazem à cena política algumas peculiaridades que tor-nam a discussão mais interessante como, por exemplo, aspunições que os deputados recebem caso contrariem os inte-resses dos públicos atentos em jogo – sejam eles o governadorou os cidadãos.

Seguindo a tradição de estudos legislativos fortalecidapelo estudo pioneiro de Figueiredo e Limongi (1999), anali-sou-se o Regimento Interno da Casa e mostrou-se que aorganização dos trabalhos legislativos ainda se dá de formamuito centralizada. Os líderes de bancada, juntamente com oslíderes da Maioria, da Minoria e do Governo são os responsá-

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veis – no Colégio de Líderes – pelas principais decisões.Levando-se em conta que a maioria das votações em Plenáriose dá de maneira simbólica, é possível afirmar que os partidossão relevantes no resultado que o governo quer obter nasvotações de seu interesse. Além disso, mostrou-se que vota-ções nominais, em que o parlamentar tem que tomar algumaposição diante do público, são exigidas regimentalmente paradecidir sobre projetos de lei complementar e projetos deemenda constitucional. Mas também podem ser realizadasquando o Plenário assim deliberar. Porém, como mostrado, amaioria absoluta das votações só foi realizada devido à exigên-cia posta pelo Regimento, e não pela deliberação do Plenário.

Com relação à composição partidária, passaram pelaAssembléia, nesse período, 17 partidos, sendo os mais impor-tantes: PSDB, PT, PMDB, PFL, PTB, PP e PDT. O PT e oPSDB se tornam os dois principais partidos, a exemplo do queacontece no cenário nacional. Nas últimas eleições estaduais,esses dois partidos marcaram muito bem suas posições e nãocompuseram alianças nem para o governo do Estado nem paraas eleições proporcionais. O PMDB e o PFL são as outras duasbancadas relevantes da Casa durante esses 10 anos de análise.Esses quatro partidos, em geral, estiveram aliados em arranjosgovernativos diferentes: PSDB, PFL, e PMDB formam a baseformal de apoio de Eduardo Azeredo (PSDB); PMDB e PT, ado governador Itamar Franco (PMDB); e PSDB, PFL ePMDB, a sustentação legislativa de Aécio Neves (PSDB).Note que o PMDB consegue figurar em todas as três coalizõesmontadas no Estado, diferentemente dos outros partidos.

Outro tema discutido neste trabalho diz respeito àcoesão partidária. Para mapear tais resultados, lançou-se mãode duas formas de mensuração da convergência que levarama resultados totalmente diferentes. Primeiramente, calculou-se, por meio do índice de Rice, a coesão dos partidos políticosna ALMG, considerando apenas os deputados presentes àsvotações nominais. Nesse momento, observaram-se altas ta-xas de coesão disseminadas em todos os partidos, principal-mente, naqueles com as menores bancadas.

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Após tratar da coesão, passou-se à mensuração dosucesso do Executivo nas votações nominais e do apoiopartidário a elas. No geral, os governos vencem a batalha pelaaprovação dos projetos, mas fica clara a capacidade da Assem-bléia Legislativa de Minas Gerais de controlar o Executivo seassim o quiser. Defende-se a posição de que o Legislativodelegou poderes ao Executivo, mormente após o intensoprocesso de inovações institucionais por que passou a Casa.Nesse processo houve uma diminuição das arestas entre oslegisladores e os cidadãos, aumentando a capacidade de estesreconstituírem os passos da tomada de decisão até os efeitosdas políticas, gerando um controle maior dos legisladorespelos cidadãos e elevando, assim, a necessidade de controle doExecutivo pelo Legislativo.

Essas afirmativas são embasadas também nos resulta-dos de apoio partidário ao governador em Minas Geraisobservados entre 1995 e 2005. No período Azeredo (PSDB),observa-se uma tendência de apoio muito baixo. No geral,apenas os partidos mais próximos do partido do governadordão sustentação real ao governo: PL, PSDB, PPS, PFL e PTB.Os demais, fora PT, PP e PSB em algum momento do governoapresentam comportamento governista. Durante o governoItamar Franco (PMDB), a tendência observada passa a ser deapoio mais amplo pelos partidos. Na média total, todos ospartidos com representação parlamentar na ALMG, excetuan-do-se PMN e PST, apóiam o governador em mais de 50% dasvotações – padrão definido por este trabalho como sendotípico de partido governista. No governo Aécio (PSDB), atendência observada com Itamar se reproduz, e observa-se quea totalidade das agremiações se comporta como governista empelo menos um dos três anos da 15ª Legislatura analisadosneste trabalho. Na média geral, só PMDB e PL mostram-semais oposicionistas, com médias de apoio partidário menoresdo que 50%.

Na última seção deste trabalho tentou-se mostrar que épreciso ter um olhar multivariado sobre o problema do com-portamento parlamentar, já que se trata de um tema assaz

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complexo. É preciso realçar como a coesão dos partidos, otamanho das bancadas, a posição no espectro ideológico, oapoio partidário e o sucesso do governador são variáveisintimamente relacionadas. Em todas as três legislaturas obser-vou-se um fato um tanto curioso, a saber: alguns partidos dabase de sustentação do governo na Assembléia tendem acessar seu apoio ao governador nas votações nominais “custo-sas”. No governo Azeredo, sete partidos aliados deixam deapoiar, em geral, o governador. No período Itamar, apenasdois, e no governo Aécio, três. Por outro lado, os partidos defora da base aliada dos governadores tendem a apoiá-los: taiseventos foram observados em Itamar e Aécio, mas não comAzeredo. Este tem uma sorte pior do que a dos outros doisgovernos e sua taxa de sucesso média é de apenas 55%,enquanto que Itamar e Aécio chegam a cerca de 80% cada um.

No que diz respeito às votações nominais, sobretudo dePLCs e PECs, a lógica centralista ainda impera sobre aALMG, configurando um quadro em que os líderes partidáriose o governador ainda guardam muita força sobre suas banca-das. Ao mesmo tempo, observa-se que a tendência de semodernizar e evoluir em termos informacionais, como apon-tado por Anastasia (2001), se mantém, viabilizando, em al-guns casos, os checks and balances. Pode-se concluir que,embora os parlamentares ainda tendam a se comportar, de ummodo geral, como governistas, as inovações institucionaisparecem começar a surtir efeito na relação entre os doisPoderes, ao gerar, paulatinamente, maiores capacidadesinstitucionais para que o Legislativo controle a atuação doExecutivo. A novidade observada, no entanto, é a prevalênciade apoio consistente das bancadas de fora da base aliadaformal do governador aos seus projetos. Tais atores parecemtambém ter incentivos à cooperação, e não à competição nonível subnacional.

Novos estudos precisarão ser realizados para seexplicar esse novo fato. É preciso construir modelos analí-ticos mais robustos para entender a lógica do comportamen-to parlamentar na relação entre os Poderes e na interação

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entre situação e oposição nas assembléias estaduais. Épreciso também considerar períodos maiores e comparar ospadrões observados em Minas com o de outros Estadosbrasileiros para que explicações mais claras possam serdadas. Além do mais, outras arenas de disputa necessitamser incorporadas à análise. Há outros espaços de negocia-ção na Casa que podem dirimir impasses entre os lados eque podem contribuir para o entendimento dos padrões porora descritos.

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O RENASCIMENTO DOMANDADO DE INJUNÇÃO

BERNARDO AUGUSTO FERREIRA DUARTE*FERNANDO JOSÉ ARMANDO RIBEIRO**

*Bacharel em Direi-to pela PontifíciaUniversidade Cató-lica de Minas Ge-rais

**Doutor em Direitopela UniversidadeFederal de MinasGerais; Professorde cursos de pós-graduação em Di-reito da PontifíciaUniversidade Ca-tólica de MinasGerais e da Facul-dade de DireitoMilton Campos; eDesembargadordo Tribunal de Jus-tiça Militar

Resumo

O presente estudo científico pretende demonstrar, deforma breve e inteligível, com base nos fundamentos básicosdo paradigma democrático, como o Mandado de Injunção,após anos de vilipêndio e flagrante ineficácia, teve finalmentereconhecida a sua importância pelo Supremo Tribunal Fede-ral, órgão que, há quase 20 anos, aniquilara o instituto medi-ante uma interpretação que, pautada em uma pretensa defesado princípio da separação dos poderes, acabou por suprimir-lhe a utilidade como uma garantia constitucional.

Palavras-chave: Mandado de Injunção; paradigma democráti-co, Separação dos Poderes; interpretação; Supremo TribunalFederal.

Abstract

The present scientific study aims to intelligibly andbriefly show, based on the democratic paradigmfundamentals, how the Writ of Injunction, after years ofvilification and flagrant inefficiency, had its importance

Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 10, n. 15, p. 131-156, jan./dez. 2008

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CADERNOS DA ESCOLA DO LEGISLATIVO

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finally recognized by the Supreme Court, organ which hadannihilated the tool through an interpretation that, based ona supposed defense of Separation of the Powers principle,ended up suppressing its utility as a constitutional guaranteealmost twenty years ago.

Keywords: Writ of Injunction; democratic paradigm;interpretation, Separation of Powers; Supreme Court.

1. Introdução

Descrito no art. 5º, inciso LXXI, da Constituição daRepública de 1988, o Mandado de Injunção é, com certeza,uma das garantias constitucionais mais importantes para aefetivação da nossa Lei Maior, sobretudo, no que tange aoexercício dos direitos e liberdades constitucionais, além dasprerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cida-dania.

Muito já se escreveu acerca desse instituto jurídico,principalmente no que diz respeito à sua finalidade. Todavia,poucas foram as pesquisas científicas que, de fato, tenderam asolucionar o problema de sua ineficácia.

Diante disso, apesar de constituir uma das garantiasconstitucionais mais importantes para a real efetivação doEstado Democrático de Direito no Brasil, o Mandado deInjunção, durante quase 20 anos, foi vilipendiado pelo Supre-mo Tribunal Federal – STF –, órgão que, mediante umainterpretação pretensamente pautada na defesa do princípio daseparação dos Poderes, acabou por suprimir-lhe a utilidadecomo uma garantia constitucional.

Pelo presente trabalho pretende-se demonstrar, de for-ma breve, porém, aprofundada, pautada nos fundamentosbásicos do paradigma democrático, como o Mandado deInjunção, após anos de desrespeito e flagrante ineficácia, tevefinalmente reconhecida a sua importância pelo Supremo Tri-bunal Federal. O estudo em epígrafe, indiscutivelmente, con-tribuirá para a evolução da Ciência do Direito, visto que

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analisará criticamente os problemas das diversas posiçõesexistentes dentro do Supremo Tribunal Federal acerca dessaimportante garantia constitucional denominada Mandado deInjunção.1

2. Compreensões acerca do Mandado de Injunção

2.1 Compreensões doutrinárias

Desde a promulgação da Constituição da República de1988, vários foram os juristas que se dispuseram a estudar oMandado de Injunção, sobretudo em virtude de sua novidade2.Desde então, inúmeras foram as controvérsias doutrináriasacerca do instituto, seja no tocante à sua origem, à suaaplicabilidade, ou, ainda, aos efeitos da decisão concessiva daInjunção. Para Carmen Lúcia Antunes Rocha (1988), o insti-tuto seria oriundo da Inglaterra (séc. XIV), onde era utilizadocomo juízo de eqüidade, pelo qual se podia fundamentar aoutorga judicial de um direito sem a suficiente proteção legalou pretoriana para o seu pleno exercício. Em sua opinião,assimilado pelo sistema norte-americano, o Writ of Injunctionmanteve o fundamento do qual se originara – a equity –,servindo como remédio especial para impedir ou fazer cessarofensas a direitos, que não tivessem outra fonte de impugnaçãoadequada. Esse também é o entendimento de José Afonso daSilva, para quem:

O Mandado de Injunção é um instituto que seoriginou na Inglaterra, séc. XIV, como essencialremédio da Equity.[...] Na injunction inglesa comono Mandado de Injunção do Artigo 5º, LXXI, o juízode eqüidade não é inteiramente desligado de pautasjurídicas. Não tem o juiz inglês na Equity o arbítriode criar norma de agir ex nihil, pois se orienta porpauta de valores jurídicos existentes na sociedade(princípios gerais do direito, costumes, conventionsetc.). E o juiz brasileiro também não terá arbítrio decriar regras próprias, pois terá em primeiro lugarque se ater à pauta que lhe dá o ordenamentoconstitucional, os princípios gerais do direito, os

1 Recentemente, oSTF alterou a suaposição majoritáriaacerca do Mandadode Injunção (MI 670/ES, MI 708/PB, MI712/DF e MI 721/DF).Nesse sentido, confi-ra-se o tópico 2.3 dopresente trabalho.2 A título de exemplo,destacamos a hojeMinistra do SupremoTribunal Federal, Car-men Lúcia AntunesRocha (1988), entãoadvogada e técnicada Procuradoria doEstado de Minas Ge-rais, José Afonso daSilva (1988), J. J.Calmon de Passos(1989) e Ivo Dantas(1988/89), que, comose vê pela data desuas publicações, ini-ciaram os estudosacerca do Mandadode Injunção no Brasil.

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valores jurídicos que permeiam o sentir social,enfim, os vetores do justo natural que se aufere noviver social, na índole do povo, no evolver históri-co. Mas a fonte mais próxima desse instituto é o writof injunction do Direito norte-americano, ondecada vez mais tem aplicação na proteção dos direi-tos de pessoa humana, para impedir, por ex., viola-ções de liberdade de Associação e de palavra, daliberdade religiosa e contra denegação de igualoportunidade de educação por razões puramenteraciais [...] (1996, p.426).

Por sua vez, Ivo Dantas, na segunda edição de seulivro Mandado de Injunção: guia teórico e prático, ressaltaque no Direito norte-americano a injunction possui umsentido negativo-proibitivo, de não fazer, “do que é exemploo seu uso para proibir greves, piquetes e boicotes, sobretudoapós o Sherman Act, de 1890.” (1994, p. 68) Em suaspalavras, quando a determinação é um fazer, assume adenominação de mandamus; contudo, “nos EUA não seusam as duas palavras formando uma só expressão, mas cadauma em si tem um sentido-conteúdo próprio: Injunction –negação; Mandamus – positivo” (1994, p. 68). Calmon dePassos (1989) já entende que a Injunction do sistema dacommom law jamais teve o objetivo que o Constituinte de1987/88 definiu para o Mandado de Injunção. Para ele, o Writof Injunction concebido nos Estados Unidos não desempenha“o papel que pretendemos dar ao nosso remédio constitucio-nal, nem foi pensado com o objetivo a que nos propomos coma nossa injunção, nem tem história vinculada à desse institu-to” (1989, p. 104). Essa também é a opinião de ManoelGonçalves Ferreira Filho (1989), para quem não há similitudes,além do nome, entre o Mandado de Injunção e qualquer outroinstituto do Direito alienígena. Idêntica é a posição deFrancisco Antônio de Oliveira, para quem “nos moldes emque fora concebido pelo constituinte brasileiro, além donome, pouca ou nenhuma semelhança guarda com a Injunctionconcebida pelos Direitos inglês, norte-americano, francês,italiano e alemão” (1993, p. 19).

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Cattoni de Oliveira, por sua vez, em estudo específicosobre as Injunctions anglo-americanas e a origem do Mandadode Injunção (1998b), assevera o seguinte:

(...) é preciso desfazer o pré-conceito de algunsjuristas e estudiosos brasileiros acerca do atualDireito anglo-americano, da equity e do commonLaw. Tanto o Direito britânico como o norte-ameri-cano são modernos, regidos por princípios formais.Não são um mero emaranhado de julgados e demáximas saídos da mente ou do coração de um juizda Idade Média. Basta lembrar, além do princípio dastare decisis, o princípio da supremacia da lei doQueen in Parliament e o princípio norte-americanoda supremacia da Constituição. Eles realizam assimcomo os princípios da legalidade e da reserva da lei,estruturantes do Sistema Romano-Germânico, osprincípios do Estado de Direito.

Assim, o Judicature Act, de 1873, editado pelo Par-lamento Inglês, aboliu a common injunction e deupoderes a todas as Divisions of the Higt Court paraconceder injunctions “em todos os casos nos quais seapresente à corte como sendo justo e convenienteconcedê-los”. E nos Estados norte-americanos ondea distinção entre equity e Law foi abolida, levou, p.ex., à impossibilidade de se distinguir a mandatoryinjunction do writ of mandamus, um instrumentoextraordinário, concedido pela corte para uma exe-cução forçada e oficial de um ato ministerial que oDireito reconhece como não discricionário. (1998b,p. 205-206)

Ele ressalta a existência de seis tipos de Injunction,a saber, as proibitórias (prohibitory injunction), asordenatórias (mandatory injunction), as interlocutórias(interlocutory injunction), as permanentes (perpetualinjunction), as quia timet injunction e a ex parte injunction3.Em suas palavras:

3 Essas seis modali-dades, nas palavrasde Cattoni de Olivei-ra, são concebidaspor Curzon, L. B,para quem aInjunction “é umaordem da cortedirigida a uma partepara conter-se depraticar ou continu-ar a praticar um atocensurado, ou prareprimir uma partepor omitir-se de fa-zer algo.” (1974, p.64 apud CATTONIDE OLIVEIRA,1998b, p. 204). Con-soante o Dictionaryof Law (2004),injunction is “a courtorder tell ingsomeone to stopdoing something ornot to do something”– Tradução livre:“Injunção é uma or-dem da corte proi-bindo alguém de fa-zer alguma coisa oude se abster de fa-zer alguma coisa”.

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As proibitórias proíbem a prática ou continuação daprática de um ato ilícito. As ordenatórias reprimema continuação de uma omissão, ordenando a práticade um ato positivo. As interlocutórias são temporaryinjunctions, concedidas numa aplicaçãointerlocutória, com a finalidade de manter o statusquo até o julgamento. As permanentes são concedi-das após uma ação ter sido examinada. A quia timet(porque ele teme) é obtida de modo a reprimir umaameaça onde, por enquanto (as yet), os direitos doautor não foram lesados. A ex parte é concedidaantes da corte ter tido a oportunidade de ouvir aoutra parte, num caso de grande urgência.(CATTONI DE OLIVEIRA, 1998b, p. 207)

Cattoni de Oliveira (1998b) ressalta que asInjunctions, inicialmente usadas para a proteção exclusivados direitos de propriedade, foram estendidas para a prote-ção dos mais diversos civil rights. Segundo ele, o casoBrown v. Board of Education4, de 1954, foi o leading casemais famoso da Supreme Court a tratar do tema. Nesseleading case, utilizou-se uma injunction a fim de se obter a“admissão de crianças negras em escola pública que asnegava, a fim de que a tutela injuntiva pudesse viabilizar oexercício do direito daquelas crianças à educação, com basena norma definidora do direito fundamental de igualdade”(CATTONI DE OLIVEIRA, 1998b, p. 211). Aludidainjunction foi denegada pela United States District Courtfor the District of Kansas e provida, em julgamento deapelação, pela United States Supreme Court.

Cattoni de Oliveira (1998b) ainda explora, no mesmoestudo, as diversas sugestões de norma constitucional apresen-tadas, durante a Assembléia Nacional Constituinte de 1987/88, para a criação do Mandado de Injunção. Nessa parte de suapesquisa, ele constata que o Mandado de Injunção teriasurgido a partir da necessidade de elaborar-se uma garantiaconstitucional processual para a defesa do direito à saúde,alargando-se, após as diversas emendas, para a proteção de

4 Nas palavras deBaracho Júnior(2000), essa foi adecisão mais impor-tante de EarlWarren, eleito pre-sidente da SupremaCorte norte-ameri-cana em 1953.

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todos os direitos e liberdades constitucionais, além das prerro-gativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Atese defendida por Cattoni de Oliveira é a de que:

[...] a reconstrução do processo de justificação dasnormas constitucionais configuradoras do Mandadode Injunção pode ter um papel esclarecedor, assimcomo as investigações no Direito estrangeiro, namedida em que se investigou acerca da própriaformação de um instituto novo no Direito Constitu-cional Brasileiro.

As conclusões de tal investigação podem, em termosparadigmáticos, servir de norte para a interpretaçãoe aplicação do Mandado de Injunção, principalmen-te como contra-argumentos a posições5 como a ado-tada pelo Supremo Tribunal Constitucional que,reduzindo, praticamente, os efeitos do Mandado deInjunção (MI) aos da Ação Direta deInconstitucionalidade por Omissão (ADIO), desco-nhece o processo de criação das normas constitucio-nais configuradoras daquele, bem como a sua corres-pondência, no nível do Direito Comparado, a outrosinstitutos, tal como a injunction anglo-americana, queteria influenciado esse processo, como vimos.

Nesse sentido, também Cattoni de Oliveira reconhece,pressuposta a concepção de Direito como integridade6, que asInjunctions anglo-americanas teriam influenciado no proces-so de criação do Mandado de Injunção brasileiro.

No que concerne à aplicabilidade, consoante a doutrinapátria, três foram as compreensões que, inicialmente, se for-maram. A primeira delas, defendida por Manoel GonçalvesFerreira Filho, entendia que a norma definidora do Mandadode Injunção não seria auto-aplicável. A segunda, defendidainicialmente, a título de exemplo, por Gilmar Ferreira Mendese adotada por muitos anos pela corrente majoritária do Supre-mo Tribunal Federal, entendia que a norma definidora doMandado de Injunção seria auto-aplicável e que o referido

5 Que só agora, apósvinte anos da pro-mulgação da Cons-tituição da Repúbli-ca de 1988, come-çam a ser revistas.Vide tópico 3.1.

6 Concebida porRonald Dworkin, nosentido de que deci-sões passadas con-tribuem para a cons-trução e reconstruçãode argumentos, damesma forma quedecisões presentescontribuem para a or-ganização e justifica-ção de práticas futu-ras. Acerca do tema,vide Dworkin (1995,p. 227). Vide, ainda,Baracho Junior (2003,p. 109-127)

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instituto seria uma ação (modelo procedimental) que teria afinalidade de declarar a omissão inconstitucional de Poder,órgão ou autoridade, sem, contudo, regulamentar o casoconcreto – sendo, portanto, muito semelhante à Ação Direta deInconstitucionalidade por Omissão7. A terceira, defendida,entre outros, por Cattoni de Oliveira (1998), entendia que anorma definidora do Mandado de Injunção seria auto-aplicá-vel. Além disso, em contraponto às demais correntes, defendiaque o instituto visaria, declarada a falta de normaregulamentadora, garantir o exercício do direito constitucionalinviabilizado, regulamentando a Constituição para o caso con-creto. Ivo Dantas, que também defendia a auto-aplicabilidadedo instituto, afirmou que “seu caráter de auto-aplicabilidade,determinada pelo §1º do artigo 5º do texto constitucional, nãopoderá deixar de ser cumprido sob a alegação de inexistência dareferida regulamentação” (1994, p. 69).

Num momento inicial, cumpre apenas destacar que,para os defensores da primeira corrente, tornar auto-executáveluma norma incompleta (tal como a definidora do Mandado deInjunção – na opinião desses doutrinadores) seria contrário àprópria natureza das coisas. Essa idéia foi severamente com-batida por Cattoni de Oliveira:

Ora, qual é a racionalidade de um argumento comoesse que, além do mais, não reconhece normatividadeà Constituição? Até que ponto é possível apelar parauma possível natureza em si da norma constitucio-nal? E, mais, quando é a própria Constituição, comovimos, que estabelece e explicita a sua própriavinculabilidade? Claro que não se pode fazê-lo, atémesmo porque não é possível, com base num mínimode consciência hermenêutica, falar em algo como“natureza das coisas”. (1998a, p. 103-104)

A concepção de Cattoni de Oliveira está em perfeitaconsonância com os princípios de interpretação constitucio-nal8 da unidade da constituição; da concordância prática; eda força normativa da constituição, idealizados por Konrad

7 Essa não é mais aposição de GilmarFerreira Mendes,atual presidente doSupremo TribunalFederal. Em suaspalavras, “na sessãode 07.06.2006, foiproposta a revisãoparcial do entendi-mento até então ado-tado pelo Tribunal.Assim, apresenta-mos – o ministro ErosGrau (MI 712/PA) eeu (MI 670/ES) – vo-tos que recomendama adoção de uma “so-lução normativa econcretizadora” paraa omissão verificada(MENDES, 2006, p.16). Vide, ainda, otópico 3.1.

8 Em HermenêuticaJurídica e(m) Deba-te, Álvaro Ricardo deSouza Cruz define os“princípios” idealiza-dos por Hesse comopostulados jurídicos,ou seja, “condiçõesde possibilidade parao conhecimentodestranscenden-talizado do sistemajurídico” (CRUZ,2007, p. 269)

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Hesse. Aludidos princípios pautam-se na moderna (pós-moderna) concepção acerca da Hermenêutica Jurídica (gê-nero), a qual defende o afastamento dos velhos métodos deinterpretação – literal (gramatical), lógico, sistemático, his-tórico e teleológico9 – e a criação de novos critériosinterpretativos, no que toca à espécie Hermenêutica Consti-tucional, advindos da especificidade da Constituição (PE-REIRA, 2001, p. 100-103).

Portanto, a posição adotada por Manoel GonçalvesFerreira Filho é completamente ultrapassada, porquanto nãose coaduna com o “espírito” da Constituição da República de1988 nem com os princípios do Estado Democrático deDireito, que balizaram a sua redação10. Nesse sentido, nãomais se discute na atualidade que a norma definidora doMandado de Injunção seja auto-aplicável (ou norma deeficácia plena), porquanto essa foi a leitura a ela atribuídapela própria Constituição da República de 1988, no sentidode que “as normas definidoras de direitos e garantias funda-mentais têm aplicação imediata” (Art. 5º, § 1º, CR/88).Atualmente, o grande debate doutrinário é acerca da naturezada decisão concessiva do Mandado de Injunção, discussãoque repercute, obviamente, na aplicabilidade e na efetividadedesse instituto.

2.2 Compreensões existentes no Supremo Tribunal

Federal acerca da natureza da decisão concessiva do

Mandado de Injunção11

Segundo Alexandre de Morais, dentro do SupremoTribunal Federal existem basicamente duas correntes acercados efeitos da decisão concessiva do Mandado de Injunção.Essas correntes/concepções são por ele denominadas, respec-tivamente, concretista e não concretista. Para a posiçãoconcretista, presentes os requisitos constitucionais exigidospara o Mandado de Injunção, caberia ao Poder Judiciário, pormeio de uma decisão constitutiva, declarar a existência deomissão administrativa ou legislativa e implementar o exercí-cio do direito, até a incidência de regulamentação, a ser

9 Acerca do tema,vide Camargo (2003,p. 65 e ss., 74 e 80).

10 Mesmo porque, oartigo 24, parágrafoúnico, da Lei 8.038/90, estatuiu que “nomandado de injun-ção e no habeas data[regulamentado pelaLei 9.507/97] serãoobservadas, no quecouber, as normasdo mandado de se-gurança, enquantonão editada lei espe-cífica”. Essa normanão faria nenhumsentido se, a despei-to do que dispõe oartigo 5º, § 1º, daConstituição da Re-pública de 1988,a norma definidorado mandado deinjunção não fosseauto-aplicável.11 Para uma compre-ensão mais aprofun-dada acerca de comose firmaram as diver-sas posições do Su-premo Tribunal Fe-deral acerca da deci-são concessiva doMandado de Injun-ção, sugere-se a lei-tura de (MENDES,2006, p. 8-15)

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imposta pelo poder competente. Por sua vez, a vertente nãoconcretista, adotada por muito tempo pela jurisprudênciadominante no Supremo Tribunal Federal:

[...] se firmou no sentido de atribuir ao Mandado deInjunção a finalidade específica de ensejar o reco-nhecimento formal da inércia do Poder Público, ‘emdar concreção à norma constitucional positivadorado direito postulado, buscando-se, com essa exorta-ção ao legislador, a plena integração normativa dopreceito fundamental invocado pelo impetrante doWrit como fundamento da prerrogativa que lhe foioutorgada pela Carta Política. Sendo esse o conteú-do possível da decisão jurisdicional, não há falar emmedidas jurisdicionais que estabeleçam, desde logo,condições viabilizadoras do exercício do direito, daliberdade ou da prerrogativa constitucionalmenteprevista, mas, tão-somente, deverá ser dada ciênciaao poder competente para que edite a norma faltante.(MORAES, 2006, p. 162)

A posição concretista pode ser subdividida em duasespécies: Concretista Geral, para a qual “a decisão produziráefeitos erga omnes, implementando o exercício da normaconstitucional através de uma normatividade geral, até que aomissão fosse suprida pelo poder competente” (MORAES,2006, p. 160); e Concretista Individual, que defende que adecisão do Poder Judiciário só produzirá efeitos para o autordo Mandado de Injunção, portanto, in concreto. Esta últimaainda possui duas subespécies; concretista individual direta econcretista individual intermediária. Pela primeira, defendidapelos ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio, “o PoderJudiciário, imediatamente ao julgar procedente o mandado deinjunção, implementa a eficácia da norma constitucional aoautor” (MORAES, 2006, p. 160). Pela segunda, defendidapelo ministro Néri da Silveira, “após julgar a procedência domandado de injunção, fixar-se-ia ao Congresso Nacional oprazo de 120 dias para a elaboração da norma regulamentadora”(MORAES, 2006, p. 160), ao término do qual, mantida a

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inércia do mesmo em elaborar a norma, caberia ao PoderJudiciário fixar as condições necessárias ao exercício dodireito pelo autor.

Em que pesem os argumentos concernentes a cada umadas posições acima descritas, todas padecem de falhas, sendo,portanto, passíveis de crítica, sobretudo por não se adequaremao paradigma12 de Estado consagrado pela Constituição daRepública de 1988, o Democrático de Direito.

3. Problema das compreensões do Supremo Tribunal

Federal

Conforme exposto de forma genérica no tópico anteri-or, as posições do Supremo Tribunal Federal acerca da decisãoconcessiva do Mandado de Injunção são problemáticas, sobre-tudo se analisadas à luz do paradigma democrático, porquantoestão pautadas em uma interpretação paradigmática liberal e/ou social do princípio da separação dos poderes. Antes decriticá-las, portanto, é necessário discorrer, ainda que de formasucinta, sobre a leitura do princípio da separação dos poderesà luz de cada um dos paradigmas jurídicos do Estado Moder-no13, a saber, o Liberal, o Social e o Democrático.

Sinteticamente, sob o paradigma liberal, marcado pelasidéias de Estado Mínimo, divisão de poderes14 e representaçãopolítica (VILANI, 2002, v. 8, nº 11, p. 5), o Poder Legislativopossui supremacia sobre os demais órgãos governamentais(Poder Executivo e Judiciário). A ele cabe a elaboração dasleis, as quais sofrem limitações negativas, presentes na Decla-ração dos Direitos. Ao Poder Judiciário cabe dirimir os confli-tos existentes entre os particulares, ou entre estes e o Estado,desde que provocado a exercer a sua função (jurisdicional).Ele deve, respeitada a igualdade formal expressa na Constitui-ção, aplicar o direito positivo vigente de modo estrito, solucio-nando os conflitos intersubjetivos “através de processos lógi-co-dedutivos de subsunção do caso concreto às hipótesesnormativas, estando sempre vinculado ao sentido literal, nomáximo lógico, da lei, enfim, sendo a boca da lei” (CATTONI

12 O termo paradigmafoi cunhado porThomas Kuhn para oâmbito das pesquisascientíficas, como oconjunto de realiza-ções científicas, uni-versalmente reconhe-cidas, que “fornecemproblemas e soluçõesmodelares para umacomunidade de prati-cante de uma ciência”(KUHN, 1994, p. 6).Aqui, trabalha-se coma idéia de paradigmajurídico, no sentido deum conjunto de visões(contextualizadas) deuma dada sociedade,ou, ainda, o conjuntode “imagens implíci-tas que se tem da pró-pria sociedade, umconhecimento de fun-do, um background,que confere às práti-cas de fazer (e de apli-car o direito) umaperspectiva, orientan-do o projeto de reali-zação de uma comu-nidade jurídica”(CATTONI DE OLI-VEIRA, 2002, p. 54).13 Estado é uma ex-pressão que “deveser observada comouma comunidade deindivíduos, tornados

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DE OLIVEIRA, 2002, p. 57; e 1998a, p. 39)15. Ao PoderExecutivo, por sua vez, cabe implementar o Direito, garantin-do a certeza e a segurança, tanto sociais quanto jurídicas, sejainterna ou externamente. Para Habermas, essa visão clássicadecorre de uma interpretação limitada do conceito de lei.(HABERMAS, 2003, 4, p. 236)

Por sua vez, sob o paradigma do Estado Social:

O Poder Executivo, na figura do presidente da Repú-blica ou do primeiro-ministro, passa a ser dotado deinstrumentos jurídicos, inclusive legislativos, de in-tervenção direta e imediata na economia e na socie-dade civil, em nome do “interesse coletivo, público,social ou nacional”.

Ao Poder Legislativo, na figura do Congresso ouAssembléia, além da atividade legislativa cabe oexercício de funções de fiscalização e de apreciaçãoda atividade da administração pública e da atuaçãoeconômica do Estado.

Ao Poder Judiciário, seus Tribunais e juízes, cabe,no exercício da função jurisdicional aplicar o direitomaterial vigente aos casos concretos submetidos àsua apreciação, de modo construtivo, buscando osentido teleológico de um imenso ordenamento jurí-dico. Não se prendendo à literalidade da lei e à deuma enormidade e regulamentos administrativos oua uma possível intenção do legislador, deve enfrentar osdesafios de um Direito lacunoso, cheio de antinomias.E será exercida tal função através de procedimentosque muitas vezes fogem ao ordinário, nos quais deve serlevada mais em conta a eficácia da prestação ou tutelado que propriamente a certeza jurídico-processual-formal: no Estado Social, cabe ao juiz, enfim, noexercício da função jurisdicional, uma tarefadensificadora e concretizada do Direito, a fim de segarantir, sob o princípio da igualdade materializada,“a Justiça no caso concreto” (CATTONI DE OLIVEI-RA, 2002, p. 42; e 1998a, p. 60/61).

cidadãos, estabe-lecida em determinadoterritório e com poderpolítico capaz de im-por-se a todos os mem-bros dessa comunida-de” (QUINTÃO, 2001,p. 141).14 A separação dospoderes, hoje consi-derada como princí-pio geral do DireitoConstitucional (cf.SILVA, 2001, p.106;CATTONI, 2002,p.56; CATTONI,1998a, p.38), consis-te na atribuição dasdiferentes funçõesgovernamentais aórgãos estatais dis-tintos. Não obstanteter adquirido projeçãointernacional comMontesquieu, que lheinseriu o sistema defreios e contrapesos,sua gênese remontaà Grécia Antiga (cf.SILVA, 2001, p.109;e QUINTÃO, 2001,p.109). Ele é rece-pcionado pelasConstituições de to-dos os paradigmasmodernos de Estado,e, sob o paradigmado Estado Liberal,tem a sua operacio-nalidade adstrita aosistema de freios econtrapesos, em fi-dedigna obediência àidéia de Montes-quieu.15 Nesse sentido, vertambém Cruz (2007,p. 272-273).

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Dessa forma, o princípio da separação dos Poderes deixade ser interpretado sob uma ótica de subordinação e passa a serentendido sob uma perspectiva de colaboração, cujo objetivofinal é o de propiciar aos cidadãos – clientes da Administração– os direitos consubstanciadores de valores fundamentais e deprogramas de fins, desde que, evidentemente, haja aportesmateriais para tanto, ou seja, no “limite do possível”16.

Finalmente, à luz do paradigma Democrático o prin-cípio da separação dos Poderes é mais uma vez(re)interpretado17, passando a ser entendido, nas palavras deHabermas, com base na teoria do discurso (HABERMAS,2003, 4, p. 238-239), o que significa dizer que as funçõesexecutiva, legislativa e jurisdicional passam a ser exercidasde forma a garantir direitos fundamentais aos cidadãos (o queé tornado possível por um processo democrático baseado nodiscurso). Assim é que o Poder Executivo deve ser organiza-do a ponto de implementar, por meio de tecnologias eestratégias de ação, os programas por ele propostos. O PoderJudiciário, igualmente independente, organizado e, sobretu-do, imparcial, deve solucionar as controvérsias que lhe sãopropostas pelos cidadãos, proferindo decisões fundamenta-das e consistentes (não atreladas a uma mera interpretaçãoliteral do conteúdo da lei), as quais respeitem as garantiasconstitucionais processuais e, sobretudo, o direitodialogicamente construído. Finalmente, o Poder Legislativodeve elaborar as leis, respeitando um processo democráticode formação da vontade (caracterizado pelo discurso), quegaranta um assentimento intersubjetivo, de forma que oscidadãos (entendidos como co-associados livres e iguaisperante o direito) possam ser considerados, ao final, como osformadores de suas próprias leis.

3.1 Análise crítica das posições do Supremo Tribunal

Federal relativamente à decisão concessiva do

Mandado de Injunção

Diante das explicações descritas, é evidente que todasas posições do Supremo acerca da decisão concessiva do

16 Sobre o tema, videCattoni de Oliveira(2002, p. 50-59; e1998a, p. 41-42).Sobre a “reserva dopossível” videCattoni de Oliveira(2001, p. 185) e Cruz(2007, p. 208-209 e359-377).17 Essa (re)interpre-tação foi pautada nagarantia dos direitosfundamentais (ou di-reitos básicos), a sa-ber, o direito a iguaisliberdades subjetivas,o direito a iguais direi-tos de pertinência (di-reitos de nacionalida-de), o direito à tutelajurisdicional, o direito àelaboração legislativaautônoma e os direitosparticipatórios, substá-culos do novel para-digma democrático(CATTONI DE OLI-VEIRA, 2002, p. 71-73; e 1998a, p. 53- 54).

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Mandado de Injunção são problemáticas, carecendo de repa-ros (umas completamente, outras apenas no que toca à funda-mentação) a fim de melhor se adequarem ao paradigma doEstado Democrático de Direito.18

A posição não concretista, por exemplo, que por longos19 anos perdurou como concepção majoritária no Supremo, épautada no clássico sistema de freios e contrapesos (checksand balances) idealizado por Montesquieu, o qual é caracte-rizado por uma compreensão estrita do princípio da separaçãodos poderes. (CATTONI, 1998, p. 95) Ao discorrer sobre aposição não concretista, sem, contudo, utilizar essa classifica-ção, Cattoni de Oliveira afirma:

O entendimento jurisprudencial dado ao Mandadode Injunção pelo Supremo Tribunal Federal com-promete a eficácia desse instituto como garantiaconstitucional, já que nega a possibilidade jurídicade o Poder Judiciário suprir in concreto a falta denorma regulamentadora que torne viável o exercíciodesses direitos, liberdades e prerrogativas e, combase nisso, apresentar solução para o caso concreto,praticamente reduzindo os efeitos da decisãoconcessiva do MI à mera declaração deinconstitucionalidade por omissão [...]. (1998a, p.24)

Prosseguindo em suas críticas, ele afirma:

É como se a Constituição tivesse criado dois institu-tos cujos efeitos práticos seriam os mesmos, ou seja,os da Ação Direta de Inconstitucionalidade porOmissão. E nesse caso, qual seria o interesse processu-al de qualquer um para agir em juízo? Qual a necessi-dade de se estabelecer, como fez a Constituição noartigo 103, os legitimados para a Ação Direta deInconstitucionalidade por Omissão, se qualquer umpode conseguir o mesmo por via do Mandado deInjunção? Como é que o Mandado de Injunção, nostermos adotados por esta tese, pode ser interpretadocomo garantia constitucional de direitos se, com base

18 Acerca da mudan-ça de paradigmas doEstado Liberal parao Social (WelfareState) e, posterior-mente, deste para oDemocrático de Di-reito, vide Cattoni deOliveira (2002, p. 50;e 1998a, p. 38-42);Bonavides, (2004, p.232); e Habermas(2003, 4, p. 211-239).Acerca da Teoria doDiscurso, cujo enten-dimento é imprescin-dível para a compre-ensão do paradigmado Estado Democrá-tico de Direito, verHabermas (2002, 9,p. 280-281; e 2003,4, p. 221).

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nesta posição, ele, por fim, nada ou quase nada garan-tiria? (CATTONI DE OLIVEIRA, 1998a, p. 105-106)

O fato é que, ao igualar dois institutos diferentes daConstituição, o Supremo Tribunal Federal claramente o faz emvirtude de uma interpretação liberal do principio da separaçãodos Poderes. Isso porque, em sede de Mandado de Injunção,regulamentar o caso concreto significaria, para a posição nãoconcretista do Supremo Tribunal Federal, adentrar o campo decompetência do Poder Legislativo, uma vez que o PoderJudiciário estaria exercendo atividade legislativa. Para que issonão ocorresse, a decisão concessiva do Mandado de Injunção sópoderia gerar efeitos declaratórios, significando apenas umreconhecimento formal da inércia do Poder Legislativo em darconcreção à norma constitucional positivadora do direito postu-lado, pelo que seus efeitos seriam os mesmos da Ação Direta deInconstitucionalidade por Omissão.

Ocorre que, sob o paradigma do Estado Democrático deDireito, a interpretação do princípio da separação dos Poderesestá intimamente ligada à garantia de direitos fundamentais(ou básicos). Por esse motivo, não faz sentido privar o PoderJudiciário da prerrogativa de resolver o caso específico (con-creto) através da atividade de regulamentação, quando, incasu, esteja sendo tratada questão atinente a direitos funda-mentais. Mesmo porque, em se tratando da decisão concessivado Mandado de Injunção, é a própria Constituição que deter-mina a regulamentação do caso concreto pelo Poder Judiciá-rio. Trata-se de um discurso de aplicação19, e não de fundamen-tação20. Uma compreensão pautada no paradigma democráti-co assegura ao Poder Judiciário, portanto, a função de garantir,processualmente, o exercício de direitos constitucionaisinviabilizados por falta de norma regulamentadora. Essa ativi-dade jurisdicional, em sede de Mandado de Injunção, não deveser compreendida “como sendo legislativa, mas de regulamen-tação, e regulamentação para o caso concreto” (CATTONIDE OLIVEIRA, 1998a, p. 105-106).

Diante dessa explicação, percebe-se que a posiçãoconcretista do Supremo Tribunal Federal também deriva de

19 Busca-se, nessesentido, a melhor solu-ção para o caso con-creto, e não a justifica-ção de normas. É cer-to que, em sede deMandado de Injunção,a solução do caso con-creto demandará umaregulamentação, quenão deixa de ser umaatividade criativa porparte do Poder Judici-ário. No entanto, essaregulamentação, alémde prevista e autoriza-da pela Constituição,deverá estar atrelada,necessariamente, a ar-gumentos de princípio,e não de política. Adistinção entre argu-mentos de política e deprincípios (direito) podeser depreendida emDworkin (2002, p.127e ss.). Para Dworkin,“os juízes não deveri-am ser e não são legis-ladores delegados, e éenganoso o conheci-do pressuposto de queeles estão legislandoquando vão além dasdecisões políticas já to-madas por outras pes-soas. Esse pressupos-to não leva em consi-deração a importânciade uma distinção fun-damental na teoria po-lítica [...]. Refiro-me àdistinção entre argu-mentos de princípio,por um lado, e argu-mentos de política(policy), por outro. Osargumentos de políti-

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uma compreensão inadequada do princípio da separação dosPoderes à luz do paradigma do Estado Democrático de Direito.Essa inadequação se reflete em todas as suas espécies esubespécies, inclusive na concretista individual direta. Aposição concretista individual intermediária, p. ex., cuja gêne-se se deve à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federalno MI nº. 23221 (Relator Ministro Moreira Alves), é severa-mente criticada por Marcelo Cattoni:

[...] até essas últimas decisões pecam tanto pelosfundamentos, quanto por condicionarem os efeitosconstitutivos da decisão concessiva do Mandado deInjunção a transcurso de prazo fixado para que oPoder Legislativo legisle; também, por ainda deixa-rem, de um modo ou de outro, o caso concreto semsolução, já que não há expedição de ordem, com basena decisão, para que se garanta de fato o exercício dodireito, liberdade ou prerrogativa, negado sob aalegação de falta de norma regulamentadora.(CATTONI DE OLIVEIRA, 1998a, p. 25-26)

Uma reflexão acerca da posição concretista intermedi-ária comprova, mais uma vez, que o STF confunde a atividadede implementação do exercício de direitos inviabilizados porausência de norma regulamentadora – exercida pelo PoderJudiciário – com o exercício de legislar. É em razão dessaconfusão que os defensores dessa posição sustentam a neces-sidade de prévia comunicação, ao Poder Legislativo, da “omis-são inconstitucional”, para só depois, mantida a inércia desteem legislar, admitir a implementação in concreto, pelo PoderJudiciário, do exercício dos direitos, liberdades e prerrogati-vas inviabilizados em virtude da ausência de normaregulamentadora. Essa proposição fica ainda mais evidente sea posição em análise for a concretista geral, para a qual osefeitos da decisão concessiva do Mandado de Injunção sãoerga omnes. Em verdade, em sede de Mandado de Injunção,isso claramente ultrapassa a atividade de regulamentação docaso concreto, invadindo a função legislativa; e “sob oparadigma do Estado Democrático de Direito, não caberia ao

ca justificam uma deci-são política, mostran-do que a decisão fo-menta ou protege al-gum objetivo coletivoda comunidade comoum todo.[...] Os argu-mentos de princípiojustificam uma decisãopolítica, mostrando quea decisão respeita ougarante um direito deum indivíduo ou de umgrupo (2002, p. 129).Existe, no entanto,grande celeuma acer-ca da adequação desua teoria aobackgroud brasileiro,sobretudo quando, incasu, estiverem emjogo Direitos sociais.Critica-se, ainda, a pre-tensão de Dworkin deseparar argumentosde princípio dos depolítica. (p. ex.SAMPAIO, 2004, p.75). Aqui utiliza-se atese de Dworkin comas ressalvas de Cruz,no sentido de sermetafísica a cisão dosDireitos Fundamentaisfora da argumentaçãoe, ainda, de ser a dis-tinção dicotômica aci-ma descrita uma meraexigência de que a ar-g u m e n t a ç ã ojurisdicional siga umtraçado deontológico.Para mais detalhes,ver Cruz (2006b, p.191-192; e 2007, p.187-188).

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Supremo Tribunal legislar”. (CATTONI DE OLIVEIRA,1998a, p.95) Nas palavras de Ivo Dantas, a decisão concessiva,sede de Mandado de Injunção:

(...) examina o direito invocado e, se procedente apretensão, deverá preencher a lacuna da omissãoque vinha existindo, pela não ação de quem eraresponsável para tornar efetivos os direitos e liber-dades constitucionais.

Seus efeitos [...] são interpartes, ou seja, beneficia-rão àqueles que foram parte no processo. Preenchi-da a lacuna, caberá ao Judiciário fixar o comodeverá ser exercido o direito constitucionalmenteassegurado, cabendo à autoridade a quem foi dirigi-do o mandado cumpri-lo [...] (1994, p. 97)

Essa também é a posição de Barbosa Moreira, paraquem, por meio do Mandado de Injunção “se pode pleitear e,eventualmente, conseguir que o Poder Judiciário, pelo órgãocompetente, primeiro formule a regra que complemente, quesupra aquela lacuna no ordenamento” (1989, p.115).

[...] e, em seguida, sem solução de continuidade, essemesmo órgão aplique a norma ao caso concreto doimpetrante, isto é, profira uma decisão capaz detutelar, em concreto, aquele direito, aquela liberda-de ou aquela prerrogativa inerente à cidadania, ànacionalidade ou à soberania. (BARBOSAMOREIRA, 1989, p. 115)

O equívoco do STF deriva da já criticada comparaçãodo Mandado de Injunção com a Ação Direta deInconstitucionalidade por Omissão. Mencionada compara-ção, aliás, também contaminou a posição concretista individu-al direta do STF, tendo em vista que os ministros Carlos Velosoe Marco Aurélio, que lhe são adeptos, justificam-na com oargumento de que a constituição criou mecanismos distintosvoltados a controlar omissões inconstitucionais. O Mandadode Injunção, todavia, não se destina à declaração de omissões

20 É por meio dessesdiscursos que se bus-cará a validade dasnormas. Essa valida-de é aferida pelo as-sentimento daquelesque por ela são afe-tados, o que se dáem virtude, exata-mente, do fato de elesterem participado,ainda que indireta-mente na forma deinputs, de sua cria-ção. Acerca do tema,vide Habermas(2003, p.1 57-159) eCattoni de Oliveira(2002, p. 84).21MI nº 232 – RJ, Rel.Min. Moreira Alves,RTJ Vol. 00137-03,p.965-984, DJ 27/03/1992 <http://w w w . s t f . g o v . b r /jurisprudencia/nova/p e s q u i s a . a s p > .Acesso em: 30 abril/06 e 14 março/07.

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inconstitucionais, pelo que o STF precisa rever os argumentosque fundamentam a posição concretista individual direta.

É bem verdade que, atualmente, por meio do julgamen-to dos Mandados de Injunção 670/ES, 708/PB, 712/DF, rela-tivos à questão do direito de greve dos servidores públicos, oSupremo Tribunal Federal finalmente alterou a sua concepçãomajoritária acerca dos efeitos da decisão concessiva do MI (denão concretista para concretista), garantindo-lhe, enfim,efetividade e utilidade22. Não obstante, nem mesmo a atualposição do Supremo em relação ao tema é imune a críticas,porquanto, se assim o fosse, negada seria uma das caracterís-ticas mais marcantes do Estado Democrático de Direito: abusca incessante pela resposta correta23. Em outras palavras,negada seria a idéia de que a resposta correta, enquantoresposta última para o caso específico, jamais será alcançada(filosoficamente falando), uma vez que, no âmbito de umparadigma em que os direitos são levados a sério em suaintegralidade (tal qual o Democrático), essa resposta estásempre em constante aprimoramento.

Nesse sentido, mesmo com a alteração da correntemajoritária do Supremo acerca da decisão concessiva doMandado de Injunção, como já foi dito, de não concretistapara concretista individual direta, ainda perduram falhas nafundamentação dos novos julgados acerca do tema. Mesmoassim, não há como negar o progresso protagonizado pelanova composição dos Ministros do STF acerca do tema.Confira-se:

Estamos diante de uma situação jurídica que, desdea promulgação da Carta Federal de 1988 (ou seja,há mais de 17 anos), remanesce sem qualquer alte-ração. Isto é, mesmo com as modificaçõesimplementadas pela Emenda n° 19/1998 quanto àexigência de lei ordinária específica, o direito degreve dos servidores públicos ainda não recebeu otratamento legislativo minimamente satisfatório paragarantir o exercício dessa prerrogativa em conso-nância com imperativos constitucionais.

22 Nesse sentido, con-fira-se o julgamentodo Pleno do Supre-mo Tribunal Federal,proferido no MI 670/ES, e repetido nosMI(s) 708/PB e 712/DF – “Decisão: O Tri-bunal, por maioria,conheceu do manda-do de injunção e pro-pôs a solução para aomissão legislativacom a aplicação daLei nº 7.783, de 28 dejunho de 1989, no quecouber, vencidos, emparte, o senhor mi-nistro MaurícioCorrêa (Relator), queconhecia apenaspara certificar a morado Congresso Nacio-nal, e os senhoresministros RicardoLewandowski, Joa-quim Barbosa e Mar-co Aurélio, que limi-tavam a decisão àcategoria representa-da pelo sindicato eestabeleciam condi-ções específicaspara o exercício dasparalisações. Votoua presidente, minis-tra Ellen Gracie. La-

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Por essa razão, não estou a defender aqui a assunçãodo papel de legislador positivo pelo Supremo Tribu-nal Federal.

Pelo contrário, enfatizo tão-somente que, tendo emvista as imperiosas balizas constitucionais que de-mandam a concretização do direito de greve a todosos trabalhadores, este Tribunal não pode se abster dereconhecer que, assim como se estabelece o controlejudicial sobre a atividade do legislador, é possívelatuar também nos casos de inatividade ou omissãodo Legislativo. (MI 670/ES, Voto – Vista, Min. GilmarMendes. Disponível em: <www.google.com.br ewww.idp.edu.br/download.php>. Acessado em: 6 demaio de 2008).

E ainda:

A jurisprudência que se formou no Supremo Tribu-nal Federal, a partir do julgamento do MI 107/DF,Rel. Min. MOREIRA ALVES (RTJ 133/11), fixou-seno sentido de proclamar que a finalidade, a seralcançada pela via do mandado de injunção, resu-me-se à mera declaração, pelo Poder Judiciário, daocorrência de omissão inconstitucional, a ser mera-mente comunicada ao órgão estatal inadimplente,para que este promova a integração normativa dodispositivo constitucional invocado como fundamentodo direito titularizado pelo impetrante do “writ”.

Esse entendimento restritivo não mais pode prevale-cer, sob pena de se esterilizar a importantíssimafunção político-jurídica para a qual foi concebido,pelo constituinte, o mandado de injunção, que deveser visto e qualificado como instrumento deconcretização das cláusulas constitucionais frustra-das, em sua eficácia, pela inaceitável omissão doCongresso Nacional, impedindo-se, desse modo, quese degrade a Constituição à inadmissível condiçãosubalterna de um estatuto subordinado à vontadeordinária do legislador comum. (MI 712 / PA, Voto

vrará o acórdão osenhor ministroGilmar Mendes. Nãovotaram os senhoresministros MenezesDireito e Eros Graupor sucederem, res-pectivamente, aossenhores ministrosSepúlveda Pertencee Maurício Corrêa,que proferiram votoanteriomente. Au-sente, justifica-damente, a senhoraministra Cármen Lú-cia, com voto proferi-do em assentadaanterior. Plenário,25.10.2007.” É opor-tuno mencionar que,em 30/11/2007, foipublicado no Diáriode Justiça da União oacórdão do MI 721-7/DF, relatado pelo Mi-nistro Marco Aurélio,em que o Supremoconsolidou a posiçãoconcretista, desta fei-ta em matéria previ-denciária. Esse acór-dão demonstra umamadurecimento doSupremo TribunalFederal acerca danatureza da decisãoconcessiva do Man-dado de Injunção. (In-formações disponí-veis no site: http://w w w . s t f . g o v . b r ,acessado em 6 demaio de 2008 – grifoacrescido).

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de Vista, Ministro Celso de Mello. Disponível emwww.google.com.br, www.esdc.com.br/decisoes/MI712cm.pdf, acessados em 6 de maio de 2008).

E finalmente:

O argumento de que a Corte estaria então a legislar– o que se afiguraria inconcebível, por ferir a inde-pendência e harmonia entre os poderes (art. 2º daConstituição do Brasil) e a separação dos poderes(art. 60, 4º, III) – é insubsistente.

Pois é certo que este Tribunal exercerá, ao formular anorma regulamentadora de que carece o artigo 40, §4º,da Constituição, função normativa, porém não legislativa.(MI 712/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, Voto- VistaMinistro Eros Grau, p. 24/25, Tribunal Pleno, DJ 29/11/2007. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 6de maio de 2008.)

Cumpre salientar, em tempo, que atualmente começama surgir dentro do STF novas posições em relação ao princípioda separação dos Poderes:

Essa eminente atribuição conferida ao SupremoTribunal Federal põe em evidência, de modo parti-cularmente expressivo, a dimensão política da juris-dição constitucional conferida a esta Corte, que nãopode demitir-se do gravíssimo encargo de tornarefetivos os direitos econômicos, sociais e culturais –que se identificam, enquanto direitos de segundageração, com as liberdades positivas, reais ou con-cretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DEMELLO) –, sob pena de o Poder Público, por viola-ção positiva ou negativa da Constituição, compro-meter, de modo inaceitável, a integridade da própriaordem constitucional:

[...] É que, se tais Poderes do Estado agirem de modoirrazoável ou procederem com a clara intenção deneutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direi-

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tos sociais, econômicos e culturais, afetando, comodecorrência causal de uma injustificável inérciaestatal ou de um abusivo comportamento governa-mental, aquele núcleo intangível consubstanciadorde um conjunto irredutível de condições mínimasnecessárias a uma existência digna e essenciais àprópria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justi-ficar-se-á, como precedentemente já enfatizado – eaté mesmo por razões fundadas em um imperativoético-jurídico –, a possibilidade de intervenção doPoder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, oacesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injusta-mente recusada pelo Estado. (ADPF 45 MC/DF,Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04.05.2004, p.12. grifoacrescido. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/jurisprudencia>. Acesso em: 14 de março de 2007).

A decisão acima colacionada, evidentemente, nãoestá de todo “descontaminada” da influência causada pelateoria alexiana, que entende os direitos como valores oucomandos otimizáveis (bens de fruição). Não obstante, járepresenta um avanço considerável, sobretudo porque reco-nhece a impossibilidade de omissão (ou inércia) do PoderJudiciário em face da não-implementação dos direitos soci-ais, econômicos e culturais pelos Poderes Executivo eLegislativo. Em virtude disso, ainda que não se trate, especi-ficamente, de uma posição relativa à decisão concessiva doMandado de Injunção, possui extrema relevância para o casoem comento, visto que o raciocínio por ela desenvolvido,com algumas ressalvas24, pode ser perfeitamente aplicado àreferida garantia constitucional.

4. Conclusão

Diante de tudo o que foi delineado neste trabalho, estádevidamente demonstrado que/como o Mandado de Injunção,após quase 20 anos de flagrante ineficácia, finalmente come-ça a (re)conquistar a sua importância no cenário jurídicobrasileiro.

24 Algumas dessasressalvas são as se-guintes: a) em sedede Mandado deInjunção o Poder Ju-diciário não exerceatividade legislativa,mas de regulamen-tação do caso con-creto; b) sob oparadigma do Esta-do Democrático deDireito, os direitosfundamentais nãopodem ser entendi-dos como valores oucomandos deotimização, mascomo princípiosdeontológicos, de-vendo ser aplicados,e não priorizados.Destarte, não po-dem ser entendidoscomo bens defruição, visto que osbens, assim comoos valores, são atra-tivos, possuindoaplicabilidade pon-derada.

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Para que esse objetivo fosse alcançado foi necessário,primeiramente, discorrer sobre as diversas posições doutriná-rias e jurisprudenciais acerca do Mandado de Injunção e de suadecisão concessiva. Feita essa exposição, demonstrou-se queo problema das posições do STF acerca do Mandado deInjunção devia-se a uma compreensão inadequada, à luz doparadigma do Estado Democrático de Direito, do princípio daseparação dos Poderes.

Em seguida, destacou-se que, recentemente, o STFreviu a sua posição majoritária em relação ao Mandado deInjunção, o que, finalmente, acabou por efetivar/ressuscitar autilidade dessa importante garantia constitucional, tendente aviabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais,bem como de prerrogativas inerentes à nacionalidade, à sobe-rania e à cidadania, tornado inviável pela ausência de normaregulamentadora.

O presente estudo não pretende, de maneira alguma,encerrar a discussão sobre o Mandado de Injunção e a naturezade sua decisão concessiva. Seu objetivo, ao contrário, édemonstrar que, sob o paradigma do Estado Democrático deDireito, conceitos e concepções jurídicas precisam ser cons-tantemente revistos, porquanto o Direito, enquanto categoriada mediação social entre facticidade e validade e, ainda, meiopelo qual a sociedade busca estabilizar expectativas de com-portamento, está em permanente construção, tal qual umromance em cadeia.

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Resumo

O artigo relata a experiência técnica e institucional do ArquivoPúblico da Cidade de Belo Horizonte quanto ao recolhimento,organização e disponibilização do acervo documental daCâmara Municipal de Belo Horizonte. É traçado um quadro daPolítica Municipal de Arquivos e do contexto de criação doAPCBH assim como da sua relação com o Poder Legislativo.Um breve histórico das políticas de preservação do patrimôniodocumental das câmaras municipais no Brasil e em MinasGerais é apresentado, com ênfase na relevância dessa docu-mentação. O texto se desenvolve com o histórico do PoderLegislativo em Belo Horizonte e a produção e guarda de seuacervo, em especial da documentação oriunda do processolegislativo, que foi transferida para o APCBH entre 2006 e2007. As atividades intelectuais de organização e descrição doacervo, assim como as de conservação, são descritas, e asconclusões apontam a riqueza e as potencialidades da docu-mentação para futuras pesquisas.

Palavras-chave: Documentação histórica, Poder Legislativo,Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, Câmara Mu-nicipal de Belo Horizonte

A PRESERVAÇÃO DOCUMENTAL NA ESFERADO PODER LEGISLATIVO:

A EXPERIÊNCIA DO ARQUIVO PÚBLICO DACIDADE DE BELO HORIZONTE

ADALSON DE OLIVEIRA NASCIMENTO*

MARIA DO CARMO ANDRADE GOMES**

* Historiador, mes-tre em História edoutorando emEducação pelaUFMG. Coordena-dor do projeto de tra-tamento do acervodocumental da Câ-mara Municipal noArquivo Público daCidade de Belo Ho-rizonte.

** Historiadora, mes-tre em Ciência daInformação e dou-tora em História pelaUFMG. Diretora doArquivo Público daCidade de Belo Ho-rizonte.

Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 10, n. 15, p. 157-190, jan./dez. 2008

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Abstract

The article describes the public archive of the city of BeloHorizonte’s (Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte)technical and institutional expertise in gathering, organizingand providing the documentary collection of the legislativepower of Belo Horizonte. It maps out a framework of themunicipal archives and the context in which APCBH wascreated as well as its relationship with the legislature. A briefhistory of the policies to preserve the documentary heritage atmunicipal level in Brazil and in Minas Gerais is presented,emphasizing the importance of this documentation. The textdevelops along with the history of the legislative power in BeloHorizonte and the production and storing of its collection,especially regarding the documents that came from thelegislative process, which were transferred to the APCBHbetween 2006 and 2007. The intellectual activities of organizingand describing the collection, as well as conserving it, aredescribed and the findings show the richness and the potentialsof that documentation for future research.

Keywords: Historic documentation, Legislative Branch, Ar-quivo Público da Cidade de Belo Horizonte, Câmara Munici-pal de Belo Horizonte

Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte e a

construção do patrimônio documental

O Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte foicriado em maio de 1991, como resultado da promulgaçãoconjunta de duas leis que, respectivamente, estabeleceram asbases para uma política municipal de arquivos públicos eprivados1 e definiram as competências do Arquivo como oórgão implementador dessa política.2

Esse aparato legal, calcado inteiramente na lei federalque recém criara o Sistema Nacional de Arquivos, dotou de

1 BELO HORIZON-TE. Lei nº 5.899, de20 de maio de 1991.Dispõe sobre a Polí-tica Municipal deArquivos Públicos ePrivados e dá outrasprovidências.2 BELO HORIZON-TE. Lei nº 5.900, de20 de maio de 1991.Dispõe sobre a cria-ção do Arquivo Pú-blico da Cidade deBelo Horizonte e dáoutras providências.

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imediato a nova instituição de forte legitimidade e aparelha-mento conceitual para a consecução de seus objetivos. Em suatrajetória, entretanto, o Arquivo tem enfrentado o difícil desa-fio de cumprir objetivos tão ambiciosos e consolidar-se comoreferência institucional no cenário cultural, científico e admi-nistrativo da cidade, em quadro de constante carência derecursos e pouco (re)conhecimento da relevância do trabalhoarquivístico. Nesse sentido, a parceria estabelecida desde2005 com a Câmara Municipal de Belo Horizonte, objetodeste artigo, representou um avanço e um desafio importantes,como buscaremos demonstrar.

Na perspectiva de sua contextualização, a criação doArquivo da Cidade de Belo Horizonte pode ser creditada a doisprocessos que se amalgamaram no começo da década de 1990:a formalização de uma política arquivística de feiçãomodernizadora que, instituída na hierarquia administrativapelo Arquivo Nacional, fornecia as bases conceituais e legaispara o empreendimento local; o fortalecimento domunicipalismo como esfera de poder autônomo, com a pro-mulgação da Constituição de 1988.

De fato, a gestação de uma política de proteção dopatrimônio documental da cidade teve início com o redesenhoda administração municipal e a criação da Secretaria Muni-cipal de Cultura, em 1989, que resultou na promoção de umevento de cunho científico especialmente voltado para odebate sobre a criação de um arquivo municipal3. A baselegal originou-se na própria Câmara Municipal, com a LeiOrgânica do Município de Belo Horizonte, esta espécie deconstituição municipal, que organiza e rege o Municípiodesde 1990. Em seu artigo 168, contido no capítulo DaCultura, a lei define a necessidade de proteção, por parte doMunicípio, de seu patrimônio histórico e cultural e agrega oparágrafo único:

O Poder Público manterá sistema de arquivos públi-cos e privados com a finalidade de promover orecolhimento, a preservação e a divulgação dopatrimônio documental de organismos públicos mu-

3 Ver, a propósito:SEMINÁRIO. Basespara a implantaçãode um arquivo mo-derno: o ArquivoPúblico da Cidadede Belo Horizonte.Belo Horizonte: Se-cretaria Municipal deCultura, 1991.

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nicipais, bem como de documentos privados de inte-resse público [...].4

Essa enunciação da Lei Orgânica já replicava, em seustermos técnicos, a mesma matriz conceitual da lei federal ecomprovava a existência, dentro do grupo formulador doprojeto da lei e no conjunto dos vereadores que terminaram poraprová-la, de um consenso já maduro sobre a questão, o que defato levaria à criação do APCBH no ano seguinte.

A lei municipal de 1991, que estabeleceu a PolíticaMunicipal de Arquivos Públicos e Privados, dispunha ser deverdo poder público a gestão documental e a proteção dos docu-mentos de arquivo, entendidos como elementos de prova einformação e instrumentos de apoio à administração, à culturae ao desenvolvimento científico. Em seu artigo 7º, a mesma leidefinia que os arquivos públicos municipais eram compostospelo conjunto de documentos produzidos e recebidos no exer-cício de suas atividades por órgãos públicos municipais, emdecorrência de suas funções executivas e legislativas. Emborao artigo 14 tenha definido a existência de dois arquivos públicosmunicipais (o arquivo do Poder Executivo e o arquivo do PoderLegislativo), o artigo 15 previa como competência do ArquivoPúblico da Cidade de Belo Horizonte a

gestão e o recolhimento dos documentos produzidose recebidos pelo Poder Executivo e a normatização,gestão, conservação e organização dos documentosdos arquivos municipais, de modo a facultar o seu acessoe implementar a política municipal dos arquivos.

Já a lei específica de criação do Arquivo estabeleceucomo sua competência

recolher e promover a preservação e a divulgação dopatrimônio documental de órgãos e unidades funcio-nais públicas, bem como de documentos privados deinteresse público,

sem distinguir entre arquivos públicos legislativos eexecutivos.

4 BELO HORIZON-TE. Lei Orgânica doMunicípio de BeloHorizonte, de 21 demarço de 1990.

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Em função dessa abertura na legislação e das necessi-dades conjunturais da Câmara, o Arquivo recebeu, entre1993 e 1994, acervos provenientes do Poder Legislativo, massegundo um procedimento não sistematizado e sustentado norecurso à doação. Assim, desde os primeiros anos de suatrajetória, e ainda antes de formular uma política de gestão dedocumentos5, o APCBH tornou-se a instituição a custodiardocumentos da Câmara Municipal, que podem ser agrupa-dos, grosso modo, em dois conjuntos: documentação origi-nada das atividades administrativo-financeiras da própriaCâmara (balanços e livros caixas, entre outros); documenta-ção originada das atividades do processo legislativo6 (atas edossiês de projetos de lei e proposições de vereadores, entreoutros).

Nesses primeiros anos de atuação do Arquivo, quandoboa parte do trabalho institucional esteve concentrada nomapeamento e no recolhimento da documentação acumuladapelos diversos órgãos municipais desde a fundação da Capital,outras tipologias documentais diretamente relacionados aoPoder Legislativo passaram à guarda do Arquivo, como asséries de publicações dos Relatórios Anuais dos Prefeitos(quase todos dirigidos à Câmara Municipal, como prestaçãode contas) e dos Anais da Câmara Municipal.

Em 2005, a Câmara Municipal expressou a vontade detornar o APCBH o órgão oficial de recolhimento do entãodenominado Arquivo Legislativo7. Um primeiro convênio foifirmado em fins do mesmo ano, quando passou a ser recolhidaao APCBH a parte relativa aos anos de 1947 a 2005, o quesignifica a quase totalidade dos registros que cobrem a dinâmi-ca legislativa da Câmara Municipal. Entre 2006 e 2008, oAPCBH procedeu ao recolhimento, à organização física eintelectual, ao acondicionamento e à descrição dessa docu-mentação. Em 2007, os dois órgãos renovaram sua parceriacom um novo convênio, ora em curso, visando ao recolhimen-to do restante da documentação relativa à Legislatura de 2006a 2008, além da ampliação do escopo dos trabalhos, abarcandooutros acervos e serviços.

5 Em 1997, o Arquivoimplantou na Prefei-tura, por meio de de-creto municipal, aTabela de Tempora-lidade e Destinaçãodos Documentos deArquivos. Com esseinstrumento legal, pio-neiro entre as prefei-turas do País, oAPCBH capacitava-se para promover agestão de documen-tos, definida como oconjunto de procedi-mentos, ferramentase operações técnicasreferentes às ativida-des de tramitação,uso, avaliação e ar-quivamento de docu-mentos, em fase cor-rente e intermediária,(fases do ciclo de vidado documento), vi-sando à eliminaçãoou ao recolhimentopara guarda perma-nente. (PARRELA,2003). É preciso res-saltar ainda que esseinstrumento inicial re-gia apenas os docu-mentos da adminis-tração direta, e suaextensão para a ad-ministração indireta eo Legislativo depen-deria de estudos mais

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Política arquivística no Brasil e os arquivos

do Poder Legislativo

Seria possível falar em uma tradição no País que desserespaldo ao procedimento adotado pelo Arquivo da Cidade deBelo Horizonte no recolhimento e tratamento arquivístico doacervo proveniente do Poder Legislativo? Pouco ou quase nadaencontramos na bibliografia em termos de uma reflexão teóricasobre o tema ou de análises de experiências institucionais.

Podemos falar de uma primeira política públicaarquivística no Brasil, resguardado qualquer anacronismo nouso da expressão, com a criação do Arquivo Público doImpério, em 1838. Prevista na Constituição de 1824, a inicia-tiva guarda relação com o contexto de consolidação do Estado-nação brasileiro e de construção de uma memória e umaidentidade nacionais, sendo a realização mais significativa doperíodo, sem dúvida, a criação do Instituto Histórico e Geográ-fico Brasileiro, no mesmo ano.

O Arquivo Público do Império foi concebido como umaagência destinada a recolher e preservar os documentosprobatórios da legitimidade do Estado em formação. Em suaestrutura original, contava com as seções administrativa,legislativa, judiciária e histórica. Ao longo do tempo essaestrutura sofreria poucas alterações, até 1958, quando um novoregimento altera substancialmente a organização, que passariaa ser dividida segundo os serviços prestados (pesquisa, consul-ta) e o gênero da documentação (textual, iconográfica).

Assim, desde o século XIX, no que diz respeito àorganização e à atuação da instituição central, ou seja, oArquivo Nacional, não foram estabelecidas distinçõesconceituais ou legais quanto à preservação da documentaçãodos diferentes Poderes8. No entanto, essa indistinção formal nadocumentação não foi resultado de uma verdadeira política depreservação do patrimônio documental no nível federal, masde uma fragilidade política e técnica da instituição desde suaorigem. Como bem mostrou Costa (2000, p. 14), as limitaçõesdo Arquivo Nacional foram

específicos, como defato foram feitos pos-teriormente para al-guns órgãos.6 Processo legisla-tivo é entendido aquicomo as ações reali-zadas pela CâmaraMunicipal com o ob-jetivo de cumprirsuas diversas atribui-ções privativas, es-pecialmente as con-cernentes à elabora-ção de leis e resolu-ções.7 Expressão corren-te na CMBH paradesignar a docu-mentação que reú-ne os registros do-cumentais do pro-cesso legislativo, ouseja, da produção,tramitação, aprova-ção e publicação dasnormas legais queregem o Município.

8 No atual regimen-to, não há distinçãoespecífica quantoaos documentos pro-venientes dos Pode-res Legislativo, Exe-

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responsáveis pela inexistência no Brasil, até bemrecentemente, de uma política nacional de arquivosou de uma política pública para a área de arquivos,seja em nível de avaliação e recolhimento da docu-mentação dos órgãos da administração pública, sejaem nível de uma correta política de acesso aosdocumentos.

O quadro alterou-se significativamente com a modernalegislação arquivística brasileira, consagrada com a lei federalde 1991, resultado de um processo de modernização conceituale institucional das políticas de preservação do patrimôniodocumental brasileiro em curso nos diversos Estados e nosdiferentes níveis da administração pública. No texto da legisla-ção federal, os arquivos públicos, definidos como conjuntos dedocumentos produzidos e recebidos no exercício das atividadesdos órgãos públicos, originam-se das três funções dos Poderesda República – executivas, legislativas e judiciárias – e das trêsinstâncias do federalismo – federal, estadual e municipal. Nosâmbitos federal e estadual, a legislação definiu a existência detrês arquivos públicos correspondentes a cada um dos Poderes.Diferentemente, no âmbito municipal, foi definida apenas aexistência dos arquivos públicos atinentes às funções própriasda gestão municipal, ou seja, às funções executivas e legislativas.

Para a esfera federal, a lei de 1991 definiu ainda acompetência arquivística de cada poder instituído, ou seja, agestão, o recolhimento, a preservação e o acesso aos documen-tos. De acordo com o princípio federativo, a lei delegou aosEstados e aos Municípios a competência na definição doscritérios de organização e vinculação dos arquivos estaduaise municipais, bem como a gestão e o acesso aos documentos9.As políticas de sigilo dos documentos públicos nos diferentesPoderes também deveriam obedecer aos critérios própriosestabelecidos em cada instância.

Esse breve esboço histórico em busca de uma possíveltradição em termos do tratamento dos acervos oriundos doPoder Legislativo deixa entrever a inexistência de políticasclaras e de investimento público na questão. Tanto nos Estados

cutivo, Judiciário eextrajudicial (mes-mos os privados),todos abarcadospelo conceito de Ad-ministração PúblicaFederal. A distinçãoé feita quanto ao ní-vel da administração– federal – e quantoà temporalidade dosdocumentos – valorpermanente.

9 BRASIL. Lei nº8159, de 8 de janei-ro de 1991. Dispõesobre a Política Na-cional de ArquivosPúblicos e Privadose dá outras provi-dências. Artigo 21.

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como nos Municípios, as iniciativas foram moldadas peloscontextos regionais e locais, de forma esparsa e pontual.Observa-se nos últimos anos, o surgimento de uma série deiniciativas, como a criação de centros de memória nas assem-bléias legislativas10 e o esboço de formação de uma rede, comoexemplifica a realização, em 2006, do Primeiro Encontro dosArquivos do Poder Legislativo, em Porto Alegre, dentro do IICongresso Nacional de Arquivologia.

Produção, preservação e relevância dos acervos

documentais das câmaras municipais em Minas Gerais

Como se deu o processo de preservação dos acervosdocumentais do Poder Legislativo no âmbito de Minas Ge-rais? Para responder a essa e a qualquer outra pergunta relativaao patrimônio documental do Estado mineiro, o caminhoincontornável é conhecer um pouco da trajetória do ArquivoPúblico Mineiro.

Assim como a criação do Arquivo do Império guardarelação histórica com o contexto de construção e afirmação daidentidade nacional, também a criação do Arquivo PúblicoMineiro, nos primeiros anos de implantação do regime repu-blicano, pode ser compreendida no quadro mais geral deconstrução das identidades regionais das entidades federati-vas. Desdobrando em ações administrativas concretas o fortepoder consagrado aos Estados com o regime federalista repu-blicano, a lei de criação do Arquivo Público Mineiro, em 1895,determinava que a nova repartição era destinada a receber econservar

todos os documentos concernentes ao direito públi-co, à legislação, à administração, à história e àgeografia, às manifestações do movimento científi-co, literário e artístico do Estado de Minas Gerais11.

A política de recolhimento dos acervos estabelecida nalegislação fundadora do APM abarcava também os acervosdos Municípios, particularmente a rica herança documentaldas câmaras coloniais. Estabelecia a lei que

10 Identificamos ini-ciativas nesse senti-do nas AssembléiasLegislativas de SãoPaulo, Minas Ge-rais, Mato Grosso,Espírito Santo eSanta Catarina.

11 MINAS GERAIS.Lei nº 126, de 11 dejulho de 1895. Criana cidade de OuroPreto uma reparti-ção denominada Ar-quivo Público Minei-ro. Artigo 1º.

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O presidente do Estado obterá dos presidentes dascâmaras municipais a remessa regular, independen-temente de outras requisições, de todos os documen-tos referentes ao fim desta repartição que estejamnos arquivos das câmaras ou em qualquer parte, soba dependência das mesmas12.

Em decorrência desse processo centralizador, o APMtornou-se a instituição detentora de boa parte da documenta-ção colonial das Câmaras de Mariana, Ouro Preto, Sabará,Paracatu e Caeté. Essas cidades, por sua vez, guardam outrosacervos camarários do mesmo período, o que significa que,historicamente, esses acervos foram divididos e dispersos, obede-cendo às políticas de recolhimento e guarda de cada momentohistórico. Sua custódia, seja no Arquivo Público Mineiro ou nasinstituições de guarda dos municípios, carreava para dentro decada instituição prestígio e responsabilidade no tocante à preser-vação da memória documental. E qual a real importância dessaherança documental originária das antigas câmaras municipais?A resposta encontra-se na história administrativa e política donosso país, como explicam os especialistas.

Nas palavras do historiador Douglas Libby (2006,p.20),

O antigo Senado da Câmara, mais tarde CâmaraMunicipal, foi, ao longo da colônia e do Império, obraço local do Estado. [...] Na verdade, as atribui-ções da câmara eram tão amplas e variadas que suaatuação perpassava o conjunto do que, hoje, sãoconhecidos como os três Poderes: o Legislativo, oExecutivo e o Judiciário. Nesse sentido, tratava-se deum órgão que, de uma forma ou outra, se faziapresente em inúmeros aspectos do dia-a-dia da po-pulação [...].

É justamente a riqueza da documentação produzidapelas câmaras que possibilita ao historiador/pesqui-sador vislumbrar um multifacetado cotidiano, tãocaro à historiografia atual, que faz com que a preser-

12 MINAS GERAIS.Lei nº 126, de 11 dejulho de 1895. Criana cidade de OuroPreto uma reparti-ção denominada Ar-quivo Público Minei-ro. Artigo 3º.

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vação dos acervos camarários seja uma das priori-dades de qualquer política pública de arquivos.

As câmaras, no período colonial, foram apontadas pelohistoriador Charles Boxer como um dos pilares da sociedade,e são notórias as funções exercidas no controle e na regulaçãodo uso da terra urbana, fosse aquela de uso coletivo ou privado(terreno obtido por aforamento) e de regulamentação da vidaurbana (fiscalização das atividades comerciais e ofícios, con-trole policial, configuração e conservação da sede urbana). Emtermos do Poder Judiciário, nas palavras de Pires (PIRES,2006, p. 68)

Na sede do termo – que era a menor divisão adminis-trativa – a câmara funcionava como um tribunal deprimeira instância, presidido por um juiz de fora oupor dois vereadores que se alternavam no cargo dejuiz ordinário.

Como instâncias políticas, as câmaras eram, a um sótempo, instituição de garantia da ordem colonial e dos interes-ses da metrópole e fóruns de representação dos interesseslocais, permeáveis às demandas dos colonos e inseridas nasredes de sociabilidade que conectavam a localidade ao Impé-rio colonial português. No século XIX, essa força reguladorae fiscalizadora diminuiu sensivelmente, ainda que as câmarastenham mantido estrutura complexa e múltiplas funções, e quetenham dado sustentação à ordem política do Império. Suainstituição em um arraial elevado a vila carregava a simbologiado poder para dentro do espaço e da vida urbana.

Ao longo do tempo, no cumprimento de tão extensasfunções, as câmaras terminaram por produzir e acumular vastae diversificada documentação, o que explica o interesse oficialem sua preservação já na criação do Arquivo Público Mineiro.Mas o gradativo enfraquecimento político das câmaras reper-cutiu no empobrecimento dos registros documentais, assimcomo na sua dispersão e perda, a demonstrar a relação diretaque se estabelece, historicamente, entre o patrimônio docu-mental e a vitalidade das instituições que o produzem.

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Com a República e a crescente centralização dopoder político e administrativo nos governos estadual efederal, as câmaras perderam grande parte de seu poder. Osarquivos locais passaram a ser divididos entre os PoderesLegislativo e Executivo e posicionados em nível hierárqui-co insignificante (MACHADO, 1997, p. 45). Ao longo doséculo XX, resultou desse processo a quase total inexistênciade arquivos municipais estruturados de forma autônoma,como apontou Figueira em avaliação realizada em 1986 (p.159). Esse diagnóstico geral serve muito bem para a apre-ensão do quadro mineiro, que, como o restante do País,apenas nas últimas décadas do século XX, e em resposta aofortalecimento do municipalismo, como apontamos no iní-cio deste texto, viu surgirem arquivos municipais em seuterritório.

Os arquivos municipais que têm surgido nessas últimasdécadas, quase sempre ligados ao Poder Executivo, promo-vem seus recolhimentos e carregam para a instituição a docu-mentação acumulada, muitas vezes originadas dos séculosXVIII e XIX e, portanto, produto das atividades das câmaras.É o caso dos Arquivos Públicos de Ouro Preto, Uberaba ouJuiz de Fora, que detêm documentação do Poder Legislativo ede outras instituições custodiadoras de acervos, como o Arqui-vo Histórico de Mariana, subordinado à Universidade Federalde Ouro Preto. Conservam-se outros acervos camarários im-portantes em Municípios como Paracatu, Serro, Baependi ePitangui.

Nos últimos anos, capitaneados pelo APM e a UFOP,têm sido desenvolvidos projetos que visam à microfilmageme à digitalização desses acervos e dos acervos de outrascâmaras, como Tiradentes, São João del-Rei e Campanha. Oobjetivo, a ser gradativamente alcançado, é a reunião e adisponibilização, em meio digital, dessas massas documentaisdispersas no tempo e no espaço. Como se vê pela citação dascidades envolvidas, é evidente que tais iniciativas cobrem adocumentação produzida e preservada pelas mais importantesvilas do período colonial.

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Trajetória do Poder Legislativo em Belo Horizonte e a

especificidade de sua herança documental

Como vimos até aqui, a documentação oriunda dasantigas câmaras constitui boa parte da memória administrativae política das cidades brasileiras e mineiras de origem coloniale provincial. Nesse quadro geral, Belo Horizonte, Capitalnascida com a República, guarda grande especificidade, poissua existência como entidade política e administrativa não teveinício com a atuação da Câmara Municipal, mas com a ação dogoverno estadual, consubstanciada na criação da nova Capital.A cidade foi planejada e construída com o intuito de sediar opoder político mineiro, em substituição à antiga capital doEstado, Ouro Preto. Para Silva (1998, p. 14),

paradoxalmente, a cidade [Belo Horizonte], que eratida como um modelo técnico em seus primeiros anosde vida e um símbolo republicano, não tem autono-mia municipal, ou seja, ela nasce e cresce como umacidade tutelada.

O caráter excepcional que caracterizou a administraçãoda nova Capital aparece já na Lei Adicional à Constituição de1891, que previa que

a direção econômica e administrativa da Capital doEstado denominado Minas ficará a cargo do Presi-dente do Estado, enquanto o Congresso não delibe-rar a respeito nos termos da Constituição13.

Entre 1893 e 1897, todos os trabalhos de planejamentoe construção da nova cidade ficaram a cargo da ComissãoConstrutora da Nova Capital, dotada de forte autonomia paraimplementação do ambicioso projeto. Somente após a inaugu-ração da cidade, ocorrida em 12 de dezembro de 1897, foicriada a Prefeitura. Segundo o decreto estadual14 de criação, adireção econômica e administrativa da cidade era exercida

por meio de funções deliberativas e executivas, sen-do que as funções deliberativas são exercidas direta-mente pelo Presidente do Estado, e as executivas

13 MINAS GERAIS.Lei Adicional àConstituição do Es-tado nº 3, de 17 dedezembro de 1893.Marca o lugar para aconstrução da Capi-tal do Estado e dáoutras providências.14 MINAS GERAIS.Decreto nº 1.088, de29 de dezembro de1897. Cria a Prefeiturada Cidade de Minas.

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serão por intermédio de um prefeito de sua livrenomeação, enquanto que as resoluções do Presiden-te do Estado, promulgadas pela Secretaria de Estadodos Negócios do Interior, serão consideradas leismunicipais.

Nessa medida, não se estabeleceu uma Câmara Muni-cipal na Capital, nem eleições para prefeito. A administraçãomunicipal, em seus primeiros anos, absorveu boa parte dosserviços e atribuições da Comissão Construtora, mas esva-ziou-a inteiramente da autonomia que esta exercia durante osanos de construção da cidade, tornando-a pouco mais do queuma repartição pública subordinada diretamente ao poderestadual.

O regime de tutela do Estado sobre a nova Capital eraainda mais acentuado do que aquele imposto aos demaisMunicípios mineiros após ter-se arrefecido o arrojomunicipalista da recém-proclamada República, como mos-trou análise clássica de Leal (1975, p. 81) sobre a debilidadedo poder municipal no Brasil.

O contexto do surgimento da cidade e do Município soba égide do regime republicano e o caráter de excepcionalidadede uma capital surgida da vontade e da decisão da elite políticaconformaram a herança documental que, a partir de 1991, oArquivo da Cidade passou a recolher entre os órgãos daPrefeitura de Belo Horizonte. Em artigo relativo à trajetóriadas instituições arquivísticas da Prefeitura, Parrela (2003)mostrou como o interesse da Comissão Construtora em produ-zir uma memória das suas atividades com a preservação de suadocumentação não foi seguido pelas sucessivas administra-ções municipais. Consequentemente, a memória política eadministrativa de Belo Horizonte também se organizou e sefundamentou na documentação herdada da Comissão Cons-trutora, a qual se converteu no acervo instituinte do ArquivoPúblico da Cidade de Belo Horizonte.

Apesar da existência de uma unidade denominadaarquivo na estrutura organizacional da Prefeitura desde a sua

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criação, esse pouco mais foi do que um depósito de papéis,restrito às atividades burocráticas de protocolo e expedição dedocumentos. Além do acervo da Comissão Construtora, osconjuntos documentais mais importantes do Arquivo da Cida-de foram recolhidos diretamente dos órgãos do Poder Execu-tivo, como são exemplos os acervos da antiga SecretariaMunicipal da Fazenda e da Assessoria de Comunicação15.

Por outro lado, a fragilidade da esfera legislativacondicionou igualmente a produção documental da CâmaraMunicipal, como confirma o fato de que data do ano de 1947o início da série histórica dos documentos sistematicamentepreservados naquela instituição.

De fato, o constrangimento da autonomia municipal naorigem de Belo Horizonte estendeu-se à esfera do PoderLegislativo, pois a cidade não contou com uma CâmaraMunicipal, mas com um Conselho Deliberativo. Criado emsetembro de 1899 e esvaziado de poder político, competia aoConselho Deliberativo votar os impostos e decretar as despe-sas necessárias ao andamento da administração da Capital16.No livro O Legislativo e a cidade, fundamentado nas atas doConselho Deliberativo publicadas no Jornal Minas Gerais, osautores traçam um panorama das ações do órgão. A obrademonstra que o Conselho extrapolava suas funções legais aopropor à Prefeitura soluções para os problemas da cidade.Conclui-se que havia confusão em relação às responsabilida-des de administração municipal divididas entre o governo doEstado, a Prefeitura e o Conselho Deliberativo. Mesmo apósa criação do Município de Belo Horizonte, em 190117, essasituação se manteve.

Em 1930, no contexto da Revolução Liberal e com areorganização burocrático-administrativa, foram extintas asassembléias legislativas municipais18. Já em 1931, um decre-to19 criou em todos os Municípios mineiros os ConselhosConsultivos, com funções legislativas. No entanto, a mesmanorma legal estabelecia a continuidade da tutela política naCapital: a prefeitura do Município de Belo Horizonte serádiretamente superintendida pelo Presidente do Estado. Após

15 Ver, a propósito:GUIA do ArquivoPúblico da Cidadede Belo Horizonte.Belo Horizonte: Pre-feitura Municipal/APCBH, 2001.

16 MINAS GERAIS.Lei nº 275, de 12 desetembro de 1899.Institui na Capital doEstado um conselhodeliberativo eleitopelo povo da mes-ma Capital e contémoutras disposições.17 MINAS GERAIS. Leinº 319, de 16 de setem-bro de 1901. Cria diver-sos municípios, alteradivisas e contém ou-tras disposições.18 MINAS GERAIS.Decreto Estadual nº9.768, de 24 de no-vembro de 1930. Ins-titui o regime das Pre-feituras para a admi-nistração dos Muni-cípios do Estado.19 MINAS GERAIS.Decreto Estadual nº9847, de 2 de feverei-ro de 1931. Reorgani-za o governo provisó-rio dos Municípios.

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estudar a atuação do Conselho Consultivo, os autores de OLegislativo e a cidade concluem:

[...] não nos parece razoável tratar esse Conselhocomo uma parte integrante da história do LegislativoMunicipal de Belo Horizonte. O Conselho Consulti-vo foi um instrumento do estado de exceção pós-1930. (SILVA, 1998, p. 43)

A Câmara Municipal foi instalada em 7 de agosto de193620, quando se restabeleceu no Brasil o estado de direito. Masteve vida curta, pois, já em novembro de 1937, depois de poucomais de um ano de funcionamento, foi dissolvida com o golpe doEstado Novo. Mais uma vez os prefeitos passariam também aexercer as funções das câmaras municipais21, conforme definia oDecreto-Lei Estadual nº 11, de 13 de dezembro de 1937.

Após o interregno de uma década, a CMBH voltou afuncionar definitivamente, em dezembro de 1947, ano em quetambém seria realizada a primeira eleição para prefeito de BeloHorizonte. Por meio de lei estadual22, determinou-se a funçãodas casas legislativas municipais: deliberar sobre tudo querespeite ao peculiar interesse do Município e, nomeadamente[elaborar] as respectivas leis e resoluções. Tinha fim o regimede excepcionalidade que havia perdurado por meio século.

Entre 1947 e meados da década de 1960, a CMBHexerceu todas as funções políticas, deliberativas e adminis-trativas atinentes ao Poder Legislativo municipal. O golpemilitar de 1964 trouxe mais uma vez restrições ao PoderLegislativo no âmbito dos Municípios. Para Silva, os efeitosdo golpe chegaram à CMBH em dois momentos. Primeira-mente, com a efetivação de um novo cenário de correlação deforças políticas no âmbito nacional e local, quando figuraspolíticas identificadas com o novo regime ganharam desta-que ao receber homenagens na Câmara. Posteriormente, porvia legal, em 1966, o Regimento Interno da Câmara foialterado e adaptado ao Ato Institucional nº 223. O poder doLegislativo Municipal foi sensivelmente reduzido e esvazia-do (SILVA, 1998, p. 103).

20 Anais da CâmaraMunicipal de BeloHorizonte, 1936.BR.APCBH//C.14/b.001.21 A Secretaria daCâmara Municipalfoi extinta por meiodo Decreto Munici-pal nº 1, de 30 dedezembro de 1937.

22 MINAS GERAIS.Lei nº 28, de 22 denovembro de 1947.Organização Muni-cipal.

23 A Resolução nº149, de 1966, esta-belece alterações noRegimento Internoda CMBH com vis-tas a adaptá-lo aonovo contexto derestrição do PoderLegislativo no Bra-sil. BR.APCBH//DR.01.02.03-0149.

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Com o fim do regime militar, na década de 1980, e avolta do estado de direito, os poderes da Câmara Municipalforam restabelecidos, voltando a [CMBH] a ser uma institui-ção política no sentido amplo da palavra. (SILVA, 1998, p.112). Por meio dessa breve narrativa, percebe-se que a históriado Poder Legislativo na cidade de Belo Horizonte foi marcadapor especificidades, descaminhos e rupturas, especialmente noperíodo anterior a 1947, quando a Câmara passou a funcionarem regime democrático e autônomo.

Constituição e guarda do acervo do processo legislativo

da CMBH a partir do ano de 1947

Atualmente, não há notícia da massa documental pro-duzida pelo Conselho Deliberativo, pelo Conselho Consultivoe pela Câmara Municipal no período compreendido entre 1899e 193724. Se, para o período anterior a 1947, não há conheci-mento da produção documental do Poder Legislativo em BeloHorizonte, para o período posterior tem-se a acumulação e apreservação de amplas séries documentais. Isso, graças àpolítica de guarda implementada pela CMBH.

O primeiro regimento interno da CMBH, de 194725,normatizava, ainda de forma tímida, os procedimentos para ogerenciamento e a guarda dos documentos produzidos pelacasa. Em 1956, um novo regulamento26 da Secretaria daCMBH reorganizou os serviços, prevendo, inclusive, as nor-mas para acumulação dos documentos.

Foi criado o Setor de Arquivo, que tinha como funçãorecolher, conservar, catalogar e arquivar os documentos rela-cionados ao processo legislativo. A esse setor deveriam serenviados todos os documentos, após o encerramento datramitação ou ao final da legislatura. A resolução previa: osdocumentos arquivados só poderão ser desarquivados medi-ante requisição, por escrito, deferida pelo Presidente. Avontade de preservação da história institucional confirma-seclaramente no segundo regimento da casa, aprovado tambémem 1956. Dentre outras ações voltadas para a constituição doarquivo do processo legislativo e da memória institucional,

24 Para esse perío-do, além de acervosrelacionados dispo-níveis no APCBH, jáelencados, fragmen-tos da documenta-ção podem ser en-contrados em outrasinstituições de me-mória e patrimônio.É o caso do Livro deTermo de Juramen-to do ConselhoDeliberativo, quecontém o registro deposse dos conselhei-ros e vereadores noperíodo entre 1899 e1997. Essa encader-nação encontra-seno Museu HistóricoAbílio Barreto.25 BELO HORIZON-TE. Resolução nº 1,de 23 de novembrode 1947. RegimentoInterno da Câmara.26 BELO HORIZON-TE. Resolução nº38, de 13 de janeirode 1956. Aprova oregulamento e areestruturação doquadro de pessoalda Secretaria daCâmara Municipal.

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A EXPERIÊNCIA DO ARQUIVO PÚBLICO DACIDADE DE BELO HORIZONTE

previa-se que cópias autenticadas das atas das sessões solenesde instalação de cada legislatura seriam enviadas à Secretariade Estado dos Negócios do Interior, ao Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística e ao Arquivo Público Mineiro.27

Ao longo de décadas, foram se constituindo as sériesdocumentais com o arquivamento de dossiês organizadoscronologicamente no arquivo da Câmara. Apesar de sofrerdeslocamentos dentro da estrutura burocrático-administrati-va, esse arquivo se manteve como um lugar institucional.Somente na década de 1990, iniciaram-se mudanças em rela-ção à guarda do acervo, com as primeiras doações28 de documen-tos ao APCBH e a formalização de normas visando à suaoficialização. Ocorridas em 1993 e 1994, essas doações incluíamdocumentos do processo legislativo e relacionados à gerênciaadministrativa e financeira do órgão. Parte da documentaçãodoada foi antes microfilmada, e os filmes foram mantidos naCMBH.

A formalização do APCBH como órgão responsávelpela guarda da documentação legislativa inicia-se com areforma do Regimento Interno ocorrida em 1996. Nessareforma, previa-se que a Câmara

manterá em seus arquivos os originais das proposi-ções, observadas as normas técnicas pertinentes e,ainda, poderá a Câmara transferir para o arquivopúblico municipal os originais de propostas de emen-da à Lei Orgânica e de projetos que não tenham sidoaprovados.29

Menos de um ano depois, nesse lento processo detransferência da responsabilidade de guarda do acervo doprocesso legislativo para o APCBH, o Arquivo da Câmaraformalmente constituído deixou de existir na estrutura buro-crático-administrativa.30

Novos recolhimentos e normatizações só foram efeti-vados em meados dos anos 2000. O marco da transferência doacervo legislativo para o APCBH é o ano 2005. Com a

27 BELO HORIZON-TE. Resolução nº40, de 26 de abril de1940. Aprova o Re-gimento Interno daCâmara Municipalde Belo Horizonte.

29 BELO HORIZON-TE. Resolução nº2.013, de 23 de julhode 1996. Altera dis-positivos da Resolu-ção nº 148, de 7 dedezembro de 1990.30 BELO HORIZON-TE. Resolução nº2.024, de 23 de junhode 1997. Disciplina aorganização adminis-trativa da CâmaraMunicipal e estabe-lece normas restriti-vas para a realizaçãode despesas.

28 Confira o significa-do desse e de outrostermos identificadoscom asterisco (* ) noGlossário de termosarquivísticos, no fi-nal deste artigo.

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publicação de uma deliberação31, efetivou-se o recolhimento,ao APCBH, de todo o acervo de fitas magnéticas de áudiocontendo gravações das reuniões plenárias e de comissõesacumulado desde meados da década de 1970. A mesmadeliberação previu recolhimentos sistemáticos anuais dessesdocumentos.

No mesmo ano, já no contexto da assinatura do citadoconvênio de cooperação entre APCBH e CMBH, por meio dedeliberação, determinou-se que

após terem sido digitalizados os documentos perti-nentes ao processo legislativo, os originais respecti-vos deverão ser encaminhados ao Arquivo PúblicoMunicipal, conforme procedimentos e temporalidadeestabelecidos em convênio ou normas próprias.32

Tratamento do acervo da Câmara Municipal

no APCBH

O trabalho de organização de arquivos é embasado ematividades intelectuais de organização e descrição e atividadesde conservação física que incluem limpeza, restauro e acondi-cionamento33. Em termos intelectuais, o trabalho de organiza-ção do acervo da CMBH teve como princípio a preservação doordenamento original, ou seja, buscou-se manter os agrupa-mentos documentais realizados pelos funcionários da CMBHao longo das décadas em que a documentação foi produzida.Segundo Belloto (2004, p. 131), dois aspectos devem serconsiderados no momento de organização de acervos docu-mentais: primeiro,

respeitar o órgão de origem, não deixando que seusdocumentos se misturem com os de outro órgão,segundo, respeitar a ordem estrita em que os docu-mentos vieram da repartição de origem, na sequênciaoriginal das séries. (2004, p. 131).34

Tendo em vista essas diretrizes, foi elaborado o instru-mento de pesquisa*, com a descrição* sumária dos documentos.

31 BELO HORIZON-TE. Deliberação nº8, de 26 de marçode 2005.

32 BELO HORIZON-TE. Deliberação nº18, de 12 de dezem-bro de 2005.

33 O tratamento físicodo acervo da CMBHenvolveu procedimen-tos diversos visando àconservação preven-tiva. Por se tratar dedocumentação recen-te, produzida a partirde meados do séculoXX, e por ter estadoem boas condições dearmaze-namento, adocumentação en-contra-se em bomestado de conserva-ção. Todo o acervo re-cebeu novas embala-gens e foi acondicio-nado em mobiliárioadequado e especial-mente planejado, vi-sando à racionaliza-ção do espaço.34 Sobre o princípiode manutenção do

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Por meio dos índices* anexos ao instrumento, o consulente temacesso aos conteúdos dos documentos e aos códigos que lhepermitem solicitar e fazer referências a esses documentos.35

Todo o trabalho de organização dos documentosembasou-se, portanto, no princípio do respeito aos fundos queorienta o trabalho no APCBH desde a sua fundação. Inicial-mente, foi feito um levantamento de informações acerca dadocumentação acumulada pela CMBH. Buscaram-se dadossobre o estado de conservação e sobre as condições físicas emque estavam armazenados. Também houve uma pesquisasobre as datas de produção dos documentos e sobre suaorganicidade*. Concluiu-se que os documentos encontravam-se em boas condições de conservação e armazenamento e quea sua ordem original foi mantida, produzindo-se longas sériesdocumentais.

O acervo é formado por 168 metros lineares* de docu-mentos textuais*. Desse total, cerca de 85 por cento dosdocumentos registram informações relacionadas ao processolegislativo, os 15 por cento restantes são documentos contábeis.Quase a totalidade dos documentos textuais relacionados aoprocesso legislativo encontram-se também digitalizados.36

Existem, ainda, documentos textuais microfilmados em 498rolos 16 milímetros, 2.883 fitas magnéticas com registros deáudio e 2 filmes com imagens. O patrimônio documental daCMBH é, atualmente, um dos mais volumosos sob a guarda doAPCBH. Também se destacam no acervo a variedade desuportes e a longevidade das séries documentais.

No início dos trabalhos, com o objetivo de definir oarranjo*, foram identificados e estudados os diversos tiposdocumentais*. Ao se identificarem os documentos recolhidosa partir do ano de 2005 e os que já se encontravam no APCBHdesde 1993 e 1994, foi definido o quadro de arranjo* dadocumentação.

Foram identificados dois subfundos*, ou seja, consta-tou-se que havia documentos relacionados a duas unidadesadministrativas diferentes, que possuíam competências tam-

ordenamento origi-nal realizado peloprodutor, ver, tam-bém, DUCHEIN,Michel. O respeitoaos fundos emarquivística: princí-pios teóricos e pro-blemas práticos. Ar-quivo e Administra-ção. Rio de Janeiro,10-14 (1), p. 14-33,abr. 1982. ago. 1986.35 O instrumentode pesquisa estádisponível na salade consultas e nos i t e do APCBH,www.pbh.gov.br/cultu-ra/arquivo. Outra fontede pesquisa do acervoé a Base Light, bancode dados desenvolvi-do em ambiente MSDOS que contém re-gistro de referências doacervo da CMBH des-de o ano de 1947. Pormeio da Base é possí-vel realizar buscas emcampos como nomes,datas e assuntos. Osistema foi desenvol-vido e alimentado vi-sando ao uso cotidia-no na CMBH e, porisso, não segue as nor-mas de descriçãoarquivística. A BaseLight pode seracessada na sala deconsultas do APCBH.36 Ao longo dos anosde 2006 e 2007, umaempresa privadacontratada pelaCMBH realizou adigitalização dos do-

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bém diferentes. O primeiro subfundo é aquele que reúnedocumentos acumulados e/ou produzidos pela Diretoria doLegislativo e que registram o processo legislativo, atividade-fim da CMBH. Dentre esses documentos, encontram-se livrosde atas e anais, dossiês contendo a tramitação de projetos e deproposições de lei e de emenda à lei orgânica, além de projetosde resolução. Há também proposições diversas não relaciona-das à elaboração de normas legais. É o caso da indicação, darepresentação, da moção, da autorização e do requerimento.Por fim, esse subfundo reúne também cópias de normas legaisem formatos diversos de publicação. O diagrama ao final destetexto permite a visualização esquemática das séries* esubséries* que compõem o Subfundo Diretoria do Legislativo.

A Série Anais e Livros de Atas é formada por registrosescritos que relatam o que se passou nas reuniões de plenárioe de comissões e em eventos ocorridos na Câmara e relaciona-dos ao processo legislativo. Essa Série está subdividida emseis subséries, que reúnem livros de atas que registram sucin-tamente e em forma de crônica as sessões de plenário e decomissões diversas. Dentre as milhares de atas registradas noslivros que compõem a série, encontram-se informações dereuniões solenes para homenagear figuras de destaque dapolítica e registros de homenagens a sujeitos menos conheci-dos e instituições que obtiveram condecorações como títulosde cidadão honorário ou diplomas de honra ao mérito emfunção de suas atividades sociais. Os documentos registramhomenagens a professores, maestros, esportistas, artistas,médicos e empresários, entre outros.

No acervo encontra-se, por exemplo, a ata da primeirareunião solene ocorrida na CMBH, no ano de 1957, parahomenagear o então presidente Juscelino Kubitschek com oTítulo de Cidadão Honorário, em 1° de fevereiro daquele ano.A ata registra a presença de figuras de proa da políticabrasileira, mineira e belo-rizontina no período, como JoséFrancisco Bias Fortes, Celso Mello de Azevedo e João BatistaAlves, governador do Estado, prefeito da Capital e presidenteda CMBH, respectivamente.37 A concessão de títulos é

cumentos relaciona-dos ao processolegislativo. Posterior-mente, os documen-tos eram recolhidosao APCBH. OAPCBH possui cópi-as digitais dos docu-mentos armazena-das em CDs e DVDs.

37 Subsérie Livrosde Atas de Reuni-ões Solenes do Ple-nário (1957-2005).B R . A P C B H / /DR.01.01.01-001.

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justificada e aprovada por lei ou resolução. No caso daconcessão do Diploma de Honra ao Mérito a Santoro Antônio,o Toninho-Rei do Churrasco, no dossiê da Resolução nº1.914, de 18 de abril de 1994, o Vereador Alencar da SilveiraJúnior justifica:

Toninho-Rei do Churrasco é proprietário de um barcuja especialidade, muito apreciada pelosfreqüentadores, é o churrasco. Utilizando de suapopularidade e carisma, o Sr. Santoro promoveeventos sociais e culturais em prol dos moradores doBairro Santa Teresa.38

Essa Série reúne também os livros de atas que registramas reuniões ordinárias e extraordinárias de plenário e decomissões diversas. Esses livros de atas da CMBH cobremtodo o período histórico a partir de 1947. Além das atas, outrotipo documental contido na série são os anais que registram atranscrição das reuniões ordinárias e extraordinárias de plená-rio. A Subsérie Anais de Reuniões Ordinárias e Extraordiná-rias do Plenário está circunscrita entre os anos de 1947 e 1975.A partir de 1975 deixou-se de produzir os anais dos trabalhosda CMBH. Nesta data, iniciou-se a gravação sistemática emáudio das atividades da casa. Portanto, a gravação em áudiosubstituiu a transcrição em papel.

Outra série que compõe o Subfundo Diretoria doLegislativo é a Série Proposições, formada por subséries quereúnem dossiês que contam a tramitação das propostas apre-sentadas pelos vereadores. Faz parte dessa Série, a SubsérieIndicações, Representações, Moções, Autorizações e Reque-rimentos.39 Esse conjunto de documentos apresenta as diver-sas ações parlamentares para além das propostas de lei e deresolução.

A indicação é uma proposição em que o vereadorsugere a uma autoridade municipal a realização de umamedida de interesse público ou ao prefeito a declaração deutilidade pública de uma sociedade civil, associação oufundação. Exemplo de indicação é a proposição de Helena

38 Subsérie Resolu-ções Aprovadas( 1 9 4 7 - 2 0 0 5 ) .B R . A P C B H / /DR.01.02.03–1914.

39 A função das indi-cações, representa-ções, moções, auto-rizações e requeri-mentos está defini-da no Regimento In-terno da CMBH apro-vado pela Resoluçãonº 1.480, de 7 de de-zembro de 1990.

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Greco de 4 de dezembro de 1984, em que a vereadora solicitaque após

ouvida a Casa em regime de urgência e com dispensados pareceres das Comissões Técnicas, seja encami-nhada para exame e consideração do Sr. Prefeito umaindicação solicitando um balanço dos prejuízos e dasvítimas em razão das últimas chuvas que transborda-ram o Arrudas, bem como as razões que levaram aoacontecimento do referido transbordamento.40

Na mesma data, outra indicação solicitando informa-ções sobre os gastos com publicidade feitos pela Prefeiturapara divulgação das obras do Arrudas41, também proposta porGreco, foi aprovada. Junto às indicações há, muitas vezes,documentos relacionados, como as respostas dos agentespúblicos acionados. No caso específico dessas duas indica-ções, os dossiês contêm cópias de correspondências que foramenviadas para associações de bairro, a pedido da vereadora,dando ciência da aprovação das indicações.

A representação é sugestão de uma medida de interessepúblico apresentada às autoridades estaduais ou federais.Exemplo desse tipo de petição é a proposta aprovada pelovereador Eli Diniz em 4 de julho de 1989:

seja encaminhada uma representação àTransmetro, solicitando a colocação de placasproibindo o tráfego de bicicletas, carroças e depraticantes de “cooper” nas pistas centrais daAvenida Cristiano Machado, destinadas ao trânsi-to de ônibus coletivo.42

Outro exemplo é a proposta do vereador Edson Andradeaprovada em 4 de fevereiro do mesmo ano:

seja encaminhada uma representação à Cemig nosentido de determinar ao departamento competentea complementação da rede elétrica para a Rua AreiaBranca, no Bairro Ribeiro de Abreu43.

40 Subsérie Indica-ções, Representa-ções, Moções, Auto-rizações e Requeri-mentos. BR.APCBH//DR.01.02.02-038.41 Subsérie Indica-ções, Representa-ções, Moções, Auto-rizações e Requeri-mentos. BR.APCBH//DR.01.02.02-038.

42 Subsérie Indica-ções, Representa-ções, Moções, Auto-rizações e Requeri-mentos. BR.APCBH//DR.01.02.02-209.43 Subsérie Indica-ções, Representa-ções, Moções, Auto-rizações e Requeri-mentos. BR.APCBH//DR.01.02.02-209.

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Assim como os dossiês de indicações, muitos dosprocessos de representação contêm o retorno das autoridadesacionadas. À representação de Edson Andrade, por exemplo,a Cemig respondeu informando que a obra poderia ser enqua-drada no Programa Minas Luz, e o assunto poderia ser levadoà Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano.

A moção é uma proposição de manifesto de regozijo,congratulação, pesar, protesto ou sentimento similar. Exem-plos de moção são o voto de pesar que o vereador AristidesVieira solicitou que fosse consignado na ata da reunião de29 de agosto de 1989 pelo falecimento de Simão FelícioTannus44, ou o voto de congratulação pela formatura naFaculdade de Direito ao Dr. Antônio Vitor da Silva, que overeador Thomaz Edison solicitou que fosse consignadona ata dos trabalhos de 29 de julho de 198745. No caso devoto de pesar por falecimento, o dossiê traz cópia dacorrespondência enviada à família do falecido e, no casode congratulação, a cópia da correspondência enviada aoparabenizado.

A autorização é uma proposição em que o prefeito ouvice-prefeito solicita permissão para se ausentar do Municí-pio. O requerimento é uma solicitação do vereador que podeser apresentada e apreciada em qualquer reunião, independen-temente de constar na pauta. O requerimento diz respeito adiversos assuntos e deve ser apreciado pelo presidente daCMBH ou pelo plenário, dependendo do assunto. Exemplo derequerimento é o pedido do vereador Márcio Cunha aprovadoem 27 de fevereiro de 1992 em que pede

a autorização de liberação do Plenário Amintas deBarros para a realização [...] de um seminário emque a Câmara tratará de questões relacionadas àdespoluição do Ribeirão Arrudas e à preservação domeio ambiente na Capital.46

Além da Subsérie Indicações, Representações, Mo-ções, Autorizações e Requerimentos, a Série Proposições éformada por outras oito subséries que registram a tramitação

44 Subsérie Indica-ções, Representa-ções, Moções, Auto-rizações e Requeri-mentos. BR.APCBH//DR.01.02.02-207.45 Subsérie Indica-ções, Representa-ções, Moções, Auto-rizações e Requeri-mentos. BR.APCBH//DR.01.02.02-163.

46 Subsérie Indica-ções, Representa-ções, Moções, Auto-rizações e Requeri-mentos. BR.APCBH//DR.01.02.02-338.

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de projetos de leis e de resoluções e o funcionamento decomissões temporárias.

A Subsérie Projetos de Lei e de Resolução não Apro-vados contém documentos circunscritos ao período entre 1977e 2004. Pode ser encontrado, por exemplo, o dossiê do projetode lei do vereador João Batista de Oliveira proposto no ano de1983, que garante o acesso de pessoas com dificuldade delocomoção às portarias de prédios comerciais, públicos e deapartamentos. O dossiê revela que menos de um mês depoiso projeto foi retirado pelo próprio proponente.47 Exemplo deprojeto de resolução não aprovado é o que Cria Medalha deMérito Herbert José de Souza (Betinho), apresentado pelovereador Hugo Thomé em 2002. O dossiê do projeto deresolução demonstra que a proposta estabelecia que a medalhade mérito seria outorgada a pessoas envolvidas na luta pelaerradicação da fome e da pobreza. O projeto foi consideradoilegal e rejeitado pela Comissão de Legislação e Justiça. Issose deu em função de uma resolução de 1997 que estabelecianormas restritivas para a realização de despesas e, dentreoutras restrições, proibiu a criação de novas medalhas ediplomas.48

Os projetos que se transformaram em leis estão organi-zados na Subsérie Projetos de Lei Transformados em Leis, quereúne cerca de 9 mil dossiês das leis municipais elaboradasdesde 1947. Nos dossiês, é possível acompanhar a tramitaçãodos projetos no plenário e nas comissões da CMBH e no PoderExecutivo. Fazem parte dos processos os vetos parciais e totaisdos prefeitos às proposições que se transformaram em lei.

Dentre os milhares de processos, encontram-se osdocumentos relacionados à Lei nº 242, de 1951, que dispõesobre o comércio ambulante e contém outras providências.49

O projeto de lei, originado no Executivo, previa a proibição docomércio ambulante no centro da cidade. Em um dos docu-mentos, o prefeito Américo Renê Giannetti argumentava osinconvenientes dos ambulantes: a concorrência com os estabe-lecimentos comerciais; a obstrução do trânsito nas artérias de

47 Subsérie Projetosde Lei e de Resoluçãonão Aprovados (1977-2004). BR.APCBH//DR.01.02.01-109.

48 Subsérie Projetosde Lei e de Resoluçãonão Aprovados (1977-2004). BR.APCBH//DR.01.02.01-2572.

49 Subsérie Proje-tos de Lei Transfor-mados em Leis(1948 – 2004).B R . A P C B H / /DR.01.02.09-7613.

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maior movimento, e a dificuldade de manutenção da limpezaurbana. O chefe do Executivo lamentava ainda o fato de, noano de 1936, ter-se concedido a licença para esse tipo decomércio. O dossiê contém matérias da imprensa discutindo aquestão e correspondências de diversas instituições seposicionando sobre o assunto. Os documentos demonstram adiversidade de posicionamentos, inclusive um que defendia:não permissão dos ambulantes estacionados nos logradourosou passeios públicos. Devem estar sempre em movimento.Ao final da polêmica, manteve-se a proibição solicitada peloprefeito; no entanto, por sugestão do relator do projeto,vereador João Franzem de Lima, foi dada a permissão para apresença no centro dos caminhões-feiras de frutas, que contri-buíam, segundo o vereador, para abastecer a cidade, que tinhapequena ou nula produção, e para tornar o preço das frutasmais acessível.

Outro dossiê, o da Lei nº 490, de 1955, que dispõe sobrea realização de concursos e dá outras providências50, éinteressante para se entender a historicidade da constituição decertos princípios e costumes, nesse caso específico, umadiretriz relacionada à moralidade da administração pública.Até a publicação da referida lei, não existia a obrigatoriedadede realização de concursos públicos para a contratação defuncionários. No projeto de lei, o prefeito Celso Mello deAzevedo argumentava:

de fato, enraíza-se cada vez mais nossa convicção deque o recrutamento do servidor com base no mérito,idéia que é conquista definitiva da administraçãopública moderna, constitui um dos passos mais im-portantes no rumo da moralização administrativa.

Após a tramitação do projeto, foram estabelecidos novoscritérios para o ingresso no serviço público no Município.

A Subsérie Resoluções Aprovadas abriga os dossiêsdas cerca de 2 mil resoluções aprovadas pela Câmara entre osanos de 1947 e 2005. A resolução é uma norma que regulamatérias de competência privativa da Câmara e, de acordo

50 Subsérie Projetosde Lei Transforma-dos em Leis (1948 –2004). BR.APCBH//DR.01.02.09-7866

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com o atual Regimento Interno, tem eficácia de lei ordinária.Além da já informada função de aprovar a concessão detítulos e diplomas às pessoas físicas e jurídicas, é por meio deresolução que, por exemplo, a Câmara aprova convêniosfirmados entre o Executivo e outras instituições. A Resolu-ção nº 8, de 1952, aprovou o convênio estabelecido entre aPrefeitura e o governo do Estado visando ao auxílio financei-ro de ambas as esferas de governo à Sociedade Mineira deConcertos Sinfônicos, à Sociedade Coral de Belo Horizontee à entidade Cultura Artística de Minas Gerais.51 No dossiê,encontram-se documentos diversos, inclusive um abaixo-assinado da classe musical da cidade defendendo sua apro-vação pelo Legislativo.

A Subsérie Requerimentos e Documentos de Comis-sões Temporárias é formada por documentos avulsos e pro-cessos relacionados às atividades de comissões especiais(visam estudar matérias diversas, apreciar veto a proposiçãode lei e proposta de emenda à Lei Orgânica), comissõesprocessantes, comissões de representação e comissões parla-mentares de inquérito (CPI). A documentação dessa Subsériecircunscreve-se ao período de 1974 a 2005 e guarda assuntosvariados, como o volumoso dossiê elaborado pela CPI paraapurar supostas irregularidades no exercício da atividade doscamelôs em vias públicas do ano de 1999, constituído por 12caixas de documentos.52 Outro documento pertencente a essaSubsérie é o requerimento apresentado e aprovado pelo verea-dor Obregon Gonçalves em 1977, que solicitava a criação deuma Comissão Especial para conhecer o programa dedesfavelamento implementado em Vitória/ES.53

Por fim, a Série Proposições reúne quatro subsériestemáticas apresentadas a seguir. Na Subsérie DocumentosRelativos ao Orçamento do Executivo, encontram-se docu-mentos do período entre 1975 e 2005. Trata-se de propostasorçamentárias, orçamentos anuais e planos plurianuais elabo-rados pelo Poder Executivo e encaminhados para a CMBHpara apreciação e aprovação. Também fazem parte da Subsérie,emendas apresentadas pelo Poder Legislativo.

51 Subsérie Resolu-ções Aprovadas (1947-2005). BR.APCBH//DR.01.02.03-0008.

52 Subsérie Requeri-mentos e Documentosde Comissões Tempo-rárias (1974-2005).B R . A P C B H / /DR.01.02.03-373 a 427.53 Subsérie Requeri-mentos e Documen-tos de ComissõesTemporárias (1974-2005). BR.APCBH//DR.01.02.03-027.

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A Subsérie Documentos de Prestação de Contas agru-pa relatórios e balanços anuais diversos do Poder Executivo edo Poder Legislativo que foram alvo de apreciação no plenárioda Câmara Municipal. Os documentos abarcam o período de1948 a 2005.

Outra subsérie temática é a intitulada DocumentosRelativos à Lei Orgânica de Belo Horizonte. Contém docu-mentos diversos produzidos ao longo do processo de elabora-ção da Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte, publicadaem 1990. Os documentos estão circunscritos ao período entre1987 e 2004. As tipologias documentais são: livros de atas edocumentos diversos de comissões, emendas de vereadores eemendas populares, relatórios finais, anteprojeto e clippings.Também fazem parte dessa Subsérie projetos de emenda à LeiOrgânica apresentados após 1990.

A última subsérie temática é a de Documentos Relati-vos ao Planejamento Urbano de Belo Horizonte, que reúnedocumentos dos anos de 1984 a 2000. É constituída pordocumentos relacionados à elaboração da Lei n° 7.165, de1996, que Contém o Plano Diretor de Belo Horizonte; e da Leinº 7.166, de 1996, que Normatiza o Parcelamento, Uso eOcupação do Solo. Agrupa os projetos de lei relacionados àsleis citadas, emendas, atas de reuniões de estudos, croquis,mapas e levantamentos aerofotogramétricos.

A última série do Subfundo Diretoria do Legislativo é aPublicações de Normas Legais. Essa Série abriga três subsériesA primeira, intitulada Recortes Avulsos de Normas Legais,reúne recortes impressos de normas legais publicadas no JornalMinas Gerais entre 1987 e 1995. Outra Subsérie, ColetâneasTemáticas de Normas Legais, de 1937 a 1998, abriga coletâneascomo a de posturas municipais do ano de 1956. Por último, aSubsérie Jornal Minas Gerais, de 1972 a 1999, é formada por290 rolos de microfilmes contendo o periódico que publicava asnormas legais do Município de Belo Horizonte.

O Subfundo Diretoria de Administração e Finanças éformado por duas séries documentais. A Série Contabilidade

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reúne documentos de 1941 a 1975, tais como livros-caixa,balanços patrimoniais, livros-razão, relatórios de controle deexecução orçamentária e livros de diários. Esses documentosdizem respeito às atividades rotineiras de contabilidade.

A outra Série do Subfundo é denominada RegistrosAudiovisuais de Eventos Diversos. Os documentos registramboa parte das sessões de plenário e de comissões da CMBH noperíodo de 1970 a 2005. Desde o ano de 2003, a gravação dasatividades da CMBH está sob a responsabilidade da Diretoriade Administração e Finanças.54 Isso explica o fato de esseconjunto de documentos fazer parte do Subfundo Administra-ção e Finanças, e não do Subfundo Diretoria do Legislativo.

As fitas magnéticas de rolo, cassetes e VHSs contêmapenas registros de áudio. O índice dos itens documentaisdessa Série traz informações recolhidas das fichas de identifi-cação produzidas pela CMBH no momento da gravação, masmuitas fitas encontram-se sem identificação de conteúdo. Doisfilmes também fazem parte da Série. As fitas de áudio sãofontes riquíssimas para o estudo do processo legislativo, pois,por meio delas, é possível conhecer os discursos e debatesocorridos.

Conclusões

Fundamentados no relato dessa experiênciainstitucional, alguns pontos de reflexão poderiam ser levanta-dos à guisa de conclusão. Um deles diz respeito à forte relaçãoque se pode estabelecer historicamente entre a criação dosarquivos e o ensejo social e político de fortalecimento dasidentidades nacionais, regionais ou locais nos seus diferentesmomentos e variadas esferas de atuação. É possível observarcomo esse traço se inscreve nos diferentes processos, sejaentre a criação do Arquivo do Império e o projeto de naciona-lidade brasileira, seja entre a criação do Arquivo PúblicoMineiro e a afirmação da identidade mineira, seja entre acriação do APCBH e a emancipação do poder municipal pós-1988. Essa relação política em torno da origem de tais institui-ções é particularmente forte nos arquivos municipais, pois,

54 BELO HORIZON-TE. Deliberação 4,de 19 de dezembrode 2003.

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A EXPERIÊNCIA DO ARQUIVO PÚBLICO DACIDADE DE BELO HORIZONTE

como mostrou Fonseca, os arquivos municipais adquiriramimportância com o pacto federativo de 1988, uma vez que osMunicípios tornaram-se

espaço privilegiado nas relações entre o Estado e asociedade civil, no bojo das quais insere-se a questão doacesso às informações e aos documentos produzidospor este mesmo estado e a transparência administrativaque advém dessa possibilidade de acesso. (2008, p. 2).

A própria legislação nacional de arquivos deixa clara anecessidade de se observar as especificidades dos Municípios,tanto no que diz respeito à trajetória de seus acervos executivose/ou legislativos como nas formas próprias de organizá-los epreservá-los. Respeitar tais especificidades é a recomendação,como faz Figueira:

Creio ser fundamental dar ênfase à especificidade doMunicípio, uma vez que a percepção da multiplicidadede processos que compõem a vida local influenciaráa concepção de como deve ser moldado o arquivomunicipal. (1986, p. 161).

Em termos da produção historiográfica e da construçãodas memórias sociais, a preservação da documentação deorigem legislativa tem assegurado há muito a qualidade deinúmeras pesquisas sobre a sociedade mineira e brasileira,como mostram os especialistas em relação às massas docu-mentais provenientes das antigas câmaras coloniais.

O caso da documentação da Câmara Municipal deBelo Horizonte, preservada e acessível no APCBH, pode serinserido nesse mesmo quadro como campo potencial paramuitas pesquisas sobre a cidade. Não só historiadores, massociólogos, cientistas políticos, urbanistas e mesmo políticose administradores públicos podem se beneficiar do acesso auma documentação que, pela sua natureza, registra os maisvariados aspectos da vida política e da trajetória urbana deBelo Horizonte. Podemos elencar temas como o perfil dosrepresentantes eleitos, as formas de participação popular, os

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debates em torno de temas que marcaram a paisagem dacidade, como as enchentes do Rio Arrudas ou a presença docomércio ambulante nas ruas. Outro fator a corroborar arelevância dessa documentação para a pesquisa é a suaintegridade e a abrangência temporal das séries documentaisque cobrem, praticamente sem interrupção, todo o período deatuação do Poder Legislativo em Belo Horizonte. São maisde 60 anos cobertos pelos registros, o que permite estudosquantitativos e de longa duração, como a evolução datoponímia urbana e seus muitos significados e as políticas deuso e ocupação do solo urbano em uma metrópole emconstante crescimento.

A integridade e a ampla abrangência temporal permi-tem também acompanhar a circularidade dos temas entre oLegislativo e o Executivo, entre o Legislativo e a sociedade e,internamente, dentro do Legislativo. As diversas séries esubséries guardam uma relação orgânica que permite traçar oscaminhos, no Legislativo, das propostas oriundas não apenasno próprio Legislativo, mas nos diversos setores sociais.

Outro aspecto a ser destacado é a potencialidade deestudos de representações e aspectos discursivos. O trabalholegislativo é embasado em debates que incluem as discussõesinternas, em plenário e em comissões, e com outros órgãospúblicos e grupos organizados. Nessa medida, as decisõesparlamentares são antecedidas por debates que ficam registradosnos diversos documentos, inclusive nos de áudio, a partir dadécada de 1970. Portanto, é possível acompanhar o debatepolítico traçando-se seu desenrolar ou, ainda, estudando-se ocomportamento de um indivíduo, grupo ou partido.

Por fim, é importante sublinhar que todas as escolhas eprocedimentos técnicos acima descritos visaram sobretudo àampliação e a maior qualificação do acesso à documentação,razão principal da existência dos arquivos públicos. Com afinalização do instrumento de pesquisa, chave para o acesso aoconjunto dos documentos da Câmara Municipal, todo o acervoencontra-se disponível para a consulta e à espera dos pesqui-sadores e cidadãos.

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Glossário de termos arquivísticos

Fonte: Dicionário brasileiro de terminologia arquivística

Arranjo – Seqüência de operações intelectuais e físicas quevisam à organização dos documentos de um arquivo ou coleção,de acordo com um plano ou quadro previamente estabelecido.

Descrição – Conjunto de procedimentos que leva em conta oselementos formais e de conteúdo dos documentos para elabo-ração de instrumentos de pesquisa.

Doação – Entrada de documentos resultante da cessão gratuitae voluntária de propriedade feita por uma entidade coletiva,pessoa ou família.

Documento textual – Gênero documental integrado por docu-mentos manuscritos datilografados ou impressos, como atas dereunião, cartas, decretos, livros de registro, panfletos e relatórios.

Fundo – Conjunto de documentos de uma mesma proveniência.

Índice – Relação sistemática de nomes de pessoas, lugares,assuntos ou datas contidos em documentos ou em instrumentos depesquisa, acompanhados das referências para sua localização.

Instrumento de pesquisa – Meio que permite a identificação,a localização ou a consulta a documentos ou a informaçõesneles contidas.

Metro linear – Unidade convencional de medida utilizada paradeterminar o espaço ocupado pelos documentos nas estantes.

Organicidade – Relação natural entre documentos de umarquivo em decorrência das atividades da entidade produtora.

Quadro de arranjo – Esquema estabelecido para o arranjo dosdocumentos de um arquivo, com base no estudo das estruturas,funções ou atividades da entidade produtora e da análise do acervo.

Recolhimento – Entrada de documentos públicos em arquivospermanentes, com competência formalmente estabelecida.

Série – Subdivisão do quadro de arranjo que corresponde auma sequência de documentos relativos a uma mesma função,atividade, tipo documental ou assunto.

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Subfundo ou seção – Subdivisão do quadro de arranjo quecorresponde a uma primeira fração lógica do fundo, em geralreunindo documentos produzidos e acumulados por unidade(s)administrativa(s) com competências específicas.

Subsérie – Em um quadro de arranjo, a subdivisão da série.

Suporte – Material no qual são registradas as informações.

Tipo documental – Divisão de espécie documental que reúnedocumentos por suas características comuns no que diz respeito àfórmula diplomática, natureza de conteúdo ou técnica de registro.

ReferênciasARQUIVO NACIONAL. Dicionário brasileiro de termino-logia arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005.

BELLOTO, Heloísa Liberalli. Arquivos permanentes, tratamen-to documental. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2004.

CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Anais daCâmara Municipal de Belo Horizonte de 1936. Belo Horizon-te: [s.e], 1936. APCBH: C. 14 / b – 001.

CÂMARA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE. Introdu-ção ao ambiente da Câmara. Belo Horizonte: Diretoria deRecursos Humanos, [s.d. t].

CONSELHO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS. ISAD(G): Norma geral internacional de descrição arquivística. 2ªed. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2001.

CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS. Norma brasi-leira de descrição arquivística: NOBRADE. Rio de Janeiro:Conselho Nacional de Arquivos, 2006.

COSTA, Célia. O Arquivo Público do Império: o legadoabsolutista na construção da nacionalidade. Disponível em:<http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/19.pdf.> Acesso em: 27jul. 2008.

DUCHEIN, Michel. O respeito aos fundos em arquivística:princípios teóricos e problemas práticos. Arquivo e Adminis-tração. Rio de Janeiro, 10-14 (1), p. 14-33, abr. 1982-ago.1986.

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A PRESERVAÇÃO DOCUMENTAL NA ESFERA DOPODER LEGISLATIVO:

A EXPERIÊNCIA DO ARQUIVO PÚBLICO DACIDADE DE BELO HORIZONTE

FIGUEIRA, Vera Moreira. A viabilização de arquivos muni-cipais. Acervo, Revista do Arquivo Nacional, v. 1, nº 2, p. 159-174, jul.-dez. 1986.

FONSECA, Maria Odila. Direito à informação: acesso aosarquivos públicos municipais. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/pf_081007_179.pdf.> Aces-so em: 26 jul. 2008.

GUIA do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. BeloHorizonte: Prefeitura Municipal/APCBH, 2001.

INVENTÁRIO do acervo da Câmara Municipal de BeloHorizonte. Belo Horizonte: Arquivo Público da Cidade deBelo Horizonte; Câmara Municipal de Belo Horizonte, 2008.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo:Alfa-Omega, 1975.

LIBBY, Douglas Cole. Subsídios para a História de Minas.Revista do Arquivo Público Mineiro, ano XLII, nº 2, p. 20-23,jul.-dez. 2006.

MACHADO, Helena Corrêa. Política municipal de arquivos:considerações sobre um modelo sistêmico para a cidade de oRio de Janeiro. Acervo, Revista do Arquivo Nacional, v. 2, nº2, p. 43-54, jul.-dez.1997.

PARRELA, Ivana D. Arquivo, Gestão de Documentos e Preser-vação da Memória da Cidade. In: Anuário Estatístico de BeloHorizonte. 2003. Belo Horizonte: Prefeitura de Belo Horizonte/Secretaria Municipal de Planejamento/Departamento de Infor-mações Técnicas, 2004, p. 93-102.

PIRES, Maria do Carmo. O provimento da ordem. Revista doArquivo Público Mineiro, ano XLII, nº 2, p. 67-77, jul.-dez 2006.

SEMINÁRIO Bases para a implantação de um arquivo moder-no: o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. BeloHorizonte: Secretaria Municipal de Cultura, 1991.

SILVA, Regina Helena Alves da (coord.) et all. O legislativo e acidade; domínios de construção do espaço público. Belo Hori-zonte: Câmara Municipal de Belo Horizonte, 1998.

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A Câmara Municipal, conhecida hoje apenas nas suasfunções de legislar na esfera do Município e de fiscalizar o PoderExecutivo municipal, é uma pálida sombra do antigo Senado daCâmara. Este, sim, constituiu, no período colonial, um braçopoderoso do Estado, por meio do qual a Coroa portuguesa buscavaadministrar as suas vilas, distribuídas pelo Império lusitano.

A Câmara local não tinha autonomia e devia estritaobediência aos ditames do rei, já que estávamos no AntigoRegime absolutista. Mas, ancoradas nas Ordenações Filipinas,as atribuições da Câmara avançavam, e muito, para além dasfunções dos três Poderes que seriam implantados pelo libera-lismo: Legislativo, Executivo e Judiciário. As suas atribuiçõeseram as mais diversificadas: regulamentar as medidas, pesose preços no comércio de gêneros; arrecadar impostos e fintas;instituir o licenciamento de ofícios mecânicos e cobrar taxassobre eles; nomear vários cargos na administração local;decretar bandos (proclamações públicas com força de lei); econtratar serviços de consertos de pontes e chafarizes. Alémdisso, a Câmara atuava sobre loteamentos e arruamentos;organizava festejos diversos; julgava conflitos e querelas emprimeira instância, em assuntos do cível e do crime; reprimia

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Cad. Esc. Legisl., Belo Horizonte, v. 10, n. 15, p. 191-202, jan./dez. 2008

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a criminalidade; fiscalizava a atuação dos juizes; pagavaordenados a cirurgiões e boticários; controlava o alinhamentode lotes e fachadas; e até mesmo recolhia os enjeitados (órfãosabandonados). Enfim, interferia constantemente no dia-a-diada população local, aumentando a sensação de que o braçometropolitano chegava ao interior das capitanias.

Apenas os chamados “homens bons” (proprietários deterras e escravos) podiam participar das eleições para os cargosda Câmara, mas não era exigida a alfabetização. Normalmenteeram escolhidos dois juízes ordinários, três vereadores, umprocurador e um juiz de órfãos, eleitos a partir de uma lista queera colocada em bolas de cera (“pelouros”), retiradas de umaarca por uma criança de sete anos, em uma coluna simbólicada vila. Essa coluna era colocada na praça central dos arraiaiserigidos em vilas, onde também se castigavam os escravosfujões – daí o nome de “pelourinho” para essa coluna. Eleitosa cada três anos, os camaristas tinham status importantenaquela sociedade aristocrática, pois passavam a atuar, peran-te as autoridades reinóis, como poderosos agentes negociado-res em favor dos interesses locais. Além disso, utilizavam ocargo para “aproveitar-se dos empreendimentos públicos eburlar a justiça em prol dos apaniguados”.1

Contavam ainda com a nomeação de auxiliares impor-tantes para assessorá-los: um escrivão, nomeado pelo rei, oúnico cargo para o qual era exigida a alfabetização e o domínioda legislação portuguesa; dois almotacéis, encarregados defiscalizar o cumprimento dos serviços públicos; um porteiro,que ocupava um cargo vitalício; além de juízes de vintena,designados para atuar em lugares distantes, com funções dedirimir conflitos e querelas; dos quadrilheiros, bandos dehomens armados, responsáveis pela segurança pública; dotesoureiro; e do carcereiro. Como se vê, tratava-se de umacomplexa estrutura administrativa, uma pesada máquina buro-crática, que tinha o fim último, no caso da região mineradorada Capitania das Minas Gerais, de acertar com o governadorquantas arroubas de ouro seriam arrecadadas por ano naquelavila, e quantas seriam enviadas a Portugal.

1 Silveira, MarcoAntonio. Governo,mercado e sobera-nia na capitania deMinas Gerais. Ca-dernos da Escola doLegislativo. BeloHorizonte: Assem-bléia Legislativa, nº13, p. 113-150, jan./dez. 2005. p. 123.

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Nesta edição publicamos os atos oficiais de criação dastrês primeiras vilas de Minas Gerais e de instalação dascâmaras correspondentes. São elas: a Vila de Nossa Senhorado Carmo de Albuquerque (atual Mariana), a Vila Rica deAlbuquerque (atual Ouro Preto) e a Vila Real de NossaSenhora da Conceição (atual Sabará), todas elas instituídas em1711. Esses documentos foram publicados pela respeitadaRevista do Arquivo Público Mineiro, em 1897.2

Luiz Fernandes de AssisHistoriador

Escola do Legislativo da ALMG

2 Creação de villas noperiodo colonial. Re-vista do Archivo Pu-blico Mineiro. OuroPreto: ImprensaOfficial de MinasGeraes, v. 2, nº 1, p.81-88, jan./mar.1897.

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