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cadernos
metrópole
ISSN 1517-2422
sustentabilidadee justiça socioambiental
nas metrópoles
Cadernos Metrópolev. 15, n. 29, pp. 1-362
jan/jun 2013
Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–,
SemestralISSN 1517-2422A partir do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22
1. Regiões Metropolitanas – Aspectos sociais – Periódicos. 2. Sociologia urbana – Periódicos. I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. Observatório das Metrópoles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Observatório das Metrópoles
CDD 300.5
Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP
Periódico indexado na Library of Congress – Washington
Cadernos Metrópole
Profa. Dra. Lucia BógusPontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais - Observatório das MetrópolesRua Ministro de Godói, 969 – 4° andar – sala 4E20 – Perdizes
05015-001 – São Paulo – SP – Brasil
Prof. Dr. Luiz César de Queiroz RibeiroUniversidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - Observatório das MetrópolesAv. Pedro Calmon, 550 – sala 537 – Ilha do Fundão
21941-901 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Caixa Postal 60022 – CEP 05033-970São Paulo – SP – Brasil
Telefax: (55-11) [email protected]
http://web.observatoriodasmetropoles.net
SecretáriaRaquel Cerqueira
sustentabilidadee justiça socioambiental
nas metrópoles
sssuuusssttteeentttaaabbbiiillliidddaaadddeeeeee jjjuuussstttiiiçççaaa sssoooccciiioooaaammmbbbieeennntttaaalll
nnnaaasss mmmeeetrrróóópppooollleeesss
PUC-SP
Reitora Anna Maria Marques Cintra
EDUC – Editora da PUC-SPDireção
Miguel Wady Chaia
Conselho Editorial Anna Maria Marques Cintra (Presidente), Cibele Isaac Saad Rodrigues, Ladislau Dowbor,
Mary Jane Paris Spink, Maura Pardini Bicudo Véras, Norval Baitello Junior,Rosa Maria B. B. de Andrade Nery, Sonia Barbosa Camargo Igliori
Coordenação EditorialSonia Montone
Revisão de portuguêsEveline Bouteiller
Revisão de inglêsCarolina Siqueira M. Ventura
Revisão de espanholVivian Motta Pires
Projeto gráfi co, editoração e capaRaquel Cerqueira
Rua Monte Alegre, 984, sala S-1605014-901 São Paulo - SP - Brasil
Tel/Fax: (55) (11) 3670.8085 [email protected]
www.pucsp.br/educ
cadernos
metrópole
EDITORESLucia Bógus (PUC-SP)
Luiz César de Q. Ribeiro (UFRJ)
CONSELHO EDITORIAL
Eustógio Wanderley Correia Dantas (UFC, Fortaleza/Ceará/Brasil) Luciana Teixeira Andrade (PUC-MG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil)
Orlando Alves dos Santos Júnior (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Sérgio de Azevedo (UENF, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/
Brasil) Suzana Pasternak (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil)
COMISSÃO EDITORIAL
Adauto Lucio Cardoso (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Aldo Paviani (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Alfonso Xavier Iracheta (El
Colegio Mexiquense, Toluca/Estado del México/México) Ana Fani Alessandri Carlos (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Ana Lucia Nogueira de
P. Britto (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Ana Maria Fernandes (UFBa, Salvador/Bahia/Brasil) Andrea Claudia Catenazzi (UNGS, Los
Polvorines/Provincia de Buenos Aires/Argentina) Anna Alabart Villà (UB, Barcelona/Espanha) Arlete Moyses Rodrigues (Unicamp, Campinas/São
Paulo/Brasil) Brasilmar Ferreira Nunes (UFF, Niterói/Rio de Janeiro, Brasil) Carlos Antonio de Mattos (PUC, Santiago/Chile) Carlos José Cândido
G. Fortuna (UC, Coimbra/Portugal) Cristina López Villanueva (UB, Barcelona/Espanha) Edna Maria Ramos de Castro (UFPA, Belém/Pará/Brasil)
Eleanor Gomes da Silva Palhano (UFPA, Belém/Pará/Brasil) Erminia Teresinha M. Maricato (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Félix Ramon Ruiz
Sánchez (PUCSP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Fernando Nunes da Silva (UTL, Lisboa/Portugal) Frederico Rosa Borges de Holanda (UnB, Brasília/
Distrito Federal/Brasil) Geraldo Magela Costa (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Gilda Collet Bruna (UPM, São Paulo/São Paulo/Brasil)
Gustavo de Oliveira Coelho de Souza (PUCSP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heliana Comin Vargas (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Heloísa
Soares de Moura Costa (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Jesús Leal (UCM, Madri/Espanha) José Antônio F. Alonso (FEE, Porto
Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) José Machado Pais (UL, Lisboa/Portugal) José Marcos Pinto da Cunha (Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil)
José Maria Carvalho Ferreira (UTL, Lisboa/Portugal) José Tavares Correia Lira (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Leila Christina Duarte Dias
(UFSC, Florianópolis/Santa Catarina/Brasil) Luciana Corrêa do Lago (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luís Antonio Machado da Silva
(Iuperj, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luis Renato Bezerra Pequeno (UFC, Fortaleza/Ceará/Brasil) Marco Aurélio A. de F. Gomes (UFBa,
Salvador/Bahia/Brasil) Maria Cristina da Silva Leme (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria do Livramento M. Clementino (UFRN, Natal/Rio
Grande do Norte/Brasil) Marília Steinberger (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Nadia Somekh (UPM, São Paulo/São Paulo/Brasil) Nelson
Baltrusis (UCSAL, Salvador/Bahia/Brasil) Ralfo Edmundo da Silva Matos (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Raquel Rolnik (USP, São
Paulo/São Paulo/Brasil) Ricardo Toledo Silva (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Roberto Luís de Melo Monte-Mór (UFMG, Belo Horizonte/
Minas Gerais/Brasil) Rosa Maria Moura da Silva (Ipardes, Curitiba/Paraná/Brasil) Rosana Baeninger (Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil)
Sarah Feldman (USP, São Carlos/São Paulo/Brasil) Tamara Benakouche (UFSC, Florianópolis/Santa Catarina/Brasil) Vera Lucia Michalany Chaia
(PUCSP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Wrana Maria Panizzi (UFRGS, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil)
Benny Schvasberg (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Denise Cunha Tavares Terra (UENF, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/
Brasil) Doralice Barros Pereira (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Dulce Bentes (UFRN, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil)
Eduardo César Leão Marques (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Eduardo Marandola Junior (Unicamp, Campinas/São Paulo/ Brasil) Elzira
Lúcia de Oliveira (UFF, Niterói/Rio de Janeiro/Brasil) Felipe Link Lazo (UDP, Santiago/Chile) Fernando Garrefa (UFU, Uberlândia/Minas
Gerais/Brasil) Francisco de Assis Comaru (UFABC, Santo André/São Paulo/Brasil) Gislene Aparecida dos Santos (UFPR, Curitiba/Paraná/
Brasil) Gustavo Henrique Naves Givisiez (UFF, Niterói/Rio de Janeiro/Brasil) Humberto Miranda do Nascimento (Unicamp, Campinas/
São Paulo/Brasil) Isabel Aparecida Pinto Alvarez (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) João Carlos Ferreira de Seixas (UL, Lisboa/Portugal) João Farias Rovati (UFRGS, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) João Manuel Machado Ferrão (UL, Lisboa/ Portugal) Jorge da Silva
Macaísta Malheiros (UL, Lisboa/Portugal) Jorge Manuel Gonçalves (UTL, Lisboa/Portugal) José Geraldo Simões Junior (Mackenzie,
São Paulo/São Paulo/Brasil) Laura Machado de M. Bueno (PUCCampinas, Campinas/São Paulo/Brasil) Lia de Mattos Rocha (UERJ, Rio de
Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Lúcia Cony Faria Cidade (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Luciane Soares da Silva (UENF, Campos dos
Goytacazes/Rio de Janeiro/Brasil) Luciano Joel Fedozzi (UFRGS, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) Luís António Vicente Baptista (UNL, Lisboa/Portugal) Márcia da Silva Pereira Leite (UERJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Marcia Maria Cabreira M. de Souza (PUC-SP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Márcio Moraes Valença (UFRN, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Maria Augusta Justi Pisani (Mackenzie, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria Lucia Refi netti R. Martins (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Marísia Margarida Santiago
Buitoni (PUC-SP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Marta Domínguez Pérez (UCM, Madri/Espanha) Marta Dora Grostein (USP, São Paulo/
São Paulo/Brasil) Milena Kanashiro (UEL, Londrina/Paraná/Brasil) Neio Lúcio de Oliveira Camps (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil)
Norma Lacerda (UFPE, Recife/Pernambuco/Brasil) Olga Lucia Castreghini de F. Firkowski (UFPR, Curitiba/Paraná/Brasil) Paulo Jorge
Marques Peixoto (UC, Coimbra/Portugal) Paulo Roberto Rodrigues Soares (UFRGS, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) Regina Maria
Prosperi Meyer (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Renato Cymbalista (Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil) Ricardo Libanez Farret (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Ricardo Ojima (Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil) Rosana Denaldi (UFABC, Santo André/São
Paulo/Brasil) Sérgio Manuel Merêncio Martins (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Silvana Maria Pintaudi (Unicamp, Campinas/
São Paulo/Brasil) Sonia Lúcio Rodrigues de Lima (UFF, Niterói/Rio de Janeiro/Brasil) Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva (UCSal,
Salvador/Bahia/Brasil) Vitor Matias Ferreira (ISCTE-UL, Lisboa, Portugal) Weber Soares (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil)
COLABORADORES AD HOC
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 1-362, jan/jun 2013 7
sumário
Apresentação9
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social. Análisis de la Región Metropolitana de BarcelonaGemma VilàJordi Gavaldà
15Eff ects of the urban sprawl and consequencesto social sustainability. An analysis of the
Metropolitan Region of Barcelona
35Urbaniza on, migratory dynamics and sustainability in the Brazilian Semi-Arid Region: the role of the
ci es in the environmental adapta on process
Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordes no: o papel das cidadesno processo de adaptação ambientalRicardo Ojima
The urban evolu on of the city of Belém:a trajectory of ambigui es andsocio-environmental confl icts
55 A evolução urbana de Belém: trajetóriade ambiguidades e confl itos socioambientaisAna Cláudia Duarte CardosoRaul da Silva Ventura Neto
Luces y sombras sobre el territorio. Refl exionesen torno a los planteamientos de la OPS/OMSen América La naMagdalena ChiaraAna Ariovich
Lights and shadows on the territory.Refl ec ons on the planning performed
by the PAHO/WHO in La n America
99
77Territorial segrega on, sta s cal knowledgeand urban governance. A Foucauldian approach
to the cases of France and Portugal
Segregação territorial, conhecimento esta s coe governação urbana. Leitura foucaul anados casos de França e de PortugualIsabel PatoMargarida Pereira
A insustentável natureza da sustentabilidade.Da ambientalização do planejamentoàs cidades sustentáveisEster Limonad
123The unsustainable nature of sustainability.From the environmentaliza onof planning to sustainable ci es
dossiê: sustentabilidade e justiça socioambiental nas metrópoles
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 1-362, jan/jun 20138
193 Espaço urbano, circulação e preservação ambiental: impasses e perspec vas na área de infl uência do Rodoanel em São Bernardo do Campo, SPCarolina Bracco Delgado de AguilarAngélica Tanus Bena Alvim
171 Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade:em busca de uma construção interdisciplinarLúcia Cony Faria Cidade
143
Urban space, circula on and environmental preserva on: impasses and perspec ves
in the area of infl uence of the Beltwayin São Bernardo do Campo, SP
500 anos em busca da sustentabilidade urbanaKlemens Laschefski
500 years in search of urban sustainability
Urbaniza on, environment, risk and vulnerability:in search of an interdisciplinary construc on
Occupa on of urban hillsides: someconsidera ons about resilience and sustainability
São Paulo, the unsustainable Metropolis –how can we overcome this reality?
São Paulo metrópole insustentável –como superar esta realidade?Pedro Roberto Jacobi
219
Urban environmental confl icts and urbaniza on processes at Ressaca Lagoa dos Índios, Macapá/AP
Ocupação de encostas urbanas: algumas considerações sobre resiliência e sustentabilidadeMônica Bahia Schlee
241
The socio-environmental recovery of urbanvalley bo oms in the city of São Paulo,
between transforma on and permanence
265 Confl itos ambientais urbanos e processosde urbanização na Ressaca Lagoa dos Índiosem Macapá/APGloria Maria VargasCecília Maria Chaves Brito Bastos
Regional development and sustainability:cultural tourism in Southern Jalisco
289 Recuperação socioambiental de fundosde vale urbanos na cidade de São Paulo,entre transformações e permanênciasLuciana TravassosSandra Irene Momm Schult
Desarrollo regional y sustentabilidad:turismo cultural en la región sur de JaliscoJosé G. Vargas Hernández
313
Instruções aos autores359
Sustentabilidade e jus ça ambiental na Baixada Fluminense: iden fi cando problemas ambientaisa par r das demandas ao Ministério PúblicoTa ana Co a Gonçalves Pereira
Sustainability and environmental jus ce at Baixada Fluminense: iden fying environmental problems
based on the demands to the Public Prosecutor
339
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 9-13, jan/jun 2013 9
Apresentação
A perspectiva que orientou a presente edição dos Cadernos Metrópole – Sustentabilidade
e justiça socioambiental – foi repercutir criticamente o ambiente de debates ocorridos a partir
da realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20)
e do conjunto de eventos paralelos organizados pela sociedade civil em reação e de forma
complementar ao evento oficial, ocorridos em junho de 2012. A ênfase recaiu sobre o debate
em torno de possibilidades de sustentabilidade urbana e de justiça socioambiental, a partir da
compreensão das implicações dos atuais modos de produção, reprodução e consumo nas cidades
e nas áreas metropolitanas, tanto no Brasil como em outros países. Recaiu também sobre o
planejamento e as políticas públicas como potenciais articuladores da presença do Estado e dos
movimentos sociais na construção de alternativas comprometidas com a justiça socioambiental e a
eliminação das diversas formas de desigualdade.
Assim a busca pela constituição de uma área de análise e de prática social e territorial no
campo da ecologia política da urbanização é o fio condutor que alinhava o conjunto de textos aqui
apresentados. Tal perspectiva, necessariamente interdisciplinar, articula a análise dos processos de
produção do espaço em várias escalas espaciais – locais, urbanas, regionais, globais – com as
condições mais amplas de reprodução social, nas quais as relações entre sociedade e natureza
são centrais. Ao mesmo tempo, estimula o surgimento e a consolidação de formas alternativas de
organização territorial, de aprendizado social ou de resistência às tendências homogeneizadoras
de mercantilização das diferentes dimensões da vida.
Nas duas últimas décadas, o debate ambiental na sua relação com as questões urbanas
e territoriais avançou em diferentes perspectivas, ampliando-se para incorporar a urbanização, a
economia, o planejamento, as políticas públicas, as práticas cotidianas, entre outras dimensões.
Em grande medida, o discurso ambiental permeou a sociedade e, ainda que muito lentamente,
consolida a noção de limites e reforça a necessidade de mudança nas formas de uso e convivência
com os bens comuns e de fortalecimento do controle social sobre as formas de apropriação da
natureza. Diferentes perspectivas ambientais vêm sendo internalizadas na prática dos agentes
Apresentação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 9-13, jan/jun 201310
sociais, tendo como resultado a redefinição tanto de conteúdos e orientações no sentido de uma
modernização ecológica das decisões e ações que orientam os processos de produção, consumo e
regulação, quanto das relações de poder e lutas sociais que se constituem e organizam em torno
de questões socioambientais.
Do ponto de vista territorial, considera-se que diferentes configurações socioespaciais da
urbanização têm implicações ambientais distintas e ainda pouco conhecidas em sua diversidade.
Tais configurações espaciais podem ser identificadas por diferentes formatos de parcelamento do
solo, níveis de adensamento demográfico, diferentes padrões e processos construtivos, desiguais
níveis de renda e de acesso à habitação, à terra e a equipamentos e serviços, desiguais níveis de
educação e acesso a trabalho e renda, entre outros parâmetros. Resultam de processos também
diferenciados de atuação dos agentes sociais na produção do espaço.
Ainda que no momento atual, em particular no caso brasileiro, as condições de inserção na
divisão internacional do trabalho tenham se alterado e as condições de renda e acesso aos meios
de reprodução básica tenham tido seus patamares mínimos elevados, as condições de desigualdade
persistem e, em alguns aspectos, se aprofundam. O aparente paradoxo do crescimento com
persistência da desigualdade, encontra na cidade, na luta pelo espaço e na dinâmica imobiliária,
uma de suas mais flagrantes evidências socioespaciais. Tal crescimento vem se dando à custa de
formas renovadas de apropriação utilitarista da natureza, modernizadas como economia verde, e
legitimadas por discursos que invocam princípios de sustentabilidade ou de resiliência. A esses,
cabe sempre acrescentar o eterno corolário dos passivos socioambientais, de educação, moradia,
saúde, lazer, cultura, saneamento, entre outros tantos. A constante busca por articulação entre
questões, ideários e proposições oriundas dos campos urbano e ambiental continua como uma
questão norteadora de várias pesquisas que podem ser identificadas em várias das contribuições
deste número.
Os textos que abrem os Cadernos Metrópole 29 discutem as dimensões territoriais da
urbanização e suas implicações em termos ambientais e sociais, em diferentes contextos. O artigo
de Gemma Vilà e Jordi Gavaldà, intitulado Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la
sostenibilidad social. Análisis de la región metropolitana de Barcelona, utiliza-se das formulações
teórico-conceituais sobre cidade compacta e cidade dispersa para avaliar os limites e possibilidades
da coexistência e justaposição de ambos os casos na configuração atual de Barcelona e sua região
metropolitana. Ao fazê-lo, estabelece interessantes relações entre sustentabilidade social e forma
urbana que encontram eco em várias outras metrópoles no mundo.
De outra perspectiva, o texto Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no
semiárido nordestino: o papel das cidades no processo de adaptação ambiental de Ricardo
Ojima questiona as prevalentes visões negativas do crescimento urbano quando vistas pela ótica
ambiental, argumentando que contextos territoriais distintos produzem respostas distintas, a
exemplo da dinâmica urbana e migratória recente do semiárido nordestino brasileiro, apontando
potencialidades e limitações para pensar processo de adaptação diante do desastre natural mais
Apresentação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 9-13, jan/jun 2013 11
significativo da região que é a seca. Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto,
com o texto Reflexos de sustentabilidade de outrora e ambiguidades contemporâneas em Belém,
analisam situações tidas como insustentáveis de práticas de mercado referentes ao uso e ocupação
da terra e à expansão urbana, em especial as transformações recentes nos ecossistemas de várzea
e outros espaços ocupados pelas populações nativas.
A segregação territorial vista a partir das estatísticas oficiais em dois países é o tema
desenvolvido por Isabel Pato e Margarida Pereira no texto Segregação territorial, conhecimento
estatístico e governação urbana. Leitura foucaultiana dos casos de França e de Portugal. As autoras
fazem uma interessante reflexão sobre o exercício de poder a partir do domínio tecnológico da
informação e as estruturas de governança que incluem o planejamento urbano. A perspectiva
comparada de análise de políticas públicas territoriais também está presente no artigo Luces y
sombras sobre el territorio. Reflexiones en torno a los planteamientos de la OPS/OMS en América
Latina de autoria de Magdalena Chiara e Ana Ariovich. Políticas de saúde são avaliadas, e
nelas são destacadas as dimensões territoriais de políticas sanitárias, bem como as dimensões
socioambientais dessas políticas, incluindo questões como mobilidade e localização. O artigo
questiona ainda a influência das instituições internacionais de saúde na definição dos setores
sociais contemplados pelas políticas nos estados latino-americanos e caribenhos.
O debate conceitual proposto neste número dos Cadernos Metrópole referenciado
na consolidação do campo analítico da ecologia política da urbanização se beneficia das
contribuições do próximo conjunto de artigos: Ester Limonad, como anunciado no título de seu
texto – A insustentável natureza da sustentabilidade: da ambientalização do planejamento às
cidades sustentáveis, critica a naturalização do discurso sobre a sustentabilidade, em particular
seu uso generalizado no sentido de legitimar os discursos e as práticas de planejamento urbano
e regional, a exemplo da proposta de cidades sustentáveis da ONU. Em contrapartida, propõe
um redirecionamento do debate rumo a práticas transformadoras de planejamento, buscando a
construção do que define como economia política do espaço. Klemens Laschefski faz um resgate
histórico do conceito de desenvolvimento sustentável, associando seu uso aos momentos de crise
dos modos de produção, em seu texto sobre 500 anos em busca da sustentabilidade urbana.
Usando o caso de Belo Horizonte, discute para o momento atual a aplicação do Estatuto da Cidade
às práticas dos agentes imobiliários que resultam em crescente elitização do espaço.
Em Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade: em busca de uma construção
interdisciplinar, Lúcia Cony Faria Cidade aborda as condições de injustiça socioambiental presentes
na forma desigual pela qual as populações em situação de precariedade social são atingidas
por desastres naturais e outras ameaças. A discussão baseia-se em uma revisão bibliográfica de
distintos enfoques sobre a vulnerabilidade. O texto reforça a importância da adoção de abordagens
interdisciplinares, integrando processos sociais e ambientais e incorporando um olhar espacial nos
estudos da vulnerabilidade.
Apresentação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 9-13, jan/jun 201312
O conjunto de artigos a seguir discute, a partir de estudos de caso, implicações espaciais e
ambientais de grandes intervenções urbanas/metropolitanas. O texto Espaço urbano, circulação
e preservação ambiental: impasses e perspectivas na área de influência do Rodoanel em São
Bernardo do Campo, SP, de Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
analisa o processo de produção do espaço urbano e as transformações da paisagem ao longo
do Trecho Sul do Rodoanel Mário Covas, na Região Metropolitana de São Paulo, particularmente
no município de São Bernardo do Campo, enfatizando o papel dos vários agentes sociais que
nele atuam. De forma mais abrangente, Pedro Roberto Jacobi também discute o caso de São
Paulo por meio de uma visão panorâmica das relações entre ambiente e sociedade lastreadas
no processo de urbanização paulistano. Seu texto, São Paulo Metrópole Insustentável – como
superar esta realidade?, reforça a segregação associada à informalidade urbana, as fragilidades
ambientais e os crescentes desafios em termos de planejamento e formulação de políticas
públicas que se contrapõem à pujança econômica, demográfica, social e cultural da metrópole,
num aparentemente incontornável paradoxo. O texto aponta ainda o despreparo da esfera pública
para lidar com tal complexidade.
Uma discussão sobre as ocupações de encostas e áreas de risco em geral e suas implicações
em termos de resiliência e do que chama de sustentabilidade da paisagem é apresentada por
Mônica Bahia Schlee no texto intitulado Ocupação de encostas urbanas: algumas considerações
sobre resiliência e sustentabilidade. A autora identifica padrões morfológicos, processos e
lógicas que originaram as situações estudadas. Além disso, argumenta a favor do importante
papel dos espaços livres no fortalecimento da proteção das florestas, da capacidade de suporte
e de amortecimento de impactos nas encostas urbanas, e, consequentemente da resiliência e
sustentabilidade desses sistemas paisagísticos. Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito
Bastos, no texto Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização na Ressaca Lagoa dos
Índios em Macapá/AP, discutem os conflitos ambientais resultantes de visões e usos diferenciados
na ocupação do território. O trabalho contribui para a compreensão dos embates em torno da
apropriação de recursos, ao expor as formas e estratégias pelas quais cada agente social busca
impor sua visão de mundo e assim legitimar representações e práticas estabelecidas.
Ainda no que se refere ao debate sobre práticas de intervenção, a necessidade de articulação
entre políticas públicas, especialmente no nível local, já apontada no texto de Jacobi, é retomada
e reforçada no artigo de Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult intitulado Recuperação
socioambiental de fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo, entre transformações e
permanências. Focando na urbanização e ocupações de fundos de vale na cidade de São Paulo,
por meio da implantação de parques lineares e de infraestrutura de saneamento, o texto aponta
o descompasso entre o discurso e as práticas no tratamento das questões urbano-ambientais,
principalmente pela falta de coordenação intersetorial e territorial, resultando em intervenções
incompletas e desiguais, a exemplo da criação de áreas verdes sem as correspondentes ações de
saneamento e urbanização dos assentamentos informais.
Apresentação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 9-13, jan/jun 2013 13
O artigo seguinte, Desarrollo regional y sustentabilidad: turismo cultural en la región sur
de Jalisco, de autoria de José G. Vargas Hernández, discute o potencial turístico de uma região
em Jalisco, México. Com base no argumento central de que o patrimônio cultural de uma região
constitui um forte elemento motivador para deslocamentos de grande distância, aponta as virtudes
de realização de diagnósticos estratégicos e elabora propostas para o desenvolvimento do turismo
cultural na região.
Fechando o conjunto de artigos, Tatiana Cotta Gonçalves Pereira, em seu texto
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense: identificando problemas ambientais
a partir das demandas ao Ministério Público, retoma a temática da injustiça ambiental como um
acúmulo de condições adversas e profundamente desiguais a que estão sujeitos os grupos sociais
mais pobres e residentes em áreas em que as desigualdades se manifestam de forma contundente,
as zonas de sacrifício da metrópole do Rio de Janeiro, conforme a expressão utilizada no artigo. A
discussão é respaldada em interessante pesquisa feita junto ao Ministério Público, reforçando seu
papel dessa esfera de poder na atuação em prol de melhores condições de justiça socioambiental.
Os textos aqui reunidos mostram que muitos avanços ocorreram em termos do debate
teórico e da incorporação do mesmo às pesquisas. Por outro lado, expõem de forma contundente
a captura e aparente naturalização do discurso ambiental pelo estado e pelas empresas, sem
alterações significativas nos processos de produção e consumo ou na adoção de políticas e
práticas que resultem em maior justiça socioambiental. As experiências analisadas dificilmente
apontam para perspectivas de transformação social ou radicalização nos embates associados a
situações de conflitos. Desta forma, os elementos que motivaram a chamada de trabalho deste
número temático continuam presentes, e esperamos que os artigos aqui reunidos constituam um
estímulo para novas pesquisas e para a continuidade do debate.
Heloísa Soares de Moura Costa
OrganizadoraCadernos Metrópole 29
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013
Efectos del urbanismo dispersoy consecuencias para la sostenibilidad
social. Análisis de la RegiónMetropolitana de Barcelona
Effects of the urban sprawl and consequencesto social sustainability. An analysis of the
Metropolitan Region of Barcelona
Gemma VilàJordi Gavaldà
ResumenLa crisis del sistema fordista de producción y la
aplicación de las nuevas tecnologías han inducido
a un cambio de la estructura del territorio: se
han ampliado los límites de la ciudad real y
ha aumentado la segmentación del espacio.
Actualmente, en la Región Metropolitana de
Barcelona – RMB –, el modelo de ciudad compacta
coexiste con el de la ciudad dispersa, que se
yuxtapone al primero creando un nuevo paradigma
global. Este artículo intenta dar respuesta a
diversas cuestiones en relación a los límites y las
posibilidades de este nuevo modelo analizando
la situación actual de las áreas de urbanismo
disperso de la RMB a partir de la perspectiva de la
sostenibilidad poniendo el énfasis en su dimensión
social, contribuyendo a avanzar en la sustentación
teórica de la relación entre la sostenibilidad social y
las formas urbanas.
Palabras clave: sostenibilidad social; sostenibilidad
ambiental; dispersión urbana; relaciones sociales;
Región Metropolitana de Barcelona.
AbstractThe breakdown of the Ford production system and the application of new technologies have led to a change in the structure of the territory: the city’s boundaries have been extended and space segmentation has increased. In the Metropolitan Region of Barcelona – MRB –, the compact city model coexists today with the urban sprawl, which is juxtaposed to the first one, creating a new global paradigm. This paper tries to answer several questions about the limits and possibilities of this new model in order to analyze the current situation of the urban sprawl areas of the MRB from the perspective of sustainability, with emphasis on its social dimension, thus contributing to the theoretical framework about the relationship between social sustainability and urban forms.
Keywords: social sustainability; environmental sustainability; urban sprawl; social relationships; Metropolitan Region of Barcelona.
Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 201316
En la Región Metropolitana de Barcelona
conviven actualmente dos modelos urbanos
diferentes: a las ciudades tradicionales
compactas, propias del modelo mediterráneo,
se yuxtapone el modelo de urbanismo disperso,
mucho más reciente. La crisis del sistema
fordista de producción y distribución y la
aplicación de las nuevas tecnologías indujeron
a un cambio de la estructura del territorio:
se ampliaron los límites de la ciudad real,
aumentó la segmentación y la especialización
func iona l de l espac io, y la cont inua
relocalización de las actividades y la ocupación
de nuevos territorios se convirtió en la pauta
característica del crecimiento urbano. Todo ello
ha contribuido a la expansión del urbanismo
disperso y ha tenido importantes efectos a
diversos niveles. La crisis actual plantea nuevas
cuestiones sobre los límites y posibilidades
de este modelo. Por ello, en este artículo
pretendemos dar respuesta a varias cuestiones.
¿En qué medida estas nuevas dinámicas han
exacerbado – o incluso generado – nuevas
formas de desigualdad social en el territorio?
¿Qué límites, posibilidades y retos plantea esta
realidad para conseguir un modelo urbano
sostenible? Pensamos, y esta es nuestra
hipótesis, que la morfología urbana y la forma
de organizar el territorio es una variable
fundamental para la sostenibilidad.
Nuestro objetivo es doble: en primer
lugar, avanzar en la sustentación teórica
del concepto de sostenibilidad social y su
concreción empírica. El concepto sostenibilidad
aparece en los años setenta del siglo pasado
muy ligado al de desarrollo sostenible
(Meadows, 1972) y definido a partir de tres
dimensiones: la ecológica, la económica y la
social. En la posterior evolución del concepto,
la dimensión social ha resultado ser la gran
olvidada. Los cambios ocurridos en los últimos
años sugieren la necesidad de reconsiderar
esta dimensión específica de la sostenibilidad
para valorar los efectos del nuevo modelo
urbano y territorial. En segundo lugar, analizar
la realidad actual de las áreas de baja densidad
de la RMB a partir de un prisma más amplio
como es el de la sostenibilidad poniendo
énfasis en la dimensión social.1
La sostenibilidad social según las formas urbanas
El debate sobre la sostenibilidad: más allá del concepto
Hoy, la creciente problemática ambiental,
económica y social ha hecho revivir las
preocupaciones planteadas en los años
setenta y que fueron olvidadas en las décadas
siguientes. El neoliberalismo dominante ha
impregnado todos los aspectos de la vida
económica provocando funestas consecuencias
en varios ámbitos. Entre ellas destacan –
porque han sido las primeras que se han
impuesto a nuestra observación – las que
tienen que ver con el deterioro del medio
ambiente y, en especial, con el agotamiento de
los recursos no reproducibles. El diagnóstico
actual que se impone es contundente: el
modelo de crecimiento de los últimos años es
claramente insostenible.
La cuest ión es, pues, de c ruc ia l
importancia. No en vano, la política y la
academia han contribuido a dotar de contenido
y argumentos a este concepto y, también, a
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013 17
aplicarlo en la práctica. Aún así, a menudo
el término aparece ligado a inconcreciones –
especialmente en el ámbito académico – ante el
esfuerzo que supone concretarlo en diferentes
esferas como pueden ser la social y la urbana.
El concepto de sostenibilidad apareció
muy unido al de desarrollo (Meadows, 1972).
Ha tendido a identificarse, primero, con la
esfera medioambiental y, posteriormente, con la
económica. Hoy el concepto se hace extensible
también a la dimensión social, que ha sido la
más olvidada en los discursos académicos y
políticos. Con este trasfondo, añadimos a la
ciudad en el debate para plantearnos hasta qué
punto nuestras ciudades son sostenibles y si hay
condiciones que hacen que unas ciudades sean
más o menos sostenibles que otras. La pregunta
es relevante, no sólo porque hoy la mitad de
la población mundial vive en ciudades y todo
hace pensar que la población urbana seguirá
aumentando en el futuro (United Nations, 2009)
sino también, y sobre todo, porque la ciudad
cumple el rol de ser nexo entre lo global y lo
local (Borja y Castells, 1998).
Para responder a esta cuestión, primero
nos detendremos a explorar el concepto de
sostenibilidad social, su significado y los
aspectos que quedan por desarrollar en su
aplicación a la ciudad y al mundo urbano.
Hagamos, pues, una breve referencia a los
orígenes del concepto. Aun con la importancia
que ha tomado esta idea en la actualidad,
el concepto no es nuevo, ni tampoco la
problemática a la que se refiere. Ya en los
años sesenta los economistas – aunque no
sólo ellos – se percataron de que el modelo
de crecimiento económico a toda costa, al
fomentar un crecimiento sin límites, no podía
mantenerse sin riesgos para la humanidad
y el planeta. En marzo de 1972, auspiciada
por el Club de Roma, aparece The Limits
to Growth, uno de los antecedentes del
concepto de sostenibilidad. Este conocido
documento plantea como problema central
el medioambiental, pero incluye – aunque sin
profundizar – aspectos ligados a los valores, las
relaciones sociales y el bienestar. El diagnóstico
de la situación mundial que se realiza en este
trabajo augura que el resultado último de un
intento sostenido de crecer conforme al patrón
actual será un colapso desastroso. La filosofía
del documento queda claramente expresada
en una de sus conclusiones: “Tal vez el mejor
resumen de nuestra posición sea […] no una
oposición ciega al progreso, sino una oposición
al progreso ciego”.
The Limits to Growth abrió el camino
para que en 1987 apareciera formalmente
el término sostenibilidad, por ello no es
de extrañar que desde sus inicios fuera
estrechamente vinculado – como se ha dicho
anteriormente – a la idea de desarrollo. El
término tiene su origen en el texto de la
Comisión Mundial del Medio Ambiente y
Desarrollo de las Naciones Unidas conocido
como Informe Brundtland 2 (United Nations
World Commission on Environment and
Deve lopment , 19 87 ) . E l té rmino fue
introducido en un informe cuyo objetivo era
diseñar “un programa global para el cambio
global”. Se refiere al desarrollo sostenible
como aquél que satisface las necesidades de
la generación presente sin comprometer las
posibilidades de las generaciones futuras para
atender sus propias necesidades. Después, en
1992, la Conferencia de Río dio publicidad a la
expresión desarrollo sostenible e introdujo la
idea de los tres pilares que deben conciliarse:
Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 201318
el económico, el social y el medioambiental
(United Nations, 1992).
E f e c t i v a m e n t e , e l d e s a r r o l l o
sostenible se entiende como el resultado
de la combinación de estas tres esferas. No
obstante, la interrelación entre ellas introduce
otras condiciones necesarias para que se
produzca un desarrollo sostenible que van más
allá de los matices terminológicos. De esta
forma, la confluencia entre los planteamientos
eco lóg icos y económicos han de se r
necesariamente viables para tener sentido:
no todas las medidas que permiten mejorar el
medio ambiente son viables económicamente,
ni todo tipo de crecimiento económico es viable
si se desea minimizar la huella ecológica. Igual
ocurre con la organización social: ha de ser
equitativa desde el punto de vista económico
y soportable para el medio ambiente. El
adjetivo ‘sostenible’ se reserva para indicar
todo aquello que, a la vez, resulta soportable,
equitativo y viable en la combinación de las
esferas medioambiental, económica y social
(Sadler y Jacobs, 1990; Le Berre, 2004).
Todo este recorrido ha desembocado en
el hecho de que hoy, la idea de sostenibilidad
se ha convertido en una panacea. Existen
dos factores principales que han contribuido
a la aceptación y éxito de la expresión
‘sostenibilidad’. El primero es haber ganado la
batalla de lo políticamente correcto hasta el
punto de haber adquirido poder legitimador.
El segundo es su ambigüedad, puesto que
las interpretaciones del término pueden
ser múltiples e incluso contradictorias. La
falta de acuerdo terminológico, en realidad,
esconde visiones del mundo distintas y con
frecuencia opuestas.
La sostenibilidad social: los problemas de su concreción
Basado en la idea de desarrollo sostenible,
el estado de equilibrio global, que requiere
estabilidad económica y ecológica durante
largo tiempo, “debe diseñarse de tal modo
que cada ser humano pueda satisfacer sus
necesidades básicas y gozar de igualdad de
oportunidades para desarrollar su potencial
particular” (Meadows, 1972). Aunque desde
su inicio las tres dimensiones mencionadas
aparecían como parte constituyente del
concepto, en la posterior evolución la esfera
social ha resultado ser la gran olvidada. Todavía
hoy su fundamentación teórica y su concreción
empírica son muy débiles.
Al considerar el desarrollo como mejora
cualitativa se están introduciendo cuestiones
sólo compatibles con una sociedad que, siendo
diversa, evolucione hacia la cohesión interna,
eliminando situaciones de desigualdad y
discriminación: “[…] sostenibilidad social
como desarrollo (y/o crecimiento) compatible
con la evolución armoniosa de la sociedad
civil, fomento de un entorno propicio para la
convivencia compatible de grupos cultural y
socialmente diversos, y aliento de la integración
social, con mejoras en la calidad de vida para
todos los segmentos de la población” (Polèse
y Stren, 2000).
E s dec i r, e l ámb i to soc ia l e s tá
estrechamente asociado a la inexistencia de
desigualdades y requiere importantes esfuerzos
para reducirlas. Para conseguir la sostenibilidad
social es necesario controlar, hasta hacerlas
desaparecer, las situaciones de exclusión
social y segregación territorial, atendiendo
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013 19
especialmente a las condiciones de les grupos
marginales: “La sostenibilidad social, en este
sentido, puede ser vista como el polo opuesto
a la exclusión, tanto en términos territoriales
como sociales” (Polèse y Stren, 2000).
La sostenibilidad social en el ámbito urbano
Aunque el desarrollo inicial del concepto de
sostenibilidad se produjera al margen de las
ciudades, la importancia de lo urbano en el
mundo actual ha impuesto la necesidad de
mirar críticamente las ciudades a través de este
prisma como un elemento que puede contribuir
o arriesgar la consecución de un mundo
sostenible. De todas formas, si el concepto
de sostenibilidad plantea algunos problemas
importantes de definición, estos se acentúan
cuando nos referimos a la sostenibilidad social
en el ámbito urbano.
No es fácil generalizar sobre cuál es
el tratamiento que dan estos estudios al
concepto de sostenibilidad social. Los motivos
son de diversa índole, aunque el principal es
que existe una gran disparidad de perspectivas
y marcos analíticos inherente a la diversidad
de prismas con que se trata lo urbano. Esto
es así fruto de la propia multidisciplinariedad
de los estudios urbanos. Asimismo, dificulta
el trabajo su recurrente identificación con
otros conceptos que, aunque parecidos e
informativos, aportan luz solamente de
manera parcial. De hecho, son pocos los
trabajos que ahondan de manera integral en el
concepto. De todas formas, las características
de lo que es sostenible socialmente parecen
tener un alto nivel de quórum. El concepto más
común con el que se vincula es el de cohesión
social, seguido de mezcla social. Diversidad
social y/o cultural se asocia repetidamente
a sostenibilidad social, casi siempre a raíz
de la creciente especialización funcional de
las ciudades, la falta de mixtura de usos y el
advenimiento de la nueva inmigración como un
fenómeno social que puede acarrear conflictos
de convivencia asociados a su concentración
en algunas zonas urbanas (Bayona, Domingo
y Gil, 2009). En la bibliografía norteamericana
es frecuente asociar sostenibilidad social
con desarrollo inteligente (Smart Growth
Network, 2006). Es una estrategia global de
sostenibilidad regional que sugiere que los tres
pilares – eficiencia económica, protección del
medio ambiente y elevada calidad de vida y
equidad social – puedan conseguirse mediante
una política de uso del suelo concertada y
negociada entre todos los agentes implicados.
Finalmente, los conceptos de equidad
social, convivencia colectiva o coexistencia
multiétnica también aparecen vinculados a
menudo, aunque siempre se ofrecen de forma
muy poco desarrollada siendo elementos
tangenciales a la perspectiva global que guía
el análisis de los trabajos.
La pregunta, ahora, deviene evidente:
¿qué condiciones debe cumplir una ciudad
para que sea sostenible socialmente? Nosotros
entendemos que una ciudad es sostenible
socialmente cuando tiene la capacidad de
satisfacer las necesidades básicas de su
población en el ámbito urbano y garantiza
determinadas condiciones en el contexto de
una serie de principios orientadores. Como
necesidades recuperamos la propuesta de la
Carta de Atenas3 sobre las funciones básicas
que debe cumplir una ciudad, que son habitar,
Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 201320
trabajar, desplazarse y cultivar el espíritu,4
además de incorporar otras necesidades como
la seguridad, la interacción social, la identidad/
simbolismo y la participación democrática.
Los principios orientadores a los que nos
referimos son la calidad de vida, la equidad,
la interrelación social, la diversidad social, la
democracia y la cohesión social.
La recuperac ión del concepto de
sostenibilidad social por parte de quienes se
dedican al estudio y análisis de la realidad
urbana no parece espuria: la segmentación
y especialización creciente y acelerada del
espacio ha dado lugar, junto a la existencia
de las ciudades tradicionales, a la aparición
de áreas residenciales dispersas, grandes
zonas comerciales, polígonos industriales,
áreas pensadas para el ocio que constituyen
partes indisociables de un mismo sistema
urbano expansivo que rebasa continuamente
sus propios límites. Las ciudades se extienden,
invaden nuevos territorios, consumiendo un
recurso no renovable – el suelo – y cubriéndolo
de nuevas y costosas infraestructuras. Y
al f inal , más que una real idad urbana
donde el c iudadano pueda desarrol lar
sus capacidades y cubrir sus necesidades,
encontramos un espacio amorfo por el
que es necesario desplazarse recorriendo
cada vez mayores distancias, consumiendo
energía y tiempo, y donde la buena calidad
de vida parece haber desaparecido.
Por ello, defendemos la hipótesis que la
morfología urbana contribuye a crear límites
así como condiciones de sostenibilidad social.
Esta morfología y la forma de organizar el
suelo es, pues, una variable fundamental para
la sostenibilidad. En este sentido, creemos
que hay tres dinámicas que pueden convertir
un espacio sostenible en insostenible: de la
ciudad compacta a la dispersión territorial de
las actividades urbanas, de la mixtura urbana
a la especialización funcional del espacio, y de
la ciudad integrada socialmente a una mayor
segregación potencial de los grupos sociales
en el territorio.
El urbanismo disperso: nota conceptual
El análisis del urbanismo disperso ha sido
objeto de trabajo teórico de varios autores,
entre los cuales Indovina – città diffusa –
(1990), Dematteis – reticular city – (1998),
Garreau – edge city – (1991), Corboz –
ipercittà – (1994), Ascher – metapolis – (1995),
Harvey – the end of the city – (1996) y Capel
– exurbanización – (2003). Estos autores han
proporcionado definiciones y aportaciones
varias en relación a sus características y
estructura urbana. Recuperamos el trabajo
de López de Lucio (1998) sobre el caso de
Madrid como base desde la que analizar las
características de las urbanizaciones,5 ya que
las características mencionadas por este autor
son directamente aplicables a la RMB:
1) descentralización progresiva de la actividad
residencial e industrial y, de forma más reciente,
de amplios sectores terciarios;
2) suburbanización residencial con un claro
predominio de la baja densidad y de la vivienda
unifamiliar.
3 ) f r a g m e n t a c i ó n d e l t e r r i t o r i o y
especialización de las piezas – urbanizaciones
residenciales, polígonos de viviendas, centros
comerciales y de ocio, etc. El territorio
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013 21
disperso es discontinuo, los fragmentos que lo
conforman están encapsulados y son distantes
físicamente unos de otros. La zonificación no
tiene un modelo explícito global, sino que
quien la realiza es el mercado en conexión
directa con los agentes administrativos
teniendo en cuenta oportunidades de
accesibilidad, localización y características de
la propiedad del suelo urbanizable;
4) segregación social a escalas espaciales
inéditas originadas por la distancia entre zonas
y actividades, por la expansión exponencial del
territorio urbano y por la aparición cada vez más
frecuente de restricciones explícitas de acceso;
5) disminución de las relaciones de proximidad
y aumento de la importancia de la casa
individual como centro de un reducido universo
social. Es, a la vez, la base para una serie de
movimientos radiales motorizados por motivos
de trabajo, estudio, compras, ocio, etc.;
6 ) creación de centralidades periféricas
alternativas, ya que el nuevo territorio
urbano requiere un lugar que integre
antiguos centros urbanos para los contactos
interpersonales, las relaciones comerciales,
el entretenimiento o el ocio. El gran centro
comercial regional cubre progresivamente
esta necesidad. Su centralidad no es tanto
física como temporal porque se basa en una
localización estratégica en relación a los
nudos de la red de transporte privado.
7) empobrecimiento, especial ización y
privatización del espacio público.
Dinámicas urbanas en la RMB
La RMB es la unidad de análisis de este
artículo. Constituye la ciudad real de Barcelona,
ya que proyecta la realidad urbana y funcional
de este municipio y de su área de influencia
más directa. Su población es de 4.777.042
habitantes (2011), ocupa una superficie de
3.242,2 km2 y comprende 164 municipios.
La evolución reciente de las dinámicas
urbanas ocurridas en la RMB ha derivado en
una compleja situación en la que la ciudad
compacta y la urbanización de baja densidad
se yuxtaponen y se influyen recíprocamente.
Su coexistencia refuerza la segmentación
social del espacio y plantea nuevos retos a la
política urbanística.
El proceso se inicia claramente en la
década de los ochenta. A partir de 1981 se
comprueba que Barcelona registra un saldo
migratorio negativo y que el crecimiento
natural se ha estancado, porque también
el modelo reproductivo ha dado un vuelco.
Y al tiempo, las migraciones residenciales,
espec ia lmente dent ro de la RMB, se
multiplican. Esta dinámica poblacional no
es distinta de la de otras regiones españolas
y europeas. Lo sorprendente en el caso de
Cataluña es la subitaneidad del cambio, el
paso de una situación de crecimiento explosivo
a una de estancamiento.
Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 201322
Después, especialmente a partir de 1985,
el proceso se acelera y acentúa. La Barcelona
densificada, rodeada de barrios periféricos con
problemas de vivienda, de equipamientos y
de servicios, que se extiende más allá de sus
fronteras administrativas – situando fábricas
en los municipios colindantes –, se convierte
en una heteróclita realidad urbana que se
dispersa por un ámbito territorial cada vez
más extenso. Las grandes ciudades de la RMB
pierden población y crecen los municipios
pequeños, se propaga la tipología del hábitat
unifamiliar – adosado o aislado – y se
multiplican las urbanizaciones.
Se pueden distinguir cuatro etapas
claramente diferenciadas en esta evolución
(Alabart, 2007). Cada una de ellas tiene su
propia dinámica y responde a necesidades
y a intereses diferentes.6 La primera abarca
los años 1975-1985. Se caracteriza por un
estancamiento del crecimiento de la ciudad
central. Los factores que contribuyeron fueron
básicamente cuatro: la hiperdensidad de las
grandes ciudades, influyendo negativamente
en la calidad de vida; la tipología de la
vivienda, demasiado homogénea para una
realidad familiar cada vez más diversificada;
la llegada a la edad de emancipación de una
generación que se enfrentaba a una crisis
económica sin precedentes, y la existencia
de segundas residencias susceptibles de ser
convertidas en viviendas principales.
Los colectivos que protagonizaron el
cambio fueron, por una parte, población
con nivel socioeconómico alto y medio-alto;
y por otra, jóvenes. Para la población de las
categorías socioeconómicas alta y media-
alta cobraron sentido, sobre todo, el primer
y el segundo factor, es decir, sus preferencias
por una calidad de vida superior a la de las
grandes ciudades y su deseo de viviendas
unifamiliares más amplias que los pisos de
las ciudades. Todo ello les condujo a buscar
un cambio de residencia. En cambio, para el
colectivo de jóvenes, el factor más importante
fue la necesidad de contar con una vivienda
propia. Llegados a la edad de independizarse
de sus progenitores, pudieron, en algunos
casos, ut i l izar residencias secundarias
convirtiéndolas en primeras. El fenómeno
cruzó categorías sociales. La expansión de
la ciudad empezó a tomar un rumbo más
extensivo, más disperso.
El segundo momento corresponde a los
años 1986-1995. La incidencia del modelo
de producción flexible se manifiesta por lo
menos en dos aspectos: el incremento de los
precios de los inmuebles – especialmente
en Barcelona – y la expansión del ámbito
ter r i tor ia l met ropol i tano. A par t i r de
1986, cuando la crisis económica estaba
remitiendo, los precios de las viviendas se
dispararon alejándose progresivamente de
las posibilidades de las rentas medias.7 No
podían adquirir una vivienda en Barcelona, ni
siquiera con ayudas de la administración o de
la familia.8 Aparece así un nuevo mercado: el
de las urbanizaciones.
Las migraciones residenciales del
período anterior, en especial las de la clase
alta, actuaron como grupo de referencia y,
además, crearon economías de urbanización:
nuevos equipamientos – real izados o
reclamados –, mayor seguridad en lugares que
hasta entonces eran inhóspitos, etc. Además,
la división del proceso productivo y la
dispersión espacial de la actividad económica
generaron expec tat ivas de ocupación
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013 23
en territorios que antes resultaban poco
accesibles y, a la vez, nuevas necesidades
de conexión. Se afianzaba y se extendía el
modelo de urbanización dispersa.
El nuevo mercado de las urbanizaciones
va dirigido a las categorías sociales medias
y a parejas relativamente jóvenes con
hijos pequeños. La polarización propia del
momento anterior se reduce porque así lo
hacen los dos extremos. Además, la mayoría
de las construcciones están pensadas para ser
residencias principales y su ubicación geográfica
es, por exigencias del espacio y del margen de
beneficio, cada vez más alejada de las grandes
ciudades y, en especial, de Barcelona.
En el tercer periodo, que corresponde
a los años 1996-2007, aun manteniéndose
las tendencias anteriores parecen emerger
las primeras reacciones de los municipios
grandes destinadas a contrarrestar estas
dinámicas a partir de políticas de vivienda más
incisivas. Concretamente, mediante políticas de
rehabilitación de viviendas y construcción de
alquiler para jóvenes y mayores.
Con la coalición tripartita de izquierdas9
en el gobierno de Cataluña desde 2003 y con
el PSOE10 en el gobierno de España desde
2004, se promovieron varios estudios, leyes
y políticas con el objetivo de limitar – e
incluso detener – el fuerte crecimiento urbano
disperso, así como para incrementar los
nodos territoriales y organizar un transporte
intermodal. La ley más importante aprobada
en Cataluña se centró en la regularización y
la mejora de las urbanizaciones con mayores
déficits,11 y tenía dos objetivos principales:
mejorar las condiciones de las urbanizaciones
construidas antes de 1981 y dignificar sus
servicios y equipamientos.
La crisis financiera y económica global
empezó a golpear a Cataluña y a España en
2008, momento en que se inicia el último
periodo. La crisis llevó al colapso del sector de
la construcción, al descenso de los precios y a
la pérdida de peso relativo de las viviendas
unifamil iares en relación a t ipologías
más compactas (Vilà y Alabar t , 2011) .
Asimismo, varias promociones inmobiliarias
se detuvieron dejando varios procesos
de urbanización inacabados y generando
nuevos déficits de servicios. Aún hoy, con la
derecha aupada en el poder,12 hay una fuerte
incertidumbre en relación a cuándo y cómo
acabará esta etapa.
Vida cotidiana en la ciudad dispersa
En esta sección analizaremos las dinámicas
sociales que se desarrollan en este marco
urbano. Analizaremos las relaciones sociales
de los residentes en urbanizaciones, su
participación cívica, los espacios de vida y
la gestión del tiempo. El objetivo es evaluar
en qué medida este modelo presenta retos
para la consecución de un entorno urbano
socialmente sostenible.13
Relaciones sociales
Las relaciones sociales que se producen entre
la población que vive en el ámbito disperso no
solo se explican por esta morfología urbana.
Influyen el capital social previo de los individuos,
las motivaciones individuales, la disposición
de tiempo para dedicar a actividades sociales,
Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 201324
el momento del ciclo familiar en el que se
encuentren, las características culturales y
socioeconómicas y sus dinámicas relacionales
específicas. Dado que a través del mercado los
residentes se han segregado en urbanizaciones
de categorías socioeconómicas distintas, las
pautas relacionales son globalmente diferentes
según las urbanizaciones. La configuración
urbana es el elemento marco que puede
favorecer o constreñir tanto las relaciones
sociales como el desarrollo de la ciudadanía.
La fragmentación del espacio urbano, el
incremento de las distancias físicas, la falta
de espacios de encuentro de uso público y, en
definitiva, la configuración de la ciudad como
espacio orientado al ámbito privado son las
características territoriales que inciden en
mayor medida (Gavaldà y Vilà, 2008).
El cambio de residencia al ámbito
disperso supone variaciones importantes en
las relaciones sociales; así lo señalan un tercio
de los nuevos residentes. Se puede afirmar que
el hecho de vivir en una urbanización tiende
a reducir la frecuencia de encuentro con los
amigos: el 61,3% de los nuevos residentes en
disperso dicen relacionarse con igual frecuencia
que antes, el 26,8% lo hace con menor
frecuencia y el 11,5% considera que lo hacen
con mayor frecuencia: “Se ha perdido mucho el
contacto [con los amigos que tenían en el lugar
de procedencia] y a ella también le sucede.
Hemos hecho amistades con los padres de los
amigos de nuestros hijos” (hombre de 41 años
residente en Begues). Es un fenómeno habitual
que buena parte de estas relaciones sociales
nazcan y se estructuren a partir de los hijos:
“En el lugar donde estamos hemos estrechado
algunas relaciones vía hijos, con padres de
amigos de los niños. […] Cosas relacionadas
con el lugar. Ahora haces una comida, que
montas una vez al año, una barbacoa con
padres de los amigos, o vas a casa de alguien.
Pero quiero decir [que] son tres o cuatro veces
al año que hacemos cosas” (mujer de 43 años
residente en Corbera de Llobregat).
El momento del ciclo vital, por tanto,
actúa como un elemento esencial que se
entrecruza con la mayor tendencia de la
población que tiene hijos pequeños – o que
quiere tenerlos en el futuro próximo – a
desplazarse a las urbanizaciones. La dinámica
social que se produce en las urbanizaciones
viene en parte filtrada por este elemento,
aunque, por supuesto, el hecho de conocer
personas que ya viviesen en la urbanización
actúa como capital social, multiplicando y
facilitando las relaciones.
Con las relaciones familiares sucede algo
similar a las relaciones sociales: el 67,8% de
nuevos residentes afirma ver a sus familiares
con la misma frecuencia, y la proporción que
indica una disminución de ese tipo de contactos
desde que se han trasladado a la urbanización
dobla la de aquéllos que declaran la dinámica
opuesta – 20,5% y 11,7%, respectivamente.
La práctica totalidad de los nuevos
residentes afirman conocer a sus vecinos,
aunque casi un tercio señala que conoce a
pocos vecinos. El conocimiento del vecindario
es proporcional, en gran medida, al tiempo
que los entrevistados llevan viviendo en la
urbanización. Las relaciones que se establecen
con el vecindario presenta una gran gama
de intensidad, desde el saludo cordial a las
celebraciones colectivas. Sin embargo, la
mayoría de las relaciones que se establecen con
el vecindario son esporádicas y ocasionales:
“En sentido estricto de vecinos hay alguna
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013 25
relación pero no es intensa […], la cuestión
es que te los cruzas pero vas enlatado en un
coche, entonces les puedes saludar y ya está.
[…] Yo creo que es más difícil hacer vida social
en el pueblo porque no te cruzas con nadie y
fuera de la escuela es complicado” (mujer de
36 años residente en Matadepera).
E l a n o n i m a t o e s u n e l e m e n t o
fundamental que caracteriza las relaciones
entre vecinos en las urbanizaciones: “Cuando
vamos a casa de alguien es para alguna cena,
pero también a mi mujer no le gusta demasiado
relacionarse. Como ha estado tanto tiempo
aquí dice que hay demasiado marujeo. […] Es
uno de los inconvenientes. De todas formas,
aquí si no quieres salir no sales y no te conoce
nadie. […] Hay gente que vive aquí que, vamos,
ni idea de quienes son” (hombre de 52 años
residente en Lliçà de Munt).
Participación cívica
La participación cívica en las urbanizaciones
es, en general, baja, especialmente si se
compara con las áreas compactas de la RMB.
Tres de cada diez residentes son miembros
de alguna entidad – 1,2 entidades de media
por residente –, mientras que en el conjunto
de la RMB esta ratio aumenta a cinco
sobre diez. El tipo de entidades a las que se
asocian en mayor medida son clubes deportivos
y asociaciones de vecinos. En las zonas de
autoconstrucción, las malas condiciones de
urbanización y la falta de infraestructuras
p rop ic ian una mayor tendenc ia a la
reivindicación de demandas a la administración
a través de asociaciones de vecinos.
Más de la mitad de los residentes
(57,7%) dedica tiempo a las asociaciones – 8,3
horas de media por residente. Las que gozan de
mayor implicación por parte de sus miembros
son los centros de encuentro para mayores, los
partidos políticos, los centros excursionistas,
los clubes deportivos y las comunidades de
propietarios, todas ellas entre el 70 y el 80%.
No es extraño al consistir, la mayoría de ellas,
en entidades que solo adquieren significación
mediante una participación activa de sus
miembros. Por su parte, los equipamientos más
utilizados son los lugares de ocio (30%), los
deportivos (22%) y los sociales (17%).
En las urbanizaciones se registra una
menor actividad lúdica y social que en el núcleo
del municipio – 65% y 95,3%, respectivamente.
Los niveles de participación y de asistencia son
generalmente bajos en ambos casos. Entre los
que señalan haber asistido alguna vez, siete de
cada diez reconocen haber participado tan solo
de forma ocasional. Estar asociado predispone
en mayor medida a participar en estas
actividades, sean miembros de las asociaciones
que las organizan o no.
Como indicador de este ámbito se ha se
analizado también la asistencia, en el último
año, a un pleno municipal, a una reunión de
vecinos o a actos movilizadores sobre aspectos
internos o externos de la urbanización.
Mediante una tipología que integra cinco
categorías siguiendo una gradación de mayor
a menor participación – asistencia plena,
alta, media, baja y nula –, se detecta que la
mitad de los residentes registra un nivel de
asistencia nulo (47,5%). A medida que éste
aumenta, más reducidos son los porcentajes
que conforman las diversas categorías
Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 201326
hasta alcanzar un 2,5% en la de asistencia
plena. La condición de asociado también
aumenta significativamente la asistencia, con
porcentajes unos diez puntos superiores a la
media en todos los actos analizados.
La variable que se apunta como la más
explicativa de las actitudes relacionales y
participativas es el momento del ciclo vital.
En este sentido, es muy común el perfil de
personas que estructuran sus relaciones a partir
del entorno social de sus hijos menores y que
sólo participan de los eventos dirigidos a éstos.
Espacio de vida y gestión del tiempo
El espacio de vida, aquel que cotidianamente
utiliza la población, se desparrama por una
área mucho más amplia que la utilizada
habitualmente por los residentes de zonas
urbana compactas.
La ciudad de Barcelona estructura una
parte importante del espacio de vida de los
ciudadanos a nivel laboral en tanto que uno de
cada cuatro trabaja allí. La tendencia a trabajar
remuneradamente en el propio municipio es
muy inferior a la de hacerlo en otros municipios
de la RMB diferentes al de residencia habitual.
Sin embargo, los datos muestran una tendencia
particular: a mayor antigüedad residencial,
mayor proximidad al trabajo.
P o r l o q u e r e s p e c t a a l o s
desplazamientos , e l uso del vehículo
particular – principalmente el coche – es
prácticamente unánime entre las personas
principales del hogar. La duración temporal del
desplazamiento es de entre 22 y 26 minutos
para quienes se sirven de una motocicleta o
un turismo, mientras que se incrementa hasta
los 44 minutos de media cuando se viaja en
transporte público, lo que es más habitual
entre las mujeres que entre los hombres.
Las compras diarias prácticamente
nunca se adquieren en la misma urbanización,
puesto que en casi ninguna existe una
oferta suficientemente amplia y variada de
equipamientos comerciales. Este es, pues, otro
factor afectado por la morfología urbana. Los
residentes de urbanización tienden a comprar
menos cerca de donde viven que las personas
que viven en las ciudades compactas. La
mayoría de los residentes en urbanizaciones
declaran comprar en grandes superficies –
46,1% de ellos en los supermercados y el
10% en los centros comerciales, que también
ofrecen otros servicios y ocio. Asimismo,
cuando se les pregunta por los productos
no perecederos, los porcentajes aumentan
a 72,5% y 14,6%, respectivamente. Estas
grandes superficies están situadas en puntos
nodales que solo son accesibles mediante
vehículos pr ivados – el 94,3% de los
entrevistados declara llegar en coche. Este
hecho contribuye a que el tiempo invertido
en desplazamientos sea mayor. Con el tiempo
estas grandes superficies han ido adquiriendo
la función de lugar de encuentro y de relación
sustituyendo a los espacios públicos cívicos de
la ciudad tradicional, cosa que repercute en un
empobrecimiento de la función tradicional de
vertebración social del comercio de cercanía
(Vilà, 2011).
La mayoría de tiempo libre de los
residentes se gasta en el hogar, pauta que
también es común en la RMB en su conjunto.
Barcelona ha dejado de ser el lugar que
concentra las actividades de ocio, aunque sigue
siendo importante para todos ellos.
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013 27
Conclusiones
La imagen idílica que a menudo se tiene de
las urbanizaciones no es una realidad para
todas las personas que allí viven. Son los
grupos sociales con menos recursos, aquéllos
más desfavorecidos, los que sufren en mayor
medida los efectos negativos del modelo.
Algunos los han sufrido desde el principio,
otros lo han hecho posteriormente cuando
sus circunstancias personales han empeorado.
Todo ello ha repercutido negativamente en
su calidad de vida y bienestar aumentando
las situaciones de desigualdad, dependencia,
vulnerabilidad y exclusión social. Además,
ciertas características de la ciudad dispersa la
alejan del ideal de una ciudad sostenible tal y
como se ha planteado en este artículo, tanto
en términos sociales como medioambientales
y económicos.
En primer lugar, el urbanismo disperso
contribuye a la disminución y debilitamiento
de las relaciones sociales. Aunque su frecuencia
e intensidad depende de muchos factores, la
morfología urbana también tiene impacto.
Intervienen dos factores: por un lado, el diseño
de una ciudad sin espacio público que actúe
como lugar de encuentro. Las calles están
vacías porque la gente no hace vida en ellas,
sólo se desplaza haciendo que los encuentros
sean casi inexistentes. Por otro lado – y eso
afecta especialmente a los residentes que han
llegado recientemente a las urbanizaciones –,
la distancia y la menor comunicación con el
lugar de origen. En la mayoría de los casos el
cambio de residencia supone una disminución
de la frecuencia de las relaciones sociales
con los amigos cercanos y la familia. Esto
tiene efectos directos sobre los procesos de
transferencia de ayuda y, específicamente, en
la solidaridad familiar – cuidado de los hijos
por parte de los abuelos, atención en caso de
emergencia, etc. –, aspecto fundamental del
sistema de bienestar social sobre el que se
sustentan las sociedades mediterráneas.
En segundo lugar, las urbanizaciones
también tienen efectos sobre la participación,
el civismo y el ejercicio de la ciudadanía de sus
residentes. Si bien las personas que viven en
ellas declaran tener una menor implicación y
participación en entidades que las que viven en
las ciudades, esto no es atribuible únicamente
a la incidencia del entorno de urbanización.
Sí lo es, en cambio, la baja identidad colectiva
y la escasa identificación con el lugar de
residencia. La falta de elementos simbólicos
que actúen dando identidad y cohesionando
la población tiene como efecto principal un
proceso de identificación débil con el territorio,
lo que termina por generar demandas políticas
demasiado especializadas tales como el arreglo
de una calle, la iluminación de un tramo, etc.
Una tercera problemática de las
urbanizaciones viene dada por el déficit
de servic ios, equipamientos básicos e
infraestructuras. La importancia otorgada a la
residencia en detrimento de otras funciones
urbanas ha consolidado un déficit histórico en
estas áreas. Las carencias no son iguales en
todas las urbanizaciones ni afectan por igual
a todos sus residentes, sino que son las de
autoconstrucción las que acumulan a día de
hoy los déficits fundamentales y las condiciones
más precarias: a una localización aislada hay
que sumar la falta de infraestructuras básicas
y de suministro, la dificultad de los accesos, las
construcciones deficitarias y la mala calidad
general de la urbanización. La dinámica del
Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 201328
mercado ha actuado como filtro provocando
que éstas estén ocupadas por población
con pocos recursos y en riesgo de exclusión
social, aumentando aún más su segregación
y perjudicando su calidad de vida. Las
personas mayores y las familias con hijos
pequeños se convierten en colect ivos
especialmente vulnerables.
Los déficits, sin embargo, van más allá
de las propias urbanizaciones y plantean
retos también a nivel municipal. El rápido
crecimiento de la población de los municipios
receptores y del número de viviendas ha
generado nuevas necesidades y ha hecho
insuficientes las infraestructuras existentes
en los municipios. Por un lado, la llegada de
parejas en edad de constituir una familia ha
supuesto el rejuvenecimiento de las estructuras
de edad de los municipios receptores y ha
producido un incremento de la natalidad. Este
hecho ha implicado una mayor demanda y la
necesidad de equipamientos educativos que,
además, se ven reforzados por la disminución
de la solidaridad intergeneracional. Por otra
parte, las personas mayores representan
un colectivo numeroso que aumentará
considerablemente en los próximos años.
Especialmente preocupante es la situación de
la parte que cuenta con unos recursos más
precarios, con una menor solidaridad familiar
o con problemas de movilidad. La falta de
servicios de proximidad de todo tipo y la
imposibilidad de desplazarse con normalidad
consolidan su situación de exclusión. Este
hecho está suponiendo el aumento de las
necesidades y la demanda de equipamientos
y servicios de cuidado específicos orientados a
la calidad de vida de este colectivo – hogares
de jubilados, centros de asistencia primaria,
especializaciones geriátr icas, etc. Éste
será uno de los principales retos de futuro
inmediato de los municipios.
Esta realidad se agrava con la situación
de crisis económica mundial actual : los
ayuntamientos, otrora receptores de grandes
ingresos generados por el auge de la
construcción, actualmente rayan la bancarrota.
Esta situación ha provocado que muchas
infraestructuras, necesarias debido al aumento
de la población en las urbanizaciones en
expansión, no se han puesto en marcha o, si
se han iniciado, se han quedado en suspenso.
En estos municipios, los servicios básicos como
escuelas, bibliotecas y centros de salud han
colapsado al enfrentarse con el crecimiento
de la población. Esta fragmentación y
especialización del territorio sigue siendo una
fuente de la desigualdad social.
En cuarto lugar, el incremento de las
distancias y la dependencia del vehículo
privado. La falta de equipamientos y servicios
en las urbanizaciones provoca que la práctica
totalidad de sus residentes tengan que salir de
ellas para realizar las actividades cotidianas,
desde comprar el pan hasta ir a la escuela, al
médico, al teatro o a trabajar. La distancia a
los núcleos urbanos y su comunicación por
carretera provoca, al mismo tiempo, que estos
desplazamientos rara vez se puedan hacer
a pie o en bicicleta. En la medida en que el
transporte público es también casi inexistente
e, incluso, inviable, el vehículo privado se
consolida como el medio fundamental de
movilidad. Facilitar la movilidad de estos
residentes es – y sigue siendo – una asignatura
pendiente para las administraciones que,
frente a la actual falta de f inanciación,
posponen este problema.
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013 29
Aparte de los efectos medioambientales
de la dependencia del transporte privado, este
hecho provoca, de nuevo, el establecimiento
de grupos dependientes en té rminos
de movilidad y de acceso a los recursos
básicos que reafirma una nueva forma de
discriminación y exclusión. Las personas que
pueden desarrollarse plenamente en este
entorno son aquéllas que tienen libre acceso al
vehículo privado, lo que relega a una situación
de dependencia a aquellas personas que, por
diversas razones, no pueden acceder a éste:
mayores con poca movilidad o que ya no
están en condiciones para conducir, familias
con pocos recursos que no cuentan con
suficientes vehículos para todos los miembros
del hogar, jóvenes que todavía no tienen
edad para conducir y población que no puede
obtener la licencia por razones económicas o
culturales. Todos estos colectivos dependen de
otras personas para realizar sus actividades
cotidianas. En el mejor de los casos, las
familias adoptan estrategias para paliar esta
realidad incrementando el coste y el tiempo
de desplazamiento y, a menudo, limitando
las actividades posibles. Este hecho plantea
retos importantes para la conciliación familiar
y supone una sobrecarga del trabajo familiar
doméstico. Nuevamente, los colectivos con
menos recursos para contratar servicios y con
una menor flexibilidad laboral son los más
afectados. En el peor de los casos, cuando no
se pueden encontrar soluciones dentro del
núcleo familiar, se convierte en un elemento
de aislamiento, exclusión y vulnerabilidad
social muy acusado.
Debido al uso intensivo del vehículo
privado, vivir en una urbanización genera
mayores niveles de contaminación. Además,
se consume más agua – un bien preciado en la
zona mediterránea, especialmente durante los
meses de verano – que en la ciudad compacta
por la existencia de más zonas ajardinadas
con piscina.
Finalmente, la seguridad como derecho
fundamental no siempre queda garantizado en
las urbanizaciones. Numerosas olas de robos y
agresiones se han producido recientemente en
varias urbanizaciones de la RMB. La distancia
al núcleo principal del municipio, la tipología
de vivienda unifamiliar, las calles inhóspitas y
deshabitadas por falta de servicios y la poca
iluminación hacen a las urbanizaciones y sus
residentes muy vulnerables en términos de
seguridad. La gente mayor o la que vive sola
se encuentra en una situación especialmente
desfavorecida.
En conclusión, el modelo resultante
es desequilibrado y poco sostenible: tiene
costes medioambientales inasumibles,
costes económicos comparat ivamente
elevadísimos y costes sociales que perjudican
a los colectivos más débiles socialmente
y que hacen necesarias nuevas políticas
públicas. Todo ello se plasma, como se ha
visto, a través de la segregación territorial
y social que lleva implícito el modelo de
urbanización dispersa: la monofuncionalidad,
los problemas de acceso a los recursos y la
consiguiente exclusión social que supone, el
alto coste público por la demanda de servicios
públicos e infraestructuras desconcentrados,
la escasa mixtura social y demográfica, la
fragmentación de las relaciones sociales y
de la solidaridad familiar, la inexistencia de
lugares públicos, el déficit de planificación y
escaso control público de las transformaciones
territoriales, la baja identificación con el
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 201330
lugar e incluso la pérdida de conciencia de
lo urbano como un bien público colectivo. En
definitiva, supone la máxima expresión entre
la disociación entre la urbs y la civitas, hecho
que ha llevado a algunos autores a plantearse
esta forma urbana como la muerte de la ciudad
(Choay, 2004). Así pues, lo que se ha establecido
como una ciudad ideal se ha convertido, en
la práctica, en un modelo que ha contribuido
no sólo a consolidar las desigualdades sino,
incluso, a aumentarlas. Poco tiene que ver, pues,
con una realidad viable desde un punto de
vista económico y medioambiental, equitativa
socioeconómicamente y soportable a nivel
social y medioambiental. Se trata de un modelo
definitivamente alejado del objetivo de alcanzar
una sociedad justa, pacífica y equitativa; en
definitiva, sostenible. En este sentido, es más
aplicable que nunca la expresión de José
Manuel Naredo: “puede ser que no sepamos
cómo tiene que ser, pero podemos saber qué no
debe ser” (Naredo, 2004).
Gemma VilàLicenciada en Sociología. Profesora en el Departament de Teoria Sociològica, Filosofia del Dret i Metodologia de les Ciències Socials, Universitat de Barcelona. Barcelona/Cataluña, Españ[email protected]
Jordi Gavaldà
Licenciado en Sociología. Investigador en el Internet Interdisciplinary Institute (IN3), Universitat
Oberta de Catalunya. Barcelona/Cataluña, España.
Notas
(1) Para llevar a cabo estos obje vos, presentamos algunos de los resultados obtenidos en las dos últimas investigaciones desarrolladas: Movilidad, solidaridad familiar y ciudadanía en las regiones metropolitanas y Sostenibilidad social según las formas urbanas: movilidad residencial, espacios de vida y uso del empo en las regiones metropolitanas. Ambas inves gaciones están financiadas por el Ministerio de Ciencia y Tecnología y los Fondos Europeos de Desarrollo Regional – FEDER.
(2) Originalmente el título del informe era Our Common Future, pero pronto se conoció con el nombre de la doctora Gro Harlem Brundtland, que era quien encabezaba la Comisión.
(3) La Carta de Atenas – La Charte d’Athénes –, escrita en el marco del IV Congrès Interna onal d’Architecture Moderne – CIAM – de 1933, se estableció como el nuevo manifi esto urbanís co. Basada en la racionalización de la ciudad, proclamó la zonifi cación espacial en el sustrato de las cuatro funciones urbanas principales: vivienda, trabajo, ocio y transporte.
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
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(4) Emprender relaciones sociales, participar como ciudadano en los asuntos públicos, usar los espacios públicos y tener una iden dad ligada al territorio.
(5) U lizamos la expresión “urbanización” como traducción del término catalán urbanització. Este po de morfología urbana es común en la RMB y se caracteriza por una pología construc va
de baja densidad y elevada especialización funcional con un claro predominio de la función residencial.
(6) Aunque solo nos referimos a los ciudadanos, los agentes urbanos también modificaron sus intereses y estrategias con el empo. Siguiendo a Capel (1975), consideramos agentes urbanos a aquellos que enen el poder de modifi car el territorio a favor de sus intereses. Nos referimos a propietarios del suelo, promotores, constructores, empresas industriales y de servicios y la propia administración.
(7) Los precios de las viviendas prác camente se doblaron entre 1986 y 1995. El mecanismo era el propio de los mercados oligopolís cos con escasa o nula transparencia y con elevadas barreras de entrada. La oferta elevada coexis a con la subida de precios: el valor expectante superaba con creces el monto de los precios.
(8) Sería lógico pensar que el alquiler era la solución, pero este mercado tenía una oferta escasísima. Tampoco las viviendas de segunda mano eran una posibilidad: a diferencia del resto de Europa, sus precios eran casi tan prohibi vos como los de la construcción nueva.
(9) Par t dels Socialistes de Catalunya – PSC –, Esquerra Republicana de Catalunya – ERC – e Inicia va per Catalunya Verds –ICV.
(10) Par do Socialista Obrero Español.
(11) Llei 3/2009, del 10 de març, de regularització i millora d’urbanitzacions amb dèfi cits urbanís cs.
(12) Convergència i Unió – CiU – en Cataluña y Par do Popular – PP – en España.
(13) Presentamos datos primarios de las dos inves gaciones mencionadas en la nota al pie 2. Usamos 1.200 encuestas: 600 se pasaron en 21 urbanizaciones de la RMB – clasifi cadas de acuerdo con sus caracterís cas demográfi cas y socioeconómicas –, y las otras 600, en diferentes áreas de la ciudad de Barcelona. Además, se hicieron 25 entrevistas en profundidad. Las citas presentadas están transcritas literalmente a par r de las intervenciones de los entrevistados, cuyos nombres no se muestran para respetar su anonimato.
Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
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Texto recebido em 12/ago/2012Texto aprovado em 8/out/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
Urbanização, dinâmica migratóriae sustentabilidade no semiáridonordestino: o papel das cidades
no processo de adaptação ambiental*
Urbanization, migratory dynamics and sustainabilityin the Brazilian Semi-Arid Region: the role of the
cities in the environmental adaptation process
Ricardo Ojima
ResumoA problemática ambiental urbana costuma dar
atenção aos centros metropolitanos, deixando às
regiões de emigração tradicionais no Brasil o estig-
ma de áreas rurais estagnadas. Entretanto, a transi-
ção urbana no país já é generalizada e tais regiões
hoje se consolidando como urbanas exercem um
papel decisivo na retenção da população. Do ponto
de vista da sustentabilidade, o crescimento urbano
não deve ser visto como uma questão negativa em
si mesma, pois as transições urbanas refl etem re-
sultados distintos em contextos e momentos distin-
tos. O artigo busca apresentar elementos que pro-
blematizem essa discussão dentro do processo de
urbanização recente do semiárido nordestino apon-
tando as potencialidades e limitações para pensar
a adaptação diante do desastre natural mais recor-
rente na região: as secas.
Palavras-chave: urbanização; migração; adapta-
ção; meio ambiente; sustentabilidade.
AbstractThe urban environment issue usually focuses on metropolitan areas, leaving the traditional regions of emigration in Brazil stigmatized as stagnant rural areas. However, the urban transition in the country is already widespread and such regions, which have been consolidating as urban areas, play a decisive role in the retention of population. From the standpoint of sustainability, urban growth should not be seen as a negative issue in itself, because urban transitions reflect distinct results in different contexts and moments. Therefore, the article aims to introduce elements that problematize this discussion in the context of the recent urbanization of the Brazilian Semi-Arid Region, located in the Northeast of the country, showing the potentials and limitations to think about adaptation regarding the most common natural disaster in the region: droughts.
Keywords: urbanization; migration; adaptation; environment; sustainability.
Ricardo Ojima
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 201336
Introdução
Quando se discute a problemática ambien-
tal urbana no Brasil, surge imediatamente a
imagem de uma grande cidade localizada no
contexto de uma região metropolitana cercada
de poluição, áreas contaminadas, congestio-
namentos, etc. De fato, essa é uma realidade
de praticamente metade da população urbana
brasileira e, por essa razão, justifica-se todo o
investimento e preocupação tanto dos estudos
quanto das políticas públicas específicas. En-
tretanto, poucas vezes nos preocupamos com
as questões ambientais urbanas de algumas
regiões do país, tornando tais “problemas”
muitas vezes invisíveis. Assim, muitas vezes
relegamos a população dessas regiões à polí-
ticas públicas desarticuladas de acordo com as
prioridades setoriais e arriscamos aprofundar
injustiças sociais regionais.
A região nordeste é uma dessas regiões.
Segundo os dados do Censo Demográfico
2010, é morada de 27,8% da população bra-
sileira (53 milhões de pessoas) e é a segunda
região em termos populacionais. Proporção
que pouco se alterou desde o Censo Demo-
gráfico de 1980, quando os 34,8 milhões de
habitantes da região representavam 29,3% do
total do país. É ainda a região brasileira me-
nos urbanizada (73,1%, em 2010), com uma
proporção da população vivendo em áreas
urbanas um pouco menor do que na Região
Norte do país, mas que nos últimos anos tem
se urbanizado rapidamente, trazendo com isso
algumas preocupações.
Mas a análise da Região Nordeste não
pode ser homogênea, pois possui contex-
tos muito distintos, desde econômicos até
ambientais. Do ponto de vista ambiental, foco
central deste artigo, a dinâmica da urbaniza-
ção apresenta situações não apenas distintas,
mas que podem ser consideradas praticamen-
te antagônicas, pois os desastres naturais ora
afetam a população nordestina com eventos
de extrema precipitação pluviométrica (chuvas)
concentradas na porção litorânea, enquanto
recorrentemente na região do Semiárido o prin-
cipal desastre natural está associado às estia-
gens severas e prolongadas. Característica essa
que costuma ser generalizada para toda região
Nordeste no imaginário social.
Quando analisamos a distribuição da
população nordestina a partir do recorte am-
biental, a população residente na região do
Semiárido correspondia a 40% do total da Re-
gião Nordeste no ano de 2010. Fato que não
deve ser considerado irrelevante em termos
de população afetada, pois são cerca de 21,3
milhões de habitantes vivendo em um contexto
ambiental complexo e de extrema fragilidade
social e econômica. Tais fatores teriam moti-
vado a emigração de grandes contingentes
populacionais ao longo dos últimos 50 anos;
entretanto, poucas vezes tais fatores puderam
ser devidamente comprovados, pois a existên-
cia de fatores de atração migratória na região
Sudeste do país sempre tornavam complexa a
análise dos fatores de expulsão da população
dessas regiões do Semiárido.
Nesse sentido, o objetivo deste arti-
go é analisar o processo de transição urbana
(passagem de uma população predominan-
temente urbana) da Região Nordeste a partir
deste recorte ambiental de modo comparativo
para melhor compreender a relação dinâmica
dos fatores ambientais com aspectos migra-
tórios, especialmente os fluxos rural-urbano.
Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013 37
Com isso, pretende-se argumentar a respeito
do potencial positivo que as cidades exercem
no sentido de favorecer a capacidade adap-
tativa dos habitantes da Região Nordeste e
especificamente no Semiárido. Inicialmente,
será desenvolvido um panorama dos fluxos
migratórios recentes privilegiando o processo
de urbanização; em um segundo momento, a
partir das características sociodemográficas da
população e das cidades, levantaremos hipóte-
ses sobre o processo de adaptação aos fatores
ambientais na região do Semiárido. Por fim,
avaliaremos esse papel e a capacidade das ci-
dades diante dos cenários de agravamento das
condições ambientais.
Migração e urbanização nordestina
A Região Nordeste tradicionalmente é carac-
terizada como o principal centro expulsor da
população brasileira. As explicações para essa
condição são variadas e vão desde os fatores
ambientais (estiagens, desertificação, etc.) até
os baixos indicadores de desenvolvimento eco-
nômico como mortalidade infantil, esperança
de vida, dinamismo econômico, entre outros
(Ab’Saber, 1999; Martine, 1994; Camarano,
1997; Oliveira, 2008; Diniz, 1988; Santos e
Moura, 1990; Santos, Moreira e Moura, 1990;
Teixeira, 1998; Ribeiro e Barbosa, 2006; Fusco;
Duarte, 2010). Essa dinâmica das migrações
nordestinas teve impacto no processo de urba-
nização da região, mas trata-se de um aspec-
to inserido em um contexto mais amplo: uma
transição urbana. Essa associação é que desen-
volveremos brevemente.
A transição urbana tradicionalmente tem
sido tratada como o ponto de inflexão no qual
a população passa a ser predominantemente
urbana. Entretanto, essa definição baseada nos
dados empíricos não deve ser a única e reduzir
o debate a números. A urbanização da popula-
ção não se restringe a seu aspecto formal de
localização, mas principalmente deve ser enten-
dido em seu contexto sociocultural, no qual o
modo de vida urbano passa a ser mais abran-
gente do que a mera descrição formal de uma
localidade urbana (UNFPA, 2007; Ojima, 2006;
Martine et al., 2008; Silva e Monte-Mor, 2010).
Entre outros argumentos, a definição do que é
urbano varia entre os diversos países do mundo,
portanto, a estimativa de que vivemos em uma
sociedade predominantemente urbana pode ser
motivo de controvérsias metodológicas.1
Trata-se de uma abordagem promissora
no sentido de incorporar uma reflexão crítica
e substantiva sobre o potencial positivo do fe-
nômeno urbano, sobretudo pela incorporação
da dimensão demográfica isenta de seu viés
catastrofista e malthusiano sobre a explosão
demográfica e da simplificação do debate
acerca das mazelas urbanas baseadas na mar-
ginalização do migrante nas grandes cidades.
Assim, uma teoria da transição urbana poderia
incluir um aspecto prospectivo aos desafios fu-
turos (sociais, políticos, econômicos e ambien-
tais) pelos quais passarão algumas regiões do
mundo (África e Ásia) onde a população passa
tardiamente a viver concentrada em cidades
(MacGranahan et al., 2009; Silva e Monte-Mor,
2010). A experiência brasileira de transição
urbana precoce pode, portanto, ser de grande
valia se for bem compreendida em seus mais
amplos aspectos até os dias contemporâneos
(Martine e Ojima, 2013).
Ricardo Ojima
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 201338
Sendo assim, considerando que a con-
centração da população em grandes municí-
pios na Região Nordeste é muito mais lenta
do que no conjunto do país como um todo,
como poderíamos pensar na relação migra-
ção rural-urbana e os dilemas da sustenta-
bilidade urbana? Como apontado por Ojima
e Marandola Jr. (2012), são inúmeros os ar-
gumentos para rotular as grandes cidades
como ponto de tensão na busca pela susten-
tabilidade urbana. Entretanto, seriam nos
menores municípios do Brasil que as con-
dições de enfrentamento e adaptação aos
fatores ambientais associados, por exemplo,
ao saneamento básico, planejamento urba-
no e infraestrutura de serviços, apresentam
maiores desafios.
Mas a migração não é o único nem o
principal responsável pelo crescimento po-
pulacional nas cidades. Um exercício de
análise a partir das taxas de crescimento da
população urbana e da taxa de evolução do
grau de urbanização elaborado por Tacoli,
McGranahan e Satterthwaite (2008) mostra
que, na média mundial, a contribuição da
migração rural-urbana para o crescimento
das cidades é de 40%, e no caso da América
Latina, entre 1975 e 2000, essa contribuição
foi de cerca de 30%. Realizando a mesma
análise para o Brasil, considerando as gran-
des regiões, a contribuição da migração para
o crescimento urbano do Nordeste teria sido
algo em torno de 46% entre 1970 e 2010.
Um dos aspectos dos fluxos migratórios
nordestinos é o processo de concentração da
população em algumas localidades, mas que
se comparado com o país é bem menos pola-
rizado. Podemos ver a partir da Tabela 1 que
a Região Nordeste ainda concentra sua popu-
lação em municípios de menor porte popula-
cional. Quase 40% da população residia em
municípios com mais de 100 mil habitantes,
enquanto que no Brasil como um todo essa
proporção é praticamente invertida, com 55%
nos municípios maiores. Essa informação adi-
cionada ao aumento no grau de urbanização
da Região Nordeste nos leva ao fato de que,
se há 50 anos atrás o Nordeste abrigava sua
população em pequenos municípios rurais,
hoje ele ainda tem grande parte de sua po-
pulação em municípios pequenos, mas agora
com uma população urbana.
Tabela 1 – Distibuição da população no Nordestesegundo classes de tamanho da população nos municípios, 1950-2010
Classes de tamanho da população
1950 1960 1970 1980 1991 20002010(NE)
2010(BR)
Até 5.000De 5.001 a 10.000De 10.001 a 20.000De 20.001 a 50.000De 50.001 a 100.000Mais de 100.000
0,092,56
14,0452,7616,3614,18
1,225,88
18,0543,3111,5819,96
2,289,01
22,6032,9711,7321,41
1,566,97
17,7031,0312,9729,77
1,065,52
17,7527,8814,6733,11
1,976,06
17,6724,5013,4336,36
1,664,87
15,8123,6914,0539,92
2,294,48
10,3516,4311,7054,75
Fonte: IBGE, Censos Demográfi cos 1950 a 2010.
Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013 39
Uma análise do grau de urbanização
por classes de tamanho do município con-
firma essa hipótese, pois podemos verificar
que nos municípios nordestinos maiores,
com mais de 100 mil habitantes, a popula-
ção já era predominantemente urbana des-
de a década de 1970, pelo menos. Assim,
mesmo com uma distribuição relativa de
pequenos municípios equivalente com ou-
tras regiões, o processo de transição urba-
na é relativamente atrasado em relação ao
país, pois para o Brasil como um todo os
municípios menores já atingiam a marca de
50% de sua população urbana em meados
de 1991, enquanto na Região Nordeste isso
ocorre apenas no Censo 2010, como pode-
mos ver na Figura 1.
Nesse aspecto, a transição urbana bra-
sileira, embora possa ser entendida como
avançada, ainda é distribuida de maneira
desigual. Considerando então essa etapa co-
mo uma segunda transição urbana, momen-
to em que há acomodação da população nas
áreas já urbanizadas e os fluxos migratórios
passam a ser predominantemente urbano-
-urbano, ainda há elementos importantes a
serem analisados para pensar o ciclo com-
pleto dessa transição precoce brasileira.
Figura 1 – Grau de urbanização por classes de tamanho de populaçãonos municípios, Nordeste, 1970 a 2010
Fonte: IBGE, Censos Demográfi cos 1970 a 2010.
Até 5.000 De 10.001 a 20.000De 5.001 a 10.000
De 20.001 a 50.000 De 50.001 a 100.000 Mais de 100.000
100
30
40
50
60
70
80
90
201970 200019911980 2010
Ricardo Ojima
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 201340
Do total de pessoas que emigraram das
áreas rurais nordestinas na década de 1970,
segundo os dados do Censo 1980, 66% foram
residir em áreas urbanas da própria região nor-
deste. Ilustrando-se, então, a hipótese de migra-
ções por etapas (Martine, 1980; Harris; Todaro,
1970; Sjaastad, 1962) nas quais o migrante de
origem rural passaria por estágios intermediá-
rios de modernização através de localidades
urbanas menores para migrar novamente para
regiões mais distantes e mais dinâmicas em um
segundo momento. Conforme esses mesmos
dados, do total dessas pessoas que migraram
de áreas rurais do Nordeste para áreas urbanas
na mesma região, um pouco mais da metade
delas se dirigiu para os municípios de mais de
100 mil habitantes (55%).
A dinâmica migratória da Região Nordeste
desempenha, portanto, um papel fundamental
no processo de urbanização, mas algumas das
características mais marcantes desse grande
contingente de pessoas em movimento pelo
país têm apresentado mudanças importantes
nos últimos anos. Uma dessas mudanças é a
direção predominante desses fluxos. Por um
lado, os fluxos de emigração nas Unidades da
Federação (UF) nordestinas se mantêm majo-
ritariamente interregionais, ou seja, a maior
parte das pessoas emigram para estados fora
da Região Nordeste. Mas por outro, é impor-
tante perceber que, entre os imigrantes, os
últimos anos marcaram uma inflexão, pois, se
na década de 1970 poucos dos que chegavam
à Região Nordeste eram de outras regiões do
país, nos anos mais recentes já são a maior
parte dos imigrantes, superando inclusive o
volume das migrações entre os estados da pró-
pria Região Nordeste.
Figura 2 – Percentual de imigrantes interregionais, 1970 a 2010
Fonte: IBGE, Censos Demográfi cos 1970, 1991, 2000 e 2010.
1970-1980 1990-2000 2000-20101981-1991
imigrantes interregionais
100%
90%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
10%
20%
0%
Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013 41
Embora o Nordeste ainda apresente sal-
dos migratórios negativos nas trocas com as
UFs de outras regiões do país e ainda seja a
região brasileira menos urbanizada, novas di-
nâmicas migratórias e urbanas parecem surgir.
Com uma população mais urbana, mesmo em
municípios de menor porte, novas possibili-
dades de atração e, principalmente, retenção
da população potencialmente surgem. Não
estamos aqui nos referindo apenas aos polos
de desenvolvimento mais evidentes como Pe-
trolina/Jauzeiro ou Caruaru, entre outros; mas
principalmente dos pequenos e médios muni-
cípios, agora mais urbanizados e que, com um
conjunto de políticas sociais não específicas
para o enfrentamento da estiagem (Araujo,
2012), aparentemente sentiram mais efeitos
positivos do que as políticas de combate às se-
cas de outrora.
Com esse breve percurso da relação en-
tre migrações e urbanização no Nordeste, po-
demos concluir que, a despeito da pouca aten-
ção dada à relação urbanização e ambiente
nessa região, a sustentabilidade urbana nesse
contexto se torna um elemento central a ser
melhor analisado. Enquanto se fala em grandes
projetos de reuso de água, fontes de energia
limpa, redução de emissões de gases de efeito
estufa, temos cerca de 39 milhões de pessoas
vivendo em áreas urbanas de uma região que,
se não por completo (como veremos no item a
seguir), ainda carecem de políticas públicas de
acesso a saneamento básico e precisam enfren-
tar estiagens regulares com poucos recursos.
Vidas secas e urbanas
A literatura tem apontado que, diante dos
cenários de mudanças climáticas globais, im-
portantes mudanças nos fluxos migratórios
poderiam ocorrer, contribuindo para reiterar
processos e intensificar os fluxos migratórios
de regiões tradicionalmente expulsoras da po-
pulação para as grandes cidades (Bates, 2002;
Adamo, 2001; Myers, 1993; 1997; Barbieri et
al., 2010; Barbieri, 2011). Mas, embora a re-
lação entre estiagens e emigrações na Região
Nordeste do Brasil seja praticamente um con-
senso, há ainda lacunas de análise que deixam
margem para desarcordos nessa associação
(Martine, 1980; Hogan, 2005). Assim, vale a pe-
na problematizar uma leitura que não seja me-
tropolecentrada – onde se analizam os fluxos
migratórios a partir da perspectiva das regiões
metropolitanas –, mas através de uma análi-
se da dinâmica demográfica a partir de suas
regiões de origem: o Nordeste seco.
Segundo o banco de dados do Internatio-
nal Disaster Database (EM-Dat), no Brasil o de-
sastre natural com o maior número de pessoas
atingidas são as estiagens. E, embora não se
constitua como o principal desastre em termos
de vítimas fatais, é aquele que historicamente
atinge o maior número de pessoas, comprome-
tendo as atividades econômicas e a qualidade
de vida. Claro que entender e avançar sobre a
vulnerabilidade das grandes cidades é funda-
mental, afinal, as consequências econômicas e
sociais nesses contextos atingem diretamente e
Ricardo Ojima
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 201342
indiretamente muito mais pessoas. Mas a des-
peito do volume relativamente maior de atingi-
dos nas grandes cidades, as consequências das
secas prolongadas em municípios pequenos
podem ser devastadoras (Ojima e Marandola
Jr., 2012; Ojima e Martine, 2012).
Mas, antes de mais nada, para que uma
leitura do que poderiamos chamar de “demo-
grafia da seca” seja realizada de maneira ade-
quada é preciso fazer um recorte espacial que
vai além da mera arbitrariedade do recorte das
grandes regiões brasileiras. Como discutir uma
região tão extensa quanto o Nordeste sem se
valer de um recorte intimamente vinculado aos
aspectos ambientais, mas que também seja
político? Ojima (2012) realiza uma análise pre-
liminar do perfil demográfico nordestino con-
siderando um recorte ambiental-climático-po-
lítico utilizando a definição oficial definida pelo
governo federal dos municípios que compõem
o Semiárido nordestino.2 A partir desse recorte
seria possível distinguir os municípios nordesti-
nos entre aqueles que são atingidos diretamen-
te pelas estiagens e aqueles que enfrentam de-
safios de sustentabilidade urbana semelhantes
àqueles de outras regiões metropolitanas bra-
sileiras na região da Zona da Mata, no litoral
oriental nordestino.
A definição dos municípios que compõem
o Semiárido foi estabelecida pelo Ministério
da Integração Nacional em 2005 ampliando
a relação de municípios anterior de 1.031 pa-
ra 1.133. Abrangendo inclusive 85 municípios
da região norte de Minas Gerais.3 Os critérios
utilizados para a inclusão dos municípios nessa
listagem partiram de um conjunto de estudos
desenvolvidos no âmbito deste Ministério e –
com base em cinco propostas apresentadas –
além de incluir os municípios com precipitações
médias anuais iguais ou inferiores a 800 mm,
também passariam a ser incluídos aqueles que
apresentassem índice de aridez de até 0,504 e
risco de seca superior a 60%5 (Pereira, 2007).
A delimitação, portanto, além de contar com le-
gislação específica que confere a esses municí-
pios acesso a recursos financeiros para o com-
bate às secas, tem uma delimitação claramente
ambiental por contar com critérios técnicos e
não apenas políticos.
Para Furtado (1959), a densidade demo-
gráfica dessa região seria incompatível com
uma economia competitiva e assim seriam
necessárias políticas de incentivo que mobili-
zaram importantes contingentes populacionais
em fluxos migratórios de modo a polarizar o
desenvolvimento econômico em torno de al-
gumas localidades específicas. Mas, mesmo
assim, Ab’Saber (1999) salienta que de todas
as regiões com tais características no mundo,
o Semiárido nordestino seria uma das mais
povoa da de todas. A exploração da seca como
elemento constituinte da miséria, desigualda-
de e pobreza na Região Nordeste já foi alvo
de importantes discussões teóricas (Ab’Saber,
1999; Araújo, 1997; Castro, 2001; Furtado,
1959; 1974; 1981) e, consequentemente, pa-
rece ter sido suficiente para explicar o êxodo
maciço de contingentes da população para os
grandes centros urbanos, especialmente para
o Sudeste. Sendo, para muitos, justificativa
ainda das mazelas ambientais urbanas das
grandes metrópoles.
Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013 43
Mas se na década de 1970 a taxa de
crescimento da população nordestina era re-
lativamente alta (2,6% ao ano), apesar do
saldo migratório negativo nas trocas com ou-
tras regiões do país, podemos explicar o des-
compasso entre as taxas de crescimento do
Semiárido em relação ao resto do Nordeste
pelas migrações intrarregionais que eram pre-
dominantes até a década de 1980. Hoje, ao
contrário do que ocorria há algumas décadas, o
ritmo de crescimento populacional não é mais
tão desigual do que as taxas de crescimento
dos municípios de fora do Semiárido. A Figura 3
mostra que não apenas as taxas de crescimen-
to estão em ritmo declinante, mas também que
o ritmo de crescimento tende a convergir para
valores muito próximos nas duas subáreas nos
anos futuros.
Além disso, apesar da média do cres-
cimento para toda a região do Semiárido ser
relativamente baixa no período 2000-2010
(abaixo de 1% ao ano), em alguns municípios
as taxas de crescimento da população urbana
(Figura 4) são muito elevadas, apresentando
taxas maiores do que 4% ao ano. Essa con-
centração da população em áreas urbanas tem
duas leituras importantes no que se refere aos
desafios para a sustentabilidade. A primeira
delas diz respeito ao enfrentamento das con-
dições ambientais adversas, pois em áreas ur-
banizadas há um maior potencial para oferecer
serviços como educação, saúde e saneamento
Figura 3 – Volume e taxa de crescimento da população,Nordeste (exclusive semiárido) e Semiárido entre 1970 e 2010
Fonte: IBGE, Censos Demográfi cos 1970 a 2010.
1970 2010200019911980
Semi-árido resto do Nordeste
35
milh
ões
de h
abita
ntes
0
5
10
15
20
25
30
Ricardo Ojima
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 201344
básico para a população, sobretudo devido
aos ganhos de economia de escala (Martine
et al., 2008). Nesse sentido, a urbanização
da população nos municípios do Semiárido
poderia proporcionar avanços significativos
na qualidade de vida e nas possibilidades de
enfrentar os desafios da estiagem. Por outro
lado, a concentração urbana em municípios
de pequeno porte populacional traz desafios
em termos da capacidade orçamentária e de
infraestrutura, pois esses municípios apresen-
tam, em grande maioria, uma grande depen-
dência econômica de transferências de recur-
sos federais e estaduais.
Há um relativo desacordo em relação aos
motivos dessa concentração urbana nos muni-
cípios do Semiárido. Assim, apesar de um rela-
tivo consenso em torno da crise do complexo
pecuária-algodão-policultura de alimentos co-
mo um dos principais fatores explicativos para
o êxodo rural da região (Araujo, 2012; Carva-
lho; Egler, 2003), outros fatores merecem uma
análise mais detalhada. Uma parte importante
dos fluxos migratórios para áreas urbanas no
Semiárido está relacionada, por exemplo, à
migração de retorno. Migrantes que outrora
foram em busca de oportunidades econômicas
em grandes cidades, especialmente no Sudes-
te do país, têm retornado para suas regiões de
origem, embora majoritariamente com destino
em áreas urbanas.
Outro aspecto recente que ainda não
pôde ser confirmado é o impacto que as polí-
ticas de transferência de renda, iniciadas pela
criação da previdência rural e culminando no
Bolsa Família, tiveram nesse processo. Ou seja,
a dinamização de um mercado consumidor ur-
bano local, embora em pequena escala, através
dos programas de transferência de renda, tem
sido apontada como elemento importante na
manutenção de parte da população na região
(Araujo, 2012). Nesse sentido, reduz-se o ím-
peto dos fluxos migratórios de longa distância,
mas mantém-se uma tendência de uma mobili-
dade para áreas urbanas próximas.
Em paralelo, restam ainda elementos
controversos em relação ao processo de urba-
nização e o impacto ambiental, especialmen-
te sobre o conflito no uso da água, pois para
Carvalho e Egler (2003), a urbanização no Se-
miárido causaria um aumento no consumo e
demanda de água, o que agravaria a situação
de escassez. Entretanto, o principal setor con-
sumidor de água no Brasil é a agricultura (Car-
mo et al., 2007), com uma participação média
de mais de 60% de todo o consumo de água
do país. Como a participação do consumo do-
méstico é de apenas 10%, podemos supor que
a vida nas cidades, ao contrário, otimizaria o
uso de água, principalmente se considerarmos
o uso de técnicas de irrigação pouco eficazes
em uma região de elevada evapotranspiração.
Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013 45
Figura 4 – Região do Semiárido na Região Nordeste e taxa de crescimentoda população urbana entre 2000 e 2010
Fonte: IBGE, Censos Demográfi cos 2000 e 2010.
Ricardo Ojima
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 201346
Portanto, ao contrário do que encontra-
mos nas grandes cidades e regiões metropo-
litanas, a concentração de pessoas em áreas
urbanas de municípios atingidos pela seca
poderia significar uma menor vulnerabilida-
de diante dos fatores ambientais extremos.
Isso ocorre devido ao fato de que quando a
população está concentrada nas áreas urba-
nas a possibilidade de oferecer serviços pú-
blicos e otimizar o uso de recursos se torna
mais viável, tanto do ponto de vista de ações
emergenciais para o enfrentamento das secas,
como a distribuição de água potável em car-
ros-pipa, mas também para investimentos de
médio e longo prazo. O principal argumento
é que parte significativa da literatura sobre o
Semiárido associa a emigração das áreas ru-
rais apenas em direção aos grandes centros
metropolitanos e dessa maneira tratam es-
se processo como um aspecto negativo que
reproduz a pobreza e, portanto, os desafios
ambientais no local de destino.
Mas se observarmos a Figura 5, pode-
mos confirmar que há uma associação positi-
va entre o grau de urbanização e a oferta de
atendimento de domicílios com rede geral de
abastecimento de água. Tal associação é mais
evidente para o ano de 1991, quando ainda
grande parte dos municípios do Semiárido era
pouco urbanizada, e 68% dos municípios apre-
sentavam baixo grau de urbanização e baixa
proporção de domicílios com rede geral de
abastecimento de água, simultaneamente. Esse
cenário muda completamente em 2010, quan-
do a maior parte dos municípios passa a ter
predominância de pessoas vivendo em áreas
urbanas. Nesse aspecto, confirma-se a hipótese
mencionada por Martine et al (2008) de que as
transições urbanas ocorrem de maneira distinta
em cada região.
Figura 5 – Percentual da população urbana versus percentual de domicílioscom rede geral de abastecimento de água por município
do Semiárido nordestino, 1991 e 2010
Fonte: IBGE, Censos Demográfi cos 1991 e 2010.
% domicílios com rede geral de abastecimento de água % domicílios com rede geral de abastecimento de água
% p
opul
ação
urb
ana
% p
opul
ação
urb
ana
Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013 47
A análise elaborada pelos autores se
refere ao processo global de transição urba-
na, mas pode ser considerada aqui em um
contexto social e econômico distinto, pois o
argumento central é válido: os grandes fluxos
rural-urbano para grandes cidades não devem
se repetir no Brasil do presente devido às im-
portantes mudanças tecnológicas e culturais
nos quais o modo de vida urbano se expan-
de para além das metrópoles (Monte-Mor,
2006; Hogan, Marandola Jr. e Ojima, 2010;
Baeninger, 2008).
Enfim, é impossível discutir a sustentabi-
lidade das cidades sem considerar essa parcela
significativa da população brasileira, exposta a
vulnerabilidades crônicas e que reiteradamente
compromentem todo um sistema social. Enten-
der a sustentabilidade, portanto, é entender a
vulnerabilidade e suas múltiplas dimensões
sociais (Ojima e Marandola Jr., 2012; Maran-
dola Jr. e Hogan, 2006; Marandola Jr., 2009). O
mundo urbano é inevitável, pois as tendências
históricas indicam que a população mundial
desde 2008 é predominantemente urbana e
não há previsões de uma reversão nessas ten-
dências (UNFPA, 2007). Portanto, impedir que
as pessoas continuem a migrar para as áreas
urbanas é tão improdutivo quanto inócuo. Isso
não significa dizer que não há que se ter espa-
ço e incentivo para a agricultura, especialmen-
te a de subsistência, mas trata-se aqui de evitar
abordagens que dicotomizem as ações políti-
cas em torno de uma ou outra opção.
Há uma situação de simbiose urbano-
-rural saudável e que pode se tornar mais efeti-
va se adequadamente gerenciada. Identificada
por D’Antona e VanWey (2009) em algumas
regiões amazônicas, trata-se de uma questão
central na estratégia de busca de serviços e
infraestrutura, valendo-se ainda de respostas
multifásicas como a migração de membros
do domicílio para áreas urbanas e integrando
atividades agrícolas e não-agrícolas (VanWey,
Guedes e D’Antona, 2008). Essa estratégia de
complementariedade de uma lógica urbana-
-agrícola é uma das características da urbani-
zação extensiva também explorada por Monte-
-Mor (2006) e acena para um novo aspecto
social que extrapola a tradicional dicotomia
rural-agrícola e urbano-industrial. Assim, a ur-
banização do Semiárido nordestino poderia
seguir a mesma tendência de complementari-
dade já identificada na Amazônia, mas devido
aos aspectos sociais e políticos intervenientes,
merecem uma investigação específica.
Nesse sentido, a urbanização do Se-
miárido contemporâneo não proporcionaria
movimentos migratórios nos moldes do desen-
volvimento industrial do Sudeste de outrora,
pois nem mesmo nessa região essa relação
se sustentaria diante de uma nova lógica da
produção industrial flexível (Harvey, 1992;
Baeninger, 2008). As mudanças no mercado
de trabalho, fluxos econômicos e conjuntura
de infraestrura do país trouxe consigo transfor-
mações estruturais que demandam uma adap-
tação para a realidade política e institucional
do Semiárido, pois se considerarmos o desen-
volvimento urbano tardio da região a partir da
mesma lógica de produção fordista, corremos
o risco de reproduzir equívocos na forma de
planejar (ou não planejar) essa urbanização,
mas, nesse caso, com consequências negativas
maiores ainda devido à sobreposição de dile-
mas sociais seculares, especialmente, a pobre-
za da região (Arruda, 2011).
Ricardo Ojima
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 201348
A cidade como espaço de adaptação
Poucas vezes pensamos na sustentabilidade
urbana como aquela que garante a manuten-
ção da qualidade de vida da população, talvez
por essa perspectiva pouco se diferenciar dos
problemas já existentes (Hogan, 1995; Ojima
e Marandola Jr., 2012). Portanto, pensar no
agravamento da intensidade e frequência da
estiagem na Região Nordeste imediatamente
nos leva a pensar no agravamento dos confli-
tos ambientais nas principais metrópoles do
Brasil decorrentes de novas ondas de migran-
tes, refugiados das secas. Assim, considerando
as mudanças significativas dos principais fluxos
migratórios, sobretudo os de origem rural-ur-
bana e de longa distância (Oliveira e Oliveira,
2011), identificadas desde a década de 1990
(Baeninger, 2000; 2008; Brito, 2009; Martine,
1994), uma nova abordagem para as políti-
cas públicas poderiam ampliar o potencial de
adaptação aos fatores ambientais nas cidades
do Semiárido.
A perspectiva de análise dos fluxos mi-
gratórios adotada por Lee (1966) coloca a ên-
fase sobre a decisão individual de migrar como
um cálculo racional ou semirracional que passa
por fatores associados ao local de origem ou
do destino. Assim, em uma situação de ausên-
cia de obstáculos intervenientes, os indivíduos
seriam livres para decidir as melhores alternati-
vas para o seu bem-estar e, consequentemente,
o equilíbrio social e econômico seria atingido
mais facilmente. Portanto, a complexidade de
análises a partir de fatores externos na decisão
individual de migrar como as características do
ambiente (locais de origem e destino), redes
sociais, adaptação, entre outros, seriam fatores
relevantes para entender a migração recente
no Semiárido.
A maior parte dos municípios do Semi-
árido apresenta saldos migratórios negativos,
mas, apesar disso, em alguns municípios o
impacto dos saldos positivos é significativo.
Assim, mesmo nas localidades com volumes
modestos, como o contingente populacional
no município de destino é pequeno, a migração
causa maior impacto. Isso nos abre pelo menos
uma questão importante no que se refere aos
fluxos migratórios e o crescimento populacio-
nal nos municípios do Semiárido: os pequenos
municípios, com maiores taxas de migração lí-
quida, possuem infraestrutura e capacidade pa-
ra absorver com bons indicadores de qualidade
de vida os migrantes?
A população que reside nesses municípios
do Semiárido nordestino e aqueles que chegam
deverão sofrer com os impactos das mudanças
climáticas proporcionados, em grande parte, pe-
lo padrão de consumo das grandes cidades do
Sudeste e Sul do país. Os efeitos do processo
de desertificação podem agravar os impactos
já injustos em termos ambientais para o que
a literatura tem chamado de justiça climática.
Segundo Acselrad et al. (2009), a distribuição
desigual da responsabilidade do consumo de
recursos naturais tende a desbalancear os riscos
ambientais entre grupos sociais. Mas a seca não
é um problema novo, pois a população já con-
vive com ela. Cabe ao poder público levar em
conta as especificidades da urbanização dessa
região para propor políticas que viabilizem a re-
dução de injustiças socioambientais.
Assim, embora o crescimento urbano não
seja em si mesmo o problema a ser enfrentado,
necessitamos um olhar atento para não deixar
Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013 49
que se reproduzam formas de expansão urbana
excludentes em contextos de maior vulnerabili-
dade ambiental e social como é o caso do Se-
miárido nordestino. Ou seja, se os indicadores
sociais, sobretudo de acesso a serviços básicos
como abastecimento de água, saneamento,
educação, saúde, são melhores nas áreas ur-
banas, esse potencial positivo da urbanização
precisa estar de acordo com o potencial impac-
to dos saldos migratórios sobre a população lo-
cal, pois precisamos estar atentos à capacidade
de gestão e planejamento dos municípios.
De acordo com os dados da Pesquisa de
Informações Básicas Municipais (IBGE, 2010),
73% dos municípios do Semiárido nordestinos
não possuíam plano diretor e, desses, apenas
27% estavam em processo de elaboração em
2009. Vale destacar ainda que, dentre aque-
les municípios com taxas de migração líquida
acima de 10% no período 2000-2010 (30 mu-
nicípios), 19 deles não tinham plano diretor.
Além disso, apenas 64% dos municípios do Se-
miárido possuem Conselho Municipal de Meio
Ambiente. Enfim, o engajamento das instâncias
locais de poder são fundamentais para que
as políticas de adaptação sejam levadas a ca-
bo pelas localidades afetadas (Moser e Luers,
2008). Afinal, é extremamente necessário que
haja capacidade institucional de planejar o
crescimento e o desenvolvimento urbano nos
pequenos e médios municípios do Semiárido
para que os aspectos ambientais não sejam
novamente deixados em segundo plano e se
tornando um problema futuro.
Como já é consenso para diversos au-
tores, a busca pela sustentabilidade e a adap-
tação às mudanças ambientais não deve ser
entendida apenas pela dimensão geofísica,
pois as questões ambientais se fundamentam
sobretudo nos aspectos sociais que poderão
alterar ou proteger os modos de vida da popu-
lação (Buttel et al., 2002; Giddens, 2010; Ojima,
2009; 2011). As medidas de adaptação devem
ser, portanto, ações pró-ativas que antecipem
os desafios a serem enfrentados, pois só assim
poderão ser respeitados os interesses da justiça
socioambiental.
As cidades são os espaços privilegiados
dessas transformações, pois nelas é que pode-
remos encontrar as melhores condições para
dar acesso aos serviços sociais e de cidadania
que garantam a negociação política. Construir
cidades resilientes passará pela compreensão
das especificidades de cada contexto e, do pon-
to de vista do papel das mudanças demográfi-
cas nas cidades, é necessário entender como as
tendências da mobilidade espacial, do processo
de envelhecimento, dos arranjos domiciliares,
etc., contribuem ou não para este desafio que
só tende a se tornar mais complexo.
Enfim, o desenvolvimento deve ser sus-
tentável para todos, em quaisquer contextos
urbanos. Não podemos reiterar injustiças so-
ciais seculares sob a forma de preocupações de
desenvolvimento regional a partir das premis-
sas estigmatizadas na sociedade. Assim, enten-
der detalhadamente a dinâmica demográfica
e, sobretudo, migratória e urbana da região
do Semiárido nordestino nos permite refletir
sobre a sustentabilidade de um urbano pouco
lembrado, mas que corresponde a mais de 35
milhões de pessoas. Onde os desafios da sus-
tentabilidade passam longe do discurso hege-
mônico de economia verde para o crescimento
sustentado, mas que se não forem planejados
da maneira adequada pagarão a conta, sem ao
menos terem sido convidados a se sentar à me-
sa para o almoço.
Ricardo Ojima
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 201350
Notas
(*) Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do projeto “Urbanização, condições de vida e mobilidade espacial da população no contexto dos biomas nordes nos: repensando as heterogeneidades intra-regionais” (Edital MCTI/CNPq/MEC/CAPES n. 18/2012 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, processo: 403853/2012-5). Observatório das Migrações Nordes nas (UFRN/Fundaj).
(1) No caso brasileiro, a defi nição de área urbana é dada por lei municipal específi ca que defi ne o perímetro urbano. Os dados ofi ciais publicados pelo IBGE respeitam o critério ofi cial defi nido por cada município, sendo que toda sede de município deve ser considerada parte de uma área urbana.
(2) Portaria nº 89 do Ministério da Integração Nacional, de 16 de março de 2005.
(3) Para fi ns deste estudo, não serão considerados os municípios mineiros, pois o recorte é específi co para a Região Nordeste do país.
(4) O grau de aridez de uma região depende da quantidade de água advinda da chuva (P) e da perda máxima possível de água através da evaporação e transpiração, ou a Evapotranspiração Potencial (ETP).
(5) Apresentou defi ct hídrico diário em mais de 60% do período de 1970 a 1990.
Ricardo OjimaSociólogo e Doutor em Demografia, professor adjunto da do Centro de Ciências Exatas e da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal/RN, [email protected]
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A evolução urbana de Belém:trajetória de ambiguidadese confl itos socioambientais
The urban evolution of the city of Belém: a trajectoryof ambiguities and socio-environmental confl icts
Ana Cláudia Duarte CardosoRaul da Silva Ventura Neto
ResumoComo compreensão sobre o conceito de susten-
tabilidade urbana evolui no Brasil, as práticas de
mercado referentes ao uso e ocupação da terra e
expansão urbana introduzem em Belém situações
insustentáveis para o contexto amazônico. Até
a integração econômica e logística da região ao
restante do país, predominavam relacionamentos
entre população e território que hoje seriam con-
siderados sustentáveis. Contudo na escala metro-
politana, a falta de políticas para o atendimento
das demandas sociais geraram situações de am-
biguidade, em que ecossistemas de várzea foram
ocupados, e após décadas tornaram-se espaços de
resistência, de trabalhadores e nativos da região,
aos novos processos de expansão urbana conduzi-
dos pelo setor imobiliário, pautados pela fragmen-
tação, espraiamento e transformação das orlas dos
rios em espaços de consumo.
Palavras-chave: sustentabilidade urbana; Belém;
Amazônia; Baixadas; setor imobiliário.
AbstractWhile the understanding about the meaning of urban sustainability evolves in Brazil, market practices related to land use and occupation, as well as urban expansion, have introduced in the city of Belém unsustainable circumstances from the perspective of the Amazonian context. Before the economic and logistic integration of that region into the country, sustainable relationships between people and territory were prevailing. However, at the metropolitan scale, the lack of policies to meet social demands have generated ambiguous situations, in which fl ood plain ecosystems have been occupied, and after decades have become spaces of resistance for workers and natives, against the new urban expansion processes led by the real estate market, which are guided by fragmentation, sprawl, and transformation of river margins into consumption spaces.
Keywords: urban sustainability; Belém; Amazon; fl ood plains; real estate.
Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 201356
Discussão sobre sustentabilidade: trajetória do debate sobre o meio ambiente urbano
A partir do final da década de 60, nos países
desenvolvidos, a crescente preocupação da opi-
nião pública acerca das implicações ambientais
das atividades humanas sobre o meio ambien-
te contribuiu para consolidar a discussão a res-
peito da necessidade de se incorporar elemen-
tos de sustentabilidade ao desenvolvimento
econômico. Daquele momento em diante, pas-
saram a ser confrontadas duas trajetórias dia-
metralmente opostas e naturalmente conflitan-
tes: o desenvolvimento econômico, entendido
como o uso indiscriminado de recursos naturais
e a consequente geração de resíduos; e o meio
ambiente, sob a perspectiva da existência de
recursos naturais limitados, e da capacidade de
a natureza absorver, reduzir ou tornar inofensi-
vos os resíduos gerados pelo desenvolvimento
(Hardoy et al., 2001, p. 337).
As primeiras considerações detalhadas
que evidenciam esse conflito emergiram no re-
latório Limits to Growth, publicado pelo Clube
de Roma em 1974. Esse relatório dedicou-se a
evidenciar a pressão exercida sobre os recursos
naturais decorrente do padrão de crescimento
dos países ricos, além de apresentar impor-
tantes contribuições sobre a possibilidade de
se estabelecer uma condição de estabilidade
econômica e ecológica que pudesse ser susten-
tável a longo prazo. Em grande parte, o mate-
rial apresentado pelo Clube de Roma em Limits
to Growth, em conjunto com outros trabalhos
publicados entre os anos de 1970 e 1980, fo-
ram incorporados ao relatório Our Common
Future publicado em 1987 pela Brundtland
Commission, que, apesar de não apresentar
ideias originais, consolida a necessidade de
o Estado mediar o conflito entre desenvolvi-
mento econômico e meio ambiente por meio
da formulação de políticas públicas. A partir
desse ponto, a expressão “desenvolvimento
sustentável” foi legitimada no âmbito de go-
vernos e agências internacionais, forçando-os
a partir para sua aplicação prática (Hardoy et
al., 2001, p. 343). Apesar de o relatório elabo-
rado pela Brundtland Commission em 1987 já
incluir um capítulo dedicado à sustentabilida-
de urbana, somente em 1996, na conferência
de Istambul, o tema efetivamente foi incorpo-
rado ao âmago das discussões sobre o desen-
volvimento sustentável.
Segundo Hardoy, Midlin e Satterthwaite
(2001, p. 339), é surpreendente que a te-
mática urbana tenha passado ao largo das
discussões sobre sustentabilidade por pelo
menos 20 anos, na medida em que: a) é nas
cidades que passou a se concentrar grande
parte da crescente população mundial; b) é
dentro das áreas urbanas que é consumida e
desperdiçada a maior parte dos recursos natu-
rais do mundo; c) as políticas definidas para as
áreas urbanas são de grande implicação para
o consumo de recursos naturais, na medida
em que esse consumo está diretamente rela-
cionado à forma dos seus edifícios e mesmo à
forma urbana dessas cidades. Especificamente
ao que se refere às políticas urbanas, os au-
tores argumentam que essas deveriam ter um
papel central dentro das estratégias nacionais
de sustentabilidade, destacando a escala local
(urbana) como fundamental para o sucesso do
conceito de desenvolvimento sustentável na
escala global.
A evolução urbana de Belém
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013 57
Contudo, como mostram Ascelrad
(1999, p. 79) e Costa (1999, p. 55), tratar de
sustentabilidade urbana, ou mesmo buscar de-
finições sobre o que representa o conceito de
sustentabilidade, apresenta-se como uma ta-
refa complexa e, por vezes, contraditória. Em
parte, essa dificuldade se deve à banalização
do termo em razão de seu emprego contínuo
como mote publicitário de grandes empresas
multinacionais, ou então por agências inter-
nacionais que o incluem no bojo de interesses
particulares e que pouco tem a ver com a con-
ciliação entre preservação do meio ambiente e
objetivos de desenvolvimento; percebe-se que
outro segmento tem se concentrado em usar
o termo focando unicamente na sua dimensão
ecológica e sem se preocupar em contemplar
as necessidades humanas (Hardoy et al., 2001,
pp. 345-346). Por outro lado, a aplicação do
conceito à dimensão urbana traz consigo
conflitos teóricos de difícil conciliação. Esses
conflitos tendem a se concentrar em duas
grandes frentes: uma que envolve a trajetó-
ria da análise ambiental e da análise urbana,
que se originaram de áreas do conhecimento
diferentes, mas convergem na proposta de um
desenvolvimento urbano sustentável; e outra
mais restrita à dimensão prática, em que se
verifica um distanciamento entre formulações
teóricas e propostas de intervenção (Costa,
1999, p. 56)
Costa (1999, p. 57), ao analisar as tra-
jetórias distintas de construção de conceitos
relativos às questões urbana e ambiental,
demonstra que o fato de os estudos sobre o
urbano da década de 1970 terem se consti-
tuído de forma hermética favoreceu a subs-
tituição do debate sobre o espaço urbano no
sentido amplo, pela discussão sobre aspectos
relacionadas ao mesmo – habitação, sanea-
mento básico, controle do uso da terra, trans-
porte coletivo, etc., pulverizando a discussão
sobre o urbano a partir da década 1980. Além
disso, a condição urbana tornou-se um ele-
mento difusor de novos movimentos sociais
que passaram a reivindicar acesso aos meios
de consumo coletivos, em que a dimensão
ambiental também estava incluída, ainda que
de uma forma mais técnica.
Avançando nessas obse r vações ,
Steinberger (2001) aponta a distinção existen-
te entre as pesquisas que buscam uma defini-
ção mais precisa de sustentabilidade urbana,
com algumas partindo das manifestações de
insustentabilidade da cidade e buscando es-
tratégias para torná-la sustentável, enquanto
outras defendem a sustentabilidade da cidade
de per se, observando o lado positivo da aglo-
meração para a otimização do uso de recursos.
Não existiria dessa forma o “ser sustentável”,
mas sim o “estar sustentável” (Steinberger,
2001, p. 10), o que se coaduna com o defini-
do nas instâncias internacionais e apontado
por Costa (1999, p. 62). Nesse caso, a alter-
nativa apontada por Steinberger (2001, p. 10)
é compreender que a expressão “desenvolvi-
mento urbano sustentável” é composta por
três elementos-chave: desenvolvimento como
objetivo macro, finalístico e permanente; sus-
tentável como objetivo meio, adjetivo de um
estado temporário; e espaço urbano (conteúdo
e continente do meio ambiente) como objeto
de gestão. A ideia do espaço urbano, como
objeto de gestão para viabilizar a sustentabili-
dade ambiental, tem suscitado discussões que
envolvem questões mais específicas à prática
de gerir a cidade, incidindo em alguns casos
sobre sua forma urbana.
Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 201358
Acselrad (1999, p. 79) organiza analiti-
camente o discurso da “sustentabilidade urba-
na” em três matrizes discursivas. Numa primei-
ra perspectiva, teríamos o grupo que defende
uma representação tecno-material da cidade,
em que a eficiência energética dos processos
passa a ser o princípio norteador da gestão ur-
bana. Nessa caso, a cidade é entendida como
um sistema termodinâmico aberto, em que a
ideia básica para viabilizar a sustentabilidade
é a de que, para uma mesma oferta de ser-
viços, haja uma minimização do consumo de
energia fóssil e de outros recursos materiais,
explorando o máximo os fluxos locais e satis-
fazendo critérios de conservação de estoque
e de redução de volume de rejeitos (Acselrad,
1999, p. 82). Contudo, a analogia a um sistema
termodinâmico aberto serve também para as-
sociar o espaço urbano como um locus privile-
giado de uma produção crescente de entropia,
o que eminentemente levaria a um quadro de
insustentabilidade que só poderia ser revertido
por ações de planejamento urbano, pautando-
-se em estratégias ou tecnologias poupadoras
de espaço, matéria e energia, e voltados para a
reciclagem de material.
Uma segunda matriz técnica que o au-
tor define é pautada na ideia da cidade co-
mo espaço da “Qualidade de Vida”, na qual
planejamento urbano busca intervir na mi-
croescala da cidade e na sua forma urbana,
articulando algumas estratégias específicas,
tais como: a) componentes mercantis da exis-
tência cotidiana e cidadã da população urba-
na, pensado por razões de qualidade de vida.
Nesse caso, existiria uma imposição mais ra-
dical das ideias de planejamento e gestão da
cidade, quando questionam-se algumas ba-
ses técnicas do urbano, visto como algo que
“crescentemente impregnaria os habitantes
das cidades com substâncias nocivas e tóxi-
cas por sua artificialidade” (Acselrad, 1999,
p. 84) e cujo resultado seriam inevitavelmen-
te implicações sanitárias (emissões líquidas e
gasosas) resultantes de uma sociedade fun-
damentada no consumo desenfreado de mer-
cadorias, especialmente veículo automotores;
b) políticas de preservação do patrimônio, co-
mo forma de fortalecimento do sentimento de
pertencimento dos habitantes a suas cidades,
mas também como estratégia de promoção
de uma imagem que marque a cidade como
forma de atrair capitais na competição glo-
bal; c) políticas que viabilizem arranjos entre
a ideia de eficiência energética e qualidade
de vida, pautando-se em diretrizes nas quais
a forma urbana é um fator determinante para
a sustentabilidade, persegue-se nesse caso a
noção de cidade compacta nos moldes de ci-
dades tradicionais europeias, em que a alta
densidade e o uso misto tendem a apresentar
elevado desempenho energético por reduzir
as distâncias dos trajetos.
Por último, haveria uma matriz da sus-
tentabilidade urbana que enxergaria a cidade
como espaço de legitimação das políticas ur-
banas; nesse caso inclui-se prioritariamente
na discussão uma dimensão política inerente à
cidade, e essa passa a orientar as estratégias
de planejamento voltadas para sustentabilida-
de urbana. Nesse caso, entende-se a insusten-
tabilidade como resultado de uma incapacida-
de das políticas urbanas adaptarem a oferta
de serviços urbanos à quantidade e qualidade
das demandas sociais, resultando no que o
autor classifica como uma queda de produti-
vidade política dos investimentos urbanos. O
papel do planejamento nesse caso, seria o de
A evolução urbana de Belém
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013 59
viabilizar mecanismos distributivos de acesso
aos serviços urbanos disponíveis na cidade.
Complementarmente, Hardoy, Midlin e
Satterthwaite (2001, p. 371) entendem que
uma governança local pautada por diretrizes
de sustentabilidade deva conciliar desenvol-
vimento com preservação do meio ambiente,
articulando o atendimento de demandas dos
habitantes de uma dada cidade com padrões
de consumo de seus habitantes e a produção
das empresas locais geridos para causar o
menor impacto possível para o meio ambien-
te, seja no entorno da cidade seja para outros
ecossistemas que estariam para além da escala
local. Dessa forma, estaria incorporada a noção
de que cada cidade também gera impactos nas
escalas regional e global.
Em se tratando das cidades brasileiras,
Steinberger (2001, p. 11) cita a constituição de
1988 como marco da inserção de questões re-
lacionadas ao meio ambiente urbano, incluídas
principalmente na matriz discursiva que enxer-
ga o espaço como legitimação das políticas
urbanas apontadas por Acselrad (1999). Trata-
-se da inserção no texto da Constituição de
Normativas que contemplavam a função social
da propriedade, entre os princípios gerais da
ordem econômica, junto com a possibilidade
instituída de qualquer cidadão fiscalizar bens
ambientais, históricos e culturais. Em ambos os
casos, as diretrizes poderiam fortalecer estra-
tégias de planejamento e desenho urbano que
buscassem a sustentabilidade urbana, especial-
mente no combate à especulação imobiliária
nas áreas centrais, mas também no controle do
uso da terra.
Contudo, 25 anos após a promulgação
da Constituição de 88, e quase 11 anos da
aprovação do Estatuto da Cidade, constata-se a
ineficiência de políticas que, a partir da tentati-
va de controlar o uso da terra urbana, poderiam
viabilizar um ganho de desempenho no quadro
de sustentabilidade urbana em nossas cidades.
Como mostra Villaça (2011), em grande parte
os planos diretores municipais não conseguem
dar conta de questões que vão além das leis
de zoneamento, fortemente influenciadas pelos
interesses do setor imobiliário. Maricato (2011)
por sua vez, atribui o fracasso generalizado das
tentativas de controle do uso da terra urbana a
uma questão estrutural de formação da socie-
dade brasileira, que nos dias de hoje converteu
a terra urbana em um nó que, caso não seja so-
lucionado a tempo, tende a agravar rapidamen-
te o processo de insustentabilidade urbana em
nossas cidades, tornando-as cada vez mais ci-
dades inviáveis (Maricato, 2011, pp. 185-191).
A segunda parte desse texto apresenta uma
leitura da trajetória de Belém, uma grande ci-
dade localizada na Amazônia, e das ambigui-
dades e indefinições associadas à leitura de
suas perspectivas de sustentabilidade.
A Belém Amazônica
A inserção de Belém no contexto amazôni-
co está associada a séculos de história e a
circunstâncias socioeconômicas, territoriais
e culturais, que merecem ser brevemente
recupe radas como pano de fundo para a dis-
cussão de processos e transformações ora
em curso na Região Metropolitana de Belém.
O papel da natureza na ocupação do territó-
rio amazônico foi marcante. Os grandes rios
desempenharam papel logístico importante,
tanto para mobilidade de pessoas quanto de
Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 201360
mercadorias. A região historicamente foi con-
siderada como de difícil ocupação, devido à
barreira que o rio e a floresta constituíam à
aglomeração urbana (Corrêa, 1987).
A distribuição de núcleos urbanos adota-
da no período colonial seguia a acessibilidade
dos grandes rios, priorizando a defesa e con-
quista do território, ainda disputado por por-
tugueses e espanhóis. Belém foi fundada na
entrada da bacia Amazônica, o que por séculos
lhe garantiu o controle do litoral e do acesso
aos grandes rios continentais. Desde o século
XVII, a economia da região baseou-se na explo-
ração de produtos através de ciclos extrativis-
tas (temperos, artigos alimentícios) que cons-
tituíram uma rede de pequenas localidades de
apoio à armazenagem dos produtos escoados
pelo porto de Belém. Tais características forma-
ram uma rede dendrítica, com várias pequenas
cidades portuárias distribuídas nas margens
dos rios, que dispunham de conexão direta com
a metrópole Belém (Corrêa, 1987).
A administração pombalina do século
XVIII e a criação da Companhia Geral de Co-
mércio do Grão-Pará e Maranhão em 1755,
deslancharam uma segunda fase na estrutura-
ção desse território, com o objetivo de integrar
a região aos novos paradigmas comerciais in-
ternacionais, e de fazer a transição do capita-
lismo mercantil para o capitalismo industrial
(Vicentini, 2004). Essa fase de dinamismo ge-
rou a diferenciação de funções urbanas, segui-
da pela ampliação de funções comerciais e de
serviços, que confirmaram Belém como capital
econômica da região e ponto de controle do
comércio e do monopólio dessa Companhia na
região (Corrêa, 1987). Essa condição garantiu
a Belém melhorias na sua infraestrutura física,
expansão de sua malha viária e início de uma
prática de macrodrenagem de áreas de várzea
que serviu de exemplo para os séculos seguin-
tes, em uma racionalidade do domínio humano
sobre a natureza (Trindade Jr.,1997).
Na escala regional, a viabilidade de pro-
visão de serviços e infraestrutura em uma capi-
tal dependia de sua capacidade de aglutinar e
aglomerar, além de sua importância econômi-
ca. A exuberância da natureza tornava impen-
sável a ideia de pressão sobre o meio físico e
sistemas ecológicos, e a drenagem de várzeas
para incorporação de áreas outrora alagadas
ao traçado da cidade, no século XVIII, expres-
sava a vitória econômica e técnica do homem
sobre a natureza amazônica (Cruz, 1973). A
primeira área drenada em Belém, o alagado
do Piri, deu lugar à praça D. Pedro II, espaço
monumental em frente aos palácios dedicados
ao poder político, que nasceu articulada com
outras áreas abertas.1 Tal operação permitiu a
articula ção entre as duas freguesias em forma-
ção da Cidade e da Campina.
Nas aglomerações menores, nas comuni-
dades menos importantes política e economi-
camente, houve uma miscigenação entre índios
e portugueses que gerou a cultura ribeirinha
extrativista e contava com sua produção pau-
tada pelo paradigma da abundância, uma vez
que sua mão de obra era familiar e negava o
sentido na acumulação baseada na explora-
ção exaustiva dos recursos humanos e naturais
disponíveis. O ribeirinho não podia sacrificar a
própria família para ampliar a produção, nem
pensava em ampliar a exploração da natureza
além do necessário para sua vivência e susten-
to no território (Costa, 2009).
A relação com a natureza assegura para
as cidades e vilas ribeirinhas da região o que
Jacobs (2001) classifica como “estoque inicial
A evolução urbana de Belém
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013 61
de energia” (bônus da água, terra, madeira e
alimento fartos), elemento primordial para o
surgimento de uma nucleação urbana em um
determinado ponto do espaço. Esse estoque
inicial é o que permite, segundo a autora, que
se estabeleçam as primeiras trocas entre co-
munidades ou núcleos urbanos vizinhos, e in-
fluenciaria também a configuração dessas co-
munidades. Construir palafitas de madeira em
pequenas comunidades de famílias que viviam
da pesca e da extração de produtos da floresta,
e usavam a água dos rios para abastecimen-
to, transporte, etc., foi estratégia exitosa para
ocupa ção das várzeas e estabelecimento de
vilas e comunidades ribeirinhas (Wagley, 1957).
Por outro lado, ao final do século XVIII,
cidade e vilas ribeirinhas tinham a importância
proporcional à largura dos rios onde as mes-
mas se localizavam, crescendo segundo um pa-
drão monocêntrico, organizadas ao longo das
margens dos rios, com limitada penetração no
território. A feira era o principal equipamento
urbano, localizado na margem do rio, e extra-
polava sua condição técnica, atuando também
como espaço articulador dos ribeirinhos da
área de influência do núcleo urbano em ques-
tão. Ainda hoje a matriz, a rua comercial, o tra-
piche e a feira em frente ao rio marcam a pai-
sagem urbana tradicional da região (Cardoso e
Lima, 2006).
Ao fim da Companhia Geral de Comércio
do Grão Pará e Maranhão houve um período
de estagnação econômica que só foi superado
com a instalação do ciclo da borracha (Corrêa,
1987). Houve a divisão do estado do Grão Pará
e Maranhão, em Pará, com capital em Belém,
e Amazonas, e criação de uma nova capital,
Manaus. A economia da borracha gerou novos
povoamentos e concentrou excedentes nas
capitais, resultantes de um complexo sistema
de crédito, o sistema de aviamento, através do
qual o Barão da Borracha viabilizava moradia,
alimento e transporte da produção do serin-
gueiro, que produzia o látex na floresta, para
a cidade.
Se, por um lado, o Aviamento pode ser
entendido como um sistema econômico pró-
prio da região, redesenhado a partir do con-
tato da sociedade amazônica com um sistema
altamente monetizado, como o capitalismo
industrial europeu, por outro, desempenhava
o papel de elemento sustentador e articulador
de toda a estrutura social da região, servindo
como elo entre duas extremidades representa-
das pelo “macro-núcleo” urbano e o “micro-
-núcleo extrativista” (Santos, 1980). Entre-
tanto, era um dos mais severos mecanismo
de concentração de riqueza a médio prazo já
vivenciados no país, ao possibilitar a drena-
gem da riqueza produzida no interior para as
duas principais capitais da região amazônica, à
época Belém e Manaus (Santos, 1980, p. 155).
Do ponto de vista ambiental, o sistema não
impactava a floresta, mesmo sendo extrema-
mente perverso do ponto de vista social, devi-
do à forte hegemonia das oligarquias regionais
(Sartre e Taravella, 2009).
Por outro lado, as capitais da região, e
especialmente Belém, receberam um forte re-
direcionamento de excedentes do circuito pro-
dutivo pelas elites econômicas da exploração
gomífera para a aquisição de imóveis urbanos,
o que, ao coincidir com os desdobramentos da
aplicação da Lei de Terras de 1850 na cidade,
viabilizou as primeiras formas de produção
rentista na cidade e a configuração do circuito
imobiliário local. Em grande parte, esse movi-
mento se fortalece pela necessidade de lastrear
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 201362
os empréstimos do Sistema de Aviamento em
ativos fixos, principalmente imóveis e navios
(Weinstein, 1993).
A constituição de um patrimônio imobi-
liário na cidade servia de lastro para as ope-
rações financeiras que viabilizavam o sistema
de aviamento que, somados à diligência do
governo local e aos desdobramentos da apli-
cação da Lei de Terras de 1850 na cidade, per-
mitiram a configuração do circuito imobiliário
local (Ventura Neto, 2012). Paralelamente a
esse processo, era praticada uma política de
concessões de serviços públicos de infraestru-
tura urbana para grupos da iniciativa privada,
ligados politicamente à intendência municipal,
e em parceria com sócios estrangeiros (Sarges,
2004), viabilizando a implantação de um plano
de alinhamento pensado para a Primeira Légua
patrimonial2 de Belém que permitiu a estrutu-
ração global da primeira légua patrimonial da
cidade (Ventura Neto, 2012). Se, por um lado,
essa sistemática atendia interesses específicos
da elite urbana de Belém, beneficiária do Siste-
ma de Aviamento, por outro permitiu que uma
quadrícula de ruas (Figura 1) fosse implantada
por toda a porção de terra firme da cidade que,
mesmo tendo sido ocupada completamente só
em 1960, favoreceu a distribuição de usos e
tipologias segundo a hierarquia viária, e a for-
mação de grandes quintais nos miolos de qua-
dra, a arborização de ruas, a criação de praças
e parques urbanos, sob inspiração do plano de
expansão de Barcelona (Duarte, 1997).
Nessa expansão, as áreas alagadas da
cidade, típicas várzeas amazônicas, que para
serem ocupadas requeriam grande volume de
recursos para macrodrenagens, foram evitadas
por décadas. Em função disso, outros grupos da
elite urbana local, que eram proprietárias de
grande parte dessas áreas desde o século XVIII
(Mourão, 1987), arrendam parte dessas terras
para a produção agropastoril por meio de pe-
quenas propriedades conhecidas localmente
como “vacarias”; nelas produziam-se leite, hor-
taliças, mas ocorria a criação de pequenos ani-
mais para abastecimento da população. Na es-
cala regional, o abastecimento da capital com
gêneros alimentícios de primeira necessidade
era garantido pelos municípios localizados ao
longo da estrada de Ferro Belém-Bragança
(EFB), que ligava a capital ao litoral entre os
anos de 1908 até 1957 (Andrade, 2010). Pro-
dutos manufaturados também passaram a ser
produzidos localmente, num processo de subs-
tituição de importações iniciado após a quebra
da economia gomífera em 1912, devido ao
isolamento da região e inviabilizado a partir da
integração rodoviária do país (Santos, 1980).
Nesse período, entre o declínio da bor-
racha e os anos 1960, a cidade de Belém te-
ve seu crescimento populacional estagnado,
e outras cidades ribeirinhas apoiaram-se em
ciclos próprios, como o da juta em Santarém,
ou o do caucho e da castanha-do-pará em Ma-
rabá. Contudo, apesar da crise econômica da
região, Belém manteve sua proeminência na
rede urbana da região, ainda em função da sua
posição estratégica de último ponto de conta-
to entre os produtos extraídos da floresta e o
mercado externo, mas também em função da
estrutura portuária construído no período de
auge da exploração gomífera. Além disso, a
cidade permanecia como o locus preferencial
da elite regional em função da infraestrutura
urbana e de serviços especializados (bancos,
teatros, cinemas, energia elétrica, transporte
urbano, etc.), também heranças deixadas pelo
ciclo econômico anterior.
A evolução urbana de Belém
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013 63
Figura 1 – Plano de alinhamento executado na Primeira Légua patrimonialda cidade, contornando áreas baixas e alagáveis
Fonte: Muniz (1904).
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Pode-se dizer que até a década de 1950,
quando ocorreram as alterações nas estruturas
produtivas e mercantis da periferia nacional
(Cano, 2008), Belém estava mais próxima das
práticas associadas atualmente à sustentabili-
dade urbana, tanto pela sua relação com a re-
gião, quanto pela forma urbana resultante do
processo descrito. As considerações de Rees e
Wackernagel (1996) sobre sustentabilidade
preconizam que uma sociedade só se torna efe-
tivamente sustentável ao adotar a diretriz de
que cada geração deveria herdar uma quanti-
dade adequada de acessos a recursos naturais
per capita, nunca inferior ao que foi deixada
por gerações anteriores. Nesse aspecto, o uso
do rio como modal principal para o transpor-
te, tanto de mercadorias quanto da popula-
ção, ao mesmo tempo que viabilizava uma via
penetração natural ao território amazônico, de-
terminava que as distâncias entre as comunida-
des obedecessem à dinâmica de deslocamento
a remo do ribeirinho pelos rios da região, o que
contribuiu para a formação de muitos peque-
nos núcleos (vilas e comunidades) separados
pela distância determinada pela exaustão física
do ribeirinho e de sua família durante a luz do
dia. As centenas de comunidades existentes ao
longo dos rios Tocantins e Tapajós ainda teste-
munham essa formação (Pinho, 2012; UFPA/
FUNPEA/ELN, 2006).
Vilas e cidades tinham sua configuração
definida ao longo do rio, com as atividades co-
merciais, produtivas, simbólicas e institucionais
localizadas e penetração restrita no continente
a poucas ruas habitacionais (Figura 2) (Cardoso
e Lima, 2006).
Figura 2 – Imagens de cidades ribeirinhas tradicionaisque utilizam o rio com modal principal para o transporte de pessoas e mercadorias
Fonte: foto de Luciano Thormazelli, em 2006 (reprodução autorizada).
A evolução urbana de Belém
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Na escala regional, a penetração no
território foi viabilizada com a implantação da
malha ferroviária do Estado, que introduziu
um novo paradigma e um novo referencial de
consumo de energia. A existência das “Vaca-
rias” nas baixadas, de indústrias locais e das
colônias agrícolas nos arredores de Belém,
comunham um cenário inspirador para quem
busca sustentabilidade nas cidades em tem-
pos atuais. Como defendido por Hardoy et al.
(2001, p. 365), o estímulo à produção local
para o atendimento de demandas da popula-
ção urbana, o estreitamento das relações entre
área rural e área urbana, e também a limitação
ao uso de recursos naturais disponibilizados
nas redondezas da cidade têm sido apontados
como alternativas para assegurar um desen-
volvimento urbano sustentável.
Em 2012, autoridades locais estão lon-
ge de estabelecer parâmetros máximos de
consumo de recursos aos habitantes urbanos,
ou de reduzir o desperdício de recursos natu-
rais e consequentemente as human footprints.
Essas políticas são essenciais, na medida em
que a população das áreas industrializadas tem
apresentado níveis de consumo de recursos na-
turais muito além do disponível na região em
que suas cidades estão inseridas, drenando os
recursos de países pobres e impondo seu modo
de vida e padrão de consumo a populações que
antes conviviam mais harmonicamente com o
meio ambiente, ocasionando mudanças rele-
vantes à escala global.
Contudo, tampouco o isolamento é op-
ção desejável, pois de nada adianta o equilíbrio
do balanço energético sem atendimento das
Fonte: foto DAU/UFPA, em 2006 (reprodução autorizada).
Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
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demandas sociais. O sistema ribeirinho aten-
dia o abastecimento, transporte, moradia, mas
não tinha como obter educação e saúde; isso
não era notado enquanto as políticas sociais
não estavam estruturadas, mas na medida em
que as cidades se tornaram os únicos locais
de acesso a esses benefícios, no decorrer do
século XX, o mundo rural tornou-se progressi-
vamente lugar do atraso, e exportador da ru-
ralidade atrasada para as periferias urbanas
(Borzacchiello, 2008).
A Belém contemporânea
A integração econômica da Amazônia ao resto
do país, com foco na exploração de matéria-
-prima e produção de energia, foi pautada por
uma visão desenvolvimentista e de clara explo-
ração da natureza por processos técnico-quí-
micos, e impôs uma racionalidade concorrente
àquela que já orientava a produção de cidades
na região (Bacelar, 2000). As rodovias se im-
puseram como nova forma de relacionamento
entre cidades, na escala regional, e se constituí-
ram em eixos de expansão urbana, na escala
local, instituindo uma nova dinâmica que tende
a se distanciar do paradigma da floresta e se
aproximar da racionalidade industrial, também
associada à ocupação de terra firme (Cardoso,
2012; Homma, 1993).
A relação prioritária entre as capitais
do Norte passou, do ponto de vista político, a
ser mediada por Brasília, e do ponto de vista
econômico pelas capitais da Região Sudeste
(IPEA; IBGE; Unicamp, 2002). Os processos
de industrialização iniciados em Belém no iní-
cio do século XX e posteriormente, durante a
Segunda Guerra Mundial, se modificaram com
a integração do mercado nacional depois da
execução da malha rodoviária incluída no bojo
do Plano de Metas do governo JK. Os produtos
industrializados que entraram no mercado lo-
cal, provenientes do parque industrial do cen-
tro-sul do país, inviabilizaram a produção de
manufatureira local e o abastecimento através
das vacarias (Trindade Jr., 1997). Em paralelo,
a região assistiu à desestruturação de parte
de sua estrutura produtiva regional na época
de declínio econômico, o que contribui para
um forte processo de migração rural-urbana
da população rural (Cano, 2011), processo in-
tensificado com os projetos federais. Houve
adensamento da Primeira Légua patrimonial
de Belém, com ocupação dos miolos de quadra
por vilas de casas, e ocupação das baixadas por
assentamentos informais (Cal, 1987), que após
30 anos de aterro progressivo pela própria po-
pulação foram incorporados à cidade (Mourão,
1987) (Figura 3A).
As referências para a organização do es-
paço urbano de Belém tornaram-se cada vez
mais externas à região, fortalecendo a percep-
ção de que rios e várzeas eram obstáculos à
expansão das cidades, que requeriam grandes
volumes de recursos devido a pujança da natu-
reza na região. Os planos oficiais para a recupe-
ração das áreas de baixada da cidade (40%
da Primeira Légua patrimonial) estabeleceram,
num primeiro momento, que a viabili dade da
obra dependeria da possibilidade de essas áreas
serem incorporadas ao mercado imobiliá rio
(Sudam, 1976). Cabe destacar, que o que o Esta-
do classificava como "recuperação da baixada"
tinha uma conotação de limpeza social, eviden-
ciado no relatório produzido para subsidiar as
intervenções de macrodrenagem naquele mo-
mento; de caráter fortemente sanitarista, sem
A evolução urbana de Belém
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incorporar diretrizes de sustentabilidade urbana
para aquelas áreas (Figuras 3B e 3C).
Coincidentemente, o caso da ocupação
das áreas de várzea é muito interessante e ins-
pirador do ponto de vista da sustentabilidade.
Essa ocupação urbana pode ser encarada co-
mo uma estratégia de subsistência da popula-
ção tradicional da região na sua adaptação às
áreas urbanas. A ocupação da orla da Baía do
Guajará evoluiu de usos regionais, para o porto
da cidade, e os primeiros foram transferidos pa-
ra a orla do Guamá, onde os usos ribeirinhos tí-
picos foram acompanhados pela ocupação das
baixadas com moradias em um processo lento
de aterro e adensamento, que permitiu que
uma população pobre se estabelecesse próxi-
ma ao centro da cidade, mantivesse o contato
como rio e gradativamente integrasse seu local
de moradia à cidade, em uma combinação de
exploração do meio natural, sacrifício da saúde
das famílias, e ação política clientelista (Cardo-
so, 2007). Curiosamente o que se iniciou como
uma agressão ambiental, tornou-se efetiva so-
lução do ponto de vista social.
Concomitantemente à consolidação da
ocupação das várzeas, ocorria a produção de
conjuntos habitacionais pelo BNH muito afas-
tadas do centro, como parte da estruturação
Figura 3 – Fotografi as em diversos momentos mostrando as mudançasem uma das primeiras baixadas saneadas em Belém
3A – Tipologia tradicional das baixadas existentes nos bairros antes das obras3B – Início das obras de retifi cação do canal e construção da Avenida Visconde de Souza Franco
3C – Conclusão das obras e inauguração da Avenida Visconde de Souza Franco em 19723D – Fotografi a panorâmica do ano de 2010 evidenciando a verticalização na área
Fonte: http://fauufpa.wordpress.com/2012/05/02/doca-de-souza-franco-decada-de-1970/; Ventura Neto (2012).
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Figura 4 – Remanejamento da população de baixada na área centralpara conjunto habitacional localizado na periferia da cidade à época,
distando 9 quilômetros em relação à moradia original
Fonte: mapa feito a partir de Shapes de GIS cedidos pela Celpa e pela Cohab.
A evolução urbana de Belém
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da ocupação da segunda légua patrimonial de
Belém e do que viria a ser posteriormente a ci-
dade de Ananindeua. Naquela oportunidade a
produção de habitação para as classes popu-
lares esteve articulada ao remanejamento exi-
gido pela macrodrenagem da bacia das Armas,
realizada nos anos 1960 em área localizada
nas proximidades do porto de Belém, entre os
bairros de Reduto, Nazaré e Umarizal, deslo-
cando a população por 9 quilômetros em rela-
ção à moradia original (Figura 4). Essa ação de
drenagem não só promoveu uma intensa valo-
rização imobiliária na região (Figura 3D), que
tanto liberou terra, como saneou socialmente
a área, incorporando-a completamente para
o setor imobiliário de mercado (Ventura Neto;
Cardoso, 2011).
A ocupação das várzeas garantiu o direi-
to à cidade às populações oriundas do interior
do estado, com forte relação econômica, téc-
nica e cultural com as águas. Se resgatarmos
a discussão sobre sustentabilidade ampliada
exposta por Steinberger (2001) verificamos
que com apoio de planejamento e políticas
urbanas corretamente dirigidas seria possível
corrigir carências e estabalecer um ponto de
equilíbrio que destacasse as quatro dimensões
desse conceito mencionadas pela autora (éti-
ca, temporal, social e prática); Intervenções
que articulem aspectos de engenharia e so-
cioambientais, que se proponham resolver as
carências de saneamento e os problemas de
saúde pública, tratar cursos d’água de forma
compatível com o ecossistema de várzea, po-
dem explorar a resiliência das configurações
criadas espontaneamente, tanto do ponto de
vista do balanço energético (proximidade)
quanto da capacidade de atender as deman-
das da população (moradia, trabalho e renda,
serviços e equipamentos urbanos) (Acselrad,
1999; Hardoy et al., 2001)
Ainda que o espaço produzido informal-
mente tenha limitações e precariedades (ruas
estreitas, carência de infraestrutura, adensa-
mento excessivo), o mesmo garante aos seus
moradores efetiva mobilidade a partir de trans-
porte público, a pé ou de bicicleta; diversida-
de de usos, boa conexão com a cidade formal
e oportunidades de geração de renda, todos
aspectos positivos se considerarmos que o es-
praiamento e o consumo energético sejam fa-
tores de insustentabilidade. O fato de não ter
havido planejamento prévio foi compensado
pela natureza gradual da ocupação e das me-
lhorias realizadas, o que permitiu que sua po-
pulação original pudesse permanecer na área
(Cardoso, 2007).
Bastante diversa desse processo foi a
ocupação da segunda légua patrimonial de
Belém, que não contou com a implantação de
um plano de alinhamento a exemplo do que
aconteceu com a primeira légua, nem tampou-
co com o controle urbanístico da ocupação das
terras pelo setor público. A segunda légua de
Belém teve suas glebas ocupadas correspon-
dendo ao limite das fazendas que a compu-
nham (Ventura Neto, 2012), estruturadas pelo
percurso de um ramal da antiga estrada de
ferro que conectava a cidade à vila de Icoaraci.
Esse ramal de ferrovia foi substituído por uma
rodovia (Rod. Augusto Montenegro), que teve
a maior parte de seus lotes lindeiros reserva-
da e a construção de muitos conjuntos habita-
cio nais por trás desses lotes ou transversais à
rodovia, até os anos 1980 sob financiamento
do BNH.3 As terras lindeiras reservadas eram
constituídas por terrenos muito grandes (100
x 500 m), que tiveram ocupação iniciada a
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partir dos anos 2000 por condomínios fechados
horizontais de médio e alto padrão e grandes
estabelecimentos varejistas. No final dessa dé-
cada houve uma mudança de estratégia, com
a associação de novos equipamentos aos con-
domínios, como os grandes shopping centers,
com o intuito de constituir novas centralidades,
que resultaram na formação de uma nova fren-
te de expansão imobiliária pelo setor privado
que se autointitulou Nova Belém, e assimilação
de incorporadoras nacionais de capital aberto.
Nesse caso, a inspiração clara é a do subúrbio
norte-americano, que apesar de resultar de
uma produção formal conta com claras limita-
ções de desenho urbano, prevalecendo a frag-
mentação, o espraiamento, a completa depen-
dência do transporte individual, a segregação
socioespacial, além de existir carência de verde
e de áreas públicas.
A mais recente manifestação desse pro-
cesso foi a adoção da paisagem como um ati-
vo para a valorização dos empreendimentos.
Essa linha teve início com a discussão sobre a
abertura de “janelas para o rio” no final dos
anos 1990, que negava a ocupação ribeirinha
tradicional como legítima ou adequada pa-
ra as orlas da cidade, sob clara influência das
experiên cias inglesas (Docklands em Londres),
norte-americana (Boston e Baltimore, nos
EUA), e da escola do planejamento estratégico
de Barcelona (Ximenes, 2010).
Essa linha de ação foi apoiada por uma
série de intervenções do poder público nas
áreas de orla, de ocupação formal da cidade,
tais como a região do Forte do Castelo, ou a
área portuária que deu origem ao complexo tu-
rístico da Estação das Docas (Figura 5A), com
um caráter mais turístico, e por obras mais pon-
tuais de abertura de espaços públicos como o
projeto Ver-o-Rio. Essas ações foram seguidas
por uma onda de investimentos do setor imobi-
liário em torres de apartamento voltadas para
a baía do Guajará no bairro do Umarizal. Esse
foi o bairro que sofreu mais intensa transfor-
mação desde a realização da já citada macro-
drenagem do igarapé das Almas. A elevada
concentração de torres de alto padrão viabili-
zou a retirada de usos produtivos antigos na
orla do bairro, tais como o moinho de trigo, que
após ser demolido é substituído por quatro tor-
res de apartamentos e escritórios localizados
na margem da baía do Guajará (Ventura Neto e
Cardoso, 2012).
Um exemplo de intervenção recente do
setor público nessa linha de ação é o aterro e
criação de uma via de contorno na orla do rio
Guamá, em área anteriormente ocupada por
palafitas. Observa-se que a articulação desse
tipo de intervenção a novas ações de macro-
drenagem vem alterando significativamente o
status das áreas de orla e de antiga várzea, nos
bairros em que a ocupação informal seguiu o
plano de alinhamento original da cidade; nes-
ses casos há maior potencial de retorno do in-
vestimento imobiliário na produção de novas
tipologias, e tendência de gentrificação. Outra
subvertente da ocupação de orlas ocorre em
outras áreas da RMB, afastadas da área cen-
tral onde existem grandes extensões de terras
vegetadas. Essas iniciativas incluem condomí-
nios de redes internacionais e de grupos como
o Alphaville, que estão privatizando grandes
faixas de orla e cobertura vegetal na ilha de
Caratateua (zona rural de Belém), sob o discur-
so da qualidade ambiental. A distância desses
empreendimentos do centro metropolitano é
tão significativa que sua viabilidade dependerá
da constituição de novos subcentros, internos
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Figura 55A; 5B – Intervenções urbanas (waterfronts) realizadas pelo Governo do Estado (Estação das
Docas) e Prefeitura Municipal de Belém (Portal da Amazônia) na orla fl uvial da cidade5C; 5D – Empreendimentos de alto padrão que usam como mote publicitário
a “vista para a Baía do Guajará”5D; 5E – Empreendimentos de alto padrão localizados fora da área central que estão
privatizando trechos da orla fl uvial da área de expansão da Região Metropolitana de Belém
Fonte: http://www.estacaodasdocas.com.br/; http://www.fl ickr.com/photos/m_hermes/7567158512/; Mello (2009); Ximenes (2010); http://belem.olx.com.br/alphaville-belem-iid-132263939; http://miritigolfemarina.com.br/marina.php.
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aos empreendimentos ou em áreas de grande
centralidade metropolitana, e de arranjos mul-
timodais de acessibilidade. Destaque-se que a
combinação de orla, desenho urbano de alto
padrão, atividades de lazer e controle privado
do solo resulta em um novo relacionamento
com as águas completamente diferente daque-
le que caracterizou Belém como uma cidade
ribeirinha no passado. A Figura 5 apresenta
algumas dessas intervenções, junto com os em-
preendimentos imobiliários que vem se apro-
priando da orla fluvial da cidade.
Conclusão
Em que pese a experiência de séculos de uma
relação equilibrada com o bioma amazônico,
observamos a forte concorrência das estraté-
gias de uso e ocupação do solo impostas pelo
capital imobiliário, diante da ambiguidade da
atua ção do setor público no que se refere à im-
plementação de políticas urbanas comprometi-
das com a sustentabilidade. Ao mesmo tempo
em que Belém é apresentada como a capital
brasileira com maior extensão de assentamen-
tos precários (Marques, 2007), que em grande
medida correspondem às áreas de baixada que
foram ocupadas informalmente, e que guar-
dam uma articulação de origem com a tradi-
ção ribeirinha, tais assentamentos apresentam
grande potencial de atendimento de diretrizes
relacionadas com as diversas interpretações do
conceito de sustentabilidade urbana.
A inação do setor público nessas áreas,
justificada pelo fato de elas serem irregulares
do ponto de vista fundiário, favoreceu a disse-
minação do paradigma exógeno de ocupação
de terra firme. A expansão urbana associada
a processos de conversão de área rural não
planejados, à dependência do acesso rodoviá-
rio e da ação do setor imobiliário de mercado,
produz assentamentos pouco sustentáveis seja
pelo ponto de vista do atendimento da popula-
ção, seja pelo consumo energético necessário
decorrente da distância entre moradia e local
de trabalho, e equipamentos urbanos em geral.
A produção de habitação voltada para o per-
fil de moradores semelhante ao das baixadas
atual mente acontece nos municípios periféricos
à Região Metropolitana de Belém, determinada
pelo preço da terra, e intensa fragmentação da
configuração urbana.
A cidade pode ser solução, ou lugar on-
de os fatores positivos da aglomeração sejam
potencializados, com impacto positivo sobre a
preservação do bioma, ou podem se tornar es-
paços de conflito, reproduzindo racionalidades
econômicas importadas que usam a natureza
como slogan de propaganda e se superpõem e
agravam os conflitos já em curso há décadas
na cidade e na região. O debate sobre a ocupa-
ção das margens dos rios e a transformação
dos ecossistemas é ideologizado por relações
de poder, o que dificulta a avaliação rigorosa
de quais sejam os melhores exemplos a seguir.
Pouco se conhece a respeito da relação entre
homem e natureza praticada há séculos na
região, e identidade amazônica é difusa dian-
te da ambiguidade da sociedade e do poder
público local sobre qual trajetória abraçar. Os
consensos são estabelecidos a partir do uso de
marketing, sem considerar as demandas e ne-
cessidades dos habitantes em desvantagem.
Por outro lado, as pressões sobre o meio
físico agora tendem a ser controladas por
grupos externos à região e voltadas para o
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segmento de alta renda, e uma discussão a res-
peito das assimetrias entre recursos disponíveis
à população das diferentes áreas da cidade es-
tá por acontecer. O reordenamento das redes
de infraestrutura e a distribuição dos serviços
e equipamentos são um passivo a ser enfren-
tado, desde a época dos fluxos migratórios dos
anos 1980, decorrentes dos grandes projetos
federais, que vem sendo agravados pelas estra-
tégias do setor imobiliário e do posicionamen-
to do setor público, que não valoriza o plane-
jamento, a democratização da informação, e
a politização da discussão ambiental (para a
região e para a cidade) na Amazônia. Por fim,
o interesse genuíno pelo debate da sustentabi-
lidade ainda é algo distante.
Ana Cláudia Duarte CardosoGraduada em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Planejamento Urbano e doutora em Arquitetura. Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Arqui-tetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará e Pesquisadora do Instituto Tecnológico Vale. Belém/PA, [email protected]
Raul da Silva Ventura NetoGraduado em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Arquitetura e Urbanismo, doutorando do Progra-ma de Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Unicamp. Campinas/SP, [email protected]
Notas
(1) Tais como a doca do Ver-o-Peso e a Praça Frei Caetano Brandão, onde estão a Catedral Metropolitana, a igreja jesuí ca de Santo Alexandre, o atual museu de arte sacra, e o Forte do Castelo, marco de fundação da cidade.
(2) Defi ne-se como Primeira Légua patrimonial de Belém, a porção de uma légua de terras doada pela Coroa Portuguesa como fundiário patrimônio da cidade a contar do marco de fundação da cidade.
(3) Os inters cios desses conjuntos foram ocupados por assentamentos informais a par r dos anos 1990, com condições de conexão com a cidade muito piores do que as ocupações das baixadas.
Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
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Texto recebido em 28/set/2012Texto aprovado em 31/out/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 2013
Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana.
Leitura foucaultiana dos casosde França e de Portugal
Territorial segregation, statistical knowledgeand urban governance. A Foucauldian approach
to the cases of France and Portugal
Isabel PatoMargarida Pereira
Abstract This article is the result of a refl ection on the offi cial statistics produced for a better understanding of the territorial segregation that has developed in the last decades in France and Portugal. The point of departure is the idea that the main concerns and the methods adopted in the construction of the statistical knowledge reflect the epistemological and political changes that characterize urban intervention and planning. Firstly, the concept of territorial segregation is discussed, and then, using a Foucauldian approach, the relations between statistical knowledge and the exercise of power are analyzed. Statistics are perceived as a technology of governability in the service of urban governance, focusing on segregated urban territories. This technology is deeply committed to control and public visibility as political strategies.
Keywords: territorial segregation; council states; statistics; urban governance.
ResumoO artigo resulta de uma refl exão sobre as estatís-
ticas ofi ciais produzidas para o conhecimento da
segregação territorial, desenvolvidas nas últimas
décadas em França e Portugal. Parte-se da ideia de
que as preocupações de base e as metodologias
adotadas na produção do conhecimento estatístico
traduzem as mudanças epistemológicas e políticas
que caraterizam o planeamento e a intervenção
urbana. Primeiro discute-se o conceito de segre-
gação territorial, e, em seguida, analisa-se, numa
abordagem foucaultiana, as relações entre o co-
nhecimento estatístico e o exercício de poder. As
estatísticas são olhadas como uma tecnologia de
governabilidade ao serviço da governação urbana
dirigida a territórios urbanos segregados, que se
revela empenhada no controle e visibilidade como
estratégia política.
Palavras-chave: segregação territorial; bairro so-
cial; estatística; governação urbana.
Isabel Pato e Margarida Pereira
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 201378
Introdução
No momento em que nos países da União
Europeia se formulam as escolhas na afeta-
ção dos fundos financeiros comunitários para
2014-2020 e que as orientações da Comissão
Europeia reforçam a necessidade de direcionar
o investimento para a inclusão social e o com-
bate à pobreza (CE, 2011), ganha importância
a avaliação dos resultados da intervenção pú-
blica dirigida às famílias e aos cidadãos mais
desfavorecidos do ponto de vista econômico e,
por isso, abrangidos no plano do direito pela
proteção social em matéria de habitação.
Essa avaliação é tanto mais pertinente
quanto mais cresce o interesse dos Estados
pelas políticas territorializadas como resposta
à ineficácia dos sistemas clássicos de proteção
social das populações mais pobres, relacionada
com a retração do Estado social imposta pelas
políticas do défice (Delcourt, 2008).1
Essa reflexão parte da ideia de que as
preocupações de base e as metodologias ado-
tadas na produção do conhecimento estatístico
para a determinação do “estado de segrega-
ção” traduzem as mudanças epistemológicas
e políticas que caraterizam o planeamento e a
intervenção urbana.
Tendo como casos de estudo França e
Portugal, o artigo procura responder a duas
questões de partida. A primeira parte da pre-
missa de que a classificação estatística é uma
forma de definição do objeto a ser governa-
do, dentro de um campo próprio de poder e
política. Nesse sentido, se a designação pro-
duz a categoria (categorias de pessoas, ca-
tegorias de territórios), quais as concepções
de segregação que revelam os diagnósticos
estatísticos efetuados em cada um desses paí-
ses? A segunda prende-se com a relação entre
conhecimento estatístico, como um domínio
do conhecimento político, cuja produção é
atravessada por processos de governabilida-
de que arquitetam a governação. Nessa linha
questiona-se: o que revela a evolução do co-
nhecimento estatístico produzido em cada um
dos países sobre as formas de governação dos
territórios segregados?
O artigo está organizado em duas par-
tes. A primeira é dedicada à relevância da pro-
dução estatística na governação e às exigên-
cias que as transformações do funcionamento
do Estado (territorializado) colocam a essa
forma de conhecimento. Procura-se explicitar
em que medida as estatísticas podem reve-
lar a contemporaneidade do diagnóstico de
Foucault (2007) quando examina a evolução
do regime de governação centrado na disci-
plina, característico dos séculos XVII e XVIII,
para o regime de governação que visa a se-
gurança, centrado nas técnicas de vigilância,
de diagnóstico e de transformação dos indi-
víduos incluídos numa série: a “população”.
No essencial, trata-se, portanto, de identifi-
car no presente os “controlos reguladores”
(Foucault, 1976, in Cunha, 2009) próprios da
governação das áreas urbanas segregadas em
cada país. A segunda parte integra uma aná-
lise da evolução das formulações do conceito
de segregação, colocando a ênfase nos terri-
tórios marcados por processos de segregação
do tipo filtering down. O intuito é demonstrar
as relações entre a produção do conhecimento
estatístico e as preocupações que marcam a
agenda política em cada país.
Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 2013 79
Por fim, interpelam-se aquelas formu-
lações e os sentidos implícitos aos resultados
da produção estatística adotados em França e
Portugal para a identificação e caraterização
dos espaços segregados. Examina-se, em con-
creto, a evolução dos indicadores considerados
e divulgados, incluindo sua referenciação es-
pacial, seguindo a hipótese de que os indica-
dores selecionados para o “retrato da segrega-
ção” servem e expressam uma racionalidade
política específica na qual ganha importância
o controlo das populações e a visibilidade da
própria intervenção.
As estatísticas como tecnologia de governabilidade
A política contemporânea confronta-se com
uma complexidade de processos, problemas e
projetos que impõem transformações no fun-
cionamento das redes e atores da intervenção
territorializada. As políticas econômicas, sociais
e de segurança elaboram-se por referência
a territórios específicos na natureza e escala
(os bairros problemáticos, as freguesias,2 as
áreas urbanas para a reconversão urbanística,
os bairros de realojamento…). A intervenção
territorializada apela à responsabilização das
entidades estatais e parceiros de trabalho na
partilha alargada de estratégias e recursos de
intervenção. É no território, no local, que os
problemas terão de ser resolvidos, e é próximo
das populações que se deve atuar, de modo
concertado, articulado e preventivo, preconi-
zando-se, assim, os princípios da subsidiarieda-
de, da transversalidade e complementaridade,
da integração e da multidimensionalidade e
da inovação (Innerarity, 2002). Dessa forma, o
aparelho de Estado orienta-se para os “servi-
ços de proximidade”, para a particularização, e
chama a sociedade civil a ser parte ativa da sua
própria governação. A consubstanciação das
políticas sociais inspiradas nessas orientações
implica uma transformação na forma de con-
dução da economia política, global e situada.
O processo de governação nas políticas
territorializadas desafia o aparelho estatal
a encontrar formas de relação entre os sub-
sistemas parciais da governação. Segundo
Innerarity (2002), para realizar esta transição
o Estado deve ser capaz de empreender, pelo
menos, três mudanças nos processos de gover-
nação: passar de uma ordem hierárquica para
uma ordem heterárquica; promover a conexão
comunicativa ao invés da autoridade direta; e
definir e implementar a intervenção a partir de
uma composição policêntrica em alternativa a
uma posição central.
A territorialização da intervenção não
significa o declínio da política central de Es-
tado, mas o fim de uma forma específica de
política que se vê substituída por outra. Os
interesses dos Estados não desaparecem nes-
se multiplicar de níveis de territorialidade, mas
sofrem uma ampla modificação. As políticas
territorializadas exigem um programa político
novo, no qual o exercício do princípio da “uni-
dade política” na governação passa a ser cen-
tral e segue fundamentalmente duas vias: uma,
fazendo uso das tecnologias de governabili-
dade que apelam à participação de múltiplos
intervenientes que se introduzem na política
local para servir formas especificamente locais
de gestão.3 É, no fundo, a expressão da lógica
heterárquia e da policentralidade que carac-
teriza a função política contemporânea num
Isabel Pato e Margarida Pereira
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 201380
crescente apelo à racionalização das opções e
práticas. A outra via para o exercício do princí-
pio da “unidade política” na governação mobi-
liza a coordenação e a supervisão estatal que,
sem seguir um sentido descendente clássico,
tende a acentuar a centralização e a normali-
zação, tirando partido de processos subtis “da
técnica política” (Innerarity, 2002).
Na genealogia do estado moderno
Foucault (1995, 2007) detém-se sobre o apare-
cimento, na viragem do século XVI para o sé-
culo XVII, de uma descrição de conhecimento
requerido pelos que governam completamente
nova. O soberano deve conhecer não apenas a
lei, mas também os elementos que constituem
o estado. O conhecimento (savoir) necessário
é o conhecimento das coisas, que compreende
a “realidade do estado”, precisamente o que
na época se chamou “estatísticas” (Foucault,
2007, p. 236).
Com o surgimento do Estado Moderno,
a “população” analisada com base nas séries
estatísticas assume-se, em definitivo, como ob-
jeto político “unificador”. Porém, a partir da
década de 1970, este objeto deixa de ser exclu-
sivamente pensado como objeto de governa-
ção forjado nas séries estatísticas, para passar
a ser a base para a generalização das lógicas
atuariais de gestão próprias das companhias
de seguros e de todas as instituições que recor-
rem ao cálculo do risco.
As estatísticas assumem um papel “legis-
lativo intelectual” (Bauman, 1992, in Haggerty,
2001, p. 44), uma capacidade que “envolve o
direito de ditar as regras a que o social deverá
obedecer”, e cuja autoridade “foi legitimada
pelo reconhecimento do melhor julgamento,
de um conhecimento superior garantido pelo
próprio método da produção estatística”. Os
especialistas do “social” pretenderam modelar
o comportamento fazendo uso das normas es-
tatísticas e da intervenção, que trabalhavam ao
nível societal.
Com uma mesma linguagem (aparente-
mente) neutra e conhecimento especializado,
a estatística serve a avaliação da implemen-
tação política pondo em prática as políticas
auditáveis. A retração dos recursos dirigidos às
políticas sociais e urbanas, a generalização de
formatos rígidos de contratualização público-
-privado entre Estado e entidades e entre Es-
tado e cidadão, ou ainda a tendência para o
espartilhamento das macroinstituições estatais
em “autonomização” surgem em estreita rela-
ção com o crescente recurso à lógica atuarial.
A política auditável rege-se pela avalia-
ção mensurável dos inputs e outputs e sobres-
tima a consecução de objetivos mensuráveis
(Strathern, 2000). A produção de categorias
estatísticas não é independente das políticas
auditáveis, contribuindo as estatísticas para
sustentar a ideia, comum entre os liberais, de
que existem domínios autônomos que obede-
cem a leis e tendências próprias.
Nos dois países, as políticas auditáveis
tendem a atravessar todos os domínios da in-
tervenção pública, desde a ação social, ao en-
sino, passando pela saúde, segurança e outros
domínios que extravasam o estritamente eco-
nômico que esteve na sua gênese. São a base
para a negociação de meios, incluindo os sim-
bólicos. A partir delas se constróem os rankings
de escolas, se negociam e alocam meios, se
promovem patentes, se sustenta a continuida-
de do financiamento de projetos.
Como defende Foucault (2007) a propó-
sito das instituições, dos procedimentos, das
análises e reflexões, dos cálculos e táticas que
Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 2013 81
permitem exercer formas complexas de po-
der, os procedimentos que suportam a produ-
ção e divulgação do conhecimento estatístico
(sistemas teóricos, aparelho administrativo que
realiza a coleta, meios de divulgação…) são
parte do conjunto de tecnologias de governa-
mentalidade que traduzem um regime especí-
fico de governação (Foucault, 1995, 2007). A
estatística apoia a generalização da lógica au-
ditável, base dos sistemas desenhados para a
supervisão e o controlo.
Antes de analisarmos o papel desem-
penhado pelas estatísticas no plano da racio-
nalidade política e das práticas contemporâ-
neas da governação liberal (Haggerty, 2001;
Durão, 2008b), designadamente na unifica-
ção do poder e do Estado (territorializado),
impõe-se uma análise das relações entre as
concetualizações académicas e políticas do
conceito de segregação.
Mensuração da segregação territorial: da questão acadêmica à questão política
Na acepção geográfica, o conceito de segrega-
ção é acompanhado pelos adjetivos “espacial”
ou “urbana”. A segregação é um processo e
estado de separação de grupos sociais distin-
tos que se manifesta na constituição de áreas
de fraca diversidade social, separadas por limi-
tes claros entre cada área e as que a envolvem
(Ascher, 1998). Como um estado da condição
urbana ou como processo, a segregação tem
sido sobretudo olhada como resultado das de-
sigualdades sociais prévias, considerando-se
que uma sociedade é tanto mais inigualitária
quanto mais marcadas são as fronteiras espa-
ciais que separam os diferentes grupos que a
constituem (Harvey, 1996). A relativa homo-
geneidade da composição social interna a ca-
da área, e distinta das áreas envolventes, leva
a que muitas vezes o conceito de segregação
seja adjetivado de social, projetando os efeitos
da segregação e subestimando os processos
que estão na base da organização espacial
que a gera.
A evolução do sentido dado ao conceito
de segregação não pode ser desligada da dou-
trina e da prática urbanística (Caldeira, 2000;
Bauman, 2005). Assim se explica que no pós-
-guerra dominasse um corpo doutrinário empe-
nhado no provimento das técnicas industriais
e urbanísticas que sustentou o movimento
moderno, promotor de um modelo de urbaniza-
ção funcionalista do tipo zonal, enquanto hoje
a segregação seja entendida também como o
resultado de uma intervenção mais pontual li-
gada aos processos de privatização e de espe-
cialização do espaço urbano (Barata Salgueiro,
1998, 2000, 2001).
No artigo Études sur la Banlieue, escrito
em 1950, Pierre George4 demonstra que o co-
nhecimento geográfico participou ativamente
na construção do modelo de habitat do movi-
mento moderno. A geografia, como as restan-
tes ciências sociais, foi então impelida a contri-
buir para a sustentação da política voluntarista
de um Estado empenhado num modo especí-
fico de provisão de habitação caracterizada
pela normalização e pela grande volumetria
que marcaria desde então a periferia das cida-
des (Vieillard-Baron, 2001, p. 90). Em França,
os grands ensembles dos anos 1950 resultam
de uma política centralizada, fundada na ur-
gência de responder a um défice habitacional
Isabel Pato e Margarida Pereira
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 201382
premente e abraçada pelos grandes constru-
tores que, respeitando as exigências governa-
mentais de quantidade, rapidez e economia em
matéria de construção, prefiguraram a cidade
do amanhã: a cidade fundada sobre a racio-
nalidade, a estandardização e os valores cole-
tivos. A mesma relação entre o conhecimento
científico produzido e o modelo progressista
pode ser ilustrada a partir do relatório Denvers
(1958), da responsabilidade do ministério da
construção francês, que concebeu a políti-
ca de habitação como um ramo específico da
política industrial – a construção civil – basea-
do no tríptico “industrialisation, typification,
répétitivité”.
É importante explicitar as condições nas
quais, em França, ocorreu a defesa desse mo-
delo de habitat. Para acolher a mão de obra
convidada a reconstruir o potencial econômico
das grandes infraestruturas de um país destruí-
do pela guerra, foram construídas soluções
provisórias para albergar essa mão de obra,
tanto pelo Estado como por iniciativa dos pró-
prios, incluindo-se nesses últimos os célebres
bidonvilles dos emigrantes portugueses (ver a
esse propósito Carvalheiro, 2008). França sofreu
uma verdadeira política urbana de pós-guerra,
cujos resultados urbanísticos estão hoje incor-
porados nas cidades do país. Das 17 cidades
francesas com mais de 50.000 habitantes, 15
foram fortemente atingidas pelos bombardea-
mentos, deixando dezenas de milhares de fa-
mílias desalojadas. Às necessidades de realo-
jamento colocadas pelos bombardeamentos,
acresceu um aumento da procura ligada à en-
trada de população imigrante. A aposta no alo-
jamento no período do pós-guerra explica que
entre 1953 e 1965 se tenham construído 2/3
dos grands ensembles5 (Vieillard-Baron, 2001).
A partir dos finais dos anos 1970 o mo-
vimento moderno, como referência conceitual
e base programática da (re)construção da ci-
dade, passa a ser muito contestado. A crítica
que geógrafos, arquitetos e urbanistas ende-
reçaram dirigia-se, num primeiro momento, à
normalização dos modelos de habitat, em es-
pecial à arquitetura demasiado sumária,6 por-
que resultante de empreendimentos confiados
a um só promotor e à generalizada escassez
no provimento de equipamentos. Fazia-se uso
de modelos de determinação da segregação
baseados na análise normativa e estatística e,
consequentemente, na determinação da des-
proporção entre equipamentos e quantitativos
populacionais a servir. Essa crítica começa a ter
impactos políticos, verificando-se ainda na dé-
cada de 1970 um abrandamento da construção
de habitação social no ritmo e na escala volu-
métrica (Vieillard-Baron, 2001).
A partir dos anos 1980, à crítica formula-
da ao modelo zonal acresce outra, que resulta
da análise da gestão dos bairros de habitação
a custos controlados – HLM (Habitation à Loyer
Modéré). Em França, esses estudos estão na
base do que viria a constituir-se como a políti-
ca de cidade7 que, apesar de direcionada para
a base construtiva (operações de demolição8 e
de reabilitação dos espaços públicos e de alo-
jamentos em muitos bairros), se orientou tam-
bém nessa fase para os processos de gestão.
Na mesma década, assiste-se à consoli-
da ção de um discurso político e acadêmico
orientado para a “crise das periferias”. Para
responder à “crise das periferias” surge,
em 1982, a Commission nationale pour le
développement social des quartiers (CNDSQ)
que sucedeu ao dispositivo Habitat et Vie
Social de 1977 (Tissot, 2007). Nesse país, e de
Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 2013 83
certo modo duas décadas depois em Portugal,
a produção científica orienta-se para méto-
dos de análise mais próximos dos contextos,
procuran do aferir os efeitos dos dispositivos
paliativos entretanto criados para territórios e
populações (a política de cidade).
De certo modo, essa viragem acompa-
nhou a procura de novas formas de olhar e de
intervir sobre os bairros segregados. Num coló-
quio organizado em Bordéus pelos centros de
estudos associados à rede Perimetro (ver Pato,
2008), a geógrafa Marie-Christine Jaillet, parti-
cipante ativa desse movimento, lembra que na
maioria dos encontros de investigadores sobre
as periferias urbanas organizados em França
nos anos 1980 se constatou a impossibilidade
de sustentar o modelo centro-periferia para ex-
plicar os processos geradores e perpetuadores
das desigualdades sociais.
A centragem na periferia9 reorientou o
estudo da polis no seu conjunto. A crescente
interdependência entre espaços ativada pe-
la “compressão do espaço” (Harvey, 1989)
sustenta-se também na reestruturação e poli-
nucleação metropolitana. O território perde o
atrito (Harvey, 1989; Ascher, 1998) e o modelo
centro-periferia, o significado explicativo. Em
alternativa, a geografia seguiu duas linhas ex-
plicativas: a que se debruça sobre as dinâmicas
de transformação metropolitana e destaca os
processos de autonomização da periferia; e a
que inscreve a segregação numa lógica de rede
assente na mobilidade (Lussault, 2003, p. 831).
A geografia passa a interessar-se já não apenas
pela produção urbana, mas também pela legi-
timação dessa produção através dos processos
de apropriação.
Nos últimos anos, a tônica tem sido co-
locada na própria intervenção. Se a construção
política dos bairros sociais em Portugal e dos
bairros genericamente designados HLM ou
cités se revela diferente, possuindo França
uma formulação política muito mais elabora-
da e articulada, em ambos os países dominam
nesses espaços residenciais populações em
situações de desfavorecimento que têm jus-
tificado a continuidade de uma intervenção
pública territorializada. Entre os dispositivos
para a formulação das formas de intervenção,
as estatísticas são fundamentais para susten-
tar o processo decisório de definição dos “ter-
ritórios” alvo de medidas de discriminação po-
sitiva e montar a máquina infraestrutural que
dê corpo àquela intervenção.
A natureza distinta e os níveis de for-
mulação política e de intervenção nas áreas
urbanas segregadas nos dois países é, desde
logo, evidente na produção estatística que
envolve a caracterização dos territórios e
populações segregadas. Sem prejuízo dessa
diferenciação, em ambos os países a análise
da segregação ocorre através de uma combi-
nação de duas das três análise propostas por
Lussault (2003) para determinar o “estado de
segregação”: a seleção de indicadores que
permitam a leitura “externa” e a avaliação e
quantificação da segregação “interna”. Mas
a seleção de indicadores (das leituras interna
e externa) seguem evoluções distintas e tra-
duzem potencialidades e limitações específi-
cas inerentes à própria tecnologia estatística,
indissociáveis das formulações políticas mais
comuns em cada país.
Comecemos pelo caso francês.
Isabel Pato e Margarida Pereira
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 201384
França: as estatísticas na avaliação de uma política de cidade (desenhada como) integrada
Desde o aparecimento, em 1945, do Institut
National de la Statistique et des Études
Économiques (INSEE), a ligação entre essa
entidade e os ministérios foi uma realidade,
mas só em 1991, com a criação do Ministério
da Cidade, se configura dentro do INSEE o pro-
grama “Villes”, especificamente voltado para
o estudo das áreas segregadas. Esse programa
traduziu-se no lançamento de um inquérito de
escala nacional sobre os bairros-alvo da políti-
ca de cidade. Através deste inquérito (financia-
do pelo mundo da ciência e da administração),
pretendeu dotar-se a política de cidade de
uma legitimidade assente quer em convicções
sociais quer na autoridade administrativa. O
inquérito beneficiou da experiência adquirida
ainda nos anos 1980 no âmbito de estudos
realizados nas aglomerações de Lyon, Reims e
Orléans (Tissot, 2007).
Esses estudos foram desencadeados
após o lançamento, em 1984, do programa
Développement Social des Quartiers, mas sua
gênese está ligada à iniciativa levada a cabo
pela associação ATD-quart monde que pre-
tendeu recensear a “nova pobreza”. Essa ini-
ciativa começou por incidir sobre a realização
de fóruns regulares sobre o tema, alargando-
-se posteriormente à produção estatística. De
fato, em 1991, essa associação conquista o
apoio financeiro do Estado e das regiões, assim
como da Caisse d’Allocation Familiales (CAF),
do Commissariat Général du Plan (CGP) e da
Direction Départementale de l’Équipement. São
produzidas duas monografias locais que, não
permitindo medir as desigualdades e compará-
-las com entidades idênticas (indivíduos e ter-
ritórios), impulsionaram a mudança do objeto
central em análise, através da estatística da
segregação, que passa da “pobreza” para os
“territórios da pobreza”.
A trajetória da produção estatística sobre
a segregação traduz, no caso francês, parte da
lógica política que acompanhou a reforma dos
bairros, inscrita na reforma do próprio Estado.
O militantismo “social”, ilustrado por associa-
ções como a ATD-quart monde, é abandonado,
para se encarar a produção estatística ao ser-
viço da ação pública, agora em nome da “mo-
dernização dos serviços públicos”. No quadro
dessa modernização, as delegações regionais
do INSEE visaram adaptar a produção estatís-
tica às especificidades da procura de potenciais
clientes. A reforma da administração constituiu
assim uma oportunidade para impor outras for-
mas de fazer mais “eficazes”, designadamente
para as funções de supervisão e controle da in-
tervenção polinucleada.
As preocupações em foco levaram à se-
leção de indicadores tradutores de “deficiên-
cias cumulativas” e à progressiva referenciação
espacial desses dados aos bairros do programa
Développement Social des Quartiers das aglo-
merações atrás referidas. Esta análise cons-
tituiu a base para a legitimação política da
seleção dos “bairros sensíveis”, uma vez que,
até aos anos 1990, esses territórios foram se-
lecionados em “função do conhecimento dos
parceiros locais” (Tissot, 2007, p. 120).
Nesta trajetória, a produção estatística
reforça a categoria de “bairro” como objeto
e como método de estudo, ampliando a aná-
lise quantitativa de indicadores econômicos e
Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 2013 85
sociais caracterizadores das respectivas popula-
ções. A utilização de indicadores referenciados
ao bairro e às aglomerações (progressivamente
estandardizada para a França metropolitana),
realizada em 1996, resulta no destaque das es-
pecificidades daqueles territórios, em contraste
com os respectivos municípios e conurbações
urbanas.10 Nessa primeira fase, os indicadores
escolhidos resultam da aplicação dos dados
do recenseamento de 1990 para os bairros da
política de cidade, entretanto referenciados
nas cartas 1/25000 do Institut Géographique
National (IGN).
Essa maneira de descrever os bairros de-
senha novas formas de interpretação, de diag-
nóstico e de ação sobre o território. Os bairros
passam a ser um objeto de conhecimento para
destacar a amplitude das diferenças entre eles
e o restante território, com implicações na le-
gitimação da política de cidade, que se afirma
definitivamente como política de Estado em
1991. A análise evolutiva, destacando o perío-
do 1990 e 1999, é parte desse processo.
Já neste milênio, equaciona-se pela pri-
meira vez a possibilidade de delimitação de
novas áreas a integrar na política de cidade a
partir dos dados do INSEE. Ou seja, considera-
-se a possibilidade de rever e/ou alargar o nú-
mero de territórios abrangíveis pela política de
cidade a partir de uma análise georreferencia-
da. Mas a dificuldade de contemplar na análi-
se os bairros não referenciados como îlot11 da
política de cidade para os quais as delegações
regionais do INSEE não procederam à desagre-
gação da informação, assim como a dificuldade
de utilizar os dados de outras administrações
com capacidade de coleta, colocou entraves a
essa opção.
Técnicos ou teóricos, os obstáculos à
estandardização dos métodos de análise e se-
leção dos territórios e do tratamento da infor-
mação mantêm o conhecimento estatístico to-
talizador12 ao nível dos grandes números, que
permitem legitimar a política de cidade e de
algum modo contrapor as representações me-
diáticas demasiado presas a sintomas (como
os motins). Os números, construídos para e a
partir da arte da governação (Foucault, 2007),
acabaram por servir apenas como “ferramenta
de convicção” caraterizadora de uma “entida-
de [que se pretende] objetiva” (Tissot, 2007).
Ou seja, a produção estatística com a estan-
dardização nacional possível acabou por não
servir para a delimitação de bairros, permitida
apenas a avaliação quantitativa de uma polí-
tica concebida de maneira clássica para atuar
sobre objetos homogêneos. Nesse sentido, para
alguns, a produção estatística é também ina-
propriada para a pretendida avaliação da polí-
tica de cidade (Tissot, 2007).
No que toca aos indicadores extraídos
dos dados coletados pelos recenseamentos
gerais, esses traduzem os problemas julgados
constitutivos na descrição administrativa dos
bairros: população e povoamento, pobreza e
precaridade, habitat e mercado de alojamento,
escolaridade e formação, emprego e vida cívica
(Tissot, 2007; Vieillard-Baron, 2001). Para além
desses, o conjunto de indicadores especifica-
mente considerados para o desenvolvimento
dos “retratos de bairro” integra a percentagem
de estrangeiros. Esse indicador mostra que a
descrição estatística não foi indiferente à ênfa-
se na fratura social e à orientação política para
a implementação de medidas para a coesão
social e territorial, muito ligadas à natureza
Isabel Pato e Margarida Pereira
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 201386
pretensamente problemática da “etnicização”
dos “bairros sensíveis” (Benveniste, 2005,
Vieillard-Baron, 2005; Body-Gendrot e Withol
de Wender, 2007).
O estudo desenvolvido em Lyon já consi-
derava a presença de estrangeiros como uma
“deficiência cumulativa” dos bairros. Mas
é nos dados não publicados (Fiches de profil
des quartiers de la Politique de la Ville) que se
reflete a valorização política da estrutura étni-
ca dos residentes dos bairros. Nessas a desa-
gregação dos estrangeiros é apresentada por
grandes grupos (magrebinos, europeus da UE,
europeus de fora da UE, …). Todos os indica-
dores destas Fiches são desagregados por ca-
tegorias de estrangeiros.
Em 2004, é criado o Observatoire
National des ZUS (Zones urbaines sensibles),
sob a alçada do Ministério da Cidade. O obje-
tivo foi a avaliação da evolução das desigual-
dades sociais e diferenças entre as ZUS e outras
zonas da cidade, considerando as transforma-
ções residenciais e urbanísticas, na saúde, no
sucesso escolar e mobilização de políticas públi-
cas. Esse organismo é responsável pela elabo-
ração do relatório anual da política de cidade a
apresentar à Assembleia Nacional. Desde então,
nas estatísticas publicadas surgem novos indi-
cadores ligados ao insucesso escolar e à delin-
quência juvenil, mantendo-se o desdobramento
dos indicadores por taxa de estrangeiros, com
exceção dos dados relativos ao insucesso es-
colar, para o qual se opta pela percentagem de
crianças com progenitores estrangeiros.
A inclusão desses novos indicadores
revela uma mudança de perspectiva dian-
te da raiz dos problemas, com ressonâncias
na forma de intervenção. Os problemas da
escolaridade e da delinquência anunciam o
retorno do papel central dos Conseils locaux
de sécurité, a primeira entidade com compe-
tências de atuação territorializada na política
de cidade, apelidados de Conseils locaux de
sécurité et de prévention de la délinquance
(CLSPD) desde 2002 (Pato, 2011). Os bairros
voltam a ser olhados como territórios dotados
de problemas intrínsecos geradores de sen-
timentos ansiogénicos, desta feita ligados à
juventude em desvio.
A alternância entre a designação “bairro
sensível” e “bairro em dificuldade”, que marca
a literatura e o discurso político nos anos 1990,
evidencia a tensão que contrapõe a perspecti-
va que atribui ao território as “causas dos seus
défices” e a perspetiva que coloca a tônica nas
insuficiências estruturais reveladas nos contex-
tos. Com a ênfase na delinquência juvenil e na
pequena criminalidade, legitima-se o recuo do
Estado social materializado no corte financei-
ro da ação social, fortemente baseada na ação
das associações locais, e no avanço de uma go-
vernação performativa de um regime de segu-
rança (Foucault, 2007).
Portugal: signifi cados políticos de uma mensuração (setorial) da segregação territorial
À luz da produção estatística para a leitura
da segregação desenvolvida em França, a de-
finição estatística da segregação em Portugal
apresenta especificidades ligadas a dois fatores
fundamentais: a natureza dos territórios segre-
gados e o cariz setorial que continua a dominar
ao nível do Estado central a perspetiva analíti-
ca e interventiva sobre esses territórios.
Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 2013 87
No que respeita à realidade urbanística
dos territórios segregados, é necessário consi-
derar duas dinâmicas que têm sido estudadas,
ora em simultâneo ora individualmente, em
função de objetivos específicos dos seus im-
pulsionadores: os bairros sociais e os bairros de
habitação precária, ausentes nas publicações
oficiais divulgadas. No que refere aos bairros
sociais importa ter presente que a lógica do
rea lojamento que esteve na sua gênese dotou-
-os de características diferentes dos bairros
HLM em França, onde, apesar de tudo, desde os
anos 1970 se manteve uma maior diversidade
socio-ocupacional.13
Em Portugal, nem sempre a habitação
social se destinou aos mais pobres. A inter-
venção do Estado Novo (1926-1974) preten-
dia suprir tanto carências de habitação para
esse grupo (ainda que de forma residual), co-
mo permitir a fixação de quadros médios em
áreas específicas do país (com destaque para
as atuais metrópoles de Lisboa e Porto), e para
o povoamento de áreas rurais, através dos co-
lonatos. Os diferentes programas de promoção
de habitação social incrementados estão pro-
fundamente ligados às modificações políticas
e socioeconômicas que atravessaram a socie-
dade portuguesa no século passado. Guerra et
al. (2001) identificam quatro fases distintas na
política de habitação social em Portugal, com
lógicas e estratégias de intervenção diferentes.
Dessas fases destacamos três ocorridas depois
da “revolução” de abril de 1974 na sequência
da qual se restaura a democracia:
1) após o 25 de abril, o Estado intenta
uma mudança através da substituição dos me-
canismos de mercado por uma estatização da
ação, tanto central como local. Em ambos os
casos, pela primeira vez, integra nas iniciativas
de promoção de habitação tanto cooperativas
como associações de moradores. Neste período
implementam-se os Planos Integrados (áreas
de expansão urbana de grande dimensão e
elevada densidade que configuravam “cida-
des novas”), os empréstimos às Câmaras (que
devido a fortes constrangimentos financeiros
se revelaram mais uma medida de mudan-
ça política do que um efetivo instrumento de
promoção habitacional) e o Programa de Auto-
-Construção (que concedia vantagens fiscais às
famílias de fracos rendimentos que desejassem
construir a habitação);
2) entre os anos 1980 e o início dos anos
1990, a intervenção estatal adota uma lógica
keynesiana dirigida aos grupos mais desfavore-
cidos. Contudo, os resultados foram marcados
pela insuficiência quantitativa, com o peso re-
lativo da habitação social no parque imobiliário
português a baixar entre 1973 e 1993. A lógica
de atuação que acabou por prevalecer foi a do
incentivo à aquisição de casa própria no merca-
do privado dirigida a famílias com capacidade
de recurso ao crédito;
3) em 1993 surge o Programa Especial de
Realojamento (PER) para as Áreas Metropolita-
nas de Lisboa e do Porto, destinado a conceder
às autarquias apoio financeiro para construção
ou aquisição de habitações dirigidas ao realo-
jamento de famílias residentes em habitações
precárias (barracas), sob a forma de benefí-
cios fiscais e parafiscais e de financiamento
bonificado.14
Na base do desenho territorial e finan-
ceiro do PER esteve o recenseamento das ne-
cessidades de realojamento realizado junto dos
municípios entre 1991 e 1992. Mas a morosi-
dade na implementação do programa e a per-
petuação das estratégias de fixação em bairros
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de habitação precária das famílias mais pobres
tornou o PER desajustado às necessidades
reais em cada bairro. Esse desajustamento ge-
rou inúmeras ações de protesto e de resistência
ao desalojamento.15
A estrutura do PER colocou os municípios
no centro da ação, em contraste com a lógica
centralizadora que caraterizou a política de ha-
bitação social até então. Mas, no que mais dire-
tamente se refere à problemática em discussão,
a lógica do realojamento revelou a prevalência
de uma perspectiva setorial centrada na habi-
tação no plano da intervenção do Estado, mes-
mo quando diversos autores continuam a ques-
tionar o teor “social” da política de habitação
social (Queiroz e Gros, 2002).
Até 1995, a produção estatística para a
caracterização da habitação social seguia uma
lógica tecnocrática orientada para a inventa-
riação e o controle financeiro. Assim se explica
em parte a degradação física a que chegaram
alguns bairros propriedade do então Instituto
de Gestão e Alienação do Patrimônio Habita-
cional do Estado (IGAPHE).16 Ou seja, o nível de
degradação dalguns desses bairros, e de outros
propriedade de instituições de caráter público-
-privado, dão conta do fraco investimento polí-
tico e financeiro na habitação social.
A partir de 1995 (e na sequência do PER)
dá-se uma ampliação da estatística produzida,
que passa a integrar novos indicadores, desa-
gregados à escala do concelho e capazes de
traduzir as dinâmicas de crescimento ocorridas
no final da década de 1990 nesta matéria.17
Já na primeira década do milênio, o conjunto
de indicadores revela novas preocupações,
mais ligadas à monitorização das transações
financeiras entre o Estado, via autarquias, e
as famílias.18 Porém, ao contrário da realidade
francesa, persistem até hoje lacunas no plano
da produção estatística para a caracterização
da realidade sociourbanística aliada a essa
forma de alojamento. Essa diferença não pode
ser dissociada da delegação nos municípios da
função de formulação e priorização política de
programas integrados capazes de pôr em rela-
ção as diferentes dimensões da vida das popu-
lações.
De fato, enquanto em França, desde os
finais dos anos 1970, a política de cidade per-
siste como política de Estado para a interven-
ção territorializada em áreas de concentração
de populações desfavorecidas, em Portugal só
em 2005, com a Intervenção “Bairros Críticos”,
o Estado central assume uma política volun-
tarista expressamente dirigida à componente
sociourbanística. Essa política teve um caráter
experimental (abrangendo apenas três bairros,
dois na área metropolitana de Lisboa e um na
área metropolitana do Porto) e não foi capaz
de impulsionar uma política de Estado assumi-
damente integrada.
Porém, na sequência da Iniciativa “Bair-
ros Críticos”, em 2010, é lançado o Inquérito
à Caracterização da Habitação Social (2009,
2011) que introduz a categoria estatística de
“bairro social”. No documento metodológico
que acompanha o referido inquérito pode ler-
-se: “A presente operação estatística resulta
da colaboração entre o INE e o Instituto da
Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) e tem
como principal objetivo a recolha de informa-
ção de base para a caracterização do parque
habitacional com vocação social em Portugal”.
(Inquérito à Caracterização da Habitação So-
cial, Documento Metodológico, 2010, p. 8).
Esse inquérito resulta de uma operação-piloto
de levantamento do patrimônio público com
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vocação social lançado pelo IHRU, em 2008.
É iniciado em 2010, com uma periodicidade
anual, e tem como ano de referência 2009.
Destina-se a analisar a situação da habitação
social em Portugal, por município, no que se
refere à:
– caracterização do parque de habitação
so cial que considera o número de bairros ou
núcleos habitacionais, número e idade dos
edifícios, e o número e tipologia dos fogos
existentes;
– forma de ocupação do parque de habi tação
social, descrita pelo tipo de ocupação, número
de contratos existentes e efetua dos e número de
fogos atribuídos por tipo de atribuição;
– receita e despesa do parque de habitação
social, incluída nas últimas a despesa com o
edificado, a conservação de equipamentos e de
estabelecimentos comerciais e ainda nas inter-
venções nos espaços públicos envolventes;
– reabilitação, que integra o número de fogos
reabilitados, a despesa prevista e gastos efeti-
vos, entre outros.
A incidência sobre os domínios físico e
financeiro e a periodicidade da coleta revelam
preocupações específicas com os bairros sociais
que merecem uma análise. Em primeiro lugar,
o inquérito representa a adoção de uma pers-
pectiva que extravasa o domínio do edificado
habitacional, considerando os equipamentos,
comércio e espaço público. Encontramos aqui
o eco do célebre artigo de Isabel Guerra “As
pessoas não são coisas que se ponham em
gavetas” (Guerra, 1994) que retrata o “gosto
pela casa e o desgosto pelo bairro” sentido pe-
los habitantes dos bairros sociais, assim como
das orientações para a construção de bairros
sociais avançadas por Fonseca Ferreira um ano
após a criação do PER (Fonseca Ferreira, 1994).
Em segundo lugar, o recenseamento de bairros
classificados como Área Crítica de Recupera-
ção e Reconversão Urbanística (ACRRU)19 nos
diferentes municípios expressa a incorporação
política da preocupação com a realidade urba-
nística ligada aos elementos de uso coletivo.
Um e outro permitem reunir informação poten-
cialmente sustentadora de uma priorização em
termos de intervenção.
Por outro lado, a periodicidade anual
adotada revela uma estratégia de avaliação e
monitorização adaptada às aceleradas dinâmi-
cas de transformação da oferta de habitação
social, tanto no que se refere aos alojamentos
disponibilizados pelos municípios, como aos in-
vestimentos financeiros associados ao PER.
Ao contrário da realidade francesa, esse
inquérito não permite nem a identificação no-
minal nem a referenciação espacial, quer dos
bairros sociais quer dos casos específicos das
áreas críticas de recuperação e reconversão
urbanística. Nas estatísticas oficiais, o bairro
social individualiza-se, mas é mantido como
indivíduo estatístico anônimo indexado a um
concelho. À semelhança do que se passa nas
estatísticas da criminalidade recolhidas nas
esquadras, nas estatísticas oficiais produzidas
para caracterizar o “estado de segregação” a
informação não é tratada com a finalidade de
se transformar em conhecimento local, mas an-
tes como um “produto para consumo externo e
político” (Durão, 2008b).
Ainda em relação com a espacialização,
e considerando as variáveis contempladas nos
recenseamentos gerais (em especial à popula-
ção e à habitação), a produção estatística em
Portugal permite diagnósticos sociais e eco-
nômicos referenciáveis aos bairros sociais re-
lativamente detalhados, aglutinando os dados
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sociodemográficos recolhidos à escala da sub-
seção20 estatística. Mas essa análise encerra
limitações que nos afastam das possibilidades
do caso francês, pois não existe uma exata cor-
respondência entre os indicadores desagrega-
dos à subseção e os disponibilizados ao nível
do concelho. Essa incompatibilidade analítica
compromete a quantificação da segregação
“interna” e “externa”. Em todo o caso, a in-
vestigação urbanística e social, quer acadêmi-
ca quer das instituições tutelares, não se tem
debruçado sobre as possibilidades que a infor-
mação caracterizadora dos défices estruturais
ligados ao perfil socioeconômico das popula-
ções residentes nos bairros sociais que as esta-
tísticas oficiais já hoje oferecem.
O confronto entre a realidade da pro-
dução estatística portuguesa e francesa que
sustenta a identidade estatística dos bairros
sociais, como medida específica da segrega-
ção, não ficaria completo sem uma referência
à produção estatística local, por um lado, e às
estatísticas produzidas pelo ministério respon-
sável pelas forças de segurança que integram
informação coletada ao nível local (esquadras
de polícia) e informação judicial, por outro.
Começando pelas primeiras, em Portugal es-
tas são asseguradas pelos municípios e outras
entidades coletoras, nomeadamente no âmbito
dos Diagnósticos Sociais de Freguesia21 ou de
programas específicos desenvolvidos por “con-
sórcios” de parceiros com intervenção na ação
social nos bairros.
Nesses inquéritos levados a cabo a ní-
vel local (do município e freguesias), de que
é exemplo o questionário que esteve na base
do estudo sobre os níveis de satisfação diante
do bairro desenvolvido há quase uma década
no município de Loures (Câmara Municipal de
Loures, 2004), a seleção de indicadores revela
a integração de preocupações políticas seme-
lhantes às identificadas em França, designada-
mente quando se questionam os habitantes so-
bre a conflitualidade entre grupos, os espaços
de conflito, a evolução da conflitualidade e os
grupos responsáveis. Do mesmo modo, a ques-
tão étnica surge na caracterização da popula-
ção inquirida, demonstrando sua pertinência
política de fato, mesmo quando essa é delibe-
radamente subvalorizada no discurso político.
A produção estatística mostra que a
ampliação da ação social sobre a tutela das
Comissões Locais de Freguesia ou do Alto Co-
missariado para a Imigração e Diálogo Inter-
cultural (ACIDI) não tem contribuído para uma
maior articulação da intervenção pública terri-
torializada como política de Estado. Porém, a
prevalência na estatística da perspectiva seto-
rial centrada na habitação não significa a ine-
xistência de uma intervenção local tendencial-
mente mais integrada, pois essa ocorre com
frequência à escala do município dentro da
lógica das “novas políticas sociais” sustenta-
das em parcerias locais. A natureza da produ-
ção estatística oficial significa que a avaliação
dessas formas territorializadas de intervenção
não integra as prioridades políticas das últimas
duas décadas.
Já atrás se referiu que a produção esta-
tística local também incorpora a questão étni-
ca, evitada nos grandes números das estatísti-
cas oficiais. Essa inclusão acompanha a amplia-
ção da intervenção pública e público-privada
no domínio da ação social dirigida aos bairros.
Nessa intervenção ganha centralidade, desde
2001, o ACIDI, contribuindo para a recorrente
sobreposição entre bairros sociais e bairros de
imigrantes. O peso da população com raízes na
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imigração explica esta tendência, mas as con-
sequências deste desenho institucional estão
ainda por apurar, na medida em que o papel do
ACIDI tem contribuído para adiar o debate que
urge sobre a necessidade de articular numa po-
lítica de Estado a intervenção integrada sobre
os territórios (todos) segregados.
Isso porque a intervenção do programa
Escolhas22 dirigido aos “jovens dos bairros” da
responsabilidade do ACIDI se caracteriza por
uma arbitrariedade na seleção dos territórios-
-alvo da discriminação positiva, na medida em
que o incremento de projetos de intervenção
depende da capacidade de se formar no terre-
no um consórcio para a intervenção.
Finalmente, no que toca às estatísticas
produzidas pelas forças de segurança, os re-
sultados de um estudo realizado pelo Minis-
tério da Administração Interna (2005) levou
à identificação no universo de bairros sociais
e de bairros de habitação precária dos “bair-
ros perigosos”, sem que fossem divulgados os
critérios que sustentam a definição dos bairros
inscritos na geografia do risco (Pato, 2011).
Posteriormente, um outro estudo da autoria
do mesmo Ministério (MAI, 2007) apelida os
territórios-alvo de uma atenção especial da
polícia de “bairros em risco”. Nesse estudo,
os critérios subjacentes àquela classificação
são divulgados, resultando da combinação de
um conjunto de indicadores: condicionantes
arquitetônicas dos bairros, densidade popula-
cional, número de residentes com anteceden-
tes criminais, número de casos de desordem
pública, número de agressões a elementos
policiais e número de casos de crimes prati-
cados por residentes (desses bairros) fora do
bairro. Consoan te esses valores são elevados/
preocupan tes, médios/significativos ou baixos/
raros, assim o bairro é classificado como de al-
to, médio ou baixo risco.
Esses estudos, apresentados através da
imprensa, dão conta de duas tendências que
marcam uma mudança da natureza da inter-
venção do Estado nesses territórios, tornando-
-se clara a prevalência da polícia como um dos
“parceiros” da territorialização da intervenção:
por um lado, a territorialização seletiva da ação
policial, muito mais artilhada e aparatosa nos
bairros (Durão, 2008a, 2008b; Wacquant, 2004;
Cunha, 2008; Pato, 2011); por outro, o forte
empenho da Polícia como macroinstituição
em dar visibilidade a essa intervenção, numa
lógica de mise-en-scène securitária revelado-
ra da instauração de um regime de segurança
(Foucault, 2007) já estudada por outros autores
a partir de outros quadros teóricos (Wacquant,
2004; Durão, 2008b).
Notas conclusivas
O artigo refletiu sobre as relações entre a pro-
dução estatística caraterizadora das áreas ur-
banas marcadas pela segregação territorial e a
natureza das políticas de discriminação positi-
va que caraterizam a governação urbana con-
temporânea. Enquanto em França a produção
estatística revela preocupações de avaliação da
política de cidade orientada para uma interven-
ção territorial tendencialmente mais integrada,
ao articular variáveis do domínio urbanístico
e socioeconômico, em Portugal a produção
estatística centralizada mantém o caráter se-
torial que tem marcado a intervenção públi-
ca definida a nível central. A centralidade da
habitação na problematização da questão da
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concentração da pobreza traduz a preocupação
do controle por parte do Estado do processo de
implementação do PER.
O conhecimento sobre a segregação es-
pacial sustentado na análise de um conjunto
de indicadores potencialmente reveladores
dos contrastes entre os bairros e entre esses
e os espaços envolventes (as comunas e aglo-
merações urbanas) desenvolvida no caso fran-
cês não se realiza em Portugal. Daqui decorre
que a análise estatística da intervenção em
matéria de habitação não foi suficiente para
permitir empreender uma efetiva análise ur-
banística, designadamente por descurar a re-
ferenciação espacial dos bairros segregados.
Trata-se, assim, sobretudo de empreender
um controle à distância, baseado nos grandes
números, uma vez que o tratamento da infor-
mação publicada não permite a construção de
conhecimento local.
Simultaneamente, assiste-se ao aumento
do interesse pelas estatísticas locais capazes de
apoiar o processo de decisão política como res-
posta à necessidade crescente de coordenação
e supervisão dos processos de intervenção ter-
ritorializados, mas também como forma de dar
visibilidade à intervenção municipal.
Finalmente, a introdução de indicadores
na classificação dos bairros segregados, ligados
não ao retrato estrutural da segregação, mas
às características (julgadas) intrínsecas aos
territórios em termos de composição étnica e
(in)segurança, revela uma mudança no estilo
de governação em ambos os países que segue
duas tendências: instauração paulatina de um
regime de segurança, tal como o conceitualiza
Foucault (2007), ou seja sustentador de uma a
intervenção territorial seletiva (da Polícia, da
Escola23…) mais orientada para o controle e
a repressão; e empenho na elaboração de um
conhecimento estatístico totalizador que dá vi-
sibilidade ao aparatus estatal, e que se inscreve
no jogo de transparência versus ocultação de
informação para evitar a revelação pública de
matérias sensíveis.
Essas conclusões autorizam a colocação
de novas questões quando se pretende pers-
pectivar formas de governação urbana capa-
zes de intervir sobre a redução e/ou a diluição
da segregação urbana. Uma primeira questão
prende-se com a criação de instrumentos geo-
estatísticos que possam traduzir os efetivos dé-
fices estruturais que introduzem e perpetuam
fragilidades nos territórios e populações segre-
gadas, diante de outros territórios. Em ligação
com a primeira, uma segunda questão declina
mais diretamente da relação entre a produ-
ção do conhecimento estatístico e o exercício
do poder e remete para o aprofundamento do
conhecimento sobre os efetivos modelos de
governação (da segregação) urbana à escala
local, num momento em que se coloca a ne-
cessidade de reforço da coordenação e super-
visão estatal.
Enfim, num tempo em que é indispen-
sável gerir a tensão entre a desnacionalização
dos territórios das cidades (Brenner, 2010) e
assegurar a equidade territorial (intra) urba-
na, como construir o conhecimento estatístico
para a avaliação e a intervenção pública, asse-
gurando que as estratégias de territorialização
não passem de formas específicas de controle
e repressão e/ou de ferramentas de suporte
da transferência para a sociedade civil e par-
ceiros sociais da função pública de garantia de
justiça social?
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Isabel Pato Licenciada em Geografia e Planeamento Regional; Mestre em Planeamento Regional e Urbano; Pro-fessora Doutora em Geografia Humana; Investigadora do e-Geo – Centro de Estudos em Geografia e Planeamento Regional da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, [email protected]
Margarida PereiraLicenciada em Geografia; Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica em Geografia e Planeamento Regional; Professora Doutora em Geografia e Planeamento Regional, especialidade de Planeamento e Gestão do Território; Professora Associada do Departamento de Geografia e Pla-neamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; Investigadora do e-Geo – Centro de Estudos em Geografia e Planeamento Regional da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, [email protected]
Notas
(1) No conjunto de casos analisados na obra supracitada, são sobretudo os Estados com regimes de proteção universal menos fortes que mais territorializam a proteção social em territórios e grupos alvo (Delcourt, 2008).
(2) Limite administra vo e polí co de menor dimensão em Portugal.
(3) Ainda que as normas e normalizações postas em prá ca numa economia de poder específi ca tendam a sustentar-se nas organizações já existentes no terreno e/ou a gerar outras organizações muito próximas das primeiras.
(4) XII Cahier de la Fonda on Na onal des Sciences Poli ques que o geógrafo dirigiu (Vieillard-Baron, 2001, p. 90).
(5) Em 1948, o número de alojamentos construídos para habitação social rondava os 40.000 e em 1959 os 320.000. A duração da construção por empreendimento médio passou no mesmo período de cerca de 3.500 horas para menos de metade – cerca de 1.250 horas (Pinson, 1992, in Vieillard-Baron, 2001). O mesmo autor cita vários estudos que ques onaram a construção massiva de alojamentos diante da oferta de habitação a reabilitar e desocupada.
(6) Entre a Lei de Prorrogação das ZUP (Zones Urbaines Prioritaires), em 1959, e a lei de orientação fundiária que ins tui as ZAC (Zones d’Aménagement Concerté), em 1967, a maioria dos grandes conjuntos habitacionais resultou em construções massivas, de que é exemplo a “cité 4000” na Commune de Courneuve, urbanização que veio alojar mais de 15.000 habitantes, cuja construção se fez por processos experimentais de prefabricação pesada.
(7) A poli que de la ville (aqui designada de polí ca de cidade) não signifi ca no sen do literal uma atuação dirigida a toda a cidade. Trata-se de uma polí ca orientada para áreas específi cas da cidade: os “bairros sensíveis”, defi nidos em função de problemas de alojamento, problemas ligados ao quadro sico, socioeconômico, de emprego, de escolaridade, de saúde, de segurança pública e de equipamentos.
Isabel Pato e Margarida Pereira
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(8) Desde 1988 es mam-se cerca de 5.000 alojamentos demolidos por ano, o que corresponde a uma taxa de demolições (rela vamente aos existentes) de 0,5%. A região parisiense concentra ¼ do total de demolições da França metropolitana. O Plan Na onal de Renouvellement Urbain (1999) previu a aceleração dos processos de demolição. O ministro da Cidade propõe chegar na década seguinte a valores entre os 10.000 e os 15.000. As demolições não são consideradas um “fi m em si mesmo” nem um “ato de urbanismo nega vo”, mas encaradas como a úl ma solução, quando tudo o resto já tenha sido tentado sem sucesso (Vieillard-Baron, 2001).
(9) Ainda Vieillard-Baron (2001) ques ona a per nência da associação da problemá ca dos “bairros” à periferia, alegando que, em 1994, antes da generalização dos contrats de ville da política de cidade, à parte da região parisiense, mais de metade dos bairros considerados sensíveis pertencem aos centros das cidades.
(10) Uma conurbação corresponde a uma aglomeração formada pela união de vários centros urbanos inicialmente separados por espaços rurais (INSEE, Conceitos, h p://www.insee.fr/fr/methodes/default.asp?page=defi ni ons/conurba on.htm, acessado em 24 de setembro de 2012).
(11) Unidade mínima territorial considerada na produção esta s ca em França.
(12) Foucault (1975) propõe a oposição entre conhecimento individualizador e conhecimento agregador. Seguindo essa proposta, o primeiro preocupa-se com o conhecimento público acerca do objeto e é dominantemente lido através dos comportamentos de indivíduos estatísticos como en dades discretas, enquanto o segundo corresponde às esta s cas como contraponto agrega vo necessário ao desenho das prá cas e das possibilidades da governação liberal, mas também à reiteração da visão mundana da realidade dos bairros e dos modos de intervenção sobre os bairros.
(13) Designadamente pela presença de profi ssionais de serviços benefi ciaram de formação, tais como trabalhadores do comércio, prestadores de serviços especializados da restauração, vigilantes e trabalhadores em serviços pessoais de higiene e embelezamento. Essa tendência foi também iden fi cada na análise da organização social em quatro metrópoles brasileiras – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre – a par r da pesquisa realizada durante quinze anos no Observatório das Metrópoles (Lago e Mammarella, 2010).
(14) O fi nanciamento estatal contemplou apoios des nados à aquisição de terrenos, infraestruturação e construção. Dez anos mais tarde, em face do evidente desajustamento entre o PER e a realidade do setor da habitação, o regime jurídico deste programa é revisto e passa a integrar também a reabilitação.
(15) Ver a este propósito o documentário Via de Acesso, de autoria de Nathalie Mansoux (2008).
(16) Organismo que juntamento com o Instituto Nacional de Habitação (INH) compõem hoje o Ins tuto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) com a tutela da habitação social.
(17) São exemplos desses indicadores o número de divisões, o número médio de divisões, a super cie habitável das divisões, o número de pavimentos, entre outros. Para esses indicadores, passam a considerar-se os valores para os fogos licenciados e fogos concluídos.
(18) Destacam-se os seguintes indicadores: número de contratos de compra e venda, montante financeiro envolvidos nestes contratos, valor médio dos prédios hipotecados, entre outros, todos desagregados por concelho.
Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
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(19) As Áreas Crí cas de Recuperação e Reconversão Urbanís ca (ACRRU) são defi nidas como áreas do parque de habitação social “em que a falta ou insufi ciência de infraestruturas urbanís cas, de equipamento social, de áreas livres e espaços verdes, ou as defi ciências dos edi cios existentes, no que se refere a condições de solidez, segurança ou salubridade, a njam uma gravidade tal, que só a intervenção da Administração, através de providências expeditas, permita obviar, efi cazmente, aos inconvenientes e perigos inerentes às mencionadas situações.” (Inquérito à Caracterização da Habitação Social, Documento Metodológico, 2010, p. 8).
(20) Unidade mínima espacial nas estatísticas portuguesas, usualmente coincidente com um quarteirão urbano.
(21) Os Diagnósticos Locais de Freguesia são a base para a intervenção das Comissões Locais de Freguesia, criadas em 2007. São compostas por um conjunto de en dades empenhadas na ação social local que se comprometem dentro do quadro da Lei a trabalhar em Parceria. A criação das Comissões Locais de Freguesia enquadra-se na tendência das novas políticas sociais de envolvimento da sociedade civil nos processos de governação passíveis de subsidiariedade.
(22) Programa de âmbito nacional de incidência territorial, tutelado pela Presidência do Conselho de Ministros, e fundido no Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI) que visa promover a inclusão social de crianças e jovens provenientes de contextos socioeconômicos mais vulneráveis, par cularmente dos descendentes de imigrantes e minorias étnicas, tendo em vista a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social (h p://www.programaescolhas.pt/apresentacao).
(23) Concre zada nos Territórios Educa vos de Intervenção Prioritária.
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Texto recebido em 26/set/2012Texto aprovado em 5/nov/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013
Luces y sombras sobre el territorio. Refl exiones en torno a los planteamientos
de la OPS/OMS en América Latina*
Lights and shadows on the territory. Refl ectionson the planning performed by the PAHO/WHO in Latin America
Magdalena ChiaraAna Ariovich
ResumenLa incidencia de las variables socio ambientales,
las condiciones de localización y los factores
mov i l idad , son prob lemas que l laman a
aproximarnos a la salud desde un enfoque
territorial, buscando no sólo localizar los procesos
de salud-enfermedad sino también comprender
sus relaciones recíprocas. El trabajo recorre las
distintas propuestas de la OPS/OMS que orientaron
el diseño de política sanitaria en América Latina y
el Caribe en las últimas seis décadas destacando
sus contribuciones e insuficiencias para pensar
la cuestión territorial, haciendo referencia a las
políticas implementadas en Argentina y Brasil. El
trabajo echa luz sobre las nociones de territorio
implícitas en estos planteos bis a bis el papel que
cada una de ellas confi ere a los actores, mostrando
la necesidad de construir un diálogo entre política
sanitaria, geografía y análisis de políticas.
Palabras clave: salud; política sanitaria; territorio;
OMS/OPS; actores.
AbstractThe impact of social-environmental variants, of location and of mobility factors is a problem that demands an analysis of health according to a territorial approach, in an attempt not only to locate the health-disease processes but also to understand their mutual relations. The study investigates the various proposals of the PAHO / WHO that guided the design of the health policy in Latin America and the Caribbean in the last six decades, highlighting their contributions and shortcomings to reflect on the territorial issue, and referring to the policies implemented in Argentina and Brazil. The study sheds light on the notions of territory implied in these proposals and on the role that each one of them gives to the actors, showing the need to build a dialogue between health policy, geography and policy analysis.
Keywords: health; health policy; territory; WHO/PAHO; actors.
Magdalena Chiara e Ana Ariovich
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013100
Introducción
Aunque evidente en su materialidad, la relación
entre “salud” y “territorio” es una encrucijada
que ha sido escasamente visibilizada desde
la mirada sectorial, enfrentando el riesgo de
opacar matices y obturar nuevas preguntas.
Con el interés de echar luz sobre esta
relación, este trabajo hace un recorrido “desde
adentro” de la política sanitaria interrogando
a las directrices de la OPS/OMS en relación a
cómo ha ido apareciendo la cuestión territorial
y cuáles han sido los actores jerarquizados
en esa construcción. La importancia de este
análisis radica en que estas orientaciones
expresan modelos descriptivos y normativos
que dialogan con las lógicas profesionales
y académicas, legit imando prácticas y
aportando modos de analizar la política
sanitaria y su contexto.
Una mirada apresurada podría concluir
que el territorio ha estado ausente en la
mirada sectorial; sin embargo, el recorrido
realizado en este trabajo muestra la aparición
de distintas nociones en estos planteamientos:
desde la imagen de “control militar” de
mediados del siglo pasado expresado en los
programas de erradicación de la viruela y
la malaria, hasta conceptos más complejos
presentes en las propuestas de redes de
servicios de salud, dando cuenta de un proceso
de construcción histórica y conceptual que vale
la pena interrogar.
El trabajo comienza presentando los
hitos más significativos de las propuestas
de la OMS/OPS en los últimos sesenta años
para, posteriormente, poner el foco en cómo
fue emergiendo la cuestión territorial en
las orientaciones de política sanitaria para
América Latina y el Caribe, con particulares
referencias a las políticas en Brasil y Argentina.
F i n a l i z a e l r e c o r r i d o , c o n u n a
sistematización de los aportes de estos
planteos y la identif icación de aquellas
insuf iciencias que aler tan acerca de la
necesidad de construir un diálogo entre política
sanitaria, geografía y análisis de políticas.
Estrategias y modelos: principales hitos en los planteos de OPS/OMS
Hacia mediados del siglo XX, las Naciones
Unidas (ONU) creó la Organización Mundial
de la Salud (OMS), organismo responsable
de establecer la agenda de investigaciones
prioritarias en salud, articular opciones de
política, prestar apoyo técnico a los países y
vigilar las tendencias sanitarias mundiales,
estableciendo a la Organización Panamericana
de la Salud (OPS) como su oficina regional en
las Américas.
Desde entonces, ambos organismos
ocupan un lugar preponderante en la
conceptualización de la “cuestión sanitaria”,
siendo responsables (a t ravés de sus
propuestas y directrices) de la reorganización
de los sistemas de salud y de la formulación
de políticas en la región. El combate contra
las enfermedades transmisibles a través de
los “Programas Verticales”, el modelo de la
“Atención Primaria de la Salud”, la propuesta
de los “Sistemas Locales de Salud”, la
estrategia de los “Determinantes Sociales
de la Salud”, la propuesta de “Municipios,
Luces y sombras sobre el territorio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013 101
Ciudades y Comunidades Saludables” y el
modelo de “Redes Integradas de Servicios de
Salud”, son los hitos principales en estas seis
décadas (Figura 1). Se trata de propuestas,
estrategias y /o modelos que presentaron
continuidades y rupturas en los modos como
conceptualizar el proceso salud-enfermedad,
en los instrumentos propuestos y en los actores
privilegiados, que estuvieron y están presentes
en la arena sectorial con distinta capacidad de
orientación de las políticas.
Entre los años 1946 y 1958, el combate
de las enfermedades transmisibles (viruela y
malaria) organizó el modo de pensar y de hacer
política sanitaria. La noción de “erradicación”,
fundada en los adelantos científicos como el
descubrimiento de vacunas y del DDT (Dicloro
Difenil Tricloroetano), animó la acción de la
recientemente creada OPS, identificando a
éstas como enfermedades a ser erradicadas.
En este contexto se forja el modelo de los
“programas verticales” que sigue vigente hasta
la actualidad, conviviendo con otras formas
de concebir la política sanitaria, denominadas
“horizontales” (Tobar et al., 2006, pp. 15-18).
Esta forma de organizar la política sanitaria
logró la eliminación de la viruela y la declaración
de su erradicación en la Asamblea Anual de la
Salud de 1980, dejando importantes huellas en
la institucionalidad del sector: la creación de las
unidades de epidemiología en los ministerios,
las rutinas de vigilancia epidemiológica y
la aplicación de programas de control de
enfermedades transmisibles (OMS, 1974).
Figura 1 – Planteamientos de OPS/OMS (1950 a la actualidad)
Redes Integradas de Servicios de Salud (2007)Municipios y
Ciudades Saludables(1998 Declaración de Atenas)
Determinantes Socialesde la salud(2004/2008)
Sistemas Localesde Salud (SILOS) (1988)
Atención Primariade la Salud(1978, Declaración deAlma Ata y2005 Renovación de APS para las Américas)
Programas Verticales(Control de enfermedades Transmisibles)(1946/58)
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Sin embargo, el combate de la malaria
fue menos exitoso; la reaparición de casos
puso en evidencia otros factores asociados
al mosquito, lo cual llevó a reemplazar la
política de erradicación por una política
de control (Tobar et al., 2006, p. 18). La
vigilancia epidemiológica focalizada en grupos
y territorios en situación de vulnerabilidad,
sentó las bases de las orientaciones que
reaparecerían (décadas más tarde) de la mano
de los organismos internacionales de crédito
en los noventa con la focalización.
Un nuevo planteo, el de las intervenciones
horizontales se abrió paso con el modelo de
la Atención Primaria de la Salud (APS) en
un contexto caracterizado por el progresivo
crecimiento de la poblacional mundial y por
altas tasas de natalidad y de mortalidad
infantil, acompañadas con una expectativa
de vida bastante baja. En la Conferencia
Internacional sobre la Atención Primaria de la
Salud de Alma Ata desarrollada en el año 1978,
la OMS reconoció a la APS como estrategia
de atención integral de la salud, basada
en la prevención de la enfermedad y en la
promoción de la salud (OMS, 1978, punto IV).
En la amplitud del consenso con el que contó
esta estrategia desde aquella declaración,
convivieron enfoques diferentes de concebir la
APS (Rozenblat, 2007; Forti, 2009).
Dos décadas más tarde y en un intento
por consolidar una noción convergente
de APS, la OPS propuso la “Renovación
de la Atención Primaria de la Salud en las
Américas”, como forma de afrontar los
nuevos desafíos epidemiológicos y mejorar las
persistentes inequidades en la atención. Esta
concepción reformulada de APS, recupera
integralmente los contenidos presentes en
los distintos enfoques: acceso y cobertura
universal ; atención integral e integrada;
promoción y prevención; orientación familiar
y comunitaria; mecanismos de participación
activa; políticas y programas pro-equidad;
p r i m e r c o n t a c t o ; r e c u r s o s h u m a n o s
apropiado ; recursos f ísicos adecuados ;
acciones intersectoriales (OPS, 2005).
Los ejemplos de iniciativas orientadas
al fortalecimiento de la APS en la región
son abundantes y diversos. En el marco
del Sistema Único de Salud (SUS) de Brasil,
merece destacarse el Programa Salud de
la Familia (PSF)1 que fue desarrollándose
desde 1994 de manera progresiva a partir de
experiencias pilotos dispersas, hasta llegar
a convertirse en una propuesta de alcance
nacional bajo la órbita del Ministerio de Salud
(Suárez-Bustamante, 2010; Harzeim, 2011).
Basado en Equipos Básicos con población
a cargo, el programa busca reorganizar la
práctica asistencial centrando sus acciones
en la atención integral de la familia, con
especial énfasis en la prevención y promoción
(Gomes-do-Espírito-Santo et al., 2008; Schillig
Mendoza, 2011).
En el caso argentino, la prioridad
sobre la atención primaria de la salud fue
establecida más recientemente a través del
Plan Federal de Salud (PFS) (2003/7) y se
expresó de manera singular en el Programa
PROAPS/Remediar (posteriormente sucedido
por el FEASP/Remediar+Redes),2 el Programa
Médicos Comunitarios y, más recientemente,
el Plan Nacer (actualmente denominado
“Nacer/Sumar”). Los centros de atención
primaria de la salud (CAPS) son para estas
iniciativas efectores estratégicos a fortalecer
a través de la provisión de medicamentos
Luces y sombras sobre el territorio
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esenciales (Maceira, Apella y Barbieri, 2005),
la incorporación y formación de recursos
humanos profesionales en APS (Rossen, 2006)
y el aporte de recursos financieros contra
cumplimiento de metas sanitarias sobre
población en el Plan Nacer (Potenza, 2012).
Si bien la APS fue enérgicamente
sostenida hasta la actualidad, convive a su vez
con otras estrategias y modelos que fueron
apareciendo a partir de mediados de la década
de los ’80. En la década de los ochenta, el
modelo de los “Sistemas Locales de Salud
(SILOS)”3 fue concebido por OPS como un
camino complementario para alcanzar un
uso más eficiente de los recursos en un
escenario regional de fuerte crisis económica.
Estos sistemas han sido definidos como: “un
conjunto interrelacionado de servicios de salud,
sectoriales y extrasectoriales, responsable
de la salud de una población en una zona
específica cuyos límites son casi siempre los de
una o varias unidades geopolíticas” (Gutiérrez,
1991, p. 618). En términos generales, los SILOS
planteaban la profundización de los principios
básicos establecidos por APS, pero enfatizando
la jerarquía de la acción local como instancia
estratégica para lograr la adecuación de
la atención a las demandas y necesidades
particulares de los territorios implicados.
La jerarquización de la arena local que
expresan estas orientaciones estructuró parte
de las reformas del sector en Brasil. Con el
proceso de descentralización y municipalización
de la atención, los gobiernos locales se
convirtieron en actores fundamentales de
la provisión universal de servicios sanitarios
básicos (Falleti, 2007; D'Ávila Viana et al.,
2009). Este proceso se inicio a comienzos de la
década de los 80’ y se consolidó en el año 2000
proveyendo las bases técnicas y operativas
sobre las cuales se organizó el SUS, en cuyo
contexto la autonomía municipal sobre la
atención ambulatoria (bajo ciertas condiciones
de regulación) pasó a tener un rol destacado
(Arretche, 2003). En la estructura institucional
del SUS, los servicios básicos de salud son
gestionados por el municipio, mientras que los
niveles más complejos de asistencia se prestan
por contrato o convenio con la red privada o
estatal (Azevedo Mercadante et al., 1994).
A diferencia de lo que sucede en Brasil,
el caso argentino no presenta claridad en
la distribución de funciones entre niveles
de gobierno existiendo distintas realidades
provinciales en cuyas historias se fueron
forjando estructuras sanitarias con distinta
potestad de los municipios sobre los servicios
de salud. En algunos casos, esas diferencias se
deben a procesos de descentralización hacia
los municipios; en otros, se trata de situación
de vieja data resultado de la provincialización o
municipalización de hospitales originariamente
a cargo de instituciones de la beneficencia;
las provincias de Córdoba, Corrientes, Buenos
Aires y más recientemente Santa Fe y Misiones
son ejemplos de esta diversidad.
Saltando las fronteras del sector, la
década de los ’80 albergó otra propuesta
que jerarquizaba el nivel local, enfatizando
el desafío de gobernabilidad con que se
enfrentaban las ciudades. La iniciativa
“Municipios, Ciudades y Comunidades
Saludables” buscó aplicar la promoción de
la salud a los contextos locales, adaptándose
favorablemente a los escenarios de la
descentralización, proceso en curso en los
países de América Latina desde los ochenta y
que se profundizaría en la década siguiente de
Magdalena Chiara e Ana Ariovich
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013104
la mano de las reformas neoliberales. Desde esta
perspectiva, un municipio o comunidad puede
ser “saludable” si presenta una estructura para
trabajar por la salud o si comienza un proceso
para conseguirlo, promoviendo la adopción de
estilos de vida saludables y creando entornos
que los favorezcan. Sin duda, esta iniciativa
demanda el desarrollo y fortalecimiento de
la acción intersectorial, la participación de la
ciudadanía y la gobernanza (conformación
y fortalecimiento de las redes) para su
implementación.
Pasado el decenio neoliberal, y habida
cuenta del desplazamiento que sufrió la OPS/
OMS por parte de los organismos multilaterales
de crédito, emergió una nueva propuesta que
colocó a la problemática de la salud en un
contexto más amplio. Reconociendo como
principal y más remoto antecedente el Informe
Lalonde de 1974, el planteamiento de los
“Determinantes Sociales de la Salud (DSS)”
fue impulsado desde finales de la primera
década de este siglo, con el objetivo de lograr
mejores impactos sobre las poblaciones.
Desde este abordaje, se buscaba integrar en
la perspectiva sectorial a factores económicos,
educativos, ambientales, culturales y de
género, tradicionalmente considerados como
externos al sector, como causas de parte de
las desigualdades sanitarias entre países
y dentro de cada país (Comisión sobre los
Determinantes Sociales de la Salud /OMS,
2008, p. 1) . Esta forma de concebir los
problemas involucraba, necesariamente, a
otros sectores cuyas acciones tienen impacto
directo sobre la situación de salud de una
población determinada.
Contemporáneamente con es tos
debates, la OPS/OMS recupera esta perspectiva
en el análisis de las particularidades que
presentan los determinantes sociales en
los entornos urbanos, haciendo eje en tres
cuestiones: la gobernabilidad, la métrica
de los problemas sanitarios urbanos y los
determinantes de la salud y la equidad (OPS,
2008). Desde el concepto de “salud urbana”
comienza a abrirse una nueva orientación
en el enfoque de los determinantes sociales,
que pretende analizar cómo se manifiesta en
cada ciudad los determinantes de la salud,
y cómo el estudio de estos determinantes
debe traducirse en acciones multisectoriales
y participativas vinculadas con la promoción
de la salud y con la formulación de políticas
públicas en contextos urbanos (OPS/OMS,
2011a).
Anidando en la propuesta de los
SILOS y en el marco de la ya mencionada
“Renovación de la APS en las Américas” del
año 2005, comenzó a promoverse de forma
sistemática el desarrollo y fortalecimiento de
redes de atención de salud como respuesta a
la fragmentación que se profundizaba en los
países de la región. En el marco de la de la XVII
Cumbre Iberoamericana de Ministros de Salud
de 2007 se señaló la importancia y necesidad
de desarrollar redes basadas en la atención
primaria, financiadas por presupuesto público
y que garantizaran una cobertura universal.
Recogiendo los problemas emergentes del
balance de las reformas neoliberales, se
atribuía esta segmentación al predominio
de programas focalizados en enfermedades,
riesgos y poblaciones específicas, la separación
de los niveles de atención como producto de
la descentralización de los servicios y a los
déficits en la cantidad, calidad y distribución
de los recursos.
Luces y sombras sobre el territorio
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F r e n t e a e s t o s p r o b l e m a s , l a
conformación de redes fue visualizada como
una estrategia de integración de los servicios
de salud. Aunque la noción de Redes Integradas
de Servicios de Salud (RISS) admite múltiples
interpretaciones, la OMS (2008) ha formulado
una definición amplia, que comprende distintas
modalidades de integración: “La gestión y
entrega de servicios de salud de forma tal que
las personas reciban un continuo de servicios
preventivos y curativos, de acuerdo a sus
necesidades a lo largo del tiempo y a través
de los diferentes niveles del sistema de salud”
(OPS/OMS, 2008, p. 9).
N u e v a m e n t e e n c o n t r a m o s e n
Brasil y en Argentina ejemplos de esta
perspectiva aunque con diferente nivel de
organicidad. Reconociendo los avances
pero también las limitaciones que mostró
la estructura municipalizada que resultó de
la descentralización del SUS en Brasil, hacia
principios de la década del 2000, a través de
la Norma Operacional de Asistencia a la Salud
(NOAS) se llevó adelante la regionalización
como “estrategia necesaria para que el
proceso de descentralización se profundizara
pari passu la organización de la red de
asistencia, dando mejor funcionalidad al
sistema y permitiendo una provisión integral de
servicios a la población” (Dourado y Mangeon
Elías, 2011, p. 207). En ese nuevo contexto
institucional, la esfera estadual pasó a ordenar
el proceso de regionalización sanitaria con un
Plan Director de Regionalización, instrumento
que traduciría la planificación regional de
acuerdo a las particularidades de cada estado
conforme los recursos disponibles (Dourado
y Mangeon Elías, 2011 y Dourado, 2010).
El caso argentino muestra experiencias
que, recuperando el modelo de redes de
servicios, desafían las complejidades de
un sistema altamente fragmentado pero
universal. Merecen destacarse la experiencia
del Hospital El Cruce Alta Complejidad en
Red,4 el Programa Nacional de Cardiopatías
Congénitas5 (incorporado desde hace más de
dos años al Plan Nacer) y el Programa FEASP
(Fortalecimiento de la Estrategia de Atención
Primaria de la Salud)/ Remediar+Redes.
El recorr ido real izado hasta aquí
muestra distintos modelos y estrategias
que han coexistido y continúan conviviendo
en los planteos de la OPS / OMS. Estas
propuestas han interrogado y diagnosticado
los problemas, delineando a su vez el diseño
de posibles soluciones que se expresan en
distintas iniciativas en la región. Esta rápida
retrospectiva pone en evidencia continuidades,
algunas rupturas e importantes núcleos de
complementariedad que podrían ser indagados
desde muy diferentes puntos de vista.
E n e s t e t r a b a j o n o s i n t e r e s a
hacer foco en un aspecto que adquiere
particular relevancia para el análisis de la
implementación de la política de salud: las
distintas nociones de territorio que cobran
vida en estos planteos, los actores que se
privilegian y que las sostienen y su capacidad
de organizar desde las ideas la práctica en la
implementación.
Magdalena Chiara e Ana Ariovich
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La emergencia de la dimensión territorial y sus actores
Desde mediados del siglo pasado, las
directrices de la OPS/OMS han modelado
la institucionalidad en salud, orientando
financiamientos, proponiendo formas de
organización, apor tando instrumentos,
definiendo competencias a desarrollar y
difundiendo modos de conceptualizar las
políticas.
De las d is t in tas aprox imac iones
posibles, retomamos una perspectiva del neo-
institucionalismo que enfatiza la relevancia que
tienen los mapas cognitivos en el modelado de
las preferencias de los actores: concepciones
particulares del mundo que se encuentran
vinculada a los procesos culturales que dan
sentido a la acción. Desde esta interpretación,
[...] las instituciones son las convenciones soc ia les ( comprendiendo en éstas a los símbolos, r itos, costumbres y significados) a partir de las cuales los individuos interpretan el mundo que los rodea y crean su concepción de la realidad social. Los individuos son socializados en una cierta perspectiva del mundo, aprenden las convenciones sociales y con ellas construyen una forma aceptada de hacer las cosas; esto uniforma el comportamiento y facilita la interacción social. (Vergara, 2001, p. 2)
Desde esta perspectiva y retomando
conceptos de la geografía y del análisis
de políticas, resulta interesante interrogar
e l d e r r o t e r o q u e h a n s e g u i d o l a s
conceptualizaciones de la OPS/OMS acerca
de la política sanitaria, poniendo el foco en
cómo ha ido apareciendo la cuestión territorial
y cuáles han sido los actores jerarquizados
en esa construcción. Retomamos, a modo
de ejemplo, algunas de las iniciativas de
Brasil y Argentina recuperando las nociones
de territorio implicadas en la práctica de las
políticas.
Los modos de conceptualizar la noción de
territorio en el campo de las ciencias sociales
han ido progresivamente abandonando
visiones espacialistas, moviéndose hacia otras
concepciones que dan cuenta de su carácter
histórico (Dematteis y Governa, 2005 y Amin,
2005). En esta última perspectiva, que destaca
el carácter construido, dinámico, determinante
y determinado del espacio por la acción de los
actores,
[ . . . ] l a t e r r i t o r i a l i d a d [ p u e d e entenderse]… como relación dinámica e n t r e l o s c o m p o n e n t e s s o c i a l e s ( economía , cu l tura , ins t i tuc iones , poderes) y aquello que de material e inmaterial es propio del territorio donde se habita, se vive, se produce. (Dematteis y Governa, 2005, p. 33)
Esta aproximación jerarquiza aquellos procesos
enlazados que se dan entre los actores (y sus
relaciones en el entramado) y el territorio, en
el seno de los cuales se inscribe el campo de la
política sanitaria.
Dado que el territorio es el escenario en el
que tiene lugar y se configura la fragmentación
y la inequidad de los sistemas sanitarios en
América Latina, parece importante interrogar
a las propuestas de la OPS /OMS en su
potencial para conceptualizar la cuestión
territorial, dando cuenta del alcance y de las
insuficiencias que presentan para incorporar al
territorio en la agenda de salud.
Luces y sombras sobre el territorio
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La noción de control epidemiológico
El modelo denominado de “los programas
ver t icales” es quizás uno de los más
cuestionados pero paradójicamente aquel que
sobrevivió junto a otras orientaciones que se
sucedieron, denominadas – en oposición –
“aproximaciones horizontales”.
Surgido en la postguerra en el periodo
denominado llamamiento regional a las
armas contra las enfermedades transmisibles,
el modelo de los programas verticales fue
tributario de dos procesos: los adelantos
científicos como el descubrimiento de las
vacunas y del DDT (Tobar et al, 2006, pp.
15-16) y el desarrollo de las instituciones del
Estado Social, caracterizado por la creación
de una red pública subsidiada por y/o provista
por el Estado, pero en el caso de América
Latina con fuertes limitaciones territoriales
(Andrenacci y Repetto, 2006, p. 10).
Inscripto en una lógica top-down, este
modelo busca resolver (“erradicar” en el
planteo original y más extremo) un problema
de salud a través de estrategias independientes
que comprenden la fijación de normas de
atención, la organización adecuada de los
recursos y la racionalización del uso de la
tecnología, en el marco de un marco temporal
adecuado (Tobar et al., 2006, p. 16).
Estas ideas fuerza se traducen en una
concepción mecanicista de la organización
sanitaria que jerarquiza el poder central,
en tanto responsable del entrenamiento
y la gestión de los recursos humanos. La
posibilidad de disponer de la tecnología y la
vocación por hacerla accesible a la población
afectada, convergen con el desarrollo de las
instituciones centralizadas del Estado social
en la región, jerarquizando a los Ministerios
nacionales.
El territorio aparece en esta perspectiva
como objeto de un control pol í t ico y
epidemiológico en el contexto de la expansión
y desarrollo de las instituciones centrales
del Estado Social en la región; fundado
en diagnósticos que están asociados a la
tecnología disponible a difundir y en las
normas que se deben aplicar. Con relación a
esto último, un rasgo merece destacarse: la
construcción epidemiológica en función del
objetivo de erradicación de una enfermedad
t iene como consecuencia un terr itorio
homogéneo, o bien la necesaria (en el
contexto de esta forma de pensar la política)
simplificación de sus particularidades.
Esta idea tiende a quebrarse con la
reaparición de los casos de malaria y la
resistencia a las tecnologías conocidas,
emergiendo entonces la heterogeneidad
del territorio y sus actores en las rutinas
y p roced imientos . L a rea l i zac ión de
diagnósticos y encuestas, la delimitación de
áreas/ problema, la aplicación de DDT para
interrumpir la transmisión, las campañas de
prevención y el desarrollo de sistemas de
vigilancia epidemiológica, son las rutinas e
instrumentos que adoptan estos programas y a
través de los cuales se esbozan otras nociones
fundadas en la complejidad y singularidad.
La participación como clave
Desde hace más de tres décadas y bajo el
lema “salud para todos”, los organismos
inte rnac ionales de sa lud han venido
sosteniendo que la Atención Primaria de la
Magdalena Chiara e Ana Ariovich
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013108
Salud (APS) es la herramienta primordial
que disponen los gobiernos para mejorar la
accesibilidad a la atención y lograr la equidad
y la extensión de la cobertura de salud para
todas las poblaciones de manera costo efectiva
(OMS, 1978).
S in embargo, la implementación
eficiente o eficaz de esta estrategia supone,
ya desde el documento de Alma Ata (1978)
en adelante, el desarrollo de ciertos requisitos
que van más allá de lo estr ic tamente
tecnológico o vinculado con la infraestructura:
un enfoque intersectorial y multidisciplinar de
la atención, concebida de manera integral, y la
participación de la comunidad con un enfoque
de derechos (OMS, 1978, punto IV).
Varios años más tarde, La Renovación
de la Atención Primaria de la Salud en las
Américas (2007) refuerza la necesidad de
dotar a la APS de una orientación familiar y
comunitaria, acorde a las necesidades de salud
de una población definida, mecanismo para
afrontar los nuevos desafíos epidemiológicos
y mejorar las inequidades persistentes en la
atención de la población (OPS, 2007); la APS
reorienta la atención desde el tratamiento
de la enfermedad y la rehabilitación hacia
procesos que contemplen también estrategias
de prevención y promoción de la salud.
En este marco, esta estrategia privilegia
dos tipos de actores. Por una parte, jerarquiza
el trabajo de los equipos multidisciplinarios
de l p r imer n ive l , qu ienes adqu ie ren
responsabilidad sobre la población adscripta
perteneciente a un territorio geográfico
delimitado por la proximidad (OMS, 2008).
Por otra parte, jerarquiza la colaboración
de nuevos actores en las dinámicas de la
atención; desde el primer nivel se convoca
a la participación activa de la familia, la
comunidad, los referentes barriales, los agentes
y promotores sanitarios, los organismos no
gubernamentales y las organizaciones sociales
para promover comportamientos y estilos
de vida saludables y mitigar los daños socio
ambientales sobre la salud.
Este entramado de actores se despliega
en un “espacio de proximidad”, definido
por la poblacional perteneciente al área
programática de intervención. Se trata
de un territorio vinculado a la noción de
“comunidad”; la APS se implementa y se
desarrolla como puerta de entrada con vínculo
con la familia y la comunidad (OMS, 1978,
punto VI): “un ámbito al que las personas
pueden llevar toda una serie de problemas de
salud” (OMS, 2008, p. 12)
Este “territorio de proximidad” se
vuelve estratégico para la implementación,
definiendo en simultáneo la demanda de
prestaciones y creando posibil idades y
condiciones en cuyo contexto cobran vida los
procesos de atención integral.
Nuevamente, en la política sanitaria
de B ras i l y A rgent ina se encuent ran
e jemp los de e s t a pe r spec t i va . En e l
Programa de Salud Famil iar de Brasi l ,
s u b y a c e l a n o c i ó n d e u n t e r r i t o r i o
“construido desde lo local”, de alcance
definido y cuya población está adscripta
a un equipo básico sanitario responsable
del desarrollo de actividades de promoción
y prevención (Suárez-Bustamante, 2010 ;
Har ze im , 2011) . Un equ ipo de sa lud
integrado por profesionales y por agentes
comunitarios es responsable activo (intra y
extramuros de los servicios) de la situación
de salud del conjunto de las familias que
Luces y sombras sobre el territorio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013 109
habitan ese territorio (Gomes-do-Espírito-
Santo et al., 2008; Schillig Mendoza, 2011).
En el contexto argentino, la noción
de “proximidad” está también presente en
distintas iniciativas enfatizando no sólo el
fortalecimiento de los centros de atención
primaria de la salud sino también las relaciones
con otros actores. Distintos incentivos buscan
fortalecer la estrategia de APS en las distintas
jurisdicciones a la vez que ordenar la práctica
de los equipos municipales y estaduales
(provinciales en el caso argentino) hacia la
responsabilización nominada de la población
en territorios delimitados. En aquellos
casos en que los servicios se encuentran
municipalizados, el nivel local comienza a
jugar en los procesos de gestión interpelando
las fronteras de la proximidad y abriéndose a
la lógica multi-escalar de la gestión.
La jerarquía del nivel local
En las últimas décadas del siglo XX y principios
del siguiente tuvo lugar en la región una
revisión profunda de las competencias públicas
en el campo de la política social (Andrenacci y
Repetto, 2007, p. 9), expresada en el sector
salud por procesos de descentralización y
de autarquía de los establecimientos que
tuvieron lugar en un contexto caracterizado
por una franca expansión de la demanda
(Almeida, 2002a y2002b; Fleury, 2001 y 2007;
Sojo, 2011).
En el marco general de estas reformas,
las iniciativas para la reorganización de los
sistemas planteadas por la OPS delimitaron
nuevos recortes espaciales para la política
sanitaria. Aunque con anclajes diferentes,
las propuestas de los “Sistemas Locales de
Salud (SILOS)” y de “Municipios, Ciudades y
Comunidades Saludables”, hicieron emerger
el “territorio de lo local” trascendiendo así
la noción de “proximidad” que jerarquizaba
la APS.
La propuesta de los SILOS es la
responsable de inaugurar en la región el
ingreso de lo local al debate sanitario. En la
XXXIII Reunión del Consejo Directivo de la
OPS del año 1991, se destacaba “la urgente
necesidad de acelerar la transformación de
los sistemas nacionales de salud, mediante el
desarrollo y fortalecimiento de los sistemas
locales de salud (SILOS) como táctica operativa
de la estrategia de la atención primaria”
(Paganini, 2008, p. 32). Su propósito principal
fue impulsar la toma de decisiones en los
sitios donde se generan los problemas y, por
consiguiente, propiciar la descentralización
de facultades y recursos hacia las instancias
periféricas. Recuperando trazos de los modelos
anteriores, una noción algo más compleja de
territorio está presente en la resolución de
dicha reunión.6
Una primera cuestión a destacar es
que la noción del territorio delimitado desde
la epidemiologia se politiza poniendo el
foco en la construcción de una “propuesta
geográfica poblacional (…) influenciada por
las necesidades de la población definidas
en términos de daños y riesgos” (Paganini,
2008, p. 21). El aspecto que diferencia más
claramente a los SILOS, es la invitación a dar
un “salto” hacia una escala más comprensiva,
el “territorio local”.
A d i ferencia de la propuesta de
“Municipios, Ciudades y Comunidades
Saludables”, la iniciativa de los SILOS busca
Magdalena Chiara e Ana Ariovich
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mantener la especificidad sectorial, con foco
en la atención. Pivoteando sobre el rol del
Municipio como coordinador de distinto tipo
de articulaciones intrasectoriales entre niveles
y con otros subsectores, e intersectoriales con
otras áreas gubernamentales y con el sector
privado (Paganini, 1999, p. 21). Aunque
manteniendo un recor te sectorial, esta
propuesta conceptualiza el territorio desde
otras dimensiones: la cuestión del poder, del
Estado, del financiamiento y de la coordinación
intergubernamental, se suman a la noción de
“proximidad” y sus actores, complejizando así
el concepto de territorio.
Acorde al clima descentralizador de la
época en América Latina, la propuesta apuesta
a que las instituciones locales asuman un papel
estructurante de los SILOS. El territorio para
esta propuesta es “o local; sin embargo, los
documentos refieren al espacio de actuación
de los SILOS y llaman la atención acerca de
la necesidad trascender las fronteras de lo
municipal para dar cuenta de la densidad de
los actores que juegan en esa arena (Paganini,
2008, p. 33) así como la pertenencia orgánica
a un sistema nacional de salud como entidad
global y la articulación en red de servicios
interrelacionados (Paganini, 1999, p. 22)
Con el foco puesto en la gobernabilidad,
la in ic iat iva “Munic ipios , Ciudades y
Comunidades Saludables” (MCCS) aporta
una noción de territorio más comprensiva
tomando distancia de las cuestiones más duras
del sector. Adaptándose7 a los escenarios de
la descentralización en América Latina, la
propuesta busca aplicar la promoción de la
salud a los contextos locales, jerarquizando
los procesos a través de los cuales es posible
alcanzar una mejora en las condiciones de vida
desde múltiples dominios de la vida social:
saneamiento, educación, trabajo, modos
de vida, ambiente. En la complejidad de los
factores comprendidos en esta perspectiva,
la acción intersectorial y la participación
ciudadana son rasgos que distinguen el modo
de acción de la estrategia en el territorio local.
En esta perspectiva, el territorio se construye
política y socialmente con los ciudadanos,
a través de la gestión democrática y del
fortalecimiento de la participación como
elementos esénciales.
En un esfuerzo por operacionalizar el
concepto de entorno saludable de cara a
rescatar las contribuciones de esta estrategia
para el cumplimiento de los Objetivos de
Desarrollo del Milenio (OPM),8 la propuesta de
MCCS retorna a los espacios de proximidad y
aparecen la vivienda, la escuela, los mercados
y el trabajo, como entornos saludables desde
los cuales actuar e integrar sinérgicamente
(OPS/OMS, 2006, p. 39).
A diferencia de la propuesta de los SILOS,
las referencias al contexto del sistema sanitario
tanto nacional como de otros subsectores,
están ausentes en la estrategia MCCS; lo
mismo sucede con los Estados nacionales. Los
actores jerarquizados son los gobiernos locales
(con referencias explícitas a los alcaldes) y las
Organizaciones No Gubernamentales (ONG) y
Organizaciones Sociales Comunitarias (OSC).
La delimitación de actores está hablando
de una aproximación a la gobernanza de
las ciudades haciendo foco en el papel del
municipio cooperando en redes con otros
actores gubernamentales y de la sociedad.
En ambas propuestas, el territorio
ingresa a la agenda sanitaria jerarquizando lo
local, aunque con recortes diferentes tanto en
Luces y sombras sobre el territorio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013 111
relación a los dominios de la vida social como
a las escalas de análisis.
Estos planteos han permeado de
diferente modo a las políticas en los países
de la región; los contrapuntos entre Brasil y
Argentina vuelven a mostrar diferencias. La
descentralización y municipalización de la salud
pública en Brasil da cuenta de la jerarquización
de los espacios locales, que comienzan a
expresarse como territorios complejos y con
mayores niveles de autonomía en articulación
directa con los actores e instituciones
sanitarias de la esfera regional. Se trata de
un territorio local fortalecido, pero cuya
planificación y funcionamiento se ensambla –
intrasectorialmente – con el ámbito regional,
a la vez que armoniza con los lineamientos
generales y las regulaciones que le confiere
la institucionalidad del federalismo en el
marco del SUS (Arretche, 2003; D'Ávila Viana
et al., 2009). En Argentina, las experiencias
de municipalización de los servicios de salud
muestran la complejidad del territorio local no
sólo en la dinámica política sino también en las
dificultades para delimitar sus fronteras: desde
fuera del ámbito local, actores del subsector
público intervienen y condicionan las acciones
de los denominados “actores locales” junto
al sector privado y de la seguridad social. La
diversidad de experiencias descentralizadoras
y la ausencia de una política ordenadora desde
el nivel nacional han dado lugar a importantes
disparidades regionales, encontrándose una
multiplicación de respuestas locales de distinta
calidad, eficiencia y equidad en el acceso a los
servicios (Chiara, Moro, Di Virgilio, Ariovich y
Jiménez, 2011).
Delimitando desde los problemas sociales
Las dinámicas sociales que caracterizan
al nuevo siglo imprimen una complejidad
social, económica, demográfica y ambiental
sin precedentes, generando importantes
desafíos a la gestión de las políticas de
salud, que se vuelven más dramáticos en
los países más pobres. Factores como el
envejecimiento de importantes sectores de
la población, el progresivo incremento de
las enfermedades crónicas en detrimento
de las infectocontagiosas, la incorporación
de tecnologías diagnósticas y terapéuticas
más sof isticadas y costosas, impactan
diferencialmente en los sistemas sanitarios
de acuerdo a sus recursos, siendo fuente
de importantes inequidades. Esta forma de
concebir el contexto en el cual la población
experimenta sus problemas sanitarios,
abre una nueva perspectiva que enfatiza
la influencia de los determinantes sociales
en la configuración del proceso de salud
enfermedad (OMS, 2011, p. 2).
Aunque los documentos relativos a la
perspectiva de los Determinantes Sociales
de la Salud (DSS) no hagan referencias
explícitas, el territorio se expresa a través
de la enunciación de los factores sociales,
económicos y políticos que impactan en los
perfiles epidemiológicos de las poblaciones. La
preocupación por la desigualdad remite a un
espacio donde se hacen visibles la desigualdad
en las condiciones de vida de la población en
general y las condiciones de salud-enfermedad
en particular, así como también la desigual
Magdalena Chiara e Ana Ariovich
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013112
distribución de los recursos (Equipo de Equidad
en Salud de la Organización Mundial de la
Salud, 2005, p. 10)
Acorde con esta mirada estructural de
los problemas que demarcan y jerarquizan
el territorio, los responsables de priorizar
estas recomendaciones son quienes formulan
e implementan políticas de salud a escala
nacional.
El núcleo de reflexiones, aportes y
estudios en torno a la “salud urbana” avanza
de un modo más explícito en el análisis de las
particularidades que imprime el territorio en la
salud de los distintos entornos urbanos. Este
recorte historiza y localiza en el espacio el
debate sobre la equidad, haciendo eje en las
brechas y en los circuitos de reproducción de
la desigualdad en el territorio: “El enfoque de
la equidad en salud urbana implica orientar
los esfuerzos hacia la reducción de las
diferencias en resultados y riesgos de salud
entre diferentes áreas urbanas y los grupos
humanos que las habitan” (OPS, 2008, p.
40). Este enfoque recupera y problematiza
la dimensión política del territorio como
determinante en la cuestión sanitaria e
incorpora a sus actores y a las relaciones
sociales que allí se despliegan:
Estos marcos reconocen la complejidad del proceso multinivel por medio del cual los determinantes y los distintos actores juegan un papel crítico en la determinación de salud de los residentes urbanos (…) Se incluye aquí la forma en que los niveles de participación y descentralización, las innovaciones sociales y los intereses de los diversos actores afectan la salud urbana. (OPS, 2008, p. 39)
Desde una visión topológica
Tras las reformas neoliberales, los primeros
años de esta década renovaron en la región la
expectativa acerca del rol de las instituciones
estatales en los dist intos sec tores ; la
intervención del Estado nacional a través de
políticas y programas con impacto en la calidad
de vida de la población y destinadas a resolver
las inequidades y desigualdades sociales, se
hizo cada vez más frecuente en el conjunto de
los países latinoamericanos (Gudynas et al.,
2008; Danani, 2009).
En este escenario, el desarrollo de
Redes Integradas de Servicios de Salud
(RISS) se introduce como un instrumento
para que los Estados puedan asegurar una
atención más integrada, eficiente y equitativa
frente a los altos niveles de fragmentación
de sus sistemas de salud. El diagnóstico de
partida de estas propuestas avanzaba sobre
distintos factores, pero básicamente hacía
eje en las consecuencias de las reformas
neoliberales: el predominio de programas
focalizados en enfermedades, riesgos y
poblaciones específicas; la segmentación de
los niveles de atención como consecuencia
de la descentralización de los servicios;
los problemas en la cantidad, calidad y
distribución de los recursos; y la existencia
de culturas organizacionales contrarias a la
integración (OMS, 2007; OPS/OMS, 2008).
Este diagnóstico desafiaba a su vez las
autoridades sanitarias a resolver las tensiones
e ineficiencias resultantes de la coexistencia
(desarticulada) de las clásicas intervenciones
verticales con aquellas horizontales animadas
por el modelo de la APS.
Luces y sombras sobre el territorio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013 113
Si bien las propuestas orientadas a la
conformación de redes alcanzan distintas
escalas, subyace en ellas una noción del
territorio orientada por propósitos casi
exclusivamente sanitarios, desde la cual
se integran (desde una lógica reticular)
distintos ámbitos locales. Esta aproximación
busca racionalizar y optimizar los recursos
disponibles en cada región (frecuentemente
escasos) para maximizar resultados.
Las redes de servicios dan lugar así a
una nueva noción de territorio para diseñar
e implementar las intervenciones sanitarias
que estructura en un mismo entramado
a un conjunto disperso de efectores para
interrelacionar servicios con distinto nivel
de complejidad. Se trata de un territorio que
presenta una lógica topológica, en donde
los flujos y las redes de interacción surcan el
espacio regional y conectan “a distancia”,
permitiendo la continuidad de los recursos y las
prestaciones en una escala mayor. Las redes
posibilitan así – siguiendo a Dematteis (2002)–
la coordinación, la colaboración y el diálogo
con la globalidad, desde las coordenadas
propias y las necesidades específicas de cada
comunidad local.
También en este caso las políticas
nacionales son caja de resonancia de
estos planteos a la vez que espacios de
reformulación desde la práctica. Partiendo de
una propuesta orgánica y con alcance nacional,
la regionalización del SUS de Brasil supone
la necesidad de integración de los distintos
componentes del sector para garantizar el
ejercicio efectivo del derecho a la salud en todo
el país. En esta propuesta, la regionalización
de los servicios de salud es uno de los fines
de la política que se ve condicionada por la
singularidad del sistema federal y la trama de
las relaciones intergubernamentales, factores
que configuran la complejidad del territorio
desde el plano político institucional (Dourado
y Mangeon Elías, 2011).
Aún sin tener cobertura nacional, la
noción de “territorio en red” comienza a
permear distintas iniciativas de la política
sanitaria también en el caso argentino. Las
experiencias presentadas en el apartado
anterior abonan (desde la inversión en
equipamiento, el pago por práctica médica,
la mejora en infraestructura y el desarrollo
de sistemas de información) a la articulación
de los servicios de salud independientemente
de la ju r i sd icc ión responsab le de la
gest ión ( nacional , estadual / provincial
como municipal). El Hospital El Cruce Alta
Complejidad en Red coordina desde los
servicios de alta complejidad a cinco hospitales
y a 152 centros de salud en cuatro municipios
del sur del Gran Buenos Aires, mientras que,
con alcance nacional, los Programas de
Cardiopatías Congénitas y Remediar+Redes
buscan construir un territorio de la nodalidad
confiriendo distinta jerarquía al nivel estadual
(denominado provincial en el caso argentino).
Este recorrido muestra que el territorio
ha estado y está presente en las orientaciones
y prescripciones de la política sanitaria, aunque
con ciertas insuficiencias para describir y
analizar la complejidad de la relación de mutuo
condicionamiento que tiene lugar entre el
territorio y los procesos de toma de decisiones
de la política sanitaria.
Magdalena Chiara e Ana Ariovich
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Un intento por recapitular avances e insufi ciencias
Tal como se viene analizando, los distintos
planteamientos que ha aportado la OPS/OMS
sobre los problemas de salud y las respuestas
desde la política sanitaria, llevaron implícitas
distintas nociones de territorio operando
como “anteojos conceptuales” al momento de
su implementación.
El recorrido realizado descompone
la complejidad de la cuestión territorial
en distintos aspectos que son enfatizados
diferencialmente por las estrategias y modelos:
la noción de control epidemiológico presente en
los programas verticales, la participación como
uno de los emergentes más evidentes de la crisis
de aquel modelo y la constitución de la APS
como paradigma de intervención, la jerarquía
del nivel local enfatizada en la propuesta
de los SILOS y de Municipios, Ciudades y
Comunidades Saludables, la delimitación del
territorio desde los problemas expresado en el
enfoque de los determinantes sociales de salud
y en las especificidades de la salud urbana y,
más recientemente, la visión topológica del
territorio, presente en la propuesta de Redes
Integradas de Servicios de Salud.
Estas nociones que devuelven las
orientaciones de la política sanitaria son
aportes que resulta necesario recuperar
para pensar la re lación entre polí t ica
sanitaria y territorio, detectando a su vez las
insuficiencias que llaman a la necesidad de
profundizar su conceptualización.
Los límites del esfuerzo por simplifi car la complejidad
El aspecto más destacado de esta forma
concebir el territorio de la acción sanitaria se
relaciona con su capacidad para simplificar la
complejidad. Dos caminos novedosos se abren
desde esta perspectiva.
El primero, tiene que ver con que la
política sanitaria deja de ser cuestión de
expertos para convertirse en un conjunto
de procedimientos a ser cumplidos por
actores diversos ampliando así el alcance
territorial de la acción. En segundo lugar,
esta forma de recuperar el territorio permite
construir y delimitar las fronteras a partir de
un determinado problema sanitario, pasible
de ser resuelto a través de la tecnología
disponible.
E l potenc ia l s impl i f i cador de la
complejidad del territorio que subyace a esta
noción de territorio debe ser matizado en el
plano empírico. Lo que es percibido como
fortaleza desde el diseño en los niveles
centrales con altos niveles de especialización,
resulta insuf ic iente en e l n ive l de la
implementación donde la especialización es
mucho menor y la complejidad y multiplicidad
de actores y sectores involucrados se hace
evidente.
En la implementación, los problemas
“saltan las fronteras” del sector y ponen
en cuestión a las variables epidemiológicas
como criterio exclusivo de delimitación de los
territorios objeto de políticas.
Luces y sombras sobre el territorio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013 115
Sobre la necesidad de dar cuenta de las distintas escalas de la participación
En la atención primaria de la salud, el
territorio ingresa a la gestión de la política
sanitaria a partir de la delimitación de un
área programática que recoge, por un lado,
las demandas particulares de las familias y,
por el otro, convoca a la participación activa
de la comunidad. El territorio se define como
un espacio físico de continuidad, donde los
vínculos se determinan por relaciones de
proximidad.
La escala espacial de lo local sobre
la que descansa esta propuesta es la que
posibilita los contactos y la cooperación entre
los actores involucrados en los procesos de la
atención de la salud; la dimensión territorial
emerge como una herramienta que permite
a las comunidades definir sus necesidades y
derechos.
No obstante su utilidad y pertinencia,
un recorte circunscripto a lo próximo y que
presupone la interacción fluida entre actores
(o potenciales actores) en presencia de un
conjunto dado de recursos locales, corre el
riesgo de aislar a la comunidad del contexto
mayor y desatender a la incidencia de otros
actores (cuya acción no necesariamente está
localizada en el territorio de proximidad) pero
que también intervienen en el desenlace de la
política sanitaria.
Cabe resaltar además, que si bien la
inclusión de la familia y la comunidad como
un actor clave del territorio en los procesos de
atención primaria es – sin dudas – un aporte
novedoso y valioso de la propuesta de la APS,
esta premisa ha derivado en las versiones más
restringidas (caras al paradigma neoliberal)
que pueden conducir a una peligrosa auto
responsabilización de la población local acerca
de los éxitos o fracasos en torno al acceso a
la atención, omitiendo otras escalas en las que
se despliegan importantes articulaciones del
entramado de actores.
El desafío de politizar lo local
Lo local aparece en la agenda sanitaria
como una perspectiva que integra por
primera vez en las propuestas de OPS/OMS,
distintos aspectos de la cuestión territorial.
Sin abandonar la especificidad sanitaria,
la propuesta de los SILOS lleva de manera
bastante explícita una noción de territorio
que parte de una mirada epidemiológica y
la puebla de actores, jerarquizando el papel
de coordinación del gobierno local en un
espacio que necesariamente debe trascender
la escala de proximidad. La noción de territorio
implícita en la estrategia de Municipios,
Ciudades y Comunidades Saludables (MCCS)
es más amplia y está asociada al concepto de
promoción de la salud.
Ambas propuestas comparten la noción
de lo local como el lugar de realización
de las necesidades de la población y de
consenso entre los actores. Sin embargo,
una mirada atenta acerca del entramado que
constituye al territorio permite reconocer –
en estas propuestas – distintas formas de
conceptualizarlo. En un caso, la propuesta de
los SILOS pone el foco en la responsabilidad
sanitaria y establece un recorte sectorial
más preciso, recuperando la complejidad
de las relaciones entre subsectores y con el
Magdalena Chiara e Ana Ariovich
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013116
conjunto del sistema nacional de salud, que
operan en un territorio. En el segundo caso,
la noción de local que dibuja la estrategia de
MCCS es más comprensiva y menos sectorial
al tiempo que se permite realizar un recorte
más nítido de lo local y sus actores, con escasa
problematización de las otras escalas que
operan en un territorio.
S i n d e s c o n o c e r l a s i g n i f i c a t i va
contribución de estas propuestas para pensar
la cuestión territorial en la política sanitaria,
quedan planteadas algunas cuestiones de las
cuales dar cuenta en el análisis de lo local y
que aluden a cómo se juegan las relaciones
intergubernamentales en el territorio, si la
escala de los actores se corresponde con la
escala de la representación ciudadana, cuál es
el rol de las instituciones estatales por sobre el
municipio para garantizar el ejercicio efectivo
del rol de coordinación. Sin duda se trata
de preguntas que trascienden a la cuestión
territorial pero que pueden ser ocultadas
por estereotipos excesivamente optimistas
que jerarquizan lo local sin problematizar las
complejas relaciones entre escalas que en
estos espacios tienen lugar.
Actores difusos en un escenario complejo
La propuesta de los determinantes sociales
focaliza su atención en las condiciones sociales
y estructurales que determinan la salud de las
personas en los distintos territorios, dejando
en un segundo plano los factores de riesgo
individual.
Si bien desde este planteo se da cuenta
de la complejidad inherente a las cuestiones
sanitarias en los territorios particulares, no se
jerarquiza el rol de los actores que intervienen
más activamente. De los documentos se
desprende una noción de territorio sin actores
explícitos, ya que no hay mención específica a
autoridades locales responsables o referencias
al sector salud y a sus efectores locales, como
así tampoco a sujetos de la comunidad sino que
la equidad sanitaria es una responsabilidad
compartida (OMS, 2011, p. 1).
Destacando el salto a la complejidad
que esta perspectiva supone para el análisis,
define una agenda demasiado abierta en la
que las responsabilidades de los distintos
actores del sector quedan diluidas en el
conjunto de los determinantes. Los desafíos
pasan por la agenda de la coordinación,
interjurisdiccionalidad e intersectorialidad
en tanto medios para una integralidad
de abordaje que la perspectiva de los
determinantes demanda.
La virtualidad del territorio en la búsqueda de instrumentos de políticas
La iniciativa en torno al establecimiento de
redes de servicios de salud adopta una visión
más sistémica y menos fragmentada del
territorio, donde distintos flujos de interacción
y complementariedad vinculan y articulan un
conjunto disperso de servicios y prestaciones
de diferente complejidad y/o especialización
en un mismo espacio, que esta vez alcanza una
escala regional.
En este esquema se resignif ica la
jerarquía del hospital en su papel para articular
y articularse en el conjunto de la red, en cuya
Luces y sombras sobre el territorio
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013 117
dinámica se cualifica a un territorio más amplio
que recoge la existencia de distintas escalas.
La APS se convierte en la estrategia
desde la cual las autoridades regionales y
centrales pueden lograr una integración
funcional del territorio para las intervenciones
sanitarias (OPS/OMS, 2011b).
En esta propuesta el territorio se
transforma – siguiendo a Brugué et al. (2002)
– en un complejo espacio virtual y dinámico,
flexible a los intercambios. Las distancias
físicas y operativas se relativizan, posibilitando
una continuidad adecuada a las necesidades
de los procesos de atención de la salud y a
una mayor racionalización y optimización de
los recursos disponibles.
En esta propuesta los desafíos son
menos conceptuales que operativos. Pensar
las acciones en salud desde esta perspectiva
supone orientar la implementación, el
diseño de los instrumentos y las inversiones,
considerando al territorio configurado por las
redes como unidad de intervención.
Finalizando, los modos de conceptualizar
la noción de territorio en el campo de las
ciencias sociales fue abandonando visiones
espacialistas, proponiendo concepciones
que dan cuenta de su carácter histórico. Sin
embargo, la sola invitación a desnaturalizar
el carácter meramente espacial y dado del
territorio no parece ser suficiente para hacerlo
operativo como dimensión en el análisis de la
política sanitaria.
La revisión realizada en este trabajo
fue recuperando las nociones de territorio
que subyacen a los planteos de la OPS/
OMS, organismo que orientó parte de las
políticas en la región. Con distinto énfasis y
delimitación, estas nociones han buscado
poner el foco en los procesos enlazados que
se dan entre los actores, la estructura social
y el territorio, en cuyo contexto se inscribe la
política sanitaria.
Aún destacando el aporte de cada
perspectiva, el recorrido realizado en este
trabajo muestra también las insuficiencias de
estos planteos y la necesidad de construir un
marco conceptual que, abrevando también
en la geografía y en el análisis de políticas
públicas, pueda dar cuenta de la especificidad
sanitaria de esta articulación entre actores,
estructura social y territorio.
Magdalena ChiaraLicenciada en Ciencias Antropológicas y doctoranda en Ciencias Sociales. Docente Investigadora Asociada del Área de Política Social del Instituto del Conurbano UNGS. Los Polvorines/Provincia de Buenos Aires, [email protected]
Ana AriovichMágister en Sociología Económica, Docente Investigadora Asistente del Área de Política Social del Instituto del Conurbano – UNGS. Los Polvorines/Provincia de Buenos Aires, [email protected]
Magdalena Chiara e Ana Ariovich
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013118
Notas
(*) El trabajo se realiza en el marco de la inves gación colec va “El territorio en la agenda sanitaria: instrumentos y modos de ar culación en el subsector público en el Gran Buenos Aires” que comenzó a desarrollarse en el Ins tuto del Conurbano de la UNGS en el año 2010.
(1) www.saude.gov.br/atencaoprimaria
(2) h p://www.remediar.gov.ar/
(3) La descripción de la propuesta de los Sistemas Locales de Salud está realizada con base a Paganini, 1999.
(4) h p://www.hospitalelcruce.org/pdf/planestrategico.pdf
(5) h p://www.plannacer.msal.gov.ar/index.php/pages/incorporacion-de-cirugias-de-cardiopa as-congenitas
(6) Resolución de la XXXIII Reunión del Consejo Directivo de OPS/OMS del año 1991, titulada “Desarrollo y Fortalecimiento de los Sistemas Locales de Salud, SILOS-10”.
(7) Esta estrategia reconoce como antecedente el Movimiento Europeo de Ciudades Saludables Mediados de mediados de la década de los 80, particularmente importante en el proceso de recuperación de los Ayuntamientos Democráticos en España. Constituyó una forma de operacionalizar la “Carta de Ottawa para la Promoción de la Salud” de 1984 y se formalizó en 1998 en la Declaración de Atenas para las Ciudades Saludables. Declaración del Director Regional de la OMS para Europa (Llorca, 2010).
(8) Se trata de un conjunto de ocho propósitos de desarrollo humano que en el año 2000, los 192 países miembros de las Naciones Unidas acordaron alcanzar para 2015. Dada la naturaleza del acuerdo, interpelaron a los dis ntos organismos de las UN y a sus estrategias.
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Texto recebido em 14/set/2012Texto aprovado em 20/nov/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013
A insustentável naturezada sustentabilidade. Da ambientalização
do planejamento às cidades sustentáveis
The unsustainable nature of sustainability. From the environmentalization of planning to sustainable cities
Ester Limonad
ResumoNas duas últimas décadas, a questão ambiental e
da sustentabilidade passou a integrar e converteu-
-se em um fator emblemático de legitimação dos
discursos e práticas do planejamento urbano e re-
gional. Uma das evidências mais palpáveis dessa
convergência do planejamento e da sustentabili-
dade é a proposta de cidades sustentáveis da Or-
ganização das Nações Unidas, que surgiu ao início
da década de 1990. Sua adoção por mais de trinta
países torna urgente uma leitura crítica do desen-
volvimento sustentável e da natureza da ambienta-
lização do discurso do planejamento, que contribua
para se avançar rumo à construção de uma econo-
mia política do espaço e a uma prática de plane-
jamento, que instrumentalize a participação social
em uma perspectiva transformadora.
Palavras-chave: questão ambiental; política do
espaço; sustentabilidade; cidades sustentáveis;
planejamento.
AbstractDuring the last two decades, sustainability and environmental issues have become an integral part and an emblematic legitimating factor of urban and regional planning discourses and pratices. The United Nations’ sustainable cities programme, created during the 1990s, is one of the most tangible evidences of such convergence between planning and sustainability. As it has been adopted by more than thirty countries, it is necessary and urgent to perform a critical reading of sustainability and of the nature of the environmentalization of the planning discourse, so as to move towards the construction of a political economy of space and of a territorial planning pratice that aims at social transformation.
Keywords : environmental issues ; polit ics of space ; sustainabilit y ; sustainable cities ; planning.
Ester Limonad
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"O mundo pode ser mais sustentável!"
"Insira a sustentabilidade no seu dia a dia com
o Santander".1 Quando lemas desse tipo apa-
recem em sítios eletrônicos de bancos, de cor-
porações multi e transnacionais, simultanea-
mente ao pipocar de testes em redes sociais
contemporâneas (Facebook, Twitter, etc.)
e em revistas de negócios, esportes, moda
e, inclusive, eróticas, destinados a avaliar se
"você é sustentável?", pode-se concluir que
a ideia da sustentabilidade invadiu de forma
avassaladora o cotidiano e a reprodução das
diferentes esferas sociais. Em todos lados, em
todas partes, tornou-se lugar comum falar em
sustentabilidade. O termo, associado nas duas
últimas décadas do século XX à questão am-
biental, por seu caráter aparentemente neu-
tro, acrítico e acima de interesses de classe
(Rodrigues, 2006, p. 112) rapidamente se con-
verteu em um sucedâneo da ideia de um mun-
do melhor, um mundo sustentável. Em decor-
rência, passa a ser adotado, de forma indis-
criminada, para adjetivar propostas, práticas e
coisas, como uma forma de legitimação e de
reforço positivo. O corolário é a multiplicação
exponencial de práticas sustentáveis, de ati-
vidades de turismo sustentável, de propostas
de gestão sustentável de espaços naturais e
sociais e, como não poderia deixar de ser, de
cidades sustentáveis.
Embora as opiniões divirjam e permaneça
obscuro o que seria a sustentabilidade, plane-
jadores, arquitetos, urbanistas, ambientalistas,
geógrafos, advogados e outros profissionais
passaram a defender as cidades sustentáveis,
metrópoles sustentáveis e a preservação am-
biental. Sem dúvida, a sustentabilidade con-
verteu-se em uma obsessão generalizada, das
populações indígenas ao Banco Mundial, bem
como uma ampla gama de grupos diversos
entre os quais se contam desde órgãos de go-
verno a empresas multi e transnacionais: todos
se declaram favoráveis em preservar a nature-
za e a lutar pelo desenvolvimento sustentável.
Sem embargo cada qual se proponha a fazê-lo
com base em agendas e interesses diferentes e
por vezes totalmente contraditórios, sem che-
gar a explicitar claramente o que entendem por
desenvolvimento e muito menos o que enten-
dem por sustentabilidade. Partem, assim, mui-
tas vezes do pressuposto de que isso está claro
e subentendido em suas propostas.
Este ensaio tem por norte destacar as
contradições entre desenvolvimento, apropria-
ção privada da natureza e os discursos sobre a
sustentabilidade, em particular os discursos re-
lativos à sustentabilidade do desenvolvimento
e do planejamento. Discursos que soem servir
de suporte a questões relativas à gestão dos
recursos hídricos, a bioengenharia de semen-
tes, ao crédito de carbono e a apropriação da
biodiversidade por parte de alguns países do
mundo em detrimento de outros (detentores
ou não de biodiversidade e tecnologia). Insere-
-se, portanto, em uma perspectiva crítica de
construção de uma economia política do espa-
ço, que contribua para aclarar e compreender
as relações sociais de produção e as necessi-
dades que se impõem para sua reprodução na
contemporaneidade.
A insustentável natureza da sustentabilidade
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Algumas novas velhas questões
Desmatam-se florestas, em seu lugar plantam-
-se outras árvores, eucaliptos, pinheiros ou mo-
noculturas alienígenas. Explora-se petróleo em
alto mar em campos marítimos com nomes su-
gestivos como jubarte, garoupa, etc. Não se tra-
tam de homenagens à fauna marinha, mas de
justificar a exploração de petróleo ou gás na-
tural em áreas de reprodução desses animais,
alguns ameaçados de extinção. No âmbito do
agronegócio se comercializam a preços eleva-
dos produtos orgânicos, isentos de produtos
nocivos, embora produtos transgênicos mais
baratos vicejem em diversos lugares. Os quais
podem colocar em risco através da polinização
a reprodução de plantas com sementes, apesar
das proibições e interdições adotadas por al-
guns países.
Essas ações, além de serem comprova-
damente desastrosas em termos ambientais
para a fauna e flora nativas, afetam as con-
dições necessárias à sobrevivência de popula-
ções nativas. Pois, ao transformar-se suas pos-
sibilidades e formas de apropriação do espaço
social altera-se a espacialidade das relações
que esses grupos sociais estabelecem com o
meio para se reproduzir e sobreviver. O consu-
mo crescente do espaço, ao mesmo tempo em
que propicia a manutenção e sustentabilidade
do desenvolvimento do capitalismo na con-
temporaneidade, contribui para destruir a base
de subsistência e de reprodução de grupos na-
tivos originários.
Evidencia-se, assim, a contradição
básica entre a produção de valores de tro-
ca e valores de uso, entre a reprodução do
capital e a reprodução de grupos sociais não
hegemônicos, entre a dominação e a apropria-
ção social do espaço. Com base nessa contra-
dição irrompem conflitos sociais diversos em
disputa pelos meios que garantam sua sobrevi-
vência e reprodução. Esses conflitos perpassam
a questão ambiental contemporânea e permi-
tem vê-la como parte integrante da reprodução
social e da produção social do espaço, como
uma expressão da relação sociedade-natureza
e das formas de apropriação social do espaço
necessárias à reprodução de uma dada socie-
dade (Lefebvre, 1991). A questão ambiental,
assim, pode ser entendida em estreita relação
com os processos sociais constitutivos de cada
sociedade e com a produção social do espaço
geográfico (Santos, 1985).
Neste contexto, parafraseando Rodrigues
(1998), a ideia de sustentabilidade ao ser as-
sociada sem critérios e de forma indiscrimina-
da à questão ambiental contribui para “jogar
uma cortina de fumaça sobre estas contradi-
ções, pois não propõe alterações nos modos de
produzir e de pensar do modelo dominante”.
Por outra parte, a sustentabilidade aparece
como uma pedra de toque de caráter dúbio, à
medida que diferentes atores e agentes, desde
intelectuais a técnicos de governo e de insti-
tuições diversas, se propõem a defendê-la e
passam a adotá-la quase que como epítome
de uma sensibilidade ambiental. Um exemplo
nesse sentido encontra-se na esfera empresa-
rial e corporativa, que se manifesta no esforço
de empresas de diversos ramos industriais, do
comércio e de serviços de conquistarem selos
de certificação ambiental, que abrangem desde
os certificados ISO 140002 aos selos verdes ou
outras rubricas encaradas como política e am-
bientalmente corretas.
Ester Limonad
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Jamais na História, os Estados nacionais,
as corporações multi e transnacionais estive-
ram tão preocupados em se mostrar ambiental-
mente sensíveis como na contemporaneidade.
Urge entender o caráter dessa preocupação.
Há que se explicitar que as certificações e ró-
tulos ambientais além de serem elementos
de competividade no âmbito do marketing
de marcas e produtos, são uma expressão da
guerra de patentes e confrontos sociopolíticos
travada em escala internacional entre corpo-
rações multinacionais, Estados nacionais e
diferentes grupos sociais. Evidenciam, dessa
maneira, o confronto clássico entre o saber fa-
zer (know-how, savoir faire) e o conhecimento
(knowledge, connaissance), entre formas arrai-
gadas de apropriação social e formas capitalis-
tas de dominação e transformação do espaço
social. Confronto esse passível de ser entendi-
do, com base em Lefebvre (1991), como mais
um aspecto da materialização do conflito geral
entre os domínios do vivido e do concebido,
entre espaços de representação e representa-
ções do espaço, que tem por base a contradi-
ção básica entre valor de uso e valor de troca.
Confronto que Boaventura de Sousa Santos
(2006) define, por sua vez, como zonas de con-
tato e de conflito intercultural.
A adoção indiscriminada e sem discer-
nimento no âmbito técnico-institucional, por
governos e empresas, da ideia de sustentabili-
dade como um sinônimo ou sucedâneo isento
de contradições e conflitos da questão ambien-
tal, contribui para ideologizar a questão socio-
espacial (ver a respeito Rodrigues, 1998) e, ao
mesmo tempo, faz com que se perca de vista
seu caráter complexo e transescalar. Pois, a am-
bientalização da questão social, entendida aqui
como a incorporação da dimensão ambiental
a teoria social crítica (Lopes, 2006, p. 34), ao
envolver, a um só tempo, instituições interna-
cionais, Estados nacionais, diferentes esferas
de poder e distintos agentes e atores sociais,
cada qual com interesses e concepções pró-
prias, permite sua complexificação em diversas
escalas. Um exemplo nesse sentido é o conflito
que perpassa hoje a proteção da biodiversida-
de, campo de enfrentamento entre proposições
decorrentes do regime de proteção de patentes
e as demandas sociais relativas ao "reconheci-
mento da particularidade do estatuto de bem
comum para os saberes tradicionais e autócto-
nes" (Milani, 2008, p. 291).
Nesse sentido, retomando Milton Santos
(1985, 1996) e Henri Lefebvre (1991), pode-se
dizer que a questão ambiental refere-se à ma-
nifestação de um aspecto das diferentes esfe-
ras da reprodução social e das relações sociais
de produção. Um aspecto que, embora estives-
se sempre presente, até a emergência da preo-
cupação ambiental durante a década de 1980,
foi pouco explicitado e explorado no âmbito de
alguns ramos das ciências humanas.
Trata-se, então, da conformação de uma
nova questão social? Essa indagação já preo-
cupou outros autores (Costa, 2000; Steinberger,
2001). De uma perspectiva dialética pode-se
dizer que sim, se se entender por novidade a
inserção da dimensão ambiental na reflexão
sobre a questão social contemporânea. Ao
mesmo tempo, pode-se dizer que não, pelo fato
de problemas e questões ambientais eventual-
mente atravessarem os conflitos sociais, embo-
ra sem constituir propriamente o foco da refle-
xão. Ignora-se, assim, pelo sim e pelo não, que
por seu próprio caráter e condição a questão
social desde sempre foi e é também uma ques-
tão ambiental. Seja por seu caráter espacial,
A insustentável natureza da sustentabilidade
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pois as coisas sempre acontecem em algum
lugar, seja pelo fato de que a própria reprodu-
ção social presume historicamente uma relação
sociedade-natureza e uma concepção de na-
tureza, pois o espaço, o ambiente, a natureza
sempre integraram e integram, desde sempre,
como base, suporte e meio, as diferentes esfe-
ras de reprodução social (Lefebvre, 1991), que
presumem intrinsecamente, cada uma per se,
uma concepção e forma de apropriação da na-
tureza. Portanto, interpretar a incorporação e
institucionalização da problemática ambiental
como “a construção de uma nova questão so-
cial e uma nova questão pública” (Lopes, 2006,
pp. 34-35), implica ignorar que a ambientaliza-
ção, ao invés de gerar uma nova questão so-
cial, evidencia uma dimensão da problemática
social relacionada desde sempre à reprodução
social. Assim, a ambientalização da questão
social deve ser compreendida como uma ex-
plicitação dos conflitos que hoje atravessam a
reprodução social em torno da relação socieda-
de-natureza, o que permite entendê-la como
parte integrante das arenas de enfrentamento
entre capital e trabalho na contemporaneidade
(Offe, 1984).
A questão ambiental, ao impor dialeti-
camente limites ao desenvolvimento capitalis-
ta, em nome da preservação da natureza, seja
para as gerações futuras ou como reserva de
valor para o próprio desenvolvimento futuro
do capitalismo, evidencia a contradição entre
interesses sociais localizados e interesses priva-
dos, entre reprodução social e acumulação de
capital. A desconstrução da questão ambiental
contribui, dessa maneira, para explicitar seu
caráter geopolítico e estratégico para o desen-
volvimento do capitalismo, bem como eviden-
cia "numerosos mitos relativos ao progresso
tecnológico, à eficiência econômica e ao cresci-
mento sem riscos" (Milani, 2008, p. 292).
Por conseguinte, além de se converter
em um fator emblemático de legitimação de
diferentes práticas sociais, a questão ambiental
passa a integrar e a perpassar os discursos do
planejamento e do desenvolvimento urbano e
regional. Portanto, não só a produção teórica
mas a prática de planejamento defrontam-se
na contemporaneidade com um impasse em
que é necessário integrar a dimensão social e
ambiental – à medida que ambas integram a
produção social do espaço (social).
Cabe, portanto, uma leitura crítica da
incorporação da ideia de sustentabilidade ao
planejamento e seu desdobramento prático
em projetos de intervenção como as cidades
sustentáveis, de modos a termos elementos
que nos permitam avançar rumo à construção
de uma economia política do espaço e a uma
prática crítica de planejamento territorial, que
instrumentalize a participação social em uma
perspectiva transformadora.
A ambientalização do planejamento
Se a incorporação da dimensão ambiental apa-
rece como uma novidade no âmbito do pla-
nejamento, a preocupação com a gestão dos
recursos naturais marca inclusive as primeiras
tentativas de se definir o planejamento, de um
ponto de vista técnico e neutro, na perspectiva
de contribuir para o desenvolvimento social e
econômico após a segunda guerra mundial.
Em uma recuperação do papel do gru-
po "Economia e Humanismo" do Padre Louis
Ester Limonad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013128
Joseph Lebret e seus colaboradores, durante as
tentativas de recomposição econômica e so-
cial de Lyon, na França do pós-guerra, Olivier
Chatelan (2008, p. 108) aponta o surgimento
das primeiras evidências de um discurso vol-
tado para o planejamento do território. Dos
embates latentes entre abordagens marxistas
e o enfoque social humanista de especialistas
da Igreja católica é elaborada, entre 22 e 28
de setembro de 1952, a Lettre de la Tourette.
Já, então, entre os colaboradores do grupo,
destaca-se a contribuição da geografia aplica-
da voluntarista de Jean Labasse (1973), bem
como seus estudos sobre a região de Lyon
(Chatelan, 2008, p. 117). De forma inovadora
para a época, esse documento propunha que
o ordenamento territorial fosse pensado como
o resultado de uma reflexão-ação coletiva na
perspectiva da transformação social, ao mesmo
tempo em que se contrapunha à intervenção
tecnocrática centralizada e às iniciativas de ca-
ráter estritamente local. O documento salienta-
va, ainda, de forma pioneira, a necessidade de
um desenvolvimento que conjugasse as ques-
tões sociais e culturais às metas econômicas.
A intenção, então, era através de uma análise
racional prévia do território alcançar “a utiliza-
ção ótima dos recursos, valorizar a terra, equi-
par o espaço de modo a possibilitar o desen-
volvimento humano” (Chatelan, 2008, p. 108).
Anos mais tarde, em 1958, a Carta de
los Andes, elaborada no "Seminário de Técni-
cos e Funcionários em Planejamento Urbano",
realizado na cidade de Bogotá – Colômbia,
sob os auspícios do Centro Interamericano de
Vivenda e Planejamento – (Cinva, 1960), des-
cartava os aspectos socioculturais almejados
pela Lettre de la Tourette e propunha uma das
primeiras definições oficiais sobre o que seria o
planejamento territorial contemporâneo, ao de-
finir que "o planejamento é um processo de or-
denamento e previsão para conseguir, median-
te a fixação de objetivos e por meio de uma
ação racional, a utilização ótima dos recursos
de uma sociedade em uma época determina-
da” (Cinva, 1960).
Essas definições pioneiras de planeja-
mento, além de serem portadoras de diferentes
visões e interesses, carregavam em si mesmas
alguns problemas. A começar pela ideia de
ação racional, que marcou várias propostas
e práticas de planejamento daquele período
(1950-1960).
Primeiro, pela inexistência de ações
puramente racionais, por ser impossível elen-
car a um só tempo todas as variáveis e suas
consequências como demanda a proposta ra-
cional; segundo, pelo fato de a realidade em
estudo não permanecer estática e imutável
durante o processo de análise, diagnóstico
e prognóstico, conforme requer a proposta
do modelo racional-global de planejamento
(Etzioni, 1973). Esse modelo racional-global
de planejamento, elaborado no Massachusetts
Institute of Technology (MIT) durante o alvo-
recer da Guerra Fria, no início da década de
1950, embora relegado a um segundo plano
nas práticas de planejamento, tem sido privi-
legiado nos estudos de impacto ambiental.
Seu caráter enciclopédico e multidisciplinar
possibilita incorporar diferentes conjuntos de
variáveis, mensuradas em uma matriz de dupla
entrada com ponderações tipo custo-benefício.
A matriz de Leopold e de seus colaboradores
(1971) constitui um exemplo paradigmático da
metodologia adotada em diversos estudos de
impacto ambiental no Brasil e em outros paí-
ses. Embora a matriz procure contemplar todas
A insustentável natureza da sustentabilidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013 129
as variáveis, as atribuições de valor são feitas
de forma mecânica com ponderações subjeti-
vas, muitas vezes relacionadas aos interesses
em jogo. O que acarreta problemas e conflitos
de diversas ordens ao se incorporar a variável
humana e social, reduzida muitas vezes a uma
variável antrópica, como se os seres humanos
fossem formigas.
À complicação introduzida pela ação ra-
cional soma-se a “utilização ótima” que, por si
mesma, remete a outro problema: ótima para
quem, segundo quais critérios e segundo que
interesses? Em síntese, a “utilização ótima”
depende dos objetivos, que por sua vez são
estabelecidos por quem promove o planeja-
mento. De fato, o processo de planejamento
é variável e depende de quem o promove: o
Estado, as corporações ou grupos sociais com
interesses específicos. Além disso, há que se
considerar, que muitas vezes mesmo a partici-
pação é planejada no processo de planejamen-
to (Limonad, 1984).
Enfim, a proposta de utilização ótima dos
recursos naturais no processo de planejamento
pode ser vista como um vínculo precoce do pla-
nejamento com a questão ambiental, ainda mais
ao se substituir o termo ótima por sustentável.
Essas concepções e ideias orientaram
a prática de planejamento no Brasil ao longo
de quase quatro décadas, a partir da segunda
metade do século XX, quando o planejamento
estatal sequer se preocupava com os aspectos
sociais e muito menos com os atores e agentes
diretamente envolvidos (Lamparelli, 1982).
No entanto, mesmo a ideia de uma ges-
tão ótima dos recursos naturais tem sua ori-
gem nas concepções liberais da economia polí-
tica do capitalismo do século XIX, inspiradas no
pensamento de Locke (Harvey, 1996, p. 131).
Através de um discurso técnico concernente à
alocação adequada dos recursos escassos pa-
ra o bem-estar humano, se subsumia a domi-
nação da natureza à lógica do mercado. Esse
discurso, em aparência neutro e em nome de
um pretenso bem comum, servia para mascarar
a dominação hegemônica exercida através das
relações de produção sobre os trabalhadores e
a natureza. Dominação necessária para garan-
tir a própria existência e de desenvolvimento
do capitalismo.
O que mudou de lá para cá?
Qual o segredo do sucesso da persistên-
cia e sustentabilidade do desenvolvimento do
capitalismo? O segredo do sucesso do capita-
lismo reside não apenas em sua constante rein-
venção, como a mitológica fênix que sempre
ressurge de suas próprias cinzas, mas, também,
em sua capacidade de articular, organizar, su-
bordinar, controlar e gerir países diversos em
um único sistema global, em que as dimensões
econômicas, sociais e ambientais da reprodu-
ção social se interpenetram e confundem, co-
mo assinala Arturo Escobar (1995, p. 71). Insti-
tuições internacionais como o Banco Mundial,
o Fundo Monetário Internacional, a Organiza-
ção Mundial do Comércio, a Organização dos
Países Produtores de Petróleo, a Organização
Econômica dos Países Desenvolvidos (OECD),
entre outras, contribuem para a manutenção
e para o exercício desse controle por meio do
incentivo ou implementação de políticas de de-
senvolvimento econômico e de industrialização
em diversos países (Escobar, 1995, p. 71).
Nessa perspectiva de exercício da hege-
monia, obliteram-se as lutas e conflitos sociais
que foram, em parte, responsáveis pelo surgi-
mento da ideia de desenvolvimento susten-
tável. A visão que vigora e prevalece é que a
Ester Limonad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013130
origem da ideia de desenvolvimento susten-
tável residiria nas discussões iniciadas com a
Conferência da Biosfera, promovida pela Unes-
co em 1968, a qual se seguiu o Relatório de
Dennis Meadows: “Os limites do crescimento”,
divulgado em 1972 na Conferência das Nações
Unidas em Estocolmo. Esse relatório foi finan-
ciado por um bloco de corporações industriais
(Fiat, Olivetti, Volkswagen, Ford), políticos e
cientistas de vários países, que se formou em
1968 e ficou conhecido como Clube de Roma.
Desconsidera-se, assim, o fato de que a
ideia do desenvolvimento sustentável e sua in-
corporação ao discurso do planejamento teria
suas raízes não nas ideias neo-malthusianas
do Clube de Roma e relatório Meadows, mas
na emergência de conflitos sociais em diver-
sas partes do mundo relacionados às formas
de gestão e apropriação dos recursos naturais.
Disputas por água potável, por terras férteis,
por fontes combustíveis sempre existiram e são
tão antigas quanto a humanidade. Qual a novi-
dade então?
A novidade do século XX estaria na re-
sistência à modernização e ao desenvolvimen-
to, ao direito à diferença por parte de grupos
sociais compostos por indígenas, quilombolas
e camponeses. Distintos dos luditas do século
XIX, pequenos produtores agrícolas, campone-
ses e populações indígenas em diversos países
mobilizam-se em defesa da preservação de sua
condição de existência contra a imposição de
uma modernização, muitas vezes incompleta
e excludente, que se traduz pela expansão es-
pacial do capitalismo em escala global, e pela
destruição das relações pretéritas de produção.
Confrontam-se, assim, de um lado grupos so-
ciais diversos mobilizados para preservar seu
modo de vida, sua condição de existência e, de
outro, interesses corporativos e governamen-
tais que atendem à lógica de reprodução do
capital em escala global.
A noção de desenvolvimento sustentável
surge, dessa forma, da necessidade que essas
lutas sociais e demandas de organizações não
governamentais e de comissões das Nações
Unidas impuseram de se rediscutir a concep-
ção, então vigente, de desenvolvimento (Mela
et al., 2001, pp. 80-81).
Esses conflitos e os mecanismos gerais
de controle do sistema capitalista fizeram com
que questões vistas, inicialmente, como especí-
ficas e localizadas, conquistassem outras esca-
las e saíssem do âmbito puramente local e con-
tribuíram para converter a questão ambiental
em um problema global.
O Relatório Bruntland, elaborado pos-
teriormente em 1987, durante a ascensão do
neoliberalismo em escala mundial, veio coroar
os estudos do Clube de Roma e os que se se-
guiram, contribuindo para sacramentar a ne-
cessidade de um desenvolvimento sustentável
em nome de um futuro comum, ao chamar a
atenção para a finitude dos recursos naturais.
Extirpou, assim, da noção de desenvolvimento
sustentável o caráter de luta dos conflitos so-
ciais que lhe deu origem. Ao esvaziar o sentido
social da questão ambiental, viabilizou a ins-
trumentalização da ideia de sustentabilidade
para a preservação ambiental, em consonância
com os interesses hegemônicos. Além disso,
contribuiu para alimentar correntes ambienta-
listas de inspiração neomalthusiana, que em
nome de uma escassez dos recursos naturais
defendem exclusivamente a natureza em detri-
mento de questões sociais. Releva-se, assim, o
fato de que a finitude e escassez dos recursos
naturais são socialmente criadas e dependem
A insustentável natureza da sustentabilidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013 131
muitas vezes dos interesses em jogo, das alian-
ças existentes no nível da divisão internacional
do trabalho e do estágio de desenvolvimento
das forças produtivas para que este ou aquele
recurso seja considerado esgotável.
A noção de sustentabilidade, no con-
texto neoliberal emergente, se propagou
velozmente, porém com uma tradução equi-
vocada em português, seguindo o trocadilho
italiano traduttore, traditore (tradutor, trai-
dor). A expressão sustainable development
em inglês significa desenvolvimento durável,
o que faz com que seja traduzido para o fran-
cês como développement durable e não como
développement soutenable, o que evidencia
a inadequação da tradução para o português
como desenvolvimento sustentável (Moraes,
2001, p. 54).
De fato, a noção de desenvolvimento
sustentável refere-se a teorias de desenvolvi-
mento econômico, nas quais o desenvolvimen-
to refere-se a uma mudança qualitativa nas
estratégias de reprodução social e nos vínculos
econômicos prevalecentes, relevando os limi-
tes do crescimento econômico. Não obstante a
noção de sustentabilidade do desenvolvimento
ostente ares de novidade, suas origens podem
ser localizadas em diversos autores do pen-
samento econômico. David Ricardo, em 1817,
já levanta a possibilidade de o crescimento
econômico se sustentar e prolongar ao longo
do tempo. Karl Marx, em A Ideologia Alemã,
questiona a duração do capitalismo diante
dos limites impostos pelas relações sociais de
produção ao desenvolvimento das forças pro-
dutivas e sua transformação em forças destru-
tivas. Por sua vez, a concepção de “destruição
criativa” de Joseph Schumpeter é inspiradora
para aqueles que veem a sustentabilidade
como a solução para um capitalismo sadio.
Mesmo John Maynard Keynes, inspirador dos
planos de ajustes macroeconômicos pós-1945,
ao tratar do desemprego estrutural também se
preocupa com a sustentabilidade do desenvol-
vimento do capitalismo.
A ideia, em si, portanto, não é nova. Po-
rém é atraente e sedutora. Propostas, planos e
práticas de diferentes matizes políticos, enga-
jadas e críticas ao status quo, tendem a incor-
porar valores capitalistas hegemônicos sem o
perceber. Contribui para isso, o termo susten-
tabilidade remeter a possíveis cenários futuros
desejáveis em contraposição a cenários catas-
tróficos, somado ao fato de, segundo Acselrad
(1999, p. 80), os discursos da sustentabilidade
serem portadores de representações e valores
gerais, sem se preocupar em construir um con-
ceito explicativo. Além da cooptação político-
-ideológica, a ausência de um esforço explica-
tivo e o sentido vago do termo contribuem para
legitimar políticas diversas e articular diferen-
tes discursos em torno de uma estratégia co-
mum – em particular estratégias voltadas para
o desenvolvimento urbano e local ou regional
com a preocupação ambiental e sustentável.
Resulta daí, uma obstacularização aos movi-
mentos sociais contrários a essas práticas e
políticas direcionadas à apropriação social do
espaço e que tendem a ameaçar suas condi-
ções de vida e reprodução. Primeiro, porque a
mera associação da noção de “sustentabilida-
de” à essas propostas implica admitir a exis-
tência de apenas uma forma adequada de uso:
a sustentável (Acselrad, 1999). Segundo, signi-
fica ignorar as diferenças existentes, relativas à
diversidade social e às formas de apropriação
social do espaço. E, terceiro, implica obliterar
que a ideia de sustentabilidade é forjada com
Ester Limonad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013132
base em interesses específicos relacionados à
apropriação material do espaço necessário his-
toricamente à reprodução das diferentes esfe-
ras das relações sociais de produção (meios de
produção, força de trabalho e família).
De fato, o termo sustentabilidade sig-
nifica coisas completamente diferentes para
diferentes pessoas, mas de acordo com David
Harvey (1996, p. 148) “é muito difícil ser a fa-
vor de práticas ‘insustentáveis’ assim o termo
cola como um reforço positivo de políticas e
política conferindo-lhes a aura de serem am-
bientalmente sensíveis”.
Organizações governamentais e não go-
vernamentais encamparam o desenvolvimento
sustentável como o novo paradigma do desen-
volvimento urbano e econômico, e isso se expli-
ca, em parte, por permitir uma ambientalização
de suas propostas e planos esvaziada de ques-
tões sociais e em nome de um futuro comum.
Enfim, embora o caráter abrangente e
atual do desenvolvimento sustentável lhe con-
fira força política e contribua para legitimar
distintas práticas, as formulações prevalecentes
indicam sua debilidade conceitual por sua per-
cepção incompleta da degradação ambiental e
da pobreza bem como por sua falta de clareza
quanto à própria sustentabilidade, participação
e emancipação social.
Além disso, passa desapercebida a pró-
pria contradição de termos que perpassa a
própria ideia de desenvolvimento e de susten-
tabilidade. Existe desenvolvimento não susten-
tável? Pois, se o desenvolvimento é insustentá-
vel, é apenas momentâneo. Então, merece ser
chamado de desenvolvimento? De crescimen-
to? Mais uma vez, mais uma questão óbvia,
crescimento e desenvolvimento são diferentes.
Desenvolvimento é olhar para o futuro. É ou-
sar, é mudar o patamar de crescimento, superar
os interesses de lobbies localizados. Cabe aqui
uma analogia com um bebê recém-nascido,
que se apenas crescesse e não se desenvol-
vesse, ao fim de dezoito anos teríamos um ser
instintivo, não pensante por onde entra comida
por um lado e sai merda do outro. Desenvol-
vimento implica adaptabilidade, em mudanças
qualitativas, em última instância implica avan-
çar e transformar a realidade vigente.
Caberia, portanto, como assinala Lélé
(2002), uma rigorosa redefinição conceitual pa-
ra se poder adotar essa expressão criticamen-
te e, em nosso entender, de forma passível de
apropriação pelos grupos sociais envolvidos.
Da sustentabilidade do desenvolvimento ao desenvolvimento urbano sustentável
O documento do Habitat (UN, 2001) inicia-se
com um prêambulo de Kofi Anann, que reco-
nhece que devido às forças da globalização
o mundo ingressou no milênio urbano, pois
aproximadamente pouco mais da metade da
população mundial se tornou urbana. Enten-
de, ainda, que embora a globalização afete as
áreas rurais, se faz mais presente nas cidades.
Entende, assim, que o “desafio central para a
comunidade internacional é claro: fazer com
que ambas a urbanização e a globalização
sirvam a todas as pessoas, ao invés de deixar
bilhões para trás ou nas margens”. Por conse-
guinte defende que
A insustentável natureza da sustentabilidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013 133
As cidades devem promover a governan-ça, planejar e agir estrategicamente pa-ra reduzir a pobreza urbana, a exclusão social e promover o status econômico e social de todos os cidadãos e proteger o meio ambiente de forma sustentável. (UN, 2001 – Foreword)
Essa afirmação contribui para situar o
Programa de Cidades Sustentáveis (SCP) das
Nações Unidas como uma das evidências mais
palpáveis da ambientalização do discurso do
planejamento e da preocupação com um de-
senvolvimento urbano sustentável. Esse pro-
grama, criado no início da década de 1990,
surge quase como uma decorrência do êxito
do desenvolvimento sustentável como fer-
ramenta de legitimação de práticas urbanas
neoliberais. Sua criação unificou as agendas
de desenvolvimento sustentável do Programa
Ambiental das Nações Unidas (United Nations
Environment Programme – UNEP) e do Centro
para os Assen tamentos Humanos das Nações
Unidas (United Nations Centre for Human
Settlements – UNCHS).
O Programa Ambiental das Nações Uni-
das (UNEP), criado em 1972, enfatizava a im-
portância do planejamento e da gestão dos as-
sentamentos humanos, em particular em áreas
urbanas, com uma preocupação indireta com
a qualidade ambiental desses assentamentos
sociais. De certa forma, o Centro para Assen-
tamentos Humanos, criado em 1978, converge
para as preocupações do primeiro ao passar a
promover o que designa de padrões sustentá-
veis de vida em áreas urbanas e rurais, havendo
sido posteriormente designado de UN-Habitat
(United Nations Human Settlement Program).
O Programa das Cidades Sustentáveis
das Nações Unidas nasce assim como uma
articulação desses dois programas e define a
cidade sustentável como um lugar que dispõe
de um acervo durável de recursos naturais para
garantir a sustentabilidade (durabilidade) do
desenvolvimento social, econômico e físico, e
que conte com uma segurança durável contra
riscos ambientais que ameacem o seu desen-
volvimento (UNCHS/Unep, 2005).
Um indicador do êxito desse programa
é a dimensão que assumiu em menos de vinte
anos. Atualmente opera em mais de trinta paí-
ses de forma diferenciada, com participações
diversificadas. Sua proposta geral é formar
quadros de governo mediante a capacitação e
instrumentalização de autoridades locais e de
seus parceiros para a gestão e planejamento
urbano ambiental sustentável das cidades.
Da mesma forma que no caso do desen-
volvimento sustentável, não há uma definição
conceitual, precisa e rigorosa do que se enten-
de por uma cidade sustentável ou, lembrando
os argumentos tratados antes, do que se po-
deria caracterizar como uma cidade durável.
No entanto, não o são todas, em sua maioria?
Então, por que falar em cidades sustentáveis?
Ou mesmo duráveis? Ao invés de aceitar acri-
ticamente uma definição ou programa mínimo
do que se considera uma cidade sustentável,
cabe entender criticamente a proposta de cida-
des sustentáveis.
Grosso modo, os estudos e abordagens
em geral sobre as questões ambientais rela-
cionadas ao espaço urbano podem se dividir,
conforme a proposta de Whitehead (2003),
em dois grandes veios, o aporte técnico e o a
priori, ao qual acrescentamos aqui o reformis-
ta e o revolucionário ou subversivo.
O aporte técnico, para Whitehead (2003),
se caracteriza por interpretar o desenvolvimento
Ester Limonad
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urbano sustentável, pura e simplesmente, como
uma questão técnica relacionada ao planeja-
mento urbano, gerenciamento de tráfego, ado-
ção de tecnologias limpas e ao desenho urbano.
Resultam desse aporte propostas sustentáveis,
adotadas por arquitetos, urbanistas e técnicos
de prefeitura, que são vendidas e alardeadas
como fórmulas mágicas de resolução dos pro-
blemas urbanos. Porém, a despeito de suas boas
intenções, essas propostas caracterizam-se pe-
lo exercício demiúrgico do saber técnico e por
fazer tabula rasa do que existe. Ao adotar uma
solução técnica, como por exemplo imprimir um
modelo ideal de cidade sustentável com adap-
tações a diferentes cidades, afinal cada caso é
um caso, se reduz a cidade a um conjunto de
volumes construídos, de massas ambientais,
artérias de tráfego e de circulação, em que
prevalecem tecnologias limpas e áreas despo-
luídas. O que não for funcional, ou adaptável
esteticamente, tende a ser suprimido. Nesse
sentido, como questão técnica, embora sejam
geograficamente localizadas, as intervenções
aparecem como algo direcionado a atender
um interesse geral comum. Pois, por princípio,
todos teriam condições de usufruí-las. Porém,
via de regra, isso não ocorre. Em parte, em
virtude das formas de regulação, apropriação
social do espaço e das relações sociais de per-
tencimento, que contribuem para erigir barrei-
ras invisíveis na cidade (Sennet, 2001, p. 266).
Essas propostas arquitetônicas e urbanísticas
são, assim, implementadas ignorando o que
lhes antecede e sucede, alheias às diferenças
e desigualdades socioespaciais.
No enfoque a priori, ou ontológico,
as propostas e estudos assumem a exis-
tência a priori de uma cidade insustentá-
vel a ser transformada em sustentável. O
desenvolvimento urbano sustentável é reifica-
do como portador de algo positivo em si mes-
mo (Whitehead, 2003), servindo de panaceia
para todos os problemas, sociais, espaciais e
temporais. Essa fetichização da sustentabilida-
de, ao mesmo tempo que legitima as propostas
sustentáveis, lhes confere um caráter neutro e
apolítico, afinal quem é contra a sustentabilida-
de? Releva-se, assim, a existência de diferentes
interesses de classe, de desigualdades socioes-
paciais, bem como os conflitos e práticas es-
paciais que produziram historicamente aquele
espaço, objeto de intervenção.
Edward Jepson Jr. (2001, p. 506) assi-
nala que a conjunção planejamento sustenta-
bilidade, que se adota nesse enfoque para as
cidades sustentáveis, permite integrar, a um só
tempo, campos disciplinares para produzir po-
líticas públicas mais coerentes e abrangentes,
atores sociais em um processo produtivo ou
ambiental com foco na comunicação, valores e
diferentes instituições de modo a alcançar uma
abordagem cooperativa e integrada. Tem-se,
por conseguinte, que as propostas de cidades
sustentáveis desde a perspectiva ontológica
partilham lógicas universalistas de integração,
inclusão e cooperação social, espacial e tem-
poral, entre atores e agentes sociais, entre cen-
tro e periferia, entre passado e presente, entre
local e global (Acselrad, 2004). A solução dos
problemas para as abordagens ontológicas ou
a priori estaria no nível da vontade política e
do engajamento da população por meio da
construção de um consenso social e de uma
identidade comunitária, de modo a reduzir ou
mesmo eliminar as possibilidades de confronto.
A cidade deixa, assim, de ser o lugar do debate,
da diferença e da possibilidade de transforma-
ção social.
A insustentável natureza da sustentabilidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013 135
Os enfoques e estudos elaborados a par-
tir da perspectiva crítica reformista tendem a
encarar o desenvolvimento sustentável e a pro-
posta de cidades sustentáveis como uma pos-
sibilidade viável de imprimir mudanças, ainda
que limitadas. Conscientes das limitações das
propostas de desenvolvimento sustentável dos
dois veios anteriores, buscam imprimir soluções
com um caráter transformador, com a observa-
ção de que “não vêem ser necessário ou sen-
sato assumir um compromisso exclusivamente
com a transformação”, por entender que “a re-
forma agora é melhor do que nada e a transfor-
mação pode não ser imediatamente possível”
(Hopwood, 2005, pp. 49-50). Propostas com
esse tipo de inspiração geralmente buscam
engajar governos e grupos sociais em torno de
questões comuns, de modo a promover ações
diretas. Não obstante tenham consciência das
assimetrias de poder existentes e das nuances
do jogo político, buscam soluções de compro-
misso. Nutrem ativismos sociais em torno de
questões específicas e buscam articulá-los com
ações de governo. O que, em última análise,
acaba por contribuir para criar situações de
consenso ou de desmobilização social, à medi-
da que, muitas vezes, as reformas alcançadas
contribuem mais para manter e conservar o
status quo do que facultar a criação de uma
outra ordem social de caráter transformador.
Quanto às práticas, soluções e cidades
sustentáveis, há de se considerar, primeiro, que
a despeito do mote sustentável, essas soluções
não sustentam equanimemente todos os inte-
resses envolvidos (Whitehead, 2003) e isso se
aplica às propostas de cidades sustentáveis.
Há de se considerar, ainda, que as chamadas
soluções sustentáveis tampouco constituem
objetos planejados genéricos, passíveis de
serem implementados de forma uniforme, de
acordo com programas ou modelos mínimos
pré-definidos para alcançar uma situação de
sustentabilidade. Pelo contrário cada espaço,
cada território e lugar, cada cidade possuem,
cada um per se, uma história espaço-temporal
própria e uma articulação particular com ou-
tras escalas. No caso das cidades sustentáveis,
as propostas não se limitam a ser apenas uma
outra alternativa de investimento para o capi-
tal, mas constituem uma remodelação radical
de projetos neoliberais em áreas urbanas loca-
lizadas (Whitehead, 2003, p. 1203). E, isso se
evidencia na feira de fórmulas sustentáveis de
desenvolvimento expostas durante o Fórum
Mundial For a Better Future, promovido pelo
Programa Habitat das Nações Unidas no Rio de
Janeiro em 2010.
Enfim, cabe apontar a perspectiva sub-
versiva, ainda em construção. Essa subversão
se pretende uma transformação do instituído
por meio das práticas socioespaciais, como
uma transgressão no campo da luta política,
por se propor a subverter o instituído na pers-
pectiva da mudança social. A subversão é en-
tendida, assim, aqui como expressão de atos
políticos de movimentos anti-hegemônicos e
expressão de desejos latentes de mudança e de
construção de uma outra ordem social.
A insuficiência das estratégias de ação
consagradas de planejamento em solucionar
os problemas sociais evidenciam o notório
descompasso entre o projeto e a realização e
apontam para a necessidade de se subverter
radicalmente o processo de planejamento. Não
se trata tão somente de propor um planeja-
mento insurgente como o querem alguns, mas
de incentivar a subversão do instituído. Nesse
sentido, Randolph e Gomes (2010) introduzem
Ester Limonad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013136
três elementos como constituintes de um novo
planejamento, a saber a comunicação, o es-
paço e o tempo. Esses três elementos, em seu
entender, referem-se às principais contradições
no mundo contemporâneo, que compreendem
o consumo no espaço versus o consumo do
espaço (Lefebvre, 1991), a lógica instrumental
versus a lógica comunicativa (Habermas, 1981);
as práticas abstratas versus as práticas concre-
tas; o pensamento indolente versus o pensa-
mento cosmopolita (Souza Santos, 2003) que
ameaçam a própria convivência social.
O planejamento subversivo proposto por
Randolph (2007, 2008) pretende ser construti-
vo à medida que procura ser uma “mediação”
entre essas contradições, ou seja, se propõe,
nada mais e nada menos, a superá-las. Nesse
contexto, o planejador aparece como mediador,
que contribuiria para a superação de contra-
dições. Por conseguinte, nesse caso, assume
funções da mais alta complexidade e converte-
-se, assim, em uma figura mediática da maior
importância para o avanço de uma transforma-
ção voltada para a racionalidade comunicativa,
para a construção de um espaço diferencial de
valores de uso e um pensamento cosmopolita
baseado nas experiências sociais das popula-
ções exploradas e oprimidas.
Um modo alternativo e subversivo de
planejar, segundo o autor, deve reconhecer as
contradições entre a cidadania formal e a cida-
dania substantiva, bem como trabalhar em no-
me da expansão de direitos de cidadania.
Não se trata, portanto, de propor mera-
mente um planejamento insurgente no nível
da transgressão, da revolta contra a ordem
instituída, mas, sim, um planejamento que se
proponha a criar um espaço diferencial. Um
planejamento que permita abrir perspectivas
de transformação social, de construção de uma
outra ordem, mediante a subversão da ordem
vigente, que não se traduz pelo incentivo à vio-
lência, à destruição. Trata-se de superar a visão
do planejamento como monopólio do Estado
e passar da identificação de necessidades e
prioridades pelo Estado, para a identificação
de necessidade e prioridades por parte da po-
pulação. Não no âmbito dos espaços de poder,
mas no âmbito dos espaços cotidianos das prá-
ticas sociais e espaciais que podem dar origem
a formas substantivas de exercício de cidada-
nia, bem como do aproveitamento de outras
formas de apropriação dos recursos naturais e
das fontes de informação e de uma orientação
nova para práticas de planejamento.
A construção das mediações necessárias
prescindiria, assim, da autorização e concessão
de espaços de participação por parte do Esta-
do, o que abriria nesse sentido uma outra pers-
pectiva para a discussão da sustentabilidade
do desenvolvimento, mais próxima do caráter
da luta social que lhe deu origem.
Algumas considerações fi nais, ou como ser contra o desenvolvimento sustentável?
Sob o argumento de minimizar os impactos da
produção capitalista do espaço sobre o meio
ambiente, planejadores e técnicos de governo,
por sua vez, propugnam o desenvolvimento
urbano, ou mesmo o desenvolvimento susten-
tável, o turismo ecológico, a urbanização sus-
tentável controlada, a agricultura ecológica, o
zoneamento econômico-ecológico em escala
regional, etc. Esses discursos de planejamento,
A insustentável natureza da sustentabilidade
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embora ambientalizados, vão de encontro às
próprias práticas de organização, regulação e
produção do espaço. Práticas que se revelam,
por assim dizer, ambíguas, no concernente à
sustentabilidade que se propõem a promover.
Nesse sentido, as propostas de desenvolvimen-
to sustentável e, por vezes, a ambientalização
do planejamento têm um fundo comum, por
assim dizer, instrumental que contribui para
esvaziar em parte o sentido social da questão
ambiental e para ocultar o caráter estratégico
que o espaço social assume para a reprodução
do capital na contemporaneidade.
De fato, a produção social do espaço em
si, necessária às diferentes esferas da reprodu-
ção social, envolve uma apropriação da natu-
reza e de espaços pré-existentes. Isto faz com
que as contradições e conflitos fundamentais
das sociedades contemporâneas voltem-se pa-
ra disputas em torno do espaço social diante
da reapropriação e ampliação espacial do do-
mínio da lógica capitalista.
A questão ambiental aparece, assim,
como mais uma expressão dos conflitos entre
diferentes formas de apropriação social (Porto-
-Gonçalves, 1992), tanto no nível das repre-
sentações como na própria materialidade dos
processos socioespaciais. A articulação entre
ambas dimensões constitui o cerne da pro-
blemática ambiental e é tanto condição como
resultado do processo de produção de transfor-
mações no espaço social.
Na luta pela dominação do espaço social,
aquilo que se pode, contemporaneamente, de-
signar de espaço natural, ou espaço absoluto
(Lefebvre,1991), torna-se na lógica capitalista
reserva de valor, objeto de cobiça e aparen-
temente escasso em relação às necessidades
capitalistas da reprodução das relações sociais
de produção. A questão ambiental contempo-
rânea e os conflitos sociais dela decorrentes,
assim, podem ser entendidas como a materia-
lização da contradição entre a apropriação e a
dominação social do espaço, que tem por base
a contradição entre valor de uso e valor de tro-
ca, como apontamos ao início.
Com a diluição da diferenciação rural-
-urbano, avanço da urbanização, e industriali-
zação da agricultura, o espaço como um todo
se converte em objeto de disputa de diferentes
lógicas e enfrentamentos sociais, que resul-
tam em impactos ambientais diferenciados.
Por um lado expandem-se as áreas urbanas,
por outro criam-se extensos desertos verdes
de monoculturas como parte de complexas
cadeias produtivas que articulam globalmente
diversos locais. Resultam daí crescentes pres-
sões pela ocupação e uso de áreas de preser-
vação e proteção ambiental, que se expressam
em conflitos entre a função social e ambiental
do espaço.
Tais conflitos decorrem, por um lado,
do ca ráter excludente da produção capitalis-
ta do espaço, que ao mesmo tempo em que
produz novos espaços urbanos, recupera es-
paços degradados, incorpora espaços a pro-
dução agroindustrial e alija desses espaços so-
cialmente produzidos e equipados crescentes
contingentes de trabalhadores. A esses restam
as periferias carentes de infraestruturas e equi-
pamentos, ou ainda as orlas de rios, lagoas e
mananciais e as encostas de morros. Por outro,
esses conflitos decorrem, também, da ânsia do
capital imobiliário em incorporar espaços com
amenidades naturais ao seu processo produti-
vo, como um fator diferencial, particular e não
reprodutível, para maximizar sua captura de
rendas diferenciais.
Ester Limonad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013138
Evidencia-se, assim, a interação ambien-
te “natural” e ambiente “construído”.
A partir do exposto até aqui, torna-se
patente a conformação de um paradigma que
combina e contrapõe dialeticamente diferentes
processos e esferas de reprodução social, que
podem ser entendidos como disputas e enfren-
tamentos pelo espaço necessário à reprodução
das diferentes esferas sociais (dos meios de
produção, da força de trabalho e da família).
A ambientalização do discurso do plane-
jamento pode contribuir, em última análise para
viabilizar a regulação e dominação do espaço
pelo capital e pelo Estado, ao garantir a aloca-
ção de recursos naturais necessária à acumula-
ção, bem como para manter e ampliar os siste-
mas hegemônicos de poder. Dessa forma, essa
ambientalização estaria relacionada ao caráter
geopolítico que assume a questão ambiental
contemporânea, uma vez que não se encon-
tram mais em causa apenas os interesses locais
e regionais – tratar-se-ia, sim, de uma nova in-
terface da inter-relação local-global, em que o
global busca interferir nos desígnios do local e
criar reservas ambientais para exploração futu-
ra controlada pelas forças hegemônicas.
Diversos estudos e pesquisas apontam
para a existência de uma lógica geral, não
transparente, que perpassa os diferentes pro-
cessos espaciais, que se manifestam como se
foram singulares e únicos, que marcam os lu-
gares de forma específica e particular, como se
algo novo estivesse emergindo (Carlos, 2010;
Lencioni, 2010).
Por conseguinte, as mudanças que ora
se impõem exigem novos cuidados metodoló-
gicos, e novos procedimentos de aproximação
ao real e à construção do objeto teórico, bem
como tornam obsoletos os instrumentos de
intervenção sobre o real – planejamento tecno-
crático, urbano, regional e ambiental.
De onde, se manifesta a importância
de uma economia política do espaço, que dê
conta da relação espaço, sociedade e meios
de produção, como um meio de superar os
aparentes hiatos em termos das escalas es-
paciais, dos níveis de governo e das arenas
políticas (Brandão, 2007) que atravessam as
relações entre os diferentes agentes e atores
relacionados à produção e apropriação social
do espaço.
Emergem, assim, diversas questões a se
considerar, que cabem ser apontadas como
perpectivas possíveis de trabalho. Destacam-
-se entre elas o mapeamento, a qualificação
e a necessidade de um novo olhar sobre os
agentes institucionais, os global players e ato-
res sociais envolvidos na produção social do
espaço. O que demanda voltar os olhos para o
papel do Estado e do poder público, de modo
a se ter meios de construir as mediações ne-
cessárias para superar o conflito latente entre
diferentes interesses articulados em distintas
escalas, as necessidades locais e a afirmação
de marcações sociais e identitárias de diferen-
tes grupos sociais.
Disputas e conflitos em torno do espa-
ço social, antes localizados e demarcados,
ganham agora outras escalas e significados
com a globalização dos mercados, dos fluxos
e crescente complexificação da divisão espa-
cial do trabalho, que perpassam as diferentes
esferas de reprodução social. Isso contribui de
forma dialética, em larga medida para o capi-
talismo contemporâneo assumir, mais do que
nunca, um caráter civilizatório (Ianni, 1997),
pretensamente progressista e moderniza-
dor, em nome da preservação ambiental e do
A insustentável natureza da sustentabilidade
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desenvolvimento econômico e social, em esca-
la regional ou local. Por outro lado, a erupção
e multiplicação de conflitos sociais diversos em
torno do ambiente construído, dos ambientes
naturais, em síntese do espaço social, são uma
tradução da espaço-materialidade contempo-
rânea da contradição capital-trabalho, cuja
marca hoje é a instabilidade e volatilidade de
fixos e fluxos (Santos, 1996) que se manifesta
e imiscue em todos os aspectos e esferas da
vida social contemporânea.
Enfim, não há como menosprezar a per-
cepção do sistema capitalista, que vai muito
além das possibilidades de investimento finan-
ceiro e do desenvolvimento local e regional,
puro e simples em defesa da sustentabilidade
do desenvolvimento. A ideia de sustentabili-
dade, por seu caráter aparentemente inócuo
e neutro, propicia a articulação de interesses
diversos e de governos locais em diversos paí-
ses. Essa articulação em várias escalas emerge,
assim, como um terreno propício de cooptação
político-ideológica e de apaziguamento de
tensões sociais, em que em nome de um hipo-
tético futuro comum se abandonam projetos
de modernidade passados. A possibilidade de
construção de uma sociedade mais equânime,
a superação da exclusão social exige o reco-
nhecimento do caráter instrumental e político
da ideia de sustentabilidade e de que, mais do
que nunca, o espaço se tornou estratégico para
a reprodução das relações sociais de produção.
Assim, a cidade, como espaço de convergên-
cia, aglutinação e enfrentamento de diferen-
tes lógicas e interesses sociais, representa na
contemporaneidade um terreno crucial para a
construção de um espaço diferencial e de uma
sociedade mais equânime.
Ester LimonadArquiteta. Doutorado em Planejamento Urbano e Regional. Professor Associado IV da Universidade Federal Fluminense. Niterói/RJ, [email protected]
Notas
(1) Disponível em: <h p://sustentabilidade.bancoreal.com.br/default.aspx?utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_term=Sustentabilidade&utm_campaign=sustentabilidade>. Acesso em: 23 fev 2011.
(2) ISO 14000 são certificados criados na década de 1990 pela International Organization for Standar za on (ISO) atribuídos a empresas e ins tuições. Esses cer fi cados servem para atestar o cumprimento de um conjunto de normas e diretrizes rela vas à gestão ambiental por parte dessas empresas e ins tuições.
Ester Limonad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013140
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Texto recebido em 8/out/2012Texto aprovado em 14/dez/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013
500 anos em buscada sustentabilidade urbana
500 years in search of urban sustainability
Klemens Laschefski
ResumoEste artigo apresenta um resgate histórico do sur-
gimento do termo desenvolvimento sustentável.
Mostra que a busca pela sustentabilidade sempre
esteve vinculada às diversas crises dos modos de
produção do espaço feudal e capitalista. As analo-
gias em tempos recentes, demonstrado a partir da
aplicação do Estatuto da Cidade em Belo Horizon-
te, confi rmam a condição de insustentabilidade so-
cial das cidades urbano-industrial-capitalistas. Isso,
porque são benefi ciados empreendimentos imobi-
liários privados ditos sustentáveis que estimulam
a elitização do espaço. Propostas concretas para
as sociedades urbanas socialmente sustentáveis
apresentam elementos comuns à ilha Utopia, dos
escritos de Thomas Morus, de 500 anos atrás, rea-
fi rmando a necessidade de considerar a categoria
espaço como produto social e as relações de poder
sobre o território na conceituação da sustentabili-
dade urbana.
Palavras-chave: sustentabilidade urbana; desigual-
dade social; produção do espaço; empreendedoris-
mo imobiliário; marginalização; justiça ambiental.
AbstractThis article presents a historical review of the origins of the term sustainable development. It shows that the search for sustainability has always been connected with the several crises of the modes of production of the feudal and capitalist space. The analogies in recent times confirm the condition of social unsustainability of the urban-industrial-capitalist cities, which is shown through the application of Brazil’s City Statute to the municipality of Belo Horizonte. The reason for this is that it benefits the so-called sustainable, privately-owned real estate undertakings, which stimulates the elitization of space. Concrete proposals for socially sustainable urban societies have similarities with the Island of Utopia, from the writings of Thomas More 500 years ago, reaffirming the need to consider the category “space” as a social product, and the power relations over territory within the conceptualization of urban sustainability.
Keywords: urban sustainability; social inequality; production of space; real estate undertakings; marginalization; environmental justice.
Klemens Laschefski
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013144
Introdução
O documento final da Conferência das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, de-
nominada “Rio+20”, enfatiza a chamada eco-
nomia verde como uma ferramenta importante
para a “erradicação da pobreza” e a manuten-
ção do “funcionamento saudável dos ecossis-
temas da Terra” (Nações Unidas, 2012, p. 9). Ao
nosso ver, a consagração do termo economia verde consolida o discurso que concebe a sus-
tentabilidade como um conjunto de problemas
técnicos e administrativos que visam solucionar
as questões sociais e ambientais contemporâ-
neas adequando o sistema econômico atual.
Essa tendência é resultado da confluência das
políticas neoliberais e das políticas ambientais
internacionais, ocorrida nos anos 1990, refe-
rendadas, por um lado, pela Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o De-
senvolvimento (CNUMAD), conhecida também
como Rio-92, e, por outro lado, pela funda-
ção da Organização Mundial do Comércio em
1995. Assim, não surpreende que a economia verde seja considerada, no documento final da
Rio+20, um meio para “[...] oferecer opções
para decisão política, sem ser um conjunto rí-
gido de regras” (Nações Unidas, 2012, p. 9).
Entendemos que, com essa confluência das po-
líticas ambientais e neoliberais, houve, de fato,
um afastamento do conteúdo político da crítica
ambiental que surgiu a partir dos anos 1960 e
que intensificou fortemente, na época, a busca
por alternativas para a sociedade dita moderna
diante da insustentabilidade dos modelos de
desenvolvimento baseadas na industrialização.
Porém, apesar do sucesso dos discursos
sobre soluções “pragmáticas” para alcançar o
desenvolvimento sustentável, que mobilizaram
e mobilizam inúmeros agentes de instituições
públicas, entidades da sociedade civil, setor pri-
vado e academia, não foram produzidos resul-
tados significativos que indicam um caminho
claro para o “futuro que queremos”. Ao con-
trário, numa perspectiva global, nada indica o
fim do agravamento dos problemas ambientais
e da desigualdade social.
Diante disso, esse trabalho procura
retomar a crítica política às contradições
inerentes à sociedade urbano-industrial-ca-
pitalista, visando analisar o que chamamos
aqui crise da busca da sociedade sustentável.
Partimos da hipótese que o surgimento des-
sas contradições não são processos recentes,
mas têm suas raízes em processos históricos
que transformaram as relações da socieda-
de com o meio físico. Tal observação parece
óbvia, já que é amplamente reconhecido que
os processos de industrialização e os novos
processos de urbanização induzidos por ela,
transformaram a “cara” do mundo. No en-
tanto, embora muitos discursos se refiram às
questões espaciais de forma descritiva, não se
iniciou ainda um debate que problematize a
sociedade urbano-industrial no que diz res-
peito à sua espacialidade. Consequentemen-
te, observamos que as relações socioespaciais
como elementos importantes para analisar o
“pano de fundo” da situação de não-susten-
tabilidade são negligenciadas. Nessa perspec-
tiva, procuramos mostrar que as questões da
sustentabilidade estão, na verdade, relacio-
nadas às formas contraditórias de produção
e reprodução do espaço na sociedade moder-
na. Trata-se, então, de acordo com Lefèbvre
(1994), de uma crise da atual produção polí-
tica e social do espaço.
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013 145
Após uma breve reflexão sobre a origem
e o atual significado do termo desenvolvi-
mento sustentável, mostramos que o adjetivo
sustentável já foi utilizado em discursos so-
bre a crise econômica do século XVII e XVIII
causada pela escassez de madeira (Carlowitz,
1713/2000), que apresentam semelhanças
com os debates atuais sobre a limitação de re-
cursos naturais e o consumo de energia. Essa
crise ocorreu às vésperas da ascendência do
capitalismo industrial, sendo originada nos
conflitos socioterritoriais que marcaram a Ida-
de Média tardia, os quais resultaram na recon-
figuração dos direitos de uso e posse da terra.
Segundo Lefèbvre (2004), trata-se da mudança
funcional do modo de produção do espaço que
antes girava em torno da cidade comercial e
passa a girar em torno da cidade industrial.
Nesse processo, emergem novas formas de de-
sigualdade social que permanecem até os dias
de hoje. Sobre essa base, analisamos processos
recentes de avanço do modo de produção do
espaço urbano-industrial-capitalista no Brasil,
traçando um paralelo com acontecimentos
históricos da Europa central. Finalmente, pro-
curamos mostrar que os atuais discursos sobre
cidades sustentáveis apresentam elementos
já delineados por Thomas Morus há 500 anos
atrás, quando ele apresentou a sua ficção do
sistema espacial da sociedade Utopia.
As origens da noção da sustentabilidade
De acordo com a maioria dos livros especiali-
zados, o termo desenvolvimento sustentável
foi empregado, pela primeira vez, no contexto
da política internacional, no relatório intitulado
World Conservation Stratagy – Living resource
conservation for sustainable development,
publicado em 1980 pela IUCN (International
Union for the Conservation of Nature). Esse re-
latório resume os principais pontos debatidos
na época em relação às falhas das políticas
para o desenvolvimento de países do então
chamado Terceiro Mundo. As discussões se con-
centraram em aspectos econômicos sem consi-
derar os aspectos sociais e, sobretudo, os eco-
lógicos. Diante das consequências de questões
como o agravamento da pobreza, os proble-
mas ambientais e a depredação dos recursos
naturais, o relatório aponta como estratégia a
reformulação e ampliação dos objetivos do de-
senvolvimento, considerando a “limitação dos
recursos” e a “capacidade de carga” (carrying
capacity) dos ecossistemas. Além disso, os au-
tores do relatório destacam as necessidades
das gerações futuras como parâmetro para
”[...] providenciar o bem-estar social e econô-
mico. O objetivo da conservação é de segurar a
capacidade da Terra para sustentar o desenvol-
vimento e apoiar toda vida (IUCN, 1980, p. I,
tradução nossa). A argumentação faz referên-
cias às principais ameaças ao modelo de de-
senvolvimento, detectadas por Meadows et
al. (1972), entre as quais estão o crescimento
exponencial da população e da economia, que
deveriam ser limitados para evitar a sobrecar-
ga do planeta. Os autores utilizaram também
o termo sustentável, mas referindo-se a um sis-
tema mundo, no sentido físico, que fosse ”[...]
1) Sustentável, sem colapso súbito e incon-
trolável [...] [e] 2) [...] Capaz de satisfazer aos
requisitos materiais básicos de todos os seus
habitantes” (Meadows et al., 1972, p. 158).
Esse livro gerou muita polêmica nos debates
Klemens Laschefski
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013146
políticos internacionais devido à sua demanda
pelo “crescimento zero” das curvas de cresci-
mento econômico e populacional, pois colocou
em questão o modelo do desenvolvimento eco-
nômico em vigor. O relatório da IUCN signifi-
cava, portanto, o esboço de um discurso mais
ou menos consensual de resgate do termo
desenvolvimento, porém adjetivado como sus-
tentável. Dessa forma, o texto virou base para
a definição do termo pela Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente das Nações Unidas, que
o define no chamado Relatório Brundtland, em
1987, como "[...] o desenvolvimento que satis-
faz as necessidades atuais sem comprometer
a habilidade das futuras gerações em satisfa-
zer suas necessidades" (CMMD, 1991, p. 9).
Porém, chamamos atenção à continuação do
texto, em que consta:
o conceito de desenvolvimento susten-tável tem, é claro, limites – não limites absolutos, mas limitações impostas pelo estágio atual da tecnologia e da orga-nização social, no tocante aos recursos ambientais, e pela capacidade da bios-fera de absorver os efeitos da atividade humana. Mas tanto a tecnologia quanto a organização social podem ser geridas e aprimoradas a fim de proporcionar uma nova era de crescimento econômico. (CMMD, 1991, p. 9)
Com esse resgate, a ideia de que o cres-
cimento econômico é o principal motor do
desenvolvimento sustentável é amplamente
aceita até os dias atuais. Para concretizar es-
sas tarefas apostava-se em “ajustes” através
do progresso da ciência que possibilitasse o
desenvolvimento de técnicas limpas e estra-
tégias de mitigação e compensação de im-
pactos ambientais; estratégias administrativas
subsumidas na gestão ambiental. Tais medidas
têm sua origem no conceito de modernização
ecológica, introduzido por Huber (1982), en-
tendido como progresso tecnológico que ini-
ciaria uma fase de “superindustrialização” dos
processos produtivos que, ao mesmo tempo,
apresentariam soluções para os problemas am-
bientais. Além disso, houve um reconhecimen-
to de que as políticas públicas deveriam ser
elaboradas de forma participativa, a exemplo
das iniciativas de formular Agendas 21 nacio-
nais e locais que objetivam a definição de me-
tas concretas para conciliar os interesses eco-
nômicos, sociais e ambientais, na esperança de
alcançar o consenso a respeito dos caminhos
para a sustentabilidade. É nesse sentido que
observamos as teses do Relatório Brundtland,
produzido em 1987, reafirmadas no lema eco-
nomia verde postulado na Conferência Rio+20
em 2012.
Apesar do surgimento de mercados bas-
tante expressivos para algumas atividades que
podem ser encaixadas na economia verde, há,
como aludimos, um certo consenso de que es-
tamos distante de solucionar questões como a
pobreza e a crise ambiental global, ou seja, es-
tamos distante da justiça intra e intergeracio-
nal e do equilíbrio ecológico. Isso porque, se-
guindo o raciocínio de Sachs (2000), as estra-
tégias supracitadas buscam consertar as falhas
do modelo de desenvolvimento por intermédio
do próprio desenvolvimento, desviando-se,
assim, das contradições inerentes à sociedade
urbano-industrial, principalmente no sistema
capitalista. Como indicamos, tais contradições
não são um fenômeno recente, pois acompa-
nharam a história da ascendência da sociedade
urbano-industrial-capitalista, na inflexão do
agrário para o urbano (Lefèbvre, 2004), que
500 anos em busca de sustentabilidade urbana
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induzia ao fim dos modos feudais de produção
do espaço.
A crise da sustentabilidade do feudalismo como berço do capitalismo
Como anunciamos, há autores que atribuem a
origem do termo sustentável a uma publicação
alemã de Hans von Carlowitz do ano 1713.1
Nela, o autor se refere à necessidade do mane-
jo florestal racional para combater a carência
de madeira da época, que, segundo ele, amea-
çava a economia do país:
Onde o dano surge da negligência do tra-balho cresce a pobreza e a carência dos humanos. Também não é possível a pro-dução de madeira tão rápida como na agricultura [...] Por isso, a arte, a ciência, o desempenho e a organização mais per-feita é realizar uma conservação e uso da madeira de tal maneira que se alcançasse o seu uso durável, continuo e sustentável, por que se trata de uma coisa indispensá-vel, pois, sem isso, o país não consegui-ria manter a sua existência. (Carlowitz, 1713/2000), pp. 105-106, grifo nosso)
Esse trecho é frequentemente citado co-
mo a primeira menção ao manejo sustentável
no ramo da economia florestal. Contudo, o que
nos interessa aqui é o contexto socioeconômi-
co que serviu como justificativa para a apresen-
tação dessa proposta.
Antes de entrar nessa temática, cabe
lembrar que a obra de Carlowitz representa
uma sistematização do conhecimento acumu-
lado por vários séculos pelas autoridades –
senhores pertencentes à aristocracia, à igreja,
aos monastérios; donos da terra que também
ocupavam funções da administração e jurisdi-
ção. Assim, de certa forma, a proposta reflete
as visões e desejos dos senhores de tornarem
as florestas mais produtivas. Já naquela época,
não se tratou apenas de um discurso técnico
embutido numa racionalidade econômica, mas
do resultado da luta conflituosa entre autori-
dade e súditos pela “hegemonia de opinião”
(Fetzer, 2002), que, afinal, contribuiu para a
superação do modo de produção do espaço do
sistema feudal.
Os conflitos sobre o uso das florestas
tiveram início na Idade Média e se multiplica-
ram, sobretudo no século XVI, culminando na
Guerra dos Camponeses (1524-1525). De mo-
do geral, a revolta é interpretada como uma
revolução contra a exploração econômica e a
opressão sobre os súditos, exercida de forma
cada vez mais abusada pelos senhores. As rei-
vindicações dos camponeses foram resumidas
nos 12 Artigos de Memmingen, que pautaram
assuntos como a eleição livre dos padres, a
abolição da servidão, regulamentos relativos
ao décimo e aos serviços prestados aos senho-
res. Trata-se do primeiro documento conhecido
no qual os camponeses referiam-se a um dis-
curso religioso; era influenciado pelo movi-
mento reformista de Martinho Lutero, embora
o padre tenha se distanciado radicalmente dos
camponeses por causa da violência dos confli-
tos (Lutero, 1996). Por outro lado, um admira-
dor de Lutero, o teólogo Thomas Münzer, padre
da cidade alemã Mühlhausen, se envolveu nas
guerras dos camponeses, inclusive justificando
a violência com palavras da Bíblia: “Não pen-
seis que vim trazer paz à terra; não vim tra-
zer paz, mas espada”. De certa forma, essas
Klemens Laschefski
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013148
influências contribuíram para que os campone-
ses se apropriassem da Bíblia para reforçar as
suas reivindicações. O resultado foi o estímulo
ao debate sobre o assunto entre os senhores, já
que a Bíblia, naqueles tempos, legitimava um
discurso hegemônico, que sustentava a ordem
social da sociedade medieval e pós-medieval.
Em função dos objetivos deste trabalho,
destacamos as reivindicações dos camponeses
relativas aos direitos sobre o uso da terra:
4) Não é fraternal e compatível com a palavra de Deus que o homem pobre não obtém poder de capturar animais selva-gens, aves e peixes. Pois, quando Deus o Senhor criou o homem, ele deu a ele o po-der sobre todos os animais, o pássaro e o peixe na água. 5) Os senhores se apropriaram das flo-restas. Quando o homem pobre necessita algo [das florestas] ele precisa comprá-lo com o dobro de dinheiro. Por isso, todas as florestas que não foram compradas [as florestas anteriormente comuns, apropria-das pelos senhores] devem ser devolvidas para a comunidade, para que todos pos-sam satisfazer suas necessidades de ma-deira para a construção e lenha. [...] 10) Muitos se apropriaram dos pastos e das lavouras que eram posse da comu-nidade. Queremos essas de volta em nos-sas mãos. (Blickle, 2004, pp. 26-27, tradu-ção nossa, resumido)
Analisando a citação, observa-se que a
luta dos camponeses não era apenas contra os
abusos de poder pela nobreza. Um dos princi-
pais focos era o restabelecimento e fortaleci-
mento do modo de produção do espaço basea-
do nos direitos de uso comum, que eram cada
vez mais desrespeitados pela nobreza, amea-
çando o sustento dos camponeses; era uma
luta em torno da distribuição do poder sobre o
território. Em outras palavras, a população rural
defendia a sustentabilidade de suas formas de
vida, colocando o acesso à terra e aos recursos
naturais na perspectiva de direitos que garan-
tissem sua existência. De fato, os 12 artigos de
Memmingen são considerados, hoje, como a
primeira manifestação escrita de reivindicação
de direitos humanos universais (Blickle, 2004).
Assim, podemos interpretar essa “revolução do
homem comum” (Bickle, 2004) como luta por
justiça ambiental.
Apesar de os camponeses, depois da
revolta, terem sido considerados derrotados,
nos anos subsequentes iniciaram-se reformas
que resultaram, em 1555, na formalização do
direito ao recurso individual ou coletivo dos
súditos contra as ações dos senhores, nas ins-
tâncias mais altas da ordem jurídica do então
denominado Sacro Império Romano da Nação
Germânica. Em consequência, surgiu um siste-
ma complexo de jurisprudência sobre o uso das
florestas, constituído em dominium utilis (di-
reitos de uso), dominium directum (direitos de
posse) e dominium pleno (direito pleno de uso
e posse). Nesse conjunto, os direitos das famí-
lias de usufruir das florestas de forma a garan-
tir o necessário para a sua existência tornou-se
um dos pontos mais disputados. Essa norma,
chamada Hausnotdurft (Fetzer, 2002, p. 251),
abrangeu, além do direito da retirada de lenha
e de madeira para construir, entre outras coi-
sas, casas e cercas, também sistemas combina-
dos de pastagem e produção florestal (sistemas
silvipastoris). O direito da Hausnotdurft preva-
leceu sobre o uso particular pela autoridade,
como, por exemplo, para a produção do mer-
cado. Assim, os usos particulares foram limi-
tados pelo uso comum das florestas. Contudo,
em decorrência da degradação das florestas,
500 anos em busca de sustentabilidade urbana
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causada principalmente pelo crescimento po-
pulacional, essa norma foi cada vez mais ques-
tionada pela nobreza, que alegava não se tra-
tar de um direito, mas apenas de uma permis-
são ou um ato de clemência nos seus domínios
(Grundherrschaften). Os conflitos entre os súdi-
tos – que defendiam seus direitos comuns – e
os senhores – que reivindicavam seus direitos à
propriedade (Eigentum) – se estenderam até o
século XVIII, quando ocorre a passagem do sis-
tema feudal para o capitalismo. Em decorrência
da ampliação das relações mercantis, tornou-se
frequente a venda dos direitos de uso das flo-
restas comunitárias ou de seus produtos (ma-
deira ou outros produtos florestais) para obter
renda monetária – não apenas pela nobreza,
mas também pelas próprias comunidades cam-
ponesas. Em consequência, a nobreza procurou
sistematizar a contabilização, o destino do uso
das florestas, separando quantitativamente as
necessidades para a Hausnotdurft e para a co-
mercialização. Como essa nova forma de ren-
da monetária permitia sanar as necessidades
básicas dos camponeses por meio do mercado
ao invés da produção própria, os limites entre
a produção para o autoconsumo e para a co-
mercialização ficaram cada vez menos claros.
Diante da crescente complexidade dos cálculos,
iniciou-se a busca pelo uso racional das flores-
tas baseado em métodos científicos, cujos re-
sultados foram gradativamente utilizados para
enfraquecer o direito à Hausnotdurft. Aos pou-
cos, aumentou também a venda das próprias
florestas, gerando uma onda de processos jurí-
dicos (Fetzer, 2002).
Essas breves considerações mostram
a complexidade das normas política e social-
mente construídas que determinaram o modo
de produção do espaço e, assim, a apropriação
material do território durante o feudalismo.
Também explicam por que esse sistema se
manteve por tanto tempo, elucidando o “de-
senvolvimento tardio” de algumas regiões
alemãs. Numa outra leitura, a relativa estabi-
lidade do sistema feudal era fruto do aparelho
jurídico desenhado para tratar e mediar os
“conflitos dos súditos” (Untertanenkonflikte),
obrigando as partes de debater suas posições
num espaço formalmente circunscrito. Tal fato
fornece uma explicação para a suposta falta
de potencial revolucionário nos séculos pos-
teriores à guerra dos camponeses. Porém, é
preciso destacar que a maioria dos processos
jurídicos, que frequentemente duravam déca-
das, beneficiava os poderes hegemônicos, in-
troduzindo, assim, as condições básicas para a
implementação do modo de produção capita-
lista do espaço.
O que é interessante nesse contexto é
que os senhores, na sua argumentação para
derrubar os direitos comunitários, obliteraram
o crescimento populacional expressivo como
uma das causas da superexploração das flo-
restas. Esse era, em princípio, um argumento
relevante, pois a circulação restrita de merca-
dorias impossibilitava a troca à longa distância
da maioria dos produtos. Consequentemente,
o aumento da produtividade para a subsis-
tência das famílias camponesas seria uma
contribuição importante para a consolidação
de uma sustentabilidade social. Contudo, ao
invés disso, os senhores enfatizavam, nas suas
justificativas, o mau uso da Allmende (terras
comum) pelos camponeses, reivindicando, as-
sim, a diminuição dos direitos e promovendo o
manejo racional das florestas organizado pelos
estudiosos da elite, culminando na sistematiza-
ção desse conhecimento na obra de Carlowitz,
Klemens Laschefski
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013150
escrita em 1713. O resultado foi a progressiva
apropriação das florestas pelos senhores como
propriedade privada, com a finalidade de pro-
duzir excedentes de madeira de boa qualidade,
o que não era possível nos sistemas de uso
múltiplo dos camponeses. Com o impedimento
de outros usos, sobretudo os sistemas silvipas-
toris, iniciou-se o processo que chamamos aqui
de monoculturização econômica das florestas.
Nesse contexto, as florestas são subordinadas
ao valor de troca para atender à crescente de-
manda dos mercados externos por madeira,
perdendo sua função de sustentar as formas de
vida no campo, guiadas pelos valores de uso.
O manejo fl orestal no contexto da consolidação do sistema urbano-industrial-capitalista
A compreensão do papel do manejo susten-
tável no âmbito do surgimento da socieda-
de urbano-industrial-capitalista fica mais
clara quando analisamos as justificativas de
Carlowitz (1713/2000) para a introdução do
novo sistema. Para ele, as principais causas pa-
ra a escassez da madeira eram – além dos pon-
tos já citados – a demanda da mineração de
prata nas montanhas do Erzgebirge (uma área
montanhosa na Alemanha central), a constru-
ção de navios, a quantidade elevada de madei-
ra usada como material de construção nas cres-
centes cidades e o uso de carvão vegetal nos
vários ramos da metalurgia. De fato, Carlowitz
(1713/2000) se referiu a uma crise energética
que, na época, afetava toda a vida social e eco-
nômica, cuja principal fonte de energia era a
madeira. Era uma crise da escassez de recursos
devido à transformação de uma sociedade
agrária em sociedade urbano-industrial.
Considerando esse contexto socioeco-
nômico, o manejo sustentável defendido por
Carlowitz foi, possivelmente, a primeira propos-
ta de “modernização ecológica”, pois ele não
questionou os processos de industrialização e
urbanização subjacente à crise detectada, mas
apenas apresentou a possibilidade de resolver
o problema por meios técnicos, aumentando a
produção de madeira. Por outro lado, apontou
o desencontro temporal entre os ciclos de cres-
cimento das florestas e os ciclos econômicos,
reconhecendo, de certa forma, uma limitação
do crescimento da produção. Cabe lembrar que,
embora o centro da atenção fossem as cres-
centes demandas industriais, quando fala da
necessidade do aumento da produtividade pa-
ra garantir a Notdurft ou Hausnotdurft, o autor
lembrou-se da função social das florestas para
as finalidades existenciais comuns. Porém, a so-
lução do problema é apresentada como exclu-
sivamente técnica e administrativa, sem consi-
derar a questão do direito ao uso do território
e os conflitos sobre a terra. Anunciavam-se,
então, as temáticas que ainda causam discor-
dâncias entre cornucopianos e malthusionos2
nos debates contemporâneos sobre justiça am-
biental e desenvolvimento sustentável.
A insustentabilidade do modo de produção capitalista do espaço
Numa outra leitura, podemos interpretar que
o sistema de manejo florestal de Carlowitz
foi adotado para fomentar o crescimento
500 anos em busca de sustentabilidade urbana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013 151
econômico à custa da sustentabilidade das co-
munidades camponesas. Aparentemente, a es-
tratégia teve sucesso. Inicialmente, foram plan-
tadas florestas mistas com espécies nativas,
substituídas por plantações de monoculturas
com espécies exóticas, como a conífera Picea
excelsa. Em consequência, a cobertura de flo-
restas na Alemanha, hoje, é maior do que nos
tempos de Carlowitz (Schmidt, 2007).
Contudo, tal fato não é consequência de
uma política que visava ajustar o desenvolvi-
mento ao ritmo da regeneração dos recursos
naturais. Na verdade, a floresta perdeu sua
impor tância como recurso, pois a madeira, co-
mo fonte principal de energia, foi substituída
por carvão mineral, petróleo, energia nuclear,
entre outros, o que diminuiu a pressão pela
exploração das florestas. Além disso, com a
consolidação do colonialismo e do imperialis-
mo em nível global, estava em plena expansão
o modo de produção capitalista do espaço,
com a ampliação das relações mercantis e da
subordinação de outros territórios. Posterior-
mente, na era pós-colonial, a apropriação terri-
torial das sociedades industriais se intensificou
por meio de relações comerciais desiguais, que
tornaram as nações “em desenvolvimento”
fornecedores de matéria-prima e produtos se-
mifabricados de baixo custo. A diferença da
produção de mais-valia desses produtos em
comparação com aqueles industrializados pe-
los países de centro configurou uma situação
de dependência econômica dos países peri-
féricos, que só podiam adquirir os produtos
industrializados por meio de endividamento
externo. Essa troca desigual, a chamada tese
de Singer-Prebisch, configurou um teorema
central na corrente da teoria da dependência
(Toye e Toye, 2003). A apropriação territorial
dos países do centro oriunda de tais relações
desiguais se apresenta ainda mais expressiva
quando consideramos a “mochila ecológica”,
ou seja, a quantidade de material e energia
acumulada durante os processos de produ-
ção de bens para exportação (Schmidt-Bleek,
1994). Para se ter uma ideia, 43% da produ-
ção total de energia no Brasil são consumidos
nos processos produtivos de bens destinados
à exportação (Bermann, 2011). Essa forma
do sobre-consumo dos países centrais à custa
das nações periféricas pode ser quantificada
com base em conceitos como espaço ambien-
tal (Opschoor e Weterings, 1994) e pegada
ecológica (Wacker-Nagel e Rees, 1996). Tais
abordagens se referem à quantidade de solo,
energia, água e matéria-prima não renovável
necessária para os padrões de consumo de
determinadas sociedades. Tais conceitos per-
mitem identificar desequilíbrios em relação à
equidade global, ideia normativa segundo a
qual todo cidadão do planeta tem o mesmo
direito de usufruir os recursos naturais. A títu-
lo de exemplo citamos os cálculos do Global
Footprint Network que indicam que seriam ne-
cessárias 2,57 terras se toda a população glo-
bal tivesse a mesma pegada ecológica que os
cidadãos alemães (Global Footprint Network,
2012a). No caso do Brasil, seriam apenas
1,67 terras, contudo com tendência crescente
(Global Footprint Network, 2012b), indicando
que existe uma injustiça entre os dois países,
com a ressalva de que ambos têm que redu-
zir o seu consumo per capita para alcançar a
equidade global. Embora essas propostas utili-
zem critérios que ainda estão causando inten-
sos debates, elas estimulam a discussão sobre
a troca ecológica desigual (Rice, 2009), que
faz referência à tese da troca desigual citada
Klemens Laschefski
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013152
acima. Nesse contexto, a dívida econômica
dos países periféricos é contraposta à dívida
ecológica dos países do centro, sob a alegação
que o processo de crescimento econômico foi,
na verdade, subsidiado pela apropriação do
espaço ambiental. Essa interpretação justifica
as reivindicações para o perdão das dívidas
dos países periféricos ou para o pagamento de
compensações.
Entretanto, Pádua (2000) apontou a ina-
dequação da associação da dívida ecológica ao
consumo médio de países diante as desigual-
dades sociais internas, já que em países emer-
gentes existem classes sociais com patamares
de consumo equivalentes aos dos países do
centro. Essa observação nos leva de volta às
desigualdades sociais presentes nas próprias
cidades, onde as áreas urbanas são locais de
consumo elevado e o campo é transformado
em área de sustentação desse consumo, re-
forçando o processo de produção capitalista
do espaço. Porém, não podemos esquecer os
espaços periféricos urbanos, onde se concentra
a população que luta pelo acesso ao consumo
e também ao território, como aprofundaremos
mais adiante. Assim, é necessário ressaltar que
a sustentabilidade social não se restringe ape-
nas à questão de distribuição dos recursos, que
pode ser reduzida às formas de produção de
riquezas abstratas com base no valor de troca
e, assim, aos debates clássicos entre a econo-
mia de mercado e de estado. Ao invés disso, a
busca pela sustentabilidade tem que considerar
outras formas sociais de apropriação material e
simbólica da natureza e do meio ambiente, que
foge dos princípios de produção do espaço das
sociedades modernas.
Diante do exposto, podemos ver que,
na discussão sobre a insustentabilidade do
modelo de desenvolvimento, a dimensão es-
pacial é tratada de forma abstrata. Por isso,
para ilustrar melhor as consequências da ex-
pansão do modo de produção espaço capita-
lista, focalizamos aqui sua materialização no
espaço vivido. Não se pode negar que esse
processo resultou numa forte reconfiguração
territorial de abrangência global, caracteri-
zada pela concentração de grande parte da
população nos centros urbanos. No entan-
to, sua hinterlândia, denominado campo ou
zona rural, geralmente é negligenciado na
discussão sobre a sustentabilidade urbana, fi-
cando subordinado às diversas demandas das
cidades e se configurando como um mosaico
de recortes espaciais uniformes para a pro-
dução de alimentos e matéria-prima para as
indústrias. A produção agrícola, nesse contex-
to, segue a mesma lógica da produção indus-
trial, produzindo exclusivamente mercadorias
específicas com ajuda de novas tecnologias,
agroquímicos e maquinário específico. Tais
”paisagens industriais” passam a fazer siste-
micamente parte do ”urbano” e perdem suas
características, frequentemente subsumidas
no termo ”rural”. Com a expansão das lavou-
ras extensas, por exemplo, foram extintos mo-
dos de produção do espaço de grupos rurais,
como camponeses, povos indígenas e outras
populações tradicionais. Em consequência,
processos como o êxodo rural – estimulado,
por um lado, pela perspectiva de emprego
remunerado e, por outro, pela apropriação de
terras camponesas nas mais variadas formas,
descritas por Marx como acumulação primiti-
va – resultam na monoculturização ecológica
e social do campo. O termo monoculturização
também é usado aqui para se referir à subor-
dinação de áreas de diversidade ecológica e
500 anos em busca de sustentabilidade urbana
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cultural a usos especializados de territórios,
como o faz a mineração e as hidrelétricas.
Com a ampliação das possibilidades de
transporte e armazenagem, a globalização e a
flexibilização dos mercados, a hinterlândia dos
espaços urbanos se torna cada vez mais dis-
persa, fluida, impossível de ser relacionada a
territórios com limites concretos. Diante disso,
a territorialidade da cidade moderna apenas
pode ser entendida como elemento concen-
trador de trocas em redes que abrangem o
espaço global como um todo, dominado, nas
palavras de Santos (1996), pelo meio técnico-
-científico-informacional necessário para sua
organização. A cidade moderna, então, encon-
tra-se numa situação de competição, não ape-
nas no que se refere à alocação de mercados,
mas também em relação à incorporação de
espaço(s) ambiental(is).
As grandes teorias de desenvolvimen-
to que surgiram na época da descolonização,
depois da Segunda Guerra Mundial, previram
a reproduzir o processo histórico de moder-
nização urbano-industrial nos recém-criados
Estados-nação de forma planejada em poucas
décadas. No Brasil, investiu-se na criação de
“polos de crescimento econômico” (Perroux,
1967), estimulados por políticas de investimen-
to em indústrias-chave. Esperava-se que, após
a chamada fase take off (deslanchamento), ini-
ciada pela geração de renda nessas indústrias
e a inclusão de alguns segmentos sociais no
mercado, surgiria um processo “bola de neve”
que beneficiaria a sociedade como um todo.
Isso porque os trabalhadores assalariados, por
sua vez, aqueceriam a economia em função da
demanda por alimentos, roupas, entre outros.
Consequentemente, outras indústrias e servi-
ços seriam atraídas, os quais, de novo, gerariam
renda e oportunidades de emprego. Esperava-
-se que, dessa maneira, seria alcançada a in-
serção social de todos os membros dessa no-
va sociedade urbano-industrial-capitalista no
mercado, estimulando o consumo em massa,
garantindo, assim, o crescimento “autossusten-
tado” e o bem-estar da nação (Rostow, 1956).
Esses princípios básicos do desenvolvi-
mento ainda permeiam, de forma modificada,
as políticas urbanas atuais, sobretudo no Bra-
sil. Isso, apesar dos debates sobre as limitações
dessa concepção para alcançar o mesmo nível
de desenvolvimento dos países de centro dian-
te da situação de dependência provocada pela
situação da troca desigual e da situação con-
correncial na luta pelo espaço ambiental.
Também em relação a outros aspectos,
as visões idealizadas sobre o desenvolvimen-
to urbano-industrial negligenciam o processo
histórico bastante contraditório da formação
das cidades industriais europeias, com conse-
quências hoje denominadas não sustentáveis,
que se repetem, em parte, nos chamados paí-
ses em desenvolvimento. Na Europa, a oferta
de emprego na fase inicial da industrialização,
por exemplo, provocou um inchaço popula-
cional nos centros urbanos, que, combinado
com a exploração ilimitada dos trabalhadores
industriais, envolvendo até o trabalho infantil,
criou condições extremamente insalubres e
gerou profundas tensões sociais. Nos centros
industriais de Londres e Hamburgo, por exem-
plo, a construção de moradias, a infraestrutura
sanitária, os serviços sociais e os sistemas de
saúde não acompanharam tais dinâmicas. As
condições de vida pioraram drasticamente, a
ponto de o mau estado de saúde dos trabalha-
dores ameaçar a própria acumulação do capi-
tal, sobretudo nos casos de epidemias. Exemplo
Klemens Laschefski
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013154
disso foi a epidemia de cólera em Hamburgo,
em 1892, que matou 8.600 habitantes, com re-
flexos profundos na economia local. Segundo
Schubert (1993), a epidemia foi motivo para
a adoção de políticas públicas para a reestru-
turação urbana, que envolveram, entre outras
ações, a construção de moradias adequadas,
um sistema eficiente de abastecimento de
água, postos de saúde e um programa de revi-
talização construtiva de bairros populares. Inte-
ressante notar que, já em publicações de 1906,
foi mencionado que tais medidas – que, nos
dias de hoje, são recorrentes no planejamento
ambiental urbano –, propiciaram, além do me-
lhoramento da qualidade de vida para alguns, a
especulação imobiliária e a concorrência entre
edifícios comerciais e administrativos e prédios
residenciais nos centros da cidade, processo
chamado em inglês de city building. Os bairros
populares, em decorrência do melhoramento
da infraestrutura dos meios de transporte de
massa, foram construídos fora dos limites da
cidade, indicando um processo de aprofunda-
mento da segregação social (Schubert, 1993).
Analisando o processo de urbanização
de Belo Horizonte, podemos observar – mes-
mo sem uma cisão tão impactante como aque-
le gerada pela cólera em Hamburgo – pro-
cessos semelhantes. Trata-se de um exemplo
de cidade planejada na concepção moderna
urbano-industrial delineada acima. O espaço
urbano era, inicialmente, planejado de acordo
com determinadas funções sociais, econômi-
cas e administrativas, que ainda se refletem
em nomes de bairros como Cidade industrial,
Funcionários, entre outros. Os planejadores
focalizaram as “condições de produção” para
indústrias-chave ligadas à siderurgia e meta-
lurgia em função das riquezas de minério nos
seus arredores, com os setores de serviços ad-
ministrativos e de comércio para atrair investi-
dores internos e externos. De fato, foram prin-
cipalmente as mineradoras de países europeus
que se apropriaram de grandes terrenos, ex-
plorando matéria-prima e produtos semifabri-
cados, enquanto a maior parte da produção de
mais-valia acontecia em seus países de origem.
Apenas posteriormente se instalaram indús-
trias de fabricação de máquinas e automóveis
destinados ao mercado interno.
Contudo, como em muitas outras cida-
des de países “em desenvolvimento”, a con se-
quência de tais políticas foi o desencadea mento
de processos incontroláveis, como a migração
rural e a periferização do espaço urbano. Tais
fatos tornaram necessária a criação do Plambel
(Planejamento Metropolitano de Belo Horizon-
te), pela Lei Estadual nº 6.303, em 1974, que
assumiu, além das questões de desenvolvimen-
to industrial, assuntos relativos à habitação. De
modo geral, segundo Motta (2011), as políticas
habitacionais se concentravam principalmente
na construção de novas moradias por meio de
programas de financiamento direcionados para
a população de baixa renda, ao mesmo tempo
em que se procurou, por meio de remoções ou
intervenções urbanas, a extinção de áreas domi-
nadas pela autoconstrução de habitações. Um
exemplo é o Projeto Vila Viva, iniciado em Be-
lo Horizonte no ano de 2000, frequentemente
apresentado como modelo de urbanização e
desfavelização. Apesar das aparentes melhorias
na área – a custo de remoções e outros impac-
tos profundos nas relações socioespacias –,
instaurou-se um processo recorrente de valo-
rização de imóveis, que se tornaram, assim,
inacessíveis para o grupo-alvo: as camadas so-
ciais mais carentes. Motta (2011) destaca que
500 anos em busca de sustentabilidade urbana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013 155
uma das principais causas desse descompasso
é que todas as políticas habitacionais visaram o
financiamento de moradias; com o efeito, as ha-
bitações foram concebidas como mercadorias.
Consequentemente, os subsídios para os pro-
gramas de habitação foram apropriados pelo
empresariado do ramo através de processos de
especula ção imobiliária, direcionando-os a gru-
pos com condições econômicas consolidadas
para liquidar as dívidas a médio e longo prazo
(Motta, 2011; Costa, 2003). Assim, explica-se
a continuação das lutas pela moradia e o sur-
gimento de novas favelas em tempos atuais,
evidenciando, assim, a insustentabilidade das
formas atuais de urbanização.
Ainda segundo Motta (2011), podemos,
nesse contexto, diferenciar conflitos em torno
1) da permanência e acesso à moradia, que
envolve, além da construção de moradias e da
regularização fundiária de bairros existentes,
ocupações de terrenos e prédios abandona-
dos; 2) de questões de infraestrutura, como
a implantação e/ou melhoria do sistema de
sanea mento (redes de abastecimento de água
eficientes, redes coletoras de esgoto, cana-
lização e recuperação de córregos devido a
enchentes constantes); dos transportes (asfal-
tamento e abertura de vias, implantação ou
melhoria de linhas de ônibus); da instalação
de rede elétrica, entre outros; e 3) de obras de
urbanização, geralmente realizadas pelo poder
público, que implicam remoções ou mudanças
no modo de vida.
Todos esses conflitos tangenciam ques-
tões da sustentabilidade urbana, tanto em rela-
ção à desigualdade social como aos problemas
ambientais. Lembramos que os bairros popula-
res, sejam eles formais ou informais, são locais
onde se manifestam injustiças ambientais, pois
são os principais palcos de conflitos ambien-
tais. Tais conflitos ambientais podem ser: distri-
butivos, que ocorrem em torno da aplicação de
recursos públicos para o acesso à água potá-
vel ou à instalação de equipamentos urbanos
e infraestrutura de saneamento para melhorar
a qualidade de vida na região; espaciais, que
se referem à localização de fontes poluidoras,
como fábricas, que afetam a população pelas
emissões gasosas, liquidas ou sonoras que se
espalham no espaço; territoriais, que giram em
torno de como determinados grupos realizam
formas de vida que não correspondem aos sig-
nificados atribuídos por outros grupos, como,
por exemplo, a ocupação de áreas de risco.
Entendemos que essa diferenciação de con-
flitos torna-se necessária diante das possíveis
respostas para sua resolução. As duas primeiras
categorias, os distributivos e os espaciais po-
dem, em princípio, ser amenizados por meios
técnicos e administrativos e uma gestão ade-
quada. Os conflitos ambientais territoriais, por
sua vez, indicam as contradições profundas do
próprio modo de produção capitalista do espa-
ço e da distribuição de poder sobre o território
(Zhouri e Laschefski, 2010), que apontam a ne-
cessidade de repensar a configuração socioes-
pacial como procuramos mostrar a seguir.
Obviamente, os conflitos ambientais não
se restringem aos bairros populares; problemas
ambientais como poluição, tráfico intenso, im-
permeabilização dos solos, enchentes, entre
outros, afetam a população urbana como um
todo, porém de forma desigual. Dessa forma,
os conflitos ambientais indicam também aspec-
tos da desigualdade social que, ao final, tem o
seu reflexo na violência urbana. Por causa de-
la, muitos moradores com renda mais elevada
consideram insustentável a vida urbana nessas
Klemens Laschefski
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013156
condições e procuram sossego e segurança fo-
ra da cidade ou em loteamentos fechados com
aparência fortificada (Laschefski, 2006; Men-
donça, 2003; Costa, 2003). Enuncia-se, assim,
mais uma contradição: a urbanização promove
a aproximação espacial dos moradores das ci-
dades, mas, diante da insegurança do cotidia-
no, eles fogem, optando pelo isolamento indi-
vidual, pelo distanciamento no espaço social
nas mais variadas formas de guetos (além dos
empreendimentos imobiliários, podemos men-
cionar clubes e shopping centers com acesso
restrito, entre outros).
Se considerarmos que o espaço ambien-
tal de Belo Horizonte ultrapassa os limites da
cidade construída, confirma-se a tendência à
monoculturização da hinterlândia, que se ma-
terializa na expansão do setor agropecuário
comercial e na instalação de grandes barra-
gens como Furnas, Três Marias e Irapé. Nesse
contexto, destacam-se as áreas de mineração,
que formam, junto com as indústrias da side-
rurgia e extensas plantações de eucalipto e
pinus para produção de carvão vegetal, um
complexo agroindustrial que ocupa grande
parte das áreas centrais e da região norte de
Minas Gerais e do Vale do Jequitinhonha. Essa
situação gera inúmeros conflitos ambientais
territoriais junto às populações tradicionais,
com processos semelhantes aos que acon-
teceram na Alemanha, como descrito acima
(Laschefski, 2010).
Assim, o modo de produção capitalista
do espaço produz cidades que expressam a in-
sustentabilidade do atual modelo de desenvol-
vimento, que gera as chamadas crises ambien-
tais globais e desigualdade social.
O metabolismo socioambiental e as relações do poder
Diante do exposto, fica claro que a busca por
cidades sustentáveis tem que considerar o
metabolismo urbano, mostrado por Lefèbvre
(1991) a partir do exemplo da relação de uma
casa com o contexto socioespacial:
Pode-se ver [a casa] como um epítome da imobilidade com os seus contornos fortes, frios e rígidos [...] Contudo, uma análise crítica, sem dúvida, destruiria a aparên-cia de solidez desta casa […] À luz dessa análise imaginária nossa casa emergiria como permeada por fluxos de energia de todas as direções que passam para dentro e fora através de todos os caminhos ima-gináveis: água, gás, eletricidade, linhas de telefone, sinais de rádio e televisão, entre outros […] a cidade [...] consome quantidades colossais de energia, física e humana, [...] é efetivamente uma foguei-ra constantemente flamejante. (Lefèbvre, 1991, pp. 92-93, tradução nossa)
Na citação, observamos que a estrutu-
ra espacial está intrinsecamente vinculada ao
consumo individual das pessoas. Mesmo um
cidadão “ecologicamente correto” tem pos-
sibilidades limitadas de reduzir seus padrões
de consumo devido à estrutura socioespacial
dispersa na qual organiza seu cotidiano. Os sis-
temas de água e esgoto, o tratamento do lixo,
as linhas de transmissão de energia elétrica,
a rede viária do comércio, seja para alimen-
tos ou bens duráveis, envolvem caminhos de
transporte que abrangem todo o globo. As fun-
ções sociais básicas como trabalho, compras,
500 anos em busca de sustentabilidade urbana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013 157
educação, entre outros, acontecem a grandes
distâncias, que só podem ser superadas por
meios de transportes motorizados. Em relação
ao hinterlandia descrito acima, Freund (2010)
lembra que o espaço ambiental dos sistemas
de transporte baseado em carros e dos siste-
mas fast food como produto da agricultura in-
dustrial e pecuária são insustentáveis em rela-
ção à intensidade de energia e recursos, assim
como em relação ao consumo de terras.
Nessa perspectiva, revela-se o caráter
ilusório da interpretação da modernidade
como a possibilidade de relativa libertação
dos constrangimentos ecológicos diante das
possibilidades da divisão do trabalho, da tro-
ca mediada pelo mercado e da capacidade
humana para transformar o mundo biofísico
(Goldblatt, 1996). A pegada ecológica da so-
ciedade moderna está mais alta do que nunca
e os indivíduos, inseridos num sistema de pro-
dução e reprodução de abrangência global,
jamais foram tão dependentes dos recursos
materiais. Na verdade, o mercado leva à abs-
tração das relações socioespacias, ofuscan-
do, assim, a base de reprodução material da
sociedade moderna, tornando-a invisível aos
seus integrantes individuais. Iniciativas para a
conscientização da população em relação aos
seus padrões de consumo, como parte da edu-
cação ambiental, são, diante dessas relações
socioespaciais, insuficientes para alcançar al-
guma forma de sustentabilidade.
Segundo Swyngedouw (2007), esse me-
tabolismo socioambiental da sociedade globa-
lizada, diante do seu conteúdo social e de suas
qualidades físico-ambientais, precisa ser enten-
dido como uma produção histórica. Qualquer
parque urbano, arranha-céu ou reserva natural
contém e expressa um conjunto de processos
sociofísicos que incorporam relações metabóli-
cas e sociais específicas. O mundo, de acordo
esse autor, seria um ciborgo, parcialmente natu-
ral, parcialmente social, parcialmente técnico e
parcialmente cultural, sem fronteiras, centros e
limites claros. Assim, quaisquer mudança física
e ambiental ou modificação dos fluxos, redes e
práticas socioambientais não podem ser enten-
didas independentes das condições históricas,
culturais, políticas ou econômicas e das institui-
ções que as acompanham. Esses metabolismos
socioambientais, frequentemente, abrangem
tendências contraditórias e conflitantes, sobre-
tudo quando qualidades socioambientais são
reforçadas em um lugar para alguns – huma-
nos e não humanos –, resultando na deteriora-
ção das condições socioecológicas de um outro
lugar, como expresso, de forma abstrata, nos
conceitos espaço-ambiental ou pegada ecoló-
gica, apresentados anteriormente. Dessa forma,
os processos de mudança metabólica nunca
são socialmente ou ecologicamente neutros.
As redes socioecológicas são permeadas pelas
geometrias de poder, que decidem, finalmente,
quem tem acesso aos recursos ou outros com-
ponentes do meio ambiente e controle sobre
eles e quem está excluído desses imbróglios
metabólicos (Swyngedouw, 2007).
Nesse contexto, o autor cita o direito à
cidade, de Henri Lefébvre, que implicaria tam-
bém no direito ao metabolismo. Com respeito
a essa temática, Harvey (2008) afirma que o
direito à cidade abrange muito mais do que a
liberdade individual para acessar os recursos
urbanos. Seria mais um direito comum do que
um direito individual, pois essa transformação
depende inevitavelmente do exercício do poder
coletivo para reformar os processos de urbani-
zação. Trata-se, de acordo de Harvey (2008), de
Klemens Laschefski
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013158
um dos direitos mais negligenciados entre os
direitos humanos.
Nessas afirmações, reflete-se a ideia de
que o primeiro passo para a superação dos im-
passes socioambientais do espaço urbano se-
ria a verdadeira democratização da sociedade,
que implica também a aceitação de situações
de conflito ao invés de políticas participativas
que promovem consensos artificiais em cam-
pos caracterizados por assimetrias nas rela-
ções do poder.
Do Direito à Cidade ao Estatuto da Cidade: um caminho para a sustentabilidade urbana?
Harvey (2008) menciona no seu artigo a con-
quista dos movimentos sociais urbanos no
Brasil, que conseguiram a consolidação legal
de reivindicações importantes no Estatuto da
Cidade do Brasil, definido pela lei 10.257, de
10 de julho de 2001. De modo geral, essa lei
é considerada um passo importante para a ga-
rantia do direito à cidade e a democratização
das políticas urbanas, devido à regulamentação
da função social da terra e da participação na
elaboração de planos diretores, entre outros.
Citamos o Artigo 2º:
A política urbana tem por objetivo or-denar o pleno desenvolvimento das fun-ções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:I – garantia do direito a cidades susten-táveis, entendido como o direito à ter-ra urbana, à moradia, ao saneamento
ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao tra-balho e ao lazer, para as presentes e futu-ras gerações;II – gestão democrática por meio da par-ticipação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. (Brasil, 2001)
Para realizar tais tarefas, essa lei prevê,
no seu Artigo 32º, a operação urbana consor-
ciada, que é
§ 1 [...] o conjunto de intervenções e me-didas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos pro-prietários, moradores, usuários permanen-tes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. (Brasil, 2001)
As operações urbanas são executadas
principalmente por intermédio de Parcerias Pú-
blico-Privadas (PPP). Como exemplo de imple-
mentação dessa lei, apresentamos aqui alguns
aspectos levantados em torno de uma pesquisa
em andamento sobre a Operação Urbana do
Isidoro, uma das últimas áreas verdes de Belo
Horizonte. Procuramos investigar como a ges-
tão democrática é realizada na prática e em
qual sentido os discursos da sustentabilidade
social e ambiental são empregados pelos ato-
res envolvidos.
Na leitura oficial, a área em questão
se caracteriza pela urbanização espontânea
e irregular. Para enfrentar essa situação, a
prefeitura de Belo Horizonte estabeleceu, no
âmbito da operação urbana, uma PPP com o
500 anos em busca de sustentabilidade urbana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013 159
empreendimento Granja Werneck S/A. O proje-
to foi apresentado como uma inovação do pla-
nejamento urbano sustentável e visa à constru-
ção de 17.500 unidades habitacionais em áreas
preservadas. O Estudo de Impacto Ambiental
(EIA) do empreendimento propõe uma série de
medidas em relação à eficiência energética, tra-
tamento de lixo, saneamento e equipamentos
urbanos (MYR – Projetos Sustentáveis, 2011),
que correspondem, de modo geral, a medidas
da modernização ecológica promovidas por re-
des de governos municipais como a Internatio-
nal Council for Local Environmental Initiatives
(ICLEI),3 que já estão sendo amplamente inse-
ridas em políticas públicas municipais. De certa
forma, seguem o modelo da cidade compacta,
visando à redução das relações socioespaciais
através de um setor de serviços, creches, esco-
las e um centro comercial na proximidade das
novas unidades habitacionais.
O que chama a atenção é que os empre-
endedores idealizaram o projeto como a cons-
trução de um novo “bairro”, apresentando o
centro de serviços e comércio como uma “[...]
aldeia [...] que proporcionará, acima de tudo,
a volta da vida em comunidade, a noção hu-
manista de lugar e a vida em harmonia com o
meio ambiente” (MYR – Projetos Sustentáveis,
2011, p. 34, grifos nossos). O que surpreende
é a apropriação de termos que frequentemente
são relacionados às formas de vida no campo,
fruto de uma trajetória de convivência de ge-
rações, consideradas “atrasadas” em relação à
sociedade moderna, ou seja, algo sujeito a um
processo evolutivo que dificilmente pode ser
”construído”. Nesse discurso, reflete-se o apelo
emocional a uma certa saudade direcionado a
possíveis compradores que procuram sossego
diante das ameaças urbanas supracitadas.
Interessa analisar, então, como o empre-
endimento se relaciona com as comunidades
já existentes no entorno da área prevista para
sua construção, compostas por populações pri-
vadas do direito à cidade, moradores de bairros
informais, parcialmente localizados em áreas
de proteção ambiental e de risco geológico,
ameaçados de remoção.
O fato é que o empreendimento Granja
Werneck é destinado a atender, principalmente,
classes sociais com poder aquisitivo mais ele-
vado. Contudo, de acordo com o regulamento
da Operação Urbana do Isodoro, 10% das habi-
tações construídas na área interna desse novo
bairro deveriam ser destinadas à Política Muni-
cipal de Habitação, para atender famílias com
renda de 0 a 6 salários mínimos. Porém, no EIA,
consta que o empreendimento visa beneficiar o
segmento de 3 a 10 salários mínimos:
O empreendimento – Granja Werneck – poderá contribuir com o programa – Mi-nha Casa Minha Vida – atendendo a po-pulação com faixa salarial familiar acima de três salários mínimos. Para a popula-ção que tem renda abaixo deste patamar deverá ser inviável comercializar os imó-veis, cujo valor será agregado de custos como o alto valor dos terrenos, impostos, contrapartidas e alta dos materiais de construção. (MYR – Projetos Sustentáveis, 2011, p. 49)
Diante das exigências da política habita-
cional, os empreendedores procuram atender
aquele grupo que, segundo o programa gover-
namental Minha Casa Minha Vida, tem acesso
ao financiamento de imóveis orçados entre
R$80 mil e R$130 mil. A justificativa de consi-
derar apenas grupos com salários maiores é es-
sencialmente baseada na perspectiva de obter,
Klemens Laschefski
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013160
entre as faixas salariais determinadas pelas
políticas habitacionais, o maior lucro possível.
Como a Política Municipal de Habitação prevê
o atendimento de populações com renda de 0
a 3 salários mínimos, os empreendedores estão
negociando a construção de 1.750 unidades
habitacionais para esse público, mas fora dos
limites da área planejada. Verifica-se, assim, a
afirmação de Acselrad (2004) de que esse tipo
de “empreendedorismo urbano”, promovido
pelo próprio poder municipal, é pautado nas
vantagens econômicas, que subordinam as for-
mulações das políticas públicas, gerando novos
conflitos territoriais na área do entorno.
Durante as reuniões de comunicação
social às comunidades vizinhas – exigência do
órgão licenciador para atender os requisitos
do Estatuto da Cidade com respeito à partici-
pação –, estão sendo tratados apenas os pos-
síveis efeitos positivos indiretos oriundos da
dinamização econômica da região. No momen-
to da conclusão deste artigo, o objetivo princi-
pal da comunicação social ainda não foi alcan-
çado: esclarecer como as comunidades serão
impactadas pelos efeitos direitos e indiretos
do empreendimento e discutir a viabilidade de
propostas de amenizar ou evitar os impactos
negativos (Landes et al., 2012). Contudo, co-
mo esse processo ainda estava em andamento,
não é possível uma avaliação final dele.
Além disso, não há clareza sobre as reais
consequências da supervalorização dos imóveis
para a população carente. É bem provável que
será ainda mais difícil adquirir uma moradia
naquela localidade, conquistar a documen-
tação de titulação de propriedade dos lotea-
mentos antigos não regulamentados e, ainda,
permanecer nesse espaço por causa da eleva-
ção do custo de vida na região. Nesse sentido,
entendemos que a especulação acelerada, pro-
movida por projetos como a Granja Werneck,
tem potencial de agravar a segregação socio-
espacial em função da pressão direta ou indi-
reta para que os moradores atuais saiam da
região. Contudo, cabe lembrar que, de forma
contraditória, empreendimentos desse porte
podem levar a um movimento inverso: a atra-
ção de um elevado contingente populacional
na busca de emprego nas residências desses
empreendimentos imobiliários como jardinei-
ros e outros serviços domésticos, que se instala
na região sem a devida infraestrutura urbana,
problemática já analisada em outros trabalhos
(Laschefski, 2006; Laschefski e Costa, 2008).
Contudo, cabe lembrar que entidades
da sociedade civil organizada, como ONG am-
bientais, compartilham as preocupações em
relação aos futuros problemas do entorno, mas
não se posicionam contra essa forma de em-
preendedorismo imobiliário. O coordenador do
Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano,
alegou: “[...] o projeto tem aspectos positivos
no que tange à área que vai ser ocupada, mas
falta ser discutido o que vai acontecer no en-
torno” (Manuelzão, 2011). Tal afirmação sur-
preende diante da possibilidade de supressão
da vegetação nativa por causa da construção
dos edifícios e os impactos de aproximada-
mente 200.000 novos moradores na bacia
hidrográfica. Aparentemente, há certa acei-
tação da hipótese de que a preservação das
áreas restantes pode ser alcançada por meio
da agregação de valor aos imóveis, visando
compradores que procuram proximidade com
as belezas cênicas das paisagens da região. A
estratégia da ONG, de acordo de Polignano, é
discutir, junto com o poder público e outras li-
deranças comunitárias, propostas para resolver
500 anos em busca de sustentabilidade urbana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013 161
as demandas em torno dos impactos do em-
preendimento. Assim, para solucionar proble-
mas ambientais e sociais, essa ONG assume
um papel proativo e propositivo em relação a
assuntos técnicos e administrativos, mas sem
tocar nos processos políticos que possibilitam
essa nova forma de apropriação do espaço jus-
tificada com o discurso da sustentabilidade.
Tudo indica que o Estatuto da Cidade,
na forma como está sendo implementado, in-
duz a um processo que Dagnino (2004) cha-
ma a confluência perversa da institucionali-
zação da participação da sociedade civil e do
projeto neoliberal.4
Em resumo, o projeto Granja Werneck
está promovendo uma elitização do espaço
urbano, adotando uma concepção de sustenta-
bilidade que visa, sobretudo, agregar valor de
troca aos imóveis comercializados.
Costa et al. (2011) observaram que essa
versão da sustentabilidade urbana elitizada
também permeia os Planos Diretores de muni-
cípios do vetor Norte da Região Metropolitana
de Belo Horizonte, particularmente aqueles
integrados à APA Carste de Lagoa Santa, co-
mo Confins, Lagoa Santa, Matozinhos e Pedro
Leopoldo. As políticas municipais procuram,
claro, a regularização e urbanização dos bair-
ros populares existentes, mas há uma intenção
explícita de evitar que seus territórios conti-
nuem sendo locais de extensão da urbanização
periférica. Ao invés disso, pretendem promover
atividades econômicas em torno do turismo e
loteamentos fechados, mimetizando, assim,
a expansão elitizada da região Sul de Belo
Horizonte (Costa et al., 2011). A esperança é
que a valorização do território municipal evite
a reterritorialização de grupos não desejados
oriundos de outros municípios.
Entretanto, os municípios, ao apostar
na atração de empreendimentos imobiliários
privados, negligenciam que entram numa lu-
ta concorrencial no “mercado de cidades”
(Vainer, 2000), no qual valores relacionados à
aparência da paisagem e à sensação de segu-
rança social são elementos de marketing. Tal
processo transforma não apenas os empreen-
dimentos imobiliários, mas também as próprias
cidades em mercadoria.
Como esses municípios configuram a
continuação territorial da área da Operação
Isodoro, reduzem-se os espaços para solucio-
nar o déficit habitacional generalizado. Costa
et al. (2011) também chamam atenção para
a diminuição das áreas rurais nos municípios
estudados, com consequências em relação às
atividades agrícolas e de segurança alimentar.
Obviamente, nessa realidade, não há espaço
para a agricultura familiar ou da pequena pro-
priedade, pois a tendência geral é de elevação
dos patamares de preço da terra. Finalmente,
Costa et al. (2011) constatam que a política
de elitização do espaço urbano, com base na
retórica da sustentabilidade ambiental, ne-
gligencia o fato de que os moradores de alta
renda são geradores de intensos fluxos de veí-
culos, de novas necessidades de consumo, de
sofisticada infraestrutura urbana e regional, o
que configura novos desafios para o planeja-
mento urbano.
Klemens Laschefski
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013162
Sustentabilidade versus equidade: a ambientalização de impasses sociais
É bem provável que, contraditoriamente, as
políticas para promover a sustentabilidade
ambiental à custa da justiça social induzam
processos de urbanização “descontrolada” em
outros lugares, inclusive em áreas de risco e/ou
destinadas à preservação ambiental. Em prin-
cípio, esses recortes espaciais são áreas com
pouco potencial de agregação de valor, confi-
gurando-se, no contexto de produção capitalis-
ta do espaço, como “sobras”. Assim, constrói-
-se, artificialmente, o conflito entre “o social” e
“o ambiental”.
Frequentemente, os moradores dessas
áreas enfrentam o estigma de “pouco esclare-
cidos” por colocarem a própria vida em risco,
ou de “problema ambiental” por invadirem
áreas de alto valor ecológico, o que justifica
sua remoção.
Referimo-nos aqui à fala de um morador
de um bairro não formalizado, localizado numa
área de APP bastante acidentada, na vizinhan-
ça do projeto Granja Werneck.5 O morador
defendeu que o poder público tem que consi-
derar que a ocupação da área não é fruto da
ignorância dos moradores e que o risco como
morador de rua, exposto ao crime, seria bem
mais concreto do que a possibilidade de um
eventual deslizamento. Consequentemente, os
moradores de bairros irregulares não devem
ser considerados como “problema ambiental”,
mas, sim, como “problema habitacional”. Con-
tinuando, alegou que existem técnicas para
diminuir os riscos naquelas áreas, nas quais o
poder público poderia investir para resolver os
problemas de habitação.
De fato, há uma tendência de as cama-
das da população com alta renda de, cada vez
mais, investir em edificações localizadas em
áreas montanhosas que necessitam medidas
construtivas sofisticadas. Tal fato mostra que
a definição de áreas de risco é uma construção
social; refere-se às pessoas que não têm re-
cursos suficientes para acessar as tecnologias
adequadas para manter suas casas em decli-
ves íngremes. Também não possuem o capital
social necessário para exigir o “direito de per-
manência” em APP, algo admitido para outros.
Exemplo disso é o Bairro Belvedere III, em Belo
Horizonte, que já está ultrapassando a cumeei-
ra da Serra de Curral, uma área tombada pelo
IPHAN, que marca o limite entre os municípios
de Belo Horizonte e Nova Lima. Inicialmente,
o bairro sofreu uma ocupação desordenada,
promovida por fortes investidores do setor
imobiliário, causando inúmeros impactos na
vegetação natural, na situação hidrológica, no
clima e no trânsito, entre outros. Os problemas
culminaram na ameaça de importantes ma-
nanciais em torno da Lagoa Seca e do Córrego
Cercadinho, um afluente do Ribeirão Arrudas
que, por sua vez, pertence à bacia hidrográfica
do Rio das Velhas. A área é de extrema impor-
tância para o abastecimento de água potável
da população da zona sul de Belo Horizonte.
Mesmo assim, a urbanização promovida pe-
la especulação imobiliária foi posteriormente
legalizada em desrespeito e subsequente fle-
xibilização da legislação ambiental (Amorim,
2007). Entretanto, as correções necessárias
para manter a qualidade ambiental são rea-
lizadas pelo poder público. Vasconcelos et al.
500 anos em busca de sustentabilidade urbana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013 163
(2011) mencionam, por exemplo, a instalação
de um novo sistema de drenagem e captação
de água de chuva ao redor da Lagoa Seca,
para o qual o poder muni cipal disponibilizou
R$7 milhões. O Ministério das Cidades, por sua
vez, prevê, no âmbito do Programa de Acele-
ração do Crescimento (PAC 2), R$1,8 milhões
para um projeto de saneamento integrado em
torno do Córrego Cercadinho.
O exemplo mostra que as camadas mais
abastadas estão cada vez mais disputando
os morros – termo tradicionalmente utilizado
como sinônimo de favelas – com as camadas
mais pobres. Obviamente, áreas ocupadas pe-
los primeiros dificilmente serão rotuladas como
áreas de risco, mesmo quando apresentam as
mesmas características geofísicas e ecológicas
que os bairros irregulares, o que revela uma in-
justiça ambiental.
No caso de remoções de bairros popula-
res de áreas consideradas inadequadas surgem
novas contradições com capacidade de provo-
car conflitos ambientais. As soluções propos-
tas pelo poder público para os removidos é a
disponibilização de moradias em edificações
verticais, em função da falta de espaços des-
tinados a essa finalidade. Contudo, a troca de
um barraco por um apartamento pode provo-
car grandes transformações no modo de vida
dessas pessoas, já que determinadas ações
não podem mais ser realizadas. Pensemos, por
exemplo, na criação de porcos, galinhas e ou-
tros animais, no cultivo de uma horta ou no uso
de um fogão a lenha. Tais atividades não são
apenas um hábito específico; na verdade, com-
plementam o sustento dessas pessoas, que, em
sua maioria, não têm emprego fixo. Além disso,
morar num prédio significa a regulamentação
do consumo de energia, água e outros serviços
que envolvem custos adicionais para os mora-
dores. A condição básica para sustentar a vida
num prédio é a renda fixa e regular, algo raro,
sobretudo entre as pessoas cuja faixa de renda
é de 0 a 3 salários mínimos.
A partir do exposto, podemos tirar duas
conclusões: por um lado, o discurso ambiental,
não raramente, é utilizado para destacar a si-
tuação de ilegalidade de moradores em áreas
de sensibilidade ambiental ou de risco. Trata-se,
então, da “ambientalização” de um problema
social: o déficit habitacional. Oblitera-se, assim,
outra ilegalidade: a negligência do direito cons-
titucional à moradia digna, que, por sua vez, é
baseado na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948.
Por outro, o tratamento do déficit habi-
tacional por meio de instrumentos do mercado
impede que a parcela da população não inte-
grada ou parcialmente integrada à economia
formal usufrua o direito à cidade. Para além
da garantia desse direito em consequência,
entendemos que é preciso ampliar o Estatuto
da Cidade com a especificação de um “Direito
ao Território”.
Na busca do espaço sustentável e socialmente justo
Confirma-se, então, a afirmação de Hodson
e Marvin (2008) de que as respostas neolibe-
rais dominantes baseadas em tecnologias de
acordo com o modelo de cidade e coeficiente
visam à construção de enclaves para usuá-
rios premium. Em contraste a essas propostas
convencionais, os autores resumem algumas
condições básicas para alternativas menos
Klemens Laschefski
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013164
direcionadas ao comércio e à tecnologia, com
o objetivo de pautar a necessidade de criar ci-
dades justas na agenda urbana. Isso envolve-
ria principalmente o seguinte questionamento:
para que e para quem servem as respostas,
promovendo uma mudança sociotécnica que
procura reformar as cidades existentes e não
a construção de novos enclaves e coeficien-
tes. Afinal, a sustentabilidade social tem que
garantir a segurança social, ecológica e ener-
gética para todos (e não apenas para alguns
privilegiados), por intermédio de políticas que
procurem lidar com a interconectividade entre
os processos sociais e a crise ecológica e social.
Perguntamo-nos: é possível criar um
espaço urbano sustentável? Para destacar a
necessidade de elaborar utopias concretas,
lembramos a crítica de Lefèbvre (1991) aos
planejadores urbanos soviéticos, que não pro-
duziram um espaço socialista, mas apenas re-
produziram o projeto urbano dos países indus-
trializados, que ”[...] simplesmente continuaria
no caminho de crescimento e acumulação [...]
O processo do crescimento puramente quan-
titativo tem que ser colocado em questão”
(Lefèbvre, 1991, p. 357). Porém, ele admite que
não tinha uma visão concreta do que seria es-
se espaço novo. Como se pode observar, essa
problemática é ainda mais complexa quando
pensamos no metabolismo socioambiental das
sociedades urbano-industrial-capitalistas.
Então, como seria concretamente a ex-
pressão espacial do metabolismo socioam-
biental sustentável? Recorremos mais uma vez
a Lefèbvre (1991) que alega que a estratégia
para um projeto socialmente progressivo pode
ser fundada em pequenos e médios empreendi-
mentos em cidades compatíveis com esse foco,
proposta que permeia quase todos os discursos
sobre cidades sustentáveis.
O que surpreende nas soluções propostas
para alcançar a sustentabilidade com equida-
de é que, em princípio, não há nada de novo.
Já no século XV, na época do cerceamento das
terras camponesas na Inglaterra e da ascen-
dência da industrialização e do capitalismo, foi
Thomas Morus que apresentou o desenho da
ilha fictícia Utopia (derivado do latim, significa
“não lugar”) como um recorte espacial limi-
tado, cujos moradores procuravam o consumo
equilibrado e distribuído de forma igualitária.
Morus (2001) – original publicado no início do
século XVI, durante o reinado do Henrique VII –
acreditava que podiam ser criados sistemas de
produção e consumo dos recursos naturais que
permitissem uma vida em abundância para to-
dos os membros da sociedade, com o consumo
se concentrando naquilo que fosse essencial,
eliminando artigos de luxo. Nessa afirmação,
podemos identificar claramente a mesma críti-
ca feita às sociedades afluentes dos anos 1960
(Marcuse, 1969).
A ilha Utopia era caracterizada por uma
organização socioespacial com estrutura urba-
na policêntrica, formada por 54 cidades dispos-
tas em torno da capital Amaurota, sede de um
governo centralizado, mas com estrutura igual
a todas as outras cidades. Tais núcleos seriam
centros de artesanato, educação, ciência e ad-
ministração. A necessidade de organização cen-
tral do governo explica-se por causa da amea-
ça de possíveis invasores e guerras. Contudo, o
príncipe não teria mais os privilégios da classe
aristocrática, que se destacou por seus bens
materiais; seu papel seria mais o de um admi-
nistrador do país. No entanto, Morus já previu
500 anos em busca de sustentabilidade urbana
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013 165
um sistema representativo de conselheiros que,
junto com o príncipe, formulariam as políticas
públicas. Tais representantes seriam designa-
dos pelos chamados filarcos ou sifograntes,
que, por sua vez, formariam uma assembleia
municipal democraticamente eleita. Na escrita
de Morus, destacam-se também as propostas
para a política populacional e o planejamento
familiar, cujo objetivo seria manter a população
estável. Cada membro da sociedade, inclusive
os conselheiros e o príncipe, são obrigados a
trabalhar por dois anos no campo, o que ga-
rantiria a origem de toda prosperidade da so-
ciedade. Assim, Morus considerava o trabalho
no campo tão nobre quanto as atividades nas
cidades, mostrando, assim, que a cidade não
pode ser vista como um sistema de produção e
reprodução independente da zona rural.
O ponto de partida de Morus era a vida
parasitária e faustosa da corte numa época em
que os príncipes e seus vassalos viviam num
luxo exuberante. Porém, abordou também o
enriquecimento da classe burguesa, enquanto
aqueles que produzem tais riquezas, sobre-
tudo os homens no campo, eram submetidos
à exploração desumana. Além disso, Morus
propôs que os bens que simbolizavam a ri-
queza, tais como ouro, pedras preciosas, entre
outros, fossem considerados coisas inúteis e
desnecessárias. Consequentemente, questio-
nou profundamente as relações de poder em
torno dessas supostas riquezas que fundamen-
tam a ganância e a corrupção. O resultado das
reflexões de Morus é um profundo questiona-
mento de relações de poder tão prejudiciais
para o povo. Embora não abordando explicita-
mente a situa ção ecológica, ele entendeu que
o consumo ilimitado de bens materiais e do
próprio espaço pelos príncipes, pela corte e pe-
los vassalos era a causa de conflitos territoriais,
guerras e injustiça social.
Nessa breve descrição da visão de Mo-
rus, refletem-se muitos elementos que mar-
cam hoje a discussão sobre sustentabilidade
urbana pautada nos princípios do equilíbrio
ecológico e da justiça ambiental. Também fica
claro que essas questões não podem ser tra-
tadas sem pensar um novo modelo de produ-
ção do espaço, garantindo, além do consumo
equitativo e equilibrado dos recursos naturais,
o direito ao território. O que surpreende é que
muitos aspectos das propostas e modelos das
cidades sustentáveis atuais não se diferem em
muito da visão de Morus, fechando, assim, o
ciclo de 500 anos de busca pela sustentabili-
dade urbana.
Klemens LaschefskiDoutor em Geografia pela Universidade de Heidelberg, Alemanha. Professor Adjunto no Programa de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte/MG, [email protected]
Klemens Laschefski
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013166
Notas
(1) Carlowitz era o administrador principal de mineração no governo do Frederico Augusto I, o forte, então Eleitor da Saxônia, Alemanha.
(2) Malthusiano: visão pessimista quanto à fi nitude dos recursos naturais para atender as demandas oriundas do crescimento populacional e a elevação dos padrões de consumo. O termo se refere a obra de Thomas Malthus (1798) sobre o princípio da população (Malthus, 1998). Cornucopiano: visão otimista que acredita que as demandas futuras podem ser atendidas pelo desenvolvimento de novas tecnologias que visem a o mização e a efi ciência energé ca e material de processos produ vos que resultem numa elevação da produ vidade no geral. É um termo da mitologia grega e refere-se a um chifre da cabra Amalthea que amamentava o recém-nascido deus Zeus. A criança ganhava força extraordinária e quebrava o chifre, acidentalmente, durante uma brincadeira. O chifre possui um poder divino; é fonte ilimitada de tudo que for desejado (Kerényi, 1994).
(3) Para mais informações: h p://www.iclei.org/index.php?id=804
(4) De fato, a lei foi criada no governo de Fernando Henrique Cardoso, que defendeu polí cas de terceira via, que, segundo Giddens (1998), procuraram renovar o neoliberalismo radical e retomar meios de intervenção política para evitar injustiças sociais. Nesse contexto, foram promovidas estruturas e instituições da sociedade civil, que assumiram tarefas sociais para as quais o estado reduzido não se responsabilizou. Em troca, as en dades da sociedade civil ganharam o direito de par cipação na formulação de polí cas públicas.
(5) Apresentação durante um seminário realizado no dia 25 de novembro de 2011, no âmbito da disciplina “Aulas Práticas Integradas de Campo”, do curso Ciências Socioambientais, com par cipantes do projeto Granja Werneck, da comunidade quilombola Mangeiras e do bairro Novo Lajedo.
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Texto recebido em 6/out/2012Texto aprovado em 2/nov/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013
Urbanização, ambiente, riscoe vulnerabilidade: em busca
de uma construção interdisciplinar*
Urbanization, environment, risk and vulnerability:in search of an interdisciplinary construction
Lúcia Cony Faria Cidade
ResumoNas cidades contemporâneas, ameaças naturais
e induzidas atingem de forma particularmente in-
tensa populações em situação de precariedade so-
cial. Indo além de abordagens tradicionais sobre a
pobreza, estudos da vulnerabilidade reconhecem
processos complexos que reforçam a insegurança
desses grupos. Tendo em vista a variedade de ques-
tões envolvidas, nosso objetivo é examinar análises
sobre ameaças, riscos e vulnerabilidade, buscando
entender seus procedimentos, alcances e limites. O
texto consiste numa revisão bibliográfi ca de distin-
tos enfoques sobre a vulnerabilidade. Mostra que
abordagens tradicionais na linha físico-ambiental
ou na social, com tratamentos quantitativos ou qua-
litativos, tendem a limitar-se a olhares específi cos.
Abordagens interdisciplinares, integrando processos
sociais e ambientais e acrescentando um olhar es-
pacial, representam uma necessária ampliação de
perspectiva nos estudos da vulnerabilidade.
Palavras-chave: risco; vulnerabilidade; vulnerabi-
lidade ambiental; vulnerabilidade social; vulnerabi-
lidade socioambiental.
AbstractIn contemporary cities, natural and induced threats hit particularly hard populations in a state of social insecurity. Extending beyond traditional outlooks on poverty, vulnerabil ity studies acknowledge complex processes which reinforce insecurity in these groups. In light of the variety of issues involved, our objective is to examine analyses on threats, risks and vulnerability, while attempting to understand their procedures, outreach and limits. The discussion dwells on a bibliographic review of different lines on vulnerability. It shows that traditional approaches, either physical-environmental or social, adopting quantitative or qualitative procedures, tend to remain within specific focuses. Interdisciplinary approaches integrating social and environmental processes into a spatial outlook represent a required enlargement of perspective in vulnerability studies.
Keywords: risk; vulnerability; environmental vulnerability; social vulnerability; social and environmental vulnerability.
Lúcia Cony Faria Cidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013172
Introdução
A imensa criação de riquezas que caracteriza
os sistemas sociais contemporâneos acompa-
nha-se de crises econômicas, do crescimento
da pobreza e da intensificação dos efeitos de
eventos perigosos. De forma crescente, a dinâ-
mica do risco tende a se reproduzir em varia-
dos graus e combinações em cidades de todos
os continentes. O intenso crescimento urbano
e usos inadequados do solo potencializam
ameaças advindas de eventos naturais, como
tempestades, enchentes e deslizamentos, ou
de ocorrências induzidas, como certos tipos
de contaminação e de doenças e a violência.
Esses problemas são recorrentes em grandes
cidades no mundo e, em particular, na Amé-
rica Latina e no Brasil. Em áreas urbanas bra-
sileiras, a ocupa ção de áreas de risco, muitas
vezes associada a condições socioeconômicas
precárias, tende a aumentar, multiplicando os
agravos aos grupos sociais atingidos. A dificul-
dade de lidar com impactos negativos caracte-
riza situa ções de vulnerabilidade a danos po-
tenciais advindos de diferentes eventos. Assim,
o texto pretende resgatar perspectivas, bases
metodológicas e procedimentos de pesquisa
aplicáveis a análises da vulnerabilidade, com
vistas a desvendar seus contornos. A discussão
mostra que estudos sobre a temática tendem
a privilegiar ora enfoques físico-ambientais ora
perspectivas sociais, enquanto novas concep-
ções avançam em direção a uma visão integra-
da, socioespacial.
O quadro no qual a temática da vulne-
rabilidade se inscreve tem sido equaciona-
do como o de uma sociedade de risco. Para
Ulrich Beck, em termos políticos, a chamada
“modernização da modernização” tem co-
mo consequên cias inseguranças de toda uma
sociedade, de difícil delimitação, envolvendo
lutas entre diferentes facções. Essa fase seria
caracterizada por uma dinamização do desen-
volvimento, que seria tensionado por uma po-
tencialidade para provocar consequências con-
trárias às desejadas. Para o autor, em diferen-
tes lugares e grupos culturais, esses traços se
combinam com o nacionalismo, a pobreza em
grande escala, o fundamentalismo religioso, as
crises econômicas, as crises ecológicas, guerras
e revoluções e, ainda, estados de emergência
decorrentes de grandes catástrofes. Esse con-
junto caracterizaria o que o autor denominou
“o dinamismo do conflito da sociedade de ris-
co” (Beck, 1997, p. 14).
Na fase atual, a precariedade que atinge
as condições de vida de certos grupos sociais
em muitas partes do mundo tende a perma-
necer e, em muitos casos, a se agravar. Em um
cenário marcado por diferenças intergrupais e
interpessoais na capacidade de reação a ad-
versidades, nas últimas décadas têm aumen-
tado o número de estudos da vulnerabilidade.
Susan Cutter mostra que análises iniciais, al-
gumas das quais alimentaram avanços poste-
riores sobre o tema, tendiam a preocupar-se
com os efeitos de catástrofes naturais, dando
particular atenção à vulnerabilidade de popu-
lações a ameaças ambientais (Cutter, 1996).
Por outro lado, examinando estudos com um
cunho social, Caroline Moser observa que al-
guns autores consideraram estudos tradicio-
nais da pobreza insuficientes para expressar
a diversidade de aspectos envolvidos. Além
disso, essas análises eram pouco operacionais
para informar ações com vista à prevenção ou
à mitigação de efeitos danosos da privação
Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013 173
(Moser, 1998, p. 3). Assim, vários pesquisado-
res, inclusive alguns ligados a entidades finan-
ceiras internacionais, passaram a incorporar em
seus enfoques a questão da vulnerabilidade em
áreas rurais e urbanas. Por outro lado, alguns
analistas passaram a reconhecer ligações entre
processos físico-ambientais e processos sociais;
e a buscar procedimentos metodológicos que
permitissem uma visão integrada. A partir de
uma variedade de abordagens, a grande reper-
cussão de estudos sobre a vulnerabilidade ali-
mentou um número de críticas e debates, que
deram visibilidade ao assunto e desembocaram
em novos desdobramentos.
O entusiasmo com a temática da vulne-
rabilidade, no entanto, não obscureceu uma
inegável dificuldade, que é a análise de um
fenômeno ou de um conjunto de fenômenos
com a mesma designação, que se manifesta de
formas diferenciadas e tem causalidades múlti-
plas. Uma das manifestações desses complica-
dores é a construção de uma base conceitual
comum. Na verdade, os pontos de partida são
distintos: as ciências da natureza, no caso dos
desastres ambientais; e as ciências sociais, no
caso dos processos socioeconômicos com efei-
tos sobre a pobreza. O ponto de convergência
seria a vulnerabilidade ou suscetibilidade da
população para lidar com os impactos de ocor-
rências danosas, de origem físico-ambiental
ou social. A forma de enquadrar os processos
causais já deixa antever as primeiras dificulda-
des. Alguns estudos tendem a considerar essas
“ocorrências” como eventos pontuais – no
caso dos desastres ambientais, ainda que ma-
tizados por ações da própria sociedade. Outros,
diferentemente, consideram as “ocorrências”
como parte de um andamento contínuo – no
caso dos processos socioeconômicos.
As dificuldades de sistematização da te-
mática surgem, ainda, do fato de o objeto de
análise que se pretende construir – processos
que tenham expressão na vulnerabilidade e
seus desdobramentos – tender a ser multifa-
cetado e complexo. Assim, óticas específicas,
como a físico-ambiental ou a social, tenderiam
a ganhar em aprofundamento e a perder em
generalidade. Ao contrário, perspectivas mul-
tidisciplinares, como a que se poderia chamar
de socioambiental, apesar de um discurso in-
tegrador, tendem a perder em precisão, além
de carecer de metodologias consolidadas. Em
um terreno em que nem sempre os avanços
são lineares ou progressivos, algumas propos-
tas buscam enriquecer o enfoque da vulne-
rabilidade, incluindo nas análises o papel do
lugar e do contexto territorial nos processos
observados. Uma das formas de propiciar in-
terpretações que levem em conta essa com-
plexidade são estudos da vulnerabilidade com
uma ótica socioespacial.
A seleção de estudos para revisão baseia-
-se não apenas nas diferentes óticas adotadas
neste texto, mas também na disponibilidade
de informações sobre os conceitos e procedi-
mentos de pesquisa adotados. Assim, no te-
ma relativo à vulnerabilidade físico-ambiental
escolheu-se um estudo sobre deslizamento de
encostas no Brasil. No tema sobre a vulnera-
bilidade social, uma primeira análise envolveu
comunidades em Zambia, no Equador, nas Fi-
lipinas e na Hungria. Uma segunda análise diz
respeito a três cidades no Afeganistão, com
uma visão qualitativa abordando a pobreza.
Para o tema da vulnerabilidade socioespacial,
o primeiro exemplo ilustrativo é sobre perigos
naturais em condados nos Estados Unidos. O
segundo exemplo trata de áreas urbanas no
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Afeganistão, distinguindo entre vulnerabilidade
estrutural e vulnerabilidade inerente. No Brasil,
são bastante conhecidos estudos nas diferen-
tes óticas, alguns dos quais constam das refe-
rências bibliográficas ao final deste texto.
A organização das discussões neste tex-
to reflete, assim, as dificuldades do próprio
campo de conhecimento. A próxima seção,
que trata de aspectos conceituais, começa com
uma breve pontuação da evolução dos signifi-
cados de vulnerabilidade; e, em seguida, bus-
ca as acepções mais utilizadas nos enfoques
físico-ambiental, social e socioespacial. A seção
subsequente volta-se para exemplos de aná-
lises aplicadas, sob a forma de interpretações
e procedimentos relativos à vulnerabilidade
em áreas urbanas. Embora a organização dos
temas também procure seguir uma divisão se-
gundo as óticas físico-ambiental, social e socio-
espacial, os estudos empíricos nem sempre se
apresentam de forma tão definida. Assim, os
exemplos apresentados podem, por um lado,
não preencher toda a acepção pretendida ou,
por outro, transbordar as fronteiras delineadas,
contribuindo assim para a flexibilidade do es-
forço de sistematização aqui proposto.
Aspectos conceituais: evolução das acepções de vulnerabilidade
Multidimensionalidade do conceito de vulnerabilidade e busca de operacionalização
Desde os anos de 1970, os geógrafos físicos
reconheciam a relevância de análises sobre
acasos e eventos extremos, associando a gravi-
dade de seus efeitos à ação humana. Para Ken
Gregory, esses pesquisadores interessavam-se
principalmente por prejuízos e danos, impactos
econômicos e, ainda, pela percepção ambiental,
considerando esses estudos como subsídios pa-
ra o planejamento (Gregory, 1992, pp. 202-204).
Um desdobramento dessa linha foram análises
de risco, particularmente associadas a eventos
perigosos e seus impactos ambientais. Somente
a partir de 1980, estabeleceu-se uma conceitua-
ção mais explícita de vulnerabilidade, embora
marcada por uma variedade de acepções. Susan
Cutter, por meio de enunciados de diversos au-
tores, ilustra diferentes meandros dessa evolu-
ção (Cutter, 1996).
A autora resgata a contribuição de Gabor
e Griffith, de 1980, que definiam vulnerabi-
lidade em relação à ameaça de exposição a
materiais perigosos, considerando-a como o
contexto do risco. Por sua vez, Undro, em 1982,
conceituava-a como o grau de perda por ele-
mentos em risco resultante da ocorrência de
um fenômeno natural. Com uma visão mais so-
cial, Susman et al., em 1984, consideravam vul-
nerabilidade como o grau pelo qual diferentes
classes da sociedade estão diferencialmente
em risco. Cutter mostra, ainda, que Liverman,
em 1990, não apenas estabeleceu uma distin-
ção entre vulnerabilidade biofísica e vulnerabi-
lidade social como já adotava uma visão espa-
cial. Assim, o autor acrescentou uma diferença,
entre vulnerabilidade no espaço geo gráfico
(onde pessoas e lugares vulneráveis estão lo-
calizados) e vulnerabilidade no espaço social
(quem naquele lugar é vulnerável) (cf. Cutter,
1996, p. 531).
Em continuidade, para Cutter, em 1993,
vulnerabilidade dizia respeito à probabilidade
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de um indivíduo ou grupo ser exposto e afe-
tado negativamente por um perigo; era a inte-
ração entre os perigos do lugar (risco e mitiga-
ção) e o perfil social de comunidades. Blaikie
et al. consideravam vulnerabilidade como as
características de uma pessoa ou grupo em
termos de sua capacidade para antecipar, lidar,
resistir e recuperar-se do impacto de um peri-
go natural, considerando ainda o grau de risco
causado. Dow e Downing, em 1995, conside-
ravam vulnerabilidade como a suscetibilidade
diferencial a determinadas circunstâncias. Para
esses estudiosos, fatores biofísicos, demográfi-
cos, econômicos, sociais e tecnológicos, como
idade da população, dependência econômica,
racismo e idade da infraestrutura, podiam estar
associados a perigos naturais (cf. Cutter, 1996,
p. 532).
A evolução do conceito de vulnerabilida-
de expressa a dificuldade de síntese associada
aos fenômenos observados que, a seu turno,
tendem a refletir uma inerente multidimen-
sionalidade. Além da atenção a aspectos am-
bientais propriamente ditos, aparece em vários
autores o reconhecimento da relevância da
dinâmica social em um sentido amplo. Os as-
pectos econômicos, sociais, culturais e políticos
passam a ser progressivamente considerados
e integrados nas conceituações e reflexões.
Isso ocorre na atenção não apenas à estrutu-
ra de causalidade, mas também às formas de
a população lidar com os efeitos de situações
e processos potencialmente danosos. No en-
tanto, embora passando a considerar o que se
poderia chamar de fatores complementares, os
estudos continuaram a se desenvolver dentro
de enfoques disciplinares paralelos.
No quadro de uma diversidade de li-
nhas, a sistematização feita por Susan Cutter
estabelece distinções que incluem uma pers-
pectiva dinâmica e ampla. Para a autora, há
três temas expressivos nos estudos da vulnera-
bilidade: 1) a vulnerabilidade como uma con-
dição pré-existente; 2) a vulnerabilidade como
uma resposta matizada; e 3) a vulnerabilidade
como perigos do lugar. A primeira linha, que é
a da vulnerabilidade como uma condição pree-
xistente volta-se para a fonte de perigos biofí-
sicos ou tecnológicos. Segundo a autora, esses
estudos se caracterizam por: a) uma ênfase na
distribuição de uma condição de perigo; b) a
ocupação humana de uma zona de perigo; e
c) o grau de perda associado com a ocorrência
de um evento particular (Cutter, 1996, p. 532).
Essa perspectiva enquadra-se mais diretamen-
te no enfoque tradicional, ligado a desastres
e eventos ambientais. Poderia ser considerada
como relativa à vulnerabilidade sob uma ótica
físico-ambiental.
A segunda linha, da vulnerabilidade
como uma resposta matizada, destaca as
respostas e formas de lidar com os perigos,
incluindo-se a resistência e a resiliência.
Considerando os eventos perigosos como
construções sociais, essa perspectiva exami-
na distúrbios crônicos, tais como as secas, a
fome, mudanças climáticas ou mudanças am-
bientais. Para a autora, essa visão valoriza a
construção social da vulnerabilidade, uma
condição com origem em processos históricos
e socioeconômicos que alteram a capacidade
de indivíduos ou da sociedade para lidar com
desastres e responder adequadamente a eles
(Cutter, 1996, pp. 532-533). Ao explicitar uma
causalidade social, essa linha ainda se volta
para eventos perigosos, de cunho ambiental,
embora também esteja atenta para as formas
de a sociedade lidar com eles. Poderia ser
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considerada como relativa à vulnerabilidade
sob uma ótica social.
Ao lado da vulnerabilidade como uma
condição pré-existente e da vulnerabilidade
como uma resposta matizada, há uma ter-
ceira vertente, chamada por Cutter de vulne-
rabilidade como perigos do lugar. Essa visão
combina as duas anteriores e acrescenta uma
visão geo gráfica. Assim, a vulnerabilidade es-
taria associada tanto a riscos biofísicos, como
a respostas sociais, mas em um domínio de
área ou domínio geográfico específico (Cutter,
1996, p. 533). A autora propõe um refinamen-
to da perspectiva que originou essa proposta,
apresentando um modelo de vulnerabilidade
que relaciona risco, mitigação, potencial de
perigo, tecido social, vulnerabilidade social,
contexto geográfico e vulnerabilidade biofísica
e tecnológica. A interseção e interação tanto
da vulnerabilidade social como da vulnerabili-
dade biofísica e tecnológica é que criariam a
vulnerabilidade de lugares, em um processo
geral interativo (Cutter, 1996, p. 535). O tema
da vulnerabilidade como perigos do lugar é in-
troduzido como uma expressão da articulação
dos temas da vulnerabilidade de cunho am-
biental, social e espacial, com uma perspectiva
de análise interdisciplinar. Poderia ser conside-
rada como relativa à vulnerabilidade sob uma
ótica socioespacial.
A utilidade do enfoque da vulnerabilida-
de para aplicação em políticas públicas levou
a uma busca de formas de operacionalização
das bases conceituais dessa perspectiva. Essa
busca de operacionalização se aplica tanto a
estudos que buscam uma ótica disciplinar,
como aos que pretendem aprofundar o as-
sunto segundo temas interdisciplinares. Dian-
te de um quadro no qual os tratamentos da
vulnerabilidade não seguem uma classificação
comum, para fins deste trabalho optou-se por
organizar a exposição conceitual segundo a
seguinte divisão, que admite análises quanti-
tativas ou qualitativas: bases conceituais da
vulnerabilidade físico-ambiental; bases con-
ceituais da vulnerabilidade social; e bases
conceituais da vulnerabilidade socioespacial.
Bases conceituais da vulnerabilidade físico-ambiental
O primeiro tipo de abordagem do conceito de
vulnerabilidade (que poderia ser identificado
com a visão de Cutter sobre a vulnerabilidade
como uma condição pré-existente) foi desen-
volvido para os estudos de desastres ambien-
tais. Embora se tenha verificado um avanço no
registro de possibilidades que vão além de es-
tudos específicos, algumas análises com obje-
tivos particulares mantêm uma ênfase discipli-
nar. Assim, a busca de conceituações precisas
pode refletir, além de uma tentativa de esclare-
cer adequadamente o tema, um interesse prá-
tico em obter definições operacionais. Análises
recentes, com foco na prevenção de desastres
naturais, têm adotado o conceito de vulnerabi-
lidade com o objetivo de investigar os espaços
com maior risco de sofrerem consequências de
desastres naturais e, a partir daí, propor medi-
das de intervenção.
Em estudo sobre deslizamentos de en-
costas e suas consequências indesejáveis, Ri-
cardo Vedovello e Eduardo Macedo apontam
como desdobramento analítico as avaliações
de riscos. Indicam que a relação entre risco e
vulnerabilidade não é simples, incluindo a com-
binação de vários fatores. Assim, os autores
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apresentam inicialmente uma conceituação
de risco, que seria a probabilidade de ocorrên-
cia de um acidente. De forma mais específica,
Risco (R) seria o grau de perdas esperadas em
decorrência de um evento perigoso, natural ou
induzido. Assim, apresenta-se uma situação
envolvendo um Elemento em risco (E), que é
um indivíduo, população, propriedade, ativida-
de ou ambiente passível de ser afetado; uma
Ameaça ou Perigo (P), que é a probabilidade
de ocorrência de um evento perigoso (caracte-
rizado também segundo a localização, área de
alcance e intensidade); a Vulnerabilidade (V),
que é a suscetibilidade do elemento ao impac-
to de eventos perigosos; e Danos (D), que são
consequências esperadas caso o evento ocorra
(incluindo-se estimativas da extensão das per-
das previstas em função do número de pessoas
ou do valor das propriedades, bens e ambien-
tes naturais sob o risco) (Vedovello e Macedo,
2007, p. 83).
Entre as relações relevantes para a com-
preensão do risco, pode acrescentar-se outra
dimensão, a Capacidade de enfrentamento, ou
de mitigação (C), que é o conjunto de meca-
nismos para enfrentar as consequências de um
acidente, minimizando as perdas e permitindo
o restabelecimento das condições anteriores ao
evento. A Capacidade de enfrentamento agiria
no sentido de reduzir o grau de Vulnerabilidade
(Vedovello e Macedo, 2007, p. 83).
Em síntese, o Risco de sofrer os efeitos
de um desastre (o grau de perdas esperadas)
seria o resultado da interação entre: a) Peri-
go, ou probabilidade de ocorrência de evento
perigoso; b) Vulnerabilidade, ou grau de sus-
cetibilidade ao impacto de eventos perigosos;
e c) Danos, ou nível de impactos potenciais
dos eventos perigosos. Caso se visualize a
Capacidade (C) de enfrentamento como uma
variável independente, considera-se sua re-
lação inversa com o grau de vulnerabilidade
e dos danos esperados (Vedovello e Macedo,
2007, pp. 83-84).
Em sintonia com outros pesquisadores,
os autores observam a existência de várias
conotações do conceito de vulnerabilidade.
Levando em conta o interesse da análise, ado-
tam o enunciado da Organização das Nações
Unidas – ONU, de 2004. Assim, a vulnerabili-
dade seria “... o conjunto de processos e con-
dições resultantes de fatores físicos, sociais,
econômicos e ambientais, os quais determi-
nam quanto uma comunidade ou elemento em
risco estão suscetíveis ao impacto dos even-
tos perigosos” (Vedovello e Macedo, 2007,
pp. 83-84). Eviden cia-se, nesse enunciado, o
reconhe cimento de uma combinação de dife-
rentes dinâmicas na configuração do que se
tem chamado de vulnerabilidade.
Análises de riscos que considerem, de
forma completa, os fatores presentes nas for-
mulações apresentadas são, no entanto, bas-
tante raras de se encontrar, particularmente
devido à necessidade de um elevado grau de
interdisciplinaridade. A literatura sobre desas-
tres naturais tende a concentrar-se na variável
da ameaça ambiental, ou seja, os aspectos
do meio físico relacionados à probabilidade
de ocorrência do evento. Vedovello e Macedo
(2007) destacam alguns caminhos consagrados
pela literatura cientifica para identificar, carac-
terizar e gerenciar áreas em situações de risco.
Dentre eles, o mais usado é a elaboração de
mapas de susceptibilidades que normalmente
incluem a sobreposição de mapas de caracte-
rísticas do meio físico. Observe-se que esse mé-
todo foi popularizado por Ian McHargh, em seu
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livro Design with Nature originalmente publica-
do em 1969 (McHargh, 1992).
Apesar de adotar-se comumente a apli-
cação do termo “risco”, os mapas gerados a
partir da análise de aspectos do quadro na-
tural, a rigor, não podem ser considerados
mapas de risco na acepção apresentada. Não
apresentam o risco (grau de perdas esperadas)
e não caracterizam a ameaça ou perigo (pro-
babilidade de ocorrência do evento perigoso).
Abordam a vulnerabilidade (suscetibilidade do
elemento – indivíduo, população, propriedade,
atividade ou ambiente) apenas parcialmente,
ao levantar fragilidades ambientais; e não tra-
tam da capacidade de enfretamento (mecanis-
mos de mitigação) da população em questão;
nem dos danos (impactos potenciais).
Análises da vulnerabilidade físico-am-
biental que incorporam aspectos sociais cons-
tituiriam um desdobramento em direção a um
enfoque de vulnerabilidade socioambiental.
Estudos sobre vulnerabilidade socioambiental
ganham corpo com a ascensão do ambienta-
lismo, que põe em questão a capacidade da
sociedade de dominar a natureza. Surge assim
a preocupação com a distribuição social dos
bens ambientais, que não são mais percebi-
dos como ilimitados. Tais estudos passam a
evidenciar a existência de conflitos em torno
da apropriação dos recursos ambientais, dos
quais um exemplo são os recursos hídricos.
Autores como Carmo e Hogan e também Men-
donça têm reconceituado essa situação de
crescente escassez de recursos hídricos em ter-
mos de vulnerabilidade socioambiental (Carmo
e Hogan, 2006; Mendonça, 2004).
Outra importante questão socioam-
biental brasileira diz respeito à sub-habitação.
A persistência de situações de precariedade
habitacional nas grandes metrópoles brasilei-
ras revela que a luta pela terra urbanizada é
uma dimensão latente da questão ambiental
urbana brasileira. Outros estudos em países do
chamado terceiro mundo também tratam desse
tema, apesar de não utilizarem explicitamente
o conceito de vulnerabilidade (Hsin-Huang e
Hwa-Jen, 2002). O caso da disputa pela terra
urbanizada revela como, em uma situação de
escassez, os grupos socialmente vulneráveis
são também mais atingidos pelas consequên-
cias da falta de determinado recurso ambien-
tal. Nesse caso, a pouca oferta de terra infraes-
truturada voltada para o mercado habitacional
de baixa renda elevou seu preço, induzindo a
ocupação irregular de áreas frágeis. Essa ques-
tão tangencia outras perspectivas teóricas inti-
mamente relacionadas aos estudos de vulnera-
bilidade socioambiental, como, por exemplo, a
noção de justiça ambiental e desigualdade am-
biental e ecologismo dos pobres (Torres, 1997;
Alier, 2007).
A ênfase no papel da gestão urbana ao
afetar o padrão de desigualdade socioeconô-
mica informa uma série de estudos posteriores
que buscam mensurar e mapear a vulnerabili-
dade socioambiental em algumas metrópoles
brasileiras. Assim, Humberto Alves define a
vulnerabilidade socioambiental como “uma
categoria analítica que pode expressar os fe-
nômenos de interação e cumulatividade entre
situações de risco e degradação ambiental
(vulnerabilidade ambiental) e situações de
pobreza e privação social (vulnerabilidade so-
cial)” (Alves, 2006, p. 47). Similarmente, Marley
Deschamps defende a existência de espaços de
risco ou vulnerabilidade ambiental, nos quais
se concentram populações socialmente vulne-
ráveis (Deschamps, 2008, p. 192).
Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
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Uma linha de pensamento relacionada,
e normalmente implícita nas definições de
vulnerabilidade socioambiental, busca respon-
der em que medida a ação da sociedade pode
induzir a ocorrência de eventos negativos de
grande magnitude. Para Ian McHargh, exem-
plos de indução humana a desastres naturais
seriam casos de inundações ou desmorona-
mentos provocados por modelos de ocupação
do território que desconsideram as caracterís-
ticas biofísicas do terreno e sua capacidade de
suporte (McHargh, 1992). Para Rozely Santos,
de acordo com essa acepção de desastres in-
duzidos, o que o senso comum entende co-
mo desastres naturais seria, na verdade, uma
resposta de processos ecológicos a alterações
realizadas pelo homem (Santos, 2007). Sob es-
sa ótica, os desastres ambientais seriam asse-
melhados a desastres socialmente produzidos,
como a violência, a fome e outros eventos rela-
cionados à pobreza.
Possíveis aberturas em direção a uma
perspectiva socioambiental ainda são relativa-
mente poucas. Em geral, a literatura que trata
de vulnerabilidade físico-ambiental enfatiza
os aspectos físicos do quadro natural e não
se aprofunda sobre processos sociais que in-
teragem com o meio. Ainda assim, os estudos
tendem a ser complexos e envolvem amplos
levantamentos e tratamento de informações.
Entre as análises que podem oferecer pers-
pectivas complementares à da vulnerabilidade
físico-ambiental, estão as que conceituam a
vulnerabilidade sob o ponto de vista social.
Bases conceituais da vulnerabilidade social
O segundo tipo de abordagem do conceito de
vulnerabilidade (que poderia ser identificado
com a visão de Cutter sobre a vulnerabilidade
como uma resposta matizada) volta-se para
pressões socioeconômicas. A partir de uma lon-
ga tradição e seguindo movimentos de reestru-
turação da economia internacional, reformas
macroeconômicas e um expressivo aumento do
número de pessoas carentes, renovaram-se os
estudos da pobreza. Segundo Caroline Moser,
essa atenção sobre o tema, por um lado, contri-
buiu para debates conceituais e metodológicos
sobre o significado e medidas de pobreza; por
outro, criou o desafio de reavaliar ações para
sua redução. A autora identifica um dualismo
entre medidas convencionais que identificam
pobreza com renda e consumo, levantadas por
meio de pesquisas domiciliares de larga escala;
e medidas subjetivas que buscam indicadores
de pobreza a partir da experiência dos pobres,
levantadas por técnicas participativas (Moser,
1998, pp. 1-2).
Moser identifica quatro temas relevantes
no estudo da vulnerabilidade: a) a diferença
entre pobreza e vulnerabilidade; b) a distin-
ção entre vulnerabilidade e capacidades; c) a
relação entre vulnerabilidade e propriedade
de ativos; e d) a categorização de estratégias
de resposta e administração de ativos. Pode-se
considerar que essas perspectivas, orientadas
Lúcia Cony Faria Cidade
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para a consideração da vulnerabilidade social,
buscam identificar caminhos para uma supera-
ção dessa condição.
a) A diferença entre pobreza e vulnerabilidade
Em anos recentes, consolidou-se o re-
conhecimento de que a questão da pobreza
envolve múltiplos aspectos, entre os quais o
temporal; aumentou o interesse sobre estudos
que envolvem eventos naturais ou induzidos;
e cresceu a necessidade de informar a opera-
cionalização de políticas. A partir daí, surgiram
estudos que adotam um enfoque distinto ou
complementar ao da pobreza, que é a perspec-
tiva da vulnerabilidade das populações ou de
grupos específicos.
Segundo Moser, qualquer definição de
vulnerabilidade necessita da identificação de
duas dimensões tomadas emprestadas da
linguagem dos sistemas, a sensitividade e a
resiliên cia. A sensitividade diz respeito à mag-
nitude da resposta de um sistema a um even-
to externo; enquanto a resiliência refere-se à
facilidade e à rapidez de recuperação de um
sistema com relação ao estresse. Estudo ur-
bano relatado pela autora adota um conceito
de vulnerabilidade que leva em conta essas
dimensões. Assim, define vulnerabilidade co-
mo insegurança e sensitividade que atingem o
bem-estar de indivíduos, famílias e comunida-
des diante de um ambiente em mudança. Para
Moser, está implícita a capacidade de resposta
dessas pessoas e sua resiliência com relação a
riscos diante de tais mudanças. A autora espe-
cifica que as mudanças ambientais que amea-
çam o bem-estar podem ser de natureza ecoló-
gica, econômica, social e política, podendo to-
mar a forma de choques repentinos, tendências
de longo prazo ou ciclos periódicos. Com essas
mudanças viriam risco e incertezas e uma decli-
nante autoestima (Moser, 1998, p. 3).
A consideração de mudanças ambientais
que afetam o bem-estar, incluindo transforma-
ções no quadro externo – os aspectos econô-
micos, sociais e políticos –, expande o sentido
tradicional de ameaças para além dos desas-
tres e eventos físico-ambientais. Além disso,
a perspectiva inova quando trata dos efeitos
dessas ameaças, incluindo também os de na-
tureza psicossocial.
b) A distinção entre vulnerabilidade e capacidades
Moser aponta a importante distinção
entre vulnerabilidade e capacidades. Considera
importantes os recursos com que os pobres po-
dem contar como base para a recuperação de
tempos difíceis. As capacidades de indivíduos
e famílias seriam, dessa forma, profundamente
influenciadas por fatores tão diversos como as
possibilidades de ganhar a vida, até os efeitos
sociais e psicológicos da privação e da exclusão.
Seriam consideradas as necessidades básicas,
emprego com salários razoáveis e equipamen-
tos de saúde e educação (Moser, 1998, p. 3).
c) A relação entre vulnerabilidade e propriedade
de ativos
Segundo Moser, a análise da vulnerabili-
dade envolveria não apenas a parte relativa às
ameaças, mas também a resiliência, ou capaci-
dade de resposta para explorar oportunidades
e para resistir ou recuperar-se de efeitos nega-
tivos de um ambiente em mudança. Os meios
de resistência são os ativos e direitos que os
indivíduos, famílias e comunidades podem
mobilizar em situações difíceis. Assim, para
Moser, a vulnerabilidade varia de forma inver-
sa à quantidade de ativos. A autora apresenta
Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013 181
uma classificação de ativos utilizada no estu-
do urbano relatado em seu artigo: 1) traba-
lho, ativo mais importante para os pobres; 2)
capital humano; estado de saúde, que define a
capacidade de trabalhar; e educação, que con-
diciona a remuneração do trabalho; 3) ativos
produtivos, que permitem renda, sendo para os
pobres o mais importante a habitação; 4) rela-
ções domésticas, um mecanismo para compar-
tilhar a renda e o consumo; e 5) capital social, a
reciprocidade baseada na confiança advinda de
vínculos sociais (Moser, 1998, p. 4).
d) A categorização de estratégias de resposta e
administração de ativos
Segundo Moser, para evitar ou reduzir a
vulnerabilidade, são importantes não apenas
os recursos disponíveis, mas também a capaci-
dade de administrar os ativos de forma a trans-
formá-los em renda, alimentos ou outras ne-
cessidades básicas. No contexto urbano, riscos
e incerteza decorrem de rendas reais menores,
preços elevados e infraestrutura social. Primei-
ro, há necessidade de distinguir entre dois tipos
de estratégias: a) estratégias de elevação de
renda, com o objetivo de adquirir alimentos; e
b) estratégias de modificação do consumo, com
o propósito de controlar a dilapidação de recur-
sos alimentares e não alimentares. Segundo, é
preciso observar a importância do sequencia-
mento de estratégias, que buscam priorizar a
preservação dos ativos sobre o atendimento
imediato de necessidades alimentares (Moser,
1998, p. 5).
A evolução da perspectiva da vulnerabili-
dade social para uma ótica de vulnerabilidade
sociodemográfica se fez inicialmente a partir
da incorporação, em análises de vulnerabilida-
de social, de variáveis de população. Um dos
aspectos é que as famílias mais vulneráveis a
crises econômicas, com maiores decréscimos
na renda ou no consumo doméstico, são as que
contam com uma alta proporção de crianças e
velhos, com uma alta relação de dependência
demográfica. Além disso, famílias pobres ten-
dem a uma maior probabilidade de elevados
níveis de fecundidade e mortalidade, o que
contribui para a reprodução da pobreza. As-
sim, é possível analisar a dinâmica e os perfis
sociodemográficos das comunidades, famílias
e pessoas segundo um enfoque da vulnerabi-
lidade (Cepal-Celade, 2002, p. 6). A vulnerabili-
dade demográfica seria, portanto, um conjunto
de elementos sociodemográficos articulados a
desvantagens sociais. O pressuposto seria de
que diferentes grupos sociais apresentam dis-
tintas dinâmicas e características demográficas
(Hogan e Marandola Jr., 2006, p. 27).
Alguns autores apontam a relevância do
contexto, ou fatores externos, para a compre-
ensão da dinâmica da vulnerabilidade. A con-
tinuidade do debate propiciou, ainda, a expan-
são do enfoque para incluir aspectos relativos
ao papel do Estado e outros atores na oferta de
serviços e também à capacidade das popula-
ções para reagir às ameaças e recuperar-se de
seus efeitos (Moser, 1998; Cunha et al., 2006;
Katzman e Filgueira, 2006).
Análises da vulnerabilidade físico-am-
biental desdobraram-se em uma ótica socioam-
biental, enquanto estudos da vulnerabilidade
social detalharam-se com a inclusão de uma
visão sociodemográfica. Essas ampliações, no
entanto, revelaram-se insuficientes para carac-
terizar, em processos complexos, o papel das
dinâmicas territoriais e dos lugares. A utiliza-
ção de uma perspectiva convergente, que se
propõe a articular aspectos físico-ambientais e
Lúcia Cony Faria Cidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013182
sociais localizados, tem feito uso de uma ótica
de vulnerabilidade socioespacial.
Bases conceituais da vulnerabilidade socioespacial
O terceiro tipo de abordagem do conceito de
vulnerabilidade (que poderia ser identificado
com a visão de Cutter sobre a vulnerabilida-
de como perigos do lugar) trata de processos
espaciais. Ao tratar de um campo emergente,
voltado para a compreensão de ocorrências
que colocam em risco lugares e pessoas e de
situa ções que diminuem a capacidade de pes-
soas e lugares responderem a ameaças am-
bientais, Susan Cutter chega a identificar uma
“ciência da vulnerabilidade”. Para a autora, es-
se campo de conhecimento informaria políticas
de redução de risco, de perigos e de desastres.
Ademais, articularia aspectos relacionados a
riscos, ameaças, resiliência, susceptibilidade di-
ferencial e recuperação ou mitigação, em apli-
cações localizadas. Para a estudiosa, longe dis-
so, os estudos em curso tendem, por um lado,
a enfatizar as dinâmicas sociais locais ou, por
outro lado, a explicitar exposições físicas. Entre
as limitações dessas análises, estaria o fato de
terem aplicações excessivamente amplas, vol-
tadas para modelos de processos físicos e seus
impactos humanos regionais e globais; ou de
serem dirigidas para riscos individuais, esque-
cendo os riscos múltiplos (Cutter, 2003, p. 6).
De forma crescente, estudos da vulne-
rabilidade têm explicitado relações entre cir-
cunstâncias ambientais e sociais. Além disso,
há o reconhecimento de que uma compreensão
mais completa dos processos envolvidos envol-
ve também a dimensão espacial. Na medida
em que dinâmicas ambientais como inunda-
ções, contaminações, deslizamentos e insalu-
bridade tendem a ocorrer em lugares e regiões
específicas, estabelece-se uma necessária
ligação dos fenômenos observados com de-
lineamentos espaciais. Na medida em que a
vulnerabilidade pode atingir indivíduos, grupos,
sistemas ou lugares, Cutter ressalta a impor-
tância de aspectos como diferenças escalares
e, ainda, a capacidade de articulação entre di-
ferentes escalas geográficas. Para a autora, a
vulnerabilidade manifesta-se geograficamente
sob a forma de lugares perigosos, como áreas
sujeitas a enchentes e lixões, demandando, as-
sim, soluções espaciais. Dessa forma, a autora
menciona comparações dos níveis relativos de
vulnerabilidade entre lugares ou entre grupos
de pessoas que vivem ou trabalham nesses lu-
gares (Cutter, 2003, p. 6).
Um aspecto que pode contribuir para os
estudos sobre vulnerabilidade socioespacial é a
atenção dada à dimensão espacial de conflitos
ambientais urbanos. No Brasil, essa perspectiva
tem sido divulgada a partir do trabalho de Ha-
roldo Torres, que investiga os “aspectos distri-
butivos dos fenômenos ambientais urbanos”.
Para ele, “... os fenômenos ambientais não
podem ser plenamente entendidos – do ponto
de vista das ciências sociais – sem uma com-
preensão aprofundada de suas dimensões es-
paciais. Fenômenos ambientais são fenômenos
espaciais...” (Torres, 1997, p. 17). Para Freitas
e Cidade (2012), em análise sobre a ocupação
da Área de Proteção Ambiental do Rio São Bar-
tolomeu, no Distrito Federal, a relação entre
processos físico-ambientais, processos sociais
e processos espaciais torna-se bastante evi-
dente. Em estudo sobre a vulnerabilidade dos
jovens e sua distribuição espacial em Brasília,
Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013 183
registra-se o papel de territórios de risco (Fer-
reira, Vasconcelos e Penna, 2008).
Em sintonia com a discussão relativa a
bases conceituais e lembrando que a divisão
proposta busca sistematizar abordagens que,
não sendo estanques, podem trazer superpo-
sições, a próxima seção apresenta exemplos
de análises aplicadas. Divide-se em: Análises
sobre a vulnerabilidade físico-ambiental; Aná-
lises sobre a vulnerabilidade social; e Análises
sobre a vulnerabilidade socioespacial.
Interpretações e procedimentos relativos à vulnerabilidade em áreas urbanas
Análises sobre a vulnerabilidade físico-ambiental
Um exemplo ilustrativo de análises sobre a
vulnerabilidade físico-ambiental é um estudo
do Ministério do Meio Ambiente sobre desli-
zamento de encostas. Considera deslizamentos
como: “... fenômenos que ocorrem natural-
mente na superfície da terra como parte do
processo de modelagem do relevo, resultantes
da ação contínua do intemperismo e dos pro-
cessos erosivos” (cf. Vedovello e Macedo 2007,
p. 76). A primeira parte trata de conceitos, me-
canismos e caracterização de deslizamentos de
encostas. O texto observa que os deslizamen-
tos também podem ocorrer em consequência
de ações humanas que alteram as característi-
cas naturais dos terrenos, modificam suas con-
dições de equilíbrio ou geram nas encostas for-
mas menos estáveis do que as originais. Segue
apresentando conceitos e tipos de deslizamen-
tos, causas e consequências, vulnerabilidade e
riscos associados aos deslizamentos. A segun-
da parte trata da gestão de áreas suscetíveis
a deslizamentos e situações de risco. Inclui co-
mentários sobre a avaliação de suscetibilidade,
avaliação de áreas e situações de risco, medi-
das de prevenção e de mitigação, instrumentos
e mecanismos para a gestão de áreas suscetí-
veis a deslizamentos. Entre esses instrumen-
tos está a identificação de características dos
instrumentos técnicos, os recursos tecnológicos
para a gestão, os instrumentos e mecanismos
institucionais e a participação comunitária (Ve-
dovello e Macedo, 2007).
A partir de uma discussão de caráter
técnico e disciplinar sobre a caracterização e
o diagnóstico de deslizamentos de encostas,
o texto introduz, na estrutura de causalida-
de, a ação humana. Enquanto mantém uma
perspectiva específica voltada para avalia-
ção de áreas sujeitas a risco, volta-se para a
gestão de áreas suscetíveis a deslizamentos.
Ultrapassa uma visão estritamente fisico-
-ambiental ao voltar-se para os instrumentos
dessa gestão. Considera necessária a adoção
de um conjunto de atividades de base técnica
acompanhadas de atividades de cunho políti-
co, capitaneadas pela sociedade informada e
organizada. Essa seria uma forma de evitar ou
reduzir os riscos naturais ou induzidos pelas
ações humanas. Embora considerem ações hu-
manas, análises específicas sobre a vulnerabi-
lidade físico-ambiental enfatizam seu papel na
causalidade e na gestão, em contraste com es-
tudos na linha da vulnerabilidade social, que
destacam riscos e recursos, conforme apre-
sentados a seguir.
Lúcia Cony Faria Cidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013184
Análises sobre a vulnerabilidade social
O primeiro exemplo ilustrativo de análises so-
bre a vulnerabilidade social é o estudo do Ban-
co Mundial sobre Asset portfolio management in an urban economic crisis context, apresen-
tado por Caroline Moser. O estudo urbano foi
conduzido em 1992 e envolveu comunidades
em Chawama, em Lukasa, Zambia; Cisne Dos,
em Guaiaquil, no Equador; Commonwealth, na
área metropolitana de Manila, nas Filipinas; e
Angyaföld, em Budapeste, Hungria. Quanto a
tendências relativas à pobreza, mostrou indi-
cações de que os pobres estavam se tornando
mais pobres nas áreas analisadas, com conse-
quências sobre as estratégias de modificação
de consumo. As estratégias diante de situações
econômicas em deterioração apresentaram di-
ferenças e semelhanças. Aspectos importan-
tes foram: a) trabalho como ativo; b) capital
humano como ativo; c) ativos produtivos, tais
como a habitação; d) relações domésticas co-
mo ativo; e) capital social como ativo. O estu-
do confirmou a necessidade de utilização de
medidas mais completas do que as restritas à
renda e à pobreza para refletir tanto os com-
plexos fatores externos afetando os pobres,
como suas respostas a dificuldades econômi-
cas. Assim, o referencial baseado nos ativos
ultrapassaria uma medida estática da pobreza;
e avançaria na classificação das capacidades
da população pobre para utilizar seus recursos
como forma de reduzir sua vulnerabilidade (cf.
Moser, 1998, pp. 5-14).
O estudo comparativo indica que em-
bora tenham sido encontradas diferenças
entre as comunidades, houve semelhanças
quanto a aspectos gerais. A partir de análi-
ses detalhadas sobre as estratégias de grupos
populacionais diante do agravamento da po-
breza, o texto aponta a relevância de medidas
mais amplas do que as utilizadas. Identifica
também a importância de uma visão dinâmica
das relações envolvidas.
O segundo exemplo ilustrativo de aná-
lises sobre a vulnerabilidade social é o estudo
da Afghanistan Research and Evaluation Unit
sobre três cidades no Afeganistão. Análises co-
mo a de Stefan Schütte sobre três cidades no
Afeganistão abordam uma visão qualitativa,
voltada para o planejamento urbano e, de for-
ma muito particular, para a pobreza. O termo
“vulnerabilidade” foi desenvolvido como uma
referência conceitual e analítica para tratar da
marginalidade e da pobreza de forma diferente
do enfoque apenas econômico. O artigo consi-
dera vulnerabilidade, a partir de R. Chambers,
como algo que tem “... dois lados: um lado ex-
terno de riscos, choques e stress aos quais um
indivíduo ou família está exposto; e um lado
interno que é a incapacidade de se defender,
significando uma falta de meios para lidar com
eles sem perdas que causam danos” (Schütte,
2004, p. 1).
O estudo busca compreender diferentes
formas de vulnerabilidade no Afeganistão; e
baseia-se em discussões de grupos focais em
três cidades: Kabul, Jalalabad e Herat. Busca ir
além da ampla categoria de “grupos vulnerá-
veis”, para se concentrar em “vulnerabilidade
de recursos” de diferentes comunidades, famí-
lias e indivíduos. O grupo de pesquisa também
buscou conhecer os maiores problemas e riscos
enfrentados pelos pobres urbanos (percepção
de riscos), como os indivíduos lidam com o
problema identificado (estratégia de enfren-
tamento – o que é feito diante do problema),
possíveis soluções (sugestões das próprias
Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013 185
pessoas afetadas) e modelos existentes de
autoajuda e apoio mútuo. Os grupos focais
revelaram quatro formas inter-relacionadas de
vulnerabilidade: a) vulnerabilidade ao fracas-
so na obtenção de renda; b) vulnerabilidade
à insegurança alimentar; c) vulnerabilidade à
saúde precária; e d) vulnerabilidade à exclusão
social e à retirada de poder (disempowerment)
(Schütte, 2004, p. 1).
Entre os achados, está o fato de que há
diferenças dentro de todos os grupos analisa-
dos, desfazendo a ideia de um “grupo vulne-
rável”. Segundo o autor, os achados sugerem
ainda que a vulnerabilidade, nos casos estuda-
dos, tende a ser não espacial, uma vez que não
se restringe a localidades específicas; e afeta
diferentes grupos sociais nas três cidades de
formas semelhantes. No entanto, há diferenças
dentro de certos grupos; assim, o que é vulne-
rável não é o grupo, mas certas famílias e indi-
víduos que pertencem a esses grupos (Schütte,
2004, p. 1).
O estudo foi além de uma perspectiva
focalizada em grupos, para adotar um olhar
voltado para a vulnerabilidade de recursos,
segundo o autor, capaz de oferecer uma visão
mais realista. Essa perspectiva contempla fato-
res humanos, financeiros, sociais, físicos e am-
bientais e, ainda, estratégias de enfrentamento
e resultados potenciais positivos e negativos.
Os pesquisadores têm a expectativa de que a
perspectiva adotada possa ser um instrumen-
to útil para melhorar o impacto de programas
voltados para as chamadas populações vulne-
ráveis (Schütte, 2004, p. 1).
Embora com base em uma realidade
particular, os procedimentos de análise da
vulnerabilidade urbana no Afeganistão, no
exemplo apresentado, mostram como a análise
qualitativa pode contribuir para informar de-
senvolvimentos posteriores. A primeira apro-
ximação mostrou não apenas a percepção de
riscos, mas também as estratégias de enfren-
tamento utilizadas pelas comunidades. Permi-
tiu, ainda, a identificação de um fator-chave, a
vulnerabilidade de recursos que, por sua vez, se
desdobra em diferentes componentes. Dessa
forma, propicia o aprofundamento da análise e
a proposta de políticas públicas voltadas para
o enfrentamento de problemas específicos por
comunidades particulares. As análises apresen-
tadas neste item trataram de distintas formas
de abordar a vulnerabilidade social. Uma com-
binação de aspectos físico-ambientais e sociais
localizados remete a análises em uma perspec-
tiva socioespacial.
Análises sobre a vulnerabilidade socioespacial
O primeiro exemplo ilustrativo de análises so-
bre a vulnerabilidade socioespacial é o estudo
sobre Social vulnerability to environmental
hazards dos condados nos Estados Unidos.
Cutter, Boruff e Shirley, em artigo que sintetiza
as principais contribuições sobre o tema, cha-
mam a atenção para uma questão de fundo,
que é a relação entre os perigos naturais e o
potencial de perdas. Acrescentam que, uma
vez que as perdas variam com a geografia,
ao longo do tempo e entre diferentes grupos
sociais, a vulnerabilidade também varia com
o tempo e o espaço. Os autores observam
que, na literatura, vulnerabilidade tem dife-
rentes conotações, a depender a orientação
e da perspectiva de pesquisa (Cutter, Boruff e
Shirley , 2003, p. 242).
Lúcia Cony Faria Cidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013186
Cutter, Boruff e Shirley consideram que,
embora haja pesquisas sobre a vulnerabilidade
biofísica e a vulnerabilidade do ambiente cons-
truído, sabe-se pouco sobre os aspectos sociais
da vulnerabilidade. Para os autores, as vulnera-
bilidades criadas pela sociedade tendem a ser
ignoradas, principalmente devido à dificuldade
para quantificá-las. Os autores lembram que
a vulnerabilidade social é, em parte, produto
de desigualdades sociais. Esses seriam, então,
os fatores sociais que influenciam ou consti-
tuem a susceptibilidade de vários grupos se-
rem atingidos e que também determinam sua
capacidade de reagir. No entanto, lembram os
autores, a vulnerabilidade também inclui desi-
gualdades de lugar, como as características de
comunidades e do ambiente construído. Entre
elas estariam o nível de urbanização, as taxas
de crescimento e a vitalidade econômica, que
contribuem para a vulnerabilidade social dos
lugares. Os autores consideram que há poucas
pesquisas comparando a vulnerabilidade social
de diferentes lugares. É isso o que a pesquisa
em questão faz, trazendo uma análise compa-
rativa de vulnerabilidade social, usando como
unidade de análise o condado (Cutter, Boruff e
Shirley, 2003, p. 243).
O estudo utiliza o modelo de vulnerabi-
lidade intitulado hazards-of-place (perigos do
lugar) para analisar os componentes da vulne-
rabilidade social nos Estados Unidos, utilizan-
do dados socioeconômicos e demográficos do
recorte territorial de condados. Com base em
dados censitários de 1990, os pesquisadores
construíram um Índice de Vulnerabilidade So-
cial (Social Vulnerability Index – SoVI). Nesse
referencial, “risco” – como uma medida obje-
tiva da possibilidade de um evento perigoso
(hazard event) –, interage com medidas de
mitigação – medidas para diminuir os riscos ou
reduzir seu impacto – para produzir o poten-
cial de perigo. O potencial de perigo pode ser
moderado ou reforçado por um filtro geográ-
fico, tal como o sítio e a situação do lugar e,
ainda, a proximidade, e também o tecido social
do lugar. O tecido social inclui a experiência da
comunidade com os perigos e também a capa-
cidade da comunidade para responder, lidar,
recuperar-se de e adaptar-se aos perigos. Esses,
por sua vez, são influenciados por caracterís-
ticas econômicas, demográficas e residenciais.
No modelo, as vulnerabilidades sociais e biofí-
sicas interagem para produzir a vulnerabilidade
geral do lugar. O artigo apresentado examina
apenas a parte relativa à vulnerabilidade social
(Cutter, Boruff e Shirley, 2003, p. 243).
Para Cutter, Boruff e Shirley, há um rela-
tivo consenso na literatura sobre os principais
fatores que influenciam a vulnerabilidade so-
cial. Entre eles estão: a) falta de acesso a re-
cursos, incluindo informação, conhecimento e
tecnologia; b) acesso limitado a poder político
e representação; c) capital social, incluindo re-
des sociais e conexões; d) crenças e costumes;
e) estoque e idade das edificações; f) indivíduos
debilitados e fisicamente limitados; e g) tipo e
densidade de infraestrutura e linhas de vida.
Não há concordância sobre variáveis especí-
ficas para representar esses amplos conceitos
(Cutter, Boruff e Shirley, 2003, p. 245).
Embora fossem utilizadas inicialmente
mais do que 250 variáveis, ao longo da pesqui-
sa, essas foram reduzidas para 42 variáveis in-
dependentes, até reduzirem-se a onze fatores,
capazes de explicar 76% da variância entre os
condados. Esses fatores são: 1) riqueza pessoal;
2) idade; 3) densidade do ambiente construí-
do; 4) dependência econômica de apenas um
Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
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setor; 5) estoque habitacional e aluguéis; 6) ra-
ça – americana africana; 7) etnia – hispânica;
8) etnia – americana nativa; 9) raça – asiática;
10) ocupação; e 11) dependência de empregos
em infraestrutura. Os resultados mostraram
que a grande maioria de condados dos Estados
Unidos apresenta níveis moderados de vulne-
rabilidade social. Mostra também que a maior
parte dos condados vulneráveis se encontra na
metade sul do país, indo do Sul da Flórida até a
Califórnia, regiões com desigualdades étnicas e
raciais elevadas, assim como rápido crescimen-
to populacional (Cutter, Boruff e Shirley, 2003,
pp. 251-254).
O exemplo mostra as possibilidades de
utilização de dados censitários para desen-
volver uma análise espacial comparativa dos
Estados Unidos, segundo condados. O mapea-
mento resultante reflete a estrutura socio-
espacial do país, construída ao longo de sua
história e reforçada, ou modificada, pelas di-
nâmicas mais recentes. A análise resultante
pode subsidiar políticas públicas na escala re-
gional ou nacional.
O segundo exemplo ilustrativo de aná-
lise sobre a vulnerabilidade socioespacial
é o estudo Vulnerability mapping in urban
Afghanistan, de Heloise Troc e Erin Grinnell
(2004). Em seu artigo, as autoras delineiam
dois tipos de vulnerabilidade: a estrutural e a
inerente. A primeira, a vulnerabilidade estru-
tural, é determinada geograficamente. Nesse
sentido, o lugar de residência de determinada
população afeta o acesso e a disponibilidade
de serviços urbanos como saúde, água potá-
vel, condições de habitabilidade. O segundo
tipo, a vulnerabilidade inerente, é determina-
do pelas condições socioeconômicas da famí-
lia. Destaca em particular o fato de existirem
mulheres em idade reprodutiva, falta de ren-
dimento regular ou acomodações de aluguel.
O estudo utilizou-se de duas escalas de
mapeamento em Cabul: 1) na escala urbana, a
identificação de zonas com condições de habi-
tabilidade semelhantes, além de nível de renda
e modo de resposta a insegurança alimentar;
2) na escala de bairros, selecionou bairros com
alto grau de vulnerabilidade dentro de cada zo-
na da cidade. A identificação das zonas foi feita
a partir de dados quantitativos como acesso a
infraestrutura, centros de saúde, ruas e merca-
dos. A escolha dos critérios de vulnerabilidade
foi definida em um workshop com técnicos da
Organização Não Governamental Action Con-
tre la Faim em Cabul.
Após a identificação das zonas, e seleção
dos bairros, a pesquisa conduziu um estudo de
campo para coletar informações adicionais no
âmbito familiar, por meio da aplicação de ques-
tionários em 50 domicílios selecionados aleato-
riamente; e seis grupos de discussão com mu-
lheres e um com homens. Realizaram-se ainda
grupos focais e entrevistas semidiretivas.
Entre os resultados do estudo apresenta-
-se a questão espacial, sob a forma de áreas
que, embora destruídas, localizam-se próximas
a oportunidades de trabalho e, dessa forma,
não são tão vulneráveis. Verificou-se também
uma deficiência de serviços urbanos: 11 bairros
foram identificados com alto grau de vulnera-
bilidade. Desses, cinco estão também expostos
a fatores de risco relacionados ao quadro na-
tural, como a localização em encostas ou em
áreas passíveis de alagamento.
O aspecto de vulnerabilidade social mais
significativo diagnosticado pelo estudo foi a
ocorrência de uma grande quantidade de fa-
mílias cuja única fonte de renda provinha de
Lúcia Cony Faria Cidade
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trabalhos remunerados diariamente. Para as
autoras, a insegurança de não conseguir uma
fonte de renda regular representa a maior
ameaça para as condições de vida de determi-
nadas pessoas. As entrevistas revelaram que a
insegurança relativa à fonte de renda era mais
problemática que a baixa remuneração. As es-
tratégias para lidar com a questão também fo-
ram objeto de levantamentos pelo estudo (Troc
e Grinnell, 2004).
No Brasil, análises integradas articulando
aspectos físico-ambientais e sociais, em uma
perspectiva socioambiental, têm mostrado co-
mo a estrutura urbana e metropolitana pode
acentuar os efeitos da segregação socioespa-
cial. Essas análises, algumas das quais utilizam
Sistemas de Informação Geográfica (SIG), mos-
tram como, em áreas consideradas de risco, há
manifestações particularmente acentuadas da
pobreza e da vulnerabilidade (Alves, 2006; Tor-
res e Marques, 2001).
Estudos na linha da vulnerabilidade so-
cioespacial têm buscado, a partir da disposição
geográfica, compreender como interage o qua-
dro socioeconômico, os processos ambientais
e, ainda, a oferta de equipamentos e serviços
urbanos. Embora as dificuldades inerentes a
diagnósticos complexos limitem algumas pes-
quisas a resultados com ênfase descritiva, es-
ses estudos representam avanços.
Notas fi nais
Os estudos sobre a vulnerabilidade têm encon-
trado repercussão em duas áreas principais, a
que trata de ameaças ambientais e a que abor-
da a pobreza. A linha dos desastres naturais
e dos eventos perigosos parece ter sido mais
antiga. Tem analisado a ocupação humana das
áreas de incidência, as respostas da população
e a formas de mitigação dos impactos. Esses
desastres, naturais ou induzidos, têm atingido
de forma crescente tanto países chamados de-
senvolvidos como os denominados não desen-
volvidos. As ameaças se fazem mais intensas
em áreas urbanas, que concentram grandes
massas populacionais. A linha que enfatiza a
pobreza retrata a constatação de que, embora
as populações atingidas pertençam a diferen-
tes grupos sociais, em grande parte dos casos,
quem mais sofre os efeitos desses perigos são
as populações pobres. Análises dos danos ge-
rados por esses eventos, tendo em vista a ca-
pacidade de resposta das populações, têm en-
contrado no enfoque da vulnerabilidade uma
perspectiva bastante frutífera.
O texto examinou estudos sobre risco
e vulnerabilidade, identificando uma multi-
plicidade de enfoques. A revisão assinalou
dificuldades na formulação de conceitos uní-
vocos, adequados para operacionalização em
distintas áreas de conhecimento. A análise
buscou, ainda, assinalar os procedimentos
adotados em diferentes pesquisas, bem como
seus alcances e limites. A discussão apresen-
tou, de forma breve, conceituações e mudan-
ças no tempo, que evoluíram no sentido de
uma abertura do conceito para incorporar,
além dos tradicionais riscos ambientais, tam-
bém considerações sobre a pobreza. Eviden-
ciaram-se, assim, tentativas de incorporar às
dimensões tradicionais aspectos distintos, que
pudessem refletir as múltiplas facetas do te-
ma e suas variações. A partir da ótica da vul-
nerabilidade físico-ambiental e da visão da
Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013 189
vulnerabilidade social, uma evolução em dire-
ção à interdiscipli naridade é a perspectiva da
vulnerabilidade socioespacial.
Embora ainda em construção, a temática
da vulnerabilidade socioespacial oferece poten-
cial para articular linhas de conhecimento até
então paralelas. Um ponto de partida é a visão
da interdisciplinaridade como uma combinação
integrada de conhecimentos disciplinares de
ponta com conhecimentos complementares ad-
vindos de outras disciplinas. Nessa acepção, a
operacionalização da ótica da vulnerabilidade
socioespacial, como uma expressão espacial
dos variados processos em estudo, ainda esta-
ria no início de um percurso.
No caso de grupos sociais que vivem em
áreas de degradação ambiental, enfrentam os
efeitos da pobreza e contam com baixo aten-
dimento de equipamentos e serviços públicos,
a inclusão da dimensão espacial da vulnerabi-
lidade pode subsidiar políticas públicas. Nesse
sentido, uma contribuição para estudos am-
bientais urbanos integrados seria a identifica-
ção e análise de territórios de risco.
Nota
(*) Este artigo é uma versão atualizada e ampliada do texto Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade: interpretações e procedimentos, apresentado no XIII Enanpur – Encontro Nacional da Anpur; Planejamento e gestão do território: escalas, conflitos e incertezas Florianópolis, SC; Universidade Federal de Santa Catarina; 25 a 29 de maio de 2009. Sessão Livre – SL 49: Dinâmicas socioespaciais da vulnerabilidade urbana e os territórios de risco.
Agradeço a colaboração e crí cas da Profa. Clarissa F. Sampaio Freitas, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará.
Lúcia Cony Faria CidadeArquiteta. PhD em Planejamento Urbano e Regional. Professora Associada da Universidade de Brasí-lia: Instituto de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Laboratório de Análi-ses Territoriais e Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais. Brasília/DF, [email protected]
Lúcia Cony Faria Cidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013190
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Texto recebido em 4/nov/2010Texto aprovado em 15/dez/2010
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental: impasses e perspectivas
na área de infl uência do Rodoanelem São Bernardo do Campo, SP
Urban space, circulation and environmental preservation:impasses and perspectives in the area of infl uence
of the Beltway in São Bernardo do Campo, SP
Carolina Bracco Delgado de AguilarAngélica Tanus Benatti Alvim
ResumoEste artigo trata do processo de produção do es-
paço urbano e transformação da paisagem, por
meio da atuação de diversos atores, particular-
mente o Estado e o mercado imobiliário. Com base
na análise da relação entre as redes de circulação
e transporte, meio ambiente e uso e ocupação do
solo, discute-se a lógica da produção do espaço
urbano ao longo do Trecho Sul do Rodoanel Mário
Covas na bacia Billings, especifi camente no trecho
que corta o município de São Bernardo do Campo,
Região Metropolitana de São Paulo.
Palavras-chave: produção do espaço urbano;
transformação da paisagem; Rodoanel Mário Co-
vas; represa Billings; São Bernardo do Campo.
AbstractThis article analyzes the process of production of urban space and the transformation of the landscape, resulting from (re) production of urban space through the performance of various actors, particularly the state and the real state market. Based on the analysis of the relationship between the networks of circulation and transport, use and occupation of land and environment we discuss the logic of the production of urban space around of the South of Rodoanel Mario Covas, in São Bernardo do Campo municipality, São Paulo Metropolitan Area.
Keywords: production of urban space; landscape’s transformation; Rodoanel Mário Covas; Billings Watershed; São Bernardo do Campo.
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013194
Introducão
Este artigo1 trata do processo de produção do
espaço urbano e transformação da paisagem,
por meio da atuação de diversos atores, parti-
cularmente o Estado e o mercado imobiliário.
Com base na análise da relação entre
as redes de circulação e transporte (pessoas e
mercadorias), meio ambiente e uso e ocupa-
ção do solo, pretende-se discutir a lógica da
produção e reprodução do espaço urbano, as
intenções e os conflitos entre os atores que o
produzem, bem como identificar as recentes
transformações da paisagem.
O objeto de estudo é o Trecho Sul do Ro-
doanel, inserido na Área de Proteção e Recupe-
ração dos Mananciais Billings, particularmente
o Lote 2, trecho de 6.9 km de extensão, que
interliga as rodovias Anchieta e Imigrantes, no
município de São Bernardo do Campo. Busca-
-se analisar a (re)produção do espaço urbano,
os impactos ambientais e consequente a trans-
formação da paisagem, processos que ocorrem
por meio da atuação de diversos atores, parti-
cularmente o Estado (representado pelos pode-
res públicos estadual e municipal), o mercado
imobiliário e a sociedade civil.
Nos últimos anos, diversos especialistas
e estudiosos (Harvey, 2005; Lefebvre, 1999 e
2008; Gottdiener, 1993; Villaça, 2001; San-
tos, 2008; Costa, 2006) vêm aprofundando a
discussão sobre produção do espaço urbano e
transformação da paisagem. Na abordagem da
produção do espaço urbano, o sistema de cir-
culação é um elemento estruturante do espa-
ço, pois, ao proporcionar acessibilidade, gera
novas localidades e, ao mesmo tempo, trans-
forma a paisagem.
No caso específico da Região Metropo-
litana de São Paulo (RMSP), historicamente,
a implantação de um sistema de circula-
ção compostos por ferrovias e rodovias, li-
gando São Paulo ao interior do Estado, ao
litoral (porto) e outras regiões do país, foi
determinante para conformar sua centrali-
dade e importância nacional. No entanto, o
mesmo sistema de circula ção, quando priori-
zou o modo de transportes sobre pneus, foi
responsável pela expansão da sua mancha
urba na, em direção às áreas frágeis à ocupa-
ção urbana, principalmente aquelas que
abrigam impor tan tes mananciais e áreas de
pre ser vação ambientais.
O recente processo de implantação do
Rodoanel Mário Covas, via perimetral expressa
que visa equacionar a crescente crise na circula-
ção metropolitana, tem sido objeto de polêmi-
cas, visto que dois dos seus quatro trechos, es-
pecificamente os trechos Sul e Norte (esse ainda
em projeto), atravessam importantes áreas de
preservação ambiental que abrigam importan-
tes reservatórios de água para abastecimento
público: as represas Guarapiranga e Billings e a
Serra da Cantareira, respectivamente.
São Bernardo do Campo (SBC), município
localizado na sub-bacia do reservatório Billings,
região sudeste da metrópole, possui uma situa-
ção peculiar nesse contexto: as duas ligações
viárias mais importantes do novo empreendi-
mento – alças de acesso às rodovias Imigran-
tes e Anchieta – localizam-se em seu território,
proporcionando uma nova acessibilidade intra-
-urbana e metropolitana.
Desde o início da construção do trecho
que corta o município – Lote 2 do Trecho Sul
do Rodoanel – em 2006, o governo municipal
passou a implementar um conjunto de obras
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013 195
de duplicação e repavimentação de estradas
que se interligam à alça de acesso do Rodoa-
nel com a Rodovia dos Imigrantes, previstas no
Programa de Transporte Urbano (PTU) de 2002,
programa destinado à melhoria da infraestru-
tura urbana de circulação. Ao mesmo tempo,
definiu, no Plano Diretor de 2006, zonas em-
presariais nessa região buscando atrair empre-
endimentos de uso industrial e de serviços lo-
gísticos, para além da ocupação de baixa renda
e de assentamentos precários já existentes nas
áreas de mananciais.
A recente instituição da nova lei de pro-
teção e recuperação dos mananciais – Lei Es-
pecífica da Billings, n. 13.579 / 2009, ao mesmo
tempo que incorpora o Rodoanel como área
de intervenção, definindo diretrizes que bus-
cam orientar o uso e a ocupação desse espaço,
exige do poder público municipal a adequação
dos instrumentos urbanísticos locais (Plano Di-
retor e demais instrumentos de uso e ocupação
do solo) e define instrumentos que possibilitam
intervir e regularizar os assentamentos precá-
rios existentes.
Além da melhoria de acessibilidade e cir-
culação, a conexão do Rodoanel com as rodo-
vias Anchieta e Imigrantes, associada à presen-
ça dos mananciais da sub-bacia hidrográfica
Billings, e dos investimentos em infraestrutura
por parte do poder local na área de influência,
indica um conjunto de conflitos e de interesses
em relação à dinâmica urbana e imobiliária do
município, e ao mesmo tempo contribui para
exacerbar a segregação socioespacial da popu-
lação de baixa renda que ali habita.
A partir da compreensão dos proces-
sos reais em curso, na área de influência do
Trecho Sul do Rodoanel, no município de São
Bernardo do Campo, busca-se com este arti-
go contribuir para explicitar os impasses e as
perspectivas que se colocam sobre a produ-
ção do espaço urbano e, consequentemente,
transformação da paisagem que ocorrem em
áreas preservadas.
Produção do espaço urbano e transformação da paisagem
A produção do espaço urbano é um processo
social que envolve a participação de diversos
atores da sociedade, entre eles, o Estado, os
empresários, os construtores e os proprietários
fundiários. Para Gottdiener (1993), o espaço é
entendido como produto social – organizado e
estruturado, que ajuda a recriar ou reproduzir
as relações sociais que o geraram.
Paisagem é a expressão formal da pro-
dução do espaço urbano, constantemente
transformada de acordo com a dinâmica e os
interesses dos atores que produzem o espaço
urbano. Assim, espaço e paisagem têm rela-
ções entrelaçadas, pois ao mesmo tempo que
o espaço é produzido, a paisagem é transfor-
mada. Isso pode ser observado na transição
de um espaço periurbano, com uma paisagem
ainda “natural”, para um espaço urbano, com
a paisagem transformada e apropriada pelo
novo processo de produção socioeconômica
que ali se instala (Aguilar, 2010).
A compreensão adequada dessas ques-
tões requer a análise da relação espaço/tempo,
e paisagem/natureza, considerando-se a mu-
tabilidade da percepção desses termos, como
explica Leite (2006, pp. 13-14):
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
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[...] a percepção do tempo e da natureza muda com a evolução cultural, o que exi-ge a procura de novas formas de organi-zação do território que melhor expressem o universo contemporâneo, formas que capturem o conhecimento, as crenças, os propósitos e os valores da sociedade [...]. [A] natureza e a cultura juntas, como processos interagentes, conferem forma e individualidade aos lugares. Os ritmos de produção, transporte e consumo, por exemplo, interagem com os ritmos climá-tico, hidrológico e biológico para moldar uma paisagem cujos padrões de produção e utilização variam de acordo com o con-texto específico da sociedade.
Para Carlos (1994), a paisagem urbana é
a manifestação formal do processo de produ-
ção do espaço urbano. É produzida e justifica-
da pelo trabalho, considerado como atividade
transformadora do homem social, fruto de de-
terminado momento de desenvolvimento das
forças produtivas.
Sendo o espaço o suporte das relações
sociais e das funções ecológicas, a relação
entre o aspecto simbólico da paisagem e a es-
colha do modelo de desenvolvimento urbano
interfere no processo de ordenamento do es-
paço urbano e da paisagem, como cenário físi-
co, estético e emocional em que se processa a
atividade humana como explicado por Saraiva
(1999, p. 17). Ou seja, o modelo de desenvolvi-
mento adotado e a forma como a sociedade se
comporta interferem na produção do espaço,
ao mesmo tempo em que sofrem interferência
dessa mesma produção de espaço, transfor-
mando a paisagem.
Relacionando espaço e paisagem, Mil-
ton Santos (2008) afirma que paisagem é a
configuração geográfica ao alcance do olhar,
enquanto espaço é a soma da sociedade e da
paisagem, sempre mudando de configuração
na medida da movimentação do social.
Uma vez que o espaço é o produto so-
cial, ou “expressão da sociedade” (Castells,
1999, p. 499), a produção do espaço pela
sociedade capitalista resulta em espaços de
contradições, representando na paisagem as
desigualdades sociais e as disputas pela apro-
priação do espaço.
A paisagem urbana contemporânea é o
resultado do modelo econômico globalizado,
da ambiguidade e dissolução das relações so-
ciais e da fragmentação do território, interli-
gado e ao mesmo tempo dividido pelas redes
de fluxo e comunicação, tanto físicas quanto
virtuais. O cenário da paisagem urbana pode
ser apreendido pela descrição da lavra, que
Bauman extrai de Schmitt (apud Bauman,
2003, p. 119):
Virtualmente todas as cidades do mundo começam a apresentar espaços e zonas poderosamente conectadas a outros es-paços ‘valorizados’, cruzando a paisagem urbana e as distâncias nacionais, interna-cionais e até mesmo globais. Ao mesmo tempo, porém, muitas vezes há em tais lugares um palpável e crescente senso de desconexão local em relação a áreas e pessoas fisicamente próximas, mas social e economicamente distantes.
De um modo geral, a produção do espaço
urbano resulta na transformação da paisagem,
comumente apropriada por aqueles que podem
comprá-la, num processo de “enobrecimento”2
do espaço, enquanto a população de baixa
renda participa da produção social do espaço,
em geral, por meio da apropriação irregular de
áreas não propícias à ocupação urbana.
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013 197
Assim, a produção social do espaço ma-
terializa os interesses dos agentes dominantes
da sociedade capitalista, tendo como resul-
tado a transformação da paisagem, compro-
metendo assim a construção da cidade como
prática social.
Atores que (re)produzem o espaço urbano e transformam a paisagem
O crescimento dos centros urbanos faz o espa-
ço natural ser consumido, produzindo o espaço
urbano. A ocupação do solo torna os espaços
remanescentes disputados e cada vez mais ra-
ros, principalmente em locais onde há interesse
de investimentos públicos, em infraestrutura,
aliados ao capital privado. A partir da valoriza-
ção, pelo capitalismo, dos espaços livres, Mar-
tins classifica o próprio espaço como uma nova
raridade (2008, p. 9):
[...] mobilizado pela valorização capita-lista, o espaço passou a integrar as no-vas raridades. Se outrora o pão, os meios de subsistência eram raros, “agora, não em todos os países, mas virtualmente à escala planetária, há uma produção abundante desses bens; não obstante as novas raridades, em torno das quais há luta intensa, emergem: a água, o ar, a luz e o espaço”.
Dessa forma, “o espaço inteiro torna-se
o lugar da reprodução das relações de produ-
ção”. Diante do conceito de espaço como a
soma da paisagem e da sociedade, “toda so-
ciedade produz ‘seu’ espaço, ou, caso seja pre-
ferível, toda sociedade produz ‘um’ espaço”
(Lefebvre, 2008, p. 55).
A forma como a sociedade é organizada
determina como os grupos dominantes dentro
da mesma interferem nessa produção. Entre-
tanto, o próprio conceito de produção precisa
ser especificado, porque interfere no significado
da expressão “produção do espaço” (Lefebvre,
ibid., pp. 53-55). Produzir, ensina o citado autor,
deve-se entender em sentido amplo, para além
da mera produção de objetos e materiais tro-
cáveis, mas englobando a produção de conhe-
cimentos, obras, alegria e prazer; em resumo,
a produção tanto intelectual (mental), quanto
material (física).
A produção, do espaço, aparentemente
desarticulada, dominada (pela técnica e pe-
las normas), depende de interesses diversos e
de grupos distintos, que encontram no Estado
uma unidade. Essa produção depende de uma
encomenda e de uma demanda, muitas vezes
com a predominância (mesmo que oculta) de
alguns desses interesses. Não sendo o espaço
nem neutro nem inocente, uma das forças po-
líticas responsáveis pela falta de neutralidade
do espaço é o Estado: “aparelho que organiza
o espaço geográfico de modo a exercer seu po-
der sobre os homens” (Lipietz, 1988, p. 150).
Dentre os que intervêm no espaço, en-
contram-se proprietários fundiários, promoto-
res imobiliários, poderes públicos, coletividades
locais, bancos e organismos de crédito, arquite-
tos, etc. A divisão do trabalho entre tais atores,
separando suas atividades e papéis, mascara
a articulação entre eles a ponto de o espaço
ser produzido e a paisagem ser transformada
em pontos do território onde há concentração
de interesses comuns aos mesmos (Lefebvre,
1999, p. 119).
O papel do Estado é fundamental para
a produção do espaço urbano e na ação de
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013198
fazer convergir os interesses conflitantes dos
grupos de poder, aos seus próprios interesses.
Lipietz ao tratar do espaço do capital, na mes-
ma linha de entendimento de Lefebvre, afirma
que “à medida que o Estado se apresenta co-
mo ‘comunidade ilusória’ que funciona como
ditadura de uma classe, o espaço que ele do-
mina e organiza é o espaço do poder desta
classe (ou coalisão de classes)” (Lipietz, 1988,
p. 150).
As formas de atuação de cada um dos
atores da produção do espaço urbano são
apontadas por Sposito (2006), que relaciona:
proprietários dos meios de produção, proprie-
tários fundiários, promotores imobiliários, o Es-
tado e grupos sociais excluídos. Para esse autor,
os proprietários dos meios de produção, “per-
sonificados pelos donos de grandes indústrias
e empresas comerciais”, pela conformação de
suas atividades, estabelecem dimensões de
ocupação na cidade e grande capacidade de
consumo do espaço urbano. Já os proprietários
fundiários têm o objetivo de extrair de forma
ampliada a renda fundiária de suas proprieda-
des,3 buscando mais o valor de troca do que o
valor de uso (ibid., p. 24).
O Estado tem o papel complexo de ge-
renciar os conflitos de interesses dos mem-
bros da sociedade de classes, dentre os quais
se encontram os grupos sociais incluídos e os
excluídos. Para Sposito (ibid.), o Estado atua
de forma complexa entre os “conflitos de in-
teresses dos diferentes membros da sociedade
de classes, bem como pelas alianças entre eles,
tornando viável a existência simultânea de in-
teresses distintos de vários agentes produtores
e consumidores do espaço urbano” [...]
Bógus (1988) reforça que deve ser consi-
derada também a importância da intervenção
estatal no meio urbano através da legislação
urbanística, uma vez que as leis de uso e
ocupa ção do solo, por meio dos parâmetros ur-
banísticos, condicionam as taxas de lucro obti-
das em cada fragmento do território.
O espaço urbano, segundo Carlos (1999,
p. 83) “se produz na contradição entre os inte-
resses do poder político, dos empreendedores
imobiliários e dos empresários, de um lado, e
do cidadão, do outro”. Bógus (1988) aponta
que o cidadão é o usuário final, um dos atores
da produção do espaço urbano.
Contribuindo para discussão, essa autora
esclarece que:
A determinação do valor de uso, do valor de troca e da renda a ser auferida pelo proprietário da terra dependerá dos di-versos atores e grupos sociais, atuantes no mercado imobiliário, seja como pro-dutores de imóveis (empreiteiros, incor-poradores, instituições governamentais ligadas à produção de habitações), seja como intermediários (corretores de imó-veis) ou consumidores (os usuários) . (Ibid., p. 21)
A figura, a seguir, sintetiza os princi-
pais atores que produzem o espaço urbano. O
Estado, representa as diversas esferas de go-
verno – federal, estadual e municipal – envol-
vidas na produção do espaço por meio da for-
mulação/instituição das políticas públicas que
transformam e/ou valorizam o espaço urbano.
Proprietários fundiários, empreendedores,
construtores/incorporadores e financiadores,
cada qual atuando na cadeia de transforma-
ção da paisagem por meio da viabilização das
condições técnico-financeiras da produção
do espaço urbano. Coletividades locais agre-
gam a participação dos diferentes grupos da
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
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sociedade civil e classes sociais que atuam
de forma organizada ou não na produção do
espaço urbano. Já o usuário final, representa
o(s) indivíduo(s) impactados pela produção
do espaço urbano, podendo inferir demandas
na paisagem transformada e/ou busca (resul-
tante da oferta ou da exclusão) de novas op-
ções de paisagem.
Para fomentar o interesse dos atores da
produção do espaço urbano, a questão da locali-
zação é fator fundamental de atratividade, princi-
palmente para os empreendimentos imobiliários,
sendo o sistema de circulação (vias e transportes)
essencial à produção de localidades, produção e
reprodução do espaço urbano e alteração da pai-
sagem, como veremos no caso do Rodoanel.
Figura 1 – Produção social do espaço urbano: principais atores
Fonte: Aguilar (2010, p. 37).
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013200
Sistema de circulação, produção de localidades e segregação socioespacial
Há uma diferença fundamental entre lugar e lo-
calização. Para Milton Santos (2008, pp. 21-23),
o lugar pode ser o mesmo, mas as localizações
mudam: “[...] o lugar é o objeto ou conjunto de
objetos. A localização é um feixe de forças so-
ciais se exercendo em um lugar”. Nas palavras
do geógrafo:
Cada localização é, pois, um momento do imenso movimento do mundo, apreendido em um ponto geográfico, um lugar. Por is-so mesmo, cada lugar está sempre mudan-do de significação, graças ao movimento social: a cada instante as frações da socie-dade que lhe cabem não são as mesmas.
Castells (1999, p. 223) acresce que a lo-
calização é um valor que se manifesta no valor
da terra urbana, definida pela “capacidade que
determinado ponto do território oferece, de
relacionar-se através de deslocamentos espa-
ciais, com todos os demais pontos da cidade”.
A terra em si não tem valor, mas a terra como
localização, sim. Sendo a produção do espaço
urbano considerada como produção da locali-
zação, um dos investimentos mais disputados
entre as classes sociais é o sistema de circula-
ção (vias e meios de transporte), pela sua ca-
pacidade de ligar uma localização a outra e de
diminuir o tempo de deslocamento. Portanto, a
infraestrutura de transporte é um tipo especí-
fico de dominação que determina a produção
do espaço urbano. O principal ator na produ-
ção da mais-valia do transporte é o Estado, um
dos agentes responsáveis pela implantação das
vias como obra pública.
Para Villaça (1999), um dos elementos
determinantes para a estruturação e produção
do espaço urbano e consequente modificação
da paisagem são os sistemas de circula-
ção, de transporte e de comunicação, que
transformam determinados pontos do territó-
rio – pela sua capacidade de deslocamento e
comunicação, integrando produtos e consu-
midores em “localizações urbanas”. O autor
afirma que a “localização urbana” é determi-
nada por dois atributos: rede de infraestrutura
(vias, redes de água, esgotos, pavimentação,
energia, etc.); e, possibilidades de transporte
de produtos de um ponto para outro, de des-
locamento de pessoas e de comunicação.
A acessibilidade é preponderante em
relação à presença de infraestrutura, sendo
essa “o valor de uso mais importante para a
terra urbana, embora toda e qualquer terra o
tenha em maior ou menor grau” (Villaça, 2001,
p. 74). Esse autor enfatiza que a acessibilidade
é proporcionada pela implantação das redes
de circulação e transporte, entre elas, as vias
regionais, constituindo um elemento determi-
nante na expansão urbana.
Em áreas protegidas, a implementação
das redes de circulação e transporte provoca
transformações significativas e conflitantes.
Em alguns casos, o simples fato de uma deter-
minada área preservada adquirir acessibilidade
poderá atrair formas irregulares de ocupação
urbana que, na maioria das vezes, o Estado
não consegue controlar. Por outro lado, de for-
ma conivente com o próprio Estado e, muitas
vezes, até imperceptível para a sociedade, tal
acessibilidade provoca significativas alterações
no valor da terra que, quando associada às be-
lezas da paisagem preservada, geram um va-
lor agregado a ser incorporado pelo mercado
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imobiliário, resultando em importantes trans-
formações no espaço.
Para Harvey (2005), as relações de
transporte, a integração espacial e a anulação
do espaço pelo tempo referem-se, portanto, à
produção do valor e à dinâmica da acumula-
ção. Admitindo-se que a circulação do capital
gera valor, a constante mudança de localiza-
ção (incentivada principalmente pela indústria
do transporte e comunicação) faz aumentar a
mais-valia decorrente da circulação do capital.
Como o capitalismo visa a eliminar as barrei-
ras espaciais, por meio da compressão do tem-
po, são produzidos espaços fixos, subsidiados
pela construção de infraestruturas físicas fixas,
para facilitar os deslocamentos de pessoas e
mercadorias, e dar suporte a atividades de
produção, de troca, de distribuição e de con-
sumo, como será visto por meio do objeto de
estudo: o espaço urbano ao redor do lote 2 do
Trecho Sul do Rodoanel, em São Bernardo do
Campo (SBC), na Região Metropolitana de São
Paulo (RMSP).
O transporte é ao mesmo tempo pro-
duzido e consumido no momento do seu uso
(Harvey, 2005). Ele impacta a matéria-prima e
o produto final, pois, quanto menor o tempo do
transporte, mais rápida é a entrega da merca-
doria e menor é seu custo final; por outro lado,
quanto maior o tempo de transporte, menor
é a velocidade de circulação e mais caro é o
preço final da mercadoria. Assim, a diminuição
do custo da circulação e transporte do produto
aumenta a acumulação do capital. Ao mesmo
tempo, a melhoria do sistema de circulação e
transporte propicia a redução do espaço pelo
tempo e a expansão geográfica do capital.
Sendo o tempo de giro do capital igual
à soma do tempo de produção, mais o tempo
da circulação, para a acumulação ser mais efi-
ciente é preciso aumentar a velocidade de cir-
culação do capital. Isso torna o fator distância
menos importante do que o fator velocidade.
O transporte serve para anular o espaço pelo
tempo; daí a importância e a vantagem da
aglomeração em centros urbanos. O esforço de
criar novas oportunidades para a acumulação
de capital envolve tanto a expansão quanto a
concentração geográficas, colocando em ques-
tão a relação entre centro e periferia. A expan-
são geográfica possui forças para criar novas
oportunidades e para a acumulação do capital.
Já a concentração geográfica propicia a inova-
ção tecnológica. Harvey explica isso a seguir,
enfatizando Marx (1972, p. 288, apud Harvey,
2005, p. 53):
Em geral, parece que o imperativo da acumulação produz concentração da produção e do capital, criando, ao mes-mo tempo, uma ampliação do mercado para realização. Em conseqüência, os ‘fluxos no espaço’ crescem de modo no-tável, enquanto os ‘mercados se expan-dem espacialmente, e a periferia em re-lação ao centro [...] fica circunscrita por um raio constantemente em expansão’. (Grafia original)
De acordo com Villaça (1999), o Estado é
o responsável pela localização de equipamen-
tos e infraestrutura urbana e pela regulação do
uso e ocupação do solo, enquanto o mercado
imobiliário é responsável pela produção de
novas localidades. A localização é um atributo
fundamental para o solo urbanizado, e pas-
sa a fazer parte do processo imobiliário. Daí
a importância da presença de infraestrutura.
Em relação ao vínculo do bem imobiliário com
o lugar e sua dependência da infraestrutura,
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principalmente da rede de circulação e trans-
porte, Castro (2006, p. 23) enfatiza que:
O preço da propriedade imobiliária man-tém uma relação direta com a sua loca-lização em função do acesso e da apro-priação dos benefícios públicos que essa localização propicia. A concorrência pela melhor localização por parte dos indiví-duos e firmas é, segundo as abordagens neoclássicas da economia urbana, o prin-cipal fator responsável pela formação dos preços dos terrenos.
Para Lipietz (1988, p. 122), a considera-
ção dos custos de transporte provoca “econo-
mias de aglomeração”. Esse autor enfatiza que,
uma vez efetuada a escolha de sua localização
por uma empresa (e a escolha que se segue por
parte das empresas levadas a tratar com ela),
não se pode mais conceber uma modificação
“sem custos” da localização, a menos que se
suponha que todas as empresas combinem
mudar ao mesmo tempo. Além do atributo lo-
calização, Gottdiener (1985, p. 127) indica o
outro atributo que define o valor do espaço: a
superfície. Nas palavras desse autor:
O espaço não pode ser reduzido apenas a uma localização ou às relações sociais da posse de propriedades – ele represen-ta uma multiplicidade de preocupações sociomateriais. O espaço é uma locali-zação física, uma peça de bem imóvel, e ao mesmo tempo uma liberdade existen-cial e uma expressão mental. O espaço é ao mesmo tempo o local geográfico da ação e a possibilidade social de engajar--se na ação. É ao mesmo tempo um meio de produção como terra e parte das forças sociais de produção como espaço. Como propriedade, as relações sociais podem ser consideradas parte das relações sociais de produção, isto é, a base econômica.
Lipietz (1988, p. 124), ao observar o es-
paço como superfície, destaca que é um bem
que tem um preço: preço do solo ou renda
fundiária, que pode ser chamado de tributo
fundiá rio, para “designar o fato de que este
preço mais tem a ver com uma taxa do que
com o valor da mercadoria”. Assim, a forma
como essa superfície é apropriada é funda-
mental para determinar o valor desse solo,
dessa localidade. Ou seja, o preço do solo está
diretamente ligado ao grau de localidade de
um determinado lugar e também aos usos im-
plantados em sua superfície.
Lefebvre (2008, p. 51), reportando-se
ao capítulo final de O Capital, de Marx, inti-
tulado “A fórmula trinitária”, aponta a análise
das relações de produção da sociedade segun-
do três elementos: 1) o capital e o lucro do
empreendedor (burguesia); 2) a propriedade
do solo e as rendas múltiplas: do subsolo, da
água, do solo edificado, etc.; 3) o trabalho e o
salário destinado à classe operária. Essa “clas-
sificação” implica uma aparente e intencional
separação, induzindo a interpretação de que
cada grupo recebe parte do “rendimento”
global da sociedade.
É a ilusão da separação numa unidade, a da dominação, do poder econômico e político da burguesia [...] os elementos que aparecem separados aparecem como fontes distintas da riqueza e da produção, ao passo que é somente sua ação comum que produz a riqueza.
Buscando articular renda e localização,
Lipietz (1988) analisa o custo dos transportes
somado ao custo do solo, valendo-se do pensa-
mento de Alonso (1964, apud Lipietz, p. 125):
“A teoria da renda trata da competição pelo
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uso do espaço e a teoria da localização não
[...]”. Em outros termos, trata-se de ver, no
solo localizado, um bem raro e, seu preço, um
indicador fornecido pelo mercado: “A renda
desempenharia, então, o papel de uma lei do
valor do espaço”. Indo além, Bógus observa
que a formação da renda não se dá a partir da
construção em si, mas do uso do solo viabili-
zado para as atividades urbanas (1988, p. 20):
Pode parecer numa primeira aproxima-ção que o capital aplicado na construção civil – cujo resultado é a produção de casas e edifícios – é que permite a for-mação de rendas. Entretanto deve-se lembrar que a construção de edificações apenas viabiliza o uso do solo para as atividades urbanas de produção, distri-buição, consumo e reprodução, inclusive da força de trabalho. Assim, não é a área construída, em si, a base para a forma-ção da renda. Essa base é dada pelo ter-reno e pela sua localização no tecido ur-bano, sendo seu preço e seus usos esta-belecidos pelos mecanismos de mercado.
Essa autora aponta que o capital incorpo-
rador gera a segregação social no espaço. Nes-
se sentido, é importante destacar que a valori-
zação de certas áreas decorre não da produção
de moradias em si, mas das alterações do uso
do solo urbano, resultantes da atuação desse
capital, possibilitando a criação ou ampliação
de rendas diferenciais (Lipietz, 1988, p. 30).
A segregação espacial das classes so-
ciais, de acordo com Villaça (1999), entendida
como a localização predominante das altas
camadas sociais em determinada parcela do
espaço urbano, é produzida a partir da dispu-
ta pela apropriação das vantagens do espaço,
como pela implantação de infraestrutura de
transporte. Daí resulta parte das contradições
do espaço, ligadas diretamente às discrepân-
cias de investimentos públicos em áreas dife-
rentes do território, que por sua vez atraem em
maior intensidade o investimento privado, pro-
duzindo espaços de contradição. Nas palavras
de Carlos (1999, p. 81):
[...] o processo de apropriação privada do espaço produz uma hierarquia espacial coerente com uma hierarquia social, na qual indivíduos, subordinados à divisão do trabalho, hierarquizados socialmente, apropriam-se de forma diferenciada da cidade, e dado que o processo de apro-priação é mediado pelo mercado, imposto pela propriedade privada do solo urbano. Esse fato é percebido de forma clara e evidente nos usos da cidade, perceptíveis na paisagem urbana marcada por diver-sas formas de segregação.
Pode-se afirmar que a segregação social
urbana, recriada nos diferentes momentos de
expansão da cidade, é um processo que or-
ganiza o espaço em zonas com alto grau de
homogeneidade social interna e com grandes
disparidades externas, de umas em relação às
outras, tanto por características distintas como
em hierarquia (Bógus, 1988, p. 37). Por fim,
Carlos, ao tratar dos conflitos e interesses en-
tre os diversos atores da produção do espaço
urbano e da transformação da cidade, de va-
lor de uso para valor de troca, afirma Carlos
(1999, p. 81):
O uso não se dá sem conflitos na medida em que os interesses/necessidades são contrapostos, contraditórios. De um lado os interesses do Estado e dos empresá-rios (muitas vezes coincidentes); de outro, a população. Enquanto os primeiros têm por objetivo a valorização e o poder, a po-pulação anseia por condições de vida em
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dimensão plena. (...) Tal perspectiva en-volve pensar o sentido da apropriação e do uso dos lugares da metrópole. Envolve pensar o processo que transforma, cons-tantemente, a cidade, de valor de uso em valor de troca.
A transformação da paisagem urbana
que se expressa de forma complexa a partir
de interações e deslocamentos múltiplos é um
fator decisivo para compreender a necessidade
de novas estruturas de circulação na metrópo-
le, tais como o Rodoanel. Esse novo sistema
de circulação e transporte busca otimizar flu-
xos econômicos, com o objetivo de atender às
necessidades de uma logística de circulação e
distribuição capaz de suprir as redes de consu-
mo e produção, evitando que veículos pesados
adentrem o espaço intraurbano da metrópole,
e ao mesmo tempo impacta um território frag-
mentado e ambientalmente frágil.
Rodoanel Mário Covas: características e polêmicas
Tendo como propósito analisar o processo de
produção do espaço urbano e a transformação
da paisagem a partir da implantação de uma
obra viária de caráter regional que atravessa
áreas protegidas, a pesquisa que dá origem
a este artigo elegeu como objeto de estudo o
Rodoanel Mário Covas, em seu trecho sul, par-
ticularmente o Lote 2, porção que atravessa a
área de proteção dos mananciais da sub-bacia
Billings no município de São Bernardo do Cam-
po e interliga as rodovias Anchieta e Imigran-
tes. Os procedimentos metodológicos definidos
para essa etapa desenvolveram-se em fases
interligadas, sintetizadas a seguir: 1) pesquisa
documental; 2) levantamento de campo asso-
ciado a entrevistas qualitativas com técnicos
estaduais, municipais e sociedade civil; 3) aná-
lise dos resultados à luz do quadro conceitual
construído, por meio de produção de mapas e
dados comparativos a fim de compreender a
ocupação e o processo de transformação da
área de estudo.4
O Rodoanel Mário Covas da RMSP con-
siste em ligação perimetral projetada com o
objetivo de articular o sistema rodoviário regio-
nal que liga São Paulo a diversas localidades
do Estado e do país, evitando a circulação de
veículos de carga e de passagem no espaço ur-
bano da metrópole.
A RMSP, desde o início do século XX, atrai
fluxos provenientes do interior do território es-
tadual e de outras regiões do país em direção
ao porto de Santos. A implantação das ferro-
vias e de importantes rodovias radiais para fa-
cilitar o deslocamento entre interior-metrópole
e metrópole-porto contribuiu, dentre outros fa-
tores, para a expansão da ocupação urbana da
metrópole, gerando impactos ambientais em
suas áreas impróprias à urbanização e aumen-
tando ainda mais a necessidade de transporte
de pessoas e de mercadorias.
Estudos sobre um grande anel viário cir-
cundando a metrópole paulista surgiram com
o aumento da frota automobilística a partir
da segunda metade do século XX. Em 1952,
foi feito um primeiro esboço que acabou dan-
do origem às Avenidas Marginais do Tietê e
Pinheiros (DERSA, 2004). Trinta anos depois,
com as marginais completamente congestio-
nadas, começou a ser construído o Mini-Anel
Viário, circundando o centro expandido a partir
da Marginal Tietê, Marginal Pinheiros, Av. dos
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Bandeirantes, Av. Affonso Taunay, Complexo
Viário Maria Maluf, Av. Tancredo Neves, Av.
das Juntas Provisórias, Av. Prof Luís Inácio de
Anhaia Melo, Av. Salim Farah Maluf e concebi-
do o Anel Metropolitano.
Em 1987, traçou-se nova proposta de in-
terligação viária das rodovias radiais da metró-
pole: a Via Perimetral Metropolitana. Nessa, o
Trecho Norte passaria por trás da Serra da Can-
tareira. No entanto, a distância do Trecho Norte
em relação à metrópole, tendo como barreira
física a Serra da Cantareira, contribuiu para in-
viabilizar também essa proposta.
O projeto é retomado pela Empresa de
Desenvolvimento Rodoviário S.A. – Dersa, em
1995, que apresentou o Trecho Norte modifica-
do, mais próximo da mancha urbana, intercep-
tando a Serra da Cantareira. Em 1997, ocorre a
decisão política de implantação do empreendi-
mento acordada pelas três esferas de governo:
Prefeitura Municipal de São Paulo, Estado de
São Paulo e União.
A proposta apresentada pela Dersa é o
Rodoanel, uma rodovia classificada como clas-
se “0”, com acesso restrito, que contornará a
RMSP num distanciamento de 20 a 40 km do
centro do município. Sua extensão total será de
170 km, interligando os dez grandes eixos ro-
doviários de acesso à metrópole: Régis Bitten-
court (acesso ao Vale do Ribeira e sul do país);
Raposo Tavares; Castello Branco; Anhanguera;
Bandeirantes (acesso a todo o interior do Esta-
do de São Paulo e ao centro-oeste do país); Fer-
não Dias (acesso a Minas Gerais); Presidente
Dutra; Ayrton Senna (acesso ao Vale do Paraíba
e Rio de Janeiro); Anchieta e Imigrantes (acesso
ao Porto de Santos e cidades litorâneas).
Devido ao porte e custo do empreen-
dimento, comparado apenas à implantação
dos reservatórios destinados à geração de
energia elétrica e abastecimento público, foi
criado o Programa Rodoanel, com a divisão
da construção em quatro trechos, que seriam
implantados no decorrer de 15 anos, a saber:
Trecho Oeste, com 32 km (em operação des-
de 2002); Trecho Sul, com 53 km (em opera-
ção desde 2010); Trecho Leste, com 40 km
(em construção); Trecho Norte, com 48 km
(em licenciamento).
Segundo a Dersa (2004), simulações so-
bre o tráfego previsto para o Rodoanel tendo
como horizonte 2020 indicou que os maiores
carregamentos estariam no Trecho Oeste (180
mil veículos/dia), seguidos dos Trechos Sul (147
mil veículos/dia), Leste (113 mil veículos/dia) e
Norte (95 mil veículos/dia).
Por um lado, o Rodoanel foi apresentado
pelo Estado como uma obra rodoviária primor-
dial para a RMSP, cuja função é conectar as ro-
dovias radiais que chegam à metrópole e fun-
cionar como elemento estruturador do tráfego
interno da metrópole. Por outro, as restrições
ambientais dos Trechos Sul (mananciais) e Nor-
te (Serra da Cantareira) acabaram resultando
em conflitos que ao longo do tempo dificultam
sua construção.
A decisão de implantar inicialmente o
Trecho Oeste foi estratégica para indicar a ne-
cessidade da via na RMSP. Tal decisão contribui,
no entanto, para reforçar o quadrante sudoeste
da capital paulista, que, de acordo com Villaça
(1999), é privilegiado historicamente pelo Es-
tado, que, desde o inicio do século, concentra
nessa região investimentos em infraestrutura,
principalmente vias de circulação e transporte,
contribuindo ainda mais para o processo de va-
lorização desse espaço urbano em relação ao
restante da metrópole.
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013206
A finalização do Trecho Oeste em 2002 e
o aumento contínuo da frota de veículos parti-
culares da RMSP fizeram com que a atenção do
Estado se voltasse para a construção do Trecho
Sul, que conectado ao trecho já construído dimi-
nuiria o tráfego de passagem em vias internas
importantes da cidade, particularmente a Av.
dos Bandeirantes e Marginal do rio Pinheiros.
O Trecho Sul, associado ao Trecho Oeste,
foi construído para facilitar o escoamento de
cargas e canalizar os fluxos originários do inte-
rior do Estado de São Paulo e do Brasil Central
em direção ao Porto de Santos, sem a neces-
sidade de utilizar o sistema viário urbano do
município de São Paulo.
O Trecho Sul atravessa os municípios de
Embu, Itapecerica da Serra, São Paulo, São Ber-
nardo do Campo, Santo André, Ribeirão Pires, e
interligando com o Trecho Oeste, a partir da Ro-
dovia Régis Bittencourt, às rodovias Anchieta e
Imigrantes e ao Município de Mauá, de onde
partirá o Trecho Leste. Ao longo desse trecho,
encontram-se os reservatórios de abasteci-
mento de água Guarapiranga e Billings, o que
contribuiu significativamente para a discussão
do Rodoanel como possível elemento indutor
da ocupação irregular em áreas de preservação
dos mananciais, ampliando a polêmica entre
acessibilidade urbana e proteção ambiental.
Durante o processo de aprovação do pro-
jeto nos setores competentes, principalmente
nas audiências públicas do Conselho Estadual
do Meio Ambiente – Consema, as polêmicas
sobre os impactos que a via geraria ao atraves-
sar as áreas protegidas foram intensas. O Esta-
do, por meio dos setores de transporte, defen-
dia que a construção do Rodoanel viabilizaria
a melhoria do tráfego na RMSP e os impactos
ambientais decorrentes seriam pequenos; os
ambientalistas, com expressiva representa-
tividade da sociedade civil e universidades,
procuravam indicar que os efeitos ambientais
e sociais advindos dos impactos da via seriam
mais perversos do que os benefícios em relação
à melhoria da mobilidade na metrópole.
No âmbito desse debate, estudos impor-
tantes foram realizados por especialistas contra-
tados pelo Estado, que defendia sua necessida-
de, e pelos ambientalistas, procurando barrá-lo.
Biderman (2005), empregando um mo-
delo matemático, realizou um estudo enco-
mendado pela Dersa (Estado) para estimar o
impacto da implantação do Rodoanel na RMSP.
O autor argumenta que, devido à obra ter um
número de acessos bastante reduzido, as zonas
de seu entorno praticamente não receberiam
vantagens diretas com sua construção, se man-
tidas as então condições do sistema viário in-
traurbano. O modelo indicou que somente em
alguns poucos trechos poderia ocorrer maior
atratividade em relação à novos usos, devido
às conectividades importantes, com destaque
para as ligações com as rodovias Imigrantes
e Anchieta, em São Bernardo do Campo (Lote
2). O autor recomendou atenção por parte das
políticas públicas municipais e estaduais ao po-
tenciais impactos naquele trecho.
Diferentemente dessa visão, Ferreira e
Smith (2005), por iniciativa do Instituto Sócio
Ambiental e da Universidade de São Paulo,
realizaram um estudo sobre os reflexos da
construção do Trecho Oeste, para efeito com-
parativo. Os autores apontam que naquela re-
gião o Rodoanel foi um elemento catalizador
de novos empreendimentos, iniciando um pro-
cesso de valorização fundiária e acarretando
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
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o aumento dos assentamentos informais, e a
implantação de uma rodovia “Classe Zero”
não seria suficiente para evitar a criação de
acessos ilegais e conter o avanço populacional
no entorno. Assim, concluíram que efeitos de
valorização imobiliária e consequente degra-
dação ambiental poderiam também ocorrer
nos mananciais sul após a construção do outro
trecho da obra.
Assim, para o Estado o Rodoanel repre-
sentaria uma solução à acessibilidade e à me-
lhoria da circulação na RMSP, não sendo con-
siderado um elemento de indução da ocupa-
ção irregular, devido às suas características
técnicas – via restrita sem passagem em nível
para liga ção com viário local e conexão à rede
regional. Para alguns especialistas e ambienta-
listas, a acessibilidade promovida pelo Trecho
Sul do Rodoanel poderia acentuar o processo
de ocupa ção da população de baixa renda, de-
gradando cada vez mais as áreas protegidas.
De qualquer forma, consideramos que
tais estudos não se excluem. Se por um lado,
a melhoria da mobilidade da metrópole é na
atua lidade fato, por outro, os impactos de de-
gradação ambiental, decorrente da acessibili-
dade que a via promove, embora menos visí-
veis, também ocorrem.
Mas o processo de produção do espaço
urbano dirigido pelo Estado em articulação
com o capital imobiliário, em áreas com maior
acessibilidade à via, são formas menos ex-
plícitas e também conflitantes que devem ser
examinadas, como veremos na área de influên-
cia do trecho que corta o município de São
Bernardo do Campo.
São Bernardo do Campo e o processo de produção do espaço urbano no Trecho Sul do Rodoanel
O município SBC, situado na microrregião do
ABC,5 sudeste da metrópole paulista, tem cer-
ca de dois terços do território situado em área
de proteção dos mananciais da represa Billings.
A área urbana concentrou-se inicialmente na
porção norte do município, ao longo da via Ca-
minho do Mar e nas proximidades da rodovia
Anchieta, construída em 1953, que atraiu gran-
des indústrias, principalmente a automobilísti-
ca, por constituir um vetor de ligação entre o
planalto paulista e o porto de Santos.
A implantação de grandes indústrias
em SBC atraiu grande fluxo migratório entre
as décadas de 1960, 1970 e 1980, acentuan-
do a ocupação desordenada do município em
direção às áreas de proteção dos mananciais.
Em 1976, São Bernardo do Campo é atraves-
sado longitudinalmente pela Rodovia dos
Imigrantes, outra importante obra rodoviária
de caráter estadual. Nesse mesmo ano foi
aprovada a Lei de Proteção dos Mananciais
Billings, que restringiu ainda mais o limite da
expansão urbana de SBC, inibindo o parque
industrial que estava se formando ao redor da
Rodovia dos Imigrantes.
A crise econômica dos anos de 1980 e o
contínuo crescimento populacional do municí-
pio fizeram com que a demanda por habitação
da população de baixa renda encontrasse es-
paço nas áreas de preservação dos mananciais
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013208
Billings, caracterizado pelo baixo valor da terra,
pela disponibilidade, ainda que ilegal, de terre-
nos vazios. Em 1990, o processo de descentra-
lização industrial incentivado pelo então Go-
verno Collor (1990-1993) impactou na estru-
turação econômica de SBC, fundamentada no
setor industrial. O resultado foi o aumento do
desemprego e contínuo aumento da ocupação
irregular de baixa renda em bairros situados
nas áreas de mananciais, nas proximidades das
rodovias Anchieta (bairro Montanhão) e Imi-
grantes (bairro Dos Alvarenga).
O Trecho Sul do Rodoanel de certa forma
é uma terceira ruptura, dessa vez transversal,
no território de São Bernardo do Campo. A área
interceptada pela obra (Lote 2) caracteriza-se
pela ocupação de loteamentos irregulares ou
clandestinos, além de significativa presença in-
dustrial nas proximidades da via Anchieta.
A partir de 2006, ao mesmo tempo, em
que era fundamental implementar ações de
recuperação ambiental, determinados trechos
das áreas de mananciais nas proximidades das
vias de conexão com o Rodoanel passaram a
Figura 2 – A abertura da faixa de domínio do lote 2do Trecho Sul do Rodoanel, em SBC
Fonte: Google Earth (15 de dez de 2008) apud Aguilar (2010, p. 227).
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013 209
ser vistos pelo poder local como uma possibili-
dade de atrair novas empresas, principalmente
as ligadas ao setor logístico e, dessa forma, ge-
rar empregos. Assim, as obras de melhoria das
ligações viárias que se interligam com o Ro-
doanel, previstas pelo Programa de Transporte
Urbano (PTU)6 do município, principalmente
em trechos definidos como Zona Empresarial
Estraté gica (ZEE), zona definida pelo novo
Plano Diretor municipal (Lei n. 5.593/2006),7
passaram a ser prioritárias para a melhoria da
mobilidade e integração das diversas regiões
do município (Figura 3). Ou seja, com o início
da construção do Trecho Sul do Rodoanel em
2006, os investimentos do PTU voltaram-se
para a duplicação da Estrada Galvão Bueno
e da Estrada dos Alvarengas em seus trechos
que se ligam à Rodovia dos Imigrantes, espe-
cificamente no ponto em que era implantada
a alça de acesso do Rodoanel, definido pelo
Plano Diretor Municipal como zona empresa-
rial estratégica.
Paralelamente à implantação do Rodoa-
nel, foi instituída pelo Estado a Lei Específica
da Billings (Lei n. 13.579/2009), que regula-
menta uma nova Lei de Proteção e Recupera-
ção dos Mananciais de Interesse Regional do
Estado de São Paulo (Lei n. 9.866/1997).8
Figura 3 – Área de estudo – Obras viárias e Zoneamento
Fonte: Aguilar (2010). Produção a partir do material cedido pela EMPLASA e pela PMSBC.
Limite da área de proteçãodos mananciais
Rodovias
Represa Billings
Limite da área de estudo
Limite domunicípio
Trecho sul do Rodoanel (em construção)
Área de infl uência diretado trecho sul do Rodoanel
Programa de transporte urbano
Unidades de planejamento e gestão
Zonas vocacionais
Bairros
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013210
Segundo a nova lei, a sub-bacia Billings
foi dividida em “Áreas de Intervenção”, onde
foram definidas as diretrizes e normas ambien-
tais e urbanísticas voltadas à garantia dos ob-
jetivos de produção de água, com qualidade e
quantidade adequadas ao abastecimento pú-
blico, de preservação e recuperação ambien-
tal, a saber: Áreas de Restrição à Ocupação
(ARO); Áreas de Ocupação Dirigida (AOD);
Áreas de Recuperação Ambiental (ARA);
Área de Estruturação Ambiental do Rodoanel
(AER). Em trechos da AOD, a nova legislação
indica a possibilidade de regularização fundiá-
ria, reconhecendo que a recuperação ambien-
tal associa-se à urbanização de assentamen-
tos precários e regularização da moradia em
áreas protegidas.9
Em uma tentativa de fazer prevalecer
os interesses ambientais na área de influência
direta do Rodoanel, a Lei Específica define a
AER–Rodoanel, uma faixa na área de influên-
cia direta da via, onde deveriam ser indicados
usos e atividades compatíveis com a melhoria,
proteção e conservação dos recursos hídricos;
buscando conter a expansão de núcleos ur-
banos; incentivar a implantação de unidades
de conservação com ações de educação e de
monitoramento ambiental bem como ações
de fiscalização para manutenção da tipolo-
gia original da rodovia como classe zero. A
lei específica estabelece ainda que deverá ser
elaborado, no âmbito do Plano de Desenvolvi-
mento e Proteção Ambiental do Reservatório
Billings – PDPA, o Programa de Estruturação
Ambiental Rodoanel.
No entanto, apesar da explicitação de
tais diretrizes, tanto o limite da AER quan-
to seus parâmetros urbanísticos não foram
definidos, prevalecendo os instrumentos defini-
dos para a Área de Ocupação Dirigida.
Assim, observa-se que se, por um lado,
ambos os atores, Estado e município, imple-
mentaram ações em relação às obras viárias
e legislações urbanas que equacionariam os
deflagrados problemas de circulação regional e
local; por outro, a legislação ambiental instituí-
da pelo próprio Estado, embora inovadora uma
vez que reconhece a necessidade de equacio-
nar as preexistências por meio de ações de
recuperação, não definiu parâmetros e normas
de orientação de usos e/ou restrições ao longo
da nova via, deixando lacunas que fragilizam
os interesses ambientais.
Refl exos das políticas públicas na produção do espaço urbano de SBC
A seguir, a pesquisa registrou os principais
aspectos do processo de produção do espaço
urbano em andamento entre 2007 e 2009 na
área de influência do Rodoanel em SBC.
No momento em que o Governo Esta-
dual confirmou a construção do Trecho Sul
do Rodoanel para o início do ano de 2007,
o setor imobiliário interessou-se por terre-
nos localizados estrategicamente nas áreas
de mananciais, deflagrando um processo de
expectativa de valorização do preço da terra
(ainda que temporário).
A título de exemplificação, nesta pes-
quisa foram levantados os dados de seis ter-
renos comercializados entre 2007 e 2010, e
de um núcleo habitacional, com metragens
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013 211
e usos diversificados, na área definida como
área de influência do rodoanel,10 conforme a
Tabela 1. Os dados coletados foram obtidos
por meio de uma pesquisa exploratória em
que foram entrevistados alguns proprietários
desapropriados, proprietários de grandes gle-
bas comercializadas, empresários e imobiliá-
rias e levantados os seguintes dados: o valor
de aquisição do terreno, o valor de desapro-
priação (quando houve), o valor do IPTU e o
valor de expectativa de valorização (do pró-
prio terreno em comparação a outros terre-
nos da região).
Embora ainda não totalmente materia-
lizado, o processo de modificação do espa-
ço urbano encontrava-se em curso durante a
pesquisa que gerou este artigo. Os resultados
indicam que a região assistia a dois processos
concomitantes: 1) expectativa de valorização
fundiária por parte daqueles que compraram
terrenos a preço baixo e encontravam-se à
espera da valorização imobiliária (expectativa
de valorização) para os venderem; ii) Desapro-
priações na Área Diretamente Afetada (ADA)
pelo Trecho Sul, praticadas pelo Estado, acima
do valor venal dos terrenos.
Tabela 1 – Terrenos entre 2006 e 2009, em função do Rodoanel
* Em relação à área total do terreno, porém a área de desapropriação foi 15.330,43 m², totalizando R$1.106.187,47.** Área calculada com base na multiplicação de 45 lotes pela área padrão do lote (125m²).O cálculo do valor de desapropriação é variável em função das benfeitorias.
Fonte: Entrevistas com proprietários particulares in loco e contato com as construtoras e empresários, por meio da imobiliária PRIME ABC.
Localização Uso Área (m2) AnoPreço m2
(R$)Total
(R$ mil)Tipo de valor
1 Estrada dos Casa serviços 58.30620072009
100,00500,00
5.830.60029.153.000
Expectativa de vendaExpectativa de venda
2 Estrada Galvão Bueno* vazio 249.926200620072009
72,169200,00350,00
18.034.66049.985.20087.474.100
DesapropriaçãoExpectativa de vendaExpectativa de venda
3 Avenida Angelo Demarchi serviço 40.00020082008
10,0050,00
400.0002.000.000
IPTUDesapropriação
4 Avenida Angelo Demarchi recreativo 312.00020072009
50,00150,00
15.600.00046.800.000
MercadoExpectativa de venda
5 Estrada Brasílio de Lima residencial 4.000
2008200820072009
5,0010,0010,00
100,00
20.00040.00040.000
400.000
IPTUIPTUExpectativa de vendaExpectativa de venda
6 Estrada Brasílio de Lima residencial 12.00020082008
5,0015,00
60.000180.000
IPTUDesapropriação
7 Estrada Marco Polo**núcleo habitacional
5.62520082008
8,00–
45.000–
IPTUDesapropriação
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013212
Por um lado, a acessibilidade propor-
cionada pelo Rodoanel integrada às demais
obras e legislações urbanas definidas para a
área contribuía para a valorização do solo, on-
de assistia-se a um processo de expectativa de
valorização fundiária por parte daqueles que
compraram terrenos a preço baixo nessa área e
encontravam-se à espera da valorização imobi-
liária para os venderem àqueles que realmente
“produziriam” o espaço urbano, e transforma-
riam a paisagem. A acessibilidade proporciona-
da pelo Rodoanel integrada às demais obras e
legislações urbanas definidas para a área vinha
contribuindo para a valorização do solo, para
além do preço real praticado pelo mercado, in-
do ao encontro das ideias de Villaça (1999).
Por outro observou-se que a sociedade
civil organizada e instruída, ciente das suas
obrigações e de seus direitos, durante as ne-
gociações pressionou o Estado a pagar pelos
terrenos desapropriados o valor de mercado,
avaliado pelos técnicos especializados, naquele
período, e não pelo valor venal, prática comum
do poder público, computando ao valor dos
terrenos as benfeitorias no custo final da desa-
propriação. Ao mesmo tempo, tudo indica que
essa também foi uma estratégia utilizada pe-
lo Estado para agilizar o início das obras, visto
que a Dersa vinha realizando diversas palestras
sobre os benefícios do Rodoanel envolvendo as
comunidade de baixa renda.
As entrevistas com moradores de baixa
renda apontaram que a valorização dos terre-
nos ocorreram somente naqueles já edificados.
Ao mesmo tempo, os próprios moradores pas-
saram a coibir a ocupação de terrenos vazios,
cientes de que se fossem permissivos com o
avanço da ocupação, correriam o risco de se-
rem removidos, sem retorno financeiro.
A questão central levantada pelos mora-
dores foi a seguinte: por que uma obra como
o Rodoanel, com tamanho impacto ambiental,
pode ser construída nas áreas de mananciais
com a conivência do Estado (provedor da
obra), e esse mesmo Estado é severo em rela-
ção à regularização da ocupação irregular?
Para além do processo de valorização
imobiliária resultante das obras de acessibili-
dade articuladas ao Rodoanel, está a dificul-
dade de transposição e isolamento de alguns
núcleos urbanos de baixa renda localizados
ao sul da obra viária, nas proximidades da
represa Billings, fato que contribui para a
segregação socioespacial da população e
consequentemente para acirrar os conflitos
ambientais.
Assim, o Trecho Sul do Rodoanel po-
de ser visto tanto como articulador quanto
desarticulador do espaço intraurbano, contri-
buindo para (re)produção do espaço urbano e
transformação da paisagem em áreas protegi-
das ambientalmente.
Atuam na produção do espaço urbano a
população residente nas áreas de mananciais,
em busca da regularização fundiária, e os pro-
prietários fundiários, empresários, incorporado-
res e construtores por meio da divulgação de
suas expectativas de valorização das áreas ao
redor do Rodoanel, em busca do aumento da
mais-valia. Os atores da produção do espaço
urbano, representantes dos interesses do capi-
tal articulados entre si, influenciaram a decisão
dos investimentos públicos, na porção norte
do Rodoanel, na continuidade da área de ex-
pansão urbana. Em pouco tempo, boa parte
dos terrenos lindeiros nessa área que esta-
vam à venda seria adquirida num processo de
especula ção imobiliária.
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013 213
Nota-se que a produção do espaço ur-
bano para atender aos interesses do capital
suplantam as questões ambientais, que são ao
mesmo tempo cobradas daqueles que tiveram
como única alternativa de moradia as áreas de
mananciais, fruto da lógica da produção social
do espaço, condicionada pelo interesse do ca-
pital, promovendo a segregação socioespacial.
Essas tensões sugerem a necessidade de
que políticas públicas sejam articuladas de ma-
neira a atender os interesses coletivos, diante
das prioridades representadas tanto pela pre-
servação ambiental quanto pela implementa-
ção de acessibilidade e fluxos resultantes pos-
sibilitados pela nova conexão viária.
Enfim, como perspectiva necessária e
possível, as políticas públicas em áreas pro-
tegidas devem ser parte de um processo de
gestão compartilhada entre Estado, municípios
e sociedade civil. A definição de consensos pa-
ra implementação de uma gestão integrada é
aspecto fundamental, que aflora e é parte de
uma dinâmica de negociações que exige contí-
nuo aperfeiçoamento.11
Considerações fi nais
As redes de infraestrutura urbana, especialmen-
te aquelas ligadas à circulação e transporte, in-
terferem consideravelmente na produção de no-
vas localidades, tendo como base a articulação
entre os atores que produzem o espaço urbano,
particularmente o Estado e o capital imobiliário.
No caso específico da RMSP, historica-
mente a implantação do sistema de circula-
ção – ferrovia e rodovias – condicionou o
processo de produção do espaço urbano, ao
mesmo tempo que determinou também o
espraiamento da mancha urbana e consequen-
te ocupação de suas áreas ambientalmente
mais frágeis, as áreas de preservação dos ma-
nanciais, transformando assim sua paisagem.
A implantação do Trecho Sul do Rodoa-
nel Mário Covas é objeto de polêmica visto que
seu traçado corta as represas Guarapiranga e
Billings, responsável pelo abastecimento de
água potável de parte da RMSP. Porém, para o
Governo do Estado trata-se de uma importan-
te infraestrutura que contribui para melhorar
a mobilidade da metrópole, perante ao risco
crescente de imobilidade urbana.
Enquanto o Governo Estadual preo-
cupou-se em apresentar o Rodoanel como
uma obra que contribuiria para o ordenamento
do espaço protegido e funcionaria como uma
“barreira” à expansão da ocupação das áreas
de mananciais, o poder local criou uma expec-
tativa de atração de novas empresas e “de-
senvolvimento” em função da acessibilidade
propiciada pelo Trecho Sul, implantado e me-
lhorando as vias de conexão do meio urbano
com a nova via.
Durante a construção da obra, foi ao lon-
go do Lote 2, no trecho de ligação com as ro-
dovias Anchieta e Imigrantes, que as atenções
do mercado imobiliário e da política municipal
se voltaram, iniciando um processo de valori-
zação do espaço urbano, por meio da trans-
formação da paisagem na área de proteção e
recuperação dos mananciais Billings.
Nesse trecho, a transformação da pai-
sagem se materializou com maior velocidade,
onde é possível averiguar os distintos impas-
ses entre os atores que produzem o espaço
urbano: Estado – responsável pela obra do Ro-
doanel e legislação pela proteção ambiental;
município responsável pelo desenvolvimento
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urbano, legislações e instrumentos de planeja-
mento urbano e uso do solo, bem como pelas
infraestruturas locais; proprietário e empreen-
dedores imobiliários, interessados em lucrar
com a valorização do solo, sociedade civil,
representada pela população moradora em
lotea mentos ilegais e favelas na região .
A pesquisa em questão evidenciou ou-
tras formas de produção de espaço, menos
explícitas, para além da ocupação irregular,
mas alvo do mercado imobiliário, que vêm
agregando o valor ambiental articulado à
nova acessibilidade e com isso induzindo um
novo processo de produção social do espaço.
Em pouco tempo, boa parte dos terrenos lin-
deiros nesta área que estavam à venda foram
adquiridos, num processo de especulação
imobiliária
Por outro lado, observa-se também a difi-
culdade de transposição e isolamento de alguns
núcleos urbanos de baixa renda localizados ao
sul da obra viária, nas proximidades da represa
Billings, fato que contribui para a segregação
socioespacial da população e consequentemen-
te para acirrar os conflitos ambientais.
Assim, o Trecho Sul do Rodoanel pode
ser visto tanto como articulador quanto desar-
ticulador do espaço intraurbano, contribuindo
para (re)produção do espaço urbano e trans-
formação da paisagem em áreas protegidas
ambientalmente. A obra do Trecho Sul do Ro-
doanel traz maior acessibilidade regional para
o município; porém, na prática, tem-se mostra-
do como novo elemento de divisão do espaço
urbano de São Bernardo do Campo, assim co-
mo foram, em momentos anteriores, as cons-
truções das rodovias Anchieta e Imigrantes.
Embora o Rodoanel isoladamente trans-
forme a paisagem (devido ao impacto da obra
e sua efetiva implantação), o simples fato de
esse cortar o espaço urbano de SBC não de-
veria induzir à ocupação de seu entorno de
modo significativo. A ocupação ao longo do
Rodoanel e em pontos estratégicos é na ver-
dade derivada de um conjunto de fatores que
contribuem, por um lado, para definir a atrati-
vidade de novas formas de ocupação de em-
preendimentos ligados ao setor de logística
nas proximidades do meio urbano, por outro,
para a consolidação de habitação de baixa
renda e/ou o isolamento dos núcleos existen-
tes. Tais fatores são: a) conexões do Rodoanel
com as duas importantes rodovias de ligação
entre Santos e São Paulo – vias Anchieta e Imi-
grantes; b) melhorias das ligações viárias de
acessibilidade com essas rodovias, promovidas
pelo governo local; c) instituição da nova lei de
proteção e recuperação dos mananciais indi-
cando possiblidades de regularização fundiária
para as ocupações irregulares. Esses fatores
são decorrentes de ações muitas vezes desarti-
culadas, que visam interesses próprios, contri-
buindo para produzir um novo espaço urbano
e transformar a paisagem, reforçando aspectos
de segregação socioespacial historicamente
existentes.
Os atores que produzem o espaço urba-
no, representantes dos interesses do capital,
articulam-se entre si e influenciam a decisão
dos investimentos públicos, na porção norte do
Rodoanel, área de expansão urbana. Entre to-
dos os atores envolvidos (empresários, constru-
tores, proprietários fundiários, usuários finais,
etc.), o Estado – representado pelo Governo
estadual e município – desempenha papel fun-
damental, pois cabe a ele articular os demais
atores, muitas vezes em função dos seus pró-
prios interesses ou em função daqueles que o
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013 215
influenciam. É o Estado quem define as obras
de infraestrutura, determina as legislações,
normas e regras que orientarão a produção do
espaço urbano e as ações que os demais ato-
res podem realizar sobre esse mesmo espaço.
Isso fica evidente ao analisarmos o processo de
ocupação que vem se dando ao longo do Ro-
doanel, pois embora esse seja fruto da atuação
de diversos atores, o Estado tem papel decisivo
nesse processo. Ao implementar obras com-
plementares de infraestrutura e instituir novas
legislações ambientais e urbanas, o Estado dá
início a novas formas de (re)produção e apro-
priação do espaço e, consequente, transforma-
ção da paisagem.
Os conflitos aqui evidenciados indicam
que as políticas públicas não se apresentam
como mediações neutras, e, sim, são pensa-
das de forma heterogênea, num marco que
aprofunda as divergências entre os atores
que produzem o espaço urbano.
As perspectivas acenadas com a im-
plantação do Rodoanel colocam o município
diante de um processo que deve ser sistema-
ticamente negociado e acompanhado, diante
das incertezas e em prol da produção social
de seu espaço urbano. Para tanto, apesar do
importante papel do poder público municipal,
enfatiza-se a necessidade da instituição de um
sistema de gestão metropolitano capaz de co-
ordenar o conjunto de políticas públicas – ur-
banas, ambientais e setoriais – em curso.
Enfim, recomenda-se a construção de
uma agenda urbana e ambiental gerida de
forma negociada e compartilhada pelos repre-
sentantes dos três segmentos – Estado, Muni-
cípio e Sociedade Civil – que oriente políticas
públicas e investimentos públicos e privados
ao longo do Rodoanel, contribuindo para um
processo de produção social do espaço urba-
no equilibrado e socialmente justo, em prol do
interesse público.
Carolina Bracco Delgado de AguilarArquiteta-urbanista, Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Coordenadora de Sistemas de Informações Geográficas na empresa Hatch Engenharia. São Paulo/SP, [email protected]
Angélica Tanus Benatti AlvimArquiteta-urbanista, Mestre e Doutora em Estruturas Ambientais e Urbanas, docente e coordena-dora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo/SP, [email protected]
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013216
Notas
(1) Este artigo é parte das reflexões da Dissertação de Mestrado intitulada Produção do espaço urbano a par r do Trecho Sul do Rodoanel, em São Bernardo do Campo: impasses e perspec vas, de autoria de Carolina Bracco Delgado de Aguilar (bolsista Capes) sob a orientação da Profa. Dra. Angélica Tanus Bena Alvim, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
(2) O termo “enobrecimento” vem subs tuindo o termo “gentrifi cação” (do inglês gentrifi ca on), para não caracterizar uma tradução literal do termo que, segundo Arantes (2000), significa a expulsão da população original de certa parte do território, quando essa é valorizada e as condições de vida são encarecidas.
(3) Conforme Sposito (2006, p. 24), a renda fundiária, também chamada de renda da terra, refere--se à capacidade que as pessoas têm de se apropriar, sob a forma de dinheiro, de tudo o que é produzido.
(4) Vale dizer que o recorte temporal da pesquisa foi o período entre 2005 (aprovação e anúncio da obra) e 2009, evidenciando processos que ocorreram durante a fase de construção da rodovia. Portanto, a pesquisa avaliou um processo em curso, indicando seus impasses e perspec vas naquele momento. Para maior aprofundamento ver Aguilar, 2010. A metodologia empregada na pesquisa de campo será explanada mais adiante.
(5) A microrregião do ABC era inicialmente formada por Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, e depois acrescida dos municípios de Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
(6) O Programa de Transporte Urbano de SBC foi aprovado em 4 de setembro de 2002 pelo Governo Federal. Por meio da Lei Municipal n. 5.085, de 26/9/2002, a Câmara Municipal autorizou o Execu vo a manter trata vas junto ao Bando Internacional de Desenvolvimento (BID), rela vas ao Programa de Transporte Urbano de SBC, que integra um programa maior intitulado “Programa São Bernardo Moderna”.
(7) O Plano Diretor municipal (Lei n. 5.593/2006) defi niu para a porç ã o norte do Rodoanel trê s zonas de uso: Zona Empresarial Estraté gica (ZEE); Zona de Reestruturaç ã o Urbana e Ambiental (ZRUA); e Zona de Recuperaç ã o Ambiental (ZRA).
(8) A legislação de proteção dos mananciais da década de 1970 (Leis n. 898/75 e n. 1.172/7613) foi subs tuída pela Nova Lei de Proteção e Recuperação aos Mananciais, Lei Estadual n. 9.866, de 28 de novembro de 1997. Essa lei ins tui diretrizes de uso e ocupação do solo para cada sub--bacia que só serão validas mediante legislação específi ca. A sub-bacia Billings é a segunda a ter lei específi ca, posterior à APRM – Guarapiranga (Lei n. 12.233/2006).
(9) Para maior aprofundamento ver Alvim et al., 2010.
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013 217
(10) A área de infl uência que defi nimos para a pesquisa levou em consideração os seguintes limites – a Área de Infl uência Direta para o Trecho Sul do Rodoanel, especifi cada pelo Programa Rodoanel da Dersa (AID – porção do território que corresponde a uma faixa de 500 m ao longo de cada lado da rodovia); o lote 2, defi nido pela ligação entre as rodovias Anchieta e Imigrantes; os limites das Zonas Vocacionais e das Unidades de Planejamento e Gestão defi nidos no Plano Diretor de São Bernardo do Campo, os limites dos bairros, o limite da área de proteção dos mananciais; e, as obras do Programa de Transporte Urbanos. As análises foram produzidas com recursos do so ware SIG sobrepondo imagens e dados.
(11) Ressalta-se que a RMSP carece de uma instância de gestão metropolitana. Na sub-região sudeste, que emvolve os municípios do ABCD, alguns arranjos inovadores despontaram no final dos anos de 1990 buscando solucionar problemas comuns, com destaque para o Consórcio Intermunicipal do ABC e o subcomitê de bacia Billings – Tamanduateí. Para maior aprofundamento ver Alvim et al., 2010.
Referências
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Texto recebido em 6/out/2012Texto aprovado em 22/nov/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013
São Paulo metrópole insustentável –como superar esta realidade?
São Paulo, the unsustainable Metropolis –how can we overcome this reality?
Pedro Roberto Jacobi
ResumoA Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), com
39 municípios e uma população de mais de 19 mi-
lhões de habitantes, é um ecossistema complexo
e frágil. A “insustentabilidade” que caracteriza o
padrão de urbanização metropolitano se carac-
teriza pela prevalência de um processo de expan-
são e ocupação dos espaços intraurbanos que, na
maior parte dos casos, configura uma dramática
realidade: baixa qualidade de vida para parcelas
signifi cativas da população. A dualidade das cida-
des é marcada exponencialmente pelo crescimento
da ilegalidade urbana que a constitui, exacerba os
problemas socioambientais que se concentram nos
espaços urbanos em condições muito precárias de
urbanização, com acesso diferenciado aos investi-
mentos públicos. Caracteriza-se por uma ocupação
desordenada resultante da falta de uma lógica de
governança colaborativa e de despreparo das auto-
ridades para enfrentar situações complexas, como
é o caso de regiões muito populosas e conurbadas.
Palavras-chave: áreas metropolitanas; sustenta-
bilidade; justiça socioambiental; desigualdade so-
cial; desastres ambientais; Brasil.
AbstractThe Metropolitan Region of São Paulo, composed of 39 municipalities and with a population of more than 19 million inhabitants, is a fragile and complex ecosystem. The “unsustainability” that characterizes the pattern of metropolitan urbanization features the prevalence of a process of expansion and occupation of intra-urban spaces that, in most cases, represents a dramatic reality: low quality of life for large sectors of the population. The duality of the cities is expressed by the growth of the urban illegality that constitutes it, exacerbating the socio-environmental problems that are concentrated in urban spaces with precarious urbanization and differentiated access to public investments. It is also characterized by a disorderly occupation resulting from the lack of a logic of collaborative governance and from the unpreparedness of public offi cials to face complex situations, as is the case in very populated and conurbated regions within the metropolis.
Keywords: metropolitan areas; sustainability; socio-environmental justice; social inequality; environmental disasters; Brazil.
Pedro Roberto Jacobi
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013220
Introdução
No contexto urbano metropolitano brasileiro,
os problemas ambientais têm se avolumado
em virtude da concentração de urbanização
combinada com desigualdade social e seus im-
pactos no cotidiano da sua população.
A “insustentabilidade” do padrão de
urbanização metropolitano se caracteriza pe-
la prevalência de um processo de expansão e
ocupa ção dos espaços intraurbanos que, na
maior parte dos casos, configura uma dra-
mática realidade: baixa qualidade de vida
para parcelas significativas da população. A
dualidade das cidades é marcada exponen-
cialmente pelo crescimento da ilegalidade ur-
bana que a constitui, exacerba os problemas
socioambientais que se concentram nos es-
paços urbanos em condições muito precárias
de urbanização, com acesso diferenciado aos
investimentos públicos.
Introduz-se aqui a preocupação com a
sustentabilidade urbana, uma dimensão do
desenvolvimento sustentável, que representa
a possibilidade de garantir mudanças socio-
políticas que não comprometam os sistemas
ecológicos e sociais nos quais se sustentam as
comunidades. Onde a insustentabilidade urba-
na reflete a incapacidade da produtividade e
dos investimentos urbanos de acompanhar o
crescimento das demandas sociais e gera um
conjunto de problemas que se refletem na de-
gradação da qualidade de vida urbana.
Cidades e desastres urbanos no Brasil
As cidades brasileiras e notadamente as gran-
des metrópoles configuram uma realidade na
qual os riscos contemporâneos explicitam os
limites e as consequências das práticas sociais,
trazendo consigo um novo elemento a “reflexi-
vidade”. A sociedade, produtora de riscos, se
torna crescentemente reflexiva, o que significa
dizer que ela se torna um tema e um proble-
ma para si (Beck, 1992, 2009). A sociedade se
torna cada vez mais autocrítica e, ao mesmo
tempo em que a humanidade põe a si em pe-
rigo, reconhece os riscos que produz e reage
diante disso. A sociedade global “reflexiva” se
vê obrigada a autoconfrontar-se, e isto implica
um constante processo de pensar e refletir so-
bre uma sociedade que produz riscos (Giddens,
1997), mas também com os riscos que são es-
camoteados ou negados (Beck, 2009; Irwin,
2001), apesar das evidências. Atualmente
além dos aspectos associados com os avanços
da ciência e tecnologia que criam, surgem no-
vas situações de risco diferentes das existen-
tes, muitas das quais imensuráveis. Entretanto,
os riscos socioambientais urbanos configuram
a produção de riscos associados à pobreza, às
desigualdades e à lógica de desenvolvimento
urbano que ainda prevalece. Historicamen-
te, até meados do século XX, os processos
de ocupação de muitas metrópoles brasilei-
ras evitaram os terrenos mais problemáticos /
São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013 221
vulneráveis à ocupação (altas declividades,
solos frágeis e suscetíveis à erosão), que se
encontravam mais distantes das áreas centrais,
onde a pressão pela ocupação era menos in-
tensa. Entretanto, a partir dos anos 50, com a
exacerbação dos processos de “periferização”,
e mais intensamente nos últimos 30 anos,
ocorrem dois movimentos simultâneos: a in-
tensificação das intervenções na rede de dre-
nagem, com obras de retificação e canalização
dos rios, o aterramento das planícies de inun-
dação (áreas de várzea) e sua incorporação à
malha urbana, e a explosão na abertura de lo-
teamentos de periferia. A função normativa de
uso e ocupação na instalação dos processos de
urbanização subordinou-se aos interesses das
classes de renda alta e média alta.
À medida que o processo de urbanização
se intensifica para as áreas mais periféricas, o
quadro se agrava. Pela falta de planejamento
de uso e ocupação do solo, as ocupações pe-
riféricas ocorrem em áreas de risco, aumen-
tando o número de pessoas vulneráveis aos
processos naturais (Maricato et al., 2010). A
redução da capacidade de escoamento das
águas, associada à impermeabilização e pre-
cária infraestrutura de drenagem urbana, po-
tencializa transbordamentos, deslizamentos e
outros efeitos erosivos. Todo esse elenco de
problemas, que podem ser evitados ou pelo
menos neutralizados ou reduzidos, só poten-
cializa as catástrofes.
Existe uma forte dimensão social no ris-
co, e esse é agravado pela vulnerabilidade das
populações (Ojima, 2009; Marandola, 2009) e
do contexto físico onde se localizam. A questão
que se coloca, portanto, é sobre a gestão dos
riscos (Veyret, 2007; Irwin, 2001; Howe, 2005),
e o que define a dinâmica que prevalece é que
a prevenção e minimização das consequências
dependerão das medidas políticas no contexto
de cada território.
A literatura sobre desastres ambientais,
notadamente sobre inundações e deslizamen-
tos, envolve os temas da segurança e da vulne-
rabilidade (Marandola, 2009). Essa se configu-
ra pela exposição da população residente em
assentamentos humanos precários expostos a
risco socioambiental (sujeitos a inundações e
deslizamentos) e que, em virtude situações cli-
máticas severas, se confrontam com a necessi-
dade de suportar os impactos do perigo.
Warner (2010) mostra que, em situações
como inundações, os desastres mais comuns e
devastadores, os problemas gerados após um
evento expõem a falta de planejamento de uso
e ocupação do solo, o despreparo das autori-
dades e a falta de um ethos de prevenção na
sociedade. Além disso, não se pode desconside-
rar os agravantes associados às desigualdades
sociais e à precariedade da estrutura urbana,
que se tornam vetores da multiplicação de
tragédias urbanas recorrentes, causadas pelo
descontrole do processo histórico de ocupação
urbana não devidamente planejada pelos po-
deres competentes.
Esta reflexão está pautada pela noção de
risco e segurança como componentes analíticos
de uma realidade socioambiental caracterizada
pela fragilidade na capacidade de respostas
das sociedades com menos recursos, assim co-
mo pela falta de ações intersetoriais em virtude
da cultura política institucional pautada pelas
ações setoriais e também por aquelas voltadas
para interesses de grupos econômicos e políti-
cos (Warner et al., 2002)
Pedro Roberto Jacobi
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013222
Cabe enfatizar que, na sociedade de ris-
co, os “desastres anunciados” não podem ser
vistos como fatalidades, mas na maioria dos
casos podem ser previstos e evitados. Nas cida-
des brasileiras, configura-se uma lógica perver-
sa de distribuição de riscos, que afeta desigual-
mente a população. No Brasil metropolitano,
incluem-se quase 450 municípios, onde vivem
mais de 70 milhões de habitantes. Os desafios
metropolitanos nos dias de hoje é que as ci-
dades criem as condições para assegurar uma
qualidade de vida que possa ser considerada
aceitável, não interferindo negativamente no
meio ambiente e agindo preventivamente para
evitar a continuidade do nível de degradação,
notadamente nas regiões habitadas pelos se-
tores mais carentes. Trata-se de uma realidade
complexa e heterogênea, na qual as cidades
convivem simultaneamente com os problemas
que caracterizam uma realidade de pobreza –
ocupações irregulares de áreas ambientalmen-
te frágeis que se multiplicam pelas cidades, tais
como encostas e áreas alagáveis, e problemas
de saneamento ambiental decorrentes do bai-
xo índice de coleta e tratamento de esgotos; e
os problemas relacionados com padrões eleva-
dos de consumo – poluição do ar e aumento do
volume de resíduos sólidos.
As consequências desse modelo urbano
estão à vista, e a explicação da emergência dos
problemas é recorrente: população que mora
em áreas inapropriadas e de grande risco; solo
ocupado erroneamente, reduzindo a capacida-
de de escoamento das águas; e fluxos hídricos
que não recebem cuidado ambiental.
Para Bonduki (2011), a desigualdade ur-
bana, funcional e social tem se aprofundado, e
o resultado é uma metrópole partida e segre-
gada. As manchas urbanas que se expandem
horizontalmente e configuram grande parte
das áreas periféricas são construídas, basi-
camente, a partir das ocupações de terras
vazias realizadas por grupos de baixa renda;
da implantação de loteamentos clandestinos
construídos e comercializados irregularmente,
dos conjuntos habitacionais para a população
de baixa renda produzidos pelo poder públi-
co; e de assentamentos precários e informais,
como as favelas e muitos bairros populares
que compõem as imensas periferias urbanas
(Nakano, 2011). E a falta de infraestrutura de
saneamento e de equipamentos comunitários
de educação, saúde, lazer, entre outros, é o
traço comum à maioria desses assentamentos,
estigmatizados pela precariedade. A tônica do-
minante de produção desses espaços urbanos
irregulares decorre de omissões históricas do
poder público, tanto no tangente às ações re-
gulatórias e de fiscalização, quanto à provisão
de urbanização adequada. A maioria desses
assentamentos é construída com pouco ou ne-
nhum acompanhamento técnico, encontra-se
em áreas ilegais a invasão e ocupação irregu-
lar, áreas que apresentam risco de deslizamen-
to. Encontra-se também em várzeas inundáveis
e áreas de proteção aos mananciais. Nos últi-
mos anos, a variabilidade climática e seu efeito
na intensificação das chuvas, os desastres têm
se multiplicado em virtude dos deslizamentos
nos quais toneladas de terra e rochas rolam
sobre moradias e bairros inteiros, predominan-
temente ocupados por famílias pobres, pro-
vocando verdadeiras tragédias urbanas. Mas
cabe lembrar também que as águas invadem
ruas e edificações provocando perda de bens,
saúde e vidas. Essas notícias e ocorrências se
repetem ano após ano. Nas cidades, os desas-
tres naturais nas áreas mais pobres provocam
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013 223
impactos maiores em virtude de sua vulnerabi-
lidade em relação aos recursos hídricos, à falta
de saneamento e ao contato com doenças de
veiculação hídrica.
Mas quais os aspectos que devem ser
enfatizados ao abordar o tema da sustentabili-
dade urbana? A noção de sustentabilidade im-
plica uma necessária inter-relação entre justiça
social, qualidade de vida, equilíbrio ambiental
e necessidade de desenvolvimento. Isso repre-
senta a possibilidade de garantir mudanças
sociopolíticas que não comprometam os siste-
mas ecológicos e sociais. Observa-se um cres-
cente agravamento dos problemas ambientais
nas metrópoles: o modelo de apropriação do
espaço reflete as desigualdades socioeconômi-
cas imperantes, o período sendo marcado pela
ineficácia ou mesmo ausência total de políticas
públicas para o enfrentamento desses proble-
mas, predominando a inércia da administra-
ção pública na detecção, coerção, correção e
proposição de medidas visando ordenar o ter-
ritório do município e garantir a melhoria da
qualidade de vida.
Para as metrópoles, a denominação “ris-
cos ambientais urbanos” pode englobar uma
grande variedade de acidentes, em diversifica-
da dimensão e produzidos socialmente. Não
há como negar a estreita relação entre riscos
urbanos e a questão do uso e ocupação do so-
lo, que, entre as questões determinantes das
condições ambientais da cidade, é aquela em
que se delineiam os problemas ambientais de
maior dificuldade de enfrentamento e, contra-
ditoriamente, na qual mais se identificam com-
petências de âmbito municipal. A tensão per-
manente, que se opera no espaço urbano entre
o interesse público e os interesses privados,
tem se configurado como um dos aspectos de
maior complexidade para a formulação de po-
líticas ambientais centradas no espaço urbano,
onde se destaca a problemática da ocupação
do solo. As ocupações irregulares em áreas
de mananciais e encostas refletem a falta de
opções para os pobres urbanos. Em virtude da
sobreposição dos interesses privados às de-
mandas sociais na distribuição de terras nas
grandes cidades, sem recursos para construir
ou comprar imóveis em terrenos seguros e
mais próximos do centro, a população pobre
se vê obrigada a habitar regiõe s de difícil aces-
so, sem estrutura urbana consolidada e, muitas
vezes, em áreas de risco.
Observa-se que eventos extremos têm
se tornado mais frequentes, ameaçando cada
vez mais a precária infraestrutura das cidades.
A própria expansão das metrópoles e, conse-
quentemente, das ilhas de calor provocadas
pela impermeabilização do solo favorece o au-
mento das precipitações.
As inundações e deslizamentos que têm
ocorrido nos grandes centros urbanos do país
já são consequência das mudanças climáticas.
Segundo as previsões do IPCC, esses eventos
extremos devem se tornar cada vez mais fre-
quentes nas regiões Sul e Sudeste.
No Brasil, os números de perdas huma-
nas no verão de 2011 trouxeram à tona o custo
social das tragédias relacionadas com catás-
trofes naturais. A forma desordenada de como
as cidades cresceram nos últimos 50 anos tem
sido a principal causa das tragédias.
Os cenários de risco e as fatalidades
urbanas criados pelas ações antrópicas es-
tão predominantemente associados à forma
de ocupação de terrenos, empreendimen-
tos regulares e aos assentamentos habita-
dos por população de baixa renda em áreas
Pedro Roberto Jacobi
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013224
invadidas. Nas cidades brasileiras, muitas
pessoas moram em áreas inapropriadas e de
grande risco, e a ocupação inade quada do so-
lo, com a construção de moradias em terrenos
de encostas, em margens de cursos d´água,
áreas de risco de deslizamento, inundações
e inundações, é reflexo dessa ocupação
desordenada que reflete a falta de uma lógica
de governança colaborativa.
Os planos diretores das cidades preve-
em instrumentos para enfrentar os desafios
de promover uma urbanização com mais jus-
tiça socioambiental; entretanto, o que se ob-
servam são desvirtuamentos constantes, e os
governos municipais, em sua maioria, cedem,
aos interesses econômicos e reforçam proces-
sos, estimulando a ocupação desordenada do
solo. Cabe ainda incluir a incapacidade das
políticas urbanas na gestão do uso do solo, a
setorialidade na aplicação das políticas am-
bientais com repercussão no planejamento dos
territórios. Diversos instrumentos permitiriam
identificar áreas vulneráveis e estratégias para
prevenção, mitigação e adaptação diante de
eventos extremos em unidades tais como áre-
as costeiras e bacias hidrográficas (Steinberg,
2006; Schult et al., 2010).
Para Ribeiro (2011), o que se pode obser-
var é que mais do que um fenômeno natural, os
desastres são consequência de décadas de des-
caso do poder público com o planejamento ur-
bano e com as políticas setoriais relacionadas,
e as cidades brasileiras apresentam a marca da
desigualdade até na distribuição social dos ris-
cos decorrentes da precariedade urbana.
Mas os desastres também mostram o
despreparo das autoridades para, em situações
de calamidade, alertar, remover e garantir abri-
go à população diante de ameaças iminentes.
As autoridades públicas explicam tais tra-
gédias, geralmente, como as consequências
de eventos climáticos incomuns, fora dos pa-
drões previstos, e da suposta irracionalidade
do comportamento da população que aceita
morar em áreas sujeitas a evidentes riscos am-
bientais e não cuida adequadamente dos seus
lixos. Apesar da multiplicação das tragédias,
o Brasil investe muito pouco em prevenção.
Segundo a Comissão Especial de Medidas Pre-
ventivas e Saneadoras de Catástrofes Climá-
ticas da Câmara dos Deputados, uma análise
do histórico de tragédias naturais no Brasil
mostra que pouco se fez para evitar a ação
da natureza. Entre os anos de 2000 e 2010,
pelo menos duas mil pessoas morreram em
acidentes climáticos. Somente em 2010 foram
comunicadas à Secretaria Nacional de Defesa
Civil ocorrências em 883 municípios. Somado
ao número de mortos registrado na enxurrada
de 2011 que devastou áreas de municípios da
Região Serrana do Rio, o total de vítimas fatais
sobe para quase três mil (Eco Debate – Cida-
dania e Meio Ambiente, 12/1/2012).
Os maiores desafios da governança do
espaço urbano são a integração intergoverna-
mental, o aperfeiçoamento da gestão munici-
pal, que demanda gestores qualificados apoia-
dos por uma administração que desenvolva
planejamento estratégico dos municípios, para
que eles possam ter uma visão de longo prazo
e uma gestão baseada mais na prevenção do
que na ação emergencial e curativa.
No atual quadro urbano brasileiro, é in-
questionável a necessidade de implementar
políticas públicas orientadas para tornar as
cidades social e ambientalmente sustentáveis,
como uma forma de se contrapor ao quadro de
deterioração crescente das condições de vida.
São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
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Dilemas socioambientais na RMSP – uma realidade emblemática
A RMSP está localizada na região Sudeste do
Brasil e é o terceiro maior conglomerado urba-
no do mundo, com 39 municípios, totalizando
uma área de 7.944 km2. Essa região abriga
uma população de 19.667.558 de habitantes
(IBGE, 2010), e mais de 11 milhões de pessoas
vivem na cidade de São Paulo, em uma área de
1.530 km2. A taxa de crescimento na RMSP en-
tre os anos de 2000 e 2010 foi de 0,96% ao
ano, e, apesar da diminuição do crescimento
populacional na última década, a elevada pres-
são demográfica e a urbanização acelerada
desprovida de planejamento, avançando em
direção aos mananciais, são fatores que contri-
buíram diretamente para a impermeabilização
do solo e a consequente redução da recarga
do aquífero, além de sua poluição e redução
da disponibilidade dos mananciais superficiais
(Silva, Mello Junior e Porto, 2011).
A dinâmica de expansão da metrópole
tem provocado um processo de concentração
de população de baixa renda em suas áreas
periféricas, enquanto as áreas centrais são re-
novadas e adensadas, a um preço crescente da
terra urbana. Esse padrão de ocupação promo-
ve a expansão da mancha urbana junto às áre-
as de proteção ambiental, em especial às áreas
de proteção aos mananciais, definidas pela Lei
9866/97. A dificuldade para a implementação
de mecanismos efetivos para a proteção dessas
áreas faz com que estas sofram enorme pres-
são de ocupação. Esse processo de produção
do espaço metropolitano concentra e articula
em suas periferias a vulnerabilidade em suas
dimensões ambiental e social.
A dinâmica da urbanização pela expan-
são de áreas periféricas produziu um ambiente
urbano segregado e altamente degradado, com
efeitos muito graves sobre a qualidade de vida
de sua população. Não há como negar a estrei-
ta relação entre riscos urbanos e a questão do
uso e ocupação do solo, que, entre as questões
determinantes das condições ambientais da ci-
dade, é aquela onde se delineiam os problemas
ambientais de maior dificuldade de enfrenta-
mento, notadamente os recursos hídricos.
A ausência de saneamento em muitos
loteamentos e favelas, além de poluir direta-
mente as águas dos rios e córregos, constitui
um problema de saúde e de baixa qualidade de
vida para a população residente, assim como a
perda do valor das águas.
Uma análise dos principais indicadores
da qualidade ambiental no município indica o
quadro atual e os impactos sobre a população
da cidade.
Inicialmente em relação à qualidade do
ar, segundo a Cetesb na Região Metropolitana
de São Paulo, o padrão foi ultrapassado em 96
dias ao longo de 2011, contra 61 dias em 2010.
A poluição do ar é causada, principalmente,
pela grande emissão proveniente dos 9,2 mi-
lhões de veículos automotores leves e pesados
e, secundariamente, por emissões originadas
em processos de cerca de 2000 indústrias com
alto potencial poluidor (Cetesb, 2011). Essa fro-
ta gigantesca de veículos constitui a principal
fonte de emissão dos poluentes que, em deter-
minadas condições meteorológicas, formam o
buraco na camada de ozônio, e cabe enfatizar
que se trata principalmente dos automóveis
Pedro Roberto Jacobi
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particulares. O resultado é o aumento de pes-
soas afetadas que demandam internação hos-
pitalar por enfermidades associadas à poluição
atmosférica; e as respostas públicas têm sido
muito limitadas e demoradas. Cabe, portanto,
enfatizar o déficit de transporte público na re-
gião e o aumento dos níveis de congestiona-
mento, não apenas na cidade de São Paulo,
mas na região como um todo. A RMSP vive
uma profunda crise de mobilidade, e alguns
indicadores permitem observar a verdadeira
dimensão do problema. Segundo Pesquisa Ori-
gem e Destino (apud Rolnik e Klintowitz, 2011),
o tempo médio de viagem em transporte co-
letivo é 2,13 vezes superior ao do transporte
individual motorizado. E pelo fato de 74% das
viagens motorizadas da população com renda
de até quatro salários mínimos serem feitas por
modo coletivo, e que, na renda até 15 salários
mínimos, cai para 21%, a crise de mobilidade
afeta muito mais a população de renda mais
baixa, que só tem essa opção. A lógica pre-
valecente tem sido no geral a intervenção na
ampliação física e modernização do sistema
viário em detrimento da ampliação efetiva e
modernização dos transportes coletivos (Rolnik
e Klintowitz, 2011).
Em relação ao abastecimento de água,
praticamente 100% da população que vive na
área urbana da cidade é abastecida com um
volume por habitante/ano de 65m3. Entretanto,
o aumento do número de consumidores, assim
como a escassez de novas fontes e a queda na
qualidade das águas dos mananciais revelam
uma crescente pressão sobre o abastecimento
de água potável no município. A falta de cole-
ta de esgoto para mais de 20% da população,
somada à falta de rede coletora em áreas de
mananciais, se constitui num fator de pressão
sobre a qualidade das águas para abasteci-
mento público. Além da falta de esgoto trata-
do, os problemas decorrentes de conexões cru-
zadas entre o sistema de esgoto e os sistemas
de drenagem natural e de águas pluviais se
refletem na grande quantidade de córregos e
rios poluídos. Os principais problemas se veri-
ficam junto às populações que ocupam favelas
e loteamentos irregulares, na medida em que
muito frequentemente os cursos d´água são
o local de lançamento de esgoto. A poluição
hídrica na bacia hidrográfica está relacionada
com o despejo de substâncias poluentes e resí-
duos sólidos diretamente nos corpos d’água e
nas galerias de drenagem de águas pluviais ou
sobre as áreas impermeabilizadas e desmata-
das decorrentes das atividades urbanas.
Em São Paulo, no caso específico de
áreas de proteção aos mananciais (36% do
território municipal), a legislação de proteção
ambiental, datada de 1977, impôs intensas
restrições ao uso e ocupação do solo e gerou
uma ocupação desordenada do solo, provo-
cando uma desvalorização no preço da terra.
Em 1997, é aprovada uma nova legislação es-
tadual que busca compatibilizar as ações de
proteção e preservação dos mananciais com
a proteção ambiental, o uso e a ocupação do
solo e o desenvolvimento socioeconômico das
áreas protegidas, pelo estabelecimento de
diretrizes gerais para as áreas de proteção e
recuperação que devem ser regulamentadas
em todas as áreas de mananciais. Cerca de
48% da população que habita as áreas de
proteção aos mananciais nos dois maiores
reservatórios residem em favelas e loteamen-
tos. Isso dá uma dimensão do problema e do
comprometimento e deterioração dessas fon-
tes hídricas.
São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013 227
A problemática das inundações tem
causado um quadro cada vez mais complexo
de problemas que causam prejuízos de ordem
econômica, assim como danos sociais e de saú-
de pública. As situações de risco e de pontos
sujeitos a inundação e alagamentos aumen-
tam, e o número de episódios é alarmante, am-
pliando a situação de vulnerabilidades urbanas.
Em 2012, segundo o IPT, estimam-se mais de
500 pontos de inundação e alagamento que
afetam a qualidade de vida urbana e outras
500 áreas sujeitas a deslizamentos.1 Outros
componentes da vulnerabilidade urbana das
populações de ocupa ções irregulares, na me-
dida em que há riscos associados a processos
hidrológicos, envolvem principalmente os mo-
radores de assentamentos precários sujeitos
ao impacto direto das águas ou a processos
de erosão, o que reforça o perigo de pessoas
serem levadas por enxurradas durante eventos
de chuvas intensas, além de perdas materiais e
danos às moradias.
Um aspecto que também não pode ser
desconsiderado na metrópole é a perda de bio-
diversidade e cobertura vegetal, e a perda de
cobertura vegetal tem provocado alterações
microclimáticas associadas aos impactos plu-
viais, responsáveis diretas das inundações na
área urbana.
A RMSP apresenta declínio de cresci-
mento populacional anual desde a década de
1970, enquanto as áreas centrais perdem po-
pulação, a periferia do município de São Paulo
e os municípios periféricos da RMSP apresen-
tam um expressivo crescimento demográfico.
Entre 1986 e 2008, a área urbanizada da RMSP
passou de 1.473,70 km² para 1.766,50, perdeu
113,10 km² de áreas vegetadas, especialmente
nas porções territoriais situadas nas franjas da
urbanização (Silva e Galvão, 2011). A amplia-
ção da mancha urbana metropolitana tem pro-
vocado a perda de cobertura florestal na RMSP,
notadamente nas áreas mais periféricas. En-
quanto a cidade consolidada apresentava ape-
nas 4% de seu território recoberto por áreas
florestadas no ano 2000, na fronteira urbana
esse índice era de 50% (Torres et al., 2007).
A remoção da cobertura vegetal tem
impactos ambientais: exposição de solos, pro-
dução de sedimentos, diminuição de áreas de
infiltração de chuvas, aumento do escoamento
superficial de água e da temperatura urbana. A
ocupa ção de áreas vulneráveis do ponto de vista
geológico e geotécnico com relevos de alta de-
clividade provoca problemas ambientais cumu-
lativos de grande magnitude, principalmente
deslizamentos, desabamentos e inundações.
A problemática dos resíduos sólidos tam-
bém se inclui devido à escala de geração e à
sua disposição em virtude de saturação e de
limitadas possibilidades de expansão, em virtu-
de da forte pressão urbana no seu entorno. O
principal efeito é a multiplicação de impactos
ambientais negativos associados aos locais de
disposição inadequada de resíduos, o que di-
ficulta de forma significativa o avanço rumo a
uma gestão sustentável.
Desastres ambientais na RMSP
Na RMSP, os eventos são relacionados a fenô-
menos climáticos, os quais se agravam com a
falta de planejamento e infraestrutura urba-
na presente nas cidades paulistas (Nobre et
al., 2010). A RMSP tem características físicas
Pedro Roberto Jacobi
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013228
que contribuem para a ocorrência de inunda-
ções, tais como elevado grau de pluviosidade
e conformação geomorfológica dessa área.
Os temporais são frequentes na primavera e,
especialmente, no verão, e uma das principais
consequências são os alagamentos e enchen-
tes “relâmpagos” que lideram as estatísticas
como o segundo maior causador de perda de
vida. A gravidade dos temporais depende,
além de outros fatores, do tempo de ocorrên-
cia e da intensidade da chuva. Segundo Olivei-
ra (2011), observa-se um aumento da ocorrên-
cia de eventos extremos entre 70 e 90mm nos
últimos 20 anos.
Por outro lado, o aumento da frota de
veículos em circulação na RMSP e a expansão
das vias em áreas de várzea para atender ao
aumento de tráfego tendem a aumentar o grau
de veículos e pessoas expostas aos riscos de
inundações, o que implica incremento de vul-
nerabilidade (Nobre et al., 2010).
Além de as inundações explicitarem a
falta de planejamento de uso e ocupação do
solo e o despreparo das autoridades, não se
pode desconsiderar os agravantes associados
às desigualdades regionais, sociais, e à falta de
possibilidades de acesso à moradia adequada
que se torna vetor da multiplicação de tragé-
dias urbanas recorrentes, causadas pelo des-
controle do processo histórico de adensamento
urbano não devidamente planejado e controla-
do pelos poderes competentes, o que implica
desafios em sua gestão (Nobre et al., 2010).
Estudos mostram também que, devido ao
desenvolvimento urbano acelerado na região
a partir dos anos 1950, junto com condições
de tráfego, falta de vegetação e intensa polui-
ção do ar, iniciou-se processo de formação de
ilhas de calor, que têm provocado alterações
no clima da região, tais como diminuição do
nevoeiro no centro da cidade de São Paulo e
diminuição da garoa típica. Esse fenômeno,
além de possivelmente incrementar a formação
de chuvas nos locais onde atuam (Ribeiro et al.,
2010), também prejudica a dispersão de po-
luentes atmosféricos, podendo causar impacto
na saúde da população (Nobre et al., 2010).
Estudos sobre o fenômeno de ilhas de ca-
lor na cidade de São Paulo apontam para dife-
renças de até 10°C no gradiente de temperatu-
ra, podendo se observar temperaturas mais ele-
vadas nas regiões centrais e mais densamente
urbanizadas e as mais baixas temperaturas na
periferia serrana e em locais próximos a reser-
vatórios de água (Sepe e Gomes, 2008). Nesse
sentido, Ribeiro et al. (2010) indicam que, na
maioria dos episódios de chuva, a maior con-
centração pluvial formou-se sobre a cidade de
São Paulo e, em alguns casos, só ocorreu nos
bairro centrais, ou seja, em locais onde a tem-
peratura é mais alta devido ao fenômeno da
ilha de calor. Outro ponto relevante a ser con-
siderado diz respeito ao alcance da brisa marí-
tima ao centro da cidade. Assim, possivelmen-
te, a interação entre as brisas e a ilha de calor
deve aumentar o transporte de vapor de água,
incrementando a formação de chuvas.
Desse modo, na RMSP, a incidência de
fortes chuvas provoca deslizamentos de en-
costas e inundações em terrenos de baixadas
fluviais, o que, associado ao processo histó-
rico de adensamento urbano não planejado,
agrava ainda mais os impactos. Assim, ações
antrópicas – desmatamento, má disposição
de resíduos sólidos, compactação e imper-
meabilização do solo – levam a modificações
nas condições do solo, elevando sua susceti-
bilidade aos processos naturais, como erosão,
São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013 229
deslizamentos, assoreamento e inundações
(Maricato et al., 2010).
Em estudo realizado em 2011, o IPT ma-
peou 407 áreas na cidade de São Paulo e identi-
ficou 1.179 setores de risco, sendo 57% corres-
pondentes a áreas de encosta e 43% à margem
de córregos.2 Desse total, 14% apresentou pro-
babilidade muito alta de ocorrência de proces-
sos destrutivos, 38% apresentou probabilidade
alta, enquanto os setores com probabilida-
de média e baixa de ocorrência de processos
destrutivos totalizaram 48%. Ainda, nas áreas
de risco identificadas no estudo, foram conta-
bilizadas 105.816 moradias, das quais 28.933
foram classificadas em situação de risco muito
alto e alto.
A obsolescência de todo o sistema de
drenagem urbana diante do crescimento da
cidade, o assoreamento dos rios e córregos,
problemas pontuais de drenagem, somados
ao pouco controle e monitoramento de áreas
de risco, contribuem para eventos que causam
prejuízos para toda a sociedade.
Segundo Maricato et al. (2010), os ce-
nários de risco e as fatalidades urbanas, re-
gistradas todos os anos na RMSP, estão pre-
dominantemente associados ao descaso ou
imprudência na forma de ocupação dos ter-
renos, tanto em empreendimentos regulares,
como em áreas invadidas. Nesse sentido, fica
demonstrada a importância do poder público,
no que tange o controle e as restrições de uso
e ocupação do solo, diminuindo a vulnerabili-
dade a desastres naturais.
Dilemas socioambientais e a resposta pública
Apesar de existir um quadro que preocupa pela
sua complexidade e pelas dificuldades de gerar
respostas mais efetivas, observam-se algumas
ações do poder público na formulação e im-
plementação de políticas, planos, programas e
projetos que enfatizam a neutralização e redu-
ção da degradação ambiental.
No tangente ao transporte público, a
expansão do sistema metroviário e a moder-
nização do sistema ferroviário na região pra-
ticamente estagnaram. No caso do Metrô, nos
últimos 18 anos, foram estendidos apenas 27
quilômetros de trilhos, totalizando menos de
75 km. Quanto ao controle de emissão de po-
luentes, a cidade de São Paulo implantou uma
política desde 2008, mas, apesar de seu impac-
to como instrumento de controle, a poluição
está mais presente no ar devido aos aumentos
da frota de carros e do trânsito – mais carros
por mais tempo nas ruas.
A retirada de vegetação e a impermeabi-
lização do solo nas cidades reduzem drastica-
mente a infiltração das águas de chuva no solo.
Os problemas de inundações, alagamen-
tos e deslizamentos, embora decorram das
características geomorfológicas e climáticas,
na macrometrópole de São Paulo estão muito
relacionados com o padrão de crescimento e
de ocupação urbana pouco controlado. Nesse
sentido, medidas estruturais realizadas com
Pedro Roberto Jacobi
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013230
objetivo de mitigar o problema são geralmente
relacionadas com infraestrutura urbana ou com
zoneamento urbano. Têm sido implementa-
das ações em nível estadual e dos municípios.
Técnicos e pesquisadores indicam ser necessá-
ria uma política de ocupação do solo que não
agrave a questão da impermeabilização, e di-
versas técnicas de intervenção de uso do solo
podem minimizar o impacto da impermeabili-
zação. A impermeabilização adquiriu tal dimen-
são que mesmo a aplicação de medidas com-
pensatórias pode reverter totalmente o efeito
negativo da impermeabilização. Cabe registrar
que as obras de drenagem trabalham com um
determinado critério de segurança em relação
ao nível de chuva. Mas se houver um volume
maior de chuvas do que a previsão adotada no
projeto, surgem problemas de gestão. E como
no geral se projeta supondo um determinado
nível de ocupação do solo e da bacia, o incre-
mento de impermeabilização tornará as obras
de drenagem cada vez mais insuficientes.
Desde a década de 1960, ações voltadas
para o controle de inundações têm sido desen-
volvidas na RMSP. Tais ações ganharam mais
força na década de 1980 por meio de diversos
estudos nos quais as inundações eram vistas
como uma questão a ser tratada intersetorial-
mente, com foco no uso do solo, considerando
as políticas de transporte, habitacional, de con-
trole de poluição, de esgotos e de preservação
dos recursos naturais. Os resultados têm sido
pouco satisfatórios, apesar das medidas de re-
baixamento de nível de água e desobstrução
de rios e córregos e de ações emergenciais (mi-
crodrenagem e planos de drenagem), de médio
e longo prazo, prevendo novamente ações vol-
tadas para o disciplinamento do uso e ocupa-
ção do solo.
Em 1998, foi criado o Plano Diretor de
Macrodrenagem da bacia hidrográfica do Alto
Tietê, objetivando combater as enchentes da
RMSP com a construção de piscinões, rebai-
xamento da calha do rio Tietê, canalização de
afluentes e construção de barragens. Os reser-
vatórios de controle de cheias, os “piscinões”,
alteram a forma de projetar o manejo das
águas pluviais, buscando retardar o escoamen-
to das águas durante os episódios de chuvas
intensas. Entretanto, tratam-se os sintomas e
não as causas. Os 45 piscinões na RMSP, sen-
do 24 de responsabilidade estadual e 21 sob
a gestão de prefeituras, sejam superficiais ou
subterrâneos, cumprem uma das funções das
várzeas – amortecimento do pico das cheias –
liberando de forma controlada, aos poucos, as
águas após o final da chuva. Diferentemente
das várzeas, não podem ser deixados sem ma-
nutenção, pois rapidamente viram criadouros
de mosquitos, depósitos de lixo carreado pela
chuva. Os piscinões sem manutenção transfor-
mam-se de solução em um novo problema de
poluição difusa, podem, inclusive, assorear e,
ao invés de conter as cheias, provocar inunda-
ções (Rutkowski et al., 2010).
Além dessas medidas estruturais – pis-
cinões, barragens, rebaixamento e retificação
de calhas –, as soluções não estruturais ou
preventivas estão sendo introduzidas, como o
Sistema de Alerta a Inundações de São Paulo,
baseado num sistema de monitoramento em
tempo real para processar modelos de previ-
são meteorológica e hidrológica que produzem
alertas em condições críticas.
Apesar da alta probabilidade de en-
chentes na RMSP, a mitigação dos impactos
desses eventos depende de uma densa re-
de de monitoramento de superfície, radares
São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013 231
meteorológicos com maior sensibilidade para
a detecção dos estágios iniciais de formação
dos sistemas precipitantes e, ainda, a utilização
de modelos numéricos de altíssima resolução
espacial para uma maior antecipação desses
eventos (Pereira et al., 2004).
Em 1995, deu-se início a um grande
projeto de despoluição dos corpos de água da
RMSP, o Projeto Tietê, atualmente na terceira
etapa, mas aspectos como a descontinuidade
das obras durante as sucessões administrati-
vas, o descaso com o saneamento básico e a
falta de transparência na gestão do programa
configuram uma realidade que protela a solu-
ção de um dos maiores problemas da região,
o atendimento da população com esgoto cole-
tado e seu tratamento. Apesar de 99,42% da
população da RMSP estar abastecida por água
potável, segundo dados de 2008 da Cetesb,
somente 84% dos esgotos gerados são coleta-
dos, e 44% sofrem algum tipo de tratamento.
Avalia-se que 30% da carga poluidora total é
lançada diretamente nos corpos d´água.
Além dos programas estruturais, algu-
mas políticas públicas estão estreitamente
relacionadas com a questão das inundações,
notadamente a legislação sobre proteção aos
mananciais, que tem como principal instrumen-
to o zoneamento urbano em áreas de manan-
ciais – áreas de vulnerabilidade ambiental onde
há invasões urbanas recorrentes; e os planos de
bacia, que tratam, dentre outras questões, de
recursos hídricos na bacia hidrográfica, de me-
tas e ações para a drenagem urbana.
Tendo incorporado os princípios das le-
gislações estaduais e federais sobre recursos
hídricos, a Lei dos Mananciais (Lei Estadual
9.866/97) estabelece diretrizes e normas para
a proteção e recuperação de mananciais de
interesse regional do Estado de São Paulo. As
Áreas de Proteção e Recuperação aos Manan-
ciais – APRM são territorialmente delimitadas
por áreas de drenagem de corpos de água
superficiais utilizados para o abastecimento
público, sendo assim, sua preservação é impor-
tante e vital. A nova legislação enfatiza a im-
portância dos mananciais para abastecimento
público para a sociedade, e as atividades rea-
lizadas nessas áreas devem ser controladas, de
maneira a minimizar os riscos ambientais de
eventos que levam à poluição e possível con-
taminação dos reservatórios. A Lei dos Manan-
ciais agrega os instrumentos relativos ao uso e
ocupação do solo tendo uma visão de gestão
descentralizada e participativa. Uma nova pro-
posta de zoneamento também surge nessa Lei
com a criação de áreas de intervenção, quais
sejam: áreas de restrição à ocupação; áreas de
ocupação dirigida; e as áreas de recuperação
ambiental. Cada área de intervenção permite a
realização de atividades antrópicas de acordo
com sua fragilidade ambiental. O zoneamen-
to dessas áreas demanda fiscalização do uso
do solo e medidas que impeçam a invasão de
áreas de restrição à ocupação, porém, a ausên-
cia de políticas públicas habitacionais muitas
vezes induz a ocupação clandestina das áreas
de preservação aos mananciais. O que tem sido
encontrado na RMSP é a insuficiência no con-
trole dessas ocupações, que são mais intensas
em áreas de mananciais que eu outras regiões
da RMSP (CBH-AT, 2007).
No caso da RMSP, o instrumento mais
importante é a lei específica para cada APRM,
também prevista na Lei 9.866/97. Essas leis
devem se basear nas diretrizes da referida
Lei, considerando, porém, as peculiaridades
de cada bacia hidrográfica. A complexidade
Pedro Roberto Jacobi
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013232
e diversidade do sistema socioambiental na
RMSP entre as bacias de drenagem dos diver-
sos sistemas produtores de água justificam a
importância de especificar para cada APRM
quais as ações mais necessárias, adequadas,
eficazes; e de que maneira as ações, interven-
ções e o controle das atividades antrópicas
devem ser efetuados, considerando em cada
bacia todos os aspectos de suas característi-
cas ambientais.
Embora os problemas decorram de sua
aplicação, principalmente pela falta de uma ar-
ticulação com os poderes públicos municipais
integrantes da Região Metropolitana de São
Paulo, o sistema normativo permitiu aliar uma
estratégia de proteção ambiental, com caráter
preventivo, assim como a cooperação intergo-
vernamental em matéria de uso do solo, em
uma convergência de competências estadual e
municipal. Sua baixa efetividade criou as condi-
ções para revisão e formulação de nova legis-
lação estadual de proteção aos mananciais – a
Lei 9.866/97 – que passou a incorporar princí-
pios do sistema de gerenciamento de recursos
hídricos em sua estratégia de execução. Seu
diferencial é que as medidas específicas apli-
cáveis às áreas de proteção e recuperação de
mananciais são definidas de forma descentrali-
zada nos respectivos planos de desenvolvimen-
to e proteção ambiental. A ênfase é em medi-
das voltadas ao disciplinamento da qualidade
ambiental, com foco em restrição à ocupação,
ocupa ção dirigida e recuperação ambiental
(Silva e Porto, 2003).
Trinta e cinco municípios da bacia do Alto
Tietê, 29 representando 79% da população ur-
bana da RMSP, recebem seus sistemas de água
e esgoto diretamente da Companhia de Sanea-
mento Básico Estado de São Paulo (Sabesp)
e outros seis municípios compram dela água
por atacado. Os principais desafios hídricos
na RMSP são a escassez de água, a expansão
urbana e a pobreza, causa e consequência da
poluição hídrica, além dos problemas de ma-
nejo das águas pluviais e os altos níveis de
perda de receita por desperdício de água potá-
vel (Rutkowski et al., 2010). Os mananciais da
RMSP e do município de São Paulo estão su-
jeitos a inúmeros impactos, aumentando a sua
vulnerabilidade e risco para a saúde da popu-
lação. Os problemas associados com o estresse
hídrico na RMSP, se associam à dependência da
água de bacias colindantes em virtude da in-
suficiência da bacia do Alto Tietê para garantir
o abastecimento. Além da escassez de água, a
expansão urbana e a pobreza tem se configura-
do como fatores de poluição hídrica além dos
problemas de manejo de águas pluviais e dos
altos níveis de perda de receita por desperdício
de água potável (Rutkowski et al., 2010). Se-
gundo a FUSP (2009), o total de água da bacia
excede, em muito, sua própria produção hídri-
ca. A produção de água para abastecimento
público está hoje em 67,7 m3/s, e 31 m3/s são
importados da Bacia do rio Piracicaba.
Caminhos para a sustentabilidade urbana – o enfrentamento sociopolítico dos dilemas socioambientais
A reflexão sobre as práticas sociais, em um
contexto urbano marcado pela degrada-
ção permanente do meio ambiente e do seu
ecossistema, não pode omitir a análise do
determinante do processo, nem os atores
São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013 233
envolvidos e as formas de organização social
que aumentam o poder das ações alternativas
de um novo desenvolvimento, em uma pers-
pectiva de sustentabilidade.
A preocupação com o tema do desen-
volvimento sustentável introduz não apenas
a questão controversa sobre a capacidade de
suporte, mas também o alcance e limites das
ações para reduzir o impacto dos danos na vida
urbana cotidiana e as respostas baseadas na
mudança do modus operandi e do que se con-
vencionou denominar business as usual.
No atual quadro urbano brasileiro, é in-
questionável a necessidade de implementar
políticas públicas orientadas para tornar as
cidades social e ambientalmente sustentáveis
como uma forma de se contrapor ao quadro de
deterioração crescente das condições de vida.
Uma agenda para a sustentabilidade urbana
ampliaria o nível de consciência ambiental
estimulando a população a participar mais in-
tensamente nos processos decisórios como um
meio de fortalecer a sua corresponsabilização
no monitoramento dos agentes responsáveis
pela degradação socioambiental. Torna-se im-
portante observar que, segundo estudo (Nobre
et al., 2010), a RMSP poderá ter um aumento
de temperatura entre 2ºC e 3ºC neste século,
e isso poderá provocar uma mudança signifi-
cativa no regime de chuvas, o que dobraria o
número de dias com chuvas intensas. Como
consequência, inundações serão cada vez mais
frequentes e com crescente abrangência terri-
torial na capital paulista. O estudo alerta que,
somente na cidade de São Paulo, há cerca de
1,6 milhão de pessoas morando em favelas,
concentradas principalmente em áreas de ris-
co de escorregamento ou inundações, pessoas
essas que sofrerão os impactos mais intensos
diante do aumento na intensidade das chu-
vas. Se o processo de expansão urbana man-
tiver continuidade como o padrão atual, com a
ocupa ção dos anéis periféricos cada vez mais
distantes, os arruamentos penetrararão em
áreas de solo frágeis, com declividade mais
acentuada e com condições impróprias para ur-
banização, onde geralmente ocorre perda signi-
ficativa de vegetação, o que potencializa novas
situações de risco. A necessária reflexão sobre
as possibilidades de tornar nossas cidades mais
sustentáveis mostra o desafio teórico colocado
em relação à formulação de propostas que con-
tribuam para alcançar objetivos de sustentabi-
lidade nas cidades.
Coloca-se para a RMSP, e portanto pa-
ra os 39 municípios, a necessidade de criar as
condições para assegurar uma qualidade de vi-
da que possa ser considerada aceitável, não in-
terferindo negativamente no meio ambiente e
agindo preventivamente para evitar a continui-
dade do nível de degradação, notadamente nas
regiões habitadas pelos setores mais carentes.
Sua inclusão na esfera da sustentabili-
dade ambiental implica uma transformação
paradigmática, constituindo-se num elemento
complementar para atingir um desenvolvi-
mento econômico compatível com a busca de
equidade. Também é importante que se reforce
a importância de uma gestão compartilhada,
com ênfase na corresponsabilização na gestão
do espaço público e na qualidade de vida ur-
bana, e que se estimulem cada vez mais ações
preventivas, não descuidando da necessidade
de lidar com as ações corretivas.
A participação assume um papel cada
vez mais relevante na denúncia das contradi-
ções entre os interesses privados e os interes-
ses públicos, entre os bens públicos e os bens
Pedro Roberto Jacobi
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013234
privados, entre uma cultura da desesperança
que busca benefício atual e desvaloriza o futu-
ro diante da construção de uma cidadania am-
biental que supere a crise de valores e identida-
de e proponha outra, com base em valores de
sustentabilidade. Isso potencializa a ampliação
da consciência ambiental e sua tradução em
ações efetivas de uma população organizada
e informada de maneira correta, preparada pa-
ra conhecer, entender, reclamar seus direitos e
também de exercer sua responsabilidade.
A modernização dos instrumentos requer
uma engenharia socioinstitucional complexa
para garantir condições de acesso dos diver-
sos atores sociais envolvidos, notadamente dos
grupos sociais mais vulneráveis.
Trata-se, portanto, de reforçar políticas
socioambientais que se articulem com as ou-
tras esferas governamentais e possibilitem a
transversalidade, reforçando a necessidade de
formular políticas ambientais pautadas pela
dimensão dos problemas em nível metropolita-
no. Mas também cabe enfatizar a contribuição
que a área ambiental deve ter na articulação
com políticas de emprego, renda e desenvolvi-
mento econômico, reforçando principalmente
a importância de uma gestão compartilhada
com ênfase na coresponsabilização na gestão
do espaço público e na qualidade de vida ur-
bana, o que se busca através da constituição
de consórcios intermunicipais.
Na Região Metropolitana de São Paulo, é
inquestionável a necessidade de implementar
políticas públicas orientadas para tornar a cida-
de social e ambientalmente sustentável como
forma de se contrapor ao quadro de deteriora-
ção crescente das condições de vida.
Segundo Ribeiro (2011), a reprodução
das cidades tende a perpetuar um modelo
equivocado de intervenções sobre o meio am-
biente que potencializa os efeitos de eventos
extremos. As consequências do desrespeito ao
meio ambiente nas ocupações urbanas são no-
tórias. E o principal desafio que se apresenta
é que, como as cidades brasileiras não conse-
guem acompanhar os problemas gerados pelo
volume das chuvas atuais, é necessário repen-
sar a governança do espaço urbano tanto na
prevenção e alerta de desastres, como na sua
atuação pós-desastre. Também é necessário,
sobretudo, se prevenir contra propostas que
abram caminho para uma degradação ainda
mais intensa de áreas frágeis e de relevância
ecológica para o equilíbrio dos sistemas na-
turais. Essa prevenção e ação responsável só
poderão ser alcançadas em uma perspectiva de
atuação compartilhada e interescalar entre os
diferentes setores da sociedade (Berkes, 2002).
A problemática ambiental urbana repre-
senta, por um lado, um tema muito propício
para aprofundar a reflexão em torno do restrito
impacto das práticas de resistência e de ex-
pressão de demandas da população em áreas
mais afetadas pelos constantes e crescentes
agravos ambientais.
Por outro, representa a possibilidade de
abertura de estimulantes espaços para imple-
mentar alternativas diversificadas de democra-
cia participativa, notadamente a garantia do
acesso à informação e consolidação de canais
abertos para uma participação plural.
Sob o foco do grau de exposição dos gru-
pos sociais aos riscos ambientais, a realidade
socioambiental na RMSP configura um quadro
no qual a continuidade da omissão e/ou insu-
ficiência e/ou impropriedade das ações públi-
cas no tratamento dos gravíssimos problemas
associados à ocorrência de eventos extremos
São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013 235
tenderá a ampliar as tragédias em sua intensi-
dade, frequência e letalidade. Isso implica rom-
per com o círculo vicioso que tem como conse-
quência direta a incapacidade e/ou descompro-
misso para se tomar decisões que reduzem ou
eliminem os erros essenciais que estão na ori-
gem desses graves fenômenos. Nesse sentido,
coloca-se a necessidade de fortalecer políticas
públicas que, sob a égide da justiça ambiental,
promovam estratégias de redução de risco, e
de a construção de infraestrutura ser orientada
a partir de uma abordagem preventiva, cuja
base é a participação social, o empoderamento
das comunidades, a cooperação intersetorial e
interinstitucional e a colaboração entre os seto-
res público e privado.
Na Conferência Rio+20, apesar da falta
de definições e metas pelos governos quanto
aos principais temas – o desenvolvimento de
uma economia verde e inclusiva, o estabeleci-
mento de uma arquitetura institucional global
dotada de competências e poderes para garan-
tir a salvaguarda das condições de vida huma-
na e os serviços dos ecossistemas –, foi enfati-
zada a importância da inovação na governança
dos governos locais e da disseminação das
“boas práticas” desenvolvidas por algumas ci-
dades. Nessa direção, as cidades têm mostrado
respostas e abordado em alguns casos ques-
tões de futuro que revelam um compromisso
com a sustentabilidade local, um dos maiores
desafios do século XXI.
Há mais de vinte anos, a Agenda 21
foi adotada pelos Chefes de Estado e gover-
nos nacionais na Cúpula da Terra no Rio, por
algu mas ONGs globais, como é o caso do
ICLEI – Associação Internacional Governos
Locais pela Sustentabilidade (2012), e, mais
recentemente, por algumas coa lizões que
assinaram documentos centrados no plane-
jamento da ação local pelo clima. Em 2010,
prefeitos assinaram o Pacto Global das Ci-
dades sobre Clima e se comprometeram com
ações e responsabilidades voluntárias pelo
clima. Em 2011, os prefeitos assinaram a Car-
ta de Adaptação de Durban, estabelecendo
assim compromissos com a ação para adap-
tação às mudanças climáticas.
São exemplos de como as cidades podem
enfrentar questões estratégicas em direção à
sustentabilidade local, os governos locais que
conseguem promover ações sustentáveis a par-
tir de premissas articuladoras da inovação, com
a superação das lógicas recorrentes pautadas
na manutenção dos padrões tradicionais de
uso e ocupação do solo, da ênfase em modelos
urbanísticos centrados no transporte individual,
e com expansão de mancha urbana que se ex-
pande horizontalmente destruindo áreas de
proteção ambiental.
Após a conferência de Johannesburgo
em 2002, os governos locais comprometeram-
-se em ir mais adiante, além do planejamento
do desenvolvimento, e abordar fatores especí-
ficos que impedem que muitas cidades e co-
munidades alcancem a sustentabilidade: temas
como pobreza, injustiça, exclusão e conflito;
ambientes insalubres e insegurança.
As ênfases propostas para que as cida-
des avançassem na direção da sustentabilida-
de focaram nos conceitos de economias locais
viáveis, cidades ecoeficientes e comunidades e
cidades resilientes.
Quando se analisam algumas experiên-
cias locais que avançaram quanto à sustenta-
bilidade, o que se observa é que os governos
locais se convertem em incubadoras de inova-
ção e implementação em escala, agentes de
Pedro Roberto Jacobi
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013236
mudança, e esfera de governo mais próxima
das pessoas, podendo enfrentar os problemas
globais com soluções sistêmicas localizadas
(ICLEI, 2012). Nesse sentido, as cidades podem
ter um rol decisivo a partir do fortalecimento
de modelos de cooperação descentralizada; do
apoio à criação de apropriados quadros regu-
latórios locais que permitam soluções urbanas
integradas: fortalecer o desenvolvimento de
ações pautadas pela resiliência e adaptação
às mudanças climáticas; criar novos mercados
para economias urbanas verdes inclusivas;
promover rupturas estruturais na lógica da mo-
bilidade urbana, do fortalecimento de redes e
associações que conectam os líderes locais, de
modo a facilitar o intercâmbio de conhecimen-
tos, capacitar e promover a ação colaborativa;
e criar oportunidades para conduzir a transição
para uma economia urbana verde vigorosa e
inclusiva, que aborda a necessidade de redução
da pobreza e a justiça ambiental.
No caso da RMSP, a ênfase deve ser cada
vez mais na intersetorialidade das políticas no
âmbito municipal e regional, em que a dimen-
são socioambiental estimula uma perspectiva
de sustentabilidade e implica mudanças na
cultura política urbana, enfatizando lógicas
cooperativas de governança e fortalecendo a
participação pública.
Os temas urbanos, que por excelência
estão relacionados com o da sustentabili-
dade, são as opções de transporte, planeja-
mento e uso do solo, e acesso aos serviços
de sanea men to e infraestrutura básica, todos
vinculados com a potencialização de riscos
ambientais. Isso impõe mudanças profundas
na questão da ocupação indevida de áreas de
risco, na priorização do transporte público e na
lógica que prevalece nos sistemas de limpeza
urbana – redução do lixo, reciclagem e coleta
seletiva, políticas de destinação de resíduos. A
palavra-chave “qualidade de vida”, mais in-
ternalizada pelas políticas públicas, tem como
elemento determinante a intersetorialidade
das ações para criar condições de implementa-
ção de políticas orientadas para a sustentabi-
lidade urbana, assim diminuindo os riscos am-
bientais e a pressão sobre os recursos naturais.
O principal desafio nos dias atuais é que
as cidades da RMSP e das demais metrópoles
brasileiras criem condições para assegurar uma
qualidade de vida que possa ser considerada
aceitável, não interferindo negativamente no
meio ambiente e agindo preventivamente pa-
ra evitar a continuidade do nível de degrada-
ção, notadamente nas regiões habitadas pelos
setores mais carentes. Destaque-se também
a importância de uma gestão compartilhada
com ênfase na corresponsabilização na gestão
do espaço público e na qualidade de vida ur-
bana, e o estímulo crescente às ações preven-
tivas, com definição de políticas que avancem
na direção da expansão do transporte público
em âmbito metropolitano, reduzindo o tempo
de deslocamentos, de utilização de fontes de
energia renováveis. Também se deve atentar
para as mudanças necessárias, tanto no plano
da construção e de infraestruturas diante de
um quadro que configura mudanças climáticas;
e a promoção de formas combinadas de ges-
tão dos resíduos sólidos. A RMSP, assim como
as demais metrópoles brasileiras, se confronta
com o desafio de promover economias de bai-
xo carbono, e isso representa a adesão a um
novo paradigma que promova a mitigação e a
adaptação às mudanças climáticas.
São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013 237
Pedro Roberto JacobiProfessor Titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo. Coordenador do Laboratório de Governança Ambiental (GovAmb/PROCAM/IEE/USP). Editor da Revista Ambiente e Sociedade. São Paulo/SP, [email protected]
Notas
(1) Informação ob da diretamente de técnico do IPT em outubro de 2012.
(2) Informação ob da de técnico do IPT em outubro de 2012.
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À guisa de conclusão, destaca-se a
importância de multiplicar ações pautadas
pelo conceito de aprendizagem social, que
afirmam a importância de as instituições de
ensino, em seus diversos níveis, assumirem a
liderança no compartilhamento de melhores
práticas e ações propositivas para a sustenta-
bilidade metropolitana.
Pedro Roberto Jacobi
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013238
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Texto recebido em 6/nov/2012Texto aprovado em 2/dez/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
Ocupação de encostas urbanas:algumas considerações sobre
resiliência e sustentabilidade
Occupation of urban hillsides: someconsiderations about resilience and sustainability
Mônica Bahia Schlee
ResumoA ocupação das encostas em cidades das regiões
Sudeste, Nordeste e Sul do Brasil apresenta im-
plicações diretas para a resiliência e a sustenta-
bilidade da paisagem urbana nessas regiões. Este
artigo refl ete sobre a situação atual da ocupação
das encostas em algumas cidades dessas regiões,
com foco no Rio de Janeiro, e identifica padrões
morfológicos, processos e lógicas que lhes deram
origem. A pesquisa realizada fundamentou-se em
contribuições da ecologia da paisagem e da morfo-
logia urbana e se desenvolveu em três escalas com-
plementares de análise, do suporte geo-biofisico
ao suporte construído, da escala regional ao lote
urbano. Defende-se que os espaços livres localiza-
dos nas encostas são fundamentais para fortalecer
a proteção das fl orestas e a capacidade de supor-
te, de amortecimento e de adaptação a impactos e
transformações nas encostas urbanas, contribuindo
para fortalecer a resiliência e a sustentabilidade
destes sistemas paisagísticos.
Palavras-chave: paisagem; ocupação de encostas;
espaços livres; resiliência; sustentabilidade.
AbstractThe occupation of urban hillsides in the Southeast, Northeast and South regions of Brazil has direct implications for the resilience and sustainability of the urban landscape in these regions. This article reflects on the current situation of the urban occupation of hillsides in some cities of these regions, focusing on Rio de Janeiro, and identifies morphological patterns, underlying processes and the logics that originated them. The research was based on contributions from landscape ecology and urban morphology, and unfolded in three complementary scales of analysis, from geo-biophysical support to the built support, from regional scale to the urban lot. It is argued that the open spaces located on the slopes are critical to strengthen the protection of forests, and the capacity to support, buffer and adapt to impacts and transformations on urban slopes, helping to strengthen the resilience and sustainability of these landscape systems.
Keywords: landscape; hillside settlement; open spaces; resilience; sustainability.
Mônica Bahia Schlee
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013242
Introdução
O desenvolvimento sustentável tem sido objeto
de discussão em todo o mundo desde a déca-
da de 1980. Desde que o termo “sustentabili-
dade” foi adotado pela Comissão Brundtland
(Brundtland e Khalid, 1987), críticas têm de-
safiado sua ênfase no crescimento econômico,
progresso tecnológico e economia de energia
como meio de perpetuar a hegemonia capita-
lista (Arrow et al., 1995; Acselrad, 1999 e 2010;
Ehrlich et al., 2012). Como argumentado por
Acselrad (1999, 2010), Folke (2006), Holdren
(2008) e Ehrlich et al. (2012), o desenvolvimen-
to sustentável deveria buscar a compatibiliza-
ção entre desenvolvimento econômico, mode-
rado e equânime, e a promoção da saúde, in-
tegridade e justiça socioambientais para o bem
comum das gerações presentes e futuras.
As lógicas do crescimento econômico e
da segregação espacial, que fomentam e ex-
pressam as desigualdades sociais e ambien-
tais, ainda estão indelevelmente impressas nas
políticas e práticas governamentais em todo o
mundo e revelam-se de diferentes maneiras lo-
calmente. Nas cidades brasileiras, e em especial
no Rio de Janeiro, essa questão merece uma
atenção particular. Pressões imobiliárias e de
uso da terra sobre as franjas da floresta tropi-
cal urbana e os corpos d'água situados sobre
as encostas da cidade são contínuas, especial-
mente no Maciço da Tijuca, onde se localiza o
Parque Nacional da Tijuca (PNT), dividido em
quatro setores não contíguos.
Este artigo enfoca a dimensão física da
sustentabilidade, relativa à paisagem urbana,
e argumenta que entender a realidade urbana,
como argumentado por Johnson e Hill (2002),
é uma estratégia fundamental para alcançar a
sustentabilidade. Os danos ambientais muitas
vezes ocorrem de forma abrupta e não são
reversíveis. Mas, como apontaram Arrow et
al. (1995), as mudanças bruscas podem ser
antecipadas se os efeitos dinâmicos das trans-
formações forem considerados e se medidas
adequadas de proteção das paisagens forem
tomadas. A compreensão do comportamen-
to de sistemas sociais e ecológicos e de como
esses respondem a transformações e perturba-
ções é fundamental para a construção de es-
tratégias adequadas de gestão e manutenção
da resiliência, da capacidade regenerativa e do
desenvolvimento sustentável em bacias hidro-
gráficas urbanas. Em outras palavras, as fases
de avaliação e monitoramento são etapas fun-
damentais para a compreensão das condições
ambientais e socioculturais e dos limites de re-
siliência das paisagens.
O planejamento para a sustentabilidade,
como argumentado por Forman (1995), re-
quer o reconhecimento da estrutura, da fun-
ção, da dinâmica e do comportamento tran-
sitório dos sistemas paisagísticos, bem como
da interação entre as atividades humanas e a
resiliência das paisagens, como fatores inter-
dependentes. Mais recentemente, a interação
entre a resiliência e a sustentabilidade das
paisagens tem sido sublinhada por diversos
autores (Holling, 2001; Leitão e Ahern, 2002;
Folke, 2006; Ahern, 2010 e 2011; Ehrlich et
al., 2012, entre outros). Resiliência, segundo
esses autores, é a capacidade de um sistema
para absorver impactos e adaptar-se diante
das transformações, e a capacidade de recupe-
rar-se ou reorganizar-se a fim de manter sua
estrutura, função e identidade. Em relação
a sistemas paisagísticos, a resiliência alude a
Ocupação de encostas urbanas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013 243
dinâmicas não lineares e se baseia na inter-
-relação entre sistemas sociais e ambientais
(Folke, 2006; Ehrlich et al., 2012). Para Arrow
et al. (1995), Holling (2001), Folke (2006) e
Wang (2012), um aspecto fundamental na
avaliação da resiliência é a compreensão das
condições e funções dos sistemas de paisagem
e de seus desempenhos, limites e dinâmicas. A
diversidade e a heterogeneidade dos sistemas
paisagísticos urbanos, tanto espacial quanto
sociocultural, são, de acordo com Pickett et
al. (2004), Colding (2007) and Saavedra et al.
(2012), elementos que contribuem diretamen-
te para garantir e fortalecer a resiliência desses
sistemas. Desse modo, tanto o planejamento
como a gestão em busca de cidades resilientes
e sustentáveis devem integrar processos e fun-
ções ecológicos, culturais e socioeconômicos.
A dimensão espacial urbana da susten-
tabilidade requer a compreensão dos proces-
sos e as relações entre os ecossistemas (ou
sistemas naturais) e os sistemas socioculturais
em diferentes escalas ao longo do tempo. Re-
conhecer a importância da configuração, da
transformação e da interação transescalar da
paisagem é fundamental para o planejamento
da sustentabilidade das paisagens. Como será
demonstrado neste trabalho, as etapas de aná-
lise, avaliação e monitoramento da paisagem
são etapas-chave e devem ser executadas em
diferentes escalas, usando métricas em termos
comparativos, de modo a fornecer uma com-
preensão sólida sobre os padrões, processos
e relações de perturbação e de resiliência. O
cruzamento de investigações biofísicas, paisa-
gísticas e socioculturais levado a cabo nesta
pesquisa revela os efeitos dos padrões atuais
e processos em curso de desenvolvimento ur-
bano e indica interdependências, interações e
dissociações entre o ambiente natural e o am-
biente construído.
A metodologia aplicada e desenvolvida
nesta pesquisa (Schlee, 2011) fundamentou-
-se em contribuições da ecologia da paisa-
gem e da morfologia urbana (Mcharg, 1969;
Forman, 1986 e 1995; Turner, 1989; Turner
e Gardner, 2001; Weins, 2005; Kostof, 1991;
Lamas, 1992; Panerai et al., 1999; Geoheco,
2000; Tangari, 1999; Afonso, 1999) e se de-
senvolveu em três escalas complementares de
análise do suporte geobiofisico e do suporte
construído, a partir de uma leitura sistêmica e
matricial. Dessa forma, as estratégias metodo-
lógicas se estruturaram em três níveis sob três
eixos de análise: 1) morfologia da paisagem;
2) processos e agentes de formação e trans-
formação; 3) legislação.
O primeiro nível de análise correspondeu
à contextualização do Rio de Janeiro, em rela-
ção à região onde se localiza, em comparação
a outras quatro cidades brasileiras − Florianó-
polis, Vitória, São Paulo e Belo Horizonte, à
luz dos aspectos geobiofísicos, paisagísticos,
de regulação da ocupação e de proteção das
encostas. O segundo nível, à caracterização
da ocupação nos maciços e morros isolados
no contexto intraurbano do Rio de Janeiro.
O terceiro nível, à ocupação das encostas no
Maciço da Tijuca, com foco em três áreas de
maior detalhamento, localizadas em áreas su-
jeitas a intensa pressão urbana decorrente da
progressiva valorização imobiliária em bacias
hidrográficas localizadas respectivamente em
suas vertentes sul, leste e oeste. As sínteses fo-
ram geradas pelas conexões entre os quadros
e matrizes de análise e o mapeamento reali-
zado em aplicativo de sistema de informações
geográficas (GIS).
Mônica Bahia Schlee
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013244
Este artigo enfatiza a correlação entre
os padrões de ocupação, a dinâmica das trans-
formações e a vulnerabilidade da paisagem
nas encostas urbanas brasileiras à luz das re-
centes discussões sobre sustentabilidade e
resiliência das paisagens. O encaminhamento
das propostas esboçadas, com vistas à rever-
são dos processos e padrões aqui descritos, e
os resultados integrais das análises realizadas
nas cidades estudadas, relativas à morfologia
da paisagem e sua interface com a legislação,
assim como das análises realizadas nas bacias
hidrográficas e recortes espaciais no Rio de
Janeiro, quanto às condições geomorfológicas
de encosta, das bacias hidrográficas; do uso
e cobertura do solo; da situação e regulação
fundiária e edilícia; das condições de parcela-
mento; implantação; altura das edificações e
tipos construtivos serão discutidos em detalhe
em outras publicações.
Figura 1 – Cidades brasileiras analisadas
Fonte: Schlee (2011).
Ocupação de encostas urbanas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013 245
A paisagem das encostas urbanas do
Rio de Janeiro e seus corpos d’água qualifi-
cam-se como sistemas socioecológicos com-
plexos (Holling, 2001; Wang et al., 2012).
Questões relacionadas à resiliência em áreas
montanhosas urbanas e periurbanas envolvem
múltiplas variáveis. Daí a importância de fun-
dir as contribuições da ecologia da paisagem
e da morfologia urbana. Para esclarecer as
relações entre esses sistemas, através das len-
tes da morfologia da paisagem, é necessário
investigar e avaliar diversos parâmetros, entre
os quais as condições geomorfológicas de en-
costa, da bacia hidrográfica; uso e cobertura
do solo; situação e regulação fundiária e edilí-
cia; condições de parcelamento; implantação;
altura das edificações; tipos construtivos e es-
paços livres.
Figura 2 – Perfi l montanhoso da região Sudeste do Brasil mostra a gradação de altura dos três conjuntos montanhosos que caracterizam o relevo desta região
Serra da Mantiqueira Maciços CosteirosSerra do Mar
Fonte: Schlee (2011), a partir do aplicativo Google Earth, acesso em 25/5/2011.
Figura 3 – Recortes espaciais e bacias hidrográfi cas analisadas no Rio de Janeiro
Fonte: Schlee (2011).
Mônica Bahia Schlee
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013246
Padrões da paisagem de encostas em algumas cidades brasileiras
O processo de apropriação e ocupação das en-
costas no Brasil, inicialmente atrelado à função
utilitarista, a serviço da exploração ou do uso
produtivo dos recursos naturais, ancora-se no
desenvolvimento da política, da gestão e do
estabelecimento da estrutura fundiária urba-
nas levadas a cabo desde o período colonial. As
montanhas, serras e morros desempenharam
funções diversas nos processos de urbaniza-
ção das cidades brasileiras ao longo do tempo:
defesa e controle do território, abastecimento
de água, lenha e carvão, atividades agrícolas e
pecuárias, exploração mineral e alternativa de
moradia como forma de evitar as áreas alagá-
veis foram algumas delas.
A ocupação das encostas nas cidades li-
torâneas e nas cidades localizadas no interior
do Brasil nas regiões Sudeste e Sul apresenta
características diversas. A ocupação ao longo
dos maciços e serras não é contínua nem apre-
senta um padrão único de segregação socioes-
pacial por região. Núcleos de ocupação formal
e informal apresentam relação de contiguidade
espacial, que varia em função do nível de va-
lorização do solo nas encostas das respectivas
cidades, e entremeiam-se à vegetação arbórea
remanescente. De modo geral, a densidade em
ambas as formas de ocupação rarefaz-se à me-
dida que a topografia se torna mais acentuada.
A lógica da regulação da paisagem mon-
tanhosa no Rio de Janeiro e na maior parte
das cidades analisadas seguiu o princípio da
polarização social e da segregação espacial,
derivadas da estrutura social e econômica da
sociedade brasileira. A permanência de favelas
nas áreas valorizadas do Rio de Janeiro e das
demais cidades e suas relações de complemen-
taridade e de interdependência com o tecido
urbano formal fazem parte desta lógica. Em
relação ao padrão atual de estratificação so-
cial, três cidades se distinguem pela forte po-
larização social entre ricos e pobres nas encos-
tas: Rio (onde o fenômeno é mais expressivo),
Belo Horizonte e São Paulo. São Paulo e Belo
Horizonte apresentam padrão de urbanização
médio-alto a alto e ocorrência de favelas e lo-
teamentos irregulares. Em Belo Horizonte, con-
vivem nas encostas um bairro de alto padrão e
favelas conurbadas, formando um contínuo ex-
tenso. Em Florianópolis, encontram-se estratos
sociais alto, médio e baixo. Nessa última cida-
de, o padrão difere-se das demais pela dispo-
sição linear da ocupação, perpendicularmente
às curvas de nível, pela presença de edifícios
verticalizados nos morros isolados ao longo da
costa e pela localização predominante das fa-
velas na base das encostas.
Nas cidades litorâneas, os fundos de
vale e as principais linhas de drenagem na-
tural (rios, riachos e córregos) atuaram como
indutores da ocupação, ao longo dos quais
se estabeleceram os primeiros eixos de pene-
tração e a ligação entre diferentes áreas das
cidades. Nas cidades localizadas no interior,
onde a amplitude do relevo não é significati-
va, esses eixos tendem a instalar-se sobre os
divisores e linhas de cumea da, espraiando-
-se posteriormente em direção à jusante. Nas
regiões Sudeste e Sul do Brasil, os percursos
de cumeada foram os precursores nas cida-
des situadas no interior (Belo Horizonte e São
Paulo), onde o relevo montanhoso dominante
apresenta declividades mais baixas; enquanto
Ocupação de encostas urbanas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013 247
nas cidades litorâneas (Rio de Janeiro, Floria-
nópolis e Vitória), onde as vertentes são mais
íngremes e as declividades são mais expres-
sivas, os percursos ao longo dos talvegues
e fundos de vale foram os pioneiros e ainda
predominam. Essa predominância decorre do
fato de que a ocupação nas cidades litorâneas
analisadas, ainda que possa ter se iniciado em
elevações e promontórios, se espraiou inicial-
mente ao longo da costa, onde se situavam
as funções comerciais e portuárias, seguin-
do posteriormente em direção ao montante
dos maciços e serras pelos fundos de vale e
talvegues, guiados pela presença da água e
pela maior facilidade de acesso e locomoção.
Sendo assim, nas cidades litorâneas a ocupa-
ção urbana nas encostas tendeu a se iniciar a
partir dos fundos de vale, ao passo que nas
cidades localizadas no interior houve uma ten-
dência de ocupação a partir dos divisores. O
padrão descrito não se configura como regra
geral, aplicável indistintamente a todas as ci-
dades brasileiras, apesar de ser útil na análise
do processo de ocupação das cinco cidades
mencionadas acima. Em Salvador e Maceió,
por exemplo, cidades localizadas na região
nordeste do Brasil, a ocupação espraiou-se
em suas partes altas, inicialmente ao longo
dos percursos de cumeada, em detrimento dos
vales e grotões, ocupa dos só posteriormente.
Figura 4 – Exemplos de padrões de ocupação nas cidades analisadas(Rio de Janeiro, Florianópolis, Belo Horizonte e São Paulo)
Fotos: Acervo QUAPA-SEL/SP (2008).
Mônica Bahia Schlee
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013248
Impactos dos padrões de ocupação urbana na vulnerabilidade das encostas
A influência do componente geológico ou na-
tural na vulnerabilidade das encostas a desli-
zamentos varia muito, embora seja consenso
que as intervenções antrópicas, por meio da
supressão da cobertura vegetal, cortes e ater-
ros, despejo de lixo e alteração das linhas de
drenagem natural potencializam a instabilida-
de, fazendo com que, nas áreas ocupadas, a
suscetibilidade a esses processos se transfor-
me em risco potencial com ocorrência de víti-
mas fatais.
Como demonstram os estudos do La-
boratório GEOHECO-UFRJ (GEOHECO-UFRJ/
SMAC-RJ, 2000), as políticas de proteção am-
biental implementadas a partir de meados da
década de 1980 ainda não foram suficientes
para ajustar as difíceis relações entre a cidade
e a Floresta Atlântica nas encostas dos maci-
ços cariocas, em especial do Maciço da Tiju-
ca. Ainda não existem medidas e dispositivos
adequados na legislação para mitigação ou
solução dos recorrentes problemas ambientais
causados pela associação entre a ocorrência
de deslizamentos e a supressão da vegetação
nativa ou a execução de cortes, aterros, esca-
vações e fugas d’água (vazamentos nas redes
de abastecimento e drenagem) para implan-
tação de estradas e edificações, demonstrada
por Amaral (1996) e Coelho Netto (2005 e
2007), por exemplo.
Além da supressão da vegetação, os
vazamentos constantes nas redes de abas-
tecimento que atravessam as encostas e as
falhas na execução das redes de drenagem
implantadas pelo poder público, bem como a
proliferação de redes informais de abasteci-
mento de água implantadas pelas associações
de moradores das favelas ou pelos próprios
moradores, compostas por um emaranhado
de mangueiras de plástico com vazamentos
permanentes, ou ainda o despejo direto de
efluentes sanitários nas encostas, ocasionam a
infiltração direcionada de fluxos subterrâneos,
gerando a concentração pontual e a saturação
do solo, contribuindo para a desestabilização
das encostas. Do mesmo modo, os cortes e
aterros indiscriminados; o despejo de lixo e
entulho, que armazenam grande quantidade
de água nos eventos de chuva, com o aumen-
to de carga sobre as encostas; e a supressão
da vegetação arbórea ou sua substituição por
bananeiras e gramíneas, potencializam a insta-
bilidade e a ocorrência dos deslizamentos.
Os parâmetros fixados pela legislação
das cidades analisadas (seja para os loteamen-
tos destinados a estratos sociais altos ou bai-
xos da população) são insuficientes para lidar e
responder à complexa geomorfologia das áreas
montanhosas onde essas se implantaram. Nas
legislações dos municípios estudados, o parâ-
metro declividade das encostas vem substituin-
do o parâmetro cota altimétrica na limitação
ou restrição de parcelamentos. Entretanto, a
simples substituição de um parâmetro pelo
outro implica a necessidade de avaliações ca-
so a caso. De modo geral, observa-se que, em
sua maioria, as normativas tendem a replicar
parâmetros estabelecidos em outras cidades
ou instituídos nas normativas federais (Lei
4771/1965, Lei 6766/1979 e Resoluções Co-
nama 302/2002 e 303/2002), restringindo-se a
indicar a necessidade da avaliação dos órgãos
responsáveis pela estabilização das encostas.
Ocupação de encostas urbanas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013 249
Figura 5 – Os impactos do desenvolvimento urbanonas encostas do Rio de Janeiro e de Vitoria e as cicatrizes deixadas
pela exploração mineral nas encostas próximas a Belo Horizonte e Florianópolis
Fotos: Acervo QUAPA-SEL/SP (2008).
Mônica Bahia Schlee
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013250
Dinâmica da paisagem: as ligações entre a confi guração da paisagem atual, as confi gurações pretéritas e seus processos de origem
Os imbricados processos de formação e trans-
formação da paisagem das encostas do Rio de
Janeiro foram guiados por fatores e agentes
aparentemente antagônicos que atuaram, ao
longo do tempo, como elementos-chave da
estrutura urbana: o suporte geo-biofísico; os
padrões de habitação impostos pelas classes
abastadas; o modelo econômico e o mercado,
em sentido amplo, englobando o mercado de
terras, os mercados imobiliário e da construção
civil e o mercado de trabalho em geral; o patri-
mônio de terras da Igreja Católica; os conflitos
entre a legislação urbanística e ambiental e a
falta de uma política habitacional. As relações
de interdependência entre os agentes envolvi-
dos e o poder político, condicionadas pela dis-
tribuição espacial não equilibrada do mercado
de trabalho e de terras e pela limitada e ten-
denciosa mobilidade intraurbana, perpetuada
pela inexistência de uma rede de transportes
públicos de massa, moldaram a morfologia das
encostas urbanas brasileiras.
Villaça (1998) destacou a tendência à
organização hierárquica do espaço urbano
brasileiro, chamando a atenção para as formas
peculiares de configuração da segregação es-
pacial intraurbana brasileira, cuja composição
não impede a presença nem a proliferação de
outras classes no mesmo espaço. Conforme de-
monstrado pelo autor, entre outros, a estrutura
de dominação social e de segregação espacial
recorrente nas cidades brasileiras foi forjada
pelo mercado em sentido amplo (fundiário,
imobiliário e de trabalho). Nesse sentido, como
afirmam Maricato (2001) e Abramo (2003), a
estrutura montada no contexto brasileiro con-
tou com as invasões (espontâneas ou organi-
zadas) como alternativa de provisão de acesso
a terra urbana. Segundo Maricato (2003), a to-
lerância para com a ocupação não legalizada
do solo é coerente com a lógica do mercado
fundiá rio capitalista, restrito, especulativo e
discriminatório e com a concentração de in-
vestimentos públicos nas áreas valorizadas.
Por outro lado, segundo Villaça, as invasões
são uma forma de os estratos sociais mais bai-
xos da população participarem das vantagens
usufruídas pelas classes abastadas nas áreas
segregadas (Villaça, 1998).
No Rio de Janeiro, o surgimento dos
primeiros núcleos de assentamentos formais
e informais foi simultâneo e gerou relações
socioespaciais interdependentes. Os primei-
ros núcleos urbanos nas encostas tiveram sua
origem com o declínio da agricultura e com a
abertura de estradas e ruas nas encostas. Os
processos que originaram as favelas guardam
estreita relação com os processos que gera-
ram a ocupação formal nas encostas do Rio
de Janeiro. Seu surgimento vinculou-se a uma
variada gama de situações, atreladas ao pro-
cesso de formação e transformação do mer-
cado imobiliá rio; a realização de obras públi-
cas; a implantação e localização da atividade
industrial; a autorização de permanência no
local mediante cobrança de taxas ou aluguéis
pelos proprietários originais; a autorização de
permanência por instituições privadas, religio-
sas ou públicas, como as forças armadas; as
invasões organizadas por políticos; a doação
de áreas à igreja por proprietários fundiários
Ocupação de encostas urbanas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013 251
interessados em manter estoques de mão de
obra sob a tutela da igreja nas proximidades
de suas propriedades ou a implantação de
loteamentos que não tiveram o processo de
legalização concluído, conforme foi apontado
por Marx (1991), Abreu (1994 e 2001) e Silva
(2005a e 2005b), e indicado na presente pes-
quisa. Os primeiros núcleos das favelas estuda-
das nas encostas do Cosme Velho e da Gávea,
por exemplo, foram aparentemente autoriza-
dos pelos antigos proprietários das fazendas
e chácaras, ou pela Igreja Católica (Bohadana,
1983; Marx, 1991; Abreu, 1994; Dantas e Sen-
ra, 1994; Abreu, 2001).
Esta pesquisa, embasada em trabalhos
anteriores (Bohadana, 1983; Abreu, 1994;
Abreu, 2001; Silva, 2005a e 2005b), entre
outros), mostrou que a maioria das terras
ocupadas pelas favelas situadas nas encostas
analisadas no Rio de Janeiro ocupou áreas
originalmente de domínio privado. Um dispo-
sitivo recorrente durante o início do processo
de parcelamento do solo nas encostas foi a
alocação de áreas destinadas a reservas flores-
tais sem registro no cadastro municipal como
propriedade pública. Essas terras, que, dessa
forma, servem essencialmente como estoque
de terras de propriedade privada, permanecem
à espera de ser exploradas para uso privado,
constituindo-se como fator de pressão para
mudanças na legislação, principalmente no Rio
de Janeiro, onde parte das florestas de encos-
tas é protegida exclusivamente pela legislação
urbanística. No entanto, quando essas áreas
são invadidas por favelas, seus proprietários
se apressam em abandonar suas terras (já com
ocupantes), doando-as ou permutando-as com
o setor público.
As razões que levaram as favelas a surgir,
se expandir e proliferar na paisagem urbana do
Rio de Janeiro são variadas e convergentes, em
função das conjunturas políticas e econômicas.
Como é possível perceber a partir das contri-
buições de Valladares (1978 e 2005), Bohadana
(1983), Abreu (1994 e 2001), Bonduki (1998),
Vaz (2002), Silva (2005a e 2005b) e Leitão
(2009), as relações entre a população favelada
e o poder público se estabeleceram de forma
cíclica, com aproximações (tolerância, aceita-
ção e relativo acolhimento das reivindicações
dos favelados) nos períodos políticos mais
progressistas ou populistas, e afastamentos
(preconceito, indiferença, omissão, negação,
marginalização e confronto), de forma geral.
Sua expansão e proliferação foram frutos da
indiferença conivente manifestada pelos pode-
res públicos e pela sociedade com a dificuldade
em arranjar um lugar para os mais pobres na
cidade e mesmo com a aceitação tácita desse
passivo ambiental e social urbano, pela cren-
ça de que seria uma situação provisória, a ser
resolvida naturalmente pelo mercado ou que
caberia ao Estado resolver.
À medida que o tempo passava e a situa-
ção se agravava, razões políticas vincula das
aos interesses de diferentes setores da socieda-
de (a política da bica d’água, os currais eleito-
rais, o ônus político de medidas impopulares, a
falta de vontade política, desarticulação entre
as esferas de poder e escassez de recursos para
planejar a produção habitacional de interesse
social em âmbito nacional e municipal) e ra-
zões econômicas (as sucessivas crises, o tra-
tamento da questão habitacional sob a ótica
econômica e o surgimento de mercados alter-
nativos aos oficiais) foram agregadas.
Mônica Bahia Schlee
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013252
O potencial dos espaços livres na estruturação de zonas de amortecimento
Como argumentado por Ehrlich et al. (2012), a
capacidade de suporte, apesar de um conceito
fundamental para caracterizar e a dinâmica da
resiliência das paisagens, ainda é muito difícil
de mensurar. O processo gradual de fragmenta-
ção progressivo das manchas residuais de flo-
restas em torno do Parque Nacional da Tijuca
causa impactos diversos, contribuindo inclusive
para o declínio da qualidade da água dos rios
que nascem em seu território, conforme de-
monstrou Schlee (2002).
O sistema de espaços livres nas encostas
do Rio de Janeiro é amplo e complexo. Especial-
mente no Maciço da Tijuca, como identificado
na presente pesquisa, existem reservas flores-
tais públicas e privadas ainda não incorporadas
ao Parque Nacional da Tijuca; espaços livres
que ainda mantêm uma cobertura vegetal den-
sa nos fundos dos lotes privados; espaços livres
associados ao uso institucional e espaços livres
em torno das favelas que desempenham um
papel importante para manter a qualidade am-
biental nos recortes espaciais analisados e para
fortalecer a capacidade de suporte e adaptação
das encostas à ocupação urbana; e, portanto,
merecem atenção especial.
Embora transitórios, os lotes vazios nos
loteamentos formais e condomínios fechados
representam um estoque significativo de terras,
que, com manejo adequado, também pode con-
tribuir para estruturar a zona de amortecimen-
to entre a floresta e o tecido urbano. Conforme
demonstra a Figura 6, esses espaços formam
corredores lineares de vegetação arbórea, que
aumentam a conectividade ecológica com a
área protegida pelo Parque Nacional da Tijuca,
e podem servir para estruturar a zona de amor-
tecimento do parque na interface floresta-cida-
de. Além disso, espaços livres podem funcionar
como elo entre os tecidos segregados.
O cruzamento de parâmetros biofísicos,
ecológicos e urbanísticos avaliados nesta pes-
quisa, revelou os efeitos dos padrões atuais
e processos de desenvolvimento urbano em
curso, identificou interações entre o ambiente
natural e o ambiente construído nas encostas
das cidades brasileiras e apontou algumas cau-
sas da fragmentação ecológica nas fronteiras
das áreas protegidas localizadas em encostas
urbanas. As análises realizadas nas bacias
hidrográficas estudadas no Rio de Janeiro e
a correlação com as outras quatro cidades
brasileiras ajudaram a esclarecer processos
de formação e transformação da paisagem e
a refutar certos dogmas relativos à ocupação
das encostas urbanas no Brasil. O processo de
transformação da paisagem e de sua gestão
descreve ciclos que se entrelaçam no tempo e
relações que condicionaram – e continuam a
influenciar – as atuais condições ambientais
locais e a sustentabilidade da paisagem das
encostas. Neste artigo, destacamos alguns
fatores-chave que ajudam a explicar o pro-
cesso de transformação da paisagem nas en-
costas urbanas no Rio de Janeiro, a partir de
sua urbanização, e podem contribuir para ca-
racterizar a natureza dos desafios relativos à
resiliência da paisagem de encostas e embasar
futuros esforços de regeneração:
Ocupação de encostas urbanas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013 253
Figura 6 – Espaços livres de domínio privado delineiamuma envoltória em torno dos núcleos de ocupação.
Reservas fl orestais, fundos de lotes e terrenos não ocupadoscontribuem para formar corredores de cobertura vegetal arbóreana interface com a área protegida pelo Parque Nacional da Tijuca
Fonte: Schlee (2011) sobre base cadastral 1:2.000 e ortofotos (2009), PCRJ/IPP/Armazém de Dados, PCRJ/SMU/CGT e levantamentos de campo.
Mônica Bahia Schlee
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Fotos: Schlee (2008 e 2010).
Ocupação de encostas urbanas
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1) Estrutura e função da paisagem: a
ocupação de encostas no Rio de Janeiro se ex-
pandiu pelos fundos de vale, ao longo das prin-
cipais linhas de drenagem natural, que atuam
como vetores de indução da ocupação urbana
e tendem a concentrar os processos de con-
solidação e crescimento vertical da ocupação.
Os fundos de vale são, como demonstraram os
eventos de chuva de grande intensidade ocor-
ridos em 2010 e 2011, áreas especialmente
suscetíveis a deslizamentos. Segundo Schaffer
et al. (2011), os deslizamentos ocorridos na Re-
gião Serrana do Estado do Rio de Janeiro em
2011, por exemplo, foram fortemente potencia-
lizados pela ocupação antrópica. Tanto nas re-
giões urbanas, quanto nas rurais, as áreas mais
severamente atingidas pelos efeitos das chuvas
foram: a) margens de rios, córregos e nascen-
tes, definidas pelo Código Florestal como Áreas
de Preservação Permanente – APPs; b) domí-
nios montanhosos com declividade acima de
25º; c) áreas na base dos morros, montanhas
ou serras; d) áreas localizadas nos fundos de
vale, em especial junto a curvas, obstruções e
desvios dos cursos d’água.
2) Relação entre padrões e processos:
assentamentos formais e informais nas bacias
hidrográficas estudadas apresentam uma re-
lação de contiguidade, ligados pelo rio, pelas
estradas sinuosas que os conectam e pela in-
terdependência nas relações sociais, induzidas
pelo modelo econômico e pelos mercados fun-
diário, imobiliário e de trabalho. A estratégia
concebida pelo poder público para minimizar
os conflitos gerados pela polarização social
que caracteriza a ocupação das encostas da ci-
dade do Rio de Janeiro ainda está centrada na
flexibilização dos limites legais e na liberação
das restrições estabelecidas na legislação.
3) A propriedade da terra e ilegalidade:
atualmente a maioria da terra urbana locali-
zada nas encostas do Rio de Janeiro está nas
mãos de poucos proprietários, constituindo la-
tifúndios urbanos dispersos na paisagem. Algu-
mas dessas grandes glebas não estão sequer
registradas no cadastro municipal. Quanto ao
aspecto legal da propriedade, as favelas não
são totalmente ilegais. Parte dos assenta-
mentos foi coletivamente adquirida dos pro-
prietários anteriores, teve lotes legalizados
individual mente ao longo do tempo, ou per-
maneceu em uso das associações de morado-
res por permissão de instituições como a Igreja
Católica ou as forças armadas. A configuração
espacial, no entanto, é irregular, na medida
em que não segue o ordenamento, o zonea-
mento e códigos de construção e padrões de
desenvolvimento urbano estabelecidos para
outras áreas da cidade. Na verdade, só recen-
temente a administração municipal do Rio de
Janeiro definiu regulamentos para essas áreas,
os quais são comuns, de modo geral, a todas
as Áreas de Especial Interesse Social, como se
essas fossem homogêneas, e dizem respeito
a restrições quanto ao gabarito e à proibição
de usos e atividades como a armazenagem de
ferro velho, produtos inflamáveis e explosivos,
gás liquefeito de petróleo e armas e munições.
Por sua vez, os bairros de alta renda situados
nas encostas também não cumprem integral-
mente a legislação vigente. Conflitos entre
os limites das propriedades privadas e terras
públicas, acréscimos construtivos horizontal e
vertical, impermeabilidade excessiva da cober-
tura do solo e remoção de vegetação arbórea
existente também ocorrem nos bairros formais
e condomínios fechados localizados nas encos-
tas. Tanto as propriedades particulares quanto
Mônica Bahia Schlee
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013256
os assentamentos informais se sobrepõem
sobre áreas de florestas adjacentes, prote-
gidas pelas instâncias federal, estadual ou
municipal, formando uma colcha de retalhos
entrelaçados. O modelo social forjado no Rio
de Janeiro e as configurações espaciais dele
resultantes nas encostas do Maciço da Tiju-
ca foram baseados na antiga crença de que
as forças do mercado imobiliário que favore-
cem as classes média e alta teriam o poder de
remover e substituir as favelas. Este estudo
aponta uma realidade diferente.
4) Espaços livres: os espaços livres nas
encostas desempenham múltiplas funções. Eles
atuam como corredores de vegetação que pe-
netram e cruzam as áreas ocupadas, fazem a
conexão ecológica entre a floresta protegida
dentro dos limites do Parque Nacional da Tiju-
ca e os fragmentos florestais situados em suas
bordas e ajudam a manter a capacidade de su-
porte das áreas montanhosas. Esses espaços in-
cluem as reservas florestais, os fundos dos lotes
residenciais, os espaços florestados localizados
ao longo das bordas das favelas e os lotes va-
zios, entre outros. Todas as formas de espaços
livres localizadas nas encostas nas partes supe-
riores das bacias hidrográficas merecem espe-
cial atenção, salvaguarda e proteção, devido à
sua natureza heterogênea e multifuncional. No
entanto, a negligência, a privatização e a subs-
tituição gradual desses espaços livres pelos
espaços construídos ocorrem continuamente
tanto em assentamentos formais, quanto em
assentamentos informais.
5) Regulação: a legislação aplicada às
encostas gerou respostas espaciais diferencia-
das nas cidades analisadas, potencializadas
pelos investimentos municipais historicamente
orientados ao sabor dos interesses do mercado,
contribuindo para a valorização imobiliária em
certos casos e refletindo a preocupação com a
desvalorização em outros. Apesar dos avanços
obtidos, critérios, dispositivos e parâmetros
para sua proteção poderiam ser aplicados de
forma mais articulada e integrada. O caráter
diverso e plural das favelas, em termos de sua
configuração interna, de sua dinâmica socio-
espacial, de estratificação socioeconômica, de
tipologias e padrões construtivos, de situação e
uso da terra, ainda não foi compreendido nem
assimilado pelas políticas públicas. A perspec-
tiva descontextualizada da atuação do poder
público nas favelas e em suas franjas, desconsi-
derando a diversidade e a complementaridade
das relações entre as favelas e bairros formais
ao seu redor, mina o potencial das políticas
públicas para promover a sustentabilidade e
a inclusão social nas encostas urbanas do Rio
de Janeiro. Além disso, a tolerância em relação
à ilegalidade e as anistias periódicas para le-
galização de situações a rigor não legalizáveis,
somadas ao caráter discricionário atribuído aos
órgãos de licenciamento, comprometem os es-
forços de regulação e controle, evidenciando
o conflito de interesses entre a proteção das
encostas e a sistemática disposição do poder
público em viabilizar sua ocupação.
Fundamentada em trabalhos anteriores
(Ruhe, 1975; Avelar, 1996 e 2003; Avelar e
Lacerda, 1997; Geoheco, 2000; Coelho Netto
et al., 2007; Valeriano, 2008), a presente
pesquisa demonstra a necessidade de asso-
ciar altimetria (já aplicada pela legislação
de planejamento urbano no Rio de Janeiro),
declividade (já aplicada de forma genérica
pela legislação de planejamento urbano em
outras cidades brasileiras), forma da encos-
ta, e a configuração, distribuição e gestão de
Ocupação de encostas urbanas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013 257
espaços abertos e presença e qualidade da
vegetação nativa como parâmetros adicionais
fundamentais para promover a resiliência e
o planejamento sustentável da paisagem de
encostas. Como demonstrado por trabalhos
anteriores (Avelar, 1996 e 2003; Avelar e La-
cerda, 1997; Coelho Netto et al., 2007), esta
pesquisa sugere que não somente as áreas de
encostas mais íngremes estão sujeitas a des-
lizamentos de terra. Assim, é imperativo es-
tabelecer a bacia hidrográfica como unidade
de planejamento urbano com a finalidade de
formulação de um zoneamento integrado e,
no caso do Rio de Janeiro, reformular parâme-
tros pré-estabelecidos indiscriminadamente,
restringindo e monitorando cortes e aterros
em áreas a partir de 15° (aproximadamente
25%) de inclinação e evitando a ocupação
entre 15° e 25° (aproximadamente entre 25%
e 35%) em áreas côncavo-convergentes e aci-
ma de 35° (aproximadamente 70%) em áreas
convexas/divergentes.
Figura 7 – Além da altimetria, a declividade, a forma da encosta,a extensão da encosta, o tamanho da área de contribuição e as características
da sub-bacia e da cobertura vegetal também devem ser consideradosna defi nição de áreas de restrição à ocupação
Fonte: Schlee (2011), sobre base cadastral 1:2.000 e ortofotos (2009), PCRJ/IPP/Armazém de Dados.
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Conclusões
Os métodos desenvolvidos e os resultados obti-
dos na presente pesquisa contribuem para uma
compreensão dos processos que produziram e
moldaram a paisagem montanhosa do Rio de
Janeiro ao longo do tempo. A análise desses
processos é fundamental para a formulação
de estratégias e instrumentos para a efetiva
proteção e garantia de sustentabilidade das
encostas urbanas, corredores ripários e cor-
pos d’águas, tanto no Rio de Janeiro quanto
em outras cidades montanhosas brasileiras.
Os processos de transformação da paisagem,
o quadro de polarização social e segregação
espacial, a regulação e a fiscalização inade-
quadas para controlar a ocupação urbana e os
padrões espaciais fragmentados têm contribuí-
do para gerar os conflitos socioambientais que
caracterizam as encostas do Rio de Janeiro e
das outras cidades brasileiras analisadas.
Como argumentou Colding (2007), a
complementaridade entre diferentes usos do
solo e a existência, a conexão e a integração
de gestão entre diferentes tipos de espaços li-
vres, tanto os de domínio público quanto os de
domínio privado, podem contribuir fortemente
para garantir a resiliência e a conservação da
diversidade da paisagem em contextos urba-
nos. Esses são conceitos cruciais que devem
embasar políticas e programas para a efetiva
proteção das encostas urbanas brasileiras.
Um dos principais entraves à assimilação
e à prática da ocupação resiliente e sustentável
nas encostas brasileiras deve-se à perpetuação
do discurso dominante que ainda defende a le-
gitimidade da ocupação das encostas por um
único tipo de uso e pelos estratos sociais mais
altos da população, argumentando que esse ti-
po de ocupação é mais "sustentável" e teria o
poder de restringir e gradualmente eliminar a
ocupação informal. Como foi demonstrado por
este estudo (Schlee 2011), a realidade demons-
tra que esse não é o caso.
As formas oficiais e informais de ocupa-
ção sobre as encostas funcionam como exten-
são uma da outra. Quando considerados atra-
vés dos processos de estruturação, densidade,
tipos arquitetônicos, nível educacional, relação
com os espaços livres, com os mercados imobi-
liários e os mercados de trabalho, apresentam
sinais de complementaridade. Ambas as formas
de ocupação também apresentam similaridades
em termos das relações entre o espaço público
e o espaço privado. Em ambos os casos, há uma
separação bem marcada entre os espaços pú-
blicos ou coletivos (desvalorizados e negligen-
ciados) e os domínios privados (enfatizados,
fetichizados e priorizados), demarcados com
muros, cercas e grades nos bairros formais e
nas favelas, que se expressa pela superposição
do domínio privado sobre o domínio público.
A avaliação da morfologia da paisa-
gem e dos processos de transformação da
paisa gem das encostas do Rio de Janeiro in-
dicou que os espaços livres contribuem forte-
mente para a resiliência da floresta nas encos-
tas da cidade e para a estruturação da zona de
amortecimento na transição entre os espaços
urbanizados e o patrimônio natural ou cultu-
ral protegidos, uma vez que podem auxiliar na
absorção de impactos, na adaptação às trans-
formações e na interface entre a proteção do
sistema ecológico e a apropriação sociocultural
das encostas. Esta pesquisa empiricizou e dire-
cionou o foco do planejamento sustentável em
Ocupação de encostas urbanas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013 259
áreas montanhosas urbanas para seus espaços
livres, demonstrando a necessidade de asse-
gurar a heterogeneidade, multifuncionalidade,
flexibilidade, adaptabilidade e conectividade
entre os espaços livres de forma a contribuir
para garantir a capacidade de suporte e a sus-
tentabilidade das florestas e promover a rege-
neração do sistema paisagístico nas encostas
urbanas do Rio de Janeiro e demais cidades
brasileiras analisadas. Ao mesmo tempo, o ma-
nejo do uso da terra e os padrões de ocupa ção
podem e devem ser reorganizados para fortale-
cer e restaurar as funções ecológicas da floresta
através da gradação entre as áreas urbanizadas
e as áreas protegidas, da integração de fatores
ambientais, sociais, econômicos e culturais e da
implantação de transportes urbanos de massa
que integrem as cidades como um todo. Tam-
bém é fundamental enfrentar os obstáculos
institucionais, tais como falta de amplos, inclu-
sivos e bem-definidos direitos de propriedade.
O relatório Our Common Journey: A
Transition Toward Sustainability (National
Research Council Board on Sustainable
Development, 1999) e outros relatórios que o
seguiram têm enfatizado que o planejamento
sustentável requer a conciliação entre o
patrimônio ambiental e as demandas sociais
e econômicas. A diminuição das desigualdades
econômicas, sociais e espaciais é fundamental
para aumentar a capacidade de regeneração
econômica, paisagística e ambiental no Rio de
Janeiro e em outras cidades montanhosas no
Brasil. Esta pesquisa contribui para delinear as
bases de um urbanismo regenerador (Schlee
et al., 2012) que busca entrelaçar funções
e dinâmicas urbanas e hidro-ecológicas,
celebrando a interface encosta-floresta-
água-comunidade -cidade como uma rede de
regeneração, um contraponto essencial à forma
construída e uma fonte de suporte, convívio,
inspiração e inclusão para a vida nas cidades.
A abordagem metodológica e os resulta-
dos obtidos nesta pesquisa se alinham e empi-
ricizam algumas das teorias emergentes sobre
sustentabilidade e resiliência que se aplicam
à paisagem das cidades brasileiras. Revelam
também algumas das interações entre natureza
e cidade. A principal contribuição da presente
pesquisa documentada neste artigo centra-se
na investigação das interações entre os com-
ponentes ambientais e culturais da paisagem
em diversas escalas de análise, desde a esca-
la regional a escala do lote urbano. Métodos
integrados e complementares de análise dos
processos de ocupação e de transformação
da paisagem nas encostas do Rio de Janeiro
foram aplicados, desenvolvidos e contextuali-
zados em relação aos processos ocorridos em
outras cidades brasileiras situadas nas regiões
Sudeste e Sul do país e aos processos intraur-
banos ocorridos em diferentes áreas da cidade.
A compreensão do comportamento de sistemas
sociais e ecológicos e de como esses respon-
dem a transformações e impactos é fundamen-
tal para a construção de estratégias adequadas
de gestão e promoção da resiliência, da capa-
cidade regenerativa e do desenvolvimento sus-
tentável em bacias hidrográficas urbanas. Ao
fornecer um quadro abrangente dos vários fa-
tores que influenciam a capacidade de suporte
e de resiliência das encostas como um sistema
integrado de paisagem urbana, este trabalho
sublinha as potencialidades dos espaços livres
na estruturação e no desenvolvimento da capa-
cidade de adaptação, conexão, amortecimento
Mônica Bahia Schlee
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013260
dos impactos, e, consequentemente, da busca
por cidades resilientes, social e ambientalmen-
te mais justas e acolhedoras.
Processos de investigação transdiscipli-
nar, que apliquem metodologias de campos
disciplinares afins como a morfologia urbana
e a ecologia da paisagem em ambientes tro-
picais de encostas urbanas ainda são poucos.
Resiliência significa capacidade de absorção de
impactos, conexão, adaptação a mudanças e
regeneração. Os espaços livres são os lugares-
-chave onde essas interações se manifestam e
se potencializam. A abordagem multifacetada
aplicada neste estudo pode auxiliar o plane-
jamento, a proteção e a gestão da paisagem,
com vistas ao fortalecimento de sua diversida-
de, resiliência e sustentabilidade.
Nas encostas urbanas brasileiras, os
espaços livres são fundamentais para for-
talecer a proteção das florestas urbanas e
estruturar zonas de amortecimento, tanto
no Rio de Janeiro, quanto nas demais cida-
des estudadas. Ressaltamos que os métodos
aplicados e desenvolvidos nesta pesquisa se
fundem em uma metodologia integrada que
pode vir a ser empregada para embasar o
planejamento sustentável e a regeneração
da paisagem montanhosa em contextos ur-
banos e auxiliar voluntários das comunida-
des, planejadores e tomadores de decisão a
promover ações de regeneração que rever-
tam eventos de perturbação e incentivem
transformações que conduzam à sustentabi-
lidade da paisagem.
Mônica Bahia SchleeArquiteta-paisagista e urbanista, trabalha na Coordenadoria de Macro Planejamento, Secretaria Municipal de Urbanismo da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro – CMP/SMU/PCRJ. Doutora em Arquitetura, Mestre em Arquitetura da Paisagem e Mestre em Estruturas Ambientais Urbanas. Rio de Janeiro/RJ, [email protected]
AgradecimentosÀ Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Ins tuto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, Secretaria
Municipal de Urbanismo e Sub-Secretaria Municipal de Patrimônio Cultural pelo apoio e pelo acesso às bases cadastrais, ortofotos e cadastro de loteamentos u lizados nesta pesquisa.
A Antonio Bernardo de Carvalho, Vera Regina Tangari, Ana Luisa Coelho Ne o, Kenneth Tamminga, Jonathas Magalhães Pereira da Silva, Maria Paula Albernaz, Silvio Soares Macedo, Sonia Afonso, Stael de Alvarenga Costa, Marieta Maciel, Eneida Mendonça, Aruane Garzedin, André Avelar, Henri Acselrad, Maria Rosália Guerreiro, Valdinam dos Santos, Raphael Urbano de Andrade, Ana Lúcia Costa Mendes, Marco Zambelli, Murilo Santos de Medeiros, Gustavo Peres Lopes, Alice Amaral dos Reis, Claudia Muricy, Daniel Mancebo, Antonio Barboza Correia, Carla Cabral, Fernando Cavallieri, Paula Serrano e aos revisores anônimos pelos comentários constru vos.
Ocupação de encostas urbanas
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Texto recebido em 31/ago/2012Texto aprovado em 3/dez/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 265-288, jan/jun 2013
Confl itos ambientais urbanose processos de urbanização na Ressaca
Lagoa dos Índios em Macapá/AP
Urban environmental confl icts and urbanizationprocesses at Ressaca Lagoa dos Índios, Macapá/AP
Gloria Maria Vargas Cecília Maria Chaves Brito Bastos
ResumoO estudo aborda os confl itos ambientais resultan-
tes do processo de urbanização do território da
Ressaca Lagoa dos Índios em Macapá/Amapá,
ocorrido nas últimas décadas do século XX. O
objetivo é analisar e avaliar as formas de ocupa-
ção do território, considerando o histórico desse
processo; os agentes transformadores do espaço;
os impactos ambientais; e os confl itos desenca-
deados, a partir das diferentes visões e usos da-
dos ao território. Utilizou-se como metodologia:
pesquisa documental, observação participante na
área e conversas informais com os agentes políti-
cos institucionais, econômicos e sociais. Concluiu-
-se que na luta em torno do território da Lagoa,
cada grupo tenta impor sua visão de mundo
procuran do legitimar suas representações para
garantir a continuidade da sua forma de apropria-
ção dos recursos.
Palavras-chave: conflitos ambientais; urbaniza-
ção; território; Lagoa dos Índios; Ressaca.
AbstractThis paper approaches the environmental confl icts that have resulted from the urbanization process of the Lagoa dos Índios territory in the city of Macapá (Northern Brazil), which occurred during the last decades of the twentieth century. The purpose is to analyze and evaluate the forms of occupation of the territory, considering the history of that process, the agents that transform the space, the environmental impacts and the confl icts that stem from different views and uses of the territory. The methodology was: documentary survey, participant observation in the area and informal conversations with political-institutional, economic and social agents. We concluded that in the dispute for the territory of the Lagoa, all the groups involved try to impose their worldview in order to legitimate their representations and guarantee the continuity of their own way of resource appropriation.
Keywords: : environmental confl icts, urbanization, territory, Lagoa dos Índios, undertow.
Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 265-288, jan/jun 2013266
Introdução
A Lagoa dos Índios é uma das muitas áreas
úmidas do município de Macapá, denominada
Ressaca.1 É uma área marcada pelo crescente
e desordenado processo de crescimento urbano
do estado do Amapá, ocorrido, principalmente,
a partir das duas últimas décadas do século
XX. Situada na bacia do igarapé da Fortaleza,
a oeste do núcleo urbano de Macapá, próxima
à fronteira com o município de Santana, essa
área comporta uma comunidade que se con-
sidera remanescente de quilombo há mais de
dois séculos.
Há, no território da Ressaca Lagoa dos
Índios, o enfrentamento entre cultura tradicio-
nal e vetores da modernidade, o que tem impli-
cado danos tanto para o ambiente como para a
comunidade negra. Nesse território, o uso dos
recursos naturais mudou de sentido, deixou de
ser somente para a sobrevivência da comuni-
dade, para converter-se em bem de usufruto
econômico privado e construções de diversas
ordens, demarcando, cada vez mais, o processo
de invisibilidade expropriadora a que foi sub-
metida a comunidade negra, desde o século
XVIII (Bandeira, 1990).
A partir desse contexto, a pesquisa pro-
curou analisar e avaliar as formas de ocupação
do território, considerando o histórico desse
processo; os agentes transformadores do es-
paço; os impactos ambientais; e os conflitos
desencadeados, a partir das diferentes visões e
usos dados ao território.
A pesquisa foi desenvolvida entre os
anos de 2004 e 2006 e como procedimento
metodológico adotou três instrumentos: 1)
coleta de documentos em órgãos federais,
estaduais e municipais; 2) observação par-
ticipante realizada durante visitas à área; e
3) conversas informais com os agentes polí-
ticos institucionais, os agentes econômicos
locais e os agentes sociais.
Confl itos ambientais urbanos e território
O campo dos conflitos ambientais tem possi-
bilitado relacionar questões que envolvem o
urbano e seu ambiente. Essa possibilidade é
constituída à medida que a análise dos con-
flitos ambientais permite avaliar as diferentes
formas de uso, de apropriação e de significação
de um determinado território urbano e seus
recursos, considerando-se as práticas políticas,
socioeconômicas e culturais estabelecidas pelo
grupo social que ali reside.
Paul Little (2001) é um dos estudiosos
que aponta a abordagem dos “conflitos so-
cioambientais” como um importante campo
de estudo e de ação política. Segundo o autor,
esses conflitos são produzidos pelo embate en-
tre grupos sociais, em função de seus distintos
modos de inter-relacionamento ecológico, que
envolve o meio social e natural. Essa definição
focaliza o relacionamento dinâmico e interde-
pendente entre o mundo biofísico e o mundo
social e identifica as novas realidades socioam-
bientais que surgem da interação entre esses
dois mundos. Conforme Little, os conflitos re-
lacionados aos recursos naturais geralmente
são sobre as terras que contêm tais recursos
e, portanto, entre os grupos humanos que
reivindicam essas terras como seu território
de moradia e vivência. Por isso é interessante
Confl itos ambientais urbanos e processos de urbanização...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 265-288, jan/jun 2013 267
situar os conflitos sobre as terras a partir das
dimensões políticas, socioeconômicas e cultu-
rais (Little, 2001).
Henri Acselrad (2004) é outro autor
que avança na discussão sobre “conflitos
ambientais”, colocando-os como aqueles que
envolvem grupos sociais que têm modos dife-
renciados de apropriação, uso e significação
dos recursos naturais. Esses conflitos têm ori-
gem quando, pelo menos, um dos grupos tem
a continuidade das formas sociais de apro-
priação do meio, ameaçadas por impactos
indesejáveis – seja no solo, na água, no ar ou
nos sistemas vivos –, decorrentes do exercí-
cio das práticas de outros grupos que passam
a interagir no território. Acselrad afirma que
essas práticas são, antes de tudo, condicio-
nadas pelas formas sociais e culturais, ou se-
ja, pelas opções de sociedade e pelos modos
culturais prevalecentes.
Considerando os pressupostos dos au-
tores acima, o campo dos conflitos estrutura-
dos em torno da questão urbano-ambiental se
estabelece a partir da dinâmica intricada de
relações e disputas de poder que se traduzem
em ações diferenciadas pelo acesso e uso dos
recursos do meio urbano. Para Costa e Braga
(2004), as cidades convivem com diferentes ló-
gicas de apropriação e uso do espaço urbano,
configurando o modo como se organizam as
relações socioespaciais e as formas de apro-
priação do território e seus recursos.
A construção do território, nesse senti-
do, se faz no processo da interação contínua
entre uma sociedade em movimento e um es-
paço físico particular que se modifica perma-
nentemente de acordo com as condutas dos
grupos sociais. No processo de construção
do território, o ambiente modifica-se e, ao
mesmo tempo, é modificado. Conforme Little
(2001), o conceito de território surge, assim,
como um produto histórico de processos so-
ciais e políticos.
Na mesma direção, Haesbaert (2004)
considera que o território é produto da apro-
priação de um dado segmento do espaço, por
um dado segmento social, nele estabelecendo-
-se relações políticas de controle ou relações
afetivas identitárias e de pertencimento.
Dessa forma, pode-se dizer que o territó-
rio da Lagoa dos Índios é resultado de ações
acumuladas através do tempo, tornando-se o
produto de uma construção social que inclui
o regime de propriedade, os vínculos simbóli-
cos que se reproduzem no espaço apropriado
específico, a história da ocupação plasmada e
guardada na memória coletiva, os usos a ele
designados e as formas da sua defesa.
Considera-se, então, que a produção dos
conflitos ambientais urbanos na Ressaca La-
goa dos Índios diz respeito a um movimento
simultâneo das condições territoriais e ecoló-
gicas, estimulada pelos impulsos das relações
entre forças externas e internas à unidade
territorial, ecológica, histórica ou socialmente
determinada. Segundo Coelho (2005), é a par-
tir desse movimento que os conflitos gerados
por impactos ambientais constituem processos
de mudanças territoriais e ecológicas causa-
das por “perturbações” diversas no ambiente,
a exemplo das ações modernizantes como a
construção de um objeto novo, uma estrada ou
uma indústria no ambiente.
Diante dessa percepção, Acselrad (2004)
considera que os objetos que constituem o
“ambiente” não são redutíveis a meras quan-
tidades de matéria e energia, pois eles também
são culturais e históricos. Todos os objetos do
Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 265-288, jan/jun 2013268
ambiente, todas as práticas sociais e culturais
desenvolvidas nos territórios e todos os usos e
sentidos atribuídos ao meio interagem e conec-
tam-se material e socialmente.
Essa forma de compreender o conceito de
território demarca, cada vez mais, a íntima re-
lação entre a questão urbana e a questão am-
biental (Monte-Mor, 1997), pois não é possível
separar a sociedade de seu ambiente físico, já
que as duas dimensões constituem um mundo
material socializado e dotado de significados.
Nesse estudo os conceitos de conflitos
ambientais e território são essenciais para a
análise das práticas humanas no ambiente ur-
bano. Assim, de acordo com a abordagem con-
ceitual procedeu-se à identificação das princi-
pais mudanças no espaço urbano da área da
Ressaca Lagoa dos Índios, de maneira a verifi-
car as diferentes formas históricas de apropria-
ção, ocupação e organização social do territó-
rio estudado, conforme a seguir.
Processo de ocupação da Lagoa dos Índios
A Ressaca Lagoa dos Índios, segundo seus
moradores, inicialmente foi habitada por indí-
genas e em seguida pelos negros que ocupa-
ram a região após o término do projeto colo-
nial português, na segunda metade do século
XVIII. Contudo, é difícil saber como índios e
negros estabeleceram relações na Lagoa e que
processos “adaptativos” vivenciaram (Little,
2001). Consta na memória de seus habitantes
que, provavelmente, os negros que se instala-
ram na região são provenientes das relações
escravagistas, estabelecidas durante o projeto
de construção da Fortaleza São José de Maca-
pá, ou originários da vila de Mazagão edifica-
da no mesmo período.
O local onde os negros da Lagoa dos Ín-
dios se fixaram é conformado por rios, furos,
igarapés e lagos, constituintes da floresta tro-
pical de áreas úmidas e de terra firme, o que
lhes permitiu progressivamente constituir-se
como grupo relativamente isolado e protegido
dos interesses escravagistas no período co-
lonial. No recurso à fuga e à procura de uma
existência livre como estratégia de sobrevi-
vência, encontraram na bacia hidrográfica do
igarapé da Fortaleza condições favoráveis para
a realização de sua existência, o que explica,
possivelmente, a forma como os moradores fo-
ram construindo modos de vida e de trabalho
na região (Gomes, 1999).
No memorial descritivo da comunidade
existe uma carta, de 1802, que refere a partilha
das terras para a comunidade com o nome São
Pedro dos Bois. E que, a partir dessa partilha,
outras vilas se formavam com várias famílias
que vieram para a região da Lagoa. Porém, no
decorrer do século XX, essas vilas se separa-
ram, se desfizeram. De uma única partilha, que
era a posse São Pedro, surgiu a Lagoa de Fora,
o Coração, o Porto do Céu. Consta também no
memorial que em 1962 foi emitida, pela Divi-
são de Terras e Colonização, Carta de Adjudica-
ção2 em favor dos herdeiros Antonio Guardiano
da Silva, José Raimundo da Silva, Auta Maria
da Conceição, Raimundo Cândido da Silva e
Manoel Joaquim dos Santos, dando-lhes direito
à posse das terras.
Ao longo dos séculos XIX e XX, os mora-
dores se estabeleceram na região e iniciaram
um processo de intervenção no ambiente, con-
figurado pela construção de moradias e pelas
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 265-288, jan/jun 2013 269
atividades de pesca, pequenas plantações e
criação de gado. Por muitos anos, a forma de
vida e de trabalho caracterizado pelas ações
do grupo pouco pressionou os recursos natu-
rais da região. Assim, presentemente, percebe-
-se que, durante muito tempo, as alterações
provocadas pela presença dos moradores ne-
gros foram tímidas e quase não modificaram o
ambiente da Lagoa.
O território pertencente aos primeiros
habitantes negros era de difícil acesso e cons-
tituía uma área bastante grande que acompa-
nhava, praticamente, todo o entorno da Lagoa
dos Índios. Na época, a área explorada por eles
era de uso comunal, e as primeiras moradias
foram feitas às margens do igarapé da Fortale-
za, por ser ambiente propício para a agricultura
e aquisição de alimentação.
No presente, a expansão urbana, pro-
vocada pelo crescimento demográfico – que
se deu de forma horizontal – e pelas constru-
ções de novos empreendimentos no território,
desarticulou a forma de vida e as atividades
desenvolvidas pela comunidade. As novas di-
nâmicas ocorridas no território da Lagoa dos
Índios, corroboradas pelo processo de urbani-
zação da cidade de Macapá, levaram a comu-
nidade negra a viver uma situação de conflitos
e confrontos com novos agentes que vêm
transformando o território.
No decorrer das visitas à área, foi possí-
vel perceber a presença dos novos agentes no
espaço da Lagoa dos Índios, conforme abaixo:
1) Vila comunitária – local onde reside a
maioria dos membros da comunidade negra.
Nesse local há o Centro de Convivência, a Igre-
ja Católica Nossa Senhora do Carmo, a Escola
Estadual Lagoa dos Índios, as casas dos mora-
dores e alguns terrenos de particulares.
2) Casas de moradores e mansões ao longo
do ramal Lagoa dos Índios – local de acesso à
rodovia Duque de Caxias3 (atualmente rodovia
Duca Serra);
3) Conjuntos residenciais Cabralzinho, Buriti
e Cajari e empreendimentos comerciais;
4) Complexo penitenciário e órgãos de apoio
ao transporte – Serviço Social de Transporte
(SEST) e Serviço Nacional de Apoio ao Transpor-
te (SENAT);
5) Bairros Marabaixo I e II, III e IV; e
6) Grandes terrenos deixados por herança e
titulados pelo Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra), tanto para pessoas
de fora do grupo como para moradores negros.
O acesso a esses terrenos se dá pelo chamado
Ramal do Goiabal e por ramais secundários.
Nesses terrenos existem pequenos igarapés que
deságuam no igarapé da Fortaleza.
As novas dinâmicas de ocupação do
território da Ressaca são evidenciadas pelas
ações de grupos privados e do poder público
que exercem pressão sobre o território da Res-
saca e, consequentemente, sobre a área da
comunidade negra.4
A seguir descrevem-se os agentes e
impactos ambientais que vêm sendo dese-
nhados na área da Lagoa e que se contra-
põem ao modo como a comunidade rema-
nescente de quilombo vinha convivendo com
aquele território.
Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 265-288, jan/jun 2013270
Impactos ambientais decorrentes do processo de urbanização e especulação imobiliária
A área Lagoa dos Índios – bem como as demais
Ressacas de Macapá e Santana – foi tombada
como patrimônio natural pela Lei n. 0455/1999.
Entretanto, essa Lei não foi suficientemente efi-
caz para combater às diversas agressões verifi-
cadas na Ressaca.
O território da comunidade quilombola
da Lagoa dos Índios se destaca por ser, ainda,
um local que abriga uma paisagem natural
relativamente exuberante dentro da cidade
de Macapá. Em função de sua preservação
e de sua localização, próxima ao centro da
cidade, a Ressaca representa, hoje, no mu-
nicípio, uma das áreas mais cobiçadas pela
especulação imobiliária com a presença de
empresas de prestação de serviços, bairros,
conjuntos residenciais e loteamentos instala-
dos recentemente, conforme caracterização
no item anterior.
As políticas traçadas pelos governos fe-
deral, estadual e municipal para a economia
amapaense, por meio de grandes projetos
agro-industriais – desde os anos 1950 – e a re-
cente implantação da Área de Livre Comércio
de Macapá e Santana (ALCMS) foram respon-
sáveis pela atração de um número elevado de
pessoas para a região que vieram em busca de
uma perspectiva econômica e social (Porto e
Costa, 1999). Isso contribuiu mais ainda para
o crescimento acelerado da cidade, principal-
mente durante as décadas de 1980 e 1990,
onde ruas foram abertas sem nenhum crité-
rio, empresas de diversas naturezas foram
erigidas nos mais diversos locais da cidade,
loteamentos foram criados e conjuntos habi-
tacionais foram construídos, sem os mínimos
critérios de uso e ocupação do solo.
É interessante observar que até 1980 a
comunidade negra não havia se preocupado
com o processo de especulação imobiliária tra-
zida pela acelerada urbanização da Lagoa nem
com a questão das demarcações de suas ter-
ras. Assim, até o final dos anos de 1990, os ob-
jetivos do Estatuto da Associação dos Morado-
res da Comunidade Lagoa dos Índios (AMCLI),
fundada em 28 de julho de 1995, reafirmavam
as características rurais da comunidade, esbo-
çando apenas uma preocupação com a “de-
vastação da área”.
O território quilombola sentiu os efeitos
da instalação de empreendimentos governa-
mentais (como a construção da rodovia Duque
de Caxias e do Complexo Penitenciário) e de
empresas diversas, constituição de conjuntos
habitacionais e loteamentos, edificações que
foram redesenhando o território da Ressaca.
Atualmente, a comunidade negra vivencia di-
versos impactos relacionados às novas dinâ-
micas impostas ao seu território, dentre elas
a perda de legitimidade de parte significativa
de suas terras, aliada à forte antropização da
área, evidenciando a perda dos recursos natu-
rais que, até bem pouco tempo, constituíam a
base de sua sobrevivência.
Portanto, essas novas práticas urbanas
configuradas no espaço da Lagoa dos Índios
vêm motivando situações conflituosas em rela-
ção ao modo de vida e de trabalho do segmen-
to quilombola dentro do ecossistema Ressaca.
Contudo, decorrente do processo de
urba nização e especulação imobiliária, a pró-
pria comunidade negra foi vendendo seus
Confl itos ambientais urbanos e processos de urbanização...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 265-288, jan/jun 2013 271
terrenos deixados por herança e titulados pelo
Incra-AP. Esse órgão, em novembro de 2005,
fez um levantamento das propriedades com
títulos definitivos localizados na área contesta-
da. O levantamento destacou que no território
reivindi cado pela comunidade existem, atual-
mente, vinte posses. Desse número, dez têm
recibo de compra e uma está em processo de
regularização fundiária tramitando no Incra.
Os títulos definitivos concedidos pelo Incra-AP
aos proprietários, datados entre 1978 e 1999,
correspondem a um total de 379,6604 hecta-
res. Vale ressaltar que entre proprietários com
título definitivo estão pessoas descendentes
da comunidade e pessoas que adquiriram ter-
renos ao comprarem de descendentes de mo-
radores negros (terras deixadas por herança).
Há, também, terrenos com título definiti-
vo que ficam próximos ao território reivindica-
do pela comunidade negra, mas que exercem
pressão sobre o ecossistema Ressaca. Os técni-
cos do Incra localizaram quatro terrenos titula-
dos, entre 1982 e 1984, com extensão variada.
Portanto, os riscos atuais aos quais está
exposta a área da Ressaca Lagoa dos Índios
decorrem principalmente de conflitos em tor-
no da ocupação do território urbano e de seu
planejamento. A preocupação, desse modo, não
recai apenas sobre os aspectos físicos e natu-
rais, mas também sobre a implantação de in-
fraestrutura funcional; a organização socioeco-
nômica e cultural; a preservação do patrimônio
histórico e natural; a melhoria da qualidade de
vida dos moradores. Aspectos que os responsá-
veis pelo planejamento da cidade e pela socie-
dade em geral devem considerar.
Observando-se as situações que evi-
denciam problemas socioambientais na área
da Lagoa, uma questão importante deve
ser avaliada: os agentes agressores do meio
ambiente urbano podem ser tanto agentes es-
pecíficos – empresas prestadoras de serviço –
quanto agentes difusos – conjunto de proprie-
tários de residências, banhistas. Porém, quan-
to aos agentes afetados pela degradação,
esses são específicos – grupo quilombola em-
pobrecido que sofre os efeitos de forma mais
imediata, habitantes do local afetados pela
poluição da Lagoa. Por isso, é primordial iden-
tificar a problemática da intermediação de in-
teresses que envolvem atores plurais e difusos
nessa questão, inclusive o Estado.
Descrição dos impactos
1) Alterações causadas pelo avanço do espaço
transformado sobre o espaço natural da Ressa-
ca Lagoa dos Índios
A atratividade da Lagoa, por sua beleza
natural e estética, acelerou o processo de cres-
cimento urbano da sua área, com a presença
crescente de novos moradores, o que tem tra-
zido problemas variados. Problemas causados
principalmente pela falta de planejamento ins-
titucional para o uso do território da Ressaca.
A ausência de planejamento por parte
dos órgãos responsáveis pelo ordenamento
territorial e urbano, os aqui chamados agentes
político-institucionais, possibilitou o aumento
do número de construções e atividades comer-
ciais no território da Lagoa que, a cada dia, so-
fre de forma mais contundente com a pressão
antrópica sobre os recursos naturais, alterando
a paisagem local. A Lagoa, há cerca de duas
décadas, era considerada no planejamento do
município como zona rural de Macapá; porém,
com o crescimento populacional da cidade,
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hoje, ela se encontra dentro da área urbana na
parte oeste do município. Atualmente, é como
se existisse outra cidade composta pelos con-
juntos residenciais, pelos bairros e loteamentos
que formam um enorme conglomerado urbano
(Veiga, 2003). Isso significa que a parte oeste
da cidade sofreu um forte processo de antro-
pização, passando a crescer, então, para o en-
torno da Lagoa, processo que vem deixando
visíveis os problemas ambientais na área.
A falta de planejamento e de políticas
públicas urbanas tem possibilitado a autoriza-
ção de construções de porte variado, sem levar
em conta as atuais limitações infraestruturais
da Ressaca. Desse modo, o aumento do núme-
ro de residências e de atividades na área, e a
falta de saneamento básico concorrem para a
saturação do ecossistema da Lagoa.
As empresas pesquisadas foram unâ-
nimes em afirmar que sempre utilizaram tra-
tamento de esgoto próprio, aprovado pelos
órgãos ambientais. Já os representantes dos
conjuntos habitacionais garantiram que têm
lixo coletado pela Prefeitura Municipal de Ma-
capá (PMM) e água tratada em poço tubular,
mas não tem tratamento de esgoto.
Quanto aos bairros ou loteamentos mais
novos localizados do entorno da Lagoa não
possuem coleta de lixo nem tratamento dos
resíduos sólidos e líquidos. Assim, percebe-se
que o esgoto proveniente das instalações mais
recentes é diretamente lançado in natura no
solo ou dentro da parte alagada da Ressaca. É
visível o descarte dos efluentes líquidos e dos
detritos domésticos dentro dos corpos hídricos
do ecossistema, produzidos pela presença de
atividades de órgãos públicos e das habita-
ções. Essa prática está relacionada à falta de
monitoramento e fiscalização pelos órgãos
ambientais, mas, sobretudo, pela quase au-
sência de infraestrutura urbana do município
que não oferece serviços de saneamento bási-
co para a cidade e, consequentemente, para a
área estudada.
Observa-se que o Instituto de Administra-
ção Penitenciária do Estado do Amapá (Iapen),
agente político institucional, segundo nossa ca-
racterização, é um dos maiores poluidores da
área. O Iapen é responsável pela presença de
águas residuais e dejetos humanos que lenta-
mente polui e degrada a área da Lagoa, pois
a rede de esgoto não é suficiente para atender
toda a demanda da penitenciária. O Instituto
despeja os efluentes líquidos e demais detritos
sob o solo, que aos poucos se infiltra nos cor-
pos hídricos.
A falta de saneamento básico, responsa-
bilidade do poder público e, portanto, a cargo
do agente político institucional; o aumento in-
discriminado de construções, provocadas pelas
ações dos agentes econômicos; e a abertura de
ruas e avenidas sem pavimentação têm acen-
tuado o processo de erosão do solo e carrea-
mento de sedimentos para o leito dos cursos de
água da Ressaca.
Também, contribui para a contaminação
e degradação da área a presença de banhis-
tas e pescadores que jogam diretamente na
Lagoa, entre outras coisas, garrafas de vidro e
resíduos sintéticos (plásticos), configurando a
problemática da ação de agentes sociais. Essa
poluição é provocada pela atividade constante
de pessoas que utilizam ou simplesmente pas-
sam pelo local. Um dos lugares mais afetados
por essas atividades é a área localizada ao
longo da rodovia Duque de Caxias – que atra-
vessa a Ressaca e liga Macapá ao município
de Santana. Algumas pessoas utilizam a ponte
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da rodovia, nos dias de semana e, principal-
mente nos finais de semana, para o lazer e a
pesca. Os resíduos decorrentes destas ativi-
dades – garrafas de bebidas alcoólicas, sacos
e garrafas plásticas, além do fogo usado para
assar o peixe apanhado no local – são deixa-
dos pelos pescadores e banhistas dentro ou na
borda da Lagoa.
Em decorrência dessas atividades, dois
diagnósticos foram realizados na Ressaca
Lagoa dos Índios: um elaborado por Maciel
(2001), a partir da solicitação da Secretaria de
Meio Ambiente do Estado do Amapá (Sema), e
outro por Takiyma e Silva (2003), por meio do
Instituto de Estudos e Pesquisa do Estado do
Amapá (Iepa). Os diagnósticos apontaram que
existe um processo de eutrofização artificial da
Lagoa, causado pela intensa ocupação no seu
entorno e pela emissão constante de detritos,
o que tem provocado aumento significativo de
matéria orgânica, facilitando formação de ga-
ses venenosos (metano e enxofre), causando a
morte dos peixes e tornando a água proibitiva
ao consumo humano. A imensa sedimentação
na Lagoa provocada pela ação antrópica, pelo
aterramento e pela presença de vegetação ma-
crófita, dificulta a penetração dos raios solares
na água. Devido a esse processo, há quebra da
estabilidade do ecossistema, ocasionando um
desequilíbrio entre a produção da matéria or-
gânica, o consumo e a deposição de lixos de
toda natureza.
Assim, observa-se que a implosão de-
mográfica dos agentes sociais, a explosão
das atividades socioeconômicas dos agentes
econômicos locais e a negligência e falta da
ação dos agentes político-institucionais têm
transformado os espaços urbanos da Ressa-
ca. As alterações causadas pelo avanço do
espaço transformado sobre o espaço natural
fizeram com que o impacto degradante das
ações humanas afetasse diretamente a Ressa-
ca Lagoa dos Índios, deteriorando o ambiente
urbano nas suas características físicas, naturais
e socioculturais. Por isso, em relação a esse
aspecto, Oliveira e Hermann (2005) lembram
que nas cidades a noção de ambiente deve ser
vista de maneira mais ampla, incorporando
aspectos naturais, infraestruturais e paisagís-
ticos, indispensáveis ao seu funcionamento co-
mo habitat humano.
2) Alterações caracterizadas pela supressão da
mata ciliar
Com a pressão imobiliária exercida sobre
a Ressaca pelos agentes econômicos locais, a
mata ciliar da Lagoa está quase extinta em boa
parte de sua borda. A instalação da rodovia Du-
que de Caxias pelos agentes políticos institu-
cionais e as diversas construções provocaram a
retirada da mata ciliar da Ressaca e, como con-
sequência, o deslocamento da fauna, decorren-
te da extinção de seu habitat e da redução das
áreas de refúgio e alimentação das espécies;
além disso, provocaram erosão e assoreamento
da Lagoa (Takiyama e Silva, 2003).
Dentre as edificações que contribuem pa-
ra a retirada da mata ciliar está o complexo co-
mercial de propriedade particular (casa noturna
Choperia da Lagoa), o supermercado Y Yamada
e a Faculdade de Macapá FAMA). Todos esses
empreendimentos localizados no espaço do an-
tigo supermercado Casa das Carnes. Esse com-
plexo vem ocupando completamente a borda
da Ressaca, lugar de mata ciliar, no lado direito
da rodovia Duque de Caxias.
Para o complexo comercial, a Sema exi-
giu em 1997 o Plano de Controle Ambiental
Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 265-288, jan/jun 2013274
intitulado “Urbanização da margem adjacente
da Lagoa dos Índios a Casa das Carnes”. O ob-
jetivo do plano era conter o elevado grau de
degradação ocasionado pela retirada da mata
ciliar, pelo despejo de lixo e pela ocupação de-
sordenada da área. Naquela época, o documen-
to referia-se ao fato de que o Supermerca do
Casa das Carnes estava “implantado e desen-
volvendo suas atividades próxima a uma área
de Ressaca, mesmo sendo considerada área de
Preservação Permanente, mencionada no Art.
18 da Lei n. 6.938/81” (1997, p. 4). A justifica-
tiva dessa intervenção era “harmonizar as edi-
ficações ali implantadas através de suas áreas
de lazer, com contemplação visual que a Lagoa
oferece, facilitando através de acessos urbani-
zados, a aproximação das pessoas com a na-
tureza”. O plano evidenciava a implantação de
uma barreira de contenção que visava conter
futuros processos de erosões naturais, bem co-
mo a degradação pela interferência humana, já
que a área ficaria sob vigilância constante dos
órgãos ambientais.
Contudo, o jornal Folha do Amapá (26/8/05)
refere-se às obras de ampliação das instalações
como sendo “um crime ambiental” praticado
contra a Lagoa dos Índios. E acrescenta:
As obras de ampliação [da Fama] estão invadindo a Lagoa, aterrando aquela área de Ressaca já tão maltratada pelas mãos, não de invasores comuns, mas de gente esclarecida que a princípio teria de dar em primeiro lugar o exemplo.
No final questiona se esse tipo de obra tem li-
cença ambiental. E se tem, “é no mínimo estra-
nho que as autoridades ambientais do Estado
e do município a tenham liberado”. Com isso,
confirma-se a questionável convergência entre
os interesses do complexo comercial do agente
econômico local e as intervenções dos agentes
político institucionais, em particular da Sema,
que, a princípio, deveria proteger a qualidade
dos recursos ambientais, impedindo dessa for-
ma, a expansão das obras.
Do lado esquerdo da rodovia Duque de
Caxias (sentido leste-oeste), na margem da
Lagoa, existe a empresa revendedora de bebi-
da Skol, seguida por várias concessionárias de
veículos, todos agentes econômicos locais, que,
apesar de não serem focos de questionamen-
tos, também não respeitam os limites para pro-
teção da mata ciliar. A revendedora de bebida
também já construiu calçada e implantou pro-
jeto de ambientação, ocupando a área reserva-
da para proteção da vegetação. As concessio-
nárias de veículos têm inclusive um restaurante
para atender aos funcionários nos limites da
área de proteção permanente. É interessante
verificar, ainda, que ao mesmo tempo em que
há a retirada da mata ciliar ocorre a deposição
de entulhos e restos de material provenientes
das construções e das atividades executadas
naquele espaço da Lagoa.
O que se verifica, então, é a falta de
atua ção eficiente dos agentes político-institu-
cionais e, portanto, o avanço das atividades
dos agentes econômicos locais que transfor-
mam o território para suas atividades econô-
micas, sem considerar os danos ambientais ao
ambiente urbano e as populações que vivem
dos recursos do ecossistema da Lagoa.
3) Modificação do relevo da Lagoa
As cavas para extração da argila para
produção de tijolos e a disposição inadequada
de rejeito estão modificando o relevo de algu-
mas partes da Lagoa dos Índios. Atualmente,
Confl itos ambientais urbanos e processos de urbanização...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 265-288, jan/jun 2013 275
a Lagoa tem sido poluída em decorrência das
atividades das empresas produtoras de tijolos
e telhas (olarias) e das atividades realizadas
por barcos e voadeiras de pequeno porte, que
transportam os mais variados produtos e mate-
riais, ao longo dos canais que se ligam ao Iga-
rapé da Fortaleza.
Como consequência desse impacto, os
sedimentos finos (argila, silte e areia fina) são
transportados para os corpos hídricos locais,
ocorrendo o assoreamento da Lagoa e alte-
rando a morfologia das drenagens. O assorea-
mento altera também a qualidade das águas
(sólidos em suspensão) e a vazão em determi-
nada época do ano (período seco ou chuvoso),
interferindo na vida das espécies da flora e da
fauna aquáticas (Takiyama e Silva, 2003) e,
consequentemente, das atividades de pesca da
comunidade quilombola.
Dessa forma, as empresas – agentes
econômicos locais – que extraem material, re-
cursos naturais de dentro da lagoa, produzem
um dano ambiental muito grave, às vezes ir-
reversível, com essas atividades. No entanto,
apesar dos agentes sociais da região terem
tentado negociar medidas compensatórias e
reparadoras para evitar a degradação da La-
goa pelas atividades econômicas, as empresas
não têm tido sensibilidade para tais negocia-
ções, conforme relato do presidente da ONG,
Amigos em Ação. Mais uma vez, a falta de
ação e a negligência dos agentes político-insti-
tucionais e das ações dos agentes econômicos
locais parecem caminhar juntas, produzindo
como resultado a degradação da Lagoa e a di-
minuição do bem-estar e das possibilidades de
reprodução social dos agentes sociais que dela
e nela vivem.
4) Destruição do ecossistema Ressaca
pelas queimadas
A seca, principalmente no verão, ocasio-
na focos de queimadas na Ressaca, provocando
a morte de animais e a redução da vegetação
na área. A Associação de Mulheres Negras da
Comunicada Lagoa dos Índios (AMNCLI) vem
afirmando que desconhecem a origem dos in-
cêndios que ocorrem na Ressaca e que as quei-
madas constantes trazem perdas para a comu-
nidade, principalmente porque elas estão rela-
cionadas diretamente com a extinção da fauna
aquática (peixe, tartaruga, etc.). É interessante
ressaltar que a pesca é uma das poucas ativida-
des ainda existentes na comunidade.
Para o Corpo de Bombeiros do Amapá
(CBA), as queimadas na Lagoa dos Índios ocor-
rem geralmente no verão, quando a tempera-
tura está muito elevada. O CBA aponta que os
motivos para o início de uma queimada podem
estar associados ao ciclista que passa na rua
e joga uma “bituca” de cigarro na vegetação
seca; ao morador que pesca e faz fogo nas
margens da lagoa para assar o peixe – algo
comum na área – deixando vestígios de fogo,
muitas vezes potencializado pelo vento cons-
tante no local; ou, também, pela existência de
garrafas de vidro que entram em contato com
o sol intenso, sofrendo processo de combustão
no local.
A forma de controle do fogo, em geral, é
feita com abafadores, mas quando não é pos-
sível sua utilização, os bombeiros recorrem à
água, método antigo e pouco econômico. Tam-
bém, algumas vezes, o CBA utiliza o método
dos aceiros nos incêndios de grande proporção.
Contudo, apesar da ação de fiscalização e mo-
nitoramento da área os órgãos ambientais não
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têm conseguido evitar as constantes queima-
das no local.
A respeito das queimadas, os gestores
da Sema afirmam que o fogo é provocado pela
pesca e consumo de lazer que deixa resquícios.
Outra causa apontada é a queima do lixo dos
moradores do entorno que não verificam a ex-
tinção total do fogo após a queima. Em geral,
constata-se que são os agentes sociais os mais
responsáveis pelas queimadas e os seus impac-
tos na Lagoa.
Considerações sobre os agentes
Em decorrência dos impactos ocorridos na La-
goa dos Índios, observaram-se três tipos de
agentes presentes no plano local: econômicos,
sociais e político-institucionais.
Seguindo Costa e Braga (2004), os agen-
tes econômicos são aqueles constituídos por
um agrupamento de setores empresariais, com
interesses comuns, cujas atividades econômi-
cas estão condicionadas pelas ações de regu-
lamentação e provisão de condições gerais de
produção no âmbito local. Os agentes econô-
micos locais são, portanto, as empresas que
dependem diretamente das regulamentações
feitas pelo governo, como é o caso das em-
presas prestadoras de serviços e de produção,
das incorporadoras imobiliárias e do setor de
diversão pública. Inclui-se dentre esses agentes
econômicos, as empresas cuja instalação ou
ampliação estão sujeitas a restrições impostas
pela lei de uso e ocupação do solo.
Ainda segundo os autores supracita-
dos, agente social é aquele agrupamento de
instituições e/ou grupo social com interesses
comuns, cuja atividade de reprodução está
condicionada pelas ações de bens comuns,
também no âmbito local. Assim, os agentes so-
ciais são constituídos pelo grupo que se formou
a partir das práticas sociais e da construção de
uma identidade que faz referência a sentimen-
tos de pertencimento do lugar, a um estilo de
vida diferenciado daquele imposto pela lógica
de mercado – o caso do grupo quilombola.
Cabe acrescentar nessa caracterização os
agentes político-institucionais. Esses agentes
são aqueles constituídos pelo poder público e
por suas instituições que, por ação, omissão ou
negligência, impõem ou desencadeiam um uso
do território a partir do modo como estabele-
cem suas políticas, sendo considerados, portan-
to, também como produtores de espaço.
Por meio do trabalho de campo, da ob-
servação participativa no local e de conversas
informais com moradores e representantes das
instituições pesquisadas, os agentes apontados
pela pesquisa foram identificados. A análise
dos seus papéis na região permitiu fazer al-
gumas inferências sobre suas ações e sua im-
portância no desencadeamento da degradação
ambiental e dos conflitos da Ressaca Lagoa
dos Índios, expostos a seguir.
1) Agentes políticos institucionais: o poder
público
O Estado é considerado pela literatura
sobre conflitos socioambientais como aquele
que tem maior peso nas ações que envolvem
os interesses dos diferentes agentes em âmbito
local. Enquanto produtor de espaço, o Estado
é visto como um dos elementos centrais para
a definição do valor de uma localidade. Contu-
do, conforme Penna (2003, p. 57) deve-se levar
em consideração uma interpretação do sentido
da produção social do espaço que ultrapasse
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“uma análise simplesmente política do papel
do Estado na reprodução e na crise da cidade
para compreender a produção das relações so-
ciais a partir da sua própria ação”.
Assim, em função de reverter tendên-
cias de ocupações, de gerar novas perspec-
tivas de uso, de mobilizar áreas por meio de
seu tombamento, de instalar grandes equipa-
mentos e de criar infraestrutura, o Estado é o
principal agente na valoração e na valoriza-
ção do espaço.
Considerando-se as questões descritas
anteriormente, com relação ao papel dos agen-
tes político-institucionais, o poder público, nos
conflitos ambientais, se define a partir da ten-
são entre desempenhar um papel de mediação
do conflito ou definir-se como parte interessada
nele (Sabatini, apud Costa e Braga, 2004). No
âmbito local, as instituições públicas são extre-
mamente vulneráveis às pressões de agentes
econômicos, como foi confirmado no local de
estudo. As políticas habitacionais tendem, por-
tanto, a abrir obras de infraestrutura urbana
para novas localizações para o mercado imobi-
liário que sustenta a especulação, relegando os
moradores a uma invisibilidade expropriadora.
Além disso, na esfera pública local ocorrem as
disputas de interesses específicos existentes
entre os diversos setores do poder, no que se
refere aos objetivos das políticas ambientais
urbanas. Essas disputas provocam conflitos en-
tre poderes quanto às políticas ambientais, ou
pela ausência delas.
Há, constantemente, uma fragmentação
político-administrativa da questão urbano-
-ambiental, pois as políticas são implantadas
de forma setorizada havendo pouco diálo-
go entre os diversos órgãos governamentais.
Desse modo, quem cuida da questão ambiental
não responde pela ocupação do solo nem pelo
saneamento. Já o órgão responsável pelo uso
e ocupação do solo não responde pelas áreas
verdes. Assim, também, ocorre com os órgãos
responsáveis pela demarcação das terras qui-
lombolas, o Ministério de Desenvolvimento
Agrário (MDA), o Incra e a Fundação Cultural
Palmares (FCP) que não dialogam com os res-
ponsáveis pelas demais questões que envol-
vem a comunidade negra.
No caso do estado do Amapá, existe a Se-
cretaria Extraordinária dos Afro-Descendentes
do Amapá (Seafro) que mantém parceria com a
FCP e a Secretaria Especial de Políticas de Pro-
moção da Igualdade Racial (Seppir) que atua
em parceria como o MDA. A Seafro não recebe
financiamento do governo do Amapá para suas
funções, e fica, dessa maneira, mais vinculada
aos órgãos federais, o que dificulta suas funções
administrativas, processuais e de execução.
Ademais, cabe chamar atenção para o
fato de que, nos níveis municipal, estadual e
federal de governo, a cargo da Secretaria de
Meio Ambiente e Turismo (Semat), Sema-AP,
e o Ministério do Meio Ambiente (MMA),
respectivamente, a política ambiental está
desvincula da das demais políticas públicas e
das políticas econômicas, pois ela não é con-
siderada nem uma política social, nem uma
política de desenvolvimento. Da mesma forma,
a responsabilidade dos órgãos ambientais se
restringe à gestão dos espaços verdes urbanos
e a fiscalização das fontes fixas de poluição.
Costa e Braga (2004) afirmam que a forma de
considerar as questões voltadas para a políti-
ca ambiental não tem possibilitado que essa
política esteja vinculada a questões como sa-
neamento, sistema de transporte e regulação
do uso e ocupação do solo, pois são questões
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que, no mais, ficam a cargo de órgãos não
integrados, dotados de lógicas distintas e
atua ção pontual.
Há, também, contradição entre os obje-
tivos e as diretrizes voltadas para as políticas
urbanas, muito frequente entre as ações do
executivo, legislativo e judiciário e os órgãos
executores. Existem casos em que o legislativo
elabora e aprova uma determinada lei, mas os
órgãos do governo não se encontram prepara-
dos técnica ou financeiramente para executá-la.
Outra questão que envolve o poder
público é o distanciamento entre as políticas
propostas e a realidade dos processos de pro-
dução do espaço urbano. É o caso da política
de uso e ocupação do solo e de proteção de
áreas verdes. Muitas vezes, essa política fica
meramente no plano discursivo – é o caso da
Lei 0455/1999 sobre as Ressacas – e do Pla-
no Diretor da cidade de Macapá, concebidos
a partir de uma lógica normativa distante dos
rumos já tomados pela produção do espaço
urbano, no qual o aparato regulatório rígido
contrapõe-se à realidade de produção do es-
paço mais flexível.
No próprio poder público ocorrem con-
flitos, como aqueles entre a agência ambien-
tal e os órgãos do poder local, responsáveis
pela realização de obras públicas. As obras
do Instituto Penitenciário são emblemáticas
nesse caso. A própria administração municipal
provoca impacto sobre o meio ambiente, com
obras de canalização de rios, implantação de
aterros sanitários e depósitos de resíduos. Há,
também, a ausência de continuidade admi-
nistrativa, o que emperra as negociações dos
problemas ambientais, feitas de forma lenta e
por etapas de longo prazo.
2) Agentes econômicos locais
Conforme Santos e Silveira (2001), as
grandes empresas organizam suas atividades
criando circuitos espaciais de produção. Para
funcionar, elas devem regular seus processos
produtivos – hoje dispersos no território nacio-
nal –, sua circulação e sua contabilidade. Isso
significa, de um lado, a existência de impera-
tivos microeconômicos, internos à firma, capa-
zes de vincular, por exemplo, áreas de cultivo
e lugares de elaboração dos seus produtos e
das embalagens necessárias, e, de outro, a exis-
tência de imperativos macroeconômicos, como
sua participação mais ou menos explícita na
fixação de tarifas de serviços e insumos. Esses
imperativos supõem a permanente negociação
da empresa com o poder público e com outras
empresas, para redefinir seu comportamento
político e os setores e lugares que lhe interes-
sam. É desse modo que se definem e redefinem
as localizações, as topologias de empresas.
As empresas privadas – concessionárias
de veículos, revendedora de bebida e par-
te do complexo empresarial de propriedade
particular (FAMA e Supermercado) –, entendi-
das aqui como todas as empresas que prestam
serviços, direta ou indiretamente na área e ca-
racterizadas como agente econômicos locais,
vêm sendo alvo de críticas no tocante às res-
ponsabilidades na Lagoa dos Índios.
Os impactos negativos ao meio ambiente
e à comunidade são comumente atribuídos a
essas empresas. Interessadas nos lucros ime-
diatos, com avidez pelo solo urbano para am-
pliação de seus empreendimentos e até para
a especulação imobiliária, usam os recursos
naturais e produzem lixo, poluição, dejetos des-
pejados no meio em detrimento da melhoria da
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qualidade de vida da população local e da me-
lhoria do ambiente. Dessa forma, as empresas
privadas aparecem no território como agentes
produtores de impactos ambientais negativos
ao invés de potenciais parceiros locais no de-
senvolvimento da área.
Os próprios órgãos estaduais e muni-
cipais explicitam que não existem iniciativas
dessas empresas para a minimização dos im-
pactos ambientais, produzidos por resíduos
sólidos e líquidos, nem se percebem trabalhos
educativos junto aos clientes, nem códigos de
conduta, que mostrem que as mesmas podem
regulamentar seus próprios comportamentos,
afastando assim a necessidade de interven-
ção governamental. Assim, muitas críticas são
feitas à ausência de ações e à falta de respon-
sabilidade desses agentes. A questão está no
fato de, na maioria das vezes, as empresas não
estarem preocupadas nem com o meio ambien-
te – sustentáculo de seus investimentos –, nem
com a socialização dos benefícios gerados por
elas junto à comunidade.
Estariam sob responsabilidade dessas
empresas: a implantação de técnicas para auxi-
liar o uso, de forma sustentável, dos solos, das
águas e das florestas; a redução do lixo e da
destinação final adequada do mesmo; o uso de
forma adequada da energia; a proteção à co-
munidade quanto ao seu patrimônio cultural e
a projetos sociais; o respeito à herança cultural
da comunidade local, o investimento na con-
servação e recuperação de patrimônios natu-
rais degradados e a minimização de impactos
gerados pelo uso de materiais biodegradáveis.
As responsabilidades das empresas, co-
mo atores sociais, no desenvolvimento de ati-
vidades em escala local são, em tese, muitas,
mas o desafio atual está em aproximá-las do
entendimento dessas responsabilidades, con-
forme preveem os órgãos do estado.
3) Agentes sociais
A comunidade local, aqui representada
por duas associações, é importante protago-
nista na situação ambiental da Ressaca. Como
agente social, não constitui um bloco monolí-
tico de interesses, estruturando-se em grupos
diferenciados e particulares. Portanto, não se
trata de um único grupo de agentes sociais e,
também, não existem bases consensuais, no
que se refere a seus anseios e desejos, diante
do destino da comunidade.
As duas associações representantes dos
remanescentes de quilombo existentes na La-
goa dos Índios diferenciam-se pelo papel que
vêm desempenhando junto aos moradores e
pelos projetos requeridos para a comunida-
de. Nesse sentido, pode-se dizer que há dois
grupos de interesses: os da Associação de
Moradores da Comunidade Lagoa dos Índios
(AMCLI), com cerca de 300 moradores asso-
ciados, e da Associação de Mulheres Negras
da Lagoa dos Índios (AMNCLI), com 376 mu-
lheres associadas.
A disputa de poder entre as associações
tem emperrado, em alguns momentos, o pro-
cesso de decisão sobre as demandas da comu-
nidade. Assim, elas, muitas vezes têm tido o pa-
pel de meras consultoras de políticas públicas,
muitas vezes já preestabelecidas pelo poder
público. Isso ocasiona a falta de participação
da comunidade em todas as etapas de plane-
jamento para a gestão ambiental e do território
e das ações empreendidas pelos atores pre-
sentes na área. Além disso, essas associações
não têm cumprindo o papel de vencer etapas
como: elaboração de inventários dos recursos
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naturais; estudos de potencialidades da área; e
identificação daquilo que é considerado como
herança numa comunidade, patrimônios que
possam permanecer para as gerações futuras
(inclusive o cultural).
A visível instalação de empreendimentos
comerciais e imobiliários tem se constituído em
um dos principais problemas para as famílias
da Lagoa dos Índios. O frenético crescimento
urbano-industrial na região comprime o terri-
tório quilombola, e calcula-se que nos últimos
vinte anos a comunidade perdeu aproximada-
mente 10 mil hectares de terras para empresas
e demais empreendimentos comerciais.
Confl itos ambientais no território da Ressaca Lagoa dos Índios
No espaço da Lagoa dos Índios, os agentes po-
lítico-institucionais, econômicos locais e sociais
estão dotados de possibilidades diferenciadas
para fazer significar suas ações e suas respec-
tivas visões de mundo. Assim, na busca de for-
mas de apropriação e uso do território e dos
seus recursos, esses agentes enfrentam-se no
terreno, medindo forças entre a imposição de
novas condicionalidades econômicas e ambien-
tais e a manutenção de atividades tradicionais.
Considerando-se essa questão, foram definidos
alguns conflitos socioambientais representati-
vos na área.
Critérios de defi nição e tipologia dos confl itos ambientais
Por meio de documentos coletados e do re-
ferencial teórico baseado em Little (2001) e
Acselrad (2004), buscou-se evidenciar dois
critérios de análise, de acordo com as novas
dinâmicas socioespaciais e ecológicas presen-
tes na Lagoa dos Índios e a constituição e/ou
participação dos agentes no local: os usos do
território e as representações ou as visões de
mundo e/ou significados dados a ele.
Os usos do território referem-se à for-
ma como são apropriados, modificados e/ou
construídos os objetos (Santos, 1994) presen-
tes nele pelas práticas sociais específicas dos
agentes. Acselrad (2004) afirma que há uma in-
terface entre mundo social e sua base material.
Assim, aquilo que as sociedades fazem com
seu meio material
[...] não se resume a satisfazer carências e superar restrições materiais, mas con-siste também em projetar no mundo dife-rentes significados – construir paisagens, democratizar ou segregar espaços, pa-dronizar ou diversificar territórios sociais, etc. (p. 15)
É nesse sentido, então, que é importante
salientar também a dimensão das representa-
ções ou visões de mundo, já que incide direta-
mente na forma como o território é usado pe-
los agentes. A variedade de visões de mundo
ou representações compõe diversos usos que
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se materializam no território da Lagoa e, por-
tanto, define formatos de relações com a natu-
reza ou com o ambiente construído.
De acordo com a definição dos dois cri-
térios acima, apresenta-se uma tipologia dos
conflitos ambientais baseados nas informações
coletadas para o estudo.
1) Conflito pela definição político-institucional
do território
Este conflito é provocado por interesses
divergentes entre os órgãos responsáveis pe-
la demarcação do território como patrimônio
cultural (FCP, Seppir, Incra e Seafro) e órgãos
ambientais que demarcam o território como
área de preservação permanente (Sema e
Iepa). As posições divergentes quanto à de-
finição do território proporcionam uma frag-
mentação político-administrativa em torno de
seu uso.
A FCP, a Seppir e o Incra realizam estu-
dos para viabilizar o processo de demarcação
e titulação das terras da comunidade negra.
As ações dessas instituições voltam-se, prin-
cipalmente, para: realização do Diagnóstico
Socioeconômico da Comunidade Quilombola;
elaboração e manutenção de projetos econô-
micos, objetivando o estudo dos aspectos da
situação fundiária da área ocupada tanto pela
comunidade como por outros agentes; além de
avaliar o processo de urbanização e especula-
ção imobiliária exercida na comunidade Lagoa
dos Índios. Esses órgãos têm como prioridade
a titulação do território da comunidade como
área remanescente de quilombo.
O Incra enfrenta dificuldades na em-
preitada a que está designado – demarcar e
titular a área da comunidade – por falha da
própria instituição que, até o início do processo
de titulação, não reconhecia o território negro,
e que, por isso viabilizou, no passado, a conces-
são de uso da terra a proprietários não perten-
centes ao grupo negro.
As ações da Seafro são feitas em par-
ceria com a FCP, a Seppir e o Incra. A Seafro
apóia o processo de titulação e a elaboração
de projetos baseados na “sustentabilidade”
econômica (artesanato e criação de peixe) co-
mo forma de reverter o quadro de quase mi-
séria que a comunidade enfrenta. Essas insti-
tuições significam o território como espaço de
reprodução cultural.
A Sema, considerando a urbanização
desordenada da área, traçou um diagnóstico
para recuperação, preservação e uso susten-
tado da Ressaca (Maciel, 2001). Diagnóstico
elaborado após a aprovação da Lei 455, de 22
de julho de 1999, que dispõe sobre a delimi-
tação e o tombamento das áreas de Ressacas
como patrimônio natural. Contudo, em tal
diagnóstico não consta referências à comu-
nidade negra, pois ele tem a finalidade, tão
somente, de evidenciar a necessidade de pre-
servação do local pelo seu valor paisagístico
e como forma de encaminhar propostas para
proteger o meio ambiente.
O Iepa, em parceria com a Sema lançou,
em 2003, o “Diagnóstico das Ressacas do Esta-
do do Amapá: Bacias do Igarapé da Fortaleza
e Rio Curiaú”. O objetivo desse diagnóstico foi
pesquisar os problemas sociais e ambientais,
que direta ou indiretamente estão relacionados
ao modelo de ocupação da Ressaca e, sobre-
tudo, proporcionar “ações públicas integradas”
dentro de uma gestão ambiental planejada
(Takiyma e Silva, 2003). Contudo, não consta
nenhuma informação sobre o território da co-
munidade negra.
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A Sema e o Iepa trabalham com a visão
de que a Ressaca é patrimônio natural, desco-
nhecendo ou ignorando a possibilidade da co-
munidade negra guardar tradições fundadas na
ancestralidade. Por isso eles viabilizam ações e
projetos que, de certo modo, passam desperce-
bidos pela comunidade, pois não a estimulam
para o diálogo.
O conflito pela definição político-insti-
tucional do território coloca a Seppir, a Seafro
e o Incra como responsáveis pela garantia do
direito étnico e pela demarcação e titulação do
território remanescente de quilombo e a Sema,
ao lado do Iepa, como responsáveis pela po-
lítica ambiental e pelos estudos, com espaços
de interferência delimitados e com critérios de
competências diferentes. A posição de cada
segmento, de certa forma, freia o processo de
demarcação do território quilombola e inviabi-
liza a definição dos limites da área da Ressaca.
Processo que corrobora para o avanço da espe-
culação imobiliária e da degradação da Lagoa.
Isso demonstra na prática um descompasso
entre as ações do próprio Estado nos níveis es-
tadual e federal e na forma e desconhecimento
da ação de ambos.
Dessa forma, trata-se de uma divergên-
cia quanto aos usos do território que implica
diferentes critérios de demarcação. Abrange
também divergências quanto às representa-
ções e significados dados ao território, que são
diferentes para os agentes político-institucio-
nais envolvidos.
2) Conflito pelo regime de propriedade
do território
Na Comunidade Lagoa dos Índios, perce-
be-se o conflito relacionado à disputa de po-
der, provocado pelas desconfianças e defesa de
interesses divergentes entre a AMNCLI e AMCLI
por terem divergentes visões sobre o regime de
propriedade do território.
Primeiramente, o conflito instaurado
entre as duas entidades baseou-se no discurso
da legitimidade de quem poderia movimentar o
processo de demarcação e titulação das terras
da comunidade. Como decor rência, observou-
se que existem dois processos encaminhados
ao Incra, desde 2002: o processo encaminhado
pela AMNCLI (nº 01420.000072/2002-49)
e processo em tramitação na Procuradoria
da República no Estado do Amapá e na
Procurado ria Geral da República em Brasília
(nº 1.1200000025/2003-98).
A AMNCLI, a partir de orientações da
FCP, organizou e encaminhou a documentação
exigida para o processo de Identificação, Reco-
nhecimento, Delimitação e Titulação das Terras
Ocupadas em Território Quilombola da Comuni-
dade Lagoa dos Índios. Dessa forma, a AMNCLI
reivindicou sua legitimidade para movimentar
o processo de demarcação e para dialogar com:
grupos e entidades do movimento negro; ór-
gãos públicos (FCP, Incra, Sema, Seafro, Seppir);
empresas (em especial aquelas instaladas ao
longo da rodovia Duque de Caxias) e com pro-
prietários de terrenos dentro da comunidade.
Contudo, a AMCLI não se sente represen-
tada e não concorda com as ações da Associa-
ção de Mulheres Negras. Esse conflito coloca
em antagonismos os presidentes das duas as-
sociações, dividindo os moradores sobre qual
associação tem legitimidades para encaminhar
o processo de demarcação das terras da comu-
nidade. Isso contribui para acirrar “diferenças”,
tensões e conflitos que atravessam o grupo.
Percebe-se que as posições antagônicas das
duas associações estabelecem claramente a
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disputa pelo poder dentro da comunidade, di-
vidindo os moradores.
Há interesses divergentes entre os dois
grupos, com claras diferenças sobre o regime
de propriedade desejado no território: os que
querem o uso comunal e os que preferem uma
forma de propriedade individual. A disputa de
poder é para efetivar uma dessas alternativas
que vai incidir na organização territorial do gru-
po, nas suas práticas socioterritoriais e na pos-
sibilidade de acesso e uso dos recursos naturais.
O efeito da disputa de poder tem refle-
xo direto nos mecanismos de alianças entre
a AMNCLI e AMCLI e, de certa forma, gera
fissuras internas, assim como quebra de soli-
dariedade e mobilização da comunidade para
reverter o quadro adverso em que está inseri-
da, influenciando a falta de desenvolvimento
local e a resolução dos conflitos no território
da comunidade.
Evidencia-se que o conflito diz respeito
a diferentes visões do uso do território, uma
vez que existe uma estratégia coletivista e ou-
tra mais individualista. Cada uma tem impli-
cações quanto à maneira como se organiza a
comunidade em termos materiais e repercute
na construção simbólica das práticas sociais a
serem reproduzidas, já que se trata da forma
como se representa e materializa a vida social
no território.
3) Conflito pela ocupação do território
O conflito é produto da ocupação das
áreas pertencentes aos remanescentes de qui-
lombo; por invasão da área de matas ciliares
da Ressaca (cuja vegetação serve de refúgio
para a biodiversidade e compõe a cadeia tró-
fica da região), pelas constantes queimadas e
destruição do espaço pelas edificações e pelo
aumento de atividades modernizantes no local
por parte de agentes econômicos.
As contradições entre as atividades das
empresas, dos conjuntos residenciais e as prá-
ticas tradicionais da comunidade negra, no en-
tanto, têm sua face mais expressiva quando se
trata da degradação da Lagoa, principalmente
na área reservada para proteção da mata ciliar
e disponível para pesca; e a deposição de lixo
(residual), aterramento e erosão, visíveis a par-
tir das práticas cotidianas. A forma de utiliza-
ção dos recursos na Lagoa dos Índios obedece
à lógica de valorização do capital, refletindo-se
sobre a qualidade de vida do grupo quilombo-
la, retificando e reproduzindo desigualdades,
conflitos e contradições. Os empreendimentos
empresariais e mobiliários investem em lucros
imediatos, porém, despreocupam-se com a
possibilidade de gerar recursos duradouros por
meio da valorização do enorme potencial am-
biental e cultural da área, além de não gerar
emprego e renda para a comunidade local.
As empresas subtraíram espaços que
eram de domínio comunitário há mais de dois
séculos, introduzindo mudanças nos padrões,
práticas e estratégias de sobrevivência tradicio-
nais e estabeleceram como alternativa a venda
de terrenos para terceiros, na perspectiva da
especulação imobiliária.
Assim, o conflito é pelas divergentes
formas de apropriação do território e uso dos
seus recursos, entre os agentes econômicos e
sociais. A comunidade vê seus espaços reduzi-
dos e substituídos por espaços privados, e os
investidores a consideram um “obstáculo” a
ser removido, mas a comunidade se nega ao
deslocamento pelas pressões da ocupação de
seu território reafirmando sua identidade qui-
lombola e redefinindo a relação que institui
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com o local. A dimensão simbólica da luta fica
evidente nos diferentes sentidos atribuídos ao
objeto dessa disputa de hegemonia – o territó-
rio da Ressaca – e explicitados pelos agentes.
Para as empresas, a Lagoa dos Índios é espaço
de empreendimento, e o debate sobre seu uso
envolve “problemas de custo”. Diferente dessa,
é a visão de mundo construída pelos morado-
res remanescentes de quilombos. Na luta sim-
bólica pela legitimidade da posse do território,
os moradores (re)criam o mundo (e as relações)
e conferem uma nova dimensão (e qualidade) à
disputa pela forma socialmente reconhecida (e
aceita) de apropriação da Lagoa. Para a comu-
nidade, a Lagoa é parte componente da própria
identidade cultural, associada à sua forma de
vida. Assim, qualquer percepção diferente des-
sa desqualifica sua significação original e des-
loca o sentido histórico que tem a Lagoa para
essa população.
4) Conflito pelas falhas na gestão territorial
dos agentes político-institucionais
Esse tipo de conflito é motivado pela au-
sência de planejamento por parte dos órgãos
responsáveis pelo ordenamento territorial e pe-
la fiscalização e monitoramento ambiental. As
ações de órgãos como a prefeitura são quase
ausentes, tanto para a comunidade negra como
para a população de seu entorno.
A falta de planejamento institucional
e de políticas urbanas para o território da
Ressaca, pelo órgão municipal, possibilitou o
aumento do número de construções e ativida-
des comerciais, isso contribuiu para fragilizar
o ambiente.
Nas políticas urbanas voltadas para a
Ressaca, o balanço entre o uso público e o pri-
vado pende para o lado privado, e a lógica de
mercado exerce sua hegemonia sem ser sub-
metida ao controle público. Com isso ocorreu
um agravamento da desigualdade na provisão
de moradias e na distribuição territorial de
equipamentos e serviços. Na Lagoa, a exclu-
são da comunidade negra é visível pela falta
de acesso a serviços urbanos e sociais básicos
como saneamento e saúde. Essa questão de-
monstra que existe uma tensão entre a garan-
tia de acesso aos recursos do local e os objeti-
vos econômicos privados.
A falta de gestão territorial provocou um
intenso processo de especulação imobiliária
desde o início dos anos 80 do século XX e favo-
receu as ações dos agentes econômicos locais
(o capital privado) que expropriaram gradativa-
mente a comunidade negra das suas terras e
instalaram novos empreendimentos e conjun-
tos habitacionais.
A polêmica que se estabelece sobre o
processo de expansão urbana e o impacto
ambiental causado a Lagoa suscitam duas ló-
gicas opostas: uma instrumentalizada pelos
empreendimentos com aquiescência dos ór-
gãos ambientais e, a outra, a lógica da vivên-
cia cotidiana da comunidade que presencia a
invasão de seu território e os danos constantes
provocados pela poluição da área, inclusive de-
pósito de esgoto doméstico e das empresas e
de órgãos do Estado.
5) Conflito por divergências entre os agentes
político-institucionais e sociais
Esse conflito ocorre em torno da disputa
pela legitimidade de intervenção no território
da Ressaca, provocado pelos interesses diver-
gentes entre sociedade civil e poder público. A
ONG “Amigos em Ação”, considera-se uma for-
ça capaz de contribuir para o aperfeiçoamento
Confl itos ambientais urbanos e processos de urbanização...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 265-288, jan/jun 2013 285
da democracia relacionada com as ações rea-
lizadas na Ressaca e para o atendimento real
dos anseios da comunidade, apontando a gran-
de dificuldade que o Estado tem para cumprir
seu papel naquele espaço. A ONG coloca-se
como a entidade que tem possibilidade de dis-
cutir abertamente as questões socioambientais
da Ressaca, seja com o poder público, seja com
o setor econômico ou com a comunidade.
É nesse sentido que o órgão ambienta-
lista se posiciona, ao procurar mobilizar a so-
ciedade civil, diante dos órgãos do governo e
empresas em torno da necessidade de discutir,
de forma mais sistemática, os problemas veri-
ficados na Ressaca. Nesse sentido, a ONG tem
se articulado com órgãos do governo municipal
(Semat) e com empresas (Fama), mas ressente-
-se pela falta de um diálogo mais profundo
com o Estado para reverter o quadro apresen-
tado pelas ações de diversos agentes causa-
dores de danos ambientais. A ONG defende a
legitimidade de uma intervenção, com base na
ideia de preservação do patrimônio natural, em
nome da conservação do lugar, da preservação
de espécies ameaçadas, no âmbito de um pro-
cesso de gestão.
A ONG coloca-se, também, como o único
ator que combate qualquer tipo de atividade de
degradação na área. Por isso, o presidente da
ONG estabelece a caracterização de cada gru-
po envolvido na discussão sobre a legitimidade
ou não das práticas efetivadas na Lagoa, colo-
cando no centro da polêmica as visões sobre o
uso e significados do território, da seguinte for-
ma: local de beleza cênica que ajuda a garantir
a realização dos empreendimentos dos agentes
econômicos do capital privado; local de apre-
ciação estética e de qualidade de vida para os
conjuntos habitacionais; e local de preservação
dos costumes e tradições da comunidade. Con-
tudo, o presidente não refere à forma como
conciliar interesses tão divergentes quanto ao
uso do território.
Os conflitos tipificados, portanto, apon-
tam para os embates entre diversos agentes
dotados de possibilidades diferenciadas para
fazer valer suas respectivas visões de mundo e
práticas materiais decorrentes, que definem os
usos que efetivamente se fazem do território.
Considerações fi nais
A ocupação da área da Ressaca Lagoa dos Ín-
dios, pelo menos há 20 anos, tem-se tornado
um problema crítico para a comunidade negra
ali residente, pois os danos não são apenas
ambientais, mas também culturais. Os novos
agentes presentes na área da Ressaca trazem
consigo os vetores da chamada modernidade
que, pela sua intensidade, causam transpo-
sições e deslocamentos culturais e materiais,
bem como conflitos sobre o uso e acesso aos
recursos naturais. Portanto, a imposição de es-
tratégias territoriais, visíveis a partir dos vários
problemas socioambientais enfrentados, tem
constituído uma grande ameaça para a área da
Ressaca e para a continuidade da comunidade
negra no seu território.
Atualmente, essas questões têm sido
motivo de debate entre diversos agentes: de
um lado, órgãos governamentais, responsá-
veis pela preservação ambiental e cultural da
área da comunidade negra (agentes político-
-institucionais); de outro, ONG’s e a própria
comunidade (agentes sociais) e os agentes
econômicos, com seus empreendimentos
e negócios, assim como os especuladores
Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 265-288, jan/jun 2013286
imobiliários. Essa classificação possibilita
identificar as ações e as visões de mundo que
giram em torno dos elementos que constituem
a disputa pela mesma base territorial dos re-
cursos (Acselrad, 2004).
Dessa forma, o conflito ambiental urbano
expresso a partir das ações apresentadas pelos
diferentes agentes presentes na área da Lagoa
expõe uma dada compreensão do mundo. Per-
cebem-se nitidamente diferenças de poder no
interior do campo em que estão inseridos. Na
luta em torno do território da Lagoa, cada gru-
po tenta impor sua visão de mundo procurando
legitimar suas representações da realidade, pa-
ra assim garantir a continuidade da sua forma
de apropriação dos recursos e, portanto, de uso
do território. Contudo, é interessante frisar que
os grupos possuem formas de ação diferentes e
que cada um procura utilizar a seu favor os ele-
mentos materiais e simbólicos à sua disposição,
de acordo com o lugar que ocupam no espaço
dessas relações. Só que as assimetrias de poder
e os interesses conjunturais determinam o ru-
mo e, até, o desfecho das ações que, dessa ma-
neira, favorecem os agentes mais poderosos.
Portanto, considera-se que as políticas públicas
urbanas e ambientais e os agentes institucio-
nais devem assumir posições menos omissas e
mais justas para com os agentes sociais com
direitos legítimos sobre esses territórios.
Gloria Maria VargasDoutora em Geografia, Professora Adjunta da Universidade de Brasília. Brasília/DF, [email protected]
Cecília Maria Chaves Brito BastosFormada em História, mestre em Desenvolvimento Sustentável, professora da Universidade Federal do Amapá. Macapá/AP, [email protected]
Notas
(1) Denominação regional para ecossistema pico das zonas costeiras nos municípios de Macapá e Santana. É uma bacia natural de acumulação hídrica para onde se des nam as drenagens pluviais; dominada pela vegetação de buritizais e pela floresta de várzea ao logo do curso d’água; serve como corredor natural de vento e infl uencia o microclima da cidade (Takiyama e Silva, 2003).
(2) Esta Carta encontra-se nos autos do processo nº 54350.000348/2004-98, no INCRA/AP, que prevê a “Iden fi cação, Reconhecimento, Delimitação, Demarcação e Titulação de Terras Ocupadas”.
Confl itos ambientais urbanos e processos de urbanização...
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(3) O acesso à área da comunidade é feito pela rodovia Duque de Caxias (km 9 da AP 20), próximo ao Ins tuto Penitenciário do Amapá (Iapen), na altura do km 4. Nesse local inicia-se o ramal do Goiabal, como é popularmente conhecido pelos moradores.
(4) Conforme Penna (2003), a ação presente, os interesses, a cobiça e mesmo as representações atribuídas a essa parte do território têm relação com o valor dado ao que está ali presente.
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Texto recebido em 30/ago/2012Texto aprovado em 8/out/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013
Recuperação socioambiental de fundosde vale urbanos na cidade de São Paulo,
entre transformações e permanências
The socio-environmental recovery of urban valley bottomsin the city of São Paulo, between transformation and permanence
Luciana TravassosSandra Irene Momm Schult
ResumoO artigo trata da falta de integração das políticas
públicas de urbanização de fundos de vale na cida-
de de São Paulo, com foco na implantação de par-
ques lineares e de infraestrutura de saneamento e
na urbanização de favelas. Mostra como a evolu-
ção nas práticas dos órgãos envolvidos não é su-
fi ciente para dar respostas adequadas às questões
socioambientais ensejadas pelo tratamento dessas
áreas e como permanece um descompasso entre o
discurso e as práticas no tratamento das questões
urbano-ambientais, principalmente pela falta de
coordenação intersetorial e territorial. Permane-
cem, então, intervenções incompletas e desiguais:
o saneamento fi ca restrito às áreas consolidadas,
resta um passivo socioambiental na urbanização
de favelas, enquanto a criação de áreas verdes
intraurbanas segue desconsiderando as duas pri-
meiras questões.
Palavras-chave: fundos de vale; política ambiental;
política urbana; integração de políticas; São Paulo.
AbstractThe article deals with the lack of integration among the public policies concerning valley bottom urbanization in the city of São Paulo, focusing on the implementation of linear parks and sanitation infrastructure, and also on slum urbanization. It shows that the progress in the practices of the agencies involved is not sufficient to give adequate answers to the socio-environmental issues that emerge with the treatment of these areas, and that a gap remains between discourse and practice in addressing urban-environmental issues, mainly due to the lack of intersectoral and territorial coordination. Therefore, interventions are incomplete and unequal: sanitation is restricted to consolidated areas, socio-environmental liabilities remain in slum urbanization, and the establishment of intra-urban green areas continues to disregard the fi rst two questions.
Keywords: valley bottoms; environmental policy; urban policy; policy integration; São Paulo.
Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013290
Introdução
A importância das questões relacionadas ao
meio ambiente global, em especial a agen-
da climática, tem demandado dos estados
nacionais políticas objetivando o alcance de
metas acordadas interna e externamente. O
atendimento de metas, tais como a redução
de emissões e das vulnerabilidades, exige, de
outra parte, dos governos locais, o estabeleci-
mento de ações intersetoriais e interescalares
articulan do diferentes instrumentos de planeja-
mento e gestão em um contexto de crescente
governança urbana ambiental.
Termos como gestão integrada (Godard,
1997) e integração de políticas ambientais
(Jordan e Lenschow, 2010) têm sido objeto
de discussão nas áreas de governança e ges-
tão ambiental como uma necessária evolução
dos processos de gestão de recursos naturais
e de recursos comuns. Abordagens como o
cross-scale institutional linkages são entendi-
das como necessárias para atingir condições
de sustentabilidade entre sistemas sociais e
ecológicos (Berkes, 2002; Cash et al., 2006;
Young, 2002).
O desafio da interação institucional par-
te da ideia básica de que a “eficácia” de ins-
tituições específicas depende não apenas de
sua própria feição, mas também da interação
com outras instituições. No entanto, a intera-
ção institucional apresenta limites. Os limites
não se vinculam somente aos territórios físi-
cos, mas sim às responsabilidades políticas e
esferas sociais de influência. Avançar sobre
esses limites, onde a jurisdição e o interesse
de atores organizados se sobrepõem, pressu-
põe a existência de conflitos entre instituições
formais que surgem frequentemente de mu-
danças políticas que concorrem com outros in-
teresses da organização (Mitchell, 1990 apud
Moss, 2004).
Em uma visão integrada, é reconhecido
que a efetiva proteção, por exemplo, dos recur-
sos hídricos, não depende exclusivamente de
instituições de gestão da água. Os aspectos de
qualidade e quantidade da água são afetados
por um amplo espectro de atividades humanas,
cada uma delas estruturada em seus próprios
arranjos institucionais. Dentre as diversas inte-
rações, um dos problemas é o frequente vácuo
entre a gestão da água e o planejamento do
uso e ocupação do solo (Newson, 1997; Moss,
2004), representado pela inexistência de víncu-
lo formal entre as políticas de água – que têm
a bacia hidrográfica como unidade de planeja-
mento – e as de ordenamento territorial – que
têm o município como lócus.
Elmore (1985, apud Moss, 2004) tam-
bém observa que existe uma tendência para
políticas e programas se acumularem em torno
de alguns problemas, gerando assim trabalho
extraordinário. Isso é certamente verdade na
arena ambiental em que, nos últimos 25 anos,
existe uma concentração no desenvolvimento
de uma sofisticada estrutura institucional pa-
ra gerenciar problemas ambientais, definindo
programas no nível federal, estadual, regional
e local (Moss, 2004).
No Brasil, a partir da década de 1980,
diversas políticas são propostas com o ob-
jetivo de gerenciar de forma participativa e
descentralizada os recursos naturais e o ter-
ritório. Essa é a essência da Política Nacional
do Meio Ambiente que criou o Sisnama – Sis-
tema Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal
6.938/81) articulando órgãos e funções nos
Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013 291
níveis federal, estadual e municipal, e crian-
do a figura dos Conselhos de Meio Ambiente,
estâncias participativas e deliberativas nesses
três níveis. Dentre os instrumentos da PNMA
está a criação de espaços territorialmente pro-
tegidos, que encontra replicabilidade e con-
sonância nas políticas florestais (Código Flo-
restal, Sistema Nacional de Unidades de Con-
servação e Lei da Mata Atlântica), na Política
Nacional de Recursos Hídricos e no Estatuto
da Cidade (Plano Diretor, zoneamento terri-
torial) entre outras. Tais instrumentos devem
ter como premissa a proteção e o controle da
ocupa ção de áreas frágeis e vulneráveis, tanto
do ponto de vista do equilíbrio do ecossistema
como da ocupação humana.
Cada política, naquilo que lhe compete,
define estruturas administrativas, produz nor-
mas e resoluções, permite e estimula a criação
de programas e projetos, e, principalmente,
estabelece instrumentos de gestão e gerencia-
mento. Porém, a articulação entre essas políti-
cas e esses instrumentos não é uma realidade,
gerando em grande parte a sobreposição e o
conflito de ações. Para Almeida (2007), existem
obstáculos na implementação dos instrumen-
tos, desde aqueles do ponto de vista da escas-
sez dos recursos públicos (humanos, materiais
e financeiros), assim como algumas legislações
específicas são genéricas ou restritivas de for-
ma a não compatibilizar sua aplicabilidade e
interação institucional.
Ganham importância, nesse contexto,
as abordagens do planejamento territorial que
visam o ganho de quantidade e de qualidade
dos espaços protegidos em áreas urbanas. Tal
iniciativa incorpora metas que alcançam ações
no âmbito da política das águas, do clima, de
recuperação e proteção dos recursos naturais
e da qualidade de vida urbana. Compõem tais
espaços várias categorias de áreas verdes, que
em conjunto conformam o que vem sendo
designado por infraestrutura verde. Eminente-
mente multifuncional, a infraestrutura verde
deve contribuir para a manutenção e criação
de valores sociais, ambientais e econômicos e
para a minoração dos riscos relacionados à vul-
nerabilidade física nas cidades.
Nas cidades brasileiras, uma parcela im-
portante dessa infraestrutura hoje se encon-
tra nos fundos de vale, ao longo dos cursos
d’água, que se tornaram locais-chave para a
implementação de uma série de intervenções
públicas: para a continuidade de sistemas de
esgoto, para reurbanizar os assentamentos
precários, que em grande parte aí se localizam,
para proteger as áreas urbanas dos proces-
sos de inundação e para a implementação de
áreas verdes públicas.
No caso da cidade de São Paulo, a falta
de integração das políticas públicas relaciona-
das à urbanização de fundos de vale, com foco
na implantação de parques lineares e de infra-
estrutura de saneamento e na urbanização de
favelas; mostra como a evolução nas práticas
de cada um dos órgãos envolvidos ainda não
é suficiente para dar respostas adequadas às
questões socioambientais ensejadas pelo tra-
tamento dessas áreas, principalmente por sua
falta de coordenação intersetorial e territorial.
Desde o final do século XVIII, em São
Paulo, rios e córregos foram objeto de inter-
venções de saneamento, geração de energia
e drenagem. A partir da década de 1970, po-
rém, começam a se configurar, de forma mais
abrangente, os problemas sociais e ambientais
das várzeas em conflito com a urbanização,
pela crescente ocupação dessas áreas por
Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013292
assentamentos habitacionais de baixa renda,
pela multiplicação de áreas de inundação e de
suas consequências e pela generalização da ca-
nalização de córregos e construção de avenidas
de fundo de vale como modelo hegemônico de
intervenção urbanística. Além disso, a pequena
abrangência dos sistemas coletores e de trata-
mento de efluentes, comum às áreas urbanas
brasileiras, originou uma imagem negativa de
rios e córregos e, consequentemente, das áreas
lindeiras aos mesmos.
Tanto na gestão pública, como no meio
acadêmico, a questão afeta a forma que ga-
nhava a urbanificação de fundos de vale que
não apresentava crítica relevante, situação
que se altera a partir de meados da década de
1990, mas principalmente no começo do século
XXI. A atuação do Ministério Público ensejan-
do a aplicação das regras do Código Florestal
às áreas urbanas e também um aumento ex-
pressivo nos debates acerca das questões am-
bientais em meio urbano, na mídia e no meio
acadêmico, têm como consequência a dissemi-
nação de novas práticas de urbanificação de
fundos de vale.
No entanto, tais práticas ainda apre-
sentam inadequações urbanas, ambientais e
sociais. A falta de interlocução entre os diver-
sos órgãos públicos envolvidos com a questão
redundam frequentemente em intervenções
incompletas: parques lineares com rio poluído,
urbanização de favelas em áreas de risco de
enchente, remoção de população sem oferta de
moradias, entre outros. Desde a remoção com-
pleta de moradias localizadas nas áreas lindei-
ras aos cursos d’água até sua manutenção em
faixas muito próximas dos mesmos, os critérios
técnicos, principalmente aqueles relativos à
geomorfologia e à hidrologia importam pouco.
Mesmo condicionantes territoriais legais diver-
sas influenciam pouco no desenho final dos
projetos urbanos.
Diante desse quadro das práticas de ges-
tão do ambiente urbano, complexificado pelas
demandas da construção de um espaço mais
resiliente, e considerando a intersetoraliedade
e a governança urbana, discute-se o caso da
recuperação socioambiental de fundos de va-
le urbanos na cidade de São Paulo. Para tanto,
abordam-se a evolução das políticas de urbani-
zação de fundos de vale e o desafio da integra-
ção de planos e programas.
Politicas de urbanização de fundos de vale
A primeira década do século XXI viu alterações
significativas nas políticas de drenagem urbana
e urbanificação de fundos de vale em São Paulo.
Em termos de drenagem, após 100 anos
de programas que visavam o aumento da con-
dutividade hidráulica, ou a expulsão rápida das
águas precipitadas em meio urbano para ju-
sante, começou-se a pensar em diversas alter-
nativas de reservação dessas águas, a partir
da constatação que as intervenções anteriores
não foram efetivas na minoração dos riscos e
prejuí zos das inundações em meio urbano e
seus impactos eram muito grandes nos cursos
d’água à jusante. Assim, passou-se da ideia
de retificar e canalizar cursos-d’água, com o
objetivo de expulsar rapidamente toda a água
precipitada, para a elaboração de formas de re-
tardamento dessa água.
Reservar água, entretanto, significou,
principalmente, a construção de reservatórios,
Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013 293
e, no entanto, mesmo essas medidas não têm
sido – e nem serão – suficientes para eliminar
as inundações,
it must be borne in mind that river channelization and reservoir construction may eliminate small or medium-sized flood events but cannot always hold back large floods. (EEA, 2001, p. 20)
Em outras cidades do mundo, algumas
décadas depois do início da construção de re-
servatórios para reter águas de chuva, tornou-
-se cada vez mais evidente a necessidade de
criar outros mecanismos para a proteção da vi-
da e do patrimônio urbano. Warner (2008) de-
monstrou como as enchentes são os desastres
mais comuns e devastadores e como os proble-
mas gerados após um evento expõem a falta
de um planejamento do uso e da ocupação do
solo, o despreparo das autoridades e a falta de
um ethos de prevenção na sociedade. Assim, de
uma forma geral, os planos passaram a consi-
derar uma série de atividades: o mapeamento
de áreas de risco de inundação, a proibição de
novas construções nessas áreas e a retirada de
estruturas existentes, a instalação e melhoria
de sistemas de previsão e alerta de inunda-
ção, a restauração dos rios e a manutenção de
barragens, entre outros. A implantação dessas
ações implicou também a criação de institui-
ções e linhas de financiamento, também desti-
nadas à prestação de socorro e às indenizações
(EEA, 2001).
Em termos de políticas públicas, surgem
premissas importantes para a drenagem urba-
na. A primeira é a necessidade de coordenação
dos diversos órgãos envolvidos com o tema,
a fim de que suas ações sejam integradas e
que um rol amplo de tipos de intervenção seja
aplicado. A segunda é tratar a questão com
rea lismo: não é possível eliminar por completo
o risco de extravasamento dos corpos-d’água.
Essa premissa gera a terceira: transparência, ou
seja, é preciso esclarecer para as comunidades
os riscos que continuam presentes em cada
medida tomada para mitigar inundações. Por
último, mas não menos importante, é preciso
considerar a questão ambiental relacionada às
inundações, que nos ambientes naturais possui
a função de renovação do substrato, ao carrear
mais sedimentos que a vazão de períodos nor-
mais. Nesse sentido, muitas das ações em curso
nas áreas urbanas têm como objetivo “dar es-paço para o rio respirar” (EEA, 2001, p. 78, tra-
dução e grifo nosso).
Tais mecanismos estão expressos nos
planos de prevenção ao risco em diversos paí-
ses europeus, como na França, cujo primeiro
plano dessa natureza se iniciou em 1994, na
bacia do Rio do Loire, Plan Loire Grandeur Nature (WWF, Loire Vivant, 1994; http://www.
inondation-loire.fr/, acessado em 2010).
Vários Estados-Membros da União Eu-
ropeia apresentam planos próprios de gestão
e mitigação de riscos de inundação. Porém,
as inundações do final da década de 1990 e,
principalmente, as inundações de 2002, nas
bacias dos Rios Elba e Danúbio, que provo-
caram cerca de 700 vítimas e exigiram que
aproximadamente 25 bilhões de euros fossem
pagos em seguros, tornaram premente uma
tomada de ação coordenada entre os países.
Entre os resultados, foi elaborado um manual
de boas práticas e também aprovada uma di-
retriz europeia específica para gerir e atenuar
as inundações.
A Diretiva 2007/60/CE, relativa à ava-
liação e gestão dos riscos de inundação,
Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013294
reconhece a inevitabilidade das inundações e
o papel do uso do solo e das mudanças climá-
ticas no acirramento de seu impacto negativo
e a necessidade de tratar as inundações no
âmbito da bacia hidrográfica como um todo. A
diretiva dá aos Estados-Membros a responsa-
bilidade pela elaboração dos planos de gestão
dos riscos de inundação, colocando algumas
diretrizes metodológicas, como a necessidade
de mapeamento de áreas inundáveis, e con-
ceituais, como “dar mais espaço aos rios” por
meio da manutenção e recuperação das planí-
cies aluviais, sempre que possível, bem como a
adoção de medidas de proteção às pessoas e
ao patrimônio.
No caso brasileiro, os planos diretores
das cidades, com base no Estatuto da Cidade,
preveem instrumentos para enfrentar esses
desafios como a criação de zonas de interesse
social e áreas protegidas, transferência do di-
reito de construir, entre outros. Porém, a reali-
dade da aplicação de tais instrumentos esbarra
em interesses de grupos econômicos e políticos
que têm influência na aprovação e deliberações
de ações municipais, mesmo as de base técni-
ca (Almeida, 2007). Alia-se às dificuldades de
implementação das políticas urbanas na ges-
tão do uso do solo, a setorialidade na aplica-
ção das políticas ambientais com repercussão
no planejamento do território. Instrumentos
das políticas ambientais, como o zoneamento
ecológico-econômico ou ambiental e o plano
de bacia hidrográfica ou de recursos hídricos,
não constituem, de fato, macrodiretrizes para o
ordenamento da ocupação e uso do solo urba-
no (Steinberger, 2006; Schult et al., 2009).
Os instrumentos citados permitem iden-
tificar áreas vulneráveis e estratégias para
prevenção, mitigação e adaptação diante de
eventos extremos em unidades tais como áreas
costeiras e bacias hidrográficas, porém não
são levados em consideração pelo município
quando do processo de tomada de decisão na
gestão do solo urbano. Tal disfunção decisional
impacta o ambiente natural urbano, com a sim-
plificação e a inadequação da escala de traba-
lho adotada, bem como pela não observação
de determinadas exigências metodológicas,
tais como: 1) adaptação dos usos às potenciali-
dades locais, 2) melhor gestão das obras e dos
espaços existentes, não apenas sob um ponto
de vista técnico (artificialização), mas também
sob um ponto de vista organizacional e regula-
mentar; 3) representação, diagnóstico e avalia-
ção dos projetos locais a partir de um sistema
mais amplo (bacia hidrográfica) sobre o qual
pesam as consequências da tomada de deci-
são, mas também no qual pode se situar a fon-
te do proble ma local e sua solução (Agences de
L’eau, 1999).
No começo de 2010, o município de Belo
Horizonte, apoiado em sua Carta de Inunda-
ções – instrumento do Plano de Recuperação
Ambiental de Belo Horizonte –, tomou algumas
ações nesse sentido: criou Núcleos de Alerta de
Chuvas e implantou placas de aviso em áreas
inundáveis, que somam 82 “manchas de inun-
dação” (Cobrape, 2010). As cartas de inunda-
ção estão disponíveis no Portal da Prefeitura
(http://www.pbh.gov.br).
O plano de drenagem de Belo Horizonte
se insere no projeto Switch – Managing Water for the City of the Future, projeto coordena-
do pela United Nations Educational, Scientific
and Cultural Organization, Unesco, e mantido
pela Comunidade Europeia em seu Sexto Pro-
grama Estrutural. Reúne uma rede de pesqui-
sadores, planejadores e consultores, visando à
Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
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cooperação técnica, de pesquisa e ação, para
inovação em gestão e manejo das águas em
diversas cidades do mundo, com condições
diferentes de desenvolvimento e de questões
a serem tratadas.1 As questões relacionadas à
drenagem urbana e risco de inundações são
consideradas em Birmingham, Hamburgo e
Belo Horizonte (http://www.switchurbanwater.
eu/, acesso em dezembro de 2009).
De forma geral, é possível concluir que as
mudanças conceituais na forma de lidar com as
inundações têm redundado em novas políticas
de gestão desses eventos. As ações de planeja-
mento territorial e intervenção contemporâneas
recaem principalmente em planejamento do
uso do solo, com remoção paulatina da popu-
lação que vive em áreas inundáveis e em políti-
cas de “dar espaço para o rio”, protagonizadas
pelo poder público, como na parcela holandesa
do Rio Reno (Netherlands Water Partnership,
2010), o Projeto “Make room for the river”,
também na Holanda (fonte: Room for the river,
http://www.topos.de/, acesso em dez de 2009),
ou pela comunidade e outros tipos de institui-
ções, como as discussões em curso na bacia
do Danúbio, encabeçadas pela World Wildlife
Foundation, WWF (Beckmann, 2006).
Criação de áreas verdes urbanas ao longo dos cursos de água como estratégia multifuncional
Nas áreas urbanas, a política de criar espaço
para o rio tem como uma de suas principais
estratégias a criação de áreas que atendam às
demandas sociais, mas que possam conviver
com cheias periódicas. A criação de espaços
verdes públicos, consubstanciados naquilo que
a literatura chama de caminhos verdes, origi-
nalmente greenways, atende adequadamente a
essa dupla função.
O planejamento de espaços abertos
apresenta uma rica bibliografia conceitual e
empírica sobre os caminhos verdes. Apesar da
manutenção do termo historicamente cons-
truí do, recentemente o conceito evoluiu da
ideia de caminhos verdes para a de corredores
verdes e, mais recentemente ainda, passando a
integrar uma nova categoria: a infraestrutura
verde. No Brasil, usualmente dá-se o nome de
parques lineares às áreas verdes lindeiras aos
rios ou a outras estruturas lineares nos espaços
urbanos, ou corredores ecológicos, quando no
âmbito regional e fora de malhas urbanas.
Ahern (1995) conceitua os caminhos ver-
des como redes de terrenos que contêm ele-
mentos planejados, desenhados e geridos para
múltiplos objetivos, inclusos aí o ecológico, o
recreacional, o cultural, o estético, entre outros.
Segundo Searns (1995), a palavra “caminho”
indica movimento – de água, de pessoas, de
animais, de sementes – o que distingue esses
espaços livres de outros na cidade, sugerin-
do uma vocação de suporte a deslocamentos.
Frischenbruder e Pellegrino (2006) consideram
que, por vincular o desenho ou o projeto urbano
à ecologia, os caminhos verdes podem contri-
buir eficazmente para a construção de cidades
onde se viva melhor, possibilitando o contato
entre a população e a natureza e fazendo uma
ponte entre os processos sociais e naturais.
O avanço conceitual e metodológico
no planejamento de caminhos verdes se deu
com sua vinculação à infraestrutura verde co-
mo um de seus componentes, no final da dé-
cada de 1990, o que deu ainda mais ênfase
Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013296
na utilização da Ecologia da Paisagem como
metodologia para a análise do território e a
proposição de projetos. Benedict e McMahon
(2002) definem infraestrutura verde como uma
rede de áreas verdes que conservam os valores
e funções dos ecossistemas, trazendo benefí-
cios para a sociedade. O foco na conservação
em consonância com o planejamento territo-
rial e de infraestrutura é, segundo os autores,
a diferença entre planejar utilizando o conceito
de infraestrutura verde e o tradicional planeja-
mento de áreas verdes.
Nas cidades, a infraestrutura verde tem
como objetivo organizar o espaço urbano para
que esse dê suporte a diversas funções ecoló-
gicas e culturais. Embora os aspectos bióticos
e abióticos predominem nas funções buscadas
por meio da introdução da infraestrutura ver-
de, ela também deve ser vista como uma es-
tratégia para que objetivos sociais e culturais
sejam alcançados (Ahern, 2007). Dessa forma,
a infraestrutura verde é composta por uma sé-
rie de elementos, em ecossistemas naturais ou
restaurados, que conformam nós e conexões,
criando uma estrutura para o desenvolvimento
territorial (Benedict e McMahon, 2002).
Finalmente, a implantação da infraestru-
tura verde, principalmente dos corredores ver-
des e parques lineares, pode ser considerada
como política pública adequada para o trata-
mento de fundos de vale urbanos, uma vez que
atende aos objetivos de drenagem detalhados
acima. No entanto, no contexto das cidades
brasileiras, a questão se torna complexa, prin-
cipalmente pelo padrão e forma que se deu à
urbanização dessas áreas.
Políticas de recuperação socioambiental de fundo de vale em São Paulo
Em meados da década de 2000, começaram a
ser idealizadas novas políticas públicas que tra-
tam as várzeas e rios urbanos no Município de
São Paulo, cujo pano de fundo é formado pelo
Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2002, bem
como os Planos Regionais Estratégicos de 2004.
As águas superficiais ganharam um
status importante no PDE; nesse, a rede de
águas superficiais foi considerada como um
dos quatro elementos estruturadores do terri-
tório municipal e recebeu a denominação Rede
Hídrica Estrutural.2 Essa rede é composta pe-
los rios, córregos e talvegues,3 e ao longo dela
devem ser propostas intervenções urbanas de
recuperação ambiental, drenagem, recompo-
sição da vegetação e saneamento. Para tanto,
o PDE instituiu o Programa de Recuperação
Ambiental de Cursos de Água e Fundos de Va-
le, que deveria compreender um conjunto de
ações coordenadas pela Secretaria Municipal
de Planejamento (Sempla), pela Secretaria
Municipal do Meio Ambiente (SMMA) e pela
Secretaria Municipal de Habitação (Sehab)
com a participação da sociedade e o apoio da
iniciativa privada.4
A implementação desse programa teria
como objetivo promover progressivamente a
implantação dos parques lineares e dos cami-
nhos verdes, de modo a aumentar a permeabi-
lidade nas várzeas, a ampliar as áreas de lazer,
a integrar as áreas de vegetação significativa
Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013 297
e de interesse paisagístico, a ampliar e arti-
cular os espaços públicos (preferencialmente
os arborizados) de circulação e bem-estar dos
pedestres e construir pistas de caminhada e
corrida ao longo dos vales. Por fim, implantar
sistemas de retenção de águas pluviais, quando
necessário. O programa também pretendia re-
cuperar áreas degradadas, promover o reassen-
tamento da população que vive às margens de
rios e córregos, melhorar o sistema viário local,
promover ações de saneamento ambiental e
localizar os equipamentos sociais nas proximi-
dades dos parques. O programa não foi criado;
se houvesse sido, o conjunto das ações previs-
tas no plano, se coordenadas, caracterizar-se-ia
como um verdadeiro projeto urbano ambiental,
podendo avançar na solução da desarticulação
entre as ações setoriais.
A partir dos parques definidos no Plano
Diretor Estratégico e nos Planos Regionais Es-
tratégicos, e na ausência de um programa que
congregasse os diversos órgãos do poder pú-
blico, a Secretaria do Verde e do Meio Ambien-
te, por sua atribuição setorial, tinha em suas
mãos um plano ambicioso do ponto de vista
da quantidade de parques que lá estavam gra-
vados. Cabia a esse órgão, então, estabelecer
critérios para implantar um número expressivo
de intervenções que integravam a Política Am-
biental do município.
A secretaria criou, então, o Progra-
ma “100 Parques para São Paulo”. Segundo
Devecchi (2008), a estratégia adotada foi a de
criar um banco de terras público, adequado à
prestação de serviços ambientais, e construir
um plano de adaptação às mudanças climá-
ticas globais, ainda que não tenham sido de-
talhados, a priori, os parâmetros para tanto.
A manutenção dos fundos de vale livres de
ocupação densa e preferencialmente como
parques urbanos atende ambos os objetivos;
portanto, a inclusão dos parques lineares idea-
lizados no PDE e nos PREs é uma tática impor-
tante para o programa.
Para a consecução de suas metas, o pro-
grama estabelece algumas regiões para concen-
trar ações: a borda da Cantareira, área limite de
expansão da mancha urbana ao norte, a área
de proteção aos mananciais sul, nas bacias das
represas Billings e Guarapiranga, e nas nascen-
tes do rio Aricanduva, ao leste. As intervenções
do programa nessas regiões devem se dar a
partir de três critérios: a identificação de proje-
tos de parques lineares, a identificação de im-
portantes áreas de produção de água para os
mananciais e a criação de um sistema de áreas
verdes que possibilite a consolidação de cor-
redores ecológicos (Devecchi, 2008). Por outro
lado, a secretaria atende às subprefeituras que
demandam a construção de parques lineares
em seus territórios.
A análise do universo dos primeiros par-
ques lineares em projeto ou em construção
atualmente, no entanto, não evidencia o crité-
rio realmente utilizado para sua escolha. É pos-
sível perceber, no entanto, que a recuperação
de áreas públicas, um dos parâmetros do pro-
grama “100 Parques para São Paulo”, é uma
questão importante na escolha dos perímetros
que vêm se efetivando como parques. A quase
totalidade das áreas inseridas nesses é de pro-
priedade do poder público, o que elimina um
grande entrave à consecução dos parques: a
desapropriação de terras. Resta, no entanto, a
questão da remoção e realocação dos domicí-
lios que se localizam nessas áreas.
Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013298
Não há, na seleção dos perímetros, parâ-
metros relacionados às áreas de maior risco à
inundação, mesmo porque o município ainda
não conta com um plano de drenagem, nem
foram levantadas as manchas de inundação,
a despeito dos inúmeros problemas que vive
o município no manejo de suas águas superfi-
ciais. O plano de drenagem que está em ela-
boração atualmente considera somente uma
parcela do território municipal, seis sub-bacias.
O Plano Municipal de Habitação (São
Paulo (Município), Sehab, 2009a) – cuja ela-
boração foi uma exigência do PDE – coloca
para a política habitacional cinco princípios
fundamentais: moradia digna, justiça social,
sustentabilidade ambiental como direito à ci-
dade, gestão democrática e gestão eficiente
dos recursos públicos. A moradia digna está
relacionada tanto com as questões fundiárias
e edilícias do domicílio quanto com o contexto
urbano e de infraestrutura, que precisa atender
às demandas, o que se vincula imediatamente
com a questão da justiça social, a ideia de que
a propriedade e a cidade devem cumprir sua
função social. A sustentabilidade ambiental é
entendida como a garantia do direito à cidade,
que suscita a integração entre a política habi-
tacional e aquelas de desenvolvimento social e
econômico, mobilidade, saneamento e preser-
vação ambiental. A gestão democrática reúne
as estratégias para garantia do controle social
da política, enquanto a gestão dos recursos vi-
sa universalizar o atendimento às famílias de
renda até seis salários mínimos.Tais premissas
levam a um rol bastante amplo de diretrizes,
dentre as quais se destacam, aqui:
• articular as políticas municipais de de-senvolvimento urbano, de promoção social e de recuperação e preservação ambiental;
• articular as ações de diferentes progra-mas habitacionais para integrar a urbani-zação e regularização de assentamentos precários ao saneamento de bacias hi-drográficas, visando sua recuperação am-biental, contribuindo para a recuperação de toda a Bacia do Alto Tietê;• estimular a diversidade de soluções e a adequação dos projetos aos condicio-nantes do meio físico, visando a melhoria da qualidade paisagística e ambiental do empreendimento habitacional. (São Paulo (Município), Sehab, 2009a, p. 10)
Um dos principais instrumentos para
subsidiar as ações da secretaria na consecução
do Plano Municipal de Habitação é o Sistema
de Priorização de Intervenções, uma vez que a
distância entre a demanda por regularização e
atendimento habitacional e os recursos dispo-
níveis para tanto no âmbito do município, exi-
gem que se procedam escolhas sobre em quais
áreas intervir.
Um primeiro parâmetro da classifica-
ção estabelece a possibilidade de atuação na
própria área, ou seja, se os assentamentos,
loteamentos ou favelas são passíveis de urba-
nização, ainda que parcialmente, ou se devem
ser removidos. A partir daí, a classificação se
dá por critérios de precariedade, e as ações,
por tipo de intervenção: remoção, urbaniza-
ção, regularização fundiária e regularização
registrária. As variáveis utilizadas para medir
a precariedade são agregadas em três grandes
dimensões: infraestrutura, risco de solapamen-
to ou escorregamento e saúde – que se agrupa
com uma quarta dimensão, o Índice Paulista
de Vulnerabilidade Social. A partir desses cri-
térios, estabelecem-se aqueles núcleos mais
precários onde devem prioritariamente ocorrer
as intervenções.
Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013 299
Um avanço da metodologia de prioriza-
ção é seu agrupamento por bacias hidrográ-
ficas dos afluentes do Rio Tietê, ou por suas
sub-bacias. A ideia então é requalificar todo o
território dessas bacias a partir do trabalho em
seus assentamentos precários. Assim, a priori-
zação por bacia ou sub-bacia leva em conta a
relação entre a área ocupada em determinada
bacia por assentamentos precários e a priori-
dade de intervenção expressa no índice. Com
a aplicação desse procedimento, as bacias em
pior situação socioambiental serão as primeiras
focadas pelos trabalhos de urbanização.
Do universo de 1.637 favelas no muni-
cípio de São Paulo, há 569 que se encontram
total ou parcialmente sobre áreas de várzea
ou sobre o leito de rios, somando aproximada-
mente 224 mil domicílios. Dessas, 40 se encon-
tram totalmente sobre essas áreas, com quase
13 mil domicílios e, de acordo com os critérios
da Sehab, elas não são urbanizáveis (São Paulo
(Município), Sehab, 2009b). Dentre as restan-
tes, há somente duas que não podem ser urba-
nizadas, e as demais são passíveis de reurbani-
zação, ainda que sofram algumas remoções de
áreas de risco ou para desadensamento.
Com o imenso e crescente5 contingente
de assentamentos precários em fundo de vale,
os programas de urbanização de favelas têm
se pautado pela manutenção dos assentamen-
tos, por meio da implantação de infraestrutura,
evitando ao máximo as remoções, o que, em
determinados casos, pode representar a manu-
tenção de uma situação de risco, em locais vul-
neráveis à inundação. Ou seja, a urbanização
de favelas em muitos casos tem significado a
criação de um novo passivo, que precisará ser
novamente objeto de políticas públicas futura-
mente. Tal prática cada vez mais suportada
pela flexibilização do Código Florestal em
áreas urbanas, notadamente pela Lei Federal
n. 11.977, de 2009, que instituiu o Minha Casa
Minha Vida, que serve agora como modelo pa-
ra a revisão desse Código.
Com relação ao saneamento, o Progra-
ma Córrego Limpo, um acordo entre a Prefeitu-
ra Municipal de São Paulo e a Sabesp foi criado
em 2007 com o objetivo de, por meio de ações
integradas nas bacias hidrográficas, sanear 300
córregos no município. A primeira etapa do
programa, que terminou em 2009, abrangeu 42
córregos, e a segunda etapa, 58. As interven-
ções programadas são executadas pela Sabesp
e pelos diversos órgãos da prefeitura muni-
cipal. As ações a cargo da empresa estadual
são relacionadas à eliminação das ligações
clandestinas ou inadequadas, manutenção das
redes, elaboração de projetos, licenciamento e
execução de ligações, coletores e estações ele-
vatórias, monitoramento da qualidade da água
e informação ambiental à população local. As
ações municipais são de limpeza de margens e
leitos de córrego, manutenção da rede pluvial,
contenção de margens e remoção de popula-
ção das áreas ribeirinhas por onde deve passar
a infraestrutura, reurbanização de favelas, im-
plementação de parques lineares, sempre que
possível, e notificação de proprietários para
que regularizem suas conexões (www.corrego-
limpo.com.br, acessado em janeiro de 2009).
Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013300
Figura 1 – Urbanização de favela no Recanto do Paraíso,Zona Norte do município de São Paulo
Fonte: Foto de Luciana Travassos (2009).
Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
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A meta referencial para os rios é a rela-
tiva à classe 3 da Resolução 357 do Conama,
uma água que possa ser convertida em potá-
vel a partir de um tratamento convencional ou
avançado, o que exige bastante controle da
recepção de efluentes no corpo d’água. Esse
padrão possibilita também a recreação secun-
dária, a irrigação e a pesca, uma vez que exi-
ge a ausência de substâncias tóxicas na água
(São Paulo (Estado), Sabesp, São Paulo (Mu-
nicípio), 2007).
O Programa Córrego Limpo parte de uma
constatação inicial de que, mesmo em bacias
onde foi completada a rede de esgotamento
sanitário, permaneceu algum nível de poluição
nos rios, pelo lançamento clandestino de es-
goto, pela disposição inadequada de resíduos
sólidos, pela falta de manutenção da rede de
coleta ou por descontinuidades temporárias na
mesma, em razão da execução de obras. Assim,
ao lado das obras estruturais, devem ser consi-
deradas as ações operacionais, como elimina-
ção de conexões clandestinas, manutenção e
programas de educação ambiental, ações que,
pela sua natureza, são ainda mais efetivas se
realizadas em parceria com as prefeituras. Uma
das maiores dificuldades na consecução do sa-
neamento ambiental, segundo o relatório de
apresentação do programa, é a existência de
ocupações precárias nas áreas de fundo de va-
le, uma vez que, como o afastamento de esgo-
tos é feito por gravidade, nessas áreas devem
ser implantados os coletores-tronco.
Os critérios de priorização para a escolha
dos córregos que seriam despoluídos na pri-
meira fase do programa foram estabelecidos
em diversas reuniões entre a PMSP e a Sabesp.
Um dos primeiros critérios, e o principal, é que
os trabalhos pudessem ser realizados em curto
prazo (dois anos). Além disso, estabeleceu-se
que seriam priorizados os córregos a céu aber-
to e que os trabalhos seriam feitos de forma
integrada entre os dois órgãos, em suas atribui-
ções. No entanto, ao observar o rol de ações a
cargo de cada instituição, fica patente a impos-
sibilidade de cumprimento de todas as ações
no horizonte de dois anos, principalmente ao
se levar em conta a questão habitacional, uma
vez que as remoções e reurbanizações dificil-
mente acontecem de forma adequada em um
curto horizonte de tempo. O critério tempo
restringe também a consecução de ações às
bacias localizadas nas áreas mais consolidadas
do município, onde boa parte das questões de
saneamento já se encontra resolvida.
Nesse contexto, os córregos em que não
seria viável a implementação das obras no pe-
ríodo estimado foram substituídos por outros,
o que possibilitou que, conforme publicado pe-
lo Programa, ao final do primeiro período, 42
córregos tivessem sido limpos, ao menos em
algum trecho. No final de 2011, era anunciada
a conclusão das intervenções em 106 córregos
do município (www.corregolimpo.com.br, aces-
sado em novembro de 2012).
A questão reside no fato que, embora o
saneamento ambiental, dado o imenso passivo
colocado, seja uma atividade primordial mes-
mo nas áreas mais estruturadas, seu potencial
de transformação urbana e ambiental é mais
significativo quando colocado em áreas mais
precárias e em conjunto com outras iniciativas,
sejam elas da prefeitura ou do Estado. Confor-
me encaminhado, o Programa Córrego Limpo
acaba restrito às suas atribuições setoriais de
saneamento ambiental.
Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013302
O desafi o da integração de planos e programas para recuperação socioambiental dos fundos de vale
A análise desses planos e programas eviden-
cia a importância estratégica que os fundos
de vale, rios e várzeas adquiriram para a solu-
ção de uma série de questões de cunho social
e ambiental na cidade de São Paulo. Há, nos
textos, o reconhecimento de que nessas áreas
se encontra a população mais pobre, vivendo
em situação mais precária. É ali também que
a vulnerabilidade social encontra a fragilidade
ambiental, de forma mais eloquente. Por outro
lado, é nos fundos de vale que se deve imple-
mentar uma parcela importante das estruturas
de esgotamento sanitário. São, então, locais-
-chave para projetos urbanos de habitação,
áreas verdes, saneamento e drenagem.
Como resposta às questões colocadas,
os planos trazem diversas inovações técnicas
e certamente expõem uma nova abordagem
com relação ao tratamento a ser dado para os
fundos de vale urbanos, indicando inclusive a
necessidade de articulação entre os diversos
órgãos públicos envolvidos no tema, tanto de
âmbito municipal como estadual. Mais do que
isso, do ponto de vista da observação da rea-
lidade e das premissas para a intervenção, os
planos possuem abordagens convergentes. Al-
gumas questões, porém, merecem discussão.
A primeira delas está diretamente re-
lacionada às diferenças entre as diretrizes de
cada plano ou programa – apesar da análise
da problemática e das premissas de interven-
ção serem semelhantes – o que implica que
as ações e os recursos alocados dos principais
órgãos vinculados a cada um deles acabem
sendo aplicados a regiões diferentes do terri-
tório, mantendo o caráter setorial das ações
do poder público. Embora o passivo urbano-
-ambiental, de ordenação territorial e de sa-
neamento ambiental, bem como a ausência
de áreas verdes públicas por toda a mancha
urbana, pudesse ratificar a atuação do poder
público em qualquer região, a integração en-
tre as ações – considerando ainda que cada
órgão possui competências não concorrentes
entre si –, a partir da definição de áreas em
comum para as intervenções, possui uma ca-
pacidade de transformação mais expressiva
do tecido urbano e, portanto, pode contribuir
de forma mais efetiva para a melhoria da qua-
lidade de vida.
O mapa a seguir ilustra essa questão,
mostrando as áreas de atuação prioritária dos
programas 100 Parques, Córrego Limpo e Mi-
crobacias Prioritárias e Favelas Complemen-
tares, as ações realizadas ou em andamento
até 2009.
Enquanto a metodologia de escolha
do Plano Municipal de Habitação prioriza as
ocupa ções mais precárias e, portanto, mais
vulneráveis, o Programa Córrego Limpo possui
como premissa a conclusão das intervenções
em curto prazo de tempo, dois anos. Por outro
lado, o Programa 100 Parques, da SVMA, em-
bora tenha atendido a algumas subprefeituras
em sua demanda por parques lineares, tem
como política enfatizar a implantação de par-
ques em áreas livres de ocupação, na Macrozo-
na de Proteção Ambiental,6 principalmente na
Área de Proteção aos Mananciais e na Zona de
Amortecimento da Cantareira.
Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
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Mapa 1 – Parques lineares, favelas urbanizadas e córregos saneados
Fontes: Metrô, ferrovia e estações: Guia Mapograf (2001); www,cptm.sp.gov.br (2004); www.metro.sp.gov.br (2004); Lume (2004). Município de São Paulo: Logit, s.d. Rios principais e represas: São Paulo (Estado), SMA (2000). Município de São Paulo, Distritos MSP e municípios RMSP: Logit, s.d. Urbanizações concluídas: elaborado pela autora. Córrego Limpo concluído: elaborado pela autora. Parques lineares concluídos ou em fase fi nal: elaborado pela autora. Sub-bacias: São Paulo (Município), Sehab (2009). Mancha urbana 2010: Fontan (2010).
Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
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Assim, é possível dizer que, enquanto os
programas da Sehab começam pelas áreas de
maior conflito, o Programa 100 Parques (com
exceções) e o Programa Córrego Limpo optam
por áreas onde os conflitos são menores, no
intuito de realizar mais ações em um espaço
de tempo mais curto e aproveitar as oportu-
nidades. Esse desencontro faz com que as in-
tervenções em áreas de habitação precária nos
fundos de vale, especialmente no que concerne
ao saneamento, à drenagem e à criação de es-
paços públicos, sejam restritas.
Como consequência, observam-se ina-
dequações em todos os programas. A criação
de parques lineares muitas vezes encerra-se
nas áreas onde não existem habitações pre-
cárias e que não estão vinculadas diretamente
ao sanea mento ambiental, resultando muitas
vezes em um parque linear com o rio sujo e de-
gradado. Do mesmo modo, as urbanizações de
favela, embora implantem sistemas de esgota-
mento sanitário em áreas públicas lindeiras aos
rios, frequentemente não têm um sistema pú-
blico de esgotamento no qual possam conectar
sua rede criada e não conseguem recuperar a
paisagem relacionada ao rio, mantendo-o co-
mo um problema sanitário e urbanístico, ou
simplesmente tratando-o de forma tradicional.
Já o Programa Córrego Limpo, por ser implan-
tado principalmente em áreas já estruturadas
e consolidadas, mantém a abordagem setorial
do saneamento.
Uma primeira análise necessária à im-
plantação das intervenções na rede de rios
e córregos e suas várzeas deve passar pela
escala dessas intervenções. De uma forma
geral, embora as secretarias estejam em-
penhadas em seus programas, a escala das
intervenções realizadas é ainda pequena
para que surta um impacto regional positi-
vo, principalmente quando se trata de dre-
nagem, do aumento de áreas verdes e da
qualidade da água. Quando se analisam as
questões habitacionais, a esfera regional
também não possui indicadores satisfatórios,
principalmen te porque em algu mas reurbani-
zações a quantida de de remoções é muito su-
perior à quantidade de unidades habitacionais
construídas. Assim, embora a precariedade
seja resolvida no âmbito local, ela permane-
ce para uma parcela significativa das famílias,
que provavelmente vão habitar outro assenta-
mento precário, no próprio município ou nos
outros municípios da Região Metropolitana.
Ao menos até o final da década de 2000,
em nenhum dos casos as intervenções foram
implantadas ao longo de um curso d’água intei-
ro, mesmo nas áreas de maior fragilidade am-
biental, como é o caso das Áreas de Proteção
e Recuperação de Mananciais. Nessas áreas,
contudo, já é possível observar uma aproxima-
ção entre as obras do Programa Córrego Limpo
e aquelas de urbanização de favelas. E, apesar
dos planos descritos no capítulo anterior des-
tacarem a necessidade de coordenar as ações
entre órgãos públicos, a observação das inter-
venções programadas no Plano de Metas para
2012 e na segunda fase do Programa Córrego
Limpo, expostas no mapa da página seguinte,
mostra que tal coordenação ainda não aconte-
cerá em um curto prazo.
Ao lado disso, observa-se que, à exce-
ção do Plano Municipal de Saneamento, que
possui um conselho gestor intersecretarial
para o Fundo de Saneamento Ambiental e In-
fraestrutura ali estabelecido, os demais planos
não estabelecem uma forma institucional nas
quais tais diretrizes poderiam ser integradas,
Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013 305
não resolvendo um dos principais desafios à
integração das políticas públicas, que é de
gestão. É possível que a força do montante
de recursos colocado no fundo promova inter-
venções compartilhadas, mas, sob a mesma
estrutura administrativa compartimentada, há
pouca garantia de mudanças expressivas e de
tomadas de ação intersetoriais.
A governança é pouco estimulada nos
planos, considerando principalmente a falta
de participação da população nas tomadas de
decisão. A grande questão aqui é que, mesmo
que os planos estejam corretos do ponto de
vista técnico, é o controle social que os pode
legitimar, por um lado, e garantir que sejam
executados, por outro. Do contrário, aumentam
as chances de que os planos não sejam ple-
namente utilizados e que os critérios políticos
continuem sobrepujando os técnicos na defini-
ção das intervenções.
Além disso, os planos não consideram de
forma expressiva os níveis administrativos mais
locais, ou seja, as subprefeituras. Como esses
órgãos são também aqueles que estão mais
próximos da população, sua presença poderia
ser estratégica na discussão, implementação e,
principalmente, na gestão das intervenções e
dos espaços criados.
Esse último item, monitoramento e ges-
tão pós-intervenção, também está em grande
medida ausente dos planos, e muitas vezes
também, do orçamento municipal, o que ge-
ra uma série de problemas de pós-ocupação
e manutenção e, portanto, precisa ser levado
em consideração.
Adicionalmente, ainda que possamos
considerar relevante o montante de recursos
destinados às diversas intervenções, sua com-
paração com outras políticas coloca a importân-
cia dada ao tema em perspectiva: o montante
de recursos para a canalização de córregos no
período de 2007 a 2009 é quase cinco vezes o
valor destinado à criação de parques lineares,
considerando as verbas da Secretaria do Verde
e do Meio Ambiente – SVMA, da Secretaria de
Infraestrutura Urbana – Siurb, e o Fundo Mu-
nicipal de Desenvolvimento Urbano – Fundurb
(São Paulo, Sempla, 2010).
Se por um lado a não integração das
ações redunda em políticas que não conse-
guem romper o caráter setorial, por outro,
fazem com que haja um atendimento mais
abrangente, com maior distribuição de recursos
públicos pelo território. Por conseguinte, nos
mais diversos locais e contextos socioeconô-
micos da cidade observam-se ações que visam
à melhoria da qualidade ambiental urbana. Tal
fato demonstra também a importância adquiri-
da pela dimensão ambiental, que permeia to-
das as intervenções em curso. Nas áreas mais
consolidadas, essas ações vêm completar a
infraestrutura sanitária, o que é necessário.
Porém, em um contexto em que é imprescindí-
vel priorizar a destinação das verbas públicas,
seria interessante que essas se destinassem às
regiões onde esse recurso é mais urgente e on-
de houve, historicamente, menor investimento
do poder público. Além do mais, nas áreas con-
solidadas, poder-se-ia enfatizar as parcerias pú-
blico-privadas para a realização dessas obras.
Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013306
Figura 2 – Trecho do Parque Linear do Ribeirão Itaim: a não completudedo sistema de coleta de esgotos mantém a degradação do curso d’água
Fonte: Foto de Luciana Travassos (2008).
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Figura 3 – Canalização de córrego em galeria no Jardim Guarani
Fonte: Foto de Luciana Travassos (2009).
Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
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Considerações fi nais
Do ponto de vista teórico e da agenda am-
biental, as políticas de recuperação de fundo
de vale e ao longo de cursos de água conver-
gem na perspectiva da recuperação socioam-
biental urbana na medida em que ressaltam
a importância da adoção de novas abordagens
em drenagem urbana e do atendimento às de-
mandas por áreas verdes, de lazer e serviços
ambientais nas cidades, ou seja, sua impor-
tância para a implantação de uma infraestru-
tura verde. No entanto, no caso analisado no
município de São Paulo, bem como nas gran-
des cidades brasileiras, adotar essas políticas
significa ainda lidar com os assentamentos
precários que têm ali uma de suas localizações
principais, reconhecendo a cidade que ocupa
hoje os fundos de vale e resolvendo as ques-
tões afetas a essa ocupação. Assim, para além
das políticas de drenagem, saneamento e cria-
ção de áreas verdes, ganham importância no
contexto brasileiro as políticas de urbanização
de assentamentos precários e habitação de in-
teresse social.
Um dos principais desafios colocados à
eficiência, à consolidação e à ampliação des-
sas políticas é sua integração, o que passa pela
interação institucional e sua necessária coor-
denação, em um ambiente de crescente gover-
nança. A integração e articulação institucional
podem ser favorecidas com instrumentos mul-
tiescalares como o plano de bacia hidrográfica,
o plano regional ou metropolitano multiseto-
rial, o zoneamento ecológico-econômico ou,
ainda, um programa que considerasse ao me-
nos as bacias onde as intervenções estão acon-
tecendo. O que se observa, no caso analisado, é
que essas articulações não se manifestam nem
na definição de diretrizes de planejamento e
ação, nem como base para um arranjo institu-
cional inovador. A governança e o compartilha-
mento e a corresponsabilização em conexões
institucionais não estão claramente objetiva-
dos nas estratégias e metas dos planos e pro-
gramas. Para Berkes (2005) a cooperação de
multi-stakeholders, a classe emergente de ins-
tituições para a promoção da “ciência cidadã”
e as redes de movimento sociais podem favore-
cer a melhoria na gestão dos recursos naturais
e do espaço urbano. Para tanto, é necessário
que haja um programa intersetorial que, consi-
derando as funções múltiplas das várzeas e dos
rios urbanos e os diversos problemas ambien-
tais, sociais e urbanos neles encontrados, prio-
rize as regiões e as sub-bacias da cidade onde
as intervenções devem ocorrer, com objetivos e
horizontes temporais diversos.
O Plano Diretor Estratégico criou as ba-
ses legais para um programa que pode cumprir
essa função, indicando inclusive seus objetivos
e atividades, ao propor o Plano de Recuperação
Ambiental de Cursos-d’Água e Fundos de Vale,
vinculado à Rede Hídrica Estrutural. Contudo,
deixou em aberto quais órgãos participariam
da concepção de tal plano e quaisquer procedi-
mentos para sua instituição.
Além disso, para que um programa inter-
setorial seja estabelecido, é preciso que haja
um grupo com as mesmas características que
o sustente. Esse deve contar com uma equipe
técnica composta por funcionários dos diversos
órgãos públicos participantes, conformando
um verdadeiro grupo de trabalho, com dedi-
cação exclusiva ao tema da recuperação dos
fundos de vale. Como os objetivos e deman-
das para cada intervenção são diferentes, seria
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interessante que um órgão de planejamento,
como a Secretaria Municipal de Desenvolvi-
mento Urbano, no caso de São Paulo, fosse pro-
tagonista em tal grupo de trabalho, assumindo
um papel de coordenação das ações. O grupo
também deveria contar, no mínimo, com as se-
cretarias do Verde e do Meio Ambiente, de Ha-
bitação, de Infraestrutura Urbana, de Coorde-
nação das Subprefeituras, de Segurança Pública
(em sua divisão de Defesa Civil), de Saúde, de
Assistência Social, de Esportes e de Educação,
uma vez que as ações em voga têm relação
direta com seus temas de trabalho. De forma
mais ampliada, o grupo poderia ser formado
por diferentes instâncias de governo, contando
também com a participação de órgãos esta-
duais importantes às obras, como as secreta-
rias de Saneamento e Energia (especialmente
a Sabesp e o DAEE), de Habitação e do Meio
Ambiente.
A partir do trabalho técnico coletivo, o
Plano de Recuperação Ambiental de Cursos-
-d’Água e Fundos de Vale proporia um conjun-
to de estratégias que serão utilizadas em cada
caso, para responder às demandas colocadas:
redução de inundações, aumento de permeabi-
lidade na várzea ou na bacia, urbanização de
favelas, remoção de famílias de áreas de risco,
desafetação de áreas públicas, desapropriação,
revegetação e implementação de infraestrutura
de esgotamento sanitário. O plano assim con-
cebido deverá servir de diretriz para a prioriza-
ção das ações setoriais de cada órgão, com re-
lação às suas políticas para os fundos de vale,
e redundaria em intervenções mais completas e
menos desiguais pelo território.
Luciana TravassosArquiteta urbanista, doutora em Ciência Ambiental, professora contratada da Faculdade de Arquite-tura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo/SP, [email protected]
Sandra Irene Momm SchultArquiteta urbanista, doutora em Ciência Ambiental, professora adjunta da Universidade Federal do ABC. Santo André/SP, [email protected]
Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013310
Notas
(1) As cidades são Acra (Gana), Alexandria (Egito), Pequim e Chongqing (China), Lima (Peru), Cali (Colômbia), Belo Horizonte (Brasil), Birmingham (Grã-Bretanha), Hamburgo e a região do Emscher (Alemanha), Lodz (Polônia), TelAviv (Israel) e Zaragoza (Espanha).
(2) Além dela, são elementos estruturadores: a Rede Viária Estrutural, a Rede Estrutural de Transporte Público Cole vo e a Rede Estrutural de Eixos e Polos de Centralidade. Permeando os elementos estruturadores, estão os elementos integradores, a habitação, os equipamentos sociais, as áreas verdes e os espaços públicos.
(3) Talvegue é o ponto de encontro entre duas vertentes de morro, podendo conter ou não um curso d’água perene, é usado no PDE provavelmente para incluir as linhas de drenagem que não são permanentemente atravessadas por um curso d’água. No entanto, os talvegues não são de fato considerados nos mapas ou quadros da lei, assim como não o são todos os rios e córregos.
(4) Assim está expresso no PDE: a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, durante a gestão de Marta Suplicy (2001 a 2004) teve sua nomenclatura alterada para Secretaria Municipal do Meio Ambiente, voltando posteriormente ao seu nome de origem, enquanto as atribuições relacionadas à urbanização saíram da Sempla e passaram, mais recentemente, à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, SMDU.
(5) Diversos trabalhos mostram, no município de São Paulo, a relação entre o crescimento populacional nos fundos de vale, fora deles e os padrões de renda de cada um: nessas áreas a população cresce a taxas maiores que em outros trechos das bacias e possui renda inferior (Travassos, 2004; Alves e Torres, 2006).
(6) O Plano Diretor Estratégico defi niu duas Macrozonas: de Estruturação e Qualifi cação Urbana e de Proteção Ambiental. Esta abrange as Áreas de Proteção aos Mananciais, além das Unidades de Conservação de Uso Restrito e as bordas municipais ao leste, oeste e norte.
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Texto recebido em 26/set/2012Texto aprovado em 5/nov/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
Desarrollo regional y sustentabilidad:turismo cultural en la región sur de Jalisco
Regional development and sustainability:cultural tourism in Southern Jalisco
José G. Vargas Hernández
ResumenEste estudio tiene como objetivo determinar el
potencial del turismo cultural en los municipios
que conforman la región 6 del Estado de Jalisco,
territorialmente delimitado en el Sur de Jalisco.
Primeramente se identif ica la demanda de
turismo cultural para conocer el perfi l del turista
cultural bajo los supuestos de que los turistas
especialmente motivados por la cultura tienden
a viajar distancias más largas que la mayoría
de los turistas. Se analizan las motivaciones y
satisfacciones de los turistas culturales con el fi n de
establecer el potencial de mercado de acuerdo con
las características del mercado meta en la región
Sur de Jalisco. Cualquier operación de las empresas
de turismo cultural debe hacer el diagnóstico
estratégico, lo que explica el uso del análisis
FODA como una herramienta para la planifi cación
estratégica de las empresas de turismo cultural.
Por último, se proponen algunas estrategias de
desarrollo del turismo cultural en esta región del
Sur de Jalisco.
Palabras clave: desarrollo regional; empresas de
turismo; Sur de Jalisco; turismo cultural.
AbstractThis study aims to determine the potential of cultural tourism in the municipalities that comprise region 6 of the State of Jal isco, Mexico, territorially delimited in the South of Jalisco. First, the demand for cultural tourism is identified to determine the profile of the cultural tourist, under the assumption that such tourists, especially motivated by culture, tend to travel longer distances than most tourists. Then, the motivations and satisfactions of cultural tourists are analyzed in order to establish the market potential in accordance with the characteristics of the target market in the Southern region of Jalisco. Any operation performed by cultural tourism companies should undergo a strategic diagnosis, which explains the use of SWOT analysis, a tool for the strategic planning of cultural tourism enterprises. Finally, some strategies for the development of cultural tourism in the region of Southern Jalisco are proposed.
Keywords: regional development, tourism companies, Southern Jalisco, Cultural Tourism.
José G. Vargas Hernández
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013314
Introducción
Hay una conciencia creciente de la importancia
de la cultura, las artes, festivales, sitios de
patrimonio natural y cultural y el folclore.
La diversidad cultural es la base del turismo
cultural y patrimonial. El turismo cultural
ha estado en el centro de la industria del
turismo en Europa y ahora otros países
están empezando a desarrollar sus propias
actividades (Nzama, Reyes Magos y Ngcobo
2005). El turismo cultural es un producto
turístico en sí mismo y puede dar importantes
contribuciones al desarrollo económico
regional. El desarrollo implica el diseño, la
comercialización y la promoción de nuevos
productos del patrimonio cultural turístico y las
actividades durante la creación de un ambiente
seguro y de fácil manejo para los visitantes y
las comunidades locales.
A pesar de que la Región Sur del Estado
de Jalisco en México es considerado uno de las
más ricas culturalmente en las manifestaciones
y expresiones de la literatura latinoamericana,
la pintura, etc., el turismo cultural es casi
inexistente. Las comunidades locales no
suelen estar activamente interesados en temas
relacionados con el turismo cultural y no
entienden cuáles podrían ser los beneficios. Por
otra parte, existe una falta de datos fiables sobre
el turismo cultural para la Región Sur de Jalisco.
El turismo cultural no es ni común
ni universal. Aunque las organizaciones,
gob ie rnos y comun idades no deben
considerarse el turismo cultural como parte de
sus intereses principales, aprecian y entienden
las consecuencias y posibilidades de turismo
(Jamieson, 1998). También hay escasez de
datos e información sobre la práctica de
actividades de turismo cultural. Los cambios
sociales dinámicos que ocurren en la Región
Sur de Jalisco, hacen que sea difícil obtener
información útil como insumo confiable para
el diseño, la aplicación y la eficacia de las
políticas de turismo cultural.
El objetivo de este estudio es hacer
frente a la falta de actividades de turismo
cultural y de infraestructura en la Región Sur
de Jalisco. Uno de los objetivos de este estudio
exploratorio es recoger aportaciones sobre si
la Región Sur de Jalisco se puede transformar
en un destino de turismo cultural. El concepto
de turismo cultural puede ser formulado
después de entender las actividades culturales
que ofrece la comunidad, considerada como
un activo para el desarrollo económico
regional. El turismo cultural es una opción
para crear empleo, mejorar la calidad de vida
y poner en práctica iniciativas de erradicación
de la pobreza.
Como estrategia de marketing, el turismo
cultural es una de las últimas palabras de moda
para atraer a los visitantes a lugares de interés
cultural. Destinos de turismo cultural que
ofrecen productos y servicios culturales ligados
por la geografía, pueblos, folclore, historia,
fiestas, experiencias de arte y de rendimiento
pueden ser comercializados a los visitantes
locales y extranjeros. El turismo cultural en la
Región Sur de Jalisco puede ofrecer beneficios
potenciales para el desarrollo económico
regional y para los visitantes, así, debido a la
presencia de recursos adecuados. Un enfoque
integrado que incluya a todos los interesados
debe ser inclusivo y participativo para asegurar
emprendimientos culturales sostenibles y
sustentables, integrales y eficientes de turismo.
Desarrollo regional y sustentabilidad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013 315
La duración del turismo cultural está
fuertemente influenciada por enfoques
profesionales que se refieren a un concepto más
bien que a un determinado conjunto de objetos,
artículos o productos. La Organización Mundial
del Turismo (OMT) define el turismo como
el concepto que comprende las actividades
de personas que viajan y permanecen en
lugares distintos al de su entorno habitual,
por no más de un año consecutivo por ocio,
negocios y otros motivos (WTO – World Tourism
Organization, 2000, p. 4). El turismo cultural se
define como el movimiento de personas por
motivaciones esencialmente culturales, que
incluyen viajes de estudio, las artes escénicas,
visitas culturales, viajes a festivales, visitas
a sitios históricos y monumentos, folklore y
peregrinaciones (WTO, 1985).
El concepto de turismo cultural abarca
una amplia gama de puntos de vista que
reúnen un conjunto completo expresiones
humanas y manifestaciones que realizan los
visitantes a experimentar el patrimonio, las
artes, estilos de vida, etc., de las personas que
viven en los destinos culturales. Patrimonio
turístico se considera generalmente como
el turismo cultural. Patrimonio turístico se
refiere a los lugares que visitan los turistas de
importancia tradicional, histórica y cultural, con
el objetivo de aprender, prestar respecto a fines
recreativos (Nzama et al., 2005).
El turismo cultural es un término que
abarca los sitios históricos, las artes, las ferias
artesanales, festivales, museos de todo tipo,
las artes escénicas, las artes visuales y otros
sitios del patrimonio que los turistas disfrutan
de visitar en la búsqueda de experiencias
culturales (Tighe, 1985). El patrimonio como
turismo es un sinónimo de turismo cultural,
es el turismo vivencial se relaciona con la
visita de paisajes preferidos, lugares históricos,
edificios o monumentos y buscan el encuentro,
la participación y la estimulación con la
naturaleza o sentirse parte de la historia de un
lugar (Hall y Zeppel, 1990).
Un turista cultural es una persona que se
va más allá de 40 kilómetros de distancia de su
hogar por lo menos una noche y ha asistido a
un centro cultural, que incluyen la visita a una
galería de arte, museo, biblioteca, concierto de
música, la ópera y el cine (Australian Bureau
of Estadísticas, 1997). Hall (1998) define
el turismo cultural como el turismo que se
centra en la cultura de un destino, la vida, el
patrimonio, las industrias de las artes y el ocio
de la población local.
El turismo cultural está relacionado
con los aspectos culturales que incluyen las
costumbres y tradiciones de las personas,
su patrimonio, historia y forma de vida. El
Consejo Internacional de Monumentos y
Sitios (Icomos) define el turismo cultural como
"un nombre que significa muchas cosas para
muchas personas y aquí radica su fuerza y su
debilidad" (McKercher y Cros, 2002, p. 24). La
teoría del turismo cultural está comenzando
a debatir temas de especialización de género
(Aitchson, 2003).
El turismo cultural se refiere a los viajes
que se dirige a proporcionar oportunidades
y el acceso a los visitantes para disfrutar de
las artes y oficios, museos, patrimonio, fiestas,
música, danza, teatro, literatura, sitios y
edificios históricos, paisajes, barrios y el carácter
especial de las comunidades locales. El turismo
cultural se relaciona con los movimientos
temporales o a corto plazo de personas a
destinos culturales fuera del lugar de residencia
José G. Vargas Hernández
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013316
y de trabajo, y donde sus actividades en estos
destinos o instalaciones son las de atender a
sus necesidades de recreación (Keyser, 2002).
El turismo cultural asocia la palabra "atracción
turística y cultural" con el patrimonio cultural
tangible e intangible. Es también la asistencia
de los visitantes entrantes a uno o varios
lugares de interés cultural como festivales,
ferias, museos, galerías de arte, edificios de
la historia y talleres de artesanía (Bureau of
Tourism Research, 2004).
Ivanovic (2008) y Cooper, Fletcher,
Fyall, Gilbert y Shepherd (2008) sostienen
que la mayor motivación para el viaje es
conocer la cultura y el patrimonio, tanto
emergentes como contribuyentes al desarrollo
económico. Ivanovic (2008) sostiene que
el turismo cultural y el patrimonio es un
desarrollo reciente en la actividad turística y,
junto con el ecoturismo se están convirtiendo
en las formas predominantes de turismo
sustituyendo así al turismo masivo de sol-
lujuria. Las atracciones culturales y eventos
juegan un papel clave en el turismo cultural
y la hospitalidad de los destinos para atraer
a los visitantes (George, 2001). El turismo
cultural es estar viajando para experimentar y
participar en los estilos de vida en extinción
que se encuentran dentro de la memoria
humana (Goeldner y Ritchie, 2009).
El objetivo de la política de turismo
cultural es influenciar y atraer a los visitantes
(Williams y Shaw, 1991, p. 263). Los turistas
con interés especial en la cultura corresponden
al segmento de "turismo cultural", es decir.,
tamaño y valor son directamente atribuibles
a los valores culturales del país, que animen a
los turistas a hacer un viaje. Los turistas con
interés ocasional en la cultura pertenecen
a otros segmentos turísticos (Centro de
Estudios de la Secretaria de Turismo –
Cestur). Un programa especial de incentivos
para el turismo relacionado con la cultura o
valores deben reconocer las contribuciones
que el turismo puede tener para la cultura y
viceversa, para sacar provecho de los aspectos
positivos y generar sinergias para el desarrollo
de ambos sectores.
Dentro de l proceso de d iseño y
desarrollo, el turismo cultural puede tomar
muchas formas. Sharma (2004) se suma al
debate de recursos culturales para defender
los beneficios económicos del desarrollo
de programas, recursos y servicios para el
beneficio de las comunidades locales, creando
un equilibrio entre los imperativos económicos
y los impactos positivos y negativos.
Las actividades culturales del turismo
pueden tener un impacto económico sobre
el desarrollo regional mediante la creación
de empleo y mejora de los niveles de vida.
Hanekom y Thornhill (1983, p. 110) describen
las actividades del turismo cultural como
un conjunto de fenómenos tales como la
formulación de la política, la planificación
y organización de la estructura de los
métodos y procedimientos de selección,
formación, desarrollo y motivación del
personal, el presupuesto y las operaciones
de financiación. Los principios filosóficos
de la disciplina del tur ismo deben ser
examinados de nuevo para volver a evaluar
los fundamentos del turismo cultural.
Turismo cultural y patrimonial puede
ser considerado como una actividad dinámica
desarrollada a través de las experiencias
físicas, la búsqueda y la celebración de lo que
es único y hermoso, representada por nuestros
Desarrollo regional y sustentabilidad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013 317
propios valores y atributos que son dignos de
conservar y transmitir a los descendientes de
tal manera que las comunidades puedan estar
orgullosos de ellos.
Marco teórico y revisión de la literatura
La construcción de la teoría y el desarrollo
son necesarios para poder ser utilizados como
base para la explicación y la comprensión
del modelo normativo de turismo cultural
para la Región del Sur de Jalisco. La teoría
para el turismo cultural se ha desarrollado
para explicar, analizar, evaluar y predecir los
fenómenos relacionados (Moulin, 1989 e
1990). Sin embargo, un marco teórico para
el turismo cultural y sustentar la práctica
actividades requiere disponibilidad de datos
sobre infraestructura, recursos y habilidades.
Easton (1979) desarrolló un modelo
normativo de turismo cultural haciendo
hincapié en los entornos externos al servicio de
los parámetros que pueden influir en el logro
de objetivos, tales como políticos, económicos,
socio-culturales, legales, ambientales,
educativos, de salud, las políticas legales, la
demografía y el entorno tecnológico, aunque
el número y tipos de entornos posibles pueden
ser ilimitadas (Ferreira, 1996, p. 403). Cada
entorno requiere la adaptación del mecanismo
de conversión (Easton, 1965, pp. 131-132;
Ferreira, 1996, p. 403).
Después de que el objetivo se logra, las
entradas formadas por el ambiente externo
original generan nuevas necesidades que
deberá satisfacer por alcanzar una nueva
meta (Easton, 1965, pp. 128-129; Ferreira,
1996, p. 404; Cloete y Wissink, 2000, p. 39).
Un argumento opuesto subyace para conservar
y proteger la integridad de los recursos
turísticos culturales, mediante el control del
excesivo hacinamiento, de los recursos y la
contaminación ambiental (McDonald, 1999).
Turismo cultural y patrimonial trae
importantes beneficios económicos y de
desarrollo para sitios de patrimonio cultural,
municipios y comunidades. Una investigación
empírica llevada a cabo por Besculides, Lee
y McCormick (2002) utilizando un enfoque
basado en los beneficios para examinar las
percepciones de turismo cultural por los
residentes hispanos y no hispanos, mostró
que los hispanos cree firmemente que viven
a lo largo de un camino paralelo del turismo
cultural que ofrece beneficios culturales
y tienen una mayor preocupación por su
gestión.
El enfoque filosófico de turismo cultural
de los grupos de interés, los proveedores y los
responsables políticos da forma a los valores
y normas de la modelo normativo orientado
a desarrollar políticas efectivas en torno al
turismo cultural. Las comunidades locales que
desarrollan y promueven el turismo cultural
y patrimonial pueden necesitar que tengan
un marco de referencia para la aplicación
efectiva de las políticas locales y nacionales.
El desarrollo y promoción de los productos y
servicios del turismo cultural y de patrimonio
requieren de una planificación y ejecución
sobre la base de las políticas. Los principios
filosóficos del turismo cultural son necesarios
para mantener el diseño e implementación de
un modelo normativo destinado a promover las
políticas regionales de desarrollo económico. La
José G. Vargas Hernández
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013318
literatura sobre la política de turismo cultural
es relevante en el desarrollo de un marco
normativo. Existe la necesidad de desarrollar
un marco de políticas públicas para el turismo
de patrimonio cultural.
La teoría de turismo cultural "ciudades
creativas" recomienda invertir en bienes
culturales y el patrimonio. Ximba (2009) analizó
y examinó las variables y principios como la
comprensión del turismo cultural, el desarrollo
y la conservación de la cultura, la provisión
de equipamientos culturales, la participación
en el turismo cultural, la aplicación de las
políticas y prácticas de turismo, y los beneficios
del turismo cultural y patrimonial . El turismo
cultural se basa en la participación en las
profundas experiencias culturales, ya sea
intelectual, psicológica, estética o emocional
(Russo, y Van der Borg, 2002) y, como el turismo
cultural especializado se centra en un pequeño
número de sitios geográficos, municipios,
unidades y entidades culturales.
E l modelo normat ivo permite la
disposición de los datos y la información
sobre las actividades de turismo cultural, de
tal forma que proporcionen las bases para
desarrollar un marco teórico para el turismo
cultural. La teoría normativa se ocupa de los
fenómenos y preguntas sobre el papel asumido
por el gobierno y, en general, el sector público
(Hanekom y Thornhill, 1983, p. 71).
Un modelo normativo del turismo
cultural sostenible desarrollado por Ismail
(2008) propone un modelo de entrada-salida
(input-output) con un mecanismo de aplicación
para garantizar que el turismo cultural
sostenible y sustentable facilite las iniciativas
para el desarrollo regional mediante la
creación de empleo y el alivio de la pobreza. El
enfoque del desarrollo sostenible, sustentable
y el desarrollo del turismo de patrimonios
culturales tiene como objetivo mejorar el
medio ambiente mediante la satisfacción de las
necesidades de las comunidades presentes sin
comprometer la capacidad de las generaciones
futuras para satisfacer sus propias necesidades
(WCED, 1987, p. 8).
El desarrollo de turismo de patrimonio
cultural sustentable y sostenible requiere
de las mejores prácticas (Magi y Nzama,
2002) para satisfacer las necesidades de
los visitantes invitados presentes y las
comunidades anfitrionas locales, mientras que
requiere la protección y el fomento de mejores
oportunidades para las generaciones futuras.
Un turismo cultural sustentable contribuye
al desarrollo de la comunidad si los agentes
del turismo y las empresas son eficientes,
equitativos y orientados al medio ambiente.
MacDonald y Lee (2003) examinaron el turismo
rural cultural en un marco de referencia
teniendo en cuenta el papel de la cultura
en las asociaciones de base comunitaria.
Sus hallazgos sugieren que la cultura en el
desarrollo del turismo rural es un recurso
valioso y las asociaciones de base comunitaria
pueden ser muy eficaces.
El turismo cultural refuerza la identidad
y estima de la comunidad local. Brinda la
oportunidad de una mayor comprensión y
comunicación entre personas de orígenes
diversos (Lubbe, 2003). El desarrollo del
turismo de patrimonio cultural sustentable se
basa en la suposición de que los recursos y las
instalaciones son finitos, limitados, algunos de
los cuales no son renovables, experimentan
la degradación y el agotamiento, no pueden
seguir creciendo para satisfacer las necesidades
Desarrollo regional y sustentabilidad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013 319
del turismo de masas y una población en
crecimiento (SARDC, 1994).
La práctica del desarrollo sustentable
del turismo cultural y patrimonial, requiere
compartir los beneficios entre los visitantes y
residentes de las comunidades locales sobre
una base permanente. Para superar algunos
de los problemas asociados con el desarrollo
del turismo cultural, es necesario aprovechar
todas las oportunidades, los conocimientos
técn icos , e l apoyo f inanc ie ro, la co -
participación de la comunidad, etc., con el fin
de maximizar los beneficios. La participación
comunitaria en el desarrollo del patrimonio
cultural y el turismo debe convertirse en una
práctica fundamental de un enfoque centrado
en las personas, para incorporarlas en el
proceso de toma de decisiones en el desarrollo
de los recursos culturales y patrimoniales y
para compartir todos los beneficios (Magi y
Nzama, 2008).
Los participantes en las actividades
turísticas culturales esperan obtener placer,
satisfacción o cumplimiento de la experiencia
(Shivers 1981). McKercher y Du Cros (2003)
evalúan una tipología de turismo cultural que
representan los cinco beneficios basados en
segmentos probados contra una variedad
de variables, tales como las demográficas,
motivaciones del viaje, actividad preferida, la
conciencia, la distancia cultural y la actividad.
Se encontraron diferencias entre los grupos y
sugirieron que el modelo presentado puede
ser eficaz en la segmentación del mercado de
turismo cultural.
La co-participación en la toma de
decisiones, la propiedad y los beneficios de
todos los actores involucrados en el desarrollo
sustentable del turismo de patrimonio cultural
es el eje del encuentro, la experiencia y el
disfrute de los recursos y las oportunidades
disponibles para el buscador turístico o de
ocio (Torkildsen 2007). Turismo cultural y
patrimonial puede ser una herramienta para
preservar la cultura de las comunidades
anfitrionas. Las políticas turísticas culturales
y patrimoniales sustentables deben enfocar
y regular las actividades y mejores prácticas
orientadas a la restauración, mejora y
conservación de los recursos para su uso
presente y futuro continuado y el disfrute
por los visitantes y la población local (Keyser,
2002). El nivel de mantenimiento, conservación
y preservación de los recursos está relacionado
con el nivel de la infraestructura de turismo
cultural y las instalaciones.
En la investigación se lleva a cabo una
búsqueda bibliográfica de profundidad para
extraer un conjunto de criterios normativos
para el turismo cultural y se lleva a cabo un
estudio cualitativo empírico. De los resultados
de esta investigación, por último, se diseña
un modelo normativo de turismo cultural. El
objetivo del modelo normativo para el turismo
cultural sustentable es el de facilitar el análisis,
diseño y formulación de iniciativas culturales de
política turística. La teoría del turismo cultural,
basada en criterios normativos se centra en
la formulación, diseño e implementación de
las políticas de turismo cultural. El entorno
político externo influye en la política turística
del gobierno la que a su vez, puede tener
un impacto en el desarrollo de un modelo
normativo para el turismo cultural. La teoría de
turismo cultural, basada en criterios normativos
es necesaria para la formulación de políticas
de turismo cultural orientadas a la mejora del
desarrollo económico regional.
José G. Vargas Hernández
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013320
El objetivo de cualquier política de
turismo cultural orientado al desarrollo regional
es influenciar y atraer a los visitantes (Williams
and Shaw 1991, pp. 263-264) a través de la
generación de la demanda y la prestación de
servicios turísticos. Richards (1996) realizó una
investigación internacional sobre la demanda y
la oferta de turismo cultural, y encontraron un
incremento rápido en la producción y consumo
de los bienes culturales y lugares de interés y
atractivos turísticos del patrimonio cultural.
Los criterios normativos incorporados
en el modelo puede ser el marco de referencia
del entorno macroeconómico externo, el que
a su vez puede influir en la política social del
turismo cultural. Los factores sociales que
influyen en el turismo cultural del entorno
externo se pueden determinar mediante la
aplicación de un sistema de evaluación que
beneficia a todas las partes interesadas.
La aplicación del marco normativo para el
turismo cultural depende del compromiso de
los agentes del turismo, agencias de gobierno,
comunidades, etc., para que desempeñen sus
funciones correspondientes.
Así, los interesados en el turismo
cu l tu ra l , l a s comun idades, agenc ias
gubernamentales, gobiernos municipales, etc.
tienen la responsabilidad de implementar
iniciativas para desarrollar la infraestructura,
instalaciones culturales, atracciones de
turismo cultural, alojamiento, etc. El modelo
normativo es adecuado para describir, explicar
y analizar las actividades de turismo cultural
con el fin de diseñar, desarrollar, promover e
implementar políticas orientadas a la creación
de empleo y mejorar las condiciones de una
mejor calidad de vida. Un modelo normativo
de turismo cultural puede ser útil para
desarrollar estrategias y formular políticas para
enmarcar la ejecución de algunas propuestas
al respecto, recomendaciones y proyectos. Un
modelo normativo para el turismo cultural en
el sur de Jalisco, flexible y dinámica como una
herramienta, ayuda a proporcionar los criterios
metodológicos y de procedimientos, políticas
y estrategias para promover el desarrollo
económico regional.
Métodos
La investigación sobre el marco normativo para
el turismo cultural se considera necesaria para
hacer frente al actual desarrollo económico
disfuncional de la Región Sur de Jalisco. El
enfoque de sistemas puede ser utilizado para
el propósito de analizar y desarrollar el marco
normativo para el turismo cultural (Bayat
y Meyer, 1994, pp. 83-10). El objetivo del
modelo normativo para el turismo cultural es
analizar las fortalezas, debilidades, amenazas y
oportunidades en todos los factores tales como
la infraestructura, las instalaciones, habilidades,
etc., y sobre todo el diseño e implementación de
políticas de turismo cultural en el sur de Jalisco.
El marco normativo está diseñado como
una herramienta para el objetivo de cambiar
la situación actual, las políticas y estrategias
en una forma más dinámica, y una propuesta
funcional y flexible para el desarrollo económico
regional. El uso de un modelo normativo
para el turismo cultural requiere de métodos
cualitativos y cuantitativos de análisis como un
enfoque para llevar a cabo la investigación. Un
análisis del entorno incluye el macro externo
y el microambiente, el medio ambiente y el
entorno macro marketing, que representa las
Desarrollo regional y sustentabilidad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013 321
fuerzas externas que influyen en la toma de
decisiones y el logro de objetivos tales como
las políticas públicas, económicas, sociales,
políticas, demográficas, tecnológicas legal, etc.
El microambiente interno de un marco
normativo para el desarrollo y la promoción del
turismo cultural influye en los proveedores, los
canales de distribución, clientes, competidores,
los valores comunitarios, políticas locales,
requisitos legales, etc. Los principios rectores
y las políticas desarrolladas por el gobierno
federal y los gobiernos locales pueden ser los
criterios básicos para el diseño y desarrollo del
marco normativo de referencia para el turismo
cultural en el Sur de Jalisco.
El objetivo del modelo normativo para el
turismo cultural es alcanzar criterios eficaces
y eficientes de desempeño para diseñar,
desarrollar, mantener, promover y fortalecer el
desarrollo del turismo cultural. El mecanismo
de retroalimentación censa cualquier posible
deficiencia y desviación de los resultados
continuos provenientes del modelo normativo
de turismo cultural en relación con la macro y
micro variables ambientales y factores.
La determinación de la demanda de turismo cultural
Turismo mexicano en la jerarquía de los países del mundo en el año 2010
Cuando se inicia con el siglo XXI, se puede
observar que el turismo es de suma importancia
para el desarrollo económico y la piedra
angular para el desarrollo de servicios con un
valor estimado en 476 000 millones de dólares
(ver Cuadro 1). Por tanto, es una herramienta
poderosa para promover el desarrollo de los
pueblos en términos de apalancamiento.
MéxicoCrecimiento – 2004 (1) Crecimiento – 2014 (2)
Relativo Absoluto Crecimiento Relativo Absoluto Crecimiento
Viajes y turismo personal 17 130 133 16 137 124
Viajes de negocios 14 --- 131 12 --- 39
Gasto público 12 58 168 11 62 145
Inversiones de capital 11 93 2 7 94 3
Exportaciones de visitantes 16 113 9 12 115 15
Otras exportaciones 11 15 27 9 15 19
Demanda de viajes y turismo 12 --- 34 10 --- 13
Industria del turismo y viajes 14 108 91 11 103 68
Turismo económico 11 99 52 10 70 14
Empleo de la industria del turismo 22 115 89 19 110 68
Empleo de turismo económico 14 75 42 8 52 4
(1) 2004 Crecimiento real ajustado por infl ación.(2) 2005-2014 Crecimiento real anualizado ajustado por infl ación. Total 174 países y 13 regiones (la más larga / la más alta / la más grande) es número uno, (el más pequeño / el más bajo / el peor) es número 174. 13 son regiones agregadas sin jerarquía.
Fuente: World Travel and Tourism Council. Mexico travel and tourism merging ahead.
Cuadro 1 – Información relacionada con el turismo de México
José G. Vargas Hernández
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013322
México ocupa el séptimo lugar entre los
principales receptores de turismo internacional,
después de Francia, España, Estados Unidos,
Italia, China, Reino Unido y Austria (véase el
Tabla 1).
Un estudio realizado por el Consejo
Mundial de V iajes y Tur ismo ( W T TC) ,
basado en ocho indicadores de Monitor de
Competitividad Turística (Financial Infosel,
2004) y se aplicó a 212 países, pone a México
en el lugar 70. Los ocho indicadores son los
precios, turismo humano, infraestructura,
medio ambiente, tecnología de apertura al
turismo, los recursos sociales y humanos. El
índice de precios considera que los costos que
pagan los consumidores por los productos y
servicios del hotel... los impuestos sobre las
compras de bienes y la utilización de servicios.
El índice de turismo humano tiene en cuenta
"la participación del pueblo en las actividades
turísticas”.
Impacto económico del sector turismo en México
De acuerdo con la última información oficial
disponible del Gobierno de México (Turismo
Boletín Trimestral) el número de turistas
internacionales a México en 2003 mostró tasas
de crecimiento ligeramente inferiores a los
que se registraron durante el año anterior, lo
que representa una reducción significativa del
indicador en 2003. La consideración de que
el número total de turistas internacionales en
2003 (más la colocación de frontera) se observa
una contracción (-5,1%) como resultado de la
caída de turistas fronterizos, pasando de 9,8
millones de turistas en 2002 hasta 8,3 millones
de turistas en 2003, una reducción del 15 %.
En 2010, el país recibió 18,7 millones de
turistas internacionales, con un descenso del
5,1% respecto a 2002. El motivo principal por
el saldo negativo en el número de turistas se
Tabla 1 – Lugar de México en la lista de 212 países
Índice Lugar
Apertura turística 54
Precios 66
Recursos humanos 70
Tecnología 71
Social 72
Turismo humano 89
Medio ambiente 92
Desarrollo regional y sustentabilidad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013 323
debe a la aplicación de la creciente inmigración
en la frontera con Estados Unidos, causados
por factores exógenos, como los recientes
conflictos en el Medio Oriente, la narco-guerra
mexicana y el síndrome respiratorio severo
agudo. Aunque hubo un menor número de
turistas internacionales, con respecto a 2002, el
ingreso de divisas recibidas en 2003 permitió
grabar figuras históricas como el resultado
alcanzado en 2003 el nivel más alto observado
en los anteriores últimos cuatro años.
Los turistas en medicina y hospitales, son
los que generan más divisas para nuestro país,
por lo que el turismo transfronterizo fronterizo
en bienes y servicios médicos presentó un
cambio positivo que condujo a la entrada de
divisas para crecer, al aumentar el gasto total
de los visitantes internacionales a México,
lo que resulta en un aumento significativo
en el exceso de pasajeros. El segmento de
entradas turísticas terminó en el año 2003 con
10,4 millones, un 4,8% superior a los niveles
presentados en 2002. El gasto aumentó de 8,
858 millones de dólares desde 2002 hasta 9,
457 millones de dólares en 2003, un nivel que
representa un aumento del 6,8%. Dentro de
este segmento, el turismo interno contribuyó
con el 70% de los depósitos totales, el 23%
de los excursionistas y el 6% restante se
registraron como transfronterizos turistas
(Boletín Trimestral de Turismo).
El segmento de cruceros registró un
aumento del efectivo en 2003 a 35,9 en el
año anterior. También hubo una reducción en
el flujo de turistas y visitantes-Tras fronterizos
internacionales fuera de México que en 2003,
acumulando una caída de 18.6%. El gasto
total realizado por los mexicanos en el exterior
registró un superávit en la balanza turística de
$3,204 millones en 2003, un 14.5% más que
en 2002. En 2003, se registró una cifra de 47,9
millones de turistas que llegaron a cuartos de
hotel nacionales, lo que significa un aumento
del 1.3% con respecto al año anterior. En
2003 el turismo nacional se incrementó hasta
el 8.2%, con la estancia media de los turistas
durante la noche, apuntando especialmente
a los destinos de playa, mientras que el
destino de las ciudades registra menores
tasas de ocupación. Las ciudades del interior
y las grandes ciudades, respectivamente,
mostraron una contracción de 2.8 y 1.5 puntos
porcentuales en comparación con los niveles
registrados en 2002, mientras que las ciudades
fronterizas mostró un buen desempeño al
registrar una ocupación media del 60.2%, que
es 6,3 puntos porcentuales superior a la de un
año antes.
En 2004, los viajes y el turismo generaron
en México 8.40.200 millones de pesos
equivalentes a $73,3 mil millones dólares en
actividad económica (demanda total). Los
impactos directos de esta industria fueron:
681,354 puestos de trabajo, lo que representa
el 2.4% del total. 186.800 millones de pesos
mexicanos equivalentes a EE.UU. $16.3 mil
millones del producto interno bruto, lo que
equivale al 2.7% del total. Sin embargo, ya
que el turismo afecta a todos los sectores de la
economía, su impacto real es mayor.
La economía de este sector directa e
indirectamente representa: 2,865,740 puestos
de trabajo que representan el 10.0% del
total. 643.200 millones de pesos de producto
interno bruto, lo que equivale al 9,4% del
total. 299.900 millones de pesos mexicanos
equivalentes a EE.UU. 26,2 mil millones
dólares de las exportaciones, bienes o servicios
José G. Vargas Hernández
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013324
y el 13,8% de las exportaciones totales. 168
300 millones de pesos mexicanos equivalentes
a un 14.7% millones de dólares de inversiones
de capital o 10.7% de las inversiones totales.
40.300 millones de pesos equivalentes a EE.UU.
$35,5 mil millones del gasto público o el 5.1%
de participación.
Crecimiento
Para el 2004, el turismo en México alcanzó los
siguientes resultados proyectados: Crecimiento
real del 11.1% de la demanda total; 9.3% del
producto interno del sector de la industria del
turismo, 186 800 millones de pesos mexicanos
equivalentes a $16,3 mil millones de dólares
del producto interno bruto para la industria
directamente y 10.7%, 643,2 mil millones de
pesos de producto interno bruto, lo que equivale
al 9,4% del total, para la economía del turismo
en general (costos directos e indirectos); 8%
del empleo en el sector turístico con un impacto
directo solamente, o de 681,354 trabajos, y el
9.9% o 2.865.740 millones de empleos en la
economía del turismo en general, con impacto
directo e indirecto.
Para el año 2014, el turismo en México
se espera que alcance un crecimiento real
anual: 7.1% de la demanda turística total para
lograr lo que equivale a 340 000 millones de
pesos o su equivalente en $ 167,4 millones de
dólares en 2014. 55% del total del producto
nacional total del sector turismo hasta 422
900 millones de pesos equivalentes a EE.UU;
$124,6 mil millones de dólares a la economía
del turismo en general; 3.1% en el empleo
en el sector turístico para llegar a 921, 832,
los que trabajan directamente en la industria
y el 5.8% a 5.029.550 puestos de trabajo
en la economía del turismo en general para
el año 2014; 7.9% en las exportaciones de
los visitantes se elevan a 382 300 millones
de pesos, lo que equivale a 27,3 millones de
dólares para el año 2014; 9.9% en términos de
inversión de capital que aumente a 604.700
millones de pesos, equivalentes a 43,2 billones
de dólares en el año 2014. 2.3% en términos
de aumento del gasto público para llegar a
70,6 mil millones de pesos, equivalentes a US
$ 5 mil millones en 2014.
En México, las cifras de turismo cultural
no se han determinado con precisión. Sólo el
Instituto Nacional de Antropología e Historia
(INAH) ha estimado que han atraído a los
espacios bajo su custodia 16.4 millones de
visitantes en 2002. Los visitantes nacionales
representaron alrededor de las cuatro quintas
partes con un total de 13.2 millones de
turistas y los internacionales representaron
un quinto con 3.2 millones de dólares. Figuras
más recientes reportan que los turistas
internacionales que visitan los centros del INAH
van en aumento sin embargo, entre visitantes
nacionales no hacen distinción entre turistas
nacionales y residentes nacionales de las
ciudades en las que los sitios están ubicados.
La cultura está en el sexto lugar como
la principal motivación para el turismo interno
y el cuarto para el turismo internacional.
Se estima que el turismo especialmente
motivado por la cultura en México representa
el 5.5% de los pasajeros nacionales y el 3%
para los internacionales. En 2011 había casi
120 millones de turistas con actividades
relacionadas con la cultura en México. El
gasto por viajes relacionados con la demanda
de turismo cultural es mayor que el promedio
Desarrollo regional y sustentabilidad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013 325
nacional, debido a un aumento de su ingesta
diaria basada en las actividades en torno al
patrimonio cultural y estancias largas hoteles
y por lo tanto mayor que en otros segmentos
del turismo.
Perfi l de los turistas con la declaración de culturales
Los turistas motivados especialmente por la
cultura, tienden a viajar distancias más largas
que la mayoría de los turistas. Para llevar a cabo
una incursión cultural, la inversión personal
que se necesita por parte de los turistas que
expresan mayor interés en el aprendizaje y se
involucran en la vida del lugar visitado, lo que
requiere más tiempo que un viaje escénico.
Cuanto más se visita los espacios culturales de
los demás son visitados, los efectos sobre los
turistas son más de curiosidad.
Las principales actividades de turismo
cultural son aquellas relacionados con el
patrimonio tangible, muy popular entre los
turistas motivados especialmente por la
cultura, que representa el 48% de todas las
actividades turísticas nacionales y el 63% de
todas las actividades turísticas internacionales.
Los elementos intangibles son por su propia
naturaleza, más difíciles de identificar aunque
su influencia se manifiesta en un sentido
general, por impregnación de la cultura por el
turista visitante.
En el caso de las act ividades de
patrimonio tangible e intangible, los sitios
arqueológicos (27%) son las favoritas de
los turistas internacionales especialmente
motivados por la cultura. En cuanto al
patrimonio intangible, prefieren ver las
tradiciones y costumbres de las comunidades
solo el 9%. Por su parte, los mexicanos
prefieren asistir a las actividades relacionadas
con los activos intangibles (52%) entre todo el
sabor excepcional de la cocina regional (13%).
La actividad relacionada con el patrimonio
material preferido por los turistas mexicanos
es la observación de los monumentos
arquitectónicos (18%). Esto se relaciona con
el interés, más que la apreciación estética
de la didáctica de la mayoría de los viajeros
culturales (Cestur, 2011).
Las motivaciones y la satisfacción de los turistas culturales
Tanto para los tur i s tas nac iona les e
internacionales, los atributos relacionados con
la arquitectura y la cultura viva son motivadores
clave. El lugar de estos factores entre los
nacionales y los extranjeros se invierte, con los
temas relacionados con la cultura viva de los
de más interés para los turistas internacionales
y los relacionados con los activos materiales
son más importantes para el turista nacional.
El turista interesado en la cultura, también
está buscando precio, el clima, el paisaje y
las actividades que pueden satisfacer las
necesidades y deseos de los miembros que
viajan del grupo.
Los turistas culturales mexicanos son
sensibles a los efectos de costo-beneficio. Los
destinos de valor son considerados alrededor
de la variedad y calidad de las actividades que
se ofrecen, y están dispuestos a gastar en las
José G. Vargas Hernández
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013326
experiencias, pero no en los servicios que no
ofrecen claras diferencias con respecto a los
que tienen un estilo interesante. Factores tales
como los costos económicos, emocionales y
experiencias físicas son cruciales. La relación
entre estos costos y sus beneficios deben ser
proporcionadas. Un destino turístico cultural
con actividades culturales que ofrecen
comodidad y opciones adicionales para el
ocio y el entretenimiento, es más probable
que atraiga turistas y ocasionales visitas
especializadas que otros destinos. Turistas
culturales en general creen que las ofertas
culturales agradables y atractivas son escasas
para los niños y adolescentes, y además
carecen de la necesaria instrucción necesaria
para apreciar las culturas locales.
Mercado potencial
Las encuestas para estimar y caracterizar el
volumen actual de la demanda de turismo
cultural en el mercado nacional indican que
sólo el 5.5% de los turistas nacionales se
consideran particularmente motivados por la
cultura y el 35.7% tenían un interés casual. En
todo el mundo el 37% de los turistas realiza
alguna actividad cultural durante su viaje y la
tasa de crecimiento anual ha sido del 12% en
promedio desde 2000 hasta el 2010 (Cestur
de 2011).
México participa actualmente con los
554,233 turistas que equivale al 1.8% del
mercado que representan los países de origen,
Estados Unidos, Canadá, Alemania, Francia,
España e Inglaterra, lo que significa que hay
un enorme potencial para la penetración, a
condición de desarrollo y comercialización
de la oferta adecuada. México ya está
involucrado con 8.4% en la participación de
mercado llegando a 7.2 millones de turistas.
Los turistas con un interés ocasional en la
cultura representan un total de 84.9 millones
de turistas que viajan al exterior son el 35%
del total. México ya está involucrado en la
participación de mercado con 8.4%, llegando a
7.2 millones de turistas.
Características de la oferta de destinos turísticos culturales
El tamaño y la competitividad de la oferta
turística y cultural no pueden ser evaluados
a partir de los recursos culturales de manera
aislada sino en relación con su ubicación
geográfica y los distintos elementos que
convergen para hacer posible la visita. Los
criterios utilizados para la selección de los
lugares de destino son:
a) el papel que desempeñan en el sistema
turístico;
b) las características principales que tiene el
patrimonio cultural;
c) las condiciones de infraestructura y servicios
para la uso turístico, y
d) características de la población local.
La diferencia en la percepción entre
los nacionales y los extranjeros se hace
más evidente. Como algunos ejemplos de la
diversidad de los recursos turísticos culturales
se pueden mencionar los siguientes:
a) las ciudades y pueblos con formas
arquitectónicas, entornos histór icos y
particulares;
Desarrollo regional y sustentabilidad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013 327
b) los grupos indígenas con su propia
producción y técnicas de intercambio,
costumbres, historias, leyendas, rituales,
celebraciones, comida, etc.;
c) sitios arqueológicos que están abiertos al
público (INAH);
d) sitios que marcan el valor histórico desde el
siglo XVI hasta el siglo XX (Conaculta, 2000);
e) objetos: históricos, artísticos y de uso diario,
que se muestran en los museos registrados por
el INAH, Casas de Cultura, museos privados,
estatales, municipales y comunitarios;
f) eventos y festivales, eventos teatrales,
conciertos, cine, danza, etc.
En cuanto a la infraestructura y los
servicios, los turistas interesados en la cultura
pueden ser alentados a utilizar los segmentos
del turismo, tales como:
a) los establecimientos de alimentos y bebidas,
agencias de viajes, guías de viajes y alquiler de
coches.
b) carreteras que unen las principales ciudades
y carreteras que conectan las ciudades
pequeñas y los aeropuertos, que para el caso
de la región Sur de Jalisco, 3 de los cuales son
internacionales.
Operaciones de la empresa de turismo cultural
En el turismo cultural, las actividades de las
empresas de diversos sectores de la producción
están involucradas. Además del sector del
turismo cultural, las empresas e instituciones
de o t ros sec to res económicos es tán
significativamente involucradas también, como
el desarrollo urbano y el sector servicios en
general que son importantes áreas de soporte
del turismo cultural.
Sectores del turismo cultural
El sector del tur ismo cultural incluye
organizaciones públicas, privadas y sociales
e instituciones. Esta diversidad de actores
determina el hecho de que la administración
tiene una complejidad mayor que en otros
campos del turismo. En áreas específicas
del turismo cultural sobresalen algunas
organizaciones cuya presencia es muy
importante en aquellos lugares donde se
desarrolla la actividad: hoteles, operadores
turísticos, museos, tiendas de artesanía,
restaurantes, guías turísticos, centros culturales
gestionados por el INAH, etc.
Dentro de las interacciones entre los
diversos actores en el sistema de turismo
cultural, la estructura básica de comercialización
genera una relación armoniosa entre los
agentes privados y los actores públicos.
Además de estos actores clave, el turismo
cultural tiene otros, tales como los agentes
turísticos culturales, autoridades municipales,
estatales y federales, órganos promotores
culturales, organismos de la administración
de sitios y monumentos, las organizaciones
no gubernamentales, universidades, escuelas
e institutos, empresas de entretenimiento, los
transportistas, guías de turistas, agencias de
viajes independientes, promotores de viajes,
asociaciones y clubes, etc.
José G. Vargas Hernández
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013328
Análisis Fortalezas, Oportunidades, Debilidades, Amenazas (FODA) corporativo
Un anális is corporativo de planeación
estratégica (Cuadro 2) muestra que, en general,
las perspectivas de negocios son favorables
para el desarrollo del turismo cultural, pero
requiere un mejor uso de los recursos culturales
para fortalecer la identidad de los destinos
y del país, ya que hay más fortalezas que
debilidades.
Hay una necesidad de una mayor
certeza sobre el camino a seguir con el fin
de aprovechar los activos necesarios para
construir sobre el patrimonio cultural y
mejorar la participación de las empresas de
turismo cultural. Existe la voluntad para llevar
a cabo las mejoras necesarias para aumentar
el desarrollo de estas comunidades y las
empresas turísticas en sí.
Se reconocen seis áreas de acción
para proponer una serie de orientaciones
estratégicas y planteamientos tácticos
que fortalecen y mejoran la relación de las
actividades turísticas en su vertiente cultural:
1) revalorización de la relación entre la cultura
y el turismo;
2) sistematización de los instrumentos de
planificación y control;
3) fortalecimiento de la organización;
4) optimización de la gestión del patrimonio
cultural;
5) enriquecimiento de la oferta de turismo
cultural;
6) repensando la promoción y comercialización.
Externo/interno Fortaleza Debilidad
Interno/externoSurgimiento de empresas en el proceso de modernización que valoran la cultura
Predominio de fi rmas con acercamientos convencionales a la cultura y el turismo y la falta de oferta adecuada
OportunidadesEl reconocimiento de la cultura como el valor de la diferenciación y de la identidad y de su importancia para la competitividad de las empresas
Firmas y productos competitivos en valor de cultura patrimonial y participación en el fortalecimiento de las culturas locales
Desarrollo y uso simulado de espacios y propiedades convencionales en turismo
AmenazasVisión de negocios a corto plazo y predominio de grandes negocios (modelo de masas) como un paradigma
La creación de enclaves de negocios sin benefi cios locales y regionales
El uso del patrimonio cultural limitado al entretenimiento.Competencia de precios y pérdida de rentabilidad, negocios y destinos
Fuente: Elaboración propia con base en el análisis de tendencias de varias organizaciones.
Cuadro 2 – Análisis corporativo FODA
Desarrollo regional y sustentabilidad
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Diseño de circuitos turísticos culturales en el Sur de Jalisco
Turismo cultural circuito "Tras las huellas en la tierra de los grandes artistas....”
Los municipios que integran la ruta cultural:
Zapotlán El Grande, Sayula, San Gabriel
Tolimán, Zapotitlán de Vadillo.
1) Escenarios culturales para el primer día
a) Recorrido Centro Histórico de Cd. Guzmán
Pintura y Escultura Presidencia Municipal,
Columnario de hombres ilustres de Zapotlán el
Grande; casa donde nació Juan José Arreola en
la calle Lázaro Cárdenas, arquitectura del Portal
de Mendoza; arquitectura y escultura templo
del Sagrario; pintura, escultura y arquitectura
templo de la Tercera Orden y ex convento;
pintura, arquitectura y escultura de la catedral;
mercado Paulino Navarro; Portales; lugar de
nacimiento del pintor José Clemente Orozco;
arquitectura Casa Consistorial; arquitectura
Palacio de los Olotes; refrigerio restaurant
arriba del Portal Hidalgo; vista a patios de
casas del Portal Hidalgo (tiempo estimado: 4
horas). Del 12 al 23 de octubre se puede visitar
la Feria con todas sus tradiciones y costumbres,
que culmina con los carros alegóricos o andas.
Se sugiere la comida típica en algunos de los
excelentes restaurantes de Cd. Guzmán
b) Recorrido en Sayula: Leyenda del poema del
ánima de Sayula y ubicación de los principales
lugares referidos, Centro Histórico y portales
de Sayula; visita al Centro parroquial de la
Inmaculada Concepción y ex Convento; visita al
Museo y Casa de la Cultura Juan Rulfo; visita
a la casa de las Artesanías; visita al taller de
cuchillería de Ojeda; casa donde nació Juan
Rulfo; arquitectura y pinturas del Santuario
de Guadalupe y ex Convento Franciscano. El
carnaval se escenifica el martes de carnaval
para concluir el miércoles de ceniza (tiempo
estimado: 4 horas)
Se sugiere la cena con comida típica y
pernoctar en Sayula en La Casa de los Patios.
2) Escenarios culturales para el segundo día
Se sugiere desayuno típico en Sayula.
a) Recorrido en San Gabriel: en el recorrido de
Sayula a San Gabriel se sugieren referencias
a lugares mencionados en las obras de Juan
Rulfo: Apango, Apulco, etc.; visita a Apango.
Vista del Llano Grande, vista a Puerto Los
Colimotes, visita al Centro Histórico de San
Gabriel, pinturas de Enrique Trujillo y esculturas
del Señor de la Misericordia de Amula; visita
a la casa donde vivió Juan Rulfo; visita casa
donde vivió José Mojica, sacerdote, compositor
y cantante; visita a las piedras con petroglifos;
visita a Telcampana; visita a la ex hacienda
de Apulco donde Juan Rulfo vivió parte de su
infancia. Se pueden visitar si se coincide en
tiempo, las Fiestas del Señor de Amula que se
celebra del 11 al 19 de Enero de cada año, las
fiestas del Señor de la Misericordia (tiempo
estimado: 6 horas).
Se sugiere comer y cenar la comida típica
del lugar, así como pernoctar en San Gabriel.
José G. Vargas Hernández
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013330
3) Escenarios culturales para el tercer día
a) Recorrido por Tolimán, y Zapotitlán de Vadillo
Se sugiere desayunar en Tolimán.
Visita al Cerro Encantado y al Petacal; vista
de la Media Luna; visita al Museo en Tolimán;
visita a los Murales del Templo de la Asunción.
Si se coincide del 6 al 15 de Agosto, se
puede participar la fiesta de Nuestra Señora
de la Asunción, para apreciar sus danzas y
tradiciones. Se sugiere comida típica.
Visita al Centro Histórico de Zapotitlán de
Vadillo. Se sugiere presentación de poemas y
leyendas que abundan en el folclore de este
lugar, como la del Cerro Chino. Si se coincide
en tiempo se puede participar de la Fiestas a la
Virgen de Guadalupe del 1 al 15 de Enero y las
fiestas de María Magdalena celebrada el 22 de
julio, el día de la festividad religiosa sacan en
procesión la imagen por las calles adornadas
del pueblo, desfilan carros alegóricos, música y
danza.
Regreso a Cd. Guzmán, termina circuito
turístico cultural.
Circuito de turismo cultural “En la fi esta eterna”
Municipios que comprende el recorrido: Tonila,
Túxpan y Zapotiltic.
1) Escenarios culturales
Recorrido por el municipio de Tonila: Desayuno
y visita en la Ex hacienda La Esperanza, visita
Templo Parroquial de Tonila que es una réplica
de estilo colonial utilizándose cantera labrada
para su construcción; cuenta con reloj suizo
considerado entre los pocos de su género;
templo de San Marcos, modernista con motivos
barrocos y bizantinos. Si se coincide en tiempos,
se puede participar de las fiestas religiosas en
honor de la Virgen de Guadalupe se celebran
del 3 al 12 de diciembre, en la cabecera
municipal y en San Marcos (tiempo estimado:
tres horas).
Recorrido por el municipio de Túxpan: visita
al Centro Histórico de Túxpan; vista de la Cruz
Atrial que data de Siglo XVI y visita al templo
parroquial; visita a la Casa Indígena, muestra
de comida típica de Túxpan (La Cuaxala);
celebración de la boda indígena en la que los
contrayentes visten hermosa y complicada
indumentaria; presentaciones de danzas
indígenas de Chayacates y Paixtles; por la
tarde visita al Museo Melquiades Rubalcaba.
Si coincide en fechas, los visitantes podrán
participar en el Concurso Regional de Sonajeros
que se efectúa del 23 al 31 de mayo y que
coincide con las fiestas patronales del Señor
del Perdón (tiempo estimado: 4 horas).
Recorrido por el municipio de Zapotiltic: visita
al Centro Histórico de Zapotiltic; visita al
templo de la ex hacienda de Huescalapa. Si
coinciden las fechas con las fiestas del Señor
del Perdón en las primeras dos semanas del
mes de mayo, los visitantes pueden participar.
Circuito Turístico Cultural
Municipios que comprende el recorrido:
Gómez Farías, Atoyac, Teocuitatlán, Techaluta,
Amacueca.
1) Escenarios culturales
Municipio de Gómez Farías: visita al Centro
Histórico de San Sebastián; visita a la Casa del
Artesano (artesanías del tule); participación
Desarrollo regional y sustentabilidad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013 331
en talleres artesanales. Los visitantes pueden
participar si coinciden con las fiestas de la
Candelaria el 2 de febrero, las Fiestas de San
Andrés del 20 al 30 de noviembre y las fiestas
de la Virgen de la Refugio el 4 de julio (tiempo
estimado: 1 hora).
Municipio de Atoyac: visita al Centro Histórico
y vista a las pinturas de Pintura. Cuadro de
Antonio Castellón, pintado por Zamarripa
en 1968. Visitas a Centros Artesanales
de cinturones, participación en talleres
artesanales... Si coincide en fechas, los
visitantes pueden presenciar la Fiesta de la
Salud celebrada el viernes de Cuaresma, y el
Carnaval que se realiza en el mes de febrero
(visita estimada en una hora).
Municipio de Teocuitatlán de Corona: visita
a la ex hacienda de San José de Gracia y
el Panteón Indígena. Se recomiendan dar a
conocer las leyendas en torno a estos dos
escenarios. Visita al Centro Histórico de
Teocuitatlán, visita a centros de artesanías de
sarapes y a coleccionista de antigüedades. Si
coincide en las fechas en que se visita el lugar,
se puede presenciar las Fiestas de la Virgen de
Guadalupe del 1 al 12 de diciembre (tiempo
estimado: 3 horas).
Se sugiere la comida típica en algún
restaurant de Teocuitatlán.
Municipio de Techaluta: visita al Palacio
Municipal que data de 1878. Si se coincide
en tiempo, los visitantes pueden presenciar
y participar en los festejos más importantes
en el municipio que son la feria taurina
que se celebra del 9 al 16 de septiembre;
las festividades religiosas en honor a San
Sebastián Mártir que tienen lugar del 11 al 20
de enero; y la Feria Anual de la Pitaya durante
cada mes de mayo aproximadamente del 8 al
15 (tiempo estimado: una hora).
Municipio de Amacueca: visita al Centro
Histórico de Amacueca; visita a las ruinas del
convento franciscano, construcción del siglo
XVII con fachada de columnas salomónicas y
retablo dorado. Visita al Dulce Nombre de Jesús,
escultura tallada en madera del Siglo XVI. Si
se coincide en las fechas se puede participar
en las ferias taurinas en el tercer domingo de
enero, las fiestas del Dulce Nombre de Jesús el
8 de enero y el carnaval que se lleva a cabo en
el mes de febrero.
Circuito turístico cultural
Municipios que comprende el recorrido:
Zacoalco de Torres, Atemajac de Brizuela,
Tapalpa.
1) Escenarios culturales
Zacoalco de Torres: visita al Centro Histórico de
Zacoalco de Torres; visita a centros artesanales
de equipales, participación en tal leres
artesanales, representación de boda indígena.
Si hay coincidencia en las fechas, los visitantes
pueden presenciar las Fiestas a la Virgen de
Guadalupe el 12 de enero, al Señor de la Salud
el 6 de agosto, y las fiestas de san Francisco de
Asís el 14 de octubre (tiempo estimado: tres
horas).
Atemajac de Brizuela: visita al Centro Histórico
de Atemajac de Brizuela. Si hay coincidencia de
fechas, los visitantes pueden participar en las
fiestas de Nuestra Señora de la Defensa del
6 al 9 de septiembre, la romería de la Virgen
de la Defensa el 7 y 8 de octubre y las fiestas
patronales de San Bartolomé el 24 de agosto.
José G. Vargas Hernández
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013332
Se sugiere comer en este lugar la comida típica,
borrego al pastor con ponche y dulces de
conservas de frutas.
Tapalpa: visita al Centro Histórico de Tapalpa,
población típica de montaña; visita a la Capilla
de la Soledad; visita a la Casa de la Cultura
(Parroquia de San Antonio de Tapalpa); templo
de Juanacatlán y Templo de Nuestra Señora
de la Merced; visita al centro de artesanías de
papel maché; visita al Hostal de la Casona del
Manzano; visita a la Casa del Agua; visita a la
Capilla de la Purísima; visita a la capilla de la
Soledad.
Estrategias de desarrollo empresarial del turismo cultural
1) Mejorar la coordinación de los diferentes
factores que intervienen en la actividad de los
programas de desarrollo, la comercialización, la
participación en la conservación y mejora del
patrimonio cultural en las áreas: intersectorial
e interdisciplinario;
2) mejorar los mecanismos de formación de
recursos humanos;
3) facilitar el desarrollo de las pequeñas y
medianas empresas y servicios de alimentos
para fortalecer el sistema en su conjunto;
4) fortalecer el vínculo de la acción de las
empresas con la conservación y mejora del
patrimonio cultural;
5) alentar a las empresas a proporcionar
información a los turistas sobre las actividades
culturales que existen en el destino, y
establecer programas de sensibilización para
el cuidado del patrimonio y el respeto por las
costumbres locales;
6) promover y utilizar el turismo cultural
para diferenciar las instalaciones turísticas
existentes, la apertura de nuevas oportunidades
de mercado;
7) diversificar los mecanismos de promoción
y segmentos de mercado con un interés en la
cultura;
8) el aprovechamiento de los elementos de
identificación cultural de cada región para
aumentar la diferenciación de las empresas
mexicanas en los mercados nacionales e
internacionales;
9) promover el uso de tecnología sostenible
(energías alternativas, reciclaje, etc.).
Conclusiones y recomendaciones
La Región Sur de Ja l isco cuenta con
importantes elementos y recursos potenciales
identificados como oportunidades y fortalezas
para facilitar el desarrollo y la promoción como
destino turístico cultural. Este documento
identifica la necesidad de un marco teórico
para el diseño de un modelo normativo de
la política de turismo cultural sostenible en
la Región Sur del Estado de Jalisco, México.
Los grupos de interés en el turismo cultural
y proveedores en el Sur de Jalisco se pueden
beneficiar de la aplicación de un modelo
normativo para promover el desarrollo
económico regional a través de la creación de
empleo y alivio de la pobreza.
Un modelo normativo para el turismo
cultural requiere de la participación activa
Desarrollo regional y sustentabilidad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013 333
de los actores turísticos, las empresas, los
organismos gubernamentales y la comunidad,
desde la fase inicial hasta la implementación
de un programa para el desarrollo del potencial
como destino de turismo cultural. El diseño e
implementación de programas de patrimonio
cultural y turismo deben promover, preservar
y mejorar la cultura de las comunidades,
folclore, artes, artefactos, etc. La participación
activa de todos los interesados en el turismo
cultural, las agencias gubernamentales y las
comunidades locales en los procesos de toma
de decisiones, no sólo legitima las actividades,
sino que proporciona la experiencia y de
puesta a tierra para diseñar e implementar las
estrategias para perseguir la eficacia de las
políticas de turismo cultural (Blench, 1999)
y promover el turismo cultural responsable,
sostenible y sustentable.
El modelo normativo establece una
serie de criterios normativos como un enfoque
funcional para lograr un turismo cultural en
el Sur de Jalisco. Las variables identificadas
en el modelo normativo como debilidades,
fortalezas, oportunidades y amenazas pueden
ayudar a los agentes del turismo, agencias de
gobierno, las empresas y la comunidad en su
conjunto, para diseñar y desarrollar productos
culturales y servicios turísticos y las ofertas
para los turistas nacionales e internacionales
que participan en la vida cultural mercado.
Cualquier desarrollo o promoción de un
producto de turismo cultural tiene que estar
bien diseñado y ejecutado sobre la base de las
políticas de turismo cultural existentes.
Un enfoque permanente hacia la práctica
del desarrollo sustentable del patrimonio
cultural y el desarrollo es un requisito para
derramar los beneficios sobre y para las
comunidades locales. El turismo cultural trae
los mejores beneficios para el desarrollo
de una comunidad local después de una
implementación efectiva de las políticas de
turismo cultural. La eficacia de las políticas
de turismo cultural debe ser evaluada. Las
comunidades locales deben tratar de gestionar
los recursos de turismo cultural, mientras que
se busca su vinculación con el desarrollo y el
crecimiento económico.
El gobierno local y municipal juega un
papel importante en cuanto al turismo cultural
para la Región del Sur de Jalisco. Por otra parte,
la planificación, el desarrollo, la promoción,
la comercialización y la aplicación de estos
productos y servicios se pueden sostener el
turismo cultural como una actividad económica
sustentable que puede mejorar el nivel de vida
de los habitantes del Sur de Jalisco.
El diseño y desarrollo de un modelo
normativo es concomitante a un conjunto
de recomendaciones para la implementación
de un turismo cultural en el Sur de Jalisco. El
turismo cultural debe ofrecer un valor intrínseco
para el consumo turístico al tiempo que añade
valor a los recursos locales de turismo cultural.
El turismo cultural debe ofrecer soluciones para
satisfacer las expectativas de los turistas con
experiencias memorables. El turismo cultural
en el Sur de Jalisco puede ser una herramienta
de desarrollo para la creación de mejores
condiciones de empleo, las oportunidades para
el desarrollo económico y el mejoramiento de
los estándares de vida de las personas que viven
en las comunidades. Las recomendaciones que
aquí se ofrecen son sólo un intento de cambiar
la situación disfuncional actual en un sistema
eficiente de gestión del turismo cultural basado
en un modelo normativo.
José G. Vargas Hernández
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013334
El desarrollo del tur ismo cultural
requiere atracciones de patrimonio cultural
con el f in de alcanzar los objetivos y la
preservación del patrimonio cultural tangible
e intangible. El ámbito de turismo cultural
para el Sur de Jalisco puede incluir el turismo
étnico y el turismo histórico, que comprenden
la obser vac ión , la par t ic ipac ión y e l
intercambio de expresiones culturales y estilos
de vida, la danza y la interpretación musical,
ceremonias religiosas, exposiciones de artes
visuales, monumentos, sitios para visitar y
edificios, etc. Iniciativas de turismo cultural
que puede tener éxito en la consolidación
de la "mirada" de la etnografía si se diseña
y desarrolla itinerarios turísticos relacionados
con experiencias de vida e interactiva en la
vida real en los municipios y casas de cultura
o centros.
El turismo cultural en el Sur de Jalisco
puede ser una oportunidad para que las
comunidades locales puedan comercializar
y promocionar en el extranjero períodos de
experiencia, fiestas para compartir y asimilar
los valores culturales y experiencias de vida
aprovechando las condiciones favorables del
clima y el paisaje natural de gran belleza.
El diseño de las rutas de turismo cultural es
importante, con el apoyo de la necesidad de
mejorar la infraestructura. Para facilitar la
promoción y comercialización del turismo
cultural en el Sur de Jalisco, se requiere el
fácil acceso a un sistema de gestión de la
información turística.
Los centros locales de información
turística en los municipios tienen un papel
importante en la difusión, orientación y
asistencia a los visitantes, haciendo que
los productos y servicios sean disponibles
y con responsabilidades significativas para
compartir con los guías y operadores turísticos.
Además de las funciones desempeñadas
por las comunidades, los propietarios de
las instalaciones, y los demás agentes
económicos y actores sociales y políticos son
de vital importancia que se involucren en
estos asuntos. Con respecto al desarrollo,
mantenimiento, promoción y comercialización
del turismo cultural en la Región Sur de
Jalisco, es vital para diseñar, formular y aplicar
una política pública de decisiones.
Este trabajo sobre el turismo cultural
se ocupa de la escasez crítica de recursos,
la infraestructura y las habilidades entre los
agentes del turismo, negocios, profesionales,
comunidades, y ofrece algunas estrategias
como recomendaciones para mejorar el
mercado regional con nuevos productos
y servicios culturales. Una diferenciación
entre el turismo cultural y el desarrollo
de los recursos de producción cultural es
esencial para el diseño e implementación de
estrategias de turismo cultural.
La implementación de un modelo
normativo conduce al desarrollo de la
infraestructura turística cultural, la mejora
de las capacidades empresariales de la
comunidad, la creación de oportunidades
para atraer a los inversores extranjeros y los
organismos de financiación, el diseño y la
implementación de estrategias de marketing
y promoción, todos ellos lo cual puede
contribuir al desarrollo económico regional del
Sur de Jalisco.
El fomento del turismo cultural en el
Sur de Jalisco tiene un impacto positivo en
el desarrollo de la infraestructura, la oferta
de productos y servicios diversificados en
Desarrollo regional y sustentabilidad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013 335
el mercado del turismo cultural, la creación
de empleo, el desarrollo de las capacidades
empresariales de la comunidad, la mejora
de las condiciones de vida, pero lo más
importante, el modelo normativo del turismo
cultural tiene un impacto en el marco espacial
para la sostenibilidad del turismo cultural
en los sitios y atracciones culturales y el
desarrollo económico de las comunidades,
y por lo tanto con la creación de empleo y
mejorar los niveles de vida de la gente.
Este análisis puede ser el punto de
partida para futuras investigaciones sobre el
patrimonio cultural y el desarrollo del turismo,
el marketing y la promoción en la Región del
Sur de Jalisco.
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Texto recebido em 4/nov/2010Texto aprovado em 15/dez/2010
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense: identifi cando
problemas ambientais a partirdas demandas ao Ministério Público
Sustainability and environmental justiceat Baixada Fluminense: identifying environmental
problems based on the demands to the Public Prosecutor
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
ResumoO presente artigo pretende demonstrar, através
do resultado de levantamento de pesquisa desen-
volvida no âmbito do Ministério Público de Nova
Iguaçu, que a região da Baixada Fluminense, já
reconhecida como uma zona de sacrifício dentro
da metrópole do Rio de Janeiro, tem uma popula-
ção que sente seus problemas ambientais a partir
de questões ligadas justamente à pobreza, à falta
de condições básicas de infraestrutura urbana, e
ao acúmulo de atividades econômicas poluentes
naquele território. E que este sentir da população
parece demonstrar a inju stiça ambiental que incide
naquele espaço territorial, fruto de políticas públi-
cas mais relacionadas a omissões do que a ações.
Nesse quadro, para que haja sustentabilidade so-
cioambiental, é preciso urgentemente reverter tal
situação.
Palavras-chave: problemas ambientais; Baixada
Fluminense; justiça ambiental; Ministério Público;
sustentabilidade socioambiental.
AbstractThe present article intends to demonstrate, through the result of research developed with the Public Prosecutor of the municipality of Nova Iguaçu, that the Baixada Fluminense region, already recognized as a sacrifi ce area within the metropolis of Rio de Janeiro, has a population that feels its environmental problems based on issues related to poverty, to absence of basic conditions of urban infrastructure, and to the accumulation of pollutant economic activiti es in that territory. This feeling of the population seems to demonstrate the environmental injustice that occurs in that territorial space as a result of public policies that are more related to omissions than actions. In this scenario, in order to have environmental sustainability, this situation must be reversed urgently.
Keywords: environmental problems; Baixada Fluminense Region; environmental justice; Public Prosecutor; social and environmental sustainability.
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
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Introdução
O que aqui se apresenta são resultados da
pesquisa Identificando os problemas ambien-
tais da Baixada Fluminense, desenvolvida no
grupo de pesquisa Direito e Justiça Ambiental
no âmbito do curso de Direito da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, em sua sede no
município de Seropédica. O projeto de pesquisa
teve como objetivo levantar e mapear os princi-
pais problemas ambientais de parte da Baixada
Fluminense, tendo como referência para aná-
lise os processos administrativos de natureza
ambiental que tramitam no Ministério Público
de Nova Iguaçu (MPNI), na 2ª Promotoria de
Tutela Coletiva, entidade responsável pela fis-
calização da aplicação e respeito à legislação
ambiental dos municípios de Nova Iguaçu,
Seropédica, Nilópolis, Japeri, Mesquita e Quei-
mados. O município de Itaguaí deixou de ser
competência da 2ª Promotoria de Nova Iguaçu
em março desse ano, sendo transferida para o
Ministério Público de Angra dos Reis, mas aces-
so a alguns processos antes dessa transferên-
cia foi possível.
Dessa forma, a pesquisa adotou metodo-
logia primordialmente quantitativa, e a técnica
aplicada foi a de levantamento documental:
semanalmente duas graduandas do curso de
Direito da UFRRJ passavam uma tarde na sede
do Parquet,1 anotando os principais dados dos
processos.2 Os resultados são facilmente iden-
tificáveis a partir de alguns gráficos e mapas,
nos quais se pode visualizar as demandas am-
bientais da região.
Para atingir nossos objetivos, os itens
levantados nos processos foram os seguin-
tes: número do processo antigo; número do
processo novo; data de início do processo;
matéria; local de ocorrência do fato; descrição;
qual(ais) era(m) a(s) parte(s) investigada(s); as
irregularidades; os pedidos; a maneira como os
pedidos eram fundamentados, segundo a legis-
lação em vigor; observações; e o resultado até
o momento.
Cumpre ressaltar que o levantamen-
to de processos na seara administrativa – os
chamados inquéritos civis (IC) – se deu por
ser de mais fácil acesso dentro da instituição
do que os processos judiciais que estariam em
andamento nas Varas Judiciais de cada um dos
municípios estudados. Essa opção traz duas
consequências de natureza metodológica e in-
flui diretamente nos resultados que a pesquisa
apresenta. Primeiramente, o levantamento é
feito enquanto o problema está sendo apurado,
em fase ainda inicial, o que significa que não
há uma preocupação com os resultados dos
processos,3 mas com os problemas em si, tal
como são percebidos pela população que vem
ao MPNI denunciá-los. Nesse sentido, toma-
mos como referência a afirmação de Le Prestre
(2000, p. 24) de que “(...) a noção de problema
ambiental se coloca no âmbito da escolha. Um
problema ambiental não existe senão através
do impacto que provoca em certos grupos ou
atores. Ou seja, através da maneira como é
percebido por estes (...)”. Dessa forma, o que
chamamos aqui de “problema ambiental” se
caracteriza mais num sentir da população acer-
ca de seu drama ambiental.
Logo, em segundo lugar, por conta do
levantamento estar sendo feito em autos que
ainda tramitam, corremos o risco de que es-
sa percepção, esse sentir, não ser realmente
um problema pelo viés jurídico. Queremos di-
zer com isso que a percepção dos malefícios
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
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ambientais pode não ser necessariamente
uma irregularidade jurídica. Tomemos como
exemplo o caso da poluição sonora: para o
Direito, a emissão de ruídos somente é ilegal
se superior aos níveis aceitáveis pela norma
NBR 10151. Ou seja, a população pode estar
incomodada com determinado ruído que, pe-
la norma jurídica, é um padrão aceitável. Há
nisso, portanto, um risco: de o sentir não ser
necessariamente ilegal.
Como primeira referência de análise,
adotamos a distinção que a doutrina jurídica
faz sobre as diferentes categorias constitu-
cionais de “meio ambiente”. A primeira a ser
constatada é o meio ambiente denominado
físico ou natural, que é constituído pela flo-
ra, fauna, solo, água, atmosfera, incluindo os
ecossistemas. Tal categoria encontra escopo
no art. 225, §1º, I, VII da Constituição Federal.
A segunda forma pela qual o meio ambiente é
classificado é em âmbito cultural, constituído
pelo patrimônio cultural, artístico, arqueológi-
co, paisagístico, manifestações culturais, po-
pulares, tendo por base o art. 215, §1º e §2º da
Carta Magna da República. Há ainda o meio
ambiente artificial ou urbano, que é o conjunto
de edificações particulares ou públicas, prin-
cipalmente urbanas, cuja base constitucional
está nos art. 182, 21, XX e o art. 5º, XXIII. Por
fim, o meio ambiente do trabalho, que é consi-
derado o conjunto de condições existentes no
local de trabalho relativos à qualidade de vida
do trabalhador, e que encontra referência na
Constituição Federal em seu art. 7º, XXXIII e
art. 200.4
Outra referência é a divisão dos proble-
mas ambientais por sua natureza, adotando a
referência que Alier faz aos movimentos am-
bientalistas (conservacionismo, ecoeficiência e
justiça ambiental). Dessa forma, elegemos três
categorias para análise: numa primeira verten-
te, os problemas podem ser definidos como
“conservacionistas”, quando o problema se dá
em ambientes naturais, como rios, águas, ma-
nanciais, Áreas de Proteção Ambiental (APAs),
Áreas de Preservação Permanente (APPs), Re-
serva Legal (RLs), ainda que por interferência
da ação humana. Uma segunda natureza seria
de “problemas relacionados ao desenvolvi-
mento de atividades econômicas”, incidente
em casos em que a legislação ambiental ou
urbanística é descumprida, ou ignorada, pelo
empresariado, consumidores ou proprietários,
ou seja, desde que haja uma forte conotação
econômica/patrimonial em jogo. Criamos a
categoria “outros” quando não conseguimos
enquadrar o problema levantado em nenhuma
das duas anteriores.
O uso do solo na Baixada Fluminense
A Baixada Fluminense compõe-se dos se-
guintes municípios: Duque de Caxias, Nova
Iguaçu, São João de Meriti, Nilópolis, Belford
Roxo, Queimados e Mesquita, todos ao norte
da cidade do Rio de Janeiro. Alguns estudiosos
também incluem Magé e Guapimirim (a leste),
Japeri, Paracambi, Seropédica e Itaguaí (a oeste
e noroeste).
A ocupação da localidade se dá partir
do século XVIII, mas somente no início do sé-
culo XX, com obras de drenagem realizadas
em toda a região, é que os migrantes, bus-
cando melhores condições de vida na capital
Rio de Janeiro, ocuparão aquele espaço, que
se caracterizará como periférico dentro da Re-
gião Metropolitana.
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
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A área tem uma concentração industrial
maciça, com a presença de grandes e polui-
doras empresas em toda a região. Somen-
te para citar algumas, Duque de Caxias tem
o maior parque industrial do Estado, tendo
empresas cadastradas como Texaco, Shell, Es-
so, Ipiranga, White Martins, IBF, Transportes
Carvalhão, Sadia, Ciferal, entre outras, além
de uma das maiores refinarias da Petrobrás,
a Reduc. O município de Queimados conta
com um distrito industrial (DI), assim como
Xerém, em Caxias. Nova Iguaçu tem fábricas
como a Granfino, Embelleze, muitas indústrias
químicas e indústrias que trabalham com aço
e metal. As pedreiras e a extração de areia
também foram e são as principais atividades
econômicas da região, sobretudo em Itaguaí
e Seropédica. Por conta desse uso industrial
do solo, a Baixada é conhecida como zona
de sacrifício, expressão “utilizada pelos mo-
vimentos de justiça ambiental para designar
localidades em que se observa uma super-
posição de empreendimentos e instalações
responsáveis por danos e riscos ambientais”
(Viega, 2006, p. 4). Além disso, o Distrito In-
dustrial de Santa Cruz, bairro da cidade do Rio
de Janeiro, maior área industrial da capital, é
vizinho a Itaguaí e Seropédica.
É nessa área também que se localizava
o lixão de Jardim Gramacho (Duque de Ca-
xias); outros lixões existiam também em di-
versos outros municípios da região (Itaguaí,
Seropédica, Japeri, Nova Iguaçu), onde agora
se constroem diversos aterros sanitários, re-
forçando a lógica do sacrifício ambiental por
parte da população residente.
No entanto, a localidade se caracteriza
também por suas áreas verdes. Podemos de-
monstrar tal afirmativa pela presença da Re-
serva Biológica do Tinguá, em Nova Iguaçu, a
Floresta Nacional Mário Xavier em Seropédi-
ca, Parques Municipais da Taquara (Duque de
Caxias), de Nova Iguaçu, APA de Guapimirim,
Parque Natural Municipal do Curió (Paracam-
bi), APAs da Bacia do Guandu, Caixa d´água
e Gericinó-Mendanha. Existem ainda trinta e
cinco rios que deságuam na Baía de Guanaba-
ra, aquíferos, mananciais hídricos e mesmo a
maior estação de tratamento de água do mun-
do, que fica em Seropédica.
Dessa forma, a questão ambiental na re-
gião aparece tanto em ações conservacionistas,
relacionadas a espaços protegidos, como em
conflitos oriundos da atuação das empresas
poluidoras de rios, solos e ar, afetando a saúde
e a qualidade de vida da população do entorno,
ou numa atuação tipicamente contrária às nor-
mas jurídicas ambientais.
Adotando essa linha de ideias como pre-
missa, o presente artigo pretende demonstrar
que a região da Baixada Fluminense, já reco-
nhecida como uma zona de sacrifício dentro da
metrópole do Rio de Janeiro, tem uma popu-
lação que sente seus problemas ambientais a
partir de questões ligadas justamente à pobre-
za, à falta de condições básicas de infraestru-
tura urbana, e que tal posição parece ser refor-
çada neste momento a partir de algumas obras
que têm reconfigurado todo o espaço metro-
politano e que tendem a jogar para a Baixada
mais poluição e degradação, reforçando a in-
justiça ambiental já configurada naquela área.
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
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Principais referências conceituais
Desenvolvimento Sustentável
A crise ambiental tem levado as sociedades a
repensarem seus padrões de produção e consu-
mo. A perspectiva de falta de recursos naturais
para a continuação do modelo de desenvolvi-
mento e progresso adotado pela maioria dos
países ricos nos conduziu à criação de novos
paradigmas, sendo o desenvolvimento susten-
tável o principal deles.
O desenvolvimento sustentável, um dos
princípios mais importantes do Direito Ambien-
tal, é o marco referencial, início e fim de toda
política pública num Estado de Direito Ambien-
tal. O relatório Brundtland, produzido após a
Conferência de Estocolmo (1972) pela Comis-
são Mundial para o Meio Ambiente e Desen-
volvimento, presidida pela primeira-ministra da
Noruega, foi o primeiro documento que divul-
gou e instituiu o conceito de desenvolvimento
sustentável:
O desenvolvimento que procura satis-fazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gera-ções futuras de satisfazerem as suas pró-prias necessidades, significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atin-jam um nível satisfatório de desenvolvi-mento social e econômico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os ha-bitats naturais.
Como o conceito é muito aberto, e pre-
tende ser prático, operacional, ele tem sido
interpretado por diferentes atores sociais, se-
gundo suas respectivas imagens e interesses.
Portanto, ambientalistas numa linha preserva-
cionista tendem a defender uma quase paralisa-
ção de exploração da natureza, enquanto eco-
capitalistas querem conciliar desenvolvimento
econômico com equilíbrio ambiental, vendo no
surgimento do problema ambiental um novo
mercado de atuação, propondo mecanismos de
produção mais “limpos”, reduzindo as “exter-
nalidades”, mas, inevitavelmente, explorando a
natureza, ainda que “racionalmente”.
Num enfoque jurídico, a interpretação
do conceito tem sido no sentido de que ele
procura agregar dois direitos fundamentais dos
povos: o direito ao desenvolvimento econômi-
co e o direito ao meio ambiente ecologicamen-
te equilibrado, visando garantir que as futuras
gerações tenham meios de sobrevivência tanto
quanto as gerações atuais. Essa leitura é bas-
tante dogmática e pouco crítica, uma vez que
não define que nível de desenvolvimento eco-
nômico se almeja (pois não pode ser o dos paí-
ses capitalistas ricos, responsáveis pela escas-
sez dos recursos naturais), tampouco aponta
como efetivamente chegar lá.
Na verdade, para que haja desenvolvi-
mento sustentável, da maneira que for, o próprio
Relatório Brundtland reconhece a necessidade
da construção de uma nova ordem econômica
mundial, baseada numa consciência ecológica e
numa postura ética da sociedade diante da pro-
dução e do consumo. Como nos ensina Hercula-
no (1992, p. 22), o desenvolvimento sustentável
pressupõe “um conjunto de mudanças-chave
na estrutura de produção e consumo, inverten-
do o quadro de degradação ambiental e miséria
social a partir de suas causas”.
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
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Logo, em termos de discurso das áreas
Humanas e Sociais, o desenvolvimento sus-
tentável torna-se também uma bandeira pe-
lo reconhecimento de direitos até então não
concretizados em muitos países pobres e para
muitas pessoas: desenvolvimento econômico
para todos pode, afinal, significar alimentação,
saúde, educação, moradia, trabalho e renda
dignos, aliados à vida num ambiente saudá-
vel e garantidos para todos (inclusive para as
gerações futuras). Contudo, é claro que essa é
uma interpretação extensiva do conceito, uma
vez que uma das críticas possíveis de se fazer
a ele é justamente o fato de não incorporar a
questão da desigualdade social. Nesse sentido,
vale citar a perspectiva colocada por Coutinho
(2004, p. 18):
A proposta de uma alternativa econômi-ca compatível com a preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibra-do tem os seus pressupostos em princí-pios físicos (termodinâmica), o seu ponto nodal no desenvolvimento sustentável, o seu sujeito numa genérica e abstrata “hu-manidade” e coloca a ética no lugar da política ou, na melhor hipótese, a política centrada numa ética universal que depen-deria, para se efetivar, de a “consciência ecológica” individual assumir a dimen-são de “cidadania coletiva”. Não se deve estranhar, portanto, a primazia analítica atribuída à “crise ambiental” e sua des-conexão das condições concretas da sua própria produção.
Logo, há nessa concepção, como aponta
o autor, uma boa dose de ingenuidade, uma
vez que acredita na redenção da humanidade
pela ética e em uma tomada de consciência
como condições suficientes para a mudança na
exploração do meio ambiente, abstraindo da
forma como as relações sociais são produzidas
no sistema capitalista. No entanto, é essa visão
que tem sido consolidada e em torno da qual
vem girando o consenso social, fazendo com
que diversas áreas científicas reformulem seus
projetos e visões de mundo, pois a sustentabi-
lidade se tornou “uma nova crença destinada
a substituir a ideia de progresso” (Acselrad,
1997, p. 1922)
Desta forma, a proteção ao meio am-
biente se tornou uma das principais referências
no debate de construção de diversas políticas
públicas, tanto no nível da Comunidade Inter-
nacional quanto internamente. Nesse sentido,
o Brasil é considerado um país com uma das
legislações mais avançadas do mundo, sendo
referência na área da proteção ambiental.
A Constituição Federal de 1988, a primei-
ra Constituição brasileira a dedicar um capítu-
lo inteiro ao tema meio ambiente, tem como
objetivo a promoção do bem de todos e se
fundamenta na dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, a Constituição tem como meta
criar uma sociedade livre, justa e solidária, o
que não será possível enquanto todas as pes-
soas não tiverem qualidade de vida. Portanto,
a defesa e a preservação do meio ambiente são
essenciais para que possamos atingir os objeti-
vos constitucionais. Dessa forma, a preservação
do meio ambiente é prioridade para a Consti-
tuição Cidadã.
Assim, a questão do desenvolvimento
regular das atividades econômicas na Baixada
Fluminense, levantadas pelo grupo de pes-
quisa, demonstra como o desenvolvimento
sustentável é um conceito que nada tem de
prático, e que ele não concilia, pelo menos até
aqui, o desenvolvimento econômico e a preser-
vação da natureza, mesmo porque a prática
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
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industrial é historicamente agressiva ao meio
ambiente e, no momento histórico em que vi-
vemos, a ideia de sustentabilidade ainda pre-
cisa ser mais bem incorporada ao imaginário
coletivo, e a prática sustentável precisa ser em-
piricamente construída.
Justiça ambiental
Além da questão das práticas sociais a serem
criadas para que se alcance o desenvolvimento
sustentável, o movimento por Justiça Ambien-
tal também tem sido uma referência sobre a
crise ambiental na perspectiva das áreas Hu-
manas e Sociais. Isso porque o conhecimento
nessas áreas tem como objeto central o ser hu-
mano em suas relações, e a preocupação com
uma sociedade mais justa e equânime tende a
ser um dos principais problemas para os profis-
sionais da área.
Assim, o movimento social e o conceito
normativo de Justiça Ambiental (Swyngedouw
e Cook) nos auxiliaram a fazer uma leitura crí-
tica sobre a natureza dos problemas ambien-
tais em uma zona de sacrifício, permitindo-nos
perceber que muitas vezes tais problemas não
são os mesmos das áreas privilegiadas da cida-
de (ou da Região Metropolitana). O conceito de
justiça ambiental se constitui na
[...] busca do tratamento justo e do en-volvimento significativo de todas as pes-soas, independentemente de sua raça, cor, origem ou renda no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, imple-mentação e reforço de políticas, leis e regulações ambientais. Por tratamento justo entenda-se que nenhum grupo de pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos, raciais ou de classe, deve suportar uma
parcela desproporcional das consequên-cias ambientais negativas resultantes de operações industriais, comerciais e muni-cipais, da execução de políticas e progra-mas federais, estaduais, locais ou tribais, bem como das consequências resultantes da ausência ou omissão dessas políticas. (Bullard apud Acselrad, 2004, p. 9)
Dessa forma, a percepção de que alguns
grupos sociais – como negros e pobres – con-
vivem com indústrias poluidoras e depósitos
de lixo, enquanto os brancos e ricos têm como
vizinhos parques e áreas de consumo dotadas
de equipamentos coletivos, sempre com toda
infraestrutura urbana necessária, deu origem,
nos Estados Unidos, ao movimento por maior
igualdade na distribuição espacial desses ris-
cos. O que se propõe é, na verdade, a incorpo-
ração da problemática dos riscos ambientais na
agenda política. Nesse sentido, o movimento
acrescenta ao problema da desigualdade so-
cioespacial o enfoque ambiental, buscando
demonstrar que diversas lutas ao redor do
mundo, e muito mais antigas que o próprio mo-
vimento, são lutas por justiça ambiental.5 Não
significa, portanto, a construção de uma nova
bandeira, mas, sim, que a questão da distribui-
ção desigual dos riscos e malefícios ambientais
deve ser levada em conta na formulação de di-
versas políticas públicas, sobretudo as sociais.
O movimento não se resume, entretan-
to, apenas à luta por maior igualdade na
ocupa ção do espaço urbano saudável e estru-
turado, demandando também: a) uma real
participação, justa e democrática, das comu-
nidades atingidas pelos malefícios ambien-
tais no processo decisório, ou seja, é preciso
superar formalismos (como as Audiências Pú-
blicas) e garantir que todos sejam realmente
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013346
ouvidos e tenham suas posições levadas em
conta; b) o reconhecimento de que as políticas
urbanas e ambientais são formuladas em des-
respeito a determinados grupos, tais como ne-
gros, pobres ou mulheres, provavelmente por
conta de sua ausência de voz e peso político,
entre outros fatores, reconhecendo que são
esses grupos minoritários que suportam as in-
justiças ambientais; c) o restabelecimento dos
recursos e das capacidades necessárias para
formar e manter uma comunidade saudável,
e, quem sabe, sustentável, superando os im-
pactos ambientais negativos que muitas vezes
destroem comunidades de pescadores, índios,
etc. (Pereira, 2012).
Outras duas categorias: o espaço e os confl itos socioambientais
O espaço, como categoria da Geografia, é en-
tendido como produto das atividades humanas
em suas relações intersociais e também na in-
teração com a natureza. O espaço, que para o
Direito é solo, lugar onde se desenvolve toda
forma de vida, é percebido como resultado
material e simbólico dos desejos, sonhos, po-
líticas e técnicas que o homem aplica em sua
atuação cotidiana. Assim o conceitua Santos
(1991, p. 58):
O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos espaciais, e, de outro, a vida que os pre-enche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento. O conteúdo (da socie-dade) não é independente da forma (os
objetos geográficos), e cada forma en-cerra uma fração do conteúdo. O espaço, por conseguinte, é isto: um conjunto de formas contendo cada qual frações da sociedade em movimento.
Dessa forma, o espaço é resultado da in-
tervenção humana, e a intervenção humana é
sempre em certo espaço, e isso não foi esque-
cido pelo grupo de pesquisa. Ao pesquisarmos
o espaço da Baixada Fluminense, temos como
premissa de que ele é permanentemente cons-
truído através e a partir de um jogo de interes-
ses, nem sempre claro e transparente, em que o
sistema capitalista e sua racionalidade atuam
como mola propulsora. Ao mesmo tempo, ele
é fruto das atividades que ali se desenvolvem,
e assim, a alta densidade industrial, a pobreza
urbana e os riscos ambientais presentes nesse
espaço não são fortuitos, mas consequências
do agir humano.
Nesse sentido, pensamos a Região Me-
tropolitana do Rio de Janeiro como um territó-
rio: um espaço onde os grupos sociais se orga-
nizam, ocupando-o e utilizando-o, construindo
suas próprias percepções subjetivas. Há no
espaço do território uma série de territorialida-
des, na medida em que o sentido e a percep-
ção desse variam em suas dimensões políticas,
econômicas, culturais, sociais e simbólicas para
cada grupo social.
Também não perdemos de vista o fa-
to de que em tempos de globalização, vem
ocorrendo sistematicamente novos arranjos e
reconfigurações dos espaços metropolitanos,
com atores que decidem o uso do território às
vezes muito distantes desse, conforme explicita
Harvey (2005, p. 171):
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013 347
[...] o poder real de reorganização da vida urbana muitas vezes está em outra parte, ou, pelo menos, numa coalizão de forças mais ampla, em que o governo e a administração urbana desempenham apenas papel facilitador e coordenador. O poder de organizar o espaço se origina em um conjunto complexo de forças mo-bilizado por diversos agentes sociais. É um processo conflituoso, ainda mais nos espaços ecológicos de densidade social muito diversificada.
Em nosso caso, sabemos que a produção
do espaço metropolitano fluminense gerou
uma série de periferias, de cidades-dormitório,
de zonas de sacrifício. Estudos apontam que
cerca de 800 mil pessoas trafegam diariamente
pelos municípios da região, que têm alto grau
de integração, indo e voltando do trabalho ou
estudo, fazendo um movimento pendular peri-
feria – núcleo urbano – periferia.
Ocorre que, com a frequente competi-
ção entre as cidades para atrair investimentos
e gerar empregos nessa sociedade global, os
governos abandonaram o administrativismo e
aderiram a “uma postura empreendedora em
relação ao desenvolvimento econômico” (Har-
vey, 2005, p. 167). Como explica Harvey (2005,
p. 170):
A condição capitalista é tão universal que a concepção do urbano e da “cida-de” também se torna instável, não por causa de alguma definição conceitual deficiente, mas exatamente porque o pró-prio conceito tem de refletir as relações mutáveis entre forma e processo, entre atividade e coisa, entre sujeitos e objetos. Assim, quando falamos da transição do administrativismo urbano para o empre-endedorismo urbano nessas últimas duas décadas, temos de reconhecer os efeitos
reflexivos de tal mudança através dos impactos sobre as instituições urbanas, assim como sobre os ambientes urbanos construídos.
Portanto, o espaço das cidades e regiões
metropolitanas sofre influências políticas, eco-
nômicas e sociais cotidianamente, sendo alvo
de planejamento, mas também de ações não
planejadas, sendo construído e reconstruído
todos os dias (Santos, 2009). Esse fenômeno
de reconstrução pode ser claramente percebi-
do na Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(RMRJ), que sofre um processo de requalifica-
ção de seu território a partir de algumas políti-
cas públicas que visam melhorar a mobilidade
e a integração entre os diversos municípios da
região, sobretudo por conta da cidade vir a se-
diar alguns jogos da Copa do Mundo (2014) e
as Olimpíadas (2016).
Assim, a Região Metropolitana do Rio
de Janeiro amplia sua zona de influência e ex-
pande suas fronteiras metropolitanas. Hoje, a
região metropolitana do Rio de Janeiro é com-
posta, segundo a Lei Complementar 105/02,
atualizada pela Lei Complementar 133/09 por
19 municípios, que são: Rio de Janeiro, Belford
Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itabo-
raí, Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis,
Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados,
São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica,
Tanguá e Itaguaí. Desses municípios, nenhum é
considerado rural, embora Guapimirim e Sero-
pédica apresentassem, em 2000, um percentual
de pessoas em domicílios rurais ainda significa-
tivo – 33% e 21%, respectivamente.
Logo, o que temos assistido é o traçado
de um novo desenho urbano para o centro do
Rio de Janeiro, a partir de projetos urbanos
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013348
como o Porto Maravilha, que tem como um
de seus objetivos tornar o porto central mais
ligado ao comércio e ao turismo, jogando para
o porto de Itaguaí (antigo Sepetiba) as ativida-
des portuárias típicas. Está sendo construído o
Arco Metropolitano do Rio de Janeiro (AMRJ),
com 145 km, maior obra financiada pelo PAC,
na nítida intenção de ligar o porto de Itaguaí
ao polo petroquímico de Itaboraí (também em
construção) e desafogar vias da cidade do Rio
por quem não precisa passar por ela.
E é nesse espaço que também surgem
os chamados conflitos socioambientais. O en-
trelaçamento dos direitos ao desenvolvimento
econômico e ao meio ambiente ecologicamen-
te equilibrado é bastante justificável em função
do atual estágio da sociedade de consumo, e
pode ser facilmente compreendido pela maio-
ria das pessoas. No entanto, sua prática não é
tão fácil, conforme já relatado. Isso porque é
imprescindível, para que haja sustentabilidade,
uma mudança significativa no modo de produ-
ção: as empresas e os países devem procurar se
desenvolver de maneira sustentada, utilizando
os recursos naturais, mas preocupando-se em
repô-los, se possível, ou preservá-los, se a repo-
sição não for possível.
Contudo, a maioria dos países (e das
empresas) ainda não conseguiu equacionar tal
questão, pois a legislação ambiental, por sua
natureza preventiva e protetiva, muitas vezes
freia o desenvolvimento normal das atividades
industriais, fazendo com que se coloque um
conflito inevitável entre a preservação do meio
ambiente e a atividade produtiva, o que en-
globa, além do empresariado, a própria classe
trabalhadora. Ora, os empresários querem con-
tinuar produzindo e lucrando, e assim resistem
às exigências da legislação, que estabelecem
maneiras menos agressivas e mais limpas (e
caras) de explorar a natureza. E os trabalhado-
res precisam manter seus empregos, muitas ve-
zes identificando políticas e fiscais ambientais
como inimigos. A própria sociedade tem tam-
bém demonstrado essa percepção em diversos
casos famosos: a preservação ambiental, ou a
prática sustentável (embora, em nosso sentir,
ainda não evidenciada), é uma prática vista
como impedimento ao “progresso”. Confome
ressalta Antunes (2004, p. 36):
A ambiguidade das normas jurídicas destinadas à proteção do meio ambien-te decorre, em grande parte, do fato de que elas existem como um compromisso entre o desenvolvimento das atividades econômicas que se utilizam de recursos ambientais – bens dotados de valor eco-nômico – e a sua preservação que, em última análise, busca reservá-los para posterior utilização.
Portanto, os conflitos socioambientais
são uma realidade mundial, e, embora não se-
ja teórico, o grupo da pesquisa esteve atento a
essa questão também.
Resultados obtidos
Em um ano de pesquisa foi possível o levan-
tamento e a sistematização de 105 processos,
sendo 101 inquéritos civis, três procedimentos
preparatórios e uma ação civil pública.6 O nú-
mero pode parecer pequeno; contudo, é im-
portante ressaltar que a enorme maioria dos
processos é extremamente volumosa, tendo em
média oito volumes, e que as visitas ao Parquet
são feitas apenas uma vez por semana por
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013 349
duas alunas de graduação que, até então, não
tinham intimidade no manuseio dos autos.
Categoria Constitucional de Meio Ambiente
Dos 105 processos, apenas dez podem ser ca-
tegorizados como problemas relacionados ao
meio ambiente natural.
Assim, por exemplo, foi denunciada a
possibilidade de maus tratos a animais, duran-
te a atividade de rodeio ocorrida durante a Ex-
poSeropédica, no município de Seropédica, em
ofensa a diversas normas constitucionais e in-
fraconstitucionais, sobretudo o art. 225, caput,
§1º,II e §4º da CF/88 e a Lei 10.519/02.
Outros dois casos referem-se a desmata-
mento/poluição em áreas de APP, um no muni-
cípio de Nova Iguaçu, em que a faixa marginal
de proteção e de represamento do rio Véu da
Noiva era desmatada dentro de propriedade
particular. O outro caso se referia a possível
dano ambiental, no município de Mesquita,
a partir do depósito irregular de resíduos da
construção civil na Bacia Hidrográfica do Sara-
puí. Também há um caso de terraplanagem em
uma APA, como também devastação de vege-
tação para extração mineral irregular.
Achamos dois casos de danos ao meio
ambiente cultural, que estão relacionados,
ironicamente, ao próprio desconhecimento
das prefeituras. No município de Mesquita a
parte investigada é justamente o município
que pretendia construir o Fórum da cidade
demolindo a Caixa D´Água da Fábrica Bras-
ferro, que parecia ser tombada pelo próprio
município, em uma aparente confusão admi-
nistrativa. O outro caso partiu da denúncia de
professores de História de Nova Iguaçu, que
viram a possibilidade de destruição de uma
torre da antiga Igreja Nossa Senhora da Pie-
dade, conjunto urbano tombado.
Todos os outros processos – noventa e
três – podem ser classificados como perten-
centes à categoria meio ambiente urbano, uma
vez que são problemas relacionados à vida nas
cidades e ao modo de vida urbanos.
Categoria constitucional de meio ambiente
Cultural1%
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013350
Problemas ambientais por sua natureza
Sob este enfoque, entendemos que apenas qua-
tro processos podem ser categorizados como
“conservacionistas”. O primeiro é o referente à
possibilidade de maus tratos aos animais par-
ticipantes de rodeio em Seropédica, uma vez
que, embora haja atividade econômica, a pre-
ocupação externada é com a saúde do animal,
não havendo uma condenação moral àquela
atividade econômica. Outro seria o desmata-
mento, em área particular, de faixa marginal
de rio, conforme relatado acima. Embora seja
possível que o desmatamento tenha ocorrido
para a realização de atividade econômica, não
é possível afirmar isso apenas pelos fatos nar-
rados nos autos. No processo em que há depó-
sito irregular de resíduos da construção civil na
Bacia Hidrográfica do Sarapuí fica claro que o
problema se dá a partir da atividade econômica
de construção civil, e, por isso, optamos por in-
cluí-lo na categoria “problemas relacionados ao
desenvolvimento de atividades econômicas”.
Além destes, enquadramos nessa categoria os
casos de devastação de vegetação e de minera-
ção em Área de Proteção Ambiental.
Em “outros” categorizamos 37 proces-
sos. Muitos têm relação com ocupação irregu-
lar do solo para fins de moradia por parte da
população pobre, não podendo tal ação ser
relacionada com atividade econômica. Há tam-
bém muitas denúncias ligadas a omissões ou
irregularidades do poder público na gestão de
obras, ou em processos de licenciamento, além
da característica marcante da Baixada Flumi-
nense, que é categoria em outra classificação:
a falta de infraestrutura administrativa das
prefeituras municipais. Exemplos típicos são os
seis inquéritos que investigam a estrutura da
Secretaria de Meio Ambiente em cada municí-
pio ou outros sete que interrogam acerca da
elaboração de Plano Municipal de Gestão de
Resíduos Sólidos, o que acaba por levar à falta
de infraestrutura urbana adequada. Assim, po-
demos apontar:
Problemas segundo natureza ambiental(ALIER)
Conservacionistas4%
Relacionadosao desenvolvimento
econômico59%
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013 351
Principais problemas ambientais
Identificar os problemas ambientais de maneira
específica consistiu em uma tarefa difícil, pois,
em geral, o problema ambiental se apresenta
de maneira complexa e integrada, sendo difícil
localizá-los em uma única categoria.
Tomemos como exemplo a questão da
ausência de saneamento básico. O Ministério
Público abriu três inquéritos civis para apurar
se os municípios de Mesquita, Nilópolis e Ita-
guaí dispunham de sistema de saneamento bá-
sico, solicitando aos mesmos que informassem
ao órgão, por meio de planilhas individualiza-
das por
áreas ou bairros integralmente dotados de sistema de saneamento básico, incluí-da a prestação de serviços de abaste-cimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas pluviais, consoante art. 3º da Lei 11445/07.
Ao mesmo tempo, o Parquet abriu seis
inquéritos civis para apurar se os municípios de
Seropédica, Nova Iguaçu, Nilópolis, Mesquita,
Queimados e Japeri elaboraram e implemen-
taram o Plano Municipal de Gestão Integrada
de Resíduos Sólidos, o que é um dos serviços
públicos de saneamento básico.
Além disso, existem dois casos de lotea-
mentos sem infraestrutura alguma, inclusive
abastecimento de água. Todos esses casos fo-
ram colocados como problemas de infraestru-
tura urbana.
O mesmo ocorre na investigação do ex-
cesso de poluição atmosférica lançada por uma
pedreira em Nova Iguaçu: além do lançamento
de partículas no ar, investigou-se se a empresa
possuía licença ambiental para tal extração, e,
ainda, se ela estava de acordo com o zonea-
mento urbano. Assim, acaba ocorrendo a inci-
dência de mais de um problema.
Dessa forma, é possível apontar os se-
guintes problemas ambientais:
Problemas ambientais
Falta de infraestrutura urbana – 29%
Poluição –31%
Funcionamento de empresa sem licença ambiental – 12%
Uso indevido do espaço público – 8%
Desmatamento de áreas protegidas – 5%
Falta de infraestrutura administrativa – 15%
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013352
Como “poluição” pode ser de diversos tipos, apontamos:
E, numa relação dos problemas com os municípios investigados:
Uso indevido do espaço público – 58%Falta de infraestrutura urbana – 16%
Falta de infraestrutura urbana e poluição – 23%
Falta de infraestrutura admnistrativa – 40%
Funcionamento de empresas sem licença – 37%Desmatamento e falta de infraestrutura administrativa – 15% cada
Falta de infraestrutura urbana e outros – 30% cada
Falta de infraestrutura urbana, poluição e funcionamentode empresas sem licença – 17% cada
Falta de infraestrutura administrativa – 27%
Poluição – 37%Falta de infraestrutura urbana – 21%
Falta de infraestrutura urbana – 33%Poluição – 41%Outros – 15%
LEGENDA
Seropédica
Nova Iguaçu
Queimados
Nilópolis
Itaguaí
Japeri
Mesquita
Mapa – Principais problemas por município
Fonte: desenho de Camila Borghezan.
Atmosférica
Por resíduos lançados em águas/esgotos
Por resíduos lançados no solo
Sonora
Poluição3%
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013 353
A partir dos quadros, é possível levantar
algumas conclusões. Primeiramente, é interes-
sante notar que os problemas relacionados à
poluição ocorrem nos municípios com maior
atividade industrial, sobretudo Nova Iguaçu. As
denúncias estão relacionadas, em sua maioria,
a atividades industriais ou comerciais. Relata-
mos algumas a seguir, apenas para ilustrar.
Em termos de poluição atmosférica, há
denúncia contra uma antiga pedreira que, em
sua atividade, lança um pó fino no ar, que entra
nos pulmões das crianças e adultos do entorno,
provocando diversas doenças respiratórias. Em
Nova Iguaçu, há também o caso de uma usi-
na de concreto que é vizinha à pedreira, fun-
cionando sem licença ambiental e gerando um
ar poluído que detona problemas respiratórios,
coceira e irritações nos moradores e na escola
municipal vizinha. O abaixo-assinado chegou
ao MP com 140 assinaturas. O detalhe é que
tanto a pedreira quanto a usina de concreto
estão em área não permitida pelo zoneamen-
to municipal, junto com uma usina de asfalto
mais duas de concreto.
Já a poluição sonora se relaciona a ativi-
dades comerciais. Em Seropédica, temos quatro
quiosques que foram investigados devido ao
som alto durante a noite. Contudo, os donos
informaram que são os clientes que, durante o
consumo de álcool, ligam o som de seus car-
ros, fato que eles entendem não poder impedir.
Relatam inclusive que a polícia é sempre cha-
mada, mas os consumidores abaixam o som e
voltam a aumentá-lo depois. Em Nova Iguaçu,
a denúncia é semelhante: barulho em uma
Piscina Bar, agravada a situação por questões
relacionadas ao armazenamento e acondicio-
namento dos alimentos e pelo descarte inade-
quado dos resíduos sólidos do restaurante.
O despejo de resíduos é uma questão
vital do século XXI, pois nosso modelo de con-
sumo acaba por produzir lixo em excesso: só
o município do Rio de Janeiro produz 9,5 mil
toneladas diárias, e dessas, 7,5 mil vão para
o aterro sanitário de Seropédica. Não é à toa
que a Política Nacional de Resíduos Sólidos
(Lei 12305/10) e a Lei Nacional de Saneamento
Básico (Lei 11445/07) foram sancionadas: pre-
cisamos equacionar essas questões. Na pesqui-
sa, os resíduos aparecem em muitos casos. Há,
por exemplo, lançamento de óleo e resíduos
de limpeza de fossa em galerias de drenagem
por uma Viação em Mesquita; despejo irregu-
lar de resíduos químicos, tanto em Nova Iguaçu
quanto Seropédica, por empresas de casas pré-
-fabricadas e químicas. Há ainda inquérito para
apurar se a empresa responsável pelo aterro
sanitário de Seropédica (em funcionamento há
pouco mais de um ano, recebendo atualmente
8 mil toneladas de resíduos domésticos por dia)
implantou um sistema de captação e tratamen-
to de biogás, que era uma das condicionantes
de sua Licença. Há caso também de armazena-
mento irregular de resíduos em um restaurante
em Nova Iguaçu, gerando proliferação de veto-
res e fortes odores na vizinhança.
Outra categoria de muita incidência é
a “falta de infraestrutura urbana”. Nesses
casos, aparecem principalmente situações
relacionadas à ausência de saneamento bá-
sico, em seu sentido amplo. O Ministério Pú-
blico cobra que os municípios elaborem Plano
Municipal de Saneamento Básico e também
Plano Municipal de Gestão Integrada de Re-
síduos Sólidos. Há também caso de um lo-
teamento clandestino em Queimados sem
nenhum tipo de equipamento urbano: escoa-
mento de águas pluviais, iluminação pública,
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
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esgotamento sanitário, abastecimento de
água potável, energia elétrica pública, vias de
circulação. A energia residencial, os morado-
res providenciaram. Em outro loteamento em
Nova Iguaçu, esse irregular e não clandestino,
não havia luz, água e nem asfalto.
Um caso que chama a atenção pela for-
ma como o MP relata a situação ocorre em
Seropédica. O Parquet define o caso como
“omissão do poder público”. Trata-se de falta
de saneamento, mas que gera risco de enchen-
tes e transbordamento de esgoto, ocorrendo a
proliferação de vetores, colocando em risco a
saúde da população. Outro caso curioso é a no-
tícia de desmoronamento de um muro, em No-
va Iguaçu, cujos escombros ainda estariam no
local, obstruindo a livre circulação de veículos e
pedestres da rua, impedindo o restabelecimen-
to da rede elétrica e a avaliação de danos a veí-
culos particulares. A questão é que o muro caiu
porque estava em local instável, não resistindo
à chuva forte.
Dessa forma, podemos perceber que
muitas vezes é a ausência de condições básicas
de vida que gera o “problema ambiental”. A
ausência de saneamento básico gera doenças
como desidratação e leptospirose, além da con-
vivência com odores e animais transmissores
de diversos tipos de doença. O desmatamento
de áreas de maneira precária, com queima-
das e sem o mínimo de preservação, é que vai
gerar a erosão do solo, o desaparecimento de
córregos e os desmoronamentos em época de
grandes chuvas. A concentração de empresas
poluidoras em determinados municípios (zo-
nas de sacrifício) gera doenças respiratórias e
alérgicas pela poluição do ar, contaminação da
água e do solo, enfim, baixa qualidade de vida.
Não há dúvida: nos países pobres, os grandes
problemas ambientais estão relacionados a
questões de cunho sociais. Nesse sentido, vale
a pena citar o relatório do Brasil para a Confe-
rência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento:
[...] as duas causas básicas da crise am-biental são a pobreza e o mau uso da riqueza: os pobres são compelidos a destruir, no curto prazo, precisamente os recursos nos quais se baseiam as suas perspectivas de subsistência a longo pra-zo, enquanto a minoria rica provoca de-mandas à base de recursos que em última instância são insustentáveis, transferindo os custos uma vez mais aos pobres.
Cumpre ainda ressaltar que cabe ao Po-
der Público se estruturar para efetivar a pro-
teção ambiental definida constitucionalmen-
te. Nesse sentido, embora contemos com leis
boas, os municípios da Baixada Fluminense
investigados não têm arrecadação suficiente
para constituir seu próprio órgão ambiental,
bem como não têm empresa de limpeza pró-
pria (à exceção de Nova Iguaçu), e seus ater-
ros estão sendo construídos em regime de
consórcio e com parceiros privados. Nos seis
casos categorizados como “falta de infraes-
trutura adminis trativa”, todos são inquéritos
em que o MP questiona os municípios acerca
da organização do sistema municipal do meio
ambiente, que deve “ser composto, no míni-
mo por conselho municipal do meio ambiente,
fundo municipal do meio ambiente, órgão ad-
ministrativo executor da política publica muni-
cipal e guarda municipal ambiental”. Nenhum
município tem essa estrutura dentre os seis in-
vestigados: a) Seropédica tem apenas secreta-
ria de meio am biente; b) Japeri tem secretaria
de meio ambiente e agricultura e fez concurso
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
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para guarda municipal; c) Nilópolis tem a se-
cretaria de obras, meio ambiente e agricultura,
fez concurso para guarda municipal e tem fun-
do, mas sem conta e sem indicação de adminis-
trador; d) Queimados não tem nem secretaria,
o meio ambiente é tratado pela secretaria de
fazenda; e) Nova Iguaçu tem secretaria de meio
ambiente e agricultura, guarda municipal, fun-
do, conta, faltando nomear o administrador do
fundo; f) Itaguaí tem guarda municipal ambien-
tal, mas como cargo comissionado, e o órgão
executor é a secretaria de agricultura, meio
ambiente e pesca. Não tem fundo, nem conta,
nem administrador. Ressalte-se que o questio-
namento da Promotoria é com a intenção de
averiguar se esses municípios estariam rece-
bendo repasse do ICMS verde, de acordo como
art. 3º da Lei 5100/07. Ou seja, a falta de estru-
tura define a falta do repasse.
Dessa forma, parece-nos que a pobreza,
seja da população, seja do próprio município,
gera injustiças ambientais e zonas de sacrifício
que devem ser reconhecidas como consequên-
cia de políticas públicas perversas, e, por isso,
modificadas, sob pena de não alcançarmos
nenhum tipo de sustentabilidade ambiental,
sustentando o que já existe, ou seja, desigual-
dades socioambientais e espaciais. Como escla-
rece Vieira (2009, p. 102):
Na realidade, não se trata de escolher entre meio ambiente e desenvolvimen-to, mas sim entre diferentes formas de desenvolvimento, algumas das quais se preo cupam com o meio ambiente, en-quanto outras não. Os esforços interna-cionais para a preservação ecológica do planeta só serão bem-sucedidos se aten-derem ao pré-requisito de mais justiça econômica para os países pobres.
Nesse sentido, equacionar a questão am-
biental parece exigir, de fato, novos modelos
de produção, novos modos de agir e de pensar
o ambiente e mesmo o desenvolvimento, não
podendo esse ser entendido meramente como
desenvolvimento econômico, sem incorporar
maior distribuição da renda, do conhecimento
e dos riscos ambientais.
Conclusão
É possível relacionar espacialmente pobreza e
maior concentração de atividades poluentes,
que atingem a saúde e o bem-estar da popu-
lação ocupante daquele espaço geográfico, tal
qual propõe o conceito/movimento de Justiça
Ambiental. Nesse sentido, o Desenvolvimento
Sustentável é incorporado como a grande refe-
rência discursiva da nova ordem mundial, em
que o Poder Público, as empresas e as pessoas
devem assumir novas posturas e novas cren-
ças acerca de seus modos de vida, reduzindo
a produção e o consumo para a sustentabili-
dade e manutenção da qualidade de vida para
as gerações futuras, ainda que não esteja claro
se a ideia de sustentabilidade incorpora uma
dimensão socioambiental em sua implementa-
ção. Contudo, sem essa dimensão manteremos
a produção de injustiças, num círculo vicioso.
Portanto, compatibilizar o desenvolvi-
mento e a preservação de um ambiente saudá-
vel é um dos grandes desafios da humanidade,
e o processo histórico demonstra que, até aqui,
as minorias políticas sofreram mais as conse-
quências dessas práticas, trabalhando e viven-
do próximas a locais poluídos ou degradantes.
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
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Ainda que esteja ocorrendo uma reconfigura-
ção da região metropolitana do Rio de Janei-
ro, com novos usos e funções para o centro e
periferias, podemos observar pelos processos
apurados, que a população da Baixada Flumi-
nense tem uma percepção de seus problemas
ambientais numa linha claramente vinculada
ao desenvolvimento de atividades econômicas
no meio urbano, ou seja, é ela que paga o ônus
do desenvolvimento.
Portanto, a formação de zonas de sa-
crifício é uma demonstração da distribuição
desigual dos riscos ambientais, seja entre paí-
ses, seja em um país. No espaço da Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, a Baixada
Fluminense é reconhecida como uma área in-
dustrial, poluída e mais pobre do que a capi-
tal. Os casos levantados em pesquisa desen-
volvida na Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro apontam para uma correlação entre
a falta de infraestrutura urbana e a produção
de intensa poluição em espaços vulneráveis,
como os principais problemas ambientais sen-
tidos pela população, contribuindo com a te-
se que identifica a crise ambiental como uma
consequência do nosso modelo de desenvolvi-
mento, e que joga para determinadas minorias
os riscos ambientais.
Tatiana Cotta Gonçalves PereiraGraduada em Direito, Mestre em Direito da Cidade e doutoranda em Sociologia e Direito. Professora Assistente de Direito Ambiental e de Direito Urbanístico do Departamento de Ciências Jurídicas, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Seropédica/RJ, [email protected]
Notas
(1) Expressão em francês que significa Ministério Público. Tal expressão é bastante utilizada no Direito pátrio.
(2) As alunas, por serem graduandas e estarem no meio do curso, apresentaram difi culdades no manuseio e compreensão dos processos que levantaram, e talvez esse seja um dos fatores de, ao fi m de um ano, termos pouco mais de 100 processos catalogados. Mas, além de elas fazerem o levantamento sem ter do ainda disciplinas como Direito Ambiental e Direito Processual Civil, que facilitaria a compreensão dos termos técnicos, também nham que manusear processos muito volumosos, em média com seis volumes. Nossa avaliação, entretanto, é que muito se aprendeu nesse caminho, o que é, enfi m, uma das principais funções de uma pesquisa em nível de graduação.
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
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(3) Um inquérito civil é um procedimento administra vo inves gatório, inquisi vo, instaurado e presidido pelo próprio Parquet, cujo obje vo é a coleta de elementos de prova e de convicção para futuras atuações processuais (Ação Civil Pública) ou extraprocessuais (facilitando conciliações extrajudiciais em confl itos ambientais como Termos de Ajustamento de Conduta), se a Promotoria assim entender, podendo também ser arquivado, se nada for apurado como irregular.
(4) É preciso esclarecer que essa referência nos pareceu muito di cil de ser u lizada, sobretudo essa dis nção entre meio ambiente natural e meio ambiente urbano, posto que nos dias de hoje não é possível perceber uma natureza intocada, imune à ação humana, ni damente de conotação urbana. De fato, nos parece que as grandes questões ambientais estão no contexto urbano. Assim, só foi classifi cado como meio ambiente natural o inquérito civil que inves gasse problemas diretamente relacionados à fauna e à fl ora, em que a intervenção humana exis a, mas não foi alvo da denúncia.
(5) “O pulmão preto produzido no local de trabalho, os folheados de amianto em casa, e a carga de fumaça nos parques infan s” fazem parte da temá ca ambiental, segundo Swyngedouw e Cook (p. 17).
(6) Procedimentos preparatórios é o estágio inicial, quando se recebe a denúncia; a fase seguinte é o inquérito civil e, se necessário, pode ocorrer a propositura de ação civil pública. Os dois primeiros procedimentos são administra vos, o úl mo judicial.
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Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
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Texto recebido em 31/ago/2012Texto aprovado em 29/set/2012
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A revista Cadernos Metrópole, de periodicidade semestral, tem como enfoque o debate de questões ligadas aos processos de urbanização e à questão urbana, nas diferentes formas que assume na realidade contemporânea. Trata-se de periódico dirigido à comunidade acadêmica em geral, especialmente, às áreas de Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Geografi a, Demografi a e Ciências Sociais.
A revista publica textos de pesquisadores e estudiosos da temática urbana, que dialogam com o debate sobre os efeitos das transformações socioespaciais no condicionamento do sistema político-institucional das cidades e os desafi os colocados à adoção de modelos de gestão baseados na governança urbana.
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LivrosAUTOR ou ORGANIZADOR (org.) (ano de publicação). Título do livro. Cidade de edição, Editora. Exemplo:
CASTELLS, M. (1983). A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
Capítulos de livros
AUTOR DO CAPÍTULO (ano de publicação). “Título do capítulo”. In: AUTOR DO LIVRO ou ORGANIZADOR (org.). Título do livro. Cidade de edição, Editora.
Exemplo:
BRANDÃO, M. D. de A. (1981). “O último dia da criação: mercado, propriedade e uso do solo em Salva-dor”. In: VALLADARES, L. do P. (org.). Habitação em questão. Rio de Janeiro, Zahar.
Artigos de periódicos
AUTOR DO ARTIGO (ano de publicação). Título do artigo. Título do periódico. Cidade, volume do perió dico, número do periódico, páginas inicial e fi nal do artigo.
Exemplo:
TOURAINE, A. (2006). Na fronteira dos movimentos sociais. Sociedade e Estado. Dossiê Movimentos Sociais. Brasília, v. 21, n. 1, pp. 17-28.
Trabalhos apresentados em eventos científi cos
AUTOR DO TRABALHO (ano de publicação). Título do trabalho. In: NOME DO CONGRESSO, número, ano, local de realização. Título da publicação. Cidade, Editora, páginas inicial e fi nal.
Exemplo:
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Teses, dissertações e monografi as
AUTOR (ano de publicação). Título. Tese de doutorado ou Dissertação de mestrado. Cidade, Instituição. Exemplo:
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