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1 Caindo no Ridículo

Caindo no Ridículo - cinefrance.com.br · 3 O DIRETOR Patrice Leconte, um criador de protótipos Para entender Patrice Leconte, é preciso antes de tudo ler o que escreve Patrice

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Caindo no Ridículo

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S I N O P S E

França, reinado de Luis XVI. Um jovem nobre da província, Poncelu-don de Malavoy, assiste os camponeses de suas terras adoecerem e até mesmo morrerem, vítimas da febre dos pântanos. Enquanto enge-nheiro hidrólogo, decide fazer o saneamento da região de La Dombes e falar com o rei para executar este grande projeto. Chegando em Versalhes, logo desanima por não conseguir ter acesso ao rei e não obtém nenhum apoio junto a seus conselheiros. Mas, ao entrar nos salões de Versalhes, Ponceludon chama a atenção por seu humor espirituoso e por suas respostas rápidas. A partir de então, todas as portas de abrem, principalmente as do Marquês de Bellegarde, que o hospeda e o inicia na arte de brilhar na corte fazen-do jogos de palavras. Este médico também se preocupa com o futuro de sua filha Mathilde, uma jovem encantadora prometida a um senhor de posses. A sorte de Ponceludon em Versalhes está lançada: durante um desa-fio de oratória, desafia a feroz e sedutora condessa de Blayac, fazendo com que ela lhe deva um favor. Esta lhe abre outras portas e Ponce-ludon é escolhido entre vários cortesãos para participar de uma ceri-mônia oferecida pelo rei. Trata-se de outra armadilha planejada pela condessa: para frear sua ascensão, ela o expõe ao ridículo – desgraça sem igual na corte - durante um jantar.Ponceludon volta à província abandonando Mathilde, com quem flerta-va e já havia admitido que o amava. Mas é a Condessa de Blayac que o faz voltar à Versalhes: decidida a se tornar amante de Ponceludon, ela arruma seu encontro com o rei. Brilhando sempre mais do que deveria, o engenheiro torna-se inimigo do responsável pelas opera-ções militares, que o desafia para um duelo. Ele sai vencedor, mas em seguida vai atrás de Mathilde ao invés da Condessa de Blayac. Esta lhe prepara uma humilhação ainda mais ofensiva. Tendo caído no ri-dículo, Ponceludon mantém a cabeça erguida e ridiculariza os hábitos da Corte antes de sair fazendo reverência e levando Mathilde consigo.

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O D I R E T O R

Patrice Leconte, um criador de protótipos

Para entender Patrice Leconte, é preciso antes de tudo ler o que escreve Patrice Leconte: o cineasta descreveu seu retrato em um livro altamente recomendável intitulado “Sou um impostor”. O título é apenas uma provocação: ao longo das lembranças de uma carreira revisitada com vivacida-de, predomina um exercício de autocrítica surpreendente. “Não consigo me considerar um cineasta importante”, es-creve Leconte. Ou ainda: “Não tenho como objetivo figurar na história futura do cinema, nem que meus filmes fiquem para a posteridade.” O tom não demonstra falsa modés-tia: Leconte não parece se guiar por um comprometimen-to com a realidade. Este comprometimento lembra outra passagem das confissões deste “impostor”: “Quanto mais eu volte nas lembranças de adolescente, só consigo dis-tinguir o desejo insistente de fazer cinema.” Assim define sua paixão categórica. O cinema de Leconte se situa, na realidade, entre os dois extremos: uma certa moderação, de forma sutil, é encontrada em suas obras, mas a origi-nalidade (da forma, do tom), a sensibilidade (em relação aos personagens, a seus intérpretes) e o prazer de dirigir, de encontrar o enquadramento ideal, estão presentes em seus filmes de forma evidente.

Aquele que sonhaNascido em 12 de novembro de 1947, Patrice Leconte in-tegra um pequeno casulo onde viverá protegido: a casa de sua família em Tours. Seu pai é um médico apaixona-do pelo cinema. Uma vida normal, quase convencional, marcada pela imaginação: o pequeno Patrice herda esta mistura singular. Desde pequeno é um artista completo desenhando, filmando, escrevendo, atuando, sonhando sem parar. “De certa forma, vivi em um mundo parcialmen-te imaginário, escreve Patrice Leconte em seu livro. Sem fugir da realidade, me sinto melhor na imaginação, quer

dizer, nos filmes.” Talvez venha daí o gosto pelos univer-sos fechados onde ele costuma posicionar sua câmera, seja em Monsieur Hire (1989) ou em uma comédia de costumes, como Meu melhor amigo (2006). Caindo no ridículo também ilustra esta tendência: “É um filme que descreve uma época, mas em um mundo totalmente des-conectado da vida cotidiana e do povo. Remi Waterhouse, o roteirista, criou este mundo à parte e me encontrei com-pletamente em meu meio”, diz Patrice Leconte.

Aquele que diverte Decepcionado com os anos de estudo no IDHEC, grande escola de cinema anterior a FEMIS, aquele que sempre sonhou em “fazer cinema” foi salvo por seus traços e sua inclinação para o humor: passou cinco anos na revista de história em quadrinhos Pilote. Mesmo se tornando autor de HQ, não perdeu o cinema de vista, aprendeu “a elipse e a rapidez do encadeamento das cenas” e dirigiu spots pu-blicitários para a Pilote, sob direção de Marcel Gotlib, “es-pecialista em história em quadrinhos e cinéfilo apaixona-do”. Os dois assinam o roteiro da comédia excêntrica Les Vécés étaient fermés de l’intérieur (1975). Este primei-ro longa-metragem dirigido por Patrice Leconte anuncia duas grandes marcas de sua carreira: é um filme de atores (Jean Rochefort e Coluche, um dueto de sonhos) e será um fracasso absoluto, seguido de um sucesso estrondo-so (alternância que lhe será quase familiar). Este triunfo é o mesmo de Os bronzeados (1978), comédia que virou cult e foi logo sucedida por Os bronzeados vão esquiar (1979). Com Josiane Balasko, Michel Blanc, Christian Cla-vier e outros, Patrice Leconte encontra o humor mais ino-vador da época, uma espécie de comédia que se inventa, mistura de paródia suave e sátira afiada da qual o espec-tador é cúmplice. Com o apoio do produtor Christian Fech-

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ner e com a cumplicidade de Michel Blanc, Patrice Lecon-te dirige de uma vez três comédias muito populares Viens chez moi, j’habite chez une copine (1980), Ma femme s’appelle reviens (1981) e Circulez y’a rien à voir (1982). Assim torna-se conhecido como especialista do riso.

Aquele que experimentaNo lugar de uma comédia, Patrice Leconte aceita dirigir um filme de ação, Les Spécialistes (1984), com Gérard Lanvin et Bernard Giraudeau, uma dupla musculosa. Para dar continuidade a este enorme sucesso, ele filma Tan-dem (1987), produção muito modesta com Jean Rochefort e Gérard Jugnot interpretando dois lunáticos solitários. Desde então, Patrice Leconte ganha a fama de eclético, de faz-tudo, que ele terá a satisfação de confirmar, trazendo ora seu cinema obscuro (Monsieur Hire, 1989), ora tons nostálgicos e sensuais (Le mari de La coiffeuse, 1990), ora hábitos da Corte (Caindo no ridículo). A coerência desta inspiração seria a sua diversidade. Patrice Lecon-te não cultiva todos os gêneros, mas um só e sempre o mesmo: dar a um universo particular sua coerência visual, encontrar o estilo que traduzirá a verdade dos persona-gens apresentados, inventar, em suma, o filme que combi-na com cada roteiro. Mesmo comédia em si ele procurou todas as diferentes combinações possíveis: (Les Grands Ducs: comédia acelerada por seus atores experientes, Tango: comédia inocente, de riso fácil). Cada filme é um protótipo, uma “máquina a ser explorada”, um mundo a parte, seja literário (Le Parfum d’Yvonne, 1994, adap-tação interessante de Mondiano) ou bem popular (Une chance sur deux, 1998). “Nunca quis me fechar em nada. Tenho atração pela liberdade presente em mim e também atração por projetos que não tenho certeza se conseguirei fazer”, diz Leconte. A propaganda é outro laboratório de idéias para o cinema: a direção de algumas centenas de

comerciais ao longo de sua carreira lhe permitiu testar de tudo: “Mesmo que as misturas explodam no seu rosto às vezes, esta é a única maneira de sempre explorar.”

O artista livrePatrice Leconte cultivou o gosto pela liberdade depois de Caindo no ridículo: após ser reconhecido definitivamen-te como cineasta talentoso, lhe são confiados projetos de grande porte (A viúva de Saint-Pierre, 1999), e ao mes-mo tempo se dedica a filmes mais pessoais, mais secretos (Confidências muito íntimas, 2003). Com seu novo par-ceiro, Daniel Auteil, ele reforça em três filmes (A mulher e o atirador de facas, 1998; A viúva de Saint-Pierre, 1999; Meu melhor amigo, 2006) a importância das figu-ras masculinas em seu universo cinematográfico. Esta é uma influência dos diretores que admira (Grémillon, Be-cker, Yves Allégret, Renoir, Gilles Grangier), cujos filmes contam essencialmente “histórias de caras.”Para sua satisfação, ele renova em 2005 com a mesma equipe e dá finalmente continuidade às aventuras em Os bronzeados 3. Apesar de ter sempre filmado muito, (25 longas-metragens em 28 anos), ele anuncia em 2006 que encerrará sua carreira de cineasta após três filmes. Desde então, dirigiu um La Guerre des Miss (2009), e se dedicou ao teatro, outro universo fechado que ele aprecia e no qual se destaca (como ocorreu com a peça Heloïse de Patrick Cauvin). Seu novo projeto para as telas já está definido: Patrice Leconte vai dirigir seu primeiro desenho animado, adaptado do livro de Jean Teulé, Le Magasin des suici-des. Um filme protótipo, certamente, que demonstra um desejo ainda vivo de continuar a inventar com o cinema.

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G ê N E S E D O f I l m E

Uma bela história

Um roteirista inspiradoO universo de Caindo no ridículo toma forma pelas mãos de Rémi Waterhouse, que assina o roteiro e os diálogos: “Eu tinha lido as memórias da Condessa de Boigne, onde ela conta sua infância em Versalhes. (…) O ridículo podia matar, eu não inventei nada. Quando as meninas estavam na Corte, o Duque de Guines lhes disse: ‘Os vícios não são preocupantes, já o ridículo pode matar.’ Está no livro de Boigne. Eu levei ao pé da letra. (…) Não queria que o filme se chamasse Os ridículos: o que me interessava era O ridículo, o ridículo como gás letal. (…) Por isso o filme começa com a história do Marquês de Patatras, para mostrar do que se trata. (…) Tudo isso é real, está no livro de Boigne.Rémi Waterhouse queria dirigir seu roteiro, este seria seu primeiro longa-metragem. Mas os patrocinadores hesi-taram. Para conseguir montar o projeto, convidaram um diretor de renome, Patrice Leconte. Rémi Waterhouse só começará como diretor em 1999 com Je règle mon pas sur le pas de mon père, e assinará também Mille milliè-mes, fantaisie immobilière, em 2002.

Um cineasta entusiasmado A leitura do roteiro de Caindo no ridículo entusiasmou tanto Patrice Leconte que desde o início ele se envolveu intensamente neste projeto, o primeiro que não participou

como roteirista. “Li o roteiro de Caindo no ridículo sem me dar conta que se tratava de um filme de uma época diferente da minha”, conta. “Li este roteiro como uma his-tória com personagens, um enredo, jogos emocionais. E isto funcionava muito bem. Tudo estava bem construído, preciso, todos os personagens estavam perfeitamente re-presentados e os diálogos alcançavam seus objetivos de maneira precisa. Para retomar uma fórmula de Jean Ro-chefort, era uma espécie de western em Versalhes onde as pistolas foram trocadas por jogos de palavras. Para mim era muito estimulante em termos de direção. Eu me encon-trava diante de um universo totalmente novo, me pergunta-va como iria me sair, se saberia como fazer e isto tornava a aventura muito excitante.”Patrice Leconte toma as rédeas do filme, mas deve antes executar outros projeto já programado: Les Grands Ducs. Apenas cinco semanas separam o término da filmagem de um e o início da filmagem do outro, e os dois filmes foram lançados com apenas alguns meses de intervalo: Les Grands Ducs, em 21 de fevereiro de 1996 e Caindo no ridículo em 09 de maio.

Atores pré-escolhidosPatrick Leconte faz pessoalmente a escalação dos atores do filme: uma prática que não necessariamente é comum a todos os cineastas (alguns preferem aprovar ou não as sugestões que lhes são dadas), mas que ele julga essen-cial: “Si o diretor não faz o casting, aonde ele vai parar? Eu organizei minha orquestra aos poucos. Sabia que Jean Rochefort estava disposto a interpretar o marquês de Bel-legarde. Rapidamente, me certifiquei que Fanny Ardant concordaria em interpretar a Condessa de Blayac. Inicial-mente pensei em Pierre Arditi para fazer o Abade de Vile-court, mas depois achei que seria uma ótima oportunidade de reencontrar Bernard Giraudeau, que eu havia dirigido em Viens chez moi j’habite chez une copine e Les Spé-cialistes. Não obtive nenhuma recusa. Sei que é uma sor-te enorme, mas o roteiro era muito empolgante. Só depois que juntei toda a orquestra que comecei a me perguntar quem seria o meu primeiro violino: nenhum ator me parecia uma boa escolha para interpretar Ponceludon de Malavoy. Entrevistei muitos, fiz testes, o que é muito raro para mim. Charles Berling não era muito conhecido, apesar de já ter sido visto em Petits arrangements. Seu talento me con-venceu e me agradava a ideia de os nobres serem interpre-tados por atores de grande renome e Ponceludon por um novato: fazia sentido para o enredo, um jovem nobre que ninguém conhece chega em Versalhes, onde todo mundo tem um sobrenome.”

Um filme muito bem produzido e bem dirigidoA filmagem de Caindo no ridículo durou 11 semanas, “mais exatamente 55 dias de filmagem com um orçamen-to equivalente a 5,4 milhões de euros, especifica Patrice Leconte. No final, este filme que aparenta ser muito luxu-oso, é quase barato comparado com os custos habituais. Há várias explicações para isso. Gosto de planejar bem os gastos, filmo relativamente rápido, sem desperdiçar e o filme foi muito bem produzido.” Como não tiveram livre acesso ao Castelo de Versalhes, onde só foram filmadas

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de cor. Eu ia para filmagem repetindo para mim mesmo: ‘Não estou fazendo um filme de época, estou fazendo um filme desta época’. Inclusive, não pesquisei muito sobre o século XVIII, pois estava cercado de profissionais en-carregados disso e confiava neles plenamente. Eu me en-carregava dos personagens, das situações, da encenação. Não queria que o alarme do século XVIII me desviasse da minha missão: fazer um bom filme.”Sem julgar a direção em si de Caindo no ridículo, cuja qualidade é claramente perceptível, Patrice Leconte ad-mite ter tido um cuidado especial: “Este roteiro, dirigido de forma banal, já teria sido um bom filme, mas eu não podia

me contentar com isso. Não tinha a intenção de encontrar boas soluções toda hora, mas tentei questionar constan-temente a minha direção, para que o filme tivesse ritmo, para que tivesse estilo.”

Uma carreira realO prólogo do livro de memórias de Patrice Leconte (Sou um impostor, Flammarion, 2000) inicia com uma data: “Se-gunda-feira, 24 de março de 1997”. Era o dia da cerimônia do Oscar deste ano. Mesmo que Caindo no ridículo não tenha saído vencedor (o prólogo do livro é intitulado “O trono de areia”), sua indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro coroava uma carreira excepcional, que con-tou com um grande sucesso de público (na França e em outros países), com uma crítica mais do que entusiasta e pelo menos dois grandes momentos. A abertura do Festi-val de Cannes em 1996 e a cerimônia dos Césars de 1997, no qual o filme recebeu nove indicações e recebeu quatro prêmios: o César de melhor figurino (para Christian Gasc) e de melhor direção de arte (para Yvan Maussian) e os prêmios de melhor filme e melhor diretor do ano. “Nunca fiz outro filme que fosse merecedor de tantos prêmios”, resume Patrice Leconte.

as cenas nos jardins, a equipe reinventou os interiores usando vários castelos, encontrando um salão aqui, uma escadaria ali. Este método foi útil para Patrice Leconte, que quis colocar a decoração de época a serviço do filme e não o contrário: “Não queria fazer um filme de guia de museu, um filme tão comprometido com a verdade histórica que o tornasse alienante. Filmar uma marquesa descendo de uma carruagem e entrando em um castelo era algo inédito para mim. Eu poderia me esbaldar. Mas o que era novo para mim não seria para os espectadores: as pessoas es-tão cheias das marquesas do cinema, já conhecem isso

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P E R S O N A G E N S

As chaves de Versailles

Grégoire Ponceludon de MalavoyO herói de Caindo no ridículo nasceu em Versalhes por acaso, como ele explica ao Abade de Vilecourt, que dispa-ra: “É um cortesão de berço!” A alfinetada é assim respon-dida por Ponceludon: “É possível nascer em um estábulo e não ser um cavalo”. Versalhes, um estábulo! Esta compa-ração permite afastar Ponceludon do modelo ao qual ele poderia pertencer: o do jovem nobre da província levado à Versalhes pela ambição. Ponceludon não é fascinado por Versalhes e sua única motivação é uma missão hu-manitária: salvar a vida dos camponeses de La Domes, conseguindo o direito de sanear a região dos pântanos. Mas suas armas são frágeis. Sua determinação consiste de uma cegueira inocente. “Versalhes estava cercada de pântanos podres que viraram jardins para satisfazer a von-tade de um homem”, diz ele ao padre de La Dombes, que o corrige: “a vontade de um rei”. Ponceludon não entende esta diferença e, antes de compreender que tudo depende da boa vontade de Luis XVI, recebe muitas recusas. Ao apresentar seu belo e nobre projeto nos salões de Ver-salhes, é tido por um inoportuno: “Eis uma conversa bem indigesta”, reclama o barão de Malenval, que prefere evo-car o humor inglês, “Que conversa lamacenta bem no meu salão!”, queixa-se a Condessa de Blayac em outra cena. É a ela que Ponceludon se apresenta em sua chegada, com um trunfo que vai, como pensa, lhe abrir as portas: uma carta de indicação do Conde de Blayac. “Seu marido era um grande amigo de meu pai”, explica à condessa, que responde com um sorriso irônico: “do meu também”. Rapi-damente exposto ao ridículo, o provinciano dotado de uma missão ilustre cai no lugar comum: ele aumenta a multidão dos pedintes. Por sorte, seu humor o destaca dos demais: no reino dos bajuladores e debochados, sua eloquência será, como ele descobre, sua melhor arma. Ele entra no jogo, se satisfaz em brilhar ao distribuir alfinetadas, exerce seus talentos de Don Juan com a Condessa de Blayac e

consegue finalmente ser percebido pelo rei. Mas ao se re-lacionar com Mathilde de Bellegarde, este engenheiro hi-drógrafo demonstra que ainda está preso a outros valores, a outras ambições. Passando das fazendas humildes de la Dombes aos ricos salões, é o personagem que une os universos opostos, mas é também um homem com con-flitos internos, com dilemas morais: levado a encarnar ao mesmo tempo a Corte e a sua crítica, ele reúne todos os mecanismos de Caindo no ridículo.

O marquês de BellegardeEste velho marquês coberto de dívidas (como sua filha Mathilde nos revela) conheceu a fundo a realidade de Versalhes: ele aconselha Ponceludon a fugir do teatro dos cortesãos, cujo espetáculo lhe assusta. Mas, diante da insistência do provinciano em forçar as portas do caste-lo, ele decide ser seu mentor e, por assim dizer, seu trei-nador. Explicando como classificar os jogos de palavras em diferentes categorias, Bellegarde lembra que a mania dos insultos disfarçados que assolou a Corte remonta a um conhecimento literário nobre. Seus conselhos salvam

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Ponceludon da primeira armadilha que encontra ao apre-sentar com seriedade o seu projeto de saneamento: “Os assuntos sérios são desagradáveis e devem ser banidos. Formule tiradas espirituosas, finas, rápidas e assim sua cidade será curada das doenças”, diz o Marquês. Ele res-peita as leis de Versalhes por interesse: é o homem dos compromissos, contente em casar sua filha com um velho contanto que seja rico. No entanto, não é um homem do comprometimento: seu entusiasmo, sua postura demons-tram uma preocupação constante em não se deixar re-baixar. Ele se caracteriza como um espectador: prezando ou desprezando o espetáculo da Corte, sempre mantém a distância, deixando Ponceludon se expor à gloria ou à desgraça. Além de espectador em Caindo no ridículo, o marquês também é nosso guia, espectadores do filme.

Condessa de Blayac Ela entra no filme usando seu vestido de luto como um traje de rainha: imagem soberba que logo demonstra seu poder sedutor e obscuro e também sua imoralidade. Em seguida aparece em uma partida de dominó em um salão: a condessa é uma jogadora. É também uma trapaceira, como ficamos sabendo na cena do desafio de rimas. Ela possui, em suma, todos os defeitos necessários para con-quistar seu lugar no universo impiedoso de Versalhes e para mantê-lo. Observado Ponceludon cortejá-la, após ter obtido graças a ela seu título de nobreza, ela mostra a vantagem que possui em relação a ele neste tipo de jogo: “Talvez em outras circunstâncias eu ficasse lisonjeada com suas doces palavras e esta não seria a primeira vez que o meu quarto leva aos salões do rei”. É preciso mais para que ela se emocione, como podemos ver no jantar onde ela mostra que não guardou suas garras e serve a Ponce-ludon um “cozido ridículo”, fazendo com que ele abandone a mesa e Versalhes. Isso será repetido, de outra forma, na última cena do filme, para se vingar dos sentimentos que o engenheiro reserva a Mathilde de Bellegarde. Estas demonstrações de crueldade também são confissões de amor. Mas, formada e deformada pelas leis de fidelidade à moda de Versalhes, a condessa só conta com essa lingua-gem para expressar mesmo os sentimentos mais since-ros, mais tenros. Este aspecto caracteriza a beleza trágica de sua personagem e do último plano em que ela aparece.

Mathilde de BellegardeDedicada às experiências científicas na casa do seu pai, ela sempre parece estar à parte, em segundo plano, no entanto ocupa um papel decisivo. O único personagem que não participa dos jogos da Corte (só aparece nela para mostrar sua independência e romper o acordo com monsieur de Montalieri), Mathilde de Bellegarde é a úni-ca a expressar seu ponto de vista extremamente crítico e a situar Ponceludon: “Você está no caminho errado. Os salões de Versalhes não podem salvar crianças, pois uma árvore podre não pode dar bons frutos”. Oposta em tudo à Condessa de Blayac, até se tornar sua rival sem parecer gostar desta situação, elas têm em comum o fato de não poder expressar seus sentimentos. Eles não se escon-dem, em seu caso, com cinismo, mas com a racionaliza-ção científica: “É o fogo vital que percorre seus nervos que fazem com que você se sinta atraído por mim”, analisa ao receber as carícias de Ponceludon. Prova que esta jovem racional, criada na doutrina do Iluminismo, pode, assim como todos os personagens, se expor ao ridículo.

Abade de VilecourtPonceludon teme ter como inimigo este “abade perverso”. “É uma cobra, diz Bellegarde. Quando se cala, hipnotiza. Quando fala, já é tarde demais.” Vilecourt é a encarnação do mal em Versalhes: usa a língua como veneno. Não se abala por cometer sacrilégios, aposta nos dados os segre-dos do Clero e se joga no leito da Condessa de Blayac. Será afetado pelo ridículo por meio da graça divina: ele revelará sua fragilidade diante desta guilhotina viva que usa as palavras como lâmina.

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O primor antes de tudo A fluidez e a elegância caracterizam a narração de Caindo no ridículo, cadenciado por um ritmo ágil: tudo se enca-deia e até o final, dança-se mesmo correndo o risco de cair. As boas maneiras e os tropeços se misturam, quase se confundem: como Milletail avisando à serviçal que “em sua euforia, o Conde de Blayac se distraiu”, enquanto na verdade ele o matou com o que pode se chamar de um assassinato ao pudor. A narração avança à medida que as falas se fundem: gradativamente. Esta impressão de rapidez é acentuada pela mudança de cenários, que po-dem duplicar sem fim uma situação que, na verdade, é completamente linear.Por exemplo, a apresentação da personagem Mathilde, construída em quatro tempos entrelaçados. Trata-se de um recurso conhecido de narração cinematográfica que Patrice Leconte utiliza com frequencia: assim como a Con-dessa de Blayac e o abade de Vilecourt, cuja menor dis-cussão mais séria causa um transtorno enorme, o espec-tador de Caindo no ridículo tem o privilégio de apreciar apenas o primor. Por trás de uma aparência de facilidade, a narração requer uma construção detalhada.

Um duelo constante Os dois grandes temas do filme são mostrados logo de início. Primeiramente, o poder louco da linguagem, das pa-lavras certas que dão o direito de existir e executar: tudo é dito na primeira sequência, que é uma espécie de aviso ao espectador. O filme inicia de verdade com a apresenta-ção do projeto de Ponceludon: o saneamento do pântano de La Dombes, que não requer apenas o profissionalismo deste engenheiro hidrólogo, mas também sua lealdade. Sua viagem à Versalhes é também um comprometimento moral feito junto a uma criança para quem o rei da França

é o próprio deus: todo poderoso e misericordioso. Mas de-pois disto, estamos (novamente) diante da blasfêmia: em seu velório, o moribundo que pereceu com um jato de urina morre novamente com as palavras venenosas. A oposição é clara entre as pessoas da Corte e Ponceludon: os pri-meiros desenvolveram a arte da linguagem para fazerem dela uma arma imoral, o segundo possui um espírito no-bre e também retidão, algo que dificilmente encontramos juntos, como nota o Marquês de Bellegarde. Todo o filme, a partir de então, vira um duelo e a cena do desafio de rimas é apenas uma demonstração clara: presenciamos o confronto de eloquentes trapaceiros e um nobre cheio de retórica, de honestidade, de elegância. Para que ocorra um verdadeiro duelo ou um confronto ornado de másca-ras, é preciso saber se a moral de Ponceludon e sua honra serão solúveis ou não pela moral de Versalhes. Somente o texto explicativo no final será capaz de nos esclarecer: “A primeira tentativa de saneamento de la Dombes foi feita em 1793 pela Convenção, por iniciativa do cidadão Grégoi-re Ponceludon, engenheiro hidrólogo de caráter civil”.

Jogos de amor e poderIntriga principal de Caindo no ridículo, a nobre missão de Ponceludon sofre os tropismos da Corte e deve se adap-tar, se reformular: “Sanear la Dombes” vira “Ver o rei” e ser visto. E assim passa-se para o lado dos intriguistas, dos golpes que vão se multiplicar como a trapaça no desafio de rimas, as armadilhas no jantar ou no baile, a embosca-da ao pé da cama (contra Ponceludon) ou nos jardins de Versalhes (a seu favor). Um teatro do poder que é ilustrado pelos os olhos do rei escondidos atrás de um quadro e que se alimenta dos beijos no salão, dos segredos de alcova. De todos estes jogos, elucubrados por ambiciosos, a Mor-te, bastante real, destrói a vaidade terrível e o discurso de Ponceludon ressoa como um alerta. Ao mesmo tempo toda Versalhes desaparece, seu ouro e falsos valores são levados pela História, como um chapéu ao vento.

D R A m A T U R G I A

Ardis e ardilosos

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Com Rémi WaterhouseEm Caindo no ridículo, Patrice Leconte levou pela primei-ra vez às telas um roteiro no qual ele não havia trabalhado, nem mesmo como colaborador. Mas ao dirigir o que Rémi Waterhouse havia escrito, Patrice Leconte assinou um filme pessoal, que lhe valeu um reconhecimento pessoal enorme. Devemos nos perguntar o que permitiu um suces-so como este: entre a pena de Rémi Waterhouse e o olhar de Leconte, a compatibilidade, como em um transplante de um órgão, consiste de aspectos específicos.Primeiramente há o gosto por filmes que dão vida, simul-taneamente, a vários personagens: Patrice Leconte o ex-pressa em seu livro de memórias, ao mencionar sua ad-miração por Robert Altman (mestre do gênero) e como o universo de Caindo no ridículo lhe traz um material ideal para esse tipo de exercício. O roteiro lhe permite também, através de seus vários personagens, tirar proveito de seu talento de cineasta retratista e de diretor de atores. Outro elemento determinante: a relação do roteiro com a Histó-ria. “O filme de passa em 1788. Não precisava ser 1789 menos 1. (…) Ponceludon é um reformista, um humanis-ta, mas não queria fazer dele um porta-estandarte de uma revolução que ele não sabia que estava por vir. Apenas Mathilde, como ela diz, vê que a árvore está podre”, explica Rémi Waterhouse. Esta abordagem é muito conveniente a Patrice Leconte, que explica não gostar de abordar um filme de forma temática, preferindo deter-se mais em per-sonagens do que em um discurso. O roteiro de Caindo no ridículo lhe permite mais do que uma guia para a leitura histórica: uma relação de estreitamento com as figuras de época.De forma ainda mais decisiva, o tom geral do universo de Caindo no ridículo vai de encontro ao espírito do cine-asta. No mesmo livro de memórias, Patrice Leconte con-ta a bela aventura do filme Os bronzeados (1978) com a trupe de teatro Splendid, destacando o que ele poderia acrescentar a estes atores/autores cômicos: “Antes de tudo, algo que é um traço constante da minha natureza e de todos os meus filmes, eliminar toda a vulgaridade”. Ele

trabalha em seguida no roteiro, com três integrantes do Splendid, do filme seguinte, Os bronzeados vão esquiar (1979): a princípio era uma “roteiro extremamente cruel (…) Nós estávamos cobertos de agressividade e isso nos agradava.” Notemos aqui duas inclinações fortes: elegân-cia de uma lado e impertinência do outro. Atração pelo tempero, repulsa pelo humor cru: o roteiro de Rémi Waterhouse é um perfeito exemplo desta receita. Simultaneamente excessivo e moderado, esta temporada na Corte de Luis XVI tem como objetivo misturar bons mo-dos e grosserias, graça e crueldade. Assim como Leconte.

Um filme além da época Para se apropriar do universo de Caindo no ridículo, Pa-trice Leconte o rejeitou em parte: aí entra a sua decisão de não fazer uma reconstituição histórica e nem um filme de época.Esta escolha justifica as opções feitas na direção, princi-palmente nas primeiras cenas do filme, pois faz questão de deixar claro logo de início, apesar do pano de fundo do século XVIII, a diferença de Caindo no ridículo. Já na sequência de abertura surge o pênis do Cavaleiro de Mille-tail. A vontade de mostrar o órgão, que seria fácil de omitir, não é gratuita, como explica Patrice Leconte: “Rémi Wa-terhouse começava o roteiro com esta cena. Pensei que deveria ser um pouco provocante logo de início para pren-der os espectadores: entramos no filme com alguns planos simples, depois há o jogo de luz e sombra para dar uma idéia de perigo, e logo aparece, em primeiro plano, o sexo de um homem. É um pequeno eletro choque: indica que não se deve esperar um filme de época como os outros.”

E N C E N A Ç Ã O

Um excelente cenário

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Nas cenas de apresentação que sucedem a abertura, Patrice Leconte se apóia nos diálogos para contrariar as convenções de um filme de época. No momento em que sai de la Dombes enfurecido, Ponceludon se ajoelha dian-te do padre que, prestes a dar a bênção descobre que ele ainda está com seu chapéu de três pontas, exclama: “Você não tira o chapéu!” Pouco depois, quando o Mar-quês de Bellegarde encontra o Cavaleiro de Milletail diante do cadáver do Conde de Blayac, ele se veste e propõe: “Vamos jantar? Preferia estar diante de uma ave.” Estas fa-las não são usadas para ilustrar o jogo de palavras criados na Corte: elas surgem, simplesmente, em tom de comé-dia. A comédia irreverente que Patrice Leconte aprecia. E as palavras, aqui, têm como função tirar do filme de época o que pode parecer engomado.

O temperamento de Caindo no ridículo se impõe rapida-mente: enérgico, quase bruto (como o andar do cavaleiro de Milletail e da serviçal, no primeiro plano), estiloso sem ser afetado. Dentre as escolhas de direção para instau-rar este clima, é preciso destacar o movimento fugaz da câmera que acompanha Ponceludon em sua cavalgada até Versalhes. A vivacidade deste plano contrasta com a tradição mais contemplativa dos filmes de época. Patrice Leconte conta como escolheu esta abordagem: “Hesitei em como mostrar o trajeto de Ponceludon até Versalhes. Normalmente mostraríamos muitas paisagens da França para deixar claro que é uma longa viagem, que Poncelu-don pára, depois continua. Convenci-me que já havíamos visto isso muitas vezes. Decidi transformar este trajeto em um plano único, grande o suficiente para que a música cresça, intenso o suficiente para que reflitamos sobre esta viagem para Versalhes, que não é uma viagem de lazer.

Pesquisei se era viável seguir o cavalo de Ponceludon de um helicóptero que voaria a 50 centímetros do chão. E era possível. Quis passar a sensação que a câmera estava vo-ando atrás do cavalo e não havia outro meio de fazer isso sem ser com o helicóptero.” Patrice Leconte se recusa a repetir os clichês dos filmes de época e se deter nos figurinos. Ele não questiona seu charme (sensível a isso, o figurinista, Christian Gasc, re-cebeu um César por suas criações), mas se contenta em usá-los como quaisquer roupas. Neste aspecto, ele se aproxima de Ponceludon que, pouco preocupado com as afetações da Corte, chega a Versalhes com sapatos gas-tos e só permite ser vestido pelo Signore Panella (inter-pretado pelo próprio Christian Gasc), o alfaiate italiano da Condessa de Blayac, na esperança de levar a cabo seu plano de ser atendido pelo rei. No momento de, possivel-mente, despedir-se da vida antes do duelo, ele escreverá à Condessa: “Se eu morrer, entregue minha capa e minha espada à minha mãe, dê o resto para os pobres, exceto as roupas da corte, que ridicularizariam ainda mais sua miséria.” Duas cenas são exceções. A do baile de másca-ras do final, onde os figurinos representam o poder, neste caso como fantasias, revelando as hipocrisias da Corte. E na que Mathilde, conversando com Ponceludon, usa seu vestido para colher pólen: o contato do forro com as flores antecipa o momento em que Ponceludon colocará a mão na perna de Mathilde. Há um belo encadeamento, no qual o figurino vira a linguagem da sensualidade.

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P A S S A R E l A S

No espírito do século XVIII

Caindo no ridículo se passa às vés-peras da Revolução francesa e for-nece um amplo painel de dados que reflete, do ponto de vista da lingua-gem, a mentalidade e o comporta-mento do Século das Luzes, mesmo que já no final.

A linguagem e os jogos de pa-lavra “Classifico todos os jogos de pala-vras neste caderno”, diz Bellegarde. E quando o rei desce uma escadaria externa do castelo, um cortesão lhe acalma confirmando: “Não, majesta-de, isto é um jogo de palavras” . Pois, como Bellegarde preveniu: “Nunca faça trocadilhos, eles são despreza-dos em Versalhes, ‘trocadilho é es-treitar a mente”. Então, Ponceludon responde: “Votaire, meu livro de ca-beceira”. Certamente não surgiu no século XVIII a arte de cultivar a lin-guagem. Desde a Antiguidade se usa o jogo de palavras para efeito cômico e também com o intuito de alfinetar alguém.Este artifício será encontrado dezoito séculos mais tarde em Voltaire, rei da epigrama e símbolo do espírito sofis-ticado dos Iluministas. O erro seria dissociar esta prática – mesmo se ao longo dos séculos a linguagem seria uma das facetas da Corte, desconec-tada da realidade, como mostra o fil-me – do Iluminismo que, partindo de um fundo comum de questionamen-tos filosóficos, afeta concretamente a literatura, a ciência, as artes, o con-texto político (que acabou levando à Revolução). Na arte da linguagem, o que marca a conversa do século XVIII, em inú-meros salões e clubes que brotam na corte à exaustão, é a instauração do uso intenso do jogo de palavras inerente a um comportamento espe-cífico: o escárnio.

O turbilhão de ideias“Vocês invejam a essência questio-nadora de Voltaire. O grande homem teria chorado, pois ele era de um ri-diculamente sensível à maldade hu-mana”, diz Ponceludon em Caindo no ridículo após ser ridicularizado. Sabe-se de fato que Voltaire (1694-1778) sempre tomou partido contra a intolerância e a injustiça. Seus contos filosóficos como Cândido, seu engajamento nos erros judiciais

no caso Calas, sua colaboração na Enciclopédia, fazem dele um perso-nagem central do século. Persona non grata na Corte, onde chegou a dizer a sua amiga Madame du Châte-let que perdeu todo seu dinheiro nos jogos: “Você joga com trapaceiros”, ele freqüentava o Café Procope, de onde surgiram Fontenelle e Diderot. Aí, como antes nos salões frequenta-dos pelos enciclopedistas, as ideias avançam. O século das luzes – cujas premis-sas têm como raízes tanto o espírito florentino da corte dos Médicis bem como Rabelais, Montaigne e Spinoza – se revela como um todo em movi-mento, que denuncia o mundo anti-go. A eclosão do verdadeiro espírito crítico filosófico vai romper os ideais sobre o poder político e sobre a so-berania religiosa e abre as perspec-tivas para outra sociedade de direito.

O espírito científico A fé no progresso científico se situa na fé na razão, que é o credo dos Ilu-ministas. “É preciso examinar tudo, fuçar tudo, sem exceções”, escreveu Alembert no Discurso Preliminar à Enciclopédia, cuja aparição ocorreu de 1751 a 1772. O reino da revelação acabou, deu lugar à observação e aos experimentos críticos, ao empirismo, à reflexão. Em Caindo no ridículo, o discurso de Ponceludon correspon-de ao espírito novo. O Marquês de Bellegarde não é um médico comum, mas moderno que instalou em casa um laboratório onde faz experimen-tos. Sua filha Mathilde também é fruto de seu tempo. Ela nasceu no ano em que “Rousseau lançou Émi-le”, (como diz Bellegarde), logo em 1762, e o marquês a criou para que fosse livre para fazer suas escolhas, sem dúvida influenciado pela leitura da filosofia. A jovem chega a usar um “traje hidrostratégico”, com o qual faz testes com Ponceludon. Esta palavra é um dos vários neologismos do sé-culo XVIII que não vingou. Em outro momento de Caindo no ridículo, as-sistimos o resultado das pesquisas do Abade l’Epée (1712-1789) sobre a linguagem de sinais, através de uma demonstração de jovens sur-dos-mudos que, por ironia do filme, literalmente cala a platéia ruidosa (e consequentemente ridícula) compos-ta de cortesãos debochados.

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C R é D I T O S

RidiculeEpithète Films, Cinéa, France 3 Cinéma, Le Studio Canal +, CNCPhilippe Carcassonne, Frédéric BrillionPatrice LeconteRémi Waterhouse, com colaboração de Michel Fessler e Eric VicautThierry ArbogastPaul LainéJoëlle HacheAntoine DuhamelChristian GascIvan MaussionBarão Grégoire Ponceludon de Malavoy (Charles Berling)Marquês Louis de Bellegarde (Jean Rochefort)Madame de Blayac (Fanny Ardant)Mathilde de Bellegarde (Judith Godrèche)Abade de Vilecourt (Bernard Giraudeau)Monsieur de Montalieri (Bernard Dhéran)Cavaleiro de Milletail (Carlo Brandt)Abade de l’Épée (Jacques Mathou)Luis XVI (Urbain Cancelier)Barão de Guéret (Albert Delpy)

FrançaCores2.35, Cinémascope1h 42’Polygram Film International09 de maio de 199622 de novembro de 1996

Melhor filme estrangeiro (British Academy of Film and Television Arts)Melhor filme francês (Césars du Cinema Français)Melhor filme (Les Lumières)Melhor filme estrangeiro (National Board of Review)

Título originalProdução

ProdutoresDireção

Roteiro e diálogosDiretor de fotografiaEngenheiro de som

EdiçãoMúsica

FigurinoDireção de Arte

Elenco

PaísFilme

FormatoDuração

DistribuidorLançamento na França

Lançamento nos EUA

Prêmios (1997)

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DRAmATURGIA

PASSARElAS

SU

GE

ST

ÃO

D

E

TR

AB

Al

HO Máscaras e fluidez

• Atente para o número de mudanças de cenários, de cenas e relacione com a lógica e a linearidade da narração.

• Procure cenas que passam de um lugar a outro sem interromper o diálogo. Defina a noção de “fluidez” na narração.

• Detalhe as informações passadas nas primeiras sequências e mostre como elas constituem um dos fios condutores da narração: a traição da linguagem sincera e justa pelas palavras corretas e vazias da corte em oposição à retidão de Ponceludon apesar de sua habilidade em usar as palavras.

• Como se transforma o projeto inicial e sincero de Ponceludon?

“O século das luzes”• Caindo no ridículo não é mostrado como um documentário ou filme pedagógico, mas oferece um plano de fundo do século das luzes, onde, entre outras coisas, a linguagem desempenha um papel fundamental. Procure as diversas formas de linguagem e jogos de palavras evocados no filme. Estes ainda são usados até hoje?

• É possível estabelecer uma relação com certas práticas de linguagem nos dias de hoje?

• Porque o filme faz referência ao Abade l’Épée e à linguagem de sinais?

• Este é o tempo das invenções técnicas. Procure aquelas que são mencionadas no filme.

• Os novos ideais efervescem no tempo do Iluminismo: aponte os que são evocados verbalmente ou pelo comportamento dos personagens. Explique a importância da razão para este momento histórico.

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Retratos• Patrice Leconte pratica a arte do retrato, típico da literatura desta época. Identifique alguns retratos que se destacam no filme: retrato do tipo pictórico, comportamentos, discursos ou o olhar adotado pelos outros.

• Faça o retrato literário de alguns dos personagens (começando por Ponceludon). Distinga os retratos autênticos das caricaturas.

• Defina as relações entre Ponceludon e Bellegarde. Semelhanças, diferenças, o que cada um busca na relação com o outro.

• Qual a função de Bellegarde na narração e na estrutura do filme?

PERSONAGENS