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CALOR DE REAÇÃO DE CIMENTOS GEOPOLIMÉRICOS
I. C.Bigno1, F. A. Oliveira1, F. J. da Silva2, C. Thaumaturgo4
1Doutorando, Programa de Ciência dos Materiais 2Pesquisador, Programa de Ciência dos Materiais
3Professor, Programa de Ciência dos Materiais Instituto Militar de Engenharia – IME – Praça General Tibúrcio, 80. Urca – RJ.
e-mail: [email protected]
RESUMO Os cimentos geopoliméricos podem gerar considerável calor de reação, dependendo
das relações molares entre os óxidos reagentes adotadas. Como a estrutura inicial
do precursor mineral precisa ser modificada em meio fortemente alcalino,
considerável quantidade de calor pode ser desprendida durante a destruição da
estrutura original e formação dos oligômeros sialatos. Mais calor de reação pode ser
desprendido nas etapas posteriores, durante a geopolimerização, o que pode criar
problemas de fissuração em peças de grande volume. Este trabalho apresenta um
estudo sobre a viabilidade do uso da garrafa de Langavant, um calorímetro semi-
adiabático, na determinação do calor de reação de geopolímeros elaborados com
diferentes razões molares entre os óxidos reagentes. Correlações entre
microestrutura e calor total liberado durante as fases de pega e endurecimento são
apresentados e discutidos. Os resultados mostram que apesar da velocidade da
reação, todos os cimentos geopoliméricos apresentaram calor total 40%, em média,
inferiores ao cimento Portland.
Palavras-chave: Geopolímero; calor de reação; garrafa de Langavant. INTRODUCÃO
Os cimentos geopoliméricos constituem uma opção alternativa de cimento de
alto desempenho produzido a partir de matérias primas de baixo custo, empregando
inclusive resíduos industriais e processamento sem emissão de CO2, com forte
1
contribuição para a diminuição do efeito estufa (1). Estes materiais são amorfos ou
semi-cristalinos e podem ser obtidos a temperatura ambiente (2).
Este trabalho avalia a reação exotérmica da geopolimerização por meio da
quantificação do calor liberado da reação de diferentes argamassas geopoliméricas,
curadas a uma temperatura controlada (23 + 2)ºC por meio da garrafa de Langavant.
É feita uma correlação entre as diversas etapas da reação com a microestrutura
formada, tendo como base comparativa, o calor de hidratação de um cimento
Portland de alta resistência inicial.
MATERIAIS E MÉTODOS
Os materiais utilizados na elaboração dos cimentos geopoliméricos foram:
metacaulim (MK), escória de alto forno (EAF), cinza volante pulverizada (CVP),
silicatos de sódio (alcalino e neutro), hidróxido de potássio, aditivos retardadores,
areia padrão e água.
Na confecção da pasta de cimento Portland foi utilizado o CP-V ARI da marca
Campeão fornecido pela Lafarge S/A. A Tabela I mostra a composição química e as
propriedades físicas dos materiais usados.
TABELA I – COMPOSIÇÃO QUÍMICA E PROPRIEDADES FÍSICAS DOS MATERIAIS
Composição química (%) Área
Específica (Blaine)
Peso EspecíficoMateriais
CaO MgO Na2O K2O Fe2O3 TiO2 Al2O3 SiO2 (m2.Kg-1) (g .cm-3)
MK 0,72 0,34 1,1 0,09 0,62 0,14 41,0 50,6 950,68 2,52
EAF 42,8 8,7 1,6 0,36 0,05 0,57 12,0 34,2 259,89 2,94
CVP 4,0 1,3 1,6 2,6 5,0 1,4 24,2 57,7 320,81 2,38
Os equipamentos empregados foram: uma máquina de ensaios universal para
ensaios mecânicos marca EMIC modelo DL 10.000, um microscópio eletrônico de
varredura (MEV JSM 5800-LV) marca JEOL do Laboratório de Microscopia
Eletrônica (LME) do IME e duas garrafas de Langavant do Departamento de Ciência
dos Materiais e Metalurgia (DCMM/PUC-RIO).
Preparação de amostras
Foram preparadas cinco amostras de referência (argamassa), quatro utilizando
diferentes tipos de geopolímero e uma com cimento Portland, adotando os
2
procedimentos indicados pela norma para cimento – Determinação do calor de
hidratação pelo método da garrafa de Langavant. NBR 12006/90 da ABNT. As
argamassas geopoliméricas foram elaboradas com geopolímeros do tipo Na, K, Ca –
PSS à base de MK, EAF e CVP e as razões molares de cada formulação estudada
são apresentadas na Tabela II. A argamassa de cimento Portland foi elaborada
utilizando as massas indicadas pela NBR 12006/90.
TABELA II – RAZÕES MOLARES DAS FORMULAÇÕES
Razões molares Código Principais constituintes M2O/SiO2 SiO2/Al2O3 H2O/M2O* CaO/SiO2
AGI MK + EAF 0,333 3,137 11,751 0,084 AGII MK + retardador** 0,723 4,537 5,722 0,195 AGIII EAF (50%) e CVP
(50%) 0,173 5,464 18,758 0,514
AGIV EAF (70%) e CVP (30%) 0,181 5,627 18,758 0,752
* M2O é o somatório de CaO, Na2O e K2O. ** ácido orotofosfórico, teor de 5%, em massa.
As amostras de referência foram curadas a temperatura ambiente. Na data
dos ensaios as argamassas geopoliméricas de referência apresentavam idade
superior a 10 dias e não mais liberavam calor. Já a argamassa de referência de
cimento Portland apresentava idade superior a 60 dias.
Ensaios
O ensaio para a determinação do calor de reação em argamassas
geopoliméricas e em argamassa de cimento Portland foi realizado segundo as
indicações da norma NBR 12006/90 da ABNT.
Diferente da hidratação do cimento Portland, o processo de mudança de estado
do geopolímero envolve uma transição sol-gel. O termo sol-gel é utilizado para
descrever a síntese de óxidos inorgânicos por métodos de via úmida. Neste
processo, precursores molares (pós) são submetidos a hidrólises formando uma
suspensão coloidal (SOL) e por meio de reações de polimerização do SOL geram
redes inorgânicas em uma fase líquida contínua (GEL).
Para possibilitar a análise da microestrutura das pastas geopoliméricas foram
adotados procedimentos para mistura e moldagem dos corpos de prova para
ensaios de compressão (em moldes cúbicos com 50mm de aresta) e de preparação
de amostras para microanálise já estabelecidos pelo Laboratório de Compósitos do
IME. Para interromper a reação e remover a água não quimicamente ligada,
3
fragmentos das pastas hidratadas por diferentes períodos de tempo foram imersos
em acetona, secos ao ar e mantidos em dessecador até a data das análises.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Com o registro da diferença de temperatura entre as amostras (de referência
e de teste) foi possível traçar curvas de temperatura de aquecimento e de calor
dissipado. De posse das áreas das curvas, das massas (materiais e recipientes) e
da capacidade térmica do calorímetro calculou-se calor de reação total dos
geopolímeros e fez-se uma análise comparativa com o calor total de hidratação
liberado pelo CP-V ARI.
A Figura 01 mostra as curvas da temperatura de aquecimento e a Figura 02
as curvas do calor dissipado das argamassas estudadas.
Sendo:
Өt = diferença de temperatura entre a argamassa de ensaio e a argamassa de
referência no instante t (Ө1 - Ө2), em ºC.
α = coeficiente de perda calorífica, em J.ºh-1C-1 (é uma constante do aparelho que
varia em função da temperatura Ө desenvolvida no interior da garrafa).
FIGURA 01 – CURVAS DA TEMPERATURA DE AQUECIMENTO
4
FIGURA 02 – CURVAS DO CALOR DISSIPADO
Os valores de calor de reação total (Qt) desenvolvidos pelos geopolímeros e
pelo cimento CP-V ARI encontram-se na Tabela III.
TABELA III – CALOR DE REAÇÃO TOTAL
Código Calor de reação total - Qt (J/g) AGI 38 AGII 18 AGIII 28 AGIV 31 CP-V 49
O resultado obtido de Qt para o CP-V ARI ensaiado foi bem mais baixo do que
o esperado, representando aproximadamente 16% do valor de Qt apresentado para
o cimento Portland na NBR 12006/90 (308 J/g) e também para o CP-IIE 32 ensaiado
por JONH em 1995 (232 J/g). Apesar das curvas de calor dissipado destes dois
cimentos apresentarem o mesmo aspecto (Figura 03), a diferença entre elas pode
estar relacionada a uma maior troca de calor com o meio por parte do jogo de
calorímetros semi-adiabáticos utilizados neste estudo. Mas como o objetivo desta
pesquisa foi avaliar a evolução do calor de reação total de geopolímeros e fazer uma
comparação com a evolução do calor de reação total de um cimento Portland de alta
resistência inicial, a análise pôde ser feita satisfatoriamente.
5
FIGURA 03 – CURVAS DE CALOR DISSIPADO DE CIMENTOS PORTLAND
Como não é mencionado na NBR 12006 qual o tipo de cimento utilizado no
ensaio cuja planilha de resultados e curvas são apresentadas nas páginas 11 e 12
da referida norma, supõe-se tratar de um cimento ARI, devido ao fato do cimento
CP-I não está sendo fabricado atualmente no Brasil e por apresentarem
características de composição bem próximas, variando apenas o percentual em
massa de material carbonático (ARI - 0 a 5% e CP-I – 0%).
De acordo com os resultados, verifica-se que as argamassas geopoliméricas
liberam menos calor de reação do que a argamassa elaborada com cimento
Portland de alta resistência inicial.
Dentre as argamassas geopoliméricas, aquelas elaboradas com EAF e CVP
liberaram menos calor de reação (AGIII e IV ≈ 30 J/g) do que a argamassa
elaborada com MK (AGI = 49 J/g) devido ao fato deste último apresentar elevado
teor de alumínio em sua composição, muito reativo a álcali-ativação.
A argamassa geopolimérica elaborada com 70% de EAF (AGIV) apresentou
calor de reação total maior do que a argamassa com 50% de EAF (AGIII), devido ao
alto teor de cálcio presente nestes materiais, indicando que este reagente apresenta
grande reatividade.
A argamassa geopolimérica com retardador (AGII) apresentou o menor índice
de liberação de calor, como esperado, e ao contrário das outras argamassas, a
curva da temperatura de aquecimento não apresentou pico bem definido, mostrando
uma discreta elevação de temperatura nas primeiras cinco horas. Em seguida, a
amostra apresentou redução gradativa da temperatura (FIG. 02).
6
A argamassa elaborada com MK (AGI) dentre as argamassas geopoliméricas
não retardadas foi a que apresentou maior tempo de início de pega conforme pode
ser observado na Tabela IV e na Figura 04.
TABELA IV – TEMPO DE INÍCIO DE PEGA DE ARGAMASSAS GEOPOLIMÉRICAS
Argamassas geopoliméricas não
retardadas Tempo de Início de
Pega (h)
AGI 2 < t ≤ 4 AGIII t ≤ 2 AGIV t ≤ 2
As avaliações microestruturais foram feitas por meio da análise de fragmentos
de pastas extraídos de amostras em diferentes idades com cura a temperatura
ambiente. No gráfico da Figura 04 é feita uma correlação do momento das
amostragens das pastas com as curvas de elevação de temperatura das
argamassas na garrafa de Langavant.
FIGURA 04 – IDADES DE ANÁLISE DA MICROESTRUTURA
Não foi possível avaliar a microestrutura da pasta referente à argamassa
geopolimérica retardada (AGII), pois esta a temperatura ambiente (fora da garrafa de
Langavant) não apresentou início de pega nas primeiras 24 horas. A evolução da microestrutura da pasta referente à argamassa AGI foi
investigada nas idades de 4, 12 e 24 horas por meio de imagens obtidas em MEV
(Figuras 04 a 06).
7
(a)
(b)
FIGURA 04 – Micrografia da superfície de fratura da pasta referente à argamassa geopolimérica (AGI) com 4 horas de reação: a) magnificação de x1000 b) magnificação de x5000.
(a)
(b)
FIGURA 05 – Micrografia da superfície de fratura da pasta referente a argamassa geopolimérica (AGI) com 12 horas de reação: a) magnificação de x1000 b) magnificação de x5000.
(a)
(b)
FIGURA 06 – Micrografia da superfície de fratura da pasta referente a argamassa geopolimérica (AGI) com 24 horas de reação: a) magnificação de x1000 b) magnificação de x5000.
Como pode ser notado, não houve em baixa magnificação, diferença
significativa na microestrutura entre 4 e 24 horas de reação. Com maior
magnificação (x5000), percebe-se que, com 4 horas de idade a pasta ainda
apresenta material não reagido, gerando um perfil rugoso, mas sem trincas
aparentes. Com 12 horas, já se percebe a formação de trincas, em baixa
magnificação. Entretanto, a alta magnificação revela uma microestrutura mais
compacta, mas com muitas partículas de MK com núcleo ainda não reagido. Para 24
horas de idade não foi observada mudança significativa na estrutura. Entretanto, foi
8
constatado que não houve o consumo total do MK, já que um grande número de
aglomerados de MK mal reagidos ainda é encontrado nas superfícies de fratura
nesta idade.
A evolução da microestrutura das pastas referentes às argamassas AGIII e
AGIV foi avaliada nas idades de 2, 12 e 24 horas por meio de imagens obtidas em
MEV (Figuras 07 a 12).
(a)
(b)
FIGURA 07 – Micrografia da superfície de fratura da pasta referente à argamassa geopolimérica com 50% de EAF (AGIII) com 2 horas de reação: a) magnificação de x1000 b) magnificação de x5000.
(a)
(b)
FIGURA 08 – Micrografia da superfície de fratura da pasta referente à argamassa geopolimérica com 50% de EAF (AGIII) com 12 horas de reação: a) magnificação de x1000 b) magnificação de x5000.
(a)
(b)
FIGURA 09 – Micrografia da superfície de fratura da pasta referente à argamassa geopolimérica com 50% de EAF (AGIII) com 24 horas de reação: a) magnificação de x1000 b) magnificação de x5000.
9
(a)
(b)
FIGURA 10 – Micrografia da superfície de fratura da pasta referente à argamassa geopolimérica com 50% de EAF (AGIV) com 2 horas de reação: a) magnificação de x1000 b) magnificação de x5000.
(a)
(b)
FIGURA 11 – Micrografia da superfície de fratura da pasta referente à argamassa geopolimérica com 70% de EAF (AGIV) com 12 horas de reação: a) magnificação de x1000 b) magnificação de x5000.
(a)
(b)
FIGURA 12 – Micrografia da superfície de fratura da pasta referente à argamassa geopolimérica com 70% de EAF (AGIV) com 24 horas de reação: a) magnificação de x1000 b) magnificação de x5000.
As microestruturas das pastas referentes às argamassas AGIII E AGIV
apresentaram as mesmas características de evolução. Nas micrografias destas
pastas com duas horas foi observada uma grande quantidade de CVP ainda não
reagida. Com 24 horas observou-se uma matriz bem definida, variando apenas na
quantidade de CVP não consumida que é muito maior na microestrutura da pasta da
AGIII.
Foi detectada a presença de microfissuras em todas as superfícies de fratura,
provavelmente provocas pela secagem com acetona.
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CONCLUSÕES
As argamassas geopoliméricas liberam menos calor de reação do que a
argamassa elaborada com cimento CP-V ARI.
Dentre as argamassas geopoliméricas, a que apresentou maior calor de reação
total foi elaborada com MK (AGI) e a que apresentou menor calor total de reação foi
à argamassa elaborada com retardador (AGII).
A argamassa elaborada com MK (AGI) dentre as argamassas geopoliméricas
não retardadas foi a que apresentou maior tempo de início de pega.
A argamassa geopolimérica elaborada com 70% de EAF (AGIV) apresentou
calor de reação total maior do que a argamassa com 50% de EAF (AGIII).
A microestrutura da pasta referente à argamassa geopolimérica elaborada com
MK (AGI) não apresentou mudanças com o passar do tempo (mesmas
características com 4 e 24 horas), sendo constatada a presença de aglomerados
mal reagidos de MK nas superfícies da fratura com 24 horas.
As microestruturas das pastas referentes às argamassas elaboradas com EAF
e CVP (AGIII e AGIV) apresentaram as mesmas características de evolução,
desenvolvendo-se com o tempo (maior quantidade de matriz formada). Com 24
horas observou-se uma matriz bem definida, variando apenas na quantidade de
CVP não consumida que é muito maior na microestrutura da pasta com 50% de CVP
(AGIII).
É possível utilizar a garrafa de Langavant para determinar o calor de reação de
geopolímeros, mas é necessário salientar que nos cálculos leva-se em consideração
a massa de sólidos e que este é um parâmetro já avaliado em estudos com cimento
Portland, mas que pode gerar distorções quando utilizados em estudos com outros
tipos de materiais cimentícios.
AGRADECIMENTOS
Os autores gostariam de agradecer ao CNPq pelo suporte financeiro e ao
Departamento de Ciência dos Materiais e Metalurgia (DCMM/PUC-RIO) pelo
empréstimo das Garrafas de Langavant.
REFERENCIAS
11
1. DAVIDOVITS, J. Geopolymers: Inorganic polymeric new materials. Journal of Thermal Analysis. V. 37. 1991. pp. 1633-1656.
2. BARBOSA, V. F. F., MACKENZIE, K. J. D. and THAUMATURGO, C.. Silica: sodium polysialate polymers. International Journal of Inorganic Materials. V. 2, 2000, pp. 309-317.
3. ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 12006: Cimento – Determinação do calor de hidratação pelo método da Garrafa de Langavant. Rio de janeiro, 1990. 12p.
4. JOHN, V. M. Cimentos de escória ativada com silicatos de sódio. Tese de Doutorado (Departamento de Engenharia de construção civil). Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. São Paulo. 1995. 200f.
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