12
Ex Corde © Direitos Autorais, 2008, Gilson Santos www.gilsonsantos.com.br 1 JOÃO CALVINO O PASTOR, O MINISTÉRIO PASTORAL E AS EPÍSTOLAS PASTORAIS Gilson Santos Ser pastor significa conduzir o rebanho, esforçando-se por prover- lhe o alimento e por oferecer-lhe a proteção contra os perigos. Nosso Senhor Jesus Cristo utilizou esta palavra para descrever sua própria obra, sendo sempre, Ele mesmo, o sumo Pastor e Bispo sob quem os homens são chamados a pastorear "o rebanho de Deus". É preciso apascentar as ovelhas, apartar os bodes, afugentar os lobos, e postar-se alerta em relação ao salteador e ao mercenário. Ao dar pastores à sua Igreja, Cristo, através do Ministério da Palavra exercido por eles, equipa todo o seu povo para os ministérios variados. Isto será de grande benefício para aqueles que exercem o seu ministério com fidelidade, assim como para aqueles que o recebem, pois é nesta dinâmica que a igreja torna-se cada vez mais saudável e madura. Neste propósito, todo pastor precisa desempenhar vários papéis, a fim de permanecer fiel a sua chamada. Antes de tudo, o pastor é um discípulo de Cristo e membro do Corpo do Senhor. Além disso, tem ele uma família: é filho, irmão... E geralmente é também esposo e pai. É, pois, fato notório que se espera de um pastor muitas coisas. Muitas das vezes, entretanto, as expectativas são completamente irreais. Por vezes o exercício pastoral acaba por comparar-se pateticamente ao malabarismo circense, ou à rotina de uma enfermeira num berçário de maternidade. Em muitos círculos do evangelicalismo moderno, espera-se que os pastores abandonem a função de pastorear, para se tornarem executivos. Muitos pastores famosos assemelham-se a presidentes de grandes empresas, e não ao modelo do pastor humilde apresentado no Novo Testamento. Os seus auxiliares também respiram o ar de diretores da empresa. Igrejas têm assumido uma complexa e intrincada estrutura empresarial, o que exige especialistas bem-sucedidos para gerenciá-las. Não é incomum vermos pastores lutando por uma auto-realização e, neste processo, esquecendo e negligenciando suas esposas e filhos, e suas prioridades ministeriais. Alguns, não suportando as pressões de residirem numa casa de vidro, transparente, têm caído vencidos pelo cansaço, pelo desânimo e pelo desespero. Outros estão desistindo do ministério por fracassos morais

Calvino ministerio pastoral

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Calvino ministerio pastoral

Citation preview

Page 1: Calvino ministerio pastoral

Ex Corde

© Direitos Autorais, 2008, Gilson Santoswww.gilsonsantos.com.br

1

JJOOÃÃOO CCAALLVVIINNOO –– OO PPAASSTTOORR,, OO MMIINNIISSTTÉÉRRIIOO

PPAASSTTOORRAALL EE AASS EEPPÍÍSSTTOOLLAASS

PPAASSTTOORRAAIISS ––

Gilson Santos

Ser pastor significa conduzir o rebanho, esforçando-se por prover-lhe o alimento e por oferecer-lhe a proteção contra os perigos. Nosso Senhor Jesus Cristo utilizou esta palavra para descrever sua própria obra, sendo sempre, Ele mesmo, o sumo Pastor e Bispo sob quem os homens são chamados a pastorear "o rebanho de Deus". É preciso apascentar as ovelhas, apartar os bodes, afugentar os lobos, e postar-se alerta em relação ao salteador e ao mercenário. Ao dar pastores à sua Igreja, Cristo, através do Ministério da Palavra exercido por eles, equipa todo o seu povo para os ministérios variados. Isto será de grande benefício para aqueles que exercem o seu ministério com fidelidade, assim como para aqueles que o recebem, pois é nesta dinâmica que a igreja torna-se cada vez mais saudável e madura. Neste propósito, todo pastor precisa desempenhar vários papéis, a fim de permanecer fiel a sua chamada. Antes de tudo, o pastor é um discípulo de Cristo e membro do Corpo do Senhor. Além disso, tem ele uma família: é filho, irmão... E geralmente é também esposo e pai. É, pois, fato notório que se espera de um pastor muitas coisas. Muitas das vezes, entretanto, as expectativas são completamente irreais. Por vezes o exercício pastoral acaba por comparar-se pateticamente ao malabarismo circense, ou à rotina de uma enfermeira num berçário de maternidade. Em muitos círculos do evangelicalismo moderno, espera-se que os pastores abandonem a função de pastorear, para se tornarem executivos. Muitos pastores famosos assemelham-se a presidentes de grandes empresas, e não ao modelo do pastor humilde apresentado no Novo Testamento. Os seus auxiliares também respiram o ar de diretores da empresa. Igrejas têm assumido uma complexa e intrincada estrutura empresarial, o que exige especialistas bem-sucedidos para gerenciá-las. Não é incomum vermos pastores lutando por uma auto-realização e, neste processo, esquecendo e negligenciando suas esposas e filhos, e suas prioridades ministeriais. Alguns, não suportando as pressões de residirem numa casa de vidro, transparente, têm caído vencidos pelo cansaço, pelo desânimo e pelo desespero. Outros estão desistindo do ministério por fracassos morais

Page 2: Calvino ministerio pastoral

Ex Corde

© Direitos Autorais, 2008, Gilson Santoswww.gilsonsantos.com.br

2

e familiares, e ainda há outros que se ressentem de abusos e do não reconhecimento por parte de igrejas indóceis. Em alguns contextos vêm se multiplicado os escândalos envolvendo “pastores e líderes evangélicos”, com grande reverberação pela mídia. Para uma significativa parcela da sociedade, setores ditos “evangélicos” ou “protestantes” sucumbiram em meio a uma falência ético-moral. Some-se a isto o fato de que em contextos onde a chamada “fatia evangélica” vem experimentando um crescimento avassalador (segundo indicam as estatísticas), tal reflete uma modificação social, econômica e cultural que incomoda a escuderia de alguns setores estabelecidos. Porém, seja como for, há um desencanto de muitos com os ditos “pastores”. O título que Davi atribuiu a Yahweh, utilizado por Jesus Cristo para si mesmo, e ao qual a Bíblia recorre para descrever os líderes do povo de Deus, vem sofrendo um desgaste sem precedentes. É de completa desconfiança a reação que alguns têm diante de alguém que se apresenta como “pastor”. Relembrado o fato de que o melhor pastor foi crucificado por um mundo iníquo, e descontados todos os eventuais ingredientes reprováveis naqueles que emitem os conceitos deméritos, ainda assim permanece o fato de que pastores têm sido qualificados como “corruptos”, “extorsionários”, “ladrões”, “ludibriadores”, “interesseiros”, “aproveitadores”, “mercenários”, “hipócritas”, “cínicos”, “debochados”, “imorais”, “egoístas”, “indolentes”, “ociosos”... Enfim, quer isto expresse um nivelamento indevido, preconceituoso e unilateral, quer reflita o paladar e todo o ressentido dissabor de um mundo em trevas, ou quer resulte de deliberado baralhamento, ainda assim não há como ignorar que também reflete a verdade em alguma proporção. De fato a Palavra de Deus sempre antecipou que veríamos “lobos vorazes que não poupariam o rebanho”. Já o próprio Senhor advertia os seus contemporâneos: “Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores”. Pelo fim da era apostólica, Judas escrevia acerca dos líderes que “se introduziram com dissimulação”, e que, disse ele, são “homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo”. “Estes homens são como rochas submersas, em vossas festas de fraternidade, banqueteando-se juntos sem qualquer recato, pastores que a si mesmos se apascentam; nuvens sem água impelidas pelos ventos; árvores em plena estação dos frutos, destes desprovidas, duplamente mortas, desarraigadas; ondas bravias do mar, que espumam as suas próprias sujidades; estrelas errantes, para as quais tem sido guardada a negridão das trevas, para sempre”. O vaticínio de Cristo é o seguinte: “Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é inevitável que venham escândalos, mas ai do homem pelo qual vem o escândalo!”. Há que se reconhecer, portanto, que escândalos têm vindo, e que é grande o desgaste para o ministério pastoral. Um tema urgente e momentoso é, pois, a recuperação do ministério pastoral reformado. Uma das áreas grandemente responsáveis pelo atual enfraquecimento do testemunho evangélico tem a ver com este aspecto. Temos hoje grande necessidade de referência pastoral, e talvez até de modelos pastorais em igrejas locais. Parece-nos assim que devemos orar por um ministério pastoral com genuína piedade cristã, com integridade moral, no qual o espírito de serviço e renúncia seja recuperado, em que a ortodoxia doutrinal seja valorizada e amada, e a excelência acadêmica seja almejada

Page 3: Calvino ministerio pastoral

Ex Corde

© Direitos Autorais, 2008, Gilson Santoswww.gilsonsantos.com.br

3

ou, ao menos, respeitada. Precisamos de graça tal que nos afete positivamente, reavivando-nos nestas áreas. O contexto atual vem impondo enormes e singulares desafios aos genuínos pastores – e os há, certamente, pela graça de Deus! Penso que estamos certos em presumir que muitos irmãos e colegas pastores têm manifestado algum desalento no contexto em que militam. Há muitos ministros piedosos entre nós que, crescentemente, vêm experimentando uma carência de maior graça no ministério pastoral, e que resistem à idéia de sucumbir diante das tendências tão atraentes das metodologias pragmáticas da moda. Com incomum intensidade, alguns sentem a premência pelo desfrutar de copiosa graça divina no ministério pastoral. Precisamos urgentemente resgatar uma cosmovisão reformada (bíblica) aplicada ao ministério pastoral. E necessitamos do favor divino para nos tornarmos relevantes em nossa geração. JOÃO CALVINO E O PASTOR REFORMADO João Calvino (1509-1564) é um dos principais responsáveis pela restauração do presbiterato, o que lhe custou muito ódio. O concurso de Calvino para a compreensão bíblica do ministério pastoral é enorme. Ele ofereceu decisiva contribuição para remover o pó que, em camadas sucessivas, encobria o presbítero bíblico e histórico. Ao falarmos sobre Calvino, uma palavra inicial parece bastante apropriada. Poucas pessoas na história do cristianismo têm sido tão mesquinhamente desprezadas quanto João Calvino. Era ele o primeiro a fazer a afirmação de sua própria pecaminosidade, fazendo questão de quebrar qualquer “aura de perfeição” que lhe atribuíssem. No segundo livro das Institutas escreve Calvino que “aquele que se escrutina e se examina de acordo com o padrão do julgamento divino não encontra nada para erguer seu coração rumo à autoconfiança”. Calvino estava de pleno acordo com a opinião que o próprio Deus tinha a seu respeito. A doutrina calvinista toma a sério a noção da Queda, pois ela permite-nos ver a nós mesmos como realmente somos, em toda a nossa necessidade e miséria, e ainda insistir na bondade de Deus. Calvino concordava entusiasticamente com Agostinho, que ensinou que a Queda tivera conseqüências desastrosas para toda a espécie humana. Assim como Abraão, Moisés, Davi ou Paulo, ou como Agostinho e Lutero, João Calvino certamente teve do que arrepender-se e envergonhar-se, e, como os tais, não foi de maneira nenhuma universalmente apreciado. Quando o seu fim estava bem próximo, os ministros de Genebra aglomeraram-se em sua casa para ouvir sua mensagem de despedida. Timothy George transcreve para nós parte dessa palavra, em que Calvino relembrou o curso turbulento de sua carreira, e tentou colocar sua própria vida em perspectiva: Cometi muitos erros com os quais vocês terão de se conformar, e tudo o que fiz não valeu nada. Os ímpios vão tirar proveito dessas palavras. Mas repito que tudo o que fiz não vale nada e que sou uma criatura miserável. Isso, porém, posso dizer: que sempre desejei fazer o bem e meus erros sempre me desagradaram, e o temor de Deus está arraigado em meu coração. De modo que vocês podem dizer que minhas intenções foram boas, e oro para que o mal me seja perdoado, e, se tiver havido alguma coisa boa, que vocês se ajustem a ela e a sigam.

Page 4: Calvino ministerio pastoral

Ex Corde

© Direitos Autorais, 2008, Gilson Santoswww.gilsonsantos.com.br

4

A respeito de minha doutrina, ensinei fielmente e Deus me deu a graça de escrever. Fiz isso do modo mais fiel possível e nunca corrompi uma só passagem das Escrituras, nem conscientemente as distorci. Quando fui tentado a requintes, resisti à tentação e sempre estudei a simplicidade. Não podemos simplesmente retirar Calvino de seu contexto e venerá-lo como o teólogo e ministro perfeito. Convém, neste aspecto, interagir com a história segundo o seu tempo, e não com os olhos judiciosos de quem emprega critérios contemporâneos para analisar o passado. Não obstante, desprezando-se a calvinolatria, será ainda muitíssimo farta a bibliografia demonstrando que o alcance humanista da cosmovisão do reformador francês era muito superior ao que se via em seu contexto. Um estudo desapaixonado constatará que Calvino ultrapassou em muito alguns dos limites que a chamada cristandade havia produzido até ali. Sugere Justo Gonzalez que Calvino “deve ser lido novamente, à luz de sua profunda preocupação pastoral e do momento histórico em que viveu – no final do período formativo da teologia protestante. A partir desta perspectiva, ele emerge como um dos mais importantes teólogos cristãos de todos os tempos”. Karl Barth (1886-1968) confidenciou que poderia “feliz e proveitosamente assentar-se e passar o resto de sua vida somente com Calvino”. Dito isso, podemos prosseguir dizendo que, confrontada com uma rigorosa análise das Escrituras, a teologia de João Calvino muito provavelmente estará sujeita a algum reparo – e particularmente a eclesiologia. Não obstante, é mister reconhecer que a meta de sua vida e ministério era ser um servo fiel da Palavra de Deus. E no que concerne à eclesiologia, em geral Calvino acreditava que a restauração do cristianismo requeria um retorno à organização primitiva da igreja. Enquanto Martinho Lutero (1483-1546) cria que era necessário deixar de lado somente aqueles elementos na tradição da igreja que contradiziam a Escritura, Calvino e os teólogos reformados sentiram que a Reforma que era necessária devia ir além e restaurar o cristianismo primitivo, segundo os padrões do Novo Testamento. Calvino estava propenso a incluir apenas o que as Escrituras ensinavam de modo explícito acerca do ministério eclesiástico. Este seu postulado básico e regulador moldou sua doutrina, seu ministério, e a liturgia que advogou. Calvino via a Reforma como algo que representava um desafio às estruturas, às práticas e às doutrinas existentes da Igreja – um programa de Reforma que não estava vinculado a qualquer situação local, mas que possuía a capacidade de transcender divisões geográficas, culturais e políticas. Seus horizontes eram amplos, portanto. E para Calvino, a vida da Igreja é ordenada de cima, visto que a Cabeça dela é o Senhor Jesus Cristo. Por determinação do Pai, de uma maneira suprema e soberana, nEle está investido o poder de chamar, instituir, ordenar e governar a Igreja. E Cristo atua por intermédio do Espírito Santo, distribuindo os dons. Calvino aplicou à igreja as antigas metáforas de Mater e Schola. Somos concebidos no ventre da igreja mãe, amamentados em seu seio e registrados como pupilos em sua escola todos os dias de nossa vida. As imagens entrelaçadas da igreja como mãe e escola são recorrentes nos comentários às Epístolas Pastorais. Falando da educação de Timóteo, ele diz: “Tendo sido corretamente instruído na fé desde tua infância, e tendo sido, por assim dizer, amamentado na sã doutrina com o leite de tua mãe, e mesmo agora ainda tens mantido contínuo progresso nela, esforça-te para que, mediante um ministério fiel, proves que és ainda o mesmo (Com. 1Tm 4.6).

Page 5: Calvino ministerio pastoral

Ex Corde

© Direitos Autorais, 2008, Gilson Santoswww.gilsonsantos.com.br

5

Calvino, dedicando o quarto livro de suas Institutas à igreja, fala da necessidade do pastorado: “Para que a pregação do evangelho possa florescer, Ele [Cristo] depositou esse tesouro na Igreja. Ele instituiu ‘pastores e mestres’ por cujos lábios Ele possa ensinar os seus; concedeu-lhes autoridade; por fim, não omitiu nada que pudesse contribuir para o Santo acordo de fé e à devida ordem”. A igreja, organizada de acordo com a mente de Cristo, consiste de oficiais e membros. Calvino encontrou as tarefas do pastor em toda a Bíblia. Especificamente, observou que “o ensino e o exemplo do Novo Testamento estabelecem a natureza e a obra do pastorado no chamado e no ensino dos apóstolos”. Isso, afirmou ele, faz com que a determinação da obra ministerial na igreja seja um aspecto importante da teologia. Aboliu ele a distinção ou desigualdade entre os ofícios de presbítero e bispo, repelindo a suplantação do primeiro pelo segundo. Os presbíteros são bispos na ordenação e na função. E é a igreja que elege seus próprios pastores, que devem ser pessoas que ela julga exemplares tanto na doutrina quanto na vida. Mas os outros pastores que devem concordar com este julgamento estão presentes para garantir que as igrejas não se desviem do ensino da Escritura. Para Calvino as qualidades do bispo são a sã doutrina, a vida santa e o bom conceito, para que a autoridade não seja prejudicada e nem a dignidade de seu ministério. Ao presbiterato cabe a supervisão, o ministério da Palavra, a doutrina, com o ensino espiritual público e particular, o governo e disciplina, a ministração dos sacramentos, a administração dos bens... Compete ao seu ofício, individual e coletivamente, vigiar diligentemente pelo rebanho entregue aos seus cuidados, de tal forma que nem a corrupção da doutrina nem a da moral penetre na igreja. Contra a prática católico-romana, Calvino afirma que a disciplina deve ser administrada conjuntamente pelos pastores e pela igreja. A igreja não é uma superestrutura envolvendo todo o mundo. A igreja é criação especial do Espírito Santo, fruto na história da divina e soberana eleição, e pela disciplina, os membros do corpo eram mantidos juntos, cada um em seu lugar próprio. É necessário reconhecer, não obstante, que alguns corolários essencialmente bíblicos das idéias eclesiásticas e civis de Calvino só surgirão bem depois, uma vez que essas não foram além da Igreja-Estado magisterial herdada do período medieval. Pelas lentes contemporâneas Calvino talvez não seja o melhor exemplo de tolerância para com os dissidentes. Não obstante, a imagem de Calvino como o “ditador de Genebra” não guarda relação com os fatos históricos conhecidos. Um pesquisador que se debruce diligentemente sobre a laboriosa reforma genebrina há de constatar que nenhuma parte da lei ou do ordenamento civil de Genebra – com as exceções do Consistório e da Venerável Companhia de Pastores – devia a Calvino sua existência, sua forma ou sua consentida esfera de atividade. A despeito de alguns, com uma hermenêutica histórica contemporânea, o combaterem como um ditador intolerante na cidade suíça, Calvino encontra-se na gênese da representação popular moderna. Rompendo com o mundo em que viveu e cresceu – uma era de ostentações palacianas e que prenunciava o auge dos absolutismos monárquicos – Calvino prestigiou uma república que desfrutava do governo de um Consistório de Ministros do Culto, e cuja forma de administração era não-hierárquica e representativa. As Ordenanças Eclesiásticas (1541), que deram à igreja genebrina sua forma e identidade características, foram elaboradas por Calvino quase que imediatamente após seu retorno a Genebra, do período de seu exílio em Estrasbrugo. Alister McGrath observa

Page 6: Calvino ministerio pastoral

Ex Corde

© Direitos Autorais, 2008, Gilson Santoswww.gilsonsantos.com.br

6

que, “convencido da necessidade de uma igreja disciplinada, bem organizada e estruturada, ele procedeu à elaboração de diretrizes detalhadas, que disciplinavam cada aspecto de sua existência”. Deste modo, Calvino ofereceu sua contribuição à Igreja, equipando-a para sobreviver à hostilidade de seu contexto. O aspecto mais típico e controvertido do sistema de administração eclesial elaborado por Calvino, como foi dito, era o Consistório. A instituição surgiu em 1542, composta por doze líderes “leigos” (que eram anualmente escolhidos pelos magistrados) e por todos os membros da Venerável Companhia de Pastores (que eram nove, em 1542, e dezenove, em 1546). A intenção era de que esse colegiado se reunisse semanalmente, às quintas-feiras, com o propósito de manter a disciplina eclesiástica. McGrath observa que “Calvino estava consciente da importância das estruturas e das disciplinas eclesiais e idealizou um modelo de igreja que se mostrou incrivelmente adequado ao programa de expansão internacional que ele incitava. Expandir-se é uma coisa; sobreviver a essa expansão é algo bem diferente”. Para Calvino, onde a Palavra de Deus não é honrada, não há igreja. E a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada e revelada em linguagem humana e confirmada ao cristão pelo testemunho interior do Espírito Santo. Assim como Lutero, Calvino afirmava que as Escrituras são o ventre de onde a igreja nasce, e não vice-versa. E a teologia, propriamente dita, era uma teologia dentro dos limites da revelação apenas. Deus foi capaz de se comunicar com os seres humanos através da linguagem humana. Essa crença é fundamental, a ponto de ser um axioma para a perspectiva de Calvino a respeito do cristianismo. A revelação é para ele um ato de condescendência divina, através do qual Deus transpõe o abismo entre si próprio e suas capacidades e a humanidade pecadora com suas frágeis potencialidades. E essa capacidade de Deus em condescender, em se rebaixar, em se adaptar às nossas capacidades, é um sinal de seu amor misericordioso e de seu cuidado por nós. O Senhor Jesus Cristo, o redentor, – foco central da vida e ministério de João Calvino – é revelado nas Escrituras Sagradas. E, à medida que Deus revelou a si mesmo em Jesus Cristo, torna-se crucial reverenciar e interpretar, corretamente, o único meio através do qual se pode obter o pleno e definitivo acesso a Deus – as Escrituras. Pelo fato de Jesus Cristo ser conhecido somente através dos registros bíblicos, assegura-se, assim, a centralidade e a indispensabilidade das Escrituras, tanto para o teólogo quanto para os fiéis. Uma vez estabelecido em Genebra, em suas primeiras cartas Calvino referia-se a si mesmo como “leitor das Sagradas Escrituras à igreja de Genebra”. Mesmo tendo assumido diversas outras tarefas ao longo dos anos, sua vocação básica permaneceu a de pastor e mestre. Calvino pregou muito! Pregava várias vezes por semana, quase que diariamente; e pregava duas vezes aos domingos. Produziu um volume enorme de sermões. Isto é simplesmente notável, quando se toma em conta a amplitude e o ritmo do seu trabalho intelectual – escrevendo seus monumentais livros e comentários e atendendo a sua vasta correspondência – isso tudo em meio às situações pastorais de cada dia, numa cidade tão cheia de problemas como Genebra. Não chega a surpreender-nos o fato de que um homem assim tenha lutado com uma saúde bastante precária. Neste aspecto, é bom salientar que desde seus dias de estudante em Paris, Calvino fora frágil e com freqüência doente. Para Calvino, meio e mensagem estão intrinsecamente entrelaçados. A importância da pregação no pensamento e na prática de Calvino dificilmente pode ser exagerada.

Page 7: Calvino ministerio pastoral

Ex Corde

© Direitos Autorais, 2008, Gilson Santoswww.gilsonsantos.com.br

7

Verifica-se nos sermões de Calvino uma combinação admirável de teólogo, exegeta e pastor. Suas mensagens, além de calcadas na boa doutrina, tinham sempre uma aplicação prática às necessidades de seus ouvintes. Da importância dada ao sermão se entende o lugar que ele ocupa na liturgia calvinista – o lugar central. O sermão deve refletir a fiel interpretação da verdade revelada nas Escrituras, dirigida aos problemas do momento. Neste particular, é notável o empenho calvinista a fim de trazer a doutrina à exigência da vida cotidiana para uma aplicação existencial. Calvino acreditava no valor da Palavra de Deus e na pregação como instrumento eficaz escolhido pela providência divina para acomodar a sua mensagem ao entendimento limitado do homem. Tendo isto diante de si, Calvino demonstra em seus sermões um profundo respeito para com a Palavra de Deus, a ponto de pensar que o estilo rebuscado e floreado pudesse prejudicar a clareza da mensagem. Em muitos casos, toma o texto e vai analisando e aplicando consecutivamente. Seu estilo simples não é simplório, todavia. Nele há riqueza de pensamento, propriedade dos juízos e oportunidade das idéias. São sermões cruciais, pesados e decisivos. Neles Calvino revela-se intenso na expressão e forte na substância. Por meio deles o pregador genebrino convocava os seus ouvintes à face de Deus. As cartas e relatórios pastorais de Calvino refletem uma rica compreensão do compromisso de pregar a Palavra com grande paixão e zelo, profundo interesse e cuidado com o bem-estar espiritual dos homens. AS EPÍSTOLAS PASTORAIS João Calvino, o autor das Institutas, dedicou-se laboriosamente a comentar as Escrituras Sagradas. O seu volume de comentários nas Pastorais é de particular interesse aqui. Lançado em português por Edições Parácletos, este volume está sendo reeditado pela Editora Fiel, valendo-se da esmerada tradução de Valter Graciano Martins, e das notas pela Baker, com citações que remetem para os originais no idioma francês, para o texto bíblico latino, e para alguns desenvolvimentos em sermões de Calvino. Nos comentários, o maior exegeta do século XVI recorre a seu excelente conhecimento do grego e a seu treinamento profundo na filosofia humanista. Ao transmitir-nos este legado, Calvino revela ainda a sua dívida para com os exegetas clássicos dos tempos patrísticos. A despeito de tudo isto, todo o trabalho exegético é marcado por um lado pela brevidade e, por outro, pela modéstia deste “estudioso pobre e tímido”, como descreveu a si mesmo. Além disso, como alguém já tem salientado, cumpre lembrar que os comentários de Calvino não foram “escritos numa torre de marfim, mas contra um contexto tumultuado”. As quatro cartas comentadas por Calvino nesse volume foram dirigidas a pessoas, enquanto que as restantes cartas paulinas foram destinadas a igrejas. São quatro cartas, indubitavelmente, bastante pessoais. Além das Epístolas a Timóteo e a Tito, soma este volume o comentário sobre a única carta pertencente à correspondência privada de Paulo que se tem encontrado: Filemom. Apesar de muito breve, é um texto de grande encanto e beleza, e que tem atraído a atenção de respeitados comentadores. Muito íntima, é uma epístola que nos leva para bem perto do coração de Paulo. Ela exibe uma terna ilustração de como o evangelho opera nos corações e frutifica em boas obras.

Page 8: Calvino ministerio pastoral

Ex Corde

© Direitos Autorais, 2008, Gilson Santoswww.gilsonsantos.com.br

8

Entretanto, ainda que à primeira vista sejam pessoais e privadas, as chamadas Epístolas Pastorais têm um significado e uma importância que vão muito além da mera referência pessoal. Em sua introdução à Primeira Epístola a Timóteo, Calvino chega a dizer: “Em minha opinião, esta epístola foi escrita mais por causa de outros do que por causa de Timóteo mesmo”. Na introdução à Epístola a Tito ele infere que “esta não é tanto uma carta específica dirigida a Tito, mas uma epístola pública destinada aos cretenses”. Calvino nunca questionou a autoria paulina das Pastorais, e, em harmonia com a erudição bíblica moderna, ele as via como cartas públicas sobre a ordem da igreja. Ele percebeu com clareza o significado eclesiástico destas epístolas. Tertuliano (c. 155-220) já dissera que Paulo escreveu “duas cartas a Timóteo e uma a Tito, com respeito ao estado da Igreja (de ecclesiastico statu)”. E um título que estas epístolas receberam fora o de Cartas Pontifícias, visto que pontifex é sacerdote, o que exerce diretiva religiosa. Não obstante a sua inadequação, tal título já chamava a atenção para o aspecto do governo eclesiástico. Tomás de Aquino (1225-1274), escrevendo acerca da Primeira Epístola a Timóteo, menciona-a como se fosse “uma regra pastoral que o Apóstolo deu a Timóteo”. Em sua introdução à Segunda Epístola, ele escreve: “Na primeira Carta a Timóteo, são dadas instruções acerca da ordem eclesiástica; na segunda refere-se ao cuidado pastoral...”. Assim, estas três cartas, que formam um grupo distinto na coletânea de escritos paulinos, receberam o título que se popularizou desde a obra de Paul Anton (1661-1730) em 1726, a saber, o de “As Epístolas Pastorais”. Nas três epístolas dirigidas a jovens ministros, a supervisão do rebanho é uma preocupação constante, revelando o grande interesse apostólico pelos deveres dos que são chamados para apascentar o rebanho de Deus. Como se conduzir na Casa de Deus, que é a Igreja do Deus Vivo? Como administrá-la? Quais os predicados exigidos para os oficiais da igreja? Como enfrentar as ameaças que põem em perigo a pureza da fé e da vida cristã? Estas questões vitais são tratadas pelo apóstolo nessa sua correspondência. O interesse precípuo do apóstolo nas Pastorais é, contudo, a preservação e propagação da verdade do evangelho, e a promoção e manutenção de uma salutar conduta cristã por parte dos pregadores e seus rebanhos. Importa que o evangelho da graça salvadora seja recebido em sua plenitude, e fielmente comunicado a outros em sua integridade. Não deve deixar de chamar a nossa atenção a expressão característica de Paulo: “Esta é uma palavra fiel”. Sua ocorrência cinco vezes nestas epístolas a torna proverbial. É sob esta perspectiva que vislumbram-se as exortações visando à disciplina, à fidelidade na pregação e no ensino da Palavra de Deus, à necessidade de ordem condigna na igreja, à importância de confiar o ministério e a supervisão das congregações somente a pessoas de qualidades morais provadas e firmes. À medida que se aproximava o fim da era apostólica, e num período quando estavam surgindo rapidamente as heresias, era necessário que o Espírito de Deus deixasse por escrito uma revelação clara a respeito da orientação das futuras igrejas. O ambiente ideal para a formação do pastor é a igreja. O modelo ideal para a formação do pastor é um outro pastor, numa atitude que espelhe o Senhor Jesus Cristo. A idéia cristã sobre o ministério tem uma fonte primária, a saber, a própria vida e missão de Jesus Cristo. Este é o cerne do padrão do Novo Testamento, e não há como fugir disso. A obra de Timóteo, provavelmente, era realizada principalmente em meio aos anciãos. Numa época em que não havia os modernos seminários e escolas teológicas, era

Page 9: Calvino ministerio pastoral

Ex Corde

© Direitos Autorais, 2008, Gilson Santoswww.gilsonsantos.com.br

9

necessário prepará-los no contexto da congregação local. E isto era feito, a despeito das perseguições e da falta de facilidades daquela época. Timóteo pode ter agido como um docente, ensinando outros líderes, e cuidando para que os mesmos evidenciassem as claras e definidas qualificações, que são estabelecidas para os oficiais em todas as épocas. Ministério semelhante realizava Tito em Creta, encarregado de ordenar presbíteros, e equipar os salvos. Coloquemo-nos no lugar de Tito, mourejando em meio a difíceis circunstâncias, e poderemos compreender um pouco melhor o valor da epístola, contendo as tão bem-vindas instruções do seu veterano mestre. Em alguns contextos, tem se verificado a tendência de escolher homens inadequados para o presbitério simplesmente para se ter “uma estrutura mais bíblica”. Em outros, a tendência é acolher pessoas de grande carisma e autoridade, tidas como “salvadores da pátria”, e transferir toda a responsabilidade às mãos delas. Se as Pastorais nos informam algo de muito importante e inolvidável acerca da estrutura bíblica da igreja, entretanto, talvez uma das principais lições seja a de que o caráter espiritual tem primazia sobre a estrutura. O que dizer de uma estrutura bíblica ocupada por homens neófitos, imaturos, desonestos, hereges ou algo pior? Os santos serão aperfeiçoados por aqueles que foram chamados, constituídos, habilitados e dados por Cristo à sua Igreja. O Novo Testamento nunca contempla a situação em que a igreja comissiona e investe pessoas num ministério para o qual lhes falta tanto a chamada divina quanto o equipamento divino. O mandatário da comunidade é um irmão que se projeta entre os membros mais judiciosos e respeitáveis. O ocupante do presbitério é investido, portanto. É um homem que se realça, no ofício do presbiterato, mas que não se apossa de uma situação, por sua livre escolha, impondo-se à comunidade como um fato que se consuma à revelia dela. A palavra ancião (Gr. presbyteros), naturalmente, sugere a idéia de mais experiência, e, certamente, onde se puderem alcançar as outras qualificações, a maturidade e a sabedoria geralmente conquistadas com a idade são também desejáveis. Calvino notou, todavia, que a palavra não descrevia uma idade, mas um ofício. É necessário que observemos o conselho de Paulo a Timóteo: "E o que de minha parte ouviste através de muitas testemunhas, isso mesmo transmite a homens fiéis e também idôneos para instruir a outros". Os homens que Paulo tinha em mente deveriam ser primeiramente ministros da Palavra, cuja função principal é ensinar. Anciãos cristãos, "despenseiros de Deus", como Paulo escreve a Tito, porque tanto a família de Deus como a verdade de Deus lhes foram confiadas. E o requisito fundamental para os despenseiros é que sejam "homens fiéis". Além disso, devem ser "também idôneos para ensinar a outros". Aqui também se aduz, além do caráter, a capacidade de ensinar. É desta forma que se dá, idealmente, a transmissão da doutrina dos apóstolos. Foi o mesmo apóstolo quem relembrou a Timóteo que a Igreja é "coluna e baluarte da verdade". Os pastores, por conseguinte, devem ser completamente ensinados nas Escrituras, para que possam instruir corretamente a congregação na doutrina de Cristo. Timothy George chama a atenção para o fato que Calvino não queria ter relações com aqueles “que alegavam para si o título de bispo, que circulavam vestidos em roupas teatrais, mas que de fato eram ‘manequins que nunca pregam’.” Num pastor, o aprendizado profundo devia ser acompanhado de um talento para ensinar. Calvino escreve em seu comentário:

Page 10: Calvino ministerio pastoral

Ex Corde

© Direitos Autorais, 2008, Gilson Santoswww.gilsonsantos.com.br

10

Não é suficiente que uma pessoa seja eminente no conhecimento profundo, se não é acompanhada do talento para ensinar. Há muitos, seja por causa da pronúncia defeituosa, ou devido à habilidade mental insuficiente, ou porque não estejam suficientemente em contato com as pessoas comuns, o fato é que guardam seu conhecimento fechado em seu íntimo. Tais pessoas, como diz a frase, devem cantar para si próprias e para as musas – e vão e fazem qualquer outra coisa. Os que são incumbidos de governar o povo devem ser qualificados para a docência. E o que se exige aqui não é propriamente uma língua leviana, porquanto nos deparamos com muitos cuja livre fluência nada contém que sirva para edificar. Paulo está, antes, recomendando sabedoria no traquejo de aplicar a Palavra de Deus visando à edificação de seu povo. (...) Quão longe estava da intenção de Paulo de poderem eles assumir o título de bispo e vangloriar-se de ser um manequim que nunca fala, senão que só aparecem em público vestidos de vestes teatrais. Como se uma mitra cornuda, um anel ricamente engastado de jóias, uma cruz de prata e outras bagatelas mais, acompanhados de uma exibição ociosa constituíssem o governo espiritual de uma igreja, a qual de fato não pode separar-se do ensino mais que a um homem é possível separar-se de sua alma. (Com. 1Tm 3.2). Cristo governa a Igreja mediante a sua Palavra. Dentro desta perspectiva, e nos limites e ditames da Palavra, é que Calvino contempla o pastor como incumbido do governo e da pregação, tendo esta o propósito de edificação. O pregador não deve “esvoaçar em torno das sutilezas da curiosidade frívola”. A pregação não deve ser apenas sã doutrinariamente, mas precisa também buscar o “benefício concreto” da igreja, isto é, deve ser prática, aplicável, discriminativa. Deve buscar o “sólido avanço da Igreja” (Com. Tt 1.9). Calvino escreve em seu comentário na Epístola a Tito: “O pastor necessita de duas vozes: uma para ajuntar as ovelhas, e outra para espantar os lobos e ladrões” (Com. Tt 1.9). O papel disciplinador do pastor exige que sua própria conduta esteja acima de qualquer censura. Calvino chega ao ponto de dizer, quando trata da poligamia: “Mas ele [Paulo] poderia, até certo ponto, tolerar em outros aquilo que nos bispos era excessivamente desditoso e impossível de tolerar” (Com. 1Tm 3.2). A leitura de todo este comentário em seu devido contexto revelará que Calvino não está recaindo na moralidade dicotômica da cristandade ocidental, advogando um padrão duplo entre o bispo e o fiel. O que ele diz, entretanto, serve para exemplificar a sua convicção de que um ministro indigno pode causar danos irreparáveis à congregação. Nas Epístolas Pastorais Paulo faz a sua despedida final, fortemente comovedora. Nelas lançamos o nosso último olhar para o operoso apóstolo da bimilenar cristandade, preste a depor as armas, deixar o campo de batalha e ir receber a coroa de glória do vencedor em Cristo. Mesmo vergando ao peso da solidão, e ciente da proximidade da morte, ouvimos o seu brado de vitória: “Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo da minha partida é chegado. Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda”.

Page 11: Calvino ministerio pastoral

Ex Corde

© Direitos Autorais, 2008, Gilson Santoswww.gilsonsantos.com.br

11

Por causa de sua incalculável importância, B. H. Carroll (1843-1914) chamava as Epístolas Pastorais de o vade-mécum do pregador, isto é, seu companheiro inseparável. Devido ao seu supremo interesse moral, ético e prático, as Epístolas Pastorais são vitais para as igrejas e seus pastores. Elas são o manual inspirado para a ordem eclesiástica, contendo preciosas preocupações e passagens clássicas sobre a natureza da fé cristã e sua pureza. Sua suprema glória reside no fato de que elas continuamente relembram-nos que “a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente, aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus, o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniqüidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras”. Ora, se encontramos nas Pastorais as derradeiras palavras do apóstolo de Cristo aos ministros e obreiros cristãos, coloquemo-nos, pastores e igrejas, debaixo da instrução de Paulo, e valhamo-nos da exposição tão excelentemente ministrada por João Calvino. BIBLIOGRAFIA

• BIÉLER, André - O Pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, 673p. • CALVINO, João - As institutas ou Tratado da religião cristã. Edição latina de 1559. 4 volumes. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. • CALVINO, João - Pastorais; I Timóteo, II Timóteo, Tito e Filemom. Trad. Valter Graciano Martins. São Paulo: Parácletos, 1998, 379p. • CARROLL, B. H. - Exposição das Epístolas Pastorais. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1923, 161p. • CLOWNEY, Edmund P. - A Igreja. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, 320p. • ERDMAN, Charles R. - The Pastoral Epistles of Paul (I & II Timothy, Titus); An Exposition. Grand Rapids, Michigan: Baker, 1983, 170p. • FERREIRA, Wilson Castro - Calvino: Vida, Influência e Teologia. Campinas (SP): Edições de “Luz para o Caminho”, 1985, 423p. • FRANCISCO, Manoel João - A doutrina de Calvino sobre os ministérios. Petrópolis: VOZES, 2001, 254p. • GEORGE, Timothy - Teologia dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1994, 339p. • GOES, Cláudio – João Calvino e o Ministério Pastoral. Ensaio baseado nas Epístolas Pastorais. Online: http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/joao-calvino-mp_claudio.pdf • GONZALES, Justo L. - Uma História do Pensamento Cristão. Vol. 3: Da Reforma Protestante ao século 20. São Paulo: Cultura Cristã, 494p. • GREEN, V. H.H. - Renascimento e Reforma. Lisboa, Portugal: Publicações Dom Quixote, 1991, 524p. • HALSEMA, Thea B. Van - João Calvino Era Assim. São Paulo: Vida Evangélica, 1968. Cf. online: http://www.monergismo.com/textos/jcalvino/calvinoeraassim.htm • HENRY, Matthew & SCOTT, Thomas - The Pratical and Devotional Family Bible; The Holy Bible Containing the Old and New Testaments; According to The Authorised Version; Commentaries. Glasgow and London: William Collins, Sons, & Company.

Page 12: Calvino ministerio pastoral

Ex Corde

© Direitos Autorais, 2008, Gilson Santoswww.gilsonsantos.com.br

12

• HORRELL, J. Scott - A Essência da Igreja; Fundamentos do Novo Testamento para a Igreja Contemporânea. São Paulo: Hagnos, 2006, 165p.

• KELLY, J. N. D. - I e II Timóteo e Tito; Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova & Mundo Cristão, 1983, 233p. • KUYPER, Abraham - Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, 208p. • MACARTHUR Jr., John - Redescobrindo o Ministério Pastoral. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das As-sembléias de Deus, 1998, 453p. • MARTINS, F. - O Ofício de Presbítero; origens, história, evolução e funções. São Paulo: Livraria Almenara Editora, 1959, 182p. • MCGRATH, Alister - A Vida de João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, 359p. • NEEDHAM, N. R. - 2000 Years of Christ´s Power. Part Three: Renaissance and Reformation. Darlington, England: Grace Publications Trust, 2004, 624p. • NEWTON, Phil A. - Pastoreando a Igreja de Deus; Redescobrindo o Modelo Bíblico de Presbitério na

Igreja. São José dos Campos (SP): Editora FIEL, 2007, 196p. • OLSON, Roger - História das Controvérsias na Teologia Cristã; 2000 Anos de Unidade e Diversidade. São Paulo: Vida, 2004, 528p. • REID, W. Stanford (Editor) - Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, 496p. • STOTT, John R. W. - Tu, Porém; A Mensagem de 2 Timóteo. São Paulo: Abu Editora, 1982, 123p. • WALLACE, Ronald - Calvino, Genebra e a Reforma; um estudo sobre Calvino como um reformador

social, clérigo, pastor e teólogo. São Paulo: Cultura Cristã, 285p. • WILSON, Geoffrey B. - As Epístolas Pastorais. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2004, 200p. ACERVOS ONLINE:

• H. HENRY MEETER CENTER FOR CALVIN STUDIES. In: http://www.calvin.edu/meeter/ • MONERGISM.COM - HENDRYX, John. In: http://www.monergism.com/directory/link_category/Calvin-John/ • THE CHRISTIAN CLASSICS ETHEREAL LIBRARY; Complete books, commentaries, and sermons by John Calvin. Online: http://www.ccel.org/c/calvin/