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Camille Flammarion - Deus na Natureza NA NATUREZA/Deus...  · Web viewOra, esses átomos não se alteram, são invariáveis e imutáveis; as moléculas dos corpos compostos em formação,

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Camille Flammarion - Deus na Natureza

www.autoresespiritasclassicos.com

Camille Flammarion

Deus na Natureza

Traduzido do Francs

Dieu dans la nature

1866

William Turner - Arco ris

Contedo resumido

Esta uma das mais significativas obras clssicas do Espiritismo e, sem dvida, a obra-prima de Camille Flammarion.

O autor apia-se em princpios da natureza para demonstrar a existncia de Deus. Entre os assuntos magnos, tratados com alta viso, contam-se: atesmo, fora e matria, idia inata e Deus, instinto e inteligncia, leis do Universo e origem dos seres. So estudos que transmitem conhecimentos basilares aos espritas.

Revelando profundo conhecimento cientfico, Flammarion utiliza, na presente obra, os prprios argumentos cientficos dos materialistas (sobre Biologia, Fisiologia, Antropologia, Botnica, etc.), para demonstrar a existncia do Ser Soberano, criador e sustentador do Universo. Por esse motivo, a obra poderia, perfeitamente, ser tambm denominada Deus na Cincia.

Sumrio

4Introduo

12Primeira Parte A Fora e a Matria

121 - Posio do Problema

292 - O Cu

393 - A Terra

50Segunda Parte A Vida

501 - Circulao da Matria

822 - A Origem dos Seres

112Terceira Parte A Alma

1121 - O Crebro

1312 - A Personalidade Humana

1463 - A Vontade do Homem

177Quarta Parte Destino dos Seres e das Coisas

1771 - Plano da Natureza - Construo dos Seres Vivos

2032 - Plano da Natureza - Instinto e Inteligncia

221Quinta Parte Deus

Introduo

Destina-se esta obra a representar o estado atual dos nossos conhecimentos precisos, sobre a Natureza e o homem.

A exposio dos ltimos resultados a que atingiu a inteligncia humana no estudo da Criao , ao nosso ver, a verdadeira base sobre a qual se h de fundar doravante toda a convico filosfica e religiosa. Em nome das leis da razo, to solidamente justificadas pelo progresso contemporneo e por fora dos inelutveis princpios constituintes da lgica e do mtodo, pareceu-nos que s atravs das cincias positivas deveremos prosseguir na pesquisa da verdade.

Se temos, de fato, a ambio de chegar pessoalmente soluo do maior dos problemas; se estamos sfregos de atingir, por ns mesmos, uma crena na qual encontremos repouso e pbulo de vida; se nos anima, ao demais, o legtimo desejo de transmitir ao prximo a consolao que j encontramos; no temamos nunca afirm-lo ser na cincia experimental que devemos procurar os elementos de cognio, s com ela devendo marchar.

O cepticismo e a dvida universal imperam no mago de nossa alma e nosso olhar escrutador, que nenhuma iluso fascina, vigila na cripta dos nossos pensamentos. No nos despraz que assim seja. No lastimemos que Deus no nos houvesse tudo revelado ao criar-nos, dando-nos contudo o direito de discutir. Essa prerrogativa do nosso ser tima em si mesma, como condio maior de progresso. Mas, se o cepticismo nos atalaia vigilante, tambm a necessidade de crena nos atrai.

Podemos duvidar, certo, sem por isso nos isentarmos do insacivel desejo de conhecer e saber. Uma crena torna-se-nos imprescindvel. Os espritos que se vangloriam de no a possurem so os mais ameaados de cair na superstio ou de anular-se na indiferena.

O homem tem, por natureza, uma necessidade to imperiosa de firmar-se numa convico , particularmente quanto existncia de um coordenador do mundo e da destinao dos seres que, quando no encontra uma f satisfatria, experimenta a necessidade de se demonstrar a si mesmo que esse Deus no existe e busca, ento, repousar o esprito no atesmo e no niilismo.

Diga-se, tambm, j no ser a questo que ora nos apaixona, a de sabermos qual a forma do Criador, o carter da mediao, a influncia da graa, nem discutir, tampouco, o valor de argumentos teolgicos. A verdadeira questo saber se Deus existe ou no.

Note-se que, em geral, a negativa patrocinada pelos experimentalistas da cincia positiva, enquanto a afirmativa se ampara nos indivduos estranhos ao movimento cientfico.

Qualquer observador atento pode, ao presente, apreciar no mundo pensante duas tendncias diametralmente opostas.

De um lado, qumicos ocupados em tratar e triturar, nos seus laboratrios, os fatos materiais da cincia moderna, por lhes extrair a essncia e quinta-essncia, a declararem que a presena de Deus jamais se manifesta em suas manipulaes.

Doutro lado, telogos acocorados entre poeirentos manuscritos de bibliotecas gticas compulsando, folheando, interrogando, traduzindo, compilando, citando e recitando versculos dogmticos, e declarando, com o anjo Rafael, que da pupila esquerda pupila direita do Padre-Eterno medeiam trinta mil lguas de um milho de varas, cada qual equivalente a quatro e meia vezes o comprimento da mo.

Queremos crer que de ambos os lados haja boa f, que os segundos, como os primeiros, estejam animados do propsito de conhecer a verdade. Pretendem os primeiros representar a Filosofia do sculo 20, enquanto os segundos guardam, respeitosos, a do sculo 15. Os primeiros, passam por Deus sem O ver, como o aeronauta que sulca o espao celeste, enquanto os segundos focalizam um prisma que retrai a imagem, colorindo-a.

O observador imparcial e independente que procura explicar-lhes suas tendncias contrrias, admira-se de os ver obstinados no seu sistema particular e pergunta a si mesmo se ser verdadeiramente impossvel interrogar, de um modo direto, este vasto Universo e chegar a ver Deus na Natureza.

Por ns, isentos de qualquer sectarismo, sentimo-nos vontade em equacionar o problema. Diante do panorama da vida terrestre; no mbito da Natureza radiosa luz do Sol, beirando mares bravios ou fontes mrmuras; entre paisagens de Outono ou floraes de Abril; tanto quanto no silncio das noites estreladas, temos procurado Deus. A Natureza, interpretada com a Cincia, foi quem no-lo demonstrou num carter particular. De fato, Ele est nela, visvel, como a fora ntima de todas as coisas. Temos considerado na Natureza as relaes harmnicas que constituem a beleza real do mundo e, na esttica das coisas, encontramos a manifestao gloriosa do pensamento supremo.

Nenhuma poesia humana se nos figurou comparvel verdade natural, e o Verbo eterno nos falou com mais eloqncia nas mais modestas obras da Natureza, do que o pudera fazer o homem com seus cantos mais pomposos.

Seja qual for a oportunidade dos estudos que este trabalho objetiva, no esperamos agradar a toda a gente, certo de haver muitos incapazes de acordar do seu sono e outros tantos a quem longe estamos de lhes corresponder aos pendores.

Acusa-se de indiferentismo a nossa poca. A acusao merecida. Onde esto, com efeito, os coraes palpitantes de puro amor verdade? Em que alma perguntamos ainda reina a f? No diremos, j, a f crist, mas uma crena sincera, seja no que for. Aonde se vo os tempos em que as foras da Natureza, divinizadas, recebiam homenagens universais?

Tempos nos quais o homem, contemplativo e deslumbrado, saudava com fervor a potncia eterna e manifesta na Criao?

Que feito daqueles tempos em que os homens eram capazes de derramar o sangue por um princpio, quando as repblicas tinham sua testa um ideal e no uma ambio?

Quem se lembra dos tempos em que o gnio de um povo, esculpido em Notre Dame ou em So Pedro de Roma, ajoelhava-se e pedia, conchegado aos seus muros de pedra?

Que feito da virtude patritica dos nossos antepassados abrindo as portas do Panteo para acolher as cinzas dos heris do pensamento, e relegando noite do olvido a falsa glria da ociosidade e das almas?

No coremos de o confessar, j que temos a franqueza de suportar um tal aviltamento: saturados de egosmo, nossa alma no alimenta outra ambio que a do interesse pessoal. Riqueza cuja origem permanece equvoca, louros surpreendidos, antes que conquistados, uma doce quietao, uma profunda indiferena pelos princpios, quem no ver nisso o nosso galardo?

parte, contudo, fora do mundanismo empolgante e rumoroso, vivem os que no se conformam em baixar a fronte diante da hipocrisia. Esses trabalham na solido e esquadrinham em silenciosa meditao os abismos da Filosofia e, se se mantm fortes, porque no se atrofiam ao contacto das sombras. Na verdade, um contraste penoso de assinalar, quando vemos que o progresso magnfico, sem precedentes, das cincias positivas, que a conquista sucessiva do homem sobre a Natureza, ao mesmo tempo em que to alto nos elevaram a inteligncia, deixaram resvalar o sentimento a nveis to baixos. Doloroso sentir que, enquanto por um lado a inteligncia mais demonstra a sua capacidade, extingue-se por outro lado o sentimento, e a vida ntima da alma mais se embota na geena da carne.

A causa da nossa decadncia social (passageira, de vez que a Histria no pode mentir a si mesma) deve-se nossa falta de f. A primeira hora deste nosso sculo marcou o derradeiro alento da religio de nossos pais. Baldos sero quaisquer esforos de restaurao e reconstruo. Tudo o que se fizer no passar de simulacro, pois o que est morto no pode ressurgir. O sopro de uma revoluo imensa passou sobre as nossas cabeas deitando por terra nossas velhas crenas, mas, entretanto, fecundando um mundo novo.

Estamos, ao presente, atravessando a fase crtica que precede a toda renovao. O mundo progride. em vo que homens polticos e homens eclesisticos imaginam, cada qual do seu lado, prosseguir na representao do passado, num proscnio em runas. Impossvel impedir que o progresso nos conduza a todos para uma f superior, que ainda no possumos, mas para a qual j caminhamos. E essa f no ser outra que a convico cientfica da existncia de Deus; numa escalada verdade pelo estudo da Criao.

preciso ser cego, ou ter interesse em iludir-se a si e aos outros (quantos neste caso se encontram!), para no ver e no ajuizar a nossa atualidade pensante. Foi por ter a superstio matado o culto religioso, que ns o menosprezamos e abandonamos. E foi porque as caractersticas do verdadeiro se nos revelaram mais claramente, que a nossa alma aspira a um culto mais puro. E no foi seno por se haverem afirmado diante de ns os imperativos da justia, que hoje reprovamos institutos brbaros, tais como a guerra, que, ainda recentemente, recebia a homenagem dos homens. , enfim, porque o pensamento rompeu os grilhes que o prendiam gleba, que no mais admitimos, de boamente, quaisquer tentativas que nos aproximem de qualquer espcie de servilismo. Nada obstante, h em tudo, e sempre, um progresso. Na incerteza, porm, em que ainda permanecemos, entre as perturbaes que nos agitam, a maior parte dos homens, ao perceberem que as suas impresses e tendncias esbarram fatalmente na inrcia do passado, ou se afastam silenciosos se lhes sobra fora e coragem de o fazerem, ou se deixam arrastar na corrente geral, pela atrao vigorosa da fortuna. nas pocas crticas que as lutas se intensificam, intermitentes, sobre os eternos problemas cuja forma varia feio dos tempos, a revestirem-se de um aspecto caracterstico.

Nesta nossa poca de observao e experimentao, os materialistas procuram apoiar-se em trabalhos cientficos e pretendem deduzir da cincia positiva o seu sistema.

Os espiritualistas, em geral, acreditam, ao invs, poderem pairar acima da esfera experimental e assomar aos pncaros da razo pura. Ao nosso ver, o espiritualismo para triunfar deve medir-se com o adversrio no mesmo terreno e com as mesmas armas deste. Ele no perder nada do seu carter, condescendendo em baixar arena, e nada ter a recear nessa justa com a cincia experimental.

As lutas empenhadas e os erros a combater longe esto de se tornarem perigosos para a causa da verdade. Com o exigirem um exame mais rigoroso das questes versadas, essas lutas nos ensejam a preparao de uma vitria mais completa.

A Cincia no materialista, nem pode servir ao erro. Como e por que, pois, haveriam de tem-la o espiritualismo e a verdadeira religio? Duas verdades no se podem opor a uma terceira.

Se Deus existe, sua existncia no poderia ser suspeitada nem combatida pela Cincia.

Para ns, temos a convico ntima de que, muito pelo contrrio, no estabelecimento de conhecimentos exatos sobre a construo do Universo, sobre a vida e o pensamento, propicia-se atualmente o nico mtodo eficiente ao aclaramento do problema. S assim poderemos saber se devemos admitir a soberania da matria universal ou se importa reconhecer uma inteligncia organizadora, um plano e um destino imanentes.

Tal, pelo menos, a forma por que o debate se nos apresenta e impe mente, neste nosso trabalho.

Esperamos que esta tentativa de versar a existncia de Deus pelo mtodo experimental aproveite ao progresso de nossa poca, por estar de acordo com as suas tendncias caractersticas.

Ficaremos satisfeitos se a leitura deste livro deixar cair uma fagulha luminosa nos espritos indecisos. Mais ainda, se depois de haver meditado fundo estes nossos estudos, alguma fronte se levantar cnscia de sua legtima dignidade.

Se, regra geral, os idelogos franceses no tm aplicado o mtodo cientfico aos problemas da filosofia natural, em compensao alguns sbios trataram o assunto do ponto de vista das relaes gerais manifestadas no mundo e que lhe constituem a unidade viva. Com prazer assinalamos, entre as obras deste gnero, os diversos trabalhos do Sr. A. Langel, aqui mesmo utilizados vrias vezes.

Problemas da Natureza e problemas da vida no conduzem eles, efetivamente, ao mximo problema? Examinar as foras ativas no organismo universal no ser o mesmo que examinar as diversas modalidades da fora essencial e original?

As investigaes que focalizam o estudo da Natureza podem aproveitar Filosofia com maior segurana, s vezes, do que os tratados ou os ditirambos especialmente consagrados Metafsica. Os prprios escritos dos senhores Moleschott e Bchner nos ofereceram elementos de refutao.

A circulao da vida, qual a expe o primeiro, mostra na vida uma fora independente e transmissvel, dirigindo os tomos, mediante leis determinadas e conforme o tipo das espcies. O exame da Fora e da Matria estabelece, por outro lado, a soberania da Fora e a inrcia da Matria.

Sendo a Fora e a extenso os primeiros princpios do conhecimento, e sendo a Filosofia a cincia dos princpios, poderia esta obra ser considerada antes como um estudo filosfico, se no houvssemos resolvido limitar-nos a uma discusso puramente cientfica. Este, efetivamente, o seu fim precpuo e que, por bem dizer, oferece mais atrativos, mau grado aridez aparente do trabalho.

Pensamos que o nico meio eficaz de combater o negativismo contemporneo voltar contra ele o materialismo cientfico e utilizar as suas prprias armas para derrot-lo.

Esse discrime compete antes Cincia que Filosofia.

A Ideologia, a Metafsica, a Teologia, mesmo a Psicologia, dele se afastaram quanto possvel.

Ns no razoamos com palavras, mas com fatos.

As verdades significativas da Astronomia, da Fsica e da Qumica, como da Fisiologia, so, de si mesmas, as defensoras intrpidas da realidade essencial do mundo.

Por mais difcil que primeira vista parea a refutao cientfica do Materialismo contemporneo, nossa posio belssima, desde que nos colocamos no mesmo plano dos nossos adversrios.

E nesta guerra eminentemente pacfica, estamos, de antemo, seguros da vitria.

Basta-nos, com efeito, de vez que o inimigo est em falsa posio, descobrir a fraqueza dessa posio e desequilibr-lo.

O mtodo simples e infalvel, to seguro que no o escondemos: deslocado o centro de gravidade, sabe qualquer mecnico que o individuo colhido de surpresa cai, imediatamente, a procur-lo no solo. Eis o quadro que se nos vai deparar. Crticos houve que pretenderam ver em nosso mtodo laivos de sorriso e um tanto de ironia.

No podemos ser juiz em causa prpria, mas, ainda que a acusao tivesse fundamento, no nos caberia culpa alguma e sim, e s, aos acontecimentos, nos quais o grotesco teria momentaneamente empanado o srio, graas aos adversrios tantas vezes arrastados s conseqncias mais curiosas.

Referindo-nos forma, devemos pedir ao leitor acredite, que, se por acaso tratarmos mais asperamente um que outro adversrio, no a ns que a falta deve ser imputada, visto no utilizarmos esses recursos extremos seno nos casos (muito freqentes talvez para eles) em que os adversrios se obstinam em no se deixarem vencer. Somos, ento, bem a nosso pesar, levados a feri-los com uma ttica mais rude, forando-os a convir, pelos argumentos irresistveis do mais forte, que so eles de fato os mais fracos nesta guerra de princpios.

De resto, no h necessidade de acrescentar que so sempre esses princpios que atacamos, e nunca a personalidade dos que os advogam. Assim, considerando-se a ndole mesma da questo, exclusas ficam as pessoas do campo de batalha.

Alm disso, em conscincia, no acreditamos pratiquem os adversrios o materialismo absoluto o dos seus interesses e das paixes egostas e, portanto, no temos outra inteno que discutir as suas teorias.

Dividiremos nossa argumentao geral em cinco partes, no intuito de demonstrar em cada uma a proposio diametralmente contrria sustentada pelos eminentes advogados do atesmo.

Assim, na primeira, lidaremos por estabelecer, preliminarmente, pelo movimento dos astros e depois pela observao do mundo inorgnico terrestre, que a Fora no atributo da Matria, mas, ao contrrio, a sua soberana, a sua causa diretora.

Na segunda parte verificaremos, pelo estudo fisiolgico dos seres, que a vida no propriedade fortuita das molculas que a compem e sim uma fora especial a governar tomos, conforme o tipo das espcies. O estudo da origem e progresso das espcies tambm aproveitar nossa doutrina.

Na terceira parte observaremos, examinando as relaes do pensamento com o crebro, que h no homem algo mais que a matria e que as faculdades intelectuais distinguem-se das afinidades qumicas. A personalidade da alma afirmar o seu carter e a sua independncia.

A quarta evidenciar na Natureza um plano, uma destinao geral e particular, um sistema de combinaes inteligentes, no seio das quais o olhar desprevenido no pode deixar de admirar, mediante sadia concepo das causas finais, o poder, a sabedoria e a previdncia que coordenam o Universo.

A quinta parte, enfim, como centro de convergncia das vias precedentes, nos colocar na posio cientfica mais favorvel para julgar simultaneamente a misteriosa grandeza do Ente Supremo e a cegueira inconteste dos que fecham os olhos para se convencerem de que Ele no existe.

O verdadeiro ttulo desta obra deveria ser: A contemplao de Deus atravs da Natureza.

H alguns anos que se anuncia, como estando no prelo, este trabalho e ns lhe temos modificado vrias vezes o ttulo, que, de incio era puramente cientfico. (Da Fora, no Universo.)

Acabamos, finalmente, por nos fixarmos neste. Sem dvida, um ttulo no tem essencial importncia para que o autor se explique to formalmente a respeito. Mas, no caso vertente, julgamos til declarar desde logo que todos quantos vissem nas quatro palavras da capa a expresso de uma doutrina, errariam completamente. Aqui no h pantesmo, nem dogma. Nosso objetivo expor uma filosofia positiva das cincias, que, em si mesma, comporta uma refutao no teolgica do materialismo contemporneo. , talvez, imprudentssima ousadia o tentar assim uma senda isolada, entre os dois extremos, que sempre aliciaram poderosos sufrgios; mas, de vez que nos sentimos impelidos e sustentados por uma convico particular, tanto quanto por ardente amor a um novo aspecto da verdade, podemos, porventura, resistir ao impulso interior que nos inspira?

Ao leitor compete examinar a obra e decidir se alguma iluso nos seduz e se nos oculta, sob o prestgio da verdade.

No podemos, todavia, eximir-nos de confessar que, desde que lemos em Augusto Comte que a Cincia aposentara o Pai da Natureza e acabava de reconduzir Deus s suas fronteiras, agradecendo os seus servios provisrios sentimo-nos algo ofendidos com a vaidade do deus-Comte e nos deixamos empolgar pelo prazer de discutir o fundo cientfico de semelhante pretenso.

Verificamos, ento, que o atesmo cientfico um erro e que a iluso religiosa outro erro. (De passagem digamos, o Cristianismo nos parece ainda esotrico.) Nossos atuais conhecimentos da Natureza e da vida nos representaram a idia de Deus sob um prisma cujo valor a teodicia, como o atesmo, no podem menosprezar.

Aos nossos olhos, o homem que nega simplesmente a existncia de Deus e o que definiu esse Desconhecido e lhe debita em conta a explicao embaraante, so ambos criaturas ingnuas, equivalentes na erronia.

Mas tambm no compete nos engajarmos aqui assim no mtodo antinmico e, sobretudo, no queremos revestir-nos de aparncias misteriosas.

Entremos, portanto, sem mais detena no mago do assunto, declarando que nos esforamos por explanar com a mais sincera independncia o que acreditamos ser a verdade.

Possam estes estudos ajudar a escalada na trilha do conhecimento, a quantos tomam a srio a sua passagem pela Terra e o progresso da Humanidade.

Paris, Maio 1867.

Primeira Parte A Fora e a Matria

1 - Posio do Problema

SUMRIO Papel da Cincia na sociedade moderna. Sua potncia e grandeza. Seus limites e tendncias a ultrapass-los. As cincias no podem dar nenhuma definio de Deus. Processo geral do atesmo contemporneo. Objees existncia divina, inferidas da imutabilidade das leis e da ntima unio entre a fora e a matria. Iluso dos que afirmam ou negam. Erros de raciocnio. A questo geral resume-se em estabelecer as relaes recprocas da fora e da substncia.

O sculo que vivemos est desde j inscrito com caracteres indelveis nas pginas da Histria. A partir dos mais remotos tempos, das velhas civilizaes, nenhuma poca viu, qual a nossa, esse magnfico despertar do esprito humano, para simultaneamente afirmar os seus direitos e a sua fora. O mundo j no o vale de lgrimas medieval, onde a alma vinha expiar a falta do primitivo pai e, confundindo-se no isolamento e na orao, acreditava conquistar um lugar no paraso, ciliciando o corpo e cobrindo-se de cinzas.

Os frutos da inteligncia j no atestam as longas, abstrusas e infindveis discusses de estril metafsica, construdas de palitos e escoradas em sutilezas escolsticas, a que se entregaram cegamente poderosos gnios, consagrando-lhes uma preciosa vida de estudos e despercebidos de assim perderem no apenas o seu tempo, mas o de algumas geraes.

L, onde em murados claustros se concentravam monges e oratrios, ouve-se agora o rudo das mquinas, o ranger das engrenagens e o silvo do vapor das caldeiras combustas.

Se as instituies monsticas tiveram o seu papel no perodo das invases brbaras, nem por isso deixou de soar a sua hora extrema, como sucede a todas as coisas perecveis: o trabalho fecundo do operrio e do agricultor substitui a decadncia senil pela juvenilidade operosa e fecunda.

No anfiteatro das Sorbonnes, onde se discutiam exaustivamente os seis dias da Criao, as lnguas de fogo da Pentecoste, o milagre de Josu, a passagem do Mar Vermelho, a forma da graa atual, a consubstancialidade, as indulgncias parciais ou plenrias, etc., etc., e mil assuntos outros difceis de profundar, vemos hoje instalar-se o laboratrio qumico, no ambiente do qual a Matria se faz docilmente pesar e mensurar; a mesa do anatomista, sobre cujo mrmore se desvendam o mecanismo orgnico e as funes vitais; o microscpio do botnico, que surpreende os primeiros, oscilantes passos da esfinge da vida; o telescpio do astrnomo, que deixa entrever, para alm dos cus transparentes, o movimento majestoso dos sis gigantescos, regulados pelas mesmas leis que acionam a queda de um fruto; a ctedra de ensinamento experimental, volta da qual as inteligncias populares vm grupar suas filas atentas.

O prprio globo terrestre transformou-se. Circunavegaram-no, mediram-no, e j no haver Carlos Magnos que pretendam enfeix-lo na mo. O compasso do gemetra destituiu o cetro imperial.

Oceanos e mares, em todas as latitudes, fendem-se ao impulso das quilhas levadas por velas pandas ou pela rotao das hlices potentes e trepidantes.

Tambm drago flamvomo a locomotiva percorre clere os continentes e, graas ao telgrafo, podemos falar de um a outro hemisfrio. O vapor deu vida nova e inesperada a inmeros motores; a eletricidade nos permite auscultar, num momento e de conjunto, as pulsaes da Humanidade inteira.

Certo, a Humanidade jamais conheceu fase como esta; jamais se repletou em seu seio, de tanta vida e tanta fora; jamais seu corao enviou, com tamanha pujana, a luz e o calor s mais longnquas artrias. Nem nunca o seu olhar se iluminou de um tal claro. Por mais vastos que se deparem os progressos ainda conquistveis, nossos descendentes sero sempre forados a reconhecer que a Cincia deve nossa poca o estribo do seu Pgaso e que, embora engrandecendo-se e vendo o Sol ascender ao znite, brilhante no lhes fora o dia se o no precedera a nossa aurora.

Mas, o que Cincia outorga fora e poder, convm sab-lo, ter por base de estudo elementos determinados, que no abstraes e fantasmas. Assim que, na Qumica, ela investe com o volume e peso dos corpos, examina-lhes as combinaes, determina-lhes as relaes; na Fsica, investiga-lhes as propriedades, observa-lhes as relaes e as leis que as regem; na Botnica, aborda o estudo das primeiras condies da vida; na Zoologia, acompanha as formas existenciais e registra as funes orgnicas peculiares, os princpios da circulao da matria nos seres vivos, sua manuteno e metamorfoses; na Antropologia, constata as leis fisiolgicas em atividade no organismo humano e determina o papel dos diversos aparelhos que o compem; na Astronomia, inscreve o movimento dos corpos celestes e da deduz a noo de leis diretivas universais; e na Matemtica, finalmente, formula essas leis e reconduz unidade as relaes numricas das coisas.

Essa exata determinao de objetivo dos seus estudos que d valor e autoridade Cincia. A temos como e porque a Cincia se engrandece. Mas, esses ttulos tambm lhe acarretam um imperioso dever. Se, deslembrada dessa condio de poderio ela se desvia desses objetivos fundamentais para divagar no vcuo imaginrio, perde simultaneamente o seu carter e a sua razo de ser.

E, desde ento, os argumentos que pretende impor, nesses domnios exorbitantes do seu alcance e finalidades, deixam de ter valor cientfico, e mais ainda do que isso, porque ela se desqualifica e j no pode reivindicar o nome de cincia. Torna-se, por assim dizer, em soberana que acaba de abdicar e no mais a ela que se ouve, mas aos sbios que peroram, o que nem sempre a mesma coisa. E estes sbios, seja qual for o seu valor, j no sero mais intrpretes da Cincia, uma vez operando fora da sua esfera.

Ora, esta , precisamente, a situao dos defensores do Materialismo contemporneo, aplicando a Astronomia, a Qumica, a Fsica, a Fisiologia, a problemas que elas no podem resolver. E note-se que tais sbios no s constrangem essas cincias a responderem a problemas que lhes escapam alada, como ainda as torturam, quais pobres servas, para que confessem a seu mau grado, e falsamente, proposies de que jamais cogitaram. So, assim, inquisidores do fato, e no da palavra. Mas, dessarte, no a Cincia, um simulacro de cincia que manejam.

Nas seguintes controvrsias, demonstraremos que esses cientistas se encontram absolutamente fora da Cincia, que se enganam e nos enganam, que os seus raciocnios, dedues e conseqncias so ilegtimos e que no seu louco amor por essa virginal cincia eles a comprometem simplesmente e chegariam a lhe alienar de todo a estima pblica, se no houvesse o cuidado de mostrar que, ao invs da realidade, eles no possuem dela mais que uma ilusria sombra.

A circunstncia mais penosa e a razo predominante que nos impelem a protestar contra as exploraes de um falso rtulo radicam-se ao fato de estarmos vivendo um tempo em que se sente, ou pelo menos se pressente, universalmente, o papel e a finalidade da Cincia. Compreende-se que fora dela que no h salvao e que a Humanidade, tanto tempo balouada no oceano do ignorantismo, s tem um porto a proejar o da terra firme do saber. Tambm por isso, o esprito pblico se volta, convicto e esperanoso, para a Cincia. Tantas provas de seu poder e riqueza tem ele recebido, de um sculo a esta parte, que se predisps a acatar-lhe, com simpatia e reconhecimento, todos os ensinos e teorias. Mas, nisso est, precisamente uma armadilha para o Espiritualismo. que um certo nmero de cultores da Cincia, que a representam ou que se fazem dela intrpretes, ensinam falsas e funestas doutrinas.

Os espritos sfregos e despercebidos, que procuram em seus livros os conhecimentos de que necessitam, absorvem neles um txico pernicioso e suscetvel de lhes destruir no mago uma parte dos benefcios do saber.

Eis porque se impe sobrestar um to deplorvel arrastamento, alis, tendente a universalizar-se.

Eis porque se torna absolutamente indispensvel discutir essas doutrinas e demonstrar que longe esto elas de entrosar na Cincia, com tanto rigor e facilidade, quanto pregoam, mas, ao invs, que so o produto grosseiro de pensamentos sistemticos, que, perpetuamente voltados sobre si mesmos, tm a iluso de se crerem fecundados pela Cincia, embora do radioso sol que ela simboliza no hajam recebido mais que um tnue raio desviado de sua direo natural.

H umas tantas questes profundas que, no curso da vida humana, nas horas de silncio e solitude, se nos apresentam como outros tantos pontos de interrogao, inquietantes e misteriosos.

Tais os problemas da existncia da alma, do seu futuro destino, da existncia de Deus e das suas relaes com a Criao.

Vastos e imponentes problemas, estes nos envolvem e dominam em sua imensidade, pois sentimos que nos aguardam, e na ignorncia deles no poderemos razoavelmente alienar um tal ou qual temor do desconhecido.

Assim que, j o dizia Pascal, um desses problemas o da mortalidade da alma to importante, que preciso haver perdido toda a conscincia para ficar indiferente ao conhecimento de si mesmo. O mesmo se poder dizer quanto existncia de Deus. Quando meditamos essas verdades, ou apenas na possibilidade da sua existncia, elas nos aparecem sob aspecto to grandioso que a ns mesmos interrogamos como podem criaturas inteligentes, seres racionais, pensantes, entregar-se uma vida inteira a interesses transitrios, sem se abstrarem uma que outra vez da sua apatia para atender a essas interrogativas preciosas.

Se verdade, qual o temos observado, que h neste mundo homens absolutamente indiferentes, que jamais sentiram a magnitude desses problemas, menos no que eles nos inspiram verdadeira piedade. Aqueles que, no entanto, mais agravam a bruteza da indiferena e, de caso pensado, desdenham alar-se ao nvel destes assuntos importantes, preferindo-lhes os doces gozos da vida material, esses, declaramo-lo em alto e bom som ns os deixamos sem pesar, entregues sua inrcia, para consider-los fora da esfera intelectual.

O problema da existncia de Deus primacial a todos. Nem por outro motivo que, contra ele, se assestam as principais, as mais possantes baterias do Materialismo que nos propomos combater. Pretende-se provar, com a cincia positiva, a inexistncia de Deus e que uma tal hiptese no passa de aberrao da inteligncia humana. Um grande nmero de homens srios, convencidos do valor desses pretensos raciocnios cientficos, enfileiraram-se ao redor desses inovadores recidivos, engrossando desmesuradamente as hostes materialistas, primeiro na Alemanha e depois na Frana, na Inglaterra, na Sua e na prpria Itlia.

Ora, ns no tememos dizer que, mestres ou discpulos, quantos se apiam em testemunhos da cincia experimental para concluir que Deus no existe, cometem a mais grave inconseqncia.

Acusando-os dessa erronia, haveremos de justificar-nos, ainda que os incriminados possam, sob outro prisma, ser considerados homens eminentes e respeitveis. De resto, mesmo em nome da cincia experimental que vimos combat-los.

Deixamos de lado toda a cincia especulativa e colocamo-nos, exclusivamente, no mesmo terreno dos adversrios.

No pensamos com Demcrito que, vazar os olhos, para evitar as sedues do mundo exterior, seja o melhor meio de cultivar frutuosamente a Filosofia e, muito pelo contrrio, permanecemos firmes na esfera da observao e da experincia.

Nessa posio, declaramos que, por um lado, no se prende imediatamente existncia de Deus, mas, por outro lado, desde que venhamos aplicar ao problema os atuais conhecimentos cientficos, longe de conduzirem negativa, afirmam eles a inteligncia e sabedoria das leis da Natureza.

A elevao para Deus, mediante o estudo cientfico da Natureza, nos mantm em situao eqidistante dos dois extremos, isto : dos que negam e dos que se permitem definir, simploriamente, a causa suprema como se houveram sido admitidos ao seu concelho. Assim, com as mesmas armas, combatemos duas potncias opostas: o materialismo e a iluso religiosa.

Pensamos que igualmente falso e perigoso crer num Deus infantil, quanto negar uma causa primria.

Em vo se nos objetar no podermos afirmar a existncia de uma entidade que no conhecemos. Precatemo-nos de presunes que tais. Certo, no conhecemos Deus, mas, sem embargo, sabemos que existe. Tambm no conhecemos a luz e sabemos que ela irradia das alturas celestes. Tampouco, conhecemos a vida e sabemos que ela se desdobra em esplendores na superfcie da Terra.

Longe estou de crer dizia Goethe a Eckermann que tenha uma exata noo do Ser supremo. Minhas opinies, faladas ou escritas, resumem-se nisto: Deus incompreensvel e o homem no tem a seu respeito mais que uma noo vaga e aproximativa. De resto, toda a Natureza, e ns com ela, somos de tal modo penetrados pela Divindade que dela nos sustentamos, nela vivemos, respiramos, existimos. Sofremos ou gozamos em conformidade de leis eternas, perante as quais representamos um papel ativo e passivo ao mesmo tempo, quer o reconheamos, quer no. A criana regala-se com o bolo, sem cogitar de quem o fez, o pssaro belisca a cereja, sem imaginar como a mesma se formou. Que sabemos de Deus? E que significa, em suma, essa ntima intuio que temos de um Ser supremo? Ainda mesmo que, a exemplo dos turcos, eu lhe desse cem nomes, ficaria infinitamente abaixo da verdade, tantos so os seus inumerveis atributos... Como o Ente supremo, a que chamamos Deus, manifesta-se no s no homem como no mbito de uma Natureza rica e potente quanto nos grandes acontecimentos mundiais, a idia que dele se faz , evidentemente, exgua.

A idia que os antepassados formavam de Deus, em todas as pocas, sempre esteve de acordo com o grau de cincia sucessivamente adquirido pela Humanidade. Tal como o saber humano, essa idia varivel e deve, necessariamente, progredir, pois, seja como for, cada uma das noes que constituem o patrimnio da inteligncia deve seguir a par com o progresso geral, sob pena de ficar distanciada.

No conjunto de um sistema em movimento, toda a pea que se obstinasse em estacionar recuaria realmente. Em nossos dias, j no admissvel dizer-se, dogmaticamente, que tal ou tal noo perfeita e deve guardar o ataque da infalibilidade: ou se faz, ou se no faz parte da marcha progressiva do esprito. No primeiro caso, importa acompanh-lo integralmente e, no segundo, h que confessar-se em atraso. Eis o que precisa ficar bem claro.

Digamo-lo francamente: em cincia experimental, Deus no pode ser admitido a priori e muito menos a destinao, ou finalidade, que presumimos apreender nas obras da Natureza.

As doutrinas apriorsticas caducaram, j se no admitem.

Confessemo-nos com os materialistas e perguntemos se os que tomaram Deus e no a Natureza como ponto de partida explicaram, algum dia, as propriedades da matria ou as leis que governam o mundo. Puderam eles dizer-nos da mobilidade ou imobilidade do Sol? se a Terra era plana ou esfrica? quais os desgnios de Deus, etc.? Absolutamente. Mesmo porque, seria impossvel. Partir de Deus para investigao e exame da Criao processo baldo de nexo e de sentido. Esse precrio mtodo para estudar a Natureza e inferir conseqncias filosficas, no pressuposto de poder, com uma simples teoria, construir o Universo e fixar as verdades naturais, desacreditou-se, felizmente, h muito tempo.

Mas, pelo fato de havermos substitudo a hiptese precedente pelos resultados do exame a posteriori, segue-se que devamos fechar os olhos e negar a inteligncia, a sabedoria, a harmonia reveladas pela prpria observao? Haver motivo para repudiar toda e qualquer concluso filosfica e ficar a meio caminho, temerosos de atingir o fim? E deveremos, por isso, rendermo-nos aos cpticos contemporneos que, sem embargo de evidncia, rejeitam toda luz e toda concluso?

Pensamos que no. Muito ao contrrio, pelo mtodo que preconizam, constatamos as suas recusas e inconseqncias.

Antes de qualquer controvrsia, importa determinar as posies recprocas, por evitar mal-entendidos, esperando ns que as declaraes precedentes bastem para esclarecer categoricamente a nossa atitude.

Combateremos francamente o materialismo, no com as armas da f religiosa, no com os argumentos da fraseologia escolstica, no com as autoridades tradicionais, mas pelos raciocnios que a contemplao cientfica do Universo inspira e fecunda.

Examinemos preliminarmente, num lano-de-olhos, de conjunto, o processo geral do atesmo hodierno.

Esse processo assemelha-se sensivelmente ao de que se utilizou o baro de Holbach, nos fins do sculo passado, para fundamentar o seu famoso Sistema da Natureza, obra de um materialismo vulgar, para a qual achava Goethe no haver suficiente desprezo e costumava averbar de legtima quintessncia da senectude, inepta e insulsa. O novo processo, mais exclusivamente cientfico, todavia, consiste principalmente em declarar que as foras que dirigem, no dirigem o mundo, isto : que em vez de governarem a matria, antes se lhe escravizam e que a matria (inerte, cega, desprovida de inteligncia) que, movendo-se de si mesma, se governa mediante leis, cujo alcance ela no pode, todavia, apreciar.

Pretendem os nossos materialistas atuais que a matria existe de toda a eternidade, revestida de umas tantas propriedades, de certos atributos e que essas propriedades qualificativas da matria bastam para explicar a existncia, estado e conservao do mundo.

Dessarte, substituem um Deus-esprito por um Deus-matria.

Ensinam que a matria governa o mundo e que as foras qumicas, fsicas, mecnicas, no passam de qualidades.

Para refutar um tal sistema, h que tomar, por conseguinte, o partido contrrio e demonstrar um Deus-esprito, antes que um Deus-matria, incompreensvel, a reger a matria; estabelecer que a substncia escrava antes que proprietria da fora; provar que a direo do mundo no cabe s molculas cegas que o constituem, mas a foras sob cuja ao transparecem as leis supremas.

Fundamentalmente, o problema se resume nesta demonstrao e ns esperamos que ela ressaltar brilhante dos estudos objetivados neste nosso trabalho.

E de vez que os adversrios se apiam em legtimos fatos cientficos para estabelecer o erro, cumpre-nos contrabat-los com esses mesmos fatos.

A bem dizer, ainda que se demonstrasse que o Universo no mais que um mecanismo material, cujas foras no se conjugam a um motor, mas remontam a matria, subindo e descendo incessantes num sistema de motilidade perptua, nem por isso a causa divina estaria perdida.

Contudo, desde os primrdios da Filosofia, a partir de Herclito e Demcrito, o sistema mecnico do mundo constituiu-se o refgio e o argumento dos ateus, enquanto o sistema dinmico albergava e escorava os espiritualistas.

Ns, por princpio, filiamo-nos concepo dinmica e combatemos o sistema incompleto de um mecanismo sem construtor. Muito judiciosamente, diz Caro: por um lado o mecanismo tudo explica, mediante combinaes e agrupamentos de tomos eternos. Todas as variedades de fenmenos, o nascimento, a vida, a morte, mais no so que o resultado mecnico de composies e decomposies, a manifestao de sistemas atmicos que se renem e se separam.

O dinamismo, ao contrrio, subordina todos os fenmenos e todos os seres idia de fora.

O mundo a expresso, seja de foras opostas e harmoniosas entre si, seja de uma fora nica, cuja metamorfose perptua engendra a universalidade dos seres.

Pode-se constatar que, no obstante ser a explicao secundria das coisas, at certo ponto, independente da primria, ou metafsica, a Histria atesta o fato constante de uma afinidade natural: de um lado, entre a explicao mecnica e a hiptese supressiva de Deus; e de outro lado, entre a teoria dinmica e a hiptese que diviniza o mundo em seu princpio.

A teoria mecnica, estabelecendo a pura necessidade matemtica nas aes e reaes que formam a vida do mundo, incompleta, por isso que suprime a causa e dissipa em nvoa o mundo moral. A teoria de uma fora nica, universal, sempre atual e formando a variedade dos seres pelas suas metamorfoses, ajusta essa misteriosa universalidade a uma fora primordial.

Poder-se-ia, portanto, acusar simplesmente o processo geral dos nossos contraditores de um erro gramatical, atribuindo matria um poder s cabvel fora e pretendendo no passar esta de mero adjetivo qualificativo, quando lhe cabem os mesmos direitos daquela, na classe dos substantivos.

Examinemos agora, nesta mesma visada de conjunto, quais os grandes erros que marcham de paralelo e sustentam essa conduta e que havemos de encontrar sob vrias formas, no curso das nossas contraditas.

O primeiro erro geral de que abusam os materialistas imaginarem que, pelo fato de existir Deus, importa atribuir-lhe uma vontade caprichosa e no constante e imutvel, em sua perfeio.

Ersted, por exemplo, sbio escrutador do mundo fsico, exprimiu sensatamente as relaes de Deus com a Natureza, dizendo que o mundo governado por uma razo eterna, cujos efeitos se manifestam nas leis da Natureza.

O Dr. Bchner ope a esse conceito a seguinte especiosa objeo: Ningum poderia compreender como uma razo eterna, que governa, se conforme com leis imutveis. Ou so as leis naturais que governam, ou a razo eterna. Que umas ao lado de outras entrariam, a cada instante, em coliso. Se a razo eterna governasse, suprfluas se tornariam as leis naturais e se, ao revs, governam as leis imutveis da Natureza, elas excluem toda interveno divina. Se uma personalidade governa a matria num determinado sentido opina Moleschott desaparece da Natureza a lei da necessidade. Cada fenmeno se torna partilha de jogo do acaso e de uma arbitrariedade sem pelas.

Havemos de convir que esta grave objeo singularssima.

um raciocnio extravagante que cai pela base. A ns nos parece, pelo contrrio, que a inteligncia notria nas leis da Natureza demonstra, no mnimo, a inteligncia da causa a que se devem essas leis, que so, elas mesmas, precisamente a expresso imutvel dessa inteligncia eterna.

E no ser algo ridculo pretender que essa causa deixe de existir, pelo motivo do ntimo acordo com essas mesmas leis?

Vejamos, por exemplo, um excelente harpista: a sua virtuosidade to perfeita que os acordes frementes parecem-nos identificados com a poesia da sua alma! Diremos, ento, que essa alma no existe, visto que para lhe admitir existncia fora preciso que ela estivesse eventual e arbitrariamente em desacordo com as leis da Harmonia! Essa maneira de raciocinar to falsa que os prprios autores que a utilizam so os primeiros a reconhec-lo implicitamente. Assim que Bchner, referindo-se a milagres e ao fato de haver o clero ingls solicitado a decretao de um dia de jejum e de preces para conjurar a clera, elogia Palmaraton por haver respondido que o surto epidmico dependia mais de fatores naturais, em parte conhecidos, e poderia melhor jugular-se com providncias sanitrias, antes que com preces.

Muito bem! O autor, melhor ainda, acrescenta: Essa resposta lhe acarretou a pecha de atesmo e o clero declarou pecado mortal no crer pudesse a Providncia transgredir, a qualquer tempo, as leis da Natureza.

Mas, que singular idia faz essa gente de Deus que por si criou! Um legislador supremo a deixar-se comover por preces e soluos, a subverter a ordem imutvel que ele mesmo instituiu, a violar por suas prprias mos a atividade das foras naturais! Todo o milagre, se existisse diz tambm Cotta provaria que a Criao no merece o respeito que lhe tributamos e os msticos deveriam deduzir, da imperfeio do criado, a imperfeio do Criador.

A temos os adversrios em contradio consigo mesmos, quando, por um lado, no querem admitir uma razo eterna em concordncia de leis imutveis, e por outro pensam conosco, que a idia de imutabilidade ou, pelo menos, a regularidade, identifica-se muito melhor com a perfeio ideal do ser desconhecido que denominamos Deus, do que a idia de mutabilidade e arbitrariedade, que umas tantas crenas pretendem impor-lhe.

Um segundo erro geral, no menos funesto que o precedente e que por igual ilude nossos contraditores, o de acreditarem que, para existir Deus, importa coloc-lo fora do mundo.

No vemos pretexto algum racional que possa justificar uma tal necessidade. E antes do mais, que significa essa idia de uma causa soberana extramundo? Onde os limites do mundo? Pois o mundo, isto , o espao no qual se movem estrelas e terras, no infinito por sua mesma essncia?

Imaginais um limite a esse mesmo espao e supondes que ele se no renova alm? Ser, ento, possvel traar limites extenso? Onde, pois, imaginar Deus fora do mundo? Ser fora da matria, o que se quer dizer? Mas, que a matria em si? agrupamentos de molculas intangveis. Portanto, impossvel determinar uma semelhante posio. Deus no pode estar fora do mundo, mas no mesmo lugar do mundo, do qual o sustentculo e a vida.

No fosse temer a pecha de pantesta e ajuntaramos que Deus a alma do mundo. O Universo vive por Deus, assim como o corpo obedece alma. Em vo pretendem os telogos que o espao no pode ser infinito, em vo se apegam os materialistas a um Deus fora do mundo, enquanto sustentamos que Deus, infinito, est com o mundo, em cada tomo do Universo adoramos Deus na Natureza.

Entretanto, nossos adversrios combatem insensatamente o seu fantasma. No h considerar o Universo diz Strauss como ordenao regrada por um Esprito fora do mundo, mas, como razo imanente s foras csmicas e s suas relaes.

A essa razo, chamamo-la Deus, enquanto os modernos atestas aproveitam essa declarao para sentenciar que, em no existindo fora do mundo, que Deus no existe.

Tudo, diz H. Tuttle desde a tinha (perdoem a expresso) que baila aos raios do Sol, inteligncia humana, que verte das massas medulosas do crebro, est submetido a princpios fixos. Logo, no existe Deus. Logo, existe dizemos ns Livre cada qual de franquear os limites do mundo visvel pondera Bchner e de procurar fora dele uma razo que governa, uma potncia absoluta, uma alma mundial, um Deus pessoal, etc. Mas, que o que vos fala disso? Nunca, em parte alguma diz o mesmo literato nos mais longnquos espaos revelados pelo telescpio, pde observar-se um fato que fizesse exceo e pudesse justificar a necessidade de uma fora absoluta, operando fora das coisas.

A fora no impelida por um Deus, no uma essncia das coisas isoladas do princpio material adverte Moleschott.

Ningum ter viso to limitada afirma ele alhures para enxergar nas aes da Natureza foras outras no ligadas a um substrato material. Uma fora que planasse livremente acima da matria seria uma concepo absolutamente balda de sentido.

Positivamente, ainda hoje existem cavaleiros errantes, guisa dos que outrora manobravam em torno dos castelos do Reno, e de bom grado arremetem moinhos de vento. Ldimos heris de Cervantes, visto que, no fim de contas, qual o filsofo que hoje propugna um Deus ou foras quaisquer fora da Natureza?

Vemos em Deus a essncia virtual que sustenta o mundo em cada uma de suas partes microscpicas, da resultando ser o mundo como que por ele banhado, embebido em todas as suas partes e que Deus est presente na composio mesma de cada corpo.

Dessarte, a primeira trincheira cavada pelos adversrios para bloquear o Espiritualismo foi por eles mesmos entulhada; e a segunda nem sequer objetiva a cidadela, e os nossos soldados alemes no fazem mais que bater o campo.

Um terceiro erro, capital e imperdovel em cientistas de certa idade, imaginarem-se com direito de afirmar sem provas, a embalarem-se com a doce iluso de serem os outros obrigados a acreditar sob palavra. Coisas que a verdadeira Cincia profundamente silencia, afirmam-nas eles, categricos. Afirmam, como se houvessem assistido aos concelhos da Criao, ou como se fossem os prprios autores dela.

Eis alguns espcimes de raciocnios, cuja infalibilidade to ciosamente proclamada.

Que os espritos um tanto afeitos prtica cientfica se dem ao trabalho de analisar as seguintes afirmaes:

Moleschott diz que a fora no um deus que impele, no um ser separado da substncia material das coisas (quer dizer separado ou distinto?). a propriedade inseparvel da matria, a ela inerente de toda a eternidade. Uma fora, no ligada matria, seria um absurdo. O azoto, o carbono, o oxignio, o enxofre e o fsforo tm propriedades que lhes so inerentes de toda a eternidade... Logo, a matria governa o homem.

Cada uma destas afirmativas, ou negativas, uma petio de princpios, a depender do sentido que dermos aos termos discutveis utilizados; mas, em suma, o que elas resumem que a fora vale como propriedade da matria. Ora, essa , precisamente, a questo. Os campees da Cincia, que pretendem represent-la e falar com e por ela, no se dignam de seguir o mtodo cientfico, que o de nada afirmar sem provas. Nas dobras do seu estandarte, com letras douradas, estereotiparam uma legenda fulgurante, a saber: toda proposio no demonstrada experimentalmente s merece repdio e, no entanto, logo de incio, esquecem a legenda. So pregadores de uma nova espcie: faam o que digo e no o que eu fao.

Veremos, com efeito, que, quantos afirmam que a fora no impulsiona a matria, exprimem um conceito imaginativo, nada cientfico.

Ouamos, ainda, outras afirmativas gerais: A matria diz Dubois-Reymond no um veculo ao qual, guisa de cavalos, se atrelassem ou desatrelassem alternativamente as foras. Suas propriedades so inalienveis, intransmissveis de toda a eternidade.

Quanto ao destino humano, eis como se exprime Moleschott: Quanto mais nos convencemos de trabalhar para o mais alto desenvolvimento da Humanidade, por uma judiciosa associao de cido carbnico, de amonaco e de outros sais, de cido hmico e de gua, mais se nobilitam a luta e o trabalho, etc.

E tambm em nosso pas: Uma idia diz a Revista Mdica uma combinao anloga do cido frmico; o pensamento depende do fsforo; a virtude, o devotamento, a coragem, so correntes de eletricidade orgnica, etc.

Quem vos disse tal coisa, senhores redatores? Olhem que os leitores ho de pensar que os vossos mestres ensinam esses gracejos, quando tal se no d, absolutamente. Mesmo porque, do ponto de vista cientfico, esses raciocnios so totalmente nulos. De fato, no se sabe o que mais admirar em tais expoentes da Cincia: se a singular audcia, se a ingenuidade de suas presunes.

Newton no se cansava de repetir: parece-nos..., e Kpler dizia: submeto-vos estas hipteses.... Aqueles outros, porm dizem: afirmo, nego, isto , aquilo no , a Cincia julgou, decido, condenou, posto que no que dizem no haja sombra de argumento cientfico.

Um tal mtodo pode ter o merecimento da clareza, mas ningum o inquinar de modesto, nem de verdadeiramente cientfico.

que tais senhores tm a ousadia de imputar Cincia a carga pesada das suas prprias heresias. Se a Cincia vos ouvisse, senhores (mas deve ouvir, porque sois seus filhos) se a Cincia vos ouve, no pode deixar de sorrir das vossas iluses.

A Cincia, dizeis, afirma, nega, ordena, probe... Pobre Cincia, em cujos lbios pondes grandes frases, atribuindo-lhe ao corao um descomunal orgulho.

No, meus senhores, e vs bem o sabeis (c entre ns) que, nestes domnios, a Cincia nada afirma, nem nega, porque apenas procura.

Refleti, pois, que a armadura das vossas parlandas ilude os ignorantes e pode induzir em erro quantos no tiveram a faculdade de perlustrar os vossos estudos, e considerai que, quando nos arrogamos o ttulo de intrpretes da Cincia, ficamos na obrigao de no falsear o ttulo, de permanecer-lhe fiel e, por conseqncia, modestos tradutores de uma causa que tem na modstia o seu primacial merecimento.

Se, da questo da fora, em geral, passarmos da alma, observaremos que, na esfera da vida animal, ou humana, os adversrios no vacilam em afirmar, igualmente sem provas, que no existe personalidade no ser vivente e pensante; que o esprito, como a vida, mais no que o resultado fsico de certos grupamentos atmicos e que a matria governa o homem to exclusivamente quanto, a seu ver, governa os astros e os cristais. O fenmeno mais curioso o de imaginarem que aclaram o problema com as suas explicaes obscuras:

O esprito, diz o Dr. Hermann Scheffler, outra coisa no seno uma fora da matria, imediatamente resultante da atividade nervosa...

Mas... de onde provm essa atividade nervosa?

Do ter (?) em movimento nos nervos. De sorte que, os atos do esprito so o produto imediato do movimento nervoso, determinado pelo ter, ou do movimento deste nos nervos ao qual importa ajuntar uma variao mecnica, fsica ou qumica, da substncia impondervel dos nervos e de outros elementos orgnicos...

Eis a, suponho, bem esclarecida a questo. Virchow diz que a vida no mais que modalidade particular da mecnica; e Bchner afirma que o homem no passa de produto material; que no pode ser o que os moralistas pintam; que no tem faculdade alguma privilegiada.

Que h em todos os nervos uma corrente eltrica predica Dubois-Reymond e que o pensamento mais no que movimento da matria. Para Vogt, as faculdades da alma valem como funes da substncia cerebral e esto para o crebro como a urina para os rins. E Moleschott assegura que a conscincia, a noo de si mesmo, mais no que movimentos materiais, ligada a correntes neuro-eltricas e percebidas pelo crebro.

Teremos ensejo de assinalar, mais adiante, um ditirambo deste mesmo autor sobre o fsforo, o peso do crebro, as ervilhas e lentilhas. Por agora, limitemo-nos a estes edificantes testemunhos.

Admiremos, sobretudo, a concluso fundamental: E a temos ns porque os sbios definem a fora uma simples propriedade da matria. Qual a conseqncia geral e filosfica desta noo to simples quanto natural? que aqueles que falam de uma fora criadora, tendo de si mesma originado o mundo, ignoram o primeiro e mais simples princpio do estudo da Natureza, baseados na Filosofia e no empirismo.

E, acrescentam qual o homem instrudo, com um conhecimento mesmo superficial das cincias naturais, capaz de duvidar no seja o mundo governado como geralmente se afirma, e sim que os movimentos da matria esto submetidos a uma necessidade absoluta e inerente prpria matria?

Assim, pela s autoridade de alguns alemes, que vm ingenuamente declarar no admitirem, seja como for, a existncia de Deus e da alma, agarrando-se embora a uma sombra de noo cientfica por justificar as suas fantasias, teramos ns, ao seu ver, de abjurar a Cincia, ou deixar de crer em Deus.

Tivessem tido apenas a precauo de aplicar as regras do silogismo ao seu mtodo; tivessem tido o cuidado de propor, primeiramente, as premissas irrefutveis e no tirar delas seno uma concluso legtima, e poderamos acompanh-los no raciocnio e conferir-lhes um prmio de retrica. Mas, vede em que consiste o seu processo:

Maior A fora uma propriedade da matria.

Menor Portanto, uma propriedade da matria no pode ser considerada superior, criadora ou organizadora dessa matria.

Concluso Logo, a idia de Deus uma concepo absurda.

assim que arvoram, antes de tudo, em princpio a tese a discutir.

Combatendo cerradamente os mtodos do Cristianismo, essa gente muito se assemelha aos que, no intuito de provarem aos Romanos a divindade de Jesus, assim comeavam: Jesus Deus, e desse princpio no provado extraiam todas as dedues.

Convicto estamos de honrar grandemente esses escritores, aplicando aos seus postulados as regras do raciocnio, que eles talvez nunca sonharam seguir.

Tambm poderamos submeter-lhes as pretenses a uma outra forma mais ingnua, assim:

Antecedente Matria e fora encontram-se sempre associadas.

Conseqente Logo, a fora uma qualidade da matria.

A temos, penso, um entimema de novo gnero e de conseqncias bem evidentes, pois no? Mas, assim que os senhores Alemes raciocinam, bem como os seus clarividentes imitadores, positivistas da nossa moderna Frana.

No primeiro caso, o raciocnio peca pela base; e, no segundo, nem mesmo faz jus a esse reproche, porque uma infantilidade.

Certo, pesa diz-lo, mas a essa puerilidade, ou melhor perverso da faculdade de raciocinar que se reduz o movimento materialista dos nossos tempos. E nunca, como aqui, vem a plo a frase do misantropo que dizia no ser o homem um animal pensador, mas, falador.

Todo o fundamento desta grande querela, toda a base deste edifcio heterogneo, cujo desmoronamento pode esmagar muitos crebros sob os escombros; toda a fora deste sistema que pretende dominar o mundo, presente e futuro; todo o seu valor e potncia, repousam nessa assertiva fantasiosa, arbitrria e jamais demonstrada, de ser a fora uma propriedade da matria.

E fingindo acompanhar a rigor as demonstraes cientficas e s se apoiar em verdades reconhecidas; confungindo-se ao estandarte da Cincia, apropriando-se de suas frmulas e atitudes; , enfim, com ela mascarando-se, que os pontfices do atesmo e do niilismo proclamam as suas belas e edificantes doutrinas.

Mas a Cincia no uma mascarada. A Cincia fala de viseira erguida, no reivindica falsas manobras, nem luzes de falso brilho. Serena e pura na sua majestade, ela se pronuncia simples, modestamente, como entidade consciente do seu valor intrnseco. Nem procura impor-se e, sobretudo, no aventa coisas de que no possa estar segura. Em vez de afirmar ou negar, investiga e prossegue, laboriosamente, no seu mister.

A exposio precedente j deixou adivinhar, sem dvida, a ttica do atesmo contemporneo.

Ele no fruto direto do estudo cientfico, mas procura insinuar-se com essa aparncia.

Evidente a iluso, nesses filsofos, pois sabemos que h entre eles uns tantos conceitos sinceros. fora de quererem conjugar Cincia as suas teorias, que acabaram por embutir no crebro essa unio clandestina. Essas teorias no podem invocar a seu favor qualquer das grandes provas cientficas da nossa poca e, sem embargo, do-se como resultantes de todo o moderno trabalho cientfico.

Isso repetem, e com essa hermenutica que abusam dos ignorantes e da juventude desprecavida e entusiasta, tendendo a lhes fazer crer que as cincias, fora de progredirem, acabaram por descobrir e demonstrar que no h Deus nem alma. So eles que fazem a Cincia.

Dir-se-ia, em os ouvindo, nada haver alm deles. Os grandes homens da antigidade e da Idade Mdia, tanto como os modernos, so fantasmas, e toda a Filosofia deve desaparecer diante do atesmo pretensamente cientfico.

Preciso se faz que a imaginao popular no se deixe iludir por simples jogo de palavras, que mais valem, s vezes, por verdadeira comdia. Importa que as criaturas pensem por si mesmas, julguem com conhecimento de causa e adquiram a certeza de que os fatos cientficos, perquiridos sem preveno, no comportam as concluses dogmticas que lhes querem impor.

Vista de perto, a pedra angular a grande custo lanada pelo materialismo contemporneo deixa entrever que ela no passa de velho e carcomido tronco de madeira podre e, no fundo, os partidrios do sistema no esto mais seguros do seu cepticismo do que o estariam os calvos discpulos de Herclito ou de Epcuro.

Ainda que queiram convencer-nos do contrrio, todo o seu sistema no passa de hiptese, mais vazia e menos fundamentada que muitos romances cientficos.

E uma vez que so eles prprios a declarar que toda hiptese deve ser banida da Cincia, no h como deixarmos de comear por esse banimento.

Realmente, com que direito fazem da fora atributo da matria?

Com que direito afirmam que a fora est submetida matria, que lhe obedece passivamente aos caprichos, escrava absoluta de elementos inertes, mortos, indiferentes, cegos? Maior e mais fundado o nosso direito de inverter-lhes a proposio, derrubando-lhes o edifcio pela base.

Terminemos assim esta exposio do problema, decidindo que o discrime se coloca nestes termos fundamentais: a matria que domina a fora, ou antes esta que domina aquela?

Trata-se de discutir e escolher uma ou outra, ou, para falar com mais exatido trata-se de observar a Natureza e optar depois.

E, pois que os honrados campees da matria afirmam, com tanta segurana, o primeiro enunciado, comeamos revocando-o em dvida e propondo a alegao contrria.

* * *

No rostro desta obra inscrevemos, por conseguinte, esta pergunta:

A fora rege ou regida pela matria? Este o dilema que os fatos de si mesmos devem resolver.

O panorama geral do Universo vai oferecer-nos uma primeira demonstrao de soberania da fora e da iluso dos materialistas.

Da matria, nos elevamos s foras que a dirigem; destas, s leis que as governam, e destas, ainda, ao seu misterioso autor.

A harmonia repleta o mundo dos seus acordes e o ouvido de alguns nfimos seres humanos recusam-se a escut-los. A mecnica celeste lana, ousadamente, no espao, o arco das rbitas e o olho de um parasita desses orbes desdenha a grandeza da sua arquitetura.

A luz, o calor, a eletricidade, pontos invisveis projetados de uma a outra esfera, fazem circular nos espaos infinitos o movimento, a atividade, a vida, a radiao do esplendor e da beleza, e as imbeles criaturas, apenas desabrochadas superfcie de um parasita desses orbes desdenha a grandeza a confessar a fulgurncia celeste! loucura ou tolice? orgulho, ou ignorncia? Qual a origem e a finalidade de to estranha aberrao? Porque a fora vital, lacre e fecunda, palpita no Sol como na borboleta que morre com a manh; no carvalho anoso das florestas como na primaveril violeta? porque a vida magnificante doura as messes de Julho e os cabelos anelados da juventude petulante e freme no seio virginal das noivas? porque negar a beleza, mascarar a verdade e desprezar a inteligncia? Porque envenenar as virtudes eternas que sustentam a estrutura do mundo e eclipsar, tristemente, a luz imcula que desce dos cus?

Antes de penetrar os mistrios do reino to rico e interessante da vida, devemos considerar o esboo material do Universo, comeando por demonstrar a soberania da fora no tracejar desse mesmo esboo. Dividiremos esta primeira em duas partes: o Cu e a Terra, para estabelecer em primeiro lugar, por leis astronmicas e depois pelas terrestres, que, onde quer que exista a matria, esta jamais deixou de ser escrava servil, universalmente dominada pela energia que a rege. Esta diviso no deve sugerir, de modo algum, a velha comparao do cu com a Terra, que bem sabemos serem termos incomparveis. Considerado como valor absoluto, o cu tudo e a Terra nada . A Terra tomo imperceptvel, perdido no seio do infinito; o cu a envolve no ilimitado e a integra na populao astral, sem exceo nem privilgio particular.

Reunir os dois vocbulos, como dizer: os Alpes so uma pedrinha, o Oceano uma gota dgua e o Saara um gro de areia. comparar o todo a um mnimo do mesmo todo.

Importa, portanto, no interpretar literalmente a nossa diviso, que s se justifica por colimar maior clareza do assunto. Para ns, terrcolas, este globo alguma coisa, assim como para a minscula lagarta, que aflora numa folha, esta folha algo vale, mau grado sua insignificncia no conjunto da pradaria.

Nossa esfera de observao divide-se tambm, naturalmente, em duas partes: o que pertence e o que no pertence ao nosso mundo.

Ora, vamos estabelecer que, fora do nosso mundo, assim como nele, a matria est em tudo e por toda a parte e no passa de coisa inerte, cega, morta, composta de elementos incapazes de se dirigirem por si mesmos; que no agem nem pensam por impulso prprio e que, nos sendais invisveis do espao, tanto como nos canais da seiva ou do sangue, o que aglutina em tomos, dirige as molculas e conduz os mundos, uma Fora na qual transparece o plano, a vontade, a inteligncia, a sabedoria e o poder do seu amor.

2 - O Cu

SUMRIO As harmonias do mundo sideral Leis de Kpler. Atrao universal. Coordenao dos mundos e dos seus movimentos. A fora rege a matria. Carter inteligente das leis astronmicas; condies da estabilidade do Universo. Potncia, ordem, sabedoria. Negao atesta, inquinaes curiosas ao organizador, objees singulares ao mecnico. Ser verdade que no existe no parque da Natureza sinal qualquer de Inteligncia? Resposta aos julgadores de Deus.

A contemplao da Natureza oferece ao homem culto, incontestavelmente, inefveis, particulares encantos. Na organizao dos seres descobre-se o incessante movimento dos tomos que os compem, tanto quanto a permuta constante e operante entre todas as coisas.

Justa a nossa admirao por tudo o que vive na superfcie da Terra. O mesmo calor solar, que mantm no estado lquido a gua dos rios e dos mares, conduz a seiva fronde das rvores e faz pulsar o corao dos abutres e das pombas. A luz que espalha a viridncia nos prados e nutre as plantas com um sopro impalpvel tambm povoa a atmosfera de maravilhosas belezas areas. O som que estremece a folhagem canta na orla dos bosques, ruge nas plagas marinhas. Em tudo vemos, enfim, uma correlao de foras fsicas, que abrange num mesmo sistema a totalidade da vida sob a comunho das mesmas leis. Ora, quanto mais fervente for a nossa admirao pelo radiamento da vida planetria, mais extensiva e aplicvel se tornar, em relao aos mundos que a fulguram acima de nossas cabeas, no cenculo das noites silenciosas. Esses mundos longnquos que, qual o nosso, se embalam no mesmo ter, sob o imprio das mesmas energias e das mesmas leis, so igualmente sedes de atividade e vida. Poderamos apresentar este grandioso e magnfico espetculo da vida universal como eloqente testemunho da inteligncia, sabedoria e onipotncia da causa annima, que houve por bem reverberar, dos primrdios da Criao, o seu mgico esplendor no espelho da Natureza criada. Mas, no sob este prisma que desejamos aqui desdobrar o panorama das grandezas celestes. Apenas, para o teatro das leis que regem o nosso mundo, queremos convocar os negadores da inteligncia criadora.

Se, abrindo os olhos diante desse espetculo, eles persistirem em sua negativa, j no teremos como nos eximir de responder-lhes, em conscincia, que tambm duvidaremos de suas faculdades mentais. Porque, para falar com franqueza, a inteligncia do Criador nos parece infinitamente mais curta e incontestvel que a dos ateus franceses e estrangeiros.

E, como o mtodo positivo consiste em no julgar antes de observar os fatos, corre-nos o dever de examinar primeiro os fatos astronmicos de que falamos e depois da interpretao com que se satisfazem os nossos antagonistas. Se, depois disso, essa sua interpretao satisfizer, subscreveremos de antemo as suas doutrinas; mas, se, ao contrrio, revelar-se insensata, temos, como dever de honra e por amor verdade, de a desmascarar e entregar ao apupo da platia.

Esqueamos por momentos o tomo terrestre, no qual o destino nos fixou por alguns dias. Que o nosso esprito se lance ao espao e veja rolar diante de si o mecanismo gigantesco mundos e mundos, sistemas aps sistemas, na infinita sucesso de universos estrelados. Ouamos, com Pitgoras, as harmonias siderais nas amplas e cleres revolues das esferas e contemplemos, na sua realidade, esses movimentos simultaneamente vertiginosos e regulares que enfeudam as terras celestes nas suas rbitas ideais. Observamos que a Lei suprema, universal, dirige esses mundos. Em torno do nosso sol, centro, foco luminoso, eltrico, calorfico do sistema planetrio, giram os planetas obedientes. Os mais extraordinrios labores do esprito humano deram-nos a frmula da lei, que se divide em trs pontos fundamentais, conhecidos em Astronomia por leis de Kpler, operoso sbio que a descobriu graas ao seu gnio, como sua pacincia, e que discutiu opiniaticamente, 17 anos, as observaes do seu mestre Ticho-Brahe, antes que distinguisse sob o vu da matria a fora que a rege.

Esses trs pontos so:

1 -Cada planeta descreve em torno do Sol uma rbita elptica, na qual o centro do Sol ocupa sempre um dos focos.

2 -As reas (ou superfcies) descritas pelo raio vetor de um planeta em redor do foco solar so proporcionais aos tempos que levam a descrev-las.

3 -Os quadrados dos tempos de revoluo planetria, em torno do Sol, so proporcionais aos cubos dos grandes eixos orbitrios.

A sntese dessas leis integra o grande axioma que Newton foi o primeiro a formular na sua obra imortal sobre os Princpios.

Nesse livro, ensina-nos ele como bem adverte Herschel que todos os movimentos celestes so conseqncias da lei, isto : que duas molculas materiais se atraem na razo direta do volume de suas massas e na inversa do quadrado das distncias.

Partindo deste princpio, ele explica como a atrao exercida entre as grandes massas esfricas, componentes do nosso sistema, regulada por uma lei cuja expresso exatamente idntica, como os movimentos elpticos dos planetas ao redor do Sol e dos satlites ao redor dos planetas, tal como os determinou Kpler, se deduzem conseqentes necessrios da mesma lei, e como as prprias rbitas dos cometas no so mais que casos particulares dos movimentos planetrios. Passando em seguida s aplicaes difceis, faz-nos ver como as desigualdades to complicadas do movimento lunar prendem-se ao perturbadora do Sol, assim como se originam as mars da desigualdade de atrao que esses dois astros exercem sobre a Terra e o oceano que a rodeia. E demonstra-nos, enfim, como tambm a precesso dos equincios no passa de conseqncia necessria da mesma lei.

Pois execuo dessas leis que est confiada a harmonia do sistema planetrio; a elas que os mundos devem os seus anos, as suas estaes, os seus dias; nelas que haurem a luz e o calor distribudos em diversos graus pela fonte cintilante; delas que derivam a ecloso da vida, a forma e ornamento dos corpos celestes. Sob a ao incoercvel dessas foras colossais, os mundos se transportam no espao com a rapidez do relmpago e percorrem centenas de mil lguas por dia, sem parar, seguindo estritamente a rota certa e previamente traada por essas mesmas foras.

Se nos fora dado libertar-nos um momento das aparncias, sob cujo imprio nos acreditamos em repouso no centro do Universo, e se pudramos abranger num olhar de conjunto os movimentos que animam todas as esferas, haveramos de ficar surpreendidos com a imponncia desses movimentos. Aos nossos olhos maravilhados, enormssimos globos turbilhonariam rpidos sobre si mesmos, projetados no vcuo a toda a velocidade, quais gigantescas balas que uma fora de projeo inimaginvel houvesse enviado ao infinito. Admiramo-nos desses comboios ferrovirios que devoram distncias como drages flamantes e, no entanto, os globos celestes mais volumosos que a nossa Terra deslocam-se com uma rapidez que ultrapassa a das locomotivas tanto quanto a destas ultrapassa a das tartarugas. A terra que habitamos, por exemplo, percorre o espao com a velocidade de seiscentos e cinqenta mil lguas por dia. Rodeando esses mundos, veramos satlites em circulao e a distncias diferentes, mas adstritos e submissos s mesmas leis. E todas essas repblicas flutuantes inclinam os plos alternativamente para o calor e para a luz, a gravitarem sobre o prprio eixo, apresentando, cada manh, os diferentes pontos de sua superfcie ao beijo do astro-rei. Tiram, assim, da combinao mesma dos seus movimentos, a renovao da beleza e da juventude; renovam a fecundidade no ciclo das primaveras, dos estios, dos outonos e dos invernos; coroam de frondes as montanhas onde o vento suspira; refletem no espelho dos lagos a magia de suas paisagens; envolvem-se, s vezes, na lanugem atmosfrica, fazendo dela um manto protetor, ou transformando-a em cadinho retumbante de raios e granizos; desdobram por superfcies imensas a fora das ondas ocenicas, que, tambm por si, se alteiam sob a atrao dos astros, qual seio ofegante; iluminam crepsculos com os matizes policrmicos dos ocasos comburentes e fremem nos seus plos s palpitaes eltricas despedidas dos leques de boreais auroras; geram, embalam e nutrem a multido de seres que as povoam; e renovam o filo da vida desde as plantas fsseis, do passado, at o homem que pensa e sonda o futuro. Todos esses mundos, todas essas moradas do espao, departamentos da vida, nos apareceriam quais naves bussoladas, conduzindo atravs do oceano celeste tripulantes que no tm a temer escolhos nem impercias de comando, nem falta de combustvel, nem fome, nem tempestades.

Estrelas, sis, mundos errantes, cometas flgidos, sistemas estranhos, astros misteriosos, todos proclamariam harmonia, seriam todos os acusadores de quantos decretam no passar a fora de cego atributo da matria. E quando, acompanhando as relaes numricas que ligam todos esses mundos ao Sol qual corao palpitante de um mesmo ser houvermos personificado o sistema planetrio do prprio Sol foco colossal que a todos absorve na sua esplendente e poderosa personalidade ento, no tardaremos a ver nesse Sol, com o seu sistema, em trnsito pelos espaos infinitos, o atestado de que todas as estrelas so outros tantos sis, cercados, como o nosso, de uma famlia que deles recebe luz e vida, e veremos que todas as estrelas so guiadas por movimentos diversos e que, muito longe de ficarem fixas na imensidade, caminham com velocidades terrificantes, ainda mais cleres que as retro mencionadas.

S ento, o Universo inteiro brilhar aos nossos olhos sob o verdadeiro prisma e as foras que o regem proclamaro, com a eloqncia maravilhosamente brutal de fato concreto, o seu valor, a sua misso, autoridade e poder. Diante desses movimentos indescritveis inconcebveis mesmo, poderamos dizer que transportam pelos desertos do infinito essa infinidade de sis; diante dessa catadupa de estrelas do infinito; diante dessas rotas, dessas rbitas imensurveis, seguidas com a passividade dos ponteiros de um relgio, da ma que cai, ou da roda do moinho, obedientes lei da gravidade; diante da submisso dos corpos celestes a regras que a mecnica e as frmulas analticas podem traar de antemo, bem como da condio suprema de estabilidade e durao do mundo, quem ousar negar que a Fora no governe, no dirija soberanamente a Matria, em virtude de uma lei inerente ou afeta prpria Fora? Quem pretender subordinar a Fora cegueira constitucional da Matria e afirmar, maneira retrgrada dos peripatticos, que ela no passa de atributo oculto, reduzindo-a ao papel de escrava, quando ela se impe de tal arte e reivindica credenciais de absoluta suserania? Que Deus tal nunca permita. Que sucederia se ela, a Fora, deixasse de agir e abdicasse o seu cetro? A s imaginao desta hiptese dissolve a harmonia do mundo e o faz esboroar-se num caos informe, digno resultado, alis, de to insensata tentativa.

Leis universalmente demonstradas proclamam a unidade do Cosmos e evidenciam que o mesmo pensamento que regula as nossas mars ocenicas preside s revolues siderais das estrelas duplas, nos latifndios do cu. Tais duplos, triplos, qudruplos sis giram em conjunto, ao redor do centro comum de gravidade, obedecendo s mesmas leis que regem o nosso sistema planetrio. Nada mais prprio do que esses sistemas para nos dar uma idia da escala da construo dos mundos diz John Herschel.

Quando vemos esses corpos imensos, encasalados, descreverem rbitas enormes, cujo percurso lhes demanda sculos, somos levados a admitir simultaneamente que eles preenchem, na Criao, uma finalidade que nos escapa e que atingimos os limites da humana inteligncia para confessar a nossa inpia e reconhecer que a mais fecunda imaginao no pode ter do mundo uma concepo aproximativa sequer, da grandeza do assunto.

Os astrnomos que humildemente remontam ao princpio ignoto das causas no podem eximir-se de considerar nas mos de um ser inteligente essa atrao universal, que rege inteligentemente o Cosmos. A lei de gravitao dizia o saudoso diretor do Observatrio de Toulouse enfeixa implicitamente as grandes leis que regem os movimentos celestes e, por uma dessas coincidncias notveis que so o mais seguro ndice da verdade longe de temer as excees aparentes, as perturbaes dos movimentos normais, antes delas extrai as mais brilhantes confirmaes. Assim que vemos os gemetras modernos explicarem a precesso dos equincios pela combinao da fora centrfuga, oriunda da rotao da Terra, com a ao do Sol sobre o nosso menisco equatorial. Assim que vemos, ainda, explicar-se a nutao por uma influncia anloga, da Lua, sobre a luminescncia mesma da Terra e, mais: as atraes planetrias, a oscilao da eclptica e do movimento do apogeu solar; do retardamento de Jpiter quando Saturno se acelera, e vice-versa, quando a acelerao se d em Jpiter, etc. Finalmente, assim que sabemos por que, sob a influncia solar, a mdia do nosso movimento terrqueo se vai acelerando de sculo em sculo e dever diminuir mais tarde, por que a linha dos ns da Lua perfaz a sua revoluo em movimento retrgrado dentro de dezoito anos e por que o perigeu lunar se completa em pouco menos de nove anos, etc.

No somente, em resumo, esse princpio notvel explica todos os fenmenos conhecidos, como permite, muitas vezes, descobrir efeitos que a observao no indica, de modo que se poderia estabelecer a priori, pela anlise, a constituio do mundo e no nos socorrermos da observao seno em alguns pontos de referncia, de que se utilizam os gemetras sob a denominao de constantes, nos seus clculos. Tudo pois, no Universo, marcha por efeito de uma organizao admirvel de simplicidade, visto que os movimentos, aparentemente mais complicados, resultam da combinao de impulsos primitivos com uma fora nica agindo sobre cada molcula material; fora nica, com a qual, e conseqentemente, haja de ocupar-se, por assim dizer, o Criador. Mas, tambm, que desenvolvimento de poder no requer a produo incessante dessas foras, cuja existncia no essencialmente inerente matria! Oh! como deve ser vigilante a mo eterna que sabe, a cada momento, renovar tais foras, at nos mais impalpveis tomos dos inumerveis astros destinados a povoar as regies de infinita imensidade. No ser o caso de dizer com o rei-profeta, inclinando-se perante tanta grandeza: Coeli enarrant gloriam Dei?

A partir de Newton e Kpler, sabemos que o Universo um dinamismo imenso, cujos elementos em sua totalidade no cessam de agir e reagir na infinidade do tempo e do espao, com atividade indefectvel. Esta a grande verdade que a Astronomia, a Fsica e a Qumica nos revelam nas imponentes maravilhas da Criao.

Tal o sublime espetculo do mundo, tais as leis constitutivas da sua harmonia. Ora, qual a perfdia de linguagem, ou de raciocnio, que os materialistas utilizam para traduzir pr-domo sua esses fatos e conclurem pela ausncia de todo e qualquer pensamento divino?

Eis aqui os argumentos inscritos em letras berrantes num catecismo materialista que, por seu colorido de Cincia, se tem imposto a muita gente:

Todos os corpos celestes, pequenos ou grandes, se conformam, sem relutncia, sem excees nem desvios, com esta lei inerente a toda a matria e a toda partcula de matria, como podemos experimentar a cada momento. com uma preciso e certeza matemticas que todos esses movimentos se fazem reconhecer, determinar e predizer. Os espiritualistas vem nestes fatos o pensamento de um Deus eterno, que imps Criao as leis imutveis de sua perpetuidade. Os materialistas, porm, ao contrrio, no vem nisso seno a prova de que a idia de Deus no passa de uma pilhria. Outro fora o caso, se existissem corpos celestes caprichosos ou rebeldes, se a grande lei que os rege no fosse soberana. fcil (diz Bchner) conciliar o nascimento, a constelao (?) e o movimento dos orbes com os processos mais simples que a matria de si mesma nos possibilita. A hiptese de uma fora pessoal criadora inadmissvel. Por que? Ningum, jamais, pde sab-lo. Os espiritualistas admiram o movimento dos astros, a ordem e harmonia que a eles preside. Ingnuos! No Universo no h ordem nem harmonia e sim, pelo contrrio, a irregularidade, os acidentes, a desordem, que excluem a hiptese de uma ao pessoal regida pelas leis da inteligncia, mesmo humana.

Ponderemos: Coprnico publicou Revolues Celestes, aps trinta anos de rduos labores; Galileu s depois de vinte anos fecundou a lei do pndulo; Kpler no levou menos de dezessete para formular suas leis e Newton, j octogenrio, dizia no ter ainda chegado a compreender o mecanismo dos cus; e, depois disso, vm propor-nos acreditar que essas leis sublimes e que tudo quanto esses gnios possantes mal puderam encontrar e formular no revelam no ascendente que as imps matria, uma inteligncia sequer igual do homem!

E o Sr. Renan escreve ento esta frase: Por mim, penso no haver no Universo inteligncia superior humana. E ousam compadrinhar-se com acidentes que propriamente o no so, para afirmarem que no existe harmonia na construo do mundo.

Que seria, ento, preciso para vos satisfazer, senhores criticistas de Deus?

Vamos diz-lo: primeiro, que no houvesse espao (!) ou que esse espao fosse menos vasto, visto haver, decididamente, muito espao no infinito: se houvramos de atribuir a uma fora criadora individual diz Bchner a origem dos mundos para habitao de homens e animais, importaria saber para que serve esse espao imenso, deserto, vazio, intil, no qual flutuam planetas e sis? Porque os outros planetas do sistema no se tornaram habitveis para o homem? Na verdade, formulais uma pergunta bem simples. E a temos como esses senhores se do fantasia de declarar intil o espao, a querer que todos os globos se comuniquem entre si. O caricaturista Granville j tivera a mesma idia, quando representou num dos seus encantadores desenhos os jupterianos em excurso a Saturno, atravessando uma ponte, de charuto boca. E o anel de Saturno l est como um grande alpendre, onde os saturninos vo noite refrescar-se. Se esse o desejado universo, cujo primeiro resultado seria imobilizar o sistema planetrio, mais avisados andariam os inventores dirigindo-se seriamente Escola de Pontes e Caladas, antes que Filosofia.

Que esta, na verdade, nada tem com isso.

Se houvesse um Deus ajuntam , para que serviriam as irregularidades e despropores enormes de volume e distncia entre os planetas e o nosso sistema solar? Porque essa completa ausncia de ordem, de simetria, de beleza? Havemos de convir que preciso ser um tanto pretensioso para admirar cenografias de bastidores teatrais e recusar ao mesmo tempo a beleza e a simetria s obras da Natureza. Parece-nos mesmo que a primeira increpao que se faz neste sentido.

De resto, esses senhores no nos oferecem seno negaes. Negao de Deus, da alma, do raciocnio e seus poderes, sempre, e em tudo, negao. Isso o que propriamente lhes concerne, e nada mais. Sua pretensa conscincia cientfica simples burla. Nossos espirituosos adversrios no raro resvalam no plano raso das puerilidades. Um dentre eles adverte que a luz caminha com a velocidade de 75.000 lguas por segundo, achando que pouco e que ridculo para um Criador o no poder aceler-la. Outro acha que a Lua tambm no gira suficientemente clere. A Lua diz o americano Hudson Tuttle no gira seno uma vez sobre si mesma, enquanto completa a sua revoluo em torno da Terra, de sorte que lhe apresenta sempre a mesma face. Assiste-nos legtimo direito de perguntar porque, pois se houvesse nisso um intuito qualquer, a sua execuo deveria ser assinalada. Na verdade, o Criador foi assaz negligente deixando de admitir esses senhores na intimidade da sua tcnica. J se viu uma coisa assim? Deix-los em completa ignorncia dos fins que se props ao fazer rodar to lerdamente a nossa amvel Luazinha!

Mas, de fato: ser que Deus no poderia ter tido melhor conduta a benefcio de nossa instruo pessoal? Ns! Por que, perguntamo-nos ainda, a fora criadora no gravou em linhas de fogo (certo em alemo) o seu nome no cu? Porque no deu aos sistemas siderais uma ordem que nos desse a conhecer, de maneira evidente, sua inteno e desgnios? Que estpida divindade!

Com efeito, senhores, sois admirveis e a vossa maneira de raciocinar iguala vossa cincia, o que alis no pouco.

Que pena no terdes vs mesmos construdo o Universo! Sim, porque ento tereis prevenido todos estes inconvenientes...

Mas, dizei-me: estais bem certos de conhecer integralmente a matria para afirmar que ela substitui Deus, com vantagem?

Ser que ela vos explica completamente o estado do Universo?

Que respondeis? Bem duvida, atada no nos dado saber ao certo porque a matria tomou tal movimento em tal momento, mas, a Cincia atada no dispe a ltima palavra e no impossvel que ela nos revele um dia a poca em que nasceram os mundos. Tal a definitiva resposta desses senhores. Por ela, ainda se confessam um tanto ignorantes.

Que suceder, ento, quando se compenetrarem de que conhecem tudo, em absoluto? Cincia! seno estes os frutos da tua rvore?

Aqui, bem o caso de confessar, com o prprio Bchner, que a comumente invocada profundeza do esprito alemo antes perturbao que profundeza de esprito. O que os alemes chamam filosofia acrescenta o mesmo escritor no mais que mania de jogar com idias e palavras, e com o que se atribuem o direito de olhar outros povos por cima dos ombros.

No h sabedoria, inteligncia, ordem, harmonia no Universo.

Semelhante acusao ser mesmo feita a srio?

Por ns, temos que lcito duvidar.

Em Outubro de 1604, magnfica estrela surgiu de improviso na constelao da Serpente.

Os astrnomos ficaram assaz surpresos, por isso que uma tal apario parecia contrria harmonia dos cus. As estrelas variveis ainda no eram conhecidas. Como, pois, nascera aquela? Fortuitamente? Engendrada ao acaso? Estas as interrogaes de Kpler, quando sobreveio um pequeno acidente...

Ontem disse-o ele , no curso das minhas elucubraes, fui chamado para o jantar. Minha mulher trousse mesa uma salada. Pensas, disse-lhe eu, que, se desde os primrdios da Criao flutuassem no ar, sem ordem nem direo, pratos de estanho, folhas de alface, gros de sal, azeite e vinagre e pedaos de ovo cozido, o acaso os juntaria hoje para fazer uma salada? No to boa como esta, seguramente respondeu-me a bela esposa.

Ningum ousou considerar a nova estrela como produto do acaso e hoje sabemos que o acaso no tem guarida no mecanismo dos astros. Kpler viveu adorando a harmonia do mundo e s como extravagncia admitia dvidas a respeito. Os fundadores da Astronomia Coprnico, Galileu, Tieha-Brah, Newton, todos se acordam no mesmo culto de Kpler.

No so, portanto, os astrnomos que increpam o cu de falta de harmonia.

mundos esplendorosos! sis do infinito, e vs, terras habitadas que gravitais em torno desses focos brilhantes, cessai o vosso movimento harmonioso, sustai vosso curso. A vida vos irradia da fronte, a inteligncia mora em vossas tendas e os vossos campos recebem, dos multifrios sis que os iluminam, a seiva fecunda das existncias. Sois levados, no infinito, pela mesma soberana mo que sustenta o nosso globo, merc da suprema lei que inclina o gnio adorao da grande causa. Daqui, seguimos os vossos movimentos, mau grado s inominveis distncias que nos separam, e observamos que esses movimentos so regulados, qual os nossos, pelas trs regras que a genialidade de Kpler vingou formular. Do fundo abismal dos cus, vs nos ensinais que uma ordem soberana e universal rege os mundos. Vs nos contais a glria de Deus em termos que deixam a perder de vista os com que a proclamava o rei-profeta, escreveis no cu o nome desse ente desconhecido, que nenhuma criatura pode sequer pressentir. Astros de movimentao maravilhosa, gigantescos focos da vida universal, esplendores do cu! vs nos fazeis genufletir, como crianas, vontade divina e os vossos beros balanam confiantes na imensidade, sob o olhar do Onipotente. Percorreis humildemente a rota a cada qual traada, viajores celestes! E desde os mais remotos sculos, desde as idades inacessveis em que sastes do primitivo caos, eis-vos manifestando a previdente sabedoria da lei que vos conduz... Insensatos! massas inertes, globos cegos, brutos notvagos, que fazeis? Parai, cessai com esse eterno testemunho...

Detende o turbilho colossal dos vossos cursos mltiplos. Protestai contra a fora que vos avassala. Que significa essa obedincia servil? Ento, filhos da matria, no ser ela a soberana do espao? Dar-se- que haja leis inteligentes? Foras diretoras? Nunca, jamais. Laborais num erro insigne, estrelas do infinito! sois vtimas do mais ridculo ilusionismo...

Escutai, pois: no fundo dos vastos desertos siderais, dormita obscuro um pequenino globo desconhecido. No tendes acaso percebido, uma que outra vez, entre as mirades de estrelas que branqueiam a Via-Lctea, uma estrelinha de nfima grandeza?

Pois bem, essa estrelinha, como vs, tambm um sol e em torno dele rolam algumas miniaturas de mundos to pequeninos que rolariam quais gros de areia, na superfcie de um de vs. Ora, sobre